Da Sexta Vez Não Passa

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www.iesb.br/psicologiaiesb PSICOLOGIA IESB, 2010, VOL. 2, N O . 1, 5869 58 “DA SEXTA VEZ NÃO PASSA”: VIOLÊNCIA CÍCLICA NA RELAÇÃO CONJUGAL "FROM THE SIXTH TIME NO GO”: CYCLICAL VIOLENCE IN MARITAL RELATIONSHIP Myrlla Maria Normando Moreira Daniela Prieto 1 Instituto de Educação Superior de Brasília Resumo A violência cíclica é um processo contínuo e repetitivo que envolve as fases de tensão, agressão, pedi‐ do de desculpas e lua de mel. O presente trabalho analisa dois estudos de caso de mulheres que vi‐ venciam esse tipo de violência na relação conjugal. Foram realizadas entrevistas com os casais a fim de identificar o funcionamento dessas relações. As mulheres que experienciam este tipo de relação confli‐ tuosa apresentam dificuldades em libertarem‐se desse contexto, pois seus companheiros apresentam comportamentos e utilizam estratégias que além de facilitarem a manutenção dessa relação violenta tornam suas companheiras mais tolerantes às agressões. Palavras-chave: processo, violência cíclica, mulher, relação conjugal. Abstract Cyclical violence is a continuous and repetitive. This paper examines two case studies of women who experience such violence in the marital relationship. Interviews were done with couples to identify the functioning of these relationships. Women who experience this type of relationship conflict have diffi‐ culties break out of that context, because his companions have behaviors and strategies to use in addi‐ tion to facilitating the maintenance of this relationship makes her more tolerant of aggression. Keywords: process, cyclical violence, woman, couple relationship. —————— 1 E‐mail: [email protected]

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Artigo científico Sobre violência conjugal

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“DA SEXTA VEZ NÃO PASSA”: VIOLÊNCIA CÍCLICA NA RELAÇÃO CONJUGAL

"FROM THE SIXTH TIME NO GO”: CYCLICAL VIOLENCE IN MARITAL RELATIONSHIP

Myrlla Maria Normando Moreira Daniela Prieto1

Instituto de Educação Superior de Brasília

Resumo

A violência cíclica é um processo contínuo e repetitivo que envolve as fases de tensão, agressão, pedi‐do de desculpas e lua de mel. O presente trabalho analisa dois estudos de caso de mulheres que vi‐venciam esse tipo de violência na relação conjugal. Foram realizadas entrevistas com os casais a fim de identificar o funcionamento dessas relações. As mulheres que experienciam este tipo de relação confli‐tuosa apresentam dificuldades em libertarem‐se desse contexto, pois seus companheiros apresentam comportamentos e utilizam estratégias que além de facilitarem a manutenção dessa relação violenta tornam suas companheiras mais tolerantes às agressões.

Palavras-chave: processo, violência cíclica, mulher, relação conjugal.

Abstract

Cyclical violence is a continuous and repetitive. This paper examines two case studies of women who experience such violence in the marital relationship. Interviews were done with couples to identify the functioning of these relationships. Women who experience this type of relationship conflict have diffi‐culties break out of that context, because his companions have behaviors and strategies to use in addi‐tion to facilitating the maintenance of this relationship makes her more tolerant of aggression.

Keywords: process, cyclical violence, woman, couple relationship.

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1 E‐mail: [email protected]

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Muito se tem falado a respeito da violência conjugal, suas causas, efeitos, possíveis for‐mas de enfrentamento e erradicação, seu impacto na sociedade e na saúde pública. A violência contra a mulher é um fenômeno universal que atinge todas as classes sociais, culturas, religiões e etnias, podendo ocorrer em populações de diferentes níveis de de‐senvolvimento social e econômico. O movimento em favor das vítimas de vio‐lência perpetrada por seus companheiros teve início nos primeiros anos da década de 70 na Inglaterra. As iniciadoras de tal mo‐vimento eram declaradamente feministas e consideravam a violência contra a mulher como um problema social que demandava a intervenção profissional e requeria a atua‐ção humanitária, definindo a violência do‐méstica como um problema social. Contudo, apesar do movimento ter tido seu início nos anos 70, foi ao longo da década de 80 que as expressões “violência familiar” e “violência doméstica” tiveram maior impacto e mobi‐lização social (Soares, 1999). Os movimentos feministas proporcionaram diversas modifi‐cações tanto nos papéis exercidos pelas mu‐lheres bem como na política mundial. Estudiosos acreditam que o comportamento violento é transmitido transgeracionalmen‐te, pois é na família que os indivíduos rece‐bem as primeiras lições de violência. (Soa‐res, 1999; Dias, Moraes & Reichenheim, 2006, Cabral, 1999; Filho, Neto & Silva, 2009). É nas relações familiares que meni‐nos ou meninas, vítimas ou testemunhas de violência aprendem que aqueles que amam ou são amados são também aqueles que ba‐tem. Dessa forma transmite‐se a mensagem que bater em outros membros da família é algo aceitável, tornando a violência permis‐sível, quando outros recursos não funciona‐ram. Tais crianças, por sua vez, teriam mais chances de serem vítimas ou perpetradores de violência na fase adulta. Portanto, as raí‐

zes da violência estariam na estrutura fami‐liar e nas próprias relações de gênero. A visão da família como santuário sagrado acabou gerando uma barreira de proteção contra um fato um tanto desconcertante e, para muitos, inaceitável: é exatamente den‐tro da própria casa que as mulheres correm risco de serem agredidas, estupradas, amea‐çadas e mortas (Soares, 1999). Alves e Diniz (2005) informam que esta forma de violência comum foi mantida oculta no mundo pri‐vado e ganhou o espaço público nos primei‐ros anos da década de 80 quando crimes contra as mulheres de classe média, pratica‐dos por seus maridos ou ex‐maridos, foram acompanhados de grande mobilização por parte dos movimentos feministas. Neste momento, a violência conjugal foi denunci‐ada e tornou‐se uma questão pública. Após a quebra deste silêncio perpetrado por muitos anos, a violência doméstica passa a ser percebida pelos governos mundiais e pe‐la sociedade em geral e estes por sua vez dão visibilidade ao que antes era apenas mantido entre as paredes do lar. No que diz respeito às mudanças sociais no Brasil, em agosto de 2006, entrou em vigor a Lei Maria da Penha que trata exclusivamen‐te de crimes cometidos contra a mulher no ambiente familiar. Esta Lei criou mecanis‐mos para coibir e prevenir a violência do‐méstica e familiar contra a mulher nos ter‐mos da Constituição Federal e da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher. Dis‐põe sobre a criação dos Juizados de Violên‐cia Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência do‐méstica e familiar. Deve‐se ter em mente que não se pode considerar este conceito como algo acabado, mas sim como algo em constante construção, compreendendo que a intensidade das ameaças e o poder que as

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palavras têm de ferir uma pessoa depende‐rão do contexto em que são proferidas e da dinâmica de cada relação. A violência no ambiente doméstico ocorre com freqüência e é difícil de ser reconheci‐da, pois é cercada pelo medo, dor e silêncio das mulheres (Brasil, 2006). Freqüentemente os casais que se envolvem em violência do‐méstica formam vínculos patológicos que se retro‐alimentam em uma progressiva onda de violência em que coexistem o ódio e o rancor. A patologia de um dos cônjuges po‐de ser amplamente predominante e o terror da perda do objeto “amado” pode levar o indivíduo a utilizar como defesa atos que intimidam seu parceiro (Borges, Sá & Wer‐lang, 2009). A violência conjugal varia desde humilhações, ameaças, acusações até a vio‐lência física. Todas estas expressões de vio‐lência são toleradas, silenciadas e desculpa‐das, pois por diversas vezes as mulheres explicam este comportamento como sendo inerente ao gênero masculino, ou problemas no trabalho, ou ainda porque os homens não controlam seus impulsos. Safiotti (1999) afirma que as relações violen‐tas tendem a obedecer a uma escala pro‐gressiva através dos anos de relacionamen‐to, iniciando com agressões verbais, ameaças de morte, passando para as físicas e/ou sexuais, chegando até mesmo o homi‐cídio. As mulheres historicamente costumam re‐produzir relações de dependência, pois se‐gundo Lerner (1990), elas foram treinadas para a dependência patológica desde o nas‐cimento. A autora enfatiza que as estruturas dos casamentos tradicionais facilitam o sen‐so de dependência psicológica e financeira das mulheres, mesmo aquelas autoconfian‐tes e com poderes individuais. O homem também apresenta comportamentos de de‐pendência. Estes ao casarem, não abando‐nam o papel de filho, pois culturalmente

uma boa esposa possui as mesmas qualida‐des de uma mãe: aquela que cuida, alimen‐ta, acalma, encoraja e supre as necessidades básicas do ser humano, sem a qual não so‐breviveríamos ao nascimento. Este papel de cuidar pode levar a mulher, conscientemen‐te ou não, a acreditar que suas necessidades serão supridas quando ela satisfaz a neces‐sidade do outro. Quando isto não acontece, existe a possibilidade de apresentarem comportamentos excessivamente dependen‐tes ou exigentes. Esta característica feminina sugere que as mulheres possuem uma maior tendência a se preocupar com as necessida‐des do outro do que satisfazer suas próprias necessidades. Pode‐se ainda compreender o comportamento passivo‐dependente da mu‐lher como um mantenedor e protetor da re‐lação abusiva (Lenner, 1990). Atualmente, com a saída das mulheres do seio da família para o mercado de trabalho, as tarefas diárias multiplicaram‐se, pois os serviços domésticos continuaram e acres‐centaram‐se aos serviços fora de casa. Mui‐tas mulheres são julgadas como esposa e mãe ruins por acumularem diversas tarefas. Esta metacomunicação social representa uma contraforça à mudança feminina, man‐tendo, assim o papel de cuidadora das ne‐cessidades do outro. Segundo Saffiotti (2005), mesmo após os movimentos feminis‐tas, as dessemelhanças de gênero não foram eliminadas. Embora a mulher tenha realiza‐do grandes conquistas sociais, a discrimina‐ção do gênero ainda a coloca em uma condi‐ção de inferioridade em relação ao homem. A família de origem tem uma importante representatividade na composição desta mulher passivo‐dependente. Famílias em que o crescimento individual da mãe foi i‐nibido, as filhas tendem a apresentar o mesmo comportamento, como um voto de fidelidade inconsciente, pois se as filhas a‐presentarem um comportamento mais au‐tônomo estarão sendo desleais e traindo a

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mãe. Conseqüentemente, este processo ten‐de a repetir‐se nas relações conjugais aju‐dando a manutenção de relações abusivas e violentas (Lenner 1990).

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA Há uma diferença entre um casamento ruim e um casamento abusivo. Embora todo ca‐samento no qual ocorra o abuso seja obvia‐mente ruim, nem toda relação marital ruim é abusiva. É a assimetria na relação, o que diferencia uma simples briga de casal de uma relação marcada pela violência. Um dos parceiros utiliza seu poder, sutilmente ou por meio da força, para controlar, mani‐pular e aprisionar o outro quando se trata de uma relação violenta (Hirigoyen, 2005, Miller, 1995/1999). A violência física é precedida pela violência psicológica, na qual o agressor impõe à ví‐tima diversas formas de violência. Faz‐se necessário entendermos inicialmente a vio‐lência psicológica para compreender de que maneira se instaura a violência física no ca‐sal. Hirigoyen (2005) ressalta que não existe violência física sem que anteriormente não tenha ocorrido a violência psicológica. A au‐tora afirma que a violência psicológica ca‐racteriza‐se quando uma pessoa possui dife‐rentes atitudes e expressões que objetivam aviltar ou negar a individualidade do outro, obter a submissão, manter o controle e o poder, tomando o parceiro como um objeto. As vítimas têm dificuldades em perceber e reconhecer a violência psicológica, uma vez que esta apresenta um limite impreciso e subjetivo, em que um mesmo ato pode ter significações distintas dependendo do con‐texto em que se apresenta e pode ter signifi‐cações diferentes que se alteram de acordo com seus atores. Pode‐se falar de violência psicológica quan‐do uma pessoa segue uma série de compor‐tamentos e de expressões que objetivam ne‐

gar a maneira de ser de uma outra pessoa. O agressor tem por finalidade agredir, deses‐tabilizar e ferir o outro. Esse tipo de violên‐cia não se trata de um desvio aleatório, mas de uma forma de se comportar dentro da re‐lação conjugal negando o outro e tornando‐o como objeto. Nem todas as mulheres pos‐sam por todas as formas de violência descri‐tas acima, contudo todas são interligadas (Hirigoyen, 2005). A violência psicológica ocorre de diversas formas como retrata Miller (1995/1999) e Hi‐rigoyen (2005): a humilhação, o questiona‐mento quanta à competência da companhei‐ra como mãe, mulher, esposa e profissional; o isolamento, proibindo‐a desde manter contato com a família até impedindo‐a de trabalhar e ou estudar; o aviltamento, a la‐vagem cerebral, o cativeiro, o controle, im‐pedindo‐a de sair de casa ou até mesmo de um cômodo específico; o ciúme patológico; o assédio; as intimidações e ameaças, dentre outros. A violência psicológica tem como principal objetivo controlar, solucionar con‐flitos e manter a esposa sob seu jugo. Uma característica comum aos homens que prati‐cam abusos emocionais é a habilidade em encontrar um ponto fraco na esposa, utili‐zando‐o como uma arma para mantê‐la co‐mo sua propriedade. Alguns utilizam os fi‐lhos, outros o trabalho, ou ainda sua capacidade como dona de casa e como mu‐lher. A violência emocional envolve uma vasta escala que transcorre desde a maldade cons‐tante com a companheira até o trauma psi‐cológico. Mesmo que os ossos nunca sejam quebrados, o sangue não tenha sido derra‐mado, a pele não seja queimada, mesmo as‐sim a mulher é ferida. Após tantos abusos, a mulher encontra‐se sem autoconfiança, au‐to‐respeito e vive vazia, sem identidade, impossibilitada de expressar‐se. Encontra‐se totalmente impotente cedendo sua vida e

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subjetividade ao controle do seu vitimiza‐dor (Miller, 1995/1999).

VIOLÊNCIA FÍSICA Após a implantação do domínio sobre o parceiro por meio da violência psicológica, a violência física é a etapa final presente na violência conjugal. Hirigoyen (2005) afirma que na grande maioria das vezes a violência física só surge quando a mulher resiste à vi‐olência psicológica. É a agressão física que é considerada como violência pela própria mulher e pela sociedade, já que deixa traços visíveis. A violência física pode ser caracte‐rizada pela ocorrência de empurrões, tapas, murros, queimaduras, braços torcidos, en‐forcamentos, socos, pontapés, puxar cabe‐los, ameaças com algum tipo de instrumen‐to ou arma de fogo, que possa causar lesões internas, externas ou ambas (Alves & Diniz, 2005, Azambuja, Blank, Cardoso, Day, De‐biaggi, Machado, Reis, Silveira, Telles & Zo‐ratto, 2003 e Hirigoyen, 2005). A violência física tem por objetivo marcar o corpo, destruir o pensamento e por fim anu‐lar o outro como sujeito. Os atos de violên‐cia física podem se repetir ou não ocorrer mais de uma vez, mas quando não são de‐nunciados, há sempre uma escala da inten‐sidade e freqüência das agressões (Hirigo‐yen, 2005).

VIOLÊNCIA CÍCLICA A violência contra a mulher é um processo contínuo e repetitivo. A violência pode ser apresentada em ciclos, sendo composto por quatro fases distintas, mas que se retroali‐mentam. A primeira fase é representada pela fase da construção da tensão. Durante esta fase a violência não aparece diretamente, mas tra‐duz‐se pela ocorrência de agressões verbais, silêncios hostis, olhares agressivos, ciúmes,

ameaças, destruição de objetos e irritação excessiva do agressor. Tudo o que a esposa faz o deixa com raiva e irritado. Esta faz de tudo para ser carinhosa, atenciosa e presta‐tiva, atendendo prontamente aos desejos do marido, acreditando ser capaz de controlar a situação. Contudo, o agressor tende a res‐ponsabilizar a vítima por todos os seus pro‐blemas e frustrações. Neste momento, a mu‐lher atribui a si a responsabilidade pela frustração e irritação do marido e desenvol‐ve inconscientemente um processo de cons‐tante auto‐acusação. Se ela pergunta o que está errado, ele lhe diz que não há nada de errado e que é ela quem está inventando coisas e conseqüentemente iniciam‐se as a‐gressões verbais e as ofensas (Soares, 1999 e Hirigoyen, 2005). Na segunda fase, a tensão aumenta e atinge seu ponto máximo, configurando a fase da agressão. O agressor perde o controle e sur‐gem então agressões mais graves. A violên‐cia física inicia‐se de forma gradual com empurrões, torções nos braços, tapas e, por conseguinte, socos e a utilização de armas de fogo. O agressor pode ainda forçar a companheira a manter relações sexuais com o objetivo de obter maior dominação. A ví‐tima, por sua vez, não esboça reação, pois o terreno já foi preparado na fase de tensão para que esta não se defenda. Entretanto, se tentar defender‐se ou questionar tal com‐portamento, a tendência é que a violência aumente. Esta fase pode ser caracterizada pela liberação da energia negativa acumu‐lada na fase de tensão e pode ser mais breve em comparação com as outras fases da vio‐lência cíclica (Soares, 1999 e Hirigoyen, 2005). A terceira fase pode ser descrita como a fase do pedido de desculpas no qual o agressor tende a minimizar seu comportamento a‐gressivo ou até mesmo anulá‐lo. Esta fase é acompanhada de arrependimento e o ho‐mem tenta encontrar uma explicação para

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que não se sinta culpado, sendo mais fácil culpar a vítima por seus comportamentos agressivos, ou ainda, justificando sua agres‐sividade por motivos externos como o ex‐cesso de bebida ou de trabalho. O objetivo desta fase é responsabilizar a companheira e fazer com que ela não sinta mais raiva pelas agressões sofridas. Neste momento, o mari‐do pede perdão, jura que tais comportamen‐tos jamais se repetirão, que irá procurar aju‐da de médicos psiquiatras ou os Alcoólicos Anônimos, por exemplo. A esposa por sua vez, sentindo‐se mais uma vez culpada, a‐credita que se estiver mais atenciosa, se mo‐dificar seu comportamento e evitar atitudes que aborreçam o marido, evitará que seu cônjuge se irrite e perca o controle nova‐mente (Hirigoyen, 2005). A quarta e última fase é conhecida como fa‐se de lua de mel. Após terem cessados os a‐taques violentos, as agressões físicas e os in‐cessantes pedidos de desculpas e promessas, inicia‐se a quarta fase. Sua prin‐cipal característica é a ausência de tensão e o comportamento amoroso do esposo. Este se comporta de forma agradável, amável, aju‐da nas tarefas domésticas, mostra‐se apai‐xonado e realiza diversos esforços para tranqüilizar a esposa levando‐a, inclusive, a pensar que é ela quem detém o poder da re‐lação. Neste momento, as mulheres acredi‐tam que podem corrigir esse homem e que com seu amor, paciência e dedicação ele voltará a ser aquele homem gentil por quem se apaixonaram. É geralmente neste mo‐mento que as mulheres agredidas retiram as queixas. Entretanto, esta falsa esperança faz com que as mulheres tornem‐se mais tole‐rantes à agressão. Tais comportamentos po‐dem ser percebidos como uma manipulação perversa a fim de manter a relação conjugal. Esta mudança de atitude pode ser explicada pelo medo do abandono, medo de perder a mulher. Contudo, é este mesmo medo que impulsionará o agressor a retomar o contro‐le da vítima e reiniciar mais uma vez o ciclo

da violência (Soares, 1999 e Hirigoyen, 2005). Com a violência instalada, os ciclos se repe‐tem e aceleram tanto no tempo como em in‐tensidade, ou seja, as fases tendem a serem mais curtas e mais intensas. As vítimas por sua vez tentam reconfortar e satisfazer o a‐gressor, observando os sinais sutis que pre‐cedem a crise. Diante das agressões verbais, comportam‐se de maneira constrita e acal‐mam o parceiro. Perante as agressões físicas, tendem a fugir ou tentam escapar, pois é uma questão de sobrevivência e evitam o confronto, pois sabem que tal comporta‐mento aumentará a violência (Hirigoyen, 2005). O presente estudo, portanto, tem por objeti‐vo analisar situações de violência cíclica no contexto familiar a partir do estudo de dois casos clínicos.

Método

Participantes Participam desta pesquisa casais que possu‐em as seguintes características: presença de violência conjugal, denúncia do perpetrador de agressão pela esposa e/ou companheira e violência cíclica. Os nomes utilizados são fictícios a fim de manter o sigilo e a integri‐dade dos participantes.

Procedimentos Os casais foram entrevistados no Setor de Medidas Alternativas (SEMA) do Ministério Público do Distrito Federal, localizado na cidade satélite de Ceilândia – DF, e no Cen‐tro Integrado de Atendimento à Mulher (CIAM), localizado nas instalações do IESB Oeste. A vítima e agressor compareceram a esses serviços a fim de realizar atendimento psicológico a partir de convocação do Mi‐nistério Público, após esse órgão ter conhe‐

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cimento do registro de ocorrência policial de violência conjugal. As entrevistas são orientadas por um roteiro semi‐estruturado. Tal entrevista avalia: situ‐ações de riscos, aspectos da relação conjugal atual, características das violências sofridas, início da violência, composição familiar, re‐lação familiar, relação conjugal dos pais, es‐colaridade, rede social e condições físicas e mentais da família. Relatórios psicológicos são elaborados com as informações obtidas nas entrevistas psi‐cológicas com a finalidade de subsidiar as decisões judiciais sobre a aplicação de me‐didas protetivas.

Estudo de caso 1 – “Vinte e nove dias de paz”. Joana tem 28 anos de idade, ensino médio completo. É casada há seis anos e sofre vio‐lência psicológica e física desde o início do matrimônio. Mãe de dois filhos: um menino de quatro anos e uma menina de oito meses. Sua formação é auxiliar técnica de enferma‐gem. Atualmente não trabalha, pois prefere cuidar das crianças. Foi encaminhada ao SEMA da Ceilândia após ter registrado o‐corrência contra o marido em decorrência da agressão física sofrida por ela. Seu mari‐do João, 32 anos de idade, possui nível fun‐damental incompleto e trabalha como fatu‐rista. A assistida cresceu em uma família no qual a violência conjugal era presente. Presen‐ciou por diversas vezes seu pai bater, esga‐nar, empurrar, ameaçar e xingar sua mãe. “Ele batia nela no meio da rua, na frente de todo mundo, não tava nem aí. Teve uma vez que ela foi no portão emprestar um balde para a vizinha que morava do lado e, quando ele viu, pegou ela pelo pescoço e saiu puxando até dentro de casa. A gente ficava com muita vergonha quando ele fazia isso e ficávamos sem sair de casa durante dias”(sic).

O pai trabalhava, mas fazia uso constante de bebidas alcoólicas. Segundo a entrevistada, ele sempre foi amoroso e atencioso com os filhos, nunca apresentou nenhum compor‐tamento agressivo com os mesmos. “Ele nunca deixou faltar nada dentro de casa. Ele era muito bom pra gente, mas era ciumento, não deixava a gente sair” (sic). Joana não entendia porque sua mãe se mantinha naquela rela‐ção. Informou que por diversas vezes pedia que sua mãe se divorciasse, pois assim po‐deria viver uma vida mais tranqüila, princi‐palmente durante sua adolescência, pois imaginava que com a ausência do pai pode‐ria ter mais liberdade, já que o mesmo era ciumento e a proibia de sair. Contudo, atu‐almente, diz arrepender‐se de ter incentiva‐do a mãe a divorciar‐se. “Eu me arrependo de ter dito tantas vezes para minha mãe separar de-le, pois hoje ela tá sozinha, não tem amigos, só fica em casa. Meu pai tá aposentado e, agora que ele está sem trabalhar, podiam viajar e um faria companhia para o outro. Se naquela época eu ti-vesse a cabeça que eu tenho hoje, nunca teria fa-lado para ela separar. Eu ia ajudar os dois a fica-rem juntos” (sic). Questionada em relação às constantes violências sofridas por sua mãe, Joana revelou sua percepção de que seria melhor que a mãe mantivesse o relaciona‐mento com seu pai, pois teria uma compa‐nhia, ao invés de ficar só como acabou ocor‐rendo. Ela denota dessa forma sua percepção de que ficar só é intolerável. A vítima informou que as violências físicas ocorrem, normalmente, aos finais de sema‐na, quando o marido vai para a casa do ir‐mão e volta de madrugada e embriagado. Aduziu que sempre inicia discussões, pois acha ruim o marido voltar tarde e o indaga se este ingeriu bebida alcoólica. “Ele não bate assim do nada. Não olha para minha cara e bate. Sempre tem um motivo. Eu sou muito nervosa e fico com raiva quando ele sai e volta tão tarde” (sic). Maurício sempre bate em sua cabeça e braços, pois não deixam marcas. Joana deu

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queixa outras duas vezes, sendo uma delas quando estava grávida de dois meses da se‐gunda filha, mas retirou tais queixas. Nessa época, a Lei Maria da Penha ainda não esta‐va em vigor. O marido disse ter se arrepen‐dido e prometeu à esposa que isso jamais se repetiria. Ela decidiu dar queixa novamente, pois nesta última briga imaginou que fosse morrer. “Ele me bateu muito, deu muito soco na minha cabeça. Pensei que dessa vez eu fosse mor-rer” (sic). A ofendida confirmou ainda que a violência verbal é constante com xingamentos, mas sem ameaças das partes. Relatou que o ma‐rido é um bom pai, não faz uso de bebidas alcoólicas com freqüência e é trabalhador. Contudo, informou que os dois filhos pre‐senciam constantemente as brigas e violên‐cias ocorridas. O autor do fato relatou que a última briga do casal, a qual deu origem à queixa, ini‐ciou‐se, pois foi à casa do irmão tomar uma cerveja e voltou um pouco tarde. Ao chegar em casa, sua esposa perguntou onde estava e porque havia demorado. Questionou‐lhe também se havia ingerido bebida alcoólica. “Quando cheguei, ela veio logo perguntando on-de eu estava e porque tinha demorado. Pegou minha boca para cheirar e ver se eu tinha bebido. Ela é muito nervosa! Ela jogou uma almofada no meu dedo que machucou e doeu. Nessa hora eu perdi a cabeça, mas o que mais faço é tentar me defender” (sic). A entrevistada, mais uma vez, não pretende dar continuidade no processo, pois afirma que o marido mudou e reconheceu seu erro. Disse ainda que, após a queixa, ele não saiu mais sozinho, passa o final de semana com a família e não a agrediu mais. “Quando estava grávida e dei a queixa, ele mudou muito, ficou mais carinhoso e preocupado comigo. Ele ficou um bom tempo sem brigar e nem me bater. Dessa vez foi a mesma coisa. Desde o dia que ele me ba-teu que não brigamos mais.” (sic). Ao longo

da entrevista, Joana expôs sua intenção de procurar um psiquiatra, pois acredita que as pancadas na cabeça podem estar lhe preju‐dicando. “Tenho sentido muita dor ultimamen-te e ando um pouco esquecida. Eu acho que deve ser por causa dos socos. Quero também que ele passe um remédio para eu ficar mais calma, as-sim quando Maurício sair, eu não vou ficar com raiva, pois ele vai chegar em casa e eu estarei dormindo e não vou ver nada. O mês tem trin-

ta dias. Se eu apanhar uma vez, será vinte e

nove dias de paz” (sic). Ao longo da entrevista, a ofendida apresen‐tou coerência na fala e não demonstrou me‐do do agressor. Seu discurso revelou um ex‐cesso de zelo ao relatar as violências sofridas, porém no decorrer da entrevista informou com maior riqueza de detalhes as agressões sofridas, apesar de não as reco‐nhecer como tal.

Estudo de caso 2 – “Da sexta agressão não pas-sa”. Maria tem 23 anos, está desempregada, con‐cluiu o ensino médio. Viveu em união está‐vel com José por dois anos, com quem teve uma filha de um ano e onze meses. Seu companheiro tem 37 anos é bombeiro e con‐cluiu o ensino médio. Afirmou que seu relacionamento sempre foi conturbado, com muita agressão verbal e seis agressões físicas. Informou que no dia da última agressão a filha estava doente, então ligou para José e pediu que viesse para casa comprar o remé‐dio. Quando o companheiro chegou estava irritado e ao entrar já foi lhe acusando: “Sua vagabunda, ela está doente por sua culpa” (sic). Maria reagiu ao xingamento jogando o celu‐lar no chão, o que segundo a mesma o enfu‐receu ainda mais. Ele desferiu‐lhe um mur‐ro no rosto derrubando‐a no chão. Relatou que mesmo no chão ele não parou de bater, com murros, chutes e tapas. Ficou por al‐

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gum tempo deitada sem conseguir levantar após a agressão. Com medo que ela o de‐nunciasse, o companheiro deixou‐a trancada em casa o dia todo, segundo ela informou. Contudo, no outro dia, num descuido do ex‐companheiro, ela foi à delegacia. Maria aduziu que esta não foi a primeira vez que apanhou do ex‐companheiro. Rela‐tou que desde a primeira agressão, ele de‐monstra arrependimento, logo após o ato, pois sempre lhe pede desculpas e passa um tempo tratando‐a muito bem. “Sempre pensei que seria a última, porque depois ele chorava me pedia perdão e passava muitos dias bom. Parecia até outro homem” (sic). Acrescentou que, quando sofreu a agressão, na qual o marido a atingiu com um rodo, ficou muito machu‐cada. Ele lhe ajudou a tratar dos ferimentos. “Quando me bateu com o rodo, o meu rosto ficou deformado e ele cuidou de mim, fez curativos e levou sopa na cama.” (sic) A assistida afirmou que desde a quinta vez que foi agredida havia avisado ao compa‐nheiro que “na sexta agressão não iria se

calar” (sic). Maria lhe deu esse ultimato quando José a agrediu com um rodo. Nessa ocasião, ele teria sentido ciúmes dela que es‐tava no portão quando o mesmo chegou do trabalho. Nesse dia o autor do fato acertou seu rosto com o cabo do rodo, segundo a ví‐tima. Afirma ter ficado desfigurada e deci‐dida a não deixar que tal ato ocorresse mais. José relatou que a última briga ocorreu, pois ao chegar em casa a companheira estava de cara feia e emburrada. Discutiram e ela jo‐gou o celular no chão, houve alguns empur‐rões e ela acabou caindo no chão, já que ele era mais forte. Informou que sabe que precisa mudar, pois é uma pessoa nervosa, explosiva, mas não gosta de discutir, contudo não consegue controlar seus ciúmes. “Não gosto que ela fi-que na rua, sei que é bonita, nova e chama a a-tenção, mas ela não me escuta, não me obedece.

Isso às vezes me tira do sério” (sic). Relatou que seu trabalho é muito estressante, uma vez que, é bombeiro. O autor do fato afirmou, ainda, estar arre‐pendido dos erros cometidos, porém não a‐credita que o fato de brigarem às vezes seja motivo para separação. “Briga todo casal têm, já disse que vou mudar e isso nunca mais vai a-contecer” (sic). José mostrou‐se confuso, an‐sioso e bastante preocupado pela possibili‐dade de não haver reconciliação entre o casal.

Análises dos casos

Nos dois casais acima é possível perceber as quatro fases da violência cíclica. A primeira fase como ressalta Hirigoyen (2005) e Soares (1999) é caracterizada pela fase de tensão na qual as agressões verbais, ameaças e xinga‐mentos são constantes. A segunda fase, da agressão, funciona como uma válvula de es‐cape da tensão construída na primeira fase. Ainda de acordo com as autoras, a violência física inicia‐se com tapas e empurrões, mas a tendência é piorarem, ou seja, em vez de um empurrão, um soco. Pode‐se perceber esta progressão da agressão quando uma das vítimas diz: “Pensei que dessa vez fosse morrer” (sic). Outro comportamento que e‐xemplifica o terceiro ciclo da violência é a mudança no comportamento do marido a‐pós a agressão física. Ele pede desculpas, promete que isso jamais ocorrerá novamen‐te e diz que vai mudar. Contudo, culpa a companheira por seu comportamento agres‐sivo, que fica explicitado quando um dos agressores diz: “Ela é muito nervosa!” (sic). O agressor tenta se eximir da responsabilidade da agressão. O marido no segundo casal jus‐tifica seus atos de agressividade e violência pelo excesso de trabalho. Relata que seu dia‐a‐dia é muito estressante. Após essas promessas de mudanças e exces‐sivos pedidos de desculpas, o casal entra em harmonia novamente e vive a última fase do

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ciclo, a fase de lua de mel. Fase na qual o agressor ajuda a esposa nas tarefas domésti‐cas e evita repetir o comportamento que o‐casionou a agressão, como explicita a se‐gunda vítima: “Parecia até outro homem”. (sic) No segundo caso apresentado, o mari‐do percebe‐se como uma pessoa nervosa que necessita mudar tal comportamento pa‐ra continuar com a esposa e relata ter medo de perdê‐la. Contudo, é nesta fase que a mulher desiste de dar continuidade no pro‐cesso. Esta falsa mudança é o que mantém a mulher nessa relação violenta, tornando‐a mais tolerante em relação às agressões so‐fridas. Os ciclos se repetem e as fases ten‐dem a serem mais breves e mais intensas. As aludidas autoras afirmam que a mudan‐ça do comportamento do marido relaciona‐se ao seu medo de ser abandonado e de perder o controle. Entretanto, é esse mesmo medo que incentivará o agressor a reiniciar o ciclo da violência. No segundo caso apre‐sentado, pode‐se verificar esta intensa preo‐cupação em reconciliar‐se com a esposa. Contudo, é este medo que o impulsionará para novas agressões. Hirigoyen (2005) e Soares (1999) informam que uma vez que a fase das desculpas e a fase da reconciliação diminuem, a mulher tende a aumentar seu nível de tolerância à violência sofrida e acaba aceitando a agres‐são como justificável e até mesmo como normal, colocando em risco sua vida, uma vez que a tendência das agressões é piora‐rem. Joana percebe a agressão do marido como sua responsabilidade, o que pode ser exem‐plificado nessa fala: “Ele não bate assim do nada. Não olha para minha cara e bate. Sempre tem um motivo. Eu sou muito nervosa e fico com raiva quando ele sai e volta tão tarde” (sic). Já Maria afirmou que, na sexta agressão, ela o denunciaria. Nessa última agressão, a qual deu a origem à queixa, o agressor continuou

com chutes e socos apesar de estar caída no chão. Esse episódio deixa claro como as as‐sistidas correm risco de morte, pois nos dois casos supracitados a violência tendeu a pio‐rar, conforme proposto por Hirigoyen (2005) e Soares (1999). Pode‐se compreender o comportamento de Joana, em manter‐se em uma relação conju‐gal violenta, pois de acordo com diversos estudos (Soares, 1999; Dias, Moraes & Rei‐chenheim 2006, Cabral, 1999; Silva, Neto & Filho, 2009) meninos ou meninas que foram vítimas ou testemunharam violência nas re‐lações familiares tendem a ser vítimas ou perpetradores de violência, uma vez que é na família que os sujeitos vivenciam as pri‐meiras relações de violência. Lerner (1990) afirma ainda que o comportamento passivo‐dependente da mulher é um mantenedor e protetor da relação abusiva, pois a família de origem tem um importante papel na construção da personalidade do indivíduo. Joana cresceu em uma família em que a vio‐lência conjugal era constante e seu pai era muito ciumento, tratava as mulheres da sua família como objeto de sua posse. Lerner (1990) ressalta que mulheres que crescem em famílias no qual a mãe é subjugada, ten‐dem a apresentar o mesmo comportamento da mãe, pois se apresentarem um compor‐tamento distinto estarão traindo a mãe, o que favorece a repetição de relações conju‐gais violentas e abusivas.

Considerações Finais

A violência conjugal tem ocorrência cons‐tante em diversos lares brasileiros e mundi‐ais. O presente estudo ressaltou a violência sofrida pelas mulheres vítimas de seus companheiros. Os casos citados apresenta‐ram relatos vivos de agressões verbais e físi‐cas que comprometem a auto‐estima da mu‐lher podendo levá‐las ao uso abusivo de álcool, drogas, ansiolíticos, causando‐lhes,

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Moreira, M. M. N. & Pietro, D.

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ainda, depressão, ansiedade e até mesmo o suicídio. Pode‐se perceber que nos casos descritos a violência psicológica funcionou como construção de um terreno para a vio‐lência física. O evento da violência cíclica e suas conse‐qüências estão no cerne da vida dessas mu‐lheres e de muitas outras que não foram ci‐tadas nesse estudo, pois a angústia, o medo e o desespero relatados é algo constante em suas vidas, principalmente, porque a vio‐lência desferida vem daqueles que deveriam amá‐las, ajudá‐las. Este tipo de violência é mais comum do que um ato de agressão física e é também um comportamento que se repete e sua tendên‐cia é sempre piorar, ou seja, as agressões vão ficando com o decorrer do tempo cada vez mais graves e colocam em risco a vida dessas mulheres. Faz‐se necessário que as mulheres conhe‐çam os conceitos de violência para que pos‐sam distingui‐los. Identificá‐los possibilita‐lhes encontrar meios que as retirem de tal situação, uma vez que as ambigüidades vi‐venciadas neste tipo de relação perpetram a permanência em um relacionamento abusi‐vo e violento. Sugere‐se a realização de estudos que pos‐sam propor políticas efetivas de prevenção da violência de gênero. Sugere‐se, ainda que as mulheres que sofrem violência sejam in‐centivadas a denunciar qualquer tipo de vi‐olência sofrida seja no lar ou em qualquer outro local. Dessa forma, poderão conquis‐tar e vivenciar os direitos adquiridos em to‐dos esses anos de luta para a erradicação do preconceito de gênero.

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Artigo convidado.