DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo...

266

Transcript of DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo...

Page 1: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca

DADOS DE COPYRIGHT

Sobre a obra

A presente obra eacute disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiroscom o objetivo de oferecer conteuacutedo para uso parcial em pesquisas e estudosacadecircmicos bem como o simples teste da qualidade da obra com o fimexclusivo de compra futura

Eacute expressamente proibida e totalmente repudiaacutevel a venda aluguel ou quaisqueruso comercial do presente conteuacutedo

Sobre noacutes

O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteuacutedo de dominio publico epropriedade intelectual de forma totalmente gratuita por acreditar que oconhecimento e a educaccedilatildeo devem ser acessiacuteveis e livres a toda e qualquerpessoa Vocecirc pode encontrar mais obras em nosso site LeLivrossite ou emqualquer um dos sites parceiros apresentados neste link

Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento e natildeo mais lutandopor dinheiro e poder entatildeo nossa sociedade poderaacute enfim evoluir a um novo

niacutevel

Nordeste

Aspectos da Influecircncia da Cana sobre a Vida e a Paisagem doNordeste do Brasil

Gilberto Freyre

Apresentaccedilatildeo de Manoel Correia de AndradeBiobibliografia de Edson Nery da Fonseca

Notas bibliograacuteficas revistas bibliografia elaborada por Gustavo HenriqueTuna

1ordf ediccedilatildeo digitalSatildeo Paulo

2013

A Pedro ParanhosAntiogenes Chaves

e Luiz Cedro e tambeacutem a Ciacutecero Diaso grande pintor dos canaviais do Nordeste

Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger 1945

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Um Nordeste1

Carlos Pena Filho

Um Nordesteonde nunca deixa de haveruma mancha daacuteguaum avanccedilo de mar um rio um riachoo esverdeado de uma lagoaOnde a aacutegua faz da terra mole o que querinventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencionaldos compecircndiosUm Nordeste da terraDas aacutervores lambuzadas de resinasDas aacuteguasDo corpo molhado dos homens que trabalhamdentro do mar e dos riosna bagaceira dos engenhosno cais do Apolonos trapiches de Maceioacute

1 Melhores poemas Carlos Pena Filho seleccedilatildeo de Edilberto Coutinho 4a

ed Satildeo Paulo Global 2000

Uma visatildeo autecircntica do Nordeste

Eacute uma tarefa complexa caracterizar e situar o livro Nordeste ndash Aspectosda influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasilno conjunto da obra do mestre de Apipucos comparando-o com outrasobras suas como Casa-grande amp senzala Sobrados e mucambos e Ordeme progresso

Jaacute em sua primeira ediccedilatildeo observa-se como Gilberto Freyre tinha apreocupaccedilatildeo de diferenciar no espaccedilo brasileiro uma regiatildeo bem distintadas outras o Norte ou Amazocircnia que eram constantemente associadas Naverdade ateacute os anos trinta do seacuteculo passado as pessoas se referiam ao Brasilcomo se ele fosse composto apenas de duas grandes porccedilotildees o Norte e o Sule ao fazerem esta caracterizaccedilatildeo chamavam de forma bastante empiacutericade Norte todas as aacutereas situadas ao norte da Bahia Tanto que em Satildeo Paulona linguagem vulgar chamavam todo migrante vindo da porccedilatildeo setentrionaldo Brasil de ldquobaianordquo e os mineiros chamavam de ldquobaianos cansadosrdquo isto eacuteaqueles que natildeo conseguiram chegar a Satildeo Paulo O proacuteprio Gilberto no seulivro sobre a regiatildeo natildeo procurou delimitar de forma bem objetiva onde oNordeste comeccedilava e onde ele terminava

Ele observou o Nordeste a partir de Pernambuco como se entendesseque o ponto central do mesmo fosse a cidade de Recife e que daiacute partiramem vaacuterias direccedilotildees as caracteriacutesticas regionais que iam se diluindo agraveproporccedilatildeo que se caminhava deste centro ndash Recife e regiatildeo accedilucareira ndash nasmais diversas direccedilotildees

As raiacutezes da ideia do Nordeste na obra gilbertiana jaacute satildeo encontradas nosartigos que escreveu para a imprensa do Recife publicados sobretudo noDiaacuterio de Pernambuco quando ainda adolescente vivia nos EstadosUnidos realizando seus estudos em Baylor e em Coluacutembia artigos que depoisforam reunidos por Joseacute Antocircnio Gonsalves de Melo seu primo e amigo emlivro intitulado Tempo de aprendiz Vecirc-se nesses artigos como o quaseadolescente que vivia no exterior acompanhava o que ocorria na sua

ldquoproviacutenciardquo tanto em relaccedilatildeo aos fatos poliacuteticos e econocircmicos comosobretudo em relaccedilatildeo aos problemas sociais e culturais Daiacute a sua visatildeo deglobalidade e a diversificaccedilatildeo de interesses que iam desde as festaspopulares os chamados folguedos ateacute a culinaacuteria a educaccedilatildeo passandopelas relaccedilotildees sociais em uma sociedade patriarcal que jaacute eliminara o regimeescravocrata mas vivia ainda sob o jugo de uma civilizaccedilatildeo patriarcal fechadae rigorosa Parecia ateacute que haviacuteamos saiacutedo de um sistema monaacuterquico masnatildeo haviacuteamos ainda entrado em uma organizaccedilatildeo social republicana maisaberta mais receptiva

Voltando ao Recife e vivendo a sua vida puacuteblica dedicado aos estudos epesquisas e ao jornalismo Gilberto se defronta com um duplo chamamentointelectual o da expansatildeo na regiatildeo do modernismo deflagrado em SatildeoPaulo pela Semana de Arte Moderna de 1922 por Mario e Oswald deAndrade e o chamamento para o processo de regionalizaccedilatildeo que procuravafazer sepultar o unitarismo monaacuterquico substituindo-o pelo estadualismorepublicano chamando a atenccedilatildeo para uma anaacutelise dialeacutetica ecaracterizando que entre o Paiacutes o Estado nacional e as antigas proviacutenciasagora chamadas de Estados havia as regiotildees

Eacute aiacute que se observa a grande influecircncia que em sua obra teve Seligmanmestre de Histoacuteria Econocircmica que levaria o socioacutelogo de Apipucos a umamaior aproximaccedilatildeo com escritores influenciados por ensinamentos natildeopositivistas como Seacutergio Buarque de Holanda e Caio Prado Juacutenior Emboracom um e outro Gilberto tivesse tido ao mesmo tempo desde os anos 1930convergecircncias e divergecircncias expressas em sua obra

As diferenccedilas com os modernistas paulistas se faziam sentir na grandeinfluecircncia sobre os mesmos de escritores europeus do periacuteodo posterior agravePrimeira Guerra Mundial e que se expressaram nas mais diversas formasliteraacuterias na poesia de Menotti Del Picchia de Manuel Bandeira de CarlosDrummond de Andrade na ficccedilatildeo onde pontificava um Graccedila Aranha ounos vaacuterios tipos de ensaios No Nordeste ele teve como grande opositor oagressivo jornalista Joaquim Inojosa E para contrapor-se ao chamadomodernismo Gilberto estruturou um contramovimento que procuravaaceitar as modificaccedilotildees modernistas de forma moderada e as tradiccedilotildeesregionais ao mesmo tempo em que procurava fazer conviver as mais diversas

manifestaccedilotildees como os chamados folguedos populares natalinos ossaudosos pastoris nas manifestaccedilotildees carnavalescas revivendo as ldquola ursardquo e osfestejos juninos Nessas manifestaccedilotildees culturais ele procurava aprofundar asraiacutezes africanas e indiacutegenas do Nordeste sem desprezar as influecircnciasibeacutericas Nelas se interpenetravam tradiccedilotildees cristatildes catoacutelicas trazidas daPeniacutensula Ibeacuterica com as oriundas da Aacutefrica e das Iacutendias Para isto eleorganizou no Recife em 1934 um Congresso Afro-Brasileiro em que reuniuusineiros aristocratas do accediluacutecar a burgueses e escritores ao lado de pais desantos em plena Praccedila da Repuacuteblica no tradicional Campo das Princesasno Teatro de Santa Izabel jaacute entatildeo um verdadeiro monumento histoacuterico

Foi nesse periacuteodo que ele colaborou intensamente com os jornais como oDiaacuterio de Pernambuco e A Proviacutencia externando ideias e pensamentos quecausavam impacto no pensamento conservador da eacutepoca Mas foi tambeacutemnesse periacuteodo que ele dirigiu a ediccedilatildeo do Livro do Centenaacuterio do Diaacuterio dePernambuco reunindo artigos seus e de outros escritores sobre os haacutebitos oscostumes e as artes nordestinas Em suas paacuteginas encontramos estudos daimportacircncia dos de Luiz Oiticica senhor de engenho depois usineiro emAlagoas sobre a arte da renda de bilros ou de Julio Belo que posteriormenteescreveria o claacutessico Memoacuterias de um senhor de engenho ao lado de textossobre Histoacuteria Economia e Vida Social do Nordeste Quase esqueceu textossobre os temas heroicos e sempre presentes na histoacuteria pernambucana comoa Revoluccedilatildeo de 1817 a Confederaccedilatildeo do Equador ou a Revoluccedilatildeo Praieira

Foi tambeacutem do seu grupo e das aspiraccedilotildees regionalistas que surgiram osfamosos romances de costumes de temas tatildeo nordestinos como os livros deJoseacute Lins do Rego de Graciliano Ramos de Amado Fontes de Jorge Amadoe de tantos outros que enriqueceram e mostraram ao Brasil o que era oNordeste E sua influecircncia se estendeu dentro deste espiacuterito agraves maisdiversas Ciecircncias Sociais com Reneacute Ribeiro na Antropologia Joseacute AntonioGonsalves de Melo na Histoacuteria Social Manuel Dieacutegues Juacutenior na Sociologia etantos outros sempre salientando a presenccedila nordestina nas ciecircncias e nasletras diante do Brasil

O livro Nordeste publicado em 1937 como o volume no 4 da ColeccedilatildeoDocumentos Brasileiros pela Editora Joseacute Olympio foi escrito parademonstrar que o Nordeste natildeo era uma regiatildeo uniforme mas uma

aglutinaccedilatildeo de regiotildees e sub-regiotildees que se estendiam desde o Maranhatildeo ateacutea Bahia Regiatildeo que fora povoada nos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo e queestruturara por meio de culturas diversas uma sociedade comcaracteriacutesticas proacuteprias mas tendo por base trecircs categorias que seentrecruzavam o latifuacutendio como forma de propriedade a monoculturacomo forma de exploraccedilatildeo econocircmica e a escravidatildeo como instituiccedilatildeo declasse social Apesar de cientista social o autor natildeo atribuiu a esta sociedadepatriarcal em formaccedilatildeo o meio natural como uacutenico e determinante massim como um resultado do intercacircmbio entre os fatores naturais como omeio ambiente levantando problemas ligados agrave forma de exploraccedilatildeo daterra dependente da proacutepria terra ndash solos e relevo ndash do clima da vegetaccedilatildeoque foi devastada pelo colonizador dos animais tanto nativos como osdomeacutesticos trazidos da Europa e a accedilatildeo do homem quer em sua condiccedilatildeode senhor dono de terra quer na condiccedilatildeo de escravo

Daiacute ser Nordeste a um soacute tempo um livro de Ciecircncia Social deSociologia de Antropologia de Ecologia e de Geografia

Mas ao diversificar os vaacuterios nordestes ele voltou-se sobretudo paraaquele da cana-de-accediluacutecar aquele que melhor conhecia de onde se originarae onde disporia de uma maior documentaccedilatildeo e de informaccedilotildees Admitindoque existiam vaacuterios nordestes enfatizou sobretudo o Nordeste accedilucareiroenquanto o Nordeste semiaacuterido ficou ao encargo do socioacutelogo cearense DjacirMenezes que escreveu sobre ldquoo outro Nordesterdquo Subjetivamente dava maiorimportacircncia ao Nordeste canavieiro do que ao semiaacuterido algodoeiro epastoril que seria ldquoo outrordquo

Em 1945 ao publicar livro famoso sobre a fome no Brasil Josueacute de Castroaceitaria a divisatildeo que caracterizava o Nordeste e reconheceu que haviaduas aacutereas de fome com caracteriacutesticas diversas a da seca a do accediluacutecar e a doalgodatildeo ou do gado

E Nordeste que em sua primeira ediccedilatildeo foi ilustrado por duas grandesfiguras de artistas plaacutesticos Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira vemtendo ediccedilotildees sucessivas ora mais ora menos ilustradas O mesmo temocorrido com as ediccedilotildees em liacutenguas estrangeiras

O corpo do livro compotildee-se de seis capiacutetulos sobre as relaccedilotildees entre acana e a terra a cana e a aacutegua a cana e a mata a cana e os animais e dois

finais sobre a cana e o homem E o autor com seu estilo ao mesmo tempocientiacutefico e literaacuterio procura mostrar e o faz com maestria como a cana aeconomia canavieira se expandindo por aacutereas anteriormente ocupadas pelachamada Mata Atlacircntica utilizando de forma mais completa a aacuteguadisponiacutevel na mesma quase eliminou os animais prefeririacuteamos dizer osbichos selvagens trocando-os pelos animais domeacutesticos trazidos da Europada Iacutendia e da Aacutefrica estruturou uma sociedade escravocrata onde umaminoria de senhores explorava as entatildeo chamadas ldquoclasses subalternasrdquodesenvolvendo culturas e extraindo riquezas como que se apoderando domeio natural e do homem difundindo costumes e espalhando viacutecios emazelas

E ateacute onde poderiam estender-se o trabalho a exploraccedilatildeo e as culturasque o homem ou melhor os senhores de terra e de escravos iamapropriando

Em Nordeste fica bem claro ao examinar o processo de ocupaccedilatildeo daterra como o europeu ao chegar ao Novo Mundo se sentiu perplexo diantedaquela mata exuberante e heterogecircnea tatildeo diferente da florestatemperada europeia e de como procurou substituiacute-la por uma vegetaccedilatildeo deorigem oriental mas que tambeacutem se adaptava no mundo mediterracircneo eque atravessando o Atlacircntico se firmara na costa americana fazendo-o comintensidade que provocaria a ruiacutena da economia canavieira das ilhas doAtlacircntico da Madeira sobretudo

Eacute que no Brasil principalmente a Zona da Mata Pernambucana e oRecocircncavo Baiano ofereciam condiccedilotildees propiacutecias ao desenvolvimento dacultura da cana o seu clima tropical com chuvas distribuiacutedas em duasestaccedilotildees os solos derivados de rochas cristalinas as chuvas se distribuindo noperiacuteodo do outono e inverno austral ndash de maio a setembro ndash e um estioprolongado que se estendia de outubro a abril permitiam que se fizesse oplantio da cana na estaccedilatildeo chuvosa e a colheita se efetuasse no estio Eraimportante esta estaccedilatildeo porque a moagem dos engenhos se realizava em umperiacuteodo que facilitava o transporte da cana dos ldquopartidosrdquo para a moitaassim como o transporte da lenha para a fornalha A floresta exuberante eraimpiedosamente destruiacuteda para dar lugar ao plantio da cana e fornecer alenha que era o combustiacutevel da eacutepoca Quanta madeira de lei ndash sucupira

jacarandaacute amarelo e tantas outras ndash foi queimada nas fornalhas dosengenhos porque o costume de queimar o bagaccedilo da cana nas fornalhas soacuteocorreria no seacuteculo XIX apoacutes mais de trecircs seacuteculos de colonizaccedilatildeoportuguesa Os solos da regiatildeo eram muito ricos em substacircncias mineraispodendo ser classificado em dois grandes grupos aqueles formados porargila lateriacutetica o chamado ldquobarro vermelhordquo dominante nas encostas e queeram eluviais e os solos transportados das encostas para as vaacuterzeas e vales dosrios que eram aluviais Estes eram os solos de massapecirc e se caracterizavampor formar um verdadeiro lamaccedilal no periacuteodo chuvoso amassados pelohomem e pelos animais que os pisoteavam tornavam-se pegajosos egrudavam nas solas dos peacutes e nas patas dos animais o que levou GilbertoFreyre a consideraacute-los como uma terra ldquogaranhonardquo que se agarrava e que sedeixava modelar pelo peacute dos homens e dos animais

Aleacutem de dominante na Zona da Mata de Pernambuco o massapecirctambeacutem era muito abundante ocupando grandes aacutereas em Sergipe nachamada regiatildeo da Cotinguiba e no Recocircncavo Baiano onde ele eacute chamadotambeacutem massapecirc embora seja um solo eluvial formado pela decomposiccedilatildeodo calcaacutereo ambos poreacutem satildeo solos ricos em aacutegua de escoamento lentopara os rios da regiatildeo o que faz com que a aacuterea em sua maior extensatildeopermaneccedila excessivamente uacutemida durante grande parte do tempo Estessolos pegajosos dificultavam de certa forma o escoamento da produccedilatildeoagriacutecola quando os engenhos natildeo ficavam agrave margem dos rios navegaacuteveis e acirculaccedilatildeo dos carros de boi ou a cavalo se fazia com muito cuidado elentidatildeo As relaccedilotildees de amizade de tornavam precaacuterias diante dadificuldade que as pessoas tinham de se visitar nos aniversaacuterios e batizadossoacute nas festas da ldquobotadardquo dos engenhos ou da ldquopejadardquo havia mais facilidadede locomoccedilatildeo porque elas se davam no periacuteodo de estio quando as chuvaseram escassas

A terra e sua qualidade chamavam a atenccedilatildeo por problemas os maisdiversos como o haacutebito muito difundido entre a populaccedilatildeo pobre de comerterra por parte das crianccedilas do medo de bichos da terra como as minhocasas cobras os lacraus e ateacute dos bichos-de-peacute que apareciam inicialmente sob aforma de coceiras mas que ao crescerem formavam bolhas de pus e traziamperigos de infecccedilotildees Natildeo se pode esquecer que em uma civilizaccedilatildeo rural haacute

sempre uma relaccedilatildeo muito iacutentima entre o homem e a terraMas se eram iacutentimas como se pode ler em Nordeste as relaccedilotildees entre o

homem e a terra tambeacutem eram iacutentimas as relaccedilotildees entre o homem e a aacuteguaa cana-de-accediluacutecar eacute uma planta profundamente ligada agrave aacutegua ao contraacuterioda planta que foi sua concorrente na ocupaccedilatildeo do espaccedilo nordestino oalgodatildeo Daiacute a separaccedilatildeo entre as aacutereas de cana e as de algodatildeo entre oNordeste uacutemido e o Nordeste seco

Na regiatildeo natildeo se observa a presenccedila de grandes rios estes ora satildeo riosmeacutedios que nascem no agreste e caminham para o litoral apresentandopequeno volume drsquoaacutegua sendo muitas vezes intermitentes no estio nos seusaltos e meacutedios cursos e volumosos no baixo curso quando atravessam a regiatildeouacutemida e satildeo abastecidos por afluentes nascidos na proacutepria mata ora satildeopequenos rios que nascem nas encostas do maciccedilo da Borborema e seencaminham para o oceano atraveacutes de vaacuterzeas onde alagaram e seaprofundam formando ldquoriasrdquo que no passado permitiam a entrada deembarcaccedilotildees de porte meacutedio a algumas leacuteguas de distacircncia do litoral comoocorria em Goiana em Igarassu e em Rio Formoso

Uma das antecipaccedilotildees felizes de Gilberto Freyre foi a de afirmar que osrios pequenos de aacuteguas pouco profundas por se ligarem facilmente ao solotinham uma vantagem sobre os rios maiores que facilitavam a navegaccedilatildeoporque a sua aacutegua por capilaridade infiltrava-se no solo e o umedeciabeneficiando os canaviais de beira de rio sempre de maior porte e maisverdes que os situados nos interfluacutevios

E a aacutegua prestava grandes serviccedilos ao homem natildeo soacute aguando as suascanas como facilitando o transporte fornecendo o produto para usodomeacutestico para regar as plantas para abastecer engenhos casas e cidadescomo tambeacutem para carregar detritos Isto sem falar no valor que se dava ateacuteo seacuteculo XIX aos saudaacuteveis banhos de rio Que diga a este respeito o nossopoeta maior Manuel Bandeira quando afirmou em poesia sublime queldquoteve o seu primeiro alumbramento ao ver uma moccedila nuinha tomandobanho no Capibaribe em Poccedilo da Panelardquo

Tambeacutem ela era utilizada como produtora de energia movendo osfamosos engenhos drsquoaacutegua ou engenhos reais mediante a construccedilatildeo deaquedutos que captavam a aacutegua em um ponto do rio ou riacho que se

encontrasse acima do engenho trazendo-a ateacute a moenda Aiacute eles podiamcair sobre a roda drsquoaacutegua nos engenhos copeiros no meio da roda nosengenhos meeiros ou na sua parte inferior nos baixeiros como tatildeo bemretratou Antonil no seu famoso livro do iniacutecio do seacuteculo XVIII

Em uma combinaccedilatildeo entre o transporte mariacutetimo e o fluvial tambeacutem elaera usada permitindo a utilizaccedilatildeo de barcos de tonelagem diversas desde osportos situados nos fundos dos estuaacuterios ou em canais como o de Itamaracaacuteque separava a ilha do continente ateacute os portos pequenos situados no litoralde onde as mercadorias eram transferidas para embarcaccedilotildees maiores elevadas para os portos europeus Assim o Recife era o principal porto dacapitania de Pernambuco e Salvador o da Bahia Portos de menor caladosituavam-se em vaacuterios pontos da costa como o da foz do Potenji o doMamanguape o do Paraiacuteba o do Goiana o de Santa Cruz o de Suape ouSanto Agostinho o de Tamandareacute o de Barra Grande e o de Alagoas entre oRecife e a foz do Satildeo Francisco

A importacircncia dos rios poreacutem natildeo se limitava a estes serem apenasabastecedores de aacutegua agentes de produccedilatildeo e forccedila motriz e formadores desolos uacuteteis agrave cana-de-accediluacutecar Gilberto se preocupava tambeacutem e sobretudocom o tratamento dado aos rios pelo homem enquanto colonizadordemonstrando as suas preocupaccedilotildees ecoloacutegicas com o meio ambiente jaacute nasprimeiras deacutecadas do seacuteculo XX Assim ele chamou atenccedilatildeo com a maiorveemecircncia contra o lanccedilamento das caldas de destilaria nos cursos drsquoaacuteguada regiatildeo da mata pelas destilarias das usinas de accediluacutecar e tambeacutem das aacuteguasservidas pela mesma Revoltado com os danos causados por estas induacutestriasque os transformavam em verdadeiros canais de escoamento de dejetosGilberto os classificava como verdadeiros mictoacuterios ou como fossasPosteriormente agrave publicaccedilatildeo do livro Nordeste Gilberto ao criar e dirigir oInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais depois transformado emFundaccedilatildeo Joaquim Nabuco patrocinou a realizaccedilatildeo de pesquisas sobre asbacias fluviais atingidas pelo lanccedilamento dos esgotos industriais Tanto nosrios norte-rio-grandenses como nos paraibanos pernambucanos e alagoanosEstes estudos foram dirigidos pelo geoacutegrafo Gilberto Osoacuterio de Andrade como apoio dos geoacutegrafos Maacuterio Lacerda de Melo Rachel Caldas Lins e ManuelCorreia de Andrade do antropoacutelogo Joseacute Heskett Lavareda e do botacircnico

Dardano de Andrade Lima aleacutem de alunos dos cursos de geografia daUFPE Dos trabalhos de pesquisas constavam trabalhos de campo

Assim em sua visatildeo totalizadora e dialeacutetica Gilberto Freyre tinhacondiccedilotildees e estiacutemulos para observar o papel desempenhado pelos chamadosrios de accediluacutecar do Nordeste criando problemas para os habitantes de umaregiatildeo bem povoada

Ainda Gilberto em sua visatildeo de antropoacutelogo procurou analisar aconvivecircncia entre o homem e o rio chamando a atenccedilatildeo para o seu usocomo objeto de lazer pois era nele que se tomava banho onde se nadava sepescava e se faziam festividades Atos que se estendiam tambeacutem aos accediludesque geraram histoacuterias pitorescas como a do senhor do engenho Cana Bravade aacuterea muito acidentada onde ele velho aristocrata de origem portuguesanos dias de chuva descia a ladeira da casa-grande em direccedilatildeo ao accedilude parao banho usando um guarda-chuva aberto e tamancos para natildeo escorregarna encosta iacutengreme

Tambeacutem com grande interesse pelos problemas alimentares GilbertoFreyre natildeo esqueceu nas paacuteginas de Nordeste e de outros livros e emartigos a deliacutecia que para ele representavam os chamados pitus do rio Unario que banhava a cidade de Palmares e as terras do engenho Japarandubaque pertencia a Pedro Paranhos Tatildeo guloso como o massapecirc sobre a qualnascera e se criara Gilberto era tambeacutem um grande apreciador econhecedor da culinaacuteria nordestina por ele divulgada em livros e artigoscomo o Accediluacutecar publicada apoacutes o Nordeste

A mata hoje em grande parte destruiacuteda e devastada mas aindaexuberante nas serras e encostas era a grande fascinaccedilatildeo para o mestre deApipucos preocupado natildeo soacute com o belo mundo vegetal como com a fontede vida que ela abrigava com as plantas mais diversas os bichos e as lendasQuanta importacircncia se dava agraves lendas sobre as criaturas que aiacute viviam comoa caapora que aplicava surras tremendas aos catildees que acompanhavam oscaccediladores o curupira o saci-pererecirc e a muitos outros seres que forampopularizados por Monteiro Lobato em seus livros infantis Mas ela eratambeacutem o abrigo de animais peccedilonhentos como cobras aranhas venenosasalguns lagartos e mamiacuteferos como as onccedilas os guaraacutes os porcos-espinhos ede inocentes animais de caccedila como as pacas cotias aleacutem de numerosos tipos

de macacos e de morcegosA floresta aleacutem de sua forma majestaacutetica eacute como toda floresta tropical

muito densa cheia de cipoacutes de lianas e botanicamente muito rica emmadeiras duras e diversificadas No periacuteodo colonial ela foi muito rica emmadeiras nobres aleacutem do pau-brasil que fornecia ao mercado europeu amateacuteria-prima para a tinturaria Madeira que apresentava melhor qualidadeno Nordeste tendo o chamado ldquopau de Pernambucordquo maior valor do que opau-brasil de outras regiotildees da colocircnia O nosso era comparado ao pauoriundo da ilha de Sumatra na Insuliacutendia Dentre as madeiras de maiorprestiacutegio destacavam-se o cedro o amarelo a maccedilaranduba o pau-drsquoarcoque podia ser roxo ou amarelo o freijoacute a sucupira etc Do jacarandaacute faziam-se os mais ricos moacuteveis utilizados nas casas-grandes dos senhores de engenhoe nos sobrados da cidade Mas tudo isto foi sendo devastadoimpiedosamente quer pelas serrarias quer como combustiacutevel nos engenhoso que na primeira metade do seacuteculo XX assombrou e provocou repulsa tantoa Gilberto Freyre como ao botacircnico Vasconcelos Sobrinho

A destruiccedilatildeo da mata como se pode concluir em Nordeste foi feita deforma contiacutenua e sistemaacutetica os colonizadores iniciavam com a derrubadado pau-brasil fato que jaacute no seacuteculo XVI causou indignaccedilatildeo ao donataacuterioDuarte Coelho Pereira e em seguida vinha a ldquocoivarardquo para queimar avegetaccedilatildeo rasteira e ser o espaccedilo ocupado com o cultivo da cana-de-accediluacutecarsempre em expansatildeo A derrubada era feita tambeacutem para obter a madeiraque serviria de lenha natildeo soacute para movimentar o engenho como para o fogatildeodas casas-grandes e dos trabalhadores e apoacutes o seacuteculo XIX nos fornos daspadarias e das locomotivas das ferrovias A madeira era tambeacutem largamenteutilizada na marcenaria onde se fabricavam cocircmodas cadeiras mesas ebancos moacuteveis famosos quando feitos de jacarandaacute ou de macacauacuteba Ehouve marceneiros que se tornaram ceacutelebres no Recife

Ainda era utilizada na construccedilatildeo civil em casas armazeacutens e igrejas quese tornaram famosos por sua riqueza e por suas dimensotildees Casas-grandesfamosas como a do engenho Noruega a de Poccedilo Comprido e de Uruaeacute eigrejas como as de Olinda do Recife de Goiana e de Igarassu Ou aindaconventos como os dessas cidades e da Paraiacuteba hoje Joatildeo Pessoa deSirinhaeacutem e de Rio Formoso

A devastaccedilatildeo das matas tatildeo condenada por Gilberto e maismodernamente pelos especialistas em ecologia e em meio ambienteprovocou naturalmente uma maior exposiccedilatildeo do solo agrave accedilatildeo dos agentesmeteoroloacutegicos e o empobrecimento dos mesmos

Embora a cana como gramiacutenea desse uma maior proteccedilatildeo ao solo doque o milho e o algodatildeo quando cultivada em encostas de maior decliveacelerava a degradaccedilatildeo e o transporte dos solos das encostas fazendo comque o regolito migrasse ladeira abaixo para se acumular nos vales e nasvaacuterzeas dos rios provocando o encharcamento dos solos e a formaccedilatildeo delagoas e pauis Fato bem observado nas Alagoas cujo litoral apresenta umaseacuterie de lagoas e de lagos barrados pelas restingas que represam os rios emseus baixos cursos formando lagoas como entre outras as de Mundauacute eManguaba Aleacutem disso provocava tambeacutem o assoreamento dos mesmos

O recuo da mata deixou grandes extensotildees de terra sob a influecircnciadireta das intempeacuteries com uma seacuterie de consequecircncias funestas Nos solosargilosos observou-se a intensificaccedilatildeo do escorregamento das vertentes comforte impacto sobre as cidades provocou a migraccedilatildeo de animais silvestrescomo os morcegos hematoacutefilos que antes viviam na floresta para as aacutereashabitadas o assoreamento das vaacuterzeas dos rios e das lagoas que cada vezmais se tornaram maiores e de menor profundidade a difusatildeo de insetostransmissores de moleacutestias que atacam tanto os animais como o homem euma seacuterie de outras consequecircncias danosas

Daiacute a conscientizaccedilatildeo de Gilberto Freyre frente aos problemasprovocados pelo desmatamento e suas posiccedilotildees corajosas na deacutecada de1930 contra os maiores responsaacuteveis por esta poliacutetica que seriam os usineirosdo accediluacutecar segundo ele em sua maioria despreocupados com asconsequecircncias sociais da accedilatildeo que desenvolviam Destes existiam algumasexceccedilotildees como o industrial Antocircnio Ferreira da Costa Azevedo o dono dausina Catende que chegou a ser a mais importante e maior usina daAmeacuterica do Sul Costa Azevedo pela sua competecircncia dinamismo ecapacidade de accedilatildeo teria sido um industrial do seacuteculo XX com mentalidadedo seacuteculo XXI

Quanto aos animais distinguia Gilberto Freyre os da terra e osimportados os primeiros em sua maioria pouco interessaram ao

colonizador apenas os papagaios pelo fato de aprenderem facilmente afalar foram criados por colonizadores portugueses e exploradores francesesque traficavam na costa brasileira durante as primeiras deacutecadas do seacuteculoXVI chegando a levar vaacuterios deles para a Europa e a apresentarem emeventos na Franccedila salientando que as aves brasileiras falavam a liacutenguafrancesa Da mesma forma os portugueses ensinavam a dizer ldquopapagaio realeacute de Portugalrdquo como que indicando que os colonos portugueses pensavamsempre em enriquecer no Brasil e regressar a Portugal

As araras e outros paacutessaros de plumagens coloridas tambeacutem atraiacuteam oscolonizadores da mesma forma que os paacutessaros canoros como o uirapuru daAmazocircnia e os sabiaacutes que cantavam nas palmeiras do Maranhatildeo

Macacos saguis cotias tatus caacutegados e ateacute veados eram tambeacutemreunidos e criados em lugares apropriados por proprietaacuterios de terra quedesejavam manter um maior contato com esta natureza que consideravamselvagem

Mas a maioria dos animais silvestres era utilizada sobretudo nosprimeiros tempos na alimentaccedilatildeo como caccedila possibilitando o preparo demuitas iguarias com a anta maior mamiacutefero da Ameacuterica o tatu a cotia apaca o porco-do-mato o veado o jacareacute e a grande variedade de peixestanto de aacutegua doce como de aacutegua salgada Com eles usando o leite de cocofaziam numerosas e famosas iguarias regionais tatildeo decantadas peloscronistas ao periacuteodo colonial

Havia ainda os animais temidos pelo homem devido o perigo querepresentavam para as suas atividades estes em geral eram dizimados semo menor controle como as cobras venenosas ndash cascavel jararaca coral ndash e asque natildeo sendo venenosas matavam por asfixia como as jiboias de vaacuteriostipos

As aves muitas de grande porte como o jacu a galinha drsquoaacutegua os patosselvagens a ave de arribaccedilatildeo eram tambeacutem muito caccediladas visando a suautilizaccedilatildeo na alimentaccedilatildeo

O maior contato de animais com os europeus os colonizadores que empouco tempo se apossaram da terra e a organizaram em funccedilatildeo dos seusinteresses como salienta Gilberto Freyre ocorreu com animais importadostrazidos pelo colonizador tanto da Europa como da Aacutesia e da Aacutefrica No livro

Nordeste animais como cavalos e bois satildeo considerados os primeiros como osamigos do senhor de engenho e os segundos como os companheiros doescravo

O cavalo teria sido para o colonizador o animal que lhe possibilitava aconquista do territoacuterio e a manutenccedilatildeo do domiacutenio sobre o mesmo Issoporque ele era muito uacutetil na guerra contra os nativos que andavam elutavam a peacute Era a cavalo que o conquistador se lanccedilava contra as aldeiascontra indiacutegenas e contra os mucambos de negros aquilombados criandouma desigualdade entre eles ou sobre eles Tambeacutem a cavalo o senhorcaminhava por suas terras e pelos seus canaviais fiscalizando os trabalhosque vinham sendo executados no campo pelos negros escravos e pelostrabalhadores forros Gilberto compara a semelhanccedila que havia na posiccedilatildeodo senhor e do escravo ou do simples trabalhador quando o primeiro falavaao segundo sempre de um ponto mais alto da sela de cavaleiros ou dacalccedilada ou do alpendre da casa-grande dando ordens em voz alta ou ateacuteaos gritos Ordens que dificilmente deixavam de ser cumpridas

O cuidado com os cavalos de sela diverso do que era dado aos cavalos decangalha era muito acentuado os cavalos eram selecionados de bela cor ndashcastanho alazatildeo russo melado etc ndash e se procurava ensinaacute-los para quecarregassem os viajantes em um andar cadenciado que conforme avelocidade ia ldquodo baixo ao meiordquo Um cavalo meeiro dava orgulho ao seuproprietaacuterio e alcanccedilava preccedilos elevados no mercado da sociedadeaccedilucareira Em geral tambeacutem os senhores de engenho se esmeravam naaquisiccedilatildeo de cavalos de pequeno porte nos quais filhos e netos seexercitavam na arte da equitaccedilatildeo Este era o tratamento dado aos cavalosldquonobresrdquo de uso da aristocracia do accediluacutecar ou como a chamava satiricamenteTobias Barreto da ldquoaccedilucocraciardquo

Por outro lado havia os animais de trabalho equinos muares e asininosque recebiam um tratamento bem diferenciado e eram usados no transporteda cana do accediluacutecar e de moacuteveis e utensiacutelios e que faziam moer os famososengenhos de accediluacutecar As eacuteguas eram utilizadas nas almanjarras dos engenhosque natildeo dispunham de aacutegua suficiente para movimentaacute-los no transportedas canas dos partidos para os engenhos e do accediluacutecar e da aguardente dosengenhos e da destilaccedilatildeo ateacute os portos fluviais ou aos armazeacutens dos

exportadores Neste trabalho eram muito utilizados tambeacutem os burrosmuares ndash hiacutebridos de cavalos com os jumentos ndash animais muito fortes eresistentes agraves grandes caminhadas

Nas almanjarras natildeo eram utilizados cavalos mas apenas eacuteguas porserem mais velozes que os machos Daiacute se chamar aos engenhos agrave traccedilatildeoanimal de ldquoengenhos de bestardquo Segundo os cronistas coloniais os primeirosengenhos foram movidos agrave traccedilatildeo humana sendo logo substituiacutedos porengenhos movidos a bois e finalmente por engenhos de bestas que soacutedesapareceram totalmente na regiatildeo accedilucareira nos seacuteculos XIX e XXquando foram substituiacutedos pelos engenhos a vapor

Se na opiniatildeo de Gilberto externada em Nordeste o cavalo era ocompanheiro quase um complemento do senhor o boi lento manso e defaacutecil dominaccedilatildeo era o companheiro do negro do escravo do homem declasse mais humilde Trazido inicialmente da Europa e a partir do seacuteculoXIX da Iacutendia o boi era utilizado sobretudo na cultura de cana e naproduccedilatildeo de couro assim como no trabalho agraacuterio Criado quase sempre nosertatildeo ele era levado para a regiatildeo canavieira em grandes boiadas para serabatido ou utilizado como animal de trabalho Daiacute a sua maior convivecircnciacom o homem humilde com o trabalhador do que com o senhor de terras ede escravos talvez por isso ele fosse olhado com simpatia entre popularessendo logo convocado para participaccedilotildees em folguedos como o ldquobumba meuboirdquo

Durante muito tempo ele participou tambeacutem do conviacutevio com ossenhores quando conduzia a famiacutelia nas suas viagens para engenhosvizinhos e para as cidades proacuteximas Haacute na realidade um rico folclore a seurespeito e da sua presenccedila na vida patriarcal A sua carne ao contraacuterio da docavalo era muito utilizada como alimento nas casas-grandes e nas senzalastanto sob a forma de carne verde como de carne seca na chamada carne-de-sol ou de vento e no charque ou jabaacute hoje importado do Centro-Oeste edo Sul A produccedilatildeo de charque no seacuteculo XVIII estava concentradasobretudo no sertatildeo nordestino e era chamada de ldquocarne do Cearaacuterdquo Asgrandes secas poreacutem forccedilaram a migraccedilatildeo das induacutestrias produtoras para oRio Grande do Sul

Aleacutem do boi e do cavalo os colonizadores trouxeram do Velho Mundo

para o Nordeste carneiros e cabras que seriam utilizados sobretudo naalimentaccedilatildeo os carneiros eram muito utilizados na eacutepoca da civilizaccedilatildeoaccedilucareira como montaria para as crianccedilas como que preparando-as para aequitaccedilatildeo

Os portugueses natildeo domesticaram aves visando agrave produccedilatildeo dealimentos preferiam utilizar aquelas que jaacute conheciam na Europa como asgalinhas os patos os marrecos os gansos etc Da Aacutefrica trouxeram a guineacute ougalinha-drsquoangola que teve grande difusatildeo no Paiacutes mas eacute considerada demenor importacircncia e prestiacutegio dentre as aves quer na qualidade da carnequer na dos ovos

Observa-se assim e Gilberto o salienta em sua visatildeo ecoloacutegica emNordeste que o colonizador foi um grande predador destruiuimpiedosamente a natureza derrubando florestas agrave procura de ganho faacutecildegradou os solos usou os rios naquilo em que eram uacuteteis e transformou-osem verdadeiros canais de esgotos de recebimento de produtos e dejetosindustriais que disseminou epidemias e endemias europeias e africanas edestruiu a fauna autoacutectone para substituiacute-la por animais importados e jaacutedomesticados em outras plagas Do ponto de vista sanitaacuterio eacute convenientelembrar como a schistosoma mansoni se expandiu por toda a aacutereaaccedilucareira enfraquecendo a populaccedilatildeo pobre que convivia com as aacuteguas dosrios e lagos Atraveacutes de uma vida sexual intensa propagou a siacutefilis a ponto deo proacuteprio socioacutelogo afirmar em livro famoso que os colonizadores natildeo soacutecivilizaram como tambeacutem sifilizaram a sua colocircnia americana Assimpodemos afirmar sem medo de exageros que a colonizaccedilatildeo a ocupaccedilatildeo doterritoacuterio a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira e a catequese foram acompanhadaspela siacutefilis e por outras moleacutestias ldquomaldosamenterdquo chamadas de tropicais

Mas Gilberto como cientista social como observador da formaccedilatildeobrasileira como historiador social como antropoacutelogo como socioacutelogo comocientista poliacutetico e como geoacutegrafo humano depois de uma visatildeo ecoloacutegica dasociedade accedilucareira natildeo teria completado o seu trabalho se natildeo analisasse opapel desempenhado pelo homem ao organizar o seu espaccedilo de atuaccedilatildeo

E ao analisar a accedilatildeo do homem levou em consideraccedilatildeo a existecircncia deuma sociedade de classes onde conviviam dominadores e dominadossenhores e escravos E traccedilou em dois capiacutetulos o quinto e o sexto a

psicologia e o modo de agir de cada uma delas Pernambuco tem umatradiccedilatildeo diversificada do Brasil de vez que a sua classe dominante foimarcada jaacute no seacuteculo XVII por uma prolongada luta entre portugueses eholandeses E face agrave pouca ajuda da coroa portuguesa aos insurgentes de1645 estavam os ldquomazombosrdquo ou nobres da regiatildeo accedilucareira convencidos desua pequena dependecircncia da monarquia portuguesa e do seu direito a umamaior autonomia Daiacute a chamada revolta de 1710 ou guerra dos mascatesonde se contrapuseram os direitos de Olinda aos do Recife enriquecido coma guerra holandesa e em seguida as revoltas de 1817 de 1824 e de 184849nas quais senhores de engenho e comerciantes se levantaram contra osmonarcas de Portugal ateacute 1822 e do Brasil a partir da Independecircncia emnome de ideais democraacuteticos

Na verdade e isto estaacute bem expliacutecito em Nordeste os senhores deengenho e ricos comerciantes haviam se embebido de ideias constitucionaisamericanas e dos princiacutepios libertaacuterios franceses para realizarem umalibertaccedilatildeo dos poderes metropolitanos Mas estes ldquoliberaisrdquo estavamsobretudo temerosos de uma revolta de escravos negros muito numerososna proviacutencia onde havia unidades militares de negros e de mulatos oschamados ldquoHenriquesrdquo que eram muito fortes e desdenhavam dos brancos aque chamavam de ldquocaiadosrdquo Alguns liacutederes se destacaram como o mulatocapitatildeo Pedro Pedroso chefe de uma intentona que derrubou o governoprovincial em 1823 e o major Mundurucu que tinha grande prestiacutegio entre apopulaccedilatildeo de cor sempre pronta para entrar em accedilatildeo Jaacute em 1710 apopulaccedilatildeo pobre do Recife sob lideranccedila de Joatildeo da Mata apoiara osmascates do Recife contra os ldquopeacutes raspadosrdquo de Olinda

E esta populaccedilatildeo negra era temida face aos acontecimentos ocorridos noHaiti quando a Revoluccedilatildeo Francesa enfraqueceu o governo colonial epossibilitou uma sublevaccedilatildeo negra contra os colonizadores brancos queforam expulsos da ilha tornada independente sob o governo de imperadoresnegros E o medo eacute mau conselheiro

Em 1817 quando os revolucionaacuterios tomaram o poder e organizaram umgoverno republicano que dominou o Recife e a capitania de Pernambucoorganizaram um governo de cinco membros representando as cinco classesconsideradas mais importantes ndash clero militares comeacutercio magistratura e

agricultura ndash e os representantes das mesmas eram todos brancos ousemibrancos levando-se em conta que a miscigenaccedilatildeo jaacute penetrara nasvelhas famiacutelias aristocraacuteticas Natildeo houve uma maior preocupaccedilatildeo com alibertaccedilatildeo dos escravos e tambeacutem com a aboliccedilatildeo do traacutefico negreiro da Aacutefricapara o Brasil

Ainda em 1824 ao se proclamar a Confederaccedilatildeo do Equador com todo oideaacuterio democraacutetico de frei Caneca natildeo recebeu o tema da aboliccedilatildeo daescravatura maior atenccedilatildeo Temiam os revolucionaacuterios que o idealabolicionista se externado afastasse da ideia revolucionaacuteria oslatifundiaacuterios os grandes proprietaacuterios de terras Os nossos escritores doseacuteculo XIX natildeo se preocuparam muito com a escravidatildeo e deixaram de ladoas revoltas negras de maior importacircncia como o chamado Quilombo deCatucaacute e a Guerra dos Cabanos Revoltas em que negros mulatos e indiacutegenaspegaram em armas e resistiram durante anos aos seus senhores fugindo agravecondiccedilatildeo de escravos e procurando obter a propriedade ou a posse de terrasagricultaacuteveis

Gilberto mostra poreacutem como numerosos aristocratas do accediluacutecar seconverteram ao ideal abolicionista e lutaram contra a escravidatildeo e aexploraccedilatildeo do homem pelo homem Entre outros podem ser salientadas asfiguras de Joaquim Nabuco e de Joseacute Mariano O primeiro um Paes Barretodescendente do morgado do cabo natildeo soacute defendia a aboliccedilatildeo da escravaturacomo a necessidade de se fazer livrar o Brasil da marca desta instituiccedilatildeonefanda admitindo que a aboliccedilatildeo deveria ser acompanhada dademocratizaccedilatildeo da propriedade da terra por meio de uma reforma agraacuteriaReforma agraacuteria que ainda natildeo foi feita neste iniacutecio do seacuteculo XXI Osegundo um Carneiro da Cunha de Ribeiratildeo aleacutem de se destacar comogrande orador popular participou de accedilotildees onde roubava escravos aosproprietaacuterios de terra escondia-os em suas propriedades sobretudo na doPoccedilo da Panela e remetia-os para o Cearaacute onde a aboliccedilatildeo provincial haviasido feita em 1884 quatro anos antes da nacional

Tambeacutem o Cons Joatildeo Alfredo filho e neto de senhores de engenho eleproacuteprio dono de terras e de escravos ao ascender ao poder realizou aaboliccedilatildeo a 13 de maio de 1888 sem indenizaccedilatildeo aos proprietaacuterios deescravos e de terras Ele levou a entatildeo princesa imperial dona Izabel a

assinar uma lei revolucionaacuteria para a sua eacutepoca e o gabinete que chefioucaiu devido ao jogo parlamentar quando ele caminhava para levar acidadania aos ex-escravos atraveacutes da distribuiccedilatildeo de terras a descendentesde escravos e ex-escravos nas margens das ferrovias e dos rios navegaacuteveisGilberto Freyre em Nordeste e em outros dos seus estudos desenvolve aideia hoje muito aceita de que a aboliccedilatildeo foi feita pela metade foiinterrompida no seu caminho ascendente

Conveacutem salientar ainda que o Recife foi uma cidade que se orgulhava desuas tradiccedilotildees liberais e embebeu de ideias liberais natildeo soacute as personalidadespernambucanas como as figuras de outras proviacutencias que vieram estudar namesma Basta salientar que aqui viveram Castro Alves o poeta da liberdadeabolicionista republicano e agnoacutestico como tambeacutem Rui Barbosa que seria omaior jurista brasileiro de seu tempo Tobias Barreto Siacutelvio Romero VitorianoPalhares Abreu e Lima o general das massas e autor de um livro sobre ldquoOSocialismordquo e muitos outros Aleacutem disto na chamada Revoluccedilatildeo ou RevoltaPraieira jaacute se sentia a influecircncia de ideias republicanas e federalistas Emcapiacutetulo magistral Gilberto Freyre analisa este fenocircmeno da ldquoaccedilucocraciardquopernambucana que reunia de forma dialeacutetica ideais democraacuteticos e ateacutesocialistas ao orgulho de uma origem aristocraacutetica que se iniciara com acolonizaccedilatildeo portuguesa na primeira metade do seacuteculo XVI e conservadaateacute hoje cheia de nomes tradicionais como Albuquerque em numerosasvariantes Cavalcanti Acioli Lins Bandeira de Melo ou Souza Leatildeo enumerosos outros Eles foram os chamados ldquoLeotildees do Norterdquo do tempo doimpeacuterio

Mas Gilberto em Nordeste natildeo salienta apenas estes aspectos positivosele chamou a atenccedilatildeo tambeacutem para os aspectos negativos acentuados apartir da segunda metade do seacuteculo XIX quando foram implantadasnumerosas usinas e os latifuacutendios passaram a engolir engenhos e siacutetiosintensificando a monocultura intensificando a destruiccedilatildeo das matas epoluindo as aacuteguas E aiacute se observa a posiccedilatildeo dialeacutetica do mesmo saudoso dosistema patriarcal que morria rapidamente diante da expansatildeo da usina queafastou o trabalhador rural do proprietaacuterio de terras que passa a viverdistante da propriedade sem conviver com o trabalhador A usina como quedesumaniza o proprietaacuterio e o trabalhador e faz diminuir a classe meacutedia dos

produtores de accediluacutecar senhores de engenho transformados emfornecedores de cana

Salienta ainda que poucos foram os usineiros que guardaram as posiccedilotildeese os haacutebitos de senhores de engenho destacando-se dentre estes o famosoldquotenenterdquo de Catende o industrial Costa Azevedo

O uacuteltimo capiacutetulo eacute voltado para o trabalhador rural escravo ateacute 1888 elivre ou relativamente livre apoacutes o 13 de maio Gilberto apesar deantropoacutelogo e mais com espiacuterito de geoacutegrafo natildeo faz aquela decisatildeo quetomou em Casa-grande amp senzala dando maior importacircncia ao escravodomeacutestico do que ao escravo trabalhador rural Aqui ele encara o trabalhadorde forma mais ampla chamando a atenccedilatildeo para o fato de que a escravidatildeoera muito dura impiedosa para com o escravo mas era menos riacutegida do queem paiacuteses de colonizaccedilatildeo inglesa Observa-se assim que em Nordeste jaacutecomeccedilam a ser lanccediladas as ideias que ganhariam maior forccedila e importacircnciana chamada Tropicologia ou Luso-tropicologia

Desenvolve ideias que acompanham a mudanccedila de vida do escravo paraa do morador de condiccedilatildeo a transformaccedilatildeo do habitat concentrado dasenzala pelo da casa dispersa dos moradores e a atenuaccedilatildeo dos rigores doproprietaacuterio para o trabalhador que ocorria de forma mais acentuadadurante o periacuteodo escravocrata Tambeacutem aiacute discorre para o fato do senhorde engenho ldquofechar os olhosrdquo a certos haacutebitos degradantes que sepropagavam como o do uso de drogas como maconha entre ostrabalhadores Admite que a toleracircncia deste uso pelos senhores resultava davariaccedilatildeo sazonal de braccedilos entre os periacuteodos de maior demanda de matildeo deobra ndash moagem e ateacute certo ponto plantio da cana ndash fazendo com quefacilitassem certos haacutebitos no periacuteodo da entressafra para desviar ostrabalhadores do desejo de especulaccedilotildees que contrariassem os seusinteresses

Observa-se que na vida mais ou menos livre levada pelas classes entatildeochamadas inferiores a disseminaccedilatildeo de moleacutestias sexuais era intensatrazendo impactos sobre a populaccedilatildeo pobre E como estas moleacutestias sedifundiam de forma mais intensa entre as classes mais humildesgeneralizou-se de consideraacute-las moleacutestias tropicais Moleacutestias que eramepidecircmicas e que atingiam as classes menos favorecidas como o

impaludismo (malaacuteria) a leishimoniose a bolba a tuberculose ou queapareciam de forma intensa em certos periacuteodos como a variacuteola e o coacuteleramorbus A variacuteola era conhecida como bexiga vivendo no campo descalccedilos eem contato permanente com a terra era comum serem os pobres atacadospor numerosos tipos de verminoses e por intermeacutedio dos banhos de rio e deaccediludes pela schistosoma mansoni (esquistossomose)

Assim podemos considerar Nordeste como um livro de siacutentese em queGilberto de forma impressionista e caprichando em escrever de forma maisacessiacutevel ao povo daacute uma ideia mais geral da civilizaccedilatildeo accedilucareira e dasociedade patriarcal nele o autor enfatizou a importacircncia das relaccedilotildees entrea natureza e a sociedade mostrando como o homem e o meio natural seinterinfluenciam como terra aacutegua ar vegetaccedilatildeo animais e o homem estatildeoentrelaccedilados por accedilotildees e reaccedilotildees as mais complexas Como o todo natildeo eacute umasoma das partes mas o resultado de uma interrelaccedilatildeo entre os vaacuterioscomponentes do meio orgacircnico e inorgacircnico Daiacute se poder considerarNordeste como um livro eminentemente geograacutefico enquanto Casa-grande amp senzala eacute mais antropoloacutegico e Sobrados e mucambos maissocioloacutegico Tambeacutem fazendo a ecologia dos grandes espaccedilos do Nordeste olivro o consagra como um especialista em ecologia

Apoacutes a descriccedilatildeo do que compreende o livro nos vaacuterios capiacutetulos eacuteconveniente se fazer uma anaacutelise da contribuiccedilatildeo do mesmo aos grandestemas nacionais situando-se o leitor inicialmente na eacutepoca em que ele foiescrito e posteriormente na projeccedilatildeo de suas ideias e conceitos para omundo atual para o momento em que vivemos Ao nosso ver este livroexpressa a posiccedilatildeo do seu autor frente a temas fundamentais como o darelaccedilatildeo entre o regionalismo e o unitarismo e a sua sensibilidade para asquestotildees ligadas ao meio ambiente hoje tatildeo atuais para os problemas decultura e de estruturas sociais para a difusatildeo de haacutebitos e costumesrealizando encontros e interpenetraccedilotildees sociais

Uma das grandes contribuiccedilotildees do livro Nordeste agrave cultura brasileira foia de definir o que eacute uma regiatildeo e a sua importacircncia no contexto do territoacuterionacional Na verdade a histoacuteria do Brasil estaacute permanentemente oscilandoentre as tendecircncias agrave unificaccedilatildeo ou mais precisamente agrave centralizaccedilatildeo e agraveregionalizaccedilatildeo Assim o Brasil que comeccedilou a ser povoado com um sistema

descentralizado de capitanias hereditaacuterias na primeira metade do seacuteculoXVI teve depois um governo geral que se sobrepunha agraves capitanias etentava fazer uma unificaccedilatildeo Em seguida o governo portuguecircs procuroufrear esta centralizaccedilatildeo criando dois governos um no Norte sediado nacidade do Salvador e outro no Sul com sede no Rio de Janeiro Foi depequena duraccedilatildeo este tipo de governo ndash 1572 a 1577 ndash e novamente a colocircniafoi unificada sob o governo da cidade de Salvador A divisatildeo seria mais umavez repetida no periacuteodo de 1608 a 1612 para voltar ao sistema unificado ateacute1621 quando ela foi dividida em dois estados o do Brasil e o do Maranhatildeodivisatildeo que perdurou por mais de um seacuteculo e permitiu que a metroacutepoleintensificasse a sua accedilatildeo colonizadora na Amazocircnia Nem a guerra holandesadesfez esse sistema que chegou quase ateacute a transferecircncia da famiacutelia real parao Rio de Janeiro E ao se proceder agrave Independecircncia o sentimento dosprovincianos era mais forte do que o sentimento dos nacionais O indiviacuteduoera primeiramente pernambucano paulista mineiro ou carioca do quebrasileiro e o gecircnio poliacutetico de Joseacute Bonifaacutecio foi que conduziu o paiacutes a umaindependecircncia nacional evitando uma secessatildeo semelhante agrave ocorrida naAmeacuterica Espanhola

As conspiraccedilotildees e revoltas mais importantes dos fins do periacuteodo colonialforam regionais como a Inconfidecircncia Mineira a Inconfidecircncia Baiana aRevoluccedilatildeo Pernambucana de 1817 continuando o provincianismo a sermuito forte na chamada Guerra da Independecircncia Fazendo-se umareflexatildeo sobre os acontecimentos de Pernambuco e do Gratildeo-Paraacute nesteperiacuteodo se chegaraacute agrave conclusatildeo de que os sentimentos ligados agrave proviacutenciaeram mais fortes do que os ligados ao paiacutes

Apoacutes a Independecircncia ainda tivemos a famosa Confederaccedilatildeo doEquador que conclamou as diversas proviacutencias entatildeo ditas ldquodo Norterdquosobretudo Pernambuco e Cearaacute agrave separaccedilatildeo do Rio de Janeiro Com aabdicaccedilatildeo do primeiro imperador em 1831 o governo da regecircncia natildeo tendocondiccedilotildees de controlar o poder nas vaacuterias proviacutencias deu margem aosurgimento de revoltas famosas das populaccedilotildees pobres com grandeparticipaccedilatildeo de negros forros escravos e indiacutegenas ligados a mesticcedilos e abrancos pobres deserdados da fortuna como a Cabanagem na Amazocircnia aBalaiada no Maranhatildeo e Piauiacute a Cabanada em Pernambuco e Alagoas a

Sabinada na Bahia e a Revoluccedilatildeo Farroupilha (Guerra dos Farrapos) no RioGrande do Sul

Estas revoltas tecircm todas elas uma grande importacircncia para acompreensatildeo de evoluccedilatildeo da sociedade brasileira e precisam ser estudadasem maior profundidade como aconselhava Caio Prado Juacutenior em seu livropioneiro de 1933 Evoluccedilatildeo poliacutetica do Brasil Ao se fazer a histoacuteria geral doBrasil deve-se partir de estudos locais como jaacute salientava Capistrano deAbreu E Gilberto Freyre ao analisar as caracteriacutesticas da sociedadepatriarcal salientava a importacircncia do aspecto cultural dominante em vaacuteriasregiotildees e com a diversificaccedilatildeo da exploraccedilatildeo da terra marcava cada umadelas criando identidades regionais e locais

Esta percepccedilatildeo mais cultural do que eacutetnica levou-o a chamar a atenccedilatildeopara a falsa divisatildeo dominante entre autores do seu tempo de defesa de umcentralismo da unidade nacional e um estadualismo aplicado pelaConstituiccedilatildeo Republicana de 1891 e consolidado pela poliacutetica dosgovernadores defendida por Campos Sales ele lembrava que entre o Estadoe o Paiacutes havia a regiatildeo E que as regiotildees nem sempre se acomodavam dentrodos limites poliacutetico-administrativos dos Estados

Uma anaacutelise da formaccedilatildeo do pensamento regionalista mostra como oautor destruiu aquela ideia generalizada de que o imenso paiacutes-continenteque eacute o Brasil compreendia duas grandes aacutereas que poderiacuteamos chamarregiotildees o Norte e o Sul Estas reflexotildees levaram o Governo Vargas ao criar oInstituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a desenvolver estudosregionais que culminaram com a proposta de divisatildeo do paiacutes em cincograndes regiotildees naturais o Norte o Nordeste o Leste o Sul e o Centro-Oesteproposta feita pelo geoacutegrafo Faacutebio de Macedo Soares Guimaratildees em 1941 eque foi oficializada apesar de sofrer grandes criacuteticas dos geoacutegrafos brasileirosque trabalhavam nas Universidades de Satildeo Paulo e do Rio de Janeiro e noproacuteprio IBGE Posteriormente em 1952 o governo federal criou o chamadoPoliacutegono das Secas compreendendo trechos do territoacuterio de Estadosnordestinos e de Minas Gerais como aacuterea de accedilatildeo do entatildeo criado Banco doNordeste Em seguida em 1958 provocado por outra grande seca o governofederal criou o ldquoNordeste da Sudenerdquo juntando ao Poliacutegono das Secas asporccedilotildees uacutemidas dos vaacuterios Estados da regiatildeo e o Maranhatildeo Em uma nova

divisatildeo regional do Paiacutes o IBGE tornou oficial o Nordeste da Sudene edesmembrou o Leste que perdeu Sergipe e Bahia sendo os estados doEspiacuterito Santo do Rio de Janeiro e de Minas Gerais reunidos a Satildeo Paulopara formar o Sudeste O Sul passou a compreender apenas os trecircs Estadosmeridionais

Ainda a partir da ideia do mestre de Apipucos e com o apoio deescritores famosos que se abeberaram nos trabalhos anteriores como os deDomingos Olimpio de Rodolfo Theoacutefilo de Joseacute Ameacuterico de Almeida e dagenial obra de Euclides da Cunha Os sertotildees firmou-se a concepccedilatildeocultural da existecircncia de uma regiatildeo nordestina com caracteriacutesticas proacutepriasdentro do territoacuterio brasileiro E o Nordeste vem sendo estudado e criticadodentro dos centros cientiacuteficos da regiatildeo e de outras aacutereas do paiacutes sentindo-se sempre a marca freyreana Leia-se e reflita-se sobre livros marcantes maisrecentes como o Elegia para uma re(li)giatildeo de Francisco Oliveira e O fimdo Nordeste de Michel Zaidan que se veraacute a presenccedila do pensamento deGilberto ora para ser enaltecido ora para ser criticado e ora para sercontestado Mas ele estaacute presente em todos os momentos e reflexotildees

Outra grande contribuiccedilatildeo do livro eacute a do tema ligado ao meio ambientede vez que o autor divide a regiatildeo em duas sub-regiotildees mais caracteriacutesticas eprocura colocar a cultura imperial a cana-de-accediluacutecar no centro de suasreflexotildees selecionando a sua presenccedila com elementos naturais a terra oclima a aacutegua o mato e bioloacutegicos como a vegetaccedilatildeo os animais e o proacutepriohomem E ciente da importacircncia da organizaccedilatildeo dada ao espaccedilo que setransforma em territoacuterio da forma como ele procede age e se torna umagente motor e responsaacutevel pelo territoacuterio produzido Natildeo se pode afirmarque Gilberto tenha sido um precursor geneacuterico da ecologia ciecircnciaorganizada por Ernest Haekel nos fins do seacuteculo XIX na Alemanha mas foiele que primeiro aplicou os conceitos ecoloacutegicos a grandes espaccedilos territoriaisno territoacuterio brasileiro

Numerosos estudiosos do Nordeste tambeacutem estudaram a regiatildeosobretudo no seu aspecto geobotacircnico de forma mais especializadalevantando protestos contra a destruiccedilatildeo que vem sendo feita da MataAtlacircntica sobretudo pelas usinas de accediluacutecar como J Vasconcelos Sobrinhocom os seus livros baacutesicos intitulados As regiotildees naturais de Pernambuco o

meio e a civilizaccedilatildeo editado em 1949 pela editora Freitas Bastos e Asregiotildees naturais do Nordeste o meio e a civilizaccedilatildeo escrito com uma seacuteriede colaboradores e publicado pelo Condepe no Recife em 1970

Trata-se de livros de grande importacircncia que vecircm complementar asobservaccedilotildees de Gilberto Freyre

Ao estudar a accedilatildeo do homem Gilberto demonstra como eacute difiacutecil seatingir a unanimidade e mostra como entre as tradicionais famiacutelias quedominavam a regiatildeo canavieira nordestina por seacuteculos ela produziu os seuscontestadores tanto entre pessoas das classes dominadas como tambeacutemoriundas das classes dominantes E os heroacuteis populares natildeo foram apenas osque nasceram no meio do povo como escravos ou iacutendios como o Zumbi dosPalmares como Antonio Ferreira de Paula o chefe dos cabanos que lutoucontra o governo imperial desde 1831 ateacute 1849 como bandoleiros como oCabeleira mas tambeacutem pessoas da clatilde dominantes filhos de proprietaacuterios deterras e de escravos como Nunes Machado morto na chamada ldquoRevoluccedilatildeoPraieirardquo Joseacute Inaacutecio de Abreu e Lima autor do primeiro livro brasileiro sobreo socialismo Joseacute Mariano o grande tribuno do abolicionismo e daRepuacuteblica Joaquim Nabuco a grande figura de aristocrata e de abolicionistaque sacrificou a sua carreira poliacutetica por ideais mais nobres como CristianoCordeiro o grande liacuteder comunista dos anos 1920 e 1930 como Demoacutecritode Souza Filho sacrificado na Praccedila da Independecircncia em 1945 na lutacontra a ditadura do Estado Novo e tantos outros O idealismo e o heroiacutesmoa dedicaccedilatildeo ao bem puacuteblico natildeo eacute privileacutegio de classe ou de raccedila comodemonstra Gilberto no capiacutetulo de conclusatildeo deste seu notaacutevel livro ndashNordeste

Daiacute se proclamar Gilberto como um revolucionaacuterio-conservador porqueaspirou lutou e defendeu a sociedade e a sua contiacutenua mudanccedila sem fazerconcessotildees agravequeles que pensam que as mudanccedilas soacute poderatildeo ser realizadascom governos fortes e autoridades truculentas e natildeo por meio detransformaccedilotildees sociais realizadas paulatinamente e de forma a maisrespeitosa Ao concluir a leitura deste grande livro eacute interessante se refletirsobre a frase colocada na boca de um priacutencipe siciliano por Guido deLampedusa ao afirmar que eacute necessaacuterio que as coisas mudem para quefiquem como estatildeo Gilberto natildeo pensava ao escrever Nordeste como

Lampedusa mas queria que houvesse firmeza e seguranccedila nas mudanccedilaspara que elas natildeo desenvolvessem reaccedilotildees mais fortes que as despedaccedilassemDaiacute a necessidade de que a juventude leia Nordeste com atenccedilatildeo devida eque reflita sobre os ensinamentos que este magniacutefico livro conteacutem

Manoel Correia de AndradeProfessor emeacuterito da Universidade Federal de Pernambuco

Prefaacutecio agrave 1a ediccedilatildeo

Este ensaio eacute uma tentativa de estudo ecoloacutegico do Nordeste do BrasilDe um dos Nordestes acentue-se bem porque haacute pelo menos dois oagraacuterio e o pastoril e aqui soacute se procura ver de perto o agraacuterio O da cana-de-accediluacutecar que se alonga por terras de massapecirc e por vaacuterzeas do norte da Bahiaao Maranhatildeo sem nunca se afastar muito da costa

Ver simplesmente Natildeo se trata de sondagem nem de anaacutelise minuciosaA anaacutelise ecoloacutegica de uma regiatildeo tatildeo complexa seria tarefa para mais de umautor e natildeo para um soacute e tambeacutem para mais de um volume

Aqui apenas se tenta esboccedilar a fisionomia daquele Nordeste agraacuterio hojedecadente que foi por algum tempo o centro da civilizaccedilatildeo brasileira Dooutro Nordeste traccedilaraacute o perfil para esta coleccedilatildeo [Coleccedilatildeo DocumentosBrasileiros] um dos conhecedores mais profundos de sua formaccedilatildeo social ndashDjacir Menezes

O criteacuterio deste estudo jaacute disse que eacute um criteacuterio ecoloacutegico O centro deinteresse o homem fundador de lavoura e transplantador e criador devalores agrave sombra da agricultura ou antes da monocultura da cana Ohomem colonizador em suas relaccedilotildees com a terra com o nativo com asaacuteguas com as plantas com os animais da regiatildeo ou importados da Europa ouda Aacutefrica

Tal estudo mesmo esquemaacutetico e quase todo impressionista como eacuteexigiu incursotildees em vaacuterias especialidades ligadas ao problema social daadaptaccedilatildeo do colonizador ndash europeu ou africano ndash ao meio regional Mas eacuteclaro que em nenhuma dessas especialidades o autor fez mais do querecolher de trabalhos jaacute claacutessicos ndash o de Philipp von Luetzelburg sobre abotacircnica do Nordeste por exemplo ndash ou de pesquisas ainda a meio masrevelando aspectos ignorados ou desprezados da patologia regional como asde Ulisses Pernambucano sobre as doenccedilas mentais em Pernambuco e as deAgeu Magalhatildees sobre a esquistossomose de Manson nos rios de engenho ndashmaterial necessaacuterio ao esclarecimento e agrave interpretaccedilatildeo daquele processo de

adaptaccedilatildeo do portuguecircs e do africano ao meio regional ou do seu domiacuteniosobre esse meio Adaptaccedilatildeo e domiacutenio que se processaram quer atraveacutes deajustamentos agraves vezes felizes quer de violecircncias nem sempre fecundasantes de um valor todo transitoacuterio e este mesmo em benefiacutecio de algunsindiviacuteduos de algumas famiacutelias ou quando muito de uma classe de umsexo quase exclusivamente de uma raccedila interessada na cultura de umaplanta uacutenica a cana-de-accediluacutecar

Essa exclusividade pode-se dizer que caracterizou como nenhum outrofato a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste depois de ter condicionado a suacolonizaccedilatildeo e a sua conquista pelos portugueses A monoculturalatifundiaacuteria e escravocraacutetica e ainda monossexual ndash o homem nobre donode engenho gozando quase sozinho os benefiacutecios de domiacutenio sobre a terra esobre os escravos ndash deu ao perfil da regiatildeo o que ele apresenta de aquilino dearistocraacutetico de cavalheiresco embora um aristocratismo em certos pontosmoacuterbido e um cavalheirismo agraves vezes saacutedico

Impossiacutevel afastar a monocultura de qualquer esforccedilo de interpretaccedilatildeosocial e ateacute psicoloacutegica que se empreenda do Nordeste agraacuterio Amonocultura a escravidatildeo o latifuacutendio ndash mas principalmente amonocultura ndash aqui eacute que abriram na vida na paisagem e no caraacuteter dagente as feridas mais fundas O perfil da regiatildeo eacute o perfil de uma paisagemenobrecida pela capela pelo cruzeiro pela casa-grande pelo cavalo de raccedilapelo barco a vela pela palmeira-imperial mas deformada ao mesmo tempopela monocultura latifundiaacuteria e escravocraacutetica esterilizada por ela emalgumas de suas fontes de vida e de alimentaccedilatildeo mais valiosa e mais purasdevastada nas suas matas degradada nas suas aacuteguas

Quase o mesmo que se passou no Nordeste do Brasil e no Sul na baixadado Rio de Janeiro verificou-se noutros trechos da Ameacuterica onde acolonizaccedilatildeo europeia teve por base o accediluacutecar a monocultura o latifuacutendio e aescravidatildeo prevaleceram tanto quanto aqui

Barbados foi quase um rebento de PernambucoDizem os seus historiadores que o marinheiro inglecircs John Powell voltava

de Pernambuco agrave Europa em 1625 quando tocou na ilha jaacute visitada poroutros viajantes As vantagens de lucro faacutecil com o accediluacutecar tatildeo evidentes noNordeste do Brasil talvez atuassem sobre a imaginaccedilatildeo de Powell que tomou

posse da ilha para a Inglaterra Mas soacute em 1640 comeccedilou-se a produzirexclusivamente accediluacutecar em Barbados por quinze anos feliz sob a policulturae a pequena propriedade Diz o professor Harlow que o primeiro plantadorde cana na ilha foi o Coronel Holdip que ele e os demais iniciadores damonocultura em Barbados se utilizaram da experiecircncia dos monocultoresbrasileiros alguns vindo ateacute caacute inteirar-se melhor do processo agriacutecola e doindustrial de fabrico do accediluacutecar Barbados parece que gozou ainda dasvantagens de emprego de capital holandecircs e provavelmente judeu depoisda reconquista do Nordeste pelos portugueses

Teve alguns anos de progresso extraordinaacuterio Quase o luxo dePernambuco Quase o fausto do Recocircncavo ou da baixada do Rio de Janeiro

Mas luxo e fausto ainda mais passageiros do que no Nordeste do Brasil Aescravidatildeo afastou a colonizaccedilatildeo livre que correra para a ilha de 1625 a 1640atribuindo-se depois ao clima o ecircxodo desses brancos que se viram derepente uns fantasmas no meio de tanta cana e de tanto negro O latifuacutendiovenceu a pequena propriedade certo capitatildeo Waterman senhor deengenho entrou a ocupar sozinho com seus canaviais as terras a princiacutepioocupadas por quarenta famiacutelias dedicadas a vaacuterias culturas

Barbados apesar da religiatildeo e da raccedila tatildeo diferentes de seus colonosficou por muito tempo sociologicamente quase um pedaccedilo do Nordeste doBrasil A vida a paisagem e o caraacuteter da gente marcados pelas mesmasinfluecircncias econocircmicas e sociais cuja accedilatildeo se estendeu agraves vaacuterias AntilhasSempre mais duro que o colonizador portuguecircs o colono inglecircs de Barbadosde Jamaica de Trinidad deu agrave monocultura da cana sabor ainda mais crudo que entre noacutes O professor Mathieson ndash outro estudioso da colonizaccedilatildeoinglesa das Antilhas ndash recorda que se chegou a gravar com pesado imposto aterra destinada agrave produccedilatildeo de alimentos No Nordeste do Brasil aadministraccedilatildeo portuguesa dos tempos coloniais insistiu quase sempre pelanecessidade das culturas ancilares tatildeo sufocadas pela da cana

Em Cuba a monocultura da cana a escravidatildeo africana e o latifuacutendioderam agrave paisagem traccedilos e cores que a aparentam tanto quanto Barbadosda paisagem do Nordeste A competiccedilatildeo a rivalidade dos engenhos entre sidisputando-se como inimigos a mateacuteria-prima foi um processo cubano bemparecido com o brasileiro principalmente ao comeccedilar o predomiacutenio das

usinas nas terras do Nordeste Nesse processo de imperialismo industrial laacutecomo aqui teve accedilatildeo poderosa a estrada de ferro particular dando agrave usinatentaacuteculos com que ir buscar cana em trechos remotos Soacute o custo dotransporte impocircs limites a esse imperialismo tentacular das usinas cada qualfazendo de extensotildees enormes terras exclusivamente de cana edescuidando-se da valorizaccedilatildeo agriacutecola das aacutereas jaacute desvirginadas

Outro caracteriacutestico comum agraves vaacuterias regiotildees americanas de colonizaccedilatildeomonocultora ou pelo accediluacutecar ndash tatildeo intensa no Nordeste do Brasil ndash foi e emcertos trechos eacute ainda o emprego do trabalhador apenas durante uma partedo ano a outra parte ficando uma eacutepoca de oacutecio e para alguns devolutuosidade desde que a monocultura em parte nenhuma da Ameacutericafacilitou pequenas culturas uacuteteis pequenas culturas e induacutestrias ancilares aolado da imperial de cana-de-accediluacutecar Soacute as que se podem chamar deentorpecentes de gozo quase de evasatildeo favoraacuteveis agravequele oacutecio e agravequelavolutuosidade o tabaco para os senhores a maconha ndash plantada nemsempre clandestinamente perto dos canaviais ndash para os trabalhadores paraos negros para a gente de cor a cachaccedila a aguardente a branquinha

A sugestatildeo aiacute fica esclarecendo talvez um aspecto ateacute hoje esquecido dapatologia social da monocultura Natildeo parece simples coincidecircncia que sesurpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de maconha entre overde-claro dos canaviais Houve evidente toleracircncia ndash quando natildeo mais quetoleracircncia ndash para a cultura dessas plantas volutuosas tatildeo proacuteprias paraencher de langor os largos meses de oacutecio deixados ao homem pelamonocultura da cana Largos meses que sem um bom derivativo podiamresultar perigosos para a estabilidade dos grandes senhores de terras deaccediluacutecar Estes por sua vez tornaram-se maiores fumadores de charutosfinos Precisamente em dois focos de civilizaccedilatildeo accedilucareira ndash em Cuba e naBahia ndash eacute que se aperfeiccediloou o fabrico dos charutos O mesmo talvez sepossa dizer dos cigarros de maconha que nos portos do Nordeste aindahoje noacuterdicos viciados na liamba chegam a comprar por altos preccedilos aosvendedores da terra

O latifuacutendio accedilucareiro escreve Ramiro Guerra y Sanchez referindo-seagraves Antilhas particularmente a Cuba eacute ldquouma induacutestria que cresceterritorialmente e que gira em um ciacuterculo vicioso do qual natildeo pode escapar

vendo-se arrastada fatalmente agrave superproduccedilatildeordquo E ainda escrevendoquase na terminologia de Sorokin ldquoSe a empresa latifundiaacuteria crescesseverticalmente agrave maneira de um gigantesco arranha-ceacuteu em vez de fazecirc-lohorizontalmente talvez nada tiveacutessemos que opor a elardquo Mas ela cresce emextensatildeo natildeo se cansa de engolir terras para a praacutetica da cultura extensa dacana desprezando a intensa que implicaria na soluccedilatildeo de problemas como odo mosaico no cultivo da cana de melhor rendimento no desenvolvimentoda irrigaccedilatildeo e do adubo das terras mais concentradas

Entre noacutes essa cultura por extensatildeo se tem feito agrave grande e em prejuiacutezo

dos interesses gerais da regiatildeo Em Pernambuco ela ocupa 34 da zona

chamada da ldquomatardquo a mais feacutertil do Estado Natildeo se daacute atenccedilatildeo agrave sementeQuase natildeo se liga importacircncia agraves doenccedilas da cana Excetuadas algumasusinas modernas nas outras e nos engenhos soacute se extrai da cana 67 e 8de accediluacutecar E eacute bem expressivo o seguinte fato nos uacuteltimos cinquenta ousessenta anos construiacuteram-se no Estado 2000 quilocircmetros de estradas deferro de usinas sem que as vantagens de lucro tenham compensado despesatatildeo grande

Aqui como em Cuba a induacutestria de accediluacutecar quase soacute tem feito crescerldquoterritorialmenterdquo ao mesmo tempo que o homem vem sendo diminuiacutedo porela que as aacuteguas vecircm sendo degradadas pelas usinas as matas devastadaspelo sistema monocultor

Este trabalho jaacute disse que era quase impressionista A civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste exige uma anaacutelise demorada que soacute se poderaacute fazercom inteira amplitude cientiacutefica juntando-se vaacuterios especialistas para umesforccedilo comum e reunindo-se toda a documentaccedilatildeo possiacutevel aantropoloacutegica como a histoacuterica a socioloacutegica como a psicoloacutegica a geoloacutegicacomo a botacircnica

Fica entretanto nestas paacuteginas uma visatildeo da paisagem da vida e dohomem do Nordeste que a monocultura da cana feriu mais profundamente

Como os estudos anteriores este apesar de mais impressionista tambeacutemexigiu pesquisas pelos arquivos regionais e portugueses esforccedilos deinvestigaccedilatildeo vaacuterias excursotildees pelas velhas zonas de plantaccedilatildeo de cana

No trabalho de copiar documento no de traduccedilatildeo e ainda no preparodo manuscrito tive como das vezes passadas o auxiacutelio de companheiros

mais jovens de estudo Diogo de Mello Menezes Ivan Seixas ClarivalValadares Carlos Gilberto Cavalcanti Archimedes de Mello Netto A este quepassou a limpo o trabalho com tanta inteligecircncia e tanto esmero os meusmelhores agradecimentos

Meus agradecimentos ainda ao Secretaacuterio da Agricultura do Estado dePernambuco o agrocircnomo Lauro Montenegro empenhado numa obra tatildeosimpaacutetica de renovaccedilatildeo das praacuteticas agriacutecolas na zona pernambucana doaccediluacutecar e aos seus colaboradores Agradecimentos pelos dados oficiais que meforneceram e que foram aqui aproveitados no texto e em mapasParticularmente os dados da Diretoria de Estatiacutestica preparados sob adireccedilatildeo cuidadosa de Paulo Pimentel e Souza Barros

A M Bandeira agradeccedilo a valiosa colaboraccedilatildeo artiacutestica principalmente omapa fixando os elementos mais caracteriacutesticos da paisagem cultural doNordeste agraacuterio o triacircngulo ndash engenho casa e capela

Gilberto FreyreEngenho Queimadas 1936Recife 1937

1 ndash A CANA E A TERRA

A palavra ldquonordesterdquo eacute hoje uma palavra desfigurada pela expressatildeoldquoobras do Nordesterdquo que quer dizer ldquoobras contra as secasrdquo E quase natildeosugere senatildeo as secas Os sertotildees de areia seca rangendo debaixo dos peacutes Ossertotildees de paisagens duras doendo nos olhos Os mandacarus Os bois e oscavalos angulosos As sombras leves como umas almas do outro mundo commedo do sol

Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se alongando quaseem figuras de El Greco eacute apenas um lado do Nordeste O outro NordesteMais velho que ele eacute o Nordeste de aacutervores gordas de sombras profundas debois pachorrentos de gente vagarosa e agraves vezes arredondada quase emsanchos-panccedilas pelo mel de engenho pelo peixe cozido com piratildeo pelotrabalho parado e sempre o mesmo pela opilaccedilatildeo pela aguardente pelagarapa de cana pelo feijatildeo de coco pelos vermes pela erisipela pelo oacuteciopelas doenccedilas que fazem a pessoa inchar pelo proacuteprio mal de comer terra

Um Nordeste onde nunca deixa de haver uma mancha de aacutegua umavanccedilo de mar um rio um riacho o esverdeado de uma lagoa Onde a aacuteguafaz da terra mais mole o que quer inventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencional dos compecircndios

Um Nordeste com a cal das casas de telha tirada das pedras do mar comuma populaccedilatildeo numerosa vivendo de peixe de marisco de caranguejo com

as mulheres dos mucambos lavando as panelas e os meninos na aacutegua dosrios com alguns caturras ainda iluminando as casas a azeite de peixe

Um Nordeste oleoso onde noite de lua parece escorrer um oacuteleo gordo dascoisas e das pessoas Da terra Do cabelo preto das mulatas e das caboclasDas aacutervores lambuzadas de resinas Das aacuteguas Do corpo pardo dos homensque trabalham dentro do mar e dos rios na bagaceira dos engenhos no caisdo Apolo nos trapiches de Maceioacute

Esse Nordeste da terra gorda e de ar oleoso eacute o Nordeste da cana-de-accediluacutecar Das casas-grandes dos engenhos Dos sobrados de azulejo Dosmucambos de palha de coqueiro ou de coberta de capim-accedilu O Nordeste daprimeira faacutebrica brasileira de accediluacutecar ndash de que natildeo se sabe o nome ndash e talvezda primeira casa de pedra e cal da primeira igreja no Brasil da primeiramulher portuguesa criando menino e fazendo doce em terra americana doPalmares de Zumbi ndash uma repuacuteblica inteira de mucambos O Nordeste quevai do Recocircncavo ao Maranhatildeo tendo o seu centro em Pernambuco

Aliaacutes haacute mais de dois Nordestes e natildeo um muito menos o Norte maciccedilo euacutenico de que se fala tanto no Sul com exagero de simplificaccedilatildeo Asespecializaccedilotildees regionais de vida de cultura e de tipo fiacutesico no Brasil estatildeoainda por ser traccediladas debaixo de um criteacuterio rigoroso de ecologia ou desociologia regional que corrija tais exageros e mostre que dentro da unidadeessencial que nos une haacute diferenccedilas agraves vezes profundas

O Nordeste do massapecirc da argila do humus gorduroso eacute o que podehaver de mais diferente do outro de terra dura da areia seca A terra aqui eacutepegajenta e melada Agarra-se aos homens com modos de garanhona Mas aomesmo tempo parece sentir gosto em ser pisada e ferida pelos peacutes de gentepelas patas dos bois e dos cavalos Deixa-se docemente marcar ateacute pelo peacute deum menino que corra brincando empinando um papagaio ateacute pelas rodasde um cabrioleacute velho que vaacute aos solavancos de um engenho de fogo morto auma estaccedilatildeo da Great Western

Haacute quatro seacuteculos que o massapecirc do Nordeste puxa para dentro de si aspontas de cana os peacutes dos homens as patas de bois as rodas vagarosas doscarros as raiacutezes das mangueiras e das jaqueiras os alicerces das casas e dasigrejas deixando-se penetrar como nenhuma outra terra dos troacutepicos pelacivilizaccedilatildeo agraacuteria dos portugueses

O massapecirc eacute acomodatiacutecio Eacute uma terra doce ainda hoje Natildeo tem aqueleranger de areia dos sertotildees que parece repelir a bota do europeu e o peacute doafricano a pata do boi e o casco do cavalo a raiz da mangueira-da-iacutendia e obroto da cana com o mesmo enjoo de quem repelisse uma afronta ou umaintrusatildeo A doccedilura das terras de massapecirc contrasta com o ranger da raivaterriacutevel das areias secas dos sertotildees

O massapecirc natildeo vai ao extremo da terra de mangue que quase natildeo eacuteterra de tatildeo melada de tatildeo mole e indecisa deixando que nela a aacuteguaapodreccedila os matos e as raiacutezes Nem o excesso do barro tauaacute nos dias dechuva capaz de engolir balduiacutenas de sorver comboios inteiros

O massapecirc tem outra resistecircncia e outra nobreza Tem profundidade Eacuteterra doce sem deixar de ser terra firme o bastante para que nela seconstrua com solidez engenho casa e capela

Nessas manchas de terra pegajenta foi possiacutevel fundar-se a civilizaccedilatildeomoderna mais cheia de qualidades de permanecircncia e ao mesmo tempo deplasticidade que jaacute se fundou nos troacutepicos A riqueza do solo era profundaas geraccedilotildees de senhores de engenho podiam suceder-se no mesmo engenhofortalecer-se criar raiacutezes em casas de pedra e cal natildeo era preciso onomadismo agraacuterio que se praticou noutras terras onde o solo menos feacutertilesgotado logo pela monocultura fez do agricultor quase um cigano sempre agraveprocura de terra virgem Um dom-juan de terras

As cem cento e vinte mil caixas de accediluacutecar que antes de 1670 seimportavam em Lisboa excedendo entatildeo ldquoos assucares do Brasil em bellesa eproveito aos das Indias orientaes unicos que no seacuteculo XVI e ateacute meados doXVII appareciatildeo nos mercados da Europardquo eram accediluacutecares quase todos doNordeste e sua bondade se atribuiacutea agrave boa qualidade dos nossos terrenos ldquooP Labat escreve que a forccedila das terras do Brasil era tal que caacute amadurecia acana em trez mezes quando nas Antilhas custava de dezesseis a dezoitordquo2lembrava haacute mais de cem anos em memoacuteria sobre o accediluacutecar Joseacute SilvestreRebecirclo

Sem massapecirc sem argila sem humus a paisagem do Nordeste ndash desde oRecocircncavo na Bahia ateacute certos trechos do Maranhatildeo ndash natildeo teria se alteradotatildeo decisivamente no sentido em que se alterou desde os meados do seacuteculoXVI no sentido da cana-de-accediluacutecar No sentido da casa-grande de pedra e

calA qualidade do solo tornou possiacutevel o avanccedilo civilizado da cana em vaacuterias

outras terras do Brasil Mas a estabilidade de sua cultura no extremoNordeste e no Recocircncavo se explica por condiccedilotildees particularmentefavoraacuteveis de solo de atmosfera de situaccedilatildeo geograacutefica Nas terras ondeparece que se plantaram as primeiras canas ndash talvez mais como um recursocontra as ldquodoenccedilas do marrdquo principalmente o escorbuto do que como basede uma agricultura colonial e muito menos de uma induacutestria ndash nunca seteria firmado a lavoura que em poucos anos fez da Nova Lusitacircnia umacolocircnia de gente tatildeo farta de homens tatildeo soacutelidos com tanto ruge-ruge deseda e tanto brilho de rubis com casas de pedra e cal com sobrados deazulejo e igrejas guarnecidas de jacarandaacute e de ouro

A qualidade do solo completada pela da atmosfera condicionou comotalvez nenhum outro elemento essa especializaccedilatildeo regional da colonizaccedilatildeoda Ameacuterica pelos portugueses que foi a colonizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar e dizendo-se esta frase banal diz-se ao mesmo tempo uma verdademuitas vezes esquecida

Eacute claro que o triunfo do accediluacutecar no extremo Nordeste foi favorecido porum grupo de circunstacircncias e natildeo por um elemento soacute pela proximidadeda Europa como pelo contato faacutecil com a Aacutefrica fornecedora de escravospela qualidade do elemento colonizador europeu ndash a parentela de DuarteCoelho e de dona Beatriz gente boa e satilde habituada agrave vida rural e ao trabalhoagriacutecola gente talvez geneticamente superior aos simples artesatildeos ndash algunsparece que mouriscos ndash aos burgueses ndash tantos deles cristatildeos-novos ndash e aosfidalgotes aventureiros que primeiro salpicaram de sangue europeu ousemieuropeu outros pontos da Ameacuterica conquistada pelos portugueses Eainda favorecido pela experiecircncia agriacutecola e pelos haacutebitos de relativasedentariedade do elemento colonizador africano os negros de pescoccedilocurto cuja predominacircncia Tollenare notou em Pernambuco nos princiacutepiosdo seacuteculo XIX e que os anuacutencios de pretos fugidos nos jornais da regiatildeoparecem confirmar

Mas eacute preciso natildeo esquecer o que o massapecirc representou ao lado daatmosfera da aacutegua da situaccedilatildeo geograacutefica nessa vitoacuteria do accediluacutecar Noextremo Nordeste como no Recocircncavo baiano a terra ndash de modo nenhum a

feacutertil e boa para qualquer cultura dos exageros do primeiro cronista ndash umavez desbastada de seu arvoredo mais grosso apresentou-se cheia demanchas avermelhadas e pretas onde fazia gosto plantar cana Estarebentava forte e gorda como em nenhuma outra terra Foram essasmanchas excepcionais que tornaram possiacutevel a civilizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar que aqui se desenvolveu

O massapecirc jaacute teve quem lhe fizesse o elogio em palavras tatildeo quentes quenatildeo parecem de um economista frio Joseacute da Silva Lisboa

ldquoEste Reconcavordquo ndash escrevia Silva Lisboa em 1871 em carta ao DrDomingos Vandelli diretor do Real Jardim Botacircnico de Lisboa ndash ldquoeacuteentrecortado de varios rios navegaveis que se veem lanccedilar na mesma bahiade que satildeo ramos He aqui se acha a verdadeira humus natural he estauma terra chamada maccedilapeacute negra compacta viscozissima que trituradanos dedos faz sentir-se uma sensaccedilatildeo de unctuosidade que desfeita em aguae precipitada deixa na parte superior huma porccedilao de oleo vegetal natantede que estava saturada a mesma terra que assim se havia impregnado dellapela resoluccedilatildeo continuada dos vegetaes que nella apodrecemprincipalmente das folhas das grandes arvores que nos seculos passadoshaviatildeo feito montes altissimos que depois com o tempo e chuvas seresolveratildeo He esta terra maccedilapeacute propissima para a cannardquo3 Anos depois

notaria Martius ldquoum canavial convenientemente plantado em condiccedilotildeesfavoraacuteveis como no massapecirc dura muitos anos desenvolvendoanualmente novas socas das cepas que ficaramrdquo4

Mas natildeo nos interessa aqui senatildeo indiretamente a anaacutelise do massapecirc edas terras argilosas e gordas de huacutemus do Nordeste do Brasil Nos interessa soacuteo que essa terra excepcional representou para a civilizaccedilatildeo do Brasil Para oestabelecimento da civilizaccedilatildeo moderna mais sedentaacuteria que o portuguecircsfundou nos troacutepicos a do accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Durante o periacuteodo decisivo da formaccedilatildeo brasileira a Histoacuteria do Brasil foia histoacuteria do accediluacutecar e no Brasil a histoacuteria do accediluacutecar onde atingiu maiorimportacircncia econocircmica e maior interesse humano foi nessas manchas deterra de massapecirc de barro de argila de huacutemus Nessas manchas de soloencarnado ou preto se lanccedilaram os alicerces dos melhores engenhos Foramelas que mais se avermelharam de sangue nos tempos coloniais Sobre elas

que tanto luso-brasileiro tanto preto tanto caboclo tanto mulato morreu emluta com os invasores louros Esses invasores natildeo desejavam outras terrassenatildeo aquelas as terras de massapecirc As terras de barro gordo boas para acana-de-accediluacutecar

De modo que escrever-se a Histoacuteria do Brasil durante esse periacuteododando maior relevo ao extremo Nordeste ou ao Recocircncavo da Bahia natildeo eacutebairrismo como tantas vezes se tem levianamente insinuado em criacuteticas ahistoriadores maranhenses pernambucanos ou baianos Seraacute talvezbarrismo Porque atraveacutes daqueles dias mais difiacuteceis de fixaccedilatildeo da civilizaccedilatildeoportuguesa nos troacutepicos a terra que primeiro prendeu os luso-brasileiros emluta com outros conquistadores foi essa de barro avermelhado ou escuro Foia base fiacutesica natildeo simplesmente de uma economia ou de uma civilizaccedilatildeoregional mas de uma nacionalidade inteira

A verdade eacute que foi no extremo Nordeste ndash por extremo Nordeste deveentender-se o trecho da regiatildeo agraacuteria do Norte que vai de Sergipe ao Cearaacutendash e no Recocircncavo Baiano ndash nas suas melhores terras de barro e huacutemus ndash queprimeiro se fixaram e tomaram fisionomia brasileira os traccedilos os valores astradiccedilotildees portuguesas que junto com as africanas e as indiacutegenasconstituiriam aquele Brasil profundo que hoje se sente ser o mais brasileiroO mais brasileiro pelo seu tipo de aristocrata hoje em decadecircncia eprincipalmente pelo seu tipo de homem do povo jaacute proacuteximo talvez derelativa estabilidade Um homem do povo semelhante ao polineacutesio feito detrecircs sangues em outras terras tatildeo inimigos ndash o do branco o do iacutendio e o donegro Um negro adaptado como nenhum agrave lavoura do accediluacutecar e ao climatropical Um portuguecircs tambeacutem predisposto agrave sedentariedade daagricultura Um iacutendio que ficou aqui mais no ventre e nos peitos da caboclagorda e amorosa do que nas matildeos e nos peacutes do homem arisco e inquieto

Todos eles e o produto caracteristicamente regional do seu cruzamentondash o cabra ndash se mostram hoje desprestigiados pelas doenccedilas e pelas condiccedilotildeesregionais de vida mas se revelam ao mesmo tempo cheios de possibilidadeseugecircnicas jaacute esboccediladas em antecipaccedilotildees magniacuteficas

O Nordeste do massapecirc eacute ainda o mais brasileiro pelo tipo tradicional decasa-grande e de sobrado de azulejo e pelo de casa de palha ou demucambo que aqui se desenvolveram de originais portugueses ou africanos

e indiacutegenas e que constituem material de primeira ordem e uma riqueza desugestotildees e de inspiraccedilotildees para uma arquitetura verdadeiramente brasileiraou pelo menos regional

Agraves ldquobandeirasrdquo ningueacutem ousa lhes diminuir o valor no sentido daextensatildeo da colocircnia portuguesa na Ameacuterica do seu alongamento para ooeste para o extremo sul para o norte Mas esse transbordamento de esforccedilondash jaacute mais de mameluco do que de portuguecircs ndash teria sido quase em vatildeo e todono raso ndash tatildeo no raso que natildeo criaria tipo nenhum de casa ndash se em torno dosengenhos de accediluacutecar nas manchas de terra de massapecirc natildeo seconcentrassem desde o seacuteculo XVI as energias criadoras do agricultor decana da senhora de engenho da matildee preta do negro do cabra dabagaceira Aiacute eacute que se aprofundaram as raiacutezes agraacuterias que tornaram possiacutevelo desenvolvimento raacutepido de simples colocircnia de plantaccedilatildeo em impeacuterio deplantadores de cana com os senhores de engenho elevados a barotildeesviscondes marqueses senadores ministros conselheiros os tiacutetulos quasetodos nomes de engenhos Com as casas quase fortalezas construiacutedas comoacuteleo de baleia e com madeira de lei Desenvolvimento tatildeo raacutepido que desde oseacuteculo XVII os povos das capitanias do Nordeste com os senhores deengenho mais arrojados agrave frente se revelaram capazes de defender-se por siou soacute com o auxiacutelio de brasileiros de outras regiotildees ndash alguns dos quais comorecompensa dos serviccedilos militares pediriam ao rei terras no proacuteprio Nordestee aiacute se fixariam5 ndash dos invasores estrangeiros e dos negros aquilombados E

defendendo seus canaviais seus rios suas terras de massapecirc comeccedilaram asentir que estavam defendendo o Brasil Quando em 1710 em 1817 e em1824 tentaram constituir-se em repuacuteblica jaacute foi sobre esse sentimento desuficiecircncia a esse desejo de estabilidade que lhes davam as terras feacuterteis decana

A Independecircncia do Brasil se realizou firmando-se principalmente sobreuma aristocracia quase feudal de senhores de terras de massapecirc ndash PaesBarrettos Cavalcantis Albuquerques os senhores baianos de Santo Amaromais tarde os fazendeiros da terra roxa Quase feudal nas tendecircncias e nogecircnero de vida e antimonaacuterquica por natureza essa aristocracia das terrasgordas deu entretanto agrave coroa quando colocada sobre a cabeccedila loura deum menino de quinze anos nascido no Rio de Janeiro o prestiacutegio e as

condiccedilotildees de vida que doutro modo lhe faltariam em terra tatildeo nova como oBrasil

Os barotildees das terras de massapecirc seriam por algum tempo o melhor apoioda coroa E embora sob Pedro II se acentuassem conflitos e ateacute sedramatizassem divergecircncias entre a justiccedila imperial e a autoridade dosenhor de engenho poderoso o interesse econocircmico atuaria por muitotempo no sentido da contemporizaccedilatildeo entre as duas forccedilas rivais Osengenhos melhores e mais ricos do mesmo modo que as fazendas de terraroxa seriam ateacute agraves veacutesperas da aboliccedilatildeo centros politicamente fieacuteis agravemonarquia e leais a D Pedro II

Os tiacutetulos de baratildeo que foram sendo aceitos pelos senhores maisarrogantes e ateacute procurados pelos mais vaidosos salpicaram de baronatos asterras de massapecirc Raro um Presciano Accioly Lins senhor de engenho emSerinhaeacutem recusando de modo absoluto e ateacute com insolecircncia o tiacutetulo debaratildeo que lhe foi oferecido pelo imperador Mas esse Presciano Accioly Linsfoi uma figura esquisitiacutessima para o seu meio e para a sua eacutepoca ateu erepublicano em pleno patriarcalismo do seacuteculo XIX um patriarcalismo senatildeo devoto pelo menos temente a Deus e amigo dos santos e do imperadorPresciano Accioly Lins foi nesse meio um desabusado natildeo batizou um filhoenfrentou o risco de o Diabo vir lhe danccedilar de noite no terreiro da casa e dosfilhos pagatildeos virarem os homens lobisomens as mulheres mulas semcabeccedila

O massapecirc raramente deu desses homens zangados e agrestes semplasticidade e quase sem doccedilura nenhuma que foram antes filhos dossertotildees ou de engenhos de terras aacutesperas De pedra de fogo como D VitalGonccedilalves de Oliveira cuja ortodoxia teve talvez a mesma dureza quasecastelhana que a heterodoxia de Presciano Accioly Lins

A terra mais macia do litoral e da ldquomatardquo do extremo Nordeste e doRecocircncavo da Bahia parece ter influiacutedo sobre os seus proacuteprios senhores ndashcomo sobre as proacuteprias plantas terriacuteveis no tipo da maconha importada daAacutefrica ndash amaciando homens do Norte agraacuterio inteiro e natildeo apenas da cidadeda Bahia naqueles baianos maneirosos que Joaquim Nabuco retratou nrsquoUmestadista do impeacuterio ndash os poliacuteticos mais flexuosos e plaacutesticos da monarquiaagraves vezes excessivamente flexuosos e ateacute falsos homens sem palavra a ponto

de ldquobaianordquo ter ficado para o resto do Brasil equivalente de ldquofrancecircsrdquo Earredondando as mulheres naquelas iaiaacutes dengosas que os Macieacuteis Monteiroe os Castro Alves cortejaram em versos tatildeo sensuais e que foram umascriaturas diaboacutelicas pelas graccedilas do sexo desde muito verde especializadopara o amor suavizando pernambucanos e alagoanos em estadistas ediplomatas do tipo de Arauacutejo Lima de Maciel Monteiro de Francisco doRego Barros afrancesados que entretanto tiveram seus rompantes deindependecircncia em relaccedilatildeo ateacute com o papa do tipo do proacuteprio JoaquimNabuco a quem natildeo faltaria nunca o gosto da contemporizaccedilatildeo aplasticidade de atitudes e ateacute de ideias embora a altivez fosse tambeacutem umdos seus traccedilos mais pernambucanos Do tipo de Carvalho Moreira e de JoatildeoAlfredo que nos momentos mais aacutesperos de luta conservaram os punhos derenda essa renda tambeacutem tatildeo do Nordeste feita pacientemente por moccedilase velhas nos seus vagares para os vestidos das senhoras as toalhas de mesaos panos dos altares de santos os enxovais de batizado e de casamento Arterival da do doce fino da do quitute delicado da de rede de plumas

As terras de massapecirc foram no Brasil as terras por excelecircncia das boasmaneiras e dos gestos suaves onde atraveacutes do seacuteculo XIX os homenscresceram mamando em negras gordas mulheres de uma grande doccedilura etomando chaacute desde muito pequenos Quase se podem fixar fronteiras entreas terras de massapecirc e as terras aacutesperas por esse detalhe do leite de matildee-preta ndash em vez do da comadre-cabra dos sertotildees ndash e do uso de chaacute a que afrase ldquotomou chaacute em pequenordquo daacute significaccedilatildeo e importacircncia socioloacutegica Nossertotildees e nas zonas agrestes o chaacute foi ateacute quase nossos dias remeacutedio debotica E o accediluacutecar a rapadura O chaacute acompanhou o accediluacutecar branco e soltoguardado em porcelana da Iacutendia ou de Macau nos guarda-louccedilas das casas-grandes e dos sobrados de azulejo Seu predomiacutenio marca a maior influecircnciaa princiacutepio asiaacutetica depois europeia e principalmente inglesa nas terrasmais vantajosamente especializadas na cultura da cana

Com efeito o Recife concentrou desde os favores do tratado de 1810uma colocircnia grande de ingleses com juiz conservador biblioteca igrejapadre cemiteacuterio e por algum tempo hospital Vendedores de panos finosimportadores de chaacute de cerveja de presunto de chapeacuteu de botinameacutedicos leiloeiros mestres de fundiccedilatildeo engenheiros especializados no

conserto dos aparelhos de fabricar accediluacutecar como Harrigton amp Starr e como osMornay Todo um grupo de homens de negoacutecio e de teacutecnicos muito emrelevo nos anuacutencios de jornais da primeira metade do seacuteculo XIX e cujosinteresses se identificaram de tal modo com os da aristocracia dos canaviaisque vaacuterios terminaram ligados agraves terras de massapecirc docementeabrasileirados em genros sogros ou cunhados de brasileiros Alguns ateacute emsenhores de engenho Tal o caso Henry Koster6 cujo nome se aportuguesou

em Henrique da Costa capitatildeo Henrique da Costa talvez Esse Koster natildeoquis outra vida para os seus dias de tuberculoso menos romacircntico do queRobert Louis Stevenson senatildeo a de plantador de cana a de senhor deengenho a de fabricante de accediluacutecar Nele cumpriu-se magnificamente asentenccedila de Nabuco o aroma de mel embriagou-o a vida inteira Embriagou-o ateacute a morte Prolongou-lhe talvez a vida

Na Bahia nas proximidades das terras de massapecirc e dos engenhos maisnobres verificou-se o mesmo grande concentraccedilatildeo de ingleses Ingleses comhospital capela e cemiteacuterio7 Com juiz conservador teatro meacutedicos que se

tornaram famosos na histoacuteria da medicina no BrasilO accediluacutecar atraiu agraves suas melhores terras o chaacute os ingleses a porcelana da

China o moacutevel e o proacuteprio livro europeu que tiveram talvez no Recife os seusmelhores mercados principalmente na primeira metade do seacuteculo XIX Deuoacutecio aos homens mais inteligentes das casas-grandes natildeo soacute para o jogo comopara os estudos de Filologia tatildeo pachorrentamente cultivados pelo DrMorais no seu engenho de Muribeca (de onde ele se correspondeu comalguns dos maiores letrados portugueses do seu tempo) natildeo soacute para ascharadas como para as boas leituras e agraves iaiaacutes deu lazer para a muacutesica paraas rendas e para os doces finos de sobremesa

De tal modo que Mansfield8 inglecircs mestre em Artes que viajou nos

meados do seacuteculo XIX por terras de massapecirc escreveu ter aqui encontradocasas-grandes de engenho que lhe deram a impressatildeo das casas de campoda Inglaterra moccedilas tocando piano admiravelmente doces finos agravesobremesa chaacute servido pelas senhoras

E Herbert H Smith9 anos depois foi onde encontrou uma aristocracia

brasileira de gostos e haacutebitos mais elevados entre os senhores de engenho doNordeste Nas terras macias de massapecirc

E era na verdade uma gente que tinha piano de cauda e livros em casaQue recebia bem Que apreciava a boa cozinha O doce fino O quitutedelicado O bolo bem-feito10

O naturalista norte-americano chegou a contrastar os senhores deengenho do Nordeste com os fazendeiros de cafeacute do Sul ndash que eram entatildeo aforccedila nova e triunfante do impeacuterio ndash para concluir pela superioridade dosaristocratas das terras de cana

2 ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do accediluacutecar em O auxiliador

da induacutestria nacional nos II-III Rio de Janeiro 1833 Diz ainda JoseacuteSilvestre Rebelo ldquoCem annos ou mais antes que os Inglezes e os mesmosHespanhoes mandassem bom assucar para a Europa comeccedilaratildeo osportuguezes a vender do Brazil e com abundanciardquo Sobre o assunto veja-setambeacutem A history of Barbados 1625-1885 (Oxford 1926) por Vincent THarlow3 ldquoCarta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisbocirca parao Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botanico de Lisbocircardquo Bahia18 de outubro de 1781 Manuscrito no Arquivo do Ultramar de Lisboaregistrado no Inventaacuterio dos Documentos Relativos ao Brasil Existentes noArquivo de Marinha e Ultramar de Lisboa Organizado para a BibliotecaNacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e Almeida Rio deJaneiro 19144 Von Spix e von Martius Atraveacutes da Bahia (excertos da obra Reise inBrasilien trasladados ao portuguecircs pelo Dr Pirajaacute da Silva e Dr Paulo Wolf)

2a ed Bahia 19285 Vejam-se os livros manuscritos de sesmarias e datas de terra do arquivo daantiga capitania de Pernambuco na Biblioteca do Estado6 Autor do conhecido livro sobre o Nordeste Travels in Brazil (Londres1816 traduzido para o francecircs por M A Jay sob o tiacutetulo Voyages dans lapartie serptentrionale du Breacutesil depuis 1809 jusqursquo en 1815 Comprenantles provinces de Pernambuco (Fernambouc) Seara ParahybaMaragnon etc Paris 1818 Sobre atividades britacircnicas no Nordeste veja-senosso Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica na vida napaisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 19487 Von Spix e von Martius op cit8 Charles B Mansfield Paraguay Brazil and the Plate Londres 18569 Herbert H Smith Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque

187910 Sobre doces do Nordeste veja-se nosso Accediluacutecar algumas receitas dedoces e bolos do Nordeste (Rio de Janeiro 1939) onde reunimos receitastradicionais de famiacutelias de casas de engenho e sobrados do Nordeste agraacuterio

2 ndash A CANA E A AacuteGUA

Em 1929 Sir Halford Mackinder fez um discurso no CongressoInternacional de Geografia reunido em Cambridge defendendo asupremacia da aacutegua entre os elementos que nos devem preocupar no estudode uma regiatildeo e de sua paisagem ldquoA hidrosferardquo ndash chegou a dizer SirHalford ndash ldquodeve ser considerada o tema central da geografiardquo Porque nadamais importante no estudo do homem que as suas relaccedilotildees com a aacutegua coma aacutegua do mar com a aacutegua dos rios com a aacutegua condensada das nuvenscom a aacutegua de chuva ou de degelo com a aacutegua subterracircnea com a aacutegua quecorre na seiva das plantas ou que circula nas arteacuterias e nas veias dos animaisPor conseguinte o proacuteprio sangue e a proacutepria vida do homem Quase umamiacutestica da aacutegua

Jaacute entre noacutes Artur Orlando um dos publicistas mais vigorosos da suageraccedilatildeo salientara a importacircncia da aacutegua da aacutegua que se ingere e que influitanto sobre a vida do homem como da aacutegua dos rios e dos mares que atuamde maneira poderosa sobre as civilizaccedilotildees

A verdade eacute que a aacutegua mesmo sem ser preciso consideraacute-la quasemisticamente como Sir Halford nos aparece em vaacuterias regiotildees como a notadominante na vida da paisagem Da paisagem fiacutesica como da cultural

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar a aacutegua foi e eacute quase tudo Sem ela natildeoteria prosperado do seacuteculo XVI ao XIX uma lavoura tatildeo dependente dos

rios dos riachos e das chuvas tatildeo amiga das terras gordas e uacutemidas e aomesmo tempo do sol tatildeo agrave vontade dentro de uma temperatura meacutedia queem Pernambuco eacute de 265ordm e de uma meacutedia anual de 176 dias de chuvastatildeo feliz numa atmosfera cheia de vapor de aacutegua

Os moinhos de vento natildeo teriam substituiacutedo inteiramente a aacutegua dos riose dos riachos nos trabalhos da lavoura e da moagem da cana O vento pormelhor que seja eacute um inconstante em comparaccedilatildeo com a aacutegua dos riospequenos mas regulares que soacute deixam de servir ao homem agraacuterio nos diasverdadeiramente terriacuteveis de seca suas proacuteprias cheias beneficiando muitasvezes a lavoura E natildeo por caprichos tolos e de momento como o vento

Aliaacutes os ventos tecircm sido amigos da lavoura da cana e da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste Natildeo tanto pela sua constacircncia de direccedilatildeo como pelapouca violecircncia a que chegam nos seus dias mais zangados quando os soprosmais fortes ndash os de agosto ndash tecircm em Pernambuco como velocidade meacutediamaacutexima de apenas 1597 metros por segundo Se natildeo chegam agraves grandesviolecircncias por outro lado natildeo faltam quase nunca sendo tatildeo raras ascalmarias como as tempestades Esse equiliacutebrio parece explicar certatemperanccedila de atitudes e de gestos no pernambucano da aacuterea do accediluacutecar

A lavoura da cana no Nordeste ndash e pode-se acrescentar no Brasil ndashparece ter comeccedilado nas terras de Itamaracaacute agrave beira da aacutegua doce comotambeacutem da salgada das duas aacuteguas ao mesmo tempo E quando depois seregularizou com Duarte Coelho foi para acompanhar as ldquoterras vizinhas dasribeirasrdquo

O engenho patriarcal de Jerocircnimo de Albuquerque levantou-se nosarredores de Olinda proacuteximo agrave aacutegua11 e em meados do seacuteculo XVI parece

que Vasco Fernandes de Lucena jaacute moiacutea cana em Igaraccedilu ndash terras alagadas edonde as canas podiam vir de barcaccedila pelo rio12

O primeiro donataacuterio doou a Diogo Gonccedilalves as ldquoterras do Beberiberdquo riopequeno mas constante que foi logo se tornando um auxiliar poderoso dacolonizaccedilatildeo agraacuteria da regiatildeo Agrave margem direita do rio Diogo Gonccedilalves ndashque aqui casou com Da Isabel Froes ndash levantou engenho e construiu casa eentre o engenho e a casa-grande a capela esta um tanto afastada para ooeste e a casa bem junto do rio de forma que ldquotraccedilando-se uma linha deuniatildeo sobre essas construccedilotildeesrdquo ndash escreve um cronista ndash ldquoteremos um perfeito

triacircngulordquo13 Triacircngulos que adquiriram expressatildeo poliacutetica e natildeo apenas

econocircmica na vida brasileiraEsses triacircngulos logo se tornaram claacutessicos engenho casa-grande (com

senzala) e capela Eles foram quebrando as linhas virgens da paisagem tatildeocheia de curvas agraves margens dos rios mesmo quando povoadas de tabas decaboclos E introduzindo nessa paisagem desordenada aqueles traccedilos novosde ordem e de regularidade A geometria da colonizaccedilatildeo agraacuteria

Embora o colonizador portuguecircs natildeo tivesse a miacutestica da Ordem como oespanhol nem como o inglecircs ou o holandecircs ndash que neste mesmo Nordesteseria o primeiro a cuidar de construir bairros e ateacute uma cidade inteira (oRecife) dentro de um plano geomeacutetrico de urbanizaccedilatildeo ndash foi ele que deu agravepaisagem desta parte da Ameacuterica seus elementos caracteriacutesticos de ordemblocos de construccedilatildeo que representam um meacutetodo ou um sistema deconquista de economia de colonizaccedilatildeo de domiacutenio sobre a aacutegua e sobre asmatas E natildeo uma seacuterie de aventuras a esmo cada qual a seu jeito

O triacircngulo rural ndash engenho casa capela ndash se impocircs agrave paisagem doNordeste de massapecirc como a sua primeira nota de ordem europeia A aacuteguados rios e dos riachos da regiatildeo se subordinou ao novo sistema de relaccedilotildeesentre o homem e a paisagem embora conservando-se cheia de curvas e ateacutede vontades Sem se militarizar em canais riacutegidos agrave holandesa

Mesmo assim conservando curvas e agrave vontades que elemento danatureza regional agiu mais poderosamente no sentido de regularizaccedilatildeo davida econocircmica e social dos colonos do Nordeste que esses rios pequenos doextremo Nordeste e da Bahia Rios do tipo do Beberibe do Jaboatatildeo doUna do Serinhaeacutem do Tambaiacute do Tibiri do Ipojuca do Pacatuba doItapuaacute Junto deles e dos riachos das terras de massapecirc se instalaramconfiantes os primeiros engenhos Rios agraves vezes feios e barrentos mas quasesempre bons e serviccedilais prestando-se ateacute a lavar os pratos das cozinhas dascasas-grandes e as panelas dos mucambos A confianccedila dos homens nessesrios natildeo se pode dizer que fosse traiacuteda A natildeo ser por alguma seca terriacutevel oupor alguma cheia extraordinaacuteria uma ou outra vez e pelas ldquofebres dasribeirasrdquo ou por doenccedilas trazidas da Aacutefrica pelos escravos numa comovinganccedila contra os seus senhores nem sempre maus

Mas sem que esses inconvenientes chegassem para desprestigiar o

conjunto de vantagens de aacuteguas de ordinaacuterio tatildeo regulares e fieacuteis e agraves vezestatildeo saudaacuteveis que os proacuteprios colonos imitando os iacutendios e os negros edesembaraccedilando-se de preconceitos medievais fizeram do banho de rioquase um rito de Iemanjaacute como agraves margens do Capibaribe na altura dolugar onde se levantou a Igreja de Nossa Senhora da Sauacutede Mais de uma vezviu-se a aacutegua do rio curar os homens das febres e limpaacute-los das feridas

O empobrecimento do solo em tantos trechos do Nordeste por efeito daerosatildeo natildeo se pode atribuir aos rios agrave sua acircnsia de correr para o mar levandoa gordura das terras mas principalmente agrave monocultura Devastando asmatas e utilizando-se do terreno para uma cultura uacutenica a monoculturadeixava que as outras riquezas se dissolvessem na aacutegua se perdessem nosrios

O fato liga-se tambeacutem agrave destruiccedilatildeo das matas pelo fogo e pelo machadoem que tanto se excedeu a monocultura Desapareceu assim aquelavegetaccedilatildeo como que adstringente das margens dos rios que resistia agraves aacuteguastempo de chuva natildeo deixando que elas levassem o tutano das terrasconservando o huacutemus e a seiva do solo As caraibeiras tiveram essa funccedilatildeouacutetil agraves margens de alguns rios Margens que se tornaram umas areias frouxase incapazes de resistecircncia quando esse arvoredo mais vigoroso do interior foidevastado quando as plantas adstringentes foram destruiacutedas para oscanaviais se estenderem imperialmente por toda a parte Ou quando essasplantas de margens dos rios ficaram expostas agraves cabras

Alberto Loumlfgren observou no interior do Nordeste trechos devastadosldquoonde nenhuma aacutegua mais para e as enxurradas cada vez carregam maisterra ateacute a desnudaccedilatildeo completardquo14 Trechos desbastados de suas aacutervores

e ateacute da sua vegetaccedilatildeo mais rasteira perturbados pelo homem da maneiramais terriacutevel

De modo que natildeo passa da mais vazia das retoacutericas culpar os rios doNordeste por essa desnudaccedilatildeo que vem de causas humanas da coivara daqueimada da monocultura Esses rios natildeo tecircm sido ladrotildees de terras feacuterteissenatildeo a mandado ou por imposiccedilatildeo dos homens O grande ldquoladratildeo dasterrasrdquo escreveu Bennett no seu estudo sobre a erosatildeo do solo nos EstadosUnidos eacute o monocultor15 Ele nem sequer esgota a fertilidade dos campos

no interesse de sua lavoura uacutenica mas deixa que essa fertilidade se dissolva

nos rios ateacute se perder no marJaacute procuramos fazer uma vez o elogio dos rios pequenos e destacar a

importacircncia que tiveram na formaccedilatildeo rural do Brasil ndash com o que emtrabalho recente deu-nos a honra de concordar o ilustre geoacutegrafo francecircsprofessor Pierre Monbeig Essa importacircncia onde se acentuou de modo maiscaracteriacutestico foi precisamente na zona da ldquomatardquo do extremo Nordeste enas terras de massapecirc do Recocircncavo ndash as regiotildees mais profundas de cana-de-accediluacutecar com seus rios constantes e equilibrados Rios sanchos-panccedilas semos arrojos quixotescos dos grandes prestando-se portanto agraves tarefas dasedentariedade e da fixaccedilatildeo aos deveres pachorrentos mas de modonenhum vis da antiga rotina agriacutecola

As sesmarias e as datas concedidas por Duarte Coelho e pelos seussucessores seguiram em Pernambuco as vaacuterzeas e as margens dos rios tendoIguaraccedilu Olinda Beberibe Casa-Forte Vaacuterzea como os seus primeirospontos de fixaccedilatildeo e a cultura da cana como a sua base Seguiram os vales doCapibaribe na direccedilatildeo de Paudalho Seguiram os vales do IpojucaAprofundaram-se nas terras argilosas para se estenderem ralas e superficiaispelas terras mais secas do centro donde os rios soacute faziam procurar descerpara a ldquomatardquo e para o mar

Na Paraiacuteba ndash terra de tatildeo bom accediluacutecar ndash a lavoura da cana lembra Joffilyque nasceu no vale do Paraiacuteba para estender-se logo ao Norte e ao Sul ldquoemlinha paralela ao mar nos vales de outros riosrdquo No do Mamanguape No doCamaratu ldquoem que o rio deposita enorme quantidade de lsquopaulrsquo arrastadodesde a Cupaoba espraiando-se como um lago e perdendo quase acorrenteza daiacute para baixordquo16 No do Miriri no do Garamame no do Abiaiacute

Em Alagoas as terras que Cristoacutevatildeo Lins escolheu para as suas lavouras decanas foram as que chamou de Santo Antocircnio dos Quatro Rios onde logo selevantariam uma igreja em louvor de Maria Santiacutessima e sete engenhos deaccediluacutecar17

Mas na vaacuterzea do Capibaribe eacute que primeiro se consolidou a cultura dacana no Nordeste ndash a lavoura que daria relevo tatildeo grande agrave capitania deDuarte Coelho Pouco depois do meado do seacuteculo XVI jaacute se falava na ldquogenteda vaacuterzea do Capibariberdquo como de um verdadeiro nervo da populaccedilatildeocolonial e foi ndash pode-se dizer ndash onde criou raiacutezes a primeira aristocracia

brasileira de senhores de engenho que tambeacutem precisou da vaacuterzea de umrio e da fartura de aacutegua doce para desenvolver-se dentro da sedentariedadee da endogamia

Foi essa vaacuterzea na paisagem social brasileira a primeira a povoar-se natildeode casas-grandes esporaacutedicas e soacutes mas de um verdadeiro conjunto delasligadas pela aacutegua do rio e pelo sangue dos colonos atraveacutes dos casamentosque se extremariam depois ndash aqui como no Cabo de Santo Agostinho navaacuterzea do Ipojuca na do Una no Recocircncavo da Bahia no vale do Paraiacutebaem Santo Antocircnio dos Quatro Rios ndash na mais completa endogamia ndash osprimos se casando com as primas as sobrinhas com os tios Para essaendogamia intensa dos brancos e quase-brancos das casas-grandes damesma vaacuterzea de que resultou um tipo fiacutesico tatildeo caracteriacutestico dearistocrata de engenho de que resultaram tipos de famiacutelia no Nordeste tatildeodefinidos nos seus traccedilos nos seus viacutecios no seu modo de falar ndash PaesBarrettos Cavalcantis Wanderleys Souza Leotildees ndash concorreupoderosamente a aacutegua dos rios pequenos fazendo de vaacuterias famiacutelias uma soacutee de vaacuterios engenhos um sistema social e agraves vezes econocircmico Verdadeirosclatildes se desenvolveram agraves vezes agrave margem dos rios pequenos dominados pelovelho de uma casa-grande maior mais dona do rio da aacutegua e da vaacuterzea queas outras

Em 1577 a vaacuterzea do Capibaribe jaacute tem o engenho de Satildeo Pantaleatildeo doMonteiro em 1593 tem tambeacutem o Apipucos em 1598 o Satildeo Timoacuteteo doJiquiaacute Engenhos grandes donde sairiam engenhos menores dotes a filhos anetos a sobrinhos Engenhos favorecidos por tudo boas manchas de terraboas aacuteguas boas matas o mar perto Olinda perto os iacutendios longe

Agrave sombra das mesmas condiccedilotildees favoraacuteveis foram se levantando outrosengenhos na vaacuterzea do Capibaribe o Satildeo Joatildeo o Santo Antocircnio o SatildeoFrancisco o Madalena o Santos Cosme e Damiatildeo Vaacuterios outros Quase todoscom nomes de santos dos santos mais queridos da devoccedilatildeo portuguesa Masalguns jaacute com nomes indiacutegenas de rio ou de riacho Apipucos Com nome demulher Madalena Outros com o apelido do dono Curado Desses vaacuteriostipos de denominaccedilatildeo de engenhos do primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo daNova Lusitacircnia quase natildeo se afastariam os dos seacuteculos seguintes Algunsentretanto tomariam nomes africanos Maccedilangana Outros nomes de

madeiras e de frutas da terra Pau-de-Sangue Melancia Cajueiro-de-BaixoJenipapo Ou entatildeo verdadeiras frases ou exclamaccedilotildees ldquoValha-me DeusrdquoldquoCaacute me vourdquo ldquoCaacute me vouzinhordquo

Eacute de interesse salientar alguns dos numerosos nomes antigos deengenhos da regiatildeo que conservaram sugestotildees da aacutegua Lagoa dos Ramosde Baixo Ribeiro da Pedra Poccedilo Comprido Vertente de Cima VertenteGrande Alagoa do Meio Aacutegua Azul Ribeiro Grande Trecircs Poccedilos AacuteguaVerdeOlho drsquoAacutegua do Tapuia Dois Rios Trecircs Lagoas Cachoeira de Cima Vaacuterzeado Una Poccedilo Sagrado Cachoeirinha Cacimbas Aacutegua CompridaRedemoinho Riachatildeo Aacutegua Fria Aacutegua Clara Serra drsquoAacutegua Pedra drsquoAacuteguaRiacho do Padre Aacuteguas Belas

Sente-se nesses nomes de engenhos antigos o quase culto e certamente apoetizaccedilatildeo da aacutegua pela gente dos canaviais e das vaacuterzeas A aacutegua foielemento nobre na velha paisagem de engenho do Nordeste onde a usinadegradaria principalmente os rios O engenho honrou a aacutegua natildeo se limitoua servir-se dela

As boas casas-grandes do interior como os bons sobrados da Madalena eda Rua da Aurora no Recife e ateacute os conventos como o de franciscanos emSerinhaeacutem foram edifiacutecios levantados com a frente para o rio com a facepara a aacutegua as melhores escadas das casas descendo ateacute agraves canoas e aosbotes Canoas e botes agraves vezes com cachorros dragotildees e leotildees esculpidos namadeira das proas Dentro deles as iaiaacutes passeavam de chapeacuteu de sol abertoos ioiocircs tambeacutem Iam de canoa fazer visitas O rio era honrado Preferia-se asua aacutegua aos caminhos cheios de poeira e de lama por onde nos temposmais antigos os carros de boi se arrastavam aos solavancos de um engenho aoutro e no seacuteculo XIX os cabrioleacutes pulavam as molas rangendo de raiva e decansaccedilo no fim da primeira leacutegua

De tal modo se desenvolveu o complexo do rio entre a gente mais ilustredo Nordeste que se tornou chic tirar o retrato nas fotografias francesasdentro de botes ou de canoas as sinhazinhas empunhando remos osmeninos fingindo remar Os aacutelbuns de famiacutelia em Pernambuco na Bahia emAlagoas estatildeo cheios de velhas fotografias em que iaiaacutes ou sinhozinhosaparecem dentro de botes afidalgados

O banho de rio quando natildeo era um rito como os dos ldquoromeiros da sauacutederdquo

no Poccedilo da Panela era uma festa Passava-se a festa ndash o Natal o ano-bom oDia de Reis ndash junto dos rios O rio recebia entatildeo muito corpo paacutelido de sinhaacutedengosa moccedilas quase tuberculosas de tanto viverem dentro das camarinhasNo rio elas se libertavam do escuro e do abafado dos seus quartos de doenteficavam umas verdadeiras meninas gritando e nadando nuas O rio recebia ocorpo dessas moccedilas finas e natildeo apenas o dos moleques da bagaceiralimpando-se do suor e do sujo do trabalho ou o dos negros dando banho noscavalos Em 1855 o meacutedico Carolino Francisco de Lima Camposrecomendava nos seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo os banhos de rio escrevendoque ldquopara o asseio do corpordquo os ldquobanhos frescos de riordquo com sabatildeo ldquoaleacutem depreencherem o fim relativo agrave limpezardquo concorriam para ldquofortificar ostecidosrdquo

Tollenare nos comeccedilos do seacuteculo XIX viu no Capibaribe ldquofamiacuteliasinteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia abrigadas do solsob pequenos telheiros de folhas de palmeira cada casa tem o seu perto doqual haacute um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despirrdquo O francecircssurpreendeu nesses banhos ldquoa matildee amamentando o filho a avoacutemergulhando ao lado dos netos e as moccedilas da casa traquinando no meio dosseus negros lanccedilarem-se com presteza e atravessarem o rio a nadordquo Algumasdessas moccedilas ele chegou a ver nuas as naacutedegas todas de fora verdadeirasldquonaacuteiades sem veacuteurdquo

Mas natildeo se limita a essa nota de volutuosidade o depoimento deTollenare sobre as margens do rio pernambucano O francecircs escreveu queera raro encontrar margens mais risonhas que as do Capibaribe A aacutegua eratatildeo clara que se enxergava o fundo de areia pura ldquoque toma um coloridoverde-esmeralda escuro do reflexo da folhagem em meio da qual vecirc-seesvoaccedilar o cacique de ninho suspenso o cardeal vestido de escarlate e milpaacutessaros adornados de brilhante plumagemrdquo Em redor da canoa em que elesubiu o rio ateacute o paccedilo viam-se de vez em quando ldquocardumes de pequenospeixesrdquo Arrastando-se pelas margens ldquomiriacuteades de caranguejosrdquo e ldquoagraveentrada de suas tocas pelos lugares mais elevados tatus e cutiasrdquo18 Soacute natildeo

chegou a ver jacareacutes nem os enormes sapos-cururus tatildeo temidos pelosmeninos e muito utilizados no catimboacute da regiatildeo

No interior eacute que Tollenare observou nem sempre se tirar todo o partido

dos rios para o transporte do accediluacutecar dos engenhos para o litoral O rio quepassava junto ao engenho Salgado por exemplo regava os canaviais deoutros vinte engenhos sendo navegaacutevel por embarcaccedilotildees de ldquomais de 150toneladasrdquo Mas natildeo era aproveitado para o transporte do accediluacutecar Nem doaccediluacutecar nem dos negros e moleques que Bento Joseacute da Costa importava daAacutefrica para os seus canaviais19 E tudo por uma crenccedila sem fundamento a

de que os holandeses haviam metido a pique trecircs navios entre a ponta deNazareacute e os recifes tornando impraticaacutevel a passagem O rio desaproveitadopor incuacuteria dos senhores de engenho

Desaproveitado mas de modo nenhum degradado O grande prazer emSalgado como perto do Recife agraves margens do Capibaribe e do Beberibe era obanho de rio Dois trecircs por dia

Beberibe Tambiaacute Caxangaacute tornaram-se pontos de banhos de rio alegresBanhos de estudantes com atrizes com pastoras com mestras econtramestras de pastoral que iam para o rio de madrugada Banhos demanhatilde cedo com cachaccedila e caju antes do primeiro mergulho na aacutegua friaBanhos de moleques cuja nudez escandalizava as iaiaacutes mais recatadas dossobrados

Os rapazes mais romacircnticos estudantes de Direito no Recife estesfizeram das aacuteguas do Capibaribe e do Beberibe as aacuteguas de suas confidecircnciasde amor Muito estudante apaixonado recitou versos agrave namorada vista delonge ou simplesmente adivinhada por traacutes de alguma varanda de sobradoou de alguma janela acesa da Rua da Aurora de Ponte drsquoUchoa daMadalena varanda de sobrado de azulejo janela de casaratildeo ou de chaleacuteentre mangueiras e jaqueiras E o estudante paacutelido de fraque preto decolarinho duro de botinas de verniz descendo o rio de bote agraves vezescantando para o lado da casa jaacute no escuro da moccedila burguesa

ldquoDesperta abre a janela Stelardquo

ou

ldquoOh Maria oh Mariaquantas noites por ti sem dormir

Oh Maria oh Mariaem teus braccedilos eu quero cairrdquo

Isto jaacute no fim do seacuteculo XIX ou nos princiacutepios do XX Os mais antigoshaviam cantado outras cantigas Minha Nise adorada por exemplo OuChiquita

Agraves vezes se raptavam moccedilas de bote Nise ou Chiquita ou Stela acordavae se entregava ao rapaz de fraque Maria abria-lhe os braccedilos e agraves vezes aspernas morenas Assaltavam-se casas de bote Ladrotildees assassinos don-juans parece que o proacuteprio Cabeleira o grande bandido dos canaviaisvinham ao Recife dentro de botes de canoas jangadas nas noites de escuroO bote ou a canoa era por sua vez um objeto muito apetecido pelos ladrotildeesos jornais do seacuteculo XIX estatildeo cheios de notiacutecias de botes e canoas roubadas

Famiacutelias inteiras faziam em botes as suas mudanccedilas de jacarandaacutes deum sobrado para outro E quando veio a campanha da Aboliccedilatildeo o Capibaribendash em cujas margens penaram tantos moleques tristes escravos de senzalasde senhores nem sempre bons ndash tornou-se um rio libertador Pelas suasaacuteguas desceram negros fugidos escondidos em cargas de madeira de capime de cana nas barcaccedilas que vinham dos engenhos para o mar

Era em canoas que se trazia aacutegua agraves cidades Em canoas que se vendiaaacutegua pelo cais Canoas expostas ao sol ou sujas de lodo que em 1837 o DrJoseacute Eustaacutequio Gomes jaacute denunciava como uma das causas da insalubridadedo Recife em parecer sobre as erisipelas na cidade Parecer que escreveu apedido da Cacircmara Municipal20

A barcaccedila a canoa e ateacute a jangada estiveram por muito tempo ligadas agravecana ao accediluacutecar e ao negro de engenho Tanto quanto o carro de boi Aindahoje natildeo se quebrou de todo a ligaccedilatildeo dos tempos de engenho de aacutegua Fazpoucos dias vimos reunidos em praia do norte de Alagoas como noNordeste de 1700 a jangada o negro e o carro de boi A barcaccedila quase noseco da praia e entre ela e um carro de boi uma jangada fazendo de pontede embarque Os cabras quase nus carregando accediluacutecar 1700 puro

Os engenhos antigos do Nordeste viviam muito do mar e dos rios dospeixes dos caranguejos dos pitus dos camarotildees dos siris que a dona dacasa mandava os moleques apanhar pelos mangues pela aacutegua pelos

arrecifes Esses pescadores a serviccedilo da casa patriarcal tornaram-sejangadeiros iguais aos caboclos tatildeo peritos quanto eles no traquejo dasjangadas das canoas e da rede de tucum na caccedila aos jacareacutes agraves emas e aosveados das margens dos rios Deram mesmo uma teacutecnica mais doce aomanejo da canoa impelida tatildeo sem gosto pelos caboclos nas matildeos do preto oremo e a vara da jangada e de canoa tornaram-se instrumentos quase degozo agraves vezes ateacute de certa deliacutecia masoquista Durval Vieira de Aguiar emviagens pelo interior do norte da Bahia e pelo Recocircncavo nos uacuteltimos anosda monarquia encontrou barcas de rio conduzidas por vareiros apenasvestidos de tanga ou saiote de zuarte um gorro da mesma fazenda nacabeccedila homens de ldquoum perfeito aspecto africanordquo ldquoMunidos de grandesvaras ferradas na ponta encostavam a outra extremidade ao caloso peitosem nenhum amparo deixando muitas vezes com o esforccedilo escorrer osangue por garbordquo21

O negro remava cantando e dentro de um ritmo ndash do mesmo modo quecantando e dentro de um ritmo carregava pelas ruas os sacos de accediluacutecar ospianos de iaiaacute os jacarandaacutes de ioiocirc Alguns estrangeiros falam encantadosda precisatildeo de movimentos desses negros de canoas que Henderson viumais de uma vez descendo o Capibaribe

O negro que a princiacutepio soacute trabalhou no ldquoverde-mar dos canaviaisrdquodepois tornou-se tambeacutem operaacuterio do outro mar ndash o verdadeiro e cheio demal-assombrado das costas do Nordeste Canoeiro Jangadeiro VareiroCuringa de barcaccedila Natildeo nos parece exata a generalizaccedilatildeo de que ldquoo marainda eacute do caboclordquo Nem o mar nem os rios nem a jangada nem a canoanem o saveiro nem a barcaccedila Os anuacutencios de jornal da primeira metade doseacuteculo XIX jaacute vecircm cheios de negros canoeiros Uma multidatildeo de negroscanoeiros Era mulato ou curiboca o Francisco Joseacute do Nascimento ojangadeiro cearense que se distinguiu na campanha da Aboliccedilatildeo e ficouconhecido pelo nome de guerra de ldquoDragatildeo do Marrdquo E hoje satildeo multidatildeo osnegros barcaceiros e jangadeiros em Pernambuco na Bahia e em Alagoas

Tivemos haacute pouco ocasiatildeo de nos aproximar um pouco das barcaccedilas defeitio colonial que ainda trazem accediluacutecar e sal madeira e cocos para o RecifeVecircm de Natal de Goiana de Gravataacute de Maceioacute Quase todas satildeo azuis oubrancas ndash o que nos parece refletir certo misticismo meio cristatildeo da nossa

gente do mar semelhante ao das mulheres mais chegadas agrave Igreja quefazem promessa de soacute vestir as filhas de azul e branco em homenagem aNossa Senhora e chegam a considerar o vermelho ndash tatildeo do gosto da gentemenos afetada por escruacutepulos cristatildeos de branco e azul ndash cor para ldquovestidode raparigardquo isto eacute de prostituta

De 115 barcaccedilas que anotamos 63 eram todas azuis ou azuis e amarelassendo azuis e brancas 46 Tecircm entretanto na sua maioria natildeo nomes desantos ndash apenas 9 das 115 ndash mas de mulheres de rios e de engenhos Muitosdos barcaceiros como os jangadeiros acreditam em Iemanjaacute guiam-se pelasestrelas conhecem os ventos de longe fumam maconha para sonhar commulher nua ou moccedila bonita Mas mesmo assim o misticismo que os dominaparece que eacute o cristatildeo E entretanto eacute grande entre eles o nuacutemero de negros

Pode-se afirmar que a maioria da gente que trabalha nessas barcaccedilas doNordeste ndash pelo menos de Alagoas de Pernambuco da Bahia ndash jaacute natildeo eacute decaboclos mas de negros mulatos cafuzos curibocas

Vecirc-se muito jangadeiro nas praias do sul de Pernambuco e do norte deAlagoas morando em mucambos de um estilo meio indiacutegena meio africanoe no meio dessa gente que o complexo africano da maconha dominadescobre-se sem esforccedilo muito negro muito mulato muito curiboca muitocafuzo E natildeo apenas brancos e caboclos

O caboclo natildeo eacute mais dono do mar nem da praia nem da jangada nemda canoa mas soacute do que resta de mato virgem ndash e ali mesmo o negro tem semostrado um competidor poderoso A verdade eacute esta no Nordeste da cana-de-accediluacutecar o caboclo eacute cada vez mais uma alma do outro mundo uma figurade retoacuterica o ldquoespiacuterito do caboclordquo das sessotildees de baixo espiritismo o ldquonoacutes oscaboclos que expulsamos os holandesesrdquo dos discursos ciacutevicos das oraccedilotildeespatrioacuteticas e nada mais Jaacute eacute quase uma curiosidade quase um exotismouma figura inteira ou predominantemente cabocla entre noacutes Jaacute se chamade ldquochinardquo o proacuteprio curiboca mesmo quando eacute bacharel ou doutor Nestasub-regiatildeo do Nordeste o colono europeu e o colono africano fizeram com apaisagem humana o mesmo que o coqueiro que a cana que a mangueiracom a vegetaccedilatildeo dominaram-na a ponto de parecerem agraves vezes mais daterra que certos elementos nativos Que o pau-brasil e que o iacutendio

Os peixes do mar e dos rios do Nordeste satildeo muitos peixes de alto mar

peixes de aacutegua funda peixes das pedras que natildeo sendo os mais saborosossatildeo entretanto os mais bonitos e os mais cheios de cores vivas Os peixes decores vivas satildeo tatildeo bonitos que natildeo se compreende que natildeo sejam tambeacutem osde melhor sabor o aguiuacuteba vermelho o pirauacutena tambeacutem vermelho otucano e o budiatildeo azuis Mas natildeo satildeo E eacute a gente mais pobre que fica comesses peixes mais bonitos para o seu almoccedilo e para a sua ceia com farinha demandioca e molho de pimenta

Muitas vezes temos visto as jangadas chegarem agraves praias cheias de peixesde cor ainda vivos e pulando peixes azuis peixes encarnados peixes roxose cor-de-rosa peixes listrados peixes amarelados com salpicos pretos ldquoSoacutetecircm belezardquo dizem os entendidos

Sucesso eacute o do pescador que traz na sua jangada cavala-perna-de-moccedilacioba carapeba tainha ndash os aristocratas das aacuteguas do Nordeste Sucesso eacute odo negro que no seu balaio carrega as grandes lagostas os lagostins os pitus

Os pitus do rio Una O Una pernambucano tornou-se famoso pelos pitusque os senhores de engenho da vaacuterzea do Una tinham sempre agrave mesa nosdias dos grandes jantares Do mesmo modo o rio Corrente da Bahia ficouceacutelebre pelo dourado ldquomuito gordo e saborosordquo Pitu do rio Una dourado dorio Corrente fritada de caranguejo de siri de camaratildeo de gaiamum deldquounha-de-velhordquo polvo sururu de Maceioacute peixe cozido com piratildeo peixefrito de tabuleiro curimatilde de viveiro de casa-grande peixe de coco peixe demoqueca ndash tudo isso ligou de uma maneira muito iacutentima a aacutegua o mar o rioagrave mesa e agrave vida da gente do Nordeste A aacutegua ficou uma amiga das casas dolitoral e da ldquomatardquo Das casas ricas e dos mucambos tantos deles levantadosbem junto da aacutegua

A aacutegua parece ainda ter agido sobre a paisagem do Nordeste nestesentido esteacutetico no de propagar por todo o litoral da regiatildeo o coqueiro-da-iacutendia segundo as melhores evidecircncias importado pelos colonos portuguesesA grande propagaccedilatildeo do coqueiro se teria feito pelas mareacutes e pelas correntesmariacutetimas da costa conduzindo as sementes e depondo-as nas areias dapraia

Nem sempre tecircm sido idiacutelicas as relaccedilotildees entre a gente e a aacutegua destasub-regiatildeo do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homema aacutegua natildeo falta nunca (porque os rios verdadeiramente da ldquomatardquo nunca

secam de todo nem os olhos-drsquoaacutegua ficam estorricados) mas onde agraves vezestransborda desadorada e terriacutevel As grandes cheias deixam sem mucambocentenas de gente pobre Agraves vezes se afoitam ateacute pelas casas-grandes JoseacuteLins do Rego jaacute nos contou em paacutegina extraordinaacuteria ndash uma das mais fortesque jaacute se escreveram em nossa liacutengua ndash o que satildeo essas cheias nos engenhosdo Nordeste A aacutegua de repente se torna o maior inimigo do homem dosbichos das plantas

O colonizador africano do Nordeste se aqui se ligou agrave aacutegua da maneiramais iacutentima e mais uacutetil foi tambeacutem ao que parece um seu contaminadorTrouxe ndash pensam alguns pesquisadores ndash para alguns rios de engenho osvermes causadores da doenccedila de Manson-Pirajaacute da Silva ou esquistossomosemansoni Tornou o banho de rio em certos trechos da regiatildeo uma aventuraum risco do indiviacuteduo se expor agraves larvas de um verme que lhe atravessabrincando a pele e as mucosas para ir roer-lhe o fiacutegado os intestinos osproacuteprios pulmotildees

Na Ameacuterica a predominacircncia do mal eacute nas aacutereas de accediluacutecar que atraiacuterammaior colonizaccedilatildeo negra nas Antilhas no Peru na Venezuela na Colocircmbianas Guianas E no Brasil ldquotoda a faixa litoracircnea do Brasil desde o Paraacute ao sulda Bahiardquo O Nordeste da cana-de-accediluacutecar e as suas margens do Paraacute ao sulda Bahia Na Bahia o mal africano foi estudado por um mestre notaacutevel ndashPirajaacute da Silva ndash que completou as observaccedilotildees de Manson Em Pernambucovecircm estudando-o os colaboradores e continuadores do professor AgeuMagalhatildees e uacuteltima e notadamente o meacutedico Luiacutes Tavares sua geografiadeterminaram-na o professor Meira Lins e o Dr Fernando Wanderley Estesverificaram procederem os seus doentes de rios de engenho o Capibaribe oGoiana o Una o Jaboatatildeo o Ipojuca22

Mas o que haacute hoje de patoloacutegico nas relaccedilotildees do homem com a aacutegua doNordeste dos canaviais natildeo se limita a essa contaminaccedilatildeo dos rios ao queparece pelos negros Resulta em grande parte do desprezo do homempoderoso da regiatildeo pela aacutegua do rio

O monocultor rico do Nordeste fez da aacutegua dos rios um mictoacuterio Ummictoacuterio das caldas fedorentas de suas usinas E as caldas fedorentas matamos peixes Envenenam as pescadas Emporcalham as margens A calda que asusinas de accediluacutecar lanccedilam todas as safras nas aacuteguas dos rios sacrifica cada fim

de ano parte consideraacutevel da produccedilatildeo de peixes no NordesteNa semana do Natal de 1936 o rio Goiana em Pernambuco recebeu

tanta calda que a quantidade de peixe podre foi enorme Parecia uma pragado Velho Testamento Os peixes mais finos fedendo de podres ao lado dosmais plebeus23 O cheiro de peixe podre misturando-se ao de fruta podre

das margens sujas dos riosQuase natildeo haacute um rio do Nordeste do canavial que alguma usina de

ricaccedilo natildeo tenha degradado em mictoacuterio As casas jaacute natildeo datildeo a frente para aaacutegua dos rios datildeo-lhes as costas com nojo Datildeo-lhe o traseiro com desdeacutemAs moccedilas e os meninos jaacute natildeo tomam banho de rio soacute banho de mar Soacute osmoleques e os cavalos se lavam hoje na aacutegua suja dos rios

O rio natildeo eacute mais respeitado pelos fabricantes de accediluacutecar que outrora seserviam dele ateacute para lavar a louccedila da casa mas natildeo o humilhavam nuncaantes o honravam sempre Admitiam-no agrave sua maior intimidade Contavam-lhe suas maacutegoas de namorados e as suas saudades de velhos Faziam daspontes e dos cais seus recantos preferidos de conversa noite de lua noRecife

Esses rios secaram na paisagem social do Nordeste da cana-de-accediluacutecarEm lugar deles correm uns rios sujos sem dignidade nenhuma dos quais osdonos das usinas fazem o que querem E esses rios assim prostituiacutedos quandoum dia se revoltam eacute a esmo e agrave toa engolindo os mucambos dos pobres queainda moram pelas suas margens e ainda tomam banho nas suas aacuteguasamarelentas ou pardas como se o mundo inteiro mijasse ou defecasse nelas

Soacute o mal-assombrado povoa ainda de sombras romacircnticas as aacuteguasimundas dos rios do Nordeste prostituiacutedos pelo accediluacutecar Mal-assombrado deestudante assassinado que o cadaacutever aparece boiando por cima das aacuteguasainda de fraque e flor na botoeira Mal-assombrado de menino louro afogadoque o siri natildeo roeu e o anjinho aparece inteiro Mal-assombrado de moccedilamorena que se atirou no rio doida de paixatildeo e os seus cabelos se tornaramverdes como o das iaras Pouca gente acredita que o passado dos rios doNordeste tenha sido tatildeo bonito e tatildeo ligado agrave nossa vida sentimental Mas foi

A aacutegua nobre eacute hoje a do mar ndash esse mar nuns lugares tatildeo azul e noutrostatildeo verde que banha as areias do Nordeste Iemanjaacute mesma jaacute natildeo eacute adoradapelos pretos de Xangocirc na aacutegua dos rios mas principalmente na aacutegua do mar

E entretanto faz pouco mais de um seacuteculo que essas praias ilustres natildeo eramsenatildeo imundiacutecie Faz pouco mais de um seacuteculo que nelas soacute se fazia atirar olixo e o excremento das casas se enterrar negro pagatildeo se deixar bichomorto se abandonar esteira de bexiguento ou lenccedilol de doente da peste

11 O Engenho Nossa Senhora de Ajuda que depois se chamou Forno da Cal12 rdquoEm carta de 22 de marccedilo de 1548 dirigida ao rei comunica o donataacuterioque o almoxarife Vasco Fernandes de Lucena queria levantar um engenhoem suas terras que lhe dava para cujas despesas pedia licenccedila para explorare exportar algum pau-brasil para Portugal o que certamente obteve em facedos favoraacuteveis conceitos com que o donataacuterio se expressardquo (Pereira daCosta Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em PernambucoRecife 1905)

Lembra um estudioso estrangeiro das origens brasileiras ndash Otto

Schmieder no seu ldquoThe brazilian culture hearthrdquo publicado no vol 3 no 3de University of California publications in geography (agosto1929) ndash quea superioridade das terras de cana do Nordeste no seacuteculo XVI sobre asterras de Cabo Verde Canaacuteria Valecircncia e Iacutendia estava principalmente nofato de natildeo necessitarem como essas terras exploradas jaacute haacute tempo deirrigaccedilatildeo e adubo Era tatildeo raacutepida a prosperidade de alguns plantadores decana que a ldquoa yearrsquos crop sold for more than the price of the wholefazendardquo lembra o mesmo pesquisador para quem ldquothe type of tropicalplantation work which they [os portugueses] introduced develop from thebeginning a particular social structurerdquo Desta estrutura caracterizada poruma ldquoaristocracia colonialrdquo procuramos traccedilar o perfil em relaccedilatildeo com omeio do Nordeste em pequenos ensaios que datam de 1925 anterioresportanto ao estudo de Schmieder que alguns apresentam como pioneiro noassunto

Estamos informados de que ilustre historiadora paulista a professoraAlice Canabrava prepara interessante e minucioso ensaio em que desenvolve

a tese apresentada agrave Universidade de Satildeo Paulo e publicada no Boletim no 5da cadeira de Histoacuteria da Civilizaccedilatildeo Brasileira da referida Universidadesobre a histoacuteria da induacutestria do accediluacutecar no Brasil especialmente no Nordestecomparada com a histoacuteria da mesma induacutestria noutras aacutereas da Ameacutericaespecialmente nas Antilhas inglesas e francesas Assunto por noacutesconsiderado haacute anos como de maacuteximo interesse para a interpretaccedilatildeo do

passado brasileiro dados os contatos e as interpenetraccedilotildees de influecircncia ndashpor meio do judeu e do negro principalmente ndash entre algumas pelo menosdessas aacutereas Veja-se o que a respeito sugerimos desde 1937 em uma denossas Conferecircncias na Europa (Rio de Janeiro 1938) justamente a escritapara ser lida na Universidade de Londres Tais conferecircncias posteriormenteaparecem em nova ediccedilatildeo e com caraacuteter de pequenos ensaios em O mundoque o portuguecircs criou (Rio de Janeiro 1940)

Ainda sobre o assunto leia-se o sugestivo ensaio do professor Alfredo Ellis

Juacutenior ldquoO ouro e a paulistacircniardquo no 8 da Histoacuteria da civilizaccedilatildeo brasileira(Satildeo Paulo1948) Especialmente o capiacutetulo V intitulado ldquoDecliacutenio do accediluacutecarnordestinordquo No capiacutetulo XX concorda conosco o mesmo historiador em quea primeira grande expressatildeo de civilizaccedilatildeo brasileira ndash a baseada no accediluacutecar ndashfoi particular ao Nordeste isto eacute ao Brasil agraacuterio que se estendia doRecocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo13 Pereira da Costa loc cit Sobre a importacircncia poliacutetica dos engenhos doNordeste como centro da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo no Brasil veja-seo ensaio do socioacutelogo paulista professor Fernando de Azevedo Canaviais eengenhos na vida poliacutetica do Brasil Rio de Janeiro 1948

Vejam-se tambeacutem o estudo de Olavo Batista Filho ldquoAspectos daeconomia accedilucareira no nordeste no seacuteculo XVIrdquo Revista do ArquivoMunicipal Satildeo Paulo 1939 e A P Canabrava ldquoA Influecircncia do Brasil nateacutecnica do fabrico do accediluacutecar nas Antilhas francesas e inglesas no meado doseacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas eAdministrativas Satildeo Paulo 1946-194714 Alberto Loumlfgren Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo donordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1912Veja-se tambeacutem sobre o assunto o estudo do agrocircnomo professor VasconcelosSobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e a civilizaccedilatildeo Riode Janeiro-Satildeo Paulo 1949 especialmente o toacutepico ldquoA raacutepida intoxicaccedilatildeodos solos tropicaisrdquo

Aleacutem dos estudos do professor Vasconcelos Sobrinho sobre a ecologia doNordeste vejam-se os ensaios de outro agrocircnomo preocupado com osaspectos sociais dos problemas de agronomia regional o Sr Pimentel GomesContribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do nordeste brasileiro(Joatildeo Pessoa 1936) e Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina (Riode Janeiro 1914) Os ensaios dos professores Angione Costa Migraccedilatildeo ecultura indiacutegena (Satildeo Paulo 1939) e Estecircvatildeo Pinto Os indiacutegenas donordeste (Satildeo Paulo 1935) ndash satildeo igualmente contribuiccedilotildees ndash estas de caraacuteter

etnograacutefico ndash ao estudo da ecologia nordestina15 H H Bennett ldquoSoil erosion a national menacerdquo US Department of

Agriculture Circular no 33 1928 Sobre o assunto veja-se tambeacutem ldquoTheincreased cost of soil erosionrdquo pelo mesmo autor em The annals of theamerican academy of political and social science CXLII Tambeacutem WWAshe ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in thesoutheast Engineering world XXIII E ainda o excelente Soil exhaustion asa factor in the agricultural history of Virginia and Maryland (1926) porA O CravenVeja-se tambeacutem o estudo citado do professor Vasconcelos Sobrinhoespecialmente o capiacutetulo ldquoOs riosrdquo

Concordando com a nossa sugestatildeo de que os rios pequenos masregulares foram colaboradores valiosos do colono agraacuterio do Nordeste opesquisador sergipano Felte Bezerra no seu recente estudo Etniassergipanas (Aracaju 1950) salienta o exemplo da sub-regiatildeo sergipana ldquoPorisso em Sergipe criaram-se agraves suas margens as zonas accedilucareiras porexcelecircncia do Japaratuba da Cotinguiba (bacia do rio Sergipe) do Vaza-Barris do Piauiacuterdquo16 I Joffily Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 189217 Pedro P da Fonseca ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas ndash Apontamentos histoacutericosbiograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscrito

Sobre o assunto veja-se tambeacutem o recente e substancioso ensaio dopesquisador alagoano Manoel Diegues Juacutenior O banguecirc nas Alagoas Riode Janeiro 1949 com o qual eacute interessante contrastar o estudo socioloacutegicodo Nordeste aacuterido ultimamente publicado pelo pesquisador paraibano Lopesde Andrade Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro 1948Dentre os trabalhos mais seacuterios aparecidos nos uacuteltimos anos sobre a chamadaldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo que teve sua aacuterea de maior vitalidade social e natildeoapenas econocircmica ou poliacutetica no extremo Nordeste ndash de Sergipe aoMaranhatildeo ndash e no Recocircncavo da Bahia destaca-se o ensaio do historiadorbaiano Wanderley de Pinho Histoacuteria de um engenho do recocircncavo (Rio deJaneiro 1947) Ainda sobre o assunto vecircm aparecendo nos uacuteltimos anosnumerosos estudos e valioso documentaacuterio publicados pelo Instituto doAccediluacutecar e do Aacutelcool (Rio de Janeiro) Sabemos que estaacute em elaboraccedilatildeointeressante histoacuteria da Sociedade Auxiliadora da Agricultura do Recifetarefa de que a tradicional sociedade tatildeo ligada ao passado econocircmico doNordeste agraacuterio incumbiu o historiador Joseacute Antocircnio Gonsalves de Meloneto Sobre Olinda e sua irradiaccedilatildeo na vida e na cultura do Nordeste atraveacutes

do Seminaacuterio prepara tambeacutem um ensaio Padres de Olinda o jovempesquisador Haroldo Carneiro Leatildeo trabalho que seraacute para o velhoSeminaacuterio o que para a Faculdade de Direito do Recife eacute o estudo doprofessor Odilon Nestor Sobre atividades norte-americanas no Nordesteespecialmente durante o seacuteculo XIX colhe material outro pesquisador o SrDiogo de Melo Menezes que a respeito do assunto jaacute publicou nota preacutevia naRevista do Brasil (Rio de Janeiro) e a quem se deve a coordenaccedilatildeo de notaspara Memoacuterias de um Cavalcanti publicadas com introduccedilatildeo nossa18 ldquoNotas dominicais tomadas durante uma viagem em Portugal e no Brasilem 1816 1817 e 1818 por L F de Tollenarerdquo (parte relativa a Pernambucotraduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredo de Carvalho) Revista

do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico Pernambucano nos 61-621904Sobre o rio Capibaribe prepara interessante ensaio o historiador Joseacute

Antocircnio Gonsalves de Melo netoDos rios de Alagoas do ponto de vista da economia agraacuterio-patriarcal

ocupa-se no seu recente e jaacute citado estudo sobre O banguecirc nas AlagoasManoel Diegues Juacutenior Do assunto jaacute se ocupara pioneiramente o SrOctavio Brandatildeo em interessante trabalho de mocidade de que acaba deaparecer nova ediccedilatildeo sobre as lagoas e os canais de Alagoas Vejam-setambeacutem sobre o assunto o ensaio de Aydano do Couto Ferraz ldquoTraccedilos dainfluecircncia da aacutegua na paisagem social do nordeste e do recocircncavordquo Revistado Arquivo Municipal vol 60 Satildeo Paulo 1940 e a do professor Josueacute deCastro Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de Janeiro 194819 Livro de assentos de Bento Joseacute da Costa manuscrito do arquivoparticular do engenho Salgado20 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambuco

Sobre a pesca no Nordeste estamos informados que prepara interessanteensaio o pesquisador rio-grandense-do-norte Osvaldo Lamartine que emtorno do assunto jaacute publicou sugestiva nota preacutevia ilustrada na revistaNordeste (Recife) publicaccedilatildeo dirigida pelos Srs Aderbal Jurema eEsmaragdo Marroquim e dedicada principalmente a assuntos regionais Coma mesma orientaccedilatildeo vecircm aparecendo nos uacuteltimos anos vaacuterias revistasinclusive Regiatildeo (Recife) dirigida pelos Srs Edson Reacutegis e Laurecircncio Lima eem Natal Bando inspirada nas tendecircncias regionalistas do historiador efolclorista Luiacutes da Cacircmara Cascudo Nessas revistas nas publicaccedilotildees doDepartamento de Cultura da Prefeitura do Recife da Prefeitura deSalvador e da Prefeitura de Goiana e em livros vecircm ultimamente

aparecendo estudos de folcloristas ecologistas nutroacutelogos higienistas ehistoriadores voltados para o estudo do folclore e da histoacuteria da pesca davegetaccedilatildeo da populaccedilatildeo e de outros assuntos regionais Maacuterio Sette haacutepouco falecido Lauro Borba Castro Barreto Aniacutebal Fernandes J ATrindade Getuacutelio Ceacutesar Osvaldo Gonsalves Lima Nelson Chaves RuiCoutinho Oliacutempio Costa Astolfo Serra Ceacutesio Regueira Costa Joseacute Maria deMelo Josueacute de Castro Ascenso Ferreira Sousa Barros Valdemar de OliveiraVeriacutessimo de Melo Aderbal Jurema Osvaldo Lamartine Pimentel GomesAdemar Vidal Reneacute Ribeiro Maacuterio Melo Oliacutevio Montenegro Amaro QuintasEstecircvatildeo Pinto Maacuterio Lacerda Vasconcelos Sobrinho Cavalcanti Proenccedila

Sabemos que deveratildeo ser publicados breve trabalhos reunidos pelo 1o

Congresso de Regionalismo no Brasil (Nordeste) iniciativa que coincidiu com

a publicaccedilatildeo em 1925 do Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco e marcou o iniacutecio de verdadeiromovimento de estudo objetivo e valorizaccedilatildeo de assuntos de regiatildeo e deproviacutencia do nosso paiacutes21 Durval Vieira de Aguiar Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898 Sobre jangadas e barcaccedilas de mar do Nordeste veja-se nosso

Olinda 2o guia histoacuterico praacutetico e sentimental de cidade brasileira 3a

ed Rio de Janeiro 196022 Meira Lins e Fernando Wanderley ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo Anual Sociedadede Medicina de Pernambuco setembro 1934 Vejam-se tambeacutem os estudosde A Bezerra Coutinho ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do Recife

no 1 1934 e Lauro M Gama ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina

Acadecircmica no 6 1936 Recife Luiacutes Tavares Estudo meacutedico-ciruacutergico daesquistossomose de Manson Recife 1945 J Rodrigues da Silva ldquoEstudocliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede

Puacuteblica tomo III no 1 Rio de Janeiro outubro 194923 No Recife os peixes da regiatildeo se acham oficial ou quase oficialmenteclassificados da seguinte maneira

ndash 1a Classe ndash Camorim Cioba Pescada Serra Guarajuba CarapebaCurimatilde Garoupa Pampo Beiju Pira Arabaiana Serigado Xareacuteu AraciboraBicuda e Tainha

ndash 2a Classe ndash Caranha Carapitanga Pirapitinga Dourado Pargo Araicoacute

e Camaratildeo

ndash 3a Classe ndash Alcabarra Galo Camurupim Agulha Sauna e Mero

ndash 4a Classe ndash Xira Agulhatildeo Espada Caroacute Bagre Budiatildeo

ndash 5a Classe ndash Cangulo Arraia Polvo Caccedilatildeo e outras espeacuteciesindeterminadas

O rei ndash ou a rainha ndash dos peixes regionais eacute considerado em Pernambucoa ldquocavalardquo afrodisiacamente denominada ldquoperna-de-moccedilardquo

Haacute tambeacutem uma classificaccedilatildeo embora sem cunho algum oficioso ouoficial das frutas mais caracteriacutesticas da regiatildeo Das mangas coloca a gente

do Nordeste na 1a classe a de Itamaracaacute a de Itaparica a Jasmim a Rosa

na 2a a Carlota a Espada numerosas outras na 3a as comuns faz doabacaxi-pico-de-rosa (em geral de Goiana e da Paraiacuteba) o rei dos abacaxisdo mesmo modo que o abacaxi eacute considerado o rei das frutas regionaisexalta o caju-banana sobre os demais cajus distingue o cajaacute-manga doscomuns Dos abacates os arredondados satildeo geralmente consideradossuperiores aos comuns com forma de pecircra os verdes superiores aos roxos Omamatildeo-de-caiena eacute considerado superior aos demais Das laranjas pareceque depois das de ldquoumbigordquo da Bahia as superiores satildeo as de Vitoacuteria(Pernambuco) Satildeo famosas as mangabas de Prazeres (Pernambuco) os cajusdo Bessa (Paraiacuteba) as ldquolaranjas-da-bahiardquo de Itapuaacute (Paraiacuteba) os bacuris(Maranhatildeo)

3 ndash A CANA E A MATA

Sabe-se o que era a mata do Nordeste antes da monocultura da canaum arvoredo ldquotanto e tamanho e tatildeo basto e de tantas prumagens que natildeopodia homem dar contardquo

O canavial desvirginou todo esse mato grosso do modo mais cru pelaqueimada A fogo eacute que foram se abrindo no mato virgem os claros por ondese estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador

O canavial hoje tatildeo nosso tatildeo da paisagem desta sub-regiatildeo do Nordesteque um tanto ironicamente se chama ldquoa Zona da Matardquo entrou aqui comoum conquistador em terra inimiga matando as aacutervores secando o matoafugentando e destruindo os animais e ateacute os iacutendios querendo para si toda aforccedila da terra Soacute a cana devia rebentar gorda e triunfante do meio de todaessa ruiacutena de vegetaccedilatildeo virgem e de vida nativa esmagada pelo monocultor

Jaacute os traficantes franceses tinham derrubado muito pau-brasil Osprimeiros portugueses continuaram a derrubar a madeira de tinta com oauxiacutelio dos iacutendios E a apanhar macacos e papagaios a matar animais para ocomeacutercio de peles e de penas

Mas foi com o comeccedilo da exploraccedilatildeo agriacutecola que o arvoredo mais nobree mais grosso da terra foi sendo destruiacutedo natildeo aos poucos mas em grandesmassas a barauacutena o pau-drsquoarco o angelim a sucupira o amarelo o

visgueiro o angico o pau-ferro Madeiras hoje de uma raridade tatildeo grande ndashinforma-nos um estudioso especializado no assunto ndash que sai mais barato aosenhor de engenho comprar nos armazeacutens do Recife madeira do Paraacute queutilizar a dos seus restos da mata

Poucas dessas madeiras foram utilmente aproveitadas para trave decasa-grande roda-drsquoaacutegua de engenho carro de boi Grande parte foi acoivara que simplesmente desmanchou em monturo foram as fornalhas deengenho que engoliram os portugueses que levaram para construir navio eporta de convento em Portugal Agraves vezes esbanjou-se madeira de leifazendo-se cercas enormes dividindo um engenho de outro Luxo deprivatismo Vaidade de senhor de engenho patriarcal

A cana comeccedilou a reinar sozinha sobre leacuteguas e leacuteguas de terrasavermelhadas pela coivara Devastadas pelo fogo

Nunca foi mais violento nos seus comeccedilos o drama da monocultura queno Nordeste do Brasil Nem mais ostensiva a intrusatildeo do homem nomecanismo da natureza

A natureza sabe-se pelos estudos de ecologia do animal ou da plantaque eacute ldquoessencialmente variadardquo O homem rompe o equiliacutebrio que dependedessa variedade quando faz que uma planta uacutenica e no momento valorizadamais do que as outras cresccedila sobre uma regiatildeo inteira Eacute o drama damonocultura

Em estado de variedade tudo se concilia e se compensa Em estado demonocultura absoluta tudo se desequilibra e se perverte na vida de umaregiatildeo A histoacuteria natural ndash como a social ndash do Nordeste da cana nestesquatro seacuteculos eacute uma histoacuteria de desequiliacutebrio em grande parte causadopelo furor da monocultura Suas fomes algumas de suas secas e revoluccedilotildeessatildeo aspectos desse drama

Natildeo que a cana fosse aqui um intruso ou um indesejaacutevel como o coelhofoi na Austraacutelia onde perturbou todo o equiliacutebrio entre a vida animal e a dasplantas como o cambaraacute levado do Brasil para o Ceilatildeo foi na Indochina ena Iacutendia Ao contraacuterio a cana eacute um dos casos de transplantaccedilatildeo mais felizesEncontrou aqui terra oacutetima O drama que se passou e se passa ainda noNordeste natildeo veio do fato da introduccedilatildeo da cana mas do exclusivismo brutalem que por ganacircncia de lucro resvalou o colono portuguecircs estimulado pela

coroa na sua fase jaacute parasitaacuteriaDesse drama um dos aspectos mais crueacuteis foi o da destruiccedilatildeo da mata

importando na destruiccedilatildeo de vida animal e eacute possiacutevel que em alteraccedilotildees declima de temperatura e certamente de regime de aacuteguas Alteraccedilotildeesdesfavoraacuteveis agrave proacutepria cana e ao proacuteprio senhor de engenho Desfavoraacuteveisagrave vida do homem e dos animais da regiatildeo

Aleacutem do que com esse estado de guerra entre o homem e a mata que foiaqui tatildeo franco natildeo puderam desenvolver-se entre os dois aquelas relaccedilotildeesliacutericas aquele sistema meio misterioso de proteccedilatildeo reciacuteproca entre o homeme a natureza aquele amor profundo do homem pela aacutervore pela plantapelo mato pela terra que os socioacutelogos e os economistas estatildeo fartos de nosapontar como caracteriacutestico das sociedades verdadeiramente rurais Dasmais saudaacuteveis pelo menos e natildeo pervertidas pela monocultura furiosa

A monocultura da cana no Nordeste acabou separando o homem daproacutepria aacutegua dos rios separando-os dos proacuteprios animais ndash ldquobichos do matordquodespreziacuteveis ou entatildeo considerados no seu aspecto uacutenico de inimigos dacana que era preciso conservar agrave distacircncia dos engenhos (como os proacutepriosbois que natildeo fossem os de carro) E natildeo falemos aqui da distacircncia socialimensa que a monocultura aprofundou como nenhuma outra forccedila entredois grupos de homens ndash os que trabalham no fabrico do accediluacutecar e os quevivem mal ou volutuosamente dele

Com a destruiccedilatildeo das matas para a cana dominar sozinha sobre o pretoo roxo ou o vermelho dessa terra crua a natureza do Nordeste ndash a vida todandash deixou de ser um todo harmonioso na sua interdependecircncia para sedesenvolverem relaccedilotildees de extrema ou exagerada subordinaccedilatildeo de umaspessoas a outras de umas plantas a outras de uns animais a outros damassa inteira da vegetaccedilatildeo agrave cana imperial e todo-poderosa de toda avariedade de vida humana e animal ao pequeno grupo de homens brancos ndashou oficialmente brancos ndash donos dos canaviais das terras gordas dasmulheres bonitas dos cavalos de raccedila Cavalos de raccedila tantas vezes tratadosmelhor que os trabalhadores da bagaceira

Desenvolveu-se entre noacutes como adiante se salientaraacute neste ensaio umamor todo especial do aristocrata da cana pelo cavalo que lhe completava afigura senhorial E com esse amor um conhecimento minucioso do cavalo

pelo senhor de engenho com prejuiacutezo do seu interesse pelos outros animaissobretudo pelos do mato simples animais de caccedila um ou outro decuriosidade sendo entatildeo conservado em casa nas gaiolas do corredor ou emalguma aacutervore do quintal ndash o saguim o papagaio a arara o galo-de-campinao canaacuterio Mas estes proacuteprios conservados mais para as ldquobrigas de canaacuteriordquotatildeo dos engenhos patriarcais e por conseguinte com um fim todo saacutedico doque por interesse mesmo superficial pela sua cor ou pelo seu canto Ospassarinhos favoritos dos senhores de engenho eram os canaacuterios de briga enatildeo os cantadores ou de cor viva e plumagem bonita

O brasileiro das terras de accediluacutecar quase natildeo sabe os nomes das aacutervoresdas palmeiras das plantas nativas da regiatildeo em que vive ndash fato constatadopor tantos estrangeiros A cana separou-o da mata ateacute esse extremo deignoracircncia vergonhosa Na mata ele vecirc vagamente o peacute de aacutervore e agraves vezesquase desdenhosamente o peacute de pau Quase que soacute o caboclo odescendente de caboclo do iacutendio do nativo ou entatildeo do quilombola emmatas como a de Catucaacute ndash o negro fugido que se fez iacutentimo da natureza daregiatildeo ndash pode nos guiar pelos misteacuterios dos restos de floresta do Nordestedando-nos a conhecer pelo nome ndash o nome indiacutegena em grande nuacutemero decasos ndash cada aacutervore que nos chame a atenccedilatildeo o valor de cada peacute de paupara a medicina caseira para a serraria para os ninhos de aves

Foi certamente com caboclos ou negros curandeiros que se instruiacuteramsobre as raiacutezes ervas plantas do Nordeste aqueles portugueses que noseacuteculo XVIII puderam escrever para a metroacutepole cartas como esta ldquoEm 4de Marccedilo proximo passado tive a honra de remetter a V Exa um mapa dasraizes e hervas de que usam os moradores da comarca das Alagoas nocurativo das suas molestias e com que experimentam saudaveis effeitos asquaes raizes e hervas foram em um caixote e continuando a informar a VExa sobre o mesmo interessante objeto remetto a respeitaacutevel prezenccedila deVExa as raizes hervas cascas e frutos de que usam para o curativo dealgumas molestias feridas chagas ou mordeduras os indios e maishabitantes da capitania da Parahyba do Norte em tres caixotildees que levam asdivizas que as distinguem e o fazem conhecer pelos seus proprios nomesexceto as batatas que soacute reconheceratildeo pelos frutos de casca preta dos quaesvae uma boa porccedilatildeo no caixote numero 1 tudo entregue a Jacyntho

Gonsalves de Oliveira capitatildeo do navio Nossa Senhora Conceiccedilatildeo e S JoseacuteFlor do Mar e inclusa nesta vae um abcedario em que se declaram asapplicaccedilotildees de cada uma das mesmas raizes hervas cascas e frutos sobreos quaes poderaacute V Exa Mandar fazer as provas que julgar necessarias parase conhecer a utilidade que o reino pode tirar das plantas que haacute naquellacapitania Recife 8 de maio de 1788 Martinho de Mello e Castrordquo Carta quese encontra entre os manuscritos da correspondecircncia com a corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco (ano de 1788) conservados naBiblioteca do Estado de Pernambuco

Por ela se vecirc que dos homens portugueses de governo destacados noBrasil alguns preocuparam-se sensatamente com o assunto Mais talvez doque os jaacute brasileiros por vaacuterias geraccedilotildees de casa-grande

Nunca nos esqueceremos do dia em que entramos por uns restos dematas virgens do sul de Pernambuco com o seu dono nosso bom amigoPedro Paranhos senhor de Japaranduba Ele sabia quase tatildeo mal quantonoacutes menino de cidade os nomes das aacutervores da mata grande do seuengenho Entretanto eram suas conhecidas velhas desde o tempo demenino Mas simples conhecidas de vista Foi preciso que o caboclo nos fossedizendo isto eacute um peacute disso isto eacute um peacute daquilo isto daacute um leite que servepara ferida brava isto daacute um chaacute que serve para as febres

Essa distacircncia entre o colono branco e a mata entre o dono de terra e afloresta explica o nosso quase nenhum amor pela aacutervore ou pela planta daregiatildeo quando se trata de arborizar as ruas das cidades do litoral Explica aindiferenccedila com que deixamos que a arborizaccedilatildeo das cidades do Nordeste vaacutese estandardizando no fico benjamim e no eucalipto australiano

Ningueacutem diz que nos devemos fechar agraves novidades e aos brilhos daplanta exoacutetica Da acaacutecia de Honolulu por exemplo ou da vitoacuteria-reacutegia

Haacute muita aacutervore hoje nossa para todos os efeitos que nos veio de fora amangueira a jaqueira a fruta-patildeo Mas soacute pelo fato de natildeo se terdesenvolvido entre noacutes nenhum lirismo entre o homem e a mata se explicaa indiferenccedila tatildeo da gente do litoral do Nordeste pela aacutervore da terraDesprezada desse jeito a aacutervore da terra acabaraacute talvez vencida de todo pelaestranha ou pela simplesmente aclimada aqui nos antigos hortos del-rei Eessa vitoacuteria assim agrave grande com consequecircncias infelizes quase certas do

ponto de vista ecoloacutegicoOs estetas que em diferentes eacutepocas nos tecircm querido impor aos parques

ou agraves ruas numa generalizaccedilatildeo contra toda a harmonia da naturezaregional plantas de fora ndash o fico benjamim o cacto mexicano o eucaliptoaustraliano a acaacutecia de Honolulu ndash devem lembrar-se de uma coisa quenatildeo se brinca em vatildeo ou sem correr algum risco seacuterio com a vida vegetal deuma regiatildeo que esta afetada na sua interdependecircncia de relaccedilotildees porplanta estranha ou por animal intruso que se torne predominante podedesequilibrar-se a ponto de perturbar o proacuteprio homem na sua economia enas suas fontes mais puras de subsistecircncia Eacute liccedilatildeo dos ecologistas e natildeosimples grito de alarme dos socioacutelogos romacircnticos

Com relaccedilatildeo ao eucalipto o professor Konrad Guenther que eacute umfitopatologista notaacutevel jaacute escreveu alarmado com a sua propagaccedilatildeo noproacuteprio Nordeste ldquonesta aacutervore o paacutessaro brasileiro natildeo tem onde serefugiarrdquo24 Parece a lamentaccedilatildeo de um poeta e eacute a advertecircncia de um

cientistaSe o passarinho do Nordeste natildeo pode se refugiar no eucalipto nem

fazer o seu ninho nessa aacutervore magra e godera que suga tanto a terra e daacutetatildeo pouca sombra ao homem e tatildeo pouco abrigo ao animal a suadisseminaccedilatildeo em parques e ateacute em matas inteiras significa um perigo para avida natildeo soacute vegetal como animal e humana da regiatildeo Porque dessas avesque estatildeo sendo sacrificadas pelo triunfo cada vez maior do eucaliptodepende a sauacutede de muita planta uacutetil ao homem e agrave economia da regiatildeoque os paacutessaros defendem como nenhum agrocircnomo das lagartas e dosvermes daninhos O caso do anum ou do alma-de-gato por exemplo cujaaccedilatildeo profilaacutetica dificilmente se pode exagerar

Qual a vantagem do fico A de crescer depressa A do eucalipto A decrescer depressa e a de chupar a aacutegua dos pacircntanos saneando-os eacabando com o mosquito das aacuteguas paradas Mas os naturalistas nos dizemque haacute uma variedade de aacutervores nossas que crescem depressa e se prestammelhor que o fico e que o eucalipto agrave arborizaccedilatildeo das cidades Aacutervorescapazes de dar agraves ruas as melhores sombras do mundo sem arrebentar ascalccediladas com as suas raiacutezes escandalosas e intrusas

E quanto ao fato do eucalipto se prestar tatildeo gulosamente a nos secar os

pacircntanos ecologista nenhum se limita a ver aiacute a vantagem tatildeo exaltadapelos higienistas dos subuacuterbios e pelos burocratas das prefeituras daextinccedilatildeo dos mosquitos nos arrabaldes haacute que enxergar tambeacutemdesvantagens e ateacute perigos para a natureza da regiatildeo no seu todo Dessesaneamento do pacircntano pode resultar na verdade desequiliacutebrio profundosob o ponto de vista ecoloacutegico o eucalipto australiano viria concorrer com assuas raiacutezes tatildeo exageradamente gulosas de aacutegua para diminuir a proacutepriaumidade do nosso solo talvez relacionada com a maior doccedilura do clima

Os que se tecircm ocupado da fitogeografia do Nordeste estatildeo cansados dedestacar a importacircncia da vegetaccedilatildeo como garantia de condiccedilotildees deumidade Mas vegetaccedilatildeo adequada eacute claro e natildeo do tipo do eucaliptoaustraliano quase doentiamente especializado em sorver o melhor suco daterra

A propagaccedilatildeo de aacutervores desse tipo entre noacutes longe de vir resolver oproblema do reflorestamento da regiatildeo viria talvez comprometecirc-la aindamais na sua sauacutede econocircmica jaacute tatildeo maacute e nas suas condiccedilotildees de vida e deequiliacutebrio cada dia mais precaacuterias Pois natildeo nos esqueccedilamos da advertecircnciado agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho em estudo recente a de que as regiotildeesintertropicais como o nordeste do Brasil ldquoestatildeo muito mais sujeitas aodesgaste do solo que as temperadasrdquo25

Essas condiccedilotildees jaacute se acham comprometidas de modo mais profundopela devastaccedilatildeo das matas alarmante no mais industrializado PernambucoA ldquoZona da Matardquo no Nordeste eacute hoje uma sub-regiatildeo de restos de mata desobejos da coivara Sub-regiatildeo onde o canavial e o engenho se instalaram semoutra consideraccedilatildeo que a de espaccedilo para a sua forma brutal de explorar aterra virgem Sem nenhum cuidado pela parte agriacutecola dessa exploraccedilatildeoSimplesmente devastando-se a mata a fogo plantando-se a cana e soacute a canapela matildeo de negro indiferente e abandonando-se a terra aos primeiros sinaisde cansaccedilo O sistema agriacutecola da monocultura latifundiaacuteria e escravocratafoi aqui o quase militar da conquista de terras para fins imediatos de guerraou de campanha Natildeo se pensou nunca no tempo mas soacute no espaccedilo e noespaccedilo em termos de um soacute produto a explorar desbragadamente ndash oaccediluacutecar Exploraccedilatildeo com fins imediatos

A monocultura teve de ser latifundiaacuteria e escravocrata pelas suas

proacuteprias condiccedilotildees de sistemas de exploraccedilatildeo agriacutecola quase militar talveznecessaacuterio em terras como as do Brasil de 1500 teve de ser essa conquista agravegrande e pelo fogo de espaccedilos sempre novos e quanto possiacutevel virgens essaconquista militar e sem amor da natureza bruta antes da devastaccedilatildeo pelocolonizador portuguecircs apenas arranhada na sua virgindade pelos comeccedilosde lavoura do iacutendio

Dentro de tais condiccedilotildees natildeo era preciso que se desenvolvesse aqui afigura do lavrador bastava a do senhor de engenho gritando para o negro doalto da casa-grande ou de cima do cavalo bastava a do escravo cumprindoas ordens do senhor ou do feitor bastavam as matildeos e os peacutes do negrobastava o seu sexo capaz de larga procriaccedilatildeo Nem precisava que eletrouxesse uma alma capaz de se ligar agraves aacutervores aos paacutessaros e aos bichos

O escravo africano eacute que natildeo se deixou reduzir a matildeos e peacutes nem mesmoa sexo Ao mesmo tempo que ele vieram para aqui algumas das aacutervores eplantas da Aacutefrica mais queridas agrave sua alma e aos seus olhos E agraves vezes onegro amou e respeitou nas aacutervores nas plantas e nos bichos da terra paraele estranha as aacutervores as plantas e os animais parecidos aos do seu paiacutes deorigem Mas nada disso impediu que ele como escravo agriacutecola se tornasse oinstrumento do sistema bruto de exploraccedilatildeo agriacutecola que tornou possiacutevel araacutepida civilizaccedilatildeo do accediluacutecar do Nordeste Raacutepida poreacutem moacuterbida Emoacuterbida sobretudo nos seus prolongamentos atuais

Porque tal sistema militar de agricultura nos viria ateacute hoje Declinariacom o maior nuacutemero de engenhos ndash fenocircmeno da segunda metade doseacuteculo XIX ndash para se acentuar com o maior prestiacutegio das usinas na paisagemda regiatildeo ndash fenocircmeno dos uacuteltimos cinquenta anos Com a concentraccedilatildeo dapropriedade territorial no Nordeste em verdadeiros principados

Como salientou haacute pouco numa das paacuteginas mais inteligentes que jaacute seescreveram sobre o problema da devastaccedilatildeo das matas entre noacutes o professorda Escola Superior de Agricultura de Tapera D Bento Pickel ldquoo sistema delatifuacutendios que se estaacute apoderando das terras tem tendecircncia de unir asplantaccedilotildees derrubando-se para este fim as faixas de matas paralsquoemendarrsquo26 Emendar os canaviais

O sistema de latifuacutendio moderno eacute o da usina sua acircnsia a de ldquoemendarrdquoos campos de plantaccedilatildeo da cana uns com os outros formando um soacute

campo formando cada usina um impeacuterio seu espiacuterito aquele militar a quejaacute se fez referecircncia O espiacuterito do senhor latifuacutendiaacuterio que procura dominarimperialmente zonas maciccedilas espaccedilos continuados terras que nunca faltempara o sacrifiacutecio da terra das aacuteguas dos animais e das pessoas ao accediluacutecar

Accediluacutecar com A maiuacutesculo Accediluacutecar miacutestico Um accediluacutecar dono dos homens enatildeo ao serviccedilo da gente da regiatildeo Quando muito ao serviccedilo de uma minoriainsignificante Mas nem isto O usineiro eacute em geral ele proacuteprio umdeformado pelo impeacuterio do accediluacutecar

Philipp von Luetzelburg figura quase romacircntica de cientista alematildeo quedurante longos anos ligou sua vida ao estudo germanicamente minuciosodas plantas e das matas do Nordeste acredita que as matas de Pernambucocubram hoje 14 da aacuterea do Estado contra 34 da que cobriaprimitivamente27 Para o agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho a aacuterea coberta

pelas matas eacute ainda mais reduzida mesmo incluindo os capoeirotildees natildeoatinge 10 da superfiacutecie total do Estado28 Eacute quase a saarizaccedilatildeo

Chega-se mesmo a esta previsatildeo melancoacutelica a continuar o resto damata de Pernambuco a fornecer lenha dormentes e madeira para o Estadointeiro e ateacute para alguns estados vizinhos ndash para as usinas as faacutebricas detecidos os engenhos a Great Western as padarias as cozinhas numvolume segundo caacutelculo oficial de aproximadamente dois milhotildees e meiode metros cuacutebicos por ano ndash dentro de poucos anos as uacuteltimas reservaspernambucanas de floresta estaratildeo desaparecidas de todo Soacute restaraacute oarvoredo mais magro e mais resistente Os ossos da mata

Entretanto haacute quatro seacuteculos o arvoredo do Nordeste era ldquotanto etamanho e tatildeo basto e de tantas prumagensrdquo que ldquonatildeo podia homem darcontardquo Surpresa dos europeus Espanto dos primeiros cronistas

O que Portugal retirou de madeira do Nordeste do Brasil ndash madeiragorda e de lei que a outra lhe dava ateacute repugnacircncia ndash para levantar oureparar seus conventos suas igrejas seus palaacutecios toda a sua arquiteturavolutuosa para construir seus barcos e seus navios forma um capiacutetulo dahistoacuteria da exploraccedilatildeo econocircmica do Brasil pela Metroacutepole na sua fase jaacuteparasitaacuteria que um dia precisa ser escrito com vagar e minuacutecia Quase natildeohaacute edifiacutecio nobre em Portugal que natildeo tenha um pedaccedilo de mata virgem doBrasil resistindo com uma dureza de ferro agrave decadecircncia que vem roendo a

velha civilizaccedilatildeo portuguesa de conventos e palaacutecios de rei Eacute o que se vecircatraveacutes de mais de um documento da Correspondecircncia da Corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco que se conserva na Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco a grande importaccedilatildeode madeira de lei do Nordeste pela metroacutepole Entre esses documentoscarta do marquecircs de Pombal de 6 de dezembro de 1775 exigindo que doBrasil soacute fosse para Portugal pau-brasil do melhor e ldquoem toros grossosrdquo nadade paus ldquomiuacutedosrdquo ou ldquobastardosrdquo29

Essa devastaccedilatildeo pelo machado se fez ao mesmo tempo que a do fogoembora em escala muito menor Natildeo se cuidou a seacuterio de replantio nem dereflorestamento soacute da exploraccedilatildeo das matas e da terra Soacute da plantaccedilatildeo dacana e do fabrico do accediluacutecar Fazia-se ouvido de mercador agraves ordens del-rei afavor das aacutervores

O brado do primeiro donataacuterio de Pernambuco contra a devastaccedilatildeo dasmatas ficou uma voz clamando num deserto cada vez maior Duarte Coelhoviu o drama que se iniciava sob os seus olhos de lavrador e ainda no seacuteculoXVI bradou contra o mal Contra a pirataria de madeira em vez dacolonizaccedilatildeo agraacuteria de que ele foi o grande patriarca

A cana se estendendo pelos claros abertos a fogo e a machado no matovirgem atenuou o mal da devastaccedilatildeo Porque em alguns desses claros desdeo primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo se levantaram no Nordeste casas de pedra ecal igrejas coleacutegios de padres escolas onde se comeccedilou o estudo do latimcom os alunos ainda sentindo no rosto o calor das queimadas

A floresta tropical devastada pelo colonizador portuguecircs no interessequase exclusivo da monocultura da cana ou da metroacutepole faustosa era umobstaacuteculo enorme a ser vencido pela colonizaccedilatildeo agraacuteria do Nordeste Ocolonizador portuguecircs venceu tatildeo poderoso inimigo destruindo-o Ocolonizador negro natildeo venceu-o em parte adaptando-se agrave floresta emparte adaptando a floresta agraves suas necessidades de evadido da monoculturaescravocrata e latifundiaacuteria

Esse esforccedilo magniacutefico de adaptaccedilatildeo e ao mesmo tempo de domiacuteniosobre a natureza realizado aqui pelo negro ainda natildeo teve quem lhe fizesse aanaacutelise vagarosa e profunda Eacute um dos aspectos mais expressivos dacolonizaccedilatildeo africana deste trecho da Ameacuterica tropical O negro a princiacutepio

tatildeo medroso do tapuia e do mato grosso se assenhoreou depois de algumasdas florestas mais profundas do paiacutes e submeteu agraves suas tentativas rudes decolonizaccedilatildeo policultora realizadas quase dentro das florestas virgens ndash queeram uma proteccedilatildeo contra os capitatildees de mato a serviccedilo dos grandesmonocultores brancos ndash mulheres e ateacute populaccedilotildees indiacutegenas O maacuteximo deaproveitamento da vida nativa Inclusive das palmas das palmeiras paranumerosos fins a comeccedilar pela habitaccedilatildeo arte em que o negro tornou-se orival do indiacutegena a ponto do mucambo de palha ter se tornado tatildeo ecoloacutegicocomo qualquer palhoccedila indiacutegena Assunto ferido por noacutes em ensaiopublicado no Rio de Janeiro em 1937 Mucambos do nordeste e em vaacuteriasnotas preacutevias

O exemplo de Palmares jaacute se tornou claacutessico E eacute tatildeo conhecido que seriabanal recordaacute-lo ainda uma vez Mesmo porque natildeo eacute o uacutenico na histoacuteria doNordeste

Tambeacutem em Catucaacute matas de Pernambuco vizinhas de alguns dosengenhos mais antigos da capitania um grupo afoito de quilombolas seestabeleceu na floresta e se assenhoreou dela com uma capacidade deadaptaccedilatildeo ao meio e de domiacutenio sobre a vida vegetal e animal da regiatildeo quesurpreende em simples evadidos de engenhos de accediluacutecar e sem grandesrecursos teacutecnicos para aventura tatildeo arriscada Catucaacute surge diante de noacutesquase como uma afirmaccedilatildeo da capacidade do negro para se adaptarrapidamente aos troacutepicos americanos e agraves sombras de suas florestas maisprofundas em contraste com a incapacidade dos noacuterdicos Porque nessasmesmas matas de Catucaacute lembraram-se de ir estabelecer-se em colocircnia agraveparte da civilizaccedilatildeo monocultora fundada pelos portugueses algumasfamiacutelias alematildes Famiacutelias arrojadas que entretanto em poucos anos sedegradaram em simples fabricantes de carvatildeo entrando em conflito com osnegros da floresta pernambucana e alguns ateacute perecendo em luta com ospretos quilombolas que os alematildees pretenderam expulsar de matas tatildeodominadas por eles30

Na Bahia Durval Vieira de Aguiar escrevendo nos uacuteltimos dias damonarquia e referindo-se agraves matas de Oroboacute salientou a dificuldade dacolonizaccedilatildeo europeia nos trechos de vegetaccedilatildeo mais tropical do Nordeste oeuropeu soacute se dispunha a vir para aiacute conservando com auxiacutelio do governo

sua alimentaccedilatildeo especial e com ferramentas pastores meacutedicos boticaacuteriosescolas igrejas que o mesmo governo mandasse vir da Europa ou levantassepara proveito deles depois de derrubadas e roccediladas as matas naturalmentepelos escravos negros Por isto as matas menos afastadas e de terreno melhorpareciam-lhe dever pertencer aos nacionais ndash que seriam em sua maioria osnegros e os negroides Estes nacionais se natildeo trabalhavam eacute porque natildeotinham onde ldquoporque as terras de lavoura que possuiacuteam ou satildeo as grandes edistantes matas do Estado ou os terrenos monopolizados como verdadeirosfeudos onde o despotismo com a escravatura e os costumes dissoconsequentes estabeleceratildeo praxes e arbiacutetrios a que um homem livre natildeopode nem deve se sujeitar sem uma plena garantia de seu futuro de suapropriedade de seus haveres tudo ainda agrave mercecirc do capricho doproprietaacuteriordquo31 Por outro lado sem o sistema latifundiaacuterio e escravocrata

teria sido talvez impossiacutevel a fundaccedilatildeo de lavoura agrave europeia nos troacutepicostatildeo cheios de matas e o desenvolvimento aqui de uma civilizaccedilatildeo a que natildeofaltariam as qualidades e as virtudes das civilizaccedilotildees aristocraacuteticas ao ladodas perversotildees sociais e dos defeitos econocircmicos e poliacuteticos

Por baixo dessa civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e volutuosa de seda de rubis deazulejo de latim de versos de cama de jacarandaacute de cadeira de balanccedilo demulher bonita de cavalo de raccedila de licor de caju de doce fino deixou-sesecar tanta fonte de vida que era natural que a exploraccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar fosse o que foi neste trecho do Brasil uma fase em certo sentidocriadora e sob vaacuterios aspectos brilhantiacutessima mas tatildeo separada de certoselementos da natureza regional e tatildeo artificial em algumas de suas condiccedilotildeesde vida que apodreceu ainda verde sem amadurecer direito

O Maranhatildeo com seus sobrados grandes se esfarelando de podres e seusgrandes homens discutindo gramaacutetica haacute quase um seacuteculo eacute uma ruiacutena dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar Pernambuco comeccedila a ser outra Serinhaeacutem e RioFormoso parecem terras por onde passou um inimigo brutal e natildeo onde seprocessou uma colonizaccedilatildeo regular pela agricultura

A Paraiacuteba Alagoas o Rio Grande do Norte Sergipe menos oprimidospelo que jaacute se chamou de ldquopassado aristocraacuteticordquo ndash tatildeo intenso e brilhanteem Pernambuco e no Recocircncavo da Bahia de senhores menos parecidoscom os da capital baiana do que com os de Pernambuco ndash reagem com maior

vantagem contra a decadecircncia a que a monocultura latifundiaacuteria eescravocrata do accediluacutecar reduziu tatildeo grande parte do Nordeste depois de lheter dado ldquoa grandezardquo que um homem profundamente do Sul o professorCoelho de Sousa ainda haacute pouco sentiu animar ainda no Maranhatildeo ldquoa igrejada Seacute onde pregou Vieirardquo e ldquoos sobrados de mirante telhado de beiralsacada rendilhada frente de azulejo azulejos cor-de-rosa e floridosverdadeiras joiasrdquo32

24 Konrad Guenther A naturalist in Brazil (trad) Londres 193125 Vasconcelos Sobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco cit26 D Bento Pickel ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria daAgricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III nordm 3 193427 Philipp von Luetzelburg ocupa-se do problema da devastaccedilatildeo das matasdo Nordeste em trabalho notaacutevel em trecircs volumes Estudo botacircnico doNordeste (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas) Rio de Janeiro1922-192328 Vasconcelos Sobrinho ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo separatade Fronteiras Recife 1936 Sobre o assunto vejam-se tambeacutem A TSampaio Fitogeografia do Brasil S Paulo 1934 e os discursos dodeputado Renato Barbosa nas sessotildees de 5 a 26 de novembro de 1936 daCacircmara Federal Tambeacutem o capiacutetulo ldquoO problema da degradaccedilatildeo danatureza do Nordesterdquo no recente ensaio do professor Vasconcelos SobrinhoAs regiotildees naturais de Pernambuco cit29 Em carta de 30 de agosto o marquecircs de Pombal exigia que do Nordestedo Brasil remetessem para Portugal pau-brasil de ldquoqualidaderdquo e ldquode Leyrdquo emldquotoros grossos como antigamente vinha para ter a devida substancia sendotodo legiacutetimo para tintas vermelhas e para que esta ordem tenha o seudevido effeito fique V Sa encarregado de fazer visitar por pessoasintelligentes todo o Paacuteo que se recolher nesses armazens e achando-sealgum que natildeo seja legitimo e de boa ou ao menos regular qualidade o faccedilalogo separar e queimar publicamente para que natildeo succeda carregar-sealgum para esta cidade nem para alguma outra parte natildeo se pagando adespesa do Coacuterte da conducccedilatildeo se natildeo do que for bom e capaz de secarregar tendo ao mesmo tempo particular cuidado e toda a vigilancia emque natildeo possa haver extravio por minimo que seja no dito genero Deosguarde a V Sa Lisbocirca 30 de Agosto de 1775 Marquez de Pombalrdquo(Manuscrito da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775) E em carta de 6 de dezembro do mesmo ano insistia

ldquoPela minha antecedente de 30 de Agosto proximo passado fis sciente aV Sa que El Rey meu Senhor fora servido prorogar o contracto do consumode Paacuteo Brasil por outros nove annos aos mesmos contractadores DavidPurry e Gerardo Devisme para principiar em primeiro de Janeiro proximofuturo de 1776 com obrigaccedilatildeo de extrahirem vinte mil quintaes do ditogenero em cada anno Encommendei a V Sa de continuar a promover oscompetentes coacutertes e regular as remessas de que estaacute encarregada essaDirecccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Parayba em termos queaqui natildeo falte annualmente a dita quantidade de Paacuteo e com a advertecircnciade que natildeo se coacuterte nem se carregue algum que natildeo seja de Ley de boaqualidade e em toacuteros grossos e que todo seja legitimo para tintas vermelhase natildeo falsificado para cujo effeito se deveratildeo faser os necessarios exames eescolhas nesses armasens afim de se separar e queimar todo o que natildeo forlegitimo e de boa qualidade e natildeo se pagando a despesa do coacuterte se natildeo doque focircr bom capas de carregar na referida forma e recommendando-lheultimamente a evitar todo e qualquer extravio ou descaminho do referidogenero agora devo accrescentar que em coordenaccedilatildeo de outrasrepresentaccedilotildees dos sobreditos contractores alem do referido contracto emque muito interessa a fasenda Real heacute o mesmo Senhor Servido Ordenarnovamente que na referida inspecccedilatildeo que tenho encarregado a V Sa sobreo coacuterte recolhimento remessas e extravios do Paacuteo Brasil haja de observar efazer observar as mais advertencias que se seguem

1ordm) ndash Que todos os toros que se carregar sejam bons de receber sem quehaja algum de Ramos secos ou de troncos carunchosos nem de Paacuteo Brancoou falso

2ordm) ndash Que natildeo exceda cada hum dos toacuteros de seis palmos sendo todoslimpos e despidos de toda a sua casca e todos marcados distinctamente coma marca R de fogo em ambas as extremidades

3ordm) ndash Que se cuide muito em precaver que natildeo se molhe o dito Paacuteocomo algumas veses tem succedido ou com chuva ou com a mareacute quando oapanha nas prayas depois de tirado das embarcaccedilotildees pequenas quecondusem por pouco cuidado de o recolher Logo nos armasens natildeo seatendendo o que agora lhe tira toda a substancia

4ordm) ndash Que se carregue o Paacuteo dividido com proporccedilatildeo pelos navios queno decurso do anno houverem de o condusir a Lisboa para evitar oinconveniente e grande prejuiso que poderia seguir-se a este contracto sehuma porccedilatildeo grande carregada em hum navio viesse acahir toda junta em

navios de inimigos ou Piratas5ordm) ndash Que a entrega do Paacuteo aos capitatildeos ou mestres dos navios que o

condusirem para Lisboa se faccedila com toda a cautela a exactidatildeo assim naquantidade dos toacuteros como no prazo para que eles natildeo possam faser ocontrabando que se tem verificado em alguns anos passados para que natildeose achem a cada passo differenccedilas de mais e de menos nas entregas quefasem na casa da India

6ordm) ndash Que se tomem todas as cautelas e haja todo o cuidado em todosos portos dessa Capitania para impedir qualquer exportaccedilatildeo do dito Paacuteo porcontrabandos ou extravios seja por navio estrangeiro ou portuguez ou dequalquer outro modo que possa acontecer fasendo-se castigarrigorosamente qualquer delicto a este respeito com as penas da Ley

E para que todas estas providencias tenham em todo a devidaobservancia heacute outro sim Servido o mesmo Senhor que V Sa as faccedila registarna secretaria desse governo e que annualmente se me decirc conta de tudo oque occorrer emcontrario Lisbocirca 6 de Dezembro de 1775 Marquez dePombalrdquo (Manuscritos da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antigacapitania de Pernambuco 1775)30 Nos livros de Correspondecircncias dos Cocircnsules conservados em manuscritona Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambucoencontram-se vaacuterias referecircncias ao estabelecimento da colocircnia de europeusdo Norte em Catucaacute Essa colocircnia de europeus do Norte em matas quasevirgens do Nordeste foi uma das primeiras tentativas de colonizaccedilatildeo alematildedo Brasil O ponto escolhido ldquoo lugar da Cova da Onccedila vulgarmentechamado Catucaacute sete leguas desta cidade [Recife] no centro de Matasfeixadas que ateacute agora eratildeo occupadas por negros fugidos que ali viveratildeoreunidos em formidaveis Quilombosrdquo informa o presidente da proviacutenciaTomaacutes Xavier Garcia de Almeida em ofiacutecio de 14 de dezembro de 1829dirigido a Joseacute Clemente Pereira (manuscrito na Biblioteca Puacuteblica doEstado) O mesmo ofiacutecio esclarece a origem da colocircnia que em aviso de 28de setembro (1829) S M o Imperador fora servido determinar que opresidente ldquofizesse estabelecer como colonos no logar que julgasse maisconveniente os individuos que vieratildeo ter a esta Provincia vindos deAmsterdam no Brigue Hollandez ndash Activo ndash dando-lhes pequenas datas deterras que possatildeo cultivar mandando-lhes levantar cazas para serecolherem e assistindo-lhes por espaccedilo de hum anno com o Subsidio diariode 160 pordf as pessocircas grandes e 120 pordf as de menor idaderdquo Eram os colonos103 entre homens mulheres e crianccedilas E ldquocomo tenhatildeo pretendido serigualmente admitidos agrave classe de Colonos alguns soldados Alematildes do

Batalhatildeo 2o do Granadeiros aqui destacado que obtiveratildeo escusas p haverpreenchido o tempo do seu engajamentordquo o presidente consultou a respeitoo presidente parecendo que tambeacutem estes se estabeleceram em Cova daOnccedila ou Catucaacute Quanto aos outros segundo carta do encarregado doconsulado dos Paiacuteses-Baixos Jacob Lefolle dirigida ao presidente daproviacutencia em data de 13 de setembro de 1828 eram prussianos ldquona maiorparte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a ser colonos noBrasilrdquo A colocircnia de Cova da Onccedila natildeo prosperou Em ofiacutecio de 13 deoutubro de 1830 informava o entatildeo presidente da proviacutencia Joaquim JoseacutePinheiro de Vasconcelos que a colocircnia se achava com noventa e seisindiviacuteduos vivendo de plantaccedilotildees de mandioca e feijatildeo cultivando frutas emorando natildeo jaacute em casas de palha mas de telha Mas o cientista inglecircsGardner que aqui esteve em 1835 visitou Cova da Onccedila surpreendendosinais de decadecircncia ndash a maior parte dos homens entregues simplesmenteao fabrico de carvatildeo Deve-se notar que vaacuterios dos colonos alematildees quevieram para Pernambuco em 1828 dissolveram-se aqui casando comfamiacutelias antigas da regiatildeo

Da Correspondecircncia dos Cocircnsules eacute o seguinte documento de interessesobre a colonizaccedilatildeo de Catucaacute por prussianos

ldquoAchando-se no porto do Assuacute um Brigue Hollandez que se destinava aoRio de Janeiro com pouco mais ou menos cento e quarenta Prussianos namaior parte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a sercolonos no Brasil e podendo talvez ser de grande utilidade pa estaprovincia que nrsquoella se estabeleccedilatildeo aquelles individuos tenho a honra drsquoopropor a VExa estando informado pelo Capm do dordm Brigue que elles natildeoteratildeo duacutevida drsquoacceitar este convite da parte de VExa uma vez que lhesproporcione meios para darem princcipios a seus estabelecimentos comohomens livres

Se esta proposiccedilatildeo for do agrado de VExa terei o prazer de contribuirquanto mi for possiacutevel para se concluir este tracto que considero favoravelpa esta Provincia da qual sinceramente desejo todos os augimentos eprosperidades como a hum pays que tatildeo benignamente me tem acolhido

Deos Guarde VExa

Consulado dos Paizes Baixos em Pernambuco 13 de Setembro de 1828Illmordm e Exmordm Senr Francisco de Paula Cavalcante drsquoAlbuquerqueVice Presidente da Provincia de PernambucoEncarregado do Consulado dos Paizes Baixos

Jacob Lefollerdquo

31 Durval Vieira de Aguiar op cit32 ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto alegre 18 de abril de 1950

4 ndash A CANA E OS ANIMAIS

A cultura da cana no Nordeste aristocratizou o branco em senhor edegradou o iacutendio e principalmente o negro primeiro em escravo depois empaacuteria Aristocratizou a casa de pedra e cal em casa-grande e degradou achoccedila de palha em mucambo Valorizou o canavial e tornou despreziacutevel amata

Nesse sistema de relaccedilotildees que dividiu os homens e as suas habitaccedilotildees e aproacutepria paisagem em metades tatildeo diferentes e ateacute antagocircnicas pode-sedizer para efeito de generalizaccedilatildeo que o cavalo ficou no primeiro e o boi nosegundo grupo E estes foram os dois grandes animais da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Essa civilizaccedilatildeo tornou-se desde os primeiros tempos acentuadamentecavalheiresca Sem o cavalo a figura do senhor de engenho do Nordesteteria ficado incompleta na sua dignidade de dono de terras tatildeo vastas e nasua miacutestica de fidalgo de casas-grandes tatildeo isoladas Incompleta nos seusmovimentos de mando nos seus gestos de galanteria nos seus rompantesguerreiros

Natildeo se alterou antes se acentuou no cavalo importado para osengenhos do Nordeste a sua qualidade de animal por excelecircnciaaristocraacutetico e ateacute autocraacutetico Seu trote o ruiacutedo imperial de suas patas setem feito ouvir atraveacutes da nossa histoacuteria social com a majestade do proacuteprio

ritmo da ordem da autoridade do domiacutenio Os dominadores da terra quasenatildeo tem ganho nenhuma vitoacuteria sobre os revoltados sobre os insubmissossobre os mal satisfeitos ndash gente quase sempre de peacute sem terra e sem cavalondash que natildeo tenha sido uma vitoacuteria de homens majestosamente a cavalo Soacute ocavalo do gauacutecho do Rio Grande do Sul ou o de certo tipo de sertanejo ou dematuto escapa a essa caracterizaccedilatildeo do cavalo brasileiro como o animal maisque qualquer outro a serviccedilo do domiacutenio dos defensores da Ordem sobre amassa

Essa funccedilatildeo o cavalo do senhor de engenho desempenhou-amagnificamente O senhor de engenho do Nordeste foi quase uma figura decentauro metade homem metade cavalo E esse centauro um ldquodefensor daOrdemrdquo embora para defendecirc-la a seu modo agraves vezes desobedecesse ao reiou se revoltasse contra ele

Impossiacutevel imaginaacute-lo ndash a esse centauro ndash fora de rede patriarcal semser o homem a cavalo chapeacuteu grande botas pretas esporas de pratarebenque na matildeo a quem a gente dos mucambos tomava a benccedilatildeo como aum rei Do alto do cavalo eacute que esse verdadeiro rei-nosso-senhor via oscanaviais que natildeo enxergava do alto da casa-grande do alto do cavalo eacute queele falava gritando como do alto da casa-grande aos escravos aostrabalhadores aos moleques do eito O cavalo dava ao aristocrata do accediluacutecarquando em movimento ou em accedilatildeo quase a mesma altura que lhe dava oalto da casa-grande nas horas de descanso

Para tal efeito devia ser majestoso no porte e belo nas formas o cavalo dosenhor O mais possiacutevel dentre os cavalos de origem aacuterabe que no Nordesteforam diminuindo de tamanho

E devia ser pampa malhado de branco ou castanho ldquoandrinhordquocastanho verdadeiro castanho-amarelo barriga de veado alazatildeo ruccedilo-pombo ruccedilo verdadeiro melado-raposo ldquorudadordquo ldquorudado apatacadordquoargel (peacute direito branco) Isso eacute que era cavalo de senhor de engenho Masde preferecircncia que fosse branco da ldquomatildeo direitardquo e do ldquopeacute esquerdordquo ldquomatildeode lanccedilardquo e ldquopeacute de cavalgarrdquo Os ldquogalvotildeesrdquo isto eacute os especialistas em conhecercavalo pela pinta ou pela cor advertiam os compradores contra cavalo argelpodia trazer desgraccedila para o dono contra o cavalo ldquocaceterdquo isto eacute sem sinalno membro cavalo que via alma de noite contra o cavalo gaacutezeo-sararaacute Bom

era o alazatildeo Oacutetimo para correr o cardatildeo-pedrecircs Bom e bonito o meladocaxito

Outras especializaccedilotildees de animal aristocraacutetico foram lhe dando o bomtrato na estrebarias das casas-grandes o banho de rio a matildeo do moleque quelhe esfregava o pelo ateacute ficar brilhando a alimentaccedilatildeo farta e boa que oarredondava em animal volutuoso ancas quase de mulher O cavalo dosenhor de engenho se diferenciava por todos esses carinhos de tratamentode qualquer outro ndash do de cangalha do de matuto do de sertanejo Cavalosangulosos e ossudos Tambeacutem se salientava de qualquer outro animal criadoagrave sombra do mesmo engenho mas sem as mesmas regalias A natildeo ser umoutro carneirinho mocho de menino ou um ou outro gato de iaiaacute solteironacriado no colo

Exigiam-se do cavalo do senhor de engenho certas qualidades militaresDevia andar de baixo meio esquipado misturado Saltar valado Atravessarcom elegacircncia riacho Saber sair E fosse bom o cavaleiro saber chegar

Era entatildeo o cavalo ortodoxo do senhor de engenho o que ele cobria deprata quando saiacutea em visita aos parentes ou a passeio pelos engenhosvizinhos o escudeiro ou pajem de lado num cavalo menos senhoril

Mas natildeo foi soacute o cavalo de sela o mimado com tanto exagero peloshomens das casas-grandes do Nordeste tambeacutem o cavalo de carro teve seusregalos O cabrioleacute de engenho tornou-se uma das notas mais caracteriacutesticasda paisagem rural do Nordeste no seacuteculo XIX

Antes quase que era soacute a rede que a gente mais comodista viajava de umengenho a outro a rede ou a liteira Pelo barro vermelho soacute rodavam carrosde boi As grandes rodas de madeira chiando como umas desadoradas eramas uacutenicas que se aventuravam pelo massapecirc pela lama pelos catabis doscaminhos quase impossiacuteveis a outro tracircnsito que natildeo fosse o do negro o doburro e o da besta de carga ndash o proletariado do transporte de aacutegua deaccediluacutecar de mantimentos no Nordeste do Brasil

Com a maior influecircncia inglesa e francesa sobre a vida da regiatildeo ndashinfluecircncia que se acentuou tanto na administraccedilatildeo do baratildeo de Boa Vista emPernambuco ndash o Recife se encheu de traquitanas de seges de cabrioleacutes demeacutedico de todos os estilos novos de carruagem Antes quase que soacute o bispo eo governador rodavam de carro

O palanquim ndash que na cidade de Salvador ia ter ainda quase meio seacuteculode vida ndash na capital do extremo Nordeste cidade plana prestando-semelhor que as ladeirosas ao rodar nem sempre macio das carruagensdesapareceu quase de repente depois da Independecircncia Tornou-se umarcaiacutesmo colonial

Essa vitoacuteria raacutepida do veiacuteculo inglecircs ou francecircs natildeo se limitou ao Recife eaos seus subuacuterbios estendeu-se agraves terras de senhores de engenho mais ricose mais em contato com as atualidades inglesas e francesas Tornou-se umluxo ndash porque natildeo era de modo nenhum uma necessidade ndash andar emcarros ligeiros E com esse gosto de ligeireza afirmou-se nova superioridadedo cavalo sobre o boi como animal de carro da famiacutelia patriarcal

Nos engenhos tornou-se luxo dos senhores brancos bolearem elesproacuteprios os seus carros Agraves vezes em disparada como carros de triunfadoresesquecidos de que eram mortais Era outra forma de ostentaccedilatildeo de domiacuteniona qual o cavalo completava magnificamente a figura do senhor de reacutedeasna matildeo guiando governando chicoteando levantando poeira espantandoos moleques e os animais Alguns senhores de engenho gabavam-se de saberpassar com a roda direita ou esquerda do carro por cima de quantas moedasde vinteacutem atirassem no chatildeo Cavalo e roda de carro os obedeciam com amesma docilidade das mulheres e dos escravos

O carro de cavalo do senhor de engenho sobretudo quando boleado pelodono tornou-se na paisagem do Nordeste uma nota imperial um elementovivo de domiacutenio do homem rico sobre a massa sobre a distacircncia sobre anatureza e natildeo apenas uma marca de decoraccedilatildeo social em que rivalizassemas casas-grandes umas com as outras

Como nas cidades com relaccedilatildeo agraves ruas o carro de cavalo influiu nosengenhos sobre os caminhos submetendo a natureza ao maior domiacutenio dohomem Ainda hoje se encontram caminhos de engenhos empedrados parao rodar mais faacutecil das carruagens do barotildees tempo de chuva quando omassapecirc tornava-se em tantos trechos uma papa de terra Papa de terraonde as patas dos cavalos e a rodas dos carros soacute faltavam se sumir como emareia gulosa

Koster que tanto viajou por esses caminhos quando as carruagens aindaeram raras ateacute no Recife e o transporte dos senhores dos vigaacuterios dos frades

e das iaiaacutes de rede de palanquim de cavalo de burro de carro de boinotou o horriacutevel das comunicaccedilotildees no Nordeste Desde Alagoas aoMaranhatildeo33 No Recocircncavo escrevia em 1821 o desembargador Joatildeo

Rodrigues de Brito que era um pavor As estradas da vizinhanccedila mesmo dacidade eram impraticaacuteveis para os carros ldquofazendo-se por isso os transportesaacutes costas de escravos muito mais dispendiosamenterdquo Duro fisiocrata notavao desembargador a respeito das estradas iacutengremes por onde natildeo podia rodarcarro ldquoBastaria a despeza que se gasta em uma procissatildeo para fazerdesapparecer todas essas ladeirasrdquo34 Ladeiras e atoleiros onde em tempo de

chuva pereciam muitos bois e cavalosMas eacute a Charles B Mansfield que devemos as observaccedilotildees mais

minuciosas sobre os caminhos do Nordeste antes da viaccedilatildeo feacuterrea vir alterar osistema de comunicaccedilotildees por terra entre os engenhos e as cidades do litoralNotou Mansfield que ldquoexceto as estradas reais em certas direccedilotildeesrdquo as ldquocoisasdenominadas caminhos pelos quais os produtos satildeo exportados dosengenhos satildeo absolutamente intransitaacuteveis para os veiacuteculos de rodasrdquo35 De

modo que quase todo o accediluacutecar vinha ou em barcaccedilas pelos rios e pelo marou nas costas dos cavalos e dos burros No recocircncavo nas costas dos negros

Os caminhos eram apenas o suficiente para o traacutefico e este mesmopenoso dos pobres cavalos e burros ou dos carregadores a peacute Negros ecavalos dos senhores de engenho burros e bestas de matutos ou tropeirosEstes faziam a viagem de pernas cruzadas sobre um dos animais da tropana volta o animal jaacute descarregado eacute que o matuto se escanchava nele masse utilizando de uma simples corda em vez de estribo

ldquoEm alguns lugaresrdquo ndash observou Mansfield em suas excursotildees pela zonada cana-de-accediluacutecar do Nordeste ndash ldquoa lama nos sulcos eacute tatildeo espessa que apata do cavalo ao tempo de ser tirada do lamaccedilal faz pela succcedilatildeo um fit-top quase o mesmo que uma peccedila de artilhariardquo Alguns cavalos resvalavamnos buracos mais fundos quebrando a perna rachando o casco morrendoMansfield observou os rodeios de certos cavalos sua cautela em escolher ocaminho para se furtarem aos lugares suspeitos Era divertido vecirc-los nessesrodeios de gatos mas devia ser tambeacutem doloroso

Os arquivos dos senhores de engenho antigos estatildeo cheios de cartas epapeacuteis sobre cavalos e carros de cavalo as gazetas coloniais e do tempo do

Impeacuterio cheias de anuacutencios de cavalos e carros Cartas comerciais eanuacutencios de venda e troca de cavalos descritos com a mesma minuacutecia agravesvezes com as mesmas palavras com que se descreviam os negros

Em 1837 Manuel de Arauacutejo Lima escreve do engenho Antas em papelcom coroa jaacute cheio de pretensotildees a lorde uma carta a Manuel Tomeacute de

Jesus do engenho Noruega ndash o ldquocapam Moacuter Manoel Thomeacute de Jezusrdquo seuldquomui Bom Amordmrdquo do seu ldquocordeal affectordquo ndash toda sobre cavalos Sobre umcavalo castanho muito bonito peacute e matildeo esquerdos calccedilados Sobre um poltroldquofazendo ou igualando a ultima mudardquo Um poltro que era um encantoldquocastanho quatro peacutes calccedilados uma estrella na testa uma malhasinha nobuccedilo de cimardquo36

E o proacuteprio bispo de Pernambuco D Joatildeo da Purificaccedilatildeo correspondia-se do Palaacutecio da Soledade com o capitatildeo-mor do antigo Engenho dos Bois

sobre cavalos de carro Em 1o de maio de 1840 dirigia-se o bispo ao senhor deengenho em larga folha azulada de papel de carta inglecircs ldquoRemetto a V Sdois cavallos para q com mais vagar faccedila o favor de me arranjar humaparelha de quartaos russos por troca com a q vai ainda que haja excesso nopreccedilo q satisfarei com aviso de V S e tenha paciencia com os meosincommodos pois q natildeo sei o q heide fazer pordf estabelecer o arranjo dacarruagem Desejo 2 quartaos possantes novos e russos pordf emparelhar comos 2 q caacute tenhordquo37

Nos anuacutencios de jornal os cavalos soacute faltam pisar os pobres negrosfugidos os proacuteprios moleques agrave venda Assim um cavalo alazatildeo que salta quenem cavalo de priacutencipe de um anuacutencio do Diaacuterio de Pernambuco de 1836ldquoclinas brancas muito novo por estar ainda a igualar bastante carnudordquo eldquoexento de todos os achaques carregador baixo de redeas soltas com bonitafigura e bocirca redeardquo Ou o ldquocavallo alasatildeo rosilho muito bom paceiro eesquipador bonita figurardquo que salta de outro anuacutencio Ou a ldquoparelha demuito bons cavallos de carro e em bocircas carnesrdquo que se anunciava paravender numa casa da Rua do Rosaacuterio no Recife Ou ainda o ldquocavallomelado caxitordquo com bom passo picado ldquoda estribaria do snr Sauerrdquo Ou oldquocavallinho castanho muito manccedilo proprio para meninordquo que aparecenoutro anuacutencio

Mas aparecem cavalos fugidos com suas marcas de doenccedilas seus sinais

de maus tratos seu ar tristonho de cavalos de pobre Confundem-se agraves vezescom os negros doentes com os moleques maltratados Tal certo ldquorussopedrez pequeno carregador com clinas cahidas e a cauda compridardquo ldquoDuassicatrizes uma bem visivel na banda esquerda junto ao rabo e a outra juntoao queixo do lado direito Ou outro ruccedilo esse rudado descarnando crinastambeacutem caiacutedas ldquoraxadura em um dos cascos dos peacutesrdquo38 de tanto andar a

trabalhar para senhor pobreNem todos os cavalos nas cidades nos engenhos e sobretudo nas

engenhocas de senhores pobres ndash com poucos escravos e poucos animais ndashtiveram os bons tratos e os regalos que tornaram ceacutelebres as estrebarias decertos engenhos grandes onde os cavalos faziam inveja aos negros dassenzalas aos brancos e caboclos dos mucambos Os cavalos de Sebastiatildeo doRosaacuterio um dos Wanderleys mais opulentos de Serinhaeacutem e Rio Formoso soacutefaltavam estourar de gordos Os senhores de engenho gostavam de cavalosque fossem como as mulheres gordos e bonitos O cavalo e a mulher estavamquase no mesmo plano para o senhor de engenho do Nordeste como para ohomem senhoril de outras regiotildees Eacute o que nos ensina o folclore da regiatildeoneste talvez contaminado pelo da regiatildeo gauacutecha

Sou velho tive bom gostoMorro quando Deus quiserA maior pena que eu levoCavalo bom e mulher

O senhor de engenho tinha tanto horror e oacutedio ao ladratildeo de cavalo comoao ladratildeo de negro Sinhozinho (Sousa Leatildeo) do Almeccedilaga chegava a sercruel com os ladrotildees de cavalo Ainda hoje dificilmente se pode humilhar demodo mais cru a um homem no Nordeste do que chamando-o ladratildeo decavalo Entretanto havia afoitos que se aventuravam a roubar cavalos ateacute dedesembargadores presidentes da Relaccedilatildeo Uma noite furtaram do siacutetio doHospiacutecio no Recife pelo portatildeo do corredor do bispo arrombando-se afechadura do mesmo portatildeo ldquoum cavalo alasatildeo capado bem reforccedilado eespadaudo da sege do dezembargador Presidente da Relaccedilatildeordquo39 Um

anuacutencio de jornal exprime a maacutegoa do desembargador e a sua esperanccedila de

achar o cavalo tatildeo afoitamente roubado de sua casa Cavalo de estimaccedilatildeobem tratado bem lavado bem alimentado

Na alimentaccedilatildeo do cavalo do Nordeste accedilucareiro ndash na do cavalo de luxocomo na do cavalo de cangalha ndash tornou-se claacutessica a raccedilatildeo maior ou menorde melaccedilo ou de mel-de-furo Essa ligaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar com o cavalodo senhor de engenho e mesmo com o do matuto merece todo o destaqueTalvez se expliquem por ela natildeo completamente eacute claro mas em partecertos caracteriacutesticos que se desenvolveram no cavalo desta sub-regiatildeo doNordeste

Se o cavalo de Kentucky eacute hoje um animal que os entendidosdistinguem quase agrave primeira vista dos cavalos de outras regiotildees americanas edo cavalo inglecircs seu avocirc o mesmo parece que eacute possiacutevel fazer-se com ocavalo de engenho do Nordeste do Brasil Cavalo pequeno agraves vezes ateacutenanico sobretudo se o colocarmos junto de um cavalo normando ele seapresenta entretanto com qualidades nada vulgares de resistecircncia E comarredondados de forma bem caracteriacutesticos que o ideal de cavalo ldquogordo ebonitordquo consagrou como o tipo do cavalo bom

Artur Orlando pretende que o cavalo de Pernambuco tenha ldquoganho emforccedila e vigor o que perdeu em corpulecircncia e estampardquo40 e lembra que se

tem procurado explicar o fato pela origem aacuterabe geralmente atribuiacuteda aoanimal Mas a causa de maior importacircncia na diferenciaccedilatildeo de qualidadesdo cavalo de engenho do Nordeste parece ter atinado com ela o velhoensaiacutesta a predominacircncia da raccedilatildeo de melaccedilo na dieta do animal

A verdade entretanto eacute que aqui como em outras aacutereas da Ameacuterica decolonizaccedilatildeo agraacuteria o cavalo de que o agricultor fez sempre o seu animal demaior estimaccedilatildeo a expressatildeo mais viva de sua autoridade do seu domiacutenioquase militar sobre as terras e os moradores tratando-o o senhor de engenhobrasileiro como a nenhum outro animal preocupando-se com a suaalimentaccedilatildeo e com a sua higiene com a sua raccedilatildeo de mel-de-furo e com oseu banho de rio natildeo foi o animal mais uacutetil agrave lavoura ao sistema econocircmicobaseado sobre a monocultura latifundiaacuteria e escravocrata O aliado fiel doescravo africano no trabalho agriacutecola na rotina da lavoura de cana naproacutepria induacutestria do accediluacutecar foi o boi e esses dois ndash o negro e o boi ndash eacute queformaram o alicerce vivo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar

Em 1833 Joseacute Silvestre Rebelo na sua Memoria sobre a cultura dacanna e elaboraccedilatildeo do assucar jaacute fazia o elogio do boi ldquoo boi nutre-se decapim e natildeo he delicado na escolha natildeo precisa de raccedilatildeo agradece aohomem o cuidado que com elle tem com paccedilo vagaroso mas certo trabalhadando provas do seu brutal agradecimento quando os annos o inutilizamvai servir de nutriccedilatildeo qualidade que os outros natildeo temrdquo Enquanto ao cavaloldquotodo o serviccedilo rural o desgosta e humilha custa a manter requer capimescolhido exige raccedilatildeo regular ao mesmo animal que arribita as orelhasrincha ao som de hum clarim murcha as mesmas e parece que murmura aacutevoz do lavrador que o conduz ou para as carretas ou para a almanjarrardquo

Repetia Rebelo o que jaacute fora dito pelos estudiosos dos problemas deeconomia agraacuteria nas colocircnias inglesas da Ameacuterica alguns seus conhecidosque feito o balanccedilo entre os preacutestimos do boi e os do cavalo os do boi seapresentavam bem maiores Thomas Spalding chegara a particularizar oconfronto com relaccedilatildeo agrave lavoura de cana e agrave induacutestria do accediluacutecar ldquoem todosos trabalhos de que depende a plantaccedilatildeo da cana a elaboraccedilatildeo do accediluacutecar oboi parece ser o melhor companheiro para o homem ele lavra melhor eacutemais doacutecil e obediente nas moendas e ainda que se mova lentamenteanda com regularidaderdquo E Dwight escreveria que as vantagens do empregodo boi sobre o do cavalo na lavoura eram vaacuterias o boi era mais resistentemais constante custava menos dava menos trabalho era mais livre dedoenccedila e quando velho ou desvalorizado para o trabalho por algumacidente servia para beef41 A uacutenica vantagem do cavalo estava na sua

ligeirezaEsse contraste entre o cavalo e o boi do ponto de vista agriacutecola lembra-

nos um pouco o que se pode estabelecer no caso do Brasil e da suacolonizaccedilatildeo agraacuteria entre os preacutestimos do iacutendio nocircmade que foi umaespeacutecie de cavalo pelas suas tendecircncias ao movimento agrave ligeireza agrave alianccedilacom o homem menos sedentaacuterio e mais guerreiro e os preacutestimos do negroespeacutecie de boi pela sua adaptaccedilatildeo melhor e mais segura agrave rotina da lavourada cana agrave sedentariedade e ao vagar do trabalho agriacutecola O negro foi naverdade o peacute-de-boi da colonizaccedilatildeo agraacuteria do Brasil Sem ele a colonizaccedilatildeodo Nordeste pela cana-de-accediluacutecar natildeo se teria realizado tatildeo solidamente

Por outro lado sem o boi soacute com o cavalo o engenho natildeo teria se

firmado como se firmou Ateacute as vezes da eacutegua o boi fez nas almanjarras Ateacuteas vezes da besta E ateacute as vezes da mulher a vaca fez para os meninos deengenho

Nos princiacutepios do seacuteculo XVII o autor dos Diaacutelogos das grandezas doBrasil calculava que cada engenho devesse dispor para seu sustento ndash aleacutemdos elementos jaacute destacados neste ensaio tanto quanto possiacutevel na ordemde sua importacircncia material 1) boas terras 2) bastante aacutegua para asmoendas 3) matas situadas perto do engenho para a extraccedilatildeo de lenha e demadeira ndash de 50 peccedilas de bons escravos e de 5 ou 20 juntas de bois com seuscarros Terra aacutegua matas Negros e bois

Em meados do seacuteculo XVIII D Domingos do Loreto Couto no ensaioque escreveu com minuacutecias de frade-senhor-de-engenho sobre ldquoumengenho de lavrar assucarrdquo ndash talvez o capiacutetulo mais fascinante do seuDesagravos do Brasil e gloacuterias de Pernambuco ndash calculava que parasustento de uma faacutebrica de Pernambuco eram necessaacuterios tantos boisquantos negros no miacutenimo 60 escravos e 60 bois Bois para trazer lenha domato nos carros ldquoem uma safra de 1500 patildees de assucar gastam-se 3000carros de lenha levando cada carro mais de 50 arrobas de pesordquo Bois paracarregar cana Bois para carregar accediluacutecar Sem contar os bois para o corteconservados agrave distacircncia da faacutebrica e do canavial Sem contar as vacas deleite

As almanjarras de bestas ou molinotes ndash tipo de engenho de que seutilizou o colonizador do Nordeste diante da falta ou dificuldade que agravesvezes encontrou em fazer girar a faacutebrica a roda-drsquoaacutegua ndash foram precedidospelas almanjarras de bois ou trapiches Os molinotes descreve-os DDomingos ldquono eixo do meio natildeo tem bolandeira e tem umas traves no ditoeixo que chamam aspas e nas pontas se pregam outras traves que vemquase ao chatildeo ficando em cruz quatro em que se fazem assentos para aspessoas que tangem as bestas pondo-se em ajojo duas em cada parte comcorrentes de ferro e couro cru que prendem a trave chamada almanjarra epara circular carece de oito bestas que andam de tres em tres horasrdquo

Nesses molinotes em forma de cruz penou muita besta A besta dealmanjarra foi um verdadeiro maacutertir da cana-de-accediluacutecar Mas penou tambeacutemmuito boi na cruz dos trapiches ldquoEm outro tempo moiam tambem com bois

Soacute a grande falta de bestas obriga a servirem-se delles pelo tardo com quecircula a moenda por terem o passo ou galope mais vagoroso o qual sendomais raacutepido e violento daacute mais expediccedilatildeo aacute moagemrdquo

Vagarosos mas constantes os pobres dos bois Para se alimentaremnenhum luxo E uma capacidade quase miacutestica para o sofrimento para arotina para o serviccedilo do homem

O escravo vindo da Aacutefrica natildeo encontrou aqui melhor companheiro doque o boi para seus dias mais tristes Para os seus trabalhos mais penosos

Quando depois o boi associou-se tambeacutem aos dias alegres do negro deengenho ndash os de danccedila de cachaccedila de festa ndash na figura do bumba meu boieacute natural que o negro tenha feito desse drama popular um meio deexpressatildeo de muita maacutegoa recalcada a glorificaccedilatildeo do boi seu companheirode trabalho quase seu irmatildeo

Jaacute houve quem enxergasse no bumba meu boi ldquoa saacutetira dorida do negro edo iacutendio oprimidos contra a prepotecircncia do brancordquo42 Talvez haja aiacute

exagero e um pouco de retoacuterica O que principalmente se sente no grandedrama popular do Nordeste ndash talvez de remota origem bacircntu segundo aideia de Artur Ramos sobre as festas populares do boi mas aqui colorido porinfluecircncias nitidamente regionais ndash eacute a glorificaccedilatildeo da figura do boi suaexaltaccedilatildeo sua apologia O cavalo fica um ldquomaricas meu bemrdquo A glorificaccedilatildeodo boi eacute que se torna a nota dominante do drama

No bumba meu boi o boi eacute de fato ldquoa grande figura apoteoacuteticardquo como dizJuacutelio Belo tatildeo entendido no folclore dos engenhos do Nordeste A figuramaacutescula dominadora poderosa e ateacute terriacutevel do drama43

O boi Janeiro de chifres enormes e cheio de chocalhos grandatildeotristonho o rabo comprido depois de muito varrer o terreno de atacarMateus e Catarina de correr zangado contra os brancos mais mimosos daassistecircncia de repente morre como se a revolta e a luta o tivessemextenuado

ldquoMeu boi morreuQue seraacute de mimrdquo

Haacute atraveacutes do drama uma evidente identificaccedilatildeo do boi com o negro o

negro se sente no boi natildeo se sente no cavalo No cavalo ele sente o animalmeio maricas do senhor o animal cheio de laccedilos de fita e mesureiro oanimal ldquoabaianadordquo isto eacute urbanizado civilizado capaz de graccedilas e mesurasde que eacute incapaz o cavalo ruacutestico e natildeo apenas o boi

ldquoCavalo-marinhoMaricas meu bemrdquo

ou

ldquoCavalo-marinhoDos laccedilos de fitaFaz uma mesuraAgraves moccedilas bonitasrdquo

ou ainda

ldquoCavalo-marinhoDanccedila bem baianoNem parece serUm pernambucanordquo

como mais de um folclorista tem colhido os versos populares em meiospernambucanos Nem e natildeo bem como registrara Pereira da Costa

A distinccedilatildeo que aqui procuramos salientar entre o boi e o cavalo atraveacutesdas relaccedilotildees de um e de outro com a monocultura da cana com o senhorbranco e com o escravo do Nordeste ndash hoje simplesmente com o senhor ecom o trabalhador ndash se surpreende natildeo soacute nesse poderoso drama deexpressatildeo e quase de revolta popular que eacute o bumba meu boi como nosnomes dados pelos donos dos engenhos aos bois de seu cercado e aos cavalosde sua estrebaria Os nomes aos cavalos satildeo mais respeitosos por eles sereconhece no animal um aliado melhor e mais nobre que o boi do senhor deengenho da propriedade da famiacutelia fidalga Os cavalos se chamam com

frequecircncia Marajaacute Rajaacute Priacutencipe Guararapes Sultatildeo Capitatildeo BonaparteSerinhaeacutem Monjope Maipioacute Nomes ilustres Nomes nobres Nomes finos Osbois satildeo quando muito ldquoValorososrdquo mas em geral ldquoMeia-NoiterdquoldquoMalunguinhordquo ldquoMolequerdquo ldquoTraquinordquo ldquoVeludordquo ldquoDesenganordquo Quase osmesmo nomes dados pelos ioiocircs complacentes aos negros de estimaccedilatildeo

De onde veio para o Nordeste o gado de vaacuterias espeacutecies cuja presenccedilacontribuiu para alterar a fisionomia da paisagem em tantos dos seus traccedilosessenciais natildeo eacute fato estabelecido com inteira seguranccedila Afirma-se que deCabo Verde Outros supotildeem que jaacute da capitania de Satildeo Vicente O que eacutecerto eacute que em princiacutepios do seacuteculo XVII estavam inccediladas de gado as duasbandas do rio em seu curso inferior diz Capistrano de Abreu referindo-se aoSatildeo Francisco e fundada em toda essa sub-regiatildeo do Nordeste como emoutros do Brasil a ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo que o velho historiador caracterizouadmiravelmente em uma de suas paacuteginas mais felizes ldquoCivilizaccedilatildeo do courordquoque pelo seu exclusivismo de vida baseada quase que soacute sobre a pecuaacuteriarepresentaria um tipo de organizaccedilatildeo antagocircnica ao da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar

Natildeo cabe nos limites nem na natureza deste ensaio apreciar mesmo depassagem o papel sem duacutevida importantiacutessimo que o gado representou erepresenta ainda nesse tipo de civilizaccedilatildeo quase de fronteira movediccedila eaacutespera dura e asceacutetica Sem casas-grandes mas tambeacutem sem senzalas Semrios em que o homem pudesse confiar para as largas permanecircncias para osesforccedilos profundos de lavoura Sem aacutegua e sem solo que justificassem aagricultura hieraacuterquica com o senhor a cavalo mandando o negro fazer issofazer aquilo e o escravo a peacute fazendo tudo junto com a besta e com o boi

Se nestas paacuteginas se acentua o contraste entre as duas grandes sub-regiotildees eacute para salientar-se ainda uma vez o fato de que a monocultura dacana repeliu o gado para os sertotildees como se enxotasse animais danadosRepeliu o gado do mesmo modo que as matas que os paacutessaros que asplantas que os indiacutegenas mais agrestes Soacute se conservaram nos engenhos oscavalos os bois as plantas as caboclas e a mata a serviccedilo imediato do accediluacutecare dos aristocratas do accediluacutecar

Daiacute desequiliacutebrios profundos na vida e na alimentaccedilatildeo da gente doldquolitoralrdquo e da ldquomatardquo sobretudo da gente das casas de barro a gente pobre e

aparentemente livre moradora nos engenhos de cana mas impedida comose fosse escrava de criar bicho de plantar legume de cultivar a terra deoutro jeito que natildeo fosse a serviccedilo ndash e serviccedilo imediato ndash da monocultura dacana e dos seus senhores

Daiacute a falta de carne de leite de queijo de legume de fruta na mesa degrande parte da gente do Nordeste accedilucareiro ndash fato que jaacute procuramosdestacar em trabalho anterior contrariando a suposiccedilatildeo de que os velhosengenhos patriarcais fossem todos pedaccedilos idiacutelicos de algum extraordinaacuteriopaiacutes de Cocagne O arquivo ainda ineacutedito da antiga capitania dePernambuco ndash a correspondecircncia da corte e outros livros que se conservamem manuscritos ndash como tambeacutem o do Ultramar ou Histoacuterico colonial emLisboa estatildeo cheios de documentos sobre o assunto constantes crises deviacuteveres inclusive da farinha nas terras mais dominadas pela monocultura44

No Nordeste agrave proporccedilatildeo que se estenderam os latifuacutendios do accediluacutecar aaacuterea pastoril como a de mato grosso foi diminuindo rapidamente Opastoreio de tal modo se reduziu em algumas proviacutencias a trechos quasesaarizados da regiatildeo que em alguns desses trechos tempo de seca tecircmchegado a morrer ndash calculam alguns criadores ndash cerca de 90 dos bovinos

Desde dias jaacute remotos que o gado para as necessidades da gente dosengenhos vem de distacircncias enormes Vem do Piauiacute ldquolaacute do Piauiacuterdquo

ldquoMeu boi morreumanda buscar outrolaacute no Piauiacuterdquo

Natildeo soacute essa especializaccedilatildeo riacutegida intensa extenuante do solo numazona remotiacutessima e seca de criaccedilatildeo e em outra agriacutecola de uma extensatildeoconsideraacutevel devido agrave gula de terra virgem ao meacutetodo da coivara aolatifundismo desdenhoso de cuidados com o solo como outros viacutecios dosistema agriacutecola da monocultura vecircm concorrendo para acentuar odesequiliacutebrio entre a pecuaacuteria e a lavoura no Nordeste

As queimadas de que a monocultura da cana fez o seu sistema oficial delimpar a terra para a plantaccedilatildeo natildeo satildeo estranhas ao empobrecimento cadadia maior das pastagens do Nordeste ldquoVatildeo desaparecendo os princiacutepios

nutritivos das forragens provindas de um solo que nada recebe em troca doselementos nobres que o pastoreio de quatro seacuteculos e o fogo anual lheretiramrdquo lembrava haacute anos o agricultor Samuel Hardman em estudo sobre aagricultura e a pecuaacuteria do Nordeste que escreveu para o primeiro esforccediloque jaacute se tentou entre noacutes de estudo das condiccedilotildees e dos caracteriacutesticos daregiatildeo o livro editado em 1925 pelo Diaacuterio de Pernambuco para celebrarseu centenaacuterio ldquoNatildeo haacute provisatildeo de alimentos para os meses da estiagemOs rebanhos encantonados em lsquolargasrsquo ou lsquomangasrsquo reduzidas natildeo podemcomo outrora fugir dos rigores das secas procurando a distacircncia alimento eaacutegua com que ao menos mantenham a vidardquo

Como jaacute salientamos em trabalho anterior45 a monocultura da cana e a

pecuaacuteria exclusivista olhando-se de longe e com olhos de inimigos criaramna economia da regiatildeo um verdadeiro sistema balcacircnico de especializaccedilatildeo deaacutereas de que se tivesse afastado toda a ideia de colaboraccedilatildeo entre a lavoura ea criaccedilatildeo de gado Especializaccedilatildeo de aacutereas verdadeiramente belicosas Oresultado eacute importar o Nordeste accedilucareiro do Sul do Brasil e ateacute doestrangeiro uma quantidade enorme de produtos animais que podiam lhevir mais baratos do outro Nordeste banha queijo manteiga sebo charque eateacute couros e peles Economicamente quase tudo estaacute por ajustar oureajustar entre os dois Nordestes e entre as duas atividades a pastoral e aagriacutecola

Se a cabra daacute ao Nordeste pastoril lugar de importacircncia na produccedilatildeomundial de peles ndash ateacute recentemente o segundo lugar ndash eacute agrave custa desacrifiacutecio seacuterio para a vegetaccedilatildeo regional

Criada agrave solta a cabra eacute um inimigo terriacutevel natildeo soacute de toda a lavouracomo de toda a planta O botacircnico Alberto Loumlfgren em seus estudos sobre oproblema florestal do Nordeste notou que a cabra do nordestino ldquocriadacomo eacute sem a miacutenima vigilacircncia num territoacuterio onde as cercas natildeo satildeo feitaspara dividir terrenos mas unicamente para resguardo dos lsquocercadosrsquo oupequenas plantaccedilotildees faacutecil eacute compreender por que em toda a aacuterea para aqual as cabras tecircm livre acesso natildeo eacute possiacutevel para planta alguma chegar aum desenvolvimento maior a natildeo ser que tenha em si algum meio de defesacomo espinhos glacircndulas fortemente aromaacuteticas ou sucos que afugentemesses inimigosrdquo46 Mas nem assim A proacutepria ldquocabeccedila-de-fraderdquo dos sertotildees a

cabra acha jeito de abri-la com os casacos come entatildeo a gosto os miolosDaiacute o botacircnico Loumlfgren natildeo ter hesitado em incluir bicho tatildeo daninho

quando criado agrave solta entre as ldquocausas artificiaisrdquo que vecircm contribuindo parao aumento da desnudaccedilatildeo nos trechos jaacute meio saarizados do NordesteDificulta-se assim a renovaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo alta e mesmo baixa em trechosoutrora de mato grosso e hoje de mato ralo devido agrave invasatildeo primeiro dacana hoje do algodatildeo Devido agrave monocultura sem meacutetodo agriacutecola manumilitari E esses trechos soacute fazem se estender acinzentando a paisagem

Criada de outro jeito isto eacute sob vigilacircncia ou dentro de cercado a cabrapoderia ser um animal realmente uacutetil aos dois nordestes dando-lhes o leite eexcelente requeijatildeo ndash e natildeo apenas a pele para o grande comeacutercio israelitade peles Mas sem lhes destruir as plantas Criando-lhes os filhos efornecendo-lhes mais facilmente que a vaca a manteiga e o queijo Sendo aperfeita ldquocomadre cabrardquo como diz quase franciscanamente o sertanejo decabra menos arisca que daacute leite aos seus filhos

Curioso eacute o fato de certos anunciantes de jornal do seacuteculo passado nosavisos de cabras de leite agrave venda falarem de animal em termos tatildeoimprecisos que o leitor fica na duacutevida se se trata de mulata ou de animal Poristo os anunciantes mais sensatos tecircm o cuidado de advertir ldquocabra-bichordquoPara ficar bem claro que natildeo eacute ldquocabra-mulherrdquo ndash criatura de melhor leitepara os meninos e menos daninha agraves plantas

Mas a cabra natildeo foi decerto o maior inimigo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecarnem o mais direto O canavial do Nordeste teve inimigos mais terriacuteveis naraposa no guaxinim no guaraacute no porco-do-mato Sem contar as pragaspropriamente ditas o patildeo-de-galinha e o besouro

Claro que aqueles animais do mato inimigos do canavial civilizadorespeacutecie de uacuteltima defesa da vegetaccedilatildeo bruta contra a planta invasora forammais numerosos nas eacutepocas de mato mais denso quando foram tambeacutemmais numerosas as cobras que picavam o negro e o boi agraves vezes o branco e ocavalo

Inimigo maior do cavalo do senhor de engenho foi talvez o morcegocontra o qual as estrebarias se conservavam acesas os estribeiros vigilantes Omorcego de que agora se ocupa tatildeo atentamente o Instituto de PesquisasAgronocircmicas de Pernambuco

A verdade eacute que a accedilatildeo da cobra venenosa nos canaviais do Nordeste ndash aaccedilatildeo da cascavel da surucucu da coral da jararaca ndash nunca se apresentoutatildeo poderosa como nas plantaccedilotildees das Iacutendias Ocidentais onde a cana-de-accediluacutecar natildeo avanccedilou sobre um trecho virgem de terra que natildeo fosse com osacrifiacutecio de muito negro picado de cobra

Contra a raposa e o guaraacute o homem do canavial recorreu agrave ldquoesperardquo aoveneno na banana para a raposa ao veneno no peixe para o guaraacute E a caccedilase juntou agrave queimada para a destruiccedilatildeo de quanto animal do mato teve aafoiteza de querer resistir ao avanccedilo civilizador da cana o sonho de poderviver em paz com os novos donos da terra Pacas cutias tatus capivarastamanduaacutes onccedilas gatos-do-mato tudo foi ficando raro agrave proporccedilatildeo que omato grosso foi desaparecendo para a cana imperar sozinha

Tambeacutem foram ficando raros os paacutessaros nas terras conquistadas tatildeobrutalmente a fogo pela cana-de-accediluacutecar os sabiaacutes quase sem palmeira ondecantar os xexeacuteus os canaacuterios os sanhaccedilus os curioacutes as gurinhatatildes ospintassilgos as almas-de-gato sem o arvoredo gordo que os protegia sem asaacutervores grandes ramalhudas onde faziam tatildeo agrave vontade os seus ninhos eexpostos agraves baladeiras dos moleques agraves espingardas dos mulatos vadios agravesarapucas dos meninos de engenho

O bicho-de-peacute furando os dedos dos homens roendo os peacutes dosmoleques dos engenhos o carrapato e a varejeira perseguindo o gadoabrindo feridas nas vacas foram outros elementos de defesa de mato brutocontra a invasatildeo do canavial civilizador Mas a defesa mais terriacutevel do matocontra o homem do canavial foi talvez a que se exerceu atraveacutes do mosquitoou da muriccediloca Atraveacutes do transmissor do impaludismo e das febres Atraveacutesdos vermes da terra e das aacuteguas dos rios

O homem da casa-grande sem saber ao certo quais seus inimigos maisperigosos foi criando um medo exagerado do ar do ldquoserenordquo da aacutegua dosol de toda a proximidade da mata do contato com a terra pegajenta coma aacutegua barrenta As portas e as janelas das casas-grandes foram se trancandoa ferrolho e travessatildeo agraves primeiras sombras da noite por precauccedilatildeo contrainimigos misteriosos que andavam no ar que vinham do mais profundo dasmatas e das aacuteguas ldquoMiasmasrdquo Bichos Era preciso fechar as casas contrabichos e miasmas As casas e o proacuteprio corpo Em 1855 o meacutedico Carolino

Francisco de Lima Santos em seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo escrevia queldquotornando ainda agrave higiene das vestiduras diremos que aleacutem da vantagemque elas tecircm de conservarem na pele o asseio e flexibilidade o que facilita atranspiraccedilatildeo fazem mais que eacute resistirem por meio de sua superfiacutecie aosmiasmas uacutemidos preservando deles a economia pelo que natildeo podemospassar sem fazer a censura de que satildeo credoras todas aquelas pessoas quepassam a mor parte do tempo com os peitos expostos ao ar ou agraves diversasvariaccedilotildees do dia mas as vestiduras devem ser natildeo soacute apropriadas ao climacomo mesmo ao corpo e de modo que natildeo impeccedilam os movimentos eobstem agrave circulaccedilatildeo do sanguerdquo No inverno ldquoas roupas de latilderdquo eram ldquoasmelhoresrdquo no estio ldquoquando o calor se torna no Brasil abrasadorrdquo ldquoas latildesrdquoconsiderava-as o dr Carolino ldquopor demais nocivas constituindo um estiacutemulodemais aleacutem do naturalrdquo

Vaacuterios viajantes estrangeiros que visitaram os engenhos de accediluacutecar doNordeste ndash um deles Tollenare ndash observaram o fato da maioria das casasficarem em grandes espaccedilos inteiramente nus quando muito umjardinzinho ou um laranjal de lado detraacutes da casa algumas touceiras debananeira onde se defecava de manhatilde cedo Mas nenhuma intimidade comas grandes aacutervores da terra que era para evitar intimidades com os bichos Osbichos que ficassem ao longe grande nuacutemero deles desconhecidos na genteda casa-grande sem nome vagos Simplesmente bichos

Um ou outro desses bichos era admitido agrave intimidade das casas ficandoem gaiolas pelo terraccedilo pelo corredor pelas salas algum papagaio algumperiquito algum saguim alguma arara Poucos chegavam agrave intimidade dacozinha a paca o tatu o veado Porque nem na culinaacuteria da casa deengenho o bicho do mato teve saliecircncia A civilizaccedilatildeo do canavial avanccediloupelo mato levando consigo como em campanha militar os seus proacutepriosanimais de corte para regalo do colono patriarcal o porco o boi o carneiro opombo O bicho de caccedila ou do mato aparecia agrave mesa do senhor de engenhouma ou outra vez Era prato quase exoacutetico

A superioridade militar do bandeirante sobre o senhor de engenhoparece em grande parte consequecircncia disto da alimentaccedilatildeo dobandeirante ter se tornado rapidamente quase a mesma alimentaccedilatildeo doindiacutegena Bichos e frutas da terra A do senhor de engenho natildeo conservou-

se o mais possiacutevel portuguesa absorvendo depois muito elemento negro eassimilando aos seus estilos os frutos os animais e os produtos da terrautilizados pelos indiacutegenas

Tambeacutem o cachorro e o gato tornaram-se animais a serviccedilo do avanccedilocivilizador da cana-de-accediluacutecar em oposiccedilatildeo ou antagonismo aos animais damata Principalmente o cachorro companheiro do caccedilador e vigia doterreiro da casa-grande sempre na tocaia de algum bicho do mato maisatrevido que aparecesse para os lados da casa de engenho querendo bebermel comer galinhas roubar pinto Agraves vezes quase ligado agrave proacutepria vidaemotiva dos homens como o cachorro que Joseacute Ameacuterico de Almeida fazpassar por algumas das paacuteginas mais intensas de A bagaceira Romanceverdadeiramente ecoloacutegico de tal modo os animais e as plantas da regiatildeoparecem participar da dor e da vida dos homens

O gato foi uacutetil agraves casas de engenho pela perseguiccedilatildeo aos ratos tatildeoperigosos agraves civilizaccedilotildees do accediluacutecar grande como tende a ser a suaproliferaccedilatildeo no azedo das bagaceiras e dos trapiches Em Java o rato chegoua ser ameaccedila seriiacutessima para os engenhos diz-se que soacute em volta de umafaacutebrica mataram-se durante uma epidemia entre nove e doze mil ratos

Os sapos parece que tecircm direito a lugar entre os bichos uacuteteis agraves casas-grandes e aos engenhos natildeo devendo ser incluiacutedos entre os daninhos comoos ratos os morcegos as baratas E o mesmo se deve dizer das corujas tatildeocaluniadas como os sapos como animais agourentos mas na verdadeprestimosos como devoradores de bichos daninhos

Uacutetil foi tambeacutem ateacute certo ponto agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste ourubu ainda hoje e apesar de todos os perigos de sua presenccedila repugnanteconsiderado insubstituiacutevel em certos trechos rurais e ateacute urbanos da regiatildeocomo consumidor de carniccedila ou devorador de restos de bicho morto Aourubu deve-se ainda a propagaccedilatildeo do dendezeiro pelo Nordeste da cana-de-accediluacutecar que foi uma propagaccedilatildeo uacutetil Uacutetil e esteticamente significativa

O carneiro parece que nunca foi animal de corte cuja carne fosseconsumida agrave grande no Nordeste ou nas demais regiotildees do Brasil agraacuterio oupastoril Nash notaria o fato nos nossos dias47 Luccock observou-o haacute mais

de um seacuteculo interpretando-o segundo informaccedilotildees que pocircde colher sobreo assunto como resguardo ou abstinecircncia de caraacuteter miacutestico ou religioso48

Tratando-se do animal simboacutelico do redentor ndash ldquoCordeiro de Deus que tira ospecados do mundordquo ndash teria se desenvolvido na populaccedilatildeo estranharepugnacircncia pela carne do carneiro O fato eacute que natildeo haacute animal que passepelos anuacutencios de jornal do seacuteculo XIX entre palavras de tanta ternuracomo o carneiro Sobretudo o carneirinho mocho com um laccedilo de fita azulno pescoccedilo O carneirinho capado quase uma bola de latilde de gordo quequando desaparecia de alguma casa roubado por algum cigano ou ladratildeomais afoito era deixando saudades enormes aos meninos e agraves pessoasgrandes Tambeacutem aparecem com frequecircncia nos anuacutencios entre palavrasmuito meigas ldquoas ovelhas de muito bom leiterdquo

Um animal muito dos anuacutencios ndash o que indica a sua importacircncia na vidado antigo Nordeste patriarcal ndash eacute o ldquopapagaio falador e bomrdquo como o que haacutecem anos tinha para vender a botica de Cypriano Luz da Paz agrave Rua doColeacutegio no Recife papagaio com ldquoos encontros encarnados e algumas penasencarnadas nas pontas das azasrdquo como o que um dia fugiu do sobrado quefoi do doutor Bernardo defronte do Carmo em Olinda49

Alguns animais exoacuteticos parece que se tornaram conhecidos nosengenhos e nas feiras do Nordeste atraveacutes dos ciganos que iam de umengenho a outro diz a tradiccedilatildeo que com meninos agraves vezes roubados quefaziam acrobacias sobre cavalos geralmente tambeacutem roubados com ursosverdadeiros ou entatildeo fingidos ndash soacute a pele ou a imitaccedilatildeo da pele do animalpor cima de um homem ndash que danccedilavam ao som de pandeiros commacacos ou macacas grandes vestidas de sinhaacutes cheias de laccedilos de fitasque tambeacutem danccedilavam e faziam graccedilas Mas esses ciganos alguns morenos ebigodudos foram sobretudo ladrotildees de cavalos de bois e de escravos daregiatildeo agraves vezes revendedores de escravos e de cavalos ou caldeireirosconsertavam peccedilas de engenho Eacute possiacutevel ainda que gente em extremoporcalhona os ciganos desde o seacuteculo XVII desterrados no Nordeste ndashdesde 1686 pelo menos ndash fossem grandes propagadores da pulga e dopercevejo por esta regiatildeo brasileira Parece que foram eles os primeiros aserem chamados ldquogringosrdquo no Nordeste Eacute pelo menos o que pensa Pereira daCosta em nota que se encontra entre seus manuscritos

Os animais tecircm na vida do brasileiro do Nordeste da cana-de-accediluacutecaruma importacircncia miacutestica consideraacutevel Estatildeo em suas histoacuterias nos cantos

populares na poesia da gente do povo no anedotaacuterio obsceno ndashconsequecircncia de sua ligaccedilatildeo iacutentima com a vida sexual do menino e domoleque de engenho Mas eacute curioso notar que os animais importados e natildeotanto os da terra ndash o cavalo o boi a vaca o burro a besta o carneiro aovelha o porco a cabra o gato Eacute certo que tambeacutem se encontram nashistoacuterias o tatu a onccedila o caacutegado a cobra a raposa da terra agraves vezessubstituindo animais exoacuteticos de histoacuterias europeias asiaacuteticas ou africanasPara a grande parte da gente do litoral a maioria dos animais da terracontinua sendo entretanto criaturas quase indiferenciadas dentro daexpressatildeo vaga ldquobichosrdquo E os animais mais familiares e mais identificadoscom o homem os trazidos da Europa

As ferraduras de cavalos e os chifres de boi ndash precisamente os doisanimais mais ligados agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar agrave conquista da mata pelocanavial ndash datildeo felicidade Os mariscos e buacutezios os dentes de jacareacute e decobra pendurados no pescoccedilo dos meninos livram-nos do mau-olhadoBorboleta preta eacute agouro Coruja eacute agouro Besouro-mangangaacute eacute agouroCoruja e sapo satildeo bichos agourentos

Enquanto isto o jogo de bicho tatildeo popular no Nordeste do Brasil e deorigem talvez remotamente oriental conserva na populaccedilatildeo do litoral e daldquomatardquo a miacutestica do bicho dando significaccedilatildeo convencional aos sonhos comanimais Mas principalmente aos sonhos com animais de origem europeia

33 Koster op cit34 Desembargador Joatildeo Rodrigues de Brito e outros Cartas econocircmico-poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)35 Mansfield op cit Sobre as primeiras substituiccedilotildees dos maus caminhospor estradas de ferro no Nordeste veja-se o recente ensaio do professorEstecircvatildeo Pinto Uma estrada de ferro do Nordeste (Rio de Janeiro 1949)em que traccedila a histoacuteria da Great Western Veja-se tambeacutem nosso Ingleses noBrasil Rio de Janeiro 194836 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)

O transporte de gente e artigos em costas de cavalos e burros tornou oNordeste agraacuterio regiatildeo particularmente rendosa para os ciganosnegociantes de cavalos junto aos senhores de engenho

O pesquisador Felte Bezerra autor de Etnias Sergipanas (Aracaju1950) observa que ldquoa designaccedilatildeo de cigano entre noacutes tem mais sentidocultural do que eacutetnico traduz vida nocircmade e sustentada por trocas ebarganhasrdquo E a propoacutesito lembra que no ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do SantoOfiacuteciordquo de D Marcos Teixeira (Anais da Biblioteca Nacional vol XLIX)estaacute citada uma Joana Ribeiro a cigana moradora em Sergipe del-Rei ldquoque eacuteapontada como israelitardquo O que talvez explique tambeacutem a extensatildeo antescultural do que eacutetnica da designaccedilatildeo de ldquogringordquo no Nordeste e em outrasregiotildees do Brasil Designaccedilatildeo que inclui ingleses norte-americanos italianosjudeus depois de ter se aplicado principalmente segundo o historiadorPereira da Costa a ciganos37 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)38 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)39 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco Veja-se tambeacutem a propoacutesito decaracteriologia equina conservada ou desenvolvida em vaacuterias sub-regiotildees doNordeste pela sabedoria popular ndash e da qual as descriccedilotildees nos anuacutencios dejornal satildeo agraves vezes reflexo ndash os estudos dos mestres de folclore regionalGustavo Barroso (Terra de Sol Rio de Janeiro 1930) Leonardo Mota (ldquoOcavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5 de setembro de1937) Luiacutes da Cacircmara Cascudo (Geografia dos mitos brasileiros Rio deJaneiro 1947) e Theo Brandatildeo que em seu Folclore de Alagoas (Maceioacute1949) dedica um capiacutetulo inteiro a ldquoO cavalo no folclorerdquo Aiacute recorda opesquisador alagoano vaacuterios ditados brasileiros ou regionais relativos acavalos ldquoPraga de urubu natildeo mata cavalo gordordquo ldquoCoices de garanhatildeo paraeacutegua carinho satildeordquo ldquoQuem quer viver sossegado tenha mulher feia e cavalocapadordquo ldquoFaca soacute areada cavalo soacute rudadordquo ou ldquoDinheiro soacute trocado cavalosoacute rudadordquo etc

Alguns desses ditados recolheu-os outro pesquisador alagoanoMendonccedila Juacutenior em trabalho ldquoOs ladrotildees de cavalordquo publicado no Jornalde Alagoas em 1948 e citado pelo sr Theo Brandatildeo no seu interessanteestudoEm capiacutetulo anterior ldquoParemiologia alagoanardquo anotara o sr Theo BrandatildeoldquoCavalo de cara brancaHomem chamado MessiasMulher de quartoempinadoTibi Vocircte Ave Mariardquo40 Artur Orlando O Brasil ndash a terra e o homem Recife 191341 Leia-se sobre o assunto Louis Bernard Schmidt (ed) Readings in theeconomic history of american agriculture Nova Iorque 192542 Artur Orlando op cit43 Juacutelio Belo Memoacuterias de um senhor de engenho Rio 1937

Vejam-se tambeacutem os estudos sobre folclore e teatro de Samuel Campelo

em Novos estudos afro-brasileiros Rio 1937 e no Livro do Nordeste

comemorativo do 1o centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco Recife 192544 Vecirc-se por esses documentos que a falta foi menos das administraccedilotildeesportuguesas que do privatismo dos senhores de engenho e dos plantadoresde mandioca dominados pela fuacuteria monocultora O governador D TomaacutesJoseacute de Melo chegou a ser quase violento nas suas medidas a favor daplantaccedilatildeo da mandioca como se vecirc no seu edital de 9 de maio de 1792 e sua

ldquoCarta circular aos correges das camas sobre as plantaccedilotildees de mandiocardquo 10de janeiro de 1797 Manuscritos que se conservam na Biblioteca do Estado dePernambuco A carta vai aqui transcrita

ldquoComo natildeo tem chegado a secretaria deste governo os mapas deplantaccedilatildeo da mandioca na conformidade do meu edital de 9 de maio de1792 a carta de 6 do dito e vejo que continua a falta de farinhaabsolutamente indispensavel para a manutenccedilatildeo destes povos para se darem especie a tropa e nunca em dinheiro como determinatildeo as Reaes Ordense pelas que tive de remeter deste genero para os Reaes Arcenaes provindotalvez esta falta de se natildeo executarem as providecircncias que por varias vezestenho dado para animar aquella plantage amortecida pela do algudatildeo quecegos drsquoambiccedilatildeo plantatildeo geralmente os agricultores sem attenderem aacutenecessidade da farinha que he o Pam comum cordenario deste Paiz

Novamente recomendo e encarrego a vme da execuccedilatildeo de meu sobre dito

edital que vme deve exactamente fazer cumprir atheacute pela sua obrigaccedilatildeo decorregedor e cobraraacute infalivelmente e com toda possivel brevidade os mapasque lhe devem dar os capitaens mores emconformidade do sect 5ordm do ditoedital os quais examinaraacute e verificaraacute para me dar omissatildeo que eu tenha naexecuccedilatildeo do que lhe determino nesta minha carta e de havella recebido medaraacute parte para a todo tempo constar nesta secretaria qursquoeu tenho sempreem vista hum objecto de tanta consideraccedilatildeo No caso qrsquo dos capitaens moresaos quaes comunicar aacute esta minha terminante resoluccedilatildeo natildeo terem feito aobrigaccedilatildeo que lhes encumbe o sobre dito edital pm lho extranharaacute por ordemminha pela primeira vez e lhe consignaraacute tempo certo que julgarproporcionado para lhe apresentarem os mapas e se no fim do tempoaprazado ainda continuarem na mesma omiccedilatildeo lhes ordenaraacute que logocompareccedilam a minha presenccedila sem perda de tempo para eu os castigarconforme me parecer devendo ainda participar-me por escripto do dia emque lhe determinou esta minha ordem afim de eu vir no conhecimento setiveram descuido de aporem logo em execuccedilatildeo cuja parte me deve ser

remetida por correios a custa dos mesmos capitaens mores

Deos guarde a Vme muitos annos Olinda 10 de janeiro de 1797 ndash ThomazJoseacute de Mellordquo45 Casa-grande amp senzala cuja primeira ediccedilatildeo apareceu em dezembrode 1933

Sobre famiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar com o empobrecimento deterras ou por outros motivos se transferiram para o do algodatildeo e o dopastoreio ndash enquanto outras com as secas desceram ou regressaram do altosertatildeo para o litoral ndash tem em preparo interessantes paacuteginas que incluiraacuteem livro a aparecer breve o sr Joseacute Augusto Bezerra de Medeiros antigogovernador do Estado do Rio Grande do Norte ele proacuteprio aparentado comfamiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar se deslocaram para aqueles outrosNordestes igualmente patriarcais como os Galvatildeo os Arauacutejo os Barbosa Estefoi tambeacutem o caso do ramo da famiacutelia Albuquerque Cavalcanti conhecido porArcoverde em recordaccedilatildeo do sangue ameriacutendio que desde o iniacutecio dacolonizaccedilatildeo europeia do Nordeste tornou-o um dos grupos maisteluricamente nordestinos dentre as famiacutelias de prol Desse ramo eradescendente o ilustre Joaquim Arcoverde de quem Roma fez o primeiropurpurado na Ameacuterica Latina Natildeo nasceu ele em casa-grande autecircnticadas terras de massapecirc do Nordeste como Arauacutejo Lima nem em sobradonobre de cidade do litoral como Joaquim Nabuco mas em casa soacutesimbolicamente grande de terras entatildeo sertanejas pela sua condiccedilatildeo debravas e de distantes dos antigos rios de engenhos da zona da ldquomatardquo Paraessas terras foram vaacuterios os filhos de famiacutelias de prol do Nordeste do massapecircque emigraram em um como bandeirismo de proporccedilotildees apenas regionaismas nem por isto destituiacutedos de aspectos heroacuteicos de pioneirismo natildeo soacuteromacircntico como construtivo46 Alberto Loumlfgren op cit47 Roy Nash The conquest of Brazil Nova Iorque 192648 John Luccock Notes on Rio de Janeiro and the southern parts ofBrazil taken during a residence of ten years in that country from 1808to 1818 Londres MDCCCXX49 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-[ ])

5 ndash A CANA E O HOMEM

Pode-se atribuir agrave monocultura da cana a formaccedilatildeo ndash pelasedentariedade pela endogamia profunda pela especializaccedilatildeo regional decondiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo e de dieta e ainda pelas restriccedilotildees sociais agraveseleccedilatildeo sexual entre a gente das casas-grandes ndash do tipo mais puro dearistocrata brasileiro o senhor de engenho Principalmente o senhor deengenho pernambucano misto de ldquobaianordquo de cidade e de gauacutecho

Tambeacutem a formaccedilatildeo menos pela sedentariedade e pela endogamia quepela especializaccedilatildeo regional de condiccedilotildees de vida de trabalho e dealimentaccedilatildeo de um tipo rural de homem do povo caracteristicamentebrasileiro Para esse tipo concorreram diferentes figuras hoje quasedesconhecidas na sua pureza do antigo sistema agraacuterio e patriarcal o cabrade engenho o moleque da bagaceira o capanga (de ordinaacuterio caboclo oumulato) o mulato vadio caccedilador de passarinho o malungo o pajem obranco pobre o ldquoamarelordquo livre a matildee preta a mucama o negro velho ocurandeiro o caboclo conhecedor da mata e dos seus bichos a ama de leitetapuia ou negra a ldquocabra-mulherrdquo

O homem do povo do Nordeste tem hoje um pouco de todas essasfiguras um pouco dos caracteriacutesticos em que se especializou cada umadelas Do mesmo modo que tem o sangue de todas mais o sangue azul dascasas-grandes E em certos trechos eacute talvez o mesticcedilo brasileiro mais

proacuteximo daquela relativa estabilidade de traccedilos semelhante agrave dopolineacutesio50 que um dia permitiraacute talvez falar-se de uma raccedila ou quase raccedila

brasileira de homem moreno do Nordeste se alguma massa consideraacutevel deimigraccedilatildeo estrangeira natildeo vier em dia mais proacuteximo perturbar amiscigenaccedilatildeo dos elementos tradicionais Mas perturbaacute-la de modo tatildeoviolento que lhe destrua os caracteriacutesticos jaacute quase assentados entre algunstraccedilos ainda instaacuteveis e variados

Foi a monocultura da cana que criou condiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo ede alimentaccedilatildeo particularmente favoraacuteveis pela relativa uniformidade ouquase semelhanccedila dos processos e dos valores utilizados em cada umadaquelas esferas de populaccedilatildeo ndash na alta e na baixa ndash para a formaccedilatildeo dosdois tipos de homem regional o aristocrata e o homem do povo

Na alimentaccedilatildeo de ambos mas especialmente na do aristocrata oproacuteprio accediluacutecar de cana teve uma importacircncia que os velhos cronistas comoD Domingos do Loreto Couto no seacuteculo XVIII jaacute salientavam e que os maisrecentes ndash como haacute quase meio seacuteculo Artur Orlando ndash ainda potildeem emdestaque

D Domingos considerava o tipo pernambucano influenciado pelo uso doaccediluacutecar talvez maior no Nordeste dos canaviais do que em outras regiotildeesbrasileiras Apresentando restriccedilotildees ao aforismo da eacutepoca ndash ldquotodo doce seconverte em colerardquo ndash e aos doutores que atribuiacuteam o aumento de ldquohumorbiliosordquo ou ldquohumor colericordquo agrave comida de doces o beneditino acreditava queo accediluacutecar em vez de corrosivo como pretendia Mirandelo fosse ldquoexcellentepreservativordquo ldquoo que bem se experimenta em todas as fructas que aspreserva de toda a corrupccedilatildeordquo ldquoSeraacute assimrdquo ndash acrescentava ndash ldquoque acontinuada e demasiada comida de doces augmenta o humor colerico masa experiencia nos mostra que pessoas muito amigas de doces satildeofleugmaticas e talvez que da abundancia deste humor proceda aquellapreguiccedila que a tantos reduz a um miseravel estadordquo51 Ora precisamente o

ldquohumor fleugmaticordquo ldquoque predominando no homem o faz em tudovagoroso descansado tardo sonnolento e preguiccedilosordquo parecia ao beneditinoo caracteriacutestico se natildeo dos cabras de engenho ndash capazes de tatildeo durostrabalhos ndash dos senhores das casas-grandes que ele proacuteprio retrata tatildeoindolentes e morosos Se com efeito o accediluacutecar tornava os homens ldquobiliososrdquo

isto eacute dinacircmicos pensava D Domingos que o seu uso soacute poderia ser beneacuteficoagrave populaccedilatildeo no Nordeste mais chegada ao ldquopestilento humor fleugmaticordquoque ao ldquobiliosordquo Pelo menos a camada aristocraacutetica da populaccedilatildeo os brancosarredondados e lentos das casas-grandes alguns de voz ou fala tatildeo arrastadaque era como se tivessem preguiccedila de falar Tal o caso dos Wanderleys aindahoje lentos no falar e no andar

Mansfield notaria um seacuteculo depois de D Domingos ndash tatildeo entusiasta doemprego do accediluacutecar no preparo dos doces de conserva pois toda frutaadquire uma vez accedilucarada ldquonovo serrdquo e ldquodilatada a duraccedilatildeo e com preciosaexistencia se conservardquo ndash verdadeiro abuso do accediluacutecar no preparo dessesmesmos doces52 As goiabadas as marmeladas os doces de caju perdiam o

gosto da fruta para adquirir unicamente o de mel de engenhoEsses doces eram muito apreciados particularmente o de goiaba no

tempo de Mansfield o doce mais caracteriacutestico da sobremesa das casas-grandes do Nordeste

As sinhaacutes e os meninos eram doidos por doce doidos por accediluacutecar ateacute emforma de alfenim de alfeolo de confeito tatildeo saboreados pelos meninos epelas moccedilas quanto o doce ou a geleia de goiaba e de araccedilaacute pelos senhoresmaduros e ateacute pelos velhos

Os proacuteprios senhores de engenho eram uns gulosos de doce e decomidas accedilucaradas Houve engenho que ficou com o nome de ldquoGulosordquo EManuel Tomeacute de Jesus no seu engenho de Noruega antigo dos Bois vivia aencomendar doces agraves doceiras de Santo Antatildeo vivia a receber presentes dedoces de seus compadres Os bolos feitos em casa pelas negras natildeo chegavampara o gasto O velho capitatildeo-mor era o mesmo que menino por alfenim ecocada E como estava sempre hospedando frades e padres no seu casaratildeode Noruega tinha o cuidado de conservar em casa uma opulecircncia de docesfinos

Em seus papeacuteis velhos encontramos mais de uma conta de doceira Maisde uma carta de compadre lhe mandando presente de doce Uma dasdoceiras dona Isabel preparou para uma festa que o capitatildeo-mor deu emcasa em 1833 verdadeira montanha de gulodices de accediluacutecar ldquobolinhos deraiva pudim de milho patildeo de loacute bolinhos de manteiga suspiros bolinhos deovos queijadinhas de alfenim e ovos tortilhas tapiocas de ovos pasteis de

qualhada cocadinhas de ovos laranjas seccas cajuacutes seccos limatildeo de caldardquoTodos esses doces e mais ldquoTrez pyramides de assucar refinado para enfeitedo meio da mesardquo ldquocujas pyramidesrdquo ndash acrescentava gentilmente Da Isabelndash ldquonada custamrdquo53

Natildeo admira diante dessas piracircmides de accediluacutecar que as iaiaacutes de engenhofossem senhoras tatildeo gordas que os proacuteprios senhores e sinhocirc-moccedilos fossemmuitos deles enormes de gordos alguns ateacute obesos como certos Wanderleyslouros de Serinhaeacutem ainda hoje doidos por mel de engenho com farinhaquebrando por amor dele sua dieta de diabeacuteticos O muito accediluacutecar concorriapara arredondar os ioiocircs as iaiaacutes as mucamas as matildees pretas os cavalos emcriaturas volutuosamente gordas E fazia ateacute de filtro amoroso para os donjuan e para os namorados

No arquivo de outro senhor de engenho o baratildeo de Jundiaacuteencontramos uma carta que eacute um elogio ardente da goiabada feita em casaem certo engenho do Nordeste O doce pernambucano teria agido comoverdadeiro filtro amoroso sobre uma mulher bonita do Rio de Janeiro Acarta eacute datada da corte e assinada por uma figura ilustre do tempo doimpeacuterio muito da intimidade poliacutetica e pessoal do marquecircs de Olinda ehomem erudito e sisudo Mas ao amigo ele se abre ldquoDize a senhorzinho queeu lhe envio hum abraccedilo muito apertado natildeo soacute como symbolo da nossaamizade como tambem em agradecimento dos grandes effeitos que suagoiabada tem me aqui produzido Si elle soubesse ou pudesse suppocircr queaquelle bello doce fez aqui brilhantes conquistas em favor de meo coraccedilatildeode linda cara e saboroso corpo certamente de inveja natildeo mrsquoo teria dado OhQue bellas noites aacute custa da goiabadardquo54

Sabe-se que algumas famiacutelias de engenho do Nordeste ligaram o nome adoces e bolos finos feitos em casa com todo o esmero e quase em segredoUma verdadeira liturgia do doce Uma quase maccedilonaria de famiacutelia ou decozinha O bolo Sousa Leatildeo eacute um dos mais caracteriacutesticos desse privatismoexagerado dos tempos patriarcais das almanjarras e dos banguecircs Uma dastradiccedilotildees mais ilustres da antiga civilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar do que oseu oacutecio e os seus vagares produziram de mais tiacutepico ndash desde a casa-grandede engenho Magaiacutepe ao poema de Maciel Monteiro ldquoformosa qual pincel emtela finardquo (diz-se que inspirado por certa iaiaacute muito bonita cujo retrato

pintado a oacuteleo ainda conhecemos na sala de visitas de velho casaratildeo doRecife) desde o punhal fino de Pasmado agrave festa do Santo Cristo de Ipojucacom senhores de engenho se humilhando na presenccedila dos negroscarregando cruzes enormes de madeira caminhando pelas ladeiras de peacute nochatildeo e cobertos de mortalhas Mas ao mesmo tempo pagando promessasfaustosas de muitas arrobas de cera E terminada a procissatildeo comendomuitos doces muitos bolos muita comida de accediluacutecar Ou mesmo comendo-osdurante a procissatildeo como era uso desde o seacuteculo XVI Flagelando-se mascom accediluacutecar na boca

A goiabada de Pernambuco por muito tempo foi doce feitoliturgicamente em casa Se hoje eacute um doce industrializado um simples docede lata sem misteacuterio nenhum e quase sem gosto a ponto de perder em saborpara a goiabada de Campos teve seu periacuteodo de gloacuteria nos grandes dias dacivilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar A geleia de araccedilaacute o doce de caju tambeacutemEm nossos dias o bolo Sousa Leatildeo o bolo Cavalcanti o bolo dr Constacircncio obolo do major o Fonseca Ramos o Guararapes resistem agrave industrializaccedilatildeonatildeo soacute pela sua natureza mais complexa como pelo ciuacuteme de sinhaacutes-donasilustres que conservam as receitas dos velhos bolos como joias de famiacuteliaReliacutequias quase sagradas das avoacutes gordas das tias paacutelidas que desciam elasmesmas agrave cozinha para fazer os doces da casa como para um ato quase dereligiatildeo

Mas o accediluacutecar de cana natildeo teve soacute entusiastas Ao muito doce naalimentaccedilatildeo da gente de engenho alguns criacuteticos foram atribuindo umaseacuterie de males Que os maus dentes dos aristocratas das casas-grandes ndash dasproacuteprias sinhaacutes segundo salientaram observadores holandeses do seacuteculoXVII ndash resultavam do muito accediluacutecar que consumiam Que algumas moccedilasdengosas soacute se alimentando de doces ndash com vergonha de comer carne epiratildeo ndash definhavam Que os meninos criavam lombriga do muito doce que aspretas davam a eles

ldquoFrequentes vezes se tem dito que o uso do assucar faz cahir os dentes ndashescrevia em 1839 um redator do O auxiliador da induacutestria nacional ldquomasde certo que natildeo satildeo os dos negros dos engenhos porque elles os teem todos ebrancos como perolasrdquo Os moleques com efeito chupavam muita cana Osmeninos tambeacutem muito rolete de cana E aleacutem de alfenim bebiam muita

garapa muito caldo de cana Mas parece que no interior das casas-grandesdentro das camarinhas eacute que era maior o consumo de doce e laacute eacute que seencontravam as pobres moccedilas bonitas mas de dentes podres que algunsobservadores tanto lamentaram no Brasil patriarcal As moccedilas que natildeo sealimentavam senatildeo de caldos de pintainhos bichinhos de alfenim geleiadoce confeito As de dieta mais variada de vida mais livre se desenvolviamem iaiaacutes gordas corpulentas agraves vezes ateacute em amazonas andando a cavalomelhor do que os ioiocircs Sinal de que a causa do enlanguescimento natildeo era oaccediluacutecar Eram outros erros de dieta e de vida

Quanto aos negros natildeo seria durante a colheita das canas ldquoapezar denessa epoca o seu trabalho se tornar mais fatiganterdquo que eles ficavam ldquomaisgordos e de melhor saude e mais alegres que em todo o resto do annordquo comoos retratou um cronista dos princiacutepios do seacuteculo XIX Eles como os bois queentatildeo comiam muito bagaccedilo de cana e tornavam ldquoa tomar toda a sua forccedila enidiez perdidos na outra metade do annordquo Vaacuterios cronistas datildeo o mesmodepoimento que esse recolhido pelo O auxiliador da induacutestria nacionalTempo de colheita de cana era tempo de negro gordo e de boi gordo Denegro satildeo e de boi sadio Os quais tambeacutem se regalavam no tempo de veratildeocom os cajus de que no litoral se espaccedilava o chatildeo nas terras de engenhosfavorecidos com cajueiros

Nos princiacutepios do seacuteculo XIX e eacute possiacutevel que desde eacutepoca mais remotajaacute se acreditava no Brasil na vantagem da cana-de-accediluacutecar contra oescorbuto Mal de que tanto sofriam os pretos e os brancos nas longas viagensde mar e ateacute em terra sob os rigores da monocultura quando finda a safrade cana faltavam frutas e legumes verdes aos engenhos mais descuidadosdos ldquomantimentosrdquo e dos pomares das culturas ancilares

Parece que o fato de em alguns pontos do paiacutes se terem encontradodesde os princiacutepios do seacuteculo XVI plantaccedilotildees de cana ndash dando origem agravesmuitas discussotildees sobre a sua origem entre noacutes ndash se prende agrave crenccedila queteriam os portugueses da eacutepoca (tatildeo experimentados nas viagens longas demar) na vantagem do suco da cana contra o escorbuto dos marinheiros55

O accediluacutecar de cana entrou no preparo de vaacuterias mezinhas caracteriacutesticasda medicina caseira do Nordeste ndash algumas descritas pelo folclorista ehistoriador Luiacutes da Cacircmara Cascudo em suas recentes e sugestivas ldquoNotas

sobre o Catimboacuterdquo publicadas nos Novos estudos afro-brasileiros ndashconservando o seu antigo papel de droga de artigo vendido nas boticas daEuropa do seacuteculo XVI para remeacutedio para emplastro para bruxedo Ousimplesmente para disfarccedilar o amargo de certos sucos de plantas medicinaisdos curandeiros negros e caboclos E natildeo soacute a medicina popular da regiatildeomas a poesia do povo ficou impregnada de accediluacutecar de cana do seu gosto doseu cheiro do seu visgo

Faltam aos modernos estudos afro-brasileiros as pesquisas iniciadas porMacedo Soares ndash pioneiro que estaacute sendo tatildeo esquecido ndash sobre a influecircnciabrasileira em vaacuterios trechos da Aacutefrica Influecircncia que se exerceu atraveacutes decolocircnias de ex-escravos natildeo tanto de engenho mas de armazeacutem e detrapiches de accediluacutecar que ali se estabeleceram tomando o nome deldquobrasileirosrdquo agrave maneira dos colonos portugueses que outrora enriqueciam noBrasil voltando agraves aldeias ldquobrasileirosrdquo e ldquoricosrdquo cheios de latas de doce degoiaba e de sacos de farinha de mandioca e conservando gostos costumes eestilos de vida adquiridos aqui O gosto da farinha O do mel de engenho Odo milho

Feitas essas sondagens ndash e agora mesmo estamos empenhados nelas coma valiosa colaboraccedilatildeo do pesquisador francecircs Pierre Verger haacute de ver-se queos negros do Recocircncavo da Bahia como os do extremo Nordeste queconseguiram voltar agrave Aacutefrica e aiacute se estabelecer agrave margem de duas culturasvivendo uma vida sociologicamente hiacutebrida isto eacute sem pertenceremdefinidamente a nenhuma cultura levaram para as aldeias africanas muitacoisa do complexo brasileiro da cana-de-accediluacutecar O gosto do accediluacutecar eacute dos queconquistam o homem de maneira poderosa Principalmente quandoadquirido na meninice mesmo na meninice do escravo nem sempre menosalegre que a do menino branco

O negro tornou-se parte do grande complexo brasileiro de cana-de-accediluacutecar A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar natildeo se teria feito sem ele ndash diga-se mais umavez Diga-se sempre O padre Vieira viu no negro o Cristo da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar ldquonatildeo ha trabalho nem genero de vida no mundo mais parecido aCruz e aacute Paixatildeo de Christo que o vosso em um desses engenhosrdquo E o padreCardim jaacute notara que muito sofrimento custava ao negro o fabrico de accediluacutecare muito pecado ao branco

A civilizaccedilatildeo brasileira do accediluacutecar que culminou em Pernambuco teve dedepender do escravo negro de modo absoluto Duarte Coelho compreenderadesde os seus primeiros dias de donataacuterio que o homem necessaacuterio agrave lavourada cana e ao fabrico do accediluacutecar era o africano Daiacute a importaccedilatildeo de escravospara a sua capitania se ter feito logo e com intensidade dando agrave NovaLusitacircnia as condiccedilotildees de permanecircncia e de continuidade de esforccediloagriacutecola que faltaram a outras capitanias

Por sua vez Duarte Coelho e Da Brites ndash eles e o grupo de portuguesessoacutelidos da pequena nobreza do norte de Portugal que os acompanharam aPernambuco ndash trouxeram para o Nordeste do Brasil a profunda afeiccedilatildeo agraveterra que faltou a tantos outros donataacuterios e colonos A cultura da canacorrespondia melhor a esse seu gosto de ldquoportugueses velhosrdquo afeiccediloados agraveterra que a exploraccedilatildeo do pau-de-tinta da canafiacutestula das peles tatildeosedutoras para os simples aventureiros e para os cristatildeos-novos

No caso de Duarte e de seus colonos a alianccedila do homem com a cana foio que se pode chamar um casamento de amor e natildeo simplesmente deinteresse Duarte Coelho fez da cana natildeo um substituto vegetal do ouro edos rubis que natildeo se encontraram aqui ndash para desapontamento dos colonosmais aventureiros ndash mas a base de uma organizaccedilatildeo agriacutecola que soacute o seuamor agrave terra ndash amor de velho agricultor ndash teria conseguido estabelecer comtanta bravura e com tanta seguranccedila nos troacutepicos Combatendo os iacutendios e osanimais mais contraacuterios ao avanccedilo do canavial do engenho da casa-grandeda capela ele combateu tambeacutem entre os seus os simples aventureiros quepretendiam fazer fortuna derrubando aacutervores e matando bichos paravender a pele

Sua voz jaacute lembramos que foi a primeira grande voz de portuguecircs que selevantou na Ameacuterica e talvez nos troacutepicos a favor da mata e da aacutervore Elenatildeo queria a mata devastada a esmo e brutalmente Pelo seu gosto o canavialteria avanccedilado com o miacutenimo de destruiccedilatildeo da riqueza nativa

Quando jaacute no fim da luta Duarte Coelho se descreve quase biblicamentea si proacuteprio como ldquoquem ganhou a terra e com tanto trabalho gasto fadiga ederramamento de sangue a pocircs no estado em que estaacute e que eacute o proacutepriopastorrdquo parece lamentar as canseiras de esforccedilo de soldado que o desviaramtantas vezes de sua grande vocaccedilatildeo a de fundador de lavoura Lavoura que

o prendesse para sempre atraveacutes dos filhos e dos netos agrave terra conquistadaAo chegar ao Brasil com a mulher com a parentela talvez com escravos

negros com bois com cavalos com sementes jaacute o animava um sentidoprofundo de permanecircncia o desejo de continuidade e natildeo de aventura Elenatildeo seria dos que ldquotudo queriam para Portugalrdquo utilizando-se das terras decana ldquonatildeo como senhores mas como usufrutuaacuterios soacute para a desfrutarem edeixarem destruiacutedardquo como disse frei Vicente de Salvador da maioria doscolonos do seu tempo Nem dos que a ceacutelebre crocircnica dos princiacutepios doseacuteculo XVII ndash os Diaacutelogos das grandezas ndash retratou em traccedilos tatildeo vivos osque aqui apenas se contentavam em fazer seus patildees de accediluacutecar natildeo sedispondo a plantar aacutervores frutiacuteferas nem fazer benfeitorias nas plantas nema criar gado nada que custasse muito esforccedilo ou levasse tempo Soacute amonocultura de lucros imediatos que entretanto natildeo deixava de exigircondiccedilotildees de estabilidade e de permanecircncia dispensadas pelo simplescomeacutercio de pau-de-tinta e de peles

Duarte Coelho amou as aacutervores e se afeiccediloou agrave terra a sua conquista dePernambuco foi uma colonizaccedilatildeo criadora onde dominou a influecircncia dovelho Duarte o canavial avanccedilou sempre com a capela e a casa-grandeanimando a paisagem de elementos novos dando-lhe cores novas novasfontes de vida e natildeo apenas matando os iacutendios os animais e as aacutervores

Nessas terras conquistadas aos iacutendios pelos colonos de Duarte Coelho sesemearam sementes e se plantaram aacutervores vindas da Iacutendia e da Aacutefrica Seabriram caminhos para os carros de boi e para os cavalos dos engenhos Secriaram vacas cabras carneiros Vaacuterios rios se encheram de barcaccedilas Novosestilos de embarcaccedilotildees resultaram do encontro do estilo portuguecircs de barcocom o indiacutegena de piroga Houve um contato fecundante do europeu coma terra virgem e natildeo apenas devastaccedilatildeo e conquista

Jerocircnimo de Albuquerque antes de casar-se com uma Melo talvez feiavinda do reino para sua esposa oficial fez de uma iacutendia filha de caciquematildee da numerosa famiacutelia brasileira de que sairia o primeiro cardeal daAmeacuterica do Sul Outras iacutendias diz a tradiccedilatildeo que sempre muito bonitasembora nem todas princesas tornaram-se matildees ou troncos de famiacuteliasdepois ilustres do Nordeste

A aristocracia dos canaviais tomou um pouco de sangue indiacutegena antes

de aprofundar-se na endogamia intensa das vaacuterzeas de rio onde os traccedilos eateacute as taras de algumas famiacutelias se fixariam de modo tatildeo caracteriacutesticotornando inconfundiacutevel em Pernambuco um Wanderley de Rio Formosoum Sousa Leatildeo de Ipojuca um Cavalcanti legiacutetimo um Albuquerqueautecircntico um Pontual de Escada um Correia de Goiana um AlbuquerqueMaranhatildeo um Rego Barros um Correia de Arauacutejo um Carneiro da Cunhaum Accioly Lins um Santos Dias um Bandeira de Melo Traccedilos eugecircnicosTraccedilos cacogecircnicos A forma do nariz o jeito de andar a boca o tamanhodas orelhas o volume das naacutedegas Esses traccedilos o espiacuterito popular agraves vezes ostem fixado em apelidos trovas quadrinhas onde se destaca o ldquonariz depapagaiordquo de uma famiacutelia a ldquocara de cavalordquo de outra a ldquoboca de sapordquo ou oldquoqueixo de tamancordquo de uma terceira a ldquobunda de tanajurardquo de uma quarta

Aliaacutes eacute interessante surpreender-se o reflexo das tendecircncias para aendogamia em vaacuterios ditados da regiatildeo Outros ditados se apresentam deinteresse antropoloacutegico ou psicoloacutegico-social pela caracterizaccedilatildeo de famiacuteliasaristocraacuteticas atraveacutes de traccedilos fiacutesicos testa estreita ndash pouca inteligecircnciaorelha muito pegada ndash tendecircncia para enriquecer orelha mole ndash preguiccedilanariz grande ndash sensualidade muito cabelo ndash maldade etc

Em nenhuma parte do Brasil a formaccedilatildeo da famiacutelia se processou tatildeoaristocraticamente como entre os canaviais da Nova Lusitacircnia Quer pelaorigem dos colonos trazidos por Duarte Coelho quer pelo gecircnero de vida dasgeraccedilotildees que se sucederam Vida ldquoagrave lei da nobrezardquo Vida fidalga Vida decasa-grande Endogamia Casamentos de primo com prima de tio comsobrinha A seleccedilatildeo sexual agraves vezes perturbada mas em geral favorecidapelas consideraccedilotildees de ldquoboa raccedilardquo pelos preconceitos da famiacutelia de sanguede antepassados56

As tradiccedilotildees rurais de que aqueles colonos foram aqui os continuadores eas facilidades que encontraram para a cultura da cana favoreceram odesenvolvimento dessa aristocracia quase feudal Jerocircnimo de AlbuquerqueMelo foi bem o continuador de Duarte Coelho ldquofilho legitimo do patriarcardquo ndashcomenta Oliveira Lima em estudo sobre a Nova Lusitacircnia na Histoacuteria dacolonizaccedilatildeo do Brasil ndash ldquoviveu tatildeo satisfeito com a vida de campo que deuocasiatildeo a ser conhecido com o apelido de carreiro fidalgordquo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste criou nesta regiatildeo brasileira

juntamente com o tipo de casa nobre caracteriacutestica dos engenhos o seu tipode aristocrata o seu tipo de escravo o seu sistema regional de relaccedilotildees entresenhores e escravos

Estas tudo indica que foram mais doces nos engenhos ndash sobretudo nosgrandes onde os escravos eram numerosos e passavam de pai a filhos ndash doque nas Minas do que no Paraacute do que entre paulistas No Nordeste doaccediluacutecar mais do que nas Minas ou em Satildeo Paulo o escravo se especializou nafigura do negro fiel capaz de dar a vida pelo seu branco Na figura da matildee-preta Da mucama quase pessoa de casa Do malungo quase membro dafamiacutelia

Dos elementos que foram por vaacuterios motivos transbordando daestrutura riacutegida ndash senhores e escravos ndash e constituindo-se pela fuga e pelaascensatildeo social na gente livre das casinhas de taipa dos casebres de barrodos mucambos de palha nos ldquosertanejosrdquo pobres ndash tantos deles louros comose esta circunstacircncia influiacutesse no fato de evitarem mais do que os outros azona escravocrata onde quase teriam de confratenizar com os negros ou comos mulatos livres nos quilombolas nos ldquomatutosrdquo nos mucambeiros dosarredores do Recife e das outras cidades da regiatildeo ndash eacute que se desenvolveu noNordeste uma especializaccedilatildeo regional de gente do povo agraves vezes trepidanteUns sob a influecircncia indireta dos grandes monocultores de accediluacutecar outrosindependentes deles e ateacute hostis agraves casas-grandes

No dia em que for bem estudada a chamada Guerra dos Mascates talvezse verifique que os mesticcedilos do Recife estiveram muitos deles do lado demecacircnicos e ateacute de ldquomascatesrdquo portugueses ao lado del-rei e contra aaristocracia dos homens dos engenhos ndash os ldquopatriotasrdquo de 1710 tatildeo ligados ainteresses de classe agraacuteria Em 1817 sabe-se que os mesticcedilos pobres e osnegros do Nordeste se dividiram ndash uns a favor outros contra aquelarevoluccedilatildeo regional em que padres e senhores de engenho tomaram parte tatildeosaliente

Em 1819 a propoacutesito de um alferes do regimento dos Henriques queparticipara da revoluccedilatildeo de 1817 escrevia para Lisboa o governador Luiacutes doRego Barreto ldquoIllmo e Exmo Senhor ndash Ponho na prezenccedila de V Ex orequerimento de Francisco Joseacute de Mello alferes que foi do extinctoregimento novo drsquoHenriques desta praccedila em que pede seiz mezes de

licenccedila para se justificar na prezenccedila de sua Magestade da sua conducta notempo da rebelliatildeo que me foi remettido por avizo de 9 de junho doprezente anno para eu informar com o meo parecer

ldquoNatildeo foratildeo todos os negros nem todos os mulatos os q tomaratildeo o partidodos rebeldes e se uniratildeo a elles porem dos homens destas cocircres aquellesque abraccedilaratildeo a cauza dos rebeldes a abraccedilaratildeo na de hum modo excessivoe insultante e fizeratildeo lembrar com frequencia aos moradores desta capitaniaas scenas de S Domingos Os homens mais abejctos desta classe os mesmosmendigos insultaratildeo seos antigos benfeitores seos senhores ou senhoras ese promettiatildeo com todo despojo a posse de huma senhora comoacontecimento infalivel este grao de orgulho jaacute era temivel quando ogovernador interino Rodrigo Joseacute Ferreira Lobo entrou nesta capitania ehuma das medidas mais efficazes que elle tomou foi punir promptamentecom accediloites a todos aquelles de quem se sabia algum facto notavel destaespecie ou que tenha commetido algum attentado a coberto da rebeliatildeordquo Econtinuava Luiacutes do Rego

ldquoDepois que tomei posse do governo continuei o mesmo exemplo menosrigorosamente e por poucos dias

ldquoEntre os sogeitos castigados no meo tempo foi o Supe que de facto foihum dos officiaes de Henriques mais violentos no tempo da revoluccedilatildeo e porque alem disto se dice delle q tinha feito maacuteo uso da patente e a tinharasgada alem de outras accuzaccedilotildees da natureza accima referidos e natildeoaprezentou a patente foi tractado como se nunca a tivesse

ldquoEm abono da verdade devo dizer que elle aprezentou agora a suapatente e que supponho esteja grudada com tiras de papel e parecedividida em quatro partes natildeo o estaacute no alto da patente aonde se percebeainda a uniatildeo do papel e que pode bem ser cortada pelo uzo e tal vez pelamesma causa esteja manchada supponho me parece cuidadosamentelavada

ldquoCom o requerimento do Supe tenho a honra de apresentar a V Exordf asua patente de que lhe mandei dar recibo pelo ajudante de ordens desemana e mais alguns documentos a que natildeo pertendo dar feacute mas que

mostram a opiniatildeo que havia do Supe quando foi castigado

ldquoFinalmente natildeo acho inconveniente em q tenha licenccedila para hir acorte e ateacute o poderaacute ser feito como simples paizano por que nunca ojulguei official nem o devo julgar natildeo sendo restituido ao seu posto por suaMagestade

ldquoDeos guarde a V Exa muitos annos Recife 30 de agosto de 1819 ndash

Illmomo Senhor Thomaz Antonio de Villanova Portugal ndash Luiz do RegoBarretordquo57

Em 1823 ndash data de um dos movimentos de maior significaccedilatildeo social nahistoacuteria do Nordeste movimento um tanto no gecircnero das ldquobalaiadasrdquo dasldquocabanadasrdquo das ldquotapuiadasrdquo ndash viu-se que a gente mesticcedila era parteconsideraacutevel da populaccedilatildeo do Recife mais que ao traseiro da cidade essamancha de gente de cor de negros e mulatos livres se estendia por becos ecamboas da cidade formava batalhotildees diversos e natildeo apenas o dosHenriques tradicionalmente fieacuteis aos senhores brancos

O movimento de 1823 que foi um movimento da gente de cor do Recifee natildeo uma simples demonstraccedilatildeo poliacutetica teve a adesatildeo da ldquoquase totalidadedas forccedilas de 1ordf e 2ordf linha bem como as companhias de Monta BrechasBravos da Patria e Intrepidos corpos patrioticos de mesticcedilos e negrosrdquoinforma um cronista da revolta baseado na ldquoDevassardquo de que se encontramanuscrito na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Esses corpos de mesticcedilos e negros vinham se organizando desde a guerraholandesa onde os homens de cor a serviccedilo dos grandes senhores das terrasde accediluacutecar se revelaram tatildeo bons soldados oacutetimos para as guerrilhas dado oseu conhecimento iacutentimo dos canaviais A especializaccedilatildeo militar resultavapara eles em prestiacutegio social

Junto com os corpos militares formaram-se desde anos remotos nascidades do Nordeste irmandades como a do Rosaacuterio todas de negros eadministradas por negros ndash agraves vezes soacute os tesoureiros brancos com prejuiacutezopara os interesses dos associados ndash e parece que natildeo admitindo senatildeo negroscomo para imitar as do Santiacutessimo Sacramento que segundo se diz natildeoadmitiam senatildeo brancos Embora o exclusivismo natildeo significasseantagonismo aos brancos natildeo deixava de indicar uma situaccedilatildeo diversa dados negros de engenho melhor acomodados ao sistema dos senhores eparticipando das suas devoccedilotildees debaixo da telha-vatilde das mesmas capelas

patriarcaisNo Recife os negros dos proacuteprios armazeacutens de accediluacutecar foram formando

uma espeacutecie de aristocracia de escravos superiores em prestiacutegio emboranem sempre em condiccedilotildees materiais de vida aos escravos das plantaccedilotildees decana No ambiente da cidade menos impregnada da autoridade dossenhores de engenho eles formavam uma corporaccedilatildeo agrave parte e tinham o seugovernador especial como se vecirc da ldquoProvisatildeo de 13 de setembro de 1776passada pelo governador Joseacute Cezar de Menezes pela qual foi nomeado opreto crioulo Manuel Nunes da Costa governador dos pretos mercadoresde caixas de accedilucar desta praccedilardquo58 Era a sombra del-rei distante

protegendo-os contra a dos senhores de engenho proacuteximosEstes fatos nos auxiliam a compreender o ambiente tocado de

ldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo embora uma consciecircncia vaga e miacutestica que teriafacilitado a revolta de gente miuacuteda e de soldados de cor que explodiu noRecife em 1823 Com o mesticcedilo Pedroso de cavanhaque e a cavalo ndash duasinsiacutegnias de autoridade ndash agrave frente da insurreiccedilatildeo o movimento dominou acidade por alguns dias enquanto natildeo chegaram dos engenhos os senhores acavalo e acompanhados de escravos que estabeleceram a supremacia dosengenhos sobre a cidade

A insurreiccedilatildeo era de soldados ndash negros e mulatos na sua maioria ndash e denegros e mulatos paisanos gente dos mucambos das palhoccedilas das casinhasde barro Frei Caneca refere nas suas Obras poliacuteticas e literaacuterias quePedroso foi visto em uma das palhoccedilas da estacircncia ldquorodeado de pretos epardos comendo bebendo e ouvindo cantar com uma negra sentada nocolordquo Vendo os provisoacuterios ldquoaleacutem do apertar com eles para que tomassemassento lhes disse entre outras palavras ndash sempre estimei esta cor eacute aminha genterdquo

Alfredo de Carvalho a quem se deve descriccedilatildeo tatildeo minuciosa emboraparcial dos motins de 23 informa que ldquoas notiacutecias dos sanguinolentossucessos da ilha de S Domingos onde os escravos revoltosos haviamtriunfado dos senhores circulavam amplamente comentadas e a muitossorria a esperanccedila da proacutexima desforra dos oprimidos com o estabelecimentoentre noacutes de um regime anaacutelogo sob os auspiacutecios do prepotente governadordas armasrdquo59 isto eacute o capitatildeo Pedroso Este instalado no Palaacutecio do

Governo e senhor da cidade por vaacuterios dias natildeo fez senatildeo recrutar dentre agente de cor seus homens de confianccedila promovendo negros e mulatos aoficiais dos corpos milicianos

Mas agrave revolta faltaria direccedilatildeo do mesmo modo que ambiente aldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo entre os negros e mesticcedilos do Recife natildeo existiasenatildeo vaga outras forccedilas impelindo-os tanto quanto os negros de engenhoagrave miacutestica da lealdade e dominante de modo quase absoluto nos canaviais doextremo Nordeste De maneira que foi relativamente faacutecil ao morgado docabo marchar sobre o Recife e entrar vitorioso nas ruas da capital a trote decavalo como um conquistador militar vindo dos canaviais para pacificar ametroacutepole do accediluacutecar Uma ldquoluzida multidatildeo de cavaleirosrdquo diria do morgadoe do seu seacutequito o major Antocircnio Acircngelo de Vasconcelos que assistiu agraveentrada triunfal dos senhores de engenho e dos seus escravos no Recifeamotinado pelos negros pelos mulatos livres pelos soldados de cor

Pedroso fora expressatildeo daquela insatisfaccedilatildeo social e talvez psicoloacutegica domulato ainda mal ajustado aos brancos tatildeo frequente na antiga sociedadebrasileira e a que nos referimos em trabalho anterior Do mulato quaseseparado do negro Quase separado de reivindicaccedilotildees de raccedila de regiatildeo oude classe Querendo o seu reajustamento quase exclusivamente individualMas utilizando-se do negro da classe oprimida ou da regiatildeo animada desentimentos autonomistas e ateacute separatistas como de um elementorevolucionaacuterio correspondente agrave sua insatisfaccedilatildeo como uma forccedila bruta masplaacutestica em suas matildeos ansiosas de domiacutenio em uma sociedade que eledesejava reorganizada sobre novas bases

Vecirc-se pela popularidade que Pedroso alcanccedilou entre a gente de cor dosmucambos da estacircncia que no Recife dos princiacutepios do seacuteculo XIX vivia aopeacute dos sobrados uma massa de gente preta politicamente vaga mas jaacute com asua significaccedilatildeo social e ateacute revolucionaacuteria ndash seu potencial revolucionaacuteriocomo diria o jovem escritor Aderbal Jurema

Eacute o que vai nos explicar novo movimento de insatisfaccedilatildeo da gente de cordo Recife que se verificou em 1824 com a rebeliatildeo do batalhatildeo dos pardoscomandados por Emiliano Mandurucu Atuava sobre Emiliano a sugestatildeo doexemplo do rei Cristoacutevatildeo

ldquoQual eu imito a CristoacutevatildeoEsse imortal HaitianoEia Imitai o seu povoOh Meu povo soberanordquo

Eacute um ponto a se estudar com minuacutecia a repercussatildeo dos grandesmovimentos de rebeldia dos escravos das Antilhas sobre as diferentes aacutereasescravocratas do Brasil Particularmente sobre as aacutereas de civilizaccedilatildeoaccedilucareira mais intensa como o extremo Nordeste e o Recocircncavo As duasgrandes civilizaccedilotildees do accediluacutecar na Ameacuterica ndash e das Antilhas e a do nordestedo Brasil ndash tendo seguido atitudes psiacutequicas e sociais diversas com relaccedilatildeoaos escravos africanos importados para as suas plantaccedilotildees de cana tiveramentretanto problemas comuns em face do negro e do mulato e natildeo deixoude haver repercussatildeo dos acontecimentos revolucionaacuterios verificados naFranccedila e nos Estados Unidos em Haiti e em Satildeo Domingos sobre o nordestedo Brasil

A ideologia libertaacuteria da Revoluccedilatildeo Francesa e da Revoluccedilatildeo Americanachegou aos dois sistemas escravocratas ndash o das Antilhas e o do Brasil ndash pelosmeios mais surpreendentes e mais sutis No Brasil ateacute por intermeacutedio dospadres Mas sem encontrar nunca entre noacutes ambiente tatildeo favoraacutevel ao oacutediodo escravo contra o senhor do preto contra o branco como o que encontrounaquela outra parte da Ameacuterica onde a monocultura do accediluacutecar igualmentesepara a populaccedilatildeo em senhores e escravos mas escravos e senhores maisdistanciados socialmente do que no nordeste do Brasil

O motivo para essa diversidade de ambiente jaacute se disse que foiprincipalmente a doccedilura maior do portuguecircs com relaccedilatildeo agrave gente de cor ohibridismo em que se abrandou tatildeo cedo a colonizaccedilatildeo do Brasil mesmoonde ela foi mais aristocraacutetica pela sua origem e pela distacircncia social impostapela teacutecnica de produccedilatildeo a senhores e escravos a brancos e homens de corAlgumas das famiacutelias mais nobres jaacute se recordou que no Nordeste tomaramdesde os primeiros anos sangue indiacutegena outras mais tarde ateacute sanguenegroide ou ilheacuteu como segundo bons depoimentos estrangeiros e adespeito de cartas de branquidade triunfalmente citadas por cronistasingecircnuos a famiacutelia de Joatildeo Fernandes Vieira E a verdade eacute que a poliacutetica

portuguesa no Brasil sempre foi neste ponto mais humana que a inglesa oua francesa nas Antilhas

A carta reacutegia de 1766 que em 1788 o novo provedor da Casa da Moedana Bahia Joseacute Venacircncio de Seixas em carta a D Rodrigo de Sousa Coutinhoconsiderava ldquohum erro de politica em administraccedilatildeo de coloniardquo60 foi ao

contraacuterio uma dessas expressotildees de gecircnio poliacutetico aplicado agrave administraccedilatildeodas colocircnias que natildeo uma nem duas mas vaacuterias vezes surpreendem a quemexamina os velhos documentos da colonizaccedilatildeo portuguesa do Brasil

Essa memoraacutevel carta reacutegia de 1766 a que se refere tatildeo injustamente oprovedor Seixas consagrava a iniciativa brasileira tomada durante a guerracontra os holandeses de se organizarem corpos de pardos e pretos ndash oshenriques ndash e de iacutendios ndash os iacutendios de Camaratildeo Corpos cuja accedilatildeo foraeficientiacutessima nas lutas contra os hereges O negro e o mulato cujacondensaccedilatildeo no extremo Nordeste e no Recocircncavo se explica pelasexigecircncias econocircmicas e sociais da organizaccedilatildeo accedilucareira seriam desde oseacuteculo XVII elementos de defesa militar poderosiacutessimos dessa mesmaorganizaccedilatildeo regional ameaccedilada pela cobiccedila holandesa

Em 1735 eram os negros e pardos do Nordeste honrados com estaspalavras vindas del-rei de Portugal ldquoEL REY Nosso Senhor ordena a V Sordfque logo que receber esta chamando a sua presenccedila todos os officiaes doterccedilo dos Henriques lhes declare no seu real nome que sua magestadeconserva muito vivas na sua lembranccedila as gloriosas accediloens com que semprese distinguiu o dito terccedilo E que tendo o mesmo senhor possuido certo queos seus leaes vassallos de que elle hoje se compoem hatildeo de querer parecernatildeo soacute descendentes mas verdadeiros imitadores dos heroes que tanto oillustraram se determinou sua magestade a lhes fazer a distincta honra de osempregar com as suas tropas regulares na defesa dos dominios meridionaesda America portugueza mandando-os passar ao Rio de Janeiro aacutes ordens domarquez do Lavradio vice-rei e capitatildeo-geral do Estado do Brasil conclusaesta breve exortaccedilatildeo a q V Sordf ajunte outras expreccedilotildees que lhe pareceremmais efficazes para melhor persuadir os ditos officiaes do muito que suamagestade confia do zelo valor e fidelidade da dita tropa auxiliar deHenriques formaraacute da gente mais escolhida do referido terccedilo hum batalhatildeode seiscentos homens nomeando para mestre de campo delle o official mais

distincto e de maiores merecimentos E para occuparem os outros postos osque lhe parecem mais capases de satisfazerem as obrigaccedilotildees delles

ldquoLogo que V Sa tiver concluida esta diligencia mandaraacute egualmente vir asua presenccedila os officiaes de todos os terccedilos de homens pardos E fazendo-lhes outra exortaccedilatildeo concebida nos termos acima referidos formaraacute outrobatalhatildeo tambem de seiscentos homens com seu mestre de campo e officiaescompetentes

ldquoEstes dous corpos devem levar os armamentos e fardamento que

tiverem assistindo-lhes V Sa com o que lhe for possivel e que vir que lhes heindispensavelmente necessario Para o transporte dos ditos corpos mandaraacute

V Sa fretar ou embargar sendo necessario as sumacas costerias ou outrasquaesquer embarcaccedilotildees que houver nesse porto Em falta dellas os mesmosnavios de companhia que se fizerem precisos para a mais prompta

expediccedilatildeo do referido transporte sendo V Sa entendido que a brevidadedelles he da maior importancia ao real serviccedilo

ldquoDeos guarde a V Sa Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em 12 de marccedilode 1735 ndash Martinho de Mello e Castrordquo61

As consequecircncias sociais da confraternizaccedilatildeo de homens de cor combrancos na guerra contra a Holanda natildeo soacute fizeram notar logo apoacutes acampanha ndash a guerra valorizara socialmente os elementos de cor e integrara-os com a regiatildeo ndash como permaneceram motivo de valorizaccedilatildeo da mesmagente de cor A tal ponto que essa valorizaccedilatildeo provocou ciuacutemes ou restriccedilotildees

O provedor Seixas na sua criacutetica agrave poliacutetica portuguesa no Brasil comrelaccedilatildeo agrave gente de cor diz que a carta reacutegia de 1766 ldquomandando formarcorpos milicianos desta qualidade de indiviacuteduosrdquo (refere-se aos homens decor principalmente aos mulatos) estes ldquose viram condecorados com postosde coroneis e outros similhantes com que esta gente naturalmentepersuadida adeantou consideravelmente as suas ideas vaidosas e que juntoao espirito do seculo os faz romper em toda a qualidade de excessosrdquo Osexcessos seriam natildeo soacute os democraacuteticos como os regionalistas e ateacuteseparatistas em que na verdade resvalaria mais de um mulato intelectual oumilitar do Nordeste Mas seriam tambeacutem os republicanos e os nacionalistasfavoraacuteveis ao desenvolvimento brasileiro

O alarme do provedor Seixas era provocado ostensivamente pela revoltade escravos negros organizados pela tal ldquogente naturalmente maispersuadidardquo ndash os mulatos ndash que esteve para rebentar na Bahia em 1798ldquoHuma das novidades inesperadas que aqui achei foi a do perigo em queestiveratildeo os habitantes desta cidade com huma associaccedilatildeo sediciosa demulatos que natildeo podia deixar de ter perniciosas consequencias semembargo de ser projectada por pecircssoas insignificantes porque para sefortificarem lhes bastavam os escravos domesticos inimigos irreconciliaveisdos seus senhores cujo jugo por mais leve que seja lhes eacute insuperaacutevel FoiDeus servido descobrir por hum modo bem singular a ponta desta meada aofim da qual julgo se tem chegado sem que nella se ache embaraccedilada pessocircade estado decente Creio que V Excia receberaacute nesta occasiatildeo huma contamuito circumstanciada que ensina a desconfiar para o futuro Eu natildeo possodeixar de me lembrar nesta ocasiatildeo que todas as ordens antigas dirigidas aoBrazil a respeito de mulatos os fazia conservar em hum certo abatimentoprohibindo-lhes a entrada em qualquer officio publico ou posto militarinhibiccedilatildeo que era ampliada ainda mesmo aos homens casados com mulatasrdquoNa verdade o que Seixas desejava era conservar no seu lugar todos osmulatos insubmissos ou natildeo E esse lugar era o de classe inferior O de sub-raccedila sem nenhuma das regalias da raccedila branca Sem a regalia dos postosmilitares por exemplo

Se eacute certo que certos corpos de pardos e de pretos no Nordestetornaram-se como o de Emiliano focos de insubordinaccedilatildeo e que os mulatoselevados a postos militares foram algumas vezes irrequietos da marca dePedroso aproveitando-se do que havia entre noacutes de oacutedio de negro contrabranco de escravo contra senhor da regiatildeo contra o todo brasileiro ou contraa metroacutepole o efeito mais comum da poliacutetica portuguesa de elevaccedilatildeo socialdo mulato parece que foi diminuir a prepotecircncia dos aristocratas do accediluacutecarndash tatildeo perigosa para a administraccedilatildeo da colocircnia e para a proacutepria unidadebrasileira ndash e abrandar as relaccedilotildees entre esses aristocratas e a gente de cordas cidades Dando oportunidade de ascensatildeo social aos mais aptos doselementos negroides a poliacutetica portuguesa soacute fez amolecer o antagonismoentre a populaccedilatildeo mulata livre tatildeo numerosa no extremo Nordeste e noRecocircncavo desde o seacuteculo XVII e os aristocratas quase feudais dos

engenhosOutro documento portuguecircs do fim do seacuteculo XVIII ainda ineacutedito nos

traz esclarecimentos sobre o assunto a carta que Rodrigo de Sousa Coutinhoescreveu a Bernardo Joseacute Lorena em 3 de janeiro de 1798 ldquoSua magestade

manda remetter a V Sardquo ndash escrevia Sousa Coutinho ndash ldquoas peticcedilotildees doshomens pardos e pretos dessa capitania afim que V S informe sobre as suaspretensotildees tendo poreacutem sempre muito cuidado que esta gente nem deve seroprimida nem muito favorecida porque desgraccediladamente tem visto quepor elles principiou e se tem suscitado todo o cruel fogo e incendio que temreduzido a miseria as mais ricas ilhas das Antilhas que possuia a monarchiafrancezardquo62

Sempre a sombra das revoluccedilotildees da gente de cor das Antilhas a apavoraros governos e os grandes proprietaacuterios de accediluacutecar no Nordeste do BrasilMesmo diante desse enorme pavor que dominou os governantes nos fins doseacuteculo XVIII e nos comeccedilos do XIX sente-se poreacutem a sabedoria da poliacuteticaportuguesa com relaccedilatildeo ao mulato brasileiro nenhuma opressatildeo ao mesmotempo que nenhum excesso de favor poliacutetico que teria sido entatildeoprematuro

A grande sabedoria da poliacutetica portuguesa no Brasil mesticcedilo esteve emtornar de tal modo plaacutestica a acepccedilatildeo social e legal de branco que dentrodela pocircde ir se acomodando o mulato triunfante a ponto de chegar emPernambuco a capitatildeo-mor nos tempos coloniais a ponto de se tornar parteda proacutepria aristocracia do canavial Saacute e Oliveira salienta casos interessantesde mulatos que nessa acomodaccedilatildeo agrave qualidade e agraves condiccedilotildees aristocraacuteticasde branco foram ao extremo de pretenderem se fazer passar ateacute pornoacuterdicos tal o mulato rico da Bahia casado com europeia do Norte que ldquotevehabilidade de mudar o timbre e inflexatildeo da voz para convencer ointerlocutor de que sua estirpe se estendia aos paiacuteses da Europardquo

Aliaacutes natildeo foram raras as vezes em que os mulatos do Nordeste ndashespecialmente do Maranhatildeo educados em Coimbra ndash tornaram-se maisportugueses pelo timbre e inflexatildeo da voz do que os senhores de engenhobrancos alguns ateacute branquiacutessimos africanizados na maneira de falar e essasolidariedade de voz e sotaque por certo que atuou no sentido de umaldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo agraves vezes maior da parte deles mulatos bem-

educados com relaccedilatildeo aos portugueses do que da parte dos brancos velhosda terra com relaccedilatildeo aos mazombos O timbre da voz o sotaque o acento satildeoelementos de solidariedade social nada despreziacuteveis Prevalecem agraves vezessobre outros traccedilos de semelhanccedila ou atenuam antagonismos ou diferenccedilasAspecto da histoacuteria social e cultural da liacutengua portuguesa falada no Nordesteque estimariacuteamos ver estudado por um mestre do saber especializado emquestotildees de linguagem como o professor Maacuterio Marroquim autor do ensaioadmiraacutevel que eacute A liacutengua do Nordeste

Natildeo se pode generalizar sobre o negro ou o mulato do Nordeste dando-ocomo elemento por excelecircncia perturbador da civilizaccedilatildeo aristocraacutetica doaccediluacutecar o mesmo grande e violento elemento revolucionaacuterio que foi em SatildeoDomingos por exemplo Ou que foi o negro ou o quase-negro no HaitiDecerto ele foi aqui em muitos casos um insatisfeito um mal ajustadodentro do sistema terrivelmente simplista de senhores e escravos Mas natildeopor oacutedio radical de raccedila ou de classe por desajustamento psicoloacutegicoprincipalmente Este eacute que fez dele um introspectivo natildeo soacute individualcomo social E em alguns casos um rebelado Um rebelado nem semprecontra a Santa Madre Igreja ou a coroa de Portugal ou do Brasil Com estasalguns mulatos se identificaram quase por completo opondo-se agrave ideia derepuacuteblica que no Nordeste de 1710 e ateacute certo ponto no de 1817 parece tersignificado uma aspiraccedilatildeo ndash mais de classe que mesmo regional ou nacionalndash por um sistema de governo em que dominaria a aristocracia em suamaioria branca ou quase branca dos canaviais63

Eacute curioso salientar que no movimento revolucionaacuterio chefiado pelomesticcedilo Pedroso em 1823 os negros e mulatos sendo contra os ldquomarinheirosrdquoe ldquocaiadosrdquo foram tambeacutem contra os republicanos Que vaacuterios mesticcedilos e ateacutenegros deram padres bons e ordeiros desde os tempos coloniais Que mesticcedilofora Vieira ndash o padre Antocircnio Vieira sempre fiel agrave Santa Madre Igrejaembora natildeo se deixe de surpreender em sua vida e em seu apostolado certatrepidaccedilatildeo psicoloacutegica caracteriacutestica do mulato imperfeitamente ajustado agraveordem social dominante Essa trepidaccedilatildeo levou-o talvez a algumas de suasatitudes desassombradas de criacutetica aos senhores de engenho e aos governosdo Maranhatildeo

Destaque-se este fato significativo a melhor criacutetica que se fez no proacuteprio

Nordeste no correr da primeira metade do seacuteculo XIX do sistema que hojedenominamos numa tentativa de sistemaacutetica socioloacutegica que vemdespertando adesotildees de monocultura latifundiaacuteria e escravocratapredominante na regiatildeo fecirc-la um mulato livre-pensador do Recife A P deFigueiredo

Charles Comte escreveu que dentro dos sistemas escravocratas natildeo sedesenvolvem no homem as faculdades criacuteticas De fato a aptidatildeo para acriacutetica de ideias e para a criacutetica social surge raramente num ar tatildeo abafadocomo a atmosfera dos grandes sistemas patriarcais e escravocratas Pareceque dentro deles as aptidotildees intelectuais ou se deixam vencer pelo encantodas formas mais sensuais de expressatildeo ndash a oratoacuteria a poesia de amor oromance sentimental ndash ou se desgarram para a matemaacutetica ou para amiacutestica O caso de Sousinha nascido no meio escravocrata do Maranhatildeo

Agraves vezes tem havido desgarrados para o misticismo para a cabala paraum universalismo vago de crenccedilas um senhor de engenho de Pernambucojaacute deixou sua terra suas canas seus bois para ir viver entre os faquires e asvacas sagradas da Iacutendia Casos niacutetidos de evasatildeo

Antocircnio Pedro de Figueiredo foi um mulato do Nordeste que naprimeira metade do seacuteculo XIX e um pouco na segunda exerceu no Recifea criacutetica de ideias e a criacutetica social de modo agraves vezes surpreendente Eacute tal aindependecircncia e a sobriedade de alguns dos seus ensaios que se tem agravesvezes a impressatildeo de algueacutem que tivesse a vantagem da distacircncia ndashvantagem que a condiccedilatildeo de estrangeiro daacute quase sempre ao observador ndash acompletar-lhe a de intimidade profunda com o meio em que nasceu Natildeo secompreende que continue tatildeo na sombra tatildeo no escuro tatildeo dentro daalcunha que lhe deram os conterracircneos (sempre tatildeo apedrejadores dosprofetas) ndash a alcunha de ldquoCousin-fuscordquo ndash esse mulato que decerto natildeo foimenos significativo como revolucionaacuterio intelectual do meio escravocrata doNordeste e como criacutetico da organizaccedilatildeo patriarcal entatildeo predominante doque outros mulatos mais festejados Natividade Saldanha nos princiacutepios doseacuteculo XIX Tobias Barreto nos fins

A P de Figueiredo adjunto do Liceu de Pernambuco e redator-chefeda revista O Progresso eacute dos trecircs o que mais interessa a quem procuraestudar a histoacuteria intelectual e ao mesmo tempo a social da regiatildeo durante

o primeiro seacuteculo de independecircncia Porque em sua criacutetica social e de ideiasele soube resistir melhor que os outros agraves seduccedilotildees do planfleto da oratoacuteriae da demagogia por um lado e do exotismo por outro

Aos vinte anos ndash ainda um menino ndash jaacute Figueiredo traduzia do francecircspara o portuguecircs a histoacuteria da Filosofia de Victor Cousin Trabalho deminuacutecia de exatidatildeo e de pachorra em que se afirmava a disciplinaintelectual de que era capaz o adolescente do Recife Jouffroy diz-nos umbioacutegrafo de Figueiredo64 que foi entatildeo a sua grande leitura completada

pela de Owen de Fourier e parece que sobretudo pela de Saint-Simoncujas doutrinas socialistas procurou adaptar agraves condiccedilotildees e agraves necessidadesda regiatildeo

Porque o encanto da Filosofia Social desse mulato que aos vinte anos natildeofez versos mas traduziu Cousin eacute que teve sempre a tendecircncia para oestudo objetivo da economia da regiatildeo para a descriccedilatildeo e para a criacutetica dosistema latifundiaacuterio da cultura da cana predominante no Nordeste

Eacute possiacutevel que tenha tambeacutem atuado sobre ele no sentido desse criteacuterioregional de anaacutelise a obra riquiacutessima de sugestotildees de Charles Comte cujainfluecircncia se surpreende em vaacuterios outros publicistas brasileiros desdeFrederico Cesar Burlamaqui e Anselmo da Fonseca Mas se sente tambeacutemnele a influecircncia da nova Filosofia Social inglesa e ateacute alematilde

Em 1846 A P de Figueiredo escrevia no Recife na sua revista OProgresso ldquoSem duvida poderamos noacutes entoar sobre as lettras e as arteslongos dithyrambos cantar em phrases harmoniosas o seu alto valor social ecivilisador mas julgamos ser obra mais util ligar semelhante materia a umadas theses que mais acima estabelecemos quando enunciamos que o bemestar material eacute o antecedente logico dos progressos racionaes de todas asordensrdquo Sob esse criteacuterio talvez exagerado eacute que Figueiredo se ocupoucom tanta lucidez dos problemas regionais da agricultura e da induacutestriaparticularmente da questatildeo da grande propriedade que lhe parecia exigirsoluccedilatildeo urgente

ldquoA maior parte do territoacuterio da nossa provinciardquo ndash escrevia Figueiredo em1846 na mesma revista O Progresso65 referindo-se a Pernambuco ndash ldquoestaacute

dividida em grandes propriedades fragmentos das antigas sesmarias dasquaes mui poucas hatildeo sido subdivididas O proprietario ou rendeiro occupa

uma parte dellas e abandona mediante pequena paga o direito depermanecer em outra e de cultiva-la a cem duzentas e algumas vezes aquatrocentas familias de pardos ou pretos livres dos quaes elle se tornaprotector natural mas delles tambem exigge obediencia absoluta e sobreelles exerce o mais completo despotismo Dahi resulta que as garantias da leinatildeo satildeo para estes malaventurados que entretanto compotildeem a maior parteda populaccedilatildeo da provincia mas para estes proprietarios dos quaes 3 ou 4reunidos pelos laccedilos do sangue da amizade ou da ambiccedilatildeo bastam paraaniquilar numa vasta extensatildeo de terras as forccedilas e influencia do governordquo

Parecia-lhe necessaacuterio estabelecer-se quanto antes uma classe meacutediaque seria em grande parte dos pardos e pretos livres Mas para isto impunha-se uma medida violentiacutessima que ele com um simplismo ainda de moccedilaromacircntica julgava faacutecil e praticaacutevel na eacutepoca ainda meio feudal dividir asterras por onde se estendiam os canaviais dos grandes senhores ldquoEacute misterque os indiviacuteduos pouco abastados possam obter terras e cultival-as com acerteza de gozar dos productos condiccedilotildees que hoje natildeo existem porque ossenhores de engenho ou de fazendas se recusam obstinadamente a venderqualquer porccedilatildeo destas terras fonte e garantia do seu poder feudal eporque o desgraccedilado morador que se arrisca a plantar fica aacute mercecirc doproprietario que o pode despedir de suas terras dentro de vinte e quatrohorasrdquo Para conciliar semelhante necessidade com ldquoo direito absoluto depropriedaderdquo Figueiredo bateu-se por um imposto territorial proporcional agravesuperfiacutecie possuiacuteda pelo senhor de engenho ou fazendeiro66 e nessa

campanha foi talvez a certos exageros de simplismo ideoloacutegico Apenas natildeochegou ao violento antilusismo de outros reformadores sociais do Brasil doseu tempo sensiacutevel como decerto estava ao fato de que mais de uma vezfora Portugal pelo seu rei que impedira ou atenuara no Brasilparticularmente no Nordeste mais feudalmente patriarcal abusos deprivativismo dos ricos em sua exploraccedilatildeo dos pobres Do que desde remotosdias coloniais fora exemplo a exploraccedilatildeo das praias pelos proprietaacuteriosdetida afinal por provisatildeo de 17 de julho de 1815 e pela nada despreziacutevelrevoluccedilatildeo social que se seguiu a esse ato de intervenccedilatildeo do governo a favordos pescadores

ldquoEm Pernambuco natildeo sei se por falta de industria ou por obstaculos

reaes q jaacute tem frustrado alguas tentativasrdquo ndash dizia Caetano Pinto deMiranda Montenegro em 18 de junho de 1816 em documento de que seencontra manuscrito na Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado ndashldquonatildeo haacute redes do alto nem armaccedilotildees como na Bahia e Rio de Janeiro opeixe eacute pescado em jangadas a linha ou em curraes de q haacute grandenumero por toda a costa do sul e do norte Estes curraes satildeo formados entrea praia e o arrecife com morotildees cravados no fundo tecidos com varas

atados com cipoacutes e satildeo compostos de 3 divisotildees ou repartimentos o 1o aque os pescadores chamam a sala eacute o mais espaccediloso e a sua porta daacute franca

entrada e sahida ao peixe o 2o a que chamam chiqueiro do meio eacute mais

apertado mais ainda o peixe entra e sahe o 3o a q chamam chiqueiro dematar tem menor extensatildeo e eacute constituido de maneira que o peixe natildeopode sahir ndash Aleacutem destes 3 repartimentos tem mais a chamada espia q eacutecomo uma caniccedilada ou espaldatildeo em muitos delles de 40 50 e 100 braccedilasde comprido feito com os mesmos morotildees e varas a qual espia serve deencaminhar o peixe para o curraacuteo Esta especie de armaccedilatildeo embaraccedila o uzocommum da praia e mar em q estaacute estabelecida pois o q fez o curraacuteo como seu trabalho e despeza quer desfrutal-o exclusivamenterdquo E acrescentava

ldquoOs proprietaacuterios das terras limitrophes aacute praia costumam arrendar ossitios q nellas tinhatildeo em q os pescadores faziam caza para vivenda e paraguarda de seus pobres utensilios A renda de cada sitio era relativa aos peacutes decoqueiros q nelle havia avaliando-se regularmente cada um em 12 vintenspor anno natildeo entrando em conta os coqueiros muito novos ou muitosvelhos por darem pouco ou nenhum fruto si o sitio comprehendia curraacuteoo arrendamento deste era separado e algumas vezes ateacute soacute se fazia a pessoadiversa sendo a renda mais commum e ordinaria segundo a melhor oupeior localidade de seus 10 mil reis Mas depois q a provisatildeo regia de 17 dejulho de 1815 declarou injusto e abuzivo tudo que se exigia pelo uso do mare praias levantaram-se a maior parte dos rendeiros contra os proprietarios enatildeo soacute natildeo pagatildeo como dantes a renda dos curraes mas nem a mesma rendado sitio querendo que este seja hua parte da praiardquo Atitude francamenterevolucionaacuteria de pescadores contra proprietaacuterios de terras semelhantes agravedos ldquomoradoresrdquo contra latifundiaacuterios estudada por Figueiredo

A tentativa de revoluccedilatildeo que houve na eacutepoca contra o baratildeo de BoaVista ndash revoluccedilatildeo tatildeo demagoacutegica ndash natildeo fez perder o equiliacutebrio nem a fleumaao socialista mulato do Recife Semelhante revoluccedilatildeo ldquonatildeo podia ter outroeffeito sinatildeo substituir a supremacia geral da familia Cavalcanti por umgrande numero de familias menos poderosas sem grande vantagem para amaior parte da populaccedilatildeo que se acha sempre curvada sob o jugo dafeudalidaderdquo Ningueacutem mais pronto a reconhecer os serviccedilos de Boa Vista edo proacuteprio Suassuna ao progresso da regiatildeo o mal que inquietava aFigueiredo natildeo era dos homens entatildeo no poder mas o do sistema depropriedade e de trabalho predominate Este sistema o de quase feudalismobaseado sobre a exploraccedilatildeo latifundiaacuteria da cana-de-accediluacutecar e sobre aescravidatildeo do negro O que temos procurado caracterizar em nossos estudossob a denominaccedilatildeo de monocultura latifundiaacuteria e escravocrata e a seumodo feudal e natildeo apenas patriarcal

Essa figura sugestiva de mulato intelectual da primeira metade doseacuteculo XIX pede um estudo agrave parte mas natildeo quisemos deixar de fazecirc-lapassar por estas paacuteginas com o relevo de suas qualidades mais evidentes decriacutetico social num meio tatildeo desfavoraacutevel a tais pendores como o Nordestepatriarcal do seacuteculo passado O ldquoCousin-fuscordquo eacute inseparaacutevel da histoacuteria dacana-de-accediluacutecar no Nordeste O proacuteprio imperador tatildeo sensiacutevel agraves sugestotildeesintelectuais sobretudo agraves de cor filosoacutefica eacute possiacutevel que se tivesse deixadoinfluir pelas reflexotildees de Figueiredo quando precisamente na eacutepoca demaior atuaccedilatildeo do criacutetico do Recife ndash 1840 a 1850 ndash decidiu enfrentar comfirmeza a prepotecircncia dos grandes senhores dos canaviais

Outros publicistas se ocuparam entatildeo do assunto mas com ardor depanfletaacuterios Tal o padre Lopes Gama a quem natildeo faltou a coragem dedenunciar pelos nomes ndash e com toda a autoridade de sua condiccedilatildeo de padree de professor ndash alguns dos Cavalcantis e dos Regos Barros mais ricos daeacutepoca senhores de alguns dos latifuacutendios mais vastos do Nordeste naprimeira metade do seacuteculo XIX De denunciaacute-los como ladrotildees comocontrabandistas e como assassinos

Em Arruda Cacircmara com em Vilhena no padre Moniz Tavares como emFrederico Ceacutesar Burlamaqui em Nascimento Feitosa como em Abreu e Limaigualmente se encontram criacuteticas agraves vezes objetivas ao sistema latifundiaacuterio

e escravocrata do Nordeste Burlamaqui escrevendo em 1833 ndash sob ainfluecircncia niacutetida de Charles Comte ndash ocupou-se principalmente doMaranhatildeo ndash onde a criacutetica aos abusos da escravidatildeo fora iniciada por umhomem de gecircnio ndash o padre Antocircnio Vieira E Abreu e Lima fixou comagudeza criacutetica as condiccedilotildees regionais de luta de classe entre noacutes ndash colocircniade plantaccedilatildeo e depois impeacuterio de senhores e escravos

Mas a cor de panfleto tira a muitos desses ataques agrave aristocracia doscanaviais ndash ataques menos de homens a instituiccedilotildees que de homens contrahomens ndash o valor de criacutetica objetivamente social que se encontra nos escritosde Figueiredo Principalmente na sua seacuterie de pequenos ensaios algunsadmiraacuteveis publicados na revista O Progresso de 1846 a 1848

Esse esforccedilo de criacutetica ou de anaacutelise objetiva do sistema escravocrata elatifundiaacuterio do Nordeste teria na segunda metade do seacuteculo XIXcontinuadores muito mais brilhantes que Figueiredo Tavares Bastos eJoaquim Nabuco por exemplo Brancos finos de casa-grande desertandopara o lado dos negros e natildeo mulatos aristocratizados pela ascensatildeointelectual

E atraveacutes de todo o seacuteculo XIX vamos encontrar fazendo obra de criacuteticaou de anaacutelise quase socioloacutegica ao regime social predominante no Nordesteuma seacuterie de meacutedicos alguns educados na Europa

Mesmo quando meacutedicos de famiacutelias e um tanto sujeitos agrave economiapatriarcal das casas-grandes esses doutores do seacuteculo XIX souberam porinfluecircncia de sua formaccedilatildeo mais objetiva e mais cientiacutefica que a dosbachareacuteis e a dos cleacuterigos agraves vezes tambeacutem por sua condiccedilatildeo trepidante demulatos insatisfeitos desprender-se das acomodaccedilotildees ao sistemapredominante ndash o da lavoura latifundiaacuteria e escravocrata ndash e criticaacute-lo emalguns dos seus pontos mais delicados

O estudo da patologia individual levou-os ao estudo da patologia socialOs doentes levaram-nos agraves doenccedilas sociais A grande doenccedila raiz de quasetodas que era o sistema econocircmico dentro do qual o homem vivia ndash amaioria negra e parda escrava da minoria paacutelida e todos escravos da canaEscravos do accediluacutecar

Natildeo foi outro o caso de Aquino Fonseca um dos vaacuterios meacutedicos doNordeste educados na Europa ndash os Arruda Cacircmara os Simpliacutecio Mavignier

os Joaquim Serpa ndash a quem mais do que a bachareacuteis e a cleacuterigos devemos opouco de criacutetica objetiva que nos resta da fase mais intensa da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Brasil feita pelos proacuteprios contemporacircneos filhos da regiatildeo Erameles decerto os menos amolecidos pelas influecircncias e pelos abafos do meiona sua capacidade de introspecccedilatildeo de observaccedilatildeo de anaacutelise dediagnoacutestico social E viram os grandes males ligados agrave ordem social entatildeopredominante A prostituiccedilatildeo ndash para a qual concorriam os proacuteprios grandessenhores das terras de accediluacutecar e os seus filhos e os filhos dos seus compadreso Recife se enchendo de molecas e mulatas defloradas pelos maisdesabusados dentre eles A siacutefilis A maacute alimentaccedilatildeo O vestuaacuterio improacuteprioAs maacutes condiccedilotildees de habitaccedilatildeo O transporte e a venda de aacutegua em canoimundas

Conveacutem lembrar que desde Guilherme Piso trazido pelo conde deNassau a Pernambuco em 1637 como chefe do serviccedilo sanitaacuterio do Brasilholandecircs se iniciara no Nordeste o estudo das condiccedilotildees sociais da regiatildeo aolado do estudo propriamente meacutedico ou nosoloacutegico E esse estudo jaacute debaixode criteacuterio ecoloacutegico Ao mesmo tempo que as doenccedilas e as suas condiccedilotildeesnaturais e sociais da regiatildeo Piso procurou estudar as plantas do Nordesteconhecidas dos indiacutegenas que pudessem servir ao tratamento dos males aquiencontrados Ele jaacute nos fala da ipeca e da copaiacuteba de outras plantas quedois seacuteculos depois seriam a paixatildeo de Joaquim Jerocircnimo Serpa no seu quasenativismo meacutedico na sua quase mania de empregar no tratamento dosdoentes as drogas da regiatildeo de preferecircncia agraves exoacuteticas67 Do mesmo modo

que outros patriotas do seacuteculo XVIII e principalmente do XIX insistiram emcomer farinha de mandioca em vez de patildeo de trigo e em beber aguardentede cana em vez de vinho Parece que houve mesmo um nativismo religiosoou lituacutergico de que o grande bispo Azeredo Coutinho daacute sinal o uso dobenjoim em vez de incenso nas igrejas de Pernambuco68 E na arte da

renda o uso de material da regiatildeo ndash espinhos fibras etc ndash em substituiccedilatildeo amaterial tradicionalmente europeu

Destaque-se de passagem um traccedilo que bem caracteriza a inteligecircnciaou pelo menos o bom senso que orientou a poliacutetica portuguesa com relaccedilatildeoao Brasil o interesse da metroacutepole pelo conhecimento daquelas plantasregionais que pudessem beneficiar tambeacutem outras populaccedilotildees no reino e

nas colocircnias da Aacutefrica e da Aacutesia Nos vaacuterios volumes de Correspondecircncia daCorte que os nossos arquivos guardam como nos maccedilos de ricadocumentaccedilatildeo sobre o Brasil que se conservam no Arquivo do Ultramar ouHistoacuterico Colonial em Lisboa eacute frequente o pesquisador deparar comreferecircncias ao assunto A esse interesse deve-se tambeacutem o fato de terem sidotraduzidas e aclimadas no Nordeste vaacuterias plantas uacuteteis de outras regiotildeestropicais cuja cultura experimentada nos hortos del-rei soacute natildeo se propagoufacilmente entre noacutes devido ao exclusivismo dos proprietaacuterios das terras decana

Junto a esses saliente-se de passagem que procuraram tambeacutem agiralguns admiradores portugueses como D Fernando Joseacute de Portugal nosentido natildeo soacute da policultura como da adoccedilatildeo de meacutetodos mais adiantadosde cultura por exemplo no de se queimarem nas fornalhas dos engenhosldquoas canas jaacute moidas como praticam os inglezes e francezes nas Antilhasrdquo nosentido ainda do emprego de arados para cultivar as terras Eacute o que nos fazver a carta do mesmo D Fernando de 28 de marccedilo de 1798 que se conservaem manuscrito no Arquivo do Ultramar em Lisboa

Joatildeo Ferreira da Rosa o primeiro fiacutesico a ser enviado pela metroacutepoleportuguesa a Pernambuco com o fim de estudar a ldquoepidemia de malesrdquo quena segunda metade do seacuteculo XVII ameaccedilou de destruir a civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste do Brasil eacute outra figura do meacutedico que ficou associada agravehistoacuteria social da regiatildeo outra figura de teacutecnico que encarnou entre noacutesnatildeo apenas o bom senso da administraccedilatildeo colonial portuguesa mas ateacute a suatendecircncia para dar soluccedilatildeo cientiacutefica a problemas brasileiros

Diz-se que o Nordeste tivera suas condiccedilotildees de higiene melhoradasdurante o domiacutenio holandecircs e eacute provaacutevel que tal houvesse sucedido pelomenos no Recife e nos seus arredores com as obras de engenharia eprincipalmente com o sistema de canais de que o conde Joatildeo Mauriacutecio deNassau dotou a capital do accediluacutecar e no interior com as medidas tomadaspor ele contra os desmandos da monocultura da cana e a favor da plantaccedilatildeode legumes e de cereais pelas terras dos engenhos Estas medidas teriam-serefletido de modo favoraacutevel sobre a sauacutede da populaccedilatildeo Aleacutem disso odomiacutenio holandecircs nos teria trazido o saber meacutedico dos doutores judeus deAmsterdatilde e por consequecircncia melhor assistecircncia meacutedica e higiecircnica aos

habitantes do Nordeste Diz-se que a cidade da Bahia jaacute no seacuteculo XVII seapresentava cheia de meacutedicos judeus E do Recife Israel veria sair um dosseus maiores doutores em medicina de todos os tempos o grande Velosino

Joatildeo Ferreira da Rosa veio para Pernambuco quando as condiccedilotildees desauacutede puacuteblica eram peacutessimas na capitania E natildeo lhe escaparam asinfluecircncias de natureza social que estariam concorrendo para situaccedilatildeo tatildeoterriacutevel ldquoa costumancia nos peccados ou desregrados costumesrdquo Em Olindajaacute o pregador dissera alarmado com tanto pecado e com tanto luxo ndash oshomens soacute querendo vestir seda e veludo os cavalos ajaezados de prata asmulheres cobertas de peacuterolas rubis esmeraldas e diamantes as senhoras e asfilhas dos senhores de engenho e de outros homens afazendados trajandotatildeo ricamente como na corte de Madri ldquoOlinda seraacute abrazada por Olandardquo

Sabe-se pelos cronistas do seacuteculo XVII que no Nordeste principalmenteno Recife ndash que desde 1630 com o incecircndio de Olinda foi tomando relevona paisagem da regiatildeo ateacute tornar-se a verdadeira metroacutepole do accediluacutecar ndash erairregulariacutessima a vida sexual favorecendo a siacutefilis e as doenccedilas veneacutereas econtribuindo para o grande nuacutemero de crianccedilas ilegiacutetimas enorme aprostituiccedilatildeo ostensiva na cidade e um tanto disfarccedilada mas talvez aindamais brutal pelos engenhos

Com a falta de viacuteveres na regiatildeo (onde quase soacute se plantava cana e umpouco de mandioca) importava-se com toda a regularidade de Portugal edas Canaacuterias grande quantidade de alimento ldquoquarenta e cinco navios seempregavam anualmente no comeacutercio de transporte de gecircneros deimportaccedilatildeordquo69 lembra Pereira da Costa referindo-se a Pernambuco no

seacuteculo XVI Quase o mesmo excesso de importaccedilatildeo de viacuteveres continuariaatraveacutes do seacuteculo XVII Junte-se a isto o grande nuacutemero de navios que ocomeacutercio de accediluacutecar trazia a Pernambuco e agrave Bahia ndash no seacuteculo XVIaumentado pelos barcos de volta do Peru ndash e tem-se a ideia da frequecircnciade contatos do Nordeste atraveacutes do seu primeiro seacuteculo de civilizaccedilatildeoaccedilucareira com a Europa e com outras partes do mundo com as Canaacuterias ecom o Peru por exemplo com a Aacutefrica a Iacutendia e a China Terras donde osaristocratas brasileiros do accediluacutecar faziam vir seus adornos de sala seusmarfins seus chapeacuteus de sol e suas bengalas mais finas ndash ateacute o seacuteculo XIXinsiacutegnias de mando traccedilos de vida fina tatildeo particularmente caracteriacutesticos

do homem nobre da gente fidalga e volutuosa do NordesteSe desde tempos remotos anteriores agrave colonizaccedilatildeo agraacuteria jaacute esta parte

do Brasil recebera muito salpico de sangue europeu do Norte ndash o dosnormandos louros traficantes de pau-brasil tantos dos quais se deixaramficar pelas praias sombreadas de cajueiro colhendo madeira para os navios eemprenhando caboclas ndash essa infiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico soacute faria seacentuar atraveacutes dos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo agraacuteria O accediluacutecar quetrouxe para a Nova Lusitacircnia com Duarte Coelho colonos tatildeo soacutelidos donorte de Portugal natildeo soacute atraiu para aqui de outras terras muitoaventureiro de nome ilustre como segundo tudo indica aventureirosnoacuterdicos de menor porte

Durante o domiacutenio holandecircs sabe-se que o litoral do Nordeste se encheude flamengos alematildees e ingleses Soldados e mercenaacuterios que deixaram noNordeste muito filho mulato ou mameluco apesar das tentativas de certasautoridades holandesas no sentido de conservar riacutegida a separaccedilatildeo debrancos e dos negros Eacute o que nos mostra confirmando nossas antecipaccedilotildeessobre o assunto manuscrito inglecircs do seacuteculo XVII referente ao Nordestedominado pelos flamengos70

Moreau se refere ao grande cruzamento entre noacuterdicos judeusportugueses negros e iacutendios que dava agrave populaccedilatildeo do Recife holandecircs umavariedade extraordinaacuteria de cor Houve casamentos entre holandeses emulheres portuguesas ndash casamentos e natildeo simples uniotildees Estes casamentosnatildeo teriam sido em nuacutemero insignificante como imaginam alguns Sabe-seque soacute uma viuacuteva pernambucana da melhor nobreza do accediluacutecar casousucessivamente com dois holandeses ndash o que mostra que natildeo eramimpossiacuteveis as uniotildees de mulher de famiacutelia ou origem catoacutelica comprotestantes

O que deve ter sucedido no Nordeste ndash de modo mais difuso talvez ndash eacute omesmo que sucedeu em Faial de maneira mais concentrada Aiacute foi grande acolonizaccedilatildeo flamenga iniciada por Job van Hurter Mas cerca de cem anosdepois quase natildeo se surpreendia nos nomes de famiacutelia vestiacutegio algum dospovoadores holandeses Tinham sido absorvidos pelos portugueses do mesmojeito que no Nordeste a populaccedilatildeo luso-brasileira suplantou rapidamente oelemento holandecircs os remanescentes Suplantou-os natildeo soacute pela

superioridade em nuacutemero como pela melhor adaptaccedilatildeo do portuguecircs aomeio tropical

E dado o predomiacutenio da liacutengua portuguesa aqui como na ilhacompreende-se como os nomes proacuteprios e os apelidos de famiacutelia dosholandeses que se uniram a senhoras ou moccedilas luso-brasileiras do Nordeste ndashnomes difiacuteceis de pronunciar e sempre com um ranccedilo de heresia ndash seestropiaram a ponto de natildeo permitirem a identificaccedilatildeo de sua origem ou sedissolveram em nomes portugueses e catoacutelicos Em Faial diz-se que jaacute foipossiacutevel identificar o apelido de famiacutelia Horta que por todos os motivosparece tatildeo portuguecircs como o de Hurter o patriarca da colonizaccedilatildeoflamenga da ilha o de Terra com Aertrijche Bruyn laacute como aqui deuBrum

As pesquisas genealoacutegicas sobre a gente do Nordeste ainda natildeo chegaramao trabalho tatildeo delicado e difiacutecil de identificaccedilatildeo de nomes portuguesescom holandeses Tais pesquisas sabe-se que quase se limitam aos cadernosque nos deixaram Jaboatatildeo e Borges da Fonseca tanto um como o outrodominados pela preocupaccedilatildeo de dourar o mais possiacutevel os apelidos defamiacutelia da regiatildeo Lopes Gama com a franqueza de sempre levanta sobre aintegridade do trabalho de Borges da Fonseca as maiores duacutevidas segundo opadre-mestre o manuscrito teria sofrido mais de uma adulteraccedilatildeo seacuteria Enatildeo eacute difiacutecil de admitir que agrave preocupaccedilatildeo de nobreza dos genealogistas daregiatildeo tenha acompanhado a de ortodoxia catoacutelica procurando-se em geralesconder qualquer desvio ou aparecircncia de desvio dessa ortodoxia sugeridapor nome menos latino e ao mesmo tempo menos catoacutelico que natildeo estivesseostensivamente purificado da mancha de heresia O caso de Gaspar van derLey que se fez catoacutelico com tanto alarde

O que se pode afirmar eacute que ainda hoje a populaccedilatildeo do Nordeste acusaem sua antropologia a persistecircncia de traccedilos noacuterdicos Eacute o caso de famiacuteliasde boa ascendecircncia rural da aacuterea mais profunda de civilizaccedilatildeo de accediluacutecar osWanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso por exemplo os Rabelo de NossaSenhora do Oacute de Goiana certos Lins da Paraiacuteba Muitos deles satildeo indiviacuteduosruivos e de olhos azuis as bochechas agraves vezes cor-de-rosa como as doshomens do norte da Europa em contraste com os Pontual os Sousa Leatildeo osGuedes Pereira os Santos Dias quase sempre muito morenos Ou entatildeo

paacutelidosEacute tambeacutem o caso de famiacutelias mais simples dos sertotildees do Nordeste

pastoril e meio nocircmade Para aiacute teriam talvez se deslocado do litoralescravocrata e sedentaacuterio ndash da aacuterea da cana-de-accediluacutecar do Nordeste agraacuteriondash quase todos os louros com a consciecircncia de raccedila mais viva e o espiacuterito deaventura mais forte Essa mobilidade talvez menos por uma questatildeo de raccedilacomo acreditaria um arianista do que por motivo de hereditariedade eprincipalmente de constituiccedilatildeo individual como sugerida talvez ummoderno estudioso de biotipologia E ainda por motivos psicoloacutegicos sociaiseconocircmicos Seriam tais louros em alguns casos restos de normandos ou deflamengos do seacuteculo XVI de alematildees ingleses e franceses dos tempos dainvasatildeo holandesa Figuras de aventureiros inadaptados ao sistemaeconocircmico ou agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar com as suas exigecircncias quer desedentariedade quer de capacidade econocircmica para a instalaccedilatildeo faustosa defaacutebrica e de famiacutelia Exigecircncias difiacuteceis de satisfazer por gente tatildeo sem gostoe sem haacutebitos de fixidez e ao mesmo tempo tatildeo sem dinheiro Incapaz de seachatar com os mulatos com os caboclos com os portugueses brancos quasesem consciecircncia nenhuma de raccedila em simples moradores dos engenhos ndashsituaccedilatildeo que os forccedilaria ao comeacutercio sexual com gente de cor e que osobrigaria a uma subordinaccedilatildeo de vassalos das casas-grandes

Koster encontrou nos sertotildees do Nordeste ldquopessoas de tal alvura que naEuropa seriam admiradasrdquo71 Mas em geral o que notou o inglecircs no Nordeste

pastoril foi uma grande variedade de cor da populaccedilatildeo da branca agrave trigueiraE Tollenare escreveu dos homens do Nordeste pastoril que eram

ldquorobustos corajosos ativos e inteligentesrdquo realizando trabalhos que os negrosdo litoral talvez menos aacutegeis natildeo realizavam que o seu porte era ldquoaltivo eindependente como os dos montanhesesrdquo que o maior nuacutemero era desangue mesclado de branco e de iacutendio72

Talvez os mesmos motivos jaacute sugeridos para explicar a presenccedila de gentetatildeo alva no sertatildeo expliquem o possiacutevel deslocamento de elementos judeusdo litoral e principalmente da aacuterea mais profundamente dominada pelalavoura da cana-de-accediluacutecar e pelo olhar da Inquisiccedilatildeo para o Nordestepastoril que porventura guarda mais do que o agraacuterio traccedilos semitas em suapopulaccedilatildeo Semitas e ciganos Em certos trechos o Nordeste do pastoreio se

apresenta com um perfil antropoloacutegico e psicoloacutegico nitidamentediferenciado do da gente do litoral e da ldquomatardquo O perfil psicoloacutegicoapresenta talvez maiores pontos de semelhanccedila com o de certo tipo antigode paulista andejo empreendedor bandeirante do que com o do homem doNordeste agraacuterio Gente mais volutuosa e mais arredondada pelasedentariedade Gente que no seacuteculo XVII se mostrava incapaz da eficiecircnciamilitar dos bandeirantes contra os negros dos quilombos como salientaAfonso de E Taunay em sua obra monumental sobre as bandeiras E nosnossos dias incapaz de accedilatildeo colonizadora dos cearenses no Amazonas Doscearenses e dos paraibanos sertanejos

Resta salientar que o fato do esplendor do accediluacutecar no Nordeste teratraiacutedo desde o seacuteculo XVI tantos navios e tantos mariacutetimos e no seacuteculoXVII tantos soldados mercenaacuterios e aventureiros e tantas prostitutas donorte da Europa natildeo pode deixar de ter contribuiacutedo cacogenicamente paraa miscigenaccedilatildeo no Nordeste As uniotildees ou cruzamentos de tais indiviacuteduoscom mulheres da terra e com as negras da Aacutefrica se teriam verificado emcondiccedilotildees sociais as mais desfavoraacuteveis para os filhos e alguns teriamtransmitido agrave prole tatildeo infeliz o peso da inferioridade bioloacutegica e natildeo apenassocial

Mas entre os mercenaacuterios entre os soldados entre os aventureiros emariacutetimos estariam elementos satildeos animais vigorosos noacuterdicos de belaestampa que teriam deixado no Nordeste bastardos do tipo dos mulatos daAacutefrica holandesa estudados por Fischer sararaacutes bonitos mesticcedilos eugecircnicose nem sempre moleques feios pardos cocogecircnicos mesticcedilos desengonccedilados

Para o nuacutemero possivelmente maior no Nordeste da cana-de-accediluacutecar doque no outro de doacutelicos e principalmente de mesoceacutefalos parece terconcorrido ndash talvez com outras influecircncias do meio e de dieta ndash essainfiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico reforccedilada pela presenccedila muito maior emterras de cana de escravos africanos em sua maioria mesoceacutefalos e natildeobraquiceacutefalos como em grande nuacutemero os indiacutegenas da regiatildeo

Eacute verdade que a seleccedilatildeo de africanos para a lavoura no extremoNordeste parece que se fez principalmente no sentido do cambinda ou dobenguela que seriam os mais vigorosos e os mais aptos para a agricultura dacana e para a induacutestria do accediluacutecar Eacute a informaccedilatildeo de Tollenare baseado no

que viu em Pernambuco e no que aqui lhe disseram nos princiacutepios do seacuteculoXIX Negros portanto sem as formas alongadas dos africanos mais altos edinacircmicos Tollenare fala mesmo nas pretas a quem fazia falta um pescoccedilolongo Eacute que a maioria dos negros dos engenhos do extremo Nordeste seriamcambindas e benguelas congos e angolos Negros bacircntus Por conseguinteem grande nuacutemero ldquode pequena estatura tronco possante membros curtospantorrilhas bem desenvolvidasrdquo Como lembra Bastos de Aacutevila em suacolaboraccedilatildeo para os Novos estudos afro-brasileiros ldquoO sudanecircs seria umatleta na concepccedilatildeo de Kretschmer o Bacircntu um piacutecnicordquo

Barleacuteus notara no seacuteculo XVI que os melhores trabalhadores agriacutecolasdentre os escravos importados para o Nordeste eram os da Angola os taisnegros piacutecnicos soacutelidos e peacutes-de-boi Nina Rodrigues nos seus estudos sobrea procedecircncia dos africanos colonizadores do Brasil daria aos elementosbacircntus ndash ao angola e congo principalmente ndash predominacircncia na colonizaccedilatildeonegra de Pernambuco e ao elemento sudanecircs grande maioria na da BahiaDa Bahia em geral sem particularizar a aacuterea do accediluacutecar Eacute tambeacutem aconclusatildeo de Artur Ramos hoje o maior especialista brasileiro em assuntosafricanos de Pedro Calmon e de Renato Mendonccedila dois outrospesquisadores de nota

Como a importaccedilatildeo dos negros para o extremo Nordeste parece natildeo terobedecido tanto quanto para a Bahia a necessidades urbanas ao lado dasrurais nem a desejos esteacuteticos e amorosos de comerciantes sem famiacuteliaregular ou mais exigentes que os senhores de engenho em assuntos dehareacutem mas quase exclusivamente aos interesses da lavoura da cana e dainduacutestria do accediluacutecar pode-se supor com bons fundamentos que acolonizaccedilatildeo africana da aacuterea da cana se conformou principalmente agravequelasexigecircncias As exigecircncias de uma lavoura e de uma induacutestria que pedindovigor fiacutesico ao operaacuterio ndash o vigor fiacutesico e a sedentariedade do chamadopiacutecnico ndash exigia tambeacutem uma experiecircncia agriacutecola e um grau deadiantamento teacutecnico que natildeo podiam oferecer por exemplo osbosquiacutemanos e hotentotes

Eacute certo que atraveacutes dos anuacutencios de escravos fugidos nos jornais dePernambuco ndash principalmente no Diaacuterio de Pernambuco ndash surpreendem-se traccedilos ou evidecircncias da presenccedila entre os negros do extremo Nordeste

desse elemento mais atrasado em cultura e do ponto de vista do vigor fiacutesicoe do ideal europeu de beleza menos desejaacutevel a pouca altura os peacutes aindamais apapagaiados que os dos outros a bunda grande empinada ouarrebitada Mas atraveacutes das proacuteprias evidecircncias dos anuacutencios de escravosfugidos o tipo predominante de negro no extremo Nordeste parece ter sidoo de altura regular ou mediana forte de corpo possante de tronco natildeomuito preto bonita figura bonitos dentes orelhas pequenas E quandoaparece a nota de procedecircncia ou esta se faz anunciar mais nitidamentepelos traccedilos de fisionomia pela cor da pele pela descriccedilatildeo do cabelo ou dopelo ou entatildeo pelas ldquomarcas de naccedilatildeordquo ou pelos sinais de tatuagem ndash essestraccedilos e sinais satildeo em grande nuacutemero de ldquonaccedilotildeesrdquo do Congo e da Angola

Pode-se concluir que a colonizaccedilatildeo africana do extremo Nordeste natildeo foitatildeo fina ndash nem do ponto de vista europeu de esteacutetica nem do de culturamoral e material ndash como a sudanesa que abrilhantou e enriqueceu de modotodo especial a Bahia Sobretudo ao que parece a Bahia urbana Mas foidominada por um tipo de negro forte e plaacutestico embora inferior agravequele emaltura delicadeza de traccedilos e elementos de cultura Geneticamente bom etecnicamente jaacute na fase agriacutecola apto ao serviccedilo da lavoura de cana que erao meio de seleccedilatildeo de negros para o Nordeste agraacuterio

Tollenare viu nos mercados de escravos do Recife ldquograndes latagotildeesmusculosos ocupados a fiar algodatildeordquo que lhe lembraram ldquoHeacutercules em casade Onfalerdquo73 Latagotildees que se adaptavam a uma variedade de trabalhos

sedentaacuterios ndash ateacute aos trabalhos de mulher Os mesmos negros fortes ele veriadepois curvados sobre as terras do engenho Salgado ndash os homens cortando ascanas as mulheres as enfeixando os carros de boi carregando os feixes doscanaviais para os engenhos Os mesmos pretos musculosos ele surpreenderiadebaixo dos telheiros dos engenhos levando as canas agrave boca das moendas efazendo-as passar pelos cilindros o nuacutemero de vezes suficiente ndash trabalhoque lhe pareceu exigir ldquocerto grau de inteligecircnciardquo e no qual se podiamadmirar ldquoas formas esbeltas e flexiacuteveis dos pretosrdquo agitando o mel com ascolheres e fazendo as transfusotildees alimentando o fogo das fornalhas comlenha verde transportando as focircrmas para a casa de purgar quebrando ospatildees de accediluacutecar cristalizados e purgados pondo o accediluacutecar para secarpilando-o encaixotando-o

Pelas proacuteprias exigecircncias da lavoura da cana e principalmente dateacutecnica da induacutestria do accediluacutecar repita-se que foi uma colonizaccedilatildeo de genteem grande parte robusta e com alguma experiecircncia agriacutecola e industrial Porconseguinte em estado de cultura superior ao dos indiacutegenas que sob apressatildeo desse elemento invasor fiacutesica e tecnicamente mais capaz de servirjunto com os bois de carro agraves necessidades do canavial se retirariam para ossertotildees para a lavoura de farinha de mandioca para a luta com bois brabos eos cavalos selvagens para as formas mais agrestes de pastoreio que ficousendo no Nordeste uma atividade mais de caboclos de mamelucos debrancos e quase brancos do que de pretos e de mulatos

O negro e o mulato do extremo Nordeste (o mulato resultante de umbranco na sua maioria do norte de Portugal e de um negro em grandenuacutemero bacircntu e segundo as melhores evidecircncias do Congo e da Angola) sechegaram aos sertotildees distinguindo-se no proacuteprio pastoreio e no proacutepriocangaccedilo foi por exceccedilatildeo concentraram-se principalmente ndash em grandeparte por imposiccedilatildeo do sistema de escravidatildeo que os trouxe da Aacutefrica oudebaixo do qual nasceram nas senzalas ndash no Nordeste da cana-de-accediluacutecar Alavoura da cana desenvolveu-se sobre o negro ndash ldquoos peacutes e as matildeos do senhorde engenhordquo dizia Antonil no seacuteculo XVIII A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar sobre omulato o curiboca o cabra da bagaceira a matildee-preta a mucama a ldquobaianardquo

Tollenare nos deixou sobre o fiacutesico do negro de engenho do Nordeste ndashque ele conheceu no iniacutecio do seacuteculo XIX ndash alguns traccedilos muito expressivosmenos robusto que o carregador francecircs poreacutem os movimentos menosduros o peito abaulado a coxa nervosa a pele negra luzidia desprovida depelos deixando perceber todo o jogo de seus muacutesculos muito moacuteveis osbraccedilos e sobretudo as pernas ndash justamente o que era menos deles e mais dossenhores ndash ldquode ordinaacuterio fracosrdquo diz o francecircs mas acrescentando ldquovinegros com formas de Apolordquo74

Quase se pode considerar o depoimento do observador francecircs umasiacutentese dos numerosos perfis antropoloacutegicos de pretos de engenho que nosfornecem os anuacutencios de negros fugidos nos jornais do Nordeste nos quaisentretanto a cor preta retinta eacute menos saliente que a ldquonatildeo muito pretardquoTambeacutem por esses anuacutencios passam negros com formas de Apolo as mesmasformas que Mansfield quarenta anos depois de Tollenare admiraria nos

pretos de Pernambuco Tambeacutem pelos anuacutencios passam em nuacutemero que sepode considerar representativo figuras esplecircndidas de negras como as que ofrancecircs conheceu nos engenhos de accediluacutecar de peito firme os ombros ebraccedilos bem modelados e algumas ldquoque se poderia qualificar de bonitas se opescoccedilo mais longo desse melhor desembaraccedilo agrave cabeccedilardquo Negros e negras depescoccedilo curto e peito abaulado e natildeo somente de formas alongadas como ossudaneses e que seriam talvez natildeo soacute por superioridade de cultura comopor constituiccedilatildeo individual os mais inclinados agrave aventura da fuga aomovimento agrave rebeldia contra os senhores brancos os menos acomodados agraverotina do trabalho de fazer accediluacutecar

No extremo Nordeste e no Recocircncavo da Bahia o elemento negro de boaorigem ndash quanto agrave sua composiccedilatildeo geneacutetica e quanto aos seus dotes decultura ndash juntou-se agraves vezes a portugueses em grande parte tambeacutem deboa composiccedilatildeo geneacutetica e de situaccedilatildeo social superior ndash os colonos de DuarteCoelho e seus descendentes por exemplo ndash para formar grupos de mulatosdos mais capazes de nossa populaccedilatildeo mesticcedila e que concorreriam para oenriquecimento natildeo soacute intelectual ndash como jaacute foi acentuado ndash maseconocircmico da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar em particular e da brasileira em geralForam os mulatos que se tornaram os mestres de accediluacutecar os maquinistas osmarceneiros os carpinteiros dos engenhos mais tarde engenheiros emeacutedicos dos muitos que a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar produziria jaacute na decadecircnciado seu patriarcalismo

Se a raccedila como lembram os antropoacutelogos modernos conta menos do quea composiccedilatildeo geneacutetica das populaccedilotildees o extremo Nordeste podeapresentar-se como uma regiatildeo particularmente bem dotada do ponto devista dos elementos que lhe serviam de base agrave colonizaccedilatildeo branca e negra desuas terras de cana os colonos de Duarte Coelho ndash e natildeo nenhum grupo dedegredados criminosos e aventureiros ndash do lado dos brancos e dosafricanos os negros em sua maioria bacircntus tambeacutem agraacuterios

E recolhidos em grande nuacutemero natildeo da parte inferior mas quasesempre da parte superior das tribos Agraves vezes eram vendidos como escravospara as plantaccedilotildees da Ameacuterica segundo recorda Herskovits75 referindo-se

agrave Aacutefrica Ocidental os candidatos malsucedidos aos tronos dos pequenosreinos eles suas famiacutelias e seguidores e os chefes que tinham combatido por

ele Grandes massas de gente da melhor da mais capaz da mais eugecircnica enatildeo os indesejaacuteveis do ponto de vista da moralidade das tribos como jaacutehouve quem insinuasse Aliaacutes podia-se dizer a esse respeito o mesmo que arespeito dos criminosos portugueses deportados para o Brasil nem todoseram desterrados por crimes que hoje considerariacuteamos crimes mas vaacuterios porpecadilhos de amor e de heresia

Tollenare conheceu em Sibiroacute uma negra de engenho com dois braccedilostorados pela moenda de espremer cana Uma mulher bonita de vinte e setea vinte e oito anos muito alegre e palradeira Teria sido um caso deincompetecircncia africana de incapacidade do negro para o trabalho maisdelicado do fabrico do accediluacutecar Natildeo A pobre negra de braccedilos torados era umcaso de acidente devido ao seu pouco haacutebito a qualquer espeacutecie de trabalhomanual Ela se chamava Teresa Rainha e era muito respeitada pelos outrospretos tinha sido rainha de Cambinda Surpreendida em pecado de amorfora condenada agrave escravidatildeo Chegara a Pernambuco com os braccedilos que amoenda haveria de comer ainda cheios de anelotildees de cobre dourado ndash sinalde rainha

De outros reis e rainhas destronados que trabalharam nos canaviais enas casas de purgar falam as tradiccedilotildees regionais Os incompetentes os quese deixavam torar facilmente pelas moendas ou eram criaturas que nuncatinham trabalhado por ser reis princiacutepes rainhas ou eram pretos doentesde banzo Inadaptados natildeo ao trabalho agriacutecola mas agrave escravidatildeo

Se muito negro fugiu dos engenhos ou trabalhou toda a vida semvontade nos canaviais natildeo se deve concluir daiacute que os pretos fossem todosuns malandros uns incapazes uns inadaptados agrave lavoura O proacuteprioabandono dos canaviais e dos engenhos de cana pelos pretos quando se deua aboliccedilatildeo natildeo pode servir de prova a favor do suposto ldquooacutedio agrave lavourardquo docolono africano do Brasil

Os que associam esse ldquooacutedio agrave lavourardquo do preto ou trabalhador brasileirode origem africana a uma suposta predisposiccedilatildeo de raccedila esquecem o amor agraveterra manifestado pelo preto na Aacutefrica e esquecem os meacutetodos eficientesde trabalhar no campo desenvolvidos por tantas tribos negras naquelas aacutereasde cultura africana baseadas sobre a lavoura

Ainda haacute pouco um rapaz africano que estudou em Oxford ndash e fez

depois conferecircncias nas escolas da Inglaterra e da Dinamarca sobre oscostumes e as aspiraccedilotildees de sua gente ndash Parmenas Githendu Mockeriereuniu em livro ndash livro prefaciado por Julian Huxley ndash natildeo soacute uma seacuterie deobservaccedilotildees curiosas sobre a vida em Kikuyu como alguns documentos designificaccedilatildeo social sobre o povo daquele paiacutes Um deles o depoimento doinglecircs J E Henderson perante a comissatildeo nomeada para investigar aquestatildeo de reserva de terras em Kikuyu

O observador inglecircs salientou aiacute o perigo que haveria em arrancar dosnativos ndash por violecircncia ou mesmo docemente por compra ndash sua terraagriacutecola agrave qual se achavam presos pelo trabalho e por todo um sistema devida e ateacute de religiatildeo Seria motivo para revoltas salientava o inglecircs Ou entatildeondash acrescenta-se ndash para uma forma de resistecircncia passiva mas terriacutevel paraqualquer colonizaccedilatildeo agraacuteria o desinteresse do homem nativo pelo trabalhoagriacutecola

O que se deve salientar eacute o seguinte que uma coisa eacute o homem dentrodo seu proacuteprio sistema de cultura e outra coisa eacute ele desenraizado dessesistema e sujeito pela conquista militar ou pelo regime de trabalho escravo aum gecircnero de vida artificial estranho aos seus desejos aspiraccedilotildees einteresses mais iacutentimos Foi o que se deu de modo geral com o colonoafricano do Brasil Ele foi arrancado violentamente do seu meio ndash quase soacute sefazendo questatildeo de suas matildeos de seus peacutes e de seus oacutergatildeos de procriar ndashpara tornar-se escravo num tipo de lavoura oposto agraves suas praacuteticas agriacutecolasEsse tipo de lavoura foi a grande plantaccedilatildeo a monocultura latifundiaacuteria

O fato de tanto preto aqui nas Antilhas e no sul dos Estados Unidos terse suicidado de raiva de dor de saudade foi apenas o aspecto mais traacutegicodo fenocircmeno de desenraizamento Matildeos peacutes e oacutergatildeos genitais que natildeosuportaram a separaccedilatildeo do resto do corpo ndash que era a tribo com a suareligiatildeo os seus ritos as suas danccedilas A dor do desenraizamento se exprimiutambeacutem numa seacuterie de atitudes menos dramaacuteticas Na falta de interessepela vida No banzo Na lombeira Na preguiccedila Na libertinagem Namasturbaccedilatildeo entre os moleques mais tristonhos Na inclinaccedilatildeo aomasoquismo entre os mais doacuteceis aos senhores e aos sinhozinhos brancos

Mesmo assim natildeo haacute duas opiniotildees sobre este ponto sem o trabalhadornegro ou de sangue africano o colonizador portuguecircs natildeo teria desenvolvido

nesta parte dos troacutepicos uma civilizaccedilatildeo agriacutecola que teveincontestavelmente virtudes entre os muitos e grossos defeitos Sem o negronatildeo teria havido colocircnia de plantaccedilatildeo no Brasil tropical natildeo teria havido acivilizaccedilatildeo de accediluacutecar que alcanccedilou talvez seu maior esplendor no extremoNordeste e no Recocircncavo da Bahia

Quando entre noacutes as matildeos e os peacutes escravizados do negro puderamjuntar-se ao resto do corpo e formar homens completos o africano deu umagrande prova do seu amor pela terra e do seu jeito para lavrar os camposEssa prova dos nove das qualidades agriacutecolas do negro foi Palmares Foi asociedade agraacuteria que aiacute se formou no seacuteculo XVII com pretos fugidos dosengenhos e caboclas raptadas agraves aldeias mais proacuteximas

Entre os negros dos Palmares o capitatildeo holandecircs Blaer encontrou tantaldquoroccedila abundanterdquo tanto milho tanta touceira de bananeira ndash aleacutem da cana-de-accediluacutecar do feijatildeo da mandioca e das muitas palmeiras ndash que a paisagemcontrastava com a dos engenhos soacute canavial e resto de mata A dos Palmarestinha outra variedade e outra alegria

A vida da curiosa organizaccedilatildeo socialista estava baseada sobre apolicultura embora entre os quilombolas o complexo da palmeira tivesseassumido uma grande variedade de expressotildees nas palmas grandes faziamos mucambos e as camas onde dormiam das palmas menores abanos paraabanar o fogo das quengas de coco pequeno cachimbos e provavelmentecuias e cocos de beber aacutegua ndash ainda tatildeo comum entre nossa gente do povo

Ainda se utilizavam da palmeira comendo o creme ou o catarro doscocos e fazendo azeite manteiga e uma espeacutecie de ldquovinho de cocordquoProvavelmente tambeacutem o sabongo ndash doce de coco com mel de cana quaseem ponto de bala Natildeo desprezavam tampouco uns bichinhos gordos dagrossura de um dedo que se criavam das palmeiras e que para eles eramcomo se fossem pitus do rio Una para o brancos nas casas-grandes

Se na Aacutefrica o negro natildeo se revelou invariavelmente o ldquomau agricultorrdquode que fala Azevedo Amaral em estudo recente ndash ldquomau agricultorrdquo ldquomaulavradorrdquo e preferindo sempre ao trabalho na terra o da pecuaacuteria e o damanipulaccedilatildeo de metais ndash no Nordeste ele deu este exemplo de aptidatildeo paraa lavoura Palmares Na Aacutefrica houve aacutereas de cultura cuja organizaccedilatildeosocial ndash fortemente superior agrave dos nossos indiacutegenas ndash se baseou toda sobre o

trabalho agriacutecola ndash como no Sudatildeo Ocidental e no Congo por exemplo noNordeste do Brasil os negros fugidos souberam tambeacutem organizar-se numaverdadeira colocircnia agriacutecola de feiccedilatildeo socialista

O ldquomau agricultorrdquo que se enxerga no negro e no trabalhador brasileirode origem africana eacute provavelmente outro caso daqueles de deformaccedilatildeo dohomem causada pelo sistema de exploraccedilatildeo da terra aqui dotado ndash amonocultura o latifuacutendio a escravidatildeo a coivara a derrubada Tudo issotira o amor do homem agrave lavoura ndash do branco como do preto do senhor comodo escravo e reduz a terra a um monturo que se explora com nojo

Querer ligar natildeo soacute o desinteresse atual do preto ou do mulato pobrepela lavoura como a deserccedilatildeo dos campos pelos trabalhadores negros ndashdeserccedilatildeo que de fato se verificou aqui nas Antilhas e no sul dos EstadosUnidos agraves primeiras notiacutecias de aboliccedilatildeo e antes por grupos revoltados pelosquilombolas e mucambeiros ndash a uma questatildeo de raccedila a um oacutedio especial daraccedila africana ao trabalho agriacutecola eacute que seria torcer um fenocircmeno de causasnitidamente sociais para acomodaacute-lo a um ldquoracismordquo muito suspeito quasesem nenhum cheiro de ciecircncia e com um odor cada dia mais carregado deintenccedilatildeo poliacutetica

A verdade eacute que ainda hoje os xangocircs afro-brasileiros do Nordesterecordam em alguns dos seus cantos mais doces e dos seus movimentos dedanccedila mais expressivos os velhos gestos de semear e de colher o culto daterra a alegria no trabalho agriacutecola o regozijo pelo fruto ou pela espigamadura Toda uma miacutestica do trabalho agriacutecola

50 Seguimos aqui a ideia do professor E A Hooton da Universidade deHarvard sobre a possibilidade de formaccedilatildeo de novas raccedilas pelamiscigenaccedilatildeo adaptando essa ideia ao caso brasileiro do Nordeste ParaHooton vaacuterios grupos humanos classificados como raccedilas satildeo antes ldquothe endproducts of outbreeding followed by intensive imbreeding and selectionrdquo(ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82 july 1935) Ideiasemelhante eacute a de ldquomesticcedilagem fixadardquo que o professor A Austregeacutesilo opotildeeentre noacutes ao arianismo outrora defendido com intransigecircncia sectaacuteria peloeminente professor Oliveira Viana Veja-se a este respeito o trabalho de AAustregeacutesilo em Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 192751 D Domingos do Loreto Couto Desagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambuco ndash 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais da BibliotecaNacional do Rio de Janeiro vol XXIV)52 Mansfield op cit53 Manuscrito no arquivo particular do engenho Noruega54 Manuscrito no arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute (Pernambuco)55 Do fato teve a intuiccedilatildeo Francisco Freire Alematildeo ao escrever em suamonografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicada em 1856 e reimpressa peloMinisteacuterio da Agricultura em 1929 ldquoTodo o litoral americano eespecialmente o do Brasil era devassado por navios europeus em viagens deexploraccedilatildeo ou com o fim de traficar com os indiacutegenas e seguramente nelesvinham as cana-de-accediluacutecar tomadas nas arribadas que faziam em algumasdas ilhas Canaacuterias ou de Cabo Verde para refresco da gente ou quem sabe semesmo como um desses regastes de pouco valor com que angariavam ospobres americanos e lhes pagavam o seu trabalhordquo Que a cana era um bomrefresco para viagens do mar vecirc-se por estas palavras do padre ThomazCage ldquoPartindo de Guadalupe chupaacutevamos cana-de-accediluacutecar que sempretiacutenhamos na bocardquoO provaacutevel entretanto eacute que no Nordeste do Brasil o caju eacute que tenhaprincipalmente beneficiado adventiacutecios ou europeus arribados comobeneficiava os indiacutegenas da regiatildeo Com efeito nutroacutelogos modernos agravefrente dos quais o professor Dante Costa em seus estudos de frutas ouvegetais brasileiros vecircm atribuindo ao caju a maacutexima importacircncia comoalimentoDeste fato a gente da regiatildeo haacute seacuteculos demonstra ter a intuiccedilatildeo dado ogrande uso por nobres de casas-grandes de engenhos e de sobrados e porescravos de senzalas por pobres de mucambos e ateacute por animais ndash o boi deengenho entre eles ndash do caju e da castanha sob vaacuterias formas o frutofresco seco como doce de calda o suco a garapa o vinho o licor acastanha assada farinha de castanha etc Sabe-se que o caju sempre foimuito chupado pela gente dos engenhos de accediluacutecar antes dos banhos de rioTambeacutem em fatias com a feijoada ndash como a laranja pela gente do Rio deJaneiro ndash e como vaacuterios outros pratos Unido ao accediluacutecar como doce de cajuem calda ou seco pode ser considerado o doce mais teluacuterico da regiatildeo Osoutros aliados principais do accediluacutecar ndash a goiaba o araccedilaacute o coco a jaca amanga o abacaxi ndash natildeo satildeo superiores ao caju como expressotildees regionais daharmonia do homem com os valores nativos ou aclimados de vegetaccedilatildeo56 Daiacute ser fixado um tipo de aristocracia do Nordeste da cana-de-accediluacutecarcujo perfil antropoloacutegico pode ser levantado atraveacutes dos numerosos retratosque nos restam dos grandes senhores de engenho da regiatildeo Retratos doseacuteculo XVIII e principalmente daguerreoacutetipos e fotografias do seacuteculo XIXEm Pernambuco Augusto Rodrigues reuniu interessante coleccedilatildeo de

fotografias de titulares pernambucanos ndash em sua grande maioria aristocratasdo canavial Homens quase sempre altos e alguns deles figurasesplendidamente eugecircnicas Em outros se surpreendem traccedilos deenlanguescimento Principalmente em senhorasSobre os aristocratas ou brancos da casa-grande da Bahia escreveu J B Saacute deOliveira no seu sugestivo estudo publicado em 1898 Evoluccedilatildeo psiacutequica dosbaianos ldquoQuase sempre esses baianos possuem a estatura dos ascedentesmas revelam no todo qualquer coisa de degenerescecircncia fiacutesica Explica-se ofato pelas uniotildees conjugais dentro de esfera mui limitada a fim de natildeointroduzirem na famiacutelia sangue que revele a condiccedilatildeo de ex-escravo Aleacutemdisso a indolecircncia nos nobres e o desprezo do trabalho confiado aos homensde cor contribuiacuteram ao influxo dos costumes indiacutegenas para a depressatildeo devitalidade orgacircnica sendo tudo agravado pela accedilatildeo do climardquo57 Manuscrito da correspondecircncia da Corte Livro 25 Arquivo da antigacapitania de Pernambuco Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambucoJaacute em 13 de agosto de 1814 Caetano Pinto de Miranda Montenegro entatildeono governo da capitania de Pernambuco escrevera do Recife ao marquecircs deAguiarldquoIllmoordm Exmordm Senhor No dia 27 de maio espalhou-se hum boato nesta villade que os pretos acedihavatildeo hum levante no dia do Espiacuterito Santo e postoque os indicios se desvaneciatildeo aacute medida que eratildeo examinados foi tatildeo grandeo susto com os propemos exemplos da Bahia nas vozes que o cauzavatildeosoaratildeo tanto nos ouvidos dos escravos que eu natildeo podia deixar algumasmedidas para tranquilizar os animos assustados para fazer conhecer aosmesmos escravos o prompto castigo que achariatildeo se meditassem alguacoisardquo Mandando ldquono mesmo dia 27 render todas as guardas por tropasmilicianas para ficar desembaraccedilado o regimento de linha o qual seconservou em armas no quartelrdquo e tomando outras providecircncias ogovernador conseguira ldquotranquilizar tudordquo conforme a mesma carta aomarquecircs de Aguiar (arquivo da antiga capitania de Pernambuco Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco)58 Pereira da Costa Folclore pernambucano Recife 190859 Alfredo de Carvalho Estudos pernambucanos Recife 190760 Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para D Rodrigo de Sousa CoutinhoBahia 20 de outubro de 1798 Manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboaregistrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro61 Manuscrito correspondecircncia da Corte arquivo da antiga capitania dePernambuco ano de 1735 Biblioteca do Estado de Pernambuco62 Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena em 3 dejaneiro de 1789 manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted 610

63 Sobre este aspecto do assunto veja-se nossos Sobrados e mucambosespecialmente os capiacutetulos ldquoAscensatildeo do bacharel e do mulatordquo e ldquoEm tornode uma sistemaacutetica da miscigenaccedilatildeo no Brasil patriarcal e semipatriarcalrdquoVeja-se tambeacutem o estudo do pesquisador sergipano Felte Bezerra EtniasSergipanas Aracaju 195064 Alfredo de Carvalho Estudos cit Foi certamente este historiador ndashAlfredo de Carvalho ndash quem primeiro fixou a importacircncia de Figueiredo nahistoacuteria das letras e do jornalismo de Pernambuco Cremos poreacutem ter sidopor nossa vez o primeiro a salientar sua significaccedilatildeo como criacutetico social einteacuterprete da vida ou da economia regional sob um criteacuterio socialista que jaacutenatildeo era o literariamente romacircntico mas aproximava-se agraves vezes do chamadocientiacutefico65 Desta revista o professor Amaro Quintas com a colaboraccedilatildeo dopesquisador Ivan Seixas publicou oportuna nova ediccedilatildeo Note-se queevidentemente foi consideraacutevel a influecircncia sobre Figueiredo do engenheiroe socialista francecircs L L Vauthier Sobre Vauthier vejam-se o nosso Umengenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro 1940 e Diaacuterio iacutentimo doengenheiro Vauthier anotado por noacutes Rio de Janeiro 1940 e em 1960reeditados por Joseacute Olympio66 Segundo o pesquisador Sousa Barros em interessante estudo sobre adistribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grande propriedade territorial emPernambuco a relaccedilatildeo entre a propriedade de terra e a populaccedilatildeo eacute naZona da Mata de 0012 e no sertatildeo de 0037 (Boletim da Secretaria da

Agricultura Pernambuco vol I no 2 1936)Evidentemente natildeo passa de ingecircnuo saudosismo a ideia de se considerar oregresso ao engenho banguecirc a salvaccedilatildeo do Nordeste mais prejudicado pelasusinas tentaculares propriedades quase todas de famiacutelias residentes nascidades ou de firmas comerciais Sem pretendermos neste ensaio oferecersoluccedilotildees para o problema recordaremos que as experiecircncias de outras aacutereasde economia predominantemente agraacuteria indicam a vantagem das empresasde capitais e energias concentradas O autorizado agrocircnomo portuguecircsHenrique de Barros em sua Economia agraacuteria (Lisboa 1948) lembra oexemplo por noacutes jaacute posto em relevo em Casa-grande amp senzala dasOrdens Monaacutesticas que em Portugal ocuparam desbravaram e povoaramldquotanto territoacuterio mediante a constituiccedilatildeo de vastas organizaccedilotildees agraacuteriascompreendendo grandes exploraccedilotildees diretamente cultivadas pelos mongese pequenas exploraccedilotildees entregues a colonos sujeitos poreacutem a certaorientaccedilatildeo teacutecnica e com soliacutecita e eficiente assistecircnciardquo Do mesmo modo seexprime outro pesquisador J Vieira Natividade em trabalho tambeacutemrecente citado pelo mestre portuguecircs ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo

publicado no no 5 do Boletim da Junta de Proviacutencia da Estremadura em

1944 Aiacute escreve Natividade das obras realizadas pelos monges de Alcobaccedilaque ldquoainda hoje decorridos oitocentos anos toda a estrutura agriacutecolaalcobacense se apoia no atilado lineamento fradesco do periacuteodo medievalrdquoOpiniatildeo tambeacutem do sr A Reis Juacutenior em estudo ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquopublicado em Vida Poliacutetica (Rio de Janeiro marccedilo 1948) sobre o Brasil ondeldquotudo que temos de impressionante soacutelido grandiosordquo teria resultado deldquofortes concentraccedilotildees trabalhadorasrdquoO agrocircnomo Henrique de Barros encontra pontos de semelhanccedila entre asantigas ldquoorganizaccedilotildees monacaisrdquo e as empresas cooperativistas que vecircmflorescendo na Palestina moderna com um ecircxito que ldquosob o ponto de vistaagriacutecolardquo parece ldquoconsideraacutevelrdquo Talvez desse tipo de concentraccedilatildeo ndash acooperativista ndash eacute que devesse aproximar-se a exploraccedilatildeo dos canaviais doNordeste do Brasil para o fabrico de accediluacutecar aacutelcool e outros produtos comvantagens gerais para a populaccedilatildeo regional e para a economia e a vida rurais67 Vejam-se Biografias mandadas publicar pelo dr Alexandre Joseacute BarbosaLima governador do Estado de Pernambuco Recife 189568 ldquo o cheiroso benjoim se usa nas igrejas de Pernambuco em vez deincensordquo (Ensaio Econocircmico cit pelo cocircnego Dr Antocircnio do Carmo BarataldquoUm grande saacutebio um grande patriota um grande bispordquo Pernambuco1921)

Sobre a arte da renda no Nordeste ndash tatildeo ligada aos ceacutelebres ldquocabeccedilotildeesrdquo

das mulheres ndash veja-se no Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco (Recife 1925) o estudo que a nossopedido e por insistecircncia nossa escreveu o ilustre alagoano Leite Oiticica queconhecia profundamente o assunto

Trajo verdadeiramente regional natildeo chegou a desenvolver-se noNordeste agraacuterio como desenvolveu-se no pastoril o trajo do vaqueiro tatildeoexpressivo da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo Note-se entretanto que aldquobaianardquo com o seu turbante seu cabeccedilatildeo picado de rendas suas saias suaschinelas seus balangandatildes seu tabuleiro de fruta ou de doce de alfenim oude alfeacuteolo de peixe frito ou de tapioca sem ser ortodoxamente uma figuraregional do Nordeste mais agraacuterio (que foi e eacute o do accediluacutecar) e sim expressatildeoda civilizaccedilatildeo mais graciosamente urbana (que no Brasil madrugou emSalvador) natildeo deixa de ser regional pela sua maior frequecircncia sob o nomeantes cultural que provincial de ldquobaianardquo nas cidades do Nordeste agraacuteriodo que nas cidades do Sul Exceccedilatildeo do Rio de Janeiro onde chegou sob omesmo nome de ldquobaianardquo a ser tatildeo frequente como nas ruas e praccedilas deSalvador do Recife de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo de Olinda de Penedo de SatildeoCristoacutevatildeo del-Rei ndash cidade sergipana tatildeo do Nordeste agraacuterio pelos seus

sobradotildees patriarcais com abalcoados de feitio mourisco Mas o Rio deJaneiro agraacuterio e um pouco a corte chegaram a ser uma espeacutecie de parentedesgarrado do velho Nordeste do accediluacutecar parentesco social e de culturafavorecido pelo parentesco da proacutepria paisagem ou da proacutepria vegetaccedilatildeoJoaquim Nabuco encontrou em Paquetaacute ldquoa seduccedilatildeo especial de ser umapaisagem do norte do Brasil desenhada na baiacutea do Riordquo Pois enquanto ldquoportoda parte agrave entrada do Rio de Janeiro o que se vecirc satildeo granitos escuroscobertos de florestas contiacutenuas guardando a costa em Paquetaacuterdquo ndash escreveele em Minha formaccedilatildeo ndash ldquoo quadro eacute outro satildeo praias de coqueiroscampos de cajueiros e agrave beira-mar as hastes flexiacuteveis das canas selvagensalternando com as velhas mangueiras e os tamarindos solitaacuteriosrdquo Mas natildeo eacutesoacute em Paquetaacute que se encontram no Rio de Janeiro essas ldquominiaturas doNorterdquo ou do Nordeste agraacuterio Tambeacutem em Campos Tambeacutem em Vassouras

O trajo da ldquobaiana descreve-o em artigo ldquoA baianardquo no Correio daManhatilde (Rio de Janeiro) de 30 de abril de 1950 o sr Eduardo Tourinho quecomeccedila por evocar a descriccedilatildeo claacutessica do velho Vilhena

ldquo Saias de cetim branco becas de liniste finiacutessimo e camisas decambraia ou cassa bordadas de tal forma que vale o lavor trecircs ou quatrovezes mais que a peccedila e tanto eacute o ouro que cada uma leva em fivelascordotildees pulseiras colares e braceletesrdquo E continua ldquoAinda eacute assim a baianaA camisa ndash com pequenas mangas que cobrem as axilas ndash descobre-lhe ocolo Trabalhada em renda de crivo ou de barafunda afunila-se agrave cinturasob a compreensatildeo de duas ou trecircs anaacuteguas gomadas a tufar a larga saia deroda que deixa a nu os peacutes calccedilados em caprichosas sandaacutelias De ombroesquerdo pende o luxurioso pano da costa de listas bizarramente coloridasrdquoMais adiante sobre os adornos ldquoEsse o trajo Agora os adornos Quemultiplicidade Colares de grossas contas sobre o regaccedilo e rosaacuterios de contasmiuacutedas sob o rendado da camisa No alto do braccedilo esquerdo larga pulseirade ouro Nos pulsos voltas de bolas de ouro e voltas de buacutezios da costa Nasorelhas aacuteureas argolas ou brincos de coral

ldquoDepois eacute o barangandatilde O barangandatilde e natildeo balangandatildeberenguendem ou balangangatilde como diz o vulgo asnal de que fala Gregoacuteriode Matos

ldquoQue eacute o barangandatilde Uma peccedila de prata em forma de argola que deuma corrente de prata posta em torno do pescoccedilo pende ateacute o meio dascostas Essa argola ndash o barangandatilde ndash enfeixa uma porccedilatildeo de amuletospequenos cilindros com poacutes milagrosos e madeiras santas Oraccedilotildees figas

aneacuteis cachos de cabelos dentes de crianccedila buacutezios e moedas Presas debesouro Coraccedilotildees acircncoras e cruzes conjugados Bonequinhos que satildeo ossantos Crispim e Crispiniano Cosme e Damiatildeo O canjerecirc que eacute amuletocontra o lsquomau-olhadorsquo Cola-amarga e favas de olhos-de-cabra contraespiacuteritos perturbadores Pequeninas contas agrupadas em estiletesguarnecidos com rosaacuteceos de prata ndash as pretas e roxas representam Omulu(Satildeo Laacutezaro) e as brancas Oxalaacute (Senhor do Bonfim) e as cor de coral azuis everdes Xangocirc (Satildeo Jerocircnimo) e as doiradas e prateadas Oxum (NossaSenhora das Candeias) e as amarelas Nanatilde (SantrsquoAna) e as brancas muitomiuacutedas Amanjaacute (Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo)

ldquoPor fim depois do barangandatilde a penca-suspensa agrave cintura pelas alccedilasque sustecircm a corrente de prata guarnecida por grande chave do mesmometal Eacute na penca que estatildeo a lsquoFigarsquo o mais comum dos amuletosobrigatoriamente usados contra doenccedilas desastres malefiacutecios lsquoPau-de-angola encastoado em pratarsquo favoraacutevel agrave longevidade ldquoCilindrosrdquo ndashpreservadores da maacute sorte ndash com arruda guineacute manjericatildeo O lsquosinorsquo oulsquoDuplo Sinorsquo ndash o lsquoAdjaacutersquo ndash evocaccedilatildeo dos Camdombleacutes O lsquoCaacutegadorsquo e alsquoTartarugarsquo como a lsquoAranharsquo ou o lsquoPorcordquo o lsquoTrevorsquo a lsquoFigarsquo ou o lsquoCorcundarsquoos lsquoTriacircngulos Maacutegicosrsquo ou a palavra lsquoAgharsquo e a palavra lsquoAounrsquo satildeo fetiches debom auguacuterio O lsquoCoraccedilatildeorsquo simboliza amor e quando encimado por umaflama lsquopaixatildeo ardentersquo O lsquoCachorrorsquo eacute o emblema da fidelidade e lembra SatildeoLaacutezaro e Satildeo Jorge tal o lsquoCarneirorsquo lembra Satildeo Jerocircnimo As lsquoMatildeos Dadasrsquosignificam amizade A lsquoPombarsquo lembra os maacutertires tornados santos mas ndash deasas abertas em forma de cruz ndash eacute a evocaccedilatildeo do Espiacuterito Santo A lsquoRomatildersquosimboliza o gecircnero humano em todo o seu esplendor e miseacuteria A lsquoChaversquosugere o Tabernaacuteculo o Oratoacuterio mas a lsquoChave de Figarsquo segurando a lsquoFarofaAmarelarsquo vale como poderoso talismatilde para lsquofechar o corporsquo a todos os malesA lsquoFerradurarsquo chama felicidade A lsquoLuarsquo eacute a representaccedilatildeo de Satildeo Jorge e olsquoGalorsquo a de todos os Santos O lsquoBurrorsquo simboliza Xangocirc que eacute Satildeo Jerocircnimo ndashe o lsquoCaranguejorsquo eacute Omulu (Satildeo Laacutezaro) O lsquoBoirsquo eacute Omulu Moccedilo (SantoIsidoro) O lsquoVeadorsquo tal como a lsquoEspadarsquo eacute Oxocecirc guerreiro e caccedilador SatildeoJorge A lsquoFacarsquo eacute o siacutembolo de Ogum (Santo Antocircnio) As lsquoUvasrsquo representamOxum que eacute Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo O lsquoCajursquo o lsquoAbacaxirsquo e o lsquoMilhorsquorecordam ainda Satildeo Jerocircnimo O lsquoMoringuersquo evoca Satildeo Cosme e SatildeoDamiatildeo A lsquoPalmatoacuteriarsquo eacute o siacutembolo de Nanatilde ndash SantrsquoAna ndash e o lsquoSolrsquo o deOxumarei que eacute Satildeo Bartolomeu O lsquoTamborrsquo e o lsquoPandeirorsquo representam ascerimocircnias do Terreiro Mas natildeo haacute explicaccedilatildeo certa do que ndash na penca ndash

simbolizam moedas e peixesrdquoEmbora o trajo e os adornos de lsquobaianarsquo com sua simbologia ou a sua

miacutestica tenham a sua aacuterea de maior intensidade de expressatildeo em Salvadorpodem ser considerados comuns agraves aacutereas urbanas do inteiro Nordesteagraacuterio assim como no Rio de Janeiro

Sabemos que a respeito do trajo da ldquobaianardquo prepara minucioso trabalhoa notaacutevel antropologista social brasileira que eacute a sra Heloiacutesa Alberto Torresdiretora do Museu Nacional Sobre a possiacutevel identificaccedilatildeo de origensafricanas de grupos ou subgrupos de populaccedilatildeo nordestina atraveacutes dosestilos e maneiras de usarem as mulheres do povo ndash e natildeo apenas asldquobaianasrdquo ndash seus xales ou mantos apresentamos nota preacutevia ao 1o CongressoAfro-Brasileiro reunido no Recife em 1934 acompanhada de desenhos dopintor Ciacutecero Dias69 Pereira da Costa Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira emPernambuco cit70 Journal of a residence in Brazil written by cuthbert pudsey duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da BibliotecaNacional Rio de Janeiro

Em seu estudo ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no povoamentonordestinordquo publicado na Revista das Academias de Letras no 63 Rio deJaneiro 1948 o sr Carlos Xavier Paes Barreto dedica interessantes paacuteginasaos Wanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso (Rocha Wanderley BarrosWanderley Lins Wanderley) ndash descendentes diretos de Gaspar Wanderleyndash considerando um dos mais tiacutepicos ou representativos da estirpe SebastiatildeoLins Wanderley ldquoo Baixa senhor do rico e belo engenho Rosaacuterio esposo deDa Maria Wanderley natural de Porto Calvo Eacute tradiccedilatildeo que quando secasou trouxe para seu lar uma vultosa riqueza com pesadas e custosas joacuteiasde famiacuteliardquo Tiacutepico considera ter sido tambeacutem o coronel Sebastiatildeo LinsWanderley do engenho Camaragibe casado com Gertrudes LinsWanderley ldquoe cujas festas de aniversaacuterio em Dias de Reis ficaramtradicionaisrdquo E acentua ldquoEle o baratildeo de Granito ou qualquer de seusirmatildeos e bem assim o Baixa do Rosaacuterio eram Wanderley atraveacutes de vaacuteriasgeraccedilotildeesrdquo De Sebastiatildeo Wanderley Chaves lembra ldquoNa mesa de jogo recolhiao fogo para o cigarro na moeda-papel e em banquetes apoacutes a saudaccedilatildeo dehonra ocasiotildees houve em que a toalha era violentamente puxada a fim deque a louccedila e sobretudo as taccedilas natildeo servissem para outro brinderdquo Semprehouve entre Wanderleys certa tendecircncia para a boecircmia a ironia e amordacidade tendecircncia de que podem ser consideradas expressivas figuras

como as de Pedro da Rocha Wanderley do engenho Bom Tom e PedroWanderley

Do fundador da famiacutelia no Nordeste do seacuteculo XVII lembra o sr CarlosXavier Paes Barreto que ldquofidalgo de Brandeburgo conforme atestado doconde Joatildeo Mauriacuteciordquo ndash capitatildeo de cavalaria Gaspar van Nieuhoff van derLeyrdquo ndash tornou-se em Pernambuco ldquosenhor dos engenhos Algodoais Utingade Baixo e Utinga de Cimardquo tendo se casado com Da Maria de Melo filha deManuel Gomes de Melo por sua vez ldquoneta de Anna de Hollandardquo e porconseguinte descendente do tambeacutem holandecircs nobre vindo para o BrasilArnau de Hollanda da famiacutelia ilustre do Papa Adriano IV ldquoAs da estirpeWanderleyrdquo ndash lembra ainda Paes Barreto ndash ldquose misturavam com as de BarrosBarreto Pimentel Rocha Lins Paes Barretordquo conservando-se poreacutem umadas mais endogacircmicas da regiatildeo com a predominacircncia ateacute hoje de traccedilosnoacuterdicos Tambeacutem dos nomes dos fundadores dos seus antepassados e doconde Joatildeo Mauriacutecio Gaspar Joatildeo Mauriacutecio Rosa Mauriacutecio GasparinaMaria Manuel Sebastiatildeo ou Sebastiatildeo Mauriacutecio Veja-se do mesmo autor oseu recente Os primitivos colonizadores do Nordeste e seus descendentesRio de Janeiro 196071 Koster op cit72 Tollenare op cit73 Tollenare op cit Com olhos de ainda maior simpatia do que Tollenarevem observando nos uacuteltimos anos a populaccedilatildeo negra e mesticcedila do Nordesteo socioacutelogo francecircs Roger Bastide a quem se deve um dos melhores livrosrecentes sobre a regiatildeo Imagens do Nordeste miacutestico em branco e preto(Rio de Janeiro 1945)74 Tollenare op cit75 Melville J Herskovits ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History (july 1934) Do mesmo antropoacutelogo cujasprofundas pesquisas sobre aculturaccedilatildeo e sobre as aacutereas de cultura africanastanto interessam ao estudo da colonizaccedilatildeo do Brasil vejam-se tambeacutem ldquoThesignificance of west Africa for negro researchrdquo Journal of Negro History(january 1936) ldquoOn the provenience of new world negroesrdquo Social Forces(december 1933)

6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)

Se elementos geneticamente tatildeo bons como os primeiros colonos negrose os primeiros colonos brancos do Nordeste vieram a desprestigiar-se sobvaacuterios aspectos eacute que sobre eles atuaram com uma intensidade que foimaior aqui do que em outras regiotildees do Brasil as influecircncias desfavoraacuteveisao homem da cultura da cana-de-accediluacutecar quando realizada como serealizou entre noacutes com exclusatildeo de culturas de subsistecircncia pelolatifuacutendio pela escravidatildeo pelo patriarcalismo monossexual ao mesmotempo que monocultor Condiccedilotildees e meios insubstituiacuteveis na primeira eacutepocada colonizaccedilatildeo portuguesa do Nordeste embora pudessem ter sidoatenuados depois Principalmente a monocultura causa de tantas fomes emuma regiatildeo agraacuteria onde chegou a se assistir a este absurdo as senhorastrocarem joias de ouro por punhados de farinha

Tambeacutem a miscigenaccedilatildeo em si natildeo parece ter concorrido para odesprestiacutegio da populaccedilatildeo regional A histoacuteria social do Nordeste da cana-de-accediluacutecar estaacute ligada como talvez a de nenhuma outra regiatildeo do Brasil aoesforccedilo do mesticcedilo ou antes do cabra Um esforccedilo que se tem exercidodebaixo de condiccedilotildees duramente desfavoraacuteveis Mas mesmo assim notaacutevelpelo que tem construiacutedo e realizado

O mesticcedilo do Nordeste ndash curiboca cafuzo ou mulato desde o escuro aosararaacute ndash continua a sustentar com o seu trabalho de homem doente ndash

doente de impaludismo doente de siacutefilis doente de ancilostomiacutease ndash alavoura da cana e a induacutestria do accediluacutecar no Nordeste Eacute quem vem fazendoas vezes de povo ndash esse povo que Couty reparava em 1886 faltar ainda noBrasil as vezes tambeacutem de canalha de rua que tem dado agraves tentativasregionais de insurreiccedilatildeo as suas notas mais dramaacuteticas de coragem de arrojoe de furor revolucionaacuterio

O cabra do Nordeste define-o o folclorista Rodrigues de Carvalhosegundo a ideia mais popular entre a proacutepria gente da regiatildeo ldquotem umcaldeamento especial 50 por cento de africano quarenta de iacutendio e dez deum ariano fugidio pelo entorpecimento do climardquo Eacute ldquoo homem da canalhanortistardquo76

Eacute mais eacute o heroi de um grande nuacutemero de histoacuterias de coragem e deaventuras de amor Eacute o ldquocabra danadordquo O ldquocabra escovadordquo O cabra bom Ocabra de confianccedila A ele a imaginaccedilatildeo do povo atribui uma potecircncia sexualextraordinaacuteria a que natildeo faltariam vantagens fiacutesicas tambeacutem excepcionais

Rodrigues de Carvalho daacute o cabra do Nordeste como ldquoforte trabalhadorvalenterdquo mas ldquoirrequieto inconstante nem sempre lealrdquo E acrescentaldquoRaramente o cabra tem a dedicaccedilatildeo afetuosa do africano ou a carinhosaestima do mameluco ou do brancordquo

Quanto ao mameluco quer nos parecer haver engano do folcloristaparaibano na interpretaccedilatildeo da ideia que geralmente faz a gente do povo daregiatildeo da cana desse tipo de meio-sangue Eacute mais desfavoraacutevel do que a ideiaque na mesma regiatildeo se faz do cabra ndash talvez por ser este o tipopredominante e o mameluco o mais raro O mameluco eacute tido aqui comopreguiccediloso em extremo desleal insconstante Natildeo haacute dona de casa que natildeotenha receio de empregar mameluco natildeo demora em casa natildeo demora noserviccedilo eacute vadio eacute de ldquomau gecircniordquo O mesmo se daacute segundo eacute corrente como mameluco empregado em lavoura em faacutebrica em usina

Mas aqui insistiremos no que jaacute sugerimos em trabalho anterior sobrecertos aspectos da miscigenaccedilatildeo que se relacionam mais intimamente com aformaccedilatildeo social do Brasil muito do que se atribui agrave miscigenaccedilatildeo resulta dasituaccedilatildeo do desajustamento psicoloacutegico e social ndash desajustamento de classee ateacute certo ponto de raccedila (este principalmente pela persistecircncia deevidecircncias de raccedila ligadas aos traccedilos de classe) ndash em que se encontra o

mesticcedilo A lealdade a conformidade e a constacircncia de subordinados natildeo satildeoqualidades que se possa esperar que existam em um elemento social epsicologicamente flutuante indeciso e insatisfeito como eacute geralmente omesticcedilo no mesmo grau em que existe no iacutendio puro e principalmente nonegro retinto Figuras mais definidas e mais integradas no estado desubordinaccedilatildeo de que a pele ndash como o nariz o cabelo os peacutes ndash eacute como se fosseinsiacutegnia de trabalhador sempre do eito de soldado sempre raso Eacute como sefosse um uniforme insubstituiacutevel grudado ao corpo para sempre Ummacacatildeo eterno

Para Rodrigues de Carvalho como para outros observadores a olho nu davida do Nordeste o mesticcedilo da regiatildeo estaacute se degradando ou deteriorizandosob mais de um aspecto estaacute ficando nanico Diminuindo de tamanho ldquoOsrapazes atingem em regra a um metro e sessenta e trecircs centiacutemetros NoExeacutercito distinguem-se os batalhotildees compostos de nortistas pelo tamanhodos soldadosrdquo77

Quanto ao tamanho simplesmente talvez natildeo haja motivo para grandepessimismo ndash a natildeo ser esteacutetico ndash sabido que a pura elevaccedilatildeo de estaturanatildeo eacute iacutendice de robustez independentemente de outros fatores Mas eacuteevidente que muita perturbaccedilatildeo de crescimento existe na populaccedilatildeomesticcedila ndash como na branca pobre e na negra do Nordeste ndash por efeito decondiccedilotildees precaacuterias de vida

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar essas condiccedilotildees satildeo particularmentedesfavoraacuteveis Ateacute farinha de mandioca falta com frequecircncia aotrabalhador de engenho em certas zonas da regiatildeo mais atingidas pelosefeitos da monocultura E aqui como em outras aacutereas o trabalhador livrevem sendo mais desprestigiado em suas condiccedilotildees de sauacutede do que outrora otrabalhador escravo na maioria dos engenhos patriarcais quando de modogeral sua alimentaccedilatildeo jaacute era superior agrave dos brancos e pardos pobres semassistecircncia patriarcal

Em 1849 meacutedicos brasileiros voltados para o estudo das condiccedilotildeessociais do Nordeste chegavam agrave conclusatildeo de que ldquoo mal que proveacutem aacutesaude publica pela destruiccedilatildeo das mattas pela falta de cuidado naconservaccedilatildeo dos animais e do tratamento de suas molestias natildeo se limita asua transmissatildeo e destruiccedilatildeo momentanea estende-se mesmo a produzir

uma alteraccedilatildeo organica subsequente e geral proveniente da falta de toda aproducccedilatildeordquo E acrescentava um deles referindo-se ao trabalhador livre daregiatildeo que tinha de enfrentar condiccedilotildees tatildeo aacutesperas de economia e de vidaldquoo jornal medio de um homem eacute 640 rs o homem socialmente consideradoeacute a reuniatildeo de trez pessoas marido mulher e filho e o primeiro eacute quemsuporta o maximo do trabalho o trabalho de permuta que a todos vaesuprirrdquo Analisava o meacutedico ldquoSupondo que cada um coma uma libra decarne por dia natildeo passando esta de dez patacas a arroba em carne gastaraacute300 rs se ajuntarmos 80 rs de farinha e 20 rs de lenha teremos que ohomem gasta em comida 400 rs por dia e que em um mez faz 12$000 ecomo a casa consume pouco mais ou menos um terccedilo do que se come e queno caso suposto eacute 4$000 soma 16$000 restatildeo-lhe quatro mil reis parasustentar-se nos dias santos nas molestias e para vestir-se etc o que eacuteimpossiacutevel para o homem que quizer hygienica e honradamente viver massendo notorio que o pobre tambem vive com honra convem saber como istose faz A carne secca o peixe secco e salgado e as mais das vezes arruinadoa farinha sem gomma a maacute comida a maacute dormida a maacute casa a fazendaarruinada satildeo os productos que consumem o pobre alem da diminuiccedilatildeoque eacute obrigado a fazer para acommodar-serdquo E concluiacutea sobre a famiacutelia tiacutepicade morador livre do Nordeste agraacuterio ldquoCom taes condiccedilotildees esta famiacutelia natildeodeixaraacute de soffrer sua organisaccedilatildeo natildeo teraacute o completo desenvolvimentosua quantidade de trabalho seraacute menor e maacute seraacute sua prole della nasceraacute osoldado fraco e covarde o marinheiro eacute sensivel e sem intrepidez as creadase amas que se vatildeo encarregar de casas e filhos dos abastados satildeo maacutes por suaorganisaccedilatildeo e educaccedilatildeordquo78

O professor Rui Coutinho sugeriu recentemente que a estatura baixa dohomem do Nordeste ndash isto eacute do homem do povo ndash talvez resultasse dessepadratildeo inferior da alimentaccedilatildeo Para afirmaacute-lo de modo absoluto serianecessaacuterio tomar em consideraccedilatildeo a meacutedia de estatura dos colonos da regiatildeondash do europeu e principalmente do negro Parece ter havido predominacircnciaentre noacutes de colonos africanos natildeo de estatura notavelmente elevada ndash tatildeocomum nos sudaneses ndash mas de altura simplesmente ldquoboardquo ldquomedianardquoldquoordinaacuteriardquo como referem os anuacutencios de negros fugidos Os proacuteprios negrosbaixos natildeo satildeo raros nos anuacutencios baixos embora fortes grossos vigorosos

possantes de tronco79Morais Barros e antes dele o professor A Carneiro Leatildeo jaacute destacaram o

feio o bisonho o franzino da populaccedilatildeo mesticcedila do Nordeste Sabe-setambeacutem que Nina Rodrigues ndash que era do Maranhatildeo e portanto doNordeste da cana-de-accediluacutecar ndash Siacutelvio Romero ndash nascido e criado emengenho do Sergipe ndash e Joseacute Veriacutessimo ndash nascido no Paraacute ou seja numa aacutereadas que os socioacutelogos modernos chamam marginais entre o Nordeste doaccediluacutecar e o extremo norte da floresta ndash acreditaram todos na inferioridadebioloacutegica do mesticcedilo brasileiro por eles visto e observado tatildeo de perto Ideiatambeacutem do professor Oliveira Viana

Eacute possiacutevel que esses observadores ilustres ndash alguns talvez prejudicadospelo proacuteprio excesso de proximidade entre eles e o objeto de sua observaccedilatildeondash tenham desprezado na interpretaccedilatildeo do que o mulato brasileiro em gerale o do Nordeste em particular apresentam de patoloacutegico de cacogecircnico dedisgecircnico os elementos sociais de inferiorizaccedilatildeo de uma classe ou de umproletariado que pela persistecircncia dos efeitos da escravidatildeo eacute na sua quasetotalidade de gente de cor

Porque a verdade eacute que o cabra de engenho ou trapiche de accediluacutecar ndash ouseja o mulato mais caracteriacutestico do Nordeste agraacuterio ndash quando menosdesprestigiado nas suas condiccedilotildees de crescimento e de sauacutede pelasdeficiecircncias de alimentaccedilatildeo e pelo niacutevel baixo de vida e de higiene ndash higienedomeacutestica e higiene de trabalho ndash se apresenta um tipo forte e capaz deesforccedilo constante Muitas vezes bonito de corpo e belo de traccedilos JoseacuteAmeacuterico de Almeida chega a falar em ldquocabras hercuacuteleos que resistem agraves maispenosas labutas como as da bagaceirardquo80

Natildeo eacute soacute a interpretaccedilatildeo a olho nu que repele a ideia de um mulato doNordeste fatalmente cacogecircnico tambeacutem comeccedilam a repeli-la as pesquisasminuciosas realizadas com todo o rigor de teacutecnica antropomeacutetrica pelosmeacutedicos Aacutelvaro Ferraz e Miguel de Andrade Lima em material o maisrepresentativo os soldados da Brigada Militar de Pernambuco81

Por outro lado nos seus estudos de psiquiatria Ulisses Pernambucano eseus colaboradores fugindo ao preconceito de inferioridade bioloacutegica donegro e do mulato que dominara Nina Rodrigues e a sua escola tecircmprocurado observar nos problemas de doenccedilas mentais e nervosas o seu

aspecto social os estiacutemulos ou as influecircncias de meio e de condiccedilotildees vamosdizer patoacutelogicas de regiatildeo Esse grupo de pesquisadores do Recife ndash o decontinuadores de Ulisses Pernambucano ndash eacute hoje um dos que mais insistemna face social e no que se pode chamar o aspecto regional ndash isto eacute de meiosocial inclusive o econocircmico ndash da psiquiatria as condiccedilotildees regionais de vidao papel predisponente do alcoolismo e da siacutefilis em certas psicoses a accedilatildeo dofetichismo do baixo espiritismo da maconha em outras Sinal de que natildeovecircm encontrando no mesticcedilo ou no negro do Nordeste aquela absolutainferioridade de raccedila ou de sub-raccedila em que acreditara Nina Rodrigues

Nina Rodrigues fora ao extremo de destacar na ldquoexcitaccedilatildeo amorosardquo daclaacutessica mulata brasileira verdadeiro iacutendice de anormalidade que seria umcaracteriacutestico patoloacutegico de meia raccedila No que acreditou tambeacutem JoseacuteVeriacutesssimo

Do assunto jaacute nos ocupamos em estudo sobre o mulato brasileiro e suaascensatildeo na sociedade patriarcal do nosso paiacutes82 Nestas paacuteginas ndash simples

tentativa para ver de perto alguns traccedilos da fisionomia social do Nordeste eem que somos agraves vezes obrigado a nos repetir ndash lembraremos que o trabalhode engenho e de trapiche de accediluacutecar quase natildeo eacute mais de negro ndash jaacute natildeoexiste talvez negro verdadeiramente puro na regiatildeo ndash mas de cabra demesticcedilo de mulato E entretanto eacute talvez um trabalho mais penoso do queno tempo da escravidatildeo Porque os senhores de terras de cana e osarmazenaacuterios de accediluacutecar dispotildeem hoje de menor nuacutemero de trabalhadorespara o esforccedilo agriacutecola Alguns aspectos de vida e de trabalho nos armazeacutensdo Recife e nas barcaccedilas de accediluacutecar vecircm sendo estudados por dois dos nossoscompanheiros de pesquisa

Segundo documento oficial ndash Aspectos da economia rural brasileira ndashhaacute no Nordeste ldquopropriedades em que os trabalhadores iniciam os seusserviccedilos com o romper do sol e soacute os deixam ao acaso com pequenosintervalos para o almoccedilo e uma merendardquo E todo esse excesso de esforccedilofiacutesico dos trabalhadores de accediluacutecar dos cabras de engenho dos negros debagaceira a despeito das condiccedilotildees de vida terrivelmente desfavoraacuteveisldquoquase nus e minados por toda sorte de mazelas e viacuteciosrdquo morando emldquochoupanas miseraacuteveisrdquo E natildeo se deve esquecer o que eacute capital naexplicaccedilatildeo do muito que se encontra de inferior em proletariado de

condiccedilotildees de vida tatildeo agrave toa a alimentaccedilatildeo a um tempo improacutepria edeficiente Natildeo soacute por erros tradicionais de dieta como pela necessidade deacomodar-se o trabalhador a salaacuterios os mais reduzidos e a fontes dealimentaccedilatildeo as mais escassas

Essas condiccedilotildees de salaacuterio de vida e de alimentaccedilatildeo satildeo piores em umasusinas e engenhos do que em outros Seria injusto generalizar Mas em geralsatildeo maacutes Em algumas usinas satildeo peacutessimas Em uma ou em outra satildeoregulares notando-se uma como assistecircncia patriarcal do usineiro aindameio senhor de engenho ao trabalhador Usineiro sempre meio senhor deengenho em suas relaccedilotildees com o proletariado ndash cuja condiccedilatildeo humana natildeoesqueceu ndash foi o proprietaacuterio da grande Usina Catende que acaba defalecer Antocircnio Costa Azevedo

Em 1935 pretendemos ndash Ulisses Pernambucano Siacutelvio Rabelo OliacutevioMontenegro e noacutes ndash realizar um inqueacuterito regional que servisse de base aoproacuteprio usineiro ou proprietaacuterio rural bem intencionado para umajustamento de relaccedilotildees entre as faacutebricas de accediluacutecar e os seus trabalhadoresrurais Mas fomos repelidos como uns intrusos e ateacute denunciados comoagitadores Entretanto semelhante inqueacuterito teria sido tatildeo beneacutefico aousineiro como ao trabalhador83

A verdade eacute que talvez em nenhuma outra regiatildeo do Brasil a extinccedilatildeo doregime de trabalho escravo tenha significado tatildeo nitidamente como noNordeste da cana-de-accediluacutecar a degradaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida dotrabalhador rural e do operaacuterio A degradaccedilatildeo do homem Da assistecircncia aoescravo ndash assistecircncia social moral religiosa e ateacute meacutedica que bem ou malera praticada pela maioria dos senhores escravocratas no interesse dasproacuteprias terras da proacutepria lavoura do proacuteprio accediluacutecar da proacutepria famiacutelia (emcontato direto com parte da escravaria e indireto com toda a massa negra) ndashquase natildeo resta senatildeo um traccedilo ou outro uma ou outra tradiccedilatildeo maissentimental do que efetiva nos engenhos mais velhos em uma ou em outrausina de senhor menos ausente do campo

A industrializaccedilatildeo e principalmente a comercializaccedilatildeo da propriedaderural vem criando usinas possuiacutedas de longe algumas delas por fulano ousicrano amp companhia firmas para as quais os cabras trabalham sem saberdireito para quem quase sem conhecer senhores muito menos senhoras

Vaacuterios aspectos dessa personalizaccedilatildeo do senhor de accediluacutecar aos olhos dostrabalhadores que na doenccedila ou na dor natildeo tecircm uma sinhaacute-dona a quempedir um remeacutedio um sinhocirc a quem pedir 20$000 de extraordinaacuterio massoacute o barracatildeo duro e absorvente vecircm retratados magnificamente por JoseacuteLins do Rego em Banguecirc e em Usina e por Juacutelio Belo nas suasreminiscecircncias do velho senhor de engenho do sul de Pernambuco

Essa industrializaccedilatildeo natildeo parece que possa continuar a fazer-se nointeresse de tatildeo poucos e contra a sauacutede e a vida de tantos a favor doaccediluacutecar e contra tantas fontes naturais de vida da regiatildeo hoje abandonadasestancadas ou corrompidas

Haacute nesta nova fase de desajustamento de relaccedilotildees entre a massahumana e o accediluacutecar entre a cana-de-accediluacutecar e a natureza por ela degradadaaos uacuteltimos extremos uma deformaccedilatildeo tatildeo grande do homem e da paisagempela monocultura ndash acrescida agora do abandono do proletariado da cana agravesua proacutepria miseacuteria da ausecircncia da antiga assistecircncia patriarcal ao cabra deengenho ndash que natildeo se imagina o prolongamento de condiccedilotildees tatildeo artificiaisde vida

Jaacute natildeo se trata de uma civilizaccedilatildeo como foi a patriarcal neste mesmoNordeste da cana com seus sinais de + e de ndash embora o de ndashpreponderando O accediluacutecar de usina parece que deixou de entrar comqualquer contingente na valorizaccedilatildeo da vida e da cultura do Nordeste paraser apenas o sinal de ndash em tudo a diminuiccedilatildeo da sauacutede do homem adiminuiccedilatildeo das fontes naturais da vida regional a diminuiccedilatildeo da dignidadee da beleza da paisagem a diminuiccedilatildeo da inteligecircncia da sensibilidade ouda emoccedilatildeo da gente do Nordeste que hoje quando se manifesta eacute quasesempre em atitudes de crispaccedilatildeo de ressentimento e de revolta

O Recife que chegou a ser com os senhores de engenho dirigindo aproviacutencia um verdadeiro centro de cultura intelectual e artiacutestica onde oestrangeiro sofisticado se sentia melhor do que no Rio ndash eacute o depoimento deBurke pelo menos84 ndash vai se achatando entre as cidades mais inexpressivas

da Repuacuteblica com os ricaccedilos morando em palacetes normandos e chaleacutessuiacuteccedilos com as igrejas velhas do tempo da colonizaccedilatildeo transformadas emigrejas goacuteticas com as ruas e os parques sombreados de fico benjamim e deeucalipto ou enfeitados de vitoacuteria-reacutegia do Amazonas Desapareceu do

Recife todo o sentimento de expressatildeo regional que chegou a ter comopoucas cidades na Ameacuterica

A sub-regiatildeo cujas casas-grandes cujos sobrados de azulejo cujoscasarotildees amarelos azuis verdes vermelhos ndash todos tatildeo corajosos de sua cor ndasha marcenaria dos mulatos de engenho ou aprendizes de franceses e alematildeesdo Recife encheu de bancos de vinhaacutetico tatildeo bonitos de cocircmodas tatildeo nobresde conduru de sofaacutes enfeitados de cajus e maracujaacutes de santuaacuterios e demobiacutelias inteiras de jacarandaacute eacute hoje uma das mais pobres de cor dejacarandaacute de azulejo Sem arquitetura caracteriacutestica ou simplesmente deacordo com as condiccedilotildees regionais de clima Sem mobiliaacuterio soacutelido e feito comas boas madeiras da terra

A usina natildeo teve forccedila para acrescentar nada de positivo a essacivilizaccedilatildeo soacute tem feito diminui-la Sob o seu impeacuterio degradou-se o estilodos moacuteveis como o das casas As casas estatildeo ficando todas cinzentas Osestetas paleoteacutecnicos do Recife chegaram a proibir casas pintadas de azulde encarnado de amarelo Do mesmo modo a cozinha Degradou-se Em vezde accedilafratildeo a comida parece que leva cinza O alimento de lata vem de talmodo substituindo o pilado e feito em casa que ateacute em casas de engenho oestranho eacute recebido com doce de faacutebrica

A usina que se instalou tatildeo imperialmente na paisagem do Nordestedesde os fins do seacuteculo XIX veio corresponder a uma fase nova deconcorrecircncia com outras regiotildees produtoras de accediluacutecar maisindustrializadas Era inevitaacutevel ou a usina ou o fracasso da induacutestriaregional de accediluacutecar Mas essa maior centralizaccedilatildeo da produccedilatildeo industrial natildeoencontrou aqui nos restos de patriarcalismo escravocraacutetico ndash particularistaem extremo ndash tradiccedilotildees de solidariedade que permitissem agrave lavouradefender-se do domiacutenio imperial das novas faacutebricas Estas foram em geralcentralizando-se sob um individualismo duro e seco Bem diverso do daeacutepoca patriarcal Firmas comerciais das cidades comeccedilaram a explorar aterra de longe e quase com nojo da cana do massapecirc do trabalhador dosrios dos animais agraacuterios Desapareceu todo o lirismo ndash que aliaacutes nunca foragrande nem profundo ndash entre o dono das terras e a terra entre o dono dascanas e o canavial entre o dono de homens e o trabalhador entre o donodas aacuteguas e a aacutegua entre o dono dos animais e o animal mesmo agraacuterio

para natildeo falar no do mato entre o dono das matas e a mataEssa forma artificialiacutessima de exploraccedilatildeo industrial e comercial das terras

de cana ndash desprezadas cada vez mais como terra ndash natildeo se vem sustentandosenatildeo agrave custa de escoras A assistecircncia dos governos aos industriais do accediluacutecarno Nordeste vem assumindo um ar de caridade nem sempre poliacuteticatambeacutem econocircmica E de fato com todos os abusos porventura praticados agravesombra dos favores oficiais agrave induacutestria da cana as escoras se tecircm feitonecessaacuterias agrave economia geral da regiatildeo que governo nenhum nem nenhumesforccedilo em comum dos fabricantes de accediluacutecar donos de latifuacutendios enormestem cuidado a seacuterio de libertar da monocultura ou da exclusividade deproduccedilatildeo a do accediluacutecar Monocultura cada vez mais latifundiaacuteria pelaproacutepria natureza imperialista do sistema puramente industrial das usinasdiante do atraso assombroso da lavoura da cana no Nordeste Atraso tatildeogrande que seu rendimento eacute metade do das terras de Campos e um quintodo das terras do Havaiacute

No Nordeste a induacutestria do accediluacutecar tornou-se em algumas aacutereas dianteda lavoura da cana terrivelmente primitiva nos seus meacutetodos uma espeacuteciede imperialismo exoacutetico diante de terras brutas que esse imperialismodominasse limitando-se poreacutem a explorar as terras sem valorizaacute-las

Em geral o trabalhador de eito natildeo existe para o industrial ausente ouquase-ausente como um conterracircneo cujo bem-estar o interesse nem ofornecedor de cana como um consoacutecio cuja situaccedilatildeo o afete Ao contraacuteriotem-se visto o preccedilo do accediluacutecar se elevar com vantagem para o usineiro e aomesmo tempo as usinas baixarem os preccedilos de sua tabela de compra decana

Feita uma exceccedilatildeo ou outra natildeo haacute sentimento de solidariedadenenhum entre o dominador e os dominados O usineiro eacute em geral como sefosse um conquistador em relaccedilatildeo com conquistados de outra terra De outrobarro De outro sangue Quase um estrangeiro a quem natildeo tocasse a sorte dosque natildeo satildeo usineiros Quase um judeu85 do tempo em que Pernambuco foi

a Zuickerland dos grandes escacircndalos de lucro comercial o proacuteprio condeMauriacutecio de Nassau ndash que aliaacutes tanto fez para libertar a colocircnia damonocultura ndash surgindo-nos com as matildeos de governado um tanto meladasde accediluacutecar

Entretanto eacute um nome de benfeitor a ligar agrave histoacuteria econocircmica doaccediluacutecar no Nordeste o de Nassau O dele os de vaacuterios governadoresportugueses que se interessaram por conta proacutepria ou seguindo ordens dosestadistas da metroacutepole pelo progresso teacutecnico da induacutestria accedilucareira o dobaratildeo de Boa Vista E nos comeccedilos da Repuacuteblica ndash quando apenas surgiramos bueiros das primeiras grandes usinas na paisagem da regiatildeo ndash o de BarbosaLima

Barbosa Lima procurou amparar a organizaccedilatildeo accedilucareira dePernambuco por meio de hipotecas de propriedades que garantissemempreacutestimos do Estado aos novos usineiros As diacutevidas lembra Oliveira Limaem suas Memoacuterias ldquoseriam mais tarde liquidadas com absoluto sacrifiacutecio dosinteresses do Tesouro estadual por uma deacutecima parte do seu valor e estamesma natildeo foi paga a natildeo ser por algum mais honrado qualificado de tolopelos demais Pagas poreacutem foram as gorjetas aos que arranjaram aliquidaccedilatildeo E a propoacutesito um proprietaacuterio dizia a Oliveira Lima referindo-sea certo advogado e professor constantemente reeleito deputado e sempreem viagens pela Europa a senhora luxando muito ldquoforam os contos de reacuteisque de mim recebeu e de fato fiz um negoacutecio da China Reduzi a minhadiacutevida de 500 a 150 contos e estes mesmos estou certo de natildeo poderpagarrdquo86

Parece que negoacutecios semelhantes se fizeram no seacuteculo XVII e que ateacutepatriotas consagrados como Joatildeo Fernandes Vieira agiram mais em funccedilatildeode interesses do accediluacutecar e de classe do que em funccedilatildeo da paacutetria ou dareligiatildeo Tambeacutem dos administradores dos magistrados e dos funcionaacuteriosvindos do reino para as capitanias de cana do Nordeste diz-se que alguns sedeixaram corromper pelo accediluacutecar tornando-se aliados dos grandes senhoresou dos grandes comerciantes

O accediluacutecar que nos dias de predominacircncia mais acentuada da lavourasobre a induacutestria ou o comeacutercio foi nesta parte do Brasil uma condiccedilatildeo deestabilidade atravessou periacuteodos em que se tornou verdadeiro objeto de jogoou de aventura comercial Quase tatildeo flutuante quanto o ouro A proacuteprialavoura deixou-se contaminar pelo gosto de lucro imediato e nem semprehonesto e pela gana de soluccedilatildeo provisoacuteria para as suas crises Os proacutepriosaristocratas do canavial entregaram-se agrave adulteraccedilatildeo do gecircnero pela mistura

de terra ou de areia outros ao roubo de negros ao contrabando de africanosA estas uacuteltimas irregulares sabe-se que ficaram ligados alguns dos grandesnomes da aristocracia da cana no Nordeste descendentes da gente maisfidalga que se enraizara aqui

Destaque-se ainda uma vez o seguinte fato no Nordeste do Brasil acana e o accediluacutecar por um lado tornaram-se um motivo forte de seleccedilatildeoregional mas por outro lado de degradaccedilatildeo Seleccedilatildeo como jaacute disse deelementos europeus principalmente portugueses mais rurais do quemercantis mais sedentaacuterios do que nocircmades mais aristocraacuteticos do queplebeus (por aristocratas compreendendo-se gente da pequena nobrezaagraacuteria natildeo a da grande nobreza militar) Seleccedilatildeo de negros eugecircnicos e emgeral tambeacutem mais sedentaacuterios do que nocircmades nas suas tendecircnciasSeleccedilatildeo de homens de procedecircncias diversas atraiacutedos pelos lucros do accediluacutecarhomens que pela sua variedade de antecedentes e de aptidotildeesenriqueceram a cultura regional (basta recordar o conde Mauriacutecio de Nassaucom seu grupo de saacutebios de artistas e de teacutecnicos com seu urbanista PeterPost com seu higienista Piso) Seleccedilatildeo de judeus do valor de Aboab daFonseca que aqui estabeleceram sinagogas ensinaram doutrina praticarama medicina escreveram poemas natildeo se limitando a uma funccedilatildeo puramentecomercial Na primeira metade do seacuteculo XIX e um pouco no seacuteculo XVIIIseleccedilatildeo de ingleses e franceses que influiacuteram decisivamente sobre asmaneiras domeacutesticas sobre as modas de vestir dos grandes senhores e dasgrandes senhoras sobre a arquitetura sobre os meacutetodos de ensino sobre oshaacutebitos de dieta sobre as leituras e os divertimentos dos homens sobre ahigiene das ruas das cidades das pessoas Os anuacutencios de jornaisdocumentam minuciosamente essa grande influecircncia inglesa e francesasobre o Nordeste87

Mas conveacutem natildeo esquecer por outro lado que toda essa seleccedilatildeo regionalde valores humanos de valores de cultura se fez dentro de condiccedilotildeeseconocircmicas e sociais que deformaram ou pelo menos afetaram essesmesmos valores em um sentido uacutenico e moacuterbido a monocultura latifundiaacuteriae escravocrata Koster nos princiacutepios do seacuteculo XIX viu em Pernambucouma senhora pernambucana das gordas das obesas das corpulentasvestida grotescamente agrave inglesa que o fez filosofar ldquoo espiacuterito de inovaccedilatildeo

produziu algumas consequecircncias bastante irrisoacuteriasrdquo Um exemplo apenasda deformaccedilatildeo dos valores importados pelas condiccedilotildees fundamentais deeconomia de vida e de dieta da regiatildeo monocultura e escravocrata

Mas nem a monocultura nem o latifuacutendio nem a escravidatildeo quecondicionaram de modo tatildeo decisivo o desenvolvimento social do Brasil emgeral e do Nordeste da cana-de-accediluacutecar em particular88 sendo tatildeo

responsaacuteveis por aquelas senhoras exageradamente gordas como por um tipoconfortaacutevel de casa regional merecem condenaccedilatildeo formal de quem seaproxime do assunto sob o criteacuterio do relativo E natildeo do absoluto tatildeo perigosonas avaliaccedilotildees sociais Tatildeo perturbador da perspectiva histoacuterica

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve naquele sistema social de relaccedilotildees doshomens com a terra com os animais com a aacutegua com a mata de relaccedilotildeesem grande parte moacuterbidas ndash sadistas-masoquistas ndash dos senhores com osescravos dos proprietaacuterios com os trabalhadores dos brancos com os negrosdos homens com as mulheres dos adultos com os meninos ndash natildeo soacute o motivode muitas de suas fraquezas como de vaacuterias de suas virtudes A conquista e acolonizaccedilatildeo quase militar de largos trechos do Norte pela Casa da Torre89 ndash

maior casa-grande do Brasil ndash e as guerras contra franceses e holandesesguerras feitas pelos Albuquerques e por outros fidalgos do canavial quasedesajudados da metroacutepole mostram que essa civilizaccedilatildeo por naturezasedentaacuteria comodista e sensual foi capaz de accedilatildeo militar de agressividadeque qualidades de luta em sua proacutepria defesa

Foi tambeacutem capaz de expressatildeo artiacutestica Quer atraveacutes do seu espiacuteritopopular do seu folclore matuto do seu bumba meu boi glorificador do negroe do boi de engenho de sua arte anocircnima de doce de renda de faca deponta com bainha de prata lavrada (arte que parece ter tornado o nome deOlinda na Europa uma espeacutecie de Toledo brasileiro como recordou haacute anoso escritor Muacutecio Leatildeo) de jacarandaacute ou amarelo trabalhado pelosmarceneiros e carpinteiros pardos dos engenhos quer pelo seu tipo dearquitetura de casa-grande e de mucambo adaptados agraves condiccedilotildees regionaisde clima de luz de calor e valendo-se para material de construccedilatildeo deelementos tambeacutem regionais

Por outro lado foram os homens da Bahia e do extremo Nordeste que setornaram juntamente com os da baixada fluminense os grandes senhores

da poliacutetica da diplomacia e da administraccedilatildeo do impeacuterio ndash Cairu o baratildeo dePenedo o visconde de Rio Branco o baratildeo de Itamaracaacute Seacutergio Teixeira deMacedo Teixeira de Freitas Joaquim Nabuco Saldanha da Gama AzevedoCoutinho Zacarias de Goacuteis Paulino de Sousa Romualdo de SeixasCotegipe os grandes ldquoleotildeesrdquo dos salotildees da corte estadistas poliacuteticos ediplomatas adoccedilados pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar suavizados pelo chaacute tomadoem pequeno90

E foi ainda o Nordeste a sua civilizaccedilatildeo de engenho cheia de oacutecios parao estudo que deu ao Brasil o seu maior orador ndash o padre Vieira o seu maiorpoeta satiacuterico ndash Gregoacuterio de Matos o seu maior matemaacutetico ndash o Sousinha oseu maior filoacutelogo ndash o doutor Morais ndash um transplantado da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar do Sul para a de Pernambuco onde se tornou senhor de engenhoJuristas gramaacuteticos ensaiacutestas novelistas historiadores Poetas liacutericosmuacutesicos pintores Inovadores e revolucionaacuterios Trajano Galvatildeo e CastroAlves Joaquim Nabuco e Nunes Machado O padre Joatildeo Ribeiro e freiCaneca Joseacute Mariano e Joseacute Maria D Vital Correia Picanccedilo NinaRodrigues Tobias Barreto Joseacute Higino Siacutelvio Romero Martins JuacuteniorOliveira Lima Graccedila Aranha Pedro Ameacuterico Augusto dos Anjos RosalvoRibeiro Emiacutelio Cardoso Ayres Teles Juacutenior

Alguns desses casos de evasatildeo da ordem estabelecida ou de rebeldiacontra ela Evasotildees e rebeldias que natildeo se teriam verificado de modo tatildeocompleto se a ordem estabelecida machucando ferindo esmagando atantos ndash a muitos agradavelmente para o seu masoquismo inato ouadquirido ndash natildeo encontrasse em uns poucos as energias de revolta o arrojopara a aventura a coragem do sacrifiacutecio

Um sacrifiacutecio agraves vezes volutuoso a renuacutencia de certos privileacutegios ouregalos de classe pelas responsabilidades intelectuais e morais de homensnatildeo soacute de sua regiatildeo mas de sua eacutepoca Tal o caso de Joaquim Nabucolutando pelos escravos de Maccedilangana de Pernambuco do Brasil inteiroescravos que ajudou a libertar com prejuiacutezo para os Paes Barreto para osescravocratas de todo o impeacuterio para a classe senhorial que levara mais detrecircs seacuteculos se apurando para produzir tatildeo esplecircndida figura de desertor Eateacute certo ponto o caso tambeacutem de Saldanha da Gama deixando-se ferir demorte em Campo Osoacuterio onde natildeo se sabe se morreu miacutestico da Ordem ou

romacircntico da revoluccedilatildeo E ainda o de D Vital de quem a reaccedilatildeo contra oregime dominante na regiatildeo fez uma figura de aristocrata revolucionaacuterioembora a sua miacutestica fosse a da ordem e da autoridade

Mesmo desertor de sua classe Joaquim Nabuco foi quase vaiado peloRecife onde lhe sentiam talvez aroma de aristocrata desgarrado entre aplebe e D Vital nunca foi um bispo inteiramente popular entre osrecifenses muitos o acusando de perfumar as matildeos e de pocircr brilhantina nabarba ndash que na verdade foi menos talvez a barba de um frade da Penha quea de um fidalgo de casa-grande De qualquer modo a integraccedilatildeo de JoaquimNabuco na condiccedilatildeo de revolucionaacuterio social marcou uma vitoacuteria domomento de cultura universal ou europeia com que ele homem oceacircnico doRecife se identificou sobre o que havia nele de regional ou teluricamenteestagnado sob a forma de interesse de classe e privileacutegio de casta

Eacute que mesmo se evadindo de uma classe e sobretudo de um sistema quesentiam terrivelmente opressivo para a sua inteligecircncia e para a suasensibilidade para o seu espiacuterito e para o espiacuterito do seu povo esses homensforam representantes de uma autecircntica cultura rural e sobretudo regionalde classe a do senhor de engenho brasileiro A do senhor de engenhopernambucano De uma civilizaccedilatildeo que ajudaram a destruir mas queentretanto marcou-os para sempre como a Igreja marca os defroqueacutes maishorrorosamente revoltados contra ela De modo que no libertador dosescravos permaneceu o sinhocirc-moccedilo da casa-grande de Maccedilangana e nofrade da Penha o aristocrata iacuteamos dizendo terriacutevel de Pedra de Fogo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar entretanto natildeo deu soacute inteligecircncias desertoras(desertoras mas conservando na fuga os traccedilos da classe abandonada dacultura traiacuteda) Deu tambeacutem as suas grandes figuras de conformistas o seuArauacutejo Lima o seu abaianado D Romualdo de Seixas o seu AntocircnioPeregrino Maciel Monteiro Os dois uacuteltimos chegaram mesmo a se tornarexpressotildees meliacutefluas de conformidade passiva com a ordem dominanteForam dois dos maiores volutuosos do sistema aristocraacutetico ostentando comum gosto especial suas insiacutegnias de classe os tiacutetulos de grandes do impeacuterioas gratildes-cruzes das ordens heraacuteldicas os crachaacutes

Em Maciel Monteiro natildeo deixou de haver evasatildeo pelo dandismo de domjuan sempre de flor na botoeira extrato no lenccedilo monoacuteculo no canto do

olho as pontas dos dedos soacute sabendo pegar em sedas em cetins em rendasde mulher Sexo ateacute nas pontas dos dedos

Eacute bem expressivo freudianamente expressivo o dito que lhe atribuemas saias de seda que levantou na sua vida de dom juan foram tantas que lhefizeram calos nas matildeos Calos de pegar seda de sungar saias Calos nos dedosaristocraacuteticos como os de verdade nos dedos dos negros dos negrosamassadores de patildeo dos pretos de matildeos enormes calejadas ou deformadaspelo trabalho que passam pelos anuacutencios de jornais da eacutepoca do dacircndi

Natildeo querendo outra vida senatildeo essa volutuosa e mole entre sedas demulher e frascos de cheiro Maciel Monteiro sentia-se perfeitamente bem nacivilizaccedilatildeo aristocraacutetica do accediluacutecar Por isto seu partido poliacutetico emPernambuco era o dos aristocratas da cana e dos grandes proprietaacuterios deterras e de escravos o dos homens que dizia ele ldquotendo o que perderrdquo ndashterras e escravos ndash ldquotecircm o bom senso de natildeo querer pocircr em risco o fruto deseus suores os que amam a monarquia como garante da felicidade da nossaterrardquo ldquoQuem ama o trabalhordquo ndash diria ainda esse vulutuoso que segundo atradiccedilatildeo natildeo hesitava em namorar mulher casada ndash ldquocuida na sua famiacutelia enatildeo quer desordensrdquo91 O conformismo de Maciel Monteiro com a

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica de que foi expressatildeo tatildeo niacutetida eacute um conformismoloacutegico Loacutegica eacute mesmo sua hipocrisia aquele zelo pela famiacutelia e aquelaostentaccedilatildeo de amor pelo trabalho

Jaacute se viu entretanto que esse conformismo natildeo foi a regra entre oshomens de inteligecircncia e de cultura das casas-grandes do Nordeste antesde se avivar na regiatildeo o intelectualismo revolucionaacuterio das cidades daspraccedilas da rua da praia do Recife contra os Cavalcantis e Rego Barros dosengenhos da ldquomatardquo das academias de medicina e de direito contra ofeudalismo do interior os proacuteprios engenhos produziram agitadores do tipode Paula Gomes senhor rural que se aliou a Pedroso o chefe mesticcedilo dainsurreiccedilatildeo de 1823 no Recife o tal Pedroso de cavanhaque que andouconfraternizando com negros e mulatos botando as molecas no colodeixando-se agradar pelas negras dos mucambos

No Nordeste como na baixada fluminense os engenhos mais ilustresuns com os seus areoacutepagos outros com os seus senhores ricos e cheios delazer para a leitura para o latim para a charada se anteciparam agraves cidades

como centros de cultura intelectual Mesmo de cultura intelectualrevolucionaacuteria isto eacute influenciada pelos hereges da Revoluccedilatildeo Francesa eda filosofia inglesa No proacuteprio seacuteculo XVI os tentaacuteculos do Santo Ofiacutecioandaram remexendo livrarias de senhores de engenho onde jaacute seencontravam novelas e outros livros perigosos aleacutem de cartas de jogarimpressas aqui mesmo Porque o que primeiro se imprimiu no Nordestetalvez um dia se apure que natildeo foi nenhum livro perigoso nem mesmonenhuma oraccedilatildeo devota foram porventura cartas de jogar Eacute o que noslevam a supor certos documentos ainda virgens dos tempos coloniais92cheios da ira del-rei contra cartas de jogar impressas em Pernambuco desdeos meados do seacuteculo XVIII

Se no seacuteculo XVI jaacute se lia Diana em engenhos ou cidades do Brasilconforme se lecirc nas denunciaccedilotildees do Santo Ofiacutecio eacute de supor que livros aindamais perigosos tivessem entrado na regiatildeo do accediluacutecar quando as suas cincoou seis proviacutencias estiveram uma sob o jugo francecircs e todas sob o domiacutenioholandecircs Livros e jogos Livros e jogos trazidos por franceses holandesesingleses e judeus sabido que a colocircnia de sefardins do Recife foi a maisopulenta que a Ameacuterica abrigou na eacutepoca a mais opulentaintelectualmente

No seacuteculo XVIII o Nordeste empalideceu dentro da segregaccedilatildeo e doisolamento Mas com a vinda de D Joatildeo VI com a abertura dos portos com oestabelecimento dos ingleses no Recife em Salvador da Bahia em Satildeo Luiacutesdo Maranhatildeo a cultura da regiatildeo ganhou novamente os traccedilos europeus quehaviam quase desaparecido da face de sua paisagem sob aqueles exageros desegregaccedilatildeo

Maria Graham nos comeccedilos do seacuteculo XIX natildeo encontrara emPernambuco senatildeo restos de livros velhos apodrecendo pelos conventosfrades desinteressados pelos estudos Mas Tollenare e Koster chegaram aconhecer no Nordeste padres e ateacute frades cheios de curiosidade intelectuallidos em autores franceses chegaram a conhecer aristocratas do accediluacutecarinfluenciados pelas ideias e pelas modas inglesas pelas leituras e pelos ideaisfranceses

Com a fundaccedilatildeo da Escola Meacutedica na Bahia e do Curso Juriacutedico emOlinda ndash depois transferido para o Recife ndash as duas cidades tornaram-se

focos ainda mais vivos de cultura intelectual europeia ndash mais revolucionaacuteriano Recife e mais acomodatiacutecia talvez na Bahia Os livros europeuscomeccedilaram a chegar mais livremente agraves matildeos dos estudantes ndash dos padresmoccedilos dos filhos de senhores de engenho dos mulatos de vinte anosansiosos de saber

Principia a influecircncia dos filoacutesofos ingleses junto com a dos franceses emais tarde com a dos alematildes Olinda e depois Recife tornam-se dois centrosativos de traduccedilatildeo e de divulgaccedilatildeo das novas ideias francesas e inglesas dosnovos sistemas natildeo soacute de filosofia como de moral de higiene de medicinade educaccedilatildeo dos meninos A maior cabeccedila da revoluccedilatildeo de 1817 fora umacabeccedila de padre influenciado pelas ideias francesas (pobre cabeccedila queacabaria arrancada do corpo como a de um judas)

Natildeo tardou que a devoccedilatildeo dos homens por Nossa Senhora empalidecessediante da devoccedilatildeo maior pela Deusa da Liberdade Natildeo soacute entre osestudantes de direito do Recife e os de medicina da Bahia como entre osproacuteprios alunos dos seminaacuterios e dos coleacutegios de artes Se nas procissotildeesalguns ldquosenhores acadecircmicosrdquo ainda em 1850 subiam piedosamente asladeiras de Olinda com coroas de espinho na cabeccedila os peacutes descalccedilossujando-se de poeira brandotildees ou velas de cera nas matildeos devotas desde osprimeiros tempos da academia outros natildeo quiseram saber senatildeo de festasdebaixo das aacutervores do horto de Olinda com vivas ao imperadorconstitucional agrave Independecircncia agrave restauraccedilatildeo da Bahia com danccedilas comcantorias talvez com a presenccedila de atrizes ou mestras e contramestras depastoril ndash a julgar pelo tom de escacircndalo com que o Amigo do Povo93censurava essas pacircndegas de rapazes Mas eacute possiacutevel que tambeacutem com apresenccedila de mestres e contramestres de direito e de filosofia ateacute de padres-mestres do padre Manuel Joseacute da Silva Porto por exemplo tatildeo acusadopelos absolutistas de agitador ou revolucionaacuterio Ele como outro lente deOlinda o doutor Joatildeo Joseacute de Moura

Mas as troccedilas e convescotes tinham tambeacutem o seu lado seacuterio faziam-sediscursos contra o absolutismo recitavam-se poesias patrioacuteticas davam-semorras a Portugal e natildeo somente vivas ao Brasil E alguns estudantes dessesgrupos mais boecircmios e mais liberais natildeo hesitavam em falar um tantojuridicamente no ldquodireitordquo do redator caturra do Amigo do Povo (que os

censurava a eles e aos seus camaradas do coleacutegio das artes por aquelesexageros de liberalismo e talvez de libertinagem) ldquoa umas duacutezias decacetadasrdquo Quase o mesmo pensava o padre Lopes Gama com relaccedilatildeo aopadre Barreto Sinal de que natildeo era perfeita a toleracircncia reciacuteproca entre osestudantes os doutores e os cleacuterigos das cidades como estava longe de serperfeita entre os velhos senhores de engenho tanto deles divididos portremendos oacutedios poliacuteticos por questotildees de terras de aacuteguas de bois demulher Daiacute a capangagem os crimes os assassinatos as emboscadas Aindahoje quem percorre as zonas mais velhas de canaviais do Nordeste vecirc casas-grandes com fama de mal-assombradas em uma se assassinou a tiro osenhor na proacutepria rede todo de branco como um inglecircs fumando charutodepois de jantar noutra a sinhaacute numa terceira o sinhocirc-moccedilo que tinhaestudado medicina na Europa

Na academia de Olinda ndash depois transferida para o Recife ndash e pareceque tambeacutem na Escola de Medicina da Bahia ndash os trotes dos veteranos noscalouros tomaram o sabor sadista de que estava viciado o ar o ambiente dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar muito doce nuns aspectos mas por dentro cheia decrueldades negros surrados ateacute o sangue correr das feridas os mulatos maisafoitos agraves vezes castrados as brigas de galo e de canaacuterios salpicando desangue as calccedilas brancas dos senhores de engenho meninos criados uns reisdas bagaceiras quebrando a pedrada ou a caco de garrafa a cabeccedila dasnegras velhas tirando sangue dos moleques a chicotadas arrancando osolhos dos passarinhos torcendo o pescoccedilo dos galos judiando com aslagartixas e os gatos Em Olinda chegou a haver uma morte de um estudanteque ficou ceacutelebre tratando-se do filho de uma famiacutelia nobre da Bahia o casotomou as cores de um grande escacircndalo

Entretanto pelo maior contato do Nordeste com a Europa burguesa doseacuteculo XIX ndash mais tolerante de divergecircncias do que a Europa da cavalaria ndashe principalmente com o desenvolvimento da cultura juriacutedica no Recife94da cultura meacutedica na Bahia e da cultura religiosa e humanista ali e emOlinda os costumes sempre mais finos e mais europeus nos canaviais do quenos sertotildees foram ganhando maior doccedilura a vida humana foi sendo maisrespeitada agrave sombra das casas-grandes e dos sobrados o sadismo dos maisvelhos com relaccedilatildeo aos mais moccedilos dos mais brancos com relaccedilatildeo aos mais

pretos dos mais poderosos com relaccedilatildeo aos mais fracos foi se atenuando e seabrandando a confraternizaccedilatildeo cristatilde foi se estendendo aos africanos

Os enciclopedistas antiescravocratas tiveram influecircncia profunda sobreos revolucionaacuterios de 1817 sobre os areoacutepagos e as academias de padres demeacutedicos de senhores de engenho Montesquieu foi o mestre mais poderosode frei Caneca ndash a grande figura de frade parece que libertino e ao mesmotempo liberal que deu agrave revoluccedilatildeo de 1824 a sua expressatildeo ideoloacutegica maisalta e a sua mancha mais viva de martiacuterio

Vencidas as duas grandes revoluccedilotildees regionais sobre os novos centros decultura continuariam a agir atraveacutes da primeira metade do seacuteculo XIXinfluecircncias francesas e inglesas umas romanticamente liberais outras desentido mais organizador mais juriacutedico ou mais cientiacutefico Aleacutem deMontesquieu de Voltaire de Condorcet de Locke de Lamartine ndash CharlesComte com o seu memoraacutevel Traiteacute de leacutegislation e Bentham que seria tatildeodiscutido entre noacutes E ainda Filangeri Say Tocqueville Adam SmithLaboulaye Os anuacutencios dos jornais nos permitem seguir a preponderacircnciadas leituras novas como tambeacutem de muacutesicas e drogas francesas inglesas eamericanas que foram revolucionando os vaacuterios aspectos da cultura regionalno sentido da diminuiccedilatildeo de prestiacutegio das valores tradicionais maiscaracteriacutesticos da ordem aristocraacutetica e escravocraacutetica da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar a medicina caseira a modinha a religiatildeo o claacutessico latino a novelade cavalaria

De modo que houve isto de paradoxal a civilizaccedilatildeo do accediluacutecarprestando-se por vaacuterios motivos embora negando-se por outros ndash asconstantes faltas de viacuteveres e os altos preccedilos dos gecircneros em Pernambucopor exemplo foram mais de uma vez alegados como razatildeo poderosa paranatildeo se estabelecer em Olinda ou no Recife nenhuma escola superior ndash acentros de ensino meacutedico e de ensino juriacutedico no impeacuterio concorreu paraacelerar a sua proacutepria destruiccedilatildeo Concorreu para avivar nas cidades umintelectualismo revolucionaacuterio ou criacutetico que agiria contra ela proacutepriacivilizaccedilatildeo agraacuteria e escravocraacutetica

Entretanto dificilmente se imagina a fundaccedilatildeo de cursos superiores noBrasil desprezando-se o Recife ou a Bahia onde uma seacuterie de condiccedilotildeescriadas pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar facilitavam os estudos mais elevados A

maior pureza da liacutengua por exemplo Foi aliaacutes elemento tomado muito emconsideraccedilatildeo pelos fundadores do ensino superior no Brasil Eacute que os centrosnordestinos de colonizaccedilatildeo tendo sido por influecircncia da cana-de-accediluacutecar osde maior populaccedilatildeo negra ndash tatildeo corrutora da liacutengua portuguesa ndash foramtambeacutem os mais dominados pela influecircncia dos padres-mestres agregadosaos engenhos padres-mestres que mais facilmente transigiam ndash alguns pelomenos ndash com os pecados da carne que com os erros de gramaacutetica quefizeram mais talvez pela pureza da liacutengua que pela pureza de costumesDaiacute o Maranhatildeo se ter tornado em pleno regime de escravidatildeo a ldquoAtenasbrasileirardquo uma Atenas mais de gramaacuteticos do que de sofistas Sergipe nofim do impeacuterio um ldquoninho de aacuteguiasrdquo ndash Pernambuco e a Bahia ndash outras duasAtenas outros ldquoninhos de aacuteguiasrdquo feitos com palha de cana ldquoAtenasbrasileirardquo natildeo soacute pelos gramaacuteticos e pelos seus filoacutelogos como pelo seuspoetas seus romancistas seus liacutericos

Outros senhores de engenho empregaram ainda mais severamente osseus oacutecios do que os gramaacuteticos e os poetas Gabriel Soares de Sousa emestudos quase cientiacuteficos de etnografia na Bahia por exemplo Vaacuterios emaplicaccedilotildees de medicina caseira a negros e moradores um divertimentodelicioso tendo-se cobaias tatildeo perfeitas nas senzalas Um ou outro emmeacutetodos de melhoramentos da cultura da cana95

A maior parte natildeo soube empregar o lazer senatildeo em devoccedilotildees aos santose agrave Virgem em festas com muito doce muito accediluacutecar muito licor dejenipapo muito vinho de caju em poliacutetica em brigas de galo em cavalosem jogo de cartas em charadas em cartas aos compadres mexericandosobre eleiccedilotildees ou propondo troca de negro ou de cavalo Haacute muito resto decartas dessas pelos arquivos dos velhos engenhos do Nordeste

Santo talvez natildeo tenha produzido nenhum a civilizaccedilatildeo agraacuteria doNordeste nem ao menos algum asceta do tipo daquele que ficou ceacutelebre naregiatildeo mineira de paisagem mais dura de solo mais acre de ar talvez maisfavoraacutevel aos heroiacutesmos da castidade e aos exerciacutecios da piedade Apenasproduziu o Nordeste do accediluacutecar um ou outro senhor de engenho maisdevoto O capitatildeo-mor Manuel Tomeacute de Jesus por exemplo Manoel Tomeacutede Jesus gastava em ouro e prata para as suas santas em encomendas decoroas e resplendores de ouro para as suas virgens de madeira o que outros

escravocratas esbanjavam em ouro e prata para enfeitar as negras quedesvirginavam as mulatas que emprenhavam as mestras e contramestras depastoril que defloravam Em uma como compensaccedilatildeo a esses leigosextremamente devotos a esses senhores de engenho quase frades pela suapiedade e pela sua devoccedilatildeo aos santos houve no Nordeste como noutrasaacutereas do Brasil colonial frades que como senhores de engenho rivalizaramcom os leigos no furor patriarcal Se natildeo trouxessem haacutebito ldquoem cousaalguma tinhatildeo differenccedila de hum pae de familiardquo diz esses frades umacorrespondecircncia do seacuteculo XVIII96

O ambiente viciado pelo sadismo-masoquismo da civilizaccedilatildeo escravocratado Nordeste natildeo se pode dizer que fosse inteiramente desfavoraacutevel agrave eclosatildeode santos Santos em quem rebentassem reaccedilotildees agrave sensualidade bruta domeio Reaccedilotildees vicaacuterias Protestos ao abuso do fraco pelo poderoso da mulherpelo homem do menino pelo adulto do negro pelo branco Em um climamoral particularmente sadista-masoquista como o da Espanha das guerrasde cristatildeos contra mouros das touradas da Inquisiccedilatildeo de D Juan Tenorio eacuteque aparecem santos da doccedilura de Satildeo Joatildeo da Cruz da ternura de SantaTeresa de Jesus E Satildeo Luiacutes Gonzaga se tornou heroacutei da virgindade em ummeio tatildeo viscosamente sensual que as bocas das pessoas estavam sempreperfumadas para os beijos

Houve padres no Nordeste que quase se elevaram a santos pelo esforccediloheroico de ensinar de doutrinar de cuidar dos doentes Ibiapina O padreRolim Ibiapina foi de fato uma figura de cristatildeo dos tempos apostoacutelicosdesgarrados nestas aacutereas de accediluacutecar e de mandioca E o padre Vieira teve acoragem de denunciar do puacutelpito abusos de ricos de poderosos de senhoresde engenho D Vital a de enfrentar os grandes maccedilons do impeacuterio

Mas foram raras essas vozes sendo tantos os cleacuterigos e os fradesSurpreende que muitas iniciativas que deviam ter sido talvez dos bispos ndashaliaacutes o Nordeste natildeo deixou de ter grandes figuras de bispos como a deAzeredo Coutinho e a de D Joatildeo da Purificaccedilatildeo ndash tivessem de ser tomadaspor simples padres pobres Ou entatildeo pelos governadores ou capitatildees-moresO amparo agraves crianccedilas enjeitadas por exemplo Antes de D Tomaacutes Joseacute deMelo ndash um dos governadores mais animados de espiacuterito puacuteblico que teve acapitania de Pernambuco ndash o desleixo pela crianccedila enjeitada numa terra

cheia de igrejas e de conventos com o Recife do seacuteculo XVIII era tal quealgumas pobrezinhas eram estraccedilalhadas pelos bichos imundos que de noitevagavam pelas ruas Os negros pagatildeos ateacute os princiacutepios do seacuteculo XIX seenterravam em Pernambuco pelas praias ermas e com tatildeo pouco espiacuteritocristatildeo que os cachorros e os urubus natildeo tinham dificuldade em ir pinicarcarne tatildeo abandonada depois de morta quanto explorada ainda viva

Onde uma voz de padre que tivesse chamado com a forccedila com quedeviam ter clamado todas as vozes de padre a favor da mulher ndash tatildeohumilhada tatildeo abusada tatildeo maltratada por maridos e pais senhores deengenho Alguns desses maridos como Miguel Ferreira rendeiro doengenho do Tapicuraacute em Pernambuco faziam de suas mulatas as rainhasda casa e tratavam de resto a mulher legiacutetima Agrave mulher legiacutetima tocavaapenas parir e criar os filhos E dessas mulheres de senhores de engenhocrueacuteis pode-se dizer que algumas foram santas embora no sentido brasileiroe natildeo rigorosamente lituacutergico A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve suas santas suasmulheres grandes sofredoras que humilhadas repugnadas maltratadascriaram filhos numerosos agraves vezes os seus e os das outras mulheres maisfelizes que elas cuidaram das feridas dos escravos dos negros velhos dosmoradores doentes dos engenhos

Mesmo em sentido lituacutergico o Nordeste teve as suas quase-santasnascidas agrave sombra doce de uma igreja da qual eacute impossiacutevel separar aformaccedilatildeo brasileira Teve a sua veneraacutevel Madre Soror Acircngela doNascimento nascida no engenho Jurrisaca no cabo de Santo AgostinhoTeve a sua Catarina Pais Vestida com o haacutebito descoberto da TerceiraOrdem de Satildeo Francisco Catarina se exercitou no que um cronista chamaldquoheroicas virtudesrdquo ldquoheroicas virtudesrdquo na verdade para serem praticadaspor mulher branca e de prol em civilizaccedilatildeo escravocraacutetica as da humildadeas do serviccedilo as do amor a toda espeacutecie de proacuteximo ldquoFoi a sua humildadetatildeo profunda que ateacute se reconhecia por indigna de servir as suas mesmasescravas dizendo que ainda que a fortuna as tivesse feito captivas eratildeo filhasdo Deos a que ella natildeo merecia servir por ser hua grande peccadorardquo Teve asua Da Maria Joseacute ldquonatural do Recife filha de Pays nobres e ricosrdquo queentretanto desde mocinha cortou os cabelos vestiu haacutebito de terceira doCarmo e ldquopara desengano dos que pretendiatildeo o seu cazamento distribuio

pelos pobres a maior parte do seu doterdquo97 Teve a sua Da Inecircs Barreto de

Albuquerque que quando ficou viuacuteva foi para dedicar-se toda ao serviccedilo deDeus e aos pobres dando de comer a muitos sustentando muitas oacuterfatildesfundando o Hospital de Nossa Senhora do Rosaacuterio no Recife e ela proacutepriavarrendo os quartos e fazendo as camas dos doentes Teve as suas muitasDas Mariazinhas Das Francisquinhas Das Mariquinhas que desdemeninas desde a primeira comunhatildeo natildeo fizeram senatildeo cuidar dosmaridos dos filhos dos escravos dos santos

Santo ndash repita-se ndash eacute que parece que o Nordeste do accediluacutecar natildeo deunenhum Os proacuteprios filhos de senhores de engenho que iam estudar parapadre levavam do canavial para o seminaacuterio um orgulho que nunca morrianeles Que natildeo morreu nem em um D Vital capuchinho frade da PenhaTodos os exerciacutecios de humildade franciscana que praticou com tanto ardorparece que natildeo puderam destruir em Vital Maria Gonccedilalves de Oliveira oorgulho de aristocrata de engenho que continuou sendo sob as barbas defrade sob o capucho de religioso sob a murccedila de bispo Sua insistecircncia emdizer-se pernambucano ndash quando de fato parece que nasceu na Paraiacuteba ndash eacutebem caracteriacutestico desse orgulho que daacute a impressatildeo de ter sido natildeo soacuteregional mas de classe Pernambucano soacute natildeo pernambucano do canavialAristocrata Descendente dos senhores de engenho que expulsaram osholandeses do Nordeste como ele quis expulsar os maccedilons poderosos dasIrmandades e da Igreja

Dentro da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar ndash que por algum tempo constituiu quasetoda a civilizaccedilatildeo brasileira ndash o pernambucano foi a especializaccedilatildeo maisintensa das qualidades e dos defeitos dessa organizaccedilatildeo monocultoramonossexual e principalmente aristocraacutetica e escravocraacutetica Organizaccedilatildeocheia de contrastes Inimiga do indiacutegena Opressora do negro ndash emboramenos que a mineira ou a paraense Opressora do menino e da mulher ndashembora ostentando uma galanteria um cavalheirismo uma devoccedilatildeo peloldquobelo sexordquo que nenhuma outra civilizaccedilatildeo brasileira ostentou com tantobrilho no passado

Com todos os seus defeitos a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar que se especializouou antes se exagerou no Nordeste do massapecirc e dentro do Nordeste emPernambuco ndash seu foco seu centro seu ponto de maior intensidade ndash em

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e escravocraacutetica deu ao Brasil alguns dos maioresvalores de cultura hoje caracteristicamente brasileiros dissolvidos em outrascivilizaccedilotildees distribuiacutedos por outras aacutereas diluiacutedos em outros estilos de vidamas com a marca de origem ainda visiacutevel a olho nu Outros valores natildeosofreram transformaccedilatildeo e morreram ou existem soacute em resiacuteduos muito vagos

Mas foi justamente essa civilizaccedilatildeo nordestina do accediluacutecar ndash talvez a maispatoloacutegica socialmente falando de quantas floresceram no Brasil ndash queenriqueceu de elementos mais caracteriacutesticos a cultura brasileira

O que nos faz pensar nas ostras que datildeo peacuterolasLevando-se a vista dos pobres canaviais do Nordeste patriarcal para as

oliveiras de certa terra claacutessica do sul da Europa haacute de ver-se que tambeacutem acivilizaccedilatildeo grega foi uma civilizaccedilatildeo moacuterbida segundo os padrotildees de sauacutedesocial em vigor entre os modernos Civilizaccedilatildeo escravocraacutetica Civilizaccedilatildeopagatilde Civilizaccedilatildeo monossexual E entretanto estranhamente criadora devalores pelo menos poliacuteticos intelectuais e esteacuteticos Muito mais criadoradesses valores do que as civilizaccedilotildees mais saudaacuteveis que ainda se utilizam daheranccedila grega Junto dela com efeito a bem equilibrada civilizaccedilatildeo dosmodernos escandinavos empalidece e se apresenta tatildeo esteacuteril e tristonhacomo se natildeo tivesse senatildeo matildeos e peacutes de gigante

Abaixo da grega outras civilizaccedilotildees parece que tecircm reproduzido emtermos maciccedilos o caso estranho dos gecircnios individuais tanto deles como asostras doentes eacute que datildeo peacuterolas

A antiga civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste de uma patologia social tatildeonumerosa daacute-nos essa mesma impressatildeo em confronto com as demaiscivilizaccedilotildees brasileiras ndash a pastoril a das minas a da fronteira a do cafeacuteCivilizaccedilotildees mais saudaacuteveis mais democraacuteticas mais equilibradas quanto agravedistribuiccedilatildeo da riqueza e dos bens Mas nenhuma mais criadora do que elade valores poliacuteticos esteacuteticos intelectuais

76 Rodrigues de Carvalho ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo in Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 1937Vejam-se tambeacutem sobre o assunto os trabalhos reunidos em Estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 193477 Rodrigues de Carvalho loc cit

78 Col dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica daProviacutencia de Pernambuco (1849)79 Como observou Saacute e Oliveira com relaccedilatildeo aos aristocratas baianos tambeacutemno extremo Nordeste se manteve alta a estatura dos homens entre aaristocracia branca e quase-branca das casas-grandes Aristocracia jaacute hojedegradada Nessa classe tatildeo socialmente vigorosa ateacute agrave aboliccedilatildeo os homensaltos e bem apessoados foram comuns conforme natildeo soacute a tradiccedilatildeo com ascrocircnicas e as evidecircncias fotograacuteficas que se referem agrave uacuteltima metade doseacuteculo XIX Dos grandes senhores de terras que deram seu apoio agraveRevoluccedilatildeo de 1817 sabe-se que alguns eram verdadeiros gigantes Entre agente de cor verifica-se entretanto a tendecircncia para a estatura mediana eabaixo da mediana para o que talvez tenham concorrido em Pernambucojuntamente com fatores sociais de degradaccedilatildeo os elementos africanos eindiacutegenas que mais entraram na composiccedilatildeo do tipo popular no extremoNordeste africanos (Bacircntus) e indiacutegenas uns de estatura mediana outrosde estatura baixa80 Joseacute Ameacuterico de Almeida A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924Vejam-se tambeacutem sobre o assunto Agamemnon Magalhatildees O Nordestebrasileiro (O habitat e a gens) Recife 1921 e Felte Bezerra Etniassergipanas cit Sobre as caracteriacutesticas de fiacutesico ou de corpo nos escravos daParaiacuteba atraveacutes de anuacutencios de jornal prepara interessante ensaio opesquisador paraibano Ademar Vidal baseado em nosso ldquoO escravo nosanuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro 1934 do qual esperamos dar breve novaediccedilatildeo ampliada81 Sobre o tipo do nordestino veja-se dos dois meacutedicos pernambucanosMorfologia do homem do Nordeste Rio de Janeiro 1937 Sobre diferentesaspectos das relaccedilotildees do homem do Nordeste com a alimentaccedilatildeo e o meiovejam-se Josueacute de Castro Documentaacuterio do Nordeste (Rio de Janeiro1936) e Rui Coutinho Valor social da alimentaccedilatildeo (Rio de Janeiro 1938)Do assunto ndash o tipo nordestino do ponto de vista psicoloacutegico social ndash vem seocupando em pesquisas no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais oprofessor Gonccedilalves Fernandes82 Sobrados e mucambos trabalho de que apareceu a primeira ediccedilatildeo em1936 A segunda ediccedilatildeo de 1951 incluiu cinco capiacutetulos novos e vaacuteriosacreacutescimos aos capiacutetulos antigos83 O Congresso Nacional aprovou por imensa maioria em 1949 o nossoprojeto hoje lei criando na cidade do Recife em comemoraccedilatildeo docentenaacuterio do nascimento de Joaquim Nabuco um instituto de pesquisasocial destinado ao estudo e agrave valorizaccedilatildeo do homem do Norte ndash e natildeoapenas Nordeste ndash agraacuterio da Bahia ao Amazonas Esse instituto acaba deser inaugurado no Recife pelo ministro Pedro Calmon

Sobre condiccedilotildees de vida e de habitaccedilatildeo da atual populaccedilatildeo operaacuteria ndash aomesmo tempo mesticcedila ndash do Recife ndash que como metroacutepole regional desdedias remotos atrai elementos do Nordeste inteiro e natildeo apenas do interior dePernambuco metade dessa populaccedilatildeo sendo originaacuteria do interior domesmo Estado e 14 de outros Estados ndash veja-se o recente e interessanteopuacutesculo ldquoPrimeiros resultados de um inqueacuterito em torno da populaccedilatildeooperaacuteria do Reciferdquo publicado pelo Serviccedilo Social da Induacutestria Recife 1949Encontram-se aiacute as informaccedilotildees ldquometade do nosso operariado proveacutem dointerior do estado 14 de outros estados ao passo que da capital mesmaapenas 36 Eacute interessante ainda notar que tanto o elemento masculinocomo o feminino imigrados se representam na mesma proporccedilatildeordquo

Cabe aqui referecircncia a um breve estudo publicado no Boletim doDepartamento Estadual de Estatiacutestica de Pernambuco e onde lemos oseguinte ldquoHaacute um fenocircmeno interessante a se notar na nossa populaccedilatildeo eacuteum lsquodespovoamento relativorsquo do interior em benefiacutecio da capital a partir de1900 e acentuando-se de 1920 para 1940 Essa percentagem deacumulaccedilatildeo do Recife (1296) soacute eacute inferior agrave da capital de Satildeo Paulo quedeu em 1940 185 e agraves de Manaus e Beleacutem respectivamente de 21 e24 A cidade de Satildeo Paulo eacute um grande centro industrial Manaus e Beleacutemsatildeo capitais de Estados despovoados com uma densidade territorial miacutenimaEssas razotildees de ordem econocircmica embora diversas e mesmo opostasexplicam as altas percentagens da populaccedilatildeo das capitais daqueles Estadosrdquo

E mais em seguida lecirc-se que esta fuga do campo para a capital que anoa ano acentua ldquopoderaacute criar um nocivo desequiliacutebrio entre a nossa produccedilatildeoagropecuaacuteria (de gecircneros de subsistecircncia e mateacuterias-primas) e a induacutestria ecomeacuterciordquo

Quanto a condiccedilotildees de habitaccedilatildeo em particular desse operariado satildeointeressantes as informaccedilotildees

ldquoO nuacutemero de casas de taipa compreende 897 do total resultado queseria de esperar em uma cidade onde o nuacutemero de mucambos eacute talvezsuperior ao de preacutedios

ldquoQuanto ao tipo do abastecimento de aacutegua verifica-se que apenas 92casas em 950 possuem aacutegua encanada o que daacute apenas 97 Os outrostipos de abastecimento satildeo cacimba com 294 chafariz com 319 ecacimba e chafariz com 290

ldquoNo tocante ao tipo de iluminaccedilatildeo encontramos o querosene aindalargamente empregado ultrapassando de muito a eletricidade

Comparando-se todavia esse resultado com o encontrado em um inqueacuteritorealizado em 1939 para a lsquoTerceira Semana de Accedilatildeo Socialrsquo achamos que ouacuteltimo sistema estaacute tomando rapidamente o lugar do primeiro Naqueleinqueacuterito foram encontrados 911 para eletricidade e 9089 paraquerosene enquanto no presente encontramos respectivamente 3880 e6120

ldquoQuanto ao tipo do despejo constatamos mais uma vez uma falta dehigiene e de conforto alarmantes apenas 1 das 950 casas em estudo possuisaneamento apenas 341 (36) possuem fossa nas restantes 608 (64) osseus moradores fazem despejos em lugares improacuteprios como buracos mareacutesagrave flor do chatildeo etc

ldquoConveacutem notar que onde existem lenccediloacuteis de aacutegua rio ou mareacute ascondiccedilotildees de higiene satildeo sempre melhores Verificou-se recentemente quea incidecircncia de amebiacutease eacute muito mais elevada nos bairros pobres onde natildeoexiste aacutegua para receber ou drenar os despejos como Campo Grande AacuteguaFria Casa Amarela Beberibe e sensivelmente menor no que dispotildeem desteelemento como Afogados e Santo Amarordquo Esta verificaccedilatildeo foi feita pelospesquisadores Heacutelio Coutinho e Gilmaacuterio M Teixeira autores deContribuiccedilatildeo ao estudo da endemia amebiana na cidade do Recife(Relatoacuterio do tema oficial do Terceiro Congresso Meacutedico Acadecircmico Recife)

Com essa numerosa populaccedilatildeo vinda em tatildeo grande parte do interior edas cidades menores da regiatildeo compreende-se que o Recife tenha queenfrentar problemas particularmente difiacuteceis de urbanismo de higiene deassistecircncia social e de socorro meacutedico Veja-se tambeacutem Tales de AzevedoPadratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia 194784 Veja-se nosso Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife

2a ed Rio de Janeiro 1942 devendo a 3a ediccedilatildeo aparecer em 196100Ao nossos guias Recife e Olinda de duas das mais antigas cidades do

Nordeste agraacuterio aqui arbitrariamente considerado (arbitrariamente por sero nosso criteacuterio de ldquoNordesterdquo diferente do oficial ultimamente adotado)como a regiatildeo que se estende do Recocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo outrosvecircm se acrescentando dois de Salvador um escrito pelo romancista JorgeAmado outro por Afracircnio Peixoto um de Maceioacute trabalho do professorManuel Diegues Juacutenior um de Joatildeo Pessoa escrito pelo sr Ademar Vidal Enatildeo devemos nos esquecer do estudo de Viccedilosa pelo alagoano AlfredoBrandatildeo Um roteiro de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo estaacute sendo esmeradamentepreparado pelo sr Josueacute Montelo escritor que junta agrave arte literaacuteria a

erudiccedilatildeo acadecircmica Sobre o Maranhatildeo natildeo devem ser esquecidas asexcelentes paacuteginas de geografia histoacuterica e cultural ndash algumas extensivas aoNordeste inteiro ndash que nos deixou Raimundo Lopes nem as recentes do srAstolfo Serra85 Waumltjen em seu trabalho sobre os judeus na colonizaccedilatildeo moderna fixavaacuterios aspectos da influecircncia israelita no Nordeste no tempo do domiacutenioholandecircs E recorda trechos da carta dirigida por holandeses em 1641 aJoatildeo Mauriacutecio de Nassau Alguns desses trechos vatildeo aqui transcritossegundo traduccedilatildeo feita gentilmente para este trabalho pelo sr CarlosGilberto Cavalcanti ldquoCada vez mais cai o comeacutercio no Brasil holandecircs nasmatildeos dos judeus Os comerciantes cristatildeos estatildeo quase excluiacutedos e setornaram lsquospertateurs van de negotie der joodenrsquoTodos os israelitas quechegam aqui satildeo bem recebidos pelos seus companheiros portugueses eempregados como agentes feitores de usinas ou de plantaccedilotildees de canaTodos os lugares vagos de corretor satildeo ocupados naturalmente pelos judeusque se esforccedilam o mais possiacutevel para o progresso do comeacutercio judaico Quasetodo o accediluacutecar passa pelas matildeos deles e quando em algum lugar haacute qualquercoisa onde se possa ganhar jaacute Israel tomou contardquo

Sobre o domiacutenio holandecircs no Nordeste veja-se o excelente ensaio do srJoseacute Antocircnio Gonsalves de Melo neto Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 194786 Oliveira Lima Memoacuterias Rio de Janeiro 193787 Vejam-se sobre o assunto nossos Um engenheiro francecircs no Brasil (Riode Janeiro1940) e Ingleses no Brasil (Rio de Janeiro1948) onde se destacaa intensidade no Nordeste ateacute o meado do seacuteculo XIX de uma influecircncia ndasha inglesa e francesa ndash que soacute depois diminuiu na regiatildeo do accediluacutecar paraconservar-se no Rio de Janeiro e acentuar-se em Satildeo Paulo88 Embora a interpretaccedilatildeo da formaccedilatildeo do Brasil sob este criteacuterio venha segeneralizando entre historiadores e ensaiacutestas voltados para assuntos dehistoacuteria sociologia e economia cremos haver nos antecipado no esboccedilo deuma sistemaacutetica ao mesmo tempo econocircmica e socioloacutegica da histoacuteria dagente brasileira esboccedilo que data de ensaio publicado em 1933 e de notaspreacutevias de 192589 Veja-se sobre o assunto o interessante estudo do professor Pedro CalmonHistoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 193990 Na sessatildeo de 2 de julho de 1827 do parlamento brasileiro dizia umrepresentante da aacuterea aristocraacutetica o sr Ferreira de Melo que o chaacute era nacorte gecircnero de primeira necessidade ldquoo qual hoje entre noacutes pelo grandeuso que tem estaacute considerado como gecircnero de primeira necessidaderdquo (Anaisdo Parlamento Brasileiro Rio de Janeiro) O mesmo ldquogecircnero de primeira

necessidaderdquo tornou-se o chaacute na aacuterea aristocraacutetica de accediluacutecar do Nordeste91 Estes trechos de declaraccedilotildees de Maciel Monteiro satildeo transcritos do estudoque lhe dedicou Faelante da Cacircmara Maciel Monteiro Recife 190592 Dentre outros documentos o seguinte

ldquoSendo prezente a S Magd que natildeo obstante o Alvaraacute que seraacute em estade 31 de julho do anno proximo passado porque foi servido approvar areprezentaccedilatildeo do Director Geral e deputados da Conferencia e ImpressatildeoRegia e as condiccedilotildees com que estabeleceu Lourenccedilo Silezio as fabricas decartas de jogar e papelotildees se continua em algumas das terras desse estadoem se fabricarem as mesmas cartas de jogar contra a dispoziccedilatildeo do referidoalvaraacute Ordena o mesmo senhor que Vordf Sordf decirc as mais exactas providenciaspara obviar as transgressoens do dito alvaraacute mandando proceder contra osseus respectivos transgressores com as penas nelle declaradas

ldquoDeus Ge a V Sordf Palacio de Nossa Senhora de Ajuda a 30 de julho de

1770 Manoel de Mello e Castro Ordens de Sordf Magd Fma pelo expediente

dos secretarios drsquoEstado Aos governadores e capatildeo genal de Pernambuco(Desde 1767 atheacute 1773)rdquo manuscrito na Biblioteca do Estado dePernambuco

Em 1811 as iras da metroacutepole seriam contra os contrabandos de cartas dejogar em Pernambuco em detrimento do monopoacutelio portuguecircs como se vecircda carta de 4 de abril do conde de Aguiar ao governador Caetano Pinto deMiranda Montenegro (ldquoCorrespondecircncia da Corterdquo 1811 manuscrito naBiblioteca do Estado de Pernambuco)93 Amigo do Povo nordm 10 (1830) Veja-se tambeacutem o artigo de ldquoUm olindenseamigo da honra e da verdaderdquo Diaacuterio de Pernambuco de 13 de novembrode 183094 Como acentua Faelante da Cacircmara na sua Memoacuteria histoacuterica daFaculdade de Direito de Recife referente a 1903 ndash memoacuteria que estaacute apedir reediccedilatildeo ndash ldquofoi o predomiacutenio intelectual desse centro que conseguiuhumanizar os costumes estabelecer a corrente de simpatias e a permutacivilizadora das ideias O proacuteprio caraacuteter pernambucano modificou-seprofundamente Os filhos de famiacutelias poderosas que viviam em luta acesa osde sangue azul e os plebeus os descendentes da fidalguia do cabo e osrepresentantes dos antigos mascates daqui saiacuteam harmonizados levando agravecasa paterna a notiacutecia de que o coacutedigo dos direitos individuais eacute igual paratodosrdquo95 A respeito da reproduccedilatildeo da cana pela semente assunto de que se ocupao botacircnico brasileiro Pio Correia no seu Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do

Brasil (Rio 1929) o dr Artur Siqueira Cavalcanti daacute um depoimento queconfirmado colocaria o Nordeste em situaccedilatildeo de relevo na histoacuteria cientiacuteficada cana-de-accediluacutecar

ldquoO engenheiro civil Abelardo de Lima Cavalcanti foi talvez o primeirobrasileiro (1916-1917) que frequentou a Escola da Estaccedilatildeo Experimental deCana-de-Accediluacutecar em Baton Rouge na Louisiana Quando foi conferido odiploma ao referido engenheiro brasileiro o diretor da Escola de BatonRouge declarou-lhe em conversa que havia sido Pernambuco o primeirolugar no mundo onde se conseguira a reproduccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar pelasemente

Esse fato representa na histoacuteria da cana-de-accediluacutecar uma aquisiccedilatildeocientiacutefica notaacutevel e cuja importacircncia econocircmica eacute inuacutetil acentuar Basta verque eacute pela seleccedilatildeo da semente que se obtecircm as variedades de cana ricas emaccediluacutecar Existe uma variedade de cana em Pernambuco denominadalsquoManoel Cavalcantirsquo notaacutevel pela sua pureza e riqueza em sacarose a qual sedeve ao agricultor pernambucano desse nomerdquo96 Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general daBahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779 ndash Martinho de Mello eCastro Manuscrito no Arquivo de Ultramar Arquivo Histoacuterico Colonial deLisboa Capitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboardquosob nordm 1031997 D Domingos de Loreto Couto op cit

Bibliografia

Para escrever Nordeste Gilberto Freyre consultou um nuacutemero maior detextos dos que estatildeo aqui elencados Pretendeu-se com esta bibliografiasomente organizar as obras e documentos por ele citados nas notas e nocorpo do texto (Gustavo Henrique Tuna)

I Fontes Manuscritos Documentos Perioacutedicos etc

AGUIAR Durval Vieira de Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898

ALEMAtildeO Francisco Freire Monografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicadaem 1826 e reimpressa pelo Ministeacuterio da Agricultura 1929

Arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute PernambucoArquivo particular do engenho Noruega PernambucoArquivo particular do engenho Salgado PernambucoBRANDAtildeO Ambroacutesio F Diaacutelogos das grandezas do Brasil Rio de Janeiro

Oficina Industrial 1930BRITO Desembargador Joatildeo Rodrigues de e outros Cartas econocircmico-

poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)

CAcircMARA Faelante da Memoacuteria histoacuterica da Faculdade de Direito deRecife Recife 1903

CANECA frei Obras poliacuteticas e literaacuterias 2 vols 1875Carta Circular do governador D Tomaacutes Joseacute de Melo aos corregedores

das cacircmaras sobre as plantaccedilotildees de mandioca 10 de janeiro de1797 Manuscrito da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco

Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para Rodrigo de Sousa Coutinho Bahia20 de outubro de 1798 Manuscrito do Arquivo de Ultramar deLisboa registrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena 3 de

janeiro de 1789 Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted610

Carta do marquez de Pombal 30 de agosto de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta do marquez de Pombal 6 de dezembro de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisboapara o Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botacircnicode Lisboa Bahia 18 de outubro de 1781 Manuscrito do Arquivo doUltramar de Lisboa registrado no Inventaacuterio dos Documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar deLisboa Organizado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro porEduardo de Castro e Almeida Rio de Janeiro 1914

Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)Coleccedilatildeo dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica da

Proviacutencia de Pernambuco 1849Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania de PernambucoCorrepondecircncia dos Cocircnsules Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica

do Estado de PernambucoFONSECA Pedro P da ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas Apontamentos histoacutericos

biograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscritoGUENTHER Konrad A naturalist in Brazil (trad) Londres 1931Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general da

Bahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779- Martinho deMello e Castro Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboacapitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de

Lisboardquo sob no 10319KOSTER Henry Voyages dans la partie septentrionale du Breacutesil depuis

1809 jusquacuteen 1815 Comprenant lecircs provinces de Permabuco(Fernambouc) Seara Parahyba Maragnon etc Paris 1818

LUCCOCK John Notes on Rio de Janeiro and the southern parts of

Brazil taken during a residence of ten years in that country from1808 to 1818 Londres MDCCCXX

MANSFIELD Charles Paraguay Brazil and the Plate Londres 1856REBELO Joseacute Silvestre ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do

accediluacutecarrdquo O auxiliador da induacutestria nacional nos II e III Rio deJaneiro 1833

PUDSEY Cuthbert Journal of a residence in Brazil written by duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito da Seccedilatildeo de Manuscritos daBiblioteca Nacional Rio de Janeiro

SMITH Herbert H Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque1879

SPIX J B von e MARTIUS C F Phil von Atraveacutes da Bahia (excertos daobra Reise en Bresilien trasladados ao portuguecircs pelo dr Pirajaacute daSilva e dr Paulo Wolf) 1ordf ediccedilatildeo Bahia 1928

TEIXEIRA D Marcos ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do Santo Ofiacuteciordquo Anais daBiblioteca Nacional vol XLIX

TOLLENARE L F de ldquoNotas dominicais tomadas durante a viagem emPortugal e no Brasil em 18161817 e 1818rdquo(parte relativa aPernambuco traduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredode Carvalho) Revista do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico

Pernambucano nos 61-62 1904

II Fontes Perioacutedicos Almanaques Anais

a) Indicaccedilotildees geraisAmigo do PovoAnais da Biblioteca Nacional do Rio de JaneiroAnais da Faculdade de Medicina do RecifeAnuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas Satildeo

Paulo (1946-1947)BandoBoletim da Junta da Proviacutencia da EstremaduraBoletim da Secretaria da Agricultura Pernambuco

Boletim da Secretaria da Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo de PernambucoBoletim do Departamento Estadual de Estatiacutestica de PernambucoDiaacuterio de NotiacuteciasEngineering WorldFronteirasJornal de AlagoasJournal of Negro HistoryNordesteO ProgressoRegiatildeoRevista do Arquivo Municipal de Satildeo PauloRevista do BrasilSocial ForcesThe Annals of the American academy of political and social scienceUniversity of California publications in geographyU S Department of Agriculture

b) Indicaccedilotildees particularesASHE W W ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in the

southeastrdquo Engineering world XXIIIBARRETO Carlos Xavier Paes ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no

povoamento nordestinordquo Revista das Academias de Letras no 63Rio de Janeiro 1948

BARROS Sousa Artigo sobre distribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grandepropriedade territorial em Pernambuco Boletim da Secretaria daAgricultura Pernambuco vol I no 2 1936

BATISTA FILHO Olavo ldquoAspectos da economia accedilucareira no nordeste doseacuteculo XVIrdquo Revista do Arquivo Municipal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo1939

BENNETT H H ldquoSoil Erosion a national menacerdquo U S Department of

Agriculture Circular no 33 1928_______________ ldquoThe increased cost of soil erosionrdquo The Annals of the

American academy of political and social science CXLIICANABRAVA A P ldquoA influecircncia do Brasil na teacutecnica do fabrico de accediluacutecar

nas Antilhas francesas e inglesas no meado do seacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterioda Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas SatildeoPaulo 1946-1947

CARVALHO Rodrigues de ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro1937

COUTINHO A Bezerra ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do

Recife no 1 1934COUTO D Domingos do Loreto ldquoDesagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambucordquo 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais daBiblioteca Nacional do Rio de Janeiro vol XXIV)

GAMA Lauro M ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina Acadecircmica no 61936

FERRAZ Aydano do Couto ldquoTraccedilos da influecircncia da aacutegua na paisagemsocial do Nordeste e do recocircncavordquo Revista do Arquivo Municipalde Satildeo Paulo vol 60 Satildeo Paulo 1940

HERSKOVITS Melville ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History July 1934

_______________ ldquoOn the provenience of new word negroesrdquo SocialForces December 1933

_______________ ldquoThe significance of west Africa for Negro researchrdquoJournal of Negro History January 1936

HOOTON E A ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82July 1935

LINS Meira e WANDERLEY Fernando ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo AnualSociedade de Medicina de Pernambuco setembro 1934

MENDONCcedilA JUacuteNIOR ldquoOs ladrotildees de cavalordquo Jornal de Alagoas 1948MOTA Leonardo ldquoO cavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5

de setembro de 1937NATIVIDADE J Vieira ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo Boletim da

Junta da Proviacutencia da Estremadura no 5 1944

PICKEL D Bento ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria da

Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III no 31934

REIS JUacuteNIOR A ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquo Vida poliacutetica Rio de Janeiromarccedilo 1948

SCHMIEDER Otto ldquoThe brazilian culture hearthrdquo University of California

publications in geography vol 3 no 3 agosto 1929SILVA J Rodrigues da ldquoEstudo cliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo

Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica tomo III no 1 Rio deJaneiro outubro 1949

SOUSA Coelho de ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto Alegre 18 de abril de1950

TOURINHO Eduardo ldquoA baianardquo Correio da Manhatilde 30 de abril de 1950VASCONCELOS SOBRINHO ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo

separata de Fronteiras Recife 1936

III Material Subsidiaacuterio Livros

ABREU J Capistrano de Capiacutetulos de histoacuteria colonial Rio de Janeiro1928

ALBUQUERQUE Feacutelix Cavalcanti de Memoacuterias de um Cavalcanti (notasde Diogo de Melo Meneses) Satildeo Paulo 1940

ALMEIDA Joseacute Ameacuterico de A bagaceira Paraiacuteba 1928_______________ A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924ANDRADE Lopes de Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro

1948AZEVEDO Fernando de Canaviais e engenhos na vida poliacutetica do Brasil

Rio de Janeiro 1948AZEVEDO Tales de Padratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia

1947BARATA cocircnego Antocircnio do Carmo Um grande saacutebio um grande

patriota um grande bispo (conferecircncia) Pernambuco 1921BARRETO Carlos Xavier Paes Os primitivos colonizadores do nordeste e

seus descendentes Rio de Janeiro 1960

BARROS Henrique de Economia Agraacuteria Lisboa 1948BARROSO Gustavo Terra de Sol Rio de Janeiro 1930BASTIDE Roger Imagens do Nordeste Miacutestico em branco e preto Rio de

Janeiro 1945BELO Juacutelio Memoacuterias de um senhor de engenho Rio de Janeiro 1937BEZERRA Felte Etnias sergipanas Aracaju 1950Biografias (publicado aos cuidados de Alexandre Joseacute Barbosa Lima)

Recife 1905BRANDAtildeO Theo Folclore de Alagoas Maceioacute 1949CALMON Pedro Histoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 1939CAcircMARA Faelante da Maciel Monteiro Recife 1905CARVALHO Alfredo de Estudos Pernambucanos Recife 1907CASCUDO Luiacutes da Cacircmara Geografia dos mitos brasileiros Rio de Janeiro

1947CASTRO Josueacute de Documentaacuterio do Nordeste Rio de Janeiro 1936_______________ Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de

Janeiro 1948CORREIA Pio Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do Brasil Rio de Janeiro 1929COSTA Angione Migraccedilatildeo e cultura indiacutegena Satildeo Paulo 1939COSTA Pereira da Folclore Pernambucano Recife 1908_______________ Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em

Pernambuco Recife 1905COUTINHO Rui Valor social da alimentaccedilatildeo Rio de Janeiro 1938CRAVEN A O Soil exhaustion as a factor in the agricultural history of

Virginia and Maryland 1926DIEGUES JUacuteNIOR Manoel O banguecirc nas Alagoas Rio de Janeiro 1949ELLIS JUacuteNIOR Alfredo O ouro e a paulistacircnia Satildeo Paulo 1948FERRAZ Aacutelvaro e LIMA Miguel de Andrade Morfologia do homem do

Nordeste Rio de Janeiro 1937FREYRE Gilberto Accediluacutecar algumas receitas de doces e bolos do Nordeste

Rio de Janeiro 1939______________ Casa-Grande amp Senzala Rio de Janeiro 1933______________ Conferecircncias na Europa Rio de Janeiro 1938______________ Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier Rio de Janeiro

1960______________ Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do

Recife 2ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1942______________ Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica

na vida na paisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 1948___________(org) Livro do Nordeste comemorativo do 1ordm centenaacuterio

do Diaacuterio de Pernambuco 1925______________ Mucambos do Nordeste Rio de Janeiro 1937______________ e outros Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro

1937______________ Olinda 2ordm guia histoacuterico praacutetico e sentimental de

cidade brasileira 3a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1960______________ O mundo que o portuguecircs criou Rio de Janeiro 1940______________ ldquoOs escravos nos anuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro

1934

______________ Sobrados e Mucambos 2a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1951______________ Um engenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro

1940GOMES Pimentel Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina Rio de

Janeiro 1914______________ Contribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do

nordeste brasileiro Joatildeo Pessoa 1936HARLOW Vincent T A history of Barbados 1625-1885 Oxford 1926JOFFILY I Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 1892LIMA Oliveira ldquoA Nova Lusitacircniardquo in DIAS C M(org) Histoacuteria da

colonizaccedilatildeo portuguesa no Brasil Porto [sn] 1924______________ Memoacuterias Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1937LOumlFGREN Alberto Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo do

Nordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio deJaneiro 1912

LUETZELBURG Phillip Von Estudo botacircnico do Nordeste InspetoriaFederal de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1922-1923

MAGALHAtildeES Agamecircmnon O Nordeste brasileiro (o habitat e a gens)Recife 1921

MARROQUIM Maacuterio A liacutengua do Nordeste (Alagoas e Pernambuco) SatildeoPaulo 1934

MELO NETO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 1947

NABUCO Joaquim Minha formaccedilatildeo Rio de Janeiro-Paris 1900________________ Um estadista do Impeacuterio Rio de Janeiro 1898NASH Roy The conquest of Brazil Nova Iorque 1926OLIVEIRA J B Saacute Evoluccedilatildeo psiacutequica dos baianos Bahia 1898ORLANDO Artur O Brasil ndash a terra e o homem Recife 1913PINHO Wanderley de Histoacuterias de um engenho do recocircncavo Rio de

Janeiro 1947PINTO Estevatildeo Os indiacutegenas do Nordeste Satildeo Paulo 1935_____________ Uma estrada de ferro do Nordeste Rio de Janeiro

1949REGO Joseacute Lins do Banguecirc Rio de Janeiro 1934________________ Usina Rio de Janeiro 1936SAMPAIO A T Fitogeografia do Brasil Satildeo Paulo 1934SCHMIDT Louis Bernard (ed) Readings in the economic history of

american agriculture Nova Iorque 1925TAVARES Luiacutes Estudo meacutedico-ciruacutergico da esquistossomose Manson

Recife 1945VASCONCELOS SOBRINHO As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e

a civilizaccedilatildeo Rio de Janeiro-Satildeo Paulo 1949

Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre

1900

Nasce no Recife em 15 de marccedilo na antiga Estrada dos Aflitos (hojeAvenida Rosa e Silva) esquina de Rua Ameacutelia (o portatildeo da hojeresidecircncia da famiacutelia Costa Azevedo estaacute assinalado por uma placa) filhodo dr Alfredo Freyre ndash educador juiz de direito e catedraacutetico deEconomia Poliacutetica da Faculdade de Direito do Recife ndash e de Franciscade Mello Freyre

1906

Tenta fugir de casa abrigando-se na materna Olinda desde entatildeo

cidade muito de seu amor e da qual escreveria em 1939 o 2o guiapraacutetico histoacuterico e sentimental

1908

Entra no jardim de infacircncia do Coleacutegio Americano Gilreath Lecirc asViagens de Gulliver com entusiasmo Natildeo consegue aprender aescrever fazendo-se notar pelos desenhos Tem aulas particulares com opintor Telles Juacutenior que reclama contra sua insistecircncia em deformar osmodelos Comeccedila a aprender a ler e escrever em inglecircs com Mr Williamsque elogia seus desenhos

1909

Primeira experiecircncia da morte a da avoacute materna que muito o mimavapor supor que o neto tinha deficit de aprendizado pela dificuldade emaprender a escrever Temporada no engenho Satildeo Severino do Ramopertencente a parentes seus Primeiras experiecircncias rurais de menino deengenho Mais tarde escreveraacute sobre essa temporada uma das suasmelhores paacuteginas incluiacuteda em Pessoas coisas amp animais

1911

Primeiro veratildeo na Praia de Boa Viagem onde escreve um soneto

camoniano e enche muitos cadernos com desenhos e caricaturas

1913

Daacute as primeiras aulas no coleacutegio Lecirc Joseacute de Alencar Machado de AssisGonccedilalves Dias Castro Alves Victor Hugo Emerson Longfellow algunsdramas de Shakespeare Milton Ceacutesar Virgiacutelio Camotildees e Goethe

1914

Ensina latim que aprendeu com o proacuteprio pai conhecido humanistarecifense Toma parte ativa nos trabalhos da sociedade literaacuteria docoleacutegio Torna-se redator-chefe do jornal impresso do coleacutegio O Laacutebaro

1915

Tem liccedilotildees particulares de francecircs com Madame Meunieur Lecirc LaFontaine Pierre Loti Moliegravere Racine Dom Quixote a Biacuteblia Eccedila deQueiroacutes Antero de Quental Alexandre Herculano Oliveira Martins

1916

Corresponde-se com o jornalista paraibano Carlos Dias Fernandes que oconvida a proferir palestra na capital do estado vizinho Como o drFreyre natildeo apreciava Carlos Dias Fernandes pela vida boecircmia quelevava viaja autorizado pela matildee e lecirc no Cine-Teatro Patheacute sua primeiraconferecircncia puacuteblica dissertando sobre Spencer e o problema daeducaccedilatildeo no Brasil O texto foi publicado no jornal O Norte com elogiosde Carlos Dias Fernandes Influenciado pelos mestres do coleacutegio e pelaleitura do Peregrino de Bunyan e de uma biografia do dr Livingstonetoma parte em atividades evangeacutelicas e visita a gente miseraacutevel dosmucambos recifenses Interessa-se pelo socialismo cristatildeo mas lecirc comoespeacutecie de antiacutedoto a seu misticismo autores como Spencer e Comte Eacuteeleito presidente do Clube de Informaccedilotildees Mundiais fundado pelaAssociaccedilatildeo Cristatilde de Moccedilos do Recife Lecirc ainda nesse periacuteodo RuiBarbosa Joaquim Nabuco Oliveira Lima Nietzsche e Sainte-Beuve

1917

Conclui o curso de Barechal em Ciecircncias e Letras do Coleacutegio AmericanoGilreath fazendo-se notar pelo discurso que profere como orador daturma cujo paraninfo eacute o historiador Oliveira Lima daiacute em diante seu

amigo (ver referecircncia ao primeiro encontro com Oliveira Lima noprefaacutecio agrave ediccedilatildeo de suas Memoacuterias escrito a convite da viuacuteva e doeditor Joseacute Olympio) Leitura de Taine Renan Darwin Von IheringAnatole France William James Bergson Santo Tomaacutes de Aquino SantoAgostinho Satildeo Joatildeo da Cruz Santa Teresa Padre Vieira PadreBernardes Fernatildeo Lopes Satildeo Francisco de Assis Satildeo Francisco de Salese Tolstoacutei Comeccedila a estudar grego Torna-se membro da IgrejaEvangeacutelica desagradando a matildee e a famiacutelia catoacutelica

1918

Segue no iniacutecio do ano para os Estados Unidos fixando-se em Waco(Texas) para matricular-se na Universidade de Baylor Comeccedila a lerStevenson Pater Newman Steele e Addison Lamb Adam Smith MarxWard Giddings Jane Austen as irmatildes Broumlnte Carlyle Mathew ArnoldPascal Montaigne Euclides da Cunha e Monteiro Lobato Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Pernambuco com a seacuterie de cartas intituladasldquoDa outra Ameacutericardquo

1919

Ainda na Universidade de Baylor auxilia o geoacutelogo John Casper Brannerno preparo do texto portuguecircs da Geologia do Brasil Ensina francecircs ajovens oficiais norte-americanos convocados para a guerra EstudaGeologia com Pace Biologia com Bradbury Economia com WrightSociologia com Dow Psicologia com Hall e Literatura com A JArmstrong professor de Literatura e criacutetico literaacuterio especializado nafilosofia e na poesia de Robert Browning Escreve os primeiros artigos eminglecircs publicados por um jornal de Waco Divulga suas primeirascaricaturas

1920

Conhece pessoalmente por intermeacutedio do professor Armstrong o poetairlandecircs William Butler Yeats (ver no livro Artigos de jornal umcapiacutetulo sobre esse poeta) os ldquopoetas novosrdquo dos Estados Unidos VachelLindsay Amy Lowell e outros Escreve em inglecircs sobre Amy Lowell Comoestudante de Sociologia faz pesquisas sobre a vida dos negros de Waco edos mexicanos marginais do Texas Conclui na Universidade de Baylor ocurso de Bacharel em Artes mas natildeo comparece agrave solenidade da

formatura contra as praxes acadecircmicas a Universidade envia-lhe odiploma por intermeacutedio de um portador Segue para Nova York eingressa na Universidade de Coluacutembia Lecirc Freud WestermarckSantayana Sorel Dilthey Hrdlicka Keith Rivet Rivers Hegel Le PlayBrunhes e Croce Segundo notiacutecia publicada no Diaacuterio de Pernambucode 5 de junho a Academia Pernambucana de Letras por proposta deFranccedila Pereira elege-o soacutecio-correspondente

1921

Segue na Faculdade de Ciecircncias Poliacuteticas (inclusive as Ciecircncias SociaisJuriacutedicas) da Universidade de Coluacutembia cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo dos professores Giddings Seligman Boas Hayes Carl vanDoren Fox John Basset Moore e outros Conhece pessoalmenteRabindranath Tagore e o priacutencipe de Mocircnaco (depois reunidos no livroArtigos de jornal) Valle-Inclaacuten e outros intelectuais e cientistas famososque visitam a Universidade de Coluacutembia e a cidade de Nova York Aconvite de Amy Lowell visita-a em Boston (ver sobre essas visitas artigosincluiacutedos no livro Vida forma e cor) Segue na Universidade deColuacutembia o curso do professor Zimmern da Universidade de Oxfordsobre a escravidatildeo na Greacutecia Visita a Universidade de Harvard e oCanadaacute Eacute hoacutespede da Universidade de Princeton como representantedos estudantes da Ameacuterica Latina que ali se reuacutenem em congresso LecircPatrick Geddes Ganivet Max Weber Maurras Peacuteguy Pareto RickertWilliam Morris Michelet Barregraves Huysmans Verlaine RimbaudBaudelaire Dostoieacutevski John Donne Coleridge Xenofonte HomeroOviacutedio Eacutesquilo Aristoacuteteles e Ratzel Torna-se editor associado da revistaEl Estudiante Latinoamericano publicada mensalmente em Nova Yorkpelo Comitecirc de Relaccedilotildees Fraternais entre Estudantes EstrangeirosPublica diversos artigos no referido perioacutedico

1922

Defende tese para o grau de M A (Magister Artium ou Master of Arts)na Universidade de Coluacutembia sobre Social life in Brazil in the middle ofthe 19th century publicada em Baltimore pela Hispanic AmericanHistorical Review (v 5 n 4 nov 1922) e recebida com elogios pelosprofessores Haring Shepherd Robertson Martin Oliveira Lima e H LMencken que aconselha o autor a expandir o trabalho em livro Deixa de

comparecer agrave cerimocircnia de formatura seguindo imediatamente para aEuropa onde recebe o diploma enviado pelo reitor Nicholas MurrayButler Vai para a Franccedila a Alemanha a Beacutelgica tendo antes passadopela Inglaterra estabelecendo-se em Oxford Vai para a Franccedilaatravessa a Espanha e conhece Portugal onde se fixa Lecirc SimmelPoincareacute Havelock Ellis Psichari Reacutemy de Gourmont Ranke BertrandRussell Swinburne Ruskin Blake Oscar Wilde Kant e Graciaacuten Tem oretrato pintado pelo modernista brasileiro Vicente do Rego MonteiroConvive com ele e com outros artistas modernistas brasileiros comoTarsila do Amaral e Brecheret Na Alemanha conhece o Expressionismona Inglaterra estabelece contato com o ramo inglecircs do Imagismo jaacute seuconhecido nos Estados Unidos Na Franccedila conhece oanarcossindicalismo de Sorel e o federalismo monaacuterquico de MaurrasConvidado por Monteiro Lobato ndash a quem fora apresentado por carta deOliveira Lima ndash inicia sua colaboraccedilatildeo na Revista do Brasil (n 80 p363-371 agosto de 1922)

1923

Continua em Portugal onde conhece Joatildeo Luacutecio de Azevedo o Condede Sabugosa Fidelino de Figueiredo Joaquim de Carvalho e Silva GaioRegressa ao Brasil e volta a colaborar no Diaacuterio de Pernambuco DaEuropa escreve artigos para a Revista do Brasil (Satildeo Paulo) a pedido deMonteiro Lobato

1924

Reintegra-se no Recife onde conhece Joseacute Lins do Rego incentivando-o a escrever romances em vez de artigos poliacuteticos (ver referecircncias aoencontro e iniacutecio da amizade entre o socioacutelogo e o futuro romancista doCiclo da Cana de Accediluacutecar no prefaacutecio que este escreveu para o livroRegiatildeo e tradiccedilatildeo) Conhece Joseacute Ameacuterico de Almeida atraveacutes de JoseacuteLins do Rego Funda-se no Recife a 28 de abril o Centro Regionalistado Nordeste com Odilon Nestor Amaury de Medeiros Alfredo FreyreAntocircnio Inaacutecio Morais Coutinho Carlos Lyra Filho Pedro ParanhosJuacutelio Bello e outros Excursotildees pelo interior do estado de Pernambuco epelo Nordeste com Pedro Paranhos Juacutelio Bello (que a seu pedidoescreveria as Memoacuterias de um senhor de engenho) e seu irmatildeo UlyssesFreyre Lecirc na capital do estado da Paraiacuteba conferecircncia publicada no

mesmo ano Apologia pro generatione sua (incluiacuteda no livro Regiatildeo etradiccedilatildeo)

1925

Encarregado pela direccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco organiza o livrocomemorativo do primeiro centenaacuterio de fundaccedilatildeo do referido jornalLivro do Nordeste onde foi publicado pela primeira vez o poemamodernista de Manuel Bandeira ldquoEvocaccedilatildeo do Reciferdquo escrito a seupedido (ver referecircncias no capiacutetulo sobre Manuel Bandeira no livroPerfil de Euclides e outros perfis) O Livro do Nordeste consagratambeacutem o ateacute entatildeo desconhecido pintor Manuel Bandeira e publicadesenhos modernistas de Joaquim Cardoso e Joaquim do Rego MonteiroLecirc na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco uma conferecircnciasobre D Pedro II publicada no ano seguinte

1926

Conhece a Bahia e o Rio de Janeiro onde faz amizade com o poetaManuel Bandeira os escritores Prudente de Morais Neto (Pedro Dantas)Rodrigo M F de Andrade Seacutergio Buarque de Holanda o compositorVillas-Lobos e o mecenas Paulo Prado Por intermeacutedio de Prudenteconhece Pixinguinha Donga e Patriacutecio e se inicia na nova muacutesicapopular brasileira em noitadas boecircmias Escreve um extenso poemamodernista ou imagista e ao mesmo tempo regionalista e tradicionalistado qual Manuel Bandeira diraacute depois que eacute um dos mais saborosos dociclo das cidades brasileiras ldquoBahia de todos os santos e de quase todosos pecadosrdquo (publicado no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeo da Revistado Norte reeditado em 20 de junho de 1942 na revista O Cruzeiro eincluiacutedo no livro Talvez poesia) Segue para os Estados Unidos comodelegado do Diaacuterio de Pernambuco ao Congresso Panamericano deJornalistas Convidado para redator-chefe do mesmo jornal e para oficialde gabinete do governador eleito de Pernambuco entatildeo vice-presidenteda Repuacuteblica Colabora (artigos humoriacutesticos) na Revista do Brasil com opseudocircnimo de J J Gomes Sampaio Publica-se no Recife a conferecircncialida no ano anterior na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco Apropoacutesito de Dom Pedro II (ediccedilatildeo da Revista do Norte incluiacuteda em

1944 no livro Perfil de Euclides e outros perfis) Promove no Recife o 1o

Congresso Brasileiro de Regionalismo

1927

Assume o cargo de oficial de gabinete do novo governador dePernambuco Estaacutecio de Albuquerque Coimbra casado com a prima deAlfredo Freyre Joana Castelo Branco de Albuquerque Coimbra ConheceMaacuterio de Andrade no Recife e proporciona-lhe um passeio de lancha norio Capibaribe

1928

Dirige a pedido de Estaacutecio Coimbra o jornal A Proviacutencia onde passam acolaborar os novos escritores do Brasil Publica no mesmo jornal artigos ecaricaturas com diferentes pseudocircnimos Esmeraldino Oliacutempio AntocircnioRicardo Le Moine J Rialto e outros Lecirc Proust e Gide Nomeado pelogovernador Estaacutecio Coimbra por indicaccedilatildeo do diretor A Carneiro Leatildeotorna-se professor da Escola Normal do Estado de Pernambuco primeiracadeira de Sociologia que se estabelece no Brasil com modernaorientaccedilatildeo antropoloacutegica e pesquisas de campo

1930

Acompanhando Estaacutecio Coimbra ao exiacutelio visita novamente a Bahiaconhece parte do continente africano (Dacar Senegal) e inicia emLisboa as pesquisas e os estudos em que se basearia Casa-grande ampsenzala (ldquoEm outubro de 1930 ocorreu-me a aventura do exiacutelio Levou-me primeiro agrave Bahia depois a Portugal com escala pela Aacutefrica O tipo deviagem ideal para os estudos e as preocupaccedilotildees que este ensaio refleterdquocomo escreveraacute no prefaacutecio do mesmo livro)

1931

A convite da Universidade de Stanford segue para os Estados Unidoscomo professor extraordinaacuterio daquela universidade Volta no fim doano para a Europa permanecendo algum tempo na Alemanha emnovos contatos com seus museus de antropologia de onde regressa aoBrasil

1932

Continua no Rio de Janeiro as pesquisas para a elaboraccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em bibliotecas e arquivos Recusando convites paraempregos feitos pelos membros do novo governo brasileiro ndash um deles

Joseacute Ameacuterico de Almeida ndash vive entatildeo com grandes dificuldadesfinanceiras hospedando-se em casas de amigos e em pensotildees baratas doDistrito Federal Estimulado pelo seu amigo Rodrigo M F de Andradecontrata com o poeta Augusto Frederico Schmidt ndash entatildeo editor ndash apublicaccedilatildeo do livro por 500 mil-reacuteis mensais que recebe comirregularidades constantes Regressa ao Recife onde continua a escreverCasa-grande amp senzala na casa do seu irmatildeo Ulysses Freyre

1933

Conclui o livro enviando os originais ao editor Schmidt que o publica emdezembro

1934

Aparecem em jornais do Rio de Janeiro os primeiros artigos sobre Casa-grande amp senzala escritos por Yan de Almeida Prado Roquette-Pinto

Joatildeo Ribeiro e Agrippino Grieco todos elogiosos Organiza no Recife o 1o

Congresso de Estudos Afro-Brasileiros Recebe o precircmio da SociedadeFelipe drsquoOliveira pela publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Lecirc namesma sociedade conferecircncia sobre O escravo nos anuacutencios de jornal dotempo do Impeacuterio publicada na revista Lanterna Verde (v 2 fev1935) Regressa ao Recife e lecirc no dia 24 de maio na Faculdade deDireito e a convite de seus estudantes conferecircncia publicada no mesmoano pela Editora Momento O estudo das ciecircncias sociais nasuniversidades americanas Publica-se no Recife (Oficinas Graacuteficas ThePropagandist ediccedilatildeo de amigos do autor tiragem de apenas 105exemplares em papel especial e coloridos a matildeo por Luiacutes Jardim) o Guiapraacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife inaugurando emtodo o mundo um novo estilo de guia de cidade ao mesmo tempo liacutericoe informativo e um dos primeiros livros para biblioacutefilos publicados noBrasil Nomeado em dezembro diretor do Diaacuterio de Pernambuco cargoque exerceu por apenas quinze dias por causa da proibiccedilatildeo por AssisChateaubriand da publicaccedilatildeo de uma entrevista de Joatildeo Alberto Lins deBarros

1935

A pedido dos alunos da Faculdade de Direito do Recife e por designaccedilatildeodo ministro da Educaccedilatildeo inicia na referida escola superior um curso de

Sociologia com orientaccedilatildeo antropoloacutegica e ecoloacutegica Segue em setembropara o Rio de Janeiro onde a convite de Aniacutesio Teixeira dirige naUniversidade do Distrito Federal o primeiro Curso de Antropologia Sociale Cultural da Ameacuterica Latina (ver texto das aulas no livro Problemasbrasileiros de antropologia) Publica-se no Recife (Ediccedilotildees Mozart) olivro Artigos de jornal Profere a convite de estudantes paulistas deDireito no Centro XI de Agosto da Faculdade de Direito de Satildeo Paulo aconferecircncia Menos doutrina mais anaacutelise tendo sido saudado peloestudante Osmar Pimentel

1936

Publica-se no Rio de Janeiro (Companhia Editora Nacional v 64 daColeccedilatildeo Brasiliana) o livro que eacute uma continuaccedilatildeo da seacuterie iniciada comCasa-grande amp senzala Sobrados e mucambos Viagem agrave Europapermanecendo algum tempo na Franccedila e em Portugal

1937

Viaja de novo agrave Europa dessa vez como delegado do Brasil ao Congressode Expansatildeo Portuguesa no Mundo reunido em Lisboa Lecirc conferecircnciasnas Universidades de Lisboa Coimbra e Porto e na de Londres (KingrsquosCollege) publicadas no Rio de Janeiro no ano seguinte Regressa aoRecife e lecirc conferecircncia poliacutetica no Teatro Santa Isabel a favor dacandidatura de Joseacute Ameacuterico de Almeida agrave Presidecircncia da Repuacuteblica Aconvite de Paulo Bittencourt inicia colaboraccedilatildeo semanal no Correio daManhatilde Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Nordeste(aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordestedo Brasil)

1938

Eacute nomeado membro da Academia Portuguesa de Histoacuteria pelopresidente Oliveira Salazar Segue para os Estados Unidos como lenteextraordinaacuterio da Universidade de Coluacutembia onde dirige seminaacuterio sobresociologia e histoacuteria da escravidatildeo Publica-se no Rio de Janeiro (ServiccediloGraacutefico do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede) o livro Conferecircncia naEuropa

1939

Faz primeira viagem ao Rio Grande do Sul Segue depois para osEstados Unidos como professor extraordinaacuterio da Universidade deMichigan Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a primeira ediccedilatildeodo livro Accediluacutecar e no Recife (ediccedilatildeo do autor para biblioacutefilos) Olinda 2oguia praacutetico histoacuterico e sentimental de cidade brasileira Publica-seem Nova York (Instituto de las Espantildeas en los Estados Unidos) a obra dohistoriador Lewis Hanke Gilberto Freyre vida y obra

1940

A convite do governo portuguecircs lecirc no Gabinete Portuguecircs de Leitura doRecife a conferecircncia (publicada no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeoparticular) Uma cultura ameaccedilada a luso-brasileira E em Aracaju na

instalaccedilatildeo da 2a Reuniatildeo da Sociedade de Neurologia Psiquiatria eHigiene Mental do Nordeste lecirc conferecircncia publicada no ano seguintepela mesma sociedade no dia 29 de outubro na Biblioteca do Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores e a convite da Casa do Estudante do Brasilprofere conferecircncia sobre Euclides da Cunha publicada no anoseguinte no dia 19 de novembro na Biblioteca do Estado do Rio Grandedo Sul faz uma conferecircncia por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dobicentenaacuterio da cidade de Porto Alegre publicada em 1943 Participa do

3o Congresso Sul-Rio-Grandense de Histoacuteria e Geografia ao qualapresenta a pedido do historiador Dante de Laytano o trabalhoSugestotildees para o estudo histoacuterico-social do sobrado no Rio Grande doSul publicado no mesmo ano pela Editora Globo e incluiacutedoposteriormente no livro Problemas brasileiros de antropologiaPublica-se em Nova York (Columbia University Press) o opuacutesculo Someaspects of the social development on Portuguese America separata daobra coletiva Concerning Latin American culture Publicam-se no Riode Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Um engenheiro francecircs no Brasil eO mundo que o portuguecircs criou com longos prefaacuteciosrespectivamente de Paul Arbousse-Bastide e Antocircnio Seacutergio Prefacia eanota o Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier publicado no mesmoano pelo Serviccedilo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional

1941

Casa-se no Mosteiro de Satildeo Bento do Rio de Janeiro com a senhoritaMaria Magdalena Guedes Pereira Viaja ao Uruguai Argentina e

Paraguai Torna-se colaborador de La Nacioacuten (Buenos Aires) dosDiaacuterios Associados do Correio da Manhatilde e de A Manhatilde (Rio deJaneiro) Prefacia e anota as Memoacuterias de um Cavalcanti do seuparente Feacutelix Cavalcanti de Albuquerque Melo publicadas pelaCompanhia Editora Nacional (volume 196 da Coleccedilatildeo Brasiliana)Publica-se no Recife (Sociedade de Neurologia Psiquiatria e HigieneMental do Nordeste) a conferecircncia Sociologia psicologia e psiquiatriadepois ampliada e incluiacuteda no livro Problemas brasileiros deantropologia contribuiccedilatildeo para uma psiquiatria social brasileira queseria destacada pela Sorbonne ao doutouraacute-lo HC Publica-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) e em Buenos Aires a conferecircnciaAtualidade de Euclides da Cunha (incluiacuteda em 1944 no livro Perfil deEuclides e outros perfis) Ao ensejo da publicaccedilatildeo no Rio de Janeiro(Joseacute Olympio) do livro Regiatildeo e tradiccedilatildeo recebe homenagem degrande nuacutemero de intelectuais brasileiros com um almoccedilo no JoacutequeiClube em 26 de junho do qual foi orador o jornalista Dario de AlmeidaMagalhatildees

1942

Eacute preso no Recife por ter denunciado em artigo publicado no Rio deJaneiro atividades nazistas e racistas no Brasil inclusive as de um padrealematildeo a quem foi confiada pelo governo do estado de Pernambuco aformaccedilatildeo de jovens escoteiros Com seu pai reage agrave prisatildeo quandolevado para ldquoa imunda Casa de Detenccedilatildeo do Reciferdquo sendo solto no diaseguinte por interferecircncia direta de seu amigo general Goacutees MonteiroRecebe convite da Universidade de Yale para ser professor de FilosofiaSocial que natildeo pocircde aceitar Profere no Rio de Janeiro discurso comopadrinho de batismo de aviatildeo oferecido pelo jornalista AssisChateaubriand ao Aeroclube de Porto Alegre Eacute eleito para o ConselhoConsultivo da American Philosophical Association Eacute designado peloConselho da Faculdade de Filosofia da Universidade de Buenos AiresAdscrito Honoraacuterio de Sociologia e eleito membro correspondente daAcademia Nacional de Histoacuteria do Equador Discursa no Rio de Janeiroem nome do sr Samuel Ribeiro doador do aviatildeo Taylor agrave campanha deAssis Chateaubriand Publica-se em Buenos Aires (Comisioacuten Revisora de

Textos de Historia y Geografiacutea Americana) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em espanhol com introduccedilatildeo de Ricardo Saenz Hayes

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses e a 2a

ediccedilatildeo de Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife A

Casa do Estudante do Brasil divulga em 2a ediccedilatildeo a conferecircncia Umacultura ameaccedilada a luso-brasileira proferida no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife (1940)

1943

Visita a Bahia a convite dos estudantes de todas as escolas superiores doestado que lhe prestam excepcionais homenagens agraves quais se associaquase toda a populaccedilatildeo de Salvador Lecirc na Faculdade de Medicina daBahia a convite da Uniatildeo dos Estudantes Baianos a conferecircncia Emtorno de uma classificaccedilatildeo socioloacutegica e no Instituto Histoacuterico da Bahiapor iniciativa da Faculdade de Filosofia do mesmo estado a conferecircnciaA propoacutesito da filosofia social e suas relaccedilotildees com a sociologia histoacuterica(ambas incluiacutedas com os discursos proferidos nas homenagens recebidasna Bahia no livro Na Bahia em 1943 que teve quase toda a sua tiragemapreendida nas livrarias do Recife pela Poliacutecia do Estado dePernambuco) Recusa em carta altiva o convite para ser catedraacutetico deSociologia da Universidade do Brasil Inicia colaboraccedilatildeo no O Estado deS Paulo em 30 de setembro Por intermeacutedio do Itamaraty recebeconvite da Universidade de Harvard para ser seu professor que tambeacutem

recusa Publicam-se em Buenos Aires (Espasa-Calpe Argentina) as 1as

ediccedilotildees em espanhol de Nordeste e de Uma cultura ameaccedilada e a 2ana mesma liacutengua de Casa-grande amp senzala Publicam-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) o livro Problemas brasileiros deantropologia e o opuacutesculo Continente e ilha (conferecircncia lida em Porto

Alegre no ano de 1940 e incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo de Problemas brasileirosde antropologia) Publica-se tambeacutem no Rio de Janeiro (Livros dePortugal) uma ediccedilatildeo de As farpas de Ramalho Ortigatildeo e Eccedila de

Queiroacutes selecionadas e prefaciados por ele bem como a 4a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala livro publicado a partir desse ano pelo editorJoseacute Olympio

1944

Visita Alagoas e Paraiacuteba a convite de estudantes desses Estados Lecirc naFaculdade de Direito de Alagoas conferecircncia sobre Ulysses

Pernambucano publicada no ano seguinte Deixa de colaborar nosDiaacuterios Associados e em La Nacioacuten em virtude da violaccedilatildeo e do extravioconstantes de sua correspondecircncia Em 9 de junho de 1944 compareceagrave Faculdade de Direito do Recife a convite dos alunos dessa escola parauma manifestaccedilatildeo de regozijo em face da invasatildeo da Europa pelosExeacutercitos Aliados Lecirc em Fortaleza a conferecircncia Precisa-se do CearaacuteSegue para os Estados Unidos onde profere na Universidade do Estadode Indiana seis conferecircncias promovidas pela Fundaccedilatildeo Patten epublicadas no ano seguinte em Nova York no livro Brazil aninterpretation Publicam-se no Rio de Janeiro os livros Perfil de Euclidese outros perfis (Joseacute Olympio) Na Bahia em 1943 (ediccedilatildeo particular) e

a 2a ediccedilatildeo do guia Olinda A Casa do Estudante do Brasil publica noRio de Janeiro o livro Gilberto Freyre de Diogo Melo Menezes comprefaacutecio consagrador de Monteiro Lobato

1945

Toma parte ativa ao lado dos estudantes do Recife na campanha pelacandidatura do brigadeiro Eduardo Gomes agrave Presidecircncia da RepuacuteblicaFala em comiacutecios escreve artigos anima os estudantes na luta contra aditadura No dia 3 de marccedilo por ocasiatildeo do primeiro comiacutecio daquelacampanha no Recife comeccedila a discursar na sacada da redaccedilatildeo doDiaacuterio de Pernambuco quando tomba a seu lado assassinado pelaPoliacutecia Civil do Estado o estudante de Direito Demoacutecrito de Sousa FilhoA UDN oferece em sua representaccedilatildeo na futura Assembleia NacionalConstituinte um lugar aos estudantes do Recife que preferem que seurepresentante seja o bravo escritor A Poliacutecia Civil do Estado dePernambuco empastela e proiacutebe a circulaccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambucoimpedindo-o de noticiar a chacina em que morreram o estudanteDemoacutecrito e um popular Com o jornal fechado o retrato de Demoacutecrito eacuteinaugurado na redaccedilatildeo com memoraacutevel discurso de Gilberto FreyreQuiseram matar o dia seguinte (cf Diaacuterio de Pernambuco 10 de abrilde 1945) Em 9 de junho comparece agrave Faculdade de Direito do Recifecomo orador oficial da sessatildeo contra a ditadura Publicam-se no Recife(Uniatildeo dos Estudantes de Pernambuco) o opuacutesculo de sua autoria emapoio agrave candidatura de Eduardo Gomes Uma campanha maior doque a da aboliccedilatildeo e a conferecircncia lida no ano anterior em MaceioacuteUlysses Publica-se em Fortaleza (ediccedilatildeo do autor) a obra Gilberto

Freyre e alguns aspectos da antropossociologia no Brasil de autoriado meacutedico Aderbal Sales Publica-se em Nova York (Knopf) o livroBrazil an interpretation A Editora mexicana Fondo de CulturaEconoacutemica publica Interpretacioacuten del Brasil com orelhas escritas porAlfonso Reyes

1946

Eleito deputado federal segue para o Rio de Janeiro a fim de participarnos trabalhos da Assembleia Constituinte Em 17 de junho proferediscurso de criacuteticas e sugestotildees ao projeto da Constituiccedilatildeo publicado emopuacutesculo Discurso pronunciado na Assembleia Nacional Constituinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Em 22 de junho lecirc noTeatro Municipal de Satildeo Paulo a convite do Centro Acadecircmico XI deAgosto conferecircncia publicada no mesmo ano pela referida organizaccedilatildeoestudantil Modernidade e modernismo na arte poliacutetica (incluiacuteda em1965 no livro 6 conferecircncias em busca de um leitor) Em 16 de julhona Faculdade de Direito de Belo Horizonte a convite de seus alunosapresenta conferecircncia publicada no mesmo ano Ordem liberdademineiralidade (incluiacuteda em 1965 no livro 6 conferecircncias em busca deum leitor) Em agosto inicia colaboraccedilatildeo no Diaacuterio Carioca Em 29 deagosto profere na Assembleia Constituinte outro discurso de criacutetica ao

projeto da Constituiccedilatildeo (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica)Em novembro a Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dosDeputados indica com aplauso do escritor Jorge Amado membro daComissatildeo o nome de Gilberto Freyre para o Precircmio Nobel de Literaturade 1947 com o apoio de numerosos intelectuais brasileiros Publica-se no

Rio de Janeiro a 5a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala e em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo do mesmo livro em inglecircs The masters and theslaves

1947

Apresenta agrave Mesa da Cacircmara dos Deputados para ser dado como lidodiscurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joaquim Nabucopublicado no ano seguinte Em 22 de maio lecirc no auditoacuterio da AssociaccedilatildeoBrasileira de Imprensa a convite da Sociedade dos Amigos da Ameacutericaconferecircncia sobre Walt Whitman publicada no ano seguinte Trabalha

ativamente na Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dos

Deputados Eacute convidado para representar o Brasil no 19o Congresso dosPen Clubes Mundiais reunido em Zurique Publica-se em Londres a

ediccedilatildeo inglesa de The masters and the slaves em Nova York a 2a

impressatildeo de Brazil an interpretation e no Rio de Janeiro a ediccedilatildeobrasileira deste livro em traduccedilatildeo de Oliacutevio Montenegro Interpretaccedilatildeodo Brasil (Joseacute Olympio) Publica-se em Montevideacuteu a obra GilbertoFreyre y la sociologiacutea brasilentildea de Eduardo J Couture

1948

A convite da Unesco toma parte em Paris no conclave de oito notaacuteveiscientistas e pensadores sociais (Gurvitch Allport e Sullivan entre eles)reunidos pela referida Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por iniciativa doentatildeo diretor Julian Huxley para estudar as Tensotildees que afetam acompreensatildeo internacional trabalho em conjunto depois publicado eminglecircs e francecircs Lecirc no Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores a convite doInstituto Brasileiro de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Comissatildeo Nacionalda Unesco) conferecircncia sobre o conclave de Paris Repete na Escola deComando do Estado-Maior do Exeacutercito a conferecircncia lida no Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores Inicia em 18 de setembro sua colaboraccedilatildeo em OCruzeiro Em dezembro profere na Cacircmara dos Deputados discursojustificando a criaccedilatildeo do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

com sede no Recife (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Lecircno Museu de Arte de Satildeo Paulo duas conferecircncias uma sobre EmiacutelioCardoso Ayres e outra sobre d Veridiana Prado Apresenta mais umaconferecircncia na Escola de Comando do Estado-Maior do ExeacutercitoPublicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses no Brasil eos opuacutesculos O camarada Whitman (incluiacutedo em 1965 no livro 6conferecircncias em busca de um leitor) Joaquim Nabuco (incluiacutedo em

1966 na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) e Guerra paz e ciecircncia(este editado pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores) Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Notiacutecias

1949

Segue para os Estados Unidos a fim de participar na categoria de

ministro como delegado parlamentar do Brasil na 4a Conferecircncia

Internacional da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas Lecirc conferecircncias naUniversidade Catoacutelica da Ameacuterica (Washington DC) e na Universidadede Virgiacutenia Profere em 12 de abril na Associaccedilatildeo de Cultura Franco-Brasileira do Recife conferecircncia sobre Emiacutelio Cardoso Ayres (apenaspequeno trecho foi publicado no Bulletin da Associaccedilatildeo) Em 18 deagosto apresenta na Faculdade de Direito do Recife conferecircncia sobreJoaquim Nabuco na sessatildeo comemorativa do centenaacuterio de nascimentodo estadista pernambucano (incluiacuteda no livro Quase poliacutetica) Em 30 deagosto profere na Cacircmara dos Deputados discurso de saudaccedilatildeo aoVisconde Jowitt presidente da Cacircmara dos Lordes do Reino Unido daGratilde-Bretanha e Irlanda do Norte (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Nomesmo dia lecirc no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro conferecircnciasobre Joaquim Nabuco Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) aconferecircncia apresentada no ano anterior na Escola de Comando doEstado-Maior do Exeacutercito Naccedilatildeo e Exeacutercito (incluiacuteda em 1965 no livro6 conferecircncias em busca de um leitor)

1950

Profere na Cacircmara dos Deputados em 17 de janeiro discurso sobre opernambucano Joaquim Arcoverde primeiro cardeal da Ameacuterica Latinapor ocasiatildeo da passagem do primeiro centenaacuterio de seu nascimento(incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta na Cacircmara dos Deputados em5 de abril discurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joseacute VicenteMeira de Vasconcelos constituinte de 1891 (incluiacutedo em Quasepoliacutetica) Profere na Cacircmara dos Deputados em 28 de abril discurso dedefiniccedilatildeo de atitude na vida puacuteblica (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Discursa na Cacircmara dos Deputados em 2 de maio sobre o centenaacuterio damorte de Bernardo Pereira de Vasconcelos (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Profere na Cacircmara dos Deputados em 2 de junho discurso contraacuterio agraveemenda parlamentarista (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta naCacircmara dos Deputados em 26 de junho discurso no qual transmiteapelo que recebeu de trecircs parlamentares ingleses em favor de umgoverno supranacional (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Discursa naCacircmara dos Deputados em 8 de agosto sobre o centenaacuterio denascimento de Joseacute Mariano (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Profere noParque 13 de Maio do Recife discurso em favor da candidatura dodeputado Joatildeo Cleofas de Oliveira ao governo do estado de Pernambuco

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Em 11 de setembro iniciacolaboraccedilatildeo diaacuteria no Jornal Pequeno do Recife sob o tiacutetulo Linha defogo em prol da candidatura Joatildeo Cleofas ao governo do estado dePernambuco Profere em 8 de novembro na Cacircmara dos Deputadosdiscurso de despedida por natildeo ter sido reeleito para o periacuteodo seguinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Publica-se em Urbana(University of Illinois Press) a obra coletiva Tensions that cause warsem Paris em 1948 Contribuiccedilatildeo de Gilberto Freyre Internationalizing

social sciences Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo

do livro Quase poliacutetica e a 6a de Casa-grande amp senzala

1951

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seguinte ediccedilatildeo deNordeste e de Sobrados e mucambos (esta refundida e acrescida decinco novos capiacutetulos) A convite da Universidade de Londres escreveem inglecircs estudo sobre a situaccedilatildeo do professor no Brasil publicado nomesmo ano pelo Year book of education Publica-se em Lisboa (Livrosdo Brasil) a ediccedilatildeo portuguesa de Interpretaccedilatildeo do Brasil

1952

Lecirc na sala dos capelos da Universidade de Coimbra em 24 de janeiroconferecircncia publicada no mesmo ano pela Coimbra Editora Em tornode um novo conceito de tropicalismo Publica-se em Ipswich (Inglaterra)o opuacutesculo editado pela revista Progress de Londres com o ensaioHuman factors behind Brazilian development Publica-se no Recife(Ediccedilotildees Regiatildeo) o Manifesto regionalista de 1926 Publicam-se no Riode Janeiro (Serviccedilo de Documentaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Cultura) o opuacutesculo Joseacute de Alencar (Joseacute Olympio) e a 7a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em francecircs organizada pelo professor RogerBastide com prefaacutecio de Lucien Fegravebvre Maicirctres et esclaves (volume 4da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois) Viaja a Portugale agraves proviacutencias ultramarinas Em 16 de abril inicia colaboraccedilatildeo no DiaacuterioPopular de Lisboa e no Jornal do Comeacutercio do Recife

1953

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Aventura e

rotina (escritos durante a viagem a Portugal e agraves proviacutencias luso-asiaacuteticas ldquoagrave procura das constantes portuguesas de caraacuteter e accedilatildeordquo) eUm brasileiro em terras portuguesas (contendo conferecircncias ediscursos proferidos em Portugal e nas proviacutencias ultramarinas comextensa ldquoIntroduccedilatildeo a uma possiacutevel luso-tropicologiardquo)

1954

Escolhido pela Comissatildeo das Naccedilotildees Unidas para o estudo da situaccedilatildeoracial na uniatildeo sul-africana como o antropoacutelogo estrangeiro maiscapacitado a opinar sobre essa situaccedilatildeo visita o referido paiacutes e apresentaagrave Assembleia Geral da ONU um estudo publicado pela organizaccedilatildeo nessanaccedilatildeo em Elimination des conflits et tensions entre les races Publica-

se no Rio de Janeiro a 8a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala no Recife(Ediccedilotildees Nordeste) o opuacutesculo Um estudo do prof Aderbal Jurema e

em Milatildeo (Fratelli Bocca) a 1a ediccedilatildeo em italiano de Interpretazionedel Brasile Em agosto eacute encenada no Teatro Santa Isabel adramatizaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala feita por Joseacute CarlosCavalcanti Borges O professor Moacir Borges de Albuquerque defendeem concurso para provimento efetivo de uma das cadeiras de portuguecircsdo Instituto de Educaccedilatildeo de Pernambuco tese sobre Linguagem deGilberto Freyre

1955

Lecirc na sessatildeo inaugural do 4o Congresso Brasileiro de NeurologiaPsiquiatria e Higiene Mental conferecircncia sobre Aspectos da moderna

convergecircncia meacutedico-social e antropocultural (incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo deProblemas brasileiros de antropologia) Em 15 de maio profere noencerramento do curso de treinamento de professores rurais dePernambuco discurso publicado no ano seguinte Comparece como umdos quatro conferencistas principais (os outros foram o alematildeo VonWreie o inglecircs Ginsberg e o francecircs Davy) e na alta categoria de

convidado especial ao 3o Congresso Mundial de Sociologia realizado emAmsterdatilde no qual apresenta a comunicaccedilatildeo publicada em Louvain nomesmo ano pela Associaccedilatildeo Internacional de Sociologia Morals andsocial change Para discutir Casa-grande amp senzala e outras obrasideias e meacutetodos de Gilberto Freyre reuacutenem-se em Cerisy-LaSalle os

escritores e professores M Simon R Bastide G Gurvitch LeonBourdon Henri Gouhier Jean Duvignaud Tavares Bastos ClaraMauraux Nicolas Sombart e Maacuterio Pinto de Andrade talvez a maiorhomenagem jaacute prestada na Europa a um intelectual brasileiro os demaisseminaacuterios de Cerisy foram dedicados a filoacutesofos da histoacuteria comoToynbee e Heidegger Publicam-se no Recife (Secretaria de Educaccedilatildeo eCultura) os opuacutesculos Sugestotildees para uma nova poliacutetica no Brasil a

rurbana (incluiacutedo em 1966 na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) e Em torno

da situaccedilatildeo do professor no Brasil em Nova York (Knopf) a 2a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em inglecircs The masters and the slaves e em

Paris (Gallimard) a 1a ediccedilatildeo de Nordeste em francecircs Terres du sucre(volume 14 da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois)

1957

Lecirc em 4 de agosto na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de

Pernambuco em solenidade comemorativa do 25o aniversaacuterio defundaccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo conferecircncia publicada no mesmo anoArte ciecircncia social e sociedade Dirige em outubro curso sobreSociologia da Arte na mesma escola Colabora novamente no DiaacuterioPopular de Lisboa atendendo a insistentes convites do seu diretorFrancisco da Cunha Leatildeo Publicam-se no Recife os opuacutesculos Palavrasagraves professoras rurais do Nordeste (Secretaria de Educaccedilatildeo e Cultura doEstado de Pernambuco) e Importacircncia para o Brasil dos institutos depesquisa cientiacutefica (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) no

Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 2a ediccedilatildeo de Sociologia no Meacutexico(Editorial Cultural) o opuacutesculo A experiecircncia portuguesa no troacutepico

americano em Lisboa (Livros do Brasil) a 1a ediccedilatildeo portuguesa de Casa-grande amp senzala e a obra Gilberto Freyrersquos ldquolusotropicalismrdquo deautoria de Paul V Shaw (Centro de Estudos Poliacuteticos Sociais da Junta deInvestigaccedilotildees do Ultramar)

1958

Lecirc no Foacuterum Roberto Simonsen conferecircncia publicada no mesmo anopelo Centro e Federaccedilatildeo das Induacutestrias do Estado de Satildeo PauloSugestotildees em torno de uma nova orientaccedilatildeo para as relaccedilotildeesintranacionais no Brasil Publicam-se em Lisboa (Centro de Estudos

Poliacuteticos e Sociais da Junta de Investigaccedilotildees do Ultramar) o livro comtexto em portuguecircs e inglecircs Integraccedilatildeo portuguesa nostroacutepicosPortuguese integration in the tropics e no Rio de Janeiro

(Joseacute Olympio) a 9a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1959

Lecirc em abril conferecircncias no Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais iniciando e concluindo cursos de Ciecircncias Sociais promovidospelo referido oacutergatildeo Em julho apresenta na Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Gerais conferecircncia publicada pelamesma universidade no ano seguinte Publicam-se em Nova York(Knopf) New world in the tropics cujo texto conteacutem grandementeexpandido e praticamente reescrito o livro (publicado em 1945 pelomesmo editor) Brazil an interpretation na Guatemala (Editorial deMinisteacuterio de Educacioacuten Puacuteblica Joseacute de Pineda Ibarra) o opuacutesculo Emtorno a algunas tendencias actuales de la antropologiacutea no Recife(Arquivo Puacuteblico do Estado de Pernambuco) o opuacutesculo A propoacutesito deMouratildeo Rosa e Pimenta sugestotildees em torno de uma possiacutevel hispano-

tropicalologia no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo do livroOrdem e progresso (terceiro volume da Seacuterie Introduccedilatildeo agrave histoacuteriapatriarcal no Brasil iniciada com Casa-grande amp senzala continuadacom Sobrados e mucambos e finalizada com Jazigos e covas rasas livronunca concluiacutedo) e O velho Feacutelix e suas memoacuterias de um Cavalcanti

(2a ediccedilatildeo ampliada da introduccedilatildeo ao livro Memoacuterias de umCavalcanti publicado em 1940) em Salvador (Universidade da Bahia)o livro A propoacutesito de frades e o opuacutesculo Em torno de alguns tuacutemulosafrocristatildeos de uma aacuterea africana contagiada pela cultura brasileira eem Satildeo Paulo (Instituto Brasileiro de Filosofia) o ensaio A filosofia dahistoacuteria do Brasil na obra de Gilberto Freyre de autoria de Miguel Reale

1960

Viaja pela Europa nos meses de agosto e setembro lendo conferecircnciasem universidades francesas alematildes italianas e portuguesas Publicam-seem Lisboa (Livros do Brasil) o livro Brasis Brasil e Brasiacutelia em BeloHorizonte (ediccedilotildees da Revista Brasileira de Estudos Poliacuteticos) aconferecircncia Uma poliacutetica transnacional de cultura para o Brasil de hoje

no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o opuacutesculo Sugestotildees em torno doMuseu de Antropologia do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas

Sociais e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo do livro Olinda

1961

Em 24 de fevereiro recebe em sua casa de Apipucos a visita do escritornorte-americano Arthur Schlesinger Junior assessor e enviado especialdo presidente John F Kennedy Em 20 de abril profere na Faculdadede Medicina da Universidade Federal de Pernambuco uma conferecircnciasobre Homem cultura e troacutepico iniciando as atividades do Instituto deAntropologia Tropical criado naquela faculdade por sugestatildeo sua Em 25de abril eacute filmado e entrevistado em sua residecircncia pela equipe detelevisatildeo e cinema do Columbia Broadcasting System Em junho viaja aosEstados Unidos onde faz conferecircncia no Conselho Americano deSociedades Cientiacuteficas no Centro de Corning no Centro de Estudos deSanta Baacuterbara e nas Universidades de Princeton e Coluacutembia De volta aoBrasil recebe em agosto a pedido da Comissatildeo Educacional dos EstadosUnidos da Ameacuterica no Brasil (Comissatildeo Fulbright) para uma palestrainformal sobre problemas brasileiros os professores norte-americanos queparticipam do II Seminaacuterio de Veratildeo promovido pela referida comissatildeoEm outubro lecirc no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisquatro conferecircncias sobre sociologia da vida rural Ainda em outubro e aconvite dos corpos docente e discente da Escola de Engenharia daUniversidade Federal de Pernambuco lecirc na mesma escola trecircsconferecircncias sobre Trecircs engenharias inter-relacionadas a fiacutesica a sociale a chamada humana Viaja a Satildeo Paulo e lecirc em 27 de outubro noauditoacuterio da Academia Paulista de Letras sob os auspiacutecios do Instituto

Hans Staden conferecircncia intitulada Como e porque sou socioacutelogo Em 1o

de novembro apresenta no auditoacuterio da ABI e sob os auspiacutecios doInstituto Cultural Brasil-Alemanha conferecircncias sobre Harmonias edesarmonias na formaccedilatildeo brasileira Em dezembro segue para a Europapermanecendo trecircs semanas na Alemanha Ocidental para participarcomo representante do Brasil no encontro germano-hispacircnico desocioacutelogos Publicam-se em Toacutequio (Ministeacuterio da Agricultura do Japatildeoseacuterie de Guias para os emigrantes em paiacuteses estrangeiros) a ediccedilatildeojaponesa de New world in the tropics Atsuitai no sin sekai em Lisboa(Comissatildeo Executiva das Comemoraccedilotildees do V Centenaacuterio da Morte do

Infante D Henrique) ndash em portuguecircs francecircs e inglecircs ndash o livro O luso etroacutepico les Portugais et les tropiques e The portuguese and the tropics(ediccedilotildees separadas) no Recife (Imprensa Universitaacuteria) a obraSugestotildees de um novo contato com universidades europeias no Rio de

Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo brasileira de Sobrados e mucambos e

a 10a ediccedilatildeo brasileira (11a em liacutengua portuguesa) de Casa-grande ampsenzala

1962

Em fevereiro a Escola de Samba de Mangueira desfila no Carnaval doRio de Janeiro com enredo inspirado em Casa-grande amp senzala Emmarccedilo eacute eleito presidente do Comitecirc de Pernambuco do CongressoInternacional para a Liberdade da Cultura Em 10 de junho lecirc noGabinete Portuguecircs de Leitura do Rio de Janeiro a convite daFederaccedilatildeo das Associaccedilotildees Portuguesas do Brasil conferecircncia publicadano mesmo ano pela referida entidade O Brasil em face das Aacutefricas

negras e mesticcedilas Em agosto reuacutene-se em Porto Alegre o 1o Coloacutequio deEstudos Teuto-Brasileiros organizado por sugestatildeo sua Ainda em agostoeacute admitido pelo Presidente da Repuacuteblica como Comandante do Corpode Graduaccedilatildeo da Ordem do Meacuterito Militar Por iniciativa do BancoInteramericano de Desenvolvimento o professor Leopoldo Castedoprofere em Washington DC no curso Panorama da Civilizaccedilatildeo Ibero-Americana conferecircncia sobre La valorizacioacuten del tropicalismo en FreyreEm outubro torna-se editor-associado do Journal of InteramericanStudies Em novembro dirige na Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra um curso de seis liccedilotildees sobre Sociologia da Histoacuteria Ainda naEuropa lecirc conferecircncias em universidades da Franccedila da AlemanhaOcidental e da Espanha Em 19 de novembro recebe o grau de doutorhonoris causa pela Faculdade de Letras de Coimbra Publicam-se noRio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Talvez poesia e Vida forma e

cor a 2a ediccedilatildeo de Ordem e progresso e a 3a de Sociologia em SatildeoPaulo (Livraria Martins Editora) o livro Arte ciecircncia e troacutepico emLisboa (Livros do Brasil) as ediccedilotildees portuguesas de Aventura e rotina ede Um brasileiro em terras portuguesas no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) a obra coletiva Gilberto Freyre sua ciecircncia sua filosofia suaarte (ensaios sobre o autor de Casa-grande amp senzala e sua influecircncia

na moderna cultura do Brasil comemorativos do vigeacutesimo quintoaniversaacuterio de publicaccedilatildeo desse livro)

1963

Em 10 de junho inaugura-se no Teatro Santa Isabel do Recife umaexposiccedilatildeo sobre Casa-grande amp senzala organizada pelo colecionadorAbelardo Rodrigues Em 20 de agosto o governo de Pernambucopromulga a Lei Estadual no 4666 de iniciativa do deputado PauloRangel Moreira que autoriza a ediccedilatildeo popular pelo mesmo estado deCasa-grande amp senzala Publicam-se em The American ScholarChapel Hill (United Chapters of Phi Beta Kappa e University of NorthCaroline) o ensaio On the Iberian concept of time em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo de Sobrados e mucambos em inglecircs com introduccedilatildeode Frank Tannenbaum The mansions and the shanties (the making ofmodern Brazil) em Washington DC (Pan American Union) o livro

Brazil em Lisboa a 2a ediccedilatildeo do opuacutesculo Americanism and latinityAmerica (em inglecircs e francecircs) em Brasiacutelia (Editora Universidade de

Brasiacutelia) a 12a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala (13a ediccedilatildeoem liacutengua portuguesa) e no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o livro Oescravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculo XIX (reediccedilatildeomuito ampliada da conferecircncia lida em 1935 na Sociedade FelipedrsquoOliveira) O professor Thomas John OrsquoHalloran apresenta agrave GraduateSchool of Arts and Science da New York University dissertaccedilatildeo sobreThe life and master writings of Gilberto Freyre As Editoras A A

Knopf e Random House publicam em Nova York a 2a ediccedilatildeo (como livrode bolso) de New world in the tropics

1964

A convite do governo do estado de Pernambuco lecirc na Escola Normal domesmo estado em 13 de maio conferecircncia como orador oficial dasolenidade comemorativa do centenaacuterio de fundaccedilatildeo daquela EscolaRecebe em Natal em julho as homenagens da Fundaccedilatildeo Joseacute Augustopelo trigeacutesimo aniversaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzalaRecebe em setembro o Precircmio Moinho Santista para Ciecircncias SociaisViaja aos Estados Unidos e participa em dezembro como conferencistaconvidado do seminaacuterio latino-americano promovido pela Universidade

de Coluacutembia Publicam-se em Nova York (Knopf) uma ediccedilatildeo abreviada(paperback) de The masters and the slaves em Madri (separata daRevista de la Universidad de Madrid) o opuacutesculo De lo regional a louniversal en la interpretacioacuten de los complejos socioculturales no Recife(Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) em traduccedilatildeo deWaldemar Valente a tese universitaacuteria de 1922 Vida social no Brasil nosmeados do seacuteculo XIX e o opuacutesculo (Imprensa Universitaacuteria) O estadode Pernambuco e expressatildeo no poder nacional aspectos de um assuntocomplexo no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seminovela Dona Sinhaacute e

o filho padre o livro Retalhos de jornais velhos (2a ediccedilatildeoconsideravelmente ampliada de Artigos de jornal) o opuacutesculo AAmazocircnia brasileira e uma possiacutevel luso-tropicologia (Superintendecircncia

do Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia) e a 11a ediccedilatildeobrasileira de Casa-grande amp senzala Recusa convite do presidenteCastelo Branco para ser ministro da Educaccedilatildeo e Cultura

1965

Viaja a Campina Grande onde lecirc em 15 de marccedilo na Faculdade deCiecircncias Econocircmicas a conferecircncia (publicada no mesmo ano pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba) Como e porque sou escritor Participano Simpoacutesio sobre Problemaacutetica da Universidade Federal dePernambuco (marccediloabril) com uma conferecircncia sobre a conveniecircnciada introduccedilatildeo na mesma universidade de ldquoUm novo tipo de seminaacuterio(Tannenbaum)rdquo Viaja ao Rio de Janeiro onde recebe em cerimocircniarealizada no auditoacuterio de O Globo diploma com o qual o referido jornalhomenageou no seu quadrageacutesimo aniversaacuterio a vida e a obra dosNotaacuteveis do Brasil brasileiros vivos que ldquopor seu talento e capacidade detrabalho de todas as formas invulgares tenham tido uma decisivaparticipaccedilatildeo nos rumos da vida brasileira ao longo dos quarenta anosconjuntamente vividosrdquo Em 9 de novembro gradua-se in absentiadoutor pela Universidade de Paris (Sorbonne) em solenidade na qualtambeacutem foram homenageados outros saacutebios de categoria internacionalem diferentes campos do saber sendo a consagraccedilatildeo por obra que vinhaabrindo ldquonovos caminhos agrave filosofia e agraves ciecircncias do homemrdquo Aconsagraccedilatildeo cultural pela Sorbonne juntou-se agrave recebida dasUniversidades da Coluacutembia e de Coimbra e agraves quais se somaram as deSussex (Inglaterra) e Muumlnster (Alemanha) em solenidade prestigiada

por nove magniacuteficos reitores alematildees Publicam-se em Berlim

(Kiepenheur amp Witsch) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala emalematildeo Herrenhaus und Sklavenhuumltte (Ein Bild der BrasilianischenGesellschaft) no Recife (Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco) oopuacutesculo Forccedilas Armadas e outras forccedilas e no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) o livro 6 conferecircncias em busca de um leitor

1966

Viaja ao Distrito Federal a convite da Universidade de Brasiacutelia onde lecircem agosto seis conferecircncias sobre Futurologia assunto que foi o primeiroa desenvolver no Brasil Por solicitaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas apresenta aoUnited Nations Human Rights Seminar on Apartheid (realizado emBrasiacutelia de 23 de agosto a 5 de setembro) um trabalho de base sobre Racemixture and cultural interpenetration the Brazilian exampledistribuiacutedo na mesma ocasiatildeo em inglecircs francecircs espanhol e russo Porsugestatildeo sua inicia-se na Universidade Federal de Pernambuco oSeminaacuterio de Tropicologia de caraacuteter interdisciplinar e inspirado peloseminaacuterio do mesmo tipo iniciado na Universidade de Coluacutembia peloprofessor Frank Tannenbaum Publicam-se em Barnet Inglaterra Theracial factor in contemporary politics no Recife (governo do estado

de Pernambuco) o primeiro tomo da 14a ediccedilatildeo brasileira (15a em liacutenguaportuguesa) de Casa-grande amp senzala (ediccedilatildeo popular para sercomercializada a preccedilos acessiacuteveis de acordo com a Lei Estadual no4666 de 20 de agosto de 1963) e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a

13a ediccedilatildeo do mesmo livro

1967

Em 30 de janeiro lanccedilamento solene no Palaacutecio do Governo do Estadode Pernambuco do primeiro volume da ediccedilatildeo popular de Casa-grande amp senzala Em julho viaja aos Estados Unidos para receber noInstituto Aspen de Estudos Humaniacutesticos o Precircmio Aspen do ano (30mil doacutelares e isento de imposto sobre a renda) ldquopelo que haacute de originalexcepcional e de valor permanente em sua obra ao mesmo tempo defiloacutesofo escritor literaacuterio e antropoacutelogordquo Recebe o Nobel dos EstadosUnidos na presenccedila de embaixador enviado especial do presidenteLyndon B Johnson que se congratula com Gilberto Freyre pela honraria

na qual o autor foi precedido por apenas trecircs notabilidadesinternacionais o compositor Benjamin Britten a danccedilarina MarthaGraham e o urbanista Constantino Doxiadis por obras reveladoras deldquocriatividade genialrdquo Em dezembro lecirc na Academia Brasileira de Letrasno Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e no Instituto JoaquimNabuco de Pesquisas Sociais conferecircncias sobre Oliveira Lima emsessotildees solenes comemorativas do centenaacuterio de nascimento daquelehistoriador (ampliadas no livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo)Publicam-se em Lisboa (Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian) o livroSociologia da medicina em Nova York (Knopf) a traduccedilatildeo daldquoseminovelardquo Dona Sinhaacute e o filho padre Mother and son a Brazilian

tale no Recife (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) a 2a

ediccedilatildeo de Mucambos do Nordeste e a 3a ediccedilatildeo do ManifestoRegionalista de 1926 em Satildeo Paulo (Arquimedes Ediccedilotildees) o livro O

Recife sim Recife natildeo e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 4a

ediccedilatildeo de Sociologia

1968

Em 9 de janeiro lecirc no Palaacutecio do Governo do Estado de Pernambuco aprimeira da seacuterie de conferecircncias promovidas pelo governador do estadopara comemorar o centenaacuterio de nascimento de Oliveira Lima (incluiacutedano livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo publicado no mesmo anopela Imprensa da Universidade de Recife) Viaja agrave Argentina onde fazconferecircncia sobre Oliveira Lima na Universidade do Rosaacuterio e agraveAlemanha Ocidental onde recebe o tiacutetulo de Doutor Honoris Causapela Universidade de Muumlnster por sua obra comparada agrave de BalzacPublicam-se em Lisboa (Academia Internacional da Cultura Portuguesa)o livro em dois volumes Contribuiccedilatildeo para uma sociologia dabiografia (o exemplo de Luiacutes de Albuquerque governador de MatoGrosso no fim do seacuteculo XVII) no Distrito Federal (EditoraUniversidade de Brasiacutelia) o livro Como e porque sou e natildeo sou socioacutelogo

e no Rio de Janeiro (Record) as 2as ediccedilotildees dos livros Regiatildeo e tradiccedilatildeoe Brasis Brasil e Brasiacutelia Ainda no Rio de Janeiro publicam-se (Joseacute

Olympio) as 4as ediccedilotildees dos livros Guia praacutetico histoacuterico e sentimentalda cidade do Recife e Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimentalde cidade brasileira

1969

Recebe o Precircmio Internacional de Literatura La Madonnina porldquoincomparaacutevel agudeza na descriccedilatildeo de problemas sociais conferindo-lhes calor humano e otimismo bondade e sabedoriardquo atraveacutes de umaobra de ldquofulguraccedilotildees geniaisrdquo Lecirc conferecircncia no Conselho Federal deCultura em sessatildeo dedicada agrave memoacuteria de Rodrigo M F de Andrade AUniversidade Federal de Pernambuco lanccedila os dois primeiros volumesdo seminaacuterio de Tropicologia relativos ao ano de 1966 Troacutepico ampcolonizaccedilatildeo nutriccedilatildeo homem religiatildeo desenvolvimento educaccedilatildeo ecultura trabalho e lazer culinaacuteria populaccedilatildeo Lecirc no InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais quatro conferecircncias sobre Tiposantropoloacutegicos no romance brasileiro Publicam-se no Recife (InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) o ensaio Sugestotildees em torno daciecircncia e da arte da pesquisa social e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio)

a 15a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1970

Completa setenta anos de idade residindo na proviacutencia e trabalhandocomo se fosse um intelectual ainda jovem escrevendo livroscolaborando em jornais e revistas nacionais e estrangeiros dirigindocursos proferindo conferecircncias presidindo o conselho diretor eincentivando as atividades do Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais presidindo o Conselho Estadual de Cultura dirigindo o CentroRegional de Pesquisas Educacionais e o Seminaacuterio de Tropicologia daUniversidade Federal de Pernambuco comparecendo agraves reuniotildeesmensais do Conselho Federal de Cultura e atendendo a convites deuniversidades europeias e norte-americanas onde eacute sempre recebidocomo o embaixador intelectual do Brasil A Editora A A Knopf publicaem Nova York Order and progress com texto traduzido e refundidopor Rod W Horton

1971

Recebe a 26 de novembro em solenidade no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife e tendo como paraninfo o ministro Maacuterio GibsonBarbosa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal dePernambuco Discursa como orador oficial da solenidade deinauguraccedilatildeo pelo presidente Emiacutelio Garrastazu Meacutedici do Parque

Nacional dos Guararapes no Recife A rainha Elizabeth lhe confere otiacutetulo de Sir (Cavaleiro Comandante do Impeacuterio Britacircnico) e aUniversidade Federal do Rio de Janeiro o grau de Doutor HonorisCausa em filosofia Publicam-se a primeira ediccedilatildeo da Seleta para jovens(Joseacute Olympio) e a obra Noacutes e a Europa germacircnica (Grifo Ediccedilotildees)Continua a receber visitas de estrangeiros ilustres na sua casa deApipucos devendo-se destacar as de embaixadores do Reino UnidoFranccedila Estados Unidos Beacutelgica e as de Aldous Huxley GeorgeGurvitch Shelesky John dos Passos Jean Duvignaud Lincoln Gordon eRoberto Kennedy a quem oferece jantar a pedido desse visitante ACompanhia Editora Nacional publica em Satildeo Paulo como volume 348

de sua coleccedilatildeo Brasiliana a 1a ediccedilatildeo brasileira de Novo mundo nostroacutepicos

1972

Preside o Primeiro Encontro Inter-regional de Cientistas Sociais do Brasilrealizado em Fazenda Nova Pernambuco de 17 a 20 de janeiro sob osauspiacutecios do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais Recebe otiacutetulo de Cidadatildeo de Olinda conferido por Lei Municipal no 3774 de 8de marccedilo de 1972 e em sessatildeo solene da Assembleia Legislativa doEstado de Pernambuco a Medalha Joaquim Nabuco conferida pelaResoluccedilatildeo no 871 de 28 de abril de 1972 Em 14 de junho profere noInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais palestra sobre JoseacuteBonifaacutecio e no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais as duasprimeiras conferecircncias da seacuterie comemorativa do centenaacuterio de EstaacutecioCoimbra Em 15 de dezembro inaugura-se na Praia de Boa Viagem noRecife o Hotel Casa-grande amp senzala A Editora Giulio Einaudi publicaem Turim a ediccedilatildeo italiana de Casa-grande amp senzala (Case ecatatecchie)

1973

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo ldquopor obras notaacuteveis emsociologia e histoacuteriardquo e o Trofeacuteu Diaacuterios Associados pela ldquomaior distinccedilatildeoanual em artes plaacutesticasrdquo Realizam-se exposiccedilotildees de telas de sua autoriauma no Recife outra no Rio esta na residecircncia do casal Joseacute Maria doCarmo Nabuco com apresentaccedilatildeo de Alfredo Arinos de Mello FrancoPor decreto do presidente Meacutedici eacute reconduzido ao Conselho Federal

de Cultura Viaja a Angola em fevereiro A 10 de maio a convite daAssembleia Legislativa do Estado de Pernambuco profere discurso noCemiteacuterio de Santo Amaro diante do tuacutemulo de Joaquim Nabuco emcomemoraccedilatildeo ao Sesquicentenaacuterio do Poder Legislativo no Brasil Recebeem setembro em Joatildeo Pessoa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba Profere na Cacircmara dos Deputados em29 de novembro conferecircncia sobre Atuaccedilatildeo do Parlamento no Impeacuterio ena Repuacuteblica na seacuterie comemorativa do Sesquicentenaacuterio do PoderLegislativo no Brasil e na Universidade de Brasiacutelia palestra em inglecircspara o corpo diplomaacutetico sob o tiacutetulo de Some remarks on how and whyBrazil is different Em 13 de dezembro eacute operado pelo professorEuriacuteclides de Jesus Zerbini no Hospital da Beneficecircncia Portuguesa deSatildeo Paulo

1974

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo conferido pelo Centro deArtes Novo Mundo Faz sua primeira exposiccedilatildeo de pintura em Satildeo Paulocom quarenta telas adquiridas imediatamente A 15 de marccedilo o InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais comemora com exposiccedilatildeo e sessatildeosolene os quarenta anos da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em20 de julho profere no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisconferecircncia sobre a Importacircncia dos retratos para os estudantesbiograacuteficos o caso de Joaquim Nabuco A 29 de agosto a UniversidadeFederal de Pernambuco inaugura no saguatildeo da reitoria uma placacomemorativa dos quarenta anos de Casa-grande amp senzala A 12 deoutubro recebe a Medalha de Ouro Joseacute Vasconcelos outorgada pelaFrente de Afirmacioacuten Hispanista do Meacutexico para distinguir a cada anouma personalidade dos meios culturais hispano-americanos O cineastaGeraldo Sarno realiza documentaacuterio de cinco minutos intitulado Casa-grande amp senzala de acordo com uma ideia de Aldous Huxley Oeditor Alfred A Knopf publica em Nova York a obra The Gilberto FreyreReader

1975

Diante da violecircncia de uma enchente do rio Capibaribe em 17 e 18 dejulho lidera com Fernando de Mello Freyre diretor do InstitutoJoaquim Nabuco um movimento de estudo interdisciplinar sobre as

enchentes em Pernambuco Profere em 10 de outubro conferecircncia noClube Atleacutetico Paulistano sobre O Brasil como naccedilatildeo hispano-tropicalRecebe em 15 de outubro do Sindicato dos Professores do EnsinoPrimaacuterio e Secundaacuterio de Pernambuco e da Associaccedilatildeo dos Professoresdo Ensino Oficial o tiacutetulo de Educador do Ano por relevantes serviccedilosprestados agrave comunidade nordestina no campo da educaccedilatildeo e dapesquisa social Profere em 7 de novembro no Teatro Santa Isabel doRecife conferecircncia sobre o Sesquicentenaacuterio do Diaacuterio de PernambucoO Instituto do Accediluacutecar e do Aacutelcool lanccedila em 15 de novembro o Precircmio deCriatividade Gilberto Freyre para os melhores ensaios sobre aspectossocioeconocircmicos da zona canavieira do Nordeste Publicam-se no Rio deJaneiro suas obras Tempo morto e outros tempos O brasileiro entre osoutros hispanos (Joseacute Olympio) e Presenccedila do accediluacutecar na formaccedilatildeobrasileira (IAA)

1976

Viaja agrave Europa em setembro fazendo conferecircncias em Madri (Institutode Cultura Hispacircnica) e em Londres (Conselho Britacircnico) Eacutehomenageado com a esposa em Londres com banquete peloembaixador Roberto Campos e esposa (presentes vaacuterios dos seus amigosingleses como Lord Asa Briggs) Em Paris como hoacutespede do governofrancecircs eacute entrevistado pelo socioacutelogo Jean Duvignaud na raacutedio e natelevisatildeo francesas sobre Tendecircncias atuais da cultura brasileira Eacutehomenageado com banquete pelo diretor de Le Figaro seu amigoescritor e membro da Academia Francesa Jean drsquoOrmesson presentesRoger Caillois e outros intelectuais franceses Em Viena identifica mapasineacuteditos do Brasil no periacuteodo holandecircs existentes na Biblioteca Nacionalda Aacuteustria Na Espanha como hoacutespede do governo realiza palestra noInstituto de Cultura Hispacircnica presidido pelo Duque de Cadis EmLisboa eacute homenageado com banquete pelo secretaacuterio de estado deCultura com a presenccedila de intelectuais ministros e diplomatas Em 7 deoutubro lecirc em Brasiacutelia a convite do ministro da Previdecircncia Socialconferecircncia de encerramento do Seminaacuterio sobre Problemas de Idosos A

Livraria Joseacute Olympio Editora publica as 16a e 17a ediccedilotildees de Casa-

grande amp senzala e o IJNPS a 6a ediccedilatildeo do Manifesto regionalista Eacute

lanccedilada 2a ediccedilatildeo portuguesa em Lisboa de Casa-grande amp senzala

1977

Estreia em janeiro no Nosso Teatro (Recife) a peccedila Sobrados emucambos adaptada por Hermilo Borba Filho e encenada pelo GrupoTeatral Vivencial Recebe em fevereiro do embaixador Michel Legendrea faixa e as insiacutegnias de Comendador das Artes e Letras da FranccedilaProfere em marccedilo no Seminaacuterio de Tropicologia conferecircncia sobre ORecife eurotropical e na Cacircmara dos Deputados em Brasiacuteliaconferecircncia de encerramento do ciclo comemorativo do Bicentenaacuterio daIndependecircncia dos Estados Unidos Exibiccedilatildeo na Biblioteca MunicipalMaacuterio de Andrade em Satildeo Paulo de um documentaacuterio cinematograacuteficosobre sua vida e obra Da palavra ao desenho da palavra com debatesdos quais participam Freitas Marcondes Leo Gilson Ribeiro OsmarPimentel e Egon Schaden Profere conferecircncias na Cacircmara dosDeputados em Brasiacutelia em 19 de agosto sobre A terra o homem e aeducaccedilatildeo no Seminaacuterio sobre Ensino Superior promovido pela Comissatildeode Educaccedilatildeo e Cultura e no Teatro Joseacute de Alencar de Fortaleza em 24de setembro sobre O Nordeste visto atraveacutes do tempo Lanccedilamento emSatildeo Paulo em 10 de novembro do aacutelbum Casas-grandes amp senzalascom guaches de Ciacutecero Dias Apresenta no Arquivo Puacuteblico Estadual dePernambuco conferecircncia de encerramento do Curso sobre oSesquicentenaacuterio da Elevaccedilatildeo do Recife agrave Condiccedilatildeo de Capital sobre ORecife e a sua autobiografia coletiva Eacute acolhido como soacutecio honoraacuterio doPen Clube do Brasil Inicia em outubro colaboraccedilatildeo semanal na Folha deSPaulo A Livraria Joseacute Olympio Editora publica O outro amor do drPaulo seminovela continuaccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre AEditora Nova Aguilar publica em dezembro a Obra escolhida volumeem papel-biacuteblia que inclui Casa-grande amp senzala Nordeste e Novomundo nos troacutepicos com introduccedilatildeo de Antocircnio Carlos Villaccedilacronologia da vida e da obra e bibliografia ativa e passiva por Edson Nery

da Fonseca A Editora Ayacucho lanccedila em Caracas a 3a ediccedilatildeo emespanhol de Casa-grande amp senzala com introduccedilatildeo de Darcy RibeiroAs Ediciones Cultura Hispaacutenica publicam em Madri a ediccedilatildeo espanholada Seleta para jovens com o tiacutetulo de Antologiacutea A Editora Espasa-Calpe publica em Madri Maacutes allaacute de lo moderno com prefaacutecio de

Juliaacuten Mariacuteas A Livraria Joseacute Olympio Editora lanccedila a 5a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 18a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp

senzala

1978

Viaja a Caracas para proferir trecircs conferecircncias no Instituto de AssuntosInternacionais do Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores da Venezuela Abreno Arquivo Puacuteblico Estadual em 30 de marccedilo ciclo de conferecircnciassobre escravidatildeo e aboliccedilatildeo em Pernambuco fazendo Novasconsideraccedilotildees sobre escravos em anuacutencios de jornal em PernambucoProfere conferecircncia sobre O Recife e sua ligaccedilatildeo com estudosantropoloacutegicos no Brasil na instalaccedilatildeo da XI Reuniatildeo Brasileira deAntropologia no auditoacuterio da Universidade Federal de Pernambuco em7 de maio Em 22 de maio abre em Natal a I Semana de Cultura doNordeste Profere em Curitiba em 9 de junho conferecircncia sobre O Brasilem nova perspectiva antropossocial numa promoccedilatildeo da Associaccedilatildeo dosProfessores Universitaacuterios do Paranaacute em Cuiabaacute em 16 de setembroconferecircncia sobre A dimensatildeo ecoloacutegica do caraacuteter nacional naAcademia Paulista de Letras em 4 de dezembro conferecircncia sobre

Tropicologia e realidade social abrindo o 1o Seminaacuterio Internacional deEstudos Tropicais da Fundaccedilatildeo Escola de Sociologia e Poliacutetica Publica-seRecife amp Olinda com desenhos de Tom Maia e Thereza ReginaPublicam-se as seguintes obras Alhos e bugalhos (Nova Fronteira)Prefaacutecios desgarrados (Caacutetedra) Arte e ferro (Ranulpho Editora deArte) com pranchas de Lula Cardoso Ayres O Conselho Federal deCultura lanccedila Cartas do proacuteprio punho sobre pessoas e coisas do Brasil

e do estrangeiro A Editora Gallimard publica a 14a ediccedilatildeo de Maicirctreset esclaves na Coleccedilatildeo TEL A Livraria Editora Joseacute Olympio publica a

19a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala e a Fundaccedilatildeo Cultural

do Mato Grosso a 2a ediccedilatildeo de Introduccedilatildeo a uma sociologia dabiografia

1979

O Arquivo Estadual de Pernambuco publica em marccedilo a ediccedilatildeo fac-similar do Livro do Nordeste Participa no auditoacuterio da BibliotecaMunicipal de Satildeo Paulo em 30 de marccedilo da Semana do EscritorBrasileiro Recebe em Aracaju em 17 de abril o tiacutetulo de CidadatildeoSergipano outorgado pela Assembleia Legislativa de Sergipe Eacute

homenageado pelo 44o Congresso Mundial de Escritores do Pen ClubeInternacional reunido no Rio de Janeiro quando recebe a medalhaEuclides da Cunha sendo saudado pelo escritor Maacuterio Vargas LlosaRecebe o grau de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de CiecircnciasMeacutedicas da Fundaccedilatildeo do Ensino Superior de Pernambuco ndashUniversidade de Pernambuco em setembro Viaja agrave Europa em outubroProfere conferecircncia na Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian em 22 deoutubro sobre Onde o Brasil comeccedilou a ser o que eacute Abre o ciclo de

conferecircncias comemorativo do 20o aniversaacuterio da Sudene emdezembro falando sobre Aspectos sociais do desenvolvimento regionalRecebe nesse mecircs o Precircmio Caixa Econocircmica Federal da FundaccedilatildeoCultural do Distrito Federal pela obra Oh de casa Profere naUniversidade de Brasiacutelia conferecircncia sobre Joaquim Nabuco um novotipo de poliacutetico A Editora Artenova publica Oh de casa A EditoraCultrix publica Heroacuteis e vilotildees no romance brasileiro A MPMPropaganda publica Pessoas coisas amp animais em ediccedilatildeo natildeocomercial A Editora Ibrasa publica Tempo de aprendiz

1980

Em 24 de janeiro a Academia Pernambucana de Letras inicia ascomemoraccedilotildees do octogeacutesimo aniversaacuterio do autor com umaconferecircncia de Gilberto Osoacuterio de Andrade sobre Gilberto Freyre e otroacutepico Em 25 de janeiro a Codepe inicia seu Seminaacuterio Permanente deDesenvolvimento dedicando-o ao estudo da obra de Gilberto Freyre OArquivo Puacuteblico Estadual comemora a efemeacuteride em 26 e 27 defevereiro com duas conferecircncias de Edson Nery da Fonseca Recebe emSatildeo Paulo em 7 de marccedilo a medalha de Ordem do Ipiranga maiorcondecoraccedilatildeo do estado Em 26 de marccedilo recebe a medalha JoseacuteMariano da Cacircmara Municipal do Recife Por decreto de 15 de abril ogovernador do estado de Sergipe lhe confere o galardatildeo de Comendadorda Ordem do Meacuterito Aperipecirc Em homenagem ao autor satildeo realizadosdiversos eventos como missa cantada na Catedral de Satildeo Pedro dosCleacuterigos do Recife mandada celebrar pelo governo do estado dePernambuco sendo oficiante monsenhor Severino Nogueira e regente opadre Jayme Diniz Inauguraccedilatildeo na redaccedilatildeo do Diaacuterio dePernambuco de placa comemorativa da colaboraccedilatildeo de Gilberto Freyreiniciada em 1918 Almoccedilo na residecircncia de Fernando Freyre Open

house na vivenda Santo Antocircnio Sorteio de bilhete da Loteria Federalda Praccedila de Apipucos Desfile de clubes e blocos carnavalescos econcentraccedilatildeo popular em Apipucos Sessatildeo solene do CongressoNacional em 15 de abril agraves 15 horas para homenagear o escritor GilbertoFreyre pelo transcurso do seu octogeacutesimo aniversaacuterio Discursos dopresidente senador Luiacutes Viana Filho dos senadores Aderbal Jurema eMarcos Freire e do deputado Thales Ramalho Viaja a Portugal emjunho a convite da Cacircmara Municipal de Lisboa para participar nascomemoraccedilotildees do Quarto Centenaacuterio da Morte de Camotildees Profereconferecircncia A tradiccedilatildeo camoniana ante insurgecircncias e ressurgecircncias

atuais Eacute homenageado em 6 de julho durante a 32a Reuniatildeo Anual daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciecircncia realizada no Rio deJaneiro e em 25 de julho pelo XII Congresso Brasileiro de Liacutengua eLiteratura promovido pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro eUniversidade Federal do Rio de Janeiro Em 11 de agosto recebe doembaixador Hansjorg Kastl a Gratilde-Cruz do Meacuterito da RepuacuteblicaFederativa da Alemanha Ainda em agosto eacute homenageado pelo IVSeminaacuterio Paraibano de Cultura Brasileira Recebe o tiacutetulo de CidadatildeoBenemeacuterito de Joatildeo Pessoa outorgado pela Cacircmara Municipal da capitalparaibana Recebe o tiacutetulo do soacutecio honoraacuterio do Instituto Histoacuterico eGeograacutefico da Paraiacuteba Em 2 de setembro eacute homenageado pelo PenClube do Brasil com um painel sobre suas ideias no auditoacuterio do Palaacutecioda Cultura no Rio de Janeiro Encenaccedilatildeo no Teatro Satildeo Pedro de SatildeoPaulo da peccedila de Joseacute Carlos Cavalcanti Borges Casa-grande ampsenzala sob a direccedilatildeo de Miroel Silveira pelo grupo teatral da Escola deComunicaccedilatildeo e Artes da USP Em 10 de outubro apresenta conferecircnciada Fundaccedilatildeo Luisa e Oscar Americano de Satildeo Paulo sobre Imperialismocultural do Conde Mauriacutecio De 13 a 17 de outubro profere simpoacutesiointernacional promovido pela Universidade de Brasiacutelia e pelo Ministeacuterioda Educaccedilatildeo e Cultura com a participaccedilatildeo como conferencistas dohistoriador social inglecircs Lord Asa Briggs do filoacutesofo espanhol JuliaacutenMariacuteas do poeta e ensaiacutesta portuguecircs David Mouratildeo-Ferreira doantropoacutelogo francecircs Jean Duvignaud e do historiador mexicano SilvioZavala Recebe o Precircmio Jabuti de Satildeo Paulo em 28 de outubroRecebe em 11 de dezembro o grau de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Catoacutelica de Pernambuco Em 12 de dezembro recebe oPrecircmio Moinho Recife Satildeo publicadas diversas obras do autor como o

aacutelbum Gilberto poeta algumas confissotildees com serigrafias de AldemirMartins Jenner Augusto Lula Cardoso Ayres Reynaldo Fonseca eWellington Virgolino e posfaacutecio de Joseacute Paulo Moreira da Fonseca(Ranulpho Editora de Arte) Poesia reunida (Ediccedilotildees Pirata Recife)

20a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala com prefaacutecio do

ministro Eduardo Portella 5a ediccedilatildeo de Olinda 3a ediccedilatildeo da Seleta

para jovens 2a ediccedilatildeo brasileira de Aventura e rotina (todas pela

Editora Joseacute Olympio) e a 2a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios dejornais brasileiros do seacuteculo XIX (Companhia Editora Nacional) AEditora Greenwood Press de Westport Conn publica sem autorizaccedilatildeodo autor a reimpressatildeo de New world in the tropics

1981

A Classe de Letras da Academia de Ciecircncias de Lisboa reuacutene-se emfevereiro para a comunicaccedilatildeo do escritor David Mouratildeo-Ferreira sobreGilberto Freyre criador literaacuterio Encenaccedilatildeo em marccedilo no Teatro SantaIsabel da peccedila-baleacute de Rubens Rocha Filho Tempos perdidos nossostempos Em 25 de marccedilo o autor recebe do embaixador Jean Beliard arosette de Oficial da Leacutegion drsquoHonneur Inauguraccedilatildeo de seu retrato em21 de abril no Museu do Trem da Superintendecircncia Regional da RedeFerroviaacuteria Federal Em 29 de abril o Conselho Municipal de Culturalanccedila no Palaacutecio do Governo um aacutelbum de desenhos de sua autoriaInauguraccedilatildeo em 7 de maio no Museu Nacional da Quinta da Boa Vistada ediccedilatildeo quadrinizada de Casa-grande amp senzala numa promoccedilatildeo daUniversidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional e EditoraBrasil-Ameacuterica Profere conferecircncia em 15 de maio no auditoacuterio BeniacutecioDias da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco sobre Atualidade de Lima BarretoViaja agrave Espanha em outubro para tomar posse no Conselho Superior doInstituto de Cooperaccedilatildeo Ibero-Americana nomeado pelo rei Joatildeo CarlosI

1982

Recebe em janeiro a medalha comemorativa dos trinta anos do ConselhoNacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico (CNPq) Proferena Academia Pernambucana de Letras conferecircncia sobre Luiacutes Jardimautodidata comemorativa do octogeacutesimo aniversaacuterio do pintor e

escritor pernambucano Na abertura do III Congresso Afro-Brasileiro em20 de setembro apresenta conferecircncia no teatro Santa Isabel Emsetembro eacute entrevistado pela Rede Bandeirantes de Televisatildeo noprograma Canal Livre Recebe do embaixador Javier Vallaure naEmbaixada da Espanha em Brasiacutelia a Gratilde-Cruz de Alfonso El Sabio(outubro) e no auditoacuterio do Palaacutecio da Cultura em 9 de novembroconferecircncia sobre Villa-Lobos revisitado Profere no Nacional Club de SatildeoPaulo em 11 de novembro conferecircncia sobre Brasil entre passados uacuteteise futuros renovados A Editora Massangana publica Rurbanizaccedilatildeo oque eacute A Editora Klett-Cotta de Stuttgart publica a primeira ediccedilatildeoalematilde de Das Land in der Stadt Die Entwicklung der urbanemGesellschaft Brasiliens (Sobrados e mucambos) e a segunda deHerrenhaus und Sklavenhuumltte (Casa-grande amp senzala)

1983

Iniciam-se em 21 de marccedilo ndash Dia Internacional das Naccedilotildees UnidasContra a Discriminaccedilatildeo Racial ndash as comemoraccedilotildees do cinquentenaacuterio dapublicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala com sessatildeo solene no auditoacuterioBeniacutecio Dias presidida pelo governador Roberto Magalhatildees e com apresenccedila da ministra da Educaccedilatildeo Esther de Figueiredo Ferraz e dodiretor-geral da Unesco Amadou MrsquoBow que lhe entrega a medalhaHomenagem da Unesco Recebe em 15 de abril da Associaccedilatildeo Brasileirade Relaccedilotildees Puacuteblicas Seccedilatildeo de Pernambuco o Trofeacuteu Integraccedilatildeo pordestaque cultural de 1982 Em abril expotildee seus uacuteltimos desenhos epinturas na Galeria Aloiacutesio Magalhatildees Viaja a Lisboa em 25 de outubropara receber do ministro dos Negoacutecios Estrangeiros a Gratilde-Cruz deSantiago da Espada Em 27 de outubro participa de sessatildeo solene daAcademia de Ciecircncias de Lisboa e da Academia Portuguesa de Histoacuteriacomemorativa do cinquentenaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande ampsenzala A Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian promove em Lisboa um ciclode conferecircncias sobre Casa-grande amp senzala (2 de novembro a 4 dedezembro) Eacute homenageado pela Feira Internacional do Livro do Rio deJaneiro em 9 de novembro O Seminaacuterio de Tropicologia reuacutene-se em29 de novembro para a conferecircncia de Edson Nery da Fonsecaintitulada Gilberto Freyre cultura e troacutepico Recebe em 7 de dezembrono Liceu Literaacuterio Portuguecircs do Rio de Janeiro a Gratilde-Cruz da OrdemCamoniana A Editora Massangana publica Apipucos que haacute num

nome a Editora Globo lanccedila Insurgecircncias e ressurgecircncias atuais e

Meacutedicos doentes e contextos sociais (2a ediccedilatildeo de Sociologia damedicina) Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco de 19 a 30 desetembro um ciclo de conferecircncias comemorativo dos cinquenta anosde Casa-grande amp senzala promovido com apoio do governo do estadoe de outras entidades pernambucanas (anais editados por Edson Neryda Fonseca e publicados em 1985 pela Editora Massangana Novasperspectivas em Casa-grande amp senzala) A Joseacute Olympio Editorapublica no Rio de Janeiro o livro de Edilberto Coutinho A imaginaccedilatildeodo real uma leitura da ficccedilatildeo de Gilberto Freyre tese de doutoramentodefendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro A Editora Recordlanccedila no Rio de Janeiro Homens engenharias e rumos sociais

1984

Lanccedilamento em 20 de janeiro de selo postal comemorativo docinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Viaja a Salvador em 14 demarccedilo para receber homenagem do governo do estado pelocinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Inauguraccedilatildeo no Museu deArte Moderna da Bahia da exposiccedilatildeo itinerante sobre a obraConferecircncia de Edson Nery da Fonseca sobre Gilberto Freyre Casa-grande amp senzala e a Bahia Convidado pelo governador TancredoNeves profere em Ouro Preto em 21 de abril o discurso oficial daSemana da Inconfidecircncia Profere em 8 de maio na antiga Reitoria daUFRJ conferecircncia sobre Alfonso X o saacutebio ponte de culturas Recebeda Uniatildeo Cultural Brasil-Estados Unidos em 7 de junho a medalha demerecimento por serviccedilos relevantes prestados agrave aproximaccedilatildeo entre oBrasil e os Estados Unidos Em 8 de junho profere conferecircncia no ClubeAtleacutetico Paulistano sobre Camotildees vocaccedilatildeo de antropoacutelogo modernopromovida pelo Conselho da Comunidade Portuguesa de Satildeo Paulo Emsetembro o Baleacute Studio Um realiza no Recife o espetaacuteculo de danccedilaCasa-grande amp senzala sob a direccedilatildeo de Eduardo Gomes e com muacutesicade Egberto Gismonti Recebe a Medalha Picasso da Unesco desenhadapor Juan Miroacute em comemoraccedilatildeo do centenaacuterio do pintor espanhol Emsetembro homenageado por Richard Civita no Hotel 4 Rodas de Olindacom banquete presidido pelo governador Roberto Magalhatildees e entregade passaportes para o casal se hospedar em qualquer hotel da redeParticipa na Arquidiocese do Rio de Janeiro em outubro do Congresso

Internacional de Antropologia e Praacutexis debatedor do tema Cultura eredenccedilatildeo desenvolvido por D Paul Poupard Eacute homenageado noTeatro Santa Isabel do Recife em 31 de novembro pelo cinquentenaacuterio

do 1o Congresso Afro-Brasileiro ali realizado em 1934 Lecirc no Museu deArte Sacra de Pernambuco (Olinda) a conferecircncia Cultura e museuspublicada no ano seguinte pela Fundarpe Convidado pelo Conselho daComunidade Portuguesa do Estado de Satildeo Paulo lecirc no Clube AtleacuteticoPaulistano em 8 de junho (Dia de Portugal) a conferecircncia Camotildeesvocaccedilatildeo de antropoacutelogo moderno publicada no mesmo ano peloconselho

1985

Recebe da Fundaccedilatildeo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico de Pernambuco(Fundarpe) a Homenagem agrave Cultura Viva de Pernambuco em 18 demarccedilo Viaja em maio aos Estados Unidos para receber na BaylorUniversity o precircmio consagrador de notaacuteveis triunfos (DistinguishedAchievement Award) Profere em 21 de maio na Harvard Universityconferecircncia sobre My first contacts with american intellectual lifepromovida pelo Departamento de Liacutenguas e Literaturas Romacircnicas epela Comissatildeo de Estudos Latino-Americanos e Ibeacutericos Realizaexposiccedilatildeo na Galeria Metropolitana Aloiacutesio Magalhatildees do RecifeDesenhos a cor figuras humanas e paisagens Recebe em agosto o graude Doutor Honoris Causa em Direito e em Letras pela UniversidadeClaacutessica de Lisboa Eacute nomeado em setembro pelo presidente daRepuacuteblica para compor a Comissatildeo de Estudos Constitucionais Recebeo tiacutetulo de Cidadatildeo de Manaus em 6 de setembro Profere em 29 deoutubro conferecircncia na inauguraccedilatildeo do Instituto Brasileiro de AltosEstudos (Ibrae) de Satildeo Paulo subordinada ao tiacutetulo Agrave beira do seacuteculoXX Em 20 de novembro eacute apresentado no Cine Bajado de Olinda ofilme de Kaacutetia Mesel Oh de casa Em dezembro viaja a Satildeo Paulo sendohospitalizado no Incor para cirurgia de um divertiacuteculo de Zenkel (heacuternia

de esocircfago) A Joseacute Olympio Editora publica a 7a ediccedilatildeo de Sobrados e

mucambos e a 5a ediccedilatildeo de Nordeste Por iniciativa do Centro deEstudos Latino-Americanos da Universidade da Califoacuternia em LosAngeles a editora da universidade publica em Berkeley reediccedilotildees embrochuras do mesmo formato The masters and the slaves The

mansions and the shanties e Order and progress com introduccedilotildees deDavid H E Mayburt-Lewis e Ludwig Lauerhass Jr respectivamente

1986

Em janeiro submete-se a uma cirurgia do esocircfago para retirada de umdivertiacuteculo de Zenkel no Incor Regressa ao Recife em 16 de janeirodizendo ldquoagora estou em casa meu Apipucosrdquo Em 22 de fevereiroretorna a Satildeo Paulo para uma cirurgia de proacutestata no Incor realizada em24 de fevereiro Recebe em 24 de abril em sua residecircncia de Apipucosdo embaixador Bernard Dorin a comenda de Grande Oficial da Legiatildeode Honra no grau de Cavaleiro Em maio eacute agraciado com o PrecircmioCavalo-Marinho da Empitur Em agosto recebe o tiacutetulo de Cidadatildeo deAracaju Em 24 de outubro reencontra-se no Recife com a danccedilarinaKatherine Dunhm Em 28 de outubro eacute eleito para ocupar a cadeira 23da Academia Pernambucana de Letras vaga com a morte de GilbertoOsoacuterio de Andrade Toma posse em 11 de dezembro na AcademiaPernambucana de Letras Recebe em 16 de dezembro o tiacutetulo dePesquisador Emeacuterito do Instituto de Pesquisas Sociais da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco Publica-se em Budapeste a ediccedilatildeo huacutengara de Casa-grande amp senzala Udvarhaacutez es szolgaszaacutellaacutes A professora EacutelideRugai Bastos defende na Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo(PUC) a tese de doutoramento Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo dasociedade brasileira orientada pelo professor Octavio Ianni A AacuteriesEditora publica em Satildeo Paulo o livro de Pietro Maria Bardi Ex-votos deMaacuterio Cravo e a Editora Creficullo lanccedila o livro do mesmo autor 40anos de Masp ambos prefaciados por Gilberto Freyre

1987

Instituiccedilatildeo em 11 de marccedilo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 demarccedilo recebe em Apipucos a visita do presidente Maacuterio Soares Em 7 deabril submete-se a uma cirurgia para implantaccedilatildeo de marca-passo noIncor do Hospital Portuguecircs Em 18 de abril Saacutebado Santo recebe de dBasiacutelio Penido OSB os sacramentos da Reconciliaccedilatildeo da Eucaristia e daUnccedilatildeo dos Enfermos Morre no Hospital Portuguecircs agraves 4 horas de 18 dejulho aniversaacuterio de Magdalena Sepultamento no Cemiteacuterio de SantoAmaro agraves 18 horas com discurso do ministro Marcos Freire Em 20 dejulho o senador Afonso Arinos ocupa a tribuna da Assembleia Nacional

Constituinte para homenagear sua memoacuteria Em 19 de julho o jornalABC de Madri publica um artigo de Juliaacuten Mariacuteas Adioacutes a um brasilentildeouniversal Em 24 de julho missas concelebradas no Recife por d JoseacuteCardoso Sobrinho e d Heber Vieira da Costa OSB e em Brasiacutelia por dHildebrando de Melo e pelos vigaacuterios da catedral e do Palaacutecio daAlvorada com coral da Universidade de Brasiacutelia Missa celebrada noseminaacuterio com canto gregoriano a cargo das Beneditinas de SantaGertrudes de Olinda A Editora Record publica Modos de homem e

modas de mulher e a 2a ediccedilatildeo de Vida forma e cor Assombraccedilotildees doRecife Velho e Perfil de Euclides e outros perfis a Joseacute Olympio

Editora a 25a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala O Ciacuterculo doLivro lanccedila nova ediccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre e a EditoraMassangana publica Pernambucanidade consagrada (discursos deGilberto Freyre e Waldemar Lopes na Academia Pernambucana deLetras) Ciclo de conferecircncias promovido pela Fundaccedilatildeo JoaquimNabuco em memoacuteria de Gilberto Freyre tendo como conferencistasJuliaacuten Mariacuteas Adriano Moreira Maria do Carmo Tavares de Miranda eJoseacute Antocircnio Gonsalves de Mello (convidado deixou de vir por motivode doenccedila o antropoacutelogo Jean Duvignaud) Ciclo de conferecircnciaspromovido em Maceioacute pelo governo do estado de Alagoas a cargo deMaria do Carmo Tavares de Miranda Odilon Ribeiro Coutinho e JoseacuteAntocircnio Gonsalves de Mello Homenagem do Conselho Latino-Americano de Ciecircncias Sociais na abertura de sua XIV Assembleia Geralrealizada no Recife de 16 a 21 de novembro A editora mexicana Fondo

de Cultura Econoacutemica publica a 2a ediccedilatildeo como livro de bolso deInterpretacioacuten del Brasil A revista Ciecircncia e Cultura publica em seunuacutemero de setembro o necroloacutegio de Gilberto Freyre solicitado por MariaIsaura Pereira de Queiroz a Edson Nery da Fonseca

1988

Em convecircnio com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e sob os auspiacutecios doGrupo Gerdau a Editora Record publica no Rio de Janeiro a obrapoacutestuma Ferro e civilizaccedilatildeo no Brasil

1989

Em sua 26a ediccedilatildeo Casa-grande amp senzala passa a ser publicada pela

Editora Record ateacute a 46a ediccedilatildeo em 2002

1990

A Fundaccedilatildeo das Artes e a Empresa Graacutefica da Bahia publicam emSalvador Bahia e baianos obra poacutestuma organizada e prefaciada por

Edson Nery da Fonseca A Editora Klett-Cotta lanccedila em Stuttgart a 2a

ediccedilatildeo alematilde de Sobrados e mucambos (Das land in der Sdadt)Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o seminaacuterio O cotidiano emGilberto Freyre organizado por Faacutetima Quintas (anais publicados nomesmo ano pela Editora Massangana)

1994

A Cacircmara dos Deputados publica como volume 39 de sua Coleccedilatildeo PerfisParlamentares Discursos parlamentares de Gilberto Freyre textoorganizado anotado e prefaciado por Vamireh Chacon A Editora Agirpublica no Rio de Janeiro a antologia Gilberto Freyre organizada porEdilberto Coutinho como volume 117 da Coleccedilatildeo Nossos Claacutessicos dirigidapor Pedro Lyra A Editora 34 publica no Rio de Janeiro a tese dedoutoramento de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo Guerra e paz Casa-grande amp senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30

1995

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco a semana de estudoscomemorativos dos 95 anos de Gilberto Freyre com conferecircnciasreunidas e apresentadas por Faacutetima Quintas na obra coletiva A obra emtempos vaacuterios publicada em 1999 pela Editora Massangana AFundaccedilatildeo de Cultura da Cidade do Recife e a Imprensa Universitaacuteria daUniversidade Federal de Pernambuco publicam no Recife Novasconferecircncias em busca de leitores obra poacutestuma organizada eprefaciada por Edson Nery da Fonseca A Editora Massangana publica olivro de Sebastiatildeo Vila Nova Sociologias e poacutes-sociologia em GilbertoFreyre

1996

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o simpoacutesio Que somos noacutesorganizado por Maria do Carmo Tavares de Miranda em comemoraccedilatildeo

aos sessenta anos de Sobrados e mucambos (anais publicados pelaEditora Massangana em 2000)

1997

Comemorando seu septuageacutesimo quinto aniversaacuterio a revista norte-americana Foreign Affairs publica o resultado de um inqueacuteritodestinado agrave escolha de 62 obras ldquoque fizeram a cabeccedila do mundo apartir de 1922rdquo Casa-grande amp senzala eacute apontada como uma delaspelo professor Kenneth Maxwell A Companhia das Letras publica em

Satildeo Paulo a 4a ediccedilatildeo de Accediluacutecar livro reimpresso em 2002 por iniciativada Usina Petribu

1999

Por iniciativa da Fundaccedilatildeo Oriente da Universidade da Beira Interior eda Sociedade de Geografia de Lisboa iniciam-se em Portugal ascomemoraccedilotildees do centenaacuterio de nascimento de Gilberto Freyre com ocoloacutequio realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa de 11 e 12 defevereiro Lusotropicalismo revisitado sob a direccedilatildeo dos professoresAdriano Moreira e Joseacute Carlos Venacircncio A Fundaccedilatildeo Oriente institui umprecircmio anual de um milhatildeo de escudos para ldquogalardoar trabalhos deinvestigaccedilatildeo na aacuterea da perspectiva gilbertiana sobre o Orienterdquo Ascomemoraccedilotildees pernambucanas satildeo iniciadas em 14 de marccedilo com missasolene concelebrada na Basiacutelica do Mosteiro de Satildeo Bento de Olindacom canto gregoriano pelas Beneditinas Missionaacuterias da Academia Santa

Gertrudes Pelo Decreto no 21403 de 7 de maio o governador dePernambuco declara no acircmbito estadual Ano Gilberto Freyre 2000Pelo Decreto de 13 de julho o presidente da Repuacuteblica institui o ano2000 como Ano Gilberto Freyre A UniverCidade do Rio de Janeiroinstitui por sugestatildeo da Editora Topbooks o precircmio de 20 mil doacutelarespara o melhor ensaio sobre Gilberto Freyre

2000

Por iniciativa da TV Cultura de Satildeo Paulo satildeo elaborados os filmesGilbertianas I e II dirigidos pelo cineasta Ricardo Miranda com acolaboraccedilatildeo do antropoacutelogo Raul Lody Em 13 de marccedilo ocorre olanccedilamento nacional da produccedilatildeo numa promoccedilatildeo do Shopping CenterRecifeUCI CinemasWeston Taacutexi Aeacutereo Em 21 de marccedilo eacute lanccedilada na

sala Calouste Gulbenkian da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco no Nuacutecleo deEstudos Freyrianos no governo do estado de Pernambuco na Sudene eno Ministeacuterio da Cultura Por iniciativa do Canal GNT VideoFilmes eRegina Filmes o cineasta Nelson Pereira dos Santos dirige quatrodocumentaacuterios intitulados geneacutericos de Casa-grande amp senzala tendoEdson Nery da Fonseca como corroteirista e narrador Filmados noBrasil em Portugal e na Universidade de Coluacutembia em Nova York oprimeiro O Cabral moderno exibido pelo canal GNT a partir de 21 deabril Os demais A cunhatilde matildee da famiacutelia brasileira O portuguecircscolonizador dos troacutepicos e O escravo na vida sexual e de famiacutelia dobrasileiro satildeo exibidos pelo mesmo canal a partir de 2001 As Editoras

Letras e Expressotildees e Abregraph publicam a 2a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em quadrinhos com ilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues

colorizadas por Noguchi A Editora Topbooks lanccedila a 2a ediccedilatildeo brasileirade Novo mundo nos troacutepicos prefaciada por Wilson Martins A revistaNovos Estudos Cebrap n 56 publica o dossiecirc Leituras de GilbertoFreyre com apresentaccedilatildeo de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo incluindoas introduccedilotildees de Fernand Braudel agrave ediccedilatildeo italiana de Casa-grande ampsenzala de Lucien Fegravebvre agrave ediccedilatildeo francesa de Antonio Seacutergio a Omundo que o portuguecircs criou e de Frank Tannembaum agrave ediccedilatildeo norte-americana de Sobrados e mucambos Em 15 de marccedilo realiza-se naMaison de Sciences de lrsquoHomme et de la Science o coloacutequio GilbertoFreyre e a Franccedila organizado pela professora Ria Lemaire daUniversidade de Poitiers Em 15 de marccedilo o arcebispo de Olinda eRecife Joseacute Cardoso celebra missa solene na Igreja de Satildeo Pedro dosCleacuterigos com cantos do coral da Academia Pernambucana de MuacutesicaNa tarde de 15 de marccedilo eacute apresentada na sala Calouste Gulbenkianem projeccedilatildeo de VHF a Biblioteca Virtual Gilberto disponiacutevelimediatamente na Internet lthttpprossigabvgffgforgbrgt De 21 a24 de marccedilo realiza-se na Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre o SeminaacuterioInternacional Novo Mundo nos Troacutepicos (anais publicados com tiacutetulohomocircnimo) De 28 a 31 de marccedilo eacute apresentado no Centro CulturalBanco do Brasil do Rio de Janeiro o ciclo de palestras A propoacutesito deGilberto Freyre (natildeo reunidas em livro) De 14 a 16 de agosto realiza-se oseminaacuterio Gilberto Freyre patrimocircnio brasileiro promovidoconjuntamente pela Fundaccedilatildeo Roberto Marinho pela UniverCidade doRio de Janeiro pelo Coleacutegio do Brasil pela Academia Brasileira de Letras

pela Folha de SPaulo e pelo Instituto de Estudos Avanccedilados da USPIniciado no auditoacuterio da Academia Brasileira de Letras e num dos campida Universidade eacute concluiacutedo no auditoacuterio da Folha de SPaulo e nacidade universitaacuteria da USP Em 18 de outubro realiza-se no anfiteatroda Histoacuteria da USP o seminaacuterio multidisciplinar Relendo Gilberto Freyreorganizado pelo Centro Angel Rama da Faculdade de Filosofia Letras eCiecircncias Humanas na mesma universidade Em 20 de outubro realiza-sena embaixada do Brasil em Paris o seminaacuterio Gilberto Freyre e as ciecircnciassociais no Brasil promovido pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores eFundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 de outubro realiza-se em Buenos Aireso seminaacuterio Agrave la busqueda de la identidad el ensayo de interpretacioacutennacional en Brasil y Argentina De 6 a 9 de novembro eacute realizada no SunValley Park Hotel em Mariacutelia (SP) a Jornada de Estudos Gilberto Freyreorganizada pela Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da Unesp Em 21 denovembro na Universidade de Essex ocorre o seminaacuterio The english inBrazil a study in cultural encounters dirigido pela professora MariaLuacutecia Pallares-Burke Em 27 de novembro realiza-se na Universidade deCambridge o seminaacuterio Gilberto Freyre amp histoacuteria social do Brasil dirigidopelos professores Peter Burke e Maria Luacutecia Pallares-Burke De 27 a 30de novembro acontece no Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artesda Universidade Federal da Paraiacuteba o simpoacutesio Gilberto Freyreinterpenetraccedilatildeo do Brasil organizado pela professora Elisalva MadrugaDantas e pelo poeta e multiartista Jomard Muniz de Brito (anais comtiacutetulo homocircnimo publicados pela editora Universitaacuteria em 2002) De 28a 30 de novembro ocorre na sala Calouste Gulbenkian da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco o seminaacuterio internacional Aleacutem do apenas moderno De5 a 7 de dezembro eacute apresentado no auditoacuterio Joatildeo Alfredo daUniversidade Federal de Pernambuco o seminaacuterio Outros Gilbertosorganizado pelo Laboratoacuterio de Estudos Avanccedilados de CulturaContemporacircnea do Departamento de Antropologia da mesmauniversidade Publica-se em Satildeo Paulo pelo Grupo Editorial Cone Sul oensaio de Gustavo Henrique Tuna Gilberto Freyre ndash entre tradiccedilatildeo amp

ruptura premiado na categoria ldquoensaiordquo do 3o Festival Universitaacuterio deLiteratura organizado pela Xerox do Brasil e pela revista Livro AbertoPor iniciativa do deputado Aldo Rebelo a Cacircmara dos Deputados reuacuteneno opuacutesculo Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo do Brasil prefaciado por LuiacutesFernandes ensaios do proacuteprio deputado de Otto Maria Carpeaux e de

Regina Maria A F Gadelha A Editora Comunigraf publica no Recife olivro de Maacuterio Heacutelio O Brasil de Gilberto Freyre uma introduccedilatildeo agraveleitura de sua obra com ilustraccedilotildees de Joseacute Claacuteudio e prefaacutecio de EdsonNery da Fonseca A Editora Casa Amarela publica em Satildeo Paulo asegunda ediccedilatildeo do ensaio de Gilberto Felisberto Vasconcellos O xaraacute deApipucos A Embaixada do Brasil em Bogotaacute publica o opuacutesculoImagenes com texto e ilustraccedilotildees selecionadas por Nora Ronderos

2001

A Companhia das Letras publica em Satildeo Paulo a 2a ediccedilatildeo deInterpretaccedilatildeo do Brasil organizada e prefaciada por Omar Ribeiro

Thomaz (no 19 da Coleccedilatildeo Retratos do Brasil) A Editora Topbookspublica no Rio de Janeiro a obra coletiva O imperador das ideiasGilberto Freyre em questatildeo organizada pelos professores Joaquim Falcatildeoe Rosa Maria Barboza de Arauacutejo reunindo conferecircncias do seminaacuteriorealizado no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo de 14 a 17 de agosto de 2000

A Editora Topbooks e UniverCidade publicam no Rio de Janeiro a 2a

ediccedilatildeo de Aleacutem do apenas moderno prefaciada por Joseacute Guilherme

Merquior e as 3as ediccedilotildees de Aventura e rotina prefaciada por Albertoda Costa e Silva e de Ingleses no Brasil prefaciada por Evaldo Cabral deMelo A Editora da Universidade do Estado de Pernambuco publicacomo no 18 de sua Coleccedilatildeo Nordestina o livro poacutestumo Antecipaccedilotildeesorganizado e prefaciado por Edson Nery da Fonseca A EditoraGaramond publica no Rio de Janeiro o livro de Helena BocayuvaErotismo agrave brasileira o excesso sexual na obra de Gilberto Freyreprefaciado pelo professor Luis Antonio de Castro Santos O DiaacuterioOficial da Uniatildeo de 28 de dezembro de 2001 publica agrave paacutegina 6 a Leino 10361 de 27 de dezembro de 2001 que confere o nome de AeroportoInternacional Gilberto Freyre ao Aeroporto Internacional dosGuararapes do Recife O Projeto de Lei eacute de autoria do deputado JoseacuteChaves (PMDB-PE)

2002

Publica-se no Rio de Janeiro em coediccedilatildeo da Fundaccedilatildeo BibliotecaNacional e Zeacute Maacuterio Editor o livro de Edson Nery da Fonseca GilbertoFreyre de A a Z Eacute lanccedilada em Paris sob os auspiacutecios da ONG da Unesco

Allca XX e como volume no 55 da Coleccedilatildeo Archives a ediccedilatildeo criacutetica deCasa-grande amp senzala organizada por Guillermo Giucci EnriqueRodriacuteguez Larreta e Edson Nery da Fonseca

2003

O governo instalado no Brasil em 1o de janeiro extingue sem nenhumaexplicaccedilatildeo o Seminaacuterio de Tropicologia criado em 1966 pelaUniversidade Federal de Pernambuco por sugestatildeo de Gilberto Freyre eincorporado em 1980 agrave estrutura da Fundaccedilatildeo Joaquim NabucoGustavo Henrique Tuna defende no Departamento de Histoacuteria doInstituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Unicamp a dissertaccedilatildeo demestrado Viagens e viajantes em Gilberto Freyre A Editora daUniversidade de Brasiacutelia publica em coediccedilatildeo com a Imprensa Oficial doEstado de Satildeo Paulo as seguintes obras poacutestumas organizadas porEdson Nery da Fonseca Palavras repatriadas (prefaacutecio e notas doorganizador) Americanidade e latinidade da Ameacuterica Latina e outrostextos afins Trecircs histoacuterias mais ou menos inventadas (com prefaacutecio e

posfaacutecio de Ceacutesar Leal) e China tropical A Global Editora publica a 47a

ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala (com apresentaccedilatildeo de Fernando

Henrique Cardoso) No mesmo ano lanccedila a 48a ediccedilatildeo da obra-mestra

de Freyre A mesma editora publica a 14a ediccedilatildeo de Sobrados emucambos (com apresentaccedilatildeo de Roberto DaMatta) Publica-se pelaEdusc Editora da Unesp e Fapesp o livro Gilberto Freyre em quatrotempos (organizaccedilatildeo de Ethel Volfzon Kosminsky Claude Leacutepine eFernanda Arecircas Peixoto) reunindo comunicaccedilotildees apresentadas naJornada de Estudos Gilberto Freyre realizada em Mariacutelia (SP) em 2000Eacute lanccedilada pela Edusc Editora Sumareacute e Anpocs o livro de Eacutelide RugaiBastos Gilberto Freyre e o pensamento hispacircnico entre Dom Quixote eAlonso El Bueno

2004

A Global Editora publica a 6a ediccedilatildeo de Ordem e progresso

(apresentaccedilatildeo de Nicolau Sevcenko) a 7a ediccedilatildeo de Nordeste (com

apresentaccedilatildeo de Manoel Correia de Oliveira Andrade) a 15a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 49a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em

conjunto com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre a editora lanccedila o ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 20042005 destinado apremiar e a publicar ensaio que aborde ldquoqualquer dos aspectos relevantesda obra do escritor Gilberto Freyrerdquo

2005

Em 15 de marccedilo eacute premiado o trabalho de Eacutelide Rugai Bastos intituladoAs criaturas de Prometeu Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo da sociedadebrasileira vencedor do Concurso Nacional de Ensaios ndash Precircmio GilbertoFreyre 20042005 promovido pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e pela

Global Editora Esta publica a 50a ediccedilatildeo (ediccedilatildeo comemorativa) deCasa-grande amp senzala em capa dura Em agosto o grupo de teatro OsFofos Encenam sob a direccedilatildeo de Newton Moreno estreia a peccedilaAssombraccedilotildees do Recife Velho adaptaccedilatildeo da obra homocircnima deGilberto Freyre no Casaratildeo do Belvedere situado no Bairro Bela Vistaem Satildeo Paulo Em 18 de outubro na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos em Satildeo Paulo eacute lanccedilado Gilberto Freyre um vitoriano dostroacutepicos de Maria Luacutecia Pallares-Burke pela Editora da Unesp emmesa-redonda com a participaccedilatildeo dos professores Antonio Dimas Joseacutede Souza Martins Eacutelide Rugai Bastos e a autora do livro A Global Editora

publica a 3a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em quadrinhos comilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues colorizadas por Noguchi

2006

Realiza-se em 15 de marccedilo na 19a Bienal Internacional do Livro de SatildeoPaulo sediada no Pavilhatildeo de Exposiccedilotildees do Anhembi no salatildeo A-Mezanino a mesa de debate 70 anos de Sobrados e mucambos deGilberto Freyre com a presenccedila dos professores Roberto DaMatta EacutelideRugai Bastos Enrique Rodriacuteguez Larreta e mediaccedilatildeo de Gustavo

Henrique Tuna No evento eacute lanccedilado o 2o Concurso Nacional de Ensaiosndash Precircmio Gilberto Freyre 20062007 organizado pela Global Editora epela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre que aborda qualquer aspecto referente agrave

obra Sobrados e mucambos A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo revistade Tempo morto e outros tempos prefaciada por Maria Luacutecia GarciaPallares-Burke Realiza-se no auditoacuterio do Instituto de Filosofia eCiecircncias Humanas da Unicamp nos dias 25 e 26 de abril o Simpoacutesio

Gilberto Freyre produccedilatildeo circulaccedilatildeo e efeitos sociais de suas ideias coma presenccedila de inuacutemeros estudiosos do Brasil e do exterior da obra dosocioacutelogo pernambucanoA Global Editora publica As criaturas de Prometeu ndash Gilberto Freyre ea formaccedilatildeo da sociedade brasileira de Eacutelide Rugai Bastos trabalho

vencedor da 1a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios PrecircmioGilberto Freyre 20042005 promovido pela editora e pela FundaccedilatildeoGilberto Freyre

2007

Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global Editora a 5a ediccedilatildeo do livro

Accediluacutecar apresentada por Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti a 5a

ediccedilatildeo revista atualizada e aumentada por Antonio Paulo Rezende do

livro Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife a 6a

ediccedilatildeo revista e atualizada por Edson Nery da Fonseca do livro Olinda2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental de atualizada por Edson Neryda Fonseca do livro Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental decidade brasileira Publica-se no Rio de Janeiro pela CivilizaccedilatildeoBrasileira o primeiro volume da obra Gilberto Freyre uma biografiacultural dos pesquisadores uruguaios Enrique Rodrigues Larreta eGuillermo Giucci em traduccedilatildeo de Josely Vianna Baptista Publica-se noRecife pela Editora Massangana o livro de Edson Nery da Fonseca Emtorno de Gilberto Freyre

2008

O Museu da Liacutengua Portuguesa de Satildeo Paulo encerra em 4 de maio aexposiccedilatildeo iniciada em 27 de novembro de 2007 Gilberto Freyreinteacuterprete do Brasil sob a curadoria de Eacutelide Rugai Bastos JuacuteliaPeregrino e Pedro Karp Vasquez Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global

Editora a 4a ediccedilatildeo revista do livro Vida social no Brasil nos meados doseacuteculo XIX com apresentaccedilatildeo e iacutendices de Gustavo Henrique Tuna e a

6a ediccedilatildeo do livro Assombraccedilotildees do Recife Velho com apresentaccedilatildeo deNewton Moreno autor da adaptaccedilatildeo teatral representada com sucessoem Satildeo Paulo O editor Peter Lang de Oxford publica o livro de PeterBurke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Gilberto Freyre social theory inthe Tropics versatildeo de Gilberto Freyre um vitoriano nos Troacutepicos

publicado em 2005 pela Editora da Unesp que em 2006 recebeu osprecircmios Senador Joseacute Ermiacuterio de Morais da ABL (Academia Brasileira deletras) e Jabuti na categoria Ciecircncias HumanasA Global Editora publica Ensaio sobre o jardim de Solange de Aragatildeo

trabalho vencedor da 2a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios ndashPrecircmio Gilberto Freyre 20062007 promovido pela editora e pelaFundaccedilatildeo Gilberto Freyre

2009

A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo de Modos de homem amp modas demulher com texto de apresentaccedilatildeo de Mary Del Priore A Eacute Realizaccedilotildees

Editora publica em Satildeo Paulo a 6a ediccedilatildeo do livro Sociologia introduccedilatildeoao estudo dos seus princiacutepios com prefaacutecio de Simone Meucci e posfaacutecio

de Vamireh Chacon e a 4a ediccedilatildeo de Sociologia da medicina comprefaacutecio de Joseacute Miguel Rasia O Diaacuterio de Pernambuco edita a obraCrocircnicas do cotidiano a vida cultural de Pernambuco nos artigos deGilberto Freyre antologia organizada por Carolina Leatildeo e Lydia Barros AEditora da Unesp publica em traduccedilatildeo de Fernanda Veriacutessimo o livrode Peter Burke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Repensando ostroacutepicos um retrato intelectual de Gilberto Freyre com prefaacutecio agraveediccedilatildeo brasileira

2010

Publica-se pela Global Editora o livro Nordeste semita ndash Ensaio sobreum certo Nordeste que em Gilberto Freyre tambeacutem eacute semita deautoria de Caesar Sobreira trabalho vencedor da 3ordf ediccedilatildeo do ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 2008-2009 promovidopela editora e pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre A Global Editora publica a

4a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculoXIX com apresentaccedilatildeo de Alberto da Costa e Silva A Eacute Realizaccedilotildees

publica a 4a ediccedilatildeo de Aventura e rotina a 2a ediccedilatildeo de Homens

engenharias e rumos sociais a 2a ediccedilatildeo de O luso e o troacutepico a 2a

ediccedilatildeo de O mundo que o portuguecircs criou Uma cultura ameaccedilada eoutros ensaios (versatildeo ampliada de Uma cultura ameaccedilada a luso-

brasileira) Um brasileiro em terras portuguesas (a 1a ediccedilatildeo a ser

publicada no Brasil) e a 3a ediccedilatildeo de Vida forma e cor A Editora Girafapublica Em torno de Joaquim Nabuco reuniatildeo de textos que GilbertoFreyre escreveu sobre o abolicionista organizada por Edson Nery daFonseca com colaboraccedilatildeo de Jamille Cabral Pereira Barbosa GilbertoFreyre eacute o autor homenageado da 10ordf ediccedilatildeo da Feira Nacional do Livrode Ribeiratildeo Preto realizada entre os dias 14 e 18 de junho Eacute tambeacutem o

autor homenageado da 8a ediccedilatildeo da Festa Literaacuteria Internacional deParaty (Flip) ocorrida na cidade carioca entre os dias 4 e 8 de agostoPara a homenagem foram organizadas mesas com convidados nacionaise do exterior A conferecircncia de abertura em 4 de agosto foi lida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e debatida pelo historiador LuizFelipe de Alencastro no dia 5 realizou-se a mesa ldquoAo correr da penardquocom Moacyr Scliar Ricardo Benzaquen e Edson Nery da Fonseca commediaccedilatildeo de Aacutengel Gurriacutea-Quintana no dia 6 ocorreu a mesa ldquoAleacutem daCasa-granderdquo com Alberto da Costa e Silva Maria Luacutecia Pallares-Burke eAcircngela Alonso com mediaccedilatildeo de Lilia Schwarcz no dia 8 realizou-se amesa ldquoGilberto Freyre e o seacuteculo XXIrdquo com Joseacute de Souza Martins PeterBurke e Hermano Vianna com mediaccedilatildeo de Benjamim Moser Foilanccedilado na Flip o tatildeo esperado ineacutedito de Gilberto Freyre De menino ahomem espeacutecie de livro de memoacuterias do pernambucano pela GlobalEditora A ediccedilatildeo feita com capa dura traz um rico cadernoiconograacutefico conta com texto de apresentaccedilatildeo de Faacutetima Quintas enotas de Gustavo Henrique Tuna O lanccedilamento do tatildeo aguardadorelato autobiograacutefico ateacute entatildeo ineacutedito de Gilberto Freyre realizou-se nanoite do dia 5 de agosto na Casa da Cultura de Paraty ocasiatildeo em que oator Dan Stulbach leu trechos da obra para o puacuteblico presente OInstituto Moreira Salles publica uma ediccedilatildeo especial para a Flip de suarevista Serrote com poemas de Gilberto Freyre comentados porEucanaatilde Ferraz A Funarte publica o volume 5 da coleccedilatildeo Pensamentocriacutetico intitulado Gilberto Freyre uma coletacircnea de escritos do socioacutelogopernambucano sobre arte organizada por Clarissa Diniz e Gleyce Heitor

Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste

Brasil

1937

Nordeste aspectos da influecircncia da canna sobre a vida e a paizagem

do Nordeste do Brasil 1a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecio doautor

1951

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 2a ed rev e aum Rio de Janeiro Joseacute OlympioPrefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1961

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 3a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1967

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 4a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1985

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 5a ed Rio de JaneiroRecife JoseacuteOlympioFundarpe Prefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula CardosoAyres e Manoel Bandeira

1989

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 6a ed Rio de Janeiro Record Prefaacutecios doautor

2001

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagemdo Nordeste do Brasil Rio de Janeiro Record Prefaacutecios do autor

Reimpressatildeo da 6a ed

Argentina

1943

Nordeste aspectos de la influencia de la cantildea sobre la vida y elpaisaje del Nordeste del Brasil Buenos Aires Espasa-Calpe Prefaacuteciosdo autor Trad de Cayetano Romano

Franccedila

1956

Terres du sucre Paris Gallimard Prefaacutecios do autor Trad de JeanOrecchioni

1992

Terres du sucre 2a ed Paris Qai Voltaire Prefaacutecios do autorApresentaccedilatildeo de Jean Duvignaud

Itaacutelia

1970

Nordeste Lacuteuomo e gli elementi Milano Rizzoli Ilustraccedilatildeo de ManoelBandeira

Desenhos a bico de pena de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Desenho de Manoel Bandeira 1937

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1980

2 Engenho Botafogo Foto de Raimundo Gomes 1990

3 Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de Claudionete Lira 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Accedilude Botafogo Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de ClaudioneteLira 1990

2 Goiana ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

3 Foto de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

1 Engenho Tinoco Municiacutepio de Rio Formoso ndash PE Foto de Alcir Lacerda1990

2 Abreu e Lima ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

3 Igarassu ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez

2 Ipojuca ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

3 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1984

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

2 e 3 Canhotinho ndash PE Fotos de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Fotos de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

Desenho de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

copy Global Editora 2003Recife-Pernanbuco - Brasil1ordf ediccedilatildeo digital Global Editora Satildeo Paulo 2013

Diretor Editorial - Jefferson L AlvesProduccedilatildeo Digital - Eduardo OkunoCoordenadora Editorial - Sandra Regina FernandesRevisatildeo - Juliana AlexandrinoCapa - Mauricio NegroEduardo Okuno

CIP-BRASIL Catalogaccedilatildeo na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros RJ_____________________F943vFreyre Gilberto 1900-1987

Nordeste [recurso eletrocircnico] aspectos da influecircncia da cana sobre avida e a paisagem

do Nordeste do Brasil Gilberto Freyre apresentaccedilatildeo de ManoelCorreia de Andrade

biobibliografia de Edson Nery da Fonseca bibliografia e notasbibliograacuteficas

revistas elaboradas por Gustavo Henrique Tuna minus Satildeo Paulo Global2013

recurso digital

Formato ePubRequisitos do sistema Adobe Digital EditionsModo de acesso World Wide WebApecircndiceInclui bibliografia

ISBN 978-85-260-1816-7 (recurso eletrocircnico)

1 Geografia humana - Brasil Nordeste 2 Cana-de-accediluacutecar - Cultivo -Brasil Nordeste

3 Brasil Nordeste - Usos e costumes 4 Livros eletrocircnicos I Tiacutetulo

13-1311CDD 304209813CDU 5021

_____________________

Direitos ReservadosGlobal Editora e Distribuidora Ltda

Rua Pirapitingui 111 ndash LiberdadeCEP 01508-020 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 3277-7999 ndash Fax (11) 3277-8141e-mail globalglobaleditoracombrwwwglobaleditoracombr

Colabore com a produccedilatildeo cientiacutefica e culturalProibida a reproduccedilatildeo total ou parcial desta obrasem a autorizaccedilatildeo do editorNordm de Cataacutelogo 2392eb

  • CAPA
  • Um Nordeste
  • Uma visatildeo autecircntica do Nordeste
  • Prefaacutecio agrave 1ordf ediccedilatildeo
  • 1 ndash A CANA E A TERRA
  • 2 ndash A CANA E A AacuteGUA
  • 3 ndash A CANA E A MATA
  • 4 ndash A CANA E OS ANIMAIS
  • 5 ndash A CANA E O HOMEM
  • 6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)
  • Bibliografia
  • Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre
  • Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste
Page 2: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca

Nordeste

Aspectos da Influecircncia da Cana sobre a Vida e a Paisagem doNordeste do Brasil

Gilberto Freyre

Apresentaccedilatildeo de Manoel Correia de AndradeBiobibliografia de Edson Nery da Fonseca

Notas bibliograacuteficas revistas bibliografia elaborada por Gustavo HenriqueTuna

1ordf ediccedilatildeo digitalSatildeo Paulo

2013

A Pedro ParanhosAntiogenes Chaves

e Luiz Cedro e tambeacutem a Ciacutecero Diaso grande pintor dos canaviais do Nordeste

Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger 1945

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Um Nordeste1

Carlos Pena Filho

Um Nordesteonde nunca deixa de haveruma mancha daacuteguaum avanccedilo de mar um rio um riachoo esverdeado de uma lagoaOnde a aacutegua faz da terra mole o que querinventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencionaldos compecircndiosUm Nordeste da terraDas aacutervores lambuzadas de resinasDas aacuteguasDo corpo molhado dos homens que trabalhamdentro do mar e dos riosna bagaceira dos engenhosno cais do Apolonos trapiches de Maceioacute

1 Melhores poemas Carlos Pena Filho seleccedilatildeo de Edilberto Coutinho 4a

ed Satildeo Paulo Global 2000

Uma visatildeo autecircntica do Nordeste

Eacute uma tarefa complexa caracterizar e situar o livro Nordeste ndash Aspectosda influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasilno conjunto da obra do mestre de Apipucos comparando-o com outrasobras suas como Casa-grande amp senzala Sobrados e mucambos e Ordeme progresso

Jaacute em sua primeira ediccedilatildeo observa-se como Gilberto Freyre tinha apreocupaccedilatildeo de diferenciar no espaccedilo brasileiro uma regiatildeo bem distintadas outras o Norte ou Amazocircnia que eram constantemente associadas Naverdade ateacute os anos trinta do seacuteculo passado as pessoas se referiam ao Brasilcomo se ele fosse composto apenas de duas grandes porccedilotildees o Norte e o Sule ao fazerem esta caracterizaccedilatildeo chamavam de forma bastante empiacutericade Norte todas as aacutereas situadas ao norte da Bahia Tanto que em Satildeo Paulona linguagem vulgar chamavam todo migrante vindo da porccedilatildeo setentrionaldo Brasil de ldquobaianordquo e os mineiros chamavam de ldquobaianos cansadosrdquo isto eacuteaqueles que natildeo conseguiram chegar a Satildeo Paulo O proacuteprio Gilberto no seulivro sobre a regiatildeo natildeo procurou delimitar de forma bem objetiva onde oNordeste comeccedilava e onde ele terminava

Ele observou o Nordeste a partir de Pernambuco como se entendesseque o ponto central do mesmo fosse a cidade de Recife e que daiacute partiramem vaacuterias direccedilotildees as caracteriacutesticas regionais que iam se diluindo agraveproporccedilatildeo que se caminhava deste centro ndash Recife e regiatildeo accedilucareira ndash nasmais diversas direccedilotildees

As raiacutezes da ideia do Nordeste na obra gilbertiana jaacute satildeo encontradas nosartigos que escreveu para a imprensa do Recife publicados sobretudo noDiaacuterio de Pernambuco quando ainda adolescente vivia nos EstadosUnidos realizando seus estudos em Baylor e em Coluacutembia artigos que depoisforam reunidos por Joseacute Antocircnio Gonsalves de Melo seu primo e amigo emlivro intitulado Tempo de aprendiz Vecirc-se nesses artigos como o quaseadolescente que vivia no exterior acompanhava o que ocorria na sua

ldquoproviacutenciardquo tanto em relaccedilatildeo aos fatos poliacuteticos e econocircmicos comosobretudo em relaccedilatildeo aos problemas sociais e culturais Daiacute a sua visatildeo deglobalidade e a diversificaccedilatildeo de interesses que iam desde as festaspopulares os chamados folguedos ateacute a culinaacuteria a educaccedilatildeo passandopelas relaccedilotildees sociais em uma sociedade patriarcal que jaacute eliminara o regimeescravocrata mas vivia ainda sob o jugo de uma civilizaccedilatildeo patriarcal fechadae rigorosa Parecia ateacute que haviacuteamos saiacutedo de um sistema monaacuterquico masnatildeo haviacuteamos ainda entrado em uma organizaccedilatildeo social republicana maisaberta mais receptiva

Voltando ao Recife e vivendo a sua vida puacuteblica dedicado aos estudos epesquisas e ao jornalismo Gilberto se defronta com um duplo chamamentointelectual o da expansatildeo na regiatildeo do modernismo deflagrado em SatildeoPaulo pela Semana de Arte Moderna de 1922 por Mario e Oswald deAndrade e o chamamento para o processo de regionalizaccedilatildeo que procuravafazer sepultar o unitarismo monaacuterquico substituindo-o pelo estadualismorepublicano chamando a atenccedilatildeo para uma anaacutelise dialeacutetica ecaracterizando que entre o Paiacutes o Estado nacional e as antigas proviacutenciasagora chamadas de Estados havia as regiotildees

Eacute aiacute que se observa a grande influecircncia que em sua obra teve Seligmanmestre de Histoacuteria Econocircmica que levaria o socioacutelogo de Apipucos a umamaior aproximaccedilatildeo com escritores influenciados por ensinamentos natildeopositivistas como Seacutergio Buarque de Holanda e Caio Prado Juacutenior Emboracom um e outro Gilberto tivesse tido ao mesmo tempo desde os anos 1930convergecircncias e divergecircncias expressas em sua obra

As diferenccedilas com os modernistas paulistas se faziam sentir na grandeinfluecircncia sobre os mesmos de escritores europeus do periacuteodo posterior agravePrimeira Guerra Mundial e que se expressaram nas mais diversas formasliteraacuterias na poesia de Menotti Del Picchia de Manuel Bandeira de CarlosDrummond de Andrade na ficccedilatildeo onde pontificava um Graccedila Aranha ounos vaacuterios tipos de ensaios No Nordeste ele teve como grande opositor oagressivo jornalista Joaquim Inojosa E para contrapor-se ao chamadomodernismo Gilberto estruturou um contramovimento que procuravaaceitar as modificaccedilotildees modernistas de forma moderada e as tradiccedilotildeesregionais ao mesmo tempo em que procurava fazer conviver as mais diversas

manifestaccedilotildees como os chamados folguedos populares natalinos ossaudosos pastoris nas manifestaccedilotildees carnavalescas revivendo as ldquola ursardquo e osfestejos juninos Nessas manifestaccedilotildees culturais ele procurava aprofundar asraiacutezes africanas e indiacutegenas do Nordeste sem desprezar as influecircnciasibeacutericas Nelas se interpenetravam tradiccedilotildees cristatildes catoacutelicas trazidas daPeniacutensula Ibeacuterica com as oriundas da Aacutefrica e das Iacutendias Para isto eleorganizou no Recife em 1934 um Congresso Afro-Brasileiro em que reuniuusineiros aristocratas do accediluacutecar a burgueses e escritores ao lado de pais desantos em plena Praccedila da Repuacuteblica no tradicional Campo das Princesasno Teatro de Santa Izabel jaacute entatildeo um verdadeiro monumento histoacuterico

Foi nesse periacuteodo que ele colaborou intensamente com os jornais como oDiaacuterio de Pernambuco e A Proviacutencia externando ideias e pensamentos quecausavam impacto no pensamento conservador da eacutepoca Mas foi tambeacutemnesse periacuteodo que ele dirigiu a ediccedilatildeo do Livro do Centenaacuterio do Diaacuterio dePernambuco reunindo artigos seus e de outros escritores sobre os haacutebitos oscostumes e as artes nordestinas Em suas paacuteginas encontramos estudos daimportacircncia dos de Luiz Oiticica senhor de engenho depois usineiro emAlagoas sobre a arte da renda de bilros ou de Julio Belo que posteriormenteescreveria o claacutessico Memoacuterias de um senhor de engenho ao lado de textossobre Histoacuteria Economia e Vida Social do Nordeste Quase esqueceu textossobre os temas heroicos e sempre presentes na histoacuteria pernambucana comoa Revoluccedilatildeo de 1817 a Confederaccedilatildeo do Equador ou a Revoluccedilatildeo Praieira

Foi tambeacutem do seu grupo e das aspiraccedilotildees regionalistas que surgiram osfamosos romances de costumes de temas tatildeo nordestinos como os livros deJoseacute Lins do Rego de Graciliano Ramos de Amado Fontes de Jorge Amadoe de tantos outros que enriqueceram e mostraram ao Brasil o que era oNordeste E sua influecircncia se estendeu dentro deste espiacuterito agraves maisdiversas Ciecircncias Sociais com Reneacute Ribeiro na Antropologia Joseacute AntonioGonsalves de Melo na Histoacuteria Social Manuel Dieacutegues Juacutenior na Sociologia etantos outros sempre salientando a presenccedila nordestina nas ciecircncias e nasletras diante do Brasil

O livro Nordeste publicado em 1937 como o volume no 4 da ColeccedilatildeoDocumentos Brasileiros pela Editora Joseacute Olympio foi escrito parademonstrar que o Nordeste natildeo era uma regiatildeo uniforme mas uma

aglutinaccedilatildeo de regiotildees e sub-regiotildees que se estendiam desde o Maranhatildeo ateacutea Bahia Regiatildeo que fora povoada nos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo e queestruturara por meio de culturas diversas uma sociedade comcaracteriacutesticas proacuteprias mas tendo por base trecircs categorias que seentrecruzavam o latifuacutendio como forma de propriedade a monoculturacomo forma de exploraccedilatildeo econocircmica e a escravidatildeo como instituiccedilatildeo declasse social Apesar de cientista social o autor natildeo atribuiu a esta sociedadepatriarcal em formaccedilatildeo o meio natural como uacutenico e determinante massim como um resultado do intercacircmbio entre os fatores naturais como omeio ambiente levantando problemas ligados agrave forma de exploraccedilatildeo daterra dependente da proacutepria terra ndash solos e relevo ndash do clima da vegetaccedilatildeoque foi devastada pelo colonizador dos animais tanto nativos como osdomeacutesticos trazidos da Europa e a accedilatildeo do homem quer em sua condiccedilatildeode senhor dono de terra quer na condiccedilatildeo de escravo

Daiacute ser Nordeste a um soacute tempo um livro de Ciecircncia Social deSociologia de Antropologia de Ecologia e de Geografia

Mas ao diversificar os vaacuterios nordestes ele voltou-se sobretudo paraaquele da cana-de-accediluacutecar aquele que melhor conhecia de onde se originarae onde disporia de uma maior documentaccedilatildeo e de informaccedilotildees Admitindoque existiam vaacuterios nordestes enfatizou sobretudo o Nordeste accedilucareiroenquanto o Nordeste semiaacuterido ficou ao encargo do socioacutelogo cearense DjacirMenezes que escreveu sobre ldquoo outro Nordesterdquo Subjetivamente dava maiorimportacircncia ao Nordeste canavieiro do que ao semiaacuterido algodoeiro epastoril que seria ldquoo outrordquo

Em 1945 ao publicar livro famoso sobre a fome no Brasil Josueacute de Castroaceitaria a divisatildeo que caracterizava o Nordeste e reconheceu que haviaduas aacutereas de fome com caracteriacutesticas diversas a da seca a do accediluacutecar e a doalgodatildeo ou do gado

E Nordeste que em sua primeira ediccedilatildeo foi ilustrado por duas grandesfiguras de artistas plaacutesticos Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira vemtendo ediccedilotildees sucessivas ora mais ora menos ilustradas O mesmo temocorrido com as ediccedilotildees em liacutenguas estrangeiras

O corpo do livro compotildee-se de seis capiacutetulos sobre as relaccedilotildees entre acana e a terra a cana e a aacutegua a cana e a mata a cana e os animais e dois

finais sobre a cana e o homem E o autor com seu estilo ao mesmo tempocientiacutefico e literaacuterio procura mostrar e o faz com maestria como a cana aeconomia canavieira se expandindo por aacutereas anteriormente ocupadas pelachamada Mata Atlacircntica utilizando de forma mais completa a aacuteguadisponiacutevel na mesma quase eliminou os animais prefeririacuteamos dizer osbichos selvagens trocando-os pelos animais domeacutesticos trazidos da Europada Iacutendia e da Aacutefrica estruturou uma sociedade escravocrata onde umaminoria de senhores explorava as entatildeo chamadas ldquoclasses subalternasrdquodesenvolvendo culturas e extraindo riquezas como que se apoderando domeio natural e do homem difundindo costumes e espalhando viacutecios emazelas

E ateacute onde poderiam estender-se o trabalho a exploraccedilatildeo e as culturasque o homem ou melhor os senhores de terra e de escravos iamapropriando

Em Nordeste fica bem claro ao examinar o processo de ocupaccedilatildeo daterra como o europeu ao chegar ao Novo Mundo se sentiu perplexo diantedaquela mata exuberante e heterogecircnea tatildeo diferente da florestatemperada europeia e de como procurou substituiacute-la por uma vegetaccedilatildeo deorigem oriental mas que tambeacutem se adaptava no mundo mediterracircneo eque atravessando o Atlacircntico se firmara na costa americana fazendo-o comintensidade que provocaria a ruiacutena da economia canavieira das ilhas doAtlacircntico da Madeira sobretudo

Eacute que no Brasil principalmente a Zona da Mata Pernambucana e oRecocircncavo Baiano ofereciam condiccedilotildees propiacutecias ao desenvolvimento dacultura da cana o seu clima tropical com chuvas distribuiacutedas em duasestaccedilotildees os solos derivados de rochas cristalinas as chuvas se distribuindo noperiacuteodo do outono e inverno austral ndash de maio a setembro ndash e um estioprolongado que se estendia de outubro a abril permitiam que se fizesse oplantio da cana na estaccedilatildeo chuvosa e a colheita se efetuasse no estio Eraimportante esta estaccedilatildeo porque a moagem dos engenhos se realizava em umperiacuteodo que facilitava o transporte da cana dos ldquopartidosrdquo para a moitaassim como o transporte da lenha para a fornalha A floresta exuberante eraimpiedosamente destruiacuteda para dar lugar ao plantio da cana e fornecer alenha que era o combustiacutevel da eacutepoca Quanta madeira de lei ndash sucupira

jacarandaacute amarelo e tantas outras ndash foi queimada nas fornalhas dosengenhos porque o costume de queimar o bagaccedilo da cana nas fornalhas soacuteocorreria no seacuteculo XIX apoacutes mais de trecircs seacuteculos de colonizaccedilatildeoportuguesa Os solos da regiatildeo eram muito ricos em substacircncias mineraispodendo ser classificado em dois grandes grupos aqueles formados porargila lateriacutetica o chamado ldquobarro vermelhordquo dominante nas encostas e queeram eluviais e os solos transportados das encostas para as vaacuterzeas e vales dosrios que eram aluviais Estes eram os solos de massapecirc e se caracterizavampor formar um verdadeiro lamaccedilal no periacuteodo chuvoso amassados pelohomem e pelos animais que os pisoteavam tornavam-se pegajosos egrudavam nas solas dos peacutes e nas patas dos animais o que levou GilbertoFreyre a consideraacute-los como uma terra ldquogaranhonardquo que se agarrava e que sedeixava modelar pelo peacute dos homens e dos animais

Aleacutem de dominante na Zona da Mata de Pernambuco o massapecirctambeacutem era muito abundante ocupando grandes aacutereas em Sergipe nachamada regiatildeo da Cotinguiba e no Recocircncavo Baiano onde ele eacute chamadotambeacutem massapecirc embora seja um solo eluvial formado pela decomposiccedilatildeodo calcaacutereo ambos poreacutem satildeo solos ricos em aacutegua de escoamento lentopara os rios da regiatildeo o que faz com que a aacuterea em sua maior extensatildeopermaneccedila excessivamente uacutemida durante grande parte do tempo Estessolos pegajosos dificultavam de certa forma o escoamento da produccedilatildeoagriacutecola quando os engenhos natildeo ficavam agrave margem dos rios navegaacuteveis e acirculaccedilatildeo dos carros de boi ou a cavalo se fazia com muito cuidado elentidatildeo As relaccedilotildees de amizade de tornavam precaacuterias diante dadificuldade que as pessoas tinham de se visitar nos aniversaacuterios e batizadossoacute nas festas da ldquobotadardquo dos engenhos ou da ldquopejadardquo havia mais facilidadede locomoccedilatildeo porque elas se davam no periacuteodo de estio quando as chuvaseram escassas

A terra e sua qualidade chamavam a atenccedilatildeo por problemas os maisdiversos como o haacutebito muito difundido entre a populaccedilatildeo pobre de comerterra por parte das crianccedilas do medo de bichos da terra como as minhocasas cobras os lacraus e ateacute dos bichos-de-peacute que apareciam inicialmente sob aforma de coceiras mas que ao crescerem formavam bolhas de pus e traziamperigos de infecccedilotildees Natildeo se pode esquecer que em uma civilizaccedilatildeo rural haacute

sempre uma relaccedilatildeo muito iacutentima entre o homem e a terraMas se eram iacutentimas como se pode ler em Nordeste as relaccedilotildees entre o

homem e a terra tambeacutem eram iacutentimas as relaccedilotildees entre o homem e a aacuteguaa cana-de-accediluacutecar eacute uma planta profundamente ligada agrave aacutegua ao contraacuterioda planta que foi sua concorrente na ocupaccedilatildeo do espaccedilo nordestino oalgodatildeo Daiacute a separaccedilatildeo entre as aacutereas de cana e as de algodatildeo entre oNordeste uacutemido e o Nordeste seco

Na regiatildeo natildeo se observa a presenccedila de grandes rios estes ora satildeo riosmeacutedios que nascem no agreste e caminham para o litoral apresentandopequeno volume drsquoaacutegua sendo muitas vezes intermitentes no estio nos seusaltos e meacutedios cursos e volumosos no baixo curso quando atravessam a regiatildeouacutemida e satildeo abastecidos por afluentes nascidos na proacutepria mata ora satildeopequenos rios que nascem nas encostas do maciccedilo da Borborema e seencaminham para o oceano atraveacutes de vaacuterzeas onde alagaram e seaprofundam formando ldquoriasrdquo que no passado permitiam a entrada deembarcaccedilotildees de porte meacutedio a algumas leacuteguas de distacircncia do litoral comoocorria em Goiana em Igarassu e em Rio Formoso

Uma das antecipaccedilotildees felizes de Gilberto Freyre foi a de afirmar que osrios pequenos de aacuteguas pouco profundas por se ligarem facilmente ao solotinham uma vantagem sobre os rios maiores que facilitavam a navegaccedilatildeoporque a sua aacutegua por capilaridade infiltrava-se no solo e o umedeciabeneficiando os canaviais de beira de rio sempre de maior porte e maisverdes que os situados nos interfluacutevios

E a aacutegua prestava grandes serviccedilos ao homem natildeo soacute aguando as suascanas como facilitando o transporte fornecendo o produto para usodomeacutestico para regar as plantas para abastecer engenhos casas e cidadescomo tambeacutem para carregar detritos Isto sem falar no valor que se dava ateacuteo seacuteculo XIX aos saudaacuteveis banhos de rio Que diga a este respeito o nossopoeta maior Manuel Bandeira quando afirmou em poesia sublime queldquoteve o seu primeiro alumbramento ao ver uma moccedila nuinha tomandobanho no Capibaribe em Poccedilo da Panelardquo

Tambeacutem ela era utilizada como produtora de energia movendo osfamosos engenhos drsquoaacutegua ou engenhos reais mediante a construccedilatildeo deaquedutos que captavam a aacutegua em um ponto do rio ou riacho que se

encontrasse acima do engenho trazendo-a ateacute a moenda Aiacute eles podiamcair sobre a roda drsquoaacutegua nos engenhos copeiros no meio da roda nosengenhos meeiros ou na sua parte inferior nos baixeiros como tatildeo bemretratou Antonil no seu famoso livro do iniacutecio do seacuteculo XVIII

Em uma combinaccedilatildeo entre o transporte mariacutetimo e o fluvial tambeacutem elaera usada permitindo a utilizaccedilatildeo de barcos de tonelagem diversas desde osportos situados nos fundos dos estuaacuterios ou em canais como o de Itamaracaacuteque separava a ilha do continente ateacute os portos pequenos situados no litoralde onde as mercadorias eram transferidas para embarcaccedilotildees maiores elevadas para os portos europeus Assim o Recife era o principal porto dacapitania de Pernambuco e Salvador o da Bahia Portos de menor caladosituavam-se em vaacuterios pontos da costa como o da foz do Potenji o doMamanguape o do Paraiacuteba o do Goiana o de Santa Cruz o de Suape ouSanto Agostinho o de Tamandareacute o de Barra Grande e o de Alagoas entre oRecife e a foz do Satildeo Francisco

A importacircncia dos rios poreacutem natildeo se limitava a estes serem apenasabastecedores de aacutegua agentes de produccedilatildeo e forccedila motriz e formadores desolos uacuteteis agrave cana-de-accediluacutecar Gilberto se preocupava tambeacutem e sobretudocom o tratamento dado aos rios pelo homem enquanto colonizadordemonstrando as suas preocupaccedilotildees ecoloacutegicas com o meio ambiente jaacute nasprimeiras deacutecadas do seacuteculo XX Assim ele chamou atenccedilatildeo com a maiorveemecircncia contra o lanccedilamento das caldas de destilaria nos cursos drsquoaacuteguada regiatildeo da mata pelas destilarias das usinas de accediluacutecar e tambeacutem das aacuteguasservidas pela mesma Revoltado com os danos causados por estas induacutestriasque os transformavam em verdadeiros canais de escoamento de dejetosGilberto os classificava como verdadeiros mictoacuterios ou como fossasPosteriormente agrave publicaccedilatildeo do livro Nordeste Gilberto ao criar e dirigir oInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais depois transformado emFundaccedilatildeo Joaquim Nabuco patrocinou a realizaccedilatildeo de pesquisas sobre asbacias fluviais atingidas pelo lanccedilamento dos esgotos industriais Tanto nosrios norte-rio-grandenses como nos paraibanos pernambucanos e alagoanosEstes estudos foram dirigidos pelo geoacutegrafo Gilberto Osoacuterio de Andrade como apoio dos geoacutegrafos Maacuterio Lacerda de Melo Rachel Caldas Lins e ManuelCorreia de Andrade do antropoacutelogo Joseacute Heskett Lavareda e do botacircnico

Dardano de Andrade Lima aleacutem de alunos dos cursos de geografia daUFPE Dos trabalhos de pesquisas constavam trabalhos de campo

Assim em sua visatildeo totalizadora e dialeacutetica Gilberto Freyre tinhacondiccedilotildees e estiacutemulos para observar o papel desempenhado pelos chamadosrios de accediluacutecar do Nordeste criando problemas para os habitantes de umaregiatildeo bem povoada

Ainda Gilberto em sua visatildeo de antropoacutelogo procurou analisar aconvivecircncia entre o homem e o rio chamando a atenccedilatildeo para o seu usocomo objeto de lazer pois era nele que se tomava banho onde se nadava sepescava e se faziam festividades Atos que se estendiam tambeacutem aos accediludesque geraram histoacuterias pitorescas como a do senhor do engenho Cana Bravade aacuterea muito acidentada onde ele velho aristocrata de origem portuguesanos dias de chuva descia a ladeira da casa-grande em direccedilatildeo ao accedilude parao banho usando um guarda-chuva aberto e tamancos para natildeo escorregarna encosta iacutengreme

Tambeacutem com grande interesse pelos problemas alimentares GilbertoFreyre natildeo esqueceu nas paacuteginas de Nordeste e de outros livros e emartigos a deliacutecia que para ele representavam os chamados pitus do rio Unario que banhava a cidade de Palmares e as terras do engenho Japarandubaque pertencia a Pedro Paranhos Tatildeo guloso como o massapecirc sobre a qualnascera e se criara Gilberto era tambeacutem um grande apreciador econhecedor da culinaacuteria nordestina por ele divulgada em livros e artigoscomo o Accediluacutecar publicada apoacutes o Nordeste

A mata hoje em grande parte destruiacuteda e devastada mas aindaexuberante nas serras e encostas era a grande fascinaccedilatildeo para o mestre deApipucos preocupado natildeo soacute com o belo mundo vegetal como com a fontede vida que ela abrigava com as plantas mais diversas os bichos e as lendasQuanta importacircncia se dava agraves lendas sobre as criaturas que aiacute viviam comoa caapora que aplicava surras tremendas aos catildees que acompanhavam oscaccediladores o curupira o saci-pererecirc e a muitos outros seres que forampopularizados por Monteiro Lobato em seus livros infantis Mas ela eratambeacutem o abrigo de animais peccedilonhentos como cobras aranhas venenosasalguns lagartos e mamiacuteferos como as onccedilas os guaraacutes os porcos-espinhos ede inocentes animais de caccedila como as pacas cotias aleacutem de numerosos tipos

de macacos e de morcegosA floresta aleacutem de sua forma majestaacutetica eacute como toda floresta tropical

muito densa cheia de cipoacutes de lianas e botanicamente muito rica emmadeiras duras e diversificadas No periacuteodo colonial ela foi muito rica emmadeiras nobres aleacutem do pau-brasil que fornecia ao mercado europeu amateacuteria-prima para a tinturaria Madeira que apresentava melhor qualidadeno Nordeste tendo o chamado ldquopau de Pernambucordquo maior valor do que opau-brasil de outras regiotildees da colocircnia O nosso era comparado ao pauoriundo da ilha de Sumatra na Insuliacutendia Dentre as madeiras de maiorprestiacutegio destacavam-se o cedro o amarelo a maccedilaranduba o pau-drsquoarcoque podia ser roxo ou amarelo o freijoacute a sucupira etc Do jacarandaacute faziam-se os mais ricos moacuteveis utilizados nas casas-grandes dos senhores de engenhoe nos sobrados da cidade Mas tudo isto foi sendo devastadoimpiedosamente quer pelas serrarias quer como combustiacutevel nos engenhoso que na primeira metade do seacuteculo XX assombrou e provocou repulsa tantoa Gilberto Freyre como ao botacircnico Vasconcelos Sobrinho

A destruiccedilatildeo da mata como se pode concluir em Nordeste foi feita deforma contiacutenua e sistemaacutetica os colonizadores iniciavam com a derrubadado pau-brasil fato que jaacute no seacuteculo XVI causou indignaccedilatildeo ao donataacuterioDuarte Coelho Pereira e em seguida vinha a ldquocoivarardquo para queimar avegetaccedilatildeo rasteira e ser o espaccedilo ocupado com o cultivo da cana-de-accediluacutecarsempre em expansatildeo A derrubada era feita tambeacutem para obter a madeiraque serviria de lenha natildeo soacute para movimentar o engenho como para o fogatildeodas casas-grandes e dos trabalhadores e apoacutes o seacuteculo XIX nos fornos daspadarias e das locomotivas das ferrovias A madeira era tambeacutem largamenteutilizada na marcenaria onde se fabricavam cocircmodas cadeiras mesas ebancos moacuteveis famosos quando feitos de jacarandaacute ou de macacauacuteba Ehouve marceneiros que se tornaram ceacutelebres no Recife

Ainda era utilizada na construccedilatildeo civil em casas armazeacutens e igrejas quese tornaram famosos por sua riqueza e por suas dimensotildees Casas-grandesfamosas como a do engenho Noruega a de Poccedilo Comprido e de Uruaeacute eigrejas como as de Olinda do Recife de Goiana e de Igarassu Ou aindaconventos como os dessas cidades e da Paraiacuteba hoje Joatildeo Pessoa deSirinhaeacutem e de Rio Formoso

A devastaccedilatildeo das matas tatildeo condenada por Gilberto e maismodernamente pelos especialistas em ecologia e em meio ambienteprovocou naturalmente uma maior exposiccedilatildeo do solo agrave accedilatildeo dos agentesmeteoroloacutegicos e o empobrecimento dos mesmos

Embora a cana como gramiacutenea desse uma maior proteccedilatildeo ao solo doque o milho e o algodatildeo quando cultivada em encostas de maior decliveacelerava a degradaccedilatildeo e o transporte dos solos das encostas fazendo comque o regolito migrasse ladeira abaixo para se acumular nos vales e nasvaacuterzeas dos rios provocando o encharcamento dos solos e a formaccedilatildeo delagoas e pauis Fato bem observado nas Alagoas cujo litoral apresenta umaseacuterie de lagoas e de lagos barrados pelas restingas que represam os rios emseus baixos cursos formando lagoas como entre outras as de Mundauacute eManguaba Aleacutem disso provocava tambeacutem o assoreamento dos mesmos

O recuo da mata deixou grandes extensotildees de terra sob a influecircnciadireta das intempeacuteries com uma seacuterie de consequecircncias funestas Nos solosargilosos observou-se a intensificaccedilatildeo do escorregamento das vertentes comforte impacto sobre as cidades provocou a migraccedilatildeo de animais silvestrescomo os morcegos hematoacutefilos que antes viviam na floresta para as aacutereashabitadas o assoreamento das vaacuterzeas dos rios e das lagoas que cada vezmais se tornaram maiores e de menor profundidade a difusatildeo de insetostransmissores de moleacutestias que atacam tanto os animais como o homem euma seacuterie de outras consequecircncias danosas

Daiacute a conscientizaccedilatildeo de Gilberto Freyre frente aos problemasprovocados pelo desmatamento e suas posiccedilotildees corajosas na deacutecada de1930 contra os maiores responsaacuteveis por esta poliacutetica que seriam os usineirosdo accediluacutecar segundo ele em sua maioria despreocupados com asconsequecircncias sociais da accedilatildeo que desenvolviam Destes existiam algumasexceccedilotildees como o industrial Antocircnio Ferreira da Costa Azevedo o dono dausina Catende que chegou a ser a mais importante e maior usina daAmeacuterica do Sul Costa Azevedo pela sua competecircncia dinamismo ecapacidade de accedilatildeo teria sido um industrial do seacuteculo XX com mentalidadedo seacuteculo XXI

Quanto aos animais distinguia Gilberto Freyre os da terra e osimportados os primeiros em sua maioria pouco interessaram ao

colonizador apenas os papagaios pelo fato de aprenderem facilmente afalar foram criados por colonizadores portugueses e exploradores francesesque traficavam na costa brasileira durante as primeiras deacutecadas do seacuteculoXVI chegando a levar vaacuterios deles para a Europa e a apresentarem emeventos na Franccedila salientando que as aves brasileiras falavam a liacutenguafrancesa Da mesma forma os portugueses ensinavam a dizer ldquopapagaio realeacute de Portugalrdquo como que indicando que os colonos portugueses pensavamsempre em enriquecer no Brasil e regressar a Portugal

As araras e outros paacutessaros de plumagens coloridas tambeacutem atraiacuteam oscolonizadores da mesma forma que os paacutessaros canoros como o uirapuru daAmazocircnia e os sabiaacutes que cantavam nas palmeiras do Maranhatildeo

Macacos saguis cotias tatus caacutegados e ateacute veados eram tambeacutemreunidos e criados em lugares apropriados por proprietaacuterios de terra quedesejavam manter um maior contato com esta natureza que consideravamselvagem

Mas a maioria dos animais silvestres era utilizada sobretudo nosprimeiros tempos na alimentaccedilatildeo como caccedila possibilitando o preparo demuitas iguarias com a anta maior mamiacutefero da Ameacuterica o tatu a cotia apaca o porco-do-mato o veado o jacareacute e a grande variedade de peixestanto de aacutegua doce como de aacutegua salgada Com eles usando o leite de cocofaziam numerosas e famosas iguarias regionais tatildeo decantadas peloscronistas ao periacuteodo colonial

Havia ainda os animais temidos pelo homem devido o perigo querepresentavam para as suas atividades estes em geral eram dizimados semo menor controle como as cobras venenosas ndash cascavel jararaca coral ndash e asque natildeo sendo venenosas matavam por asfixia como as jiboias de vaacuteriostipos

As aves muitas de grande porte como o jacu a galinha drsquoaacutegua os patosselvagens a ave de arribaccedilatildeo eram tambeacutem muito caccediladas visando a suautilizaccedilatildeo na alimentaccedilatildeo

O maior contato de animais com os europeus os colonizadores que empouco tempo se apossaram da terra e a organizaram em funccedilatildeo dos seusinteresses como salienta Gilberto Freyre ocorreu com animais importadostrazidos pelo colonizador tanto da Europa como da Aacutesia e da Aacutefrica No livro

Nordeste animais como cavalos e bois satildeo considerados os primeiros como osamigos do senhor de engenho e os segundos como os companheiros doescravo

O cavalo teria sido para o colonizador o animal que lhe possibilitava aconquista do territoacuterio e a manutenccedilatildeo do domiacutenio sobre o mesmo Issoporque ele era muito uacutetil na guerra contra os nativos que andavam elutavam a peacute Era a cavalo que o conquistador se lanccedilava contra as aldeiascontra indiacutegenas e contra os mucambos de negros aquilombados criandouma desigualdade entre eles ou sobre eles Tambeacutem a cavalo o senhorcaminhava por suas terras e pelos seus canaviais fiscalizando os trabalhosque vinham sendo executados no campo pelos negros escravos e pelostrabalhadores forros Gilberto compara a semelhanccedila que havia na posiccedilatildeodo senhor e do escravo ou do simples trabalhador quando o primeiro falavaao segundo sempre de um ponto mais alto da sela de cavaleiros ou dacalccedilada ou do alpendre da casa-grande dando ordens em voz alta ou ateacuteaos gritos Ordens que dificilmente deixavam de ser cumpridas

O cuidado com os cavalos de sela diverso do que era dado aos cavalos decangalha era muito acentuado os cavalos eram selecionados de bela cor ndashcastanho alazatildeo russo melado etc ndash e se procurava ensinaacute-los para quecarregassem os viajantes em um andar cadenciado que conforme avelocidade ia ldquodo baixo ao meiordquo Um cavalo meeiro dava orgulho ao seuproprietaacuterio e alcanccedilava preccedilos elevados no mercado da sociedadeaccedilucareira Em geral tambeacutem os senhores de engenho se esmeravam naaquisiccedilatildeo de cavalos de pequeno porte nos quais filhos e netos seexercitavam na arte da equitaccedilatildeo Este era o tratamento dado aos cavalosldquonobresrdquo de uso da aristocracia do accediluacutecar ou como a chamava satiricamenteTobias Barreto da ldquoaccedilucocraciardquo

Por outro lado havia os animais de trabalho equinos muares e asininosque recebiam um tratamento bem diferenciado e eram usados no transporteda cana do accediluacutecar e de moacuteveis e utensiacutelios e que faziam moer os famososengenhos de accediluacutecar As eacuteguas eram utilizadas nas almanjarras dos engenhosque natildeo dispunham de aacutegua suficiente para movimentaacute-los no transportedas canas dos partidos para os engenhos e do accediluacutecar e da aguardente dosengenhos e da destilaccedilatildeo ateacute os portos fluviais ou aos armazeacutens dos

exportadores Neste trabalho eram muito utilizados tambeacutem os burrosmuares ndash hiacutebridos de cavalos com os jumentos ndash animais muito fortes eresistentes agraves grandes caminhadas

Nas almanjarras natildeo eram utilizados cavalos mas apenas eacuteguas porserem mais velozes que os machos Daiacute se chamar aos engenhos agrave traccedilatildeoanimal de ldquoengenhos de bestardquo Segundo os cronistas coloniais os primeirosengenhos foram movidos agrave traccedilatildeo humana sendo logo substituiacutedos porengenhos movidos a bois e finalmente por engenhos de bestas que soacutedesapareceram totalmente na regiatildeo accedilucareira nos seacuteculos XIX e XXquando foram substituiacutedos pelos engenhos a vapor

Se na opiniatildeo de Gilberto externada em Nordeste o cavalo era ocompanheiro quase um complemento do senhor o boi lento manso e defaacutecil dominaccedilatildeo era o companheiro do negro do escravo do homem declasse mais humilde Trazido inicialmente da Europa e a partir do seacuteculoXIX da Iacutendia o boi era utilizado sobretudo na cultura de cana e naproduccedilatildeo de couro assim como no trabalho agraacuterio Criado quase sempre nosertatildeo ele era levado para a regiatildeo canavieira em grandes boiadas para serabatido ou utilizado como animal de trabalho Daiacute a sua maior convivecircnciacom o homem humilde com o trabalhador do que com o senhor de terras ede escravos talvez por isso ele fosse olhado com simpatia entre popularessendo logo convocado para participaccedilotildees em folguedos como o ldquobumba meuboirdquo

Durante muito tempo ele participou tambeacutem do conviacutevio com ossenhores quando conduzia a famiacutelia nas suas viagens para engenhosvizinhos e para as cidades proacuteximas Haacute na realidade um rico folclore a seurespeito e da sua presenccedila na vida patriarcal A sua carne ao contraacuterio da docavalo era muito utilizada como alimento nas casas-grandes e nas senzalastanto sob a forma de carne verde como de carne seca na chamada carne-de-sol ou de vento e no charque ou jabaacute hoje importado do Centro-Oeste edo Sul A produccedilatildeo de charque no seacuteculo XVIII estava concentradasobretudo no sertatildeo nordestino e era chamada de ldquocarne do Cearaacuterdquo Asgrandes secas poreacutem forccedilaram a migraccedilatildeo das induacutestrias produtoras para oRio Grande do Sul

Aleacutem do boi e do cavalo os colonizadores trouxeram do Velho Mundo

para o Nordeste carneiros e cabras que seriam utilizados sobretudo naalimentaccedilatildeo os carneiros eram muito utilizados na eacutepoca da civilizaccedilatildeoaccedilucareira como montaria para as crianccedilas como que preparando-as para aequitaccedilatildeo

Os portugueses natildeo domesticaram aves visando agrave produccedilatildeo dealimentos preferiam utilizar aquelas que jaacute conheciam na Europa como asgalinhas os patos os marrecos os gansos etc Da Aacutefrica trouxeram a guineacute ougalinha-drsquoangola que teve grande difusatildeo no Paiacutes mas eacute considerada demenor importacircncia e prestiacutegio dentre as aves quer na qualidade da carnequer na dos ovos

Observa-se assim e Gilberto o salienta em sua visatildeo ecoloacutegica emNordeste que o colonizador foi um grande predador destruiuimpiedosamente a natureza derrubando florestas agrave procura de ganho faacutecildegradou os solos usou os rios naquilo em que eram uacuteteis e transformou-osem verdadeiros canais de esgotos de recebimento de produtos e dejetosindustriais que disseminou epidemias e endemias europeias e africanas edestruiu a fauna autoacutectone para substituiacute-la por animais importados e jaacutedomesticados em outras plagas Do ponto de vista sanitaacuterio eacute convenientelembrar como a schistosoma mansoni se expandiu por toda a aacutereaaccedilucareira enfraquecendo a populaccedilatildeo pobre que convivia com as aacuteguas dosrios e lagos Atraveacutes de uma vida sexual intensa propagou a siacutefilis a ponto deo proacuteprio socioacutelogo afirmar em livro famoso que os colonizadores natildeo soacutecivilizaram como tambeacutem sifilizaram a sua colocircnia americana Assimpodemos afirmar sem medo de exageros que a colonizaccedilatildeo a ocupaccedilatildeo doterritoacuterio a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira e a catequese foram acompanhadaspela siacutefilis e por outras moleacutestias ldquomaldosamenterdquo chamadas de tropicais

Mas Gilberto como cientista social como observador da formaccedilatildeobrasileira como historiador social como antropoacutelogo como socioacutelogo comocientista poliacutetico e como geoacutegrafo humano depois de uma visatildeo ecoloacutegica dasociedade accedilucareira natildeo teria completado o seu trabalho se natildeo analisasse opapel desempenhado pelo homem ao organizar o seu espaccedilo de atuaccedilatildeo

E ao analisar a accedilatildeo do homem levou em consideraccedilatildeo a existecircncia deuma sociedade de classes onde conviviam dominadores e dominadossenhores e escravos E traccedilou em dois capiacutetulos o quinto e o sexto a

psicologia e o modo de agir de cada uma delas Pernambuco tem umatradiccedilatildeo diversificada do Brasil de vez que a sua classe dominante foimarcada jaacute no seacuteculo XVII por uma prolongada luta entre portugueses eholandeses E face agrave pouca ajuda da coroa portuguesa aos insurgentes de1645 estavam os ldquomazombosrdquo ou nobres da regiatildeo accedilucareira convencidos desua pequena dependecircncia da monarquia portuguesa e do seu direito a umamaior autonomia Daiacute a chamada revolta de 1710 ou guerra dos mascatesonde se contrapuseram os direitos de Olinda aos do Recife enriquecido coma guerra holandesa e em seguida as revoltas de 1817 de 1824 e de 184849nas quais senhores de engenho e comerciantes se levantaram contra osmonarcas de Portugal ateacute 1822 e do Brasil a partir da Independecircncia emnome de ideais democraacuteticos

Na verdade e isto estaacute bem expliacutecito em Nordeste os senhores deengenho e ricos comerciantes haviam se embebido de ideias constitucionaisamericanas e dos princiacutepios libertaacuterios franceses para realizarem umalibertaccedilatildeo dos poderes metropolitanos Mas estes ldquoliberaisrdquo estavamsobretudo temerosos de uma revolta de escravos negros muito numerososna proviacutencia onde havia unidades militares de negros e de mulatos oschamados ldquoHenriquesrdquo que eram muito fortes e desdenhavam dos brancos aque chamavam de ldquocaiadosrdquo Alguns liacutederes se destacaram como o mulatocapitatildeo Pedro Pedroso chefe de uma intentona que derrubou o governoprovincial em 1823 e o major Mundurucu que tinha grande prestiacutegio entre apopulaccedilatildeo de cor sempre pronta para entrar em accedilatildeo Jaacute em 1710 apopulaccedilatildeo pobre do Recife sob lideranccedila de Joatildeo da Mata apoiara osmascates do Recife contra os ldquopeacutes raspadosrdquo de Olinda

E esta populaccedilatildeo negra era temida face aos acontecimentos ocorridos noHaiti quando a Revoluccedilatildeo Francesa enfraqueceu o governo colonial epossibilitou uma sublevaccedilatildeo negra contra os colonizadores brancos queforam expulsos da ilha tornada independente sob o governo de imperadoresnegros E o medo eacute mau conselheiro

Em 1817 quando os revolucionaacuterios tomaram o poder e organizaram umgoverno republicano que dominou o Recife e a capitania de Pernambucoorganizaram um governo de cinco membros representando as cinco classesconsideradas mais importantes ndash clero militares comeacutercio magistratura e

agricultura ndash e os representantes das mesmas eram todos brancos ousemibrancos levando-se em conta que a miscigenaccedilatildeo jaacute penetrara nasvelhas famiacutelias aristocraacuteticas Natildeo houve uma maior preocupaccedilatildeo com alibertaccedilatildeo dos escravos e tambeacutem com a aboliccedilatildeo do traacutefico negreiro da Aacutefricapara o Brasil

Ainda em 1824 ao se proclamar a Confederaccedilatildeo do Equador com todo oideaacuterio democraacutetico de frei Caneca natildeo recebeu o tema da aboliccedilatildeo daescravatura maior atenccedilatildeo Temiam os revolucionaacuterios que o idealabolicionista se externado afastasse da ideia revolucionaacuteria oslatifundiaacuterios os grandes proprietaacuterios de terras Os nossos escritores doseacuteculo XIX natildeo se preocuparam muito com a escravidatildeo e deixaram de ladoas revoltas negras de maior importacircncia como o chamado Quilombo deCatucaacute e a Guerra dos Cabanos Revoltas em que negros mulatos e indiacutegenaspegaram em armas e resistiram durante anos aos seus senhores fugindo agravecondiccedilatildeo de escravos e procurando obter a propriedade ou a posse de terrasagricultaacuteveis

Gilberto mostra poreacutem como numerosos aristocratas do accediluacutecar seconverteram ao ideal abolicionista e lutaram contra a escravidatildeo e aexploraccedilatildeo do homem pelo homem Entre outros podem ser salientadas asfiguras de Joaquim Nabuco e de Joseacute Mariano O primeiro um Paes Barretodescendente do morgado do cabo natildeo soacute defendia a aboliccedilatildeo da escravaturacomo a necessidade de se fazer livrar o Brasil da marca desta instituiccedilatildeonefanda admitindo que a aboliccedilatildeo deveria ser acompanhada dademocratizaccedilatildeo da propriedade da terra por meio de uma reforma agraacuteriaReforma agraacuteria que ainda natildeo foi feita neste iniacutecio do seacuteculo XXI Osegundo um Carneiro da Cunha de Ribeiratildeo aleacutem de se destacar comogrande orador popular participou de accedilotildees onde roubava escravos aosproprietaacuterios de terra escondia-os em suas propriedades sobretudo na doPoccedilo da Panela e remetia-os para o Cearaacute onde a aboliccedilatildeo provincial haviasido feita em 1884 quatro anos antes da nacional

Tambeacutem o Cons Joatildeo Alfredo filho e neto de senhores de engenho eleproacuteprio dono de terras e de escravos ao ascender ao poder realizou aaboliccedilatildeo a 13 de maio de 1888 sem indenizaccedilatildeo aos proprietaacuterios deescravos e de terras Ele levou a entatildeo princesa imperial dona Izabel a

assinar uma lei revolucionaacuteria para a sua eacutepoca e o gabinete que chefioucaiu devido ao jogo parlamentar quando ele caminhava para levar acidadania aos ex-escravos atraveacutes da distribuiccedilatildeo de terras a descendentesde escravos e ex-escravos nas margens das ferrovias e dos rios navegaacuteveisGilberto Freyre em Nordeste e em outros dos seus estudos desenvolve aideia hoje muito aceita de que a aboliccedilatildeo foi feita pela metade foiinterrompida no seu caminho ascendente

Conveacutem salientar ainda que o Recife foi uma cidade que se orgulhava desuas tradiccedilotildees liberais e embebeu de ideias liberais natildeo soacute as personalidadespernambucanas como as figuras de outras proviacutencias que vieram estudar namesma Basta salientar que aqui viveram Castro Alves o poeta da liberdadeabolicionista republicano e agnoacutestico como tambeacutem Rui Barbosa que seria omaior jurista brasileiro de seu tempo Tobias Barreto Siacutelvio Romero VitorianoPalhares Abreu e Lima o general das massas e autor de um livro sobre ldquoOSocialismordquo e muitos outros Aleacutem disto na chamada Revoluccedilatildeo ou RevoltaPraieira jaacute se sentia a influecircncia de ideias republicanas e federalistas Emcapiacutetulo magistral Gilberto Freyre analisa este fenocircmeno da ldquoaccedilucocraciardquopernambucana que reunia de forma dialeacutetica ideais democraacuteticos e ateacutesocialistas ao orgulho de uma origem aristocraacutetica que se iniciara com acolonizaccedilatildeo portuguesa na primeira metade do seacuteculo XVI e conservadaateacute hoje cheia de nomes tradicionais como Albuquerque em numerosasvariantes Cavalcanti Acioli Lins Bandeira de Melo ou Souza Leatildeo enumerosos outros Eles foram os chamados ldquoLeotildees do Norterdquo do tempo doimpeacuterio

Mas Gilberto em Nordeste natildeo salienta apenas estes aspectos positivosele chamou a atenccedilatildeo tambeacutem para os aspectos negativos acentuados apartir da segunda metade do seacuteculo XIX quando foram implantadasnumerosas usinas e os latifuacutendios passaram a engolir engenhos e siacutetiosintensificando a monocultura intensificando a destruiccedilatildeo das matas epoluindo as aacuteguas E aiacute se observa a posiccedilatildeo dialeacutetica do mesmo saudoso dosistema patriarcal que morria rapidamente diante da expansatildeo da usina queafastou o trabalhador rural do proprietaacuterio de terras que passa a viverdistante da propriedade sem conviver com o trabalhador A usina como quedesumaniza o proprietaacuterio e o trabalhador e faz diminuir a classe meacutedia dos

produtores de accediluacutecar senhores de engenho transformados emfornecedores de cana

Salienta ainda que poucos foram os usineiros que guardaram as posiccedilotildeese os haacutebitos de senhores de engenho destacando-se dentre estes o famosoldquotenenterdquo de Catende o industrial Costa Azevedo

O uacuteltimo capiacutetulo eacute voltado para o trabalhador rural escravo ateacute 1888 elivre ou relativamente livre apoacutes o 13 de maio Gilberto apesar deantropoacutelogo e mais com espiacuterito de geoacutegrafo natildeo faz aquela decisatildeo quetomou em Casa-grande amp senzala dando maior importacircncia ao escravodomeacutestico do que ao escravo trabalhador rural Aqui ele encara o trabalhadorde forma mais ampla chamando a atenccedilatildeo para o fato de que a escravidatildeoera muito dura impiedosa para com o escravo mas era menos riacutegida do queem paiacuteses de colonizaccedilatildeo inglesa Observa-se assim que em Nordeste jaacutecomeccedilam a ser lanccediladas as ideias que ganhariam maior forccedila e importacircnciana chamada Tropicologia ou Luso-tropicologia

Desenvolve ideias que acompanham a mudanccedila de vida do escravo paraa do morador de condiccedilatildeo a transformaccedilatildeo do habitat concentrado dasenzala pelo da casa dispersa dos moradores e a atenuaccedilatildeo dos rigores doproprietaacuterio para o trabalhador que ocorria de forma mais acentuadadurante o periacuteodo escravocrata Tambeacutem aiacute discorre para o fato do senhorde engenho ldquofechar os olhosrdquo a certos haacutebitos degradantes que sepropagavam como o do uso de drogas como maconha entre ostrabalhadores Admite que a toleracircncia deste uso pelos senhores resultava davariaccedilatildeo sazonal de braccedilos entre os periacuteodos de maior demanda de matildeo deobra ndash moagem e ateacute certo ponto plantio da cana ndash fazendo com quefacilitassem certos haacutebitos no periacuteodo da entressafra para desviar ostrabalhadores do desejo de especulaccedilotildees que contrariassem os seusinteresses

Observa-se que na vida mais ou menos livre levada pelas classes entatildeochamadas inferiores a disseminaccedilatildeo de moleacutestias sexuais era intensatrazendo impactos sobre a populaccedilatildeo pobre E como estas moleacutestias sedifundiam de forma mais intensa entre as classes mais humildesgeneralizou-se de consideraacute-las moleacutestias tropicais Moleacutestias que eramepidecircmicas e que atingiam as classes menos favorecidas como o

impaludismo (malaacuteria) a leishimoniose a bolba a tuberculose ou queapareciam de forma intensa em certos periacuteodos como a variacuteola e o coacuteleramorbus A variacuteola era conhecida como bexiga vivendo no campo descalccedilos eem contato permanente com a terra era comum serem os pobres atacadospor numerosos tipos de verminoses e por intermeacutedio dos banhos de rio e deaccediludes pela schistosoma mansoni (esquistossomose)

Assim podemos considerar Nordeste como um livro de siacutentese em queGilberto de forma impressionista e caprichando em escrever de forma maisacessiacutevel ao povo daacute uma ideia mais geral da civilizaccedilatildeo accedilucareira e dasociedade patriarcal nele o autor enfatizou a importacircncia das relaccedilotildees entrea natureza e a sociedade mostrando como o homem e o meio natural seinterinfluenciam como terra aacutegua ar vegetaccedilatildeo animais e o homem estatildeoentrelaccedilados por accedilotildees e reaccedilotildees as mais complexas Como o todo natildeo eacute umasoma das partes mas o resultado de uma interrelaccedilatildeo entre os vaacuterioscomponentes do meio orgacircnico e inorgacircnico Daiacute se poder considerarNordeste como um livro eminentemente geograacutefico enquanto Casa-grande amp senzala eacute mais antropoloacutegico e Sobrados e mucambos maissocioloacutegico Tambeacutem fazendo a ecologia dos grandes espaccedilos do Nordeste olivro o consagra como um especialista em ecologia

Apoacutes a descriccedilatildeo do que compreende o livro nos vaacuterios capiacutetulos eacuteconveniente se fazer uma anaacutelise da contribuiccedilatildeo do mesmo aos grandestemas nacionais situando-se o leitor inicialmente na eacutepoca em que ele foiescrito e posteriormente na projeccedilatildeo de suas ideias e conceitos para omundo atual para o momento em que vivemos Ao nosso ver este livroexpressa a posiccedilatildeo do seu autor frente a temas fundamentais como o darelaccedilatildeo entre o regionalismo e o unitarismo e a sua sensibilidade para asquestotildees ligadas ao meio ambiente hoje tatildeo atuais para os problemas decultura e de estruturas sociais para a difusatildeo de haacutebitos e costumesrealizando encontros e interpenetraccedilotildees sociais

Uma das grandes contribuiccedilotildees do livro Nordeste agrave cultura brasileira foia de definir o que eacute uma regiatildeo e a sua importacircncia no contexto do territoacuterionacional Na verdade a histoacuteria do Brasil estaacute permanentemente oscilandoentre as tendecircncias agrave unificaccedilatildeo ou mais precisamente agrave centralizaccedilatildeo e agraveregionalizaccedilatildeo Assim o Brasil que comeccedilou a ser povoado com um sistema

descentralizado de capitanias hereditaacuterias na primeira metade do seacuteculoXVI teve depois um governo geral que se sobrepunha agraves capitanias etentava fazer uma unificaccedilatildeo Em seguida o governo portuguecircs procuroufrear esta centralizaccedilatildeo criando dois governos um no Norte sediado nacidade do Salvador e outro no Sul com sede no Rio de Janeiro Foi depequena duraccedilatildeo este tipo de governo ndash 1572 a 1577 ndash e novamente a colocircniafoi unificada sob o governo da cidade de Salvador A divisatildeo seria mais umavez repetida no periacuteodo de 1608 a 1612 para voltar ao sistema unificado ateacute1621 quando ela foi dividida em dois estados o do Brasil e o do Maranhatildeodivisatildeo que perdurou por mais de um seacuteculo e permitiu que a metroacutepoleintensificasse a sua accedilatildeo colonizadora na Amazocircnia Nem a guerra holandesadesfez esse sistema que chegou quase ateacute a transferecircncia da famiacutelia real parao Rio de Janeiro E ao se proceder agrave Independecircncia o sentimento dosprovincianos era mais forte do que o sentimento dos nacionais O indiviacuteduoera primeiramente pernambucano paulista mineiro ou carioca do quebrasileiro e o gecircnio poliacutetico de Joseacute Bonifaacutecio foi que conduziu o paiacutes a umaindependecircncia nacional evitando uma secessatildeo semelhante agrave ocorrida naAmeacuterica Espanhola

As conspiraccedilotildees e revoltas mais importantes dos fins do periacuteodo colonialforam regionais como a Inconfidecircncia Mineira a Inconfidecircncia Baiana aRevoluccedilatildeo Pernambucana de 1817 continuando o provincianismo a sermuito forte na chamada Guerra da Independecircncia Fazendo-se umareflexatildeo sobre os acontecimentos de Pernambuco e do Gratildeo-Paraacute nesteperiacuteodo se chegaraacute agrave conclusatildeo de que os sentimentos ligados agrave proviacutenciaeram mais fortes do que os ligados ao paiacutes

Apoacutes a Independecircncia ainda tivemos a famosa Confederaccedilatildeo doEquador que conclamou as diversas proviacutencias entatildeo ditas ldquodo Norterdquosobretudo Pernambuco e Cearaacute agrave separaccedilatildeo do Rio de Janeiro Com aabdicaccedilatildeo do primeiro imperador em 1831 o governo da regecircncia natildeo tendocondiccedilotildees de controlar o poder nas vaacuterias proviacutencias deu margem aosurgimento de revoltas famosas das populaccedilotildees pobres com grandeparticipaccedilatildeo de negros forros escravos e indiacutegenas ligados a mesticcedilos e abrancos pobres deserdados da fortuna como a Cabanagem na Amazocircnia aBalaiada no Maranhatildeo e Piauiacute a Cabanada em Pernambuco e Alagoas a

Sabinada na Bahia e a Revoluccedilatildeo Farroupilha (Guerra dos Farrapos) no RioGrande do Sul

Estas revoltas tecircm todas elas uma grande importacircncia para acompreensatildeo de evoluccedilatildeo da sociedade brasileira e precisam ser estudadasem maior profundidade como aconselhava Caio Prado Juacutenior em seu livropioneiro de 1933 Evoluccedilatildeo poliacutetica do Brasil Ao se fazer a histoacuteria geral doBrasil deve-se partir de estudos locais como jaacute salientava Capistrano deAbreu E Gilberto Freyre ao analisar as caracteriacutesticas da sociedadepatriarcal salientava a importacircncia do aspecto cultural dominante em vaacuteriasregiotildees e com a diversificaccedilatildeo da exploraccedilatildeo da terra marcava cada umadelas criando identidades regionais e locais

Esta percepccedilatildeo mais cultural do que eacutetnica levou-o a chamar a atenccedilatildeopara a falsa divisatildeo dominante entre autores do seu tempo de defesa de umcentralismo da unidade nacional e um estadualismo aplicado pelaConstituiccedilatildeo Republicana de 1891 e consolidado pela poliacutetica dosgovernadores defendida por Campos Sales ele lembrava que entre o Estadoe o Paiacutes havia a regiatildeo E que as regiotildees nem sempre se acomodavam dentrodos limites poliacutetico-administrativos dos Estados

Uma anaacutelise da formaccedilatildeo do pensamento regionalista mostra como oautor destruiu aquela ideia generalizada de que o imenso paiacutes-continenteque eacute o Brasil compreendia duas grandes aacutereas que poderiacuteamos chamarregiotildees o Norte e o Sul Estas reflexotildees levaram o Governo Vargas ao criar oInstituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a desenvolver estudosregionais que culminaram com a proposta de divisatildeo do paiacutes em cincograndes regiotildees naturais o Norte o Nordeste o Leste o Sul e o Centro-Oesteproposta feita pelo geoacutegrafo Faacutebio de Macedo Soares Guimaratildees em 1941 eque foi oficializada apesar de sofrer grandes criacuteticas dos geoacutegrafos brasileirosque trabalhavam nas Universidades de Satildeo Paulo e do Rio de Janeiro e noproacuteprio IBGE Posteriormente em 1952 o governo federal criou o chamadoPoliacutegono das Secas compreendendo trechos do territoacuterio de Estadosnordestinos e de Minas Gerais como aacuterea de accedilatildeo do entatildeo criado Banco doNordeste Em seguida em 1958 provocado por outra grande seca o governofederal criou o ldquoNordeste da Sudenerdquo juntando ao Poliacutegono das Secas asporccedilotildees uacutemidas dos vaacuterios Estados da regiatildeo e o Maranhatildeo Em uma nova

divisatildeo regional do Paiacutes o IBGE tornou oficial o Nordeste da Sudene edesmembrou o Leste que perdeu Sergipe e Bahia sendo os estados doEspiacuterito Santo do Rio de Janeiro e de Minas Gerais reunidos a Satildeo Paulopara formar o Sudeste O Sul passou a compreender apenas os trecircs Estadosmeridionais

Ainda a partir da ideia do mestre de Apipucos e com o apoio deescritores famosos que se abeberaram nos trabalhos anteriores como os deDomingos Olimpio de Rodolfo Theoacutefilo de Joseacute Ameacuterico de Almeida e dagenial obra de Euclides da Cunha Os sertotildees firmou-se a concepccedilatildeocultural da existecircncia de uma regiatildeo nordestina com caracteriacutesticas proacutepriasdentro do territoacuterio brasileiro E o Nordeste vem sendo estudado e criticadodentro dos centros cientiacuteficos da regiatildeo e de outras aacutereas do paiacutes sentindo-se sempre a marca freyreana Leia-se e reflita-se sobre livros marcantes maisrecentes como o Elegia para uma re(li)giatildeo de Francisco Oliveira e O fimdo Nordeste de Michel Zaidan que se veraacute a presenccedila do pensamento deGilberto ora para ser enaltecido ora para ser criticado e ora para sercontestado Mas ele estaacute presente em todos os momentos e reflexotildees

Outra grande contribuiccedilatildeo do livro eacute a do tema ligado ao meio ambientede vez que o autor divide a regiatildeo em duas sub-regiotildees mais caracteriacutesticas eprocura colocar a cultura imperial a cana-de-accediluacutecar no centro de suasreflexotildees selecionando a sua presenccedila com elementos naturais a terra oclima a aacutegua o mato e bioloacutegicos como a vegetaccedilatildeo os animais e o proacutepriohomem E ciente da importacircncia da organizaccedilatildeo dada ao espaccedilo que setransforma em territoacuterio da forma como ele procede age e se torna umagente motor e responsaacutevel pelo territoacuterio produzido Natildeo se pode afirmarque Gilberto tenha sido um precursor geneacuterico da ecologia ciecircnciaorganizada por Ernest Haekel nos fins do seacuteculo XIX na Alemanha mas foiele que primeiro aplicou os conceitos ecoloacutegicos a grandes espaccedilos territoriaisno territoacuterio brasileiro

Numerosos estudiosos do Nordeste tambeacutem estudaram a regiatildeosobretudo no seu aspecto geobotacircnico de forma mais especializadalevantando protestos contra a destruiccedilatildeo que vem sendo feita da MataAtlacircntica sobretudo pelas usinas de accediluacutecar como J Vasconcelos Sobrinhocom os seus livros baacutesicos intitulados As regiotildees naturais de Pernambuco o

meio e a civilizaccedilatildeo editado em 1949 pela editora Freitas Bastos e Asregiotildees naturais do Nordeste o meio e a civilizaccedilatildeo escrito com uma seacuteriede colaboradores e publicado pelo Condepe no Recife em 1970

Trata-se de livros de grande importacircncia que vecircm complementar asobservaccedilotildees de Gilberto Freyre

Ao estudar a accedilatildeo do homem Gilberto demonstra como eacute difiacutecil seatingir a unanimidade e mostra como entre as tradicionais famiacutelias quedominavam a regiatildeo canavieira nordestina por seacuteculos ela produziu os seuscontestadores tanto entre pessoas das classes dominadas como tambeacutemoriundas das classes dominantes E os heroacuteis populares natildeo foram apenas osque nasceram no meio do povo como escravos ou iacutendios como o Zumbi dosPalmares como Antonio Ferreira de Paula o chefe dos cabanos que lutoucontra o governo imperial desde 1831 ateacute 1849 como bandoleiros como oCabeleira mas tambeacutem pessoas da clatilde dominantes filhos de proprietaacuterios deterras e de escravos como Nunes Machado morto na chamada ldquoRevoluccedilatildeoPraieirardquo Joseacute Inaacutecio de Abreu e Lima autor do primeiro livro brasileiro sobreo socialismo Joseacute Mariano o grande tribuno do abolicionismo e daRepuacuteblica Joaquim Nabuco a grande figura de aristocrata e de abolicionistaque sacrificou a sua carreira poliacutetica por ideais mais nobres como CristianoCordeiro o grande liacuteder comunista dos anos 1920 e 1930 como Demoacutecritode Souza Filho sacrificado na Praccedila da Independecircncia em 1945 na lutacontra a ditadura do Estado Novo e tantos outros O idealismo e o heroiacutesmoa dedicaccedilatildeo ao bem puacuteblico natildeo eacute privileacutegio de classe ou de raccedila comodemonstra Gilberto no capiacutetulo de conclusatildeo deste seu notaacutevel livro ndashNordeste

Daiacute se proclamar Gilberto como um revolucionaacuterio-conservador porqueaspirou lutou e defendeu a sociedade e a sua contiacutenua mudanccedila sem fazerconcessotildees agravequeles que pensam que as mudanccedilas soacute poderatildeo ser realizadascom governos fortes e autoridades truculentas e natildeo por meio detransformaccedilotildees sociais realizadas paulatinamente e de forma a maisrespeitosa Ao concluir a leitura deste grande livro eacute interessante se refletirsobre a frase colocada na boca de um priacutencipe siciliano por Guido deLampedusa ao afirmar que eacute necessaacuterio que as coisas mudem para quefiquem como estatildeo Gilberto natildeo pensava ao escrever Nordeste como

Lampedusa mas queria que houvesse firmeza e seguranccedila nas mudanccedilaspara que elas natildeo desenvolvessem reaccedilotildees mais fortes que as despedaccedilassemDaiacute a necessidade de que a juventude leia Nordeste com atenccedilatildeo devida eque reflita sobre os ensinamentos que este magniacutefico livro conteacutem

Manoel Correia de AndradeProfessor emeacuterito da Universidade Federal de Pernambuco

Prefaacutecio agrave 1a ediccedilatildeo

Este ensaio eacute uma tentativa de estudo ecoloacutegico do Nordeste do BrasilDe um dos Nordestes acentue-se bem porque haacute pelo menos dois oagraacuterio e o pastoril e aqui soacute se procura ver de perto o agraacuterio O da cana-de-accediluacutecar que se alonga por terras de massapecirc e por vaacuterzeas do norte da Bahiaao Maranhatildeo sem nunca se afastar muito da costa

Ver simplesmente Natildeo se trata de sondagem nem de anaacutelise minuciosaA anaacutelise ecoloacutegica de uma regiatildeo tatildeo complexa seria tarefa para mais de umautor e natildeo para um soacute e tambeacutem para mais de um volume

Aqui apenas se tenta esboccedilar a fisionomia daquele Nordeste agraacuterio hojedecadente que foi por algum tempo o centro da civilizaccedilatildeo brasileira Dooutro Nordeste traccedilaraacute o perfil para esta coleccedilatildeo [Coleccedilatildeo DocumentosBrasileiros] um dos conhecedores mais profundos de sua formaccedilatildeo social ndashDjacir Menezes

O criteacuterio deste estudo jaacute disse que eacute um criteacuterio ecoloacutegico O centro deinteresse o homem fundador de lavoura e transplantador e criador devalores agrave sombra da agricultura ou antes da monocultura da cana Ohomem colonizador em suas relaccedilotildees com a terra com o nativo com asaacuteguas com as plantas com os animais da regiatildeo ou importados da Europa ouda Aacutefrica

Tal estudo mesmo esquemaacutetico e quase todo impressionista como eacuteexigiu incursotildees em vaacuterias especialidades ligadas ao problema social daadaptaccedilatildeo do colonizador ndash europeu ou africano ndash ao meio regional Mas eacuteclaro que em nenhuma dessas especialidades o autor fez mais do querecolher de trabalhos jaacute claacutessicos ndash o de Philipp von Luetzelburg sobre abotacircnica do Nordeste por exemplo ndash ou de pesquisas ainda a meio masrevelando aspectos ignorados ou desprezados da patologia regional como asde Ulisses Pernambucano sobre as doenccedilas mentais em Pernambuco e as deAgeu Magalhatildees sobre a esquistossomose de Manson nos rios de engenho ndashmaterial necessaacuterio ao esclarecimento e agrave interpretaccedilatildeo daquele processo de

adaptaccedilatildeo do portuguecircs e do africano ao meio regional ou do seu domiacuteniosobre esse meio Adaptaccedilatildeo e domiacutenio que se processaram quer atraveacutes deajustamentos agraves vezes felizes quer de violecircncias nem sempre fecundasantes de um valor todo transitoacuterio e este mesmo em benefiacutecio de algunsindiviacuteduos de algumas famiacutelias ou quando muito de uma classe de umsexo quase exclusivamente de uma raccedila interessada na cultura de umaplanta uacutenica a cana-de-accediluacutecar

Essa exclusividade pode-se dizer que caracterizou como nenhum outrofato a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste depois de ter condicionado a suacolonizaccedilatildeo e a sua conquista pelos portugueses A monoculturalatifundiaacuteria e escravocraacutetica e ainda monossexual ndash o homem nobre donode engenho gozando quase sozinho os benefiacutecios de domiacutenio sobre a terra esobre os escravos ndash deu ao perfil da regiatildeo o que ele apresenta de aquilino dearistocraacutetico de cavalheiresco embora um aristocratismo em certos pontosmoacuterbido e um cavalheirismo agraves vezes saacutedico

Impossiacutevel afastar a monocultura de qualquer esforccedilo de interpretaccedilatildeosocial e ateacute psicoloacutegica que se empreenda do Nordeste agraacuterio Amonocultura a escravidatildeo o latifuacutendio ndash mas principalmente amonocultura ndash aqui eacute que abriram na vida na paisagem e no caraacuteter dagente as feridas mais fundas O perfil da regiatildeo eacute o perfil de uma paisagemenobrecida pela capela pelo cruzeiro pela casa-grande pelo cavalo de raccedilapelo barco a vela pela palmeira-imperial mas deformada ao mesmo tempopela monocultura latifundiaacuteria e escravocraacutetica esterilizada por ela emalgumas de suas fontes de vida e de alimentaccedilatildeo mais valiosa e mais purasdevastada nas suas matas degradada nas suas aacuteguas

Quase o mesmo que se passou no Nordeste do Brasil e no Sul na baixadado Rio de Janeiro verificou-se noutros trechos da Ameacuterica onde acolonizaccedilatildeo europeia teve por base o accediluacutecar a monocultura o latifuacutendio e aescravidatildeo prevaleceram tanto quanto aqui

Barbados foi quase um rebento de PernambucoDizem os seus historiadores que o marinheiro inglecircs John Powell voltava

de Pernambuco agrave Europa em 1625 quando tocou na ilha jaacute visitada poroutros viajantes As vantagens de lucro faacutecil com o accediluacutecar tatildeo evidentes noNordeste do Brasil talvez atuassem sobre a imaginaccedilatildeo de Powell que tomou

posse da ilha para a Inglaterra Mas soacute em 1640 comeccedilou-se a produzirexclusivamente accediluacutecar em Barbados por quinze anos feliz sob a policulturae a pequena propriedade Diz o professor Harlow que o primeiro plantadorde cana na ilha foi o Coronel Holdip que ele e os demais iniciadores damonocultura em Barbados se utilizaram da experiecircncia dos monocultoresbrasileiros alguns vindo ateacute caacute inteirar-se melhor do processo agriacutecola e doindustrial de fabrico do accediluacutecar Barbados parece que gozou ainda dasvantagens de emprego de capital holandecircs e provavelmente judeu depoisda reconquista do Nordeste pelos portugueses

Teve alguns anos de progresso extraordinaacuterio Quase o luxo dePernambuco Quase o fausto do Recocircncavo ou da baixada do Rio de Janeiro

Mas luxo e fausto ainda mais passageiros do que no Nordeste do Brasil Aescravidatildeo afastou a colonizaccedilatildeo livre que correra para a ilha de 1625 a 1640atribuindo-se depois ao clima o ecircxodo desses brancos que se viram derepente uns fantasmas no meio de tanta cana e de tanto negro O latifuacutendiovenceu a pequena propriedade certo capitatildeo Waterman senhor deengenho entrou a ocupar sozinho com seus canaviais as terras a princiacutepioocupadas por quarenta famiacutelias dedicadas a vaacuterias culturas

Barbados apesar da religiatildeo e da raccedila tatildeo diferentes de seus colonosficou por muito tempo sociologicamente quase um pedaccedilo do Nordeste doBrasil A vida a paisagem e o caraacuteter da gente marcados pelas mesmasinfluecircncias econocircmicas e sociais cuja accedilatildeo se estendeu agraves vaacuterias AntilhasSempre mais duro que o colonizador portuguecircs o colono inglecircs de Barbadosde Jamaica de Trinidad deu agrave monocultura da cana sabor ainda mais crudo que entre noacutes O professor Mathieson ndash outro estudioso da colonizaccedilatildeoinglesa das Antilhas ndash recorda que se chegou a gravar com pesado imposto aterra destinada agrave produccedilatildeo de alimentos No Nordeste do Brasil aadministraccedilatildeo portuguesa dos tempos coloniais insistiu quase sempre pelanecessidade das culturas ancilares tatildeo sufocadas pela da cana

Em Cuba a monocultura da cana a escravidatildeo africana e o latifuacutendioderam agrave paisagem traccedilos e cores que a aparentam tanto quanto Barbadosda paisagem do Nordeste A competiccedilatildeo a rivalidade dos engenhos entre sidisputando-se como inimigos a mateacuteria-prima foi um processo cubano bemparecido com o brasileiro principalmente ao comeccedilar o predomiacutenio das

usinas nas terras do Nordeste Nesse processo de imperialismo industrial laacutecomo aqui teve accedilatildeo poderosa a estrada de ferro particular dando agrave usinatentaacuteculos com que ir buscar cana em trechos remotos Soacute o custo dotransporte impocircs limites a esse imperialismo tentacular das usinas cada qualfazendo de extensotildees enormes terras exclusivamente de cana edescuidando-se da valorizaccedilatildeo agriacutecola das aacutereas jaacute desvirginadas

Outro caracteriacutestico comum agraves vaacuterias regiotildees americanas de colonizaccedilatildeomonocultora ou pelo accediluacutecar ndash tatildeo intensa no Nordeste do Brasil ndash foi e emcertos trechos eacute ainda o emprego do trabalhador apenas durante uma partedo ano a outra parte ficando uma eacutepoca de oacutecio e para alguns devolutuosidade desde que a monocultura em parte nenhuma da Ameacutericafacilitou pequenas culturas uacuteteis pequenas culturas e induacutestrias ancilares aolado da imperial de cana-de-accediluacutecar Soacute as que se podem chamar deentorpecentes de gozo quase de evasatildeo favoraacuteveis agravequele oacutecio e agravequelavolutuosidade o tabaco para os senhores a maconha ndash plantada nemsempre clandestinamente perto dos canaviais ndash para os trabalhadores paraos negros para a gente de cor a cachaccedila a aguardente a branquinha

A sugestatildeo aiacute fica esclarecendo talvez um aspecto ateacute hoje esquecido dapatologia social da monocultura Natildeo parece simples coincidecircncia que sesurpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de maconha entre overde-claro dos canaviais Houve evidente toleracircncia ndash quando natildeo mais quetoleracircncia ndash para a cultura dessas plantas volutuosas tatildeo proacuteprias paraencher de langor os largos meses de oacutecio deixados ao homem pelamonocultura da cana Largos meses que sem um bom derivativo podiamresultar perigosos para a estabilidade dos grandes senhores de terras deaccediluacutecar Estes por sua vez tornaram-se maiores fumadores de charutosfinos Precisamente em dois focos de civilizaccedilatildeo accedilucareira ndash em Cuba e naBahia ndash eacute que se aperfeiccediloou o fabrico dos charutos O mesmo talvez sepossa dizer dos cigarros de maconha que nos portos do Nordeste aindahoje noacuterdicos viciados na liamba chegam a comprar por altos preccedilos aosvendedores da terra

O latifuacutendio accedilucareiro escreve Ramiro Guerra y Sanchez referindo-seagraves Antilhas particularmente a Cuba eacute ldquouma induacutestria que cresceterritorialmente e que gira em um ciacuterculo vicioso do qual natildeo pode escapar

vendo-se arrastada fatalmente agrave superproduccedilatildeordquo E ainda escrevendoquase na terminologia de Sorokin ldquoSe a empresa latifundiaacuteria crescesseverticalmente agrave maneira de um gigantesco arranha-ceacuteu em vez de fazecirc-lohorizontalmente talvez nada tiveacutessemos que opor a elardquo Mas ela cresce emextensatildeo natildeo se cansa de engolir terras para a praacutetica da cultura extensa dacana desprezando a intensa que implicaria na soluccedilatildeo de problemas como odo mosaico no cultivo da cana de melhor rendimento no desenvolvimentoda irrigaccedilatildeo e do adubo das terras mais concentradas

Entre noacutes essa cultura por extensatildeo se tem feito agrave grande e em prejuiacutezo

dos interesses gerais da regiatildeo Em Pernambuco ela ocupa 34 da zona

chamada da ldquomatardquo a mais feacutertil do Estado Natildeo se daacute atenccedilatildeo agrave sementeQuase natildeo se liga importacircncia agraves doenccedilas da cana Excetuadas algumasusinas modernas nas outras e nos engenhos soacute se extrai da cana 67 e 8de accediluacutecar E eacute bem expressivo o seguinte fato nos uacuteltimos cinquenta ousessenta anos construiacuteram-se no Estado 2000 quilocircmetros de estradas deferro de usinas sem que as vantagens de lucro tenham compensado despesatatildeo grande

Aqui como em Cuba a induacutestria de accediluacutecar quase soacute tem feito crescerldquoterritorialmenterdquo ao mesmo tempo que o homem vem sendo diminuiacutedo porela que as aacuteguas vecircm sendo degradadas pelas usinas as matas devastadaspelo sistema monocultor

Este trabalho jaacute disse que era quase impressionista A civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste exige uma anaacutelise demorada que soacute se poderaacute fazercom inteira amplitude cientiacutefica juntando-se vaacuterios especialistas para umesforccedilo comum e reunindo-se toda a documentaccedilatildeo possiacutevel aantropoloacutegica como a histoacuterica a socioloacutegica como a psicoloacutegica a geoloacutegicacomo a botacircnica

Fica entretanto nestas paacuteginas uma visatildeo da paisagem da vida e dohomem do Nordeste que a monocultura da cana feriu mais profundamente

Como os estudos anteriores este apesar de mais impressionista tambeacutemexigiu pesquisas pelos arquivos regionais e portugueses esforccedilos deinvestigaccedilatildeo vaacuterias excursotildees pelas velhas zonas de plantaccedilatildeo de cana

No trabalho de copiar documento no de traduccedilatildeo e ainda no preparodo manuscrito tive como das vezes passadas o auxiacutelio de companheiros

mais jovens de estudo Diogo de Mello Menezes Ivan Seixas ClarivalValadares Carlos Gilberto Cavalcanti Archimedes de Mello Netto A este quepassou a limpo o trabalho com tanta inteligecircncia e tanto esmero os meusmelhores agradecimentos

Meus agradecimentos ainda ao Secretaacuterio da Agricultura do Estado dePernambuco o agrocircnomo Lauro Montenegro empenhado numa obra tatildeosimpaacutetica de renovaccedilatildeo das praacuteticas agriacutecolas na zona pernambucana doaccediluacutecar e aos seus colaboradores Agradecimentos pelos dados oficiais que meforneceram e que foram aqui aproveitados no texto e em mapasParticularmente os dados da Diretoria de Estatiacutestica preparados sob adireccedilatildeo cuidadosa de Paulo Pimentel e Souza Barros

A M Bandeira agradeccedilo a valiosa colaboraccedilatildeo artiacutestica principalmente omapa fixando os elementos mais caracteriacutesticos da paisagem cultural doNordeste agraacuterio o triacircngulo ndash engenho casa e capela

Gilberto FreyreEngenho Queimadas 1936Recife 1937

1 ndash A CANA E A TERRA

A palavra ldquonordesterdquo eacute hoje uma palavra desfigurada pela expressatildeoldquoobras do Nordesterdquo que quer dizer ldquoobras contra as secasrdquo E quase natildeosugere senatildeo as secas Os sertotildees de areia seca rangendo debaixo dos peacutes Ossertotildees de paisagens duras doendo nos olhos Os mandacarus Os bois e oscavalos angulosos As sombras leves como umas almas do outro mundo commedo do sol

Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se alongando quaseem figuras de El Greco eacute apenas um lado do Nordeste O outro NordesteMais velho que ele eacute o Nordeste de aacutervores gordas de sombras profundas debois pachorrentos de gente vagarosa e agraves vezes arredondada quase emsanchos-panccedilas pelo mel de engenho pelo peixe cozido com piratildeo pelotrabalho parado e sempre o mesmo pela opilaccedilatildeo pela aguardente pelagarapa de cana pelo feijatildeo de coco pelos vermes pela erisipela pelo oacuteciopelas doenccedilas que fazem a pessoa inchar pelo proacuteprio mal de comer terra

Um Nordeste onde nunca deixa de haver uma mancha de aacutegua umavanccedilo de mar um rio um riacho o esverdeado de uma lagoa Onde a aacuteguafaz da terra mais mole o que quer inventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencional dos compecircndios

Um Nordeste com a cal das casas de telha tirada das pedras do mar comuma populaccedilatildeo numerosa vivendo de peixe de marisco de caranguejo com

as mulheres dos mucambos lavando as panelas e os meninos na aacutegua dosrios com alguns caturras ainda iluminando as casas a azeite de peixe

Um Nordeste oleoso onde noite de lua parece escorrer um oacuteleo gordo dascoisas e das pessoas Da terra Do cabelo preto das mulatas e das caboclasDas aacutervores lambuzadas de resinas Das aacuteguas Do corpo pardo dos homensque trabalham dentro do mar e dos rios na bagaceira dos engenhos no caisdo Apolo nos trapiches de Maceioacute

Esse Nordeste da terra gorda e de ar oleoso eacute o Nordeste da cana-de-accediluacutecar Das casas-grandes dos engenhos Dos sobrados de azulejo Dosmucambos de palha de coqueiro ou de coberta de capim-accedilu O Nordeste daprimeira faacutebrica brasileira de accediluacutecar ndash de que natildeo se sabe o nome ndash e talvezda primeira casa de pedra e cal da primeira igreja no Brasil da primeiramulher portuguesa criando menino e fazendo doce em terra americana doPalmares de Zumbi ndash uma repuacuteblica inteira de mucambos O Nordeste quevai do Recocircncavo ao Maranhatildeo tendo o seu centro em Pernambuco

Aliaacutes haacute mais de dois Nordestes e natildeo um muito menos o Norte maciccedilo euacutenico de que se fala tanto no Sul com exagero de simplificaccedilatildeo Asespecializaccedilotildees regionais de vida de cultura e de tipo fiacutesico no Brasil estatildeoainda por ser traccediladas debaixo de um criteacuterio rigoroso de ecologia ou desociologia regional que corrija tais exageros e mostre que dentro da unidadeessencial que nos une haacute diferenccedilas agraves vezes profundas

O Nordeste do massapecirc da argila do humus gorduroso eacute o que podehaver de mais diferente do outro de terra dura da areia seca A terra aqui eacutepegajenta e melada Agarra-se aos homens com modos de garanhona Mas aomesmo tempo parece sentir gosto em ser pisada e ferida pelos peacutes de gentepelas patas dos bois e dos cavalos Deixa-se docemente marcar ateacute pelo peacute deum menino que corra brincando empinando um papagaio ateacute pelas rodasde um cabrioleacute velho que vaacute aos solavancos de um engenho de fogo morto auma estaccedilatildeo da Great Western

Haacute quatro seacuteculos que o massapecirc do Nordeste puxa para dentro de si aspontas de cana os peacutes dos homens as patas de bois as rodas vagarosas doscarros as raiacutezes das mangueiras e das jaqueiras os alicerces das casas e dasigrejas deixando-se penetrar como nenhuma outra terra dos troacutepicos pelacivilizaccedilatildeo agraacuteria dos portugueses

O massapecirc eacute acomodatiacutecio Eacute uma terra doce ainda hoje Natildeo tem aqueleranger de areia dos sertotildees que parece repelir a bota do europeu e o peacute doafricano a pata do boi e o casco do cavalo a raiz da mangueira-da-iacutendia e obroto da cana com o mesmo enjoo de quem repelisse uma afronta ou umaintrusatildeo A doccedilura das terras de massapecirc contrasta com o ranger da raivaterriacutevel das areias secas dos sertotildees

O massapecirc natildeo vai ao extremo da terra de mangue que quase natildeo eacuteterra de tatildeo melada de tatildeo mole e indecisa deixando que nela a aacuteguaapodreccedila os matos e as raiacutezes Nem o excesso do barro tauaacute nos dias dechuva capaz de engolir balduiacutenas de sorver comboios inteiros

O massapecirc tem outra resistecircncia e outra nobreza Tem profundidade Eacuteterra doce sem deixar de ser terra firme o bastante para que nela seconstrua com solidez engenho casa e capela

Nessas manchas de terra pegajenta foi possiacutevel fundar-se a civilizaccedilatildeomoderna mais cheia de qualidades de permanecircncia e ao mesmo tempo deplasticidade que jaacute se fundou nos troacutepicos A riqueza do solo era profundaas geraccedilotildees de senhores de engenho podiam suceder-se no mesmo engenhofortalecer-se criar raiacutezes em casas de pedra e cal natildeo era preciso onomadismo agraacuterio que se praticou noutras terras onde o solo menos feacutertilesgotado logo pela monocultura fez do agricultor quase um cigano sempre agraveprocura de terra virgem Um dom-juan de terras

As cem cento e vinte mil caixas de accediluacutecar que antes de 1670 seimportavam em Lisboa excedendo entatildeo ldquoos assucares do Brasil em bellesa eproveito aos das Indias orientaes unicos que no seacuteculo XVI e ateacute meados doXVII appareciatildeo nos mercados da Europardquo eram accediluacutecares quase todos doNordeste e sua bondade se atribuiacutea agrave boa qualidade dos nossos terrenos ldquooP Labat escreve que a forccedila das terras do Brasil era tal que caacute amadurecia acana em trez mezes quando nas Antilhas custava de dezesseis a dezoitordquo2lembrava haacute mais de cem anos em memoacuteria sobre o accediluacutecar Joseacute SilvestreRebecirclo

Sem massapecirc sem argila sem humus a paisagem do Nordeste ndash desde oRecocircncavo na Bahia ateacute certos trechos do Maranhatildeo ndash natildeo teria se alteradotatildeo decisivamente no sentido em que se alterou desde os meados do seacuteculoXVI no sentido da cana-de-accediluacutecar No sentido da casa-grande de pedra e

calA qualidade do solo tornou possiacutevel o avanccedilo civilizado da cana em vaacuterias

outras terras do Brasil Mas a estabilidade de sua cultura no extremoNordeste e no Recocircncavo se explica por condiccedilotildees particularmentefavoraacuteveis de solo de atmosfera de situaccedilatildeo geograacutefica Nas terras ondeparece que se plantaram as primeiras canas ndash talvez mais como um recursocontra as ldquodoenccedilas do marrdquo principalmente o escorbuto do que como basede uma agricultura colonial e muito menos de uma induacutestria ndash nunca seteria firmado a lavoura que em poucos anos fez da Nova Lusitacircnia umacolocircnia de gente tatildeo farta de homens tatildeo soacutelidos com tanto ruge-ruge deseda e tanto brilho de rubis com casas de pedra e cal com sobrados deazulejo e igrejas guarnecidas de jacarandaacute e de ouro

A qualidade do solo completada pela da atmosfera condicionou comotalvez nenhum outro elemento essa especializaccedilatildeo regional da colonizaccedilatildeoda Ameacuterica pelos portugueses que foi a colonizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar e dizendo-se esta frase banal diz-se ao mesmo tempo uma verdademuitas vezes esquecida

Eacute claro que o triunfo do accediluacutecar no extremo Nordeste foi favorecido porum grupo de circunstacircncias e natildeo por um elemento soacute pela proximidadeda Europa como pelo contato faacutecil com a Aacutefrica fornecedora de escravospela qualidade do elemento colonizador europeu ndash a parentela de DuarteCoelho e de dona Beatriz gente boa e satilde habituada agrave vida rural e ao trabalhoagriacutecola gente talvez geneticamente superior aos simples artesatildeos ndash algunsparece que mouriscos ndash aos burgueses ndash tantos deles cristatildeos-novos ndash e aosfidalgotes aventureiros que primeiro salpicaram de sangue europeu ousemieuropeu outros pontos da Ameacuterica conquistada pelos portugueses Eainda favorecido pela experiecircncia agriacutecola e pelos haacutebitos de relativasedentariedade do elemento colonizador africano os negros de pescoccedilocurto cuja predominacircncia Tollenare notou em Pernambuco nos princiacutepiosdo seacuteculo XIX e que os anuacutencios de pretos fugidos nos jornais da regiatildeoparecem confirmar

Mas eacute preciso natildeo esquecer o que o massapecirc representou ao lado daatmosfera da aacutegua da situaccedilatildeo geograacutefica nessa vitoacuteria do accediluacutecar Noextremo Nordeste como no Recocircncavo baiano a terra ndash de modo nenhum a

feacutertil e boa para qualquer cultura dos exageros do primeiro cronista ndash umavez desbastada de seu arvoredo mais grosso apresentou-se cheia demanchas avermelhadas e pretas onde fazia gosto plantar cana Estarebentava forte e gorda como em nenhuma outra terra Foram essasmanchas excepcionais que tornaram possiacutevel a civilizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar que aqui se desenvolveu

O massapecirc jaacute teve quem lhe fizesse o elogio em palavras tatildeo quentes quenatildeo parecem de um economista frio Joseacute da Silva Lisboa

ldquoEste Reconcavordquo ndash escrevia Silva Lisboa em 1871 em carta ao DrDomingos Vandelli diretor do Real Jardim Botacircnico de Lisboa ndash ldquoeacuteentrecortado de varios rios navegaveis que se veem lanccedilar na mesma bahiade que satildeo ramos He aqui se acha a verdadeira humus natural he estauma terra chamada maccedilapeacute negra compacta viscozissima que trituradanos dedos faz sentir-se uma sensaccedilatildeo de unctuosidade que desfeita em aguae precipitada deixa na parte superior huma porccedilao de oleo vegetal natantede que estava saturada a mesma terra que assim se havia impregnado dellapela resoluccedilatildeo continuada dos vegetaes que nella apodrecemprincipalmente das folhas das grandes arvores que nos seculos passadoshaviatildeo feito montes altissimos que depois com o tempo e chuvas seresolveratildeo He esta terra maccedilapeacute propissima para a cannardquo3 Anos depois

notaria Martius ldquoum canavial convenientemente plantado em condiccedilotildeesfavoraacuteveis como no massapecirc dura muitos anos desenvolvendoanualmente novas socas das cepas que ficaramrdquo4

Mas natildeo nos interessa aqui senatildeo indiretamente a anaacutelise do massapecirc edas terras argilosas e gordas de huacutemus do Nordeste do Brasil Nos interessa soacuteo que essa terra excepcional representou para a civilizaccedilatildeo do Brasil Para oestabelecimento da civilizaccedilatildeo moderna mais sedentaacuteria que o portuguecircsfundou nos troacutepicos a do accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Durante o periacuteodo decisivo da formaccedilatildeo brasileira a Histoacuteria do Brasil foia histoacuteria do accediluacutecar e no Brasil a histoacuteria do accediluacutecar onde atingiu maiorimportacircncia econocircmica e maior interesse humano foi nessas manchas deterra de massapecirc de barro de argila de huacutemus Nessas manchas de soloencarnado ou preto se lanccedilaram os alicerces dos melhores engenhos Foramelas que mais se avermelharam de sangue nos tempos coloniais Sobre elas

que tanto luso-brasileiro tanto preto tanto caboclo tanto mulato morreu emluta com os invasores louros Esses invasores natildeo desejavam outras terrassenatildeo aquelas as terras de massapecirc As terras de barro gordo boas para acana-de-accediluacutecar

De modo que escrever-se a Histoacuteria do Brasil durante esse periacuteododando maior relevo ao extremo Nordeste ou ao Recocircncavo da Bahia natildeo eacutebairrismo como tantas vezes se tem levianamente insinuado em criacuteticas ahistoriadores maranhenses pernambucanos ou baianos Seraacute talvezbarrismo Porque atraveacutes daqueles dias mais difiacuteceis de fixaccedilatildeo da civilizaccedilatildeoportuguesa nos troacutepicos a terra que primeiro prendeu os luso-brasileiros emluta com outros conquistadores foi essa de barro avermelhado ou escuro Foia base fiacutesica natildeo simplesmente de uma economia ou de uma civilizaccedilatildeoregional mas de uma nacionalidade inteira

A verdade eacute que foi no extremo Nordeste ndash por extremo Nordeste deveentender-se o trecho da regiatildeo agraacuteria do Norte que vai de Sergipe ao Cearaacutendash e no Recocircncavo Baiano ndash nas suas melhores terras de barro e huacutemus ndash queprimeiro se fixaram e tomaram fisionomia brasileira os traccedilos os valores astradiccedilotildees portuguesas que junto com as africanas e as indiacutegenasconstituiriam aquele Brasil profundo que hoje se sente ser o mais brasileiroO mais brasileiro pelo seu tipo de aristocrata hoje em decadecircncia eprincipalmente pelo seu tipo de homem do povo jaacute proacuteximo talvez derelativa estabilidade Um homem do povo semelhante ao polineacutesio feito detrecircs sangues em outras terras tatildeo inimigos ndash o do branco o do iacutendio e o donegro Um negro adaptado como nenhum agrave lavoura do accediluacutecar e ao climatropical Um portuguecircs tambeacutem predisposto agrave sedentariedade daagricultura Um iacutendio que ficou aqui mais no ventre e nos peitos da caboclagorda e amorosa do que nas matildeos e nos peacutes do homem arisco e inquieto

Todos eles e o produto caracteristicamente regional do seu cruzamentondash o cabra ndash se mostram hoje desprestigiados pelas doenccedilas e pelas condiccedilotildeesregionais de vida mas se revelam ao mesmo tempo cheios de possibilidadeseugecircnicas jaacute esboccediladas em antecipaccedilotildees magniacuteficas

O Nordeste do massapecirc eacute ainda o mais brasileiro pelo tipo tradicional decasa-grande e de sobrado de azulejo e pelo de casa de palha ou demucambo que aqui se desenvolveram de originais portugueses ou africanos

e indiacutegenas e que constituem material de primeira ordem e uma riqueza desugestotildees e de inspiraccedilotildees para uma arquitetura verdadeiramente brasileiraou pelo menos regional

Agraves ldquobandeirasrdquo ningueacutem ousa lhes diminuir o valor no sentido daextensatildeo da colocircnia portuguesa na Ameacuterica do seu alongamento para ooeste para o extremo sul para o norte Mas esse transbordamento de esforccedilondash jaacute mais de mameluco do que de portuguecircs ndash teria sido quase em vatildeo e todono raso ndash tatildeo no raso que natildeo criaria tipo nenhum de casa ndash se em torno dosengenhos de accediluacutecar nas manchas de terra de massapecirc natildeo seconcentrassem desde o seacuteculo XVI as energias criadoras do agricultor decana da senhora de engenho da matildee preta do negro do cabra dabagaceira Aiacute eacute que se aprofundaram as raiacutezes agraacuterias que tornaram possiacutevelo desenvolvimento raacutepido de simples colocircnia de plantaccedilatildeo em impeacuterio deplantadores de cana com os senhores de engenho elevados a barotildeesviscondes marqueses senadores ministros conselheiros os tiacutetulos quasetodos nomes de engenhos Com as casas quase fortalezas construiacutedas comoacuteleo de baleia e com madeira de lei Desenvolvimento tatildeo raacutepido que desde oseacuteculo XVII os povos das capitanias do Nordeste com os senhores deengenho mais arrojados agrave frente se revelaram capazes de defender-se por siou soacute com o auxiacutelio de brasileiros de outras regiotildees ndash alguns dos quais comorecompensa dos serviccedilos militares pediriam ao rei terras no proacuteprio Nordestee aiacute se fixariam5 ndash dos invasores estrangeiros e dos negros aquilombados E

defendendo seus canaviais seus rios suas terras de massapecirc comeccedilaram asentir que estavam defendendo o Brasil Quando em 1710 em 1817 e em1824 tentaram constituir-se em repuacuteblica jaacute foi sobre esse sentimento desuficiecircncia a esse desejo de estabilidade que lhes davam as terras feacuterteis decana

A Independecircncia do Brasil se realizou firmando-se principalmente sobreuma aristocracia quase feudal de senhores de terras de massapecirc ndash PaesBarrettos Cavalcantis Albuquerques os senhores baianos de Santo Amaromais tarde os fazendeiros da terra roxa Quase feudal nas tendecircncias e nogecircnero de vida e antimonaacuterquica por natureza essa aristocracia das terrasgordas deu entretanto agrave coroa quando colocada sobre a cabeccedila loura deum menino de quinze anos nascido no Rio de Janeiro o prestiacutegio e as

condiccedilotildees de vida que doutro modo lhe faltariam em terra tatildeo nova como oBrasil

Os barotildees das terras de massapecirc seriam por algum tempo o melhor apoioda coroa E embora sob Pedro II se acentuassem conflitos e ateacute sedramatizassem divergecircncias entre a justiccedila imperial e a autoridade dosenhor de engenho poderoso o interesse econocircmico atuaria por muitotempo no sentido da contemporizaccedilatildeo entre as duas forccedilas rivais Osengenhos melhores e mais ricos do mesmo modo que as fazendas de terraroxa seriam ateacute agraves veacutesperas da aboliccedilatildeo centros politicamente fieacuteis agravemonarquia e leais a D Pedro II

Os tiacutetulos de baratildeo que foram sendo aceitos pelos senhores maisarrogantes e ateacute procurados pelos mais vaidosos salpicaram de baronatos asterras de massapecirc Raro um Presciano Accioly Lins senhor de engenho emSerinhaeacutem recusando de modo absoluto e ateacute com insolecircncia o tiacutetulo debaratildeo que lhe foi oferecido pelo imperador Mas esse Presciano Accioly Linsfoi uma figura esquisitiacutessima para o seu meio e para a sua eacutepoca ateu erepublicano em pleno patriarcalismo do seacuteculo XIX um patriarcalismo senatildeo devoto pelo menos temente a Deus e amigo dos santos e do imperadorPresciano Accioly Lins foi nesse meio um desabusado natildeo batizou um filhoenfrentou o risco de o Diabo vir lhe danccedilar de noite no terreiro da casa e dosfilhos pagatildeos virarem os homens lobisomens as mulheres mulas semcabeccedila

O massapecirc raramente deu desses homens zangados e agrestes semplasticidade e quase sem doccedilura nenhuma que foram antes filhos dossertotildees ou de engenhos de terras aacutesperas De pedra de fogo como D VitalGonccedilalves de Oliveira cuja ortodoxia teve talvez a mesma dureza quasecastelhana que a heterodoxia de Presciano Accioly Lins

A terra mais macia do litoral e da ldquomatardquo do extremo Nordeste e doRecocircncavo da Bahia parece ter influiacutedo sobre os seus proacuteprios senhores ndashcomo sobre as proacuteprias plantas terriacuteveis no tipo da maconha importada daAacutefrica ndash amaciando homens do Norte agraacuterio inteiro e natildeo apenas da cidadeda Bahia naqueles baianos maneirosos que Joaquim Nabuco retratou nrsquoUmestadista do impeacuterio ndash os poliacuteticos mais flexuosos e plaacutesticos da monarquiaagraves vezes excessivamente flexuosos e ateacute falsos homens sem palavra a ponto

de ldquobaianordquo ter ficado para o resto do Brasil equivalente de ldquofrancecircsrdquo Earredondando as mulheres naquelas iaiaacutes dengosas que os Macieacuteis Monteiroe os Castro Alves cortejaram em versos tatildeo sensuais e que foram umascriaturas diaboacutelicas pelas graccedilas do sexo desde muito verde especializadopara o amor suavizando pernambucanos e alagoanos em estadistas ediplomatas do tipo de Arauacutejo Lima de Maciel Monteiro de Francisco doRego Barros afrancesados que entretanto tiveram seus rompantes deindependecircncia em relaccedilatildeo ateacute com o papa do tipo do proacuteprio JoaquimNabuco a quem natildeo faltaria nunca o gosto da contemporizaccedilatildeo aplasticidade de atitudes e ateacute de ideias embora a altivez fosse tambeacutem umdos seus traccedilos mais pernambucanos Do tipo de Carvalho Moreira e de JoatildeoAlfredo que nos momentos mais aacutesperos de luta conservaram os punhos derenda essa renda tambeacutem tatildeo do Nordeste feita pacientemente por moccedilase velhas nos seus vagares para os vestidos das senhoras as toalhas de mesaos panos dos altares de santos os enxovais de batizado e de casamento Arterival da do doce fino da do quitute delicado da de rede de plumas

As terras de massapecirc foram no Brasil as terras por excelecircncia das boasmaneiras e dos gestos suaves onde atraveacutes do seacuteculo XIX os homenscresceram mamando em negras gordas mulheres de uma grande doccedilura etomando chaacute desde muito pequenos Quase se podem fixar fronteiras entreas terras de massapecirc e as terras aacutesperas por esse detalhe do leite de matildee-preta ndash em vez do da comadre-cabra dos sertotildees ndash e do uso de chaacute a que afrase ldquotomou chaacute em pequenordquo daacute significaccedilatildeo e importacircncia socioloacutegica Nossertotildees e nas zonas agrestes o chaacute foi ateacute quase nossos dias remeacutedio debotica E o accediluacutecar a rapadura O chaacute acompanhou o accediluacutecar branco e soltoguardado em porcelana da Iacutendia ou de Macau nos guarda-louccedilas das casas-grandes e dos sobrados de azulejo Seu predomiacutenio marca a maior influecircnciaa princiacutepio asiaacutetica depois europeia e principalmente inglesa nas terrasmais vantajosamente especializadas na cultura da cana

Com efeito o Recife concentrou desde os favores do tratado de 1810uma colocircnia grande de ingleses com juiz conservador biblioteca igrejapadre cemiteacuterio e por algum tempo hospital Vendedores de panos finosimportadores de chaacute de cerveja de presunto de chapeacuteu de botinameacutedicos leiloeiros mestres de fundiccedilatildeo engenheiros especializados no

conserto dos aparelhos de fabricar accediluacutecar como Harrigton amp Starr e como osMornay Todo um grupo de homens de negoacutecio e de teacutecnicos muito emrelevo nos anuacutencios de jornais da primeira metade do seacuteculo XIX e cujosinteresses se identificaram de tal modo com os da aristocracia dos canaviaisque vaacuterios terminaram ligados agraves terras de massapecirc docementeabrasileirados em genros sogros ou cunhados de brasileiros Alguns ateacute emsenhores de engenho Tal o caso Henry Koster6 cujo nome se aportuguesou

em Henrique da Costa capitatildeo Henrique da Costa talvez Esse Koster natildeoquis outra vida para os seus dias de tuberculoso menos romacircntico do queRobert Louis Stevenson senatildeo a de plantador de cana a de senhor deengenho a de fabricante de accediluacutecar Nele cumpriu-se magnificamente asentenccedila de Nabuco o aroma de mel embriagou-o a vida inteira Embriagou-o ateacute a morte Prolongou-lhe talvez a vida

Na Bahia nas proximidades das terras de massapecirc e dos engenhos maisnobres verificou-se o mesmo grande concentraccedilatildeo de ingleses Ingleses comhospital capela e cemiteacuterio7 Com juiz conservador teatro meacutedicos que se

tornaram famosos na histoacuteria da medicina no BrasilO accediluacutecar atraiu agraves suas melhores terras o chaacute os ingleses a porcelana da

China o moacutevel e o proacuteprio livro europeu que tiveram talvez no Recife os seusmelhores mercados principalmente na primeira metade do seacuteculo XIX Deuoacutecio aos homens mais inteligentes das casas-grandes natildeo soacute para o jogo comopara os estudos de Filologia tatildeo pachorrentamente cultivados pelo DrMorais no seu engenho de Muribeca (de onde ele se correspondeu comalguns dos maiores letrados portugueses do seu tempo) natildeo soacute para ascharadas como para as boas leituras e agraves iaiaacutes deu lazer para a muacutesica paraas rendas e para os doces finos de sobremesa

De tal modo que Mansfield8 inglecircs mestre em Artes que viajou nos

meados do seacuteculo XIX por terras de massapecirc escreveu ter aqui encontradocasas-grandes de engenho que lhe deram a impressatildeo das casas de campoda Inglaterra moccedilas tocando piano admiravelmente doces finos agravesobremesa chaacute servido pelas senhoras

E Herbert H Smith9 anos depois foi onde encontrou uma aristocracia

brasileira de gostos e haacutebitos mais elevados entre os senhores de engenho doNordeste Nas terras macias de massapecirc

E era na verdade uma gente que tinha piano de cauda e livros em casaQue recebia bem Que apreciava a boa cozinha O doce fino O quitutedelicado O bolo bem-feito10

O naturalista norte-americano chegou a contrastar os senhores deengenho do Nordeste com os fazendeiros de cafeacute do Sul ndash que eram entatildeo aforccedila nova e triunfante do impeacuterio ndash para concluir pela superioridade dosaristocratas das terras de cana

2 ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do accediluacutecar em O auxiliador

da induacutestria nacional nos II-III Rio de Janeiro 1833 Diz ainda JoseacuteSilvestre Rebelo ldquoCem annos ou mais antes que os Inglezes e os mesmosHespanhoes mandassem bom assucar para a Europa comeccedilaratildeo osportuguezes a vender do Brazil e com abundanciardquo Sobre o assunto veja-setambeacutem A history of Barbados 1625-1885 (Oxford 1926) por Vincent THarlow3 ldquoCarta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisbocirca parao Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botanico de Lisbocircardquo Bahia18 de outubro de 1781 Manuscrito no Arquivo do Ultramar de Lisboaregistrado no Inventaacuterio dos Documentos Relativos ao Brasil Existentes noArquivo de Marinha e Ultramar de Lisboa Organizado para a BibliotecaNacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e Almeida Rio deJaneiro 19144 Von Spix e von Martius Atraveacutes da Bahia (excertos da obra Reise inBrasilien trasladados ao portuguecircs pelo Dr Pirajaacute da Silva e Dr Paulo Wolf)

2a ed Bahia 19285 Vejam-se os livros manuscritos de sesmarias e datas de terra do arquivo daantiga capitania de Pernambuco na Biblioteca do Estado6 Autor do conhecido livro sobre o Nordeste Travels in Brazil (Londres1816 traduzido para o francecircs por M A Jay sob o tiacutetulo Voyages dans lapartie serptentrionale du Breacutesil depuis 1809 jusqursquo en 1815 Comprenantles provinces de Pernambuco (Fernambouc) Seara ParahybaMaragnon etc Paris 1818 Sobre atividades britacircnicas no Nordeste veja-senosso Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica na vida napaisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 19487 Von Spix e von Martius op cit8 Charles B Mansfield Paraguay Brazil and the Plate Londres 18569 Herbert H Smith Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque

187910 Sobre doces do Nordeste veja-se nosso Accediluacutecar algumas receitas dedoces e bolos do Nordeste (Rio de Janeiro 1939) onde reunimos receitastradicionais de famiacutelias de casas de engenho e sobrados do Nordeste agraacuterio

2 ndash A CANA E A AacuteGUA

Em 1929 Sir Halford Mackinder fez um discurso no CongressoInternacional de Geografia reunido em Cambridge defendendo asupremacia da aacutegua entre os elementos que nos devem preocupar no estudode uma regiatildeo e de sua paisagem ldquoA hidrosferardquo ndash chegou a dizer SirHalford ndash ldquodeve ser considerada o tema central da geografiardquo Porque nadamais importante no estudo do homem que as suas relaccedilotildees com a aacutegua coma aacutegua do mar com a aacutegua dos rios com a aacutegua condensada das nuvenscom a aacutegua de chuva ou de degelo com a aacutegua subterracircnea com a aacutegua quecorre na seiva das plantas ou que circula nas arteacuterias e nas veias dos animaisPor conseguinte o proacuteprio sangue e a proacutepria vida do homem Quase umamiacutestica da aacutegua

Jaacute entre noacutes Artur Orlando um dos publicistas mais vigorosos da suageraccedilatildeo salientara a importacircncia da aacutegua da aacutegua que se ingere e que influitanto sobre a vida do homem como da aacutegua dos rios e dos mares que atuamde maneira poderosa sobre as civilizaccedilotildees

A verdade eacute que a aacutegua mesmo sem ser preciso consideraacute-la quasemisticamente como Sir Halford nos aparece em vaacuterias regiotildees como a notadominante na vida da paisagem Da paisagem fiacutesica como da cultural

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar a aacutegua foi e eacute quase tudo Sem ela natildeoteria prosperado do seacuteculo XVI ao XIX uma lavoura tatildeo dependente dos

rios dos riachos e das chuvas tatildeo amiga das terras gordas e uacutemidas e aomesmo tempo do sol tatildeo agrave vontade dentro de uma temperatura meacutedia queem Pernambuco eacute de 265ordm e de uma meacutedia anual de 176 dias de chuvastatildeo feliz numa atmosfera cheia de vapor de aacutegua

Os moinhos de vento natildeo teriam substituiacutedo inteiramente a aacutegua dos riose dos riachos nos trabalhos da lavoura e da moagem da cana O vento pormelhor que seja eacute um inconstante em comparaccedilatildeo com a aacutegua dos riospequenos mas regulares que soacute deixam de servir ao homem agraacuterio nos diasverdadeiramente terriacuteveis de seca suas proacuteprias cheias beneficiando muitasvezes a lavoura E natildeo por caprichos tolos e de momento como o vento

Aliaacutes os ventos tecircm sido amigos da lavoura da cana e da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste Natildeo tanto pela sua constacircncia de direccedilatildeo como pelapouca violecircncia a que chegam nos seus dias mais zangados quando os soprosmais fortes ndash os de agosto ndash tecircm em Pernambuco como velocidade meacutediamaacutexima de apenas 1597 metros por segundo Se natildeo chegam agraves grandesviolecircncias por outro lado natildeo faltam quase nunca sendo tatildeo raras ascalmarias como as tempestades Esse equiliacutebrio parece explicar certatemperanccedila de atitudes e de gestos no pernambucano da aacuterea do accediluacutecar

A lavoura da cana no Nordeste ndash e pode-se acrescentar no Brasil ndashparece ter comeccedilado nas terras de Itamaracaacute agrave beira da aacutegua doce comotambeacutem da salgada das duas aacuteguas ao mesmo tempo E quando depois seregularizou com Duarte Coelho foi para acompanhar as ldquoterras vizinhas dasribeirasrdquo

O engenho patriarcal de Jerocircnimo de Albuquerque levantou-se nosarredores de Olinda proacuteximo agrave aacutegua11 e em meados do seacuteculo XVI parece

que Vasco Fernandes de Lucena jaacute moiacutea cana em Igaraccedilu ndash terras alagadas edonde as canas podiam vir de barcaccedila pelo rio12

O primeiro donataacuterio doou a Diogo Gonccedilalves as ldquoterras do Beberiberdquo riopequeno mas constante que foi logo se tornando um auxiliar poderoso dacolonizaccedilatildeo agraacuteria da regiatildeo Agrave margem direita do rio Diogo Gonccedilalves ndashque aqui casou com Da Isabel Froes ndash levantou engenho e construiu casa eentre o engenho e a casa-grande a capela esta um tanto afastada para ooeste e a casa bem junto do rio de forma que ldquotraccedilando-se uma linha deuniatildeo sobre essas construccedilotildeesrdquo ndash escreve um cronista ndash ldquoteremos um perfeito

triacircngulordquo13 Triacircngulos que adquiriram expressatildeo poliacutetica e natildeo apenas

econocircmica na vida brasileiraEsses triacircngulos logo se tornaram claacutessicos engenho casa-grande (com

senzala) e capela Eles foram quebrando as linhas virgens da paisagem tatildeocheia de curvas agraves margens dos rios mesmo quando povoadas de tabas decaboclos E introduzindo nessa paisagem desordenada aqueles traccedilos novosde ordem e de regularidade A geometria da colonizaccedilatildeo agraacuteria

Embora o colonizador portuguecircs natildeo tivesse a miacutestica da Ordem como oespanhol nem como o inglecircs ou o holandecircs ndash que neste mesmo Nordesteseria o primeiro a cuidar de construir bairros e ateacute uma cidade inteira (oRecife) dentro de um plano geomeacutetrico de urbanizaccedilatildeo ndash foi ele que deu agravepaisagem desta parte da Ameacuterica seus elementos caracteriacutesticos de ordemblocos de construccedilatildeo que representam um meacutetodo ou um sistema deconquista de economia de colonizaccedilatildeo de domiacutenio sobre a aacutegua e sobre asmatas E natildeo uma seacuterie de aventuras a esmo cada qual a seu jeito

O triacircngulo rural ndash engenho casa capela ndash se impocircs agrave paisagem doNordeste de massapecirc como a sua primeira nota de ordem europeia A aacuteguados rios e dos riachos da regiatildeo se subordinou ao novo sistema de relaccedilotildeesentre o homem e a paisagem embora conservando-se cheia de curvas e ateacutede vontades Sem se militarizar em canais riacutegidos agrave holandesa

Mesmo assim conservando curvas e agrave vontades que elemento danatureza regional agiu mais poderosamente no sentido de regularizaccedilatildeo davida econocircmica e social dos colonos do Nordeste que esses rios pequenos doextremo Nordeste e da Bahia Rios do tipo do Beberibe do Jaboatatildeo doUna do Serinhaeacutem do Tambaiacute do Tibiri do Ipojuca do Pacatuba doItapuaacute Junto deles e dos riachos das terras de massapecirc se instalaramconfiantes os primeiros engenhos Rios agraves vezes feios e barrentos mas quasesempre bons e serviccedilais prestando-se ateacute a lavar os pratos das cozinhas dascasas-grandes e as panelas dos mucambos A confianccedila dos homens nessesrios natildeo se pode dizer que fosse traiacuteda A natildeo ser por alguma seca terriacutevel oupor alguma cheia extraordinaacuteria uma ou outra vez e pelas ldquofebres dasribeirasrdquo ou por doenccedilas trazidas da Aacutefrica pelos escravos numa comovinganccedila contra os seus senhores nem sempre maus

Mas sem que esses inconvenientes chegassem para desprestigiar o

conjunto de vantagens de aacuteguas de ordinaacuterio tatildeo regulares e fieacuteis e agraves vezestatildeo saudaacuteveis que os proacuteprios colonos imitando os iacutendios e os negros edesembaraccedilando-se de preconceitos medievais fizeram do banho de rioquase um rito de Iemanjaacute como agraves margens do Capibaribe na altura dolugar onde se levantou a Igreja de Nossa Senhora da Sauacutede Mais de uma vezviu-se a aacutegua do rio curar os homens das febres e limpaacute-los das feridas

O empobrecimento do solo em tantos trechos do Nordeste por efeito daerosatildeo natildeo se pode atribuir aos rios agrave sua acircnsia de correr para o mar levandoa gordura das terras mas principalmente agrave monocultura Devastando asmatas e utilizando-se do terreno para uma cultura uacutenica a monoculturadeixava que as outras riquezas se dissolvessem na aacutegua se perdessem nosrios

O fato liga-se tambeacutem agrave destruiccedilatildeo das matas pelo fogo e pelo machadoem que tanto se excedeu a monocultura Desapareceu assim aquelavegetaccedilatildeo como que adstringente das margens dos rios que resistia agraves aacuteguastempo de chuva natildeo deixando que elas levassem o tutano das terrasconservando o huacutemus e a seiva do solo As caraibeiras tiveram essa funccedilatildeouacutetil agraves margens de alguns rios Margens que se tornaram umas areias frouxase incapazes de resistecircncia quando esse arvoredo mais vigoroso do interior foidevastado quando as plantas adstringentes foram destruiacutedas para oscanaviais se estenderem imperialmente por toda a parte Ou quando essasplantas de margens dos rios ficaram expostas agraves cabras

Alberto Loumlfgren observou no interior do Nordeste trechos devastadosldquoonde nenhuma aacutegua mais para e as enxurradas cada vez carregam maisterra ateacute a desnudaccedilatildeo completardquo14 Trechos desbastados de suas aacutervores

e ateacute da sua vegetaccedilatildeo mais rasteira perturbados pelo homem da maneiramais terriacutevel

De modo que natildeo passa da mais vazia das retoacutericas culpar os rios doNordeste por essa desnudaccedilatildeo que vem de causas humanas da coivara daqueimada da monocultura Esses rios natildeo tecircm sido ladrotildees de terras feacuterteissenatildeo a mandado ou por imposiccedilatildeo dos homens O grande ldquoladratildeo dasterrasrdquo escreveu Bennett no seu estudo sobre a erosatildeo do solo nos EstadosUnidos eacute o monocultor15 Ele nem sequer esgota a fertilidade dos campos

no interesse de sua lavoura uacutenica mas deixa que essa fertilidade se dissolva

nos rios ateacute se perder no marJaacute procuramos fazer uma vez o elogio dos rios pequenos e destacar a

importacircncia que tiveram na formaccedilatildeo rural do Brasil ndash com o que emtrabalho recente deu-nos a honra de concordar o ilustre geoacutegrafo francecircsprofessor Pierre Monbeig Essa importacircncia onde se acentuou de modo maiscaracteriacutestico foi precisamente na zona da ldquomatardquo do extremo Nordeste enas terras de massapecirc do Recocircncavo ndash as regiotildees mais profundas de cana-de-accediluacutecar com seus rios constantes e equilibrados Rios sanchos-panccedilas semos arrojos quixotescos dos grandes prestando-se portanto agraves tarefas dasedentariedade e da fixaccedilatildeo aos deveres pachorrentos mas de modonenhum vis da antiga rotina agriacutecola

As sesmarias e as datas concedidas por Duarte Coelho e pelos seussucessores seguiram em Pernambuco as vaacuterzeas e as margens dos rios tendoIguaraccedilu Olinda Beberibe Casa-Forte Vaacuterzea como os seus primeirospontos de fixaccedilatildeo e a cultura da cana como a sua base Seguiram os vales doCapibaribe na direccedilatildeo de Paudalho Seguiram os vales do IpojucaAprofundaram-se nas terras argilosas para se estenderem ralas e superficiaispelas terras mais secas do centro donde os rios soacute faziam procurar descerpara a ldquomatardquo e para o mar

Na Paraiacuteba ndash terra de tatildeo bom accediluacutecar ndash a lavoura da cana lembra Joffilyque nasceu no vale do Paraiacuteba para estender-se logo ao Norte e ao Sul ldquoemlinha paralela ao mar nos vales de outros riosrdquo No do Mamanguape No doCamaratu ldquoem que o rio deposita enorme quantidade de lsquopaulrsquo arrastadodesde a Cupaoba espraiando-se como um lago e perdendo quase acorrenteza daiacute para baixordquo16 No do Miriri no do Garamame no do Abiaiacute

Em Alagoas as terras que Cristoacutevatildeo Lins escolheu para as suas lavouras decanas foram as que chamou de Santo Antocircnio dos Quatro Rios onde logo selevantariam uma igreja em louvor de Maria Santiacutessima e sete engenhos deaccediluacutecar17

Mas na vaacuterzea do Capibaribe eacute que primeiro se consolidou a cultura dacana no Nordeste ndash a lavoura que daria relevo tatildeo grande agrave capitania deDuarte Coelho Pouco depois do meado do seacuteculo XVI jaacute se falava na ldquogenteda vaacuterzea do Capibariberdquo como de um verdadeiro nervo da populaccedilatildeocolonial e foi ndash pode-se dizer ndash onde criou raiacutezes a primeira aristocracia

brasileira de senhores de engenho que tambeacutem precisou da vaacuterzea de umrio e da fartura de aacutegua doce para desenvolver-se dentro da sedentariedadee da endogamia

Foi essa vaacuterzea na paisagem social brasileira a primeira a povoar-se natildeode casas-grandes esporaacutedicas e soacutes mas de um verdadeiro conjunto delasligadas pela aacutegua do rio e pelo sangue dos colonos atraveacutes dos casamentosque se extremariam depois ndash aqui como no Cabo de Santo Agostinho navaacuterzea do Ipojuca na do Una no Recocircncavo da Bahia no vale do Paraiacutebaem Santo Antocircnio dos Quatro Rios ndash na mais completa endogamia ndash osprimos se casando com as primas as sobrinhas com os tios Para essaendogamia intensa dos brancos e quase-brancos das casas-grandes damesma vaacuterzea de que resultou um tipo fiacutesico tatildeo caracteriacutestico dearistocrata de engenho de que resultaram tipos de famiacutelia no Nordeste tatildeodefinidos nos seus traccedilos nos seus viacutecios no seu modo de falar ndash PaesBarrettos Cavalcantis Wanderleys Souza Leotildees ndash concorreupoderosamente a aacutegua dos rios pequenos fazendo de vaacuterias famiacutelias uma soacutee de vaacuterios engenhos um sistema social e agraves vezes econocircmico Verdadeirosclatildes se desenvolveram agraves vezes agrave margem dos rios pequenos dominados pelovelho de uma casa-grande maior mais dona do rio da aacutegua e da vaacuterzea queas outras

Em 1577 a vaacuterzea do Capibaribe jaacute tem o engenho de Satildeo Pantaleatildeo doMonteiro em 1593 tem tambeacutem o Apipucos em 1598 o Satildeo Timoacuteteo doJiquiaacute Engenhos grandes donde sairiam engenhos menores dotes a filhos anetos a sobrinhos Engenhos favorecidos por tudo boas manchas de terraboas aacuteguas boas matas o mar perto Olinda perto os iacutendios longe

Agrave sombra das mesmas condiccedilotildees favoraacuteveis foram se levantando outrosengenhos na vaacuterzea do Capibaribe o Satildeo Joatildeo o Santo Antocircnio o SatildeoFrancisco o Madalena o Santos Cosme e Damiatildeo Vaacuterios outros Quase todoscom nomes de santos dos santos mais queridos da devoccedilatildeo portuguesa Masalguns jaacute com nomes indiacutegenas de rio ou de riacho Apipucos Com nome demulher Madalena Outros com o apelido do dono Curado Desses vaacuteriostipos de denominaccedilatildeo de engenhos do primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo daNova Lusitacircnia quase natildeo se afastariam os dos seacuteculos seguintes Algunsentretanto tomariam nomes africanos Maccedilangana Outros nomes de

madeiras e de frutas da terra Pau-de-Sangue Melancia Cajueiro-de-BaixoJenipapo Ou entatildeo verdadeiras frases ou exclamaccedilotildees ldquoValha-me DeusrdquoldquoCaacute me vourdquo ldquoCaacute me vouzinhordquo

Eacute de interesse salientar alguns dos numerosos nomes antigos deengenhos da regiatildeo que conservaram sugestotildees da aacutegua Lagoa dos Ramosde Baixo Ribeiro da Pedra Poccedilo Comprido Vertente de Cima VertenteGrande Alagoa do Meio Aacutegua Azul Ribeiro Grande Trecircs Poccedilos AacuteguaVerdeOlho drsquoAacutegua do Tapuia Dois Rios Trecircs Lagoas Cachoeira de Cima Vaacuterzeado Una Poccedilo Sagrado Cachoeirinha Cacimbas Aacutegua CompridaRedemoinho Riachatildeo Aacutegua Fria Aacutegua Clara Serra drsquoAacutegua Pedra drsquoAacuteguaRiacho do Padre Aacuteguas Belas

Sente-se nesses nomes de engenhos antigos o quase culto e certamente apoetizaccedilatildeo da aacutegua pela gente dos canaviais e das vaacuterzeas A aacutegua foielemento nobre na velha paisagem de engenho do Nordeste onde a usinadegradaria principalmente os rios O engenho honrou a aacutegua natildeo se limitoua servir-se dela

As boas casas-grandes do interior como os bons sobrados da Madalena eda Rua da Aurora no Recife e ateacute os conventos como o de franciscanos emSerinhaeacutem foram edifiacutecios levantados com a frente para o rio com a facepara a aacutegua as melhores escadas das casas descendo ateacute agraves canoas e aosbotes Canoas e botes agraves vezes com cachorros dragotildees e leotildees esculpidos namadeira das proas Dentro deles as iaiaacutes passeavam de chapeacuteu de sol abertoos ioiocircs tambeacutem Iam de canoa fazer visitas O rio era honrado Preferia-se asua aacutegua aos caminhos cheios de poeira e de lama por onde nos temposmais antigos os carros de boi se arrastavam aos solavancos de um engenho aoutro e no seacuteculo XIX os cabrioleacutes pulavam as molas rangendo de raiva e decansaccedilo no fim da primeira leacutegua

De tal modo se desenvolveu o complexo do rio entre a gente mais ilustredo Nordeste que se tornou chic tirar o retrato nas fotografias francesasdentro de botes ou de canoas as sinhazinhas empunhando remos osmeninos fingindo remar Os aacutelbuns de famiacutelia em Pernambuco na Bahia emAlagoas estatildeo cheios de velhas fotografias em que iaiaacutes ou sinhozinhosaparecem dentro de botes afidalgados

O banho de rio quando natildeo era um rito como os dos ldquoromeiros da sauacutederdquo

no Poccedilo da Panela era uma festa Passava-se a festa ndash o Natal o ano-bom oDia de Reis ndash junto dos rios O rio recebia entatildeo muito corpo paacutelido de sinhaacutedengosa moccedilas quase tuberculosas de tanto viverem dentro das camarinhasNo rio elas se libertavam do escuro e do abafado dos seus quartos de doenteficavam umas verdadeiras meninas gritando e nadando nuas O rio recebia ocorpo dessas moccedilas finas e natildeo apenas o dos moleques da bagaceiralimpando-se do suor e do sujo do trabalho ou o dos negros dando banho noscavalos Em 1855 o meacutedico Carolino Francisco de Lima Camposrecomendava nos seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo os banhos de rio escrevendoque ldquopara o asseio do corpordquo os ldquobanhos frescos de riordquo com sabatildeo ldquoaleacutem depreencherem o fim relativo agrave limpezardquo concorriam para ldquofortificar ostecidosrdquo

Tollenare nos comeccedilos do seacuteculo XIX viu no Capibaribe ldquofamiacuteliasinteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia abrigadas do solsob pequenos telheiros de folhas de palmeira cada casa tem o seu perto doqual haacute um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despirrdquo O francecircssurpreendeu nesses banhos ldquoa matildee amamentando o filho a avoacutemergulhando ao lado dos netos e as moccedilas da casa traquinando no meio dosseus negros lanccedilarem-se com presteza e atravessarem o rio a nadordquo Algumasdessas moccedilas ele chegou a ver nuas as naacutedegas todas de fora verdadeirasldquonaacuteiades sem veacuteurdquo

Mas natildeo se limita a essa nota de volutuosidade o depoimento deTollenare sobre as margens do rio pernambucano O francecircs escreveu queera raro encontrar margens mais risonhas que as do Capibaribe A aacutegua eratatildeo clara que se enxergava o fundo de areia pura ldquoque toma um coloridoverde-esmeralda escuro do reflexo da folhagem em meio da qual vecirc-seesvoaccedilar o cacique de ninho suspenso o cardeal vestido de escarlate e milpaacutessaros adornados de brilhante plumagemrdquo Em redor da canoa em que elesubiu o rio ateacute o paccedilo viam-se de vez em quando ldquocardumes de pequenospeixesrdquo Arrastando-se pelas margens ldquomiriacuteades de caranguejosrdquo e ldquoagraveentrada de suas tocas pelos lugares mais elevados tatus e cutiasrdquo18 Soacute natildeo

chegou a ver jacareacutes nem os enormes sapos-cururus tatildeo temidos pelosmeninos e muito utilizados no catimboacute da regiatildeo

No interior eacute que Tollenare observou nem sempre se tirar todo o partido

dos rios para o transporte do accediluacutecar dos engenhos para o litoral O rio quepassava junto ao engenho Salgado por exemplo regava os canaviais deoutros vinte engenhos sendo navegaacutevel por embarcaccedilotildees de ldquomais de 150toneladasrdquo Mas natildeo era aproveitado para o transporte do accediluacutecar Nem doaccediluacutecar nem dos negros e moleques que Bento Joseacute da Costa importava daAacutefrica para os seus canaviais19 E tudo por uma crenccedila sem fundamento a

de que os holandeses haviam metido a pique trecircs navios entre a ponta deNazareacute e os recifes tornando impraticaacutevel a passagem O rio desaproveitadopor incuacuteria dos senhores de engenho

Desaproveitado mas de modo nenhum degradado O grande prazer emSalgado como perto do Recife agraves margens do Capibaribe e do Beberibe era obanho de rio Dois trecircs por dia

Beberibe Tambiaacute Caxangaacute tornaram-se pontos de banhos de rio alegresBanhos de estudantes com atrizes com pastoras com mestras econtramestras de pastoral que iam para o rio de madrugada Banhos demanhatilde cedo com cachaccedila e caju antes do primeiro mergulho na aacutegua friaBanhos de moleques cuja nudez escandalizava as iaiaacutes mais recatadas dossobrados

Os rapazes mais romacircnticos estudantes de Direito no Recife estesfizeram das aacuteguas do Capibaribe e do Beberibe as aacuteguas de suas confidecircnciasde amor Muito estudante apaixonado recitou versos agrave namorada vista delonge ou simplesmente adivinhada por traacutes de alguma varanda de sobradoou de alguma janela acesa da Rua da Aurora de Ponte drsquoUchoa daMadalena varanda de sobrado de azulejo janela de casaratildeo ou de chaleacuteentre mangueiras e jaqueiras E o estudante paacutelido de fraque preto decolarinho duro de botinas de verniz descendo o rio de bote agraves vezescantando para o lado da casa jaacute no escuro da moccedila burguesa

ldquoDesperta abre a janela Stelardquo

ou

ldquoOh Maria oh Mariaquantas noites por ti sem dormir

Oh Maria oh Mariaem teus braccedilos eu quero cairrdquo

Isto jaacute no fim do seacuteculo XIX ou nos princiacutepios do XX Os mais antigoshaviam cantado outras cantigas Minha Nise adorada por exemplo OuChiquita

Agraves vezes se raptavam moccedilas de bote Nise ou Chiquita ou Stela acordavae se entregava ao rapaz de fraque Maria abria-lhe os braccedilos e agraves vezes aspernas morenas Assaltavam-se casas de bote Ladrotildees assassinos don-juans parece que o proacuteprio Cabeleira o grande bandido dos canaviaisvinham ao Recife dentro de botes de canoas jangadas nas noites de escuroO bote ou a canoa era por sua vez um objeto muito apetecido pelos ladrotildeesos jornais do seacuteculo XIX estatildeo cheios de notiacutecias de botes e canoas roubadas

Famiacutelias inteiras faziam em botes as suas mudanccedilas de jacarandaacutes deum sobrado para outro E quando veio a campanha da Aboliccedilatildeo o Capibaribendash em cujas margens penaram tantos moleques tristes escravos de senzalasde senhores nem sempre bons ndash tornou-se um rio libertador Pelas suasaacuteguas desceram negros fugidos escondidos em cargas de madeira de capime de cana nas barcaccedilas que vinham dos engenhos para o mar

Era em canoas que se trazia aacutegua agraves cidades Em canoas que se vendiaaacutegua pelo cais Canoas expostas ao sol ou sujas de lodo que em 1837 o DrJoseacute Eustaacutequio Gomes jaacute denunciava como uma das causas da insalubridadedo Recife em parecer sobre as erisipelas na cidade Parecer que escreveu apedido da Cacircmara Municipal20

A barcaccedila a canoa e ateacute a jangada estiveram por muito tempo ligadas agravecana ao accediluacutecar e ao negro de engenho Tanto quanto o carro de boi Aindahoje natildeo se quebrou de todo a ligaccedilatildeo dos tempos de engenho de aacutegua Fazpoucos dias vimos reunidos em praia do norte de Alagoas como noNordeste de 1700 a jangada o negro e o carro de boi A barcaccedila quase noseco da praia e entre ela e um carro de boi uma jangada fazendo de pontede embarque Os cabras quase nus carregando accediluacutecar 1700 puro

Os engenhos antigos do Nordeste viviam muito do mar e dos rios dospeixes dos caranguejos dos pitus dos camarotildees dos siris que a dona dacasa mandava os moleques apanhar pelos mangues pela aacutegua pelos

arrecifes Esses pescadores a serviccedilo da casa patriarcal tornaram-sejangadeiros iguais aos caboclos tatildeo peritos quanto eles no traquejo dasjangadas das canoas e da rede de tucum na caccedila aos jacareacutes agraves emas e aosveados das margens dos rios Deram mesmo uma teacutecnica mais doce aomanejo da canoa impelida tatildeo sem gosto pelos caboclos nas matildeos do preto oremo e a vara da jangada e de canoa tornaram-se instrumentos quase degozo agraves vezes ateacute de certa deliacutecia masoquista Durval Vieira de Aguiar emviagens pelo interior do norte da Bahia e pelo Recocircncavo nos uacuteltimos anosda monarquia encontrou barcas de rio conduzidas por vareiros apenasvestidos de tanga ou saiote de zuarte um gorro da mesma fazenda nacabeccedila homens de ldquoum perfeito aspecto africanordquo ldquoMunidos de grandesvaras ferradas na ponta encostavam a outra extremidade ao caloso peitosem nenhum amparo deixando muitas vezes com o esforccedilo escorrer osangue por garbordquo21

O negro remava cantando e dentro de um ritmo ndash do mesmo modo quecantando e dentro de um ritmo carregava pelas ruas os sacos de accediluacutecar ospianos de iaiaacute os jacarandaacutes de ioiocirc Alguns estrangeiros falam encantadosda precisatildeo de movimentos desses negros de canoas que Henderson viumais de uma vez descendo o Capibaribe

O negro que a princiacutepio soacute trabalhou no ldquoverde-mar dos canaviaisrdquodepois tornou-se tambeacutem operaacuterio do outro mar ndash o verdadeiro e cheio demal-assombrado das costas do Nordeste Canoeiro Jangadeiro VareiroCuringa de barcaccedila Natildeo nos parece exata a generalizaccedilatildeo de que ldquoo marainda eacute do caboclordquo Nem o mar nem os rios nem a jangada nem a canoanem o saveiro nem a barcaccedila Os anuacutencios de jornal da primeira metade doseacuteculo XIX jaacute vecircm cheios de negros canoeiros Uma multidatildeo de negroscanoeiros Era mulato ou curiboca o Francisco Joseacute do Nascimento ojangadeiro cearense que se distinguiu na campanha da Aboliccedilatildeo e ficouconhecido pelo nome de guerra de ldquoDragatildeo do Marrdquo E hoje satildeo multidatildeo osnegros barcaceiros e jangadeiros em Pernambuco na Bahia e em Alagoas

Tivemos haacute pouco ocasiatildeo de nos aproximar um pouco das barcaccedilas defeitio colonial que ainda trazem accediluacutecar e sal madeira e cocos para o RecifeVecircm de Natal de Goiana de Gravataacute de Maceioacute Quase todas satildeo azuis oubrancas ndash o que nos parece refletir certo misticismo meio cristatildeo da nossa

gente do mar semelhante ao das mulheres mais chegadas agrave Igreja quefazem promessa de soacute vestir as filhas de azul e branco em homenagem aNossa Senhora e chegam a considerar o vermelho ndash tatildeo do gosto da gentemenos afetada por escruacutepulos cristatildeos de branco e azul ndash cor para ldquovestidode raparigardquo isto eacute de prostituta

De 115 barcaccedilas que anotamos 63 eram todas azuis ou azuis e amarelassendo azuis e brancas 46 Tecircm entretanto na sua maioria natildeo nomes desantos ndash apenas 9 das 115 ndash mas de mulheres de rios e de engenhos Muitosdos barcaceiros como os jangadeiros acreditam em Iemanjaacute guiam-se pelasestrelas conhecem os ventos de longe fumam maconha para sonhar commulher nua ou moccedila bonita Mas mesmo assim o misticismo que os dominaparece que eacute o cristatildeo E entretanto eacute grande entre eles o nuacutemero de negros

Pode-se afirmar que a maioria da gente que trabalha nessas barcaccedilas doNordeste ndash pelo menos de Alagoas de Pernambuco da Bahia ndash jaacute natildeo eacute decaboclos mas de negros mulatos cafuzos curibocas

Vecirc-se muito jangadeiro nas praias do sul de Pernambuco e do norte deAlagoas morando em mucambos de um estilo meio indiacutegena meio africanoe no meio dessa gente que o complexo africano da maconha dominadescobre-se sem esforccedilo muito negro muito mulato muito curiboca muitocafuzo E natildeo apenas brancos e caboclos

O caboclo natildeo eacute mais dono do mar nem da praia nem da jangada nemda canoa mas soacute do que resta de mato virgem ndash e ali mesmo o negro tem semostrado um competidor poderoso A verdade eacute esta no Nordeste da cana-de-accediluacutecar o caboclo eacute cada vez mais uma alma do outro mundo uma figurade retoacuterica o ldquoespiacuterito do caboclordquo das sessotildees de baixo espiritismo o ldquonoacutes oscaboclos que expulsamos os holandesesrdquo dos discursos ciacutevicos das oraccedilotildeespatrioacuteticas e nada mais Jaacute eacute quase uma curiosidade quase um exotismouma figura inteira ou predominantemente cabocla entre noacutes Jaacute se chamade ldquochinardquo o proacuteprio curiboca mesmo quando eacute bacharel ou doutor Nestasub-regiatildeo do Nordeste o colono europeu e o colono africano fizeram com apaisagem humana o mesmo que o coqueiro que a cana que a mangueiracom a vegetaccedilatildeo dominaram-na a ponto de parecerem agraves vezes mais daterra que certos elementos nativos Que o pau-brasil e que o iacutendio

Os peixes do mar e dos rios do Nordeste satildeo muitos peixes de alto mar

peixes de aacutegua funda peixes das pedras que natildeo sendo os mais saborosossatildeo entretanto os mais bonitos e os mais cheios de cores vivas Os peixes decores vivas satildeo tatildeo bonitos que natildeo se compreende que natildeo sejam tambeacutem osde melhor sabor o aguiuacuteba vermelho o pirauacutena tambeacutem vermelho otucano e o budiatildeo azuis Mas natildeo satildeo E eacute a gente mais pobre que fica comesses peixes mais bonitos para o seu almoccedilo e para a sua ceia com farinha demandioca e molho de pimenta

Muitas vezes temos visto as jangadas chegarem agraves praias cheias de peixesde cor ainda vivos e pulando peixes azuis peixes encarnados peixes roxose cor-de-rosa peixes listrados peixes amarelados com salpicos pretos ldquoSoacutetecircm belezardquo dizem os entendidos

Sucesso eacute o do pescador que traz na sua jangada cavala-perna-de-moccedilacioba carapeba tainha ndash os aristocratas das aacuteguas do Nordeste Sucesso eacute odo negro que no seu balaio carrega as grandes lagostas os lagostins os pitus

Os pitus do rio Una O Una pernambucano tornou-se famoso pelos pitusque os senhores de engenho da vaacuterzea do Una tinham sempre agrave mesa nosdias dos grandes jantares Do mesmo modo o rio Corrente da Bahia ficouceacutelebre pelo dourado ldquomuito gordo e saborosordquo Pitu do rio Una dourado dorio Corrente fritada de caranguejo de siri de camaratildeo de gaiamum deldquounha-de-velhordquo polvo sururu de Maceioacute peixe cozido com piratildeo peixefrito de tabuleiro curimatilde de viveiro de casa-grande peixe de coco peixe demoqueca ndash tudo isso ligou de uma maneira muito iacutentima a aacutegua o mar o rioagrave mesa e agrave vida da gente do Nordeste A aacutegua ficou uma amiga das casas dolitoral e da ldquomatardquo Das casas ricas e dos mucambos tantos deles levantadosbem junto da aacutegua

A aacutegua parece ainda ter agido sobre a paisagem do Nordeste nestesentido esteacutetico no de propagar por todo o litoral da regiatildeo o coqueiro-da-iacutendia segundo as melhores evidecircncias importado pelos colonos portuguesesA grande propagaccedilatildeo do coqueiro se teria feito pelas mareacutes e pelas correntesmariacutetimas da costa conduzindo as sementes e depondo-as nas areias dapraia

Nem sempre tecircm sido idiacutelicas as relaccedilotildees entre a gente e a aacutegua destasub-regiatildeo do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homema aacutegua natildeo falta nunca (porque os rios verdadeiramente da ldquomatardquo nunca

secam de todo nem os olhos-drsquoaacutegua ficam estorricados) mas onde agraves vezestransborda desadorada e terriacutevel As grandes cheias deixam sem mucambocentenas de gente pobre Agraves vezes se afoitam ateacute pelas casas-grandes JoseacuteLins do Rego jaacute nos contou em paacutegina extraordinaacuteria ndash uma das mais fortesque jaacute se escreveram em nossa liacutengua ndash o que satildeo essas cheias nos engenhosdo Nordeste A aacutegua de repente se torna o maior inimigo do homem dosbichos das plantas

O colonizador africano do Nordeste se aqui se ligou agrave aacutegua da maneiramais iacutentima e mais uacutetil foi tambeacutem ao que parece um seu contaminadorTrouxe ndash pensam alguns pesquisadores ndash para alguns rios de engenho osvermes causadores da doenccedila de Manson-Pirajaacute da Silva ou esquistossomosemansoni Tornou o banho de rio em certos trechos da regiatildeo uma aventuraum risco do indiviacuteduo se expor agraves larvas de um verme que lhe atravessabrincando a pele e as mucosas para ir roer-lhe o fiacutegado os intestinos osproacuteprios pulmotildees

Na Ameacuterica a predominacircncia do mal eacute nas aacutereas de accediluacutecar que atraiacuterammaior colonizaccedilatildeo negra nas Antilhas no Peru na Venezuela na Colocircmbianas Guianas E no Brasil ldquotoda a faixa litoracircnea do Brasil desde o Paraacute ao sulda Bahiardquo O Nordeste da cana-de-accediluacutecar e as suas margens do Paraacute ao sulda Bahia Na Bahia o mal africano foi estudado por um mestre notaacutevel ndashPirajaacute da Silva ndash que completou as observaccedilotildees de Manson Em Pernambucovecircm estudando-o os colaboradores e continuadores do professor AgeuMagalhatildees e uacuteltima e notadamente o meacutedico Luiacutes Tavares sua geografiadeterminaram-na o professor Meira Lins e o Dr Fernando Wanderley Estesverificaram procederem os seus doentes de rios de engenho o Capibaribe oGoiana o Una o Jaboatatildeo o Ipojuca22

Mas o que haacute hoje de patoloacutegico nas relaccedilotildees do homem com a aacutegua doNordeste dos canaviais natildeo se limita a essa contaminaccedilatildeo dos rios ao queparece pelos negros Resulta em grande parte do desprezo do homempoderoso da regiatildeo pela aacutegua do rio

O monocultor rico do Nordeste fez da aacutegua dos rios um mictoacuterio Ummictoacuterio das caldas fedorentas de suas usinas E as caldas fedorentas matamos peixes Envenenam as pescadas Emporcalham as margens A calda que asusinas de accediluacutecar lanccedilam todas as safras nas aacuteguas dos rios sacrifica cada fim

de ano parte consideraacutevel da produccedilatildeo de peixes no NordesteNa semana do Natal de 1936 o rio Goiana em Pernambuco recebeu

tanta calda que a quantidade de peixe podre foi enorme Parecia uma pragado Velho Testamento Os peixes mais finos fedendo de podres ao lado dosmais plebeus23 O cheiro de peixe podre misturando-se ao de fruta podre

das margens sujas dos riosQuase natildeo haacute um rio do Nordeste do canavial que alguma usina de

ricaccedilo natildeo tenha degradado em mictoacuterio As casas jaacute natildeo datildeo a frente para aaacutegua dos rios datildeo-lhes as costas com nojo Datildeo-lhe o traseiro com desdeacutemAs moccedilas e os meninos jaacute natildeo tomam banho de rio soacute banho de mar Soacute osmoleques e os cavalos se lavam hoje na aacutegua suja dos rios

O rio natildeo eacute mais respeitado pelos fabricantes de accediluacutecar que outrora seserviam dele ateacute para lavar a louccedila da casa mas natildeo o humilhavam nuncaantes o honravam sempre Admitiam-no agrave sua maior intimidade Contavam-lhe suas maacutegoas de namorados e as suas saudades de velhos Faziam daspontes e dos cais seus recantos preferidos de conversa noite de lua noRecife

Esses rios secaram na paisagem social do Nordeste da cana-de-accediluacutecarEm lugar deles correm uns rios sujos sem dignidade nenhuma dos quais osdonos das usinas fazem o que querem E esses rios assim prostituiacutedos quandoum dia se revoltam eacute a esmo e agrave toa engolindo os mucambos dos pobres queainda moram pelas suas margens e ainda tomam banho nas suas aacuteguasamarelentas ou pardas como se o mundo inteiro mijasse ou defecasse nelas

Soacute o mal-assombrado povoa ainda de sombras romacircnticas as aacuteguasimundas dos rios do Nordeste prostituiacutedos pelo accediluacutecar Mal-assombrado deestudante assassinado que o cadaacutever aparece boiando por cima das aacuteguasainda de fraque e flor na botoeira Mal-assombrado de menino louro afogadoque o siri natildeo roeu e o anjinho aparece inteiro Mal-assombrado de moccedilamorena que se atirou no rio doida de paixatildeo e os seus cabelos se tornaramverdes como o das iaras Pouca gente acredita que o passado dos rios doNordeste tenha sido tatildeo bonito e tatildeo ligado agrave nossa vida sentimental Mas foi

A aacutegua nobre eacute hoje a do mar ndash esse mar nuns lugares tatildeo azul e noutrostatildeo verde que banha as areias do Nordeste Iemanjaacute mesma jaacute natildeo eacute adoradapelos pretos de Xangocirc na aacutegua dos rios mas principalmente na aacutegua do mar

E entretanto faz pouco mais de um seacuteculo que essas praias ilustres natildeo eramsenatildeo imundiacutecie Faz pouco mais de um seacuteculo que nelas soacute se fazia atirar olixo e o excremento das casas se enterrar negro pagatildeo se deixar bichomorto se abandonar esteira de bexiguento ou lenccedilol de doente da peste

11 O Engenho Nossa Senhora de Ajuda que depois se chamou Forno da Cal12 rdquoEm carta de 22 de marccedilo de 1548 dirigida ao rei comunica o donataacuterioque o almoxarife Vasco Fernandes de Lucena queria levantar um engenhoem suas terras que lhe dava para cujas despesas pedia licenccedila para explorare exportar algum pau-brasil para Portugal o que certamente obteve em facedos favoraacuteveis conceitos com que o donataacuterio se expressardquo (Pereira daCosta Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em PernambucoRecife 1905)

Lembra um estudioso estrangeiro das origens brasileiras ndash Otto

Schmieder no seu ldquoThe brazilian culture hearthrdquo publicado no vol 3 no 3de University of California publications in geography (agosto1929) ndash quea superioridade das terras de cana do Nordeste no seacuteculo XVI sobre asterras de Cabo Verde Canaacuteria Valecircncia e Iacutendia estava principalmente nofato de natildeo necessitarem como essas terras exploradas jaacute haacute tempo deirrigaccedilatildeo e adubo Era tatildeo raacutepida a prosperidade de alguns plantadores decana que a ldquoa yearrsquos crop sold for more than the price of the wholefazendardquo lembra o mesmo pesquisador para quem ldquothe type of tropicalplantation work which they [os portugueses] introduced develop from thebeginning a particular social structurerdquo Desta estrutura caracterizada poruma ldquoaristocracia colonialrdquo procuramos traccedilar o perfil em relaccedilatildeo com omeio do Nordeste em pequenos ensaios que datam de 1925 anterioresportanto ao estudo de Schmieder que alguns apresentam como pioneiro noassunto

Estamos informados de que ilustre historiadora paulista a professoraAlice Canabrava prepara interessante e minucioso ensaio em que desenvolve

a tese apresentada agrave Universidade de Satildeo Paulo e publicada no Boletim no 5da cadeira de Histoacuteria da Civilizaccedilatildeo Brasileira da referida Universidadesobre a histoacuteria da induacutestria do accediluacutecar no Brasil especialmente no Nordestecomparada com a histoacuteria da mesma induacutestria noutras aacutereas da Ameacutericaespecialmente nas Antilhas inglesas e francesas Assunto por noacutesconsiderado haacute anos como de maacuteximo interesse para a interpretaccedilatildeo do

passado brasileiro dados os contatos e as interpenetraccedilotildees de influecircncia ndashpor meio do judeu e do negro principalmente ndash entre algumas pelo menosdessas aacutereas Veja-se o que a respeito sugerimos desde 1937 em uma denossas Conferecircncias na Europa (Rio de Janeiro 1938) justamente a escritapara ser lida na Universidade de Londres Tais conferecircncias posteriormenteaparecem em nova ediccedilatildeo e com caraacuteter de pequenos ensaios em O mundoque o portuguecircs criou (Rio de Janeiro 1940)

Ainda sobre o assunto leia-se o sugestivo ensaio do professor Alfredo Ellis

Juacutenior ldquoO ouro e a paulistacircniardquo no 8 da Histoacuteria da civilizaccedilatildeo brasileira(Satildeo Paulo1948) Especialmente o capiacutetulo V intitulado ldquoDecliacutenio do accediluacutecarnordestinordquo No capiacutetulo XX concorda conosco o mesmo historiador em quea primeira grande expressatildeo de civilizaccedilatildeo brasileira ndash a baseada no accediluacutecar ndashfoi particular ao Nordeste isto eacute ao Brasil agraacuterio que se estendia doRecocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo13 Pereira da Costa loc cit Sobre a importacircncia poliacutetica dos engenhos doNordeste como centro da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo no Brasil veja-seo ensaio do socioacutelogo paulista professor Fernando de Azevedo Canaviais eengenhos na vida poliacutetica do Brasil Rio de Janeiro 1948

Vejam-se tambeacutem o estudo de Olavo Batista Filho ldquoAspectos daeconomia accedilucareira no nordeste no seacuteculo XVIrdquo Revista do ArquivoMunicipal Satildeo Paulo 1939 e A P Canabrava ldquoA Influecircncia do Brasil nateacutecnica do fabrico do accediluacutecar nas Antilhas francesas e inglesas no meado doseacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas eAdministrativas Satildeo Paulo 1946-194714 Alberto Loumlfgren Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo donordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1912Veja-se tambeacutem sobre o assunto o estudo do agrocircnomo professor VasconcelosSobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e a civilizaccedilatildeo Riode Janeiro-Satildeo Paulo 1949 especialmente o toacutepico ldquoA raacutepida intoxicaccedilatildeodos solos tropicaisrdquo

Aleacutem dos estudos do professor Vasconcelos Sobrinho sobre a ecologia doNordeste vejam-se os ensaios de outro agrocircnomo preocupado com osaspectos sociais dos problemas de agronomia regional o Sr Pimentel GomesContribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do nordeste brasileiro(Joatildeo Pessoa 1936) e Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina (Riode Janeiro 1914) Os ensaios dos professores Angione Costa Migraccedilatildeo ecultura indiacutegena (Satildeo Paulo 1939) e Estecircvatildeo Pinto Os indiacutegenas donordeste (Satildeo Paulo 1935) ndash satildeo igualmente contribuiccedilotildees ndash estas de caraacuteter

etnograacutefico ndash ao estudo da ecologia nordestina15 H H Bennett ldquoSoil erosion a national menacerdquo US Department of

Agriculture Circular no 33 1928 Sobre o assunto veja-se tambeacutem ldquoTheincreased cost of soil erosionrdquo pelo mesmo autor em The annals of theamerican academy of political and social science CXLII Tambeacutem WWAshe ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in thesoutheast Engineering world XXIII E ainda o excelente Soil exhaustion asa factor in the agricultural history of Virginia and Maryland (1926) porA O CravenVeja-se tambeacutem o estudo citado do professor Vasconcelos Sobrinhoespecialmente o capiacutetulo ldquoOs riosrdquo

Concordando com a nossa sugestatildeo de que os rios pequenos masregulares foram colaboradores valiosos do colono agraacuterio do Nordeste opesquisador sergipano Felte Bezerra no seu recente estudo Etniassergipanas (Aracaju 1950) salienta o exemplo da sub-regiatildeo sergipana ldquoPorisso em Sergipe criaram-se agraves suas margens as zonas accedilucareiras porexcelecircncia do Japaratuba da Cotinguiba (bacia do rio Sergipe) do Vaza-Barris do Piauiacuterdquo16 I Joffily Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 189217 Pedro P da Fonseca ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas ndash Apontamentos histoacutericosbiograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscrito

Sobre o assunto veja-se tambeacutem o recente e substancioso ensaio dopesquisador alagoano Manoel Diegues Juacutenior O banguecirc nas Alagoas Riode Janeiro 1949 com o qual eacute interessante contrastar o estudo socioloacutegicodo Nordeste aacuterido ultimamente publicado pelo pesquisador paraibano Lopesde Andrade Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro 1948Dentre os trabalhos mais seacuterios aparecidos nos uacuteltimos anos sobre a chamadaldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo que teve sua aacuterea de maior vitalidade social e natildeoapenas econocircmica ou poliacutetica no extremo Nordeste ndash de Sergipe aoMaranhatildeo ndash e no Recocircncavo da Bahia destaca-se o ensaio do historiadorbaiano Wanderley de Pinho Histoacuteria de um engenho do recocircncavo (Rio deJaneiro 1947) Ainda sobre o assunto vecircm aparecendo nos uacuteltimos anosnumerosos estudos e valioso documentaacuterio publicados pelo Instituto doAccediluacutecar e do Aacutelcool (Rio de Janeiro) Sabemos que estaacute em elaboraccedilatildeointeressante histoacuteria da Sociedade Auxiliadora da Agricultura do Recifetarefa de que a tradicional sociedade tatildeo ligada ao passado econocircmico doNordeste agraacuterio incumbiu o historiador Joseacute Antocircnio Gonsalves de Meloneto Sobre Olinda e sua irradiaccedilatildeo na vida e na cultura do Nordeste atraveacutes

do Seminaacuterio prepara tambeacutem um ensaio Padres de Olinda o jovempesquisador Haroldo Carneiro Leatildeo trabalho que seraacute para o velhoSeminaacuterio o que para a Faculdade de Direito do Recife eacute o estudo doprofessor Odilon Nestor Sobre atividades norte-americanas no Nordesteespecialmente durante o seacuteculo XIX colhe material outro pesquisador o SrDiogo de Melo Menezes que a respeito do assunto jaacute publicou nota preacutevia naRevista do Brasil (Rio de Janeiro) e a quem se deve a coordenaccedilatildeo de notaspara Memoacuterias de um Cavalcanti publicadas com introduccedilatildeo nossa18 ldquoNotas dominicais tomadas durante uma viagem em Portugal e no Brasilem 1816 1817 e 1818 por L F de Tollenarerdquo (parte relativa a Pernambucotraduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredo de Carvalho) Revista

do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico Pernambucano nos 61-621904Sobre o rio Capibaribe prepara interessante ensaio o historiador Joseacute

Antocircnio Gonsalves de Melo netoDos rios de Alagoas do ponto de vista da economia agraacuterio-patriarcal

ocupa-se no seu recente e jaacute citado estudo sobre O banguecirc nas AlagoasManoel Diegues Juacutenior Do assunto jaacute se ocupara pioneiramente o SrOctavio Brandatildeo em interessante trabalho de mocidade de que acaba deaparecer nova ediccedilatildeo sobre as lagoas e os canais de Alagoas Vejam-setambeacutem sobre o assunto o ensaio de Aydano do Couto Ferraz ldquoTraccedilos dainfluecircncia da aacutegua na paisagem social do nordeste e do recocircncavordquo Revistado Arquivo Municipal vol 60 Satildeo Paulo 1940 e a do professor Josueacute deCastro Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de Janeiro 194819 Livro de assentos de Bento Joseacute da Costa manuscrito do arquivoparticular do engenho Salgado20 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambuco

Sobre a pesca no Nordeste estamos informados que prepara interessanteensaio o pesquisador rio-grandense-do-norte Osvaldo Lamartine que emtorno do assunto jaacute publicou sugestiva nota preacutevia ilustrada na revistaNordeste (Recife) publicaccedilatildeo dirigida pelos Srs Aderbal Jurema eEsmaragdo Marroquim e dedicada principalmente a assuntos regionais Coma mesma orientaccedilatildeo vecircm aparecendo nos uacuteltimos anos vaacuterias revistasinclusive Regiatildeo (Recife) dirigida pelos Srs Edson Reacutegis e Laurecircncio Lima eem Natal Bando inspirada nas tendecircncias regionalistas do historiador efolclorista Luiacutes da Cacircmara Cascudo Nessas revistas nas publicaccedilotildees doDepartamento de Cultura da Prefeitura do Recife da Prefeitura deSalvador e da Prefeitura de Goiana e em livros vecircm ultimamente

aparecendo estudos de folcloristas ecologistas nutroacutelogos higienistas ehistoriadores voltados para o estudo do folclore e da histoacuteria da pesca davegetaccedilatildeo da populaccedilatildeo e de outros assuntos regionais Maacuterio Sette haacutepouco falecido Lauro Borba Castro Barreto Aniacutebal Fernandes J ATrindade Getuacutelio Ceacutesar Osvaldo Gonsalves Lima Nelson Chaves RuiCoutinho Oliacutempio Costa Astolfo Serra Ceacutesio Regueira Costa Joseacute Maria deMelo Josueacute de Castro Ascenso Ferreira Sousa Barros Valdemar de OliveiraVeriacutessimo de Melo Aderbal Jurema Osvaldo Lamartine Pimentel GomesAdemar Vidal Reneacute Ribeiro Maacuterio Melo Oliacutevio Montenegro Amaro QuintasEstecircvatildeo Pinto Maacuterio Lacerda Vasconcelos Sobrinho Cavalcanti Proenccedila

Sabemos que deveratildeo ser publicados breve trabalhos reunidos pelo 1o

Congresso de Regionalismo no Brasil (Nordeste) iniciativa que coincidiu com

a publicaccedilatildeo em 1925 do Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco e marcou o iniacutecio de verdadeiromovimento de estudo objetivo e valorizaccedilatildeo de assuntos de regiatildeo e deproviacutencia do nosso paiacutes21 Durval Vieira de Aguiar Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898 Sobre jangadas e barcaccedilas de mar do Nordeste veja-se nosso

Olinda 2o guia histoacuterico praacutetico e sentimental de cidade brasileira 3a

ed Rio de Janeiro 196022 Meira Lins e Fernando Wanderley ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo Anual Sociedadede Medicina de Pernambuco setembro 1934 Vejam-se tambeacutem os estudosde A Bezerra Coutinho ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do Recife

no 1 1934 e Lauro M Gama ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina

Acadecircmica no 6 1936 Recife Luiacutes Tavares Estudo meacutedico-ciruacutergico daesquistossomose de Manson Recife 1945 J Rodrigues da Silva ldquoEstudocliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede

Puacuteblica tomo III no 1 Rio de Janeiro outubro 194923 No Recife os peixes da regiatildeo se acham oficial ou quase oficialmenteclassificados da seguinte maneira

ndash 1a Classe ndash Camorim Cioba Pescada Serra Guarajuba CarapebaCurimatilde Garoupa Pampo Beiju Pira Arabaiana Serigado Xareacuteu AraciboraBicuda e Tainha

ndash 2a Classe ndash Caranha Carapitanga Pirapitinga Dourado Pargo Araicoacute

e Camaratildeo

ndash 3a Classe ndash Alcabarra Galo Camurupim Agulha Sauna e Mero

ndash 4a Classe ndash Xira Agulhatildeo Espada Caroacute Bagre Budiatildeo

ndash 5a Classe ndash Cangulo Arraia Polvo Caccedilatildeo e outras espeacuteciesindeterminadas

O rei ndash ou a rainha ndash dos peixes regionais eacute considerado em Pernambucoa ldquocavalardquo afrodisiacamente denominada ldquoperna-de-moccedilardquo

Haacute tambeacutem uma classificaccedilatildeo embora sem cunho algum oficioso ouoficial das frutas mais caracteriacutesticas da regiatildeo Das mangas coloca a gente

do Nordeste na 1a classe a de Itamaracaacute a de Itaparica a Jasmim a Rosa

na 2a a Carlota a Espada numerosas outras na 3a as comuns faz doabacaxi-pico-de-rosa (em geral de Goiana e da Paraiacuteba) o rei dos abacaxisdo mesmo modo que o abacaxi eacute considerado o rei das frutas regionaisexalta o caju-banana sobre os demais cajus distingue o cajaacute-manga doscomuns Dos abacates os arredondados satildeo geralmente consideradossuperiores aos comuns com forma de pecircra os verdes superiores aos roxos Omamatildeo-de-caiena eacute considerado superior aos demais Das laranjas pareceque depois das de ldquoumbigordquo da Bahia as superiores satildeo as de Vitoacuteria(Pernambuco) Satildeo famosas as mangabas de Prazeres (Pernambuco) os cajusdo Bessa (Paraiacuteba) as ldquolaranjas-da-bahiardquo de Itapuaacute (Paraiacuteba) os bacuris(Maranhatildeo)

3 ndash A CANA E A MATA

Sabe-se o que era a mata do Nordeste antes da monocultura da canaum arvoredo ldquotanto e tamanho e tatildeo basto e de tantas prumagens que natildeopodia homem dar contardquo

O canavial desvirginou todo esse mato grosso do modo mais cru pelaqueimada A fogo eacute que foram se abrindo no mato virgem os claros por ondese estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador

O canavial hoje tatildeo nosso tatildeo da paisagem desta sub-regiatildeo do Nordesteque um tanto ironicamente se chama ldquoa Zona da Matardquo entrou aqui comoum conquistador em terra inimiga matando as aacutervores secando o matoafugentando e destruindo os animais e ateacute os iacutendios querendo para si toda aforccedila da terra Soacute a cana devia rebentar gorda e triunfante do meio de todaessa ruiacutena de vegetaccedilatildeo virgem e de vida nativa esmagada pelo monocultor

Jaacute os traficantes franceses tinham derrubado muito pau-brasil Osprimeiros portugueses continuaram a derrubar a madeira de tinta com oauxiacutelio dos iacutendios E a apanhar macacos e papagaios a matar animais para ocomeacutercio de peles e de penas

Mas foi com o comeccedilo da exploraccedilatildeo agriacutecola que o arvoredo mais nobree mais grosso da terra foi sendo destruiacutedo natildeo aos poucos mas em grandesmassas a barauacutena o pau-drsquoarco o angelim a sucupira o amarelo o

visgueiro o angico o pau-ferro Madeiras hoje de uma raridade tatildeo grande ndashinforma-nos um estudioso especializado no assunto ndash que sai mais barato aosenhor de engenho comprar nos armazeacutens do Recife madeira do Paraacute queutilizar a dos seus restos da mata

Poucas dessas madeiras foram utilmente aproveitadas para trave decasa-grande roda-drsquoaacutegua de engenho carro de boi Grande parte foi acoivara que simplesmente desmanchou em monturo foram as fornalhas deengenho que engoliram os portugueses que levaram para construir navio eporta de convento em Portugal Agraves vezes esbanjou-se madeira de leifazendo-se cercas enormes dividindo um engenho de outro Luxo deprivatismo Vaidade de senhor de engenho patriarcal

A cana comeccedilou a reinar sozinha sobre leacuteguas e leacuteguas de terrasavermelhadas pela coivara Devastadas pelo fogo

Nunca foi mais violento nos seus comeccedilos o drama da monocultura queno Nordeste do Brasil Nem mais ostensiva a intrusatildeo do homem nomecanismo da natureza

A natureza sabe-se pelos estudos de ecologia do animal ou da plantaque eacute ldquoessencialmente variadardquo O homem rompe o equiliacutebrio que dependedessa variedade quando faz que uma planta uacutenica e no momento valorizadamais do que as outras cresccedila sobre uma regiatildeo inteira Eacute o drama damonocultura

Em estado de variedade tudo se concilia e se compensa Em estado demonocultura absoluta tudo se desequilibra e se perverte na vida de umaregiatildeo A histoacuteria natural ndash como a social ndash do Nordeste da cana nestesquatro seacuteculos eacute uma histoacuteria de desequiliacutebrio em grande parte causadopelo furor da monocultura Suas fomes algumas de suas secas e revoluccedilotildeessatildeo aspectos desse drama

Natildeo que a cana fosse aqui um intruso ou um indesejaacutevel como o coelhofoi na Austraacutelia onde perturbou todo o equiliacutebrio entre a vida animal e a dasplantas como o cambaraacute levado do Brasil para o Ceilatildeo foi na Indochina ena Iacutendia Ao contraacuterio a cana eacute um dos casos de transplantaccedilatildeo mais felizesEncontrou aqui terra oacutetima O drama que se passou e se passa ainda noNordeste natildeo veio do fato da introduccedilatildeo da cana mas do exclusivismo brutalem que por ganacircncia de lucro resvalou o colono portuguecircs estimulado pela

coroa na sua fase jaacute parasitaacuteriaDesse drama um dos aspectos mais crueacuteis foi o da destruiccedilatildeo da mata

importando na destruiccedilatildeo de vida animal e eacute possiacutevel que em alteraccedilotildees declima de temperatura e certamente de regime de aacuteguas Alteraccedilotildeesdesfavoraacuteveis agrave proacutepria cana e ao proacuteprio senhor de engenho Desfavoraacuteveisagrave vida do homem e dos animais da regiatildeo

Aleacutem do que com esse estado de guerra entre o homem e a mata que foiaqui tatildeo franco natildeo puderam desenvolver-se entre os dois aquelas relaccedilotildeesliacutericas aquele sistema meio misterioso de proteccedilatildeo reciacuteproca entre o homeme a natureza aquele amor profundo do homem pela aacutervore pela plantapelo mato pela terra que os socioacutelogos e os economistas estatildeo fartos de nosapontar como caracteriacutestico das sociedades verdadeiramente rurais Dasmais saudaacuteveis pelo menos e natildeo pervertidas pela monocultura furiosa

A monocultura da cana no Nordeste acabou separando o homem daproacutepria aacutegua dos rios separando-os dos proacuteprios animais ndash ldquobichos do matordquodespreziacuteveis ou entatildeo considerados no seu aspecto uacutenico de inimigos dacana que era preciso conservar agrave distacircncia dos engenhos (como os proacutepriosbois que natildeo fossem os de carro) E natildeo falemos aqui da distacircncia socialimensa que a monocultura aprofundou como nenhuma outra forccedila entredois grupos de homens ndash os que trabalham no fabrico do accediluacutecar e os quevivem mal ou volutuosamente dele

Com a destruiccedilatildeo das matas para a cana dominar sozinha sobre o pretoo roxo ou o vermelho dessa terra crua a natureza do Nordeste ndash a vida todandash deixou de ser um todo harmonioso na sua interdependecircncia para sedesenvolverem relaccedilotildees de extrema ou exagerada subordinaccedilatildeo de umaspessoas a outras de umas plantas a outras de uns animais a outros damassa inteira da vegetaccedilatildeo agrave cana imperial e todo-poderosa de toda avariedade de vida humana e animal ao pequeno grupo de homens brancos ndashou oficialmente brancos ndash donos dos canaviais das terras gordas dasmulheres bonitas dos cavalos de raccedila Cavalos de raccedila tantas vezes tratadosmelhor que os trabalhadores da bagaceira

Desenvolveu-se entre noacutes como adiante se salientaraacute neste ensaio umamor todo especial do aristocrata da cana pelo cavalo que lhe completava afigura senhorial E com esse amor um conhecimento minucioso do cavalo

pelo senhor de engenho com prejuiacutezo do seu interesse pelos outros animaissobretudo pelos do mato simples animais de caccedila um ou outro decuriosidade sendo entatildeo conservado em casa nas gaiolas do corredor ou emalguma aacutervore do quintal ndash o saguim o papagaio a arara o galo-de-campinao canaacuterio Mas estes proacuteprios conservados mais para as ldquobrigas de canaacuteriordquotatildeo dos engenhos patriarcais e por conseguinte com um fim todo saacutedico doque por interesse mesmo superficial pela sua cor ou pelo seu canto Ospassarinhos favoritos dos senhores de engenho eram os canaacuterios de briga enatildeo os cantadores ou de cor viva e plumagem bonita

O brasileiro das terras de accediluacutecar quase natildeo sabe os nomes das aacutervoresdas palmeiras das plantas nativas da regiatildeo em que vive ndash fato constatadopor tantos estrangeiros A cana separou-o da mata ateacute esse extremo deignoracircncia vergonhosa Na mata ele vecirc vagamente o peacute de aacutervore e agraves vezesquase desdenhosamente o peacute de pau Quase que soacute o caboclo odescendente de caboclo do iacutendio do nativo ou entatildeo do quilombola emmatas como a de Catucaacute ndash o negro fugido que se fez iacutentimo da natureza daregiatildeo ndash pode nos guiar pelos misteacuterios dos restos de floresta do Nordestedando-nos a conhecer pelo nome ndash o nome indiacutegena em grande nuacutemero decasos ndash cada aacutervore que nos chame a atenccedilatildeo o valor de cada peacute de paupara a medicina caseira para a serraria para os ninhos de aves

Foi certamente com caboclos ou negros curandeiros que se instruiacuteramsobre as raiacutezes ervas plantas do Nordeste aqueles portugueses que noseacuteculo XVIII puderam escrever para a metroacutepole cartas como esta ldquoEm 4de Marccedilo proximo passado tive a honra de remetter a V Exa um mapa dasraizes e hervas de que usam os moradores da comarca das Alagoas nocurativo das suas molestias e com que experimentam saudaveis effeitos asquaes raizes e hervas foram em um caixote e continuando a informar a VExa sobre o mesmo interessante objeto remetto a respeitaacutevel prezenccedila deVExa as raizes hervas cascas e frutos de que usam para o curativo dealgumas molestias feridas chagas ou mordeduras os indios e maishabitantes da capitania da Parahyba do Norte em tres caixotildees que levam asdivizas que as distinguem e o fazem conhecer pelos seus proprios nomesexceto as batatas que soacute reconheceratildeo pelos frutos de casca preta dos quaesvae uma boa porccedilatildeo no caixote numero 1 tudo entregue a Jacyntho

Gonsalves de Oliveira capitatildeo do navio Nossa Senhora Conceiccedilatildeo e S JoseacuteFlor do Mar e inclusa nesta vae um abcedario em que se declaram asapplicaccedilotildees de cada uma das mesmas raizes hervas cascas e frutos sobreos quaes poderaacute V Exa Mandar fazer as provas que julgar necessarias parase conhecer a utilidade que o reino pode tirar das plantas que haacute naquellacapitania Recife 8 de maio de 1788 Martinho de Mello e Castrordquo Carta quese encontra entre os manuscritos da correspondecircncia com a corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco (ano de 1788) conservados naBiblioteca do Estado de Pernambuco

Por ela se vecirc que dos homens portugueses de governo destacados noBrasil alguns preocuparam-se sensatamente com o assunto Mais talvez doque os jaacute brasileiros por vaacuterias geraccedilotildees de casa-grande

Nunca nos esqueceremos do dia em que entramos por uns restos dematas virgens do sul de Pernambuco com o seu dono nosso bom amigoPedro Paranhos senhor de Japaranduba Ele sabia quase tatildeo mal quantonoacutes menino de cidade os nomes das aacutervores da mata grande do seuengenho Entretanto eram suas conhecidas velhas desde o tempo demenino Mas simples conhecidas de vista Foi preciso que o caboclo nos fossedizendo isto eacute um peacute disso isto eacute um peacute daquilo isto daacute um leite que servepara ferida brava isto daacute um chaacute que serve para as febres

Essa distacircncia entre o colono branco e a mata entre o dono de terra e afloresta explica o nosso quase nenhum amor pela aacutervore ou pela planta daregiatildeo quando se trata de arborizar as ruas das cidades do litoral Explica aindiferenccedila com que deixamos que a arborizaccedilatildeo das cidades do Nordeste vaacutese estandardizando no fico benjamim e no eucalipto australiano

Ningueacutem diz que nos devemos fechar agraves novidades e aos brilhos daplanta exoacutetica Da acaacutecia de Honolulu por exemplo ou da vitoacuteria-reacutegia

Haacute muita aacutervore hoje nossa para todos os efeitos que nos veio de fora amangueira a jaqueira a fruta-patildeo Mas soacute pelo fato de natildeo se terdesenvolvido entre noacutes nenhum lirismo entre o homem e a mata se explicaa indiferenccedila tatildeo da gente do litoral do Nordeste pela aacutervore da terraDesprezada desse jeito a aacutervore da terra acabaraacute talvez vencida de todo pelaestranha ou pela simplesmente aclimada aqui nos antigos hortos del-rei Eessa vitoacuteria assim agrave grande com consequecircncias infelizes quase certas do

ponto de vista ecoloacutegicoOs estetas que em diferentes eacutepocas nos tecircm querido impor aos parques

ou agraves ruas numa generalizaccedilatildeo contra toda a harmonia da naturezaregional plantas de fora ndash o fico benjamim o cacto mexicano o eucaliptoaustraliano a acaacutecia de Honolulu ndash devem lembrar-se de uma coisa quenatildeo se brinca em vatildeo ou sem correr algum risco seacuterio com a vida vegetal deuma regiatildeo que esta afetada na sua interdependecircncia de relaccedilotildees porplanta estranha ou por animal intruso que se torne predominante podedesequilibrar-se a ponto de perturbar o proacuteprio homem na sua economia enas suas fontes mais puras de subsistecircncia Eacute liccedilatildeo dos ecologistas e natildeosimples grito de alarme dos socioacutelogos romacircnticos

Com relaccedilatildeo ao eucalipto o professor Konrad Guenther que eacute umfitopatologista notaacutevel jaacute escreveu alarmado com a sua propagaccedilatildeo noproacuteprio Nordeste ldquonesta aacutervore o paacutessaro brasileiro natildeo tem onde serefugiarrdquo24 Parece a lamentaccedilatildeo de um poeta e eacute a advertecircncia de um

cientistaSe o passarinho do Nordeste natildeo pode se refugiar no eucalipto nem

fazer o seu ninho nessa aacutervore magra e godera que suga tanto a terra e daacutetatildeo pouca sombra ao homem e tatildeo pouco abrigo ao animal a suadisseminaccedilatildeo em parques e ateacute em matas inteiras significa um perigo para avida natildeo soacute vegetal como animal e humana da regiatildeo Porque dessas avesque estatildeo sendo sacrificadas pelo triunfo cada vez maior do eucaliptodepende a sauacutede de muita planta uacutetil ao homem e agrave economia da regiatildeoque os paacutessaros defendem como nenhum agrocircnomo das lagartas e dosvermes daninhos O caso do anum ou do alma-de-gato por exemplo cujaaccedilatildeo profilaacutetica dificilmente se pode exagerar

Qual a vantagem do fico A de crescer depressa A do eucalipto A decrescer depressa e a de chupar a aacutegua dos pacircntanos saneando-os eacabando com o mosquito das aacuteguas paradas Mas os naturalistas nos dizemque haacute uma variedade de aacutervores nossas que crescem depressa e se prestammelhor que o fico e que o eucalipto agrave arborizaccedilatildeo das cidades Aacutervorescapazes de dar agraves ruas as melhores sombras do mundo sem arrebentar ascalccediladas com as suas raiacutezes escandalosas e intrusas

E quanto ao fato do eucalipto se prestar tatildeo gulosamente a nos secar os

pacircntanos ecologista nenhum se limita a ver aiacute a vantagem tatildeo exaltadapelos higienistas dos subuacuterbios e pelos burocratas das prefeituras daextinccedilatildeo dos mosquitos nos arrabaldes haacute que enxergar tambeacutemdesvantagens e ateacute perigos para a natureza da regiatildeo no seu todo Dessesaneamento do pacircntano pode resultar na verdade desequiliacutebrio profundosob o ponto de vista ecoloacutegico o eucalipto australiano viria concorrer com assuas raiacutezes tatildeo exageradamente gulosas de aacutegua para diminuir a proacutepriaumidade do nosso solo talvez relacionada com a maior doccedilura do clima

Os que se tecircm ocupado da fitogeografia do Nordeste estatildeo cansados dedestacar a importacircncia da vegetaccedilatildeo como garantia de condiccedilotildees deumidade Mas vegetaccedilatildeo adequada eacute claro e natildeo do tipo do eucaliptoaustraliano quase doentiamente especializado em sorver o melhor suco daterra

A propagaccedilatildeo de aacutervores desse tipo entre noacutes longe de vir resolver oproblema do reflorestamento da regiatildeo viria talvez comprometecirc-la aindamais na sua sauacutede econocircmica jaacute tatildeo maacute e nas suas condiccedilotildees de vida e deequiliacutebrio cada dia mais precaacuterias Pois natildeo nos esqueccedilamos da advertecircnciado agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho em estudo recente a de que as regiotildeesintertropicais como o nordeste do Brasil ldquoestatildeo muito mais sujeitas aodesgaste do solo que as temperadasrdquo25

Essas condiccedilotildees jaacute se acham comprometidas de modo mais profundopela devastaccedilatildeo das matas alarmante no mais industrializado PernambucoA ldquoZona da Matardquo no Nordeste eacute hoje uma sub-regiatildeo de restos de mata desobejos da coivara Sub-regiatildeo onde o canavial e o engenho se instalaram semoutra consideraccedilatildeo que a de espaccedilo para a sua forma brutal de explorar aterra virgem Sem nenhum cuidado pela parte agriacutecola dessa exploraccedilatildeoSimplesmente devastando-se a mata a fogo plantando-se a cana e soacute a canapela matildeo de negro indiferente e abandonando-se a terra aos primeiros sinaisde cansaccedilo O sistema agriacutecola da monocultura latifundiaacuteria e escravocratafoi aqui o quase militar da conquista de terras para fins imediatos de guerraou de campanha Natildeo se pensou nunca no tempo mas soacute no espaccedilo e noespaccedilo em termos de um soacute produto a explorar desbragadamente ndash oaccediluacutecar Exploraccedilatildeo com fins imediatos

A monocultura teve de ser latifundiaacuteria e escravocrata pelas suas

proacuteprias condiccedilotildees de sistemas de exploraccedilatildeo agriacutecola quase militar talveznecessaacuterio em terras como as do Brasil de 1500 teve de ser essa conquista agravegrande e pelo fogo de espaccedilos sempre novos e quanto possiacutevel virgens essaconquista militar e sem amor da natureza bruta antes da devastaccedilatildeo pelocolonizador portuguecircs apenas arranhada na sua virgindade pelos comeccedilosde lavoura do iacutendio

Dentro de tais condiccedilotildees natildeo era preciso que se desenvolvesse aqui afigura do lavrador bastava a do senhor de engenho gritando para o negro doalto da casa-grande ou de cima do cavalo bastava a do escravo cumprindoas ordens do senhor ou do feitor bastavam as matildeos e os peacutes do negrobastava o seu sexo capaz de larga procriaccedilatildeo Nem precisava que eletrouxesse uma alma capaz de se ligar agraves aacutervores aos paacutessaros e aos bichos

O escravo africano eacute que natildeo se deixou reduzir a matildeos e peacutes nem mesmoa sexo Ao mesmo tempo que ele vieram para aqui algumas das aacutervores eplantas da Aacutefrica mais queridas agrave sua alma e aos seus olhos E agraves vezes onegro amou e respeitou nas aacutervores nas plantas e nos bichos da terra paraele estranha as aacutervores as plantas e os animais parecidos aos do seu paiacutes deorigem Mas nada disso impediu que ele como escravo agriacutecola se tornasse oinstrumento do sistema bruto de exploraccedilatildeo agriacutecola que tornou possiacutevel araacutepida civilizaccedilatildeo do accediluacutecar do Nordeste Raacutepida poreacutem moacuterbida Emoacuterbida sobretudo nos seus prolongamentos atuais

Porque tal sistema militar de agricultura nos viria ateacute hoje Declinariacom o maior nuacutemero de engenhos ndash fenocircmeno da segunda metade doseacuteculo XIX ndash para se acentuar com o maior prestiacutegio das usinas na paisagemda regiatildeo ndash fenocircmeno dos uacuteltimos cinquenta anos Com a concentraccedilatildeo dapropriedade territorial no Nordeste em verdadeiros principados

Como salientou haacute pouco numa das paacuteginas mais inteligentes que jaacute seescreveram sobre o problema da devastaccedilatildeo das matas entre noacutes o professorda Escola Superior de Agricultura de Tapera D Bento Pickel ldquoo sistema delatifuacutendios que se estaacute apoderando das terras tem tendecircncia de unir asplantaccedilotildees derrubando-se para este fim as faixas de matas paralsquoemendarrsquo26 Emendar os canaviais

O sistema de latifuacutendio moderno eacute o da usina sua acircnsia a de ldquoemendarrdquoos campos de plantaccedilatildeo da cana uns com os outros formando um soacute

campo formando cada usina um impeacuterio seu espiacuterito aquele militar a quejaacute se fez referecircncia O espiacuterito do senhor latifuacutendiaacuterio que procura dominarimperialmente zonas maciccedilas espaccedilos continuados terras que nunca faltempara o sacrifiacutecio da terra das aacuteguas dos animais e das pessoas ao accediluacutecar

Accediluacutecar com A maiuacutesculo Accediluacutecar miacutestico Um accediluacutecar dono dos homens enatildeo ao serviccedilo da gente da regiatildeo Quando muito ao serviccedilo de uma minoriainsignificante Mas nem isto O usineiro eacute em geral ele proacuteprio umdeformado pelo impeacuterio do accediluacutecar

Philipp von Luetzelburg figura quase romacircntica de cientista alematildeo quedurante longos anos ligou sua vida ao estudo germanicamente minuciosodas plantas e das matas do Nordeste acredita que as matas de Pernambucocubram hoje 14 da aacuterea do Estado contra 34 da que cobriaprimitivamente27 Para o agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho a aacuterea coberta

pelas matas eacute ainda mais reduzida mesmo incluindo os capoeirotildees natildeoatinge 10 da superfiacutecie total do Estado28 Eacute quase a saarizaccedilatildeo

Chega-se mesmo a esta previsatildeo melancoacutelica a continuar o resto damata de Pernambuco a fornecer lenha dormentes e madeira para o Estadointeiro e ateacute para alguns estados vizinhos ndash para as usinas as faacutebricas detecidos os engenhos a Great Western as padarias as cozinhas numvolume segundo caacutelculo oficial de aproximadamente dois milhotildees e meiode metros cuacutebicos por ano ndash dentro de poucos anos as uacuteltimas reservaspernambucanas de floresta estaratildeo desaparecidas de todo Soacute restaraacute oarvoredo mais magro e mais resistente Os ossos da mata

Entretanto haacute quatro seacuteculos o arvoredo do Nordeste era ldquotanto etamanho e tatildeo basto e de tantas prumagensrdquo que ldquonatildeo podia homem darcontardquo Surpresa dos europeus Espanto dos primeiros cronistas

O que Portugal retirou de madeira do Nordeste do Brasil ndash madeiragorda e de lei que a outra lhe dava ateacute repugnacircncia ndash para levantar oureparar seus conventos suas igrejas seus palaacutecios toda a sua arquiteturavolutuosa para construir seus barcos e seus navios forma um capiacutetulo dahistoacuteria da exploraccedilatildeo econocircmica do Brasil pela Metroacutepole na sua fase jaacuteparasitaacuteria que um dia precisa ser escrito com vagar e minuacutecia Quase natildeohaacute edifiacutecio nobre em Portugal que natildeo tenha um pedaccedilo de mata virgem doBrasil resistindo com uma dureza de ferro agrave decadecircncia que vem roendo a

velha civilizaccedilatildeo portuguesa de conventos e palaacutecios de rei Eacute o que se vecircatraveacutes de mais de um documento da Correspondecircncia da Corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco que se conserva na Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco a grande importaccedilatildeode madeira de lei do Nordeste pela metroacutepole Entre esses documentoscarta do marquecircs de Pombal de 6 de dezembro de 1775 exigindo que doBrasil soacute fosse para Portugal pau-brasil do melhor e ldquoem toros grossosrdquo nadade paus ldquomiuacutedosrdquo ou ldquobastardosrdquo29

Essa devastaccedilatildeo pelo machado se fez ao mesmo tempo que a do fogoembora em escala muito menor Natildeo se cuidou a seacuterio de replantio nem dereflorestamento soacute da exploraccedilatildeo das matas e da terra Soacute da plantaccedilatildeo dacana e do fabrico do accediluacutecar Fazia-se ouvido de mercador agraves ordens del-rei afavor das aacutervores

O brado do primeiro donataacuterio de Pernambuco contra a devastaccedilatildeo dasmatas ficou uma voz clamando num deserto cada vez maior Duarte Coelhoviu o drama que se iniciava sob os seus olhos de lavrador e ainda no seacuteculoXVI bradou contra o mal Contra a pirataria de madeira em vez dacolonizaccedilatildeo agraacuteria de que ele foi o grande patriarca

A cana se estendendo pelos claros abertos a fogo e a machado no matovirgem atenuou o mal da devastaccedilatildeo Porque em alguns desses claros desdeo primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo se levantaram no Nordeste casas de pedra ecal igrejas coleacutegios de padres escolas onde se comeccedilou o estudo do latimcom os alunos ainda sentindo no rosto o calor das queimadas

A floresta tropical devastada pelo colonizador portuguecircs no interessequase exclusivo da monocultura da cana ou da metroacutepole faustosa era umobstaacuteculo enorme a ser vencido pela colonizaccedilatildeo agraacuteria do Nordeste Ocolonizador portuguecircs venceu tatildeo poderoso inimigo destruindo-o Ocolonizador negro natildeo venceu-o em parte adaptando-se agrave floresta emparte adaptando a floresta agraves suas necessidades de evadido da monoculturaescravocrata e latifundiaacuteria

Esse esforccedilo magniacutefico de adaptaccedilatildeo e ao mesmo tempo de domiacuteniosobre a natureza realizado aqui pelo negro ainda natildeo teve quem lhe fizesse aanaacutelise vagarosa e profunda Eacute um dos aspectos mais expressivos dacolonizaccedilatildeo africana deste trecho da Ameacuterica tropical O negro a princiacutepio

tatildeo medroso do tapuia e do mato grosso se assenhoreou depois de algumasdas florestas mais profundas do paiacutes e submeteu agraves suas tentativas rudes decolonizaccedilatildeo policultora realizadas quase dentro das florestas virgens ndash queeram uma proteccedilatildeo contra os capitatildees de mato a serviccedilo dos grandesmonocultores brancos ndash mulheres e ateacute populaccedilotildees indiacutegenas O maacuteximo deaproveitamento da vida nativa Inclusive das palmas das palmeiras paranumerosos fins a comeccedilar pela habitaccedilatildeo arte em que o negro tornou-se orival do indiacutegena a ponto do mucambo de palha ter se tornado tatildeo ecoloacutegicocomo qualquer palhoccedila indiacutegena Assunto ferido por noacutes em ensaiopublicado no Rio de Janeiro em 1937 Mucambos do nordeste e em vaacuteriasnotas preacutevias

O exemplo de Palmares jaacute se tornou claacutessico E eacute tatildeo conhecido que seriabanal recordaacute-lo ainda uma vez Mesmo porque natildeo eacute o uacutenico na histoacuteria doNordeste

Tambeacutem em Catucaacute matas de Pernambuco vizinhas de alguns dosengenhos mais antigos da capitania um grupo afoito de quilombolas seestabeleceu na floresta e se assenhoreou dela com uma capacidade deadaptaccedilatildeo ao meio e de domiacutenio sobre a vida vegetal e animal da regiatildeo quesurpreende em simples evadidos de engenhos de accediluacutecar e sem grandesrecursos teacutecnicos para aventura tatildeo arriscada Catucaacute surge diante de noacutesquase como uma afirmaccedilatildeo da capacidade do negro para se adaptarrapidamente aos troacutepicos americanos e agraves sombras de suas florestas maisprofundas em contraste com a incapacidade dos noacuterdicos Porque nessasmesmas matas de Catucaacute lembraram-se de ir estabelecer-se em colocircnia agraveparte da civilizaccedilatildeo monocultora fundada pelos portugueses algumasfamiacutelias alematildes Famiacutelias arrojadas que entretanto em poucos anos sedegradaram em simples fabricantes de carvatildeo entrando em conflito com osnegros da floresta pernambucana e alguns ateacute perecendo em luta com ospretos quilombolas que os alematildees pretenderam expulsar de matas tatildeodominadas por eles30

Na Bahia Durval Vieira de Aguiar escrevendo nos uacuteltimos dias damonarquia e referindo-se agraves matas de Oroboacute salientou a dificuldade dacolonizaccedilatildeo europeia nos trechos de vegetaccedilatildeo mais tropical do Nordeste oeuropeu soacute se dispunha a vir para aiacute conservando com auxiacutelio do governo

sua alimentaccedilatildeo especial e com ferramentas pastores meacutedicos boticaacuteriosescolas igrejas que o mesmo governo mandasse vir da Europa ou levantassepara proveito deles depois de derrubadas e roccediladas as matas naturalmentepelos escravos negros Por isto as matas menos afastadas e de terreno melhorpareciam-lhe dever pertencer aos nacionais ndash que seriam em sua maioria osnegros e os negroides Estes nacionais se natildeo trabalhavam eacute porque natildeotinham onde ldquoporque as terras de lavoura que possuiacuteam ou satildeo as grandes edistantes matas do Estado ou os terrenos monopolizados como verdadeirosfeudos onde o despotismo com a escravatura e os costumes dissoconsequentes estabeleceratildeo praxes e arbiacutetrios a que um homem livre natildeopode nem deve se sujeitar sem uma plena garantia de seu futuro de suapropriedade de seus haveres tudo ainda agrave mercecirc do capricho doproprietaacuteriordquo31 Por outro lado sem o sistema latifundiaacuterio e escravocrata

teria sido talvez impossiacutevel a fundaccedilatildeo de lavoura agrave europeia nos troacutepicostatildeo cheios de matas e o desenvolvimento aqui de uma civilizaccedilatildeo a que natildeofaltariam as qualidades e as virtudes das civilizaccedilotildees aristocraacuteticas ao ladodas perversotildees sociais e dos defeitos econocircmicos e poliacuteticos

Por baixo dessa civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e volutuosa de seda de rubis deazulejo de latim de versos de cama de jacarandaacute de cadeira de balanccedilo demulher bonita de cavalo de raccedila de licor de caju de doce fino deixou-sesecar tanta fonte de vida que era natural que a exploraccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar fosse o que foi neste trecho do Brasil uma fase em certo sentidocriadora e sob vaacuterios aspectos brilhantiacutessima mas tatildeo separada de certoselementos da natureza regional e tatildeo artificial em algumas de suas condiccedilotildeesde vida que apodreceu ainda verde sem amadurecer direito

O Maranhatildeo com seus sobrados grandes se esfarelando de podres e seusgrandes homens discutindo gramaacutetica haacute quase um seacuteculo eacute uma ruiacutena dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar Pernambuco comeccedila a ser outra Serinhaeacutem e RioFormoso parecem terras por onde passou um inimigo brutal e natildeo onde seprocessou uma colonizaccedilatildeo regular pela agricultura

A Paraiacuteba Alagoas o Rio Grande do Norte Sergipe menos oprimidospelo que jaacute se chamou de ldquopassado aristocraacuteticordquo ndash tatildeo intenso e brilhanteem Pernambuco e no Recocircncavo da Bahia de senhores menos parecidoscom os da capital baiana do que com os de Pernambuco ndash reagem com maior

vantagem contra a decadecircncia a que a monocultura latifundiaacuteria eescravocrata do accediluacutecar reduziu tatildeo grande parte do Nordeste depois de lheter dado ldquoa grandezardquo que um homem profundamente do Sul o professorCoelho de Sousa ainda haacute pouco sentiu animar ainda no Maranhatildeo ldquoa igrejada Seacute onde pregou Vieirardquo e ldquoos sobrados de mirante telhado de beiralsacada rendilhada frente de azulejo azulejos cor-de-rosa e floridosverdadeiras joiasrdquo32

24 Konrad Guenther A naturalist in Brazil (trad) Londres 193125 Vasconcelos Sobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco cit26 D Bento Pickel ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria daAgricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III nordm 3 193427 Philipp von Luetzelburg ocupa-se do problema da devastaccedilatildeo das matasdo Nordeste em trabalho notaacutevel em trecircs volumes Estudo botacircnico doNordeste (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas) Rio de Janeiro1922-192328 Vasconcelos Sobrinho ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo separatade Fronteiras Recife 1936 Sobre o assunto vejam-se tambeacutem A TSampaio Fitogeografia do Brasil S Paulo 1934 e os discursos dodeputado Renato Barbosa nas sessotildees de 5 a 26 de novembro de 1936 daCacircmara Federal Tambeacutem o capiacutetulo ldquoO problema da degradaccedilatildeo danatureza do Nordesterdquo no recente ensaio do professor Vasconcelos SobrinhoAs regiotildees naturais de Pernambuco cit29 Em carta de 30 de agosto o marquecircs de Pombal exigia que do Nordestedo Brasil remetessem para Portugal pau-brasil de ldquoqualidaderdquo e ldquode Leyrdquo emldquotoros grossos como antigamente vinha para ter a devida substancia sendotodo legiacutetimo para tintas vermelhas e para que esta ordem tenha o seudevido effeito fique V Sa encarregado de fazer visitar por pessoasintelligentes todo o Paacuteo que se recolher nesses armazens e achando-sealgum que natildeo seja legitimo e de boa ou ao menos regular qualidade o faccedilalogo separar e queimar publicamente para que natildeo succeda carregar-sealgum para esta cidade nem para alguma outra parte natildeo se pagando adespesa do Coacuterte da conducccedilatildeo se natildeo do que for bom e capaz de secarregar tendo ao mesmo tempo particular cuidado e toda a vigilancia emque natildeo possa haver extravio por minimo que seja no dito genero Deosguarde a V Sa Lisbocirca 30 de Agosto de 1775 Marquez de Pombalrdquo(Manuscrito da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775) E em carta de 6 de dezembro do mesmo ano insistia

ldquoPela minha antecedente de 30 de Agosto proximo passado fis sciente aV Sa que El Rey meu Senhor fora servido prorogar o contracto do consumode Paacuteo Brasil por outros nove annos aos mesmos contractadores DavidPurry e Gerardo Devisme para principiar em primeiro de Janeiro proximofuturo de 1776 com obrigaccedilatildeo de extrahirem vinte mil quintaes do ditogenero em cada anno Encommendei a V Sa de continuar a promover oscompetentes coacutertes e regular as remessas de que estaacute encarregada essaDirecccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Parayba em termos queaqui natildeo falte annualmente a dita quantidade de Paacuteo e com a advertecircnciade que natildeo se coacuterte nem se carregue algum que natildeo seja de Ley de boaqualidade e em toacuteros grossos e que todo seja legitimo para tintas vermelhase natildeo falsificado para cujo effeito se deveratildeo faser os necessarios exames eescolhas nesses armasens afim de se separar e queimar todo o que natildeo forlegitimo e de boa qualidade e natildeo se pagando a despesa do coacuterte se natildeo doque focircr bom capas de carregar na referida forma e recommendando-lheultimamente a evitar todo e qualquer extravio ou descaminho do referidogenero agora devo accrescentar que em coordenaccedilatildeo de outrasrepresentaccedilotildees dos sobreditos contractores alem do referido contracto emque muito interessa a fasenda Real heacute o mesmo Senhor Servido Ordenarnovamente que na referida inspecccedilatildeo que tenho encarregado a V Sa sobreo coacuterte recolhimento remessas e extravios do Paacuteo Brasil haja de observar efazer observar as mais advertencias que se seguem

1ordm) ndash Que todos os toros que se carregar sejam bons de receber sem quehaja algum de Ramos secos ou de troncos carunchosos nem de Paacuteo Brancoou falso

2ordm) ndash Que natildeo exceda cada hum dos toacuteros de seis palmos sendo todoslimpos e despidos de toda a sua casca e todos marcados distinctamente coma marca R de fogo em ambas as extremidades

3ordm) ndash Que se cuide muito em precaver que natildeo se molhe o dito Paacuteocomo algumas veses tem succedido ou com chuva ou com a mareacute quando oapanha nas prayas depois de tirado das embarcaccedilotildees pequenas quecondusem por pouco cuidado de o recolher Logo nos armasens natildeo seatendendo o que agora lhe tira toda a substancia

4ordm) ndash Que se carregue o Paacuteo dividido com proporccedilatildeo pelos navios queno decurso do anno houverem de o condusir a Lisboa para evitar oinconveniente e grande prejuiso que poderia seguir-se a este contracto sehuma porccedilatildeo grande carregada em hum navio viesse acahir toda junta em

navios de inimigos ou Piratas5ordm) ndash Que a entrega do Paacuteo aos capitatildeos ou mestres dos navios que o

condusirem para Lisboa se faccedila com toda a cautela a exactidatildeo assim naquantidade dos toacuteros como no prazo para que eles natildeo possam faser ocontrabando que se tem verificado em alguns anos passados para que natildeose achem a cada passo differenccedilas de mais e de menos nas entregas quefasem na casa da India

6ordm) ndash Que se tomem todas as cautelas e haja todo o cuidado em todosos portos dessa Capitania para impedir qualquer exportaccedilatildeo do dito Paacuteo porcontrabandos ou extravios seja por navio estrangeiro ou portuguez ou dequalquer outro modo que possa acontecer fasendo-se castigarrigorosamente qualquer delicto a este respeito com as penas da Ley

E para que todas estas providencias tenham em todo a devidaobservancia heacute outro sim Servido o mesmo Senhor que V Sa as faccedila registarna secretaria desse governo e que annualmente se me decirc conta de tudo oque occorrer emcontrario Lisbocirca 6 de Dezembro de 1775 Marquez dePombalrdquo (Manuscritos da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antigacapitania de Pernambuco 1775)30 Nos livros de Correspondecircncias dos Cocircnsules conservados em manuscritona Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambucoencontram-se vaacuterias referecircncias ao estabelecimento da colocircnia de europeusdo Norte em Catucaacute Essa colocircnia de europeus do Norte em matas quasevirgens do Nordeste foi uma das primeiras tentativas de colonizaccedilatildeo alematildedo Brasil O ponto escolhido ldquoo lugar da Cova da Onccedila vulgarmentechamado Catucaacute sete leguas desta cidade [Recife] no centro de Matasfeixadas que ateacute agora eratildeo occupadas por negros fugidos que ali viveratildeoreunidos em formidaveis Quilombosrdquo informa o presidente da proviacutenciaTomaacutes Xavier Garcia de Almeida em ofiacutecio de 14 de dezembro de 1829dirigido a Joseacute Clemente Pereira (manuscrito na Biblioteca Puacuteblica doEstado) O mesmo ofiacutecio esclarece a origem da colocircnia que em aviso de 28de setembro (1829) S M o Imperador fora servido determinar que opresidente ldquofizesse estabelecer como colonos no logar que julgasse maisconveniente os individuos que vieratildeo ter a esta Provincia vindos deAmsterdam no Brigue Hollandez ndash Activo ndash dando-lhes pequenas datas deterras que possatildeo cultivar mandando-lhes levantar cazas para serecolherem e assistindo-lhes por espaccedilo de hum anno com o Subsidio diariode 160 pordf as pessocircas grandes e 120 pordf as de menor idaderdquo Eram os colonos103 entre homens mulheres e crianccedilas E ldquocomo tenhatildeo pretendido serigualmente admitidos agrave classe de Colonos alguns soldados Alematildes do

Batalhatildeo 2o do Granadeiros aqui destacado que obtiveratildeo escusas p haverpreenchido o tempo do seu engajamentordquo o presidente consultou a respeitoo presidente parecendo que tambeacutem estes se estabeleceram em Cova daOnccedila ou Catucaacute Quanto aos outros segundo carta do encarregado doconsulado dos Paiacuteses-Baixos Jacob Lefolle dirigida ao presidente daproviacutencia em data de 13 de setembro de 1828 eram prussianos ldquona maiorparte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a ser colonos noBrasilrdquo A colocircnia de Cova da Onccedila natildeo prosperou Em ofiacutecio de 13 deoutubro de 1830 informava o entatildeo presidente da proviacutencia Joaquim JoseacutePinheiro de Vasconcelos que a colocircnia se achava com noventa e seisindiviacuteduos vivendo de plantaccedilotildees de mandioca e feijatildeo cultivando frutas emorando natildeo jaacute em casas de palha mas de telha Mas o cientista inglecircsGardner que aqui esteve em 1835 visitou Cova da Onccedila surpreendendosinais de decadecircncia ndash a maior parte dos homens entregues simplesmenteao fabrico de carvatildeo Deve-se notar que vaacuterios dos colonos alematildees quevieram para Pernambuco em 1828 dissolveram-se aqui casando comfamiacutelias antigas da regiatildeo

Da Correspondecircncia dos Cocircnsules eacute o seguinte documento de interessesobre a colonizaccedilatildeo de Catucaacute por prussianos

ldquoAchando-se no porto do Assuacute um Brigue Hollandez que se destinava aoRio de Janeiro com pouco mais ou menos cento e quarenta Prussianos namaior parte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a sercolonos no Brasil e podendo talvez ser de grande utilidade pa estaprovincia que nrsquoella se estabeleccedilatildeo aquelles individuos tenho a honra drsquoopropor a VExa estando informado pelo Capm do dordm Brigue que elles natildeoteratildeo duacutevida drsquoacceitar este convite da parte de VExa uma vez que lhesproporcione meios para darem princcipios a seus estabelecimentos comohomens livres

Se esta proposiccedilatildeo for do agrado de VExa terei o prazer de contribuirquanto mi for possiacutevel para se concluir este tracto que considero favoravelpa esta Provincia da qual sinceramente desejo todos os augimentos eprosperidades como a hum pays que tatildeo benignamente me tem acolhido

Deos Guarde VExa

Consulado dos Paizes Baixos em Pernambuco 13 de Setembro de 1828Illmordm e Exmordm Senr Francisco de Paula Cavalcante drsquoAlbuquerqueVice Presidente da Provincia de PernambucoEncarregado do Consulado dos Paizes Baixos

Jacob Lefollerdquo

31 Durval Vieira de Aguiar op cit32 ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto alegre 18 de abril de 1950

4 ndash A CANA E OS ANIMAIS

A cultura da cana no Nordeste aristocratizou o branco em senhor edegradou o iacutendio e principalmente o negro primeiro em escravo depois empaacuteria Aristocratizou a casa de pedra e cal em casa-grande e degradou achoccedila de palha em mucambo Valorizou o canavial e tornou despreziacutevel amata

Nesse sistema de relaccedilotildees que dividiu os homens e as suas habitaccedilotildees e aproacutepria paisagem em metades tatildeo diferentes e ateacute antagocircnicas pode-sedizer para efeito de generalizaccedilatildeo que o cavalo ficou no primeiro e o boi nosegundo grupo E estes foram os dois grandes animais da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Essa civilizaccedilatildeo tornou-se desde os primeiros tempos acentuadamentecavalheiresca Sem o cavalo a figura do senhor de engenho do Nordesteteria ficado incompleta na sua dignidade de dono de terras tatildeo vastas e nasua miacutestica de fidalgo de casas-grandes tatildeo isoladas Incompleta nos seusmovimentos de mando nos seus gestos de galanteria nos seus rompantesguerreiros

Natildeo se alterou antes se acentuou no cavalo importado para osengenhos do Nordeste a sua qualidade de animal por excelecircnciaaristocraacutetico e ateacute autocraacutetico Seu trote o ruiacutedo imperial de suas patas setem feito ouvir atraveacutes da nossa histoacuteria social com a majestade do proacuteprio

ritmo da ordem da autoridade do domiacutenio Os dominadores da terra quasenatildeo tem ganho nenhuma vitoacuteria sobre os revoltados sobre os insubmissossobre os mal satisfeitos ndash gente quase sempre de peacute sem terra e sem cavalondash que natildeo tenha sido uma vitoacuteria de homens majestosamente a cavalo Soacute ocavalo do gauacutecho do Rio Grande do Sul ou o de certo tipo de sertanejo ou dematuto escapa a essa caracterizaccedilatildeo do cavalo brasileiro como o animal maisque qualquer outro a serviccedilo do domiacutenio dos defensores da Ordem sobre amassa

Essa funccedilatildeo o cavalo do senhor de engenho desempenhou-amagnificamente O senhor de engenho do Nordeste foi quase uma figura decentauro metade homem metade cavalo E esse centauro um ldquodefensor daOrdemrdquo embora para defendecirc-la a seu modo agraves vezes desobedecesse ao reiou se revoltasse contra ele

Impossiacutevel imaginaacute-lo ndash a esse centauro ndash fora de rede patriarcal semser o homem a cavalo chapeacuteu grande botas pretas esporas de pratarebenque na matildeo a quem a gente dos mucambos tomava a benccedilatildeo como aum rei Do alto do cavalo eacute que esse verdadeiro rei-nosso-senhor via oscanaviais que natildeo enxergava do alto da casa-grande do alto do cavalo eacute queele falava gritando como do alto da casa-grande aos escravos aostrabalhadores aos moleques do eito O cavalo dava ao aristocrata do accediluacutecarquando em movimento ou em accedilatildeo quase a mesma altura que lhe dava oalto da casa-grande nas horas de descanso

Para tal efeito devia ser majestoso no porte e belo nas formas o cavalo dosenhor O mais possiacutevel dentre os cavalos de origem aacuterabe que no Nordesteforam diminuindo de tamanho

E devia ser pampa malhado de branco ou castanho ldquoandrinhordquocastanho verdadeiro castanho-amarelo barriga de veado alazatildeo ruccedilo-pombo ruccedilo verdadeiro melado-raposo ldquorudadordquo ldquorudado apatacadordquoargel (peacute direito branco) Isso eacute que era cavalo de senhor de engenho Masde preferecircncia que fosse branco da ldquomatildeo direitardquo e do ldquopeacute esquerdordquo ldquomatildeode lanccedilardquo e ldquopeacute de cavalgarrdquo Os ldquogalvotildeesrdquo isto eacute os especialistas em conhecercavalo pela pinta ou pela cor advertiam os compradores contra cavalo argelpodia trazer desgraccedila para o dono contra o cavalo ldquocaceterdquo isto eacute sem sinalno membro cavalo que via alma de noite contra o cavalo gaacutezeo-sararaacute Bom

era o alazatildeo Oacutetimo para correr o cardatildeo-pedrecircs Bom e bonito o meladocaxito

Outras especializaccedilotildees de animal aristocraacutetico foram lhe dando o bomtrato na estrebarias das casas-grandes o banho de rio a matildeo do moleque quelhe esfregava o pelo ateacute ficar brilhando a alimentaccedilatildeo farta e boa que oarredondava em animal volutuoso ancas quase de mulher O cavalo dosenhor de engenho se diferenciava por todos esses carinhos de tratamentode qualquer outro ndash do de cangalha do de matuto do de sertanejo Cavalosangulosos e ossudos Tambeacutem se salientava de qualquer outro animal criadoagrave sombra do mesmo engenho mas sem as mesmas regalias A natildeo ser umoutro carneirinho mocho de menino ou um ou outro gato de iaiaacute solteironacriado no colo

Exigiam-se do cavalo do senhor de engenho certas qualidades militaresDevia andar de baixo meio esquipado misturado Saltar valado Atravessarcom elegacircncia riacho Saber sair E fosse bom o cavaleiro saber chegar

Era entatildeo o cavalo ortodoxo do senhor de engenho o que ele cobria deprata quando saiacutea em visita aos parentes ou a passeio pelos engenhosvizinhos o escudeiro ou pajem de lado num cavalo menos senhoril

Mas natildeo foi soacute o cavalo de sela o mimado com tanto exagero peloshomens das casas-grandes do Nordeste tambeacutem o cavalo de carro teve seusregalos O cabrioleacute de engenho tornou-se uma das notas mais caracteriacutesticasda paisagem rural do Nordeste no seacuteculo XIX

Antes quase que era soacute a rede que a gente mais comodista viajava de umengenho a outro a rede ou a liteira Pelo barro vermelho soacute rodavam carrosde boi As grandes rodas de madeira chiando como umas desadoradas eramas uacutenicas que se aventuravam pelo massapecirc pela lama pelos catabis doscaminhos quase impossiacuteveis a outro tracircnsito que natildeo fosse o do negro o doburro e o da besta de carga ndash o proletariado do transporte de aacutegua deaccediluacutecar de mantimentos no Nordeste do Brasil

Com a maior influecircncia inglesa e francesa sobre a vida da regiatildeo ndashinfluecircncia que se acentuou tanto na administraccedilatildeo do baratildeo de Boa Vista emPernambuco ndash o Recife se encheu de traquitanas de seges de cabrioleacutes demeacutedico de todos os estilos novos de carruagem Antes quase que soacute o bispo eo governador rodavam de carro

O palanquim ndash que na cidade de Salvador ia ter ainda quase meio seacuteculode vida ndash na capital do extremo Nordeste cidade plana prestando-semelhor que as ladeirosas ao rodar nem sempre macio das carruagensdesapareceu quase de repente depois da Independecircncia Tornou-se umarcaiacutesmo colonial

Essa vitoacuteria raacutepida do veiacuteculo inglecircs ou francecircs natildeo se limitou ao Recife eaos seus subuacuterbios estendeu-se agraves terras de senhores de engenho mais ricose mais em contato com as atualidades inglesas e francesas Tornou-se umluxo ndash porque natildeo era de modo nenhum uma necessidade ndash andar emcarros ligeiros E com esse gosto de ligeireza afirmou-se nova superioridadedo cavalo sobre o boi como animal de carro da famiacutelia patriarcal

Nos engenhos tornou-se luxo dos senhores brancos bolearem elesproacuteprios os seus carros Agraves vezes em disparada como carros de triunfadoresesquecidos de que eram mortais Era outra forma de ostentaccedilatildeo de domiacuteniona qual o cavalo completava magnificamente a figura do senhor de reacutedeasna matildeo guiando governando chicoteando levantando poeira espantandoos moleques e os animais Alguns senhores de engenho gabavam-se de saberpassar com a roda direita ou esquerda do carro por cima de quantas moedasde vinteacutem atirassem no chatildeo Cavalo e roda de carro os obedeciam com amesma docilidade das mulheres e dos escravos

O carro de cavalo do senhor de engenho sobretudo quando boleado pelodono tornou-se na paisagem do Nordeste uma nota imperial um elementovivo de domiacutenio do homem rico sobre a massa sobre a distacircncia sobre anatureza e natildeo apenas uma marca de decoraccedilatildeo social em que rivalizassemas casas-grandes umas com as outras

Como nas cidades com relaccedilatildeo agraves ruas o carro de cavalo influiu nosengenhos sobre os caminhos submetendo a natureza ao maior domiacutenio dohomem Ainda hoje se encontram caminhos de engenhos empedrados parao rodar mais faacutecil das carruagens do barotildees tempo de chuva quando omassapecirc tornava-se em tantos trechos uma papa de terra Papa de terraonde as patas dos cavalos e a rodas dos carros soacute faltavam se sumir como emareia gulosa

Koster que tanto viajou por esses caminhos quando as carruagens aindaeram raras ateacute no Recife e o transporte dos senhores dos vigaacuterios dos frades

e das iaiaacutes de rede de palanquim de cavalo de burro de carro de boinotou o horriacutevel das comunicaccedilotildees no Nordeste Desde Alagoas aoMaranhatildeo33 No Recocircncavo escrevia em 1821 o desembargador Joatildeo

Rodrigues de Brito que era um pavor As estradas da vizinhanccedila mesmo dacidade eram impraticaacuteveis para os carros ldquofazendo-se por isso os transportesaacutes costas de escravos muito mais dispendiosamenterdquo Duro fisiocrata notavao desembargador a respeito das estradas iacutengremes por onde natildeo podia rodarcarro ldquoBastaria a despeza que se gasta em uma procissatildeo para fazerdesapparecer todas essas ladeirasrdquo34 Ladeiras e atoleiros onde em tempo de

chuva pereciam muitos bois e cavalosMas eacute a Charles B Mansfield que devemos as observaccedilotildees mais

minuciosas sobre os caminhos do Nordeste antes da viaccedilatildeo feacuterrea vir alterar osistema de comunicaccedilotildees por terra entre os engenhos e as cidades do litoralNotou Mansfield que ldquoexceto as estradas reais em certas direccedilotildeesrdquo as ldquocoisasdenominadas caminhos pelos quais os produtos satildeo exportados dosengenhos satildeo absolutamente intransitaacuteveis para os veiacuteculos de rodasrdquo35 De

modo que quase todo o accediluacutecar vinha ou em barcaccedilas pelos rios e pelo marou nas costas dos cavalos e dos burros No recocircncavo nas costas dos negros

Os caminhos eram apenas o suficiente para o traacutefico e este mesmopenoso dos pobres cavalos e burros ou dos carregadores a peacute Negros ecavalos dos senhores de engenho burros e bestas de matutos ou tropeirosEstes faziam a viagem de pernas cruzadas sobre um dos animais da tropana volta o animal jaacute descarregado eacute que o matuto se escanchava nele masse utilizando de uma simples corda em vez de estribo

ldquoEm alguns lugaresrdquo ndash observou Mansfield em suas excursotildees pela zonada cana-de-accediluacutecar do Nordeste ndash ldquoa lama nos sulcos eacute tatildeo espessa que apata do cavalo ao tempo de ser tirada do lamaccedilal faz pela succcedilatildeo um fit-top quase o mesmo que uma peccedila de artilhariardquo Alguns cavalos resvalavamnos buracos mais fundos quebrando a perna rachando o casco morrendoMansfield observou os rodeios de certos cavalos sua cautela em escolher ocaminho para se furtarem aos lugares suspeitos Era divertido vecirc-los nessesrodeios de gatos mas devia ser tambeacutem doloroso

Os arquivos dos senhores de engenho antigos estatildeo cheios de cartas epapeacuteis sobre cavalos e carros de cavalo as gazetas coloniais e do tempo do

Impeacuterio cheias de anuacutencios de cavalos e carros Cartas comerciais eanuacutencios de venda e troca de cavalos descritos com a mesma minuacutecia agravesvezes com as mesmas palavras com que se descreviam os negros

Em 1837 Manuel de Arauacutejo Lima escreve do engenho Antas em papelcom coroa jaacute cheio de pretensotildees a lorde uma carta a Manuel Tomeacute de

Jesus do engenho Noruega ndash o ldquocapam Moacuter Manoel Thomeacute de Jezusrdquo seuldquomui Bom Amordmrdquo do seu ldquocordeal affectordquo ndash toda sobre cavalos Sobre umcavalo castanho muito bonito peacute e matildeo esquerdos calccedilados Sobre um poltroldquofazendo ou igualando a ultima mudardquo Um poltro que era um encantoldquocastanho quatro peacutes calccedilados uma estrella na testa uma malhasinha nobuccedilo de cimardquo36

E o proacuteprio bispo de Pernambuco D Joatildeo da Purificaccedilatildeo correspondia-se do Palaacutecio da Soledade com o capitatildeo-mor do antigo Engenho dos Bois

sobre cavalos de carro Em 1o de maio de 1840 dirigia-se o bispo ao senhor deengenho em larga folha azulada de papel de carta inglecircs ldquoRemetto a V Sdois cavallos para q com mais vagar faccedila o favor de me arranjar humaparelha de quartaos russos por troca com a q vai ainda que haja excesso nopreccedilo q satisfarei com aviso de V S e tenha paciencia com os meosincommodos pois q natildeo sei o q heide fazer pordf estabelecer o arranjo dacarruagem Desejo 2 quartaos possantes novos e russos pordf emparelhar comos 2 q caacute tenhordquo37

Nos anuacutencios de jornal os cavalos soacute faltam pisar os pobres negrosfugidos os proacuteprios moleques agrave venda Assim um cavalo alazatildeo que salta quenem cavalo de priacutencipe de um anuacutencio do Diaacuterio de Pernambuco de 1836ldquoclinas brancas muito novo por estar ainda a igualar bastante carnudordquo eldquoexento de todos os achaques carregador baixo de redeas soltas com bonitafigura e bocirca redeardquo Ou o ldquocavallo alasatildeo rosilho muito bom paceiro eesquipador bonita figurardquo que salta de outro anuacutencio Ou a ldquoparelha demuito bons cavallos de carro e em bocircas carnesrdquo que se anunciava paravender numa casa da Rua do Rosaacuterio no Recife Ou ainda o ldquocavallomelado caxitordquo com bom passo picado ldquoda estribaria do snr Sauerrdquo Ou oldquocavallinho castanho muito manccedilo proprio para meninordquo que aparecenoutro anuacutencio

Mas aparecem cavalos fugidos com suas marcas de doenccedilas seus sinais

de maus tratos seu ar tristonho de cavalos de pobre Confundem-se agraves vezescom os negros doentes com os moleques maltratados Tal certo ldquorussopedrez pequeno carregador com clinas cahidas e a cauda compridardquo ldquoDuassicatrizes uma bem visivel na banda esquerda junto ao rabo e a outra juntoao queixo do lado direito Ou outro ruccedilo esse rudado descarnando crinastambeacutem caiacutedas ldquoraxadura em um dos cascos dos peacutesrdquo38 de tanto andar a

trabalhar para senhor pobreNem todos os cavalos nas cidades nos engenhos e sobretudo nas

engenhocas de senhores pobres ndash com poucos escravos e poucos animais ndashtiveram os bons tratos e os regalos que tornaram ceacutelebres as estrebarias decertos engenhos grandes onde os cavalos faziam inveja aos negros dassenzalas aos brancos e caboclos dos mucambos Os cavalos de Sebastiatildeo doRosaacuterio um dos Wanderleys mais opulentos de Serinhaeacutem e Rio Formoso soacutefaltavam estourar de gordos Os senhores de engenho gostavam de cavalosque fossem como as mulheres gordos e bonitos O cavalo e a mulher estavamquase no mesmo plano para o senhor de engenho do Nordeste como para ohomem senhoril de outras regiotildees Eacute o que nos ensina o folclore da regiatildeoneste talvez contaminado pelo da regiatildeo gauacutecha

Sou velho tive bom gostoMorro quando Deus quiserA maior pena que eu levoCavalo bom e mulher

O senhor de engenho tinha tanto horror e oacutedio ao ladratildeo de cavalo comoao ladratildeo de negro Sinhozinho (Sousa Leatildeo) do Almeccedilaga chegava a sercruel com os ladrotildees de cavalo Ainda hoje dificilmente se pode humilhar demodo mais cru a um homem no Nordeste do que chamando-o ladratildeo decavalo Entretanto havia afoitos que se aventuravam a roubar cavalos ateacute dedesembargadores presidentes da Relaccedilatildeo Uma noite furtaram do siacutetio doHospiacutecio no Recife pelo portatildeo do corredor do bispo arrombando-se afechadura do mesmo portatildeo ldquoum cavalo alasatildeo capado bem reforccedilado eespadaudo da sege do dezembargador Presidente da Relaccedilatildeordquo39 Um

anuacutencio de jornal exprime a maacutegoa do desembargador e a sua esperanccedila de

achar o cavalo tatildeo afoitamente roubado de sua casa Cavalo de estimaccedilatildeobem tratado bem lavado bem alimentado

Na alimentaccedilatildeo do cavalo do Nordeste accedilucareiro ndash na do cavalo de luxocomo na do cavalo de cangalha ndash tornou-se claacutessica a raccedilatildeo maior ou menorde melaccedilo ou de mel-de-furo Essa ligaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar com o cavalodo senhor de engenho e mesmo com o do matuto merece todo o destaqueTalvez se expliquem por ela natildeo completamente eacute claro mas em partecertos caracteriacutesticos que se desenvolveram no cavalo desta sub-regiatildeo doNordeste

Se o cavalo de Kentucky eacute hoje um animal que os entendidosdistinguem quase agrave primeira vista dos cavalos de outras regiotildees americanas edo cavalo inglecircs seu avocirc o mesmo parece que eacute possiacutevel fazer-se com ocavalo de engenho do Nordeste do Brasil Cavalo pequeno agraves vezes ateacutenanico sobretudo se o colocarmos junto de um cavalo normando ele seapresenta entretanto com qualidades nada vulgares de resistecircncia E comarredondados de forma bem caracteriacutesticos que o ideal de cavalo ldquogordo ebonitordquo consagrou como o tipo do cavalo bom

Artur Orlando pretende que o cavalo de Pernambuco tenha ldquoganho emforccedila e vigor o que perdeu em corpulecircncia e estampardquo40 e lembra que se

tem procurado explicar o fato pela origem aacuterabe geralmente atribuiacuteda aoanimal Mas a causa de maior importacircncia na diferenciaccedilatildeo de qualidadesdo cavalo de engenho do Nordeste parece ter atinado com ela o velhoensaiacutesta a predominacircncia da raccedilatildeo de melaccedilo na dieta do animal

A verdade entretanto eacute que aqui como em outras aacutereas da Ameacuterica decolonizaccedilatildeo agraacuteria o cavalo de que o agricultor fez sempre o seu animal demaior estimaccedilatildeo a expressatildeo mais viva de sua autoridade do seu domiacutenioquase militar sobre as terras e os moradores tratando-o o senhor de engenhobrasileiro como a nenhum outro animal preocupando-se com a suaalimentaccedilatildeo e com a sua higiene com a sua raccedilatildeo de mel-de-furo e com oseu banho de rio natildeo foi o animal mais uacutetil agrave lavoura ao sistema econocircmicobaseado sobre a monocultura latifundiaacuteria e escravocrata O aliado fiel doescravo africano no trabalho agriacutecola na rotina da lavoura de cana naproacutepria induacutestria do accediluacutecar foi o boi e esses dois ndash o negro e o boi ndash eacute queformaram o alicerce vivo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar

Em 1833 Joseacute Silvestre Rebelo na sua Memoria sobre a cultura dacanna e elaboraccedilatildeo do assucar jaacute fazia o elogio do boi ldquoo boi nutre-se decapim e natildeo he delicado na escolha natildeo precisa de raccedilatildeo agradece aohomem o cuidado que com elle tem com paccedilo vagaroso mas certo trabalhadando provas do seu brutal agradecimento quando os annos o inutilizamvai servir de nutriccedilatildeo qualidade que os outros natildeo temrdquo Enquanto ao cavaloldquotodo o serviccedilo rural o desgosta e humilha custa a manter requer capimescolhido exige raccedilatildeo regular ao mesmo animal que arribita as orelhasrincha ao som de hum clarim murcha as mesmas e parece que murmura aacutevoz do lavrador que o conduz ou para as carretas ou para a almanjarrardquo

Repetia Rebelo o que jaacute fora dito pelos estudiosos dos problemas deeconomia agraacuteria nas colocircnias inglesas da Ameacuterica alguns seus conhecidosque feito o balanccedilo entre os preacutestimos do boi e os do cavalo os do boi seapresentavam bem maiores Thomas Spalding chegara a particularizar oconfronto com relaccedilatildeo agrave lavoura de cana e agrave induacutestria do accediluacutecar ldquoem todosos trabalhos de que depende a plantaccedilatildeo da cana a elaboraccedilatildeo do accediluacutecar oboi parece ser o melhor companheiro para o homem ele lavra melhor eacutemais doacutecil e obediente nas moendas e ainda que se mova lentamenteanda com regularidaderdquo E Dwight escreveria que as vantagens do empregodo boi sobre o do cavalo na lavoura eram vaacuterias o boi era mais resistentemais constante custava menos dava menos trabalho era mais livre dedoenccedila e quando velho ou desvalorizado para o trabalho por algumacidente servia para beef41 A uacutenica vantagem do cavalo estava na sua

ligeirezaEsse contraste entre o cavalo e o boi do ponto de vista agriacutecola lembra-

nos um pouco o que se pode estabelecer no caso do Brasil e da suacolonizaccedilatildeo agraacuteria entre os preacutestimos do iacutendio nocircmade que foi umaespeacutecie de cavalo pelas suas tendecircncias ao movimento agrave ligeireza agrave alianccedilacom o homem menos sedentaacuterio e mais guerreiro e os preacutestimos do negroespeacutecie de boi pela sua adaptaccedilatildeo melhor e mais segura agrave rotina da lavourada cana agrave sedentariedade e ao vagar do trabalho agriacutecola O negro foi naverdade o peacute-de-boi da colonizaccedilatildeo agraacuteria do Brasil Sem ele a colonizaccedilatildeodo Nordeste pela cana-de-accediluacutecar natildeo se teria realizado tatildeo solidamente

Por outro lado sem o boi soacute com o cavalo o engenho natildeo teria se

firmado como se firmou Ateacute as vezes da eacutegua o boi fez nas almanjarras Ateacuteas vezes da besta E ateacute as vezes da mulher a vaca fez para os meninos deengenho

Nos princiacutepios do seacuteculo XVII o autor dos Diaacutelogos das grandezas doBrasil calculava que cada engenho devesse dispor para seu sustento ndash aleacutemdos elementos jaacute destacados neste ensaio tanto quanto possiacutevel na ordemde sua importacircncia material 1) boas terras 2) bastante aacutegua para asmoendas 3) matas situadas perto do engenho para a extraccedilatildeo de lenha e demadeira ndash de 50 peccedilas de bons escravos e de 5 ou 20 juntas de bois com seuscarros Terra aacutegua matas Negros e bois

Em meados do seacuteculo XVIII D Domingos do Loreto Couto no ensaioque escreveu com minuacutecias de frade-senhor-de-engenho sobre ldquoumengenho de lavrar assucarrdquo ndash talvez o capiacutetulo mais fascinante do seuDesagravos do Brasil e gloacuterias de Pernambuco ndash calculava que parasustento de uma faacutebrica de Pernambuco eram necessaacuterios tantos boisquantos negros no miacutenimo 60 escravos e 60 bois Bois para trazer lenha domato nos carros ldquoem uma safra de 1500 patildees de assucar gastam-se 3000carros de lenha levando cada carro mais de 50 arrobas de pesordquo Bois paracarregar cana Bois para carregar accediluacutecar Sem contar os bois para o corteconservados agrave distacircncia da faacutebrica e do canavial Sem contar as vacas deleite

As almanjarras de bestas ou molinotes ndash tipo de engenho de que seutilizou o colonizador do Nordeste diante da falta ou dificuldade que agravesvezes encontrou em fazer girar a faacutebrica a roda-drsquoaacutegua ndash foram precedidospelas almanjarras de bois ou trapiches Os molinotes descreve-os DDomingos ldquono eixo do meio natildeo tem bolandeira e tem umas traves no ditoeixo que chamam aspas e nas pontas se pregam outras traves que vemquase ao chatildeo ficando em cruz quatro em que se fazem assentos para aspessoas que tangem as bestas pondo-se em ajojo duas em cada parte comcorrentes de ferro e couro cru que prendem a trave chamada almanjarra epara circular carece de oito bestas que andam de tres em tres horasrdquo

Nesses molinotes em forma de cruz penou muita besta A besta dealmanjarra foi um verdadeiro maacutertir da cana-de-accediluacutecar Mas penou tambeacutemmuito boi na cruz dos trapiches ldquoEm outro tempo moiam tambem com bois

Soacute a grande falta de bestas obriga a servirem-se delles pelo tardo com quecircula a moenda por terem o passo ou galope mais vagoroso o qual sendomais raacutepido e violento daacute mais expediccedilatildeo aacute moagemrdquo

Vagarosos mas constantes os pobres dos bois Para se alimentaremnenhum luxo E uma capacidade quase miacutestica para o sofrimento para arotina para o serviccedilo do homem

O escravo vindo da Aacutefrica natildeo encontrou aqui melhor companheiro doque o boi para seus dias mais tristes Para os seus trabalhos mais penosos

Quando depois o boi associou-se tambeacutem aos dias alegres do negro deengenho ndash os de danccedila de cachaccedila de festa ndash na figura do bumba meu boieacute natural que o negro tenha feito desse drama popular um meio deexpressatildeo de muita maacutegoa recalcada a glorificaccedilatildeo do boi seu companheirode trabalho quase seu irmatildeo

Jaacute houve quem enxergasse no bumba meu boi ldquoa saacutetira dorida do negro edo iacutendio oprimidos contra a prepotecircncia do brancordquo42 Talvez haja aiacute

exagero e um pouco de retoacuterica O que principalmente se sente no grandedrama popular do Nordeste ndash talvez de remota origem bacircntu segundo aideia de Artur Ramos sobre as festas populares do boi mas aqui colorido porinfluecircncias nitidamente regionais ndash eacute a glorificaccedilatildeo da figura do boi suaexaltaccedilatildeo sua apologia O cavalo fica um ldquomaricas meu bemrdquo A glorificaccedilatildeodo boi eacute que se torna a nota dominante do drama

No bumba meu boi o boi eacute de fato ldquoa grande figura apoteoacuteticardquo como dizJuacutelio Belo tatildeo entendido no folclore dos engenhos do Nordeste A figuramaacutescula dominadora poderosa e ateacute terriacutevel do drama43

O boi Janeiro de chifres enormes e cheio de chocalhos grandatildeotristonho o rabo comprido depois de muito varrer o terreno de atacarMateus e Catarina de correr zangado contra os brancos mais mimosos daassistecircncia de repente morre como se a revolta e a luta o tivessemextenuado

ldquoMeu boi morreuQue seraacute de mimrdquo

Haacute atraveacutes do drama uma evidente identificaccedilatildeo do boi com o negro o

negro se sente no boi natildeo se sente no cavalo No cavalo ele sente o animalmeio maricas do senhor o animal cheio de laccedilos de fita e mesureiro oanimal ldquoabaianadordquo isto eacute urbanizado civilizado capaz de graccedilas e mesurasde que eacute incapaz o cavalo ruacutestico e natildeo apenas o boi

ldquoCavalo-marinhoMaricas meu bemrdquo

ou

ldquoCavalo-marinhoDos laccedilos de fitaFaz uma mesuraAgraves moccedilas bonitasrdquo

ou ainda

ldquoCavalo-marinhoDanccedila bem baianoNem parece serUm pernambucanordquo

como mais de um folclorista tem colhido os versos populares em meiospernambucanos Nem e natildeo bem como registrara Pereira da Costa

A distinccedilatildeo que aqui procuramos salientar entre o boi e o cavalo atraveacutesdas relaccedilotildees de um e de outro com a monocultura da cana com o senhorbranco e com o escravo do Nordeste ndash hoje simplesmente com o senhor ecom o trabalhador ndash se surpreende natildeo soacute nesse poderoso drama deexpressatildeo e quase de revolta popular que eacute o bumba meu boi como nosnomes dados pelos donos dos engenhos aos bois de seu cercado e aos cavalosde sua estrebaria Os nomes aos cavalos satildeo mais respeitosos por eles sereconhece no animal um aliado melhor e mais nobre que o boi do senhor deengenho da propriedade da famiacutelia fidalga Os cavalos se chamam com

frequecircncia Marajaacute Rajaacute Priacutencipe Guararapes Sultatildeo Capitatildeo BonaparteSerinhaeacutem Monjope Maipioacute Nomes ilustres Nomes nobres Nomes finos Osbois satildeo quando muito ldquoValorososrdquo mas em geral ldquoMeia-NoiterdquoldquoMalunguinhordquo ldquoMolequerdquo ldquoTraquinordquo ldquoVeludordquo ldquoDesenganordquo Quase osmesmo nomes dados pelos ioiocircs complacentes aos negros de estimaccedilatildeo

De onde veio para o Nordeste o gado de vaacuterias espeacutecies cuja presenccedilacontribuiu para alterar a fisionomia da paisagem em tantos dos seus traccedilosessenciais natildeo eacute fato estabelecido com inteira seguranccedila Afirma-se que deCabo Verde Outros supotildeem que jaacute da capitania de Satildeo Vicente O que eacutecerto eacute que em princiacutepios do seacuteculo XVII estavam inccediladas de gado as duasbandas do rio em seu curso inferior diz Capistrano de Abreu referindo-se aoSatildeo Francisco e fundada em toda essa sub-regiatildeo do Nordeste como emoutros do Brasil a ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo que o velho historiador caracterizouadmiravelmente em uma de suas paacuteginas mais felizes ldquoCivilizaccedilatildeo do courordquoque pelo seu exclusivismo de vida baseada quase que soacute sobre a pecuaacuteriarepresentaria um tipo de organizaccedilatildeo antagocircnica ao da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar

Natildeo cabe nos limites nem na natureza deste ensaio apreciar mesmo depassagem o papel sem duacutevida importantiacutessimo que o gado representou erepresenta ainda nesse tipo de civilizaccedilatildeo quase de fronteira movediccedila eaacutespera dura e asceacutetica Sem casas-grandes mas tambeacutem sem senzalas Semrios em que o homem pudesse confiar para as largas permanecircncias para osesforccedilos profundos de lavoura Sem aacutegua e sem solo que justificassem aagricultura hieraacuterquica com o senhor a cavalo mandando o negro fazer issofazer aquilo e o escravo a peacute fazendo tudo junto com a besta e com o boi

Se nestas paacuteginas se acentua o contraste entre as duas grandes sub-regiotildees eacute para salientar-se ainda uma vez o fato de que a monocultura dacana repeliu o gado para os sertotildees como se enxotasse animais danadosRepeliu o gado do mesmo modo que as matas que os paacutessaros que asplantas que os indiacutegenas mais agrestes Soacute se conservaram nos engenhos oscavalos os bois as plantas as caboclas e a mata a serviccedilo imediato do accediluacutecare dos aristocratas do accediluacutecar

Daiacute desequiliacutebrios profundos na vida e na alimentaccedilatildeo da gente doldquolitoralrdquo e da ldquomatardquo sobretudo da gente das casas de barro a gente pobre e

aparentemente livre moradora nos engenhos de cana mas impedida comose fosse escrava de criar bicho de plantar legume de cultivar a terra deoutro jeito que natildeo fosse a serviccedilo ndash e serviccedilo imediato ndash da monocultura dacana e dos seus senhores

Daiacute a falta de carne de leite de queijo de legume de fruta na mesa degrande parte da gente do Nordeste accedilucareiro ndash fato que jaacute procuramosdestacar em trabalho anterior contrariando a suposiccedilatildeo de que os velhosengenhos patriarcais fossem todos pedaccedilos idiacutelicos de algum extraordinaacuteriopaiacutes de Cocagne O arquivo ainda ineacutedito da antiga capitania dePernambuco ndash a correspondecircncia da corte e outros livros que se conservamem manuscritos ndash como tambeacutem o do Ultramar ou Histoacuterico colonial emLisboa estatildeo cheios de documentos sobre o assunto constantes crises deviacuteveres inclusive da farinha nas terras mais dominadas pela monocultura44

No Nordeste agrave proporccedilatildeo que se estenderam os latifuacutendios do accediluacutecar aaacuterea pastoril como a de mato grosso foi diminuindo rapidamente Opastoreio de tal modo se reduziu em algumas proviacutencias a trechos quasesaarizados da regiatildeo que em alguns desses trechos tempo de seca tecircmchegado a morrer ndash calculam alguns criadores ndash cerca de 90 dos bovinos

Desde dias jaacute remotos que o gado para as necessidades da gente dosengenhos vem de distacircncias enormes Vem do Piauiacute ldquolaacute do Piauiacuterdquo

ldquoMeu boi morreumanda buscar outrolaacute no Piauiacuterdquo

Natildeo soacute essa especializaccedilatildeo riacutegida intensa extenuante do solo numazona remotiacutessima e seca de criaccedilatildeo e em outra agriacutecola de uma extensatildeoconsideraacutevel devido agrave gula de terra virgem ao meacutetodo da coivara aolatifundismo desdenhoso de cuidados com o solo como outros viacutecios dosistema agriacutecola da monocultura vecircm concorrendo para acentuar odesequiliacutebrio entre a pecuaacuteria e a lavoura no Nordeste

As queimadas de que a monocultura da cana fez o seu sistema oficial delimpar a terra para a plantaccedilatildeo natildeo satildeo estranhas ao empobrecimento cadadia maior das pastagens do Nordeste ldquoVatildeo desaparecendo os princiacutepios

nutritivos das forragens provindas de um solo que nada recebe em troca doselementos nobres que o pastoreio de quatro seacuteculos e o fogo anual lheretiramrdquo lembrava haacute anos o agricultor Samuel Hardman em estudo sobre aagricultura e a pecuaacuteria do Nordeste que escreveu para o primeiro esforccediloque jaacute se tentou entre noacutes de estudo das condiccedilotildees e dos caracteriacutesticos daregiatildeo o livro editado em 1925 pelo Diaacuterio de Pernambuco para celebrarseu centenaacuterio ldquoNatildeo haacute provisatildeo de alimentos para os meses da estiagemOs rebanhos encantonados em lsquolargasrsquo ou lsquomangasrsquo reduzidas natildeo podemcomo outrora fugir dos rigores das secas procurando a distacircncia alimento eaacutegua com que ao menos mantenham a vidardquo

Como jaacute salientamos em trabalho anterior45 a monocultura da cana e a

pecuaacuteria exclusivista olhando-se de longe e com olhos de inimigos criaramna economia da regiatildeo um verdadeiro sistema balcacircnico de especializaccedilatildeo deaacutereas de que se tivesse afastado toda a ideia de colaboraccedilatildeo entre a lavoura ea criaccedilatildeo de gado Especializaccedilatildeo de aacutereas verdadeiramente belicosas Oresultado eacute importar o Nordeste accedilucareiro do Sul do Brasil e ateacute doestrangeiro uma quantidade enorme de produtos animais que podiam lhevir mais baratos do outro Nordeste banha queijo manteiga sebo charque eateacute couros e peles Economicamente quase tudo estaacute por ajustar oureajustar entre os dois Nordestes e entre as duas atividades a pastoral e aagriacutecola

Se a cabra daacute ao Nordeste pastoril lugar de importacircncia na produccedilatildeomundial de peles ndash ateacute recentemente o segundo lugar ndash eacute agrave custa desacrifiacutecio seacuterio para a vegetaccedilatildeo regional

Criada agrave solta a cabra eacute um inimigo terriacutevel natildeo soacute de toda a lavouracomo de toda a planta O botacircnico Alberto Loumlfgren em seus estudos sobre oproblema florestal do Nordeste notou que a cabra do nordestino ldquocriadacomo eacute sem a miacutenima vigilacircncia num territoacuterio onde as cercas natildeo satildeo feitaspara dividir terrenos mas unicamente para resguardo dos lsquocercadosrsquo oupequenas plantaccedilotildees faacutecil eacute compreender por que em toda a aacuterea para aqual as cabras tecircm livre acesso natildeo eacute possiacutevel para planta alguma chegar aum desenvolvimento maior a natildeo ser que tenha em si algum meio de defesacomo espinhos glacircndulas fortemente aromaacuteticas ou sucos que afugentemesses inimigosrdquo46 Mas nem assim A proacutepria ldquocabeccedila-de-fraderdquo dos sertotildees a

cabra acha jeito de abri-la com os casacos come entatildeo a gosto os miolosDaiacute o botacircnico Loumlfgren natildeo ter hesitado em incluir bicho tatildeo daninho

quando criado agrave solta entre as ldquocausas artificiaisrdquo que vecircm contribuindo parao aumento da desnudaccedilatildeo nos trechos jaacute meio saarizados do NordesteDificulta-se assim a renovaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo alta e mesmo baixa em trechosoutrora de mato grosso e hoje de mato ralo devido agrave invasatildeo primeiro dacana hoje do algodatildeo Devido agrave monocultura sem meacutetodo agriacutecola manumilitari E esses trechos soacute fazem se estender acinzentando a paisagem

Criada de outro jeito isto eacute sob vigilacircncia ou dentro de cercado a cabrapoderia ser um animal realmente uacutetil aos dois nordestes dando-lhes o leite eexcelente requeijatildeo ndash e natildeo apenas a pele para o grande comeacutercio israelitade peles Mas sem lhes destruir as plantas Criando-lhes os filhos efornecendo-lhes mais facilmente que a vaca a manteiga e o queijo Sendo aperfeita ldquocomadre cabrardquo como diz quase franciscanamente o sertanejo decabra menos arisca que daacute leite aos seus filhos

Curioso eacute o fato de certos anunciantes de jornal do seacuteculo passado nosavisos de cabras de leite agrave venda falarem de animal em termos tatildeoimprecisos que o leitor fica na duacutevida se se trata de mulata ou de animal Poristo os anunciantes mais sensatos tecircm o cuidado de advertir ldquocabra-bichordquoPara ficar bem claro que natildeo eacute ldquocabra-mulherrdquo ndash criatura de melhor leitepara os meninos e menos daninha agraves plantas

Mas a cabra natildeo foi decerto o maior inimigo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecarnem o mais direto O canavial do Nordeste teve inimigos mais terriacuteveis naraposa no guaxinim no guaraacute no porco-do-mato Sem contar as pragaspropriamente ditas o patildeo-de-galinha e o besouro

Claro que aqueles animais do mato inimigos do canavial civilizadorespeacutecie de uacuteltima defesa da vegetaccedilatildeo bruta contra a planta invasora forammais numerosos nas eacutepocas de mato mais denso quando foram tambeacutemmais numerosas as cobras que picavam o negro e o boi agraves vezes o branco e ocavalo

Inimigo maior do cavalo do senhor de engenho foi talvez o morcegocontra o qual as estrebarias se conservavam acesas os estribeiros vigilantes Omorcego de que agora se ocupa tatildeo atentamente o Instituto de PesquisasAgronocircmicas de Pernambuco

A verdade eacute que a accedilatildeo da cobra venenosa nos canaviais do Nordeste ndash aaccedilatildeo da cascavel da surucucu da coral da jararaca ndash nunca se apresentoutatildeo poderosa como nas plantaccedilotildees das Iacutendias Ocidentais onde a cana-de-accediluacutecar natildeo avanccedilou sobre um trecho virgem de terra que natildeo fosse com osacrifiacutecio de muito negro picado de cobra

Contra a raposa e o guaraacute o homem do canavial recorreu agrave ldquoesperardquo aoveneno na banana para a raposa ao veneno no peixe para o guaraacute E a caccedilase juntou agrave queimada para a destruiccedilatildeo de quanto animal do mato teve aafoiteza de querer resistir ao avanccedilo civilizador da cana o sonho de poderviver em paz com os novos donos da terra Pacas cutias tatus capivarastamanduaacutes onccedilas gatos-do-mato tudo foi ficando raro agrave proporccedilatildeo que omato grosso foi desaparecendo para a cana imperar sozinha

Tambeacutem foram ficando raros os paacutessaros nas terras conquistadas tatildeobrutalmente a fogo pela cana-de-accediluacutecar os sabiaacutes quase sem palmeira ondecantar os xexeacuteus os canaacuterios os sanhaccedilus os curioacutes as gurinhatatildes ospintassilgos as almas-de-gato sem o arvoredo gordo que os protegia sem asaacutervores grandes ramalhudas onde faziam tatildeo agrave vontade os seus ninhos eexpostos agraves baladeiras dos moleques agraves espingardas dos mulatos vadios agravesarapucas dos meninos de engenho

O bicho-de-peacute furando os dedos dos homens roendo os peacutes dosmoleques dos engenhos o carrapato e a varejeira perseguindo o gadoabrindo feridas nas vacas foram outros elementos de defesa de mato brutocontra a invasatildeo do canavial civilizador Mas a defesa mais terriacutevel do matocontra o homem do canavial foi talvez a que se exerceu atraveacutes do mosquitoou da muriccediloca Atraveacutes do transmissor do impaludismo e das febres Atraveacutesdos vermes da terra e das aacuteguas dos rios

O homem da casa-grande sem saber ao certo quais seus inimigos maisperigosos foi criando um medo exagerado do ar do ldquoserenordquo da aacutegua dosol de toda a proximidade da mata do contato com a terra pegajenta coma aacutegua barrenta As portas e as janelas das casas-grandes foram se trancandoa ferrolho e travessatildeo agraves primeiras sombras da noite por precauccedilatildeo contrainimigos misteriosos que andavam no ar que vinham do mais profundo dasmatas e das aacuteguas ldquoMiasmasrdquo Bichos Era preciso fechar as casas contrabichos e miasmas As casas e o proacuteprio corpo Em 1855 o meacutedico Carolino

Francisco de Lima Santos em seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo escrevia queldquotornando ainda agrave higiene das vestiduras diremos que aleacutem da vantagemque elas tecircm de conservarem na pele o asseio e flexibilidade o que facilita atranspiraccedilatildeo fazem mais que eacute resistirem por meio de sua superfiacutecie aosmiasmas uacutemidos preservando deles a economia pelo que natildeo podemospassar sem fazer a censura de que satildeo credoras todas aquelas pessoas quepassam a mor parte do tempo com os peitos expostos ao ar ou agraves diversasvariaccedilotildees do dia mas as vestiduras devem ser natildeo soacute apropriadas ao climacomo mesmo ao corpo e de modo que natildeo impeccedilam os movimentos eobstem agrave circulaccedilatildeo do sanguerdquo No inverno ldquoas roupas de latilderdquo eram ldquoasmelhoresrdquo no estio ldquoquando o calor se torna no Brasil abrasadorrdquo ldquoas latildesrdquoconsiderava-as o dr Carolino ldquopor demais nocivas constituindo um estiacutemulodemais aleacutem do naturalrdquo

Vaacuterios viajantes estrangeiros que visitaram os engenhos de accediluacutecar doNordeste ndash um deles Tollenare ndash observaram o fato da maioria das casasficarem em grandes espaccedilos inteiramente nus quando muito umjardinzinho ou um laranjal de lado detraacutes da casa algumas touceiras debananeira onde se defecava de manhatilde cedo Mas nenhuma intimidade comas grandes aacutervores da terra que era para evitar intimidades com os bichos Osbichos que ficassem ao longe grande nuacutemero deles desconhecidos na genteda casa-grande sem nome vagos Simplesmente bichos

Um ou outro desses bichos era admitido agrave intimidade das casas ficandoem gaiolas pelo terraccedilo pelo corredor pelas salas algum papagaio algumperiquito algum saguim alguma arara Poucos chegavam agrave intimidade dacozinha a paca o tatu o veado Porque nem na culinaacuteria da casa deengenho o bicho do mato teve saliecircncia A civilizaccedilatildeo do canavial avanccediloupelo mato levando consigo como em campanha militar os seus proacutepriosanimais de corte para regalo do colono patriarcal o porco o boi o carneiro opombo O bicho de caccedila ou do mato aparecia agrave mesa do senhor de engenhouma ou outra vez Era prato quase exoacutetico

A superioridade militar do bandeirante sobre o senhor de engenhoparece em grande parte consequecircncia disto da alimentaccedilatildeo dobandeirante ter se tornado rapidamente quase a mesma alimentaccedilatildeo doindiacutegena Bichos e frutas da terra A do senhor de engenho natildeo conservou-

se o mais possiacutevel portuguesa absorvendo depois muito elemento negro eassimilando aos seus estilos os frutos os animais e os produtos da terrautilizados pelos indiacutegenas

Tambeacutem o cachorro e o gato tornaram-se animais a serviccedilo do avanccedilocivilizador da cana-de-accediluacutecar em oposiccedilatildeo ou antagonismo aos animais damata Principalmente o cachorro companheiro do caccedilador e vigia doterreiro da casa-grande sempre na tocaia de algum bicho do mato maisatrevido que aparecesse para os lados da casa de engenho querendo bebermel comer galinhas roubar pinto Agraves vezes quase ligado agrave proacutepria vidaemotiva dos homens como o cachorro que Joseacute Ameacuterico de Almeida fazpassar por algumas das paacuteginas mais intensas de A bagaceira Romanceverdadeiramente ecoloacutegico de tal modo os animais e as plantas da regiatildeoparecem participar da dor e da vida dos homens

O gato foi uacutetil agraves casas de engenho pela perseguiccedilatildeo aos ratos tatildeoperigosos agraves civilizaccedilotildees do accediluacutecar grande como tende a ser a suaproliferaccedilatildeo no azedo das bagaceiras e dos trapiches Em Java o rato chegoua ser ameaccedila seriiacutessima para os engenhos diz-se que soacute em volta de umafaacutebrica mataram-se durante uma epidemia entre nove e doze mil ratos

Os sapos parece que tecircm direito a lugar entre os bichos uacuteteis agraves casas-grandes e aos engenhos natildeo devendo ser incluiacutedos entre os daninhos comoos ratos os morcegos as baratas E o mesmo se deve dizer das corujas tatildeocaluniadas como os sapos como animais agourentos mas na verdadeprestimosos como devoradores de bichos daninhos

Uacutetil foi tambeacutem ateacute certo ponto agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste ourubu ainda hoje e apesar de todos os perigos de sua presenccedila repugnanteconsiderado insubstituiacutevel em certos trechos rurais e ateacute urbanos da regiatildeocomo consumidor de carniccedila ou devorador de restos de bicho morto Aourubu deve-se ainda a propagaccedilatildeo do dendezeiro pelo Nordeste da cana-de-accediluacutecar que foi uma propagaccedilatildeo uacutetil Uacutetil e esteticamente significativa

O carneiro parece que nunca foi animal de corte cuja carne fosseconsumida agrave grande no Nordeste ou nas demais regiotildees do Brasil agraacuterio oupastoril Nash notaria o fato nos nossos dias47 Luccock observou-o haacute mais

de um seacuteculo interpretando-o segundo informaccedilotildees que pocircde colher sobreo assunto como resguardo ou abstinecircncia de caraacuteter miacutestico ou religioso48

Tratando-se do animal simboacutelico do redentor ndash ldquoCordeiro de Deus que tira ospecados do mundordquo ndash teria se desenvolvido na populaccedilatildeo estranharepugnacircncia pela carne do carneiro O fato eacute que natildeo haacute animal que passepelos anuacutencios de jornal do seacuteculo XIX entre palavras de tanta ternuracomo o carneiro Sobretudo o carneirinho mocho com um laccedilo de fita azulno pescoccedilo O carneirinho capado quase uma bola de latilde de gordo quequando desaparecia de alguma casa roubado por algum cigano ou ladratildeomais afoito era deixando saudades enormes aos meninos e agraves pessoasgrandes Tambeacutem aparecem com frequecircncia nos anuacutencios entre palavrasmuito meigas ldquoas ovelhas de muito bom leiterdquo

Um animal muito dos anuacutencios ndash o que indica a sua importacircncia na vidado antigo Nordeste patriarcal ndash eacute o ldquopapagaio falador e bomrdquo como o que haacutecem anos tinha para vender a botica de Cypriano Luz da Paz agrave Rua doColeacutegio no Recife papagaio com ldquoos encontros encarnados e algumas penasencarnadas nas pontas das azasrdquo como o que um dia fugiu do sobrado quefoi do doutor Bernardo defronte do Carmo em Olinda49

Alguns animais exoacuteticos parece que se tornaram conhecidos nosengenhos e nas feiras do Nordeste atraveacutes dos ciganos que iam de umengenho a outro diz a tradiccedilatildeo que com meninos agraves vezes roubados quefaziam acrobacias sobre cavalos geralmente tambeacutem roubados com ursosverdadeiros ou entatildeo fingidos ndash soacute a pele ou a imitaccedilatildeo da pele do animalpor cima de um homem ndash que danccedilavam ao som de pandeiros commacacos ou macacas grandes vestidas de sinhaacutes cheias de laccedilos de fitasque tambeacutem danccedilavam e faziam graccedilas Mas esses ciganos alguns morenos ebigodudos foram sobretudo ladrotildees de cavalos de bois e de escravos daregiatildeo agraves vezes revendedores de escravos e de cavalos ou caldeireirosconsertavam peccedilas de engenho Eacute possiacutevel ainda que gente em extremoporcalhona os ciganos desde o seacuteculo XVII desterrados no Nordeste ndashdesde 1686 pelo menos ndash fossem grandes propagadores da pulga e dopercevejo por esta regiatildeo brasileira Parece que foram eles os primeiros aserem chamados ldquogringosrdquo no Nordeste Eacute pelo menos o que pensa Pereira daCosta em nota que se encontra entre seus manuscritos

Os animais tecircm na vida do brasileiro do Nordeste da cana-de-accediluacutecaruma importacircncia miacutestica consideraacutevel Estatildeo em suas histoacuterias nos cantos

populares na poesia da gente do povo no anedotaacuterio obsceno ndashconsequecircncia de sua ligaccedilatildeo iacutentima com a vida sexual do menino e domoleque de engenho Mas eacute curioso notar que os animais importados e natildeotanto os da terra ndash o cavalo o boi a vaca o burro a besta o carneiro aovelha o porco a cabra o gato Eacute certo que tambeacutem se encontram nashistoacuterias o tatu a onccedila o caacutegado a cobra a raposa da terra agraves vezessubstituindo animais exoacuteticos de histoacuterias europeias asiaacuteticas ou africanasPara a grande parte da gente do litoral a maioria dos animais da terracontinua sendo entretanto criaturas quase indiferenciadas dentro daexpressatildeo vaga ldquobichosrdquo E os animais mais familiares e mais identificadoscom o homem os trazidos da Europa

As ferraduras de cavalos e os chifres de boi ndash precisamente os doisanimais mais ligados agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar agrave conquista da mata pelocanavial ndash datildeo felicidade Os mariscos e buacutezios os dentes de jacareacute e decobra pendurados no pescoccedilo dos meninos livram-nos do mau-olhadoBorboleta preta eacute agouro Coruja eacute agouro Besouro-mangangaacute eacute agouroCoruja e sapo satildeo bichos agourentos

Enquanto isto o jogo de bicho tatildeo popular no Nordeste do Brasil e deorigem talvez remotamente oriental conserva na populaccedilatildeo do litoral e daldquomatardquo a miacutestica do bicho dando significaccedilatildeo convencional aos sonhos comanimais Mas principalmente aos sonhos com animais de origem europeia

33 Koster op cit34 Desembargador Joatildeo Rodrigues de Brito e outros Cartas econocircmico-poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)35 Mansfield op cit Sobre as primeiras substituiccedilotildees dos maus caminhospor estradas de ferro no Nordeste veja-se o recente ensaio do professorEstecircvatildeo Pinto Uma estrada de ferro do Nordeste (Rio de Janeiro 1949)em que traccedila a histoacuteria da Great Western Veja-se tambeacutem nosso Ingleses noBrasil Rio de Janeiro 194836 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)

O transporte de gente e artigos em costas de cavalos e burros tornou oNordeste agraacuterio regiatildeo particularmente rendosa para os ciganosnegociantes de cavalos junto aos senhores de engenho

O pesquisador Felte Bezerra autor de Etnias Sergipanas (Aracaju1950) observa que ldquoa designaccedilatildeo de cigano entre noacutes tem mais sentidocultural do que eacutetnico traduz vida nocircmade e sustentada por trocas ebarganhasrdquo E a propoacutesito lembra que no ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do SantoOfiacuteciordquo de D Marcos Teixeira (Anais da Biblioteca Nacional vol XLIX)estaacute citada uma Joana Ribeiro a cigana moradora em Sergipe del-Rei ldquoque eacuteapontada como israelitardquo O que talvez explique tambeacutem a extensatildeo antescultural do que eacutetnica da designaccedilatildeo de ldquogringordquo no Nordeste e em outrasregiotildees do Brasil Designaccedilatildeo que inclui ingleses norte-americanos italianosjudeus depois de ter se aplicado principalmente segundo o historiadorPereira da Costa a ciganos37 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)38 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)39 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco Veja-se tambeacutem a propoacutesito decaracteriologia equina conservada ou desenvolvida em vaacuterias sub-regiotildees doNordeste pela sabedoria popular ndash e da qual as descriccedilotildees nos anuacutencios dejornal satildeo agraves vezes reflexo ndash os estudos dos mestres de folclore regionalGustavo Barroso (Terra de Sol Rio de Janeiro 1930) Leonardo Mota (ldquoOcavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5 de setembro de1937) Luiacutes da Cacircmara Cascudo (Geografia dos mitos brasileiros Rio deJaneiro 1947) e Theo Brandatildeo que em seu Folclore de Alagoas (Maceioacute1949) dedica um capiacutetulo inteiro a ldquoO cavalo no folclorerdquo Aiacute recorda opesquisador alagoano vaacuterios ditados brasileiros ou regionais relativos acavalos ldquoPraga de urubu natildeo mata cavalo gordordquo ldquoCoices de garanhatildeo paraeacutegua carinho satildeordquo ldquoQuem quer viver sossegado tenha mulher feia e cavalocapadordquo ldquoFaca soacute areada cavalo soacute rudadordquo ou ldquoDinheiro soacute trocado cavalosoacute rudadordquo etc

Alguns desses ditados recolheu-os outro pesquisador alagoanoMendonccedila Juacutenior em trabalho ldquoOs ladrotildees de cavalordquo publicado no Jornalde Alagoas em 1948 e citado pelo sr Theo Brandatildeo no seu interessanteestudoEm capiacutetulo anterior ldquoParemiologia alagoanardquo anotara o sr Theo BrandatildeoldquoCavalo de cara brancaHomem chamado MessiasMulher de quartoempinadoTibi Vocircte Ave Mariardquo40 Artur Orlando O Brasil ndash a terra e o homem Recife 191341 Leia-se sobre o assunto Louis Bernard Schmidt (ed) Readings in theeconomic history of american agriculture Nova Iorque 192542 Artur Orlando op cit43 Juacutelio Belo Memoacuterias de um senhor de engenho Rio 1937

Vejam-se tambeacutem os estudos sobre folclore e teatro de Samuel Campelo

em Novos estudos afro-brasileiros Rio 1937 e no Livro do Nordeste

comemorativo do 1o centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco Recife 192544 Vecirc-se por esses documentos que a falta foi menos das administraccedilotildeesportuguesas que do privatismo dos senhores de engenho e dos plantadoresde mandioca dominados pela fuacuteria monocultora O governador D TomaacutesJoseacute de Melo chegou a ser quase violento nas suas medidas a favor daplantaccedilatildeo da mandioca como se vecirc no seu edital de 9 de maio de 1792 e sua

ldquoCarta circular aos correges das camas sobre as plantaccedilotildees de mandiocardquo 10de janeiro de 1797 Manuscritos que se conservam na Biblioteca do Estado dePernambuco A carta vai aqui transcrita

ldquoComo natildeo tem chegado a secretaria deste governo os mapas deplantaccedilatildeo da mandioca na conformidade do meu edital de 9 de maio de1792 a carta de 6 do dito e vejo que continua a falta de farinhaabsolutamente indispensavel para a manutenccedilatildeo destes povos para se darem especie a tropa e nunca em dinheiro como determinatildeo as Reaes Ordense pelas que tive de remeter deste genero para os Reaes Arcenaes provindotalvez esta falta de se natildeo executarem as providecircncias que por varias vezestenho dado para animar aquella plantage amortecida pela do algudatildeo quecegos drsquoambiccedilatildeo plantatildeo geralmente os agricultores sem attenderem aacutenecessidade da farinha que he o Pam comum cordenario deste Paiz

Novamente recomendo e encarrego a vme da execuccedilatildeo de meu sobre dito

edital que vme deve exactamente fazer cumprir atheacute pela sua obrigaccedilatildeo decorregedor e cobraraacute infalivelmente e com toda possivel brevidade os mapasque lhe devem dar os capitaens mores emconformidade do sect 5ordm do ditoedital os quais examinaraacute e verificaraacute para me dar omissatildeo que eu tenha naexecuccedilatildeo do que lhe determino nesta minha carta e de havella recebido medaraacute parte para a todo tempo constar nesta secretaria qursquoeu tenho sempreem vista hum objecto de tanta consideraccedilatildeo No caso qrsquo dos capitaens moresaos quaes comunicar aacute esta minha terminante resoluccedilatildeo natildeo terem feito aobrigaccedilatildeo que lhes encumbe o sobre dito edital pm lho extranharaacute por ordemminha pela primeira vez e lhe consignaraacute tempo certo que julgarproporcionado para lhe apresentarem os mapas e se no fim do tempoaprazado ainda continuarem na mesma omiccedilatildeo lhes ordenaraacute que logocompareccedilam a minha presenccedila sem perda de tempo para eu os castigarconforme me parecer devendo ainda participar-me por escripto do dia emque lhe determinou esta minha ordem afim de eu vir no conhecimento setiveram descuido de aporem logo em execuccedilatildeo cuja parte me deve ser

remetida por correios a custa dos mesmos capitaens mores

Deos guarde a Vme muitos annos Olinda 10 de janeiro de 1797 ndash ThomazJoseacute de Mellordquo45 Casa-grande amp senzala cuja primeira ediccedilatildeo apareceu em dezembrode 1933

Sobre famiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar com o empobrecimento deterras ou por outros motivos se transferiram para o do algodatildeo e o dopastoreio ndash enquanto outras com as secas desceram ou regressaram do altosertatildeo para o litoral ndash tem em preparo interessantes paacuteginas que incluiraacuteem livro a aparecer breve o sr Joseacute Augusto Bezerra de Medeiros antigogovernador do Estado do Rio Grande do Norte ele proacuteprio aparentado comfamiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar se deslocaram para aqueles outrosNordestes igualmente patriarcais como os Galvatildeo os Arauacutejo os Barbosa Estefoi tambeacutem o caso do ramo da famiacutelia Albuquerque Cavalcanti conhecido porArcoverde em recordaccedilatildeo do sangue ameriacutendio que desde o iniacutecio dacolonizaccedilatildeo europeia do Nordeste tornou-o um dos grupos maisteluricamente nordestinos dentre as famiacutelias de prol Desse ramo eradescendente o ilustre Joaquim Arcoverde de quem Roma fez o primeiropurpurado na Ameacuterica Latina Natildeo nasceu ele em casa-grande autecircnticadas terras de massapecirc do Nordeste como Arauacutejo Lima nem em sobradonobre de cidade do litoral como Joaquim Nabuco mas em casa soacutesimbolicamente grande de terras entatildeo sertanejas pela sua condiccedilatildeo debravas e de distantes dos antigos rios de engenhos da zona da ldquomatardquo Paraessas terras foram vaacuterios os filhos de famiacutelias de prol do Nordeste do massapecircque emigraram em um como bandeirismo de proporccedilotildees apenas regionaismas nem por isto destituiacutedos de aspectos heroacuteicos de pioneirismo natildeo soacuteromacircntico como construtivo46 Alberto Loumlfgren op cit47 Roy Nash The conquest of Brazil Nova Iorque 192648 John Luccock Notes on Rio de Janeiro and the southern parts ofBrazil taken during a residence of ten years in that country from 1808to 1818 Londres MDCCCXX49 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-[ ])

5 ndash A CANA E O HOMEM

Pode-se atribuir agrave monocultura da cana a formaccedilatildeo ndash pelasedentariedade pela endogamia profunda pela especializaccedilatildeo regional decondiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo e de dieta e ainda pelas restriccedilotildees sociais agraveseleccedilatildeo sexual entre a gente das casas-grandes ndash do tipo mais puro dearistocrata brasileiro o senhor de engenho Principalmente o senhor deengenho pernambucano misto de ldquobaianordquo de cidade e de gauacutecho

Tambeacutem a formaccedilatildeo menos pela sedentariedade e pela endogamia quepela especializaccedilatildeo regional de condiccedilotildees de vida de trabalho e dealimentaccedilatildeo de um tipo rural de homem do povo caracteristicamentebrasileiro Para esse tipo concorreram diferentes figuras hoje quasedesconhecidas na sua pureza do antigo sistema agraacuterio e patriarcal o cabrade engenho o moleque da bagaceira o capanga (de ordinaacuterio caboclo oumulato) o mulato vadio caccedilador de passarinho o malungo o pajem obranco pobre o ldquoamarelordquo livre a matildee preta a mucama o negro velho ocurandeiro o caboclo conhecedor da mata e dos seus bichos a ama de leitetapuia ou negra a ldquocabra-mulherrdquo

O homem do povo do Nordeste tem hoje um pouco de todas essasfiguras um pouco dos caracteriacutesticos em que se especializou cada umadelas Do mesmo modo que tem o sangue de todas mais o sangue azul dascasas-grandes E em certos trechos eacute talvez o mesticcedilo brasileiro mais

proacuteximo daquela relativa estabilidade de traccedilos semelhante agrave dopolineacutesio50 que um dia permitiraacute talvez falar-se de uma raccedila ou quase raccedila

brasileira de homem moreno do Nordeste se alguma massa consideraacutevel deimigraccedilatildeo estrangeira natildeo vier em dia mais proacuteximo perturbar amiscigenaccedilatildeo dos elementos tradicionais Mas perturbaacute-la de modo tatildeoviolento que lhe destrua os caracteriacutesticos jaacute quase assentados entre algunstraccedilos ainda instaacuteveis e variados

Foi a monocultura da cana que criou condiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo ede alimentaccedilatildeo particularmente favoraacuteveis pela relativa uniformidade ouquase semelhanccedila dos processos e dos valores utilizados em cada umadaquelas esferas de populaccedilatildeo ndash na alta e na baixa ndash para a formaccedilatildeo dosdois tipos de homem regional o aristocrata e o homem do povo

Na alimentaccedilatildeo de ambos mas especialmente na do aristocrata oproacuteprio accediluacutecar de cana teve uma importacircncia que os velhos cronistas comoD Domingos do Loreto Couto no seacuteculo XVIII jaacute salientavam e que os maisrecentes ndash como haacute quase meio seacuteculo Artur Orlando ndash ainda potildeem emdestaque

D Domingos considerava o tipo pernambucano influenciado pelo uso doaccediluacutecar talvez maior no Nordeste dos canaviais do que em outras regiotildeesbrasileiras Apresentando restriccedilotildees ao aforismo da eacutepoca ndash ldquotodo doce seconverte em colerardquo ndash e aos doutores que atribuiacuteam o aumento de ldquohumorbiliosordquo ou ldquohumor colericordquo agrave comida de doces o beneditino acreditava queo accediluacutecar em vez de corrosivo como pretendia Mirandelo fosse ldquoexcellentepreservativordquo ldquoo que bem se experimenta em todas as fructas que aspreserva de toda a corrupccedilatildeordquo ldquoSeraacute assimrdquo ndash acrescentava ndash ldquoque acontinuada e demasiada comida de doces augmenta o humor colerico masa experiencia nos mostra que pessoas muito amigas de doces satildeofleugmaticas e talvez que da abundancia deste humor proceda aquellapreguiccedila que a tantos reduz a um miseravel estadordquo51 Ora precisamente o

ldquohumor fleugmaticordquo ldquoque predominando no homem o faz em tudovagoroso descansado tardo sonnolento e preguiccedilosordquo parecia ao beneditinoo caracteriacutestico se natildeo dos cabras de engenho ndash capazes de tatildeo durostrabalhos ndash dos senhores das casas-grandes que ele proacuteprio retrata tatildeoindolentes e morosos Se com efeito o accediluacutecar tornava os homens ldquobiliososrdquo

isto eacute dinacircmicos pensava D Domingos que o seu uso soacute poderia ser beneacuteficoagrave populaccedilatildeo no Nordeste mais chegada ao ldquopestilento humor fleugmaticordquoque ao ldquobiliosordquo Pelo menos a camada aristocraacutetica da populaccedilatildeo os brancosarredondados e lentos das casas-grandes alguns de voz ou fala tatildeo arrastadaque era como se tivessem preguiccedila de falar Tal o caso dos Wanderleys aindahoje lentos no falar e no andar

Mansfield notaria um seacuteculo depois de D Domingos ndash tatildeo entusiasta doemprego do accediluacutecar no preparo dos doces de conserva pois toda frutaadquire uma vez accedilucarada ldquonovo serrdquo e ldquodilatada a duraccedilatildeo e com preciosaexistencia se conservardquo ndash verdadeiro abuso do accediluacutecar no preparo dessesmesmos doces52 As goiabadas as marmeladas os doces de caju perdiam o

gosto da fruta para adquirir unicamente o de mel de engenhoEsses doces eram muito apreciados particularmente o de goiaba no

tempo de Mansfield o doce mais caracteriacutestico da sobremesa das casas-grandes do Nordeste

As sinhaacutes e os meninos eram doidos por doce doidos por accediluacutecar ateacute emforma de alfenim de alfeolo de confeito tatildeo saboreados pelos meninos epelas moccedilas quanto o doce ou a geleia de goiaba e de araccedilaacute pelos senhoresmaduros e ateacute pelos velhos

Os proacuteprios senhores de engenho eram uns gulosos de doce e decomidas accedilucaradas Houve engenho que ficou com o nome de ldquoGulosordquo EManuel Tomeacute de Jesus no seu engenho de Noruega antigo dos Bois vivia aencomendar doces agraves doceiras de Santo Antatildeo vivia a receber presentes dedoces de seus compadres Os bolos feitos em casa pelas negras natildeo chegavampara o gasto O velho capitatildeo-mor era o mesmo que menino por alfenim ecocada E como estava sempre hospedando frades e padres no seu casaratildeode Noruega tinha o cuidado de conservar em casa uma opulecircncia de docesfinos

Em seus papeacuteis velhos encontramos mais de uma conta de doceira Maisde uma carta de compadre lhe mandando presente de doce Uma dasdoceiras dona Isabel preparou para uma festa que o capitatildeo-mor deu emcasa em 1833 verdadeira montanha de gulodices de accediluacutecar ldquobolinhos deraiva pudim de milho patildeo de loacute bolinhos de manteiga suspiros bolinhos deovos queijadinhas de alfenim e ovos tortilhas tapiocas de ovos pasteis de

qualhada cocadinhas de ovos laranjas seccas cajuacutes seccos limatildeo de caldardquoTodos esses doces e mais ldquoTrez pyramides de assucar refinado para enfeitedo meio da mesardquo ldquocujas pyramidesrdquo ndash acrescentava gentilmente Da Isabelndash ldquonada custamrdquo53

Natildeo admira diante dessas piracircmides de accediluacutecar que as iaiaacutes de engenhofossem senhoras tatildeo gordas que os proacuteprios senhores e sinhocirc-moccedilos fossemmuitos deles enormes de gordos alguns ateacute obesos como certos Wanderleyslouros de Serinhaeacutem ainda hoje doidos por mel de engenho com farinhaquebrando por amor dele sua dieta de diabeacuteticos O muito accediluacutecar concorriapara arredondar os ioiocircs as iaiaacutes as mucamas as matildees pretas os cavalos emcriaturas volutuosamente gordas E fazia ateacute de filtro amoroso para os donjuan e para os namorados

No arquivo de outro senhor de engenho o baratildeo de Jundiaacuteencontramos uma carta que eacute um elogio ardente da goiabada feita em casaem certo engenho do Nordeste O doce pernambucano teria agido comoverdadeiro filtro amoroso sobre uma mulher bonita do Rio de Janeiro Acarta eacute datada da corte e assinada por uma figura ilustre do tempo doimpeacuterio muito da intimidade poliacutetica e pessoal do marquecircs de Olinda ehomem erudito e sisudo Mas ao amigo ele se abre ldquoDize a senhorzinho queeu lhe envio hum abraccedilo muito apertado natildeo soacute como symbolo da nossaamizade como tambem em agradecimento dos grandes effeitos que suagoiabada tem me aqui produzido Si elle soubesse ou pudesse suppocircr queaquelle bello doce fez aqui brilhantes conquistas em favor de meo coraccedilatildeode linda cara e saboroso corpo certamente de inveja natildeo mrsquoo teria dado OhQue bellas noites aacute custa da goiabadardquo54

Sabe-se que algumas famiacutelias de engenho do Nordeste ligaram o nome adoces e bolos finos feitos em casa com todo o esmero e quase em segredoUma verdadeira liturgia do doce Uma quase maccedilonaria de famiacutelia ou decozinha O bolo Sousa Leatildeo eacute um dos mais caracteriacutesticos desse privatismoexagerado dos tempos patriarcais das almanjarras e dos banguecircs Uma dastradiccedilotildees mais ilustres da antiga civilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar do que oseu oacutecio e os seus vagares produziram de mais tiacutepico ndash desde a casa-grandede engenho Magaiacutepe ao poema de Maciel Monteiro ldquoformosa qual pincel emtela finardquo (diz-se que inspirado por certa iaiaacute muito bonita cujo retrato

pintado a oacuteleo ainda conhecemos na sala de visitas de velho casaratildeo doRecife) desde o punhal fino de Pasmado agrave festa do Santo Cristo de Ipojucacom senhores de engenho se humilhando na presenccedila dos negroscarregando cruzes enormes de madeira caminhando pelas ladeiras de peacute nochatildeo e cobertos de mortalhas Mas ao mesmo tempo pagando promessasfaustosas de muitas arrobas de cera E terminada a procissatildeo comendomuitos doces muitos bolos muita comida de accediluacutecar Ou mesmo comendo-osdurante a procissatildeo como era uso desde o seacuteculo XVI Flagelando-se mascom accediluacutecar na boca

A goiabada de Pernambuco por muito tempo foi doce feitoliturgicamente em casa Se hoje eacute um doce industrializado um simples docede lata sem misteacuterio nenhum e quase sem gosto a ponto de perder em saborpara a goiabada de Campos teve seu periacuteodo de gloacuteria nos grandes dias dacivilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar A geleia de araccedilaacute o doce de caju tambeacutemEm nossos dias o bolo Sousa Leatildeo o bolo Cavalcanti o bolo dr Constacircncio obolo do major o Fonseca Ramos o Guararapes resistem agrave industrializaccedilatildeonatildeo soacute pela sua natureza mais complexa como pelo ciuacuteme de sinhaacutes-donasilustres que conservam as receitas dos velhos bolos como joias de famiacuteliaReliacutequias quase sagradas das avoacutes gordas das tias paacutelidas que desciam elasmesmas agrave cozinha para fazer os doces da casa como para um ato quase dereligiatildeo

Mas o accediluacutecar de cana natildeo teve soacute entusiastas Ao muito doce naalimentaccedilatildeo da gente de engenho alguns criacuteticos foram atribuindo umaseacuterie de males Que os maus dentes dos aristocratas das casas-grandes ndash dasproacuteprias sinhaacutes segundo salientaram observadores holandeses do seacuteculoXVII ndash resultavam do muito accediluacutecar que consumiam Que algumas moccedilasdengosas soacute se alimentando de doces ndash com vergonha de comer carne epiratildeo ndash definhavam Que os meninos criavam lombriga do muito doce que aspretas davam a eles

ldquoFrequentes vezes se tem dito que o uso do assucar faz cahir os dentes ndashescrevia em 1839 um redator do O auxiliador da induacutestria nacional ldquomasde certo que natildeo satildeo os dos negros dos engenhos porque elles os teem todos ebrancos como perolasrdquo Os moleques com efeito chupavam muita cana Osmeninos tambeacutem muito rolete de cana E aleacutem de alfenim bebiam muita

garapa muito caldo de cana Mas parece que no interior das casas-grandesdentro das camarinhas eacute que era maior o consumo de doce e laacute eacute que seencontravam as pobres moccedilas bonitas mas de dentes podres que algunsobservadores tanto lamentaram no Brasil patriarcal As moccedilas que natildeo sealimentavam senatildeo de caldos de pintainhos bichinhos de alfenim geleiadoce confeito As de dieta mais variada de vida mais livre se desenvolviamem iaiaacutes gordas corpulentas agraves vezes ateacute em amazonas andando a cavalomelhor do que os ioiocircs Sinal de que a causa do enlanguescimento natildeo era oaccediluacutecar Eram outros erros de dieta e de vida

Quanto aos negros natildeo seria durante a colheita das canas ldquoapezar denessa epoca o seu trabalho se tornar mais fatiganterdquo que eles ficavam ldquomaisgordos e de melhor saude e mais alegres que em todo o resto do annordquo comoos retratou um cronista dos princiacutepios do seacuteculo XIX Eles como os bois queentatildeo comiam muito bagaccedilo de cana e tornavam ldquoa tomar toda a sua forccedila enidiez perdidos na outra metade do annordquo Vaacuterios cronistas datildeo o mesmodepoimento que esse recolhido pelo O auxiliador da induacutestria nacionalTempo de colheita de cana era tempo de negro gordo e de boi gordo Denegro satildeo e de boi sadio Os quais tambeacutem se regalavam no tempo de veratildeocom os cajus de que no litoral se espaccedilava o chatildeo nas terras de engenhosfavorecidos com cajueiros

Nos princiacutepios do seacuteculo XIX e eacute possiacutevel que desde eacutepoca mais remotajaacute se acreditava no Brasil na vantagem da cana-de-accediluacutecar contra oescorbuto Mal de que tanto sofriam os pretos e os brancos nas longas viagensde mar e ateacute em terra sob os rigores da monocultura quando finda a safrade cana faltavam frutas e legumes verdes aos engenhos mais descuidadosdos ldquomantimentosrdquo e dos pomares das culturas ancilares

Parece que o fato de em alguns pontos do paiacutes se terem encontradodesde os princiacutepios do seacuteculo XVI plantaccedilotildees de cana ndash dando origem agravesmuitas discussotildees sobre a sua origem entre noacutes ndash se prende agrave crenccedila queteriam os portugueses da eacutepoca (tatildeo experimentados nas viagens longas demar) na vantagem do suco da cana contra o escorbuto dos marinheiros55

O accediluacutecar de cana entrou no preparo de vaacuterias mezinhas caracteriacutesticasda medicina caseira do Nordeste ndash algumas descritas pelo folclorista ehistoriador Luiacutes da Cacircmara Cascudo em suas recentes e sugestivas ldquoNotas

sobre o Catimboacuterdquo publicadas nos Novos estudos afro-brasileiros ndashconservando o seu antigo papel de droga de artigo vendido nas boticas daEuropa do seacuteculo XVI para remeacutedio para emplastro para bruxedo Ousimplesmente para disfarccedilar o amargo de certos sucos de plantas medicinaisdos curandeiros negros e caboclos E natildeo soacute a medicina popular da regiatildeomas a poesia do povo ficou impregnada de accediluacutecar de cana do seu gosto doseu cheiro do seu visgo

Faltam aos modernos estudos afro-brasileiros as pesquisas iniciadas porMacedo Soares ndash pioneiro que estaacute sendo tatildeo esquecido ndash sobre a influecircnciabrasileira em vaacuterios trechos da Aacutefrica Influecircncia que se exerceu atraveacutes decolocircnias de ex-escravos natildeo tanto de engenho mas de armazeacutem e detrapiches de accediluacutecar que ali se estabeleceram tomando o nome deldquobrasileirosrdquo agrave maneira dos colonos portugueses que outrora enriqueciam noBrasil voltando agraves aldeias ldquobrasileirosrdquo e ldquoricosrdquo cheios de latas de doce degoiaba e de sacos de farinha de mandioca e conservando gostos costumes eestilos de vida adquiridos aqui O gosto da farinha O do mel de engenho Odo milho

Feitas essas sondagens ndash e agora mesmo estamos empenhados nelas coma valiosa colaboraccedilatildeo do pesquisador francecircs Pierre Verger haacute de ver-se queos negros do Recocircncavo da Bahia como os do extremo Nordeste queconseguiram voltar agrave Aacutefrica e aiacute se estabelecer agrave margem de duas culturasvivendo uma vida sociologicamente hiacutebrida isto eacute sem pertenceremdefinidamente a nenhuma cultura levaram para as aldeias africanas muitacoisa do complexo brasileiro da cana-de-accediluacutecar O gosto do accediluacutecar eacute dos queconquistam o homem de maneira poderosa Principalmente quandoadquirido na meninice mesmo na meninice do escravo nem sempre menosalegre que a do menino branco

O negro tornou-se parte do grande complexo brasileiro de cana-de-accediluacutecar A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar natildeo se teria feito sem ele ndash diga-se mais umavez Diga-se sempre O padre Vieira viu no negro o Cristo da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar ldquonatildeo ha trabalho nem genero de vida no mundo mais parecido aCruz e aacute Paixatildeo de Christo que o vosso em um desses engenhosrdquo E o padreCardim jaacute notara que muito sofrimento custava ao negro o fabrico de accediluacutecare muito pecado ao branco

A civilizaccedilatildeo brasileira do accediluacutecar que culminou em Pernambuco teve dedepender do escravo negro de modo absoluto Duarte Coelho compreenderadesde os seus primeiros dias de donataacuterio que o homem necessaacuterio agrave lavourada cana e ao fabrico do accediluacutecar era o africano Daiacute a importaccedilatildeo de escravospara a sua capitania se ter feito logo e com intensidade dando agrave NovaLusitacircnia as condiccedilotildees de permanecircncia e de continuidade de esforccediloagriacutecola que faltaram a outras capitanias

Por sua vez Duarte Coelho e Da Brites ndash eles e o grupo de portuguesessoacutelidos da pequena nobreza do norte de Portugal que os acompanharam aPernambuco ndash trouxeram para o Nordeste do Brasil a profunda afeiccedilatildeo agraveterra que faltou a tantos outros donataacuterios e colonos A cultura da canacorrespondia melhor a esse seu gosto de ldquoportugueses velhosrdquo afeiccediloados agraveterra que a exploraccedilatildeo do pau-de-tinta da canafiacutestula das peles tatildeosedutoras para os simples aventureiros e para os cristatildeos-novos

No caso de Duarte e de seus colonos a alianccedila do homem com a cana foio que se pode chamar um casamento de amor e natildeo simplesmente deinteresse Duarte Coelho fez da cana natildeo um substituto vegetal do ouro edos rubis que natildeo se encontraram aqui ndash para desapontamento dos colonosmais aventureiros ndash mas a base de uma organizaccedilatildeo agriacutecola que soacute o seuamor agrave terra ndash amor de velho agricultor ndash teria conseguido estabelecer comtanta bravura e com tanta seguranccedila nos troacutepicos Combatendo os iacutendios e osanimais mais contraacuterios ao avanccedilo do canavial do engenho da casa-grandeda capela ele combateu tambeacutem entre os seus os simples aventureiros quepretendiam fazer fortuna derrubando aacutervores e matando bichos paravender a pele

Sua voz jaacute lembramos que foi a primeira grande voz de portuguecircs que selevantou na Ameacuterica e talvez nos troacutepicos a favor da mata e da aacutervore Elenatildeo queria a mata devastada a esmo e brutalmente Pelo seu gosto o canavialteria avanccedilado com o miacutenimo de destruiccedilatildeo da riqueza nativa

Quando jaacute no fim da luta Duarte Coelho se descreve quase biblicamentea si proacuteprio como ldquoquem ganhou a terra e com tanto trabalho gasto fadiga ederramamento de sangue a pocircs no estado em que estaacute e que eacute o proacutepriopastorrdquo parece lamentar as canseiras de esforccedilo de soldado que o desviaramtantas vezes de sua grande vocaccedilatildeo a de fundador de lavoura Lavoura que

o prendesse para sempre atraveacutes dos filhos e dos netos agrave terra conquistadaAo chegar ao Brasil com a mulher com a parentela talvez com escravos

negros com bois com cavalos com sementes jaacute o animava um sentidoprofundo de permanecircncia o desejo de continuidade e natildeo de aventura Elenatildeo seria dos que ldquotudo queriam para Portugalrdquo utilizando-se das terras decana ldquonatildeo como senhores mas como usufrutuaacuterios soacute para a desfrutarem edeixarem destruiacutedardquo como disse frei Vicente de Salvador da maioria doscolonos do seu tempo Nem dos que a ceacutelebre crocircnica dos princiacutepios doseacuteculo XVII ndash os Diaacutelogos das grandezas ndash retratou em traccedilos tatildeo vivos osque aqui apenas se contentavam em fazer seus patildees de accediluacutecar natildeo sedispondo a plantar aacutervores frutiacuteferas nem fazer benfeitorias nas plantas nema criar gado nada que custasse muito esforccedilo ou levasse tempo Soacute amonocultura de lucros imediatos que entretanto natildeo deixava de exigircondiccedilotildees de estabilidade e de permanecircncia dispensadas pelo simplescomeacutercio de pau-de-tinta e de peles

Duarte Coelho amou as aacutervores e se afeiccediloou agrave terra a sua conquista dePernambuco foi uma colonizaccedilatildeo criadora onde dominou a influecircncia dovelho Duarte o canavial avanccedilou sempre com a capela e a casa-grandeanimando a paisagem de elementos novos dando-lhe cores novas novasfontes de vida e natildeo apenas matando os iacutendios os animais e as aacutervores

Nessas terras conquistadas aos iacutendios pelos colonos de Duarte Coelho sesemearam sementes e se plantaram aacutervores vindas da Iacutendia e da Aacutefrica Seabriram caminhos para os carros de boi e para os cavalos dos engenhos Secriaram vacas cabras carneiros Vaacuterios rios se encheram de barcaccedilas Novosestilos de embarcaccedilotildees resultaram do encontro do estilo portuguecircs de barcocom o indiacutegena de piroga Houve um contato fecundante do europeu coma terra virgem e natildeo apenas devastaccedilatildeo e conquista

Jerocircnimo de Albuquerque antes de casar-se com uma Melo talvez feiavinda do reino para sua esposa oficial fez de uma iacutendia filha de caciquematildee da numerosa famiacutelia brasileira de que sairia o primeiro cardeal daAmeacuterica do Sul Outras iacutendias diz a tradiccedilatildeo que sempre muito bonitasembora nem todas princesas tornaram-se matildees ou troncos de famiacuteliasdepois ilustres do Nordeste

A aristocracia dos canaviais tomou um pouco de sangue indiacutegena antes

de aprofundar-se na endogamia intensa das vaacuterzeas de rio onde os traccedilos eateacute as taras de algumas famiacutelias se fixariam de modo tatildeo caracteriacutesticotornando inconfundiacutevel em Pernambuco um Wanderley de Rio Formosoum Sousa Leatildeo de Ipojuca um Cavalcanti legiacutetimo um Albuquerqueautecircntico um Pontual de Escada um Correia de Goiana um AlbuquerqueMaranhatildeo um Rego Barros um Correia de Arauacutejo um Carneiro da Cunhaum Accioly Lins um Santos Dias um Bandeira de Melo Traccedilos eugecircnicosTraccedilos cacogecircnicos A forma do nariz o jeito de andar a boca o tamanhodas orelhas o volume das naacutedegas Esses traccedilos o espiacuterito popular agraves vezes ostem fixado em apelidos trovas quadrinhas onde se destaca o ldquonariz depapagaiordquo de uma famiacutelia a ldquocara de cavalordquo de outra a ldquoboca de sapordquo ou oldquoqueixo de tamancordquo de uma terceira a ldquobunda de tanajurardquo de uma quarta

Aliaacutes eacute interessante surpreender-se o reflexo das tendecircncias para aendogamia em vaacuterios ditados da regiatildeo Outros ditados se apresentam deinteresse antropoloacutegico ou psicoloacutegico-social pela caracterizaccedilatildeo de famiacuteliasaristocraacuteticas atraveacutes de traccedilos fiacutesicos testa estreita ndash pouca inteligecircnciaorelha muito pegada ndash tendecircncia para enriquecer orelha mole ndash preguiccedilanariz grande ndash sensualidade muito cabelo ndash maldade etc

Em nenhuma parte do Brasil a formaccedilatildeo da famiacutelia se processou tatildeoaristocraticamente como entre os canaviais da Nova Lusitacircnia Quer pelaorigem dos colonos trazidos por Duarte Coelho quer pelo gecircnero de vida dasgeraccedilotildees que se sucederam Vida ldquoagrave lei da nobrezardquo Vida fidalga Vida decasa-grande Endogamia Casamentos de primo com prima de tio comsobrinha A seleccedilatildeo sexual agraves vezes perturbada mas em geral favorecidapelas consideraccedilotildees de ldquoboa raccedilardquo pelos preconceitos da famiacutelia de sanguede antepassados56

As tradiccedilotildees rurais de que aqueles colonos foram aqui os continuadores eas facilidades que encontraram para a cultura da cana favoreceram odesenvolvimento dessa aristocracia quase feudal Jerocircnimo de AlbuquerqueMelo foi bem o continuador de Duarte Coelho ldquofilho legitimo do patriarcardquo ndashcomenta Oliveira Lima em estudo sobre a Nova Lusitacircnia na Histoacuteria dacolonizaccedilatildeo do Brasil ndash ldquoviveu tatildeo satisfeito com a vida de campo que deuocasiatildeo a ser conhecido com o apelido de carreiro fidalgordquo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste criou nesta regiatildeo brasileira

juntamente com o tipo de casa nobre caracteriacutestica dos engenhos o seu tipode aristocrata o seu tipo de escravo o seu sistema regional de relaccedilotildees entresenhores e escravos

Estas tudo indica que foram mais doces nos engenhos ndash sobretudo nosgrandes onde os escravos eram numerosos e passavam de pai a filhos ndash doque nas Minas do que no Paraacute do que entre paulistas No Nordeste doaccediluacutecar mais do que nas Minas ou em Satildeo Paulo o escravo se especializou nafigura do negro fiel capaz de dar a vida pelo seu branco Na figura da matildee-preta Da mucama quase pessoa de casa Do malungo quase membro dafamiacutelia

Dos elementos que foram por vaacuterios motivos transbordando daestrutura riacutegida ndash senhores e escravos ndash e constituindo-se pela fuga e pelaascensatildeo social na gente livre das casinhas de taipa dos casebres de barrodos mucambos de palha nos ldquosertanejosrdquo pobres ndash tantos deles louros comose esta circunstacircncia influiacutesse no fato de evitarem mais do que os outros azona escravocrata onde quase teriam de confratenizar com os negros ou comos mulatos livres nos quilombolas nos ldquomatutosrdquo nos mucambeiros dosarredores do Recife e das outras cidades da regiatildeo ndash eacute que se desenvolveu noNordeste uma especializaccedilatildeo regional de gente do povo agraves vezes trepidanteUns sob a influecircncia indireta dos grandes monocultores de accediluacutecar outrosindependentes deles e ateacute hostis agraves casas-grandes

No dia em que for bem estudada a chamada Guerra dos Mascates talvezse verifique que os mesticcedilos do Recife estiveram muitos deles do lado demecacircnicos e ateacute de ldquomascatesrdquo portugueses ao lado del-rei e contra aaristocracia dos homens dos engenhos ndash os ldquopatriotasrdquo de 1710 tatildeo ligados ainteresses de classe agraacuteria Em 1817 sabe-se que os mesticcedilos pobres e osnegros do Nordeste se dividiram ndash uns a favor outros contra aquelarevoluccedilatildeo regional em que padres e senhores de engenho tomaram parte tatildeosaliente

Em 1819 a propoacutesito de um alferes do regimento dos Henriques queparticipara da revoluccedilatildeo de 1817 escrevia para Lisboa o governador Luiacutes doRego Barreto ldquoIllmo e Exmo Senhor ndash Ponho na prezenccedila de V Ex orequerimento de Francisco Joseacute de Mello alferes que foi do extinctoregimento novo drsquoHenriques desta praccedila em que pede seiz mezes de

licenccedila para se justificar na prezenccedila de sua Magestade da sua conducta notempo da rebelliatildeo que me foi remettido por avizo de 9 de junho doprezente anno para eu informar com o meo parecer

ldquoNatildeo foratildeo todos os negros nem todos os mulatos os q tomaratildeo o partidodos rebeldes e se uniratildeo a elles porem dos homens destas cocircres aquellesque abraccedilaratildeo a cauza dos rebeldes a abraccedilaratildeo na de hum modo excessivoe insultante e fizeratildeo lembrar com frequencia aos moradores desta capitaniaas scenas de S Domingos Os homens mais abejctos desta classe os mesmosmendigos insultaratildeo seos antigos benfeitores seos senhores ou senhoras ese promettiatildeo com todo despojo a posse de huma senhora comoacontecimento infalivel este grao de orgulho jaacute era temivel quando ogovernador interino Rodrigo Joseacute Ferreira Lobo entrou nesta capitania ehuma das medidas mais efficazes que elle tomou foi punir promptamentecom accediloites a todos aquelles de quem se sabia algum facto notavel destaespecie ou que tenha commetido algum attentado a coberto da rebeliatildeordquo Econtinuava Luiacutes do Rego

ldquoDepois que tomei posse do governo continuei o mesmo exemplo menosrigorosamente e por poucos dias

ldquoEntre os sogeitos castigados no meo tempo foi o Supe que de facto foihum dos officiaes de Henriques mais violentos no tempo da revoluccedilatildeo e porque alem disto se dice delle q tinha feito maacuteo uso da patente e a tinharasgada alem de outras accuzaccedilotildees da natureza accima referidos e natildeoaprezentou a patente foi tractado como se nunca a tivesse

ldquoEm abono da verdade devo dizer que elle aprezentou agora a suapatente e que supponho esteja grudada com tiras de papel e parecedividida em quatro partes natildeo o estaacute no alto da patente aonde se percebeainda a uniatildeo do papel e que pode bem ser cortada pelo uzo e tal vez pelamesma causa esteja manchada supponho me parece cuidadosamentelavada

ldquoCom o requerimento do Supe tenho a honra de apresentar a V Exordf asua patente de que lhe mandei dar recibo pelo ajudante de ordens desemana e mais alguns documentos a que natildeo pertendo dar feacute mas que

mostram a opiniatildeo que havia do Supe quando foi castigado

ldquoFinalmente natildeo acho inconveniente em q tenha licenccedila para hir acorte e ateacute o poderaacute ser feito como simples paizano por que nunca ojulguei official nem o devo julgar natildeo sendo restituido ao seu posto por suaMagestade

ldquoDeos guarde a V Exa muitos annos Recife 30 de agosto de 1819 ndash

Illmomo Senhor Thomaz Antonio de Villanova Portugal ndash Luiz do RegoBarretordquo57

Em 1823 ndash data de um dos movimentos de maior significaccedilatildeo social nahistoacuteria do Nordeste movimento um tanto no gecircnero das ldquobalaiadasrdquo dasldquocabanadasrdquo das ldquotapuiadasrdquo ndash viu-se que a gente mesticcedila era parteconsideraacutevel da populaccedilatildeo do Recife mais que ao traseiro da cidade essamancha de gente de cor de negros e mulatos livres se estendia por becos ecamboas da cidade formava batalhotildees diversos e natildeo apenas o dosHenriques tradicionalmente fieacuteis aos senhores brancos

O movimento de 1823 que foi um movimento da gente de cor do Recifee natildeo uma simples demonstraccedilatildeo poliacutetica teve a adesatildeo da ldquoquase totalidadedas forccedilas de 1ordf e 2ordf linha bem como as companhias de Monta BrechasBravos da Patria e Intrepidos corpos patrioticos de mesticcedilos e negrosrdquoinforma um cronista da revolta baseado na ldquoDevassardquo de que se encontramanuscrito na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Esses corpos de mesticcedilos e negros vinham se organizando desde a guerraholandesa onde os homens de cor a serviccedilo dos grandes senhores das terrasde accediluacutecar se revelaram tatildeo bons soldados oacutetimos para as guerrilhas dado oseu conhecimento iacutentimo dos canaviais A especializaccedilatildeo militar resultavapara eles em prestiacutegio social

Junto com os corpos militares formaram-se desde anos remotos nascidades do Nordeste irmandades como a do Rosaacuterio todas de negros eadministradas por negros ndash agraves vezes soacute os tesoureiros brancos com prejuiacutezopara os interesses dos associados ndash e parece que natildeo admitindo senatildeo negroscomo para imitar as do Santiacutessimo Sacramento que segundo se diz natildeoadmitiam senatildeo brancos Embora o exclusivismo natildeo significasseantagonismo aos brancos natildeo deixava de indicar uma situaccedilatildeo diversa dados negros de engenho melhor acomodados ao sistema dos senhores eparticipando das suas devoccedilotildees debaixo da telha-vatilde das mesmas capelas

patriarcaisNo Recife os negros dos proacuteprios armazeacutens de accediluacutecar foram formando

uma espeacutecie de aristocracia de escravos superiores em prestiacutegio emboranem sempre em condiccedilotildees materiais de vida aos escravos das plantaccedilotildees decana No ambiente da cidade menos impregnada da autoridade dossenhores de engenho eles formavam uma corporaccedilatildeo agrave parte e tinham o seugovernador especial como se vecirc da ldquoProvisatildeo de 13 de setembro de 1776passada pelo governador Joseacute Cezar de Menezes pela qual foi nomeado opreto crioulo Manuel Nunes da Costa governador dos pretos mercadoresde caixas de accedilucar desta praccedilardquo58 Era a sombra del-rei distante

protegendo-os contra a dos senhores de engenho proacuteximosEstes fatos nos auxiliam a compreender o ambiente tocado de

ldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo embora uma consciecircncia vaga e miacutestica que teriafacilitado a revolta de gente miuacuteda e de soldados de cor que explodiu noRecife em 1823 Com o mesticcedilo Pedroso de cavanhaque e a cavalo ndash duasinsiacutegnias de autoridade ndash agrave frente da insurreiccedilatildeo o movimento dominou acidade por alguns dias enquanto natildeo chegaram dos engenhos os senhores acavalo e acompanhados de escravos que estabeleceram a supremacia dosengenhos sobre a cidade

A insurreiccedilatildeo era de soldados ndash negros e mulatos na sua maioria ndash e denegros e mulatos paisanos gente dos mucambos das palhoccedilas das casinhasde barro Frei Caneca refere nas suas Obras poliacuteticas e literaacuterias quePedroso foi visto em uma das palhoccedilas da estacircncia ldquorodeado de pretos epardos comendo bebendo e ouvindo cantar com uma negra sentada nocolordquo Vendo os provisoacuterios ldquoaleacutem do apertar com eles para que tomassemassento lhes disse entre outras palavras ndash sempre estimei esta cor eacute aminha genterdquo

Alfredo de Carvalho a quem se deve descriccedilatildeo tatildeo minuciosa emboraparcial dos motins de 23 informa que ldquoas notiacutecias dos sanguinolentossucessos da ilha de S Domingos onde os escravos revoltosos haviamtriunfado dos senhores circulavam amplamente comentadas e a muitossorria a esperanccedila da proacutexima desforra dos oprimidos com o estabelecimentoentre noacutes de um regime anaacutelogo sob os auspiacutecios do prepotente governadordas armasrdquo59 isto eacute o capitatildeo Pedroso Este instalado no Palaacutecio do

Governo e senhor da cidade por vaacuterios dias natildeo fez senatildeo recrutar dentre agente de cor seus homens de confianccedila promovendo negros e mulatos aoficiais dos corpos milicianos

Mas agrave revolta faltaria direccedilatildeo do mesmo modo que ambiente aldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo entre os negros e mesticcedilos do Recife natildeo existiasenatildeo vaga outras forccedilas impelindo-os tanto quanto os negros de engenhoagrave miacutestica da lealdade e dominante de modo quase absoluto nos canaviais doextremo Nordeste De maneira que foi relativamente faacutecil ao morgado docabo marchar sobre o Recife e entrar vitorioso nas ruas da capital a trote decavalo como um conquistador militar vindo dos canaviais para pacificar ametroacutepole do accediluacutecar Uma ldquoluzida multidatildeo de cavaleirosrdquo diria do morgadoe do seu seacutequito o major Antocircnio Acircngelo de Vasconcelos que assistiu agraveentrada triunfal dos senhores de engenho e dos seus escravos no Recifeamotinado pelos negros pelos mulatos livres pelos soldados de cor

Pedroso fora expressatildeo daquela insatisfaccedilatildeo social e talvez psicoloacutegica domulato ainda mal ajustado aos brancos tatildeo frequente na antiga sociedadebrasileira e a que nos referimos em trabalho anterior Do mulato quaseseparado do negro Quase separado de reivindicaccedilotildees de raccedila de regiatildeo oude classe Querendo o seu reajustamento quase exclusivamente individualMas utilizando-se do negro da classe oprimida ou da regiatildeo animada desentimentos autonomistas e ateacute separatistas como de um elementorevolucionaacuterio correspondente agrave sua insatisfaccedilatildeo como uma forccedila bruta masplaacutestica em suas matildeos ansiosas de domiacutenio em uma sociedade que eledesejava reorganizada sobre novas bases

Vecirc-se pela popularidade que Pedroso alcanccedilou entre a gente de cor dosmucambos da estacircncia que no Recife dos princiacutepios do seacuteculo XIX vivia aopeacute dos sobrados uma massa de gente preta politicamente vaga mas jaacute com asua significaccedilatildeo social e ateacute revolucionaacuteria ndash seu potencial revolucionaacuteriocomo diria o jovem escritor Aderbal Jurema

Eacute o que vai nos explicar novo movimento de insatisfaccedilatildeo da gente de cordo Recife que se verificou em 1824 com a rebeliatildeo do batalhatildeo dos pardoscomandados por Emiliano Mandurucu Atuava sobre Emiliano a sugestatildeo doexemplo do rei Cristoacutevatildeo

ldquoQual eu imito a CristoacutevatildeoEsse imortal HaitianoEia Imitai o seu povoOh Meu povo soberanordquo

Eacute um ponto a se estudar com minuacutecia a repercussatildeo dos grandesmovimentos de rebeldia dos escravos das Antilhas sobre as diferentes aacutereasescravocratas do Brasil Particularmente sobre as aacutereas de civilizaccedilatildeoaccedilucareira mais intensa como o extremo Nordeste e o Recocircncavo As duasgrandes civilizaccedilotildees do accediluacutecar na Ameacuterica ndash e das Antilhas e a do nordestedo Brasil ndash tendo seguido atitudes psiacutequicas e sociais diversas com relaccedilatildeoaos escravos africanos importados para as suas plantaccedilotildees de cana tiveramentretanto problemas comuns em face do negro e do mulato e natildeo deixoude haver repercussatildeo dos acontecimentos revolucionaacuterios verificados naFranccedila e nos Estados Unidos em Haiti e em Satildeo Domingos sobre o nordestedo Brasil

A ideologia libertaacuteria da Revoluccedilatildeo Francesa e da Revoluccedilatildeo Americanachegou aos dois sistemas escravocratas ndash o das Antilhas e o do Brasil ndash pelosmeios mais surpreendentes e mais sutis No Brasil ateacute por intermeacutedio dospadres Mas sem encontrar nunca entre noacutes ambiente tatildeo favoraacutevel ao oacutediodo escravo contra o senhor do preto contra o branco como o que encontrounaquela outra parte da Ameacuterica onde a monocultura do accediluacutecar igualmentesepara a populaccedilatildeo em senhores e escravos mas escravos e senhores maisdistanciados socialmente do que no nordeste do Brasil

O motivo para essa diversidade de ambiente jaacute se disse que foiprincipalmente a doccedilura maior do portuguecircs com relaccedilatildeo agrave gente de cor ohibridismo em que se abrandou tatildeo cedo a colonizaccedilatildeo do Brasil mesmoonde ela foi mais aristocraacutetica pela sua origem e pela distacircncia social impostapela teacutecnica de produccedilatildeo a senhores e escravos a brancos e homens de corAlgumas das famiacutelias mais nobres jaacute se recordou que no Nordeste tomaramdesde os primeiros anos sangue indiacutegena outras mais tarde ateacute sanguenegroide ou ilheacuteu como segundo bons depoimentos estrangeiros e adespeito de cartas de branquidade triunfalmente citadas por cronistasingecircnuos a famiacutelia de Joatildeo Fernandes Vieira E a verdade eacute que a poliacutetica

portuguesa no Brasil sempre foi neste ponto mais humana que a inglesa oua francesa nas Antilhas

A carta reacutegia de 1766 que em 1788 o novo provedor da Casa da Moedana Bahia Joseacute Venacircncio de Seixas em carta a D Rodrigo de Sousa Coutinhoconsiderava ldquohum erro de politica em administraccedilatildeo de coloniardquo60 foi ao

contraacuterio uma dessas expressotildees de gecircnio poliacutetico aplicado agrave administraccedilatildeodas colocircnias que natildeo uma nem duas mas vaacuterias vezes surpreendem a quemexamina os velhos documentos da colonizaccedilatildeo portuguesa do Brasil

Essa memoraacutevel carta reacutegia de 1766 a que se refere tatildeo injustamente oprovedor Seixas consagrava a iniciativa brasileira tomada durante a guerracontra os holandeses de se organizarem corpos de pardos e pretos ndash oshenriques ndash e de iacutendios ndash os iacutendios de Camaratildeo Corpos cuja accedilatildeo foraeficientiacutessima nas lutas contra os hereges O negro e o mulato cujacondensaccedilatildeo no extremo Nordeste e no Recocircncavo se explica pelasexigecircncias econocircmicas e sociais da organizaccedilatildeo accedilucareira seriam desde oseacuteculo XVII elementos de defesa militar poderosiacutessimos dessa mesmaorganizaccedilatildeo regional ameaccedilada pela cobiccedila holandesa

Em 1735 eram os negros e pardos do Nordeste honrados com estaspalavras vindas del-rei de Portugal ldquoEL REY Nosso Senhor ordena a V Sordfque logo que receber esta chamando a sua presenccedila todos os officiaes doterccedilo dos Henriques lhes declare no seu real nome que sua magestadeconserva muito vivas na sua lembranccedila as gloriosas accediloens com que semprese distinguiu o dito terccedilo E que tendo o mesmo senhor possuido certo queos seus leaes vassallos de que elle hoje se compoem hatildeo de querer parecernatildeo soacute descendentes mas verdadeiros imitadores dos heroes que tanto oillustraram se determinou sua magestade a lhes fazer a distincta honra de osempregar com as suas tropas regulares na defesa dos dominios meridionaesda America portugueza mandando-os passar ao Rio de Janeiro aacutes ordens domarquez do Lavradio vice-rei e capitatildeo-geral do Estado do Brasil conclusaesta breve exortaccedilatildeo a q V Sordf ajunte outras expreccedilotildees que lhe pareceremmais efficazes para melhor persuadir os ditos officiaes do muito que suamagestade confia do zelo valor e fidelidade da dita tropa auxiliar deHenriques formaraacute da gente mais escolhida do referido terccedilo hum batalhatildeode seiscentos homens nomeando para mestre de campo delle o official mais

distincto e de maiores merecimentos E para occuparem os outros postos osque lhe parecem mais capases de satisfazerem as obrigaccedilotildees delles

ldquoLogo que V Sa tiver concluida esta diligencia mandaraacute egualmente vir asua presenccedila os officiaes de todos os terccedilos de homens pardos E fazendo-lhes outra exortaccedilatildeo concebida nos termos acima referidos formaraacute outrobatalhatildeo tambem de seiscentos homens com seu mestre de campo e officiaescompetentes

ldquoEstes dous corpos devem levar os armamentos e fardamento que

tiverem assistindo-lhes V Sa com o que lhe for possivel e que vir que lhes heindispensavelmente necessario Para o transporte dos ditos corpos mandaraacute

V Sa fretar ou embargar sendo necessario as sumacas costerias ou outrasquaesquer embarcaccedilotildees que houver nesse porto Em falta dellas os mesmosnavios de companhia que se fizerem precisos para a mais prompta

expediccedilatildeo do referido transporte sendo V Sa entendido que a brevidadedelles he da maior importancia ao real serviccedilo

ldquoDeos guarde a V Sa Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em 12 de marccedilode 1735 ndash Martinho de Mello e Castrordquo61

As consequecircncias sociais da confraternizaccedilatildeo de homens de cor combrancos na guerra contra a Holanda natildeo soacute fizeram notar logo apoacutes acampanha ndash a guerra valorizara socialmente os elementos de cor e integrara-os com a regiatildeo ndash como permaneceram motivo de valorizaccedilatildeo da mesmagente de cor A tal ponto que essa valorizaccedilatildeo provocou ciuacutemes ou restriccedilotildees

O provedor Seixas na sua criacutetica agrave poliacutetica portuguesa no Brasil comrelaccedilatildeo agrave gente de cor diz que a carta reacutegia de 1766 ldquomandando formarcorpos milicianos desta qualidade de indiviacuteduosrdquo (refere-se aos homens decor principalmente aos mulatos) estes ldquose viram condecorados com postosde coroneis e outros similhantes com que esta gente naturalmentepersuadida adeantou consideravelmente as suas ideas vaidosas e que juntoao espirito do seculo os faz romper em toda a qualidade de excessosrdquo Osexcessos seriam natildeo soacute os democraacuteticos como os regionalistas e ateacuteseparatistas em que na verdade resvalaria mais de um mulato intelectual oumilitar do Nordeste Mas seriam tambeacutem os republicanos e os nacionalistasfavoraacuteveis ao desenvolvimento brasileiro

O alarme do provedor Seixas era provocado ostensivamente pela revoltade escravos negros organizados pela tal ldquogente naturalmente maispersuadidardquo ndash os mulatos ndash que esteve para rebentar na Bahia em 1798ldquoHuma das novidades inesperadas que aqui achei foi a do perigo em queestiveratildeo os habitantes desta cidade com huma associaccedilatildeo sediciosa demulatos que natildeo podia deixar de ter perniciosas consequencias semembargo de ser projectada por pecircssoas insignificantes porque para sefortificarem lhes bastavam os escravos domesticos inimigos irreconciliaveisdos seus senhores cujo jugo por mais leve que seja lhes eacute insuperaacutevel FoiDeus servido descobrir por hum modo bem singular a ponta desta meada aofim da qual julgo se tem chegado sem que nella se ache embaraccedilada pessocircade estado decente Creio que V Excia receberaacute nesta occasiatildeo huma contamuito circumstanciada que ensina a desconfiar para o futuro Eu natildeo possodeixar de me lembrar nesta ocasiatildeo que todas as ordens antigas dirigidas aoBrazil a respeito de mulatos os fazia conservar em hum certo abatimentoprohibindo-lhes a entrada em qualquer officio publico ou posto militarinhibiccedilatildeo que era ampliada ainda mesmo aos homens casados com mulatasrdquoNa verdade o que Seixas desejava era conservar no seu lugar todos osmulatos insubmissos ou natildeo E esse lugar era o de classe inferior O de sub-raccedila sem nenhuma das regalias da raccedila branca Sem a regalia dos postosmilitares por exemplo

Se eacute certo que certos corpos de pardos e de pretos no Nordestetornaram-se como o de Emiliano focos de insubordinaccedilatildeo e que os mulatoselevados a postos militares foram algumas vezes irrequietos da marca dePedroso aproveitando-se do que havia entre noacutes de oacutedio de negro contrabranco de escravo contra senhor da regiatildeo contra o todo brasileiro ou contraa metroacutepole o efeito mais comum da poliacutetica portuguesa de elevaccedilatildeo socialdo mulato parece que foi diminuir a prepotecircncia dos aristocratas do accediluacutecarndash tatildeo perigosa para a administraccedilatildeo da colocircnia e para a proacutepria unidadebrasileira ndash e abrandar as relaccedilotildees entre esses aristocratas e a gente de cordas cidades Dando oportunidade de ascensatildeo social aos mais aptos doselementos negroides a poliacutetica portuguesa soacute fez amolecer o antagonismoentre a populaccedilatildeo mulata livre tatildeo numerosa no extremo Nordeste e noRecocircncavo desde o seacuteculo XVII e os aristocratas quase feudais dos

engenhosOutro documento portuguecircs do fim do seacuteculo XVIII ainda ineacutedito nos

traz esclarecimentos sobre o assunto a carta que Rodrigo de Sousa Coutinhoescreveu a Bernardo Joseacute Lorena em 3 de janeiro de 1798 ldquoSua magestade

manda remetter a V Sardquo ndash escrevia Sousa Coutinho ndash ldquoas peticcedilotildees doshomens pardos e pretos dessa capitania afim que V S informe sobre as suaspretensotildees tendo poreacutem sempre muito cuidado que esta gente nem deve seroprimida nem muito favorecida porque desgraccediladamente tem visto quepor elles principiou e se tem suscitado todo o cruel fogo e incendio que temreduzido a miseria as mais ricas ilhas das Antilhas que possuia a monarchiafrancezardquo62

Sempre a sombra das revoluccedilotildees da gente de cor das Antilhas a apavoraros governos e os grandes proprietaacuterios de accediluacutecar no Nordeste do BrasilMesmo diante desse enorme pavor que dominou os governantes nos fins doseacuteculo XVIII e nos comeccedilos do XIX sente-se poreacutem a sabedoria da poliacuteticaportuguesa com relaccedilatildeo ao mulato brasileiro nenhuma opressatildeo ao mesmotempo que nenhum excesso de favor poliacutetico que teria sido entatildeoprematuro

A grande sabedoria da poliacutetica portuguesa no Brasil mesticcedilo esteve emtornar de tal modo plaacutestica a acepccedilatildeo social e legal de branco que dentrodela pocircde ir se acomodando o mulato triunfante a ponto de chegar emPernambuco a capitatildeo-mor nos tempos coloniais a ponto de se tornar parteda proacutepria aristocracia do canavial Saacute e Oliveira salienta casos interessantesde mulatos que nessa acomodaccedilatildeo agrave qualidade e agraves condiccedilotildees aristocraacuteticasde branco foram ao extremo de pretenderem se fazer passar ateacute pornoacuterdicos tal o mulato rico da Bahia casado com europeia do Norte que ldquotevehabilidade de mudar o timbre e inflexatildeo da voz para convencer ointerlocutor de que sua estirpe se estendia aos paiacuteses da Europardquo

Aliaacutes natildeo foram raras as vezes em que os mulatos do Nordeste ndashespecialmente do Maranhatildeo educados em Coimbra ndash tornaram-se maisportugueses pelo timbre e inflexatildeo da voz do que os senhores de engenhobrancos alguns ateacute branquiacutessimos africanizados na maneira de falar e essasolidariedade de voz e sotaque por certo que atuou no sentido de umaldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo agraves vezes maior da parte deles mulatos bem-

educados com relaccedilatildeo aos portugueses do que da parte dos brancos velhosda terra com relaccedilatildeo aos mazombos O timbre da voz o sotaque o acento satildeoelementos de solidariedade social nada despreziacuteveis Prevalecem agraves vezessobre outros traccedilos de semelhanccedila ou atenuam antagonismos ou diferenccedilasAspecto da histoacuteria social e cultural da liacutengua portuguesa falada no Nordesteque estimariacuteamos ver estudado por um mestre do saber especializado emquestotildees de linguagem como o professor Maacuterio Marroquim autor do ensaioadmiraacutevel que eacute A liacutengua do Nordeste

Natildeo se pode generalizar sobre o negro ou o mulato do Nordeste dando-ocomo elemento por excelecircncia perturbador da civilizaccedilatildeo aristocraacutetica doaccediluacutecar o mesmo grande e violento elemento revolucionaacuterio que foi em SatildeoDomingos por exemplo Ou que foi o negro ou o quase-negro no HaitiDecerto ele foi aqui em muitos casos um insatisfeito um mal ajustadodentro do sistema terrivelmente simplista de senhores e escravos Mas natildeopor oacutedio radical de raccedila ou de classe por desajustamento psicoloacutegicoprincipalmente Este eacute que fez dele um introspectivo natildeo soacute individualcomo social E em alguns casos um rebelado Um rebelado nem semprecontra a Santa Madre Igreja ou a coroa de Portugal ou do Brasil Com estasalguns mulatos se identificaram quase por completo opondo-se agrave ideia derepuacuteblica que no Nordeste de 1710 e ateacute certo ponto no de 1817 parece tersignificado uma aspiraccedilatildeo ndash mais de classe que mesmo regional ou nacionalndash por um sistema de governo em que dominaria a aristocracia em suamaioria branca ou quase branca dos canaviais63

Eacute curioso salientar que no movimento revolucionaacuterio chefiado pelomesticcedilo Pedroso em 1823 os negros e mulatos sendo contra os ldquomarinheirosrdquoe ldquocaiadosrdquo foram tambeacutem contra os republicanos Que vaacuterios mesticcedilos e ateacutenegros deram padres bons e ordeiros desde os tempos coloniais Que mesticcedilofora Vieira ndash o padre Antocircnio Vieira sempre fiel agrave Santa Madre Igrejaembora natildeo se deixe de surpreender em sua vida e em seu apostolado certatrepidaccedilatildeo psicoloacutegica caracteriacutestica do mulato imperfeitamente ajustado agraveordem social dominante Essa trepidaccedilatildeo levou-o talvez a algumas de suasatitudes desassombradas de criacutetica aos senhores de engenho e aos governosdo Maranhatildeo

Destaque-se este fato significativo a melhor criacutetica que se fez no proacuteprio

Nordeste no correr da primeira metade do seacuteculo XIX do sistema que hojedenominamos numa tentativa de sistemaacutetica socioloacutegica que vemdespertando adesotildees de monocultura latifundiaacuteria e escravocratapredominante na regiatildeo fecirc-la um mulato livre-pensador do Recife A P deFigueiredo

Charles Comte escreveu que dentro dos sistemas escravocratas natildeo sedesenvolvem no homem as faculdades criacuteticas De fato a aptidatildeo para acriacutetica de ideias e para a criacutetica social surge raramente num ar tatildeo abafadocomo a atmosfera dos grandes sistemas patriarcais e escravocratas Pareceque dentro deles as aptidotildees intelectuais ou se deixam vencer pelo encantodas formas mais sensuais de expressatildeo ndash a oratoacuteria a poesia de amor oromance sentimental ndash ou se desgarram para a matemaacutetica ou para amiacutestica O caso de Sousinha nascido no meio escravocrata do Maranhatildeo

Agraves vezes tem havido desgarrados para o misticismo para a cabala paraum universalismo vago de crenccedilas um senhor de engenho de Pernambucojaacute deixou sua terra suas canas seus bois para ir viver entre os faquires e asvacas sagradas da Iacutendia Casos niacutetidos de evasatildeo

Antocircnio Pedro de Figueiredo foi um mulato do Nordeste que naprimeira metade do seacuteculo XIX e um pouco na segunda exerceu no Recifea criacutetica de ideias e a criacutetica social de modo agraves vezes surpreendente Eacute tal aindependecircncia e a sobriedade de alguns dos seus ensaios que se tem agravesvezes a impressatildeo de algueacutem que tivesse a vantagem da distacircncia ndashvantagem que a condiccedilatildeo de estrangeiro daacute quase sempre ao observador ndash acompletar-lhe a de intimidade profunda com o meio em que nasceu Natildeo secompreende que continue tatildeo na sombra tatildeo no escuro tatildeo dentro daalcunha que lhe deram os conterracircneos (sempre tatildeo apedrejadores dosprofetas) ndash a alcunha de ldquoCousin-fuscordquo ndash esse mulato que decerto natildeo foimenos significativo como revolucionaacuterio intelectual do meio escravocrata doNordeste e como criacutetico da organizaccedilatildeo patriarcal entatildeo predominante doque outros mulatos mais festejados Natividade Saldanha nos princiacutepios doseacuteculo XIX Tobias Barreto nos fins

A P de Figueiredo adjunto do Liceu de Pernambuco e redator-chefeda revista O Progresso eacute dos trecircs o que mais interessa a quem procuraestudar a histoacuteria intelectual e ao mesmo tempo a social da regiatildeo durante

o primeiro seacuteculo de independecircncia Porque em sua criacutetica social e de ideiasele soube resistir melhor que os outros agraves seduccedilotildees do planfleto da oratoacuteriae da demagogia por um lado e do exotismo por outro

Aos vinte anos ndash ainda um menino ndash jaacute Figueiredo traduzia do francecircspara o portuguecircs a histoacuteria da Filosofia de Victor Cousin Trabalho deminuacutecia de exatidatildeo e de pachorra em que se afirmava a disciplinaintelectual de que era capaz o adolescente do Recife Jouffroy diz-nos umbioacutegrafo de Figueiredo64 que foi entatildeo a sua grande leitura completada

pela de Owen de Fourier e parece que sobretudo pela de Saint-Simoncujas doutrinas socialistas procurou adaptar agraves condiccedilotildees e agraves necessidadesda regiatildeo

Porque o encanto da Filosofia Social desse mulato que aos vinte anos natildeofez versos mas traduziu Cousin eacute que teve sempre a tendecircncia para oestudo objetivo da economia da regiatildeo para a descriccedilatildeo e para a criacutetica dosistema latifundiaacuterio da cultura da cana predominante no Nordeste

Eacute possiacutevel que tenha tambeacutem atuado sobre ele no sentido desse criteacuterioregional de anaacutelise a obra riquiacutessima de sugestotildees de Charles Comte cujainfluecircncia se surpreende em vaacuterios outros publicistas brasileiros desdeFrederico Cesar Burlamaqui e Anselmo da Fonseca Mas se sente tambeacutemnele a influecircncia da nova Filosofia Social inglesa e ateacute alematilde

Em 1846 A P de Figueiredo escrevia no Recife na sua revista OProgresso ldquoSem duvida poderamos noacutes entoar sobre as lettras e as arteslongos dithyrambos cantar em phrases harmoniosas o seu alto valor social ecivilisador mas julgamos ser obra mais util ligar semelhante materia a umadas theses que mais acima estabelecemos quando enunciamos que o bemestar material eacute o antecedente logico dos progressos racionaes de todas asordensrdquo Sob esse criteacuterio talvez exagerado eacute que Figueiredo se ocupoucom tanta lucidez dos problemas regionais da agricultura e da induacutestriaparticularmente da questatildeo da grande propriedade que lhe parecia exigirsoluccedilatildeo urgente

ldquoA maior parte do territoacuterio da nossa provinciardquo ndash escrevia Figueiredo em1846 na mesma revista O Progresso65 referindo-se a Pernambuco ndash ldquoestaacute

dividida em grandes propriedades fragmentos das antigas sesmarias dasquaes mui poucas hatildeo sido subdivididas O proprietario ou rendeiro occupa

uma parte dellas e abandona mediante pequena paga o direito depermanecer em outra e de cultiva-la a cem duzentas e algumas vezes aquatrocentas familias de pardos ou pretos livres dos quaes elle se tornaprotector natural mas delles tambem exigge obediencia absoluta e sobreelles exerce o mais completo despotismo Dahi resulta que as garantias da leinatildeo satildeo para estes malaventurados que entretanto compotildeem a maior parteda populaccedilatildeo da provincia mas para estes proprietarios dos quaes 3 ou 4reunidos pelos laccedilos do sangue da amizade ou da ambiccedilatildeo bastam paraaniquilar numa vasta extensatildeo de terras as forccedilas e influencia do governordquo

Parecia-lhe necessaacuterio estabelecer-se quanto antes uma classe meacutediaque seria em grande parte dos pardos e pretos livres Mas para isto impunha-se uma medida violentiacutessima que ele com um simplismo ainda de moccedilaromacircntica julgava faacutecil e praticaacutevel na eacutepoca ainda meio feudal dividir asterras por onde se estendiam os canaviais dos grandes senhores ldquoEacute misterque os indiviacuteduos pouco abastados possam obter terras e cultival-as com acerteza de gozar dos productos condiccedilotildees que hoje natildeo existem porque ossenhores de engenho ou de fazendas se recusam obstinadamente a venderqualquer porccedilatildeo destas terras fonte e garantia do seu poder feudal eporque o desgraccedilado morador que se arrisca a plantar fica aacute mercecirc doproprietario que o pode despedir de suas terras dentro de vinte e quatrohorasrdquo Para conciliar semelhante necessidade com ldquoo direito absoluto depropriedaderdquo Figueiredo bateu-se por um imposto territorial proporcional agravesuperfiacutecie possuiacuteda pelo senhor de engenho ou fazendeiro66 e nessa

campanha foi talvez a certos exageros de simplismo ideoloacutegico Apenas natildeochegou ao violento antilusismo de outros reformadores sociais do Brasil doseu tempo sensiacutevel como decerto estava ao fato de que mais de uma vezfora Portugal pelo seu rei que impedira ou atenuara no Brasilparticularmente no Nordeste mais feudalmente patriarcal abusos deprivativismo dos ricos em sua exploraccedilatildeo dos pobres Do que desde remotosdias coloniais fora exemplo a exploraccedilatildeo das praias pelos proprietaacuteriosdetida afinal por provisatildeo de 17 de julho de 1815 e pela nada despreziacutevelrevoluccedilatildeo social que se seguiu a esse ato de intervenccedilatildeo do governo a favordos pescadores

ldquoEm Pernambuco natildeo sei se por falta de industria ou por obstaculos

reaes q jaacute tem frustrado alguas tentativasrdquo ndash dizia Caetano Pinto deMiranda Montenegro em 18 de junho de 1816 em documento de que seencontra manuscrito na Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado ndashldquonatildeo haacute redes do alto nem armaccedilotildees como na Bahia e Rio de Janeiro opeixe eacute pescado em jangadas a linha ou em curraes de q haacute grandenumero por toda a costa do sul e do norte Estes curraes satildeo formados entrea praia e o arrecife com morotildees cravados no fundo tecidos com varas

atados com cipoacutes e satildeo compostos de 3 divisotildees ou repartimentos o 1o aque os pescadores chamam a sala eacute o mais espaccediloso e a sua porta daacute franca

entrada e sahida ao peixe o 2o a que chamam chiqueiro do meio eacute mais

apertado mais ainda o peixe entra e sahe o 3o a q chamam chiqueiro dematar tem menor extensatildeo e eacute constituido de maneira que o peixe natildeopode sahir ndash Aleacutem destes 3 repartimentos tem mais a chamada espia q eacutecomo uma caniccedilada ou espaldatildeo em muitos delles de 40 50 e 100 braccedilasde comprido feito com os mesmos morotildees e varas a qual espia serve deencaminhar o peixe para o curraacuteo Esta especie de armaccedilatildeo embaraccedila o uzocommum da praia e mar em q estaacute estabelecida pois o q fez o curraacuteo como seu trabalho e despeza quer desfrutal-o exclusivamenterdquo E acrescentava

ldquoOs proprietaacuterios das terras limitrophes aacute praia costumam arrendar ossitios q nellas tinhatildeo em q os pescadores faziam caza para vivenda e paraguarda de seus pobres utensilios A renda de cada sitio era relativa aos peacutes decoqueiros q nelle havia avaliando-se regularmente cada um em 12 vintenspor anno natildeo entrando em conta os coqueiros muito novos ou muitosvelhos por darem pouco ou nenhum fruto si o sitio comprehendia curraacuteoo arrendamento deste era separado e algumas vezes ateacute soacute se fazia a pessoadiversa sendo a renda mais commum e ordinaria segundo a melhor oupeior localidade de seus 10 mil reis Mas depois q a provisatildeo regia de 17 dejulho de 1815 declarou injusto e abuzivo tudo que se exigia pelo uso do mare praias levantaram-se a maior parte dos rendeiros contra os proprietarios enatildeo soacute natildeo pagatildeo como dantes a renda dos curraes mas nem a mesma rendado sitio querendo que este seja hua parte da praiardquo Atitude francamenterevolucionaacuteria de pescadores contra proprietaacuterios de terras semelhantes agravedos ldquomoradoresrdquo contra latifundiaacuterios estudada por Figueiredo

A tentativa de revoluccedilatildeo que houve na eacutepoca contra o baratildeo de BoaVista ndash revoluccedilatildeo tatildeo demagoacutegica ndash natildeo fez perder o equiliacutebrio nem a fleumaao socialista mulato do Recife Semelhante revoluccedilatildeo ldquonatildeo podia ter outroeffeito sinatildeo substituir a supremacia geral da familia Cavalcanti por umgrande numero de familias menos poderosas sem grande vantagem para amaior parte da populaccedilatildeo que se acha sempre curvada sob o jugo dafeudalidaderdquo Ningueacutem mais pronto a reconhecer os serviccedilos de Boa Vista edo proacuteprio Suassuna ao progresso da regiatildeo o mal que inquietava aFigueiredo natildeo era dos homens entatildeo no poder mas o do sistema depropriedade e de trabalho predominate Este sistema o de quase feudalismobaseado sobre a exploraccedilatildeo latifundiaacuteria da cana-de-accediluacutecar e sobre aescravidatildeo do negro O que temos procurado caracterizar em nossos estudossob a denominaccedilatildeo de monocultura latifundiaacuteria e escravocrata e a seumodo feudal e natildeo apenas patriarcal

Essa figura sugestiva de mulato intelectual da primeira metade doseacuteculo XIX pede um estudo agrave parte mas natildeo quisemos deixar de fazecirc-lapassar por estas paacuteginas com o relevo de suas qualidades mais evidentes decriacutetico social num meio tatildeo desfavoraacutevel a tais pendores como o Nordestepatriarcal do seacuteculo passado O ldquoCousin-fuscordquo eacute inseparaacutevel da histoacuteria dacana-de-accediluacutecar no Nordeste O proacuteprio imperador tatildeo sensiacutevel agraves sugestotildeesintelectuais sobretudo agraves de cor filosoacutefica eacute possiacutevel que se tivesse deixadoinfluir pelas reflexotildees de Figueiredo quando precisamente na eacutepoca demaior atuaccedilatildeo do criacutetico do Recife ndash 1840 a 1850 ndash decidiu enfrentar comfirmeza a prepotecircncia dos grandes senhores dos canaviais

Outros publicistas se ocuparam entatildeo do assunto mas com ardor depanfletaacuterios Tal o padre Lopes Gama a quem natildeo faltou a coragem dedenunciar pelos nomes ndash e com toda a autoridade de sua condiccedilatildeo de padree de professor ndash alguns dos Cavalcantis e dos Regos Barros mais ricos daeacutepoca senhores de alguns dos latifuacutendios mais vastos do Nordeste naprimeira metade do seacuteculo XIX De denunciaacute-los como ladrotildees comocontrabandistas e como assassinos

Em Arruda Cacircmara com em Vilhena no padre Moniz Tavares como emFrederico Ceacutesar Burlamaqui em Nascimento Feitosa como em Abreu e Limaigualmente se encontram criacuteticas agraves vezes objetivas ao sistema latifundiaacuterio

e escravocrata do Nordeste Burlamaqui escrevendo em 1833 ndash sob ainfluecircncia niacutetida de Charles Comte ndash ocupou-se principalmente doMaranhatildeo ndash onde a criacutetica aos abusos da escravidatildeo fora iniciada por umhomem de gecircnio ndash o padre Antocircnio Vieira E Abreu e Lima fixou comagudeza criacutetica as condiccedilotildees regionais de luta de classe entre noacutes ndash colocircniade plantaccedilatildeo e depois impeacuterio de senhores e escravos

Mas a cor de panfleto tira a muitos desses ataques agrave aristocracia doscanaviais ndash ataques menos de homens a instituiccedilotildees que de homens contrahomens ndash o valor de criacutetica objetivamente social que se encontra nos escritosde Figueiredo Principalmente na sua seacuterie de pequenos ensaios algunsadmiraacuteveis publicados na revista O Progresso de 1846 a 1848

Esse esforccedilo de criacutetica ou de anaacutelise objetiva do sistema escravocrata elatifundiaacuterio do Nordeste teria na segunda metade do seacuteculo XIXcontinuadores muito mais brilhantes que Figueiredo Tavares Bastos eJoaquim Nabuco por exemplo Brancos finos de casa-grande desertandopara o lado dos negros e natildeo mulatos aristocratizados pela ascensatildeointelectual

E atraveacutes de todo o seacuteculo XIX vamos encontrar fazendo obra de criacuteticaou de anaacutelise quase socioloacutegica ao regime social predominante no Nordesteuma seacuterie de meacutedicos alguns educados na Europa

Mesmo quando meacutedicos de famiacutelias e um tanto sujeitos agrave economiapatriarcal das casas-grandes esses doutores do seacuteculo XIX souberam porinfluecircncia de sua formaccedilatildeo mais objetiva e mais cientiacutefica que a dosbachareacuteis e a dos cleacuterigos agraves vezes tambeacutem por sua condiccedilatildeo trepidante demulatos insatisfeitos desprender-se das acomodaccedilotildees ao sistemapredominante ndash o da lavoura latifundiaacuteria e escravocrata ndash e criticaacute-lo emalguns dos seus pontos mais delicados

O estudo da patologia individual levou-os ao estudo da patologia socialOs doentes levaram-nos agraves doenccedilas sociais A grande doenccedila raiz de quasetodas que era o sistema econocircmico dentro do qual o homem vivia ndash amaioria negra e parda escrava da minoria paacutelida e todos escravos da canaEscravos do accediluacutecar

Natildeo foi outro o caso de Aquino Fonseca um dos vaacuterios meacutedicos doNordeste educados na Europa ndash os Arruda Cacircmara os Simpliacutecio Mavignier

os Joaquim Serpa ndash a quem mais do que a bachareacuteis e a cleacuterigos devemos opouco de criacutetica objetiva que nos resta da fase mais intensa da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Brasil feita pelos proacuteprios contemporacircneos filhos da regiatildeo Erameles decerto os menos amolecidos pelas influecircncias e pelos abafos do meiona sua capacidade de introspecccedilatildeo de observaccedilatildeo de anaacutelise dediagnoacutestico social E viram os grandes males ligados agrave ordem social entatildeopredominante A prostituiccedilatildeo ndash para a qual concorriam os proacuteprios grandessenhores das terras de accediluacutecar e os seus filhos e os filhos dos seus compadreso Recife se enchendo de molecas e mulatas defloradas pelos maisdesabusados dentre eles A siacutefilis A maacute alimentaccedilatildeo O vestuaacuterio improacuteprioAs maacutes condiccedilotildees de habitaccedilatildeo O transporte e a venda de aacutegua em canoimundas

Conveacutem lembrar que desde Guilherme Piso trazido pelo conde deNassau a Pernambuco em 1637 como chefe do serviccedilo sanitaacuterio do Brasilholandecircs se iniciara no Nordeste o estudo das condiccedilotildees sociais da regiatildeo aolado do estudo propriamente meacutedico ou nosoloacutegico E esse estudo jaacute debaixode criteacuterio ecoloacutegico Ao mesmo tempo que as doenccedilas e as suas condiccedilotildeesnaturais e sociais da regiatildeo Piso procurou estudar as plantas do Nordesteconhecidas dos indiacutegenas que pudessem servir ao tratamento dos males aquiencontrados Ele jaacute nos fala da ipeca e da copaiacuteba de outras plantas quedois seacuteculos depois seriam a paixatildeo de Joaquim Jerocircnimo Serpa no seu quasenativismo meacutedico na sua quase mania de empregar no tratamento dosdoentes as drogas da regiatildeo de preferecircncia agraves exoacuteticas67 Do mesmo modo

que outros patriotas do seacuteculo XVIII e principalmente do XIX insistiram emcomer farinha de mandioca em vez de patildeo de trigo e em beber aguardentede cana em vez de vinho Parece que houve mesmo um nativismo religiosoou lituacutergico de que o grande bispo Azeredo Coutinho daacute sinal o uso dobenjoim em vez de incenso nas igrejas de Pernambuco68 E na arte da

renda o uso de material da regiatildeo ndash espinhos fibras etc ndash em substituiccedilatildeo amaterial tradicionalmente europeu

Destaque-se de passagem um traccedilo que bem caracteriza a inteligecircnciaou pelo menos o bom senso que orientou a poliacutetica portuguesa com relaccedilatildeoao Brasil o interesse da metroacutepole pelo conhecimento daquelas plantasregionais que pudessem beneficiar tambeacutem outras populaccedilotildees no reino e

nas colocircnias da Aacutefrica e da Aacutesia Nos vaacuterios volumes de Correspondecircncia daCorte que os nossos arquivos guardam como nos maccedilos de ricadocumentaccedilatildeo sobre o Brasil que se conservam no Arquivo do Ultramar ouHistoacuterico Colonial em Lisboa eacute frequente o pesquisador deparar comreferecircncias ao assunto A esse interesse deve-se tambeacutem o fato de terem sidotraduzidas e aclimadas no Nordeste vaacuterias plantas uacuteteis de outras regiotildeestropicais cuja cultura experimentada nos hortos del-rei soacute natildeo se propagoufacilmente entre noacutes devido ao exclusivismo dos proprietaacuterios das terras decana

Junto a esses saliente-se de passagem que procuraram tambeacutem agiralguns admiradores portugueses como D Fernando Joseacute de Portugal nosentido natildeo soacute da policultura como da adoccedilatildeo de meacutetodos mais adiantadosde cultura por exemplo no de se queimarem nas fornalhas dos engenhosldquoas canas jaacute moidas como praticam os inglezes e francezes nas Antilhasrdquo nosentido ainda do emprego de arados para cultivar as terras Eacute o que nos fazver a carta do mesmo D Fernando de 28 de marccedilo de 1798 que se conservaem manuscrito no Arquivo do Ultramar em Lisboa

Joatildeo Ferreira da Rosa o primeiro fiacutesico a ser enviado pela metroacutepoleportuguesa a Pernambuco com o fim de estudar a ldquoepidemia de malesrdquo quena segunda metade do seacuteculo XVII ameaccedilou de destruir a civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste do Brasil eacute outra figura do meacutedico que ficou associada agravehistoacuteria social da regiatildeo outra figura de teacutecnico que encarnou entre noacutesnatildeo apenas o bom senso da administraccedilatildeo colonial portuguesa mas ateacute a suatendecircncia para dar soluccedilatildeo cientiacutefica a problemas brasileiros

Diz-se que o Nordeste tivera suas condiccedilotildees de higiene melhoradasdurante o domiacutenio holandecircs e eacute provaacutevel que tal houvesse sucedido pelomenos no Recife e nos seus arredores com as obras de engenharia eprincipalmente com o sistema de canais de que o conde Joatildeo Mauriacutecio deNassau dotou a capital do accediluacutecar e no interior com as medidas tomadaspor ele contra os desmandos da monocultura da cana e a favor da plantaccedilatildeode legumes e de cereais pelas terras dos engenhos Estas medidas teriam-serefletido de modo favoraacutevel sobre a sauacutede da populaccedilatildeo Aleacutem disso odomiacutenio holandecircs nos teria trazido o saber meacutedico dos doutores judeus deAmsterdatilde e por consequecircncia melhor assistecircncia meacutedica e higiecircnica aos

habitantes do Nordeste Diz-se que a cidade da Bahia jaacute no seacuteculo XVII seapresentava cheia de meacutedicos judeus E do Recife Israel veria sair um dosseus maiores doutores em medicina de todos os tempos o grande Velosino

Joatildeo Ferreira da Rosa veio para Pernambuco quando as condiccedilotildees desauacutede puacuteblica eram peacutessimas na capitania E natildeo lhe escaparam asinfluecircncias de natureza social que estariam concorrendo para situaccedilatildeo tatildeoterriacutevel ldquoa costumancia nos peccados ou desregrados costumesrdquo Em Olindajaacute o pregador dissera alarmado com tanto pecado e com tanto luxo ndash oshomens soacute querendo vestir seda e veludo os cavalos ajaezados de prata asmulheres cobertas de peacuterolas rubis esmeraldas e diamantes as senhoras e asfilhas dos senhores de engenho e de outros homens afazendados trajandotatildeo ricamente como na corte de Madri ldquoOlinda seraacute abrazada por Olandardquo

Sabe-se pelos cronistas do seacuteculo XVII que no Nordeste principalmenteno Recife ndash que desde 1630 com o incecircndio de Olinda foi tomando relevona paisagem da regiatildeo ateacute tornar-se a verdadeira metroacutepole do accediluacutecar ndash erairregulariacutessima a vida sexual favorecendo a siacutefilis e as doenccedilas veneacutereas econtribuindo para o grande nuacutemero de crianccedilas ilegiacutetimas enorme aprostituiccedilatildeo ostensiva na cidade e um tanto disfarccedilada mas talvez aindamais brutal pelos engenhos

Com a falta de viacuteveres na regiatildeo (onde quase soacute se plantava cana e umpouco de mandioca) importava-se com toda a regularidade de Portugal edas Canaacuterias grande quantidade de alimento ldquoquarenta e cinco navios seempregavam anualmente no comeacutercio de transporte de gecircneros deimportaccedilatildeordquo69 lembra Pereira da Costa referindo-se a Pernambuco no

seacuteculo XVI Quase o mesmo excesso de importaccedilatildeo de viacuteveres continuariaatraveacutes do seacuteculo XVII Junte-se a isto o grande nuacutemero de navios que ocomeacutercio de accediluacutecar trazia a Pernambuco e agrave Bahia ndash no seacuteculo XVIaumentado pelos barcos de volta do Peru ndash e tem-se a ideia da frequecircnciade contatos do Nordeste atraveacutes do seu primeiro seacuteculo de civilizaccedilatildeoaccedilucareira com a Europa e com outras partes do mundo com as Canaacuterias ecom o Peru por exemplo com a Aacutefrica a Iacutendia e a China Terras donde osaristocratas brasileiros do accediluacutecar faziam vir seus adornos de sala seusmarfins seus chapeacuteus de sol e suas bengalas mais finas ndash ateacute o seacuteculo XIXinsiacutegnias de mando traccedilos de vida fina tatildeo particularmente caracteriacutesticos

do homem nobre da gente fidalga e volutuosa do NordesteSe desde tempos remotos anteriores agrave colonizaccedilatildeo agraacuteria jaacute esta parte

do Brasil recebera muito salpico de sangue europeu do Norte ndash o dosnormandos louros traficantes de pau-brasil tantos dos quais se deixaramficar pelas praias sombreadas de cajueiro colhendo madeira para os navios eemprenhando caboclas ndash essa infiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico soacute faria seacentuar atraveacutes dos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo agraacuteria O accediluacutecar quetrouxe para a Nova Lusitacircnia com Duarte Coelho colonos tatildeo soacutelidos donorte de Portugal natildeo soacute atraiu para aqui de outras terras muitoaventureiro de nome ilustre como segundo tudo indica aventureirosnoacuterdicos de menor porte

Durante o domiacutenio holandecircs sabe-se que o litoral do Nordeste se encheude flamengos alematildees e ingleses Soldados e mercenaacuterios que deixaram noNordeste muito filho mulato ou mameluco apesar das tentativas de certasautoridades holandesas no sentido de conservar riacutegida a separaccedilatildeo debrancos e dos negros Eacute o que nos mostra confirmando nossas antecipaccedilotildeessobre o assunto manuscrito inglecircs do seacuteculo XVII referente ao Nordestedominado pelos flamengos70

Moreau se refere ao grande cruzamento entre noacuterdicos judeusportugueses negros e iacutendios que dava agrave populaccedilatildeo do Recife holandecircs umavariedade extraordinaacuteria de cor Houve casamentos entre holandeses emulheres portuguesas ndash casamentos e natildeo simples uniotildees Estes casamentosnatildeo teriam sido em nuacutemero insignificante como imaginam alguns Sabe-seque soacute uma viuacuteva pernambucana da melhor nobreza do accediluacutecar casousucessivamente com dois holandeses ndash o que mostra que natildeo eramimpossiacuteveis as uniotildees de mulher de famiacutelia ou origem catoacutelica comprotestantes

O que deve ter sucedido no Nordeste ndash de modo mais difuso talvez ndash eacute omesmo que sucedeu em Faial de maneira mais concentrada Aiacute foi grande acolonizaccedilatildeo flamenga iniciada por Job van Hurter Mas cerca de cem anosdepois quase natildeo se surpreendia nos nomes de famiacutelia vestiacutegio algum dospovoadores holandeses Tinham sido absorvidos pelos portugueses do mesmojeito que no Nordeste a populaccedilatildeo luso-brasileira suplantou rapidamente oelemento holandecircs os remanescentes Suplantou-os natildeo soacute pela

superioridade em nuacutemero como pela melhor adaptaccedilatildeo do portuguecircs aomeio tropical

E dado o predomiacutenio da liacutengua portuguesa aqui como na ilhacompreende-se como os nomes proacuteprios e os apelidos de famiacutelia dosholandeses que se uniram a senhoras ou moccedilas luso-brasileiras do Nordeste ndashnomes difiacuteceis de pronunciar e sempre com um ranccedilo de heresia ndash seestropiaram a ponto de natildeo permitirem a identificaccedilatildeo de sua origem ou sedissolveram em nomes portugueses e catoacutelicos Em Faial diz-se que jaacute foipossiacutevel identificar o apelido de famiacutelia Horta que por todos os motivosparece tatildeo portuguecircs como o de Hurter o patriarca da colonizaccedilatildeoflamenga da ilha o de Terra com Aertrijche Bruyn laacute como aqui deuBrum

As pesquisas genealoacutegicas sobre a gente do Nordeste ainda natildeo chegaramao trabalho tatildeo delicado e difiacutecil de identificaccedilatildeo de nomes portuguesescom holandeses Tais pesquisas sabe-se que quase se limitam aos cadernosque nos deixaram Jaboatatildeo e Borges da Fonseca tanto um como o outrodominados pela preocupaccedilatildeo de dourar o mais possiacutevel os apelidos defamiacutelia da regiatildeo Lopes Gama com a franqueza de sempre levanta sobre aintegridade do trabalho de Borges da Fonseca as maiores duacutevidas segundo opadre-mestre o manuscrito teria sofrido mais de uma adulteraccedilatildeo seacuteria Enatildeo eacute difiacutecil de admitir que agrave preocupaccedilatildeo de nobreza dos genealogistas daregiatildeo tenha acompanhado a de ortodoxia catoacutelica procurando-se em geralesconder qualquer desvio ou aparecircncia de desvio dessa ortodoxia sugeridapor nome menos latino e ao mesmo tempo menos catoacutelico que natildeo estivesseostensivamente purificado da mancha de heresia O caso de Gaspar van derLey que se fez catoacutelico com tanto alarde

O que se pode afirmar eacute que ainda hoje a populaccedilatildeo do Nordeste acusaem sua antropologia a persistecircncia de traccedilos noacuterdicos Eacute o caso de famiacuteliasde boa ascendecircncia rural da aacuterea mais profunda de civilizaccedilatildeo de accediluacutecar osWanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso por exemplo os Rabelo de NossaSenhora do Oacute de Goiana certos Lins da Paraiacuteba Muitos deles satildeo indiviacuteduosruivos e de olhos azuis as bochechas agraves vezes cor-de-rosa como as doshomens do norte da Europa em contraste com os Pontual os Sousa Leatildeo osGuedes Pereira os Santos Dias quase sempre muito morenos Ou entatildeo

paacutelidosEacute tambeacutem o caso de famiacutelias mais simples dos sertotildees do Nordeste

pastoril e meio nocircmade Para aiacute teriam talvez se deslocado do litoralescravocrata e sedentaacuterio ndash da aacuterea da cana-de-accediluacutecar do Nordeste agraacuteriondash quase todos os louros com a consciecircncia de raccedila mais viva e o espiacuterito deaventura mais forte Essa mobilidade talvez menos por uma questatildeo de raccedilacomo acreditaria um arianista do que por motivo de hereditariedade eprincipalmente de constituiccedilatildeo individual como sugerida talvez ummoderno estudioso de biotipologia E ainda por motivos psicoloacutegicos sociaiseconocircmicos Seriam tais louros em alguns casos restos de normandos ou deflamengos do seacuteculo XVI de alematildees ingleses e franceses dos tempos dainvasatildeo holandesa Figuras de aventureiros inadaptados ao sistemaeconocircmico ou agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar com as suas exigecircncias quer desedentariedade quer de capacidade econocircmica para a instalaccedilatildeo faustosa defaacutebrica e de famiacutelia Exigecircncias difiacuteceis de satisfazer por gente tatildeo sem gostoe sem haacutebitos de fixidez e ao mesmo tempo tatildeo sem dinheiro Incapaz de seachatar com os mulatos com os caboclos com os portugueses brancos quasesem consciecircncia nenhuma de raccedila em simples moradores dos engenhos ndashsituaccedilatildeo que os forccedilaria ao comeacutercio sexual com gente de cor e que osobrigaria a uma subordinaccedilatildeo de vassalos das casas-grandes

Koster encontrou nos sertotildees do Nordeste ldquopessoas de tal alvura que naEuropa seriam admiradasrdquo71 Mas em geral o que notou o inglecircs no Nordeste

pastoril foi uma grande variedade de cor da populaccedilatildeo da branca agrave trigueiraE Tollenare escreveu dos homens do Nordeste pastoril que eram

ldquorobustos corajosos ativos e inteligentesrdquo realizando trabalhos que os negrosdo litoral talvez menos aacutegeis natildeo realizavam que o seu porte era ldquoaltivo eindependente como os dos montanhesesrdquo que o maior nuacutemero era desangue mesclado de branco e de iacutendio72

Talvez os mesmos motivos jaacute sugeridos para explicar a presenccedila de gentetatildeo alva no sertatildeo expliquem o possiacutevel deslocamento de elementos judeusdo litoral e principalmente da aacuterea mais profundamente dominada pelalavoura da cana-de-accediluacutecar e pelo olhar da Inquisiccedilatildeo para o Nordestepastoril que porventura guarda mais do que o agraacuterio traccedilos semitas em suapopulaccedilatildeo Semitas e ciganos Em certos trechos o Nordeste do pastoreio se

apresenta com um perfil antropoloacutegico e psicoloacutegico nitidamentediferenciado do da gente do litoral e da ldquomatardquo O perfil psicoloacutegicoapresenta talvez maiores pontos de semelhanccedila com o de certo tipo antigode paulista andejo empreendedor bandeirante do que com o do homem doNordeste agraacuterio Gente mais volutuosa e mais arredondada pelasedentariedade Gente que no seacuteculo XVII se mostrava incapaz da eficiecircnciamilitar dos bandeirantes contra os negros dos quilombos como salientaAfonso de E Taunay em sua obra monumental sobre as bandeiras E nosnossos dias incapaz de accedilatildeo colonizadora dos cearenses no Amazonas Doscearenses e dos paraibanos sertanejos

Resta salientar que o fato do esplendor do accediluacutecar no Nordeste teratraiacutedo desde o seacuteculo XVI tantos navios e tantos mariacutetimos e no seacuteculoXVII tantos soldados mercenaacuterios e aventureiros e tantas prostitutas donorte da Europa natildeo pode deixar de ter contribuiacutedo cacogenicamente paraa miscigenaccedilatildeo no Nordeste As uniotildees ou cruzamentos de tais indiviacuteduoscom mulheres da terra e com as negras da Aacutefrica se teriam verificado emcondiccedilotildees sociais as mais desfavoraacuteveis para os filhos e alguns teriamtransmitido agrave prole tatildeo infeliz o peso da inferioridade bioloacutegica e natildeo apenassocial

Mas entre os mercenaacuterios entre os soldados entre os aventureiros emariacutetimos estariam elementos satildeos animais vigorosos noacuterdicos de belaestampa que teriam deixado no Nordeste bastardos do tipo dos mulatos daAacutefrica holandesa estudados por Fischer sararaacutes bonitos mesticcedilos eugecircnicose nem sempre moleques feios pardos cocogecircnicos mesticcedilos desengonccedilados

Para o nuacutemero possivelmente maior no Nordeste da cana-de-accediluacutecar doque no outro de doacutelicos e principalmente de mesoceacutefalos parece terconcorrido ndash talvez com outras influecircncias do meio e de dieta ndash essainfiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico reforccedilada pela presenccedila muito maior emterras de cana de escravos africanos em sua maioria mesoceacutefalos e natildeobraquiceacutefalos como em grande nuacutemero os indiacutegenas da regiatildeo

Eacute verdade que a seleccedilatildeo de africanos para a lavoura no extremoNordeste parece que se fez principalmente no sentido do cambinda ou dobenguela que seriam os mais vigorosos e os mais aptos para a agricultura dacana e para a induacutestria do accediluacutecar Eacute a informaccedilatildeo de Tollenare baseado no

que viu em Pernambuco e no que aqui lhe disseram nos princiacutepios do seacuteculoXIX Negros portanto sem as formas alongadas dos africanos mais altos edinacircmicos Tollenare fala mesmo nas pretas a quem fazia falta um pescoccedilolongo Eacute que a maioria dos negros dos engenhos do extremo Nordeste seriamcambindas e benguelas congos e angolos Negros bacircntus Por conseguinteem grande nuacutemero ldquode pequena estatura tronco possante membros curtospantorrilhas bem desenvolvidasrdquo Como lembra Bastos de Aacutevila em suacolaboraccedilatildeo para os Novos estudos afro-brasileiros ldquoO sudanecircs seria umatleta na concepccedilatildeo de Kretschmer o Bacircntu um piacutecnicordquo

Barleacuteus notara no seacuteculo XVI que os melhores trabalhadores agriacutecolasdentre os escravos importados para o Nordeste eram os da Angola os taisnegros piacutecnicos soacutelidos e peacutes-de-boi Nina Rodrigues nos seus estudos sobrea procedecircncia dos africanos colonizadores do Brasil daria aos elementosbacircntus ndash ao angola e congo principalmente ndash predominacircncia na colonizaccedilatildeonegra de Pernambuco e ao elemento sudanecircs grande maioria na da BahiaDa Bahia em geral sem particularizar a aacuterea do accediluacutecar Eacute tambeacutem aconclusatildeo de Artur Ramos hoje o maior especialista brasileiro em assuntosafricanos de Pedro Calmon e de Renato Mendonccedila dois outrospesquisadores de nota

Como a importaccedilatildeo dos negros para o extremo Nordeste parece natildeo terobedecido tanto quanto para a Bahia a necessidades urbanas ao lado dasrurais nem a desejos esteacuteticos e amorosos de comerciantes sem famiacuteliaregular ou mais exigentes que os senhores de engenho em assuntos dehareacutem mas quase exclusivamente aos interesses da lavoura da cana e dainduacutestria do accediluacutecar pode-se supor com bons fundamentos que acolonizaccedilatildeo africana da aacuterea da cana se conformou principalmente agravequelasexigecircncias As exigecircncias de uma lavoura e de uma induacutestria que pedindovigor fiacutesico ao operaacuterio ndash o vigor fiacutesico e a sedentariedade do chamadopiacutecnico ndash exigia tambeacutem uma experiecircncia agriacutecola e um grau deadiantamento teacutecnico que natildeo podiam oferecer por exemplo osbosquiacutemanos e hotentotes

Eacute certo que atraveacutes dos anuacutencios de escravos fugidos nos jornais dePernambuco ndash principalmente no Diaacuterio de Pernambuco ndash surpreendem-se traccedilos ou evidecircncias da presenccedila entre os negros do extremo Nordeste

desse elemento mais atrasado em cultura e do ponto de vista do vigor fiacutesicoe do ideal europeu de beleza menos desejaacutevel a pouca altura os peacutes aindamais apapagaiados que os dos outros a bunda grande empinada ouarrebitada Mas atraveacutes das proacuteprias evidecircncias dos anuacutencios de escravosfugidos o tipo predominante de negro no extremo Nordeste parece ter sidoo de altura regular ou mediana forte de corpo possante de tronco natildeomuito preto bonita figura bonitos dentes orelhas pequenas E quandoaparece a nota de procedecircncia ou esta se faz anunciar mais nitidamentepelos traccedilos de fisionomia pela cor da pele pela descriccedilatildeo do cabelo ou dopelo ou entatildeo pelas ldquomarcas de naccedilatildeordquo ou pelos sinais de tatuagem ndash essestraccedilos e sinais satildeo em grande nuacutemero de ldquonaccedilotildeesrdquo do Congo e da Angola

Pode-se concluir que a colonizaccedilatildeo africana do extremo Nordeste natildeo foitatildeo fina ndash nem do ponto de vista europeu de esteacutetica nem do de culturamoral e material ndash como a sudanesa que abrilhantou e enriqueceu de modotodo especial a Bahia Sobretudo ao que parece a Bahia urbana Mas foidominada por um tipo de negro forte e plaacutestico embora inferior agravequele emaltura delicadeza de traccedilos e elementos de cultura Geneticamente bom etecnicamente jaacute na fase agriacutecola apto ao serviccedilo da lavoura de cana que erao meio de seleccedilatildeo de negros para o Nordeste agraacuterio

Tollenare viu nos mercados de escravos do Recife ldquograndes latagotildeesmusculosos ocupados a fiar algodatildeordquo que lhe lembraram ldquoHeacutercules em casade Onfalerdquo73 Latagotildees que se adaptavam a uma variedade de trabalhos

sedentaacuterios ndash ateacute aos trabalhos de mulher Os mesmos negros fortes ele veriadepois curvados sobre as terras do engenho Salgado ndash os homens cortando ascanas as mulheres as enfeixando os carros de boi carregando os feixes doscanaviais para os engenhos Os mesmos pretos musculosos ele surpreenderiadebaixo dos telheiros dos engenhos levando as canas agrave boca das moendas efazendo-as passar pelos cilindros o nuacutemero de vezes suficiente ndash trabalhoque lhe pareceu exigir ldquocerto grau de inteligecircnciardquo e no qual se podiamadmirar ldquoas formas esbeltas e flexiacuteveis dos pretosrdquo agitando o mel com ascolheres e fazendo as transfusotildees alimentando o fogo das fornalhas comlenha verde transportando as focircrmas para a casa de purgar quebrando ospatildees de accediluacutecar cristalizados e purgados pondo o accediluacutecar para secarpilando-o encaixotando-o

Pelas proacuteprias exigecircncias da lavoura da cana e principalmente dateacutecnica da induacutestria do accediluacutecar repita-se que foi uma colonizaccedilatildeo de genteem grande parte robusta e com alguma experiecircncia agriacutecola e industrial Porconseguinte em estado de cultura superior ao dos indiacutegenas que sob apressatildeo desse elemento invasor fiacutesica e tecnicamente mais capaz de servirjunto com os bois de carro agraves necessidades do canavial se retirariam para ossertotildees para a lavoura de farinha de mandioca para a luta com bois brabos eos cavalos selvagens para as formas mais agrestes de pastoreio que ficousendo no Nordeste uma atividade mais de caboclos de mamelucos debrancos e quase brancos do que de pretos e de mulatos

O negro e o mulato do extremo Nordeste (o mulato resultante de umbranco na sua maioria do norte de Portugal e de um negro em grandenuacutemero bacircntu e segundo as melhores evidecircncias do Congo e da Angola) sechegaram aos sertotildees distinguindo-se no proacuteprio pastoreio e no proacutepriocangaccedilo foi por exceccedilatildeo concentraram-se principalmente ndash em grandeparte por imposiccedilatildeo do sistema de escravidatildeo que os trouxe da Aacutefrica oudebaixo do qual nasceram nas senzalas ndash no Nordeste da cana-de-accediluacutecar Alavoura da cana desenvolveu-se sobre o negro ndash ldquoos peacutes e as matildeos do senhorde engenhordquo dizia Antonil no seacuteculo XVIII A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar sobre omulato o curiboca o cabra da bagaceira a matildee-preta a mucama a ldquobaianardquo

Tollenare nos deixou sobre o fiacutesico do negro de engenho do Nordeste ndashque ele conheceu no iniacutecio do seacuteculo XIX ndash alguns traccedilos muito expressivosmenos robusto que o carregador francecircs poreacutem os movimentos menosduros o peito abaulado a coxa nervosa a pele negra luzidia desprovida depelos deixando perceber todo o jogo de seus muacutesculos muito moacuteveis osbraccedilos e sobretudo as pernas ndash justamente o que era menos deles e mais dossenhores ndash ldquode ordinaacuterio fracosrdquo diz o francecircs mas acrescentando ldquovinegros com formas de Apolordquo74

Quase se pode considerar o depoimento do observador francecircs umasiacutentese dos numerosos perfis antropoloacutegicos de pretos de engenho que nosfornecem os anuacutencios de negros fugidos nos jornais do Nordeste nos quaisentretanto a cor preta retinta eacute menos saliente que a ldquonatildeo muito pretardquoTambeacutem por esses anuacutencios passam negros com formas de Apolo as mesmasformas que Mansfield quarenta anos depois de Tollenare admiraria nos

pretos de Pernambuco Tambeacutem pelos anuacutencios passam em nuacutemero que sepode considerar representativo figuras esplecircndidas de negras como as que ofrancecircs conheceu nos engenhos de accediluacutecar de peito firme os ombros ebraccedilos bem modelados e algumas ldquoque se poderia qualificar de bonitas se opescoccedilo mais longo desse melhor desembaraccedilo agrave cabeccedilardquo Negros e negras depescoccedilo curto e peito abaulado e natildeo somente de formas alongadas como ossudaneses e que seriam talvez natildeo soacute por superioridade de cultura comopor constituiccedilatildeo individual os mais inclinados agrave aventura da fuga aomovimento agrave rebeldia contra os senhores brancos os menos acomodados agraverotina do trabalho de fazer accediluacutecar

No extremo Nordeste e no Recocircncavo da Bahia o elemento negro de boaorigem ndash quanto agrave sua composiccedilatildeo geneacutetica e quanto aos seus dotes decultura ndash juntou-se agraves vezes a portugueses em grande parte tambeacutem deboa composiccedilatildeo geneacutetica e de situaccedilatildeo social superior ndash os colonos de DuarteCoelho e seus descendentes por exemplo ndash para formar grupos de mulatosdos mais capazes de nossa populaccedilatildeo mesticcedila e que concorreriam para oenriquecimento natildeo soacute intelectual ndash como jaacute foi acentuado ndash maseconocircmico da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar em particular e da brasileira em geralForam os mulatos que se tornaram os mestres de accediluacutecar os maquinistas osmarceneiros os carpinteiros dos engenhos mais tarde engenheiros emeacutedicos dos muitos que a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar produziria jaacute na decadecircnciado seu patriarcalismo

Se a raccedila como lembram os antropoacutelogos modernos conta menos do quea composiccedilatildeo geneacutetica das populaccedilotildees o extremo Nordeste podeapresentar-se como uma regiatildeo particularmente bem dotada do ponto devista dos elementos que lhe serviam de base agrave colonizaccedilatildeo branca e negra desuas terras de cana os colonos de Duarte Coelho ndash e natildeo nenhum grupo dedegredados criminosos e aventureiros ndash do lado dos brancos e dosafricanos os negros em sua maioria bacircntus tambeacutem agraacuterios

E recolhidos em grande nuacutemero natildeo da parte inferior mas quasesempre da parte superior das tribos Agraves vezes eram vendidos como escravospara as plantaccedilotildees da Ameacuterica segundo recorda Herskovits75 referindo-se

agrave Aacutefrica Ocidental os candidatos malsucedidos aos tronos dos pequenosreinos eles suas famiacutelias e seguidores e os chefes que tinham combatido por

ele Grandes massas de gente da melhor da mais capaz da mais eugecircnica enatildeo os indesejaacuteveis do ponto de vista da moralidade das tribos como jaacutehouve quem insinuasse Aliaacutes podia-se dizer a esse respeito o mesmo que arespeito dos criminosos portugueses deportados para o Brasil nem todoseram desterrados por crimes que hoje considerariacuteamos crimes mas vaacuterios porpecadilhos de amor e de heresia

Tollenare conheceu em Sibiroacute uma negra de engenho com dois braccedilostorados pela moenda de espremer cana Uma mulher bonita de vinte e setea vinte e oito anos muito alegre e palradeira Teria sido um caso deincompetecircncia africana de incapacidade do negro para o trabalho maisdelicado do fabrico do accediluacutecar Natildeo A pobre negra de braccedilos torados era umcaso de acidente devido ao seu pouco haacutebito a qualquer espeacutecie de trabalhomanual Ela se chamava Teresa Rainha e era muito respeitada pelos outrospretos tinha sido rainha de Cambinda Surpreendida em pecado de amorfora condenada agrave escravidatildeo Chegara a Pernambuco com os braccedilos que amoenda haveria de comer ainda cheios de anelotildees de cobre dourado ndash sinalde rainha

De outros reis e rainhas destronados que trabalharam nos canaviais enas casas de purgar falam as tradiccedilotildees regionais Os incompetentes os quese deixavam torar facilmente pelas moendas ou eram criaturas que nuncatinham trabalhado por ser reis princiacutepes rainhas ou eram pretos doentesde banzo Inadaptados natildeo ao trabalho agriacutecola mas agrave escravidatildeo

Se muito negro fugiu dos engenhos ou trabalhou toda a vida semvontade nos canaviais natildeo se deve concluir daiacute que os pretos fossem todosuns malandros uns incapazes uns inadaptados agrave lavoura O proacuteprioabandono dos canaviais e dos engenhos de cana pelos pretos quando se deua aboliccedilatildeo natildeo pode servir de prova a favor do suposto ldquooacutedio agrave lavourardquo docolono africano do Brasil

Os que associam esse ldquooacutedio agrave lavourardquo do preto ou trabalhador brasileirode origem africana a uma suposta predisposiccedilatildeo de raccedila esquecem o amor agraveterra manifestado pelo preto na Aacutefrica e esquecem os meacutetodos eficientesde trabalhar no campo desenvolvidos por tantas tribos negras naquelas aacutereasde cultura africana baseadas sobre a lavoura

Ainda haacute pouco um rapaz africano que estudou em Oxford ndash e fez

depois conferecircncias nas escolas da Inglaterra e da Dinamarca sobre oscostumes e as aspiraccedilotildees de sua gente ndash Parmenas Githendu Mockeriereuniu em livro ndash livro prefaciado por Julian Huxley ndash natildeo soacute uma seacuterie deobservaccedilotildees curiosas sobre a vida em Kikuyu como alguns documentos designificaccedilatildeo social sobre o povo daquele paiacutes Um deles o depoimento doinglecircs J E Henderson perante a comissatildeo nomeada para investigar aquestatildeo de reserva de terras em Kikuyu

O observador inglecircs salientou aiacute o perigo que haveria em arrancar dosnativos ndash por violecircncia ou mesmo docemente por compra ndash sua terraagriacutecola agrave qual se achavam presos pelo trabalho e por todo um sistema devida e ateacute de religiatildeo Seria motivo para revoltas salientava o inglecircs Ou entatildeondash acrescenta-se ndash para uma forma de resistecircncia passiva mas terriacutevel paraqualquer colonizaccedilatildeo agraacuteria o desinteresse do homem nativo pelo trabalhoagriacutecola

O que se deve salientar eacute o seguinte que uma coisa eacute o homem dentrodo seu proacuteprio sistema de cultura e outra coisa eacute ele desenraizado dessesistema e sujeito pela conquista militar ou pelo regime de trabalho escravo aum gecircnero de vida artificial estranho aos seus desejos aspiraccedilotildees einteresses mais iacutentimos Foi o que se deu de modo geral com o colonoafricano do Brasil Ele foi arrancado violentamente do seu meio ndash quase soacute sefazendo questatildeo de suas matildeos de seus peacutes e de seus oacutergatildeos de procriar ndashpara tornar-se escravo num tipo de lavoura oposto agraves suas praacuteticas agriacutecolasEsse tipo de lavoura foi a grande plantaccedilatildeo a monocultura latifundiaacuteria

O fato de tanto preto aqui nas Antilhas e no sul dos Estados Unidos terse suicidado de raiva de dor de saudade foi apenas o aspecto mais traacutegicodo fenocircmeno de desenraizamento Matildeos peacutes e oacutergatildeos genitais que natildeosuportaram a separaccedilatildeo do resto do corpo ndash que era a tribo com a suareligiatildeo os seus ritos as suas danccedilas A dor do desenraizamento se exprimiutambeacutem numa seacuterie de atitudes menos dramaacuteticas Na falta de interessepela vida No banzo Na lombeira Na preguiccedila Na libertinagem Namasturbaccedilatildeo entre os moleques mais tristonhos Na inclinaccedilatildeo aomasoquismo entre os mais doacuteceis aos senhores e aos sinhozinhos brancos

Mesmo assim natildeo haacute duas opiniotildees sobre este ponto sem o trabalhadornegro ou de sangue africano o colonizador portuguecircs natildeo teria desenvolvido

nesta parte dos troacutepicos uma civilizaccedilatildeo agriacutecola que teveincontestavelmente virtudes entre os muitos e grossos defeitos Sem o negronatildeo teria havido colocircnia de plantaccedilatildeo no Brasil tropical natildeo teria havido acivilizaccedilatildeo de accediluacutecar que alcanccedilou talvez seu maior esplendor no extremoNordeste e no Recocircncavo da Bahia

Quando entre noacutes as matildeos e os peacutes escravizados do negro puderamjuntar-se ao resto do corpo e formar homens completos o africano deu umagrande prova do seu amor pela terra e do seu jeito para lavrar os camposEssa prova dos nove das qualidades agriacutecolas do negro foi Palmares Foi asociedade agraacuteria que aiacute se formou no seacuteculo XVII com pretos fugidos dosengenhos e caboclas raptadas agraves aldeias mais proacuteximas

Entre os negros dos Palmares o capitatildeo holandecircs Blaer encontrou tantaldquoroccedila abundanterdquo tanto milho tanta touceira de bananeira ndash aleacutem da cana-de-accediluacutecar do feijatildeo da mandioca e das muitas palmeiras ndash que a paisagemcontrastava com a dos engenhos soacute canavial e resto de mata A dos Palmarestinha outra variedade e outra alegria

A vida da curiosa organizaccedilatildeo socialista estava baseada sobre apolicultura embora entre os quilombolas o complexo da palmeira tivesseassumido uma grande variedade de expressotildees nas palmas grandes faziamos mucambos e as camas onde dormiam das palmas menores abanos paraabanar o fogo das quengas de coco pequeno cachimbos e provavelmentecuias e cocos de beber aacutegua ndash ainda tatildeo comum entre nossa gente do povo

Ainda se utilizavam da palmeira comendo o creme ou o catarro doscocos e fazendo azeite manteiga e uma espeacutecie de ldquovinho de cocordquoProvavelmente tambeacutem o sabongo ndash doce de coco com mel de cana quaseem ponto de bala Natildeo desprezavam tampouco uns bichinhos gordos dagrossura de um dedo que se criavam das palmeiras e que para eles eramcomo se fossem pitus do rio Una para o brancos nas casas-grandes

Se na Aacutefrica o negro natildeo se revelou invariavelmente o ldquomau agricultorrdquode que fala Azevedo Amaral em estudo recente ndash ldquomau agricultorrdquo ldquomaulavradorrdquo e preferindo sempre ao trabalho na terra o da pecuaacuteria e o damanipulaccedilatildeo de metais ndash no Nordeste ele deu este exemplo de aptidatildeo paraa lavoura Palmares Na Aacutefrica houve aacutereas de cultura cuja organizaccedilatildeosocial ndash fortemente superior agrave dos nossos indiacutegenas ndash se baseou toda sobre o

trabalho agriacutecola ndash como no Sudatildeo Ocidental e no Congo por exemplo noNordeste do Brasil os negros fugidos souberam tambeacutem organizar-se numaverdadeira colocircnia agriacutecola de feiccedilatildeo socialista

O ldquomau agricultorrdquo que se enxerga no negro e no trabalhador brasileirode origem africana eacute provavelmente outro caso daqueles de deformaccedilatildeo dohomem causada pelo sistema de exploraccedilatildeo da terra aqui dotado ndash amonocultura o latifuacutendio a escravidatildeo a coivara a derrubada Tudo issotira o amor do homem agrave lavoura ndash do branco como do preto do senhor comodo escravo e reduz a terra a um monturo que se explora com nojo

Querer ligar natildeo soacute o desinteresse atual do preto ou do mulato pobrepela lavoura como a deserccedilatildeo dos campos pelos trabalhadores negros ndashdeserccedilatildeo que de fato se verificou aqui nas Antilhas e no sul dos EstadosUnidos agraves primeiras notiacutecias de aboliccedilatildeo e antes por grupos revoltados pelosquilombolas e mucambeiros ndash a uma questatildeo de raccedila a um oacutedio especial daraccedila africana ao trabalho agriacutecola eacute que seria torcer um fenocircmeno de causasnitidamente sociais para acomodaacute-lo a um ldquoracismordquo muito suspeito quasesem nenhum cheiro de ciecircncia e com um odor cada dia mais carregado deintenccedilatildeo poliacutetica

A verdade eacute que ainda hoje os xangocircs afro-brasileiros do Nordesterecordam em alguns dos seus cantos mais doces e dos seus movimentos dedanccedila mais expressivos os velhos gestos de semear e de colher o culto daterra a alegria no trabalho agriacutecola o regozijo pelo fruto ou pela espigamadura Toda uma miacutestica do trabalho agriacutecola

50 Seguimos aqui a ideia do professor E A Hooton da Universidade deHarvard sobre a possibilidade de formaccedilatildeo de novas raccedilas pelamiscigenaccedilatildeo adaptando essa ideia ao caso brasileiro do Nordeste ParaHooton vaacuterios grupos humanos classificados como raccedilas satildeo antes ldquothe endproducts of outbreeding followed by intensive imbreeding and selectionrdquo(ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82 july 1935) Ideiasemelhante eacute a de ldquomesticcedilagem fixadardquo que o professor A Austregeacutesilo opotildeeentre noacutes ao arianismo outrora defendido com intransigecircncia sectaacuteria peloeminente professor Oliveira Viana Veja-se a este respeito o trabalho de AAustregeacutesilo em Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 192751 D Domingos do Loreto Couto Desagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambuco ndash 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais da BibliotecaNacional do Rio de Janeiro vol XXIV)52 Mansfield op cit53 Manuscrito no arquivo particular do engenho Noruega54 Manuscrito no arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute (Pernambuco)55 Do fato teve a intuiccedilatildeo Francisco Freire Alematildeo ao escrever em suamonografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicada em 1856 e reimpressa peloMinisteacuterio da Agricultura em 1929 ldquoTodo o litoral americano eespecialmente o do Brasil era devassado por navios europeus em viagens deexploraccedilatildeo ou com o fim de traficar com os indiacutegenas e seguramente nelesvinham as cana-de-accediluacutecar tomadas nas arribadas que faziam em algumasdas ilhas Canaacuterias ou de Cabo Verde para refresco da gente ou quem sabe semesmo como um desses regastes de pouco valor com que angariavam ospobres americanos e lhes pagavam o seu trabalhordquo Que a cana era um bomrefresco para viagens do mar vecirc-se por estas palavras do padre ThomazCage ldquoPartindo de Guadalupe chupaacutevamos cana-de-accediluacutecar que sempretiacutenhamos na bocardquoO provaacutevel entretanto eacute que no Nordeste do Brasil o caju eacute que tenhaprincipalmente beneficiado adventiacutecios ou europeus arribados comobeneficiava os indiacutegenas da regiatildeo Com efeito nutroacutelogos modernos agravefrente dos quais o professor Dante Costa em seus estudos de frutas ouvegetais brasileiros vecircm atribuindo ao caju a maacutexima importacircncia comoalimentoDeste fato a gente da regiatildeo haacute seacuteculos demonstra ter a intuiccedilatildeo dado ogrande uso por nobres de casas-grandes de engenhos e de sobrados e porescravos de senzalas por pobres de mucambos e ateacute por animais ndash o boi deengenho entre eles ndash do caju e da castanha sob vaacuterias formas o frutofresco seco como doce de calda o suco a garapa o vinho o licor acastanha assada farinha de castanha etc Sabe-se que o caju sempre foimuito chupado pela gente dos engenhos de accediluacutecar antes dos banhos de rioTambeacutem em fatias com a feijoada ndash como a laranja pela gente do Rio deJaneiro ndash e como vaacuterios outros pratos Unido ao accediluacutecar como doce de cajuem calda ou seco pode ser considerado o doce mais teluacuterico da regiatildeo Osoutros aliados principais do accediluacutecar ndash a goiaba o araccedilaacute o coco a jaca amanga o abacaxi ndash natildeo satildeo superiores ao caju como expressotildees regionais daharmonia do homem com os valores nativos ou aclimados de vegetaccedilatildeo56 Daiacute ser fixado um tipo de aristocracia do Nordeste da cana-de-accediluacutecarcujo perfil antropoloacutegico pode ser levantado atraveacutes dos numerosos retratosque nos restam dos grandes senhores de engenho da regiatildeo Retratos doseacuteculo XVIII e principalmente daguerreoacutetipos e fotografias do seacuteculo XIXEm Pernambuco Augusto Rodrigues reuniu interessante coleccedilatildeo de

fotografias de titulares pernambucanos ndash em sua grande maioria aristocratasdo canavial Homens quase sempre altos e alguns deles figurasesplendidamente eugecircnicas Em outros se surpreendem traccedilos deenlanguescimento Principalmente em senhorasSobre os aristocratas ou brancos da casa-grande da Bahia escreveu J B Saacute deOliveira no seu sugestivo estudo publicado em 1898 Evoluccedilatildeo psiacutequica dosbaianos ldquoQuase sempre esses baianos possuem a estatura dos ascedentesmas revelam no todo qualquer coisa de degenerescecircncia fiacutesica Explica-se ofato pelas uniotildees conjugais dentro de esfera mui limitada a fim de natildeointroduzirem na famiacutelia sangue que revele a condiccedilatildeo de ex-escravo Aleacutemdisso a indolecircncia nos nobres e o desprezo do trabalho confiado aos homensde cor contribuiacuteram ao influxo dos costumes indiacutegenas para a depressatildeo devitalidade orgacircnica sendo tudo agravado pela accedilatildeo do climardquo57 Manuscrito da correspondecircncia da Corte Livro 25 Arquivo da antigacapitania de Pernambuco Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambucoJaacute em 13 de agosto de 1814 Caetano Pinto de Miranda Montenegro entatildeono governo da capitania de Pernambuco escrevera do Recife ao marquecircs deAguiarldquoIllmoordm Exmordm Senhor No dia 27 de maio espalhou-se hum boato nesta villade que os pretos acedihavatildeo hum levante no dia do Espiacuterito Santo e postoque os indicios se desvaneciatildeo aacute medida que eratildeo examinados foi tatildeo grandeo susto com os propemos exemplos da Bahia nas vozes que o cauzavatildeosoaratildeo tanto nos ouvidos dos escravos que eu natildeo podia deixar algumasmedidas para tranquilizar os animos assustados para fazer conhecer aosmesmos escravos o prompto castigo que achariatildeo se meditassem alguacoisardquo Mandando ldquono mesmo dia 27 render todas as guardas por tropasmilicianas para ficar desembaraccedilado o regimento de linha o qual seconservou em armas no quartelrdquo e tomando outras providecircncias ogovernador conseguira ldquotranquilizar tudordquo conforme a mesma carta aomarquecircs de Aguiar (arquivo da antiga capitania de Pernambuco Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco)58 Pereira da Costa Folclore pernambucano Recife 190859 Alfredo de Carvalho Estudos pernambucanos Recife 190760 Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para D Rodrigo de Sousa CoutinhoBahia 20 de outubro de 1798 Manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboaregistrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro61 Manuscrito correspondecircncia da Corte arquivo da antiga capitania dePernambuco ano de 1735 Biblioteca do Estado de Pernambuco62 Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena em 3 dejaneiro de 1789 manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted 610

63 Sobre este aspecto do assunto veja-se nossos Sobrados e mucambosespecialmente os capiacutetulos ldquoAscensatildeo do bacharel e do mulatordquo e ldquoEm tornode uma sistemaacutetica da miscigenaccedilatildeo no Brasil patriarcal e semipatriarcalrdquoVeja-se tambeacutem o estudo do pesquisador sergipano Felte Bezerra EtniasSergipanas Aracaju 195064 Alfredo de Carvalho Estudos cit Foi certamente este historiador ndashAlfredo de Carvalho ndash quem primeiro fixou a importacircncia de Figueiredo nahistoacuteria das letras e do jornalismo de Pernambuco Cremos poreacutem ter sidopor nossa vez o primeiro a salientar sua significaccedilatildeo como criacutetico social einteacuterprete da vida ou da economia regional sob um criteacuterio socialista que jaacutenatildeo era o literariamente romacircntico mas aproximava-se agraves vezes do chamadocientiacutefico65 Desta revista o professor Amaro Quintas com a colaboraccedilatildeo dopesquisador Ivan Seixas publicou oportuna nova ediccedilatildeo Note-se queevidentemente foi consideraacutevel a influecircncia sobre Figueiredo do engenheiroe socialista francecircs L L Vauthier Sobre Vauthier vejam-se o nosso Umengenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro 1940 e Diaacuterio iacutentimo doengenheiro Vauthier anotado por noacutes Rio de Janeiro 1940 e em 1960reeditados por Joseacute Olympio66 Segundo o pesquisador Sousa Barros em interessante estudo sobre adistribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grande propriedade territorial emPernambuco a relaccedilatildeo entre a propriedade de terra e a populaccedilatildeo eacute naZona da Mata de 0012 e no sertatildeo de 0037 (Boletim da Secretaria da

Agricultura Pernambuco vol I no 2 1936)Evidentemente natildeo passa de ingecircnuo saudosismo a ideia de se considerar oregresso ao engenho banguecirc a salvaccedilatildeo do Nordeste mais prejudicado pelasusinas tentaculares propriedades quase todas de famiacutelias residentes nascidades ou de firmas comerciais Sem pretendermos neste ensaio oferecersoluccedilotildees para o problema recordaremos que as experiecircncias de outras aacutereasde economia predominantemente agraacuteria indicam a vantagem das empresasde capitais e energias concentradas O autorizado agrocircnomo portuguecircsHenrique de Barros em sua Economia agraacuteria (Lisboa 1948) lembra oexemplo por noacutes jaacute posto em relevo em Casa-grande amp senzala dasOrdens Monaacutesticas que em Portugal ocuparam desbravaram e povoaramldquotanto territoacuterio mediante a constituiccedilatildeo de vastas organizaccedilotildees agraacuteriascompreendendo grandes exploraccedilotildees diretamente cultivadas pelos mongese pequenas exploraccedilotildees entregues a colonos sujeitos poreacutem a certaorientaccedilatildeo teacutecnica e com soliacutecita e eficiente assistecircnciardquo Do mesmo modo seexprime outro pesquisador J Vieira Natividade em trabalho tambeacutemrecente citado pelo mestre portuguecircs ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo

publicado no no 5 do Boletim da Junta de Proviacutencia da Estremadura em

1944 Aiacute escreve Natividade das obras realizadas pelos monges de Alcobaccedilaque ldquoainda hoje decorridos oitocentos anos toda a estrutura agriacutecolaalcobacense se apoia no atilado lineamento fradesco do periacuteodo medievalrdquoOpiniatildeo tambeacutem do sr A Reis Juacutenior em estudo ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquopublicado em Vida Poliacutetica (Rio de Janeiro marccedilo 1948) sobre o Brasil ondeldquotudo que temos de impressionante soacutelido grandiosordquo teria resultado deldquofortes concentraccedilotildees trabalhadorasrdquoO agrocircnomo Henrique de Barros encontra pontos de semelhanccedila entre asantigas ldquoorganizaccedilotildees monacaisrdquo e as empresas cooperativistas que vecircmflorescendo na Palestina moderna com um ecircxito que ldquosob o ponto de vistaagriacutecolardquo parece ldquoconsideraacutevelrdquo Talvez desse tipo de concentraccedilatildeo ndash acooperativista ndash eacute que devesse aproximar-se a exploraccedilatildeo dos canaviais doNordeste do Brasil para o fabrico de accediluacutecar aacutelcool e outros produtos comvantagens gerais para a populaccedilatildeo regional e para a economia e a vida rurais67 Vejam-se Biografias mandadas publicar pelo dr Alexandre Joseacute BarbosaLima governador do Estado de Pernambuco Recife 189568 ldquo o cheiroso benjoim se usa nas igrejas de Pernambuco em vez deincensordquo (Ensaio Econocircmico cit pelo cocircnego Dr Antocircnio do Carmo BarataldquoUm grande saacutebio um grande patriota um grande bispordquo Pernambuco1921)

Sobre a arte da renda no Nordeste ndash tatildeo ligada aos ceacutelebres ldquocabeccedilotildeesrdquo

das mulheres ndash veja-se no Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco (Recife 1925) o estudo que a nossopedido e por insistecircncia nossa escreveu o ilustre alagoano Leite Oiticica queconhecia profundamente o assunto

Trajo verdadeiramente regional natildeo chegou a desenvolver-se noNordeste agraacuterio como desenvolveu-se no pastoril o trajo do vaqueiro tatildeoexpressivo da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo Note-se entretanto que aldquobaianardquo com o seu turbante seu cabeccedilatildeo picado de rendas suas saias suaschinelas seus balangandatildes seu tabuleiro de fruta ou de doce de alfenim oude alfeacuteolo de peixe frito ou de tapioca sem ser ortodoxamente uma figuraregional do Nordeste mais agraacuterio (que foi e eacute o do accediluacutecar) e sim expressatildeoda civilizaccedilatildeo mais graciosamente urbana (que no Brasil madrugou emSalvador) natildeo deixa de ser regional pela sua maior frequecircncia sob o nomeantes cultural que provincial de ldquobaianardquo nas cidades do Nordeste agraacuteriodo que nas cidades do Sul Exceccedilatildeo do Rio de Janeiro onde chegou sob omesmo nome de ldquobaianardquo a ser tatildeo frequente como nas ruas e praccedilas deSalvador do Recife de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo de Olinda de Penedo de SatildeoCristoacutevatildeo del-Rei ndash cidade sergipana tatildeo do Nordeste agraacuterio pelos seus

sobradotildees patriarcais com abalcoados de feitio mourisco Mas o Rio deJaneiro agraacuterio e um pouco a corte chegaram a ser uma espeacutecie de parentedesgarrado do velho Nordeste do accediluacutecar parentesco social e de culturafavorecido pelo parentesco da proacutepria paisagem ou da proacutepria vegetaccedilatildeoJoaquim Nabuco encontrou em Paquetaacute ldquoa seduccedilatildeo especial de ser umapaisagem do norte do Brasil desenhada na baiacutea do Riordquo Pois enquanto ldquoportoda parte agrave entrada do Rio de Janeiro o que se vecirc satildeo granitos escuroscobertos de florestas contiacutenuas guardando a costa em Paquetaacuterdquo ndash escreveele em Minha formaccedilatildeo ndash ldquoo quadro eacute outro satildeo praias de coqueiroscampos de cajueiros e agrave beira-mar as hastes flexiacuteveis das canas selvagensalternando com as velhas mangueiras e os tamarindos solitaacuteriosrdquo Mas natildeo eacutesoacute em Paquetaacute que se encontram no Rio de Janeiro essas ldquominiaturas doNorterdquo ou do Nordeste agraacuterio Tambeacutem em Campos Tambeacutem em Vassouras

O trajo da ldquobaiana descreve-o em artigo ldquoA baianardquo no Correio daManhatilde (Rio de Janeiro) de 30 de abril de 1950 o sr Eduardo Tourinho quecomeccedila por evocar a descriccedilatildeo claacutessica do velho Vilhena

ldquo Saias de cetim branco becas de liniste finiacutessimo e camisas decambraia ou cassa bordadas de tal forma que vale o lavor trecircs ou quatrovezes mais que a peccedila e tanto eacute o ouro que cada uma leva em fivelascordotildees pulseiras colares e braceletesrdquo E continua ldquoAinda eacute assim a baianaA camisa ndash com pequenas mangas que cobrem as axilas ndash descobre-lhe ocolo Trabalhada em renda de crivo ou de barafunda afunila-se agrave cinturasob a compreensatildeo de duas ou trecircs anaacuteguas gomadas a tufar a larga saia deroda que deixa a nu os peacutes calccedilados em caprichosas sandaacutelias De ombroesquerdo pende o luxurioso pano da costa de listas bizarramente coloridasrdquoMais adiante sobre os adornos ldquoEsse o trajo Agora os adornos Quemultiplicidade Colares de grossas contas sobre o regaccedilo e rosaacuterios de contasmiuacutedas sob o rendado da camisa No alto do braccedilo esquerdo larga pulseirade ouro Nos pulsos voltas de bolas de ouro e voltas de buacutezios da costa Nasorelhas aacuteureas argolas ou brincos de coral

ldquoDepois eacute o barangandatilde O barangandatilde e natildeo balangandatildeberenguendem ou balangangatilde como diz o vulgo asnal de que fala Gregoacuteriode Matos

ldquoQue eacute o barangandatilde Uma peccedila de prata em forma de argola que deuma corrente de prata posta em torno do pescoccedilo pende ateacute o meio dascostas Essa argola ndash o barangandatilde ndash enfeixa uma porccedilatildeo de amuletospequenos cilindros com poacutes milagrosos e madeiras santas Oraccedilotildees figas

aneacuteis cachos de cabelos dentes de crianccedila buacutezios e moedas Presas debesouro Coraccedilotildees acircncoras e cruzes conjugados Bonequinhos que satildeo ossantos Crispim e Crispiniano Cosme e Damiatildeo O canjerecirc que eacute amuletocontra o lsquomau-olhadorsquo Cola-amarga e favas de olhos-de-cabra contraespiacuteritos perturbadores Pequeninas contas agrupadas em estiletesguarnecidos com rosaacuteceos de prata ndash as pretas e roxas representam Omulu(Satildeo Laacutezaro) e as brancas Oxalaacute (Senhor do Bonfim) e as cor de coral azuis everdes Xangocirc (Satildeo Jerocircnimo) e as doiradas e prateadas Oxum (NossaSenhora das Candeias) e as amarelas Nanatilde (SantrsquoAna) e as brancas muitomiuacutedas Amanjaacute (Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo)

ldquoPor fim depois do barangandatilde a penca-suspensa agrave cintura pelas alccedilasque sustecircm a corrente de prata guarnecida por grande chave do mesmometal Eacute na penca que estatildeo a lsquoFigarsquo o mais comum dos amuletosobrigatoriamente usados contra doenccedilas desastres malefiacutecios lsquoPau-de-angola encastoado em pratarsquo favoraacutevel agrave longevidade ldquoCilindrosrdquo ndashpreservadores da maacute sorte ndash com arruda guineacute manjericatildeo O lsquosinorsquo oulsquoDuplo Sinorsquo ndash o lsquoAdjaacutersquo ndash evocaccedilatildeo dos Camdombleacutes O lsquoCaacutegadorsquo e alsquoTartarugarsquo como a lsquoAranharsquo ou o lsquoPorcordquo o lsquoTrevorsquo a lsquoFigarsquo ou o lsquoCorcundarsquoos lsquoTriacircngulos Maacutegicosrsquo ou a palavra lsquoAgharsquo e a palavra lsquoAounrsquo satildeo fetiches debom auguacuterio O lsquoCoraccedilatildeorsquo simboliza amor e quando encimado por umaflama lsquopaixatildeo ardentersquo O lsquoCachorrorsquo eacute o emblema da fidelidade e lembra SatildeoLaacutezaro e Satildeo Jorge tal o lsquoCarneirorsquo lembra Satildeo Jerocircnimo As lsquoMatildeos Dadasrsquosignificam amizade A lsquoPombarsquo lembra os maacutertires tornados santos mas ndash deasas abertas em forma de cruz ndash eacute a evocaccedilatildeo do Espiacuterito Santo A lsquoRomatildersquosimboliza o gecircnero humano em todo o seu esplendor e miseacuteria A lsquoChaversquosugere o Tabernaacuteculo o Oratoacuterio mas a lsquoChave de Figarsquo segurando a lsquoFarofaAmarelarsquo vale como poderoso talismatilde para lsquofechar o corporsquo a todos os malesA lsquoFerradurarsquo chama felicidade A lsquoLuarsquo eacute a representaccedilatildeo de Satildeo Jorge e olsquoGalorsquo a de todos os Santos O lsquoBurrorsquo simboliza Xangocirc que eacute Satildeo Jerocircnimo ndashe o lsquoCaranguejorsquo eacute Omulu (Satildeo Laacutezaro) O lsquoBoirsquo eacute Omulu Moccedilo (SantoIsidoro) O lsquoVeadorsquo tal como a lsquoEspadarsquo eacute Oxocecirc guerreiro e caccedilador SatildeoJorge A lsquoFacarsquo eacute o siacutembolo de Ogum (Santo Antocircnio) As lsquoUvasrsquo representamOxum que eacute Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo O lsquoCajursquo o lsquoAbacaxirsquo e o lsquoMilhorsquorecordam ainda Satildeo Jerocircnimo O lsquoMoringuersquo evoca Satildeo Cosme e SatildeoDamiatildeo A lsquoPalmatoacuteriarsquo eacute o siacutembolo de Nanatilde ndash SantrsquoAna ndash e o lsquoSolrsquo o deOxumarei que eacute Satildeo Bartolomeu O lsquoTamborrsquo e o lsquoPandeirorsquo representam ascerimocircnias do Terreiro Mas natildeo haacute explicaccedilatildeo certa do que ndash na penca ndash

simbolizam moedas e peixesrdquoEmbora o trajo e os adornos de lsquobaianarsquo com sua simbologia ou a sua

miacutestica tenham a sua aacuterea de maior intensidade de expressatildeo em Salvadorpodem ser considerados comuns agraves aacutereas urbanas do inteiro Nordesteagraacuterio assim como no Rio de Janeiro

Sabemos que a respeito do trajo da ldquobaianardquo prepara minucioso trabalhoa notaacutevel antropologista social brasileira que eacute a sra Heloiacutesa Alberto Torresdiretora do Museu Nacional Sobre a possiacutevel identificaccedilatildeo de origensafricanas de grupos ou subgrupos de populaccedilatildeo nordestina atraveacutes dosestilos e maneiras de usarem as mulheres do povo ndash e natildeo apenas asldquobaianasrdquo ndash seus xales ou mantos apresentamos nota preacutevia ao 1o CongressoAfro-Brasileiro reunido no Recife em 1934 acompanhada de desenhos dopintor Ciacutecero Dias69 Pereira da Costa Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira emPernambuco cit70 Journal of a residence in Brazil written by cuthbert pudsey duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da BibliotecaNacional Rio de Janeiro

Em seu estudo ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no povoamentonordestinordquo publicado na Revista das Academias de Letras no 63 Rio deJaneiro 1948 o sr Carlos Xavier Paes Barreto dedica interessantes paacuteginasaos Wanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso (Rocha Wanderley BarrosWanderley Lins Wanderley) ndash descendentes diretos de Gaspar Wanderleyndash considerando um dos mais tiacutepicos ou representativos da estirpe SebastiatildeoLins Wanderley ldquoo Baixa senhor do rico e belo engenho Rosaacuterio esposo deDa Maria Wanderley natural de Porto Calvo Eacute tradiccedilatildeo que quando secasou trouxe para seu lar uma vultosa riqueza com pesadas e custosas joacuteiasde famiacuteliardquo Tiacutepico considera ter sido tambeacutem o coronel Sebastiatildeo LinsWanderley do engenho Camaragibe casado com Gertrudes LinsWanderley ldquoe cujas festas de aniversaacuterio em Dias de Reis ficaramtradicionaisrdquo E acentua ldquoEle o baratildeo de Granito ou qualquer de seusirmatildeos e bem assim o Baixa do Rosaacuterio eram Wanderley atraveacutes de vaacuteriasgeraccedilotildeesrdquo De Sebastiatildeo Wanderley Chaves lembra ldquoNa mesa de jogo recolhiao fogo para o cigarro na moeda-papel e em banquetes apoacutes a saudaccedilatildeo dehonra ocasiotildees houve em que a toalha era violentamente puxada a fim deque a louccedila e sobretudo as taccedilas natildeo servissem para outro brinderdquo Semprehouve entre Wanderleys certa tendecircncia para a boecircmia a ironia e amordacidade tendecircncia de que podem ser consideradas expressivas figuras

como as de Pedro da Rocha Wanderley do engenho Bom Tom e PedroWanderley

Do fundador da famiacutelia no Nordeste do seacuteculo XVII lembra o sr CarlosXavier Paes Barreto que ldquofidalgo de Brandeburgo conforme atestado doconde Joatildeo Mauriacuteciordquo ndash capitatildeo de cavalaria Gaspar van Nieuhoff van derLeyrdquo ndash tornou-se em Pernambuco ldquosenhor dos engenhos Algodoais Utingade Baixo e Utinga de Cimardquo tendo se casado com Da Maria de Melo filha deManuel Gomes de Melo por sua vez ldquoneta de Anna de Hollandardquo e porconseguinte descendente do tambeacutem holandecircs nobre vindo para o BrasilArnau de Hollanda da famiacutelia ilustre do Papa Adriano IV ldquoAs da estirpeWanderleyrdquo ndash lembra ainda Paes Barreto ndash ldquose misturavam com as de BarrosBarreto Pimentel Rocha Lins Paes Barretordquo conservando-se poreacutem umadas mais endogacircmicas da regiatildeo com a predominacircncia ateacute hoje de traccedilosnoacuterdicos Tambeacutem dos nomes dos fundadores dos seus antepassados e doconde Joatildeo Mauriacutecio Gaspar Joatildeo Mauriacutecio Rosa Mauriacutecio GasparinaMaria Manuel Sebastiatildeo ou Sebastiatildeo Mauriacutecio Veja-se do mesmo autor oseu recente Os primitivos colonizadores do Nordeste e seus descendentesRio de Janeiro 196071 Koster op cit72 Tollenare op cit73 Tollenare op cit Com olhos de ainda maior simpatia do que Tollenarevem observando nos uacuteltimos anos a populaccedilatildeo negra e mesticcedila do Nordesteo socioacutelogo francecircs Roger Bastide a quem se deve um dos melhores livrosrecentes sobre a regiatildeo Imagens do Nordeste miacutestico em branco e preto(Rio de Janeiro 1945)74 Tollenare op cit75 Melville J Herskovits ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History (july 1934) Do mesmo antropoacutelogo cujasprofundas pesquisas sobre aculturaccedilatildeo e sobre as aacutereas de cultura africanastanto interessam ao estudo da colonizaccedilatildeo do Brasil vejam-se tambeacutem ldquoThesignificance of west Africa for negro researchrdquo Journal of Negro History(january 1936) ldquoOn the provenience of new world negroesrdquo Social Forces(december 1933)

6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)

Se elementos geneticamente tatildeo bons como os primeiros colonos negrose os primeiros colonos brancos do Nordeste vieram a desprestigiar-se sobvaacuterios aspectos eacute que sobre eles atuaram com uma intensidade que foimaior aqui do que em outras regiotildees do Brasil as influecircncias desfavoraacuteveisao homem da cultura da cana-de-accediluacutecar quando realizada como serealizou entre noacutes com exclusatildeo de culturas de subsistecircncia pelolatifuacutendio pela escravidatildeo pelo patriarcalismo monossexual ao mesmotempo que monocultor Condiccedilotildees e meios insubstituiacuteveis na primeira eacutepocada colonizaccedilatildeo portuguesa do Nordeste embora pudessem ter sidoatenuados depois Principalmente a monocultura causa de tantas fomes emuma regiatildeo agraacuteria onde chegou a se assistir a este absurdo as senhorastrocarem joias de ouro por punhados de farinha

Tambeacutem a miscigenaccedilatildeo em si natildeo parece ter concorrido para odesprestiacutegio da populaccedilatildeo regional A histoacuteria social do Nordeste da cana-de-accediluacutecar estaacute ligada como talvez a de nenhuma outra regiatildeo do Brasil aoesforccedilo do mesticcedilo ou antes do cabra Um esforccedilo que se tem exercidodebaixo de condiccedilotildees duramente desfavoraacuteveis Mas mesmo assim notaacutevelpelo que tem construiacutedo e realizado

O mesticcedilo do Nordeste ndash curiboca cafuzo ou mulato desde o escuro aosararaacute ndash continua a sustentar com o seu trabalho de homem doente ndash

doente de impaludismo doente de siacutefilis doente de ancilostomiacutease ndash alavoura da cana e a induacutestria do accediluacutecar no Nordeste Eacute quem vem fazendoas vezes de povo ndash esse povo que Couty reparava em 1886 faltar ainda noBrasil as vezes tambeacutem de canalha de rua que tem dado agraves tentativasregionais de insurreiccedilatildeo as suas notas mais dramaacuteticas de coragem de arrojoe de furor revolucionaacuterio

O cabra do Nordeste define-o o folclorista Rodrigues de Carvalhosegundo a ideia mais popular entre a proacutepria gente da regiatildeo ldquotem umcaldeamento especial 50 por cento de africano quarenta de iacutendio e dez deum ariano fugidio pelo entorpecimento do climardquo Eacute ldquoo homem da canalhanortistardquo76

Eacute mais eacute o heroi de um grande nuacutemero de histoacuterias de coragem e deaventuras de amor Eacute o ldquocabra danadordquo O ldquocabra escovadordquo O cabra bom Ocabra de confianccedila A ele a imaginaccedilatildeo do povo atribui uma potecircncia sexualextraordinaacuteria a que natildeo faltariam vantagens fiacutesicas tambeacutem excepcionais

Rodrigues de Carvalho daacute o cabra do Nordeste como ldquoforte trabalhadorvalenterdquo mas ldquoirrequieto inconstante nem sempre lealrdquo E acrescentaldquoRaramente o cabra tem a dedicaccedilatildeo afetuosa do africano ou a carinhosaestima do mameluco ou do brancordquo

Quanto ao mameluco quer nos parecer haver engano do folcloristaparaibano na interpretaccedilatildeo da ideia que geralmente faz a gente do povo daregiatildeo da cana desse tipo de meio-sangue Eacute mais desfavoraacutevel do que a ideiaque na mesma regiatildeo se faz do cabra ndash talvez por ser este o tipopredominante e o mameluco o mais raro O mameluco eacute tido aqui comopreguiccediloso em extremo desleal insconstante Natildeo haacute dona de casa que natildeotenha receio de empregar mameluco natildeo demora em casa natildeo demora noserviccedilo eacute vadio eacute de ldquomau gecircniordquo O mesmo se daacute segundo eacute corrente como mameluco empregado em lavoura em faacutebrica em usina

Mas aqui insistiremos no que jaacute sugerimos em trabalho anterior sobrecertos aspectos da miscigenaccedilatildeo que se relacionam mais intimamente com aformaccedilatildeo social do Brasil muito do que se atribui agrave miscigenaccedilatildeo resulta dasituaccedilatildeo do desajustamento psicoloacutegico e social ndash desajustamento de classee ateacute certo ponto de raccedila (este principalmente pela persistecircncia deevidecircncias de raccedila ligadas aos traccedilos de classe) ndash em que se encontra o

mesticcedilo A lealdade a conformidade e a constacircncia de subordinados natildeo satildeoqualidades que se possa esperar que existam em um elemento social epsicologicamente flutuante indeciso e insatisfeito como eacute geralmente omesticcedilo no mesmo grau em que existe no iacutendio puro e principalmente nonegro retinto Figuras mais definidas e mais integradas no estado desubordinaccedilatildeo de que a pele ndash como o nariz o cabelo os peacutes ndash eacute como se fosseinsiacutegnia de trabalhador sempre do eito de soldado sempre raso Eacute como sefosse um uniforme insubstituiacutevel grudado ao corpo para sempre Ummacacatildeo eterno

Para Rodrigues de Carvalho como para outros observadores a olho nu davida do Nordeste o mesticcedilo da regiatildeo estaacute se degradando ou deteriorizandosob mais de um aspecto estaacute ficando nanico Diminuindo de tamanho ldquoOsrapazes atingem em regra a um metro e sessenta e trecircs centiacutemetros NoExeacutercito distinguem-se os batalhotildees compostos de nortistas pelo tamanhodos soldadosrdquo77

Quanto ao tamanho simplesmente talvez natildeo haja motivo para grandepessimismo ndash a natildeo ser esteacutetico ndash sabido que a pura elevaccedilatildeo de estaturanatildeo eacute iacutendice de robustez independentemente de outros fatores Mas eacuteevidente que muita perturbaccedilatildeo de crescimento existe na populaccedilatildeomesticcedila ndash como na branca pobre e na negra do Nordeste ndash por efeito decondiccedilotildees precaacuterias de vida

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar essas condiccedilotildees satildeo particularmentedesfavoraacuteveis Ateacute farinha de mandioca falta com frequecircncia aotrabalhador de engenho em certas zonas da regiatildeo mais atingidas pelosefeitos da monocultura E aqui como em outras aacutereas o trabalhador livrevem sendo mais desprestigiado em suas condiccedilotildees de sauacutede do que outrora otrabalhador escravo na maioria dos engenhos patriarcais quando de modogeral sua alimentaccedilatildeo jaacute era superior agrave dos brancos e pardos pobres semassistecircncia patriarcal

Em 1849 meacutedicos brasileiros voltados para o estudo das condiccedilotildeessociais do Nordeste chegavam agrave conclusatildeo de que ldquoo mal que proveacutem aacutesaude publica pela destruiccedilatildeo das mattas pela falta de cuidado naconservaccedilatildeo dos animais e do tratamento de suas molestias natildeo se limita asua transmissatildeo e destruiccedilatildeo momentanea estende-se mesmo a produzir

uma alteraccedilatildeo organica subsequente e geral proveniente da falta de toda aproducccedilatildeordquo E acrescentava um deles referindo-se ao trabalhador livre daregiatildeo que tinha de enfrentar condiccedilotildees tatildeo aacutesperas de economia e de vidaldquoo jornal medio de um homem eacute 640 rs o homem socialmente consideradoeacute a reuniatildeo de trez pessoas marido mulher e filho e o primeiro eacute quemsuporta o maximo do trabalho o trabalho de permuta que a todos vaesuprirrdquo Analisava o meacutedico ldquoSupondo que cada um coma uma libra decarne por dia natildeo passando esta de dez patacas a arroba em carne gastaraacute300 rs se ajuntarmos 80 rs de farinha e 20 rs de lenha teremos que ohomem gasta em comida 400 rs por dia e que em um mez faz 12$000 ecomo a casa consume pouco mais ou menos um terccedilo do que se come e queno caso suposto eacute 4$000 soma 16$000 restatildeo-lhe quatro mil reis parasustentar-se nos dias santos nas molestias e para vestir-se etc o que eacuteimpossiacutevel para o homem que quizer hygienica e honradamente viver massendo notorio que o pobre tambem vive com honra convem saber como istose faz A carne secca o peixe secco e salgado e as mais das vezes arruinadoa farinha sem gomma a maacute comida a maacute dormida a maacute casa a fazendaarruinada satildeo os productos que consumem o pobre alem da diminuiccedilatildeoque eacute obrigado a fazer para acommodar-serdquo E concluiacutea sobre a famiacutelia tiacutepicade morador livre do Nordeste agraacuterio ldquoCom taes condiccedilotildees esta famiacutelia natildeodeixaraacute de soffrer sua organisaccedilatildeo natildeo teraacute o completo desenvolvimentosua quantidade de trabalho seraacute menor e maacute seraacute sua prole della nasceraacute osoldado fraco e covarde o marinheiro eacute sensivel e sem intrepidez as creadase amas que se vatildeo encarregar de casas e filhos dos abastados satildeo maacutes por suaorganisaccedilatildeo e educaccedilatildeordquo78

O professor Rui Coutinho sugeriu recentemente que a estatura baixa dohomem do Nordeste ndash isto eacute do homem do povo ndash talvez resultasse dessepadratildeo inferior da alimentaccedilatildeo Para afirmaacute-lo de modo absoluto serianecessaacuterio tomar em consideraccedilatildeo a meacutedia de estatura dos colonos da regiatildeondash do europeu e principalmente do negro Parece ter havido predominacircnciaentre noacutes de colonos africanos natildeo de estatura notavelmente elevada ndash tatildeocomum nos sudaneses ndash mas de altura simplesmente ldquoboardquo ldquomedianardquoldquoordinaacuteriardquo como referem os anuacutencios de negros fugidos Os proacuteprios negrosbaixos natildeo satildeo raros nos anuacutencios baixos embora fortes grossos vigorosos

possantes de tronco79Morais Barros e antes dele o professor A Carneiro Leatildeo jaacute destacaram o

feio o bisonho o franzino da populaccedilatildeo mesticcedila do Nordeste Sabe-setambeacutem que Nina Rodrigues ndash que era do Maranhatildeo e portanto doNordeste da cana-de-accediluacutecar ndash Siacutelvio Romero ndash nascido e criado emengenho do Sergipe ndash e Joseacute Veriacutessimo ndash nascido no Paraacute ou seja numa aacutereadas que os socioacutelogos modernos chamam marginais entre o Nordeste doaccediluacutecar e o extremo norte da floresta ndash acreditaram todos na inferioridadebioloacutegica do mesticcedilo brasileiro por eles visto e observado tatildeo de perto Ideiatambeacutem do professor Oliveira Viana

Eacute possiacutevel que esses observadores ilustres ndash alguns talvez prejudicadospelo proacuteprio excesso de proximidade entre eles e o objeto de sua observaccedilatildeondash tenham desprezado na interpretaccedilatildeo do que o mulato brasileiro em gerale o do Nordeste em particular apresentam de patoloacutegico de cacogecircnico dedisgecircnico os elementos sociais de inferiorizaccedilatildeo de uma classe ou de umproletariado que pela persistecircncia dos efeitos da escravidatildeo eacute na sua quasetotalidade de gente de cor

Porque a verdade eacute que o cabra de engenho ou trapiche de accediluacutecar ndash ouseja o mulato mais caracteriacutestico do Nordeste agraacuterio ndash quando menosdesprestigiado nas suas condiccedilotildees de crescimento e de sauacutede pelasdeficiecircncias de alimentaccedilatildeo e pelo niacutevel baixo de vida e de higiene ndash higienedomeacutestica e higiene de trabalho ndash se apresenta um tipo forte e capaz deesforccedilo constante Muitas vezes bonito de corpo e belo de traccedilos JoseacuteAmeacuterico de Almeida chega a falar em ldquocabras hercuacuteleos que resistem agraves maispenosas labutas como as da bagaceirardquo80

Natildeo eacute soacute a interpretaccedilatildeo a olho nu que repele a ideia de um mulato doNordeste fatalmente cacogecircnico tambeacutem comeccedilam a repeli-la as pesquisasminuciosas realizadas com todo o rigor de teacutecnica antropomeacutetrica pelosmeacutedicos Aacutelvaro Ferraz e Miguel de Andrade Lima em material o maisrepresentativo os soldados da Brigada Militar de Pernambuco81

Por outro lado nos seus estudos de psiquiatria Ulisses Pernambucano eseus colaboradores fugindo ao preconceito de inferioridade bioloacutegica donegro e do mulato que dominara Nina Rodrigues e a sua escola tecircmprocurado observar nos problemas de doenccedilas mentais e nervosas o seu

aspecto social os estiacutemulos ou as influecircncias de meio e de condiccedilotildees vamosdizer patoacutelogicas de regiatildeo Esse grupo de pesquisadores do Recife ndash o decontinuadores de Ulisses Pernambucano ndash eacute hoje um dos que mais insistemna face social e no que se pode chamar o aspecto regional ndash isto eacute de meiosocial inclusive o econocircmico ndash da psiquiatria as condiccedilotildees regionais de vidao papel predisponente do alcoolismo e da siacutefilis em certas psicoses a accedilatildeo dofetichismo do baixo espiritismo da maconha em outras Sinal de que natildeovecircm encontrando no mesticcedilo ou no negro do Nordeste aquela absolutainferioridade de raccedila ou de sub-raccedila em que acreditara Nina Rodrigues

Nina Rodrigues fora ao extremo de destacar na ldquoexcitaccedilatildeo amorosardquo daclaacutessica mulata brasileira verdadeiro iacutendice de anormalidade que seria umcaracteriacutestico patoloacutegico de meia raccedila No que acreditou tambeacutem JoseacuteVeriacutesssimo

Do assunto jaacute nos ocupamos em estudo sobre o mulato brasileiro e suaascensatildeo na sociedade patriarcal do nosso paiacutes82 Nestas paacuteginas ndash simples

tentativa para ver de perto alguns traccedilos da fisionomia social do Nordeste eem que somos agraves vezes obrigado a nos repetir ndash lembraremos que o trabalhode engenho e de trapiche de accediluacutecar quase natildeo eacute mais de negro ndash jaacute natildeoexiste talvez negro verdadeiramente puro na regiatildeo ndash mas de cabra demesticcedilo de mulato E entretanto eacute talvez um trabalho mais penoso do queno tempo da escravidatildeo Porque os senhores de terras de cana e osarmazenaacuterios de accediluacutecar dispotildeem hoje de menor nuacutemero de trabalhadorespara o esforccedilo agriacutecola Alguns aspectos de vida e de trabalho nos armazeacutensdo Recife e nas barcaccedilas de accediluacutecar vecircm sendo estudados por dois dos nossoscompanheiros de pesquisa

Segundo documento oficial ndash Aspectos da economia rural brasileira ndashhaacute no Nordeste ldquopropriedades em que os trabalhadores iniciam os seusserviccedilos com o romper do sol e soacute os deixam ao acaso com pequenosintervalos para o almoccedilo e uma merendardquo E todo esse excesso de esforccedilofiacutesico dos trabalhadores de accediluacutecar dos cabras de engenho dos negros debagaceira a despeito das condiccedilotildees de vida terrivelmente desfavoraacuteveisldquoquase nus e minados por toda sorte de mazelas e viacuteciosrdquo morando emldquochoupanas miseraacuteveisrdquo E natildeo se deve esquecer o que eacute capital naexplicaccedilatildeo do muito que se encontra de inferior em proletariado de

condiccedilotildees de vida tatildeo agrave toa a alimentaccedilatildeo a um tempo improacutepria edeficiente Natildeo soacute por erros tradicionais de dieta como pela necessidade deacomodar-se o trabalhador a salaacuterios os mais reduzidos e a fontes dealimentaccedilatildeo as mais escassas

Essas condiccedilotildees de salaacuterio de vida e de alimentaccedilatildeo satildeo piores em umasusinas e engenhos do que em outros Seria injusto generalizar Mas em geralsatildeo maacutes Em algumas usinas satildeo peacutessimas Em uma ou em outra satildeoregulares notando-se uma como assistecircncia patriarcal do usineiro aindameio senhor de engenho ao trabalhador Usineiro sempre meio senhor deengenho em suas relaccedilotildees com o proletariado ndash cuja condiccedilatildeo humana natildeoesqueceu ndash foi o proprietaacuterio da grande Usina Catende que acaba defalecer Antocircnio Costa Azevedo

Em 1935 pretendemos ndash Ulisses Pernambucano Siacutelvio Rabelo OliacutevioMontenegro e noacutes ndash realizar um inqueacuterito regional que servisse de base aoproacuteprio usineiro ou proprietaacuterio rural bem intencionado para umajustamento de relaccedilotildees entre as faacutebricas de accediluacutecar e os seus trabalhadoresrurais Mas fomos repelidos como uns intrusos e ateacute denunciados comoagitadores Entretanto semelhante inqueacuterito teria sido tatildeo beneacutefico aousineiro como ao trabalhador83

A verdade eacute que talvez em nenhuma outra regiatildeo do Brasil a extinccedilatildeo doregime de trabalho escravo tenha significado tatildeo nitidamente como noNordeste da cana-de-accediluacutecar a degradaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida dotrabalhador rural e do operaacuterio A degradaccedilatildeo do homem Da assistecircncia aoescravo ndash assistecircncia social moral religiosa e ateacute meacutedica que bem ou malera praticada pela maioria dos senhores escravocratas no interesse dasproacuteprias terras da proacutepria lavoura do proacuteprio accediluacutecar da proacutepria famiacutelia (emcontato direto com parte da escravaria e indireto com toda a massa negra) ndashquase natildeo resta senatildeo um traccedilo ou outro uma ou outra tradiccedilatildeo maissentimental do que efetiva nos engenhos mais velhos em uma ou em outrausina de senhor menos ausente do campo

A industrializaccedilatildeo e principalmente a comercializaccedilatildeo da propriedaderural vem criando usinas possuiacutedas de longe algumas delas por fulano ousicrano amp companhia firmas para as quais os cabras trabalham sem saberdireito para quem quase sem conhecer senhores muito menos senhoras

Vaacuterios aspectos dessa personalizaccedilatildeo do senhor de accediluacutecar aos olhos dostrabalhadores que na doenccedila ou na dor natildeo tecircm uma sinhaacute-dona a quempedir um remeacutedio um sinhocirc a quem pedir 20$000 de extraordinaacuterio massoacute o barracatildeo duro e absorvente vecircm retratados magnificamente por JoseacuteLins do Rego em Banguecirc e em Usina e por Juacutelio Belo nas suasreminiscecircncias do velho senhor de engenho do sul de Pernambuco

Essa industrializaccedilatildeo natildeo parece que possa continuar a fazer-se nointeresse de tatildeo poucos e contra a sauacutede e a vida de tantos a favor doaccediluacutecar e contra tantas fontes naturais de vida da regiatildeo hoje abandonadasestancadas ou corrompidas

Haacute nesta nova fase de desajustamento de relaccedilotildees entre a massahumana e o accediluacutecar entre a cana-de-accediluacutecar e a natureza por ela degradadaaos uacuteltimos extremos uma deformaccedilatildeo tatildeo grande do homem e da paisagempela monocultura ndash acrescida agora do abandono do proletariado da cana agravesua proacutepria miseacuteria da ausecircncia da antiga assistecircncia patriarcal ao cabra deengenho ndash que natildeo se imagina o prolongamento de condiccedilotildees tatildeo artificiaisde vida

Jaacute natildeo se trata de uma civilizaccedilatildeo como foi a patriarcal neste mesmoNordeste da cana com seus sinais de + e de ndash embora o de ndashpreponderando O accediluacutecar de usina parece que deixou de entrar comqualquer contingente na valorizaccedilatildeo da vida e da cultura do Nordeste paraser apenas o sinal de ndash em tudo a diminuiccedilatildeo da sauacutede do homem adiminuiccedilatildeo das fontes naturais da vida regional a diminuiccedilatildeo da dignidadee da beleza da paisagem a diminuiccedilatildeo da inteligecircncia da sensibilidade ouda emoccedilatildeo da gente do Nordeste que hoje quando se manifesta eacute quasesempre em atitudes de crispaccedilatildeo de ressentimento e de revolta

O Recife que chegou a ser com os senhores de engenho dirigindo aproviacutencia um verdadeiro centro de cultura intelectual e artiacutestica onde oestrangeiro sofisticado se sentia melhor do que no Rio ndash eacute o depoimento deBurke pelo menos84 ndash vai se achatando entre as cidades mais inexpressivas

da Repuacuteblica com os ricaccedilos morando em palacetes normandos e chaleacutessuiacuteccedilos com as igrejas velhas do tempo da colonizaccedilatildeo transformadas emigrejas goacuteticas com as ruas e os parques sombreados de fico benjamim e deeucalipto ou enfeitados de vitoacuteria-reacutegia do Amazonas Desapareceu do

Recife todo o sentimento de expressatildeo regional que chegou a ter comopoucas cidades na Ameacuterica

A sub-regiatildeo cujas casas-grandes cujos sobrados de azulejo cujoscasarotildees amarelos azuis verdes vermelhos ndash todos tatildeo corajosos de sua cor ndasha marcenaria dos mulatos de engenho ou aprendizes de franceses e alematildeesdo Recife encheu de bancos de vinhaacutetico tatildeo bonitos de cocircmodas tatildeo nobresde conduru de sofaacutes enfeitados de cajus e maracujaacutes de santuaacuterios e demobiacutelias inteiras de jacarandaacute eacute hoje uma das mais pobres de cor dejacarandaacute de azulejo Sem arquitetura caracteriacutestica ou simplesmente deacordo com as condiccedilotildees regionais de clima Sem mobiliaacuterio soacutelido e feito comas boas madeiras da terra

A usina natildeo teve forccedila para acrescentar nada de positivo a essacivilizaccedilatildeo soacute tem feito diminui-la Sob o seu impeacuterio degradou-se o estilodos moacuteveis como o das casas As casas estatildeo ficando todas cinzentas Osestetas paleoteacutecnicos do Recife chegaram a proibir casas pintadas de azulde encarnado de amarelo Do mesmo modo a cozinha Degradou-se Em vezde accedilafratildeo a comida parece que leva cinza O alimento de lata vem de talmodo substituindo o pilado e feito em casa que ateacute em casas de engenho oestranho eacute recebido com doce de faacutebrica

A usina que se instalou tatildeo imperialmente na paisagem do Nordestedesde os fins do seacuteculo XIX veio corresponder a uma fase nova deconcorrecircncia com outras regiotildees produtoras de accediluacutecar maisindustrializadas Era inevitaacutevel ou a usina ou o fracasso da induacutestriaregional de accediluacutecar Mas essa maior centralizaccedilatildeo da produccedilatildeo industrial natildeoencontrou aqui nos restos de patriarcalismo escravocraacutetico ndash particularistaem extremo ndash tradiccedilotildees de solidariedade que permitissem agrave lavouradefender-se do domiacutenio imperial das novas faacutebricas Estas foram em geralcentralizando-se sob um individualismo duro e seco Bem diverso do daeacutepoca patriarcal Firmas comerciais das cidades comeccedilaram a explorar aterra de longe e quase com nojo da cana do massapecirc do trabalhador dosrios dos animais agraacuterios Desapareceu todo o lirismo ndash que aliaacutes nunca foragrande nem profundo ndash entre o dono das terras e a terra entre o dono dascanas e o canavial entre o dono de homens e o trabalhador entre o donodas aacuteguas e a aacutegua entre o dono dos animais e o animal mesmo agraacuterio

para natildeo falar no do mato entre o dono das matas e a mataEssa forma artificialiacutessima de exploraccedilatildeo industrial e comercial das terras

de cana ndash desprezadas cada vez mais como terra ndash natildeo se vem sustentandosenatildeo agrave custa de escoras A assistecircncia dos governos aos industriais do accediluacutecarno Nordeste vem assumindo um ar de caridade nem sempre poliacuteticatambeacutem econocircmica E de fato com todos os abusos porventura praticados agravesombra dos favores oficiais agrave induacutestria da cana as escoras se tecircm feitonecessaacuterias agrave economia geral da regiatildeo que governo nenhum nem nenhumesforccedilo em comum dos fabricantes de accediluacutecar donos de latifuacutendios enormestem cuidado a seacuterio de libertar da monocultura ou da exclusividade deproduccedilatildeo a do accediluacutecar Monocultura cada vez mais latifundiaacuteria pelaproacutepria natureza imperialista do sistema puramente industrial das usinasdiante do atraso assombroso da lavoura da cana no Nordeste Atraso tatildeogrande que seu rendimento eacute metade do das terras de Campos e um quintodo das terras do Havaiacute

No Nordeste a induacutestria do accediluacutecar tornou-se em algumas aacutereas dianteda lavoura da cana terrivelmente primitiva nos seus meacutetodos uma espeacuteciede imperialismo exoacutetico diante de terras brutas que esse imperialismodominasse limitando-se poreacutem a explorar as terras sem valorizaacute-las

Em geral o trabalhador de eito natildeo existe para o industrial ausente ouquase-ausente como um conterracircneo cujo bem-estar o interesse nem ofornecedor de cana como um consoacutecio cuja situaccedilatildeo o afete Ao contraacuteriotem-se visto o preccedilo do accediluacutecar se elevar com vantagem para o usineiro e aomesmo tempo as usinas baixarem os preccedilos de sua tabela de compra decana

Feita uma exceccedilatildeo ou outra natildeo haacute sentimento de solidariedadenenhum entre o dominador e os dominados O usineiro eacute em geral como sefosse um conquistador em relaccedilatildeo com conquistados de outra terra De outrobarro De outro sangue Quase um estrangeiro a quem natildeo tocasse a sorte dosque natildeo satildeo usineiros Quase um judeu85 do tempo em que Pernambuco foi

a Zuickerland dos grandes escacircndalos de lucro comercial o proacuteprio condeMauriacutecio de Nassau ndash que aliaacutes tanto fez para libertar a colocircnia damonocultura ndash surgindo-nos com as matildeos de governado um tanto meladasde accediluacutecar

Entretanto eacute um nome de benfeitor a ligar agrave histoacuteria econocircmica doaccediluacutecar no Nordeste o de Nassau O dele os de vaacuterios governadoresportugueses que se interessaram por conta proacutepria ou seguindo ordens dosestadistas da metroacutepole pelo progresso teacutecnico da induacutestria accedilucareira o dobaratildeo de Boa Vista E nos comeccedilos da Repuacuteblica ndash quando apenas surgiramos bueiros das primeiras grandes usinas na paisagem da regiatildeo ndash o de BarbosaLima

Barbosa Lima procurou amparar a organizaccedilatildeo accedilucareira dePernambuco por meio de hipotecas de propriedades que garantissemempreacutestimos do Estado aos novos usineiros As diacutevidas lembra Oliveira Limaem suas Memoacuterias ldquoseriam mais tarde liquidadas com absoluto sacrifiacutecio dosinteresses do Tesouro estadual por uma deacutecima parte do seu valor e estamesma natildeo foi paga a natildeo ser por algum mais honrado qualificado de tolopelos demais Pagas poreacutem foram as gorjetas aos que arranjaram aliquidaccedilatildeo E a propoacutesito um proprietaacuterio dizia a Oliveira Lima referindo-sea certo advogado e professor constantemente reeleito deputado e sempreem viagens pela Europa a senhora luxando muito ldquoforam os contos de reacuteisque de mim recebeu e de fato fiz um negoacutecio da China Reduzi a minhadiacutevida de 500 a 150 contos e estes mesmos estou certo de natildeo poderpagarrdquo86

Parece que negoacutecios semelhantes se fizeram no seacuteculo XVII e que ateacutepatriotas consagrados como Joatildeo Fernandes Vieira agiram mais em funccedilatildeode interesses do accediluacutecar e de classe do que em funccedilatildeo da paacutetria ou dareligiatildeo Tambeacutem dos administradores dos magistrados e dos funcionaacuteriosvindos do reino para as capitanias de cana do Nordeste diz-se que alguns sedeixaram corromper pelo accediluacutecar tornando-se aliados dos grandes senhoresou dos grandes comerciantes

O accediluacutecar que nos dias de predominacircncia mais acentuada da lavourasobre a induacutestria ou o comeacutercio foi nesta parte do Brasil uma condiccedilatildeo deestabilidade atravessou periacuteodos em que se tornou verdadeiro objeto de jogoou de aventura comercial Quase tatildeo flutuante quanto o ouro A proacuteprialavoura deixou-se contaminar pelo gosto de lucro imediato e nem semprehonesto e pela gana de soluccedilatildeo provisoacuteria para as suas crises Os proacutepriosaristocratas do canavial entregaram-se agrave adulteraccedilatildeo do gecircnero pela mistura

de terra ou de areia outros ao roubo de negros ao contrabando de africanosA estas uacuteltimas irregulares sabe-se que ficaram ligados alguns dos grandesnomes da aristocracia da cana no Nordeste descendentes da gente maisfidalga que se enraizara aqui

Destaque-se ainda uma vez o seguinte fato no Nordeste do Brasil acana e o accediluacutecar por um lado tornaram-se um motivo forte de seleccedilatildeoregional mas por outro lado de degradaccedilatildeo Seleccedilatildeo como jaacute disse deelementos europeus principalmente portugueses mais rurais do quemercantis mais sedentaacuterios do que nocircmades mais aristocraacuteticos do queplebeus (por aristocratas compreendendo-se gente da pequena nobrezaagraacuteria natildeo a da grande nobreza militar) Seleccedilatildeo de negros eugecircnicos e emgeral tambeacutem mais sedentaacuterios do que nocircmades nas suas tendecircnciasSeleccedilatildeo de homens de procedecircncias diversas atraiacutedos pelos lucros do accediluacutecarhomens que pela sua variedade de antecedentes e de aptidotildeesenriqueceram a cultura regional (basta recordar o conde Mauriacutecio de Nassaucom seu grupo de saacutebios de artistas e de teacutecnicos com seu urbanista PeterPost com seu higienista Piso) Seleccedilatildeo de judeus do valor de Aboab daFonseca que aqui estabeleceram sinagogas ensinaram doutrina praticarama medicina escreveram poemas natildeo se limitando a uma funccedilatildeo puramentecomercial Na primeira metade do seacuteculo XIX e um pouco no seacuteculo XVIIIseleccedilatildeo de ingleses e franceses que influiacuteram decisivamente sobre asmaneiras domeacutesticas sobre as modas de vestir dos grandes senhores e dasgrandes senhoras sobre a arquitetura sobre os meacutetodos de ensino sobre oshaacutebitos de dieta sobre as leituras e os divertimentos dos homens sobre ahigiene das ruas das cidades das pessoas Os anuacutencios de jornaisdocumentam minuciosamente essa grande influecircncia inglesa e francesasobre o Nordeste87

Mas conveacutem natildeo esquecer por outro lado que toda essa seleccedilatildeo regionalde valores humanos de valores de cultura se fez dentro de condiccedilotildeeseconocircmicas e sociais que deformaram ou pelo menos afetaram essesmesmos valores em um sentido uacutenico e moacuterbido a monocultura latifundiaacuteriae escravocrata Koster nos princiacutepios do seacuteculo XIX viu em Pernambucouma senhora pernambucana das gordas das obesas das corpulentasvestida grotescamente agrave inglesa que o fez filosofar ldquoo espiacuterito de inovaccedilatildeo

produziu algumas consequecircncias bastante irrisoacuteriasrdquo Um exemplo apenasda deformaccedilatildeo dos valores importados pelas condiccedilotildees fundamentais deeconomia de vida e de dieta da regiatildeo monocultura e escravocrata

Mas nem a monocultura nem o latifuacutendio nem a escravidatildeo quecondicionaram de modo tatildeo decisivo o desenvolvimento social do Brasil emgeral e do Nordeste da cana-de-accediluacutecar em particular88 sendo tatildeo

responsaacuteveis por aquelas senhoras exageradamente gordas como por um tipoconfortaacutevel de casa regional merecem condenaccedilatildeo formal de quem seaproxime do assunto sob o criteacuterio do relativo E natildeo do absoluto tatildeo perigosonas avaliaccedilotildees sociais Tatildeo perturbador da perspectiva histoacuterica

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve naquele sistema social de relaccedilotildees doshomens com a terra com os animais com a aacutegua com a mata de relaccedilotildeesem grande parte moacuterbidas ndash sadistas-masoquistas ndash dos senhores com osescravos dos proprietaacuterios com os trabalhadores dos brancos com os negrosdos homens com as mulheres dos adultos com os meninos ndash natildeo soacute o motivode muitas de suas fraquezas como de vaacuterias de suas virtudes A conquista e acolonizaccedilatildeo quase militar de largos trechos do Norte pela Casa da Torre89 ndash

maior casa-grande do Brasil ndash e as guerras contra franceses e holandesesguerras feitas pelos Albuquerques e por outros fidalgos do canavial quasedesajudados da metroacutepole mostram que essa civilizaccedilatildeo por naturezasedentaacuteria comodista e sensual foi capaz de accedilatildeo militar de agressividadeque qualidades de luta em sua proacutepria defesa

Foi tambeacutem capaz de expressatildeo artiacutestica Quer atraveacutes do seu espiacuteritopopular do seu folclore matuto do seu bumba meu boi glorificador do negroe do boi de engenho de sua arte anocircnima de doce de renda de faca deponta com bainha de prata lavrada (arte que parece ter tornado o nome deOlinda na Europa uma espeacutecie de Toledo brasileiro como recordou haacute anoso escritor Muacutecio Leatildeo) de jacarandaacute ou amarelo trabalhado pelosmarceneiros e carpinteiros pardos dos engenhos quer pelo seu tipo dearquitetura de casa-grande e de mucambo adaptados agraves condiccedilotildees regionaisde clima de luz de calor e valendo-se para material de construccedilatildeo deelementos tambeacutem regionais

Por outro lado foram os homens da Bahia e do extremo Nordeste que setornaram juntamente com os da baixada fluminense os grandes senhores

da poliacutetica da diplomacia e da administraccedilatildeo do impeacuterio ndash Cairu o baratildeo dePenedo o visconde de Rio Branco o baratildeo de Itamaracaacute Seacutergio Teixeira deMacedo Teixeira de Freitas Joaquim Nabuco Saldanha da Gama AzevedoCoutinho Zacarias de Goacuteis Paulino de Sousa Romualdo de SeixasCotegipe os grandes ldquoleotildeesrdquo dos salotildees da corte estadistas poliacuteticos ediplomatas adoccedilados pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar suavizados pelo chaacute tomadoem pequeno90

E foi ainda o Nordeste a sua civilizaccedilatildeo de engenho cheia de oacutecios parao estudo que deu ao Brasil o seu maior orador ndash o padre Vieira o seu maiorpoeta satiacuterico ndash Gregoacuterio de Matos o seu maior matemaacutetico ndash o Sousinha oseu maior filoacutelogo ndash o doutor Morais ndash um transplantado da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar do Sul para a de Pernambuco onde se tornou senhor de engenhoJuristas gramaacuteticos ensaiacutestas novelistas historiadores Poetas liacutericosmuacutesicos pintores Inovadores e revolucionaacuterios Trajano Galvatildeo e CastroAlves Joaquim Nabuco e Nunes Machado O padre Joatildeo Ribeiro e freiCaneca Joseacute Mariano e Joseacute Maria D Vital Correia Picanccedilo NinaRodrigues Tobias Barreto Joseacute Higino Siacutelvio Romero Martins JuacuteniorOliveira Lima Graccedila Aranha Pedro Ameacuterico Augusto dos Anjos RosalvoRibeiro Emiacutelio Cardoso Ayres Teles Juacutenior

Alguns desses casos de evasatildeo da ordem estabelecida ou de rebeldiacontra ela Evasotildees e rebeldias que natildeo se teriam verificado de modo tatildeocompleto se a ordem estabelecida machucando ferindo esmagando atantos ndash a muitos agradavelmente para o seu masoquismo inato ouadquirido ndash natildeo encontrasse em uns poucos as energias de revolta o arrojopara a aventura a coragem do sacrifiacutecio

Um sacrifiacutecio agraves vezes volutuoso a renuacutencia de certos privileacutegios ouregalos de classe pelas responsabilidades intelectuais e morais de homensnatildeo soacute de sua regiatildeo mas de sua eacutepoca Tal o caso de Joaquim Nabucolutando pelos escravos de Maccedilangana de Pernambuco do Brasil inteiroescravos que ajudou a libertar com prejuiacutezo para os Paes Barreto para osescravocratas de todo o impeacuterio para a classe senhorial que levara mais detrecircs seacuteculos se apurando para produzir tatildeo esplecircndida figura de desertor Eateacute certo ponto o caso tambeacutem de Saldanha da Gama deixando-se ferir demorte em Campo Osoacuterio onde natildeo se sabe se morreu miacutestico da Ordem ou

romacircntico da revoluccedilatildeo E ainda o de D Vital de quem a reaccedilatildeo contra oregime dominante na regiatildeo fez uma figura de aristocrata revolucionaacuterioembora a sua miacutestica fosse a da ordem e da autoridade

Mesmo desertor de sua classe Joaquim Nabuco foi quase vaiado peloRecife onde lhe sentiam talvez aroma de aristocrata desgarrado entre aplebe e D Vital nunca foi um bispo inteiramente popular entre osrecifenses muitos o acusando de perfumar as matildeos e de pocircr brilhantina nabarba ndash que na verdade foi menos talvez a barba de um frade da Penha quea de um fidalgo de casa-grande De qualquer modo a integraccedilatildeo de JoaquimNabuco na condiccedilatildeo de revolucionaacuterio social marcou uma vitoacuteria domomento de cultura universal ou europeia com que ele homem oceacircnico doRecife se identificou sobre o que havia nele de regional ou teluricamenteestagnado sob a forma de interesse de classe e privileacutegio de casta

Eacute que mesmo se evadindo de uma classe e sobretudo de um sistema quesentiam terrivelmente opressivo para a sua inteligecircncia e para a suasensibilidade para o seu espiacuterito e para o espiacuterito do seu povo esses homensforam representantes de uma autecircntica cultura rural e sobretudo regionalde classe a do senhor de engenho brasileiro A do senhor de engenhopernambucano De uma civilizaccedilatildeo que ajudaram a destruir mas queentretanto marcou-os para sempre como a Igreja marca os defroqueacutes maishorrorosamente revoltados contra ela De modo que no libertador dosescravos permaneceu o sinhocirc-moccedilo da casa-grande de Maccedilangana e nofrade da Penha o aristocrata iacuteamos dizendo terriacutevel de Pedra de Fogo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar entretanto natildeo deu soacute inteligecircncias desertoras(desertoras mas conservando na fuga os traccedilos da classe abandonada dacultura traiacuteda) Deu tambeacutem as suas grandes figuras de conformistas o seuArauacutejo Lima o seu abaianado D Romualdo de Seixas o seu AntocircnioPeregrino Maciel Monteiro Os dois uacuteltimos chegaram mesmo a se tornarexpressotildees meliacutefluas de conformidade passiva com a ordem dominanteForam dois dos maiores volutuosos do sistema aristocraacutetico ostentando comum gosto especial suas insiacutegnias de classe os tiacutetulos de grandes do impeacuterioas gratildes-cruzes das ordens heraacuteldicas os crachaacutes

Em Maciel Monteiro natildeo deixou de haver evasatildeo pelo dandismo de domjuan sempre de flor na botoeira extrato no lenccedilo monoacuteculo no canto do

olho as pontas dos dedos soacute sabendo pegar em sedas em cetins em rendasde mulher Sexo ateacute nas pontas dos dedos

Eacute bem expressivo freudianamente expressivo o dito que lhe atribuemas saias de seda que levantou na sua vida de dom juan foram tantas que lhefizeram calos nas matildeos Calos de pegar seda de sungar saias Calos nos dedosaristocraacuteticos como os de verdade nos dedos dos negros dos negrosamassadores de patildeo dos pretos de matildeos enormes calejadas ou deformadaspelo trabalho que passam pelos anuacutencios de jornais da eacutepoca do dacircndi

Natildeo querendo outra vida senatildeo essa volutuosa e mole entre sedas demulher e frascos de cheiro Maciel Monteiro sentia-se perfeitamente bem nacivilizaccedilatildeo aristocraacutetica do accediluacutecar Por isto seu partido poliacutetico emPernambuco era o dos aristocratas da cana e dos grandes proprietaacuterios deterras e de escravos o dos homens que dizia ele ldquotendo o que perderrdquo ndashterras e escravos ndash ldquotecircm o bom senso de natildeo querer pocircr em risco o fruto deseus suores os que amam a monarquia como garante da felicidade da nossaterrardquo ldquoQuem ama o trabalhordquo ndash diria ainda esse vulutuoso que segundo atradiccedilatildeo natildeo hesitava em namorar mulher casada ndash ldquocuida na sua famiacutelia enatildeo quer desordensrdquo91 O conformismo de Maciel Monteiro com a

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica de que foi expressatildeo tatildeo niacutetida eacute um conformismoloacutegico Loacutegica eacute mesmo sua hipocrisia aquele zelo pela famiacutelia e aquelaostentaccedilatildeo de amor pelo trabalho

Jaacute se viu entretanto que esse conformismo natildeo foi a regra entre oshomens de inteligecircncia e de cultura das casas-grandes do Nordeste antesde se avivar na regiatildeo o intelectualismo revolucionaacuterio das cidades daspraccedilas da rua da praia do Recife contra os Cavalcantis e Rego Barros dosengenhos da ldquomatardquo das academias de medicina e de direito contra ofeudalismo do interior os proacuteprios engenhos produziram agitadores do tipode Paula Gomes senhor rural que se aliou a Pedroso o chefe mesticcedilo dainsurreiccedilatildeo de 1823 no Recife o tal Pedroso de cavanhaque que andouconfraternizando com negros e mulatos botando as molecas no colodeixando-se agradar pelas negras dos mucambos

No Nordeste como na baixada fluminense os engenhos mais ilustresuns com os seus areoacutepagos outros com os seus senhores ricos e cheios delazer para a leitura para o latim para a charada se anteciparam agraves cidades

como centros de cultura intelectual Mesmo de cultura intelectualrevolucionaacuteria isto eacute influenciada pelos hereges da Revoluccedilatildeo Francesa eda filosofia inglesa No proacuteprio seacuteculo XVI os tentaacuteculos do Santo Ofiacutecioandaram remexendo livrarias de senhores de engenho onde jaacute seencontravam novelas e outros livros perigosos aleacutem de cartas de jogarimpressas aqui mesmo Porque o que primeiro se imprimiu no Nordestetalvez um dia se apure que natildeo foi nenhum livro perigoso nem mesmonenhuma oraccedilatildeo devota foram porventura cartas de jogar Eacute o que noslevam a supor certos documentos ainda virgens dos tempos coloniais92cheios da ira del-rei contra cartas de jogar impressas em Pernambuco desdeos meados do seacuteculo XVIII

Se no seacuteculo XVI jaacute se lia Diana em engenhos ou cidades do Brasilconforme se lecirc nas denunciaccedilotildees do Santo Ofiacutecio eacute de supor que livros aindamais perigosos tivessem entrado na regiatildeo do accediluacutecar quando as suas cincoou seis proviacutencias estiveram uma sob o jugo francecircs e todas sob o domiacutenioholandecircs Livros e jogos Livros e jogos trazidos por franceses holandesesingleses e judeus sabido que a colocircnia de sefardins do Recife foi a maisopulenta que a Ameacuterica abrigou na eacutepoca a mais opulentaintelectualmente

No seacuteculo XVIII o Nordeste empalideceu dentro da segregaccedilatildeo e doisolamento Mas com a vinda de D Joatildeo VI com a abertura dos portos com oestabelecimento dos ingleses no Recife em Salvador da Bahia em Satildeo Luiacutesdo Maranhatildeo a cultura da regiatildeo ganhou novamente os traccedilos europeus quehaviam quase desaparecido da face de sua paisagem sob aqueles exageros desegregaccedilatildeo

Maria Graham nos comeccedilos do seacuteculo XIX natildeo encontrara emPernambuco senatildeo restos de livros velhos apodrecendo pelos conventosfrades desinteressados pelos estudos Mas Tollenare e Koster chegaram aconhecer no Nordeste padres e ateacute frades cheios de curiosidade intelectuallidos em autores franceses chegaram a conhecer aristocratas do accediluacutecarinfluenciados pelas ideias e pelas modas inglesas pelas leituras e pelos ideaisfranceses

Com a fundaccedilatildeo da Escola Meacutedica na Bahia e do Curso Juriacutedico emOlinda ndash depois transferido para o Recife ndash as duas cidades tornaram-se

focos ainda mais vivos de cultura intelectual europeia ndash mais revolucionaacuteriano Recife e mais acomodatiacutecia talvez na Bahia Os livros europeuscomeccedilaram a chegar mais livremente agraves matildeos dos estudantes ndash dos padresmoccedilos dos filhos de senhores de engenho dos mulatos de vinte anosansiosos de saber

Principia a influecircncia dos filoacutesofos ingleses junto com a dos franceses emais tarde com a dos alematildes Olinda e depois Recife tornam-se dois centrosativos de traduccedilatildeo e de divulgaccedilatildeo das novas ideias francesas e inglesas dosnovos sistemas natildeo soacute de filosofia como de moral de higiene de medicinade educaccedilatildeo dos meninos A maior cabeccedila da revoluccedilatildeo de 1817 fora umacabeccedila de padre influenciado pelas ideias francesas (pobre cabeccedila queacabaria arrancada do corpo como a de um judas)

Natildeo tardou que a devoccedilatildeo dos homens por Nossa Senhora empalidecessediante da devoccedilatildeo maior pela Deusa da Liberdade Natildeo soacute entre osestudantes de direito do Recife e os de medicina da Bahia como entre osproacuteprios alunos dos seminaacuterios e dos coleacutegios de artes Se nas procissotildeesalguns ldquosenhores acadecircmicosrdquo ainda em 1850 subiam piedosamente asladeiras de Olinda com coroas de espinho na cabeccedila os peacutes descalccedilossujando-se de poeira brandotildees ou velas de cera nas matildeos devotas desde osprimeiros tempos da academia outros natildeo quiseram saber senatildeo de festasdebaixo das aacutervores do horto de Olinda com vivas ao imperadorconstitucional agrave Independecircncia agrave restauraccedilatildeo da Bahia com danccedilas comcantorias talvez com a presenccedila de atrizes ou mestras e contramestras depastoril ndash a julgar pelo tom de escacircndalo com que o Amigo do Povo93censurava essas pacircndegas de rapazes Mas eacute possiacutevel que tambeacutem com apresenccedila de mestres e contramestres de direito e de filosofia ateacute de padres-mestres do padre Manuel Joseacute da Silva Porto por exemplo tatildeo acusadopelos absolutistas de agitador ou revolucionaacuterio Ele como outro lente deOlinda o doutor Joatildeo Joseacute de Moura

Mas as troccedilas e convescotes tinham tambeacutem o seu lado seacuterio faziam-sediscursos contra o absolutismo recitavam-se poesias patrioacuteticas davam-semorras a Portugal e natildeo somente vivas ao Brasil E alguns estudantes dessesgrupos mais boecircmios e mais liberais natildeo hesitavam em falar um tantojuridicamente no ldquodireitordquo do redator caturra do Amigo do Povo (que os

censurava a eles e aos seus camaradas do coleacutegio das artes por aquelesexageros de liberalismo e talvez de libertinagem) ldquoa umas duacutezias decacetadasrdquo Quase o mesmo pensava o padre Lopes Gama com relaccedilatildeo aopadre Barreto Sinal de que natildeo era perfeita a toleracircncia reciacuteproca entre osestudantes os doutores e os cleacuterigos das cidades como estava longe de serperfeita entre os velhos senhores de engenho tanto deles divididos portremendos oacutedios poliacuteticos por questotildees de terras de aacuteguas de bois demulher Daiacute a capangagem os crimes os assassinatos as emboscadas Aindahoje quem percorre as zonas mais velhas de canaviais do Nordeste vecirc casas-grandes com fama de mal-assombradas em uma se assassinou a tiro osenhor na proacutepria rede todo de branco como um inglecircs fumando charutodepois de jantar noutra a sinhaacute numa terceira o sinhocirc-moccedilo que tinhaestudado medicina na Europa

Na academia de Olinda ndash depois transferida para o Recife ndash e pareceque tambeacutem na Escola de Medicina da Bahia ndash os trotes dos veteranos noscalouros tomaram o sabor sadista de que estava viciado o ar o ambiente dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar muito doce nuns aspectos mas por dentro cheia decrueldades negros surrados ateacute o sangue correr das feridas os mulatos maisafoitos agraves vezes castrados as brigas de galo e de canaacuterios salpicando desangue as calccedilas brancas dos senhores de engenho meninos criados uns reisdas bagaceiras quebrando a pedrada ou a caco de garrafa a cabeccedila dasnegras velhas tirando sangue dos moleques a chicotadas arrancando osolhos dos passarinhos torcendo o pescoccedilo dos galos judiando com aslagartixas e os gatos Em Olinda chegou a haver uma morte de um estudanteque ficou ceacutelebre tratando-se do filho de uma famiacutelia nobre da Bahia o casotomou as cores de um grande escacircndalo

Entretanto pelo maior contato do Nordeste com a Europa burguesa doseacuteculo XIX ndash mais tolerante de divergecircncias do que a Europa da cavalaria ndashe principalmente com o desenvolvimento da cultura juriacutedica no Recife94da cultura meacutedica na Bahia e da cultura religiosa e humanista ali e emOlinda os costumes sempre mais finos e mais europeus nos canaviais do quenos sertotildees foram ganhando maior doccedilura a vida humana foi sendo maisrespeitada agrave sombra das casas-grandes e dos sobrados o sadismo dos maisvelhos com relaccedilatildeo aos mais moccedilos dos mais brancos com relaccedilatildeo aos mais

pretos dos mais poderosos com relaccedilatildeo aos mais fracos foi se atenuando e seabrandando a confraternizaccedilatildeo cristatilde foi se estendendo aos africanos

Os enciclopedistas antiescravocratas tiveram influecircncia profunda sobreos revolucionaacuterios de 1817 sobre os areoacutepagos e as academias de padres demeacutedicos de senhores de engenho Montesquieu foi o mestre mais poderosode frei Caneca ndash a grande figura de frade parece que libertino e ao mesmotempo liberal que deu agrave revoluccedilatildeo de 1824 a sua expressatildeo ideoloacutegica maisalta e a sua mancha mais viva de martiacuterio

Vencidas as duas grandes revoluccedilotildees regionais sobre os novos centros decultura continuariam a agir atraveacutes da primeira metade do seacuteculo XIXinfluecircncias francesas e inglesas umas romanticamente liberais outras desentido mais organizador mais juriacutedico ou mais cientiacutefico Aleacutem deMontesquieu de Voltaire de Condorcet de Locke de Lamartine ndash CharlesComte com o seu memoraacutevel Traiteacute de leacutegislation e Bentham que seria tatildeodiscutido entre noacutes E ainda Filangeri Say Tocqueville Adam SmithLaboulaye Os anuacutencios dos jornais nos permitem seguir a preponderacircnciadas leituras novas como tambeacutem de muacutesicas e drogas francesas inglesas eamericanas que foram revolucionando os vaacuterios aspectos da cultura regionalno sentido da diminuiccedilatildeo de prestiacutegio das valores tradicionais maiscaracteriacutesticos da ordem aristocraacutetica e escravocraacutetica da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar a medicina caseira a modinha a religiatildeo o claacutessico latino a novelade cavalaria

De modo que houve isto de paradoxal a civilizaccedilatildeo do accediluacutecarprestando-se por vaacuterios motivos embora negando-se por outros ndash asconstantes faltas de viacuteveres e os altos preccedilos dos gecircneros em Pernambucopor exemplo foram mais de uma vez alegados como razatildeo poderosa paranatildeo se estabelecer em Olinda ou no Recife nenhuma escola superior ndash acentros de ensino meacutedico e de ensino juriacutedico no impeacuterio concorreu paraacelerar a sua proacutepria destruiccedilatildeo Concorreu para avivar nas cidades umintelectualismo revolucionaacuterio ou criacutetico que agiria contra ela proacutepriacivilizaccedilatildeo agraacuteria e escravocraacutetica

Entretanto dificilmente se imagina a fundaccedilatildeo de cursos superiores noBrasil desprezando-se o Recife ou a Bahia onde uma seacuterie de condiccedilotildeescriadas pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar facilitavam os estudos mais elevados A

maior pureza da liacutengua por exemplo Foi aliaacutes elemento tomado muito emconsideraccedilatildeo pelos fundadores do ensino superior no Brasil Eacute que os centrosnordestinos de colonizaccedilatildeo tendo sido por influecircncia da cana-de-accediluacutecar osde maior populaccedilatildeo negra ndash tatildeo corrutora da liacutengua portuguesa ndash foramtambeacutem os mais dominados pela influecircncia dos padres-mestres agregadosaos engenhos padres-mestres que mais facilmente transigiam ndash alguns pelomenos ndash com os pecados da carne que com os erros de gramaacutetica quefizeram mais talvez pela pureza da liacutengua que pela pureza de costumesDaiacute o Maranhatildeo se ter tornado em pleno regime de escravidatildeo a ldquoAtenasbrasileirardquo uma Atenas mais de gramaacuteticos do que de sofistas Sergipe nofim do impeacuterio um ldquoninho de aacuteguiasrdquo ndash Pernambuco e a Bahia ndash outras duasAtenas outros ldquoninhos de aacuteguiasrdquo feitos com palha de cana ldquoAtenasbrasileirardquo natildeo soacute pelos gramaacuteticos e pelos seus filoacutelogos como pelo seuspoetas seus romancistas seus liacutericos

Outros senhores de engenho empregaram ainda mais severamente osseus oacutecios do que os gramaacuteticos e os poetas Gabriel Soares de Sousa emestudos quase cientiacuteficos de etnografia na Bahia por exemplo Vaacuterios emaplicaccedilotildees de medicina caseira a negros e moradores um divertimentodelicioso tendo-se cobaias tatildeo perfeitas nas senzalas Um ou outro emmeacutetodos de melhoramentos da cultura da cana95

A maior parte natildeo soube empregar o lazer senatildeo em devoccedilotildees aos santose agrave Virgem em festas com muito doce muito accediluacutecar muito licor dejenipapo muito vinho de caju em poliacutetica em brigas de galo em cavalosem jogo de cartas em charadas em cartas aos compadres mexericandosobre eleiccedilotildees ou propondo troca de negro ou de cavalo Haacute muito resto decartas dessas pelos arquivos dos velhos engenhos do Nordeste

Santo talvez natildeo tenha produzido nenhum a civilizaccedilatildeo agraacuteria doNordeste nem ao menos algum asceta do tipo daquele que ficou ceacutelebre naregiatildeo mineira de paisagem mais dura de solo mais acre de ar talvez maisfavoraacutevel aos heroiacutesmos da castidade e aos exerciacutecios da piedade Apenasproduziu o Nordeste do accediluacutecar um ou outro senhor de engenho maisdevoto O capitatildeo-mor Manuel Tomeacute de Jesus por exemplo Manoel Tomeacutede Jesus gastava em ouro e prata para as suas santas em encomendas decoroas e resplendores de ouro para as suas virgens de madeira o que outros

escravocratas esbanjavam em ouro e prata para enfeitar as negras quedesvirginavam as mulatas que emprenhavam as mestras e contramestras depastoril que defloravam Em uma como compensaccedilatildeo a esses leigosextremamente devotos a esses senhores de engenho quase frades pela suapiedade e pela sua devoccedilatildeo aos santos houve no Nordeste como noutrasaacutereas do Brasil colonial frades que como senhores de engenho rivalizaramcom os leigos no furor patriarcal Se natildeo trouxessem haacutebito ldquoem cousaalguma tinhatildeo differenccedila de hum pae de familiardquo diz esses frades umacorrespondecircncia do seacuteculo XVIII96

O ambiente viciado pelo sadismo-masoquismo da civilizaccedilatildeo escravocratado Nordeste natildeo se pode dizer que fosse inteiramente desfavoraacutevel agrave eclosatildeode santos Santos em quem rebentassem reaccedilotildees agrave sensualidade bruta domeio Reaccedilotildees vicaacuterias Protestos ao abuso do fraco pelo poderoso da mulherpelo homem do menino pelo adulto do negro pelo branco Em um climamoral particularmente sadista-masoquista como o da Espanha das guerrasde cristatildeos contra mouros das touradas da Inquisiccedilatildeo de D Juan Tenorio eacuteque aparecem santos da doccedilura de Satildeo Joatildeo da Cruz da ternura de SantaTeresa de Jesus E Satildeo Luiacutes Gonzaga se tornou heroacutei da virgindade em ummeio tatildeo viscosamente sensual que as bocas das pessoas estavam sempreperfumadas para os beijos

Houve padres no Nordeste que quase se elevaram a santos pelo esforccediloheroico de ensinar de doutrinar de cuidar dos doentes Ibiapina O padreRolim Ibiapina foi de fato uma figura de cristatildeo dos tempos apostoacutelicosdesgarrados nestas aacutereas de accediluacutecar e de mandioca E o padre Vieira teve acoragem de denunciar do puacutelpito abusos de ricos de poderosos de senhoresde engenho D Vital a de enfrentar os grandes maccedilons do impeacuterio

Mas foram raras essas vozes sendo tantos os cleacuterigos e os fradesSurpreende que muitas iniciativas que deviam ter sido talvez dos bispos ndashaliaacutes o Nordeste natildeo deixou de ter grandes figuras de bispos como a deAzeredo Coutinho e a de D Joatildeo da Purificaccedilatildeo ndash tivessem de ser tomadaspor simples padres pobres Ou entatildeo pelos governadores ou capitatildees-moresO amparo agraves crianccedilas enjeitadas por exemplo Antes de D Tomaacutes Joseacute deMelo ndash um dos governadores mais animados de espiacuterito puacuteblico que teve acapitania de Pernambuco ndash o desleixo pela crianccedila enjeitada numa terra

cheia de igrejas e de conventos com o Recife do seacuteculo XVIII era tal quealgumas pobrezinhas eram estraccedilalhadas pelos bichos imundos que de noitevagavam pelas ruas Os negros pagatildeos ateacute os princiacutepios do seacuteculo XIX seenterravam em Pernambuco pelas praias ermas e com tatildeo pouco espiacuteritocristatildeo que os cachorros e os urubus natildeo tinham dificuldade em ir pinicarcarne tatildeo abandonada depois de morta quanto explorada ainda viva

Onde uma voz de padre que tivesse chamado com a forccedila com quedeviam ter clamado todas as vozes de padre a favor da mulher ndash tatildeohumilhada tatildeo abusada tatildeo maltratada por maridos e pais senhores deengenho Alguns desses maridos como Miguel Ferreira rendeiro doengenho do Tapicuraacute em Pernambuco faziam de suas mulatas as rainhasda casa e tratavam de resto a mulher legiacutetima Agrave mulher legiacutetima tocavaapenas parir e criar os filhos E dessas mulheres de senhores de engenhocrueacuteis pode-se dizer que algumas foram santas embora no sentido brasileiroe natildeo rigorosamente lituacutergico A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve suas santas suasmulheres grandes sofredoras que humilhadas repugnadas maltratadascriaram filhos numerosos agraves vezes os seus e os das outras mulheres maisfelizes que elas cuidaram das feridas dos escravos dos negros velhos dosmoradores doentes dos engenhos

Mesmo em sentido lituacutergico o Nordeste teve as suas quase-santasnascidas agrave sombra doce de uma igreja da qual eacute impossiacutevel separar aformaccedilatildeo brasileira Teve a sua veneraacutevel Madre Soror Acircngela doNascimento nascida no engenho Jurrisaca no cabo de Santo AgostinhoTeve a sua Catarina Pais Vestida com o haacutebito descoberto da TerceiraOrdem de Satildeo Francisco Catarina se exercitou no que um cronista chamaldquoheroicas virtudesrdquo ldquoheroicas virtudesrdquo na verdade para serem praticadaspor mulher branca e de prol em civilizaccedilatildeo escravocraacutetica as da humildadeas do serviccedilo as do amor a toda espeacutecie de proacuteximo ldquoFoi a sua humildadetatildeo profunda que ateacute se reconhecia por indigna de servir as suas mesmasescravas dizendo que ainda que a fortuna as tivesse feito captivas eratildeo filhasdo Deos a que ella natildeo merecia servir por ser hua grande peccadorardquo Teve asua Da Maria Joseacute ldquonatural do Recife filha de Pays nobres e ricosrdquo queentretanto desde mocinha cortou os cabelos vestiu haacutebito de terceira doCarmo e ldquopara desengano dos que pretendiatildeo o seu cazamento distribuio

pelos pobres a maior parte do seu doterdquo97 Teve a sua Da Inecircs Barreto de

Albuquerque que quando ficou viuacuteva foi para dedicar-se toda ao serviccedilo deDeus e aos pobres dando de comer a muitos sustentando muitas oacuterfatildesfundando o Hospital de Nossa Senhora do Rosaacuterio no Recife e ela proacutepriavarrendo os quartos e fazendo as camas dos doentes Teve as suas muitasDas Mariazinhas Das Francisquinhas Das Mariquinhas que desdemeninas desde a primeira comunhatildeo natildeo fizeram senatildeo cuidar dosmaridos dos filhos dos escravos dos santos

Santo ndash repita-se ndash eacute que parece que o Nordeste do accediluacutecar natildeo deunenhum Os proacuteprios filhos de senhores de engenho que iam estudar parapadre levavam do canavial para o seminaacuterio um orgulho que nunca morrianeles Que natildeo morreu nem em um D Vital capuchinho frade da PenhaTodos os exerciacutecios de humildade franciscana que praticou com tanto ardorparece que natildeo puderam destruir em Vital Maria Gonccedilalves de Oliveira oorgulho de aristocrata de engenho que continuou sendo sob as barbas defrade sob o capucho de religioso sob a murccedila de bispo Sua insistecircncia emdizer-se pernambucano ndash quando de fato parece que nasceu na Paraiacuteba ndash eacutebem caracteriacutestico desse orgulho que daacute a impressatildeo de ter sido natildeo soacuteregional mas de classe Pernambucano soacute natildeo pernambucano do canavialAristocrata Descendente dos senhores de engenho que expulsaram osholandeses do Nordeste como ele quis expulsar os maccedilons poderosos dasIrmandades e da Igreja

Dentro da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar ndash que por algum tempo constituiu quasetoda a civilizaccedilatildeo brasileira ndash o pernambucano foi a especializaccedilatildeo maisintensa das qualidades e dos defeitos dessa organizaccedilatildeo monocultoramonossexual e principalmente aristocraacutetica e escravocraacutetica Organizaccedilatildeocheia de contrastes Inimiga do indiacutegena Opressora do negro ndash emboramenos que a mineira ou a paraense Opressora do menino e da mulher ndashembora ostentando uma galanteria um cavalheirismo uma devoccedilatildeo peloldquobelo sexordquo que nenhuma outra civilizaccedilatildeo brasileira ostentou com tantobrilho no passado

Com todos os seus defeitos a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar que se especializouou antes se exagerou no Nordeste do massapecirc e dentro do Nordeste emPernambuco ndash seu foco seu centro seu ponto de maior intensidade ndash em

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e escravocraacutetica deu ao Brasil alguns dos maioresvalores de cultura hoje caracteristicamente brasileiros dissolvidos em outrascivilizaccedilotildees distribuiacutedos por outras aacutereas diluiacutedos em outros estilos de vidamas com a marca de origem ainda visiacutevel a olho nu Outros valores natildeosofreram transformaccedilatildeo e morreram ou existem soacute em resiacuteduos muito vagos

Mas foi justamente essa civilizaccedilatildeo nordestina do accediluacutecar ndash talvez a maispatoloacutegica socialmente falando de quantas floresceram no Brasil ndash queenriqueceu de elementos mais caracteriacutesticos a cultura brasileira

O que nos faz pensar nas ostras que datildeo peacuterolasLevando-se a vista dos pobres canaviais do Nordeste patriarcal para as

oliveiras de certa terra claacutessica do sul da Europa haacute de ver-se que tambeacutem acivilizaccedilatildeo grega foi uma civilizaccedilatildeo moacuterbida segundo os padrotildees de sauacutedesocial em vigor entre os modernos Civilizaccedilatildeo escravocraacutetica Civilizaccedilatildeopagatilde Civilizaccedilatildeo monossexual E entretanto estranhamente criadora devalores pelo menos poliacuteticos intelectuais e esteacuteticos Muito mais criadoradesses valores do que as civilizaccedilotildees mais saudaacuteveis que ainda se utilizam daheranccedila grega Junto dela com efeito a bem equilibrada civilizaccedilatildeo dosmodernos escandinavos empalidece e se apresenta tatildeo esteacuteril e tristonhacomo se natildeo tivesse senatildeo matildeos e peacutes de gigante

Abaixo da grega outras civilizaccedilotildees parece que tecircm reproduzido emtermos maciccedilos o caso estranho dos gecircnios individuais tanto deles como asostras doentes eacute que datildeo peacuterolas

A antiga civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste de uma patologia social tatildeonumerosa daacute-nos essa mesma impressatildeo em confronto com as demaiscivilizaccedilotildees brasileiras ndash a pastoril a das minas a da fronteira a do cafeacuteCivilizaccedilotildees mais saudaacuteveis mais democraacuteticas mais equilibradas quanto agravedistribuiccedilatildeo da riqueza e dos bens Mas nenhuma mais criadora do que elade valores poliacuteticos esteacuteticos intelectuais

76 Rodrigues de Carvalho ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo in Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 1937Vejam-se tambeacutem sobre o assunto os trabalhos reunidos em Estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 193477 Rodrigues de Carvalho loc cit

78 Col dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica daProviacutencia de Pernambuco (1849)79 Como observou Saacute e Oliveira com relaccedilatildeo aos aristocratas baianos tambeacutemno extremo Nordeste se manteve alta a estatura dos homens entre aaristocracia branca e quase-branca das casas-grandes Aristocracia jaacute hojedegradada Nessa classe tatildeo socialmente vigorosa ateacute agrave aboliccedilatildeo os homensaltos e bem apessoados foram comuns conforme natildeo soacute a tradiccedilatildeo com ascrocircnicas e as evidecircncias fotograacuteficas que se referem agrave uacuteltima metade doseacuteculo XIX Dos grandes senhores de terras que deram seu apoio agraveRevoluccedilatildeo de 1817 sabe-se que alguns eram verdadeiros gigantes Entre agente de cor verifica-se entretanto a tendecircncia para a estatura mediana eabaixo da mediana para o que talvez tenham concorrido em Pernambucojuntamente com fatores sociais de degradaccedilatildeo os elementos africanos eindiacutegenas que mais entraram na composiccedilatildeo do tipo popular no extremoNordeste africanos (Bacircntus) e indiacutegenas uns de estatura mediana outrosde estatura baixa80 Joseacute Ameacuterico de Almeida A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924Vejam-se tambeacutem sobre o assunto Agamemnon Magalhatildees O Nordestebrasileiro (O habitat e a gens) Recife 1921 e Felte Bezerra Etniassergipanas cit Sobre as caracteriacutesticas de fiacutesico ou de corpo nos escravos daParaiacuteba atraveacutes de anuacutencios de jornal prepara interessante ensaio opesquisador paraibano Ademar Vidal baseado em nosso ldquoO escravo nosanuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro 1934 do qual esperamos dar breve novaediccedilatildeo ampliada81 Sobre o tipo do nordestino veja-se dos dois meacutedicos pernambucanosMorfologia do homem do Nordeste Rio de Janeiro 1937 Sobre diferentesaspectos das relaccedilotildees do homem do Nordeste com a alimentaccedilatildeo e o meiovejam-se Josueacute de Castro Documentaacuterio do Nordeste (Rio de Janeiro1936) e Rui Coutinho Valor social da alimentaccedilatildeo (Rio de Janeiro 1938)Do assunto ndash o tipo nordestino do ponto de vista psicoloacutegico social ndash vem seocupando em pesquisas no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais oprofessor Gonccedilalves Fernandes82 Sobrados e mucambos trabalho de que apareceu a primeira ediccedilatildeo em1936 A segunda ediccedilatildeo de 1951 incluiu cinco capiacutetulos novos e vaacuteriosacreacutescimos aos capiacutetulos antigos83 O Congresso Nacional aprovou por imensa maioria em 1949 o nossoprojeto hoje lei criando na cidade do Recife em comemoraccedilatildeo docentenaacuterio do nascimento de Joaquim Nabuco um instituto de pesquisasocial destinado ao estudo e agrave valorizaccedilatildeo do homem do Norte ndash e natildeoapenas Nordeste ndash agraacuterio da Bahia ao Amazonas Esse instituto acaba deser inaugurado no Recife pelo ministro Pedro Calmon

Sobre condiccedilotildees de vida e de habitaccedilatildeo da atual populaccedilatildeo operaacuteria ndash aomesmo tempo mesticcedila ndash do Recife ndash que como metroacutepole regional desdedias remotos atrai elementos do Nordeste inteiro e natildeo apenas do interior dePernambuco metade dessa populaccedilatildeo sendo originaacuteria do interior domesmo Estado e 14 de outros Estados ndash veja-se o recente e interessanteopuacutesculo ldquoPrimeiros resultados de um inqueacuterito em torno da populaccedilatildeooperaacuteria do Reciferdquo publicado pelo Serviccedilo Social da Induacutestria Recife 1949Encontram-se aiacute as informaccedilotildees ldquometade do nosso operariado proveacutem dointerior do estado 14 de outros estados ao passo que da capital mesmaapenas 36 Eacute interessante ainda notar que tanto o elemento masculinocomo o feminino imigrados se representam na mesma proporccedilatildeordquo

Cabe aqui referecircncia a um breve estudo publicado no Boletim doDepartamento Estadual de Estatiacutestica de Pernambuco e onde lemos oseguinte ldquoHaacute um fenocircmeno interessante a se notar na nossa populaccedilatildeo eacuteum lsquodespovoamento relativorsquo do interior em benefiacutecio da capital a partir de1900 e acentuando-se de 1920 para 1940 Essa percentagem deacumulaccedilatildeo do Recife (1296) soacute eacute inferior agrave da capital de Satildeo Paulo quedeu em 1940 185 e agraves de Manaus e Beleacutem respectivamente de 21 e24 A cidade de Satildeo Paulo eacute um grande centro industrial Manaus e Beleacutemsatildeo capitais de Estados despovoados com uma densidade territorial miacutenimaEssas razotildees de ordem econocircmica embora diversas e mesmo opostasexplicam as altas percentagens da populaccedilatildeo das capitais daqueles Estadosrdquo

E mais em seguida lecirc-se que esta fuga do campo para a capital que anoa ano acentua ldquopoderaacute criar um nocivo desequiliacutebrio entre a nossa produccedilatildeoagropecuaacuteria (de gecircneros de subsistecircncia e mateacuterias-primas) e a induacutestria ecomeacuterciordquo

Quanto a condiccedilotildees de habitaccedilatildeo em particular desse operariado satildeointeressantes as informaccedilotildees

ldquoO nuacutemero de casas de taipa compreende 897 do total resultado queseria de esperar em uma cidade onde o nuacutemero de mucambos eacute talvezsuperior ao de preacutedios

ldquoQuanto ao tipo do abastecimento de aacutegua verifica-se que apenas 92casas em 950 possuem aacutegua encanada o que daacute apenas 97 Os outrostipos de abastecimento satildeo cacimba com 294 chafariz com 319 ecacimba e chafariz com 290

ldquoNo tocante ao tipo de iluminaccedilatildeo encontramos o querosene aindalargamente empregado ultrapassando de muito a eletricidade

Comparando-se todavia esse resultado com o encontrado em um inqueacuteritorealizado em 1939 para a lsquoTerceira Semana de Accedilatildeo Socialrsquo achamos que ouacuteltimo sistema estaacute tomando rapidamente o lugar do primeiro Naqueleinqueacuterito foram encontrados 911 para eletricidade e 9089 paraquerosene enquanto no presente encontramos respectivamente 3880 e6120

ldquoQuanto ao tipo do despejo constatamos mais uma vez uma falta dehigiene e de conforto alarmantes apenas 1 das 950 casas em estudo possuisaneamento apenas 341 (36) possuem fossa nas restantes 608 (64) osseus moradores fazem despejos em lugares improacuteprios como buracos mareacutesagrave flor do chatildeo etc

ldquoConveacutem notar que onde existem lenccediloacuteis de aacutegua rio ou mareacute ascondiccedilotildees de higiene satildeo sempre melhores Verificou-se recentemente quea incidecircncia de amebiacutease eacute muito mais elevada nos bairros pobres onde natildeoexiste aacutegua para receber ou drenar os despejos como Campo Grande AacuteguaFria Casa Amarela Beberibe e sensivelmente menor no que dispotildeem desteelemento como Afogados e Santo Amarordquo Esta verificaccedilatildeo foi feita pelospesquisadores Heacutelio Coutinho e Gilmaacuterio M Teixeira autores deContribuiccedilatildeo ao estudo da endemia amebiana na cidade do Recife(Relatoacuterio do tema oficial do Terceiro Congresso Meacutedico Acadecircmico Recife)

Com essa numerosa populaccedilatildeo vinda em tatildeo grande parte do interior edas cidades menores da regiatildeo compreende-se que o Recife tenha queenfrentar problemas particularmente difiacuteceis de urbanismo de higiene deassistecircncia social e de socorro meacutedico Veja-se tambeacutem Tales de AzevedoPadratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia 194784 Veja-se nosso Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife

2a ed Rio de Janeiro 1942 devendo a 3a ediccedilatildeo aparecer em 196100Ao nossos guias Recife e Olinda de duas das mais antigas cidades do

Nordeste agraacuterio aqui arbitrariamente considerado (arbitrariamente por sero nosso criteacuterio de ldquoNordesterdquo diferente do oficial ultimamente adotado)como a regiatildeo que se estende do Recocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo outrosvecircm se acrescentando dois de Salvador um escrito pelo romancista JorgeAmado outro por Afracircnio Peixoto um de Maceioacute trabalho do professorManuel Diegues Juacutenior um de Joatildeo Pessoa escrito pelo sr Ademar Vidal Enatildeo devemos nos esquecer do estudo de Viccedilosa pelo alagoano AlfredoBrandatildeo Um roteiro de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo estaacute sendo esmeradamentepreparado pelo sr Josueacute Montelo escritor que junta agrave arte literaacuteria a

erudiccedilatildeo acadecircmica Sobre o Maranhatildeo natildeo devem ser esquecidas asexcelentes paacuteginas de geografia histoacuterica e cultural ndash algumas extensivas aoNordeste inteiro ndash que nos deixou Raimundo Lopes nem as recentes do srAstolfo Serra85 Waumltjen em seu trabalho sobre os judeus na colonizaccedilatildeo moderna fixavaacuterios aspectos da influecircncia israelita no Nordeste no tempo do domiacutenioholandecircs E recorda trechos da carta dirigida por holandeses em 1641 aJoatildeo Mauriacutecio de Nassau Alguns desses trechos vatildeo aqui transcritossegundo traduccedilatildeo feita gentilmente para este trabalho pelo sr CarlosGilberto Cavalcanti ldquoCada vez mais cai o comeacutercio no Brasil holandecircs nasmatildeos dos judeus Os comerciantes cristatildeos estatildeo quase excluiacutedos e setornaram lsquospertateurs van de negotie der joodenrsquoTodos os israelitas quechegam aqui satildeo bem recebidos pelos seus companheiros portugueses eempregados como agentes feitores de usinas ou de plantaccedilotildees de canaTodos os lugares vagos de corretor satildeo ocupados naturalmente pelos judeusque se esforccedilam o mais possiacutevel para o progresso do comeacutercio judaico Quasetodo o accediluacutecar passa pelas matildeos deles e quando em algum lugar haacute qualquercoisa onde se possa ganhar jaacute Israel tomou contardquo

Sobre o domiacutenio holandecircs no Nordeste veja-se o excelente ensaio do srJoseacute Antocircnio Gonsalves de Melo neto Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 194786 Oliveira Lima Memoacuterias Rio de Janeiro 193787 Vejam-se sobre o assunto nossos Um engenheiro francecircs no Brasil (Riode Janeiro1940) e Ingleses no Brasil (Rio de Janeiro1948) onde se destacaa intensidade no Nordeste ateacute o meado do seacuteculo XIX de uma influecircncia ndasha inglesa e francesa ndash que soacute depois diminuiu na regiatildeo do accediluacutecar paraconservar-se no Rio de Janeiro e acentuar-se em Satildeo Paulo88 Embora a interpretaccedilatildeo da formaccedilatildeo do Brasil sob este criteacuterio venha segeneralizando entre historiadores e ensaiacutestas voltados para assuntos dehistoacuteria sociologia e economia cremos haver nos antecipado no esboccedilo deuma sistemaacutetica ao mesmo tempo econocircmica e socioloacutegica da histoacuteria dagente brasileira esboccedilo que data de ensaio publicado em 1933 e de notaspreacutevias de 192589 Veja-se sobre o assunto o interessante estudo do professor Pedro CalmonHistoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 193990 Na sessatildeo de 2 de julho de 1827 do parlamento brasileiro dizia umrepresentante da aacuterea aristocraacutetica o sr Ferreira de Melo que o chaacute era nacorte gecircnero de primeira necessidade ldquoo qual hoje entre noacutes pelo grandeuso que tem estaacute considerado como gecircnero de primeira necessidaderdquo (Anaisdo Parlamento Brasileiro Rio de Janeiro) O mesmo ldquogecircnero de primeira

necessidaderdquo tornou-se o chaacute na aacuterea aristocraacutetica de accediluacutecar do Nordeste91 Estes trechos de declaraccedilotildees de Maciel Monteiro satildeo transcritos do estudoque lhe dedicou Faelante da Cacircmara Maciel Monteiro Recife 190592 Dentre outros documentos o seguinte

ldquoSendo prezente a S Magd que natildeo obstante o Alvaraacute que seraacute em estade 31 de julho do anno proximo passado porque foi servido approvar areprezentaccedilatildeo do Director Geral e deputados da Conferencia e ImpressatildeoRegia e as condiccedilotildees com que estabeleceu Lourenccedilo Silezio as fabricas decartas de jogar e papelotildees se continua em algumas das terras desse estadoem se fabricarem as mesmas cartas de jogar contra a dispoziccedilatildeo do referidoalvaraacute Ordena o mesmo senhor que Vordf Sordf decirc as mais exactas providenciaspara obviar as transgressoens do dito alvaraacute mandando proceder contra osseus respectivos transgressores com as penas nelle declaradas

ldquoDeus Ge a V Sordf Palacio de Nossa Senhora de Ajuda a 30 de julho de

1770 Manoel de Mello e Castro Ordens de Sordf Magd Fma pelo expediente

dos secretarios drsquoEstado Aos governadores e capatildeo genal de Pernambuco(Desde 1767 atheacute 1773)rdquo manuscrito na Biblioteca do Estado dePernambuco

Em 1811 as iras da metroacutepole seriam contra os contrabandos de cartas dejogar em Pernambuco em detrimento do monopoacutelio portuguecircs como se vecircda carta de 4 de abril do conde de Aguiar ao governador Caetano Pinto deMiranda Montenegro (ldquoCorrespondecircncia da Corterdquo 1811 manuscrito naBiblioteca do Estado de Pernambuco)93 Amigo do Povo nordm 10 (1830) Veja-se tambeacutem o artigo de ldquoUm olindenseamigo da honra e da verdaderdquo Diaacuterio de Pernambuco de 13 de novembrode 183094 Como acentua Faelante da Cacircmara na sua Memoacuteria histoacuterica daFaculdade de Direito de Recife referente a 1903 ndash memoacuteria que estaacute apedir reediccedilatildeo ndash ldquofoi o predomiacutenio intelectual desse centro que conseguiuhumanizar os costumes estabelecer a corrente de simpatias e a permutacivilizadora das ideias O proacuteprio caraacuteter pernambucano modificou-seprofundamente Os filhos de famiacutelias poderosas que viviam em luta acesa osde sangue azul e os plebeus os descendentes da fidalguia do cabo e osrepresentantes dos antigos mascates daqui saiacuteam harmonizados levando agravecasa paterna a notiacutecia de que o coacutedigo dos direitos individuais eacute igual paratodosrdquo95 A respeito da reproduccedilatildeo da cana pela semente assunto de que se ocupao botacircnico brasileiro Pio Correia no seu Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do

Brasil (Rio 1929) o dr Artur Siqueira Cavalcanti daacute um depoimento queconfirmado colocaria o Nordeste em situaccedilatildeo de relevo na histoacuteria cientiacuteficada cana-de-accediluacutecar

ldquoO engenheiro civil Abelardo de Lima Cavalcanti foi talvez o primeirobrasileiro (1916-1917) que frequentou a Escola da Estaccedilatildeo Experimental deCana-de-Accediluacutecar em Baton Rouge na Louisiana Quando foi conferido odiploma ao referido engenheiro brasileiro o diretor da Escola de BatonRouge declarou-lhe em conversa que havia sido Pernambuco o primeirolugar no mundo onde se conseguira a reproduccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar pelasemente

Esse fato representa na histoacuteria da cana-de-accediluacutecar uma aquisiccedilatildeocientiacutefica notaacutevel e cuja importacircncia econocircmica eacute inuacutetil acentuar Basta verque eacute pela seleccedilatildeo da semente que se obtecircm as variedades de cana ricas emaccediluacutecar Existe uma variedade de cana em Pernambuco denominadalsquoManoel Cavalcantirsquo notaacutevel pela sua pureza e riqueza em sacarose a qual sedeve ao agricultor pernambucano desse nomerdquo96 Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general daBahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779 ndash Martinho de Mello eCastro Manuscrito no Arquivo de Ultramar Arquivo Histoacuterico Colonial deLisboa Capitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboardquosob nordm 1031997 D Domingos de Loreto Couto op cit

Bibliografia

Para escrever Nordeste Gilberto Freyre consultou um nuacutemero maior detextos dos que estatildeo aqui elencados Pretendeu-se com esta bibliografiasomente organizar as obras e documentos por ele citados nas notas e nocorpo do texto (Gustavo Henrique Tuna)

I Fontes Manuscritos Documentos Perioacutedicos etc

AGUIAR Durval Vieira de Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898

ALEMAtildeO Francisco Freire Monografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicadaem 1826 e reimpressa pelo Ministeacuterio da Agricultura 1929

Arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute PernambucoArquivo particular do engenho Noruega PernambucoArquivo particular do engenho Salgado PernambucoBRANDAtildeO Ambroacutesio F Diaacutelogos das grandezas do Brasil Rio de Janeiro

Oficina Industrial 1930BRITO Desembargador Joatildeo Rodrigues de e outros Cartas econocircmico-

poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)

CAcircMARA Faelante da Memoacuteria histoacuterica da Faculdade de Direito deRecife Recife 1903

CANECA frei Obras poliacuteticas e literaacuterias 2 vols 1875Carta Circular do governador D Tomaacutes Joseacute de Melo aos corregedores

das cacircmaras sobre as plantaccedilotildees de mandioca 10 de janeiro de1797 Manuscrito da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco

Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para Rodrigo de Sousa Coutinho Bahia20 de outubro de 1798 Manuscrito do Arquivo de Ultramar deLisboa registrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena 3 de

janeiro de 1789 Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted610

Carta do marquez de Pombal 30 de agosto de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta do marquez de Pombal 6 de dezembro de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisboapara o Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botacircnicode Lisboa Bahia 18 de outubro de 1781 Manuscrito do Arquivo doUltramar de Lisboa registrado no Inventaacuterio dos Documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar deLisboa Organizado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro porEduardo de Castro e Almeida Rio de Janeiro 1914

Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)Coleccedilatildeo dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica da

Proviacutencia de Pernambuco 1849Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania de PernambucoCorrepondecircncia dos Cocircnsules Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica

do Estado de PernambucoFONSECA Pedro P da ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas Apontamentos histoacutericos

biograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscritoGUENTHER Konrad A naturalist in Brazil (trad) Londres 1931Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general da

Bahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779- Martinho deMello e Castro Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboacapitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de

Lisboardquo sob no 10319KOSTER Henry Voyages dans la partie septentrionale du Breacutesil depuis

1809 jusquacuteen 1815 Comprenant lecircs provinces de Permabuco(Fernambouc) Seara Parahyba Maragnon etc Paris 1818

LUCCOCK John Notes on Rio de Janeiro and the southern parts of

Brazil taken during a residence of ten years in that country from1808 to 1818 Londres MDCCCXX

MANSFIELD Charles Paraguay Brazil and the Plate Londres 1856REBELO Joseacute Silvestre ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do

accediluacutecarrdquo O auxiliador da induacutestria nacional nos II e III Rio deJaneiro 1833

PUDSEY Cuthbert Journal of a residence in Brazil written by duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito da Seccedilatildeo de Manuscritos daBiblioteca Nacional Rio de Janeiro

SMITH Herbert H Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque1879

SPIX J B von e MARTIUS C F Phil von Atraveacutes da Bahia (excertos daobra Reise en Bresilien trasladados ao portuguecircs pelo dr Pirajaacute daSilva e dr Paulo Wolf) 1ordf ediccedilatildeo Bahia 1928

TEIXEIRA D Marcos ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do Santo Ofiacuteciordquo Anais daBiblioteca Nacional vol XLIX

TOLLENARE L F de ldquoNotas dominicais tomadas durante a viagem emPortugal e no Brasil em 18161817 e 1818rdquo(parte relativa aPernambuco traduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredode Carvalho) Revista do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico

Pernambucano nos 61-62 1904

II Fontes Perioacutedicos Almanaques Anais

a) Indicaccedilotildees geraisAmigo do PovoAnais da Biblioteca Nacional do Rio de JaneiroAnais da Faculdade de Medicina do RecifeAnuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas Satildeo

Paulo (1946-1947)BandoBoletim da Junta da Proviacutencia da EstremaduraBoletim da Secretaria da Agricultura Pernambuco

Boletim da Secretaria da Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo de PernambucoBoletim do Departamento Estadual de Estatiacutestica de PernambucoDiaacuterio de NotiacuteciasEngineering WorldFronteirasJornal de AlagoasJournal of Negro HistoryNordesteO ProgressoRegiatildeoRevista do Arquivo Municipal de Satildeo PauloRevista do BrasilSocial ForcesThe Annals of the American academy of political and social scienceUniversity of California publications in geographyU S Department of Agriculture

b) Indicaccedilotildees particularesASHE W W ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in the

southeastrdquo Engineering world XXIIIBARRETO Carlos Xavier Paes ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no

povoamento nordestinordquo Revista das Academias de Letras no 63Rio de Janeiro 1948

BARROS Sousa Artigo sobre distribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grandepropriedade territorial em Pernambuco Boletim da Secretaria daAgricultura Pernambuco vol I no 2 1936

BATISTA FILHO Olavo ldquoAspectos da economia accedilucareira no nordeste doseacuteculo XVIrdquo Revista do Arquivo Municipal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo1939

BENNETT H H ldquoSoil Erosion a national menacerdquo U S Department of

Agriculture Circular no 33 1928_______________ ldquoThe increased cost of soil erosionrdquo The Annals of the

American academy of political and social science CXLIICANABRAVA A P ldquoA influecircncia do Brasil na teacutecnica do fabrico de accediluacutecar

nas Antilhas francesas e inglesas no meado do seacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterioda Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas SatildeoPaulo 1946-1947

CARVALHO Rodrigues de ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro1937

COUTINHO A Bezerra ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do

Recife no 1 1934COUTO D Domingos do Loreto ldquoDesagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambucordquo 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais daBiblioteca Nacional do Rio de Janeiro vol XXIV)

GAMA Lauro M ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina Acadecircmica no 61936

FERRAZ Aydano do Couto ldquoTraccedilos da influecircncia da aacutegua na paisagemsocial do Nordeste e do recocircncavordquo Revista do Arquivo Municipalde Satildeo Paulo vol 60 Satildeo Paulo 1940

HERSKOVITS Melville ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History July 1934

_______________ ldquoOn the provenience of new word negroesrdquo SocialForces December 1933

_______________ ldquoThe significance of west Africa for Negro researchrdquoJournal of Negro History January 1936

HOOTON E A ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82July 1935

LINS Meira e WANDERLEY Fernando ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo AnualSociedade de Medicina de Pernambuco setembro 1934

MENDONCcedilA JUacuteNIOR ldquoOs ladrotildees de cavalordquo Jornal de Alagoas 1948MOTA Leonardo ldquoO cavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5

de setembro de 1937NATIVIDADE J Vieira ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo Boletim da

Junta da Proviacutencia da Estremadura no 5 1944

PICKEL D Bento ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria da

Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III no 31934

REIS JUacuteNIOR A ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquo Vida poliacutetica Rio de Janeiromarccedilo 1948

SCHMIEDER Otto ldquoThe brazilian culture hearthrdquo University of California

publications in geography vol 3 no 3 agosto 1929SILVA J Rodrigues da ldquoEstudo cliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo

Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica tomo III no 1 Rio deJaneiro outubro 1949

SOUSA Coelho de ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto Alegre 18 de abril de1950

TOURINHO Eduardo ldquoA baianardquo Correio da Manhatilde 30 de abril de 1950VASCONCELOS SOBRINHO ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo

separata de Fronteiras Recife 1936

III Material Subsidiaacuterio Livros

ABREU J Capistrano de Capiacutetulos de histoacuteria colonial Rio de Janeiro1928

ALBUQUERQUE Feacutelix Cavalcanti de Memoacuterias de um Cavalcanti (notasde Diogo de Melo Meneses) Satildeo Paulo 1940

ALMEIDA Joseacute Ameacuterico de A bagaceira Paraiacuteba 1928_______________ A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924ANDRADE Lopes de Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro

1948AZEVEDO Fernando de Canaviais e engenhos na vida poliacutetica do Brasil

Rio de Janeiro 1948AZEVEDO Tales de Padratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia

1947BARATA cocircnego Antocircnio do Carmo Um grande saacutebio um grande

patriota um grande bispo (conferecircncia) Pernambuco 1921BARRETO Carlos Xavier Paes Os primitivos colonizadores do nordeste e

seus descendentes Rio de Janeiro 1960

BARROS Henrique de Economia Agraacuteria Lisboa 1948BARROSO Gustavo Terra de Sol Rio de Janeiro 1930BASTIDE Roger Imagens do Nordeste Miacutestico em branco e preto Rio de

Janeiro 1945BELO Juacutelio Memoacuterias de um senhor de engenho Rio de Janeiro 1937BEZERRA Felte Etnias sergipanas Aracaju 1950Biografias (publicado aos cuidados de Alexandre Joseacute Barbosa Lima)

Recife 1905BRANDAtildeO Theo Folclore de Alagoas Maceioacute 1949CALMON Pedro Histoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 1939CAcircMARA Faelante da Maciel Monteiro Recife 1905CARVALHO Alfredo de Estudos Pernambucanos Recife 1907CASCUDO Luiacutes da Cacircmara Geografia dos mitos brasileiros Rio de Janeiro

1947CASTRO Josueacute de Documentaacuterio do Nordeste Rio de Janeiro 1936_______________ Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de

Janeiro 1948CORREIA Pio Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do Brasil Rio de Janeiro 1929COSTA Angione Migraccedilatildeo e cultura indiacutegena Satildeo Paulo 1939COSTA Pereira da Folclore Pernambucano Recife 1908_______________ Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em

Pernambuco Recife 1905COUTINHO Rui Valor social da alimentaccedilatildeo Rio de Janeiro 1938CRAVEN A O Soil exhaustion as a factor in the agricultural history of

Virginia and Maryland 1926DIEGUES JUacuteNIOR Manoel O banguecirc nas Alagoas Rio de Janeiro 1949ELLIS JUacuteNIOR Alfredo O ouro e a paulistacircnia Satildeo Paulo 1948FERRAZ Aacutelvaro e LIMA Miguel de Andrade Morfologia do homem do

Nordeste Rio de Janeiro 1937FREYRE Gilberto Accediluacutecar algumas receitas de doces e bolos do Nordeste

Rio de Janeiro 1939______________ Casa-Grande amp Senzala Rio de Janeiro 1933______________ Conferecircncias na Europa Rio de Janeiro 1938______________ Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier Rio de Janeiro

1960______________ Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do

Recife 2ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1942______________ Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica

na vida na paisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 1948___________(org) Livro do Nordeste comemorativo do 1ordm centenaacuterio

do Diaacuterio de Pernambuco 1925______________ Mucambos do Nordeste Rio de Janeiro 1937______________ e outros Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro

1937______________ Olinda 2ordm guia histoacuterico praacutetico e sentimental de

cidade brasileira 3a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1960______________ O mundo que o portuguecircs criou Rio de Janeiro 1940______________ ldquoOs escravos nos anuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro

1934

______________ Sobrados e Mucambos 2a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1951______________ Um engenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro

1940GOMES Pimentel Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina Rio de

Janeiro 1914______________ Contribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do

nordeste brasileiro Joatildeo Pessoa 1936HARLOW Vincent T A history of Barbados 1625-1885 Oxford 1926JOFFILY I Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 1892LIMA Oliveira ldquoA Nova Lusitacircniardquo in DIAS C M(org) Histoacuteria da

colonizaccedilatildeo portuguesa no Brasil Porto [sn] 1924______________ Memoacuterias Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1937LOumlFGREN Alberto Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo do

Nordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio deJaneiro 1912

LUETZELBURG Phillip Von Estudo botacircnico do Nordeste InspetoriaFederal de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1922-1923

MAGALHAtildeES Agamecircmnon O Nordeste brasileiro (o habitat e a gens)Recife 1921

MARROQUIM Maacuterio A liacutengua do Nordeste (Alagoas e Pernambuco) SatildeoPaulo 1934

MELO NETO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 1947

NABUCO Joaquim Minha formaccedilatildeo Rio de Janeiro-Paris 1900________________ Um estadista do Impeacuterio Rio de Janeiro 1898NASH Roy The conquest of Brazil Nova Iorque 1926OLIVEIRA J B Saacute Evoluccedilatildeo psiacutequica dos baianos Bahia 1898ORLANDO Artur O Brasil ndash a terra e o homem Recife 1913PINHO Wanderley de Histoacuterias de um engenho do recocircncavo Rio de

Janeiro 1947PINTO Estevatildeo Os indiacutegenas do Nordeste Satildeo Paulo 1935_____________ Uma estrada de ferro do Nordeste Rio de Janeiro

1949REGO Joseacute Lins do Banguecirc Rio de Janeiro 1934________________ Usina Rio de Janeiro 1936SAMPAIO A T Fitogeografia do Brasil Satildeo Paulo 1934SCHMIDT Louis Bernard (ed) Readings in the economic history of

american agriculture Nova Iorque 1925TAVARES Luiacutes Estudo meacutedico-ciruacutergico da esquistossomose Manson

Recife 1945VASCONCELOS SOBRINHO As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e

a civilizaccedilatildeo Rio de Janeiro-Satildeo Paulo 1949

Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre

1900

Nasce no Recife em 15 de marccedilo na antiga Estrada dos Aflitos (hojeAvenida Rosa e Silva) esquina de Rua Ameacutelia (o portatildeo da hojeresidecircncia da famiacutelia Costa Azevedo estaacute assinalado por uma placa) filhodo dr Alfredo Freyre ndash educador juiz de direito e catedraacutetico deEconomia Poliacutetica da Faculdade de Direito do Recife ndash e de Franciscade Mello Freyre

1906

Tenta fugir de casa abrigando-se na materna Olinda desde entatildeo

cidade muito de seu amor e da qual escreveria em 1939 o 2o guiapraacutetico histoacuterico e sentimental

1908

Entra no jardim de infacircncia do Coleacutegio Americano Gilreath Lecirc asViagens de Gulliver com entusiasmo Natildeo consegue aprender aescrever fazendo-se notar pelos desenhos Tem aulas particulares com opintor Telles Juacutenior que reclama contra sua insistecircncia em deformar osmodelos Comeccedila a aprender a ler e escrever em inglecircs com Mr Williamsque elogia seus desenhos

1909

Primeira experiecircncia da morte a da avoacute materna que muito o mimavapor supor que o neto tinha deficit de aprendizado pela dificuldade emaprender a escrever Temporada no engenho Satildeo Severino do Ramopertencente a parentes seus Primeiras experiecircncias rurais de menino deengenho Mais tarde escreveraacute sobre essa temporada uma das suasmelhores paacuteginas incluiacuteda em Pessoas coisas amp animais

1911

Primeiro veratildeo na Praia de Boa Viagem onde escreve um soneto

camoniano e enche muitos cadernos com desenhos e caricaturas

1913

Daacute as primeiras aulas no coleacutegio Lecirc Joseacute de Alencar Machado de AssisGonccedilalves Dias Castro Alves Victor Hugo Emerson Longfellow algunsdramas de Shakespeare Milton Ceacutesar Virgiacutelio Camotildees e Goethe

1914

Ensina latim que aprendeu com o proacuteprio pai conhecido humanistarecifense Toma parte ativa nos trabalhos da sociedade literaacuteria docoleacutegio Torna-se redator-chefe do jornal impresso do coleacutegio O Laacutebaro

1915

Tem liccedilotildees particulares de francecircs com Madame Meunieur Lecirc LaFontaine Pierre Loti Moliegravere Racine Dom Quixote a Biacuteblia Eccedila deQueiroacutes Antero de Quental Alexandre Herculano Oliveira Martins

1916

Corresponde-se com o jornalista paraibano Carlos Dias Fernandes que oconvida a proferir palestra na capital do estado vizinho Como o drFreyre natildeo apreciava Carlos Dias Fernandes pela vida boecircmia quelevava viaja autorizado pela matildee e lecirc no Cine-Teatro Patheacute sua primeiraconferecircncia puacuteblica dissertando sobre Spencer e o problema daeducaccedilatildeo no Brasil O texto foi publicado no jornal O Norte com elogiosde Carlos Dias Fernandes Influenciado pelos mestres do coleacutegio e pelaleitura do Peregrino de Bunyan e de uma biografia do dr Livingstonetoma parte em atividades evangeacutelicas e visita a gente miseraacutevel dosmucambos recifenses Interessa-se pelo socialismo cristatildeo mas lecirc comoespeacutecie de antiacutedoto a seu misticismo autores como Spencer e Comte Eacuteeleito presidente do Clube de Informaccedilotildees Mundiais fundado pelaAssociaccedilatildeo Cristatilde de Moccedilos do Recife Lecirc ainda nesse periacuteodo RuiBarbosa Joaquim Nabuco Oliveira Lima Nietzsche e Sainte-Beuve

1917

Conclui o curso de Barechal em Ciecircncias e Letras do Coleacutegio AmericanoGilreath fazendo-se notar pelo discurso que profere como orador daturma cujo paraninfo eacute o historiador Oliveira Lima daiacute em diante seu

amigo (ver referecircncia ao primeiro encontro com Oliveira Lima noprefaacutecio agrave ediccedilatildeo de suas Memoacuterias escrito a convite da viuacuteva e doeditor Joseacute Olympio) Leitura de Taine Renan Darwin Von IheringAnatole France William James Bergson Santo Tomaacutes de Aquino SantoAgostinho Satildeo Joatildeo da Cruz Santa Teresa Padre Vieira PadreBernardes Fernatildeo Lopes Satildeo Francisco de Assis Satildeo Francisco de Salese Tolstoacutei Comeccedila a estudar grego Torna-se membro da IgrejaEvangeacutelica desagradando a matildee e a famiacutelia catoacutelica

1918

Segue no iniacutecio do ano para os Estados Unidos fixando-se em Waco(Texas) para matricular-se na Universidade de Baylor Comeccedila a lerStevenson Pater Newman Steele e Addison Lamb Adam Smith MarxWard Giddings Jane Austen as irmatildes Broumlnte Carlyle Mathew ArnoldPascal Montaigne Euclides da Cunha e Monteiro Lobato Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Pernambuco com a seacuterie de cartas intituladasldquoDa outra Ameacutericardquo

1919

Ainda na Universidade de Baylor auxilia o geoacutelogo John Casper Brannerno preparo do texto portuguecircs da Geologia do Brasil Ensina francecircs ajovens oficiais norte-americanos convocados para a guerra EstudaGeologia com Pace Biologia com Bradbury Economia com WrightSociologia com Dow Psicologia com Hall e Literatura com A JArmstrong professor de Literatura e criacutetico literaacuterio especializado nafilosofia e na poesia de Robert Browning Escreve os primeiros artigos eminglecircs publicados por um jornal de Waco Divulga suas primeirascaricaturas

1920

Conhece pessoalmente por intermeacutedio do professor Armstrong o poetairlandecircs William Butler Yeats (ver no livro Artigos de jornal umcapiacutetulo sobre esse poeta) os ldquopoetas novosrdquo dos Estados Unidos VachelLindsay Amy Lowell e outros Escreve em inglecircs sobre Amy Lowell Comoestudante de Sociologia faz pesquisas sobre a vida dos negros de Waco edos mexicanos marginais do Texas Conclui na Universidade de Baylor ocurso de Bacharel em Artes mas natildeo comparece agrave solenidade da

formatura contra as praxes acadecircmicas a Universidade envia-lhe odiploma por intermeacutedio de um portador Segue para Nova York eingressa na Universidade de Coluacutembia Lecirc Freud WestermarckSantayana Sorel Dilthey Hrdlicka Keith Rivet Rivers Hegel Le PlayBrunhes e Croce Segundo notiacutecia publicada no Diaacuterio de Pernambucode 5 de junho a Academia Pernambucana de Letras por proposta deFranccedila Pereira elege-o soacutecio-correspondente

1921

Segue na Faculdade de Ciecircncias Poliacuteticas (inclusive as Ciecircncias SociaisJuriacutedicas) da Universidade de Coluacutembia cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo dos professores Giddings Seligman Boas Hayes Carl vanDoren Fox John Basset Moore e outros Conhece pessoalmenteRabindranath Tagore e o priacutencipe de Mocircnaco (depois reunidos no livroArtigos de jornal) Valle-Inclaacuten e outros intelectuais e cientistas famososque visitam a Universidade de Coluacutembia e a cidade de Nova York Aconvite de Amy Lowell visita-a em Boston (ver sobre essas visitas artigosincluiacutedos no livro Vida forma e cor) Segue na Universidade deColuacutembia o curso do professor Zimmern da Universidade de Oxfordsobre a escravidatildeo na Greacutecia Visita a Universidade de Harvard e oCanadaacute Eacute hoacutespede da Universidade de Princeton como representantedos estudantes da Ameacuterica Latina que ali se reuacutenem em congresso LecircPatrick Geddes Ganivet Max Weber Maurras Peacuteguy Pareto RickertWilliam Morris Michelet Barregraves Huysmans Verlaine RimbaudBaudelaire Dostoieacutevski John Donne Coleridge Xenofonte HomeroOviacutedio Eacutesquilo Aristoacuteteles e Ratzel Torna-se editor associado da revistaEl Estudiante Latinoamericano publicada mensalmente em Nova Yorkpelo Comitecirc de Relaccedilotildees Fraternais entre Estudantes EstrangeirosPublica diversos artigos no referido perioacutedico

1922

Defende tese para o grau de M A (Magister Artium ou Master of Arts)na Universidade de Coluacutembia sobre Social life in Brazil in the middle ofthe 19th century publicada em Baltimore pela Hispanic AmericanHistorical Review (v 5 n 4 nov 1922) e recebida com elogios pelosprofessores Haring Shepherd Robertson Martin Oliveira Lima e H LMencken que aconselha o autor a expandir o trabalho em livro Deixa de

comparecer agrave cerimocircnia de formatura seguindo imediatamente para aEuropa onde recebe o diploma enviado pelo reitor Nicholas MurrayButler Vai para a Franccedila a Alemanha a Beacutelgica tendo antes passadopela Inglaterra estabelecendo-se em Oxford Vai para a Franccedilaatravessa a Espanha e conhece Portugal onde se fixa Lecirc SimmelPoincareacute Havelock Ellis Psichari Reacutemy de Gourmont Ranke BertrandRussell Swinburne Ruskin Blake Oscar Wilde Kant e Graciaacuten Tem oretrato pintado pelo modernista brasileiro Vicente do Rego MonteiroConvive com ele e com outros artistas modernistas brasileiros comoTarsila do Amaral e Brecheret Na Alemanha conhece o Expressionismona Inglaterra estabelece contato com o ramo inglecircs do Imagismo jaacute seuconhecido nos Estados Unidos Na Franccedila conhece oanarcossindicalismo de Sorel e o federalismo monaacuterquico de MaurrasConvidado por Monteiro Lobato ndash a quem fora apresentado por carta deOliveira Lima ndash inicia sua colaboraccedilatildeo na Revista do Brasil (n 80 p363-371 agosto de 1922)

1923

Continua em Portugal onde conhece Joatildeo Luacutecio de Azevedo o Condede Sabugosa Fidelino de Figueiredo Joaquim de Carvalho e Silva GaioRegressa ao Brasil e volta a colaborar no Diaacuterio de Pernambuco DaEuropa escreve artigos para a Revista do Brasil (Satildeo Paulo) a pedido deMonteiro Lobato

1924

Reintegra-se no Recife onde conhece Joseacute Lins do Rego incentivando-o a escrever romances em vez de artigos poliacuteticos (ver referecircncias aoencontro e iniacutecio da amizade entre o socioacutelogo e o futuro romancista doCiclo da Cana de Accediluacutecar no prefaacutecio que este escreveu para o livroRegiatildeo e tradiccedilatildeo) Conhece Joseacute Ameacuterico de Almeida atraveacutes de JoseacuteLins do Rego Funda-se no Recife a 28 de abril o Centro Regionalistado Nordeste com Odilon Nestor Amaury de Medeiros Alfredo FreyreAntocircnio Inaacutecio Morais Coutinho Carlos Lyra Filho Pedro ParanhosJuacutelio Bello e outros Excursotildees pelo interior do estado de Pernambuco epelo Nordeste com Pedro Paranhos Juacutelio Bello (que a seu pedidoescreveria as Memoacuterias de um senhor de engenho) e seu irmatildeo UlyssesFreyre Lecirc na capital do estado da Paraiacuteba conferecircncia publicada no

mesmo ano Apologia pro generatione sua (incluiacuteda no livro Regiatildeo etradiccedilatildeo)

1925

Encarregado pela direccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco organiza o livrocomemorativo do primeiro centenaacuterio de fundaccedilatildeo do referido jornalLivro do Nordeste onde foi publicado pela primeira vez o poemamodernista de Manuel Bandeira ldquoEvocaccedilatildeo do Reciferdquo escrito a seupedido (ver referecircncias no capiacutetulo sobre Manuel Bandeira no livroPerfil de Euclides e outros perfis) O Livro do Nordeste consagratambeacutem o ateacute entatildeo desconhecido pintor Manuel Bandeira e publicadesenhos modernistas de Joaquim Cardoso e Joaquim do Rego MonteiroLecirc na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco uma conferecircnciasobre D Pedro II publicada no ano seguinte

1926

Conhece a Bahia e o Rio de Janeiro onde faz amizade com o poetaManuel Bandeira os escritores Prudente de Morais Neto (Pedro Dantas)Rodrigo M F de Andrade Seacutergio Buarque de Holanda o compositorVillas-Lobos e o mecenas Paulo Prado Por intermeacutedio de Prudenteconhece Pixinguinha Donga e Patriacutecio e se inicia na nova muacutesicapopular brasileira em noitadas boecircmias Escreve um extenso poemamodernista ou imagista e ao mesmo tempo regionalista e tradicionalistado qual Manuel Bandeira diraacute depois que eacute um dos mais saborosos dociclo das cidades brasileiras ldquoBahia de todos os santos e de quase todosos pecadosrdquo (publicado no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeo da Revistado Norte reeditado em 20 de junho de 1942 na revista O Cruzeiro eincluiacutedo no livro Talvez poesia) Segue para os Estados Unidos comodelegado do Diaacuterio de Pernambuco ao Congresso Panamericano deJornalistas Convidado para redator-chefe do mesmo jornal e para oficialde gabinete do governador eleito de Pernambuco entatildeo vice-presidenteda Repuacuteblica Colabora (artigos humoriacutesticos) na Revista do Brasil com opseudocircnimo de J J Gomes Sampaio Publica-se no Recife a conferecircncialida no ano anterior na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco Apropoacutesito de Dom Pedro II (ediccedilatildeo da Revista do Norte incluiacuteda em

1944 no livro Perfil de Euclides e outros perfis) Promove no Recife o 1o

Congresso Brasileiro de Regionalismo

1927

Assume o cargo de oficial de gabinete do novo governador dePernambuco Estaacutecio de Albuquerque Coimbra casado com a prima deAlfredo Freyre Joana Castelo Branco de Albuquerque Coimbra ConheceMaacuterio de Andrade no Recife e proporciona-lhe um passeio de lancha norio Capibaribe

1928

Dirige a pedido de Estaacutecio Coimbra o jornal A Proviacutencia onde passam acolaborar os novos escritores do Brasil Publica no mesmo jornal artigos ecaricaturas com diferentes pseudocircnimos Esmeraldino Oliacutempio AntocircnioRicardo Le Moine J Rialto e outros Lecirc Proust e Gide Nomeado pelogovernador Estaacutecio Coimbra por indicaccedilatildeo do diretor A Carneiro Leatildeotorna-se professor da Escola Normal do Estado de Pernambuco primeiracadeira de Sociologia que se estabelece no Brasil com modernaorientaccedilatildeo antropoloacutegica e pesquisas de campo

1930

Acompanhando Estaacutecio Coimbra ao exiacutelio visita novamente a Bahiaconhece parte do continente africano (Dacar Senegal) e inicia emLisboa as pesquisas e os estudos em que se basearia Casa-grande ampsenzala (ldquoEm outubro de 1930 ocorreu-me a aventura do exiacutelio Levou-me primeiro agrave Bahia depois a Portugal com escala pela Aacutefrica O tipo deviagem ideal para os estudos e as preocupaccedilotildees que este ensaio refleterdquocomo escreveraacute no prefaacutecio do mesmo livro)

1931

A convite da Universidade de Stanford segue para os Estados Unidoscomo professor extraordinaacuterio daquela universidade Volta no fim doano para a Europa permanecendo algum tempo na Alemanha emnovos contatos com seus museus de antropologia de onde regressa aoBrasil

1932

Continua no Rio de Janeiro as pesquisas para a elaboraccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em bibliotecas e arquivos Recusando convites paraempregos feitos pelos membros do novo governo brasileiro ndash um deles

Joseacute Ameacuterico de Almeida ndash vive entatildeo com grandes dificuldadesfinanceiras hospedando-se em casas de amigos e em pensotildees baratas doDistrito Federal Estimulado pelo seu amigo Rodrigo M F de Andradecontrata com o poeta Augusto Frederico Schmidt ndash entatildeo editor ndash apublicaccedilatildeo do livro por 500 mil-reacuteis mensais que recebe comirregularidades constantes Regressa ao Recife onde continua a escreverCasa-grande amp senzala na casa do seu irmatildeo Ulysses Freyre

1933

Conclui o livro enviando os originais ao editor Schmidt que o publica emdezembro

1934

Aparecem em jornais do Rio de Janeiro os primeiros artigos sobre Casa-grande amp senzala escritos por Yan de Almeida Prado Roquette-Pinto

Joatildeo Ribeiro e Agrippino Grieco todos elogiosos Organiza no Recife o 1o

Congresso de Estudos Afro-Brasileiros Recebe o precircmio da SociedadeFelipe drsquoOliveira pela publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Lecirc namesma sociedade conferecircncia sobre O escravo nos anuacutencios de jornal dotempo do Impeacuterio publicada na revista Lanterna Verde (v 2 fev1935) Regressa ao Recife e lecirc no dia 24 de maio na Faculdade deDireito e a convite de seus estudantes conferecircncia publicada no mesmoano pela Editora Momento O estudo das ciecircncias sociais nasuniversidades americanas Publica-se no Recife (Oficinas Graacuteficas ThePropagandist ediccedilatildeo de amigos do autor tiragem de apenas 105exemplares em papel especial e coloridos a matildeo por Luiacutes Jardim) o Guiapraacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife inaugurando emtodo o mundo um novo estilo de guia de cidade ao mesmo tempo liacutericoe informativo e um dos primeiros livros para biblioacutefilos publicados noBrasil Nomeado em dezembro diretor do Diaacuterio de Pernambuco cargoque exerceu por apenas quinze dias por causa da proibiccedilatildeo por AssisChateaubriand da publicaccedilatildeo de uma entrevista de Joatildeo Alberto Lins deBarros

1935

A pedido dos alunos da Faculdade de Direito do Recife e por designaccedilatildeodo ministro da Educaccedilatildeo inicia na referida escola superior um curso de

Sociologia com orientaccedilatildeo antropoloacutegica e ecoloacutegica Segue em setembropara o Rio de Janeiro onde a convite de Aniacutesio Teixeira dirige naUniversidade do Distrito Federal o primeiro Curso de Antropologia Sociale Cultural da Ameacuterica Latina (ver texto das aulas no livro Problemasbrasileiros de antropologia) Publica-se no Recife (Ediccedilotildees Mozart) olivro Artigos de jornal Profere a convite de estudantes paulistas deDireito no Centro XI de Agosto da Faculdade de Direito de Satildeo Paulo aconferecircncia Menos doutrina mais anaacutelise tendo sido saudado peloestudante Osmar Pimentel

1936

Publica-se no Rio de Janeiro (Companhia Editora Nacional v 64 daColeccedilatildeo Brasiliana) o livro que eacute uma continuaccedilatildeo da seacuterie iniciada comCasa-grande amp senzala Sobrados e mucambos Viagem agrave Europapermanecendo algum tempo na Franccedila e em Portugal

1937

Viaja de novo agrave Europa dessa vez como delegado do Brasil ao Congressode Expansatildeo Portuguesa no Mundo reunido em Lisboa Lecirc conferecircnciasnas Universidades de Lisboa Coimbra e Porto e na de Londres (KingrsquosCollege) publicadas no Rio de Janeiro no ano seguinte Regressa aoRecife e lecirc conferecircncia poliacutetica no Teatro Santa Isabel a favor dacandidatura de Joseacute Ameacuterico de Almeida agrave Presidecircncia da Repuacuteblica Aconvite de Paulo Bittencourt inicia colaboraccedilatildeo semanal no Correio daManhatilde Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Nordeste(aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordestedo Brasil)

1938

Eacute nomeado membro da Academia Portuguesa de Histoacuteria pelopresidente Oliveira Salazar Segue para os Estados Unidos como lenteextraordinaacuterio da Universidade de Coluacutembia onde dirige seminaacuterio sobresociologia e histoacuteria da escravidatildeo Publica-se no Rio de Janeiro (ServiccediloGraacutefico do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede) o livro Conferecircncia naEuropa

1939

Faz primeira viagem ao Rio Grande do Sul Segue depois para osEstados Unidos como professor extraordinaacuterio da Universidade deMichigan Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a primeira ediccedilatildeodo livro Accediluacutecar e no Recife (ediccedilatildeo do autor para biblioacutefilos) Olinda 2oguia praacutetico histoacuterico e sentimental de cidade brasileira Publica-seem Nova York (Instituto de las Espantildeas en los Estados Unidos) a obra dohistoriador Lewis Hanke Gilberto Freyre vida y obra

1940

A convite do governo portuguecircs lecirc no Gabinete Portuguecircs de Leitura doRecife a conferecircncia (publicada no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeoparticular) Uma cultura ameaccedilada a luso-brasileira E em Aracaju na

instalaccedilatildeo da 2a Reuniatildeo da Sociedade de Neurologia Psiquiatria eHigiene Mental do Nordeste lecirc conferecircncia publicada no ano seguintepela mesma sociedade no dia 29 de outubro na Biblioteca do Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores e a convite da Casa do Estudante do Brasilprofere conferecircncia sobre Euclides da Cunha publicada no anoseguinte no dia 19 de novembro na Biblioteca do Estado do Rio Grandedo Sul faz uma conferecircncia por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dobicentenaacuterio da cidade de Porto Alegre publicada em 1943 Participa do

3o Congresso Sul-Rio-Grandense de Histoacuteria e Geografia ao qualapresenta a pedido do historiador Dante de Laytano o trabalhoSugestotildees para o estudo histoacuterico-social do sobrado no Rio Grande doSul publicado no mesmo ano pela Editora Globo e incluiacutedoposteriormente no livro Problemas brasileiros de antropologiaPublica-se em Nova York (Columbia University Press) o opuacutesculo Someaspects of the social development on Portuguese America separata daobra coletiva Concerning Latin American culture Publicam-se no Riode Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Um engenheiro francecircs no Brasil eO mundo que o portuguecircs criou com longos prefaacuteciosrespectivamente de Paul Arbousse-Bastide e Antocircnio Seacutergio Prefacia eanota o Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier publicado no mesmoano pelo Serviccedilo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional

1941

Casa-se no Mosteiro de Satildeo Bento do Rio de Janeiro com a senhoritaMaria Magdalena Guedes Pereira Viaja ao Uruguai Argentina e

Paraguai Torna-se colaborador de La Nacioacuten (Buenos Aires) dosDiaacuterios Associados do Correio da Manhatilde e de A Manhatilde (Rio deJaneiro) Prefacia e anota as Memoacuterias de um Cavalcanti do seuparente Feacutelix Cavalcanti de Albuquerque Melo publicadas pelaCompanhia Editora Nacional (volume 196 da Coleccedilatildeo Brasiliana)Publica-se no Recife (Sociedade de Neurologia Psiquiatria e HigieneMental do Nordeste) a conferecircncia Sociologia psicologia e psiquiatriadepois ampliada e incluiacuteda no livro Problemas brasileiros deantropologia contribuiccedilatildeo para uma psiquiatria social brasileira queseria destacada pela Sorbonne ao doutouraacute-lo HC Publica-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) e em Buenos Aires a conferecircnciaAtualidade de Euclides da Cunha (incluiacuteda em 1944 no livro Perfil deEuclides e outros perfis) Ao ensejo da publicaccedilatildeo no Rio de Janeiro(Joseacute Olympio) do livro Regiatildeo e tradiccedilatildeo recebe homenagem degrande nuacutemero de intelectuais brasileiros com um almoccedilo no JoacutequeiClube em 26 de junho do qual foi orador o jornalista Dario de AlmeidaMagalhatildees

1942

Eacute preso no Recife por ter denunciado em artigo publicado no Rio deJaneiro atividades nazistas e racistas no Brasil inclusive as de um padrealematildeo a quem foi confiada pelo governo do estado de Pernambuco aformaccedilatildeo de jovens escoteiros Com seu pai reage agrave prisatildeo quandolevado para ldquoa imunda Casa de Detenccedilatildeo do Reciferdquo sendo solto no diaseguinte por interferecircncia direta de seu amigo general Goacutees MonteiroRecebe convite da Universidade de Yale para ser professor de FilosofiaSocial que natildeo pocircde aceitar Profere no Rio de Janeiro discurso comopadrinho de batismo de aviatildeo oferecido pelo jornalista AssisChateaubriand ao Aeroclube de Porto Alegre Eacute eleito para o ConselhoConsultivo da American Philosophical Association Eacute designado peloConselho da Faculdade de Filosofia da Universidade de Buenos AiresAdscrito Honoraacuterio de Sociologia e eleito membro correspondente daAcademia Nacional de Histoacuteria do Equador Discursa no Rio de Janeiroem nome do sr Samuel Ribeiro doador do aviatildeo Taylor agrave campanha deAssis Chateaubriand Publica-se em Buenos Aires (Comisioacuten Revisora de

Textos de Historia y Geografiacutea Americana) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em espanhol com introduccedilatildeo de Ricardo Saenz Hayes

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses e a 2a

ediccedilatildeo de Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife A

Casa do Estudante do Brasil divulga em 2a ediccedilatildeo a conferecircncia Umacultura ameaccedilada a luso-brasileira proferida no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife (1940)

1943

Visita a Bahia a convite dos estudantes de todas as escolas superiores doestado que lhe prestam excepcionais homenagens agraves quais se associaquase toda a populaccedilatildeo de Salvador Lecirc na Faculdade de Medicina daBahia a convite da Uniatildeo dos Estudantes Baianos a conferecircncia Emtorno de uma classificaccedilatildeo socioloacutegica e no Instituto Histoacuterico da Bahiapor iniciativa da Faculdade de Filosofia do mesmo estado a conferecircnciaA propoacutesito da filosofia social e suas relaccedilotildees com a sociologia histoacuterica(ambas incluiacutedas com os discursos proferidos nas homenagens recebidasna Bahia no livro Na Bahia em 1943 que teve quase toda a sua tiragemapreendida nas livrarias do Recife pela Poliacutecia do Estado dePernambuco) Recusa em carta altiva o convite para ser catedraacutetico deSociologia da Universidade do Brasil Inicia colaboraccedilatildeo no O Estado deS Paulo em 30 de setembro Por intermeacutedio do Itamaraty recebeconvite da Universidade de Harvard para ser seu professor que tambeacutem

recusa Publicam-se em Buenos Aires (Espasa-Calpe Argentina) as 1as

ediccedilotildees em espanhol de Nordeste e de Uma cultura ameaccedilada e a 2ana mesma liacutengua de Casa-grande amp senzala Publicam-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) o livro Problemas brasileiros deantropologia e o opuacutesculo Continente e ilha (conferecircncia lida em Porto

Alegre no ano de 1940 e incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo de Problemas brasileirosde antropologia) Publica-se tambeacutem no Rio de Janeiro (Livros dePortugal) uma ediccedilatildeo de As farpas de Ramalho Ortigatildeo e Eccedila de

Queiroacutes selecionadas e prefaciados por ele bem como a 4a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala livro publicado a partir desse ano pelo editorJoseacute Olympio

1944

Visita Alagoas e Paraiacuteba a convite de estudantes desses Estados Lecirc naFaculdade de Direito de Alagoas conferecircncia sobre Ulysses

Pernambucano publicada no ano seguinte Deixa de colaborar nosDiaacuterios Associados e em La Nacioacuten em virtude da violaccedilatildeo e do extravioconstantes de sua correspondecircncia Em 9 de junho de 1944 compareceagrave Faculdade de Direito do Recife a convite dos alunos dessa escola parauma manifestaccedilatildeo de regozijo em face da invasatildeo da Europa pelosExeacutercitos Aliados Lecirc em Fortaleza a conferecircncia Precisa-se do CearaacuteSegue para os Estados Unidos onde profere na Universidade do Estadode Indiana seis conferecircncias promovidas pela Fundaccedilatildeo Patten epublicadas no ano seguinte em Nova York no livro Brazil aninterpretation Publicam-se no Rio de Janeiro os livros Perfil de Euclidese outros perfis (Joseacute Olympio) Na Bahia em 1943 (ediccedilatildeo particular) e

a 2a ediccedilatildeo do guia Olinda A Casa do Estudante do Brasil publica noRio de Janeiro o livro Gilberto Freyre de Diogo Melo Menezes comprefaacutecio consagrador de Monteiro Lobato

1945

Toma parte ativa ao lado dos estudantes do Recife na campanha pelacandidatura do brigadeiro Eduardo Gomes agrave Presidecircncia da RepuacuteblicaFala em comiacutecios escreve artigos anima os estudantes na luta contra aditadura No dia 3 de marccedilo por ocasiatildeo do primeiro comiacutecio daquelacampanha no Recife comeccedila a discursar na sacada da redaccedilatildeo doDiaacuterio de Pernambuco quando tomba a seu lado assassinado pelaPoliacutecia Civil do Estado o estudante de Direito Demoacutecrito de Sousa FilhoA UDN oferece em sua representaccedilatildeo na futura Assembleia NacionalConstituinte um lugar aos estudantes do Recife que preferem que seurepresentante seja o bravo escritor A Poliacutecia Civil do Estado dePernambuco empastela e proiacutebe a circulaccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambucoimpedindo-o de noticiar a chacina em que morreram o estudanteDemoacutecrito e um popular Com o jornal fechado o retrato de Demoacutecrito eacuteinaugurado na redaccedilatildeo com memoraacutevel discurso de Gilberto FreyreQuiseram matar o dia seguinte (cf Diaacuterio de Pernambuco 10 de abrilde 1945) Em 9 de junho comparece agrave Faculdade de Direito do Recifecomo orador oficial da sessatildeo contra a ditadura Publicam-se no Recife(Uniatildeo dos Estudantes de Pernambuco) o opuacutesculo de sua autoria emapoio agrave candidatura de Eduardo Gomes Uma campanha maior doque a da aboliccedilatildeo e a conferecircncia lida no ano anterior em MaceioacuteUlysses Publica-se em Fortaleza (ediccedilatildeo do autor) a obra Gilberto

Freyre e alguns aspectos da antropossociologia no Brasil de autoriado meacutedico Aderbal Sales Publica-se em Nova York (Knopf) o livroBrazil an interpretation A Editora mexicana Fondo de CulturaEconoacutemica publica Interpretacioacuten del Brasil com orelhas escritas porAlfonso Reyes

1946

Eleito deputado federal segue para o Rio de Janeiro a fim de participarnos trabalhos da Assembleia Constituinte Em 17 de junho proferediscurso de criacuteticas e sugestotildees ao projeto da Constituiccedilatildeo publicado emopuacutesculo Discurso pronunciado na Assembleia Nacional Constituinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Em 22 de junho lecirc noTeatro Municipal de Satildeo Paulo a convite do Centro Acadecircmico XI deAgosto conferecircncia publicada no mesmo ano pela referida organizaccedilatildeoestudantil Modernidade e modernismo na arte poliacutetica (incluiacuteda em1965 no livro 6 conferecircncias em busca de um leitor) Em 16 de julhona Faculdade de Direito de Belo Horizonte a convite de seus alunosapresenta conferecircncia publicada no mesmo ano Ordem liberdademineiralidade (incluiacuteda em 1965 no livro 6 conferecircncias em busca deum leitor) Em agosto inicia colaboraccedilatildeo no Diaacuterio Carioca Em 29 deagosto profere na Assembleia Constituinte outro discurso de criacutetica ao

projeto da Constituiccedilatildeo (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica)Em novembro a Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dosDeputados indica com aplauso do escritor Jorge Amado membro daComissatildeo o nome de Gilberto Freyre para o Precircmio Nobel de Literaturade 1947 com o apoio de numerosos intelectuais brasileiros Publica-se no

Rio de Janeiro a 5a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala e em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo do mesmo livro em inglecircs The masters and theslaves

1947

Apresenta agrave Mesa da Cacircmara dos Deputados para ser dado como lidodiscurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joaquim Nabucopublicado no ano seguinte Em 22 de maio lecirc no auditoacuterio da AssociaccedilatildeoBrasileira de Imprensa a convite da Sociedade dos Amigos da Ameacutericaconferecircncia sobre Walt Whitman publicada no ano seguinte Trabalha

ativamente na Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dos

Deputados Eacute convidado para representar o Brasil no 19o Congresso dosPen Clubes Mundiais reunido em Zurique Publica-se em Londres a

ediccedilatildeo inglesa de The masters and the slaves em Nova York a 2a

impressatildeo de Brazil an interpretation e no Rio de Janeiro a ediccedilatildeobrasileira deste livro em traduccedilatildeo de Oliacutevio Montenegro Interpretaccedilatildeodo Brasil (Joseacute Olympio) Publica-se em Montevideacuteu a obra GilbertoFreyre y la sociologiacutea brasilentildea de Eduardo J Couture

1948

A convite da Unesco toma parte em Paris no conclave de oito notaacuteveiscientistas e pensadores sociais (Gurvitch Allport e Sullivan entre eles)reunidos pela referida Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por iniciativa doentatildeo diretor Julian Huxley para estudar as Tensotildees que afetam acompreensatildeo internacional trabalho em conjunto depois publicado eminglecircs e francecircs Lecirc no Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores a convite doInstituto Brasileiro de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Comissatildeo Nacionalda Unesco) conferecircncia sobre o conclave de Paris Repete na Escola deComando do Estado-Maior do Exeacutercito a conferecircncia lida no Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores Inicia em 18 de setembro sua colaboraccedilatildeo em OCruzeiro Em dezembro profere na Cacircmara dos Deputados discursojustificando a criaccedilatildeo do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

com sede no Recife (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Lecircno Museu de Arte de Satildeo Paulo duas conferecircncias uma sobre EmiacutelioCardoso Ayres e outra sobre d Veridiana Prado Apresenta mais umaconferecircncia na Escola de Comando do Estado-Maior do ExeacutercitoPublicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses no Brasil eos opuacutesculos O camarada Whitman (incluiacutedo em 1965 no livro 6conferecircncias em busca de um leitor) Joaquim Nabuco (incluiacutedo em

1966 na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) e Guerra paz e ciecircncia(este editado pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores) Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Notiacutecias

1949

Segue para os Estados Unidos a fim de participar na categoria de

ministro como delegado parlamentar do Brasil na 4a Conferecircncia

Internacional da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas Lecirc conferecircncias naUniversidade Catoacutelica da Ameacuterica (Washington DC) e na Universidadede Virgiacutenia Profere em 12 de abril na Associaccedilatildeo de Cultura Franco-Brasileira do Recife conferecircncia sobre Emiacutelio Cardoso Ayres (apenaspequeno trecho foi publicado no Bulletin da Associaccedilatildeo) Em 18 deagosto apresenta na Faculdade de Direito do Recife conferecircncia sobreJoaquim Nabuco na sessatildeo comemorativa do centenaacuterio de nascimentodo estadista pernambucano (incluiacuteda no livro Quase poliacutetica) Em 30 deagosto profere na Cacircmara dos Deputados discurso de saudaccedilatildeo aoVisconde Jowitt presidente da Cacircmara dos Lordes do Reino Unido daGratilde-Bretanha e Irlanda do Norte (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Nomesmo dia lecirc no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro conferecircnciasobre Joaquim Nabuco Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) aconferecircncia apresentada no ano anterior na Escola de Comando doEstado-Maior do Exeacutercito Naccedilatildeo e Exeacutercito (incluiacuteda em 1965 no livro6 conferecircncias em busca de um leitor)

1950

Profere na Cacircmara dos Deputados em 17 de janeiro discurso sobre opernambucano Joaquim Arcoverde primeiro cardeal da Ameacuterica Latinapor ocasiatildeo da passagem do primeiro centenaacuterio de seu nascimento(incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta na Cacircmara dos Deputados em5 de abril discurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joseacute VicenteMeira de Vasconcelos constituinte de 1891 (incluiacutedo em Quasepoliacutetica) Profere na Cacircmara dos Deputados em 28 de abril discurso dedefiniccedilatildeo de atitude na vida puacuteblica (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Discursa na Cacircmara dos Deputados em 2 de maio sobre o centenaacuterio damorte de Bernardo Pereira de Vasconcelos (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Profere na Cacircmara dos Deputados em 2 de junho discurso contraacuterio agraveemenda parlamentarista (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta naCacircmara dos Deputados em 26 de junho discurso no qual transmiteapelo que recebeu de trecircs parlamentares ingleses em favor de umgoverno supranacional (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Discursa naCacircmara dos Deputados em 8 de agosto sobre o centenaacuterio denascimento de Joseacute Mariano (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Profere noParque 13 de Maio do Recife discurso em favor da candidatura dodeputado Joatildeo Cleofas de Oliveira ao governo do estado de Pernambuco

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Em 11 de setembro iniciacolaboraccedilatildeo diaacuteria no Jornal Pequeno do Recife sob o tiacutetulo Linha defogo em prol da candidatura Joatildeo Cleofas ao governo do estado dePernambuco Profere em 8 de novembro na Cacircmara dos Deputadosdiscurso de despedida por natildeo ter sido reeleito para o periacuteodo seguinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Publica-se em Urbana(University of Illinois Press) a obra coletiva Tensions that cause warsem Paris em 1948 Contribuiccedilatildeo de Gilberto Freyre Internationalizing

social sciences Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo

do livro Quase poliacutetica e a 6a de Casa-grande amp senzala

1951

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seguinte ediccedilatildeo deNordeste e de Sobrados e mucambos (esta refundida e acrescida decinco novos capiacutetulos) A convite da Universidade de Londres escreveem inglecircs estudo sobre a situaccedilatildeo do professor no Brasil publicado nomesmo ano pelo Year book of education Publica-se em Lisboa (Livrosdo Brasil) a ediccedilatildeo portuguesa de Interpretaccedilatildeo do Brasil

1952

Lecirc na sala dos capelos da Universidade de Coimbra em 24 de janeiroconferecircncia publicada no mesmo ano pela Coimbra Editora Em tornode um novo conceito de tropicalismo Publica-se em Ipswich (Inglaterra)o opuacutesculo editado pela revista Progress de Londres com o ensaioHuman factors behind Brazilian development Publica-se no Recife(Ediccedilotildees Regiatildeo) o Manifesto regionalista de 1926 Publicam-se no Riode Janeiro (Serviccedilo de Documentaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Cultura) o opuacutesculo Joseacute de Alencar (Joseacute Olympio) e a 7a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em francecircs organizada pelo professor RogerBastide com prefaacutecio de Lucien Fegravebvre Maicirctres et esclaves (volume 4da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois) Viaja a Portugale agraves proviacutencias ultramarinas Em 16 de abril inicia colaboraccedilatildeo no DiaacuterioPopular de Lisboa e no Jornal do Comeacutercio do Recife

1953

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Aventura e

rotina (escritos durante a viagem a Portugal e agraves proviacutencias luso-asiaacuteticas ldquoagrave procura das constantes portuguesas de caraacuteter e accedilatildeordquo) eUm brasileiro em terras portuguesas (contendo conferecircncias ediscursos proferidos em Portugal e nas proviacutencias ultramarinas comextensa ldquoIntroduccedilatildeo a uma possiacutevel luso-tropicologiardquo)

1954

Escolhido pela Comissatildeo das Naccedilotildees Unidas para o estudo da situaccedilatildeoracial na uniatildeo sul-africana como o antropoacutelogo estrangeiro maiscapacitado a opinar sobre essa situaccedilatildeo visita o referido paiacutes e apresentaagrave Assembleia Geral da ONU um estudo publicado pela organizaccedilatildeo nessanaccedilatildeo em Elimination des conflits et tensions entre les races Publica-

se no Rio de Janeiro a 8a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala no Recife(Ediccedilotildees Nordeste) o opuacutesculo Um estudo do prof Aderbal Jurema e

em Milatildeo (Fratelli Bocca) a 1a ediccedilatildeo em italiano de Interpretazionedel Brasile Em agosto eacute encenada no Teatro Santa Isabel adramatizaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala feita por Joseacute CarlosCavalcanti Borges O professor Moacir Borges de Albuquerque defendeem concurso para provimento efetivo de uma das cadeiras de portuguecircsdo Instituto de Educaccedilatildeo de Pernambuco tese sobre Linguagem deGilberto Freyre

1955

Lecirc na sessatildeo inaugural do 4o Congresso Brasileiro de NeurologiaPsiquiatria e Higiene Mental conferecircncia sobre Aspectos da moderna

convergecircncia meacutedico-social e antropocultural (incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo deProblemas brasileiros de antropologia) Em 15 de maio profere noencerramento do curso de treinamento de professores rurais dePernambuco discurso publicado no ano seguinte Comparece como umdos quatro conferencistas principais (os outros foram o alematildeo VonWreie o inglecircs Ginsberg e o francecircs Davy) e na alta categoria de

convidado especial ao 3o Congresso Mundial de Sociologia realizado emAmsterdatilde no qual apresenta a comunicaccedilatildeo publicada em Louvain nomesmo ano pela Associaccedilatildeo Internacional de Sociologia Morals andsocial change Para discutir Casa-grande amp senzala e outras obrasideias e meacutetodos de Gilberto Freyre reuacutenem-se em Cerisy-LaSalle os

escritores e professores M Simon R Bastide G Gurvitch LeonBourdon Henri Gouhier Jean Duvignaud Tavares Bastos ClaraMauraux Nicolas Sombart e Maacuterio Pinto de Andrade talvez a maiorhomenagem jaacute prestada na Europa a um intelectual brasileiro os demaisseminaacuterios de Cerisy foram dedicados a filoacutesofos da histoacuteria comoToynbee e Heidegger Publicam-se no Recife (Secretaria de Educaccedilatildeo eCultura) os opuacutesculos Sugestotildees para uma nova poliacutetica no Brasil a

rurbana (incluiacutedo em 1966 na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) e Em torno

da situaccedilatildeo do professor no Brasil em Nova York (Knopf) a 2a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em inglecircs The masters and the slaves e em

Paris (Gallimard) a 1a ediccedilatildeo de Nordeste em francecircs Terres du sucre(volume 14 da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois)

1957

Lecirc em 4 de agosto na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de

Pernambuco em solenidade comemorativa do 25o aniversaacuterio defundaccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo conferecircncia publicada no mesmo anoArte ciecircncia social e sociedade Dirige em outubro curso sobreSociologia da Arte na mesma escola Colabora novamente no DiaacuterioPopular de Lisboa atendendo a insistentes convites do seu diretorFrancisco da Cunha Leatildeo Publicam-se no Recife os opuacutesculos Palavrasagraves professoras rurais do Nordeste (Secretaria de Educaccedilatildeo e Cultura doEstado de Pernambuco) e Importacircncia para o Brasil dos institutos depesquisa cientiacutefica (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) no

Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 2a ediccedilatildeo de Sociologia no Meacutexico(Editorial Cultural) o opuacutesculo A experiecircncia portuguesa no troacutepico

americano em Lisboa (Livros do Brasil) a 1a ediccedilatildeo portuguesa de Casa-grande amp senzala e a obra Gilberto Freyrersquos ldquolusotropicalismrdquo deautoria de Paul V Shaw (Centro de Estudos Poliacuteticos Sociais da Junta deInvestigaccedilotildees do Ultramar)

1958

Lecirc no Foacuterum Roberto Simonsen conferecircncia publicada no mesmo anopelo Centro e Federaccedilatildeo das Induacutestrias do Estado de Satildeo PauloSugestotildees em torno de uma nova orientaccedilatildeo para as relaccedilotildeesintranacionais no Brasil Publicam-se em Lisboa (Centro de Estudos

Poliacuteticos e Sociais da Junta de Investigaccedilotildees do Ultramar) o livro comtexto em portuguecircs e inglecircs Integraccedilatildeo portuguesa nostroacutepicosPortuguese integration in the tropics e no Rio de Janeiro

(Joseacute Olympio) a 9a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1959

Lecirc em abril conferecircncias no Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais iniciando e concluindo cursos de Ciecircncias Sociais promovidospelo referido oacutergatildeo Em julho apresenta na Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Gerais conferecircncia publicada pelamesma universidade no ano seguinte Publicam-se em Nova York(Knopf) New world in the tropics cujo texto conteacutem grandementeexpandido e praticamente reescrito o livro (publicado em 1945 pelomesmo editor) Brazil an interpretation na Guatemala (Editorial deMinisteacuterio de Educacioacuten Puacuteblica Joseacute de Pineda Ibarra) o opuacutesculo Emtorno a algunas tendencias actuales de la antropologiacutea no Recife(Arquivo Puacuteblico do Estado de Pernambuco) o opuacutesculo A propoacutesito deMouratildeo Rosa e Pimenta sugestotildees em torno de uma possiacutevel hispano-

tropicalologia no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo do livroOrdem e progresso (terceiro volume da Seacuterie Introduccedilatildeo agrave histoacuteriapatriarcal no Brasil iniciada com Casa-grande amp senzala continuadacom Sobrados e mucambos e finalizada com Jazigos e covas rasas livronunca concluiacutedo) e O velho Feacutelix e suas memoacuterias de um Cavalcanti

(2a ediccedilatildeo ampliada da introduccedilatildeo ao livro Memoacuterias de umCavalcanti publicado em 1940) em Salvador (Universidade da Bahia)o livro A propoacutesito de frades e o opuacutesculo Em torno de alguns tuacutemulosafrocristatildeos de uma aacuterea africana contagiada pela cultura brasileira eem Satildeo Paulo (Instituto Brasileiro de Filosofia) o ensaio A filosofia dahistoacuteria do Brasil na obra de Gilberto Freyre de autoria de Miguel Reale

1960

Viaja pela Europa nos meses de agosto e setembro lendo conferecircnciasem universidades francesas alematildes italianas e portuguesas Publicam-seem Lisboa (Livros do Brasil) o livro Brasis Brasil e Brasiacutelia em BeloHorizonte (ediccedilotildees da Revista Brasileira de Estudos Poliacuteticos) aconferecircncia Uma poliacutetica transnacional de cultura para o Brasil de hoje

no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o opuacutesculo Sugestotildees em torno doMuseu de Antropologia do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas

Sociais e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo do livro Olinda

1961

Em 24 de fevereiro recebe em sua casa de Apipucos a visita do escritornorte-americano Arthur Schlesinger Junior assessor e enviado especialdo presidente John F Kennedy Em 20 de abril profere na Faculdadede Medicina da Universidade Federal de Pernambuco uma conferecircnciasobre Homem cultura e troacutepico iniciando as atividades do Instituto deAntropologia Tropical criado naquela faculdade por sugestatildeo sua Em 25de abril eacute filmado e entrevistado em sua residecircncia pela equipe detelevisatildeo e cinema do Columbia Broadcasting System Em junho viaja aosEstados Unidos onde faz conferecircncia no Conselho Americano deSociedades Cientiacuteficas no Centro de Corning no Centro de Estudos deSanta Baacuterbara e nas Universidades de Princeton e Coluacutembia De volta aoBrasil recebe em agosto a pedido da Comissatildeo Educacional dos EstadosUnidos da Ameacuterica no Brasil (Comissatildeo Fulbright) para uma palestrainformal sobre problemas brasileiros os professores norte-americanos queparticipam do II Seminaacuterio de Veratildeo promovido pela referida comissatildeoEm outubro lecirc no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisquatro conferecircncias sobre sociologia da vida rural Ainda em outubro e aconvite dos corpos docente e discente da Escola de Engenharia daUniversidade Federal de Pernambuco lecirc na mesma escola trecircsconferecircncias sobre Trecircs engenharias inter-relacionadas a fiacutesica a sociale a chamada humana Viaja a Satildeo Paulo e lecirc em 27 de outubro noauditoacuterio da Academia Paulista de Letras sob os auspiacutecios do Instituto

Hans Staden conferecircncia intitulada Como e porque sou socioacutelogo Em 1o

de novembro apresenta no auditoacuterio da ABI e sob os auspiacutecios doInstituto Cultural Brasil-Alemanha conferecircncias sobre Harmonias edesarmonias na formaccedilatildeo brasileira Em dezembro segue para a Europapermanecendo trecircs semanas na Alemanha Ocidental para participarcomo representante do Brasil no encontro germano-hispacircnico desocioacutelogos Publicam-se em Toacutequio (Ministeacuterio da Agricultura do Japatildeoseacuterie de Guias para os emigrantes em paiacuteses estrangeiros) a ediccedilatildeojaponesa de New world in the tropics Atsuitai no sin sekai em Lisboa(Comissatildeo Executiva das Comemoraccedilotildees do V Centenaacuterio da Morte do

Infante D Henrique) ndash em portuguecircs francecircs e inglecircs ndash o livro O luso etroacutepico les Portugais et les tropiques e The portuguese and the tropics(ediccedilotildees separadas) no Recife (Imprensa Universitaacuteria) a obraSugestotildees de um novo contato com universidades europeias no Rio de

Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo brasileira de Sobrados e mucambos e

a 10a ediccedilatildeo brasileira (11a em liacutengua portuguesa) de Casa-grande ampsenzala

1962

Em fevereiro a Escola de Samba de Mangueira desfila no Carnaval doRio de Janeiro com enredo inspirado em Casa-grande amp senzala Emmarccedilo eacute eleito presidente do Comitecirc de Pernambuco do CongressoInternacional para a Liberdade da Cultura Em 10 de junho lecirc noGabinete Portuguecircs de Leitura do Rio de Janeiro a convite daFederaccedilatildeo das Associaccedilotildees Portuguesas do Brasil conferecircncia publicadano mesmo ano pela referida entidade O Brasil em face das Aacutefricas

negras e mesticcedilas Em agosto reuacutene-se em Porto Alegre o 1o Coloacutequio deEstudos Teuto-Brasileiros organizado por sugestatildeo sua Ainda em agostoeacute admitido pelo Presidente da Repuacuteblica como Comandante do Corpode Graduaccedilatildeo da Ordem do Meacuterito Militar Por iniciativa do BancoInteramericano de Desenvolvimento o professor Leopoldo Castedoprofere em Washington DC no curso Panorama da Civilizaccedilatildeo Ibero-Americana conferecircncia sobre La valorizacioacuten del tropicalismo en FreyreEm outubro torna-se editor-associado do Journal of InteramericanStudies Em novembro dirige na Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra um curso de seis liccedilotildees sobre Sociologia da Histoacuteria Ainda naEuropa lecirc conferecircncias em universidades da Franccedila da AlemanhaOcidental e da Espanha Em 19 de novembro recebe o grau de doutorhonoris causa pela Faculdade de Letras de Coimbra Publicam-se noRio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Talvez poesia e Vida forma e

cor a 2a ediccedilatildeo de Ordem e progresso e a 3a de Sociologia em SatildeoPaulo (Livraria Martins Editora) o livro Arte ciecircncia e troacutepico emLisboa (Livros do Brasil) as ediccedilotildees portuguesas de Aventura e rotina ede Um brasileiro em terras portuguesas no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) a obra coletiva Gilberto Freyre sua ciecircncia sua filosofia suaarte (ensaios sobre o autor de Casa-grande amp senzala e sua influecircncia

na moderna cultura do Brasil comemorativos do vigeacutesimo quintoaniversaacuterio de publicaccedilatildeo desse livro)

1963

Em 10 de junho inaugura-se no Teatro Santa Isabel do Recife umaexposiccedilatildeo sobre Casa-grande amp senzala organizada pelo colecionadorAbelardo Rodrigues Em 20 de agosto o governo de Pernambucopromulga a Lei Estadual no 4666 de iniciativa do deputado PauloRangel Moreira que autoriza a ediccedilatildeo popular pelo mesmo estado deCasa-grande amp senzala Publicam-se em The American ScholarChapel Hill (United Chapters of Phi Beta Kappa e University of NorthCaroline) o ensaio On the Iberian concept of time em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo de Sobrados e mucambos em inglecircs com introduccedilatildeode Frank Tannenbaum The mansions and the shanties (the making ofmodern Brazil) em Washington DC (Pan American Union) o livro

Brazil em Lisboa a 2a ediccedilatildeo do opuacutesculo Americanism and latinityAmerica (em inglecircs e francecircs) em Brasiacutelia (Editora Universidade de

Brasiacutelia) a 12a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala (13a ediccedilatildeoem liacutengua portuguesa) e no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o livro Oescravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculo XIX (reediccedilatildeomuito ampliada da conferecircncia lida em 1935 na Sociedade FelipedrsquoOliveira) O professor Thomas John OrsquoHalloran apresenta agrave GraduateSchool of Arts and Science da New York University dissertaccedilatildeo sobreThe life and master writings of Gilberto Freyre As Editoras A A

Knopf e Random House publicam em Nova York a 2a ediccedilatildeo (como livrode bolso) de New world in the tropics

1964

A convite do governo do estado de Pernambuco lecirc na Escola Normal domesmo estado em 13 de maio conferecircncia como orador oficial dasolenidade comemorativa do centenaacuterio de fundaccedilatildeo daquela EscolaRecebe em Natal em julho as homenagens da Fundaccedilatildeo Joseacute Augustopelo trigeacutesimo aniversaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzalaRecebe em setembro o Precircmio Moinho Santista para Ciecircncias SociaisViaja aos Estados Unidos e participa em dezembro como conferencistaconvidado do seminaacuterio latino-americano promovido pela Universidade

de Coluacutembia Publicam-se em Nova York (Knopf) uma ediccedilatildeo abreviada(paperback) de The masters and the slaves em Madri (separata daRevista de la Universidad de Madrid) o opuacutesculo De lo regional a louniversal en la interpretacioacuten de los complejos socioculturales no Recife(Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) em traduccedilatildeo deWaldemar Valente a tese universitaacuteria de 1922 Vida social no Brasil nosmeados do seacuteculo XIX e o opuacutesculo (Imprensa Universitaacuteria) O estadode Pernambuco e expressatildeo no poder nacional aspectos de um assuntocomplexo no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seminovela Dona Sinhaacute e

o filho padre o livro Retalhos de jornais velhos (2a ediccedilatildeoconsideravelmente ampliada de Artigos de jornal) o opuacutesculo AAmazocircnia brasileira e uma possiacutevel luso-tropicologia (Superintendecircncia

do Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia) e a 11a ediccedilatildeobrasileira de Casa-grande amp senzala Recusa convite do presidenteCastelo Branco para ser ministro da Educaccedilatildeo e Cultura

1965

Viaja a Campina Grande onde lecirc em 15 de marccedilo na Faculdade deCiecircncias Econocircmicas a conferecircncia (publicada no mesmo ano pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba) Como e porque sou escritor Participano Simpoacutesio sobre Problemaacutetica da Universidade Federal dePernambuco (marccediloabril) com uma conferecircncia sobre a conveniecircnciada introduccedilatildeo na mesma universidade de ldquoUm novo tipo de seminaacuterio(Tannenbaum)rdquo Viaja ao Rio de Janeiro onde recebe em cerimocircniarealizada no auditoacuterio de O Globo diploma com o qual o referido jornalhomenageou no seu quadrageacutesimo aniversaacuterio a vida e a obra dosNotaacuteveis do Brasil brasileiros vivos que ldquopor seu talento e capacidade detrabalho de todas as formas invulgares tenham tido uma decisivaparticipaccedilatildeo nos rumos da vida brasileira ao longo dos quarenta anosconjuntamente vividosrdquo Em 9 de novembro gradua-se in absentiadoutor pela Universidade de Paris (Sorbonne) em solenidade na qualtambeacutem foram homenageados outros saacutebios de categoria internacionalem diferentes campos do saber sendo a consagraccedilatildeo por obra que vinhaabrindo ldquonovos caminhos agrave filosofia e agraves ciecircncias do homemrdquo Aconsagraccedilatildeo cultural pela Sorbonne juntou-se agrave recebida dasUniversidades da Coluacutembia e de Coimbra e agraves quais se somaram as deSussex (Inglaterra) e Muumlnster (Alemanha) em solenidade prestigiada

por nove magniacuteficos reitores alematildees Publicam-se em Berlim

(Kiepenheur amp Witsch) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala emalematildeo Herrenhaus und Sklavenhuumltte (Ein Bild der BrasilianischenGesellschaft) no Recife (Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco) oopuacutesculo Forccedilas Armadas e outras forccedilas e no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) o livro 6 conferecircncias em busca de um leitor

1966

Viaja ao Distrito Federal a convite da Universidade de Brasiacutelia onde lecircem agosto seis conferecircncias sobre Futurologia assunto que foi o primeiroa desenvolver no Brasil Por solicitaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas apresenta aoUnited Nations Human Rights Seminar on Apartheid (realizado emBrasiacutelia de 23 de agosto a 5 de setembro) um trabalho de base sobre Racemixture and cultural interpenetration the Brazilian exampledistribuiacutedo na mesma ocasiatildeo em inglecircs francecircs espanhol e russo Porsugestatildeo sua inicia-se na Universidade Federal de Pernambuco oSeminaacuterio de Tropicologia de caraacuteter interdisciplinar e inspirado peloseminaacuterio do mesmo tipo iniciado na Universidade de Coluacutembia peloprofessor Frank Tannenbaum Publicam-se em Barnet Inglaterra Theracial factor in contemporary politics no Recife (governo do estado

de Pernambuco) o primeiro tomo da 14a ediccedilatildeo brasileira (15a em liacutenguaportuguesa) de Casa-grande amp senzala (ediccedilatildeo popular para sercomercializada a preccedilos acessiacuteveis de acordo com a Lei Estadual no4666 de 20 de agosto de 1963) e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a

13a ediccedilatildeo do mesmo livro

1967

Em 30 de janeiro lanccedilamento solene no Palaacutecio do Governo do Estadode Pernambuco do primeiro volume da ediccedilatildeo popular de Casa-grande amp senzala Em julho viaja aos Estados Unidos para receber noInstituto Aspen de Estudos Humaniacutesticos o Precircmio Aspen do ano (30mil doacutelares e isento de imposto sobre a renda) ldquopelo que haacute de originalexcepcional e de valor permanente em sua obra ao mesmo tempo defiloacutesofo escritor literaacuterio e antropoacutelogordquo Recebe o Nobel dos EstadosUnidos na presenccedila de embaixador enviado especial do presidenteLyndon B Johnson que se congratula com Gilberto Freyre pela honraria

na qual o autor foi precedido por apenas trecircs notabilidadesinternacionais o compositor Benjamin Britten a danccedilarina MarthaGraham e o urbanista Constantino Doxiadis por obras reveladoras deldquocriatividade genialrdquo Em dezembro lecirc na Academia Brasileira de Letrasno Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e no Instituto JoaquimNabuco de Pesquisas Sociais conferecircncias sobre Oliveira Lima emsessotildees solenes comemorativas do centenaacuterio de nascimento daquelehistoriador (ampliadas no livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo)Publicam-se em Lisboa (Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian) o livroSociologia da medicina em Nova York (Knopf) a traduccedilatildeo daldquoseminovelardquo Dona Sinhaacute e o filho padre Mother and son a Brazilian

tale no Recife (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) a 2a

ediccedilatildeo de Mucambos do Nordeste e a 3a ediccedilatildeo do ManifestoRegionalista de 1926 em Satildeo Paulo (Arquimedes Ediccedilotildees) o livro O

Recife sim Recife natildeo e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 4a

ediccedilatildeo de Sociologia

1968

Em 9 de janeiro lecirc no Palaacutecio do Governo do Estado de Pernambuco aprimeira da seacuterie de conferecircncias promovidas pelo governador do estadopara comemorar o centenaacuterio de nascimento de Oliveira Lima (incluiacutedano livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo publicado no mesmo anopela Imprensa da Universidade de Recife) Viaja agrave Argentina onde fazconferecircncia sobre Oliveira Lima na Universidade do Rosaacuterio e agraveAlemanha Ocidental onde recebe o tiacutetulo de Doutor Honoris Causapela Universidade de Muumlnster por sua obra comparada agrave de BalzacPublicam-se em Lisboa (Academia Internacional da Cultura Portuguesa)o livro em dois volumes Contribuiccedilatildeo para uma sociologia dabiografia (o exemplo de Luiacutes de Albuquerque governador de MatoGrosso no fim do seacuteculo XVII) no Distrito Federal (EditoraUniversidade de Brasiacutelia) o livro Como e porque sou e natildeo sou socioacutelogo

e no Rio de Janeiro (Record) as 2as ediccedilotildees dos livros Regiatildeo e tradiccedilatildeoe Brasis Brasil e Brasiacutelia Ainda no Rio de Janeiro publicam-se (Joseacute

Olympio) as 4as ediccedilotildees dos livros Guia praacutetico histoacuterico e sentimentalda cidade do Recife e Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimentalde cidade brasileira

1969

Recebe o Precircmio Internacional de Literatura La Madonnina porldquoincomparaacutevel agudeza na descriccedilatildeo de problemas sociais conferindo-lhes calor humano e otimismo bondade e sabedoriardquo atraveacutes de umaobra de ldquofulguraccedilotildees geniaisrdquo Lecirc conferecircncia no Conselho Federal deCultura em sessatildeo dedicada agrave memoacuteria de Rodrigo M F de Andrade AUniversidade Federal de Pernambuco lanccedila os dois primeiros volumesdo seminaacuterio de Tropicologia relativos ao ano de 1966 Troacutepico ampcolonizaccedilatildeo nutriccedilatildeo homem religiatildeo desenvolvimento educaccedilatildeo ecultura trabalho e lazer culinaacuteria populaccedilatildeo Lecirc no InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais quatro conferecircncias sobre Tiposantropoloacutegicos no romance brasileiro Publicam-se no Recife (InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) o ensaio Sugestotildees em torno daciecircncia e da arte da pesquisa social e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio)

a 15a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1970

Completa setenta anos de idade residindo na proviacutencia e trabalhandocomo se fosse um intelectual ainda jovem escrevendo livroscolaborando em jornais e revistas nacionais e estrangeiros dirigindocursos proferindo conferecircncias presidindo o conselho diretor eincentivando as atividades do Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais presidindo o Conselho Estadual de Cultura dirigindo o CentroRegional de Pesquisas Educacionais e o Seminaacuterio de Tropicologia daUniversidade Federal de Pernambuco comparecendo agraves reuniotildeesmensais do Conselho Federal de Cultura e atendendo a convites deuniversidades europeias e norte-americanas onde eacute sempre recebidocomo o embaixador intelectual do Brasil A Editora A A Knopf publicaem Nova York Order and progress com texto traduzido e refundidopor Rod W Horton

1971

Recebe a 26 de novembro em solenidade no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife e tendo como paraninfo o ministro Maacuterio GibsonBarbosa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal dePernambuco Discursa como orador oficial da solenidade deinauguraccedilatildeo pelo presidente Emiacutelio Garrastazu Meacutedici do Parque

Nacional dos Guararapes no Recife A rainha Elizabeth lhe confere otiacutetulo de Sir (Cavaleiro Comandante do Impeacuterio Britacircnico) e aUniversidade Federal do Rio de Janeiro o grau de Doutor HonorisCausa em filosofia Publicam-se a primeira ediccedilatildeo da Seleta para jovens(Joseacute Olympio) e a obra Noacutes e a Europa germacircnica (Grifo Ediccedilotildees)Continua a receber visitas de estrangeiros ilustres na sua casa deApipucos devendo-se destacar as de embaixadores do Reino UnidoFranccedila Estados Unidos Beacutelgica e as de Aldous Huxley GeorgeGurvitch Shelesky John dos Passos Jean Duvignaud Lincoln Gordon eRoberto Kennedy a quem oferece jantar a pedido desse visitante ACompanhia Editora Nacional publica em Satildeo Paulo como volume 348

de sua coleccedilatildeo Brasiliana a 1a ediccedilatildeo brasileira de Novo mundo nostroacutepicos

1972

Preside o Primeiro Encontro Inter-regional de Cientistas Sociais do Brasilrealizado em Fazenda Nova Pernambuco de 17 a 20 de janeiro sob osauspiacutecios do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais Recebe otiacutetulo de Cidadatildeo de Olinda conferido por Lei Municipal no 3774 de 8de marccedilo de 1972 e em sessatildeo solene da Assembleia Legislativa doEstado de Pernambuco a Medalha Joaquim Nabuco conferida pelaResoluccedilatildeo no 871 de 28 de abril de 1972 Em 14 de junho profere noInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais palestra sobre JoseacuteBonifaacutecio e no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais as duasprimeiras conferecircncias da seacuterie comemorativa do centenaacuterio de EstaacutecioCoimbra Em 15 de dezembro inaugura-se na Praia de Boa Viagem noRecife o Hotel Casa-grande amp senzala A Editora Giulio Einaudi publicaem Turim a ediccedilatildeo italiana de Casa-grande amp senzala (Case ecatatecchie)

1973

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo ldquopor obras notaacuteveis emsociologia e histoacuteriardquo e o Trofeacuteu Diaacuterios Associados pela ldquomaior distinccedilatildeoanual em artes plaacutesticasrdquo Realizam-se exposiccedilotildees de telas de sua autoriauma no Recife outra no Rio esta na residecircncia do casal Joseacute Maria doCarmo Nabuco com apresentaccedilatildeo de Alfredo Arinos de Mello FrancoPor decreto do presidente Meacutedici eacute reconduzido ao Conselho Federal

de Cultura Viaja a Angola em fevereiro A 10 de maio a convite daAssembleia Legislativa do Estado de Pernambuco profere discurso noCemiteacuterio de Santo Amaro diante do tuacutemulo de Joaquim Nabuco emcomemoraccedilatildeo ao Sesquicentenaacuterio do Poder Legislativo no Brasil Recebeem setembro em Joatildeo Pessoa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba Profere na Cacircmara dos Deputados em29 de novembro conferecircncia sobre Atuaccedilatildeo do Parlamento no Impeacuterio ena Repuacuteblica na seacuterie comemorativa do Sesquicentenaacuterio do PoderLegislativo no Brasil e na Universidade de Brasiacutelia palestra em inglecircspara o corpo diplomaacutetico sob o tiacutetulo de Some remarks on how and whyBrazil is different Em 13 de dezembro eacute operado pelo professorEuriacuteclides de Jesus Zerbini no Hospital da Beneficecircncia Portuguesa deSatildeo Paulo

1974

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo conferido pelo Centro deArtes Novo Mundo Faz sua primeira exposiccedilatildeo de pintura em Satildeo Paulocom quarenta telas adquiridas imediatamente A 15 de marccedilo o InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais comemora com exposiccedilatildeo e sessatildeosolene os quarenta anos da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em20 de julho profere no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisconferecircncia sobre a Importacircncia dos retratos para os estudantesbiograacuteficos o caso de Joaquim Nabuco A 29 de agosto a UniversidadeFederal de Pernambuco inaugura no saguatildeo da reitoria uma placacomemorativa dos quarenta anos de Casa-grande amp senzala A 12 deoutubro recebe a Medalha de Ouro Joseacute Vasconcelos outorgada pelaFrente de Afirmacioacuten Hispanista do Meacutexico para distinguir a cada anouma personalidade dos meios culturais hispano-americanos O cineastaGeraldo Sarno realiza documentaacuterio de cinco minutos intitulado Casa-grande amp senzala de acordo com uma ideia de Aldous Huxley Oeditor Alfred A Knopf publica em Nova York a obra The Gilberto FreyreReader

1975

Diante da violecircncia de uma enchente do rio Capibaribe em 17 e 18 dejulho lidera com Fernando de Mello Freyre diretor do InstitutoJoaquim Nabuco um movimento de estudo interdisciplinar sobre as

enchentes em Pernambuco Profere em 10 de outubro conferecircncia noClube Atleacutetico Paulistano sobre O Brasil como naccedilatildeo hispano-tropicalRecebe em 15 de outubro do Sindicato dos Professores do EnsinoPrimaacuterio e Secundaacuterio de Pernambuco e da Associaccedilatildeo dos Professoresdo Ensino Oficial o tiacutetulo de Educador do Ano por relevantes serviccedilosprestados agrave comunidade nordestina no campo da educaccedilatildeo e dapesquisa social Profere em 7 de novembro no Teatro Santa Isabel doRecife conferecircncia sobre o Sesquicentenaacuterio do Diaacuterio de PernambucoO Instituto do Accediluacutecar e do Aacutelcool lanccedila em 15 de novembro o Precircmio deCriatividade Gilberto Freyre para os melhores ensaios sobre aspectossocioeconocircmicos da zona canavieira do Nordeste Publicam-se no Rio deJaneiro suas obras Tempo morto e outros tempos O brasileiro entre osoutros hispanos (Joseacute Olympio) e Presenccedila do accediluacutecar na formaccedilatildeobrasileira (IAA)

1976

Viaja agrave Europa em setembro fazendo conferecircncias em Madri (Institutode Cultura Hispacircnica) e em Londres (Conselho Britacircnico) Eacutehomenageado com a esposa em Londres com banquete peloembaixador Roberto Campos e esposa (presentes vaacuterios dos seus amigosingleses como Lord Asa Briggs) Em Paris como hoacutespede do governofrancecircs eacute entrevistado pelo socioacutelogo Jean Duvignaud na raacutedio e natelevisatildeo francesas sobre Tendecircncias atuais da cultura brasileira Eacutehomenageado com banquete pelo diretor de Le Figaro seu amigoescritor e membro da Academia Francesa Jean drsquoOrmesson presentesRoger Caillois e outros intelectuais franceses Em Viena identifica mapasineacuteditos do Brasil no periacuteodo holandecircs existentes na Biblioteca Nacionalda Aacuteustria Na Espanha como hoacutespede do governo realiza palestra noInstituto de Cultura Hispacircnica presidido pelo Duque de Cadis EmLisboa eacute homenageado com banquete pelo secretaacuterio de estado deCultura com a presenccedila de intelectuais ministros e diplomatas Em 7 deoutubro lecirc em Brasiacutelia a convite do ministro da Previdecircncia Socialconferecircncia de encerramento do Seminaacuterio sobre Problemas de Idosos A

Livraria Joseacute Olympio Editora publica as 16a e 17a ediccedilotildees de Casa-

grande amp senzala e o IJNPS a 6a ediccedilatildeo do Manifesto regionalista Eacute

lanccedilada 2a ediccedilatildeo portuguesa em Lisboa de Casa-grande amp senzala

1977

Estreia em janeiro no Nosso Teatro (Recife) a peccedila Sobrados emucambos adaptada por Hermilo Borba Filho e encenada pelo GrupoTeatral Vivencial Recebe em fevereiro do embaixador Michel Legendrea faixa e as insiacutegnias de Comendador das Artes e Letras da FranccedilaProfere em marccedilo no Seminaacuterio de Tropicologia conferecircncia sobre ORecife eurotropical e na Cacircmara dos Deputados em Brasiacuteliaconferecircncia de encerramento do ciclo comemorativo do Bicentenaacuterio daIndependecircncia dos Estados Unidos Exibiccedilatildeo na Biblioteca MunicipalMaacuterio de Andrade em Satildeo Paulo de um documentaacuterio cinematograacuteficosobre sua vida e obra Da palavra ao desenho da palavra com debatesdos quais participam Freitas Marcondes Leo Gilson Ribeiro OsmarPimentel e Egon Schaden Profere conferecircncias na Cacircmara dosDeputados em Brasiacutelia em 19 de agosto sobre A terra o homem e aeducaccedilatildeo no Seminaacuterio sobre Ensino Superior promovido pela Comissatildeode Educaccedilatildeo e Cultura e no Teatro Joseacute de Alencar de Fortaleza em 24de setembro sobre O Nordeste visto atraveacutes do tempo Lanccedilamento emSatildeo Paulo em 10 de novembro do aacutelbum Casas-grandes amp senzalascom guaches de Ciacutecero Dias Apresenta no Arquivo Puacuteblico Estadual dePernambuco conferecircncia de encerramento do Curso sobre oSesquicentenaacuterio da Elevaccedilatildeo do Recife agrave Condiccedilatildeo de Capital sobre ORecife e a sua autobiografia coletiva Eacute acolhido como soacutecio honoraacuterio doPen Clube do Brasil Inicia em outubro colaboraccedilatildeo semanal na Folha deSPaulo A Livraria Joseacute Olympio Editora publica O outro amor do drPaulo seminovela continuaccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre AEditora Nova Aguilar publica em dezembro a Obra escolhida volumeem papel-biacuteblia que inclui Casa-grande amp senzala Nordeste e Novomundo nos troacutepicos com introduccedilatildeo de Antocircnio Carlos Villaccedilacronologia da vida e da obra e bibliografia ativa e passiva por Edson Nery

da Fonseca A Editora Ayacucho lanccedila em Caracas a 3a ediccedilatildeo emespanhol de Casa-grande amp senzala com introduccedilatildeo de Darcy RibeiroAs Ediciones Cultura Hispaacutenica publicam em Madri a ediccedilatildeo espanholada Seleta para jovens com o tiacutetulo de Antologiacutea A Editora Espasa-Calpe publica em Madri Maacutes allaacute de lo moderno com prefaacutecio de

Juliaacuten Mariacuteas A Livraria Joseacute Olympio Editora lanccedila a 5a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 18a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp

senzala

1978

Viaja a Caracas para proferir trecircs conferecircncias no Instituto de AssuntosInternacionais do Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores da Venezuela Abreno Arquivo Puacuteblico Estadual em 30 de marccedilo ciclo de conferecircnciassobre escravidatildeo e aboliccedilatildeo em Pernambuco fazendo Novasconsideraccedilotildees sobre escravos em anuacutencios de jornal em PernambucoProfere conferecircncia sobre O Recife e sua ligaccedilatildeo com estudosantropoloacutegicos no Brasil na instalaccedilatildeo da XI Reuniatildeo Brasileira deAntropologia no auditoacuterio da Universidade Federal de Pernambuco em7 de maio Em 22 de maio abre em Natal a I Semana de Cultura doNordeste Profere em Curitiba em 9 de junho conferecircncia sobre O Brasilem nova perspectiva antropossocial numa promoccedilatildeo da Associaccedilatildeo dosProfessores Universitaacuterios do Paranaacute em Cuiabaacute em 16 de setembroconferecircncia sobre A dimensatildeo ecoloacutegica do caraacuteter nacional naAcademia Paulista de Letras em 4 de dezembro conferecircncia sobre

Tropicologia e realidade social abrindo o 1o Seminaacuterio Internacional deEstudos Tropicais da Fundaccedilatildeo Escola de Sociologia e Poliacutetica Publica-seRecife amp Olinda com desenhos de Tom Maia e Thereza ReginaPublicam-se as seguintes obras Alhos e bugalhos (Nova Fronteira)Prefaacutecios desgarrados (Caacutetedra) Arte e ferro (Ranulpho Editora deArte) com pranchas de Lula Cardoso Ayres O Conselho Federal deCultura lanccedila Cartas do proacuteprio punho sobre pessoas e coisas do Brasil

e do estrangeiro A Editora Gallimard publica a 14a ediccedilatildeo de Maicirctreset esclaves na Coleccedilatildeo TEL A Livraria Editora Joseacute Olympio publica a

19a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala e a Fundaccedilatildeo Cultural

do Mato Grosso a 2a ediccedilatildeo de Introduccedilatildeo a uma sociologia dabiografia

1979

O Arquivo Estadual de Pernambuco publica em marccedilo a ediccedilatildeo fac-similar do Livro do Nordeste Participa no auditoacuterio da BibliotecaMunicipal de Satildeo Paulo em 30 de marccedilo da Semana do EscritorBrasileiro Recebe em Aracaju em 17 de abril o tiacutetulo de CidadatildeoSergipano outorgado pela Assembleia Legislativa de Sergipe Eacute

homenageado pelo 44o Congresso Mundial de Escritores do Pen ClubeInternacional reunido no Rio de Janeiro quando recebe a medalhaEuclides da Cunha sendo saudado pelo escritor Maacuterio Vargas LlosaRecebe o grau de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de CiecircnciasMeacutedicas da Fundaccedilatildeo do Ensino Superior de Pernambuco ndashUniversidade de Pernambuco em setembro Viaja agrave Europa em outubroProfere conferecircncia na Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian em 22 deoutubro sobre Onde o Brasil comeccedilou a ser o que eacute Abre o ciclo de

conferecircncias comemorativo do 20o aniversaacuterio da Sudene emdezembro falando sobre Aspectos sociais do desenvolvimento regionalRecebe nesse mecircs o Precircmio Caixa Econocircmica Federal da FundaccedilatildeoCultural do Distrito Federal pela obra Oh de casa Profere naUniversidade de Brasiacutelia conferecircncia sobre Joaquim Nabuco um novotipo de poliacutetico A Editora Artenova publica Oh de casa A EditoraCultrix publica Heroacuteis e vilotildees no romance brasileiro A MPMPropaganda publica Pessoas coisas amp animais em ediccedilatildeo natildeocomercial A Editora Ibrasa publica Tempo de aprendiz

1980

Em 24 de janeiro a Academia Pernambucana de Letras inicia ascomemoraccedilotildees do octogeacutesimo aniversaacuterio do autor com umaconferecircncia de Gilberto Osoacuterio de Andrade sobre Gilberto Freyre e otroacutepico Em 25 de janeiro a Codepe inicia seu Seminaacuterio Permanente deDesenvolvimento dedicando-o ao estudo da obra de Gilberto Freyre OArquivo Puacuteblico Estadual comemora a efemeacuteride em 26 e 27 defevereiro com duas conferecircncias de Edson Nery da Fonseca Recebe emSatildeo Paulo em 7 de marccedilo a medalha de Ordem do Ipiranga maiorcondecoraccedilatildeo do estado Em 26 de marccedilo recebe a medalha JoseacuteMariano da Cacircmara Municipal do Recife Por decreto de 15 de abril ogovernador do estado de Sergipe lhe confere o galardatildeo de Comendadorda Ordem do Meacuterito Aperipecirc Em homenagem ao autor satildeo realizadosdiversos eventos como missa cantada na Catedral de Satildeo Pedro dosCleacuterigos do Recife mandada celebrar pelo governo do estado dePernambuco sendo oficiante monsenhor Severino Nogueira e regente opadre Jayme Diniz Inauguraccedilatildeo na redaccedilatildeo do Diaacuterio dePernambuco de placa comemorativa da colaboraccedilatildeo de Gilberto Freyreiniciada em 1918 Almoccedilo na residecircncia de Fernando Freyre Open

house na vivenda Santo Antocircnio Sorteio de bilhete da Loteria Federalda Praccedila de Apipucos Desfile de clubes e blocos carnavalescos econcentraccedilatildeo popular em Apipucos Sessatildeo solene do CongressoNacional em 15 de abril agraves 15 horas para homenagear o escritor GilbertoFreyre pelo transcurso do seu octogeacutesimo aniversaacuterio Discursos dopresidente senador Luiacutes Viana Filho dos senadores Aderbal Jurema eMarcos Freire e do deputado Thales Ramalho Viaja a Portugal emjunho a convite da Cacircmara Municipal de Lisboa para participar nascomemoraccedilotildees do Quarto Centenaacuterio da Morte de Camotildees Profereconferecircncia A tradiccedilatildeo camoniana ante insurgecircncias e ressurgecircncias

atuais Eacute homenageado em 6 de julho durante a 32a Reuniatildeo Anual daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciecircncia realizada no Rio deJaneiro e em 25 de julho pelo XII Congresso Brasileiro de Liacutengua eLiteratura promovido pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro eUniversidade Federal do Rio de Janeiro Em 11 de agosto recebe doembaixador Hansjorg Kastl a Gratilde-Cruz do Meacuterito da RepuacuteblicaFederativa da Alemanha Ainda em agosto eacute homenageado pelo IVSeminaacuterio Paraibano de Cultura Brasileira Recebe o tiacutetulo de CidadatildeoBenemeacuterito de Joatildeo Pessoa outorgado pela Cacircmara Municipal da capitalparaibana Recebe o tiacutetulo do soacutecio honoraacuterio do Instituto Histoacuterico eGeograacutefico da Paraiacuteba Em 2 de setembro eacute homenageado pelo PenClube do Brasil com um painel sobre suas ideias no auditoacuterio do Palaacutecioda Cultura no Rio de Janeiro Encenaccedilatildeo no Teatro Satildeo Pedro de SatildeoPaulo da peccedila de Joseacute Carlos Cavalcanti Borges Casa-grande ampsenzala sob a direccedilatildeo de Miroel Silveira pelo grupo teatral da Escola deComunicaccedilatildeo e Artes da USP Em 10 de outubro apresenta conferecircnciada Fundaccedilatildeo Luisa e Oscar Americano de Satildeo Paulo sobre Imperialismocultural do Conde Mauriacutecio De 13 a 17 de outubro profere simpoacutesiointernacional promovido pela Universidade de Brasiacutelia e pelo Ministeacuterioda Educaccedilatildeo e Cultura com a participaccedilatildeo como conferencistas dohistoriador social inglecircs Lord Asa Briggs do filoacutesofo espanhol JuliaacutenMariacuteas do poeta e ensaiacutesta portuguecircs David Mouratildeo-Ferreira doantropoacutelogo francecircs Jean Duvignaud e do historiador mexicano SilvioZavala Recebe o Precircmio Jabuti de Satildeo Paulo em 28 de outubroRecebe em 11 de dezembro o grau de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Catoacutelica de Pernambuco Em 12 de dezembro recebe oPrecircmio Moinho Recife Satildeo publicadas diversas obras do autor como o

aacutelbum Gilberto poeta algumas confissotildees com serigrafias de AldemirMartins Jenner Augusto Lula Cardoso Ayres Reynaldo Fonseca eWellington Virgolino e posfaacutecio de Joseacute Paulo Moreira da Fonseca(Ranulpho Editora de Arte) Poesia reunida (Ediccedilotildees Pirata Recife)

20a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala com prefaacutecio do

ministro Eduardo Portella 5a ediccedilatildeo de Olinda 3a ediccedilatildeo da Seleta

para jovens 2a ediccedilatildeo brasileira de Aventura e rotina (todas pela

Editora Joseacute Olympio) e a 2a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios dejornais brasileiros do seacuteculo XIX (Companhia Editora Nacional) AEditora Greenwood Press de Westport Conn publica sem autorizaccedilatildeodo autor a reimpressatildeo de New world in the tropics

1981

A Classe de Letras da Academia de Ciecircncias de Lisboa reuacutene-se emfevereiro para a comunicaccedilatildeo do escritor David Mouratildeo-Ferreira sobreGilberto Freyre criador literaacuterio Encenaccedilatildeo em marccedilo no Teatro SantaIsabel da peccedila-baleacute de Rubens Rocha Filho Tempos perdidos nossostempos Em 25 de marccedilo o autor recebe do embaixador Jean Beliard arosette de Oficial da Leacutegion drsquoHonneur Inauguraccedilatildeo de seu retrato em21 de abril no Museu do Trem da Superintendecircncia Regional da RedeFerroviaacuteria Federal Em 29 de abril o Conselho Municipal de Culturalanccedila no Palaacutecio do Governo um aacutelbum de desenhos de sua autoriaInauguraccedilatildeo em 7 de maio no Museu Nacional da Quinta da Boa Vistada ediccedilatildeo quadrinizada de Casa-grande amp senzala numa promoccedilatildeo daUniversidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional e EditoraBrasil-Ameacuterica Profere conferecircncia em 15 de maio no auditoacuterio BeniacutecioDias da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco sobre Atualidade de Lima BarretoViaja agrave Espanha em outubro para tomar posse no Conselho Superior doInstituto de Cooperaccedilatildeo Ibero-Americana nomeado pelo rei Joatildeo CarlosI

1982

Recebe em janeiro a medalha comemorativa dos trinta anos do ConselhoNacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico (CNPq) Proferena Academia Pernambucana de Letras conferecircncia sobre Luiacutes Jardimautodidata comemorativa do octogeacutesimo aniversaacuterio do pintor e

escritor pernambucano Na abertura do III Congresso Afro-Brasileiro em20 de setembro apresenta conferecircncia no teatro Santa Isabel Emsetembro eacute entrevistado pela Rede Bandeirantes de Televisatildeo noprograma Canal Livre Recebe do embaixador Javier Vallaure naEmbaixada da Espanha em Brasiacutelia a Gratilde-Cruz de Alfonso El Sabio(outubro) e no auditoacuterio do Palaacutecio da Cultura em 9 de novembroconferecircncia sobre Villa-Lobos revisitado Profere no Nacional Club de SatildeoPaulo em 11 de novembro conferecircncia sobre Brasil entre passados uacuteteise futuros renovados A Editora Massangana publica Rurbanizaccedilatildeo oque eacute A Editora Klett-Cotta de Stuttgart publica a primeira ediccedilatildeoalematilde de Das Land in der Stadt Die Entwicklung der urbanemGesellschaft Brasiliens (Sobrados e mucambos) e a segunda deHerrenhaus und Sklavenhuumltte (Casa-grande amp senzala)

1983

Iniciam-se em 21 de marccedilo ndash Dia Internacional das Naccedilotildees UnidasContra a Discriminaccedilatildeo Racial ndash as comemoraccedilotildees do cinquentenaacuterio dapublicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala com sessatildeo solene no auditoacuterioBeniacutecio Dias presidida pelo governador Roberto Magalhatildees e com apresenccedila da ministra da Educaccedilatildeo Esther de Figueiredo Ferraz e dodiretor-geral da Unesco Amadou MrsquoBow que lhe entrega a medalhaHomenagem da Unesco Recebe em 15 de abril da Associaccedilatildeo Brasileirade Relaccedilotildees Puacuteblicas Seccedilatildeo de Pernambuco o Trofeacuteu Integraccedilatildeo pordestaque cultural de 1982 Em abril expotildee seus uacuteltimos desenhos epinturas na Galeria Aloiacutesio Magalhatildees Viaja a Lisboa em 25 de outubropara receber do ministro dos Negoacutecios Estrangeiros a Gratilde-Cruz deSantiago da Espada Em 27 de outubro participa de sessatildeo solene daAcademia de Ciecircncias de Lisboa e da Academia Portuguesa de Histoacuteriacomemorativa do cinquentenaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande ampsenzala A Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian promove em Lisboa um ciclode conferecircncias sobre Casa-grande amp senzala (2 de novembro a 4 dedezembro) Eacute homenageado pela Feira Internacional do Livro do Rio deJaneiro em 9 de novembro O Seminaacuterio de Tropicologia reuacutene-se em29 de novembro para a conferecircncia de Edson Nery da Fonsecaintitulada Gilberto Freyre cultura e troacutepico Recebe em 7 de dezembrono Liceu Literaacuterio Portuguecircs do Rio de Janeiro a Gratilde-Cruz da OrdemCamoniana A Editora Massangana publica Apipucos que haacute num

nome a Editora Globo lanccedila Insurgecircncias e ressurgecircncias atuais e

Meacutedicos doentes e contextos sociais (2a ediccedilatildeo de Sociologia damedicina) Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco de 19 a 30 desetembro um ciclo de conferecircncias comemorativo dos cinquenta anosde Casa-grande amp senzala promovido com apoio do governo do estadoe de outras entidades pernambucanas (anais editados por Edson Neryda Fonseca e publicados em 1985 pela Editora Massangana Novasperspectivas em Casa-grande amp senzala) A Joseacute Olympio Editorapublica no Rio de Janeiro o livro de Edilberto Coutinho A imaginaccedilatildeodo real uma leitura da ficccedilatildeo de Gilberto Freyre tese de doutoramentodefendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro A Editora Recordlanccedila no Rio de Janeiro Homens engenharias e rumos sociais

1984

Lanccedilamento em 20 de janeiro de selo postal comemorativo docinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Viaja a Salvador em 14 demarccedilo para receber homenagem do governo do estado pelocinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Inauguraccedilatildeo no Museu deArte Moderna da Bahia da exposiccedilatildeo itinerante sobre a obraConferecircncia de Edson Nery da Fonseca sobre Gilberto Freyre Casa-grande amp senzala e a Bahia Convidado pelo governador TancredoNeves profere em Ouro Preto em 21 de abril o discurso oficial daSemana da Inconfidecircncia Profere em 8 de maio na antiga Reitoria daUFRJ conferecircncia sobre Alfonso X o saacutebio ponte de culturas Recebeda Uniatildeo Cultural Brasil-Estados Unidos em 7 de junho a medalha demerecimento por serviccedilos relevantes prestados agrave aproximaccedilatildeo entre oBrasil e os Estados Unidos Em 8 de junho profere conferecircncia no ClubeAtleacutetico Paulistano sobre Camotildees vocaccedilatildeo de antropoacutelogo modernopromovida pelo Conselho da Comunidade Portuguesa de Satildeo Paulo Emsetembro o Baleacute Studio Um realiza no Recife o espetaacuteculo de danccedilaCasa-grande amp senzala sob a direccedilatildeo de Eduardo Gomes e com muacutesicade Egberto Gismonti Recebe a Medalha Picasso da Unesco desenhadapor Juan Miroacute em comemoraccedilatildeo do centenaacuterio do pintor espanhol Emsetembro homenageado por Richard Civita no Hotel 4 Rodas de Olindacom banquete presidido pelo governador Roberto Magalhatildees e entregade passaportes para o casal se hospedar em qualquer hotel da redeParticipa na Arquidiocese do Rio de Janeiro em outubro do Congresso

Internacional de Antropologia e Praacutexis debatedor do tema Cultura eredenccedilatildeo desenvolvido por D Paul Poupard Eacute homenageado noTeatro Santa Isabel do Recife em 31 de novembro pelo cinquentenaacuterio

do 1o Congresso Afro-Brasileiro ali realizado em 1934 Lecirc no Museu deArte Sacra de Pernambuco (Olinda) a conferecircncia Cultura e museuspublicada no ano seguinte pela Fundarpe Convidado pelo Conselho daComunidade Portuguesa do Estado de Satildeo Paulo lecirc no Clube AtleacuteticoPaulistano em 8 de junho (Dia de Portugal) a conferecircncia Camotildeesvocaccedilatildeo de antropoacutelogo moderno publicada no mesmo ano peloconselho

1985

Recebe da Fundaccedilatildeo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico de Pernambuco(Fundarpe) a Homenagem agrave Cultura Viva de Pernambuco em 18 demarccedilo Viaja em maio aos Estados Unidos para receber na BaylorUniversity o precircmio consagrador de notaacuteveis triunfos (DistinguishedAchievement Award) Profere em 21 de maio na Harvard Universityconferecircncia sobre My first contacts with american intellectual lifepromovida pelo Departamento de Liacutenguas e Literaturas Romacircnicas epela Comissatildeo de Estudos Latino-Americanos e Ibeacutericos Realizaexposiccedilatildeo na Galeria Metropolitana Aloiacutesio Magalhatildees do RecifeDesenhos a cor figuras humanas e paisagens Recebe em agosto o graude Doutor Honoris Causa em Direito e em Letras pela UniversidadeClaacutessica de Lisboa Eacute nomeado em setembro pelo presidente daRepuacuteblica para compor a Comissatildeo de Estudos Constitucionais Recebeo tiacutetulo de Cidadatildeo de Manaus em 6 de setembro Profere em 29 deoutubro conferecircncia na inauguraccedilatildeo do Instituto Brasileiro de AltosEstudos (Ibrae) de Satildeo Paulo subordinada ao tiacutetulo Agrave beira do seacuteculoXX Em 20 de novembro eacute apresentado no Cine Bajado de Olinda ofilme de Kaacutetia Mesel Oh de casa Em dezembro viaja a Satildeo Paulo sendohospitalizado no Incor para cirurgia de um divertiacuteculo de Zenkel (heacuternia

de esocircfago) A Joseacute Olympio Editora publica a 7a ediccedilatildeo de Sobrados e

mucambos e a 5a ediccedilatildeo de Nordeste Por iniciativa do Centro deEstudos Latino-Americanos da Universidade da Califoacuternia em LosAngeles a editora da universidade publica em Berkeley reediccedilotildees embrochuras do mesmo formato The masters and the slaves The

mansions and the shanties e Order and progress com introduccedilotildees deDavid H E Mayburt-Lewis e Ludwig Lauerhass Jr respectivamente

1986

Em janeiro submete-se a uma cirurgia do esocircfago para retirada de umdivertiacuteculo de Zenkel no Incor Regressa ao Recife em 16 de janeirodizendo ldquoagora estou em casa meu Apipucosrdquo Em 22 de fevereiroretorna a Satildeo Paulo para uma cirurgia de proacutestata no Incor realizada em24 de fevereiro Recebe em 24 de abril em sua residecircncia de Apipucosdo embaixador Bernard Dorin a comenda de Grande Oficial da Legiatildeode Honra no grau de Cavaleiro Em maio eacute agraciado com o PrecircmioCavalo-Marinho da Empitur Em agosto recebe o tiacutetulo de Cidadatildeo deAracaju Em 24 de outubro reencontra-se no Recife com a danccedilarinaKatherine Dunhm Em 28 de outubro eacute eleito para ocupar a cadeira 23da Academia Pernambucana de Letras vaga com a morte de GilbertoOsoacuterio de Andrade Toma posse em 11 de dezembro na AcademiaPernambucana de Letras Recebe em 16 de dezembro o tiacutetulo dePesquisador Emeacuterito do Instituto de Pesquisas Sociais da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco Publica-se em Budapeste a ediccedilatildeo huacutengara de Casa-grande amp senzala Udvarhaacutez es szolgaszaacutellaacutes A professora EacutelideRugai Bastos defende na Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo(PUC) a tese de doutoramento Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo dasociedade brasileira orientada pelo professor Octavio Ianni A AacuteriesEditora publica em Satildeo Paulo o livro de Pietro Maria Bardi Ex-votos deMaacuterio Cravo e a Editora Creficullo lanccedila o livro do mesmo autor 40anos de Masp ambos prefaciados por Gilberto Freyre

1987

Instituiccedilatildeo em 11 de marccedilo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 demarccedilo recebe em Apipucos a visita do presidente Maacuterio Soares Em 7 deabril submete-se a uma cirurgia para implantaccedilatildeo de marca-passo noIncor do Hospital Portuguecircs Em 18 de abril Saacutebado Santo recebe de dBasiacutelio Penido OSB os sacramentos da Reconciliaccedilatildeo da Eucaristia e daUnccedilatildeo dos Enfermos Morre no Hospital Portuguecircs agraves 4 horas de 18 dejulho aniversaacuterio de Magdalena Sepultamento no Cemiteacuterio de SantoAmaro agraves 18 horas com discurso do ministro Marcos Freire Em 20 dejulho o senador Afonso Arinos ocupa a tribuna da Assembleia Nacional

Constituinte para homenagear sua memoacuteria Em 19 de julho o jornalABC de Madri publica um artigo de Juliaacuten Mariacuteas Adioacutes a um brasilentildeouniversal Em 24 de julho missas concelebradas no Recife por d JoseacuteCardoso Sobrinho e d Heber Vieira da Costa OSB e em Brasiacutelia por dHildebrando de Melo e pelos vigaacuterios da catedral e do Palaacutecio daAlvorada com coral da Universidade de Brasiacutelia Missa celebrada noseminaacuterio com canto gregoriano a cargo das Beneditinas de SantaGertrudes de Olinda A Editora Record publica Modos de homem e

modas de mulher e a 2a ediccedilatildeo de Vida forma e cor Assombraccedilotildees doRecife Velho e Perfil de Euclides e outros perfis a Joseacute Olympio

Editora a 25a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala O Ciacuterculo doLivro lanccedila nova ediccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre e a EditoraMassangana publica Pernambucanidade consagrada (discursos deGilberto Freyre e Waldemar Lopes na Academia Pernambucana deLetras) Ciclo de conferecircncias promovido pela Fundaccedilatildeo JoaquimNabuco em memoacuteria de Gilberto Freyre tendo como conferencistasJuliaacuten Mariacuteas Adriano Moreira Maria do Carmo Tavares de Miranda eJoseacute Antocircnio Gonsalves de Mello (convidado deixou de vir por motivode doenccedila o antropoacutelogo Jean Duvignaud) Ciclo de conferecircnciaspromovido em Maceioacute pelo governo do estado de Alagoas a cargo deMaria do Carmo Tavares de Miranda Odilon Ribeiro Coutinho e JoseacuteAntocircnio Gonsalves de Mello Homenagem do Conselho Latino-Americano de Ciecircncias Sociais na abertura de sua XIV Assembleia Geralrealizada no Recife de 16 a 21 de novembro A editora mexicana Fondo

de Cultura Econoacutemica publica a 2a ediccedilatildeo como livro de bolso deInterpretacioacuten del Brasil A revista Ciecircncia e Cultura publica em seunuacutemero de setembro o necroloacutegio de Gilberto Freyre solicitado por MariaIsaura Pereira de Queiroz a Edson Nery da Fonseca

1988

Em convecircnio com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e sob os auspiacutecios doGrupo Gerdau a Editora Record publica no Rio de Janeiro a obrapoacutestuma Ferro e civilizaccedilatildeo no Brasil

1989

Em sua 26a ediccedilatildeo Casa-grande amp senzala passa a ser publicada pela

Editora Record ateacute a 46a ediccedilatildeo em 2002

1990

A Fundaccedilatildeo das Artes e a Empresa Graacutefica da Bahia publicam emSalvador Bahia e baianos obra poacutestuma organizada e prefaciada por

Edson Nery da Fonseca A Editora Klett-Cotta lanccedila em Stuttgart a 2a

ediccedilatildeo alematilde de Sobrados e mucambos (Das land in der Sdadt)Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o seminaacuterio O cotidiano emGilberto Freyre organizado por Faacutetima Quintas (anais publicados nomesmo ano pela Editora Massangana)

1994

A Cacircmara dos Deputados publica como volume 39 de sua Coleccedilatildeo PerfisParlamentares Discursos parlamentares de Gilberto Freyre textoorganizado anotado e prefaciado por Vamireh Chacon A Editora Agirpublica no Rio de Janeiro a antologia Gilberto Freyre organizada porEdilberto Coutinho como volume 117 da Coleccedilatildeo Nossos Claacutessicos dirigidapor Pedro Lyra A Editora 34 publica no Rio de Janeiro a tese dedoutoramento de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo Guerra e paz Casa-grande amp senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30

1995

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco a semana de estudoscomemorativos dos 95 anos de Gilberto Freyre com conferecircnciasreunidas e apresentadas por Faacutetima Quintas na obra coletiva A obra emtempos vaacuterios publicada em 1999 pela Editora Massangana AFundaccedilatildeo de Cultura da Cidade do Recife e a Imprensa Universitaacuteria daUniversidade Federal de Pernambuco publicam no Recife Novasconferecircncias em busca de leitores obra poacutestuma organizada eprefaciada por Edson Nery da Fonseca A Editora Massangana publica olivro de Sebastiatildeo Vila Nova Sociologias e poacutes-sociologia em GilbertoFreyre

1996

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o simpoacutesio Que somos noacutesorganizado por Maria do Carmo Tavares de Miranda em comemoraccedilatildeo

aos sessenta anos de Sobrados e mucambos (anais publicados pelaEditora Massangana em 2000)

1997

Comemorando seu septuageacutesimo quinto aniversaacuterio a revista norte-americana Foreign Affairs publica o resultado de um inqueacuteritodestinado agrave escolha de 62 obras ldquoque fizeram a cabeccedila do mundo apartir de 1922rdquo Casa-grande amp senzala eacute apontada como uma delaspelo professor Kenneth Maxwell A Companhia das Letras publica em

Satildeo Paulo a 4a ediccedilatildeo de Accediluacutecar livro reimpresso em 2002 por iniciativada Usina Petribu

1999

Por iniciativa da Fundaccedilatildeo Oriente da Universidade da Beira Interior eda Sociedade de Geografia de Lisboa iniciam-se em Portugal ascomemoraccedilotildees do centenaacuterio de nascimento de Gilberto Freyre com ocoloacutequio realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa de 11 e 12 defevereiro Lusotropicalismo revisitado sob a direccedilatildeo dos professoresAdriano Moreira e Joseacute Carlos Venacircncio A Fundaccedilatildeo Oriente institui umprecircmio anual de um milhatildeo de escudos para ldquogalardoar trabalhos deinvestigaccedilatildeo na aacuterea da perspectiva gilbertiana sobre o Orienterdquo Ascomemoraccedilotildees pernambucanas satildeo iniciadas em 14 de marccedilo com missasolene concelebrada na Basiacutelica do Mosteiro de Satildeo Bento de Olindacom canto gregoriano pelas Beneditinas Missionaacuterias da Academia Santa

Gertrudes Pelo Decreto no 21403 de 7 de maio o governador dePernambuco declara no acircmbito estadual Ano Gilberto Freyre 2000Pelo Decreto de 13 de julho o presidente da Repuacuteblica institui o ano2000 como Ano Gilberto Freyre A UniverCidade do Rio de Janeiroinstitui por sugestatildeo da Editora Topbooks o precircmio de 20 mil doacutelarespara o melhor ensaio sobre Gilberto Freyre

2000

Por iniciativa da TV Cultura de Satildeo Paulo satildeo elaborados os filmesGilbertianas I e II dirigidos pelo cineasta Ricardo Miranda com acolaboraccedilatildeo do antropoacutelogo Raul Lody Em 13 de marccedilo ocorre olanccedilamento nacional da produccedilatildeo numa promoccedilatildeo do Shopping CenterRecifeUCI CinemasWeston Taacutexi Aeacutereo Em 21 de marccedilo eacute lanccedilada na

sala Calouste Gulbenkian da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco no Nuacutecleo deEstudos Freyrianos no governo do estado de Pernambuco na Sudene eno Ministeacuterio da Cultura Por iniciativa do Canal GNT VideoFilmes eRegina Filmes o cineasta Nelson Pereira dos Santos dirige quatrodocumentaacuterios intitulados geneacutericos de Casa-grande amp senzala tendoEdson Nery da Fonseca como corroteirista e narrador Filmados noBrasil em Portugal e na Universidade de Coluacutembia em Nova York oprimeiro O Cabral moderno exibido pelo canal GNT a partir de 21 deabril Os demais A cunhatilde matildee da famiacutelia brasileira O portuguecircscolonizador dos troacutepicos e O escravo na vida sexual e de famiacutelia dobrasileiro satildeo exibidos pelo mesmo canal a partir de 2001 As Editoras

Letras e Expressotildees e Abregraph publicam a 2a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em quadrinhos com ilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues

colorizadas por Noguchi A Editora Topbooks lanccedila a 2a ediccedilatildeo brasileirade Novo mundo nos troacutepicos prefaciada por Wilson Martins A revistaNovos Estudos Cebrap n 56 publica o dossiecirc Leituras de GilbertoFreyre com apresentaccedilatildeo de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo incluindoas introduccedilotildees de Fernand Braudel agrave ediccedilatildeo italiana de Casa-grande ampsenzala de Lucien Fegravebvre agrave ediccedilatildeo francesa de Antonio Seacutergio a Omundo que o portuguecircs criou e de Frank Tannembaum agrave ediccedilatildeo norte-americana de Sobrados e mucambos Em 15 de marccedilo realiza-se naMaison de Sciences de lrsquoHomme et de la Science o coloacutequio GilbertoFreyre e a Franccedila organizado pela professora Ria Lemaire daUniversidade de Poitiers Em 15 de marccedilo o arcebispo de Olinda eRecife Joseacute Cardoso celebra missa solene na Igreja de Satildeo Pedro dosCleacuterigos com cantos do coral da Academia Pernambucana de MuacutesicaNa tarde de 15 de marccedilo eacute apresentada na sala Calouste Gulbenkianem projeccedilatildeo de VHF a Biblioteca Virtual Gilberto disponiacutevelimediatamente na Internet lthttpprossigabvgffgforgbrgt De 21 a24 de marccedilo realiza-se na Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre o SeminaacuterioInternacional Novo Mundo nos Troacutepicos (anais publicados com tiacutetulohomocircnimo) De 28 a 31 de marccedilo eacute apresentado no Centro CulturalBanco do Brasil do Rio de Janeiro o ciclo de palestras A propoacutesito deGilberto Freyre (natildeo reunidas em livro) De 14 a 16 de agosto realiza-se oseminaacuterio Gilberto Freyre patrimocircnio brasileiro promovidoconjuntamente pela Fundaccedilatildeo Roberto Marinho pela UniverCidade doRio de Janeiro pelo Coleacutegio do Brasil pela Academia Brasileira de Letras

pela Folha de SPaulo e pelo Instituto de Estudos Avanccedilados da USPIniciado no auditoacuterio da Academia Brasileira de Letras e num dos campida Universidade eacute concluiacutedo no auditoacuterio da Folha de SPaulo e nacidade universitaacuteria da USP Em 18 de outubro realiza-se no anfiteatroda Histoacuteria da USP o seminaacuterio multidisciplinar Relendo Gilberto Freyreorganizado pelo Centro Angel Rama da Faculdade de Filosofia Letras eCiecircncias Humanas na mesma universidade Em 20 de outubro realiza-sena embaixada do Brasil em Paris o seminaacuterio Gilberto Freyre e as ciecircnciassociais no Brasil promovido pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores eFundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 de outubro realiza-se em Buenos Aireso seminaacuterio Agrave la busqueda de la identidad el ensayo de interpretacioacutennacional en Brasil y Argentina De 6 a 9 de novembro eacute realizada no SunValley Park Hotel em Mariacutelia (SP) a Jornada de Estudos Gilberto Freyreorganizada pela Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da Unesp Em 21 denovembro na Universidade de Essex ocorre o seminaacuterio The english inBrazil a study in cultural encounters dirigido pela professora MariaLuacutecia Pallares-Burke Em 27 de novembro realiza-se na Universidade deCambridge o seminaacuterio Gilberto Freyre amp histoacuteria social do Brasil dirigidopelos professores Peter Burke e Maria Luacutecia Pallares-Burke De 27 a 30de novembro acontece no Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artesda Universidade Federal da Paraiacuteba o simpoacutesio Gilberto Freyreinterpenetraccedilatildeo do Brasil organizado pela professora Elisalva MadrugaDantas e pelo poeta e multiartista Jomard Muniz de Brito (anais comtiacutetulo homocircnimo publicados pela editora Universitaacuteria em 2002) De 28a 30 de novembro ocorre na sala Calouste Gulbenkian da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco o seminaacuterio internacional Aleacutem do apenas moderno De5 a 7 de dezembro eacute apresentado no auditoacuterio Joatildeo Alfredo daUniversidade Federal de Pernambuco o seminaacuterio Outros Gilbertosorganizado pelo Laboratoacuterio de Estudos Avanccedilados de CulturaContemporacircnea do Departamento de Antropologia da mesmauniversidade Publica-se em Satildeo Paulo pelo Grupo Editorial Cone Sul oensaio de Gustavo Henrique Tuna Gilberto Freyre ndash entre tradiccedilatildeo amp

ruptura premiado na categoria ldquoensaiordquo do 3o Festival Universitaacuterio deLiteratura organizado pela Xerox do Brasil e pela revista Livro AbertoPor iniciativa do deputado Aldo Rebelo a Cacircmara dos Deputados reuacuteneno opuacutesculo Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo do Brasil prefaciado por LuiacutesFernandes ensaios do proacuteprio deputado de Otto Maria Carpeaux e de

Regina Maria A F Gadelha A Editora Comunigraf publica no Recife olivro de Maacuterio Heacutelio O Brasil de Gilberto Freyre uma introduccedilatildeo agraveleitura de sua obra com ilustraccedilotildees de Joseacute Claacuteudio e prefaacutecio de EdsonNery da Fonseca A Editora Casa Amarela publica em Satildeo Paulo asegunda ediccedilatildeo do ensaio de Gilberto Felisberto Vasconcellos O xaraacute deApipucos A Embaixada do Brasil em Bogotaacute publica o opuacutesculoImagenes com texto e ilustraccedilotildees selecionadas por Nora Ronderos

2001

A Companhia das Letras publica em Satildeo Paulo a 2a ediccedilatildeo deInterpretaccedilatildeo do Brasil organizada e prefaciada por Omar Ribeiro

Thomaz (no 19 da Coleccedilatildeo Retratos do Brasil) A Editora Topbookspublica no Rio de Janeiro a obra coletiva O imperador das ideiasGilberto Freyre em questatildeo organizada pelos professores Joaquim Falcatildeoe Rosa Maria Barboza de Arauacutejo reunindo conferecircncias do seminaacuteriorealizado no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo de 14 a 17 de agosto de 2000

A Editora Topbooks e UniverCidade publicam no Rio de Janeiro a 2a

ediccedilatildeo de Aleacutem do apenas moderno prefaciada por Joseacute Guilherme

Merquior e as 3as ediccedilotildees de Aventura e rotina prefaciada por Albertoda Costa e Silva e de Ingleses no Brasil prefaciada por Evaldo Cabral deMelo A Editora da Universidade do Estado de Pernambuco publicacomo no 18 de sua Coleccedilatildeo Nordestina o livro poacutestumo Antecipaccedilotildeesorganizado e prefaciado por Edson Nery da Fonseca A EditoraGaramond publica no Rio de Janeiro o livro de Helena BocayuvaErotismo agrave brasileira o excesso sexual na obra de Gilberto Freyreprefaciado pelo professor Luis Antonio de Castro Santos O DiaacuterioOficial da Uniatildeo de 28 de dezembro de 2001 publica agrave paacutegina 6 a Leino 10361 de 27 de dezembro de 2001 que confere o nome de AeroportoInternacional Gilberto Freyre ao Aeroporto Internacional dosGuararapes do Recife O Projeto de Lei eacute de autoria do deputado JoseacuteChaves (PMDB-PE)

2002

Publica-se no Rio de Janeiro em coediccedilatildeo da Fundaccedilatildeo BibliotecaNacional e Zeacute Maacuterio Editor o livro de Edson Nery da Fonseca GilbertoFreyre de A a Z Eacute lanccedilada em Paris sob os auspiacutecios da ONG da Unesco

Allca XX e como volume no 55 da Coleccedilatildeo Archives a ediccedilatildeo criacutetica deCasa-grande amp senzala organizada por Guillermo Giucci EnriqueRodriacuteguez Larreta e Edson Nery da Fonseca

2003

O governo instalado no Brasil em 1o de janeiro extingue sem nenhumaexplicaccedilatildeo o Seminaacuterio de Tropicologia criado em 1966 pelaUniversidade Federal de Pernambuco por sugestatildeo de Gilberto Freyre eincorporado em 1980 agrave estrutura da Fundaccedilatildeo Joaquim NabucoGustavo Henrique Tuna defende no Departamento de Histoacuteria doInstituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Unicamp a dissertaccedilatildeo demestrado Viagens e viajantes em Gilberto Freyre A Editora daUniversidade de Brasiacutelia publica em coediccedilatildeo com a Imprensa Oficial doEstado de Satildeo Paulo as seguintes obras poacutestumas organizadas porEdson Nery da Fonseca Palavras repatriadas (prefaacutecio e notas doorganizador) Americanidade e latinidade da Ameacuterica Latina e outrostextos afins Trecircs histoacuterias mais ou menos inventadas (com prefaacutecio e

posfaacutecio de Ceacutesar Leal) e China tropical A Global Editora publica a 47a

ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala (com apresentaccedilatildeo de Fernando

Henrique Cardoso) No mesmo ano lanccedila a 48a ediccedilatildeo da obra-mestra

de Freyre A mesma editora publica a 14a ediccedilatildeo de Sobrados emucambos (com apresentaccedilatildeo de Roberto DaMatta) Publica-se pelaEdusc Editora da Unesp e Fapesp o livro Gilberto Freyre em quatrotempos (organizaccedilatildeo de Ethel Volfzon Kosminsky Claude Leacutepine eFernanda Arecircas Peixoto) reunindo comunicaccedilotildees apresentadas naJornada de Estudos Gilberto Freyre realizada em Mariacutelia (SP) em 2000Eacute lanccedilada pela Edusc Editora Sumareacute e Anpocs o livro de Eacutelide RugaiBastos Gilberto Freyre e o pensamento hispacircnico entre Dom Quixote eAlonso El Bueno

2004

A Global Editora publica a 6a ediccedilatildeo de Ordem e progresso

(apresentaccedilatildeo de Nicolau Sevcenko) a 7a ediccedilatildeo de Nordeste (com

apresentaccedilatildeo de Manoel Correia de Oliveira Andrade) a 15a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 49a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em

conjunto com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre a editora lanccedila o ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 20042005 destinado apremiar e a publicar ensaio que aborde ldquoqualquer dos aspectos relevantesda obra do escritor Gilberto Freyrerdquo

2005

Em 15 de marccedilo eacute premiado o trabalho de Eacutelide Rugai Bastos intituladoAs criaturas de Prometeu Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo da sociedadebrasileira vencedor do Concurso Nacional de Ensaios ndash Precircmio GilbertoFreyre 20042005 promovido pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e pela

Global Editora Esta publica a 50a ediccedilatildeo (ediccedilatildeo comemorativa) deCasa-grande amp senzala em capa dura Em agosto o grupo de teatro OsFofos Encenam sob a direccedilatildeo de Newton Moreno estreia a peccedilaAssombraccedilotildees do Recife Velho adaptaccedilatildeo da obra homocircnima deGilberto Freyre no Casaratildeo do Belvedere situado no Bairro Bela Vistaem Satildeo Paulo Em 18 de outubro na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos em Satildeo Paulo eacute lanccedilado Gilberto Freyre um vitoriano dostroacutepicos de Maria Luacutecia Pallares-Burke pela Editora da Unesp emmesa-redonda com a participaccedilatildeo dos professores Antonio Dimas Joseacutede Souza Martins Eacutelide Rugai Bastos e a autora do livro A Global Editora

publica a 3a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em quadrinhos comilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues colorizadas por Noguchi

2006

Realiza-se em 15 de marccedilo na 19a Bienal Internacional do Livro de SatildeoPaulo sediada no Pavilhatildeo de Exposiccedilotildees do Anhembi no salatildeo A-Mezanino a mesa de debate 70 anos de Sobrados e mucambos deGilberto Freyre com a presenccedila dos professores Roberto DaMatta EacutelideRugai Bastos Enrique Rodriacuteguez Larreta e mediaccedilatildeo de Gustavo

Henrique Tuna No evento eacute lanccedilado o 2o Concurso Nacional de Ensaiosndash Precircmio Gilberto Freyre 20062007 organizado pela Global Editora epela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre que aborda qualquer aspecto referente agrave

obra Sobrados e mucambos A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo revistade Tempo morto e outros tempos prefaciada por Maria Luacutecia GarciaPallares-Burke Realiza-se no auditoacuterio do Instituto de Filosofia eCiecircncias Humanas da Unicamp nos dias 25 e 26 de abril o Simpoacutesio

Gilberto Freyre produccedilatildeo circulaccedilatildeo e efeitos sociais de suas ideias coma presenccedila de inuacutemeros estudiosos do Brasil e do exterior da obra dosocioacutelogo pernambucanoA Global Editora publica As criaturas de Prometeu ndash Gilberto Freyre ea formaccedilatildeo da sociedade brasileira de Eacutelide Rugai Bastos trabalho

vencedor da 1a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios PrecircmioGilberto Freyre 20042005 promovido pela editora e pela FundaccedilatildeoGilberto Freyre

2007

Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global Editora a 5a ediccedilatildeo do livro

Accediluacutecar apresentada por Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti a 5a

ediccedilatildeo revista atualizada e aumentada por Antonio Paulo Rezende do

livro Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife a 6a

ediccedilatildeo revista e atualizada por Edson Nery da Fonseca do livro Olinda2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental de atualizada por Edson Neryda Fonseca do livro Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental decidade brasileira Publica-se no Rio de Janeiro pela CivilizaccedilatildeoBrasileira o primeiro volume da obra Gilberto Freyre uma biografiacultural dos pesquisadores uruguaios Enrique Rodrigues Larreta eGuillermo Giucci em traduccedilatildeo de Josely Vianna Baptista Publica-se noRecife pela Editora Massangana o livro de Edson Nery da Fonseca Emtorno de Gilberto Freyre

2008

O Museu da Liacutengua Portuguesa de Satildeo Paulo encerra em 4 de maio aexposiccedilatildeo iniciada em 27 de novembro de 2007 Gilberto Freyreinteacuterprete do Brasil sob a curadoria de Eacutelide Rugai Bastos JuacuteliaPeregrino e Pedro Karp Vasquez Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global

Editora a 4a ediccedilatildeo revista do livro Vida social no Brasil nos meados doseacuteculo XIX com apresentaccedilatildeo e iacutendices de Gustavo Henrique Tuna e a

6a ediccedilatildeo do livro Assombraccedilotildees do Recife Velho com apresentaccedilatildeo deNewton Moreno autor da adaptaccedilatildeo teatral representada com sucessoem Satildeo Paulo O editor Peter Lang de Oxford publica o livro de PeterBurke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Gilberto Freyre social theory inthe Tropics versatildeo de Gilberto Freyre um vitoriano nos Troacutepicos

publicado em 2005 pela Editora da Unesp que em 2006 recebeu osprecircmios Senador Joseacute Ermiacuterio de Morais da ABL (Academia Brasileira deletras) e Jabuti na categoria Ciecircncias HumanasA Global Editora publica Ensaio sobre o jardim de Solange de Aragatildeo

trabalho vencedor da 2a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios ndashPrecircmio Gilberto Freyre 20062007 promovido pela editora e pelaFundaccedilatildeo Gilberto Freyre

2009

A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo de Modos de homem amp modas demulher com texto de apresentaccedilatildeo de Mary Del Priore A Eacute Realizaccedilotildees

Editora publica em Satildeo Paulo a 6a ediccedilatildeo do livro Sociologia introduccedilatildeoao estudo dos seus princiacutepios com prefaacutecio de Simone Meucci e posfaacutecio

de Vamireh Chacon e a 4a ediccedilatildeo de Sociologia da medicina comprefaacutecio de Joseacute Miguel Rasia O Diaacuterio de Pernambuco edita a obraCrocircnicas do cotidiano a vida cultural de Pernambuco nos artigos deGilberto Freyre antologia organizada por Carolina Leatildeo e Lydia Barros AEditora da Unesp publica em traduccedilatildeo de Fernanda Veriacutessimo o livrode Peter Burke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Repensando ostroacutepicos um retrato intelectual de Gilberto Freyre com prefaacutecio agraveediccedilatildeo brasileira

2010

Publica-se pela Global Editora o livro Nordeste semita ndash Ensaio sobreum certo Nordeste que em Gilberto Freyre tambeacutem eacute semita deautoria de Caesar Sobreira trabalho vencedor da 3ordf ediccedilatildeo do ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 2008-2009 promovidopela editora e pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre A Global Editora publica a

4a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculoXIX com apresentaccedilatildeo de Alberto da Costa e Silva A Eacute Realizaccedilotildees

publica a 4a ediccedilatildeo de Aventura e rotina a 2a ediccedilatildeo de Homens

engenharias e rumos sociais a 2a ediccedilatildeo de O luso e o troacutepico a 2a

ediccedilatildeo de O mundo que o portuguecircs criou Uma cultura ameaccedilada eoutros ensaios (versatildeo ampliada de Uma cultura ameaccedilada a luso-

brasileira) Um brasileiro em terras portuguesas (a 1a ediccedilatildeo a ser

publicada no Brasil) e a 3a ediccedilatildeo de Vida forma e cor A Editora Girafapublica Em torno de Joaquim Nabuco reuniatildeo de textos que GilbertoFreyre escreveu sobre o abolicionista organizada por Edson Nery daFonseca com colaboraccedilatildeo de Jamille Cabral Pereira Barbosa GilbertoFreyre eacute o autor homenageado da 10ordf ediccedilatildeo da Feira Nacional do Livrode Ribeiratildeo Preto realizada entre os dias 14 e 18 de junho Eacute tambeacutem o

autor homenageado da 8a ediccedilatildeo da Festa Literaacuteria Internacional deParaty (Flip) ocorrida na cidade carioca entre os dias 4 e 8 de agostoPara a homenagem foram organizadas mesas com convidados nacionaise do exterior A conferecircncia de abertura em 4 de agosto foi lida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e debatida pelo historiador LuizFelipe de Alencastro no dia 5 realizou-se a mesa ldquoAo correr da penardquocom Moacyr Scliar Ricardo Benzaquen e Edson Nery da Fonseca commediaccedilatildeo de Aacutengel Gurriacutea-Quintana no dia 6 ocorreu a mesa ldquoAleacutem daCasa-granderdquo com Alberto da Costa e Silva Maria Luacutecia Pallares-Burke eAcircngela Alonso com mediaccedilatildeo de Lilia Schwarcz no dia 8 realizou-se amesa ldquoGilberto Freyre e o seacuteculo XXIrdquo com Joseacute de Souza Martins PeterBurke e Hermano Vianna com mediaccedilatildeo de Benjamim Moser Foilanccedilado na Flip o tatildeo esperado ineacutedito de Gilberto Freyre De menino ahomem espeacutecie de livro de memoacuterias do pernambucano pela GlobalEditora A ediccedilatildeo feita com capa dura traz um rico cadernoiconograacutefico conta com texto de apresentaccedilatildeo de Faacutetima Quintas enotas de Gustavo Henrique Tuna O lanccedilamento do tatildeo aguardadorelato autobiograacutefico ateacute entatildeo ineacutedito de Gilberto Freyre realizou-se nanoite do dia 5 de agosto na Casa da Cultura de Paraty ocasiatildeo em que oator Dan Stulbach leu trechos da obra para o puacuteblico presente OInstituto Moreira Salles publica uma ediccedilatildeo especial para a Flip de suarevista Serrote com poemas de Gilberto Freyre comentados porEucanaatilde Ferraz A Funarte publica o volume 5 da coleccedilatildeo Pensamentocriacutetico intitulado Gilberto Freyre uma coletacircnea de escritos do socioacutelogopernambucano sobre arte organizada por Clarissa Diniz e Gleyce Heitor

Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste

Brasil

1937

Nordeste aspectos da influecircncia da canna sobre a vida e a paizagem

do Nordeste do Brasil 1a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecio doautor

1951

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 2a ed rev e aum Rio de Janeiro Joseacute OlympioPrefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1961

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 3a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1967

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 4a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1985

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 5a ed Rio de JaneiroRecife JoseacuteOlympioFundarpe Prefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula CardosoAyres e Manoel Bandeira

1989

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 6a ed Rio de Janeiro Record Prefaacutecios doautor

2001

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagemdo Nordeste do Brasil Rio de Janeiro Record Prefaacutecios do autor

Reimpressatildeo da 6a ed

Argentina

1943

Nordeste aspectos de la influencia de la cantildea sobre la vida y elpaisaje del Nordeste del Brasil Buenos Aires Espasa-Calpe Prefaacuteciosdo autor Trad de Cayetano Romano

Franccedila

1956

Terres du sucre Paris Gallimard Prefaacutecios do autor Trad de JeanOrecchioni

1992

Terres du sucre 2a ed Paris Qai Voltaire Prefaacutecios do autorApresentaccedilatildeo de Jean Duvignaud

Itaacutelia

1970

Nordeste Lacuteuomo e gli elementi Milano Rizzoli Ilustraccedilatildeo de ManoelBandeira

Desenhos a bico de pena de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Desenho de Manoel Bandeira 1937

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1980

2 Engenho Botafogo Foto de Raimundo Gomes 1990

3 Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de Claudionete Lira 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Accedilude Botafogo Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de ClaudioneteLira 1990

2 Goiana ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

3 Foto de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

1 Engenho Tinoco Municiacutepio de Rio Formoso ndash PE Foto de Alcir Lacerda1990

2 Abreu e Lima ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

3 Igarassu ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez

2 Ipojuca ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

3 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1984

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

2 e 3 Canhotinho ndash PE Fotos de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Fotos de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

Desenho de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

copy Global Editora 2003Recife-Pernanbuco - Brasil1ordf ediccedilatildeo digital Global Editora Satildeo Paulo 2013

Diretor Editorial - Jefferson L AlvesProduccedilatildeo Digital - Eduardo OkunoCoordenadora Editorial - Sandra Regina FernandesRevisatildeo - Juliana AlexandrinoCapa - Mauricio NegroEduardo Okuno

CIP-BRASIL Catalogaccedilatildeo na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros RJ_____________________F943vFreyre Gilberto 1900-1987

Nordeste [recurso eletrocircnico] aspectos da influecircncia da cana sobre avida e a paisagem

do Nordeste do Brasil Gilberto Freyre apresentaccedilatildeo de ManoelCorreia de Andrade

biobibliografia de Edson Nery da Fonseca bibliografia e notasbibliograacuteficas

revistas elaboradas por Gustavo Henrique Tuna minus Satildeo Paulo Global2013

recurso digital

Formato ePubRequisitos do sistema Adobe Digital EditionsModo de acesso World Wide WebApecircndiceInclui bibliografia

ISBN 978-85-260-1816-7 (recurso eletrocircnico)

1 Geografia humana - Brasil Nordeste 2 Cana-de-accediluacutecar - Cultivo -Brasil Nordeste

3 Brasil Nordeste - Usos e costumes 4 Livros eletrocircnicos I Tiacutetulo

13-1311CDD 304209813CDU 5021

_____________________

Direitos ReservadosGlobal Editora e Distribuidora Ltda

Rua Pirapitingui 111 ndash LiberdadeCEP 01508-020 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 3277-7999 ndash Fax (11) 3277-8141e-mail globalglobaleditoracombrwwwglobaleditoracombr

Colabore com a produccedilatildeo cientiacutefica e culturalProibida a reproduccedilatildeo total ou parcial desta obrasem a autorizaccedilatildeo do editorNordm de Cataacutelogo 2392eb

  • CAPA
  • Um Nordeste
  • Uma visatildeo autecircntica do Nordeste
  • Prefaacutecio agrave 1ordf ediccedilatildeo
  • 1 ndash A CANA E A TERRA
  • 2 ndash A CANA E A AacuteGUA
  • 3 ndash A CANA E A MATA
  • 4 ndash A CANA E OS ANIMAIS
  • 5 ndash A CANA E O HOMEM
  • 6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)
  • Bibliografia
  • Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre
  • Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste
Page 3: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca

A Pedro ParanhosAntiogenes Chaves

e Luiz Cedro e tambeacutem a Ciacutecero Diaso grande pintor dos canaviais do Nordeste

Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger 1945

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Um Nordeste1

Carlos Pena Filho

Um Nordesteonde nunca deixa de haveruma mancha daacuteguaum avanccedilo de mar um rio um riachoo esverdeado de uma lagoaOnde a aacutegua faz da terra mole o que querinventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencionaldos compecircndiosUm Nordeste da terraDas aacutervores lambuzadas de resinasDas aacuteguasDo corpo molhado dos homens que trabalhamdentro do mar e dos riosna bagaceira dos engenhosno cais do Apolonos trapiches de Maceioacute

1 Melhores poemas Carlos Pena Filho seleccedilatildeo de Edilberto Coutinho 4a

ed Satildeo Paulo Global 2000

Uma visatildeo autecircntica do Nordeste

Eacute uma tarefa complexa caracterizar e situar o livro Nordeste ndash Aspectosda influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasilno conjunto da obra do mestre de Apipucos comparando-o com outrasobras suas como Casa-grande amp senzala Sobrados e mucambos e Ordeme progresso

Jaacute em sua primeira ediccedilatildeo observa-se como Gilberto Freyre tinha apreocupaccedilatildeo de diferenciar no espaccedilo brasileiro uma regiatildeo bem distintadas outras o Norte ou Amazocircnia que eram constantemente associadas Naverdade ateacute os anos trinta do seacuteculo passado as pessoas se referiam ao Brasilcomo se ele fosse composto apenas de duas grandes porccedilotildees o Norte e o Sule ao fazerem esta caracterizaccedilatildeo chamavam de forma bastante empiacutericade Norte todas as aacutereas situadas ao norte da Bahia Tanto que em Satildeo Paulona linguagem vulgar chamavam todo migrante vindo da porccedilatildeo setentrionaldo Brasil de ldquobaianordquo e os mineiros chamavam de ldquobaianos cansadosrdquo isto eacuteaqueles que natildeo conseguiram chegar a Satildeo Paulo O proacuteprio Gilberto no seulivro sobre a regiatildeo natildeo procurou delimitar de forma bem objetiva onde oNordeste comeccedilava e onde ele terminava

Ele observou o Nordeste a partir de Pernambuco como se entendesseque o ponto central do mesmo fosse a cidade de Recife e que daiacute partiramem vaacuterias direccedilotildees as caracteriacutesticas regionais que iam se diluindo agraveproporccedilatildeo que se caminhava deste centro ndash Recife e regiatildeo accedilucareira ndash nasmais diversas direccedilotildees

As raiacutezes da ideia do Nordeste na obra gilbertiana jaacute satildeo encontradas nosartigos que escreveu para a imprensa do Recife publicados sobretudo noDiaacuterio de Pernambuco quando ainda adolescente vivia nos EstadosUnidos realizando seus estudos em Baylor e em Coluacutembia artigos que depoisforam reunidos por Joseacute Antocircnio Gonsalves de Melo seu primo e amigo emlivro intitulado Tempo de aprendiz Vecirc-se nesses artigos como o quaseadolescente que vivia no exterior acompanhava o que ocorria na sua

ldquoproviacutenciardquo tanto em relaccedilatildeo aos fatos poliacuteticos e econocircmicos comosobretudo em relaccedilatildeo aos problemas sociais e culturais Daiacute a sua visatildeo deglobalidade e a diversificaccedilatildeo de interesses que iam desde as festaspopulares os chamados folguedos ateacute a culinaacuteria a educaccedilatildeo passandopelas relaccedilotildees sociais em uma sociedade patriarcal que jaacute eliminara o regimeescravocrata mas vivia ainda sob o jugo de uma civilizaccedilatildeo patriarcal fechadae rigorosa Parecia ateacute que haviacuteamos saiacutedo de um sistema monaacuterquico masnatildeo haviacuteamos ainda entrado em uma organizaccedilatildeo social republicana maisaberta mais receptiva

Voltando ao Recife e vivendo a sua vida puacuteblica dedicado aos estudos epesquisas e ao jornalismo Gilberto se defronta com um duplo chamamentointelectual o da expansatildeo na regiatildeo do modernismo deflagrado em SatildeoPaulo pela Semana de Arte Moderna de 1922 por Mario e Oswald deAndrade e o chamamento para o processo de regionalizaccedilatildeo que procuravafazer sepultar o unitarismo monaacuterquico substituindo-o pelo estadualismorepublicano chamando a atenccedilatildeo para uma anaacutelise dialeacutetica ecaracterizando que entre o Paiacutes o Estado nacional e as antigas proviacutenciasagora chamadas de Estados havia as regiotildees

Eacute aiacute que se observa a grande influecircncia que em sua obra teve Seligmanmestre de Histoacuteria Econocircmica que levaria o socioacutelogo de Apipucos a umamaior aproximaccedilatildeo com escritores influenciados por ensinamentos natildeopositivistas como Seacutergio Buarque de Holanda e Caio Prado Juacutenior Emboracom um e outro Gilberto tivesse tido ao mesmo tempo desde os anos 1930convergecircncias e divergecircncias expressas em sua obra

As diferenccedilas com os modernistas paulistas se faziam sentir na grandeinfluecircncia sobre os mesmos de escritores europeus do periacuteodo posterior agravePrimeira Guerra Mundial e que se expressaram nas mais diversas formasliteraacuterias na poesia de Menotti Del Picchia de Manuel Bandeira de CarlosDrummond de Andrade na ficccedilatildeo onde pontificava um Graccedila Aranha ounos vaacuterios tipos de ensaios No Nordeste ele teve como grande opositor oagressivo jornalista Joaquim Inojosa E para contrapor-se ao chamadomodernismo Gilberto estruturou um contramovimento que procuravaaceitar as modificaccedilotildees modernistas de forma moderada e as tradiccedilotildeesregionais ao mesmo tempo em que procurava fazer conviver as mais diversas

manifestaccedilotildees como os chamados folguedos populares natalinos ossaudosos pastoris nas manifestaccedilotildees carnavalescas revivendo as ldquola ursardquo e osfestejos juninos Nessas manifestaccedilotildees culturais ele procurava aprofundar asraiacutezes africanas e indiacutegenas do Nordeste sem desprezar as influecircnciasibeacutericas Nelas se interpenetravam tradiccedilotildees cristatildes catoacutelicas trazidas daPeniacutensula Ibeacuterica com as oriundas da Aacutefrica e das Iacutendias Para isto eleorganizou no Recife em 1934 um Congresso Afro-Brasileiro em que reuniuusineiros aristocratas do accediluacutecar a burgueses e escritores ao lado de pais desantos em plena Praccedila da Repuacuteblica no tradicional Campo das Princesasno Teatro de Santa Izabel jaacute entatildeo um verdadeiro monumento histoacuterico

Foi nesse periacuteodo que ele colaborou intensamente com os jornais como oDiaacuterio de Pernambuco e A Proviacutencia externando ideias e pensamentos quecausavam impacto no pensamento conservador da eacutepoca Mas foi tambeacutemnesse periacuteodo que ele dirigiu a ediccedilatildeo do Livro do Centenaacuterio do Diaacuterio dePernambuco reunindo artigos seus e de outros escritores sobre os haacutebitos oscostumes e as artes nordestinas Em suas paacuteginas encontramos estudos daimportacircncia dos de Luiz Oiticica senhor de engenho depois usineiro emAlagoas sobre a arte da renda de bilros ou de Julio Belo que posteriormenteescreveria o claacutessico Memoacuterias de um senhor de engenho ao lado de textossobre Histoacuteria Economia e Vida Social do Nordeste Quase esqueceu textossobre os temas heroicos e sempre presentes na histoacuteria pernambucana comoa Revoluccedilatildeo de 1817 a Confederaccedilatildeo do Equador ou a Revoluccedilatildeo Praieira

Foi tambeacutem do seu grupo e das aspiraccedilotildees regionalistas que surgiram osfamosos romances de costumes de temas tatildeo nordestinos como os livros deJoseacute Lins do Rego de Graciliano Ramos de Amado Fontes de Jorge Amadoe de tantos outros que enriqueceram e mostraram ao Brasil o que era oNordeste E sua influecircncia se estendeu dentro deste espiacuterito agraves maisdiversas Ciecircncias Sociais com Reneacute Ribeiro na Antropologia Joseacute AntonioGonsalves de Melo na Histoacuteria Social Manuel Dieacutegues Juacutenior na Sociologia etantos outros sempre salientando a presenccedila nordestina nas ciecircncias e nasletras diante do Brasil

O livro Nordeste publicado em 1937 como o volume no 4 da ColeccedilatildeoDocumentos Brasileiros pela Editora Joseacute Olympio foi escrito parademonstrar que o Nordeste natildeo era uma regiatildeo uniforme mas uma

aglutinaccedilatildeo de regiotildees e sub-regiotildees que se estendiam desde o Maranhatildeo ateacutea Bahia Regiatildeo que fora povoada nos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo e queestruturara por meio de culturas diversas uma sociedade comcaracteriacutesticas proacuteprias mas tendo por base trecircs categorias que seentrecruzavam o latifuacutendio como forma de propriedade a monoculturacomo forma de exploraccedilatildeo econocircmica e a escravidatildeo como instituiccedilatildeo declasse social Apesar de cientista social o autor natildeo atribuiu a esta sociedadepatriarcal em formaccedilatildeo o meio natural como uacutenico e determinante massim como um resultado do intercacircmbio entre os fatores naturais como omeio ambiente levantando problemas ligados agrave forma de exploraccedilatildeo daterra dependente da proacutepria terra ndash solos e relevo ndash do clima da vegetaccedilatildeoque foi devastada pelo colonizador dos animais tanto nativos como osdomeacutesticos trazidos da Europa e a accedilatildeo do homem quer em sua condiccedilatildeode senhor dono de terra quer na condiccedilatildeo de escravo

Daiacute ser Nordeste a um soacute tempo um livro de Ciecircncia Social deSociologia de Antropologia de Ecologia e de Geografia

Mas ao diversificar os vaacuterios nordestes ele voltou-se sobretudo paraaquele da cana-de-accediluacutecar aquele que melhor conhecia de onde se originarae onde disporia de uma maior documentaccedilatildeo e de informaccedilotildees Admitindoque existiam vaacuterios nordestes enfatizou sobretudo o Nordeste accedilucareiroenquanto o Nordeste semiaacuterido ficou ao encargo do socioacutelogo cearense DjacirMenezes que escreveu sobre ldquoo outro Nordesterdquo Subjetivamente dava maiorimportacircncia ao Nordeste canavieiro do que ao semiaacuterido algodoeiro epastoril que seria ldquoo outrordquo

Em 1945 ao publicar livro famoso sobre a fome no Brasil Josueacute de Castroaceitaria a divisatildeo que caracterizava o Nordeste e reconheceu que haviaduas aacutereas de fome com caracteriacutesticas diversas a da seca a do accediluacutecar e a doalgodatildeo ou do gado

E Nordeste que em sua primeira ediccedilatildeo foi ilustrado por duas grandesfiguras de artistas plaacutesticos Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira vemtendo ediccedilotildees sucessivas ora mais ora menos ilustradas O mesmo temocorrido com as ediccedilotildees em liacutenguas estrangeiras

O corpo do livro compotildee-se de seis capiacutetulos sobre as relaccedilotildees entre acana e a terra a cana e a aacutegua a cana e a mata a cana e os animais e dois

finais sobre a cana e o homem E o autor com seu estilo ao mesmo tempocientiacutefico e literaacuterio procura mostrar e o faz com maestria como a cana aeconomia canavieira se expandindo por aacutereas anteriormente ocupadas pelachamada Mata Atlacircntica utilizando de forma mais completa a aacuteguadisponiacutevel na mesma quase eliminou os animais prefeririacuteamos dizer osbichos selvagens trocando-os pelos animais domeacutesticos trazidos da Europada Iacutendia e da Aacutefrica estruturou uma sociedade escravocrata onde umaminoria de senhores explorava as entatildeo chamadas ldquoclasses subalternasrdquodesenvolvendo culturas e extraindo riquezas como que se apoderando domeio natural e do homem difundindo costumes e espalhando viacutecios emazelas

E ateacute onde poderiam estender-se o trabalho a exploraccedilatildeo e as culturasque o homem ou melhor os senhores de terra e de escravos iamapropriando

Em Nordeste fica bem claro ao examinar o processo de ocupaccedilatildeo daterra como o europeu ao chegar ao Novo Mundo se sentiu perplexo diantedaquela mata exuberante e heterogecircnea tatildeo diferente da florestatemperada europeia e de como procurou substituiacute-la por uma vegetaccedilatildeo deorigem oriental mas que tambeacutem se adaptava no mundo mediterracircneo eque atravessando o Atlacircntico se firmara na costa americana fazendo-o comintensidade que provocaria a ruiacutena da economia canavieira das ilhas doAtlacircntico da Madeira sobretudo

Eacute que no Brasil principalmente a Zona da Mata Pernambucana e oRecocircncavo Baiano ofereciam condiccedilotildees propiacutecias ao desenvolvimento dacultura da cana o seu clima tropical com chuvas distribuiacutedas em duasestaccedilotildees os solos derivados de rochas cristalinas as chuvas se distribuindo noperiacuteodo do outono e inverno austral ndash de maio a setembro ndash e um estioprolongado que se estendia de outubro a abril permitiam que se fizesse oplantio da cana na estaccedilatildeo chuvosa e a colheita se efetuasse no estio Eraimportante esta estaccedilatildeo porque a moagem dos engenhos se realizava em umperiacuteodo que facilitava o transporte da cana dos ldquopartidosrdquo para a moitaassim como o transporte da lenha para a fornalha A floresta exuberante eraimpiedosamente destruiacuteda para dar lugar ao plantio da cana e fornecer alenha que era o combustiacutevel da eacutepoca Quanta madeira de lei ndash sucupira

jacarandaacute amarelo e tantas outras ndash foi queimada nas fornalhas dosengenhos porque o costume de queimar o bagaccedilo da cana nas fornalhas soacuteocorreria no seacuteculo XIX apoacutes mais de trecircs seacuteculos de colonizaccedilatildeoportuguesa Os solos da regiatildeo eram muito ricos em substacircncias mineraispodendo ser classificado em dois grandes grupos aqueles formados porargila lateriacutetica o chamado ldquobarro vermelhordquo dominante nas encostas e queeram eluviais e os solos transportados das encostas para as vaacuterzeas e vales dosrios que eram aluviais Estes eram os solos de massapecirc e se caracterizavampor formar um verdadeiro lamaccedilal no periacuteodo chuvoso amassados pelohomem e pelos animais que os pisoteavam tornavam-se pegajosos egrudavam nas solas dos peacutes e nas patas dos animais o que levou GilbertoFreyre a consideraacute-los como uma terra ldquogaranhonardquo que se agarrava e que sedeixava modelar pelo peacute dos homens e dos animais

Aleacutem de dominante na Zona da Mata de Pernambuco o massapecirctambeacutem era muito abundante ocupando grandes aacutereas em Sergipe nachamada regiatildeo da Cotinguiba e no Recocircncavo Baiano onde ele eacute chamadotambeacutem massapecirc embora seja um solo eluvial formado pela decomposiccedilatildeodo calcaacutereo ambos poreacutem satildeo solos ricos em aacutegua de escoamento lentopara os rios da regiatildeo o que faz com que a aacuterea em sua maior extensatildeopermaneccedila excessivamente uacutemida durante grande parte do tempo Estessolos pegajosos dificultavam de certa forma o escoamento da produccedilatildeoagriacutecola quando os engenhos natildeo ficavam agrave margem dos rios navegaacuteveis e acirculaccedilatildeo dos carros de boi ou a cavalo se fazia com muito cuidado elentidatildeo As relaccedilotildees de amizade de tornavam precaacuterias diante dadificuldade que as pessoas tinham de se visitar nos aniversaacuterios e batizadossoacute nas festas da ldquobotadardquo dos engenhos ou da ldquopejadardquo havia mais facilidadede locomoccedilatildeo porque elas se davam no periacuteodo de estio quando as chuvaseram escassas

A terra e sua qualidade chamavam a atenccedilatildeo por problemas os maisdiversos como o haacutebito muito difundido entre a populaccedilatildeo pobre de comerterra por parte das crianccedilas do medo de bichos da terra como as minhocasas cobras os lacraus e ateacute dos bichos-de-peacute que apareciam inicialmente sob aforma de coceiras mas que ao crescerem formavam bolhas de pus e traziamperigos de infecccedilotildees Natildeo se pode esquecer que em uma civilizaccedilatildeo rural haacute

sempre uma relaccedilatildeo muito iacutentima entre o homem e a terraMas se eram iacutentimas como se pode ler em Nordeste as relaccedilotildees entre o

homem e a terra tambeacutem eram iacutentimas as relaccedilotildees entre o homem e a aacuteguaa cana-de-accediluacutecar eacute uma planta profundamente ligada agrave aacutegua ao contraacuterioda planta que foi sua concorrente na ocupaccedilatildeo do espaccedilo nordestino oalgodatildeo Daiacute a separaccedilatildeo entre as aacutereas de cana e as de algodatildeo entre oNordeste uacutemido e o Nordeste seco

Na regiatildeo natildeo se observa a presenccedila de grandes rios estes ora satildeo riosmeacutedios que nascem no agreste e caminham para o litoral apresentandopequeno volume drsquoaacutegua sendo muitas vezes intermitentes no estio nos seusaltos e meacutedios cursos e volumosos no baixo curso quando atravessam a regiatildeouacutemida e satildeo abastecidos por afluentes nascidos na proacutepria mata ora satildeopequenos rios que nascem nas encostas do maciccedilo da Borborema e seencaminham para o oceano atraveacutes de vaacuterzeas onde alagaram e seaprofundam formando ldquoriasrdquo que no passado permitiam a entrada deembarcaccedilotildees de porte meacutedio a algumas leacuteguas de distacircncia do litoral comoocorria em Goiana em Igarassu e em Rio Formoso

Uma das antecipaccedilotildees felizes de Gilberto Freyre foi a de afirmar que osrios pequenos de aacuteguas pouco profundas por se ligarem facilmente ao solotinham uma vantagem sobre os rios maiores que facilitavam a navegaccedilatildeoporque a sua aacutegua por capilaridade infiltrava-se no solo e o umedeciabeneficiando os canaviais de beira de rio sempre de maior porte e maisverdes que os situados nos interfluacutevios

E a aacutegua prestava grandes serviccedilos ao homem natildeo soacute aguando as suascanas como facilitando o transporte fornecendo o produto para usodomeacutestico para regar as plantas para abastecer engenhos casas e cidadescomo tambeacutem para carregar detritos Isto sem falar no valor que se dava ateacuteo seacuteculo XIX aos saudaacuteveis banhos de rio Que diga a este respeito o nossopoeta maior Manuel Bandeira quando afirmou em poesia sublime queldquoteve o seu primeiro alumbramento ao ver uma moccedila nuinha tomandobanho no Capibaribe em Poccedilo da Panelardquo

Tambeacutem ela era utilizada como produtora de energia movendo osfamosos engenhos drsquoaacutegua ou engenhos reais mediante a construccedilatildeo deaquedutos que captavam a aacutegua em um ponto do rio ou riacho que se

encontrasse acima do engenho trazendo-a ateacute a moenda Aiacute eles podiamcair sobre a roda drsquoaacutegua nos engenhos copeiros no meio da roda nosengenhos meeiros ou na sua parte inferior nos baixeiros como tatildeo bemretratou Antonil no seu famoso livro do iniacutecio do seacuteculo XVIII

Em uma combinaccedilatildeo entre o transporte mariacutetimo e o fluvial tambeacutem elaera usada permitindo a utilizaccedilatildeo de barcos de tonelagem diversas desde osportos situados nos fundos dos estuaacuterios ou em canais como o de Itamaracaacuteque separava a ilha do continente ateacute os portos pequenos situados no litoralde onde as mercadorias eram transferidas para embarcaccedilotildees maiores elevadas para os portos europeus Assim o Recife era o principal porto dacapitania de Pernambuco e Salvador o da Bahia Portos de menor caladosituavam-se em vaacuterios pontos da costa como o da foz do Potenji o doMamanguape o do Paraiacuteba o do Goiana o de Santa Cruz o de Suape ouSanto Agostinho o de Tamandareacute o de Barra Grande e o de Alagoas entre oRecife e a foz do Satildeo Francisco

A importacircncia dos rios poreacutem natildeo se limitava a estes serem apenasabastecedores de aacutegua agentes de produccedilatildeo e forccedila motriz e formadores desolos uacuteteis agrave cana-de-accediluacutecar Gilberto se preocupava tambeacutem e sobretudocom o tratamento dado aos rios pelo homem enquanto colonizadordemonstrando as suas preocupaccedilotildees ecoloacutegicas com o meio ambiente jaacute nasprimeiras deacutecadas do seacuteculo XX Assim ele chamou atenccedilatildeo com a maiorveemecircncia contra o lanccedilamento das caldas de destilaria nos cursos drsquoaacuteguada regiatildeo da mata pelas destilarias das usinas de accediluacutecar e tambeacutem das aacuteguasservidas pela mesma Revoltado com os danos causados por estas induacutestriasque os transformavam em verdadeiros canais de escoamento de dejetosGilberto os classificava como verdadeiros mictoacuterios ou como fossasPosteriormente agrave publicaccedilatildeo do livro Nordeste Gilberto ao criar e dirigir oInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais depois transformado emFundaccedilatildeo Joaquim Nabuco patrocinou a realizaccedilatildeo de pesquisas sobre asbacias fluviais atingidas pelo lanccedilamento dos esgotos industriais Tanto nosrios norte-rio-grandenses como nos paraibanos pernambucanos e alagoanosEstes estudos foram dirigidos pelo geoacutegrafo Gilberto Osoacuterio de Andrade como apoio dos geoacutegrafos Maacuterio Lacerda de Melo Rachel Caldas Lins e ManuelCorreia de Andrade do antropoacutelogo Joseacute Heskett Lavareda e do botacircnico

Dardano de Andrade Lima aleacutem de alunos dos cursos de geografia daUFPE Dos trabalhos de pesquisas constavam trabalhos de campo

Assim em sua visatildeo totalizadora e dialeacutetica Gilberto Freyre tinhacondiccedilotildees e estiacutemulos para observar o papel desempenhado pelos chamadosrios de accediluacutecar do Nordeste criando problemas para os habitantes de umaregiatildeo bem povoada

Ainda Gilberto em sua visatildeo de antropoacutelogo procurou analisar aconvivecircncia entre o homem e o rio chamando a atenccedilatildeo para o seu usocomo objeto de lazer pois era nele que se tomava banho onde se nadava sepescava e se faziam festividades Atos que se estendiam tambeacutem aos accediludesque geraram histoacuterias pitorescas como a do senhor do engenho Cana Bravade aacuterea muito acidentada onde ele velho aristocrata de origem portuguesanos dias de chuva descia a ladeira da casa-grande em direccedilatildeo ao accedilude parao banho usando um guarda-chuva aberto e tamancos para natildeo escorregarna encosta iacutengreme

Tambeacutem com grande interesse pelos problemas alimentares GilbertoFreyre natildeo esqueceu nas paacuteginas de Nordeste e de outros livros e emartigos a deliacutecia que para ele representavam os chamados pitus do rio Unario que banhava a cidade de Palmares e as terras do engenho Japarandubaque pertencia a Pedro Paranhos Tatildeo guloso como o massapecirc sobre a qualnascera e se criara Gilberto era tambeacutem um grande apreciador econhecedor da culinaacuteria nordestina por ele divulgada em livros e artigoscomo o Accediluacutecar publicada apoacutes o Nordeste

A mata hoje em grande parte destruiacuteda e devastada mas aindaexuberante nas serras e encostas era a grande fascinaccedilatildeo para o mestre deApipucos preocupado natildeo soacute com o belo mundo vegetal como com a fontede vida que ela abrigava com as plantas mais diversas os bichos e as lendasQuanta importacircncia se dava agraves lendas sobre as criaturas que aiacute viviam comoa caapora que aplicava surras tremendas aos catildees que acompanhavam oscaccediladores o curupira o saci-pererecirc e a muitos outros seres que forampopularizados por Monteiro Lobato em seus livros infantis Mas ela eratambeacutem o abrigo de animais peccedilonhentos como cobras aranhas venenosasalguns lagartos e mamiacuteferos como as onccedilas os guaraacutes os porcos-espinhos ede inocentes animais de caccedila como as pacas cotias aleacutem de numerosos tipos

de macacos e de morcegosA floresta aleacutem de sua forma majestaacutetica eacute como toda floresta tropical

muito densa cheia de cipoacutes de lianas e botanicamente muito rica emmadeiras duras e diversificadas No periacuteodo colonial ela foi muito rica emmadeiras nobres aleacutem do pau-brasil que fornecia ao mercado europeu amateacuteria-prima para a tinturaria Madeira que apresentava melhor qualidadeno Nordeste tendo o chamado ldquopau de Pernambucordquo maior valor do que opau-brasil de outras regiotildees da colocircnia O nosso era comparado ao pauoriundo da ilha de Sumatra na Insuliacutendia Dentre as madeiras de maiorprestiacutegio destacavam-se o cedro o amarelo a maccedilaranduba o pau-drsquoarcoque podia ser roxo ou amarelo o freijoacute a sucupira etc Do jacarandaacute faziam-se os mais ricos moacuteveis utilizados nas casas-grandes dos senhores de engenhoe nos sobrados da cidade Mas tudo isto foi sendo devastadoimpiedosamente quer pelas serrarias quer como combustiacutevel nos engenhoso que na primeira metade do seacuteculo XX assombrou e provocou repulsa tantoa Gilberto Freyre como ao botacircnico Vasconcelos Sobrinho

A destruiccedilatildeo da mata como se pode concluir em Nordeste foi feita deforma contiacutenua e sistemaacutetica os colonizadores iniciavam com a derrubadado pau-brasil fato que jaacute no seacuteculo XVI causou indignaccedilatildeo ao donataacuterioDuarte Coelho Pereira e em seguida vinha a ldquocoivarardquo para queimar avegetaccedilatildeo rasteira e ser o espaccedilo ocupado com o cultivo da cana-de-accediluacutecarsempre em expansatildeo A derrubada era feita tambeacutem para obter a madeiraque serviria de lenha natildeo soacute para movimentar o engenho como para o fogatildeodas casas-grandes e dos trabalhadores e apoacutes o seacuteculo XIX nos fornos daspadarias e das locomotivas das ferrovias A madeira era tambeacutem largamenteutilizada na marcenaria onde se fabricavam cocircmodas cadeiras mesas ebancos moacuteveis famosos quando feitos de jacarandaacute ou de macacauacuteba Ehouve marceneiros que se tornaram ceacutelebres no Recife

Ainda era utilizada na construccedilatildeo civil em casas armazeacutens e igrejas quese tornaram famosos por sua riqueza e por suas dimensotildees Casas-grandesfamosas como a do engenho Noruega a de Poccedilo Comprido e de Uruaeacute eigrejas como as de Olinda do Recife de Goiana e de Igarassu Ou aindaconventos como os dessas cidades e da Paraiacuteba hoje Joatildeo Pessoa deSirinhaeacutem e de Rio Formoso

A devastaccedilatildeo das matas tatildeo condenada por Gilberto e maismodernamente pelos especialistas em ecologia e em meio ambienteprovocou naturalmente uma maior exposiccedilatildeo do solo agrave accedilatildeo dos agentesmeteoroloacutegicos e o empobrecimento dos mesmos

Embora a cana como gramiacutenea desse uma maior proteccedilatildeo ao solo doque o milho e o algodatildeo quando cultivada em encostas de maior decliveacelerava a degradaccedilatildeo e o transporte dos solos das encostas fazendo comque o regolito migrasse ladeira abaixo para se acumular nos vales e nasvaacuterzeas dos rios provocando o encharcamento dos solos e a formaccedilatildeo delagoas e pauis Fato bem observado nas Alagoas cujo litoral apresenta umaseacuterie de lagoas e de lagos barrados pelas restingas que represam os rios emseus baixos cursos formando lagoas como entre outras as de Mundauacute eManguaba Aleacutem disso provocava tambeacutem o assoreamento dos mesmos

O recuo da mata deixou grandes extensotildees de terra sob a influecircnciadireta das intempeacuteries com uma seacuterie de consequecircncias funestas Nos solosargilosos observou-se a intensificaccedilatildeo do escorregamento das vertentes comforte impacto sobre as cidades provocou a migraccedilatildeo de animais silvestrescomo os morcegos hematoacutefilos que antes viviam na floresta para as aacutereashabitadas o assoreamento das vaacuterzeas dos rios e das lagoas que cada vezmais se tornaram maiores e de menor profundidade a difusatildeo de insetostransmissores de moleacutestias que atacam tanto os animais como o homem euma seacuterie de outras consequecircncias danosas

Daiacute a conscientizaccedilatildeo de Gilberto Freyre frente aos problemasprovocados pelo desmatamento e suas posiccedilotildees corajosas na deacutecada de1930 contra os maiores responsaacuteveis por esta poliacutetica que seriam os usineirosdo accediluacutecar segundo ele em sua maioria despreocupados com asconsequecircncias sociais da accedilatildeo que desenvolviam Destes existiam algumasexceccedilotildees como o industrial Antocircnio Ferreira da Costa Azevedo o dono dausina Catende que chegou a ser a mais importante e maior usina daAmeacuterica do Sul Costa Azevedo pela sua competecircncia dinamismo ecapacidade de accedilatildeo teria sido um industrial do seacuteculo XX com mentalidadedo seacuteculo XXI

Quanto aos animais distinguia Gilberto Freyre os da terra e osimportados os primeiros em sua maioria pouco interessaram ao

colonizador apenas os papagaios pelo fato de aprenderem facilmente afalar foram criados por colonizadores portugueses e exploradores francesesque traficavam na costa brasileira durante as primeiras deacutecadas do seacuteculoXVI chegando a levar vaacuterios deles para a Europa e a apresentarem emeventos na Franccedila salientando que as aves brasileiras falavam a liacutenguafrancesa Da mesma forma os portugueses ensinavam a dizer ldquopapagaio realeacute de Portugalrdquo como que indicando que os colonos portugueses pensavamsempre em enriquecer no Brasil e regressar a Portugal

As araras e outros paacutessaros de plumagens coloridas tambeacutem atraiacuteam oscolonizadores da mesma forma que os paacutessaros canoros como o uirapuru daAmazocircnia e os sabiaacutes que cantavam nas palmeiras do Maranhatildeo

Macacos saguis cotias tatus caacutegados e ateacute veados eram tambeacutemreunidos e criados em lugares apropriados por proprietaacuterios de terra quedesejavam manter um maior contato com esta natureza que consideravamselvagem

Mas a maioria dos animais silvestres era utilizada sobretudo nosprimeiros tempos na alimentaccedilatildeo como caccedila possibilitando o preparo demuitas iguarias com a anta maior mamiacutefero da Ameacuterica o tatu a cotia apaca o porco-do-mato o veado o jacareacute e a grande variedade de peixestanto de aacutegua doce como de aacutegua salgada Com eles usando o leite de cocofaziam numerosas e famosas iguarias regionais tatildeo decantadas peloscronistas ao periacuteodo colonial

Havia ainda os animais temidos pelo homem devido o perigo querepresentavam para as suas atividades estes em geral eram dizimados semo menor controle como as cobras venenosas ndash cascavel jararaca coral ndash e asque natildeo sendo venenosas matavam por asfixia como as jiboias de vaacuteriostipos

As aves muitas de grande porte como o jacu a galinha drsquoaacutegua os patosselvagens a ave de arribaccedilatildeo eram tambeacutem muito caccediladas visando a suautilizaccedilatildeo na alimentaccedilatildeo

O maior contato de animais com os europeus os colonizadores que empouco tempo se apossaram da terra e a organizaram em funccedilatildeo dos seusinteresses como salienta Gilberto Freyre ocorreu com animais importadostrazidos pelo colonizador tanto da Europa como da Aacutesia e da Aacutefrica No livro

Nordeste animais como cavalos e bois satildeo considerados os primeiros como osamigos do senhor de engenho e os segundos como os companheiros doescravo

O cavalo teria sido para o colonizador o animal que lhe possibilitava aconquista do territoacuterio e a manutenccedilatildeo do domiacutenio sobre o mesmo Issoporque ele era muito uacutetil na guerra contra os nativos que andavam elutavam a peacute Era a cavalo que o conquistador se lanccedilava contra as aldeiascontra indiacutegenas e contra os mucambos de negros aquilombados criandouma desigualdade entre eles ou sobre eles Tambeacutem a cavalo o senhorcaminhava por suas terras e pelos seus canaviais fiscalizando os trabalhosque vinham sendo executados no campo pelos negros escravos e pelostrabalhadores forros Gilberto compara a semelhanccedila que havia na posiccedilatildeodo senhor e do escravo ou do simples trabalhador quando o primeiro falavaao segundo sempre de um ponto mais alto da sela de cavaleiros ou dacalccedilada ou do alpendre da casa-grande dando ordens em voz alta ou ateacuteaos gritos Ordens que dificilmente deixavam de ser cumpridas

O cuidado com os cavalos de sela diverso do que era dado aos cavalos decangalha era muito acentuado os cavalos eram selecionados de bela cor ndashcastanho alazatildeo russo melado etc ndash e se procurava ensinaacute-los para quecarregassem os viajantes em um andar cadenciado que conforme avelocidade ia ldquodo baixo ao meiordquo Um cavalo meeiro dava orgulho ao seuproprietaacuterio e alcanccedilava preccedilos elevados no mercado da sociedadeaccedilucareira Em geral tambeacutem os senhores de engenho se esmeravam naaquisiccedilatildeo de cavalos de pequeno porte nos quais filhos e netos seexercitavam na arte da equitaccedilatildeo Este era o tratamento dado aos cavalosldquonobresrdquo de uso da aristocracia do accediluacutecar ou como a chamava satiricamenteTobias Barreto da ldquoaccedilucocraciardquo

Por outro lado havia os animais de trabalho equinos muares e asininosque recebiam um tratamento bem diferenciado e eram usados no transporteda cana do accediluacutecar e de moacuteveis e utensiacutelios e que faziam moer os famososengenhos de accediluacutecar As eacuteguas eram utilizadas nas almanjarras dos engenhosque natildeo dispunham de aacutegua suficiente para movimentaacute-los no transportedas canas dos partidos para os engenhos e do accediluacutecar e da aguardente dosengenhos e da destilaccedilatildeo ateacute os portos fluviais ou aos armazeacutens dos

exportadores Neste trabalho eram muito utilizados tambeacutem os burrosmuares ndash hiacutebridos de cavalos com os jumentos ndash animais muito fortes eresistentes agraves grandes caminhadas

Nas almanjarras natildeo eram utilizados cavalos mas apenas eacuteguas porserem mais velozes que os machos Daiacute se chamar aos engenhos agrave traccedilatildeoanimal de ldquoengenhos de bestardquo Segundo os cronistas coloniais os primeirosengenhos foram movidos agrave traccedilatildeo humana sendo logo substituiacutedos porengenhos movidos a bois e finalmente por engenhos de bestas que soacutedesapareceram totalmente na regiatildeo accedilucareira nos seacuteculos XIX e XXquando foram substituiacutedos pelos engenhos a vapor

Se na opiniatildeo de Gilberto externada em Nordeste o cavalo era ocompanheiro quase um complemento do senhor o boi lento manso e defaacutecil dominaccedilatildeo era o companheiro do negro do escravo do homem declasse mais humilde Trazido inicialmente da Europa e a partir do seacuteculoXIX da Iacutendia o boi era utilizado sobretudo na cultura de cana e naproduccedilatildeo de couro assim como no trabalho agraacuterio Criado quase sempre nosertatildeo ele era levado para a regiatildeo canavieira em grandes boiadas para serabatido ou utilizado como animal de trabalho Daiacute a sua maior convivecircnciacom o homem humilde com o trabalhador do que com o senhor de terras ede escravos talvez por isso ele fosse olhado com simpatia entre popularessendo logo convocado para participaccedilotildees em folguedos como o ldquobumba meuboirdquo

Durante muito tempo ele participou tambeacutem do conviacutevio com ossenhores quando conduzia a famiacutelia nas suas viagens para engenhosvizinhos e para as cidades proacuteximas Haacute na realidade um rico folclore a seurespeito e da sua presenccedila na vida patriarcal A sua carne ao contraacuterio da docavalo era muito utilizada como alimento nas casas-grandes e nas senzalastanto sob a forma de carne verde como de carne seca na chamada carne-de-sol ou de vento e no charque ou jabaacute hoje importado do Centro-Oeste edo Sul A produccedilatildeo de charque no seacuteculo XVIII estava concentradasobretudo no sertatildeo nordestino e era chamada de ldquocarne do Cearaacuterdquo Asgrandes secas poreacutem forccedilaram a migraccedilatildeo das induacutestrias produtoras para oRio Grande do Sul

Aleacutem do boi e do cavalo os colonizadores trouxeram do Velho Mundo

para o Nordeste carneiros e cabras que seriam utilizados sobretudo naalimentaccedilatildeo os carneiros eram muito utilizados na eacutepoca da civilizaccedilatildeoaccedilucareira como montaria para as crianccedilas como que preparando-as para aequitaccedilatildeo

Os portugueses natildeo domesticaram aves visando agrave produccedilatildeo dealimentos preferiam utilizar aquelas que jaacute conheciam na Europa como asgalinhas os patos os marrecos os gansos etc Da Aacutefrica trouxeram a guineacute ougalinha-drsquoangola que teve grande difusatildeo no Paiacutes mas eacute considerada demenor importacircncia e prestiacutegio dentre as aves quer na qualidade da carnequer na dos ovos

Observa-se assim e Gilberto o salienta em sua visatildeo ecoloacutegica emNordeste que o colonizador foi um grande predador destruiuimpiedosamente a natureza derrubando florestas agrave procura de ganho faacutecildegradou os solos usou os rios naquilo em que eram uacuteteis e transformou-osem verdadeiros canais de esgotos de recebimento de produtos e dejetosindustriais que disseminou epidemias e endemias europeias e africanas edestruiu a fauna autoacutectone para substituiacute-la por animais importados e jaacutedomesticados em outras plagas Do ponto de vista sanitaacuterio eacute convenientelembrar como a schistosoma mansoni se expandiu por toda a aacutereaaccedilucareira enfraquecendo a populaccedilatildeo pobre que convivia com as aacuteguas dosrios e lagos Atraveacutes de uma vida sexual intensa propagou a siacutefilis a ponto deo proacuteprio socioacutelogo afirmar em livro famoso que os colonizadores natildeo soacutecivilizaram como tambeacutem sifilizaram a sua colocircnia americana Assimpodemos afirmar sem medo de exageros que a colonizaccedilatildeo a ocupaccedilatildeo doterritoacuterio a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira e a catequese foram acompanhadaspela siacutefilis e por outras moleacutestias ldquomaldosamenterdquo chamadas de tropicais

Mas Gilberto como cientista social como observador da formaccedilatildeobrasileira como historiador social como antropoacutelogo como socioacutelogo comocientista poliacutetico e como geoacutegrafo humano depois de uma visatildeo ecoloacutegica dasociedade accedilucareira natildeo teria completado o seu trabalho se natildeo analisasse opapel desempenhado pelo homem ao organizar o seu espaccedilo de atuaccedilatildeo

E ao analisar a accedilatildeo do homem levou em consideraccedilatildeo a existecircncia deuma sociedade de classes onde conviviam dominadores e dominadossenhores e escravos E traccedilou em dois capiacutetulos o quinto e o sexto a

psicologia e o modo de agir de cada uma delas Pernambuco tem umatradiccedilatildeo diversificada do Brasil de vez que a sua classe dominante foimarcada jaacute no seacuteculo XVII por uma prolongada luta entre portugueses eholandeses E face agrave pouca ajuda da coroa portuguesa aos insurgentes de1645 estavam os ldquomazombosrdquo ou nobres da regiatildeo accedilucareira convencidos desua pequena dependecircncia da monarquia portuguesa e do seu direito a umamaior autonomia Daiacute a chamada revolta de 1710 ou guerra dos mascatesonde se contrapuseram os direitos de Olinda aos do Recife enriquecido coma guerra holandesa e em seguida as revoltas de 1817 de 1824 e de 184849nas quais senhores de engenho e comerciantes se levantaram contra osmonarcas de Portugal ateacute 1822 e do Brasil a partir da Independecircncia emnome de ideais democraacuteticos

Na verdade e isto estaacute bem expliacutecito em Nordeste os senhores deengenho e ricos comerciantes haviam se embebido de ideias constitucionaisamericanas e dos princiacutepios libertaacuterios franceses para realizarem umalibertaccedilatildeo dos poderes metropolitanos Mas estes ldquoliberaisrdquo estavamsobretudo temerosos de uma revolta de escravos negros muito numerososna proviacutencia onde havia unidades militares de negros e de mulatos oschamados ldquoHenriquesrdquo que eram muito fortes e desdenhavam dos brancos aque chamavam de ldquocaiadosrdquo Alguns liacutederes se destacaram como o mulatocapitatildeo Pedro Pedroso chefe de uma intentona que derrubou o governoprovincial em 1823 e o major Mundurucu que tinha grande prestiacutegio entre apopulaccedilatildeo de cor sempre pronta para entrar em accedilatildeo Jaacute em 1710 apopulaccedilatildeo pobre do Recife sob lideranccedila de Joatildeo da Mata apoiara osmascates do Recife contra os ldquopeacutes raspadosrdquo de Olinda

E esta populaccedilatildeo negra era temida face aos acontecimentos ocorridos noHaiti quando a Revoluccedilatildeo Francesa enfraqueceu o governo colonial epossibilitou uma sublevaccedilatildeo negra contra os colonizadores brancos queforam expulsos da ilha tornada independente sob o governo de imperadoresnegros E o medo eacute mau conselheiro

Em 1817 quando os revolucionaacuterios tomaram o poder e organizaram umgoverno republicano que dominou o Recife e a capitania de Pernambucoorganizaram um governo de cinco membros representando as cinco classesconsideradas mais importantes ndash clero militares comeacutercio magistratura e

agricultura ndash e os representantes das mesmas eram todos brancos ousemibrancos levando-se em conta que a miscigenaccedilatildeo jaacute penetrara nasvelhas famiacutelias aristocraacuteticas Natildeo houve uma maior preocupaccedilatildeo com alibertaccedilatildeo dos escravos e tambeacutem com a aboliccedilatildeo do traacutefico negreiro da Aacutefricapara o Brasil

Ainda em 1824 ao se proclamar a Confederaccedilatildeo do Equador com todo oideaacuterio democraacutetico de frei Caneca natildeo recebeu o tema da aboliccedilatildeo daescravatura maior atenccedilatildeo Temiam os revolucionaacuterios que o idealabolicionista se externado afastasse da ideia revolucionaacuteria oslatifundiaacuterios os grandes proprietaacuterios de terras Os nossos escritores doseacuteculo XIX natildeo se preocuparam muito com a escravidatildeo e deixaram de ladoas revoltas negras de maior importacircncia como o chamado Quilombo deCatucaacute e a Guerra dos Cabanos Revoltas em que negros mulatos e indiacutegenaspegaram em armas e resistiram durante anos aos seus senhores fugindo agravecondiccedilatildeo de escravos e procurando obter a propriedade ou a posse de terrasagricultaacuteveis

Gilberto mostra poreacutem como numerosos aristocratas do accediluacutecar seconverteram ao ideal abolicionista e lutaram contra a escravidatildeo e aexploraccedilatildeo do homem pelo homem Entre outros podem ser salientadas asfiguras de Joaquim Nabuco e de Joseacute Mariano O primeiro um Paes Barretodescendente do morgado do cabo natildeo soacute defendia a aboliccedilatildeo da escravaturacomo a necessidade de se fazer livrar o Brasil da marca desta instituiccedilatildeonefanda admitindo que a aboliccedilatildeo deveria ser acompanhada dademocratizaccedilatildeo da propriedade da terra por meio de uma reforma agraacuteriaReforma agraacuteria que ainda natildeo foi feita neste iniacutecio do seacuteculo XXI Osegundo um Carneiro da Cunha de Ribeiratildeo aleacutem de se destacar comogrande orador popular participou de accedilotildees onde roubava escravos aosproprietaacuterios de terra escondia-os em suas propriedades sobretudo na doPoccedilo da Panela e remetia-os para o Cearaacute onde a aboliccedilatildeo provincial haviasido feita em 1884 quatro anos antes da nacional

Tambeacutem o Cons Joatildeo Alfredo filho e neto de senhores de engenho eleproacuteprio dono de terras e de escravos ao ascender ao poder realizou aaboliccedilatildeo a 13 de maio de 1888 sem indenizaccedilatildeo aos proprietaacuterios deescravos e de terras Ele levou a entatildeo princesa imperial dona Izabel a

assinar uma lei revolucionaacuteria para a sua eacutepoca e o gabinete que chefioucaiu devido ao jogo parlamentar quando ele caminhava para levar acidadania aos ex-escravos atraveacutes da distribuiccedilatildeo de terras a descendentesde escravos e ex-escravos nas margens das ferrovias e dos rios navegaacuteveisGilberto Freyre em Nordeste e em outros dos seus estudos desenvolve aideia hoje muito aceita de que a aboliccedilatildeo foi feita pela metade foiinterrompida no seu caminho ascendente

Conveacutem salientar ainda que o Recife foi uma cidade que se orgulhava desuas tradiccedilotildees liberais e embebeu de ideias liberais natildeo soacute as personalidadespernambucanas como as figuras de outras proviacutencias que vieram estudar namesma Basta salientar que aqui viveram Castro Alves o poeta da liberdadeabolicionista republicano e agnoacutestico como tambeacutem Rui Barbosa que seria omaior jurista brasileiro de seu tempo Tobias Barreto Siacutelvio Romero VitorianoPalhares Abreu e Lima o general das massas e autor de um livro sobre ldquoOSocialismordquo e muitos outros Aleacutem disto na chamada Revoluccedilatildeo ou RevoltaPraieira jaacute se sentia a influecircncia de ideias republicanas e federalistas Emcapiacutetulo magistral Gilberto Freyre analisa este fenocircmeno da ldquoaccedilucocraciardquopernambucana que reunia de forma dialeacutetica ideais democraacuteticos e ateacutesocialistas ao orgulho de uma origem aristocraacutetica que se iniciara com acolonizaccedilatildeo portuguesa na primeira metade do seacuteculo XVI e conservadaateacute hoje cheia de nomes tradicionais como Albuquerque em numerosasvariantes Cavalcanti Acioli Lins Bandeira de Melo ou Souza Leatildeo enumerosos outros Eles foram os chamados ldquoLeotildees do Norterdquo do tempo doimpeacuterio

Mas Gilberto em Nordeste natildeo salienta apenas estes aspectos positivosele chamou a atenccedilatildeo tambeacutem para os aspectos negativos acentuados apartir da segunda metade do seacuteculo XIX quando foram implantadasnumerosas usinas e os latifuacutendios passaram a engolir engenhos e siacutetiosintensificando a monocultura intensificando a destruiccedilatildeo das matas epoluindo as aacuteguas E aiacute se observa a posiccedilatildeo dialeacutetica do mesmo saudoso dosistema patriarcal que morria rapidamente diante da expansatildeo da usina queafastou o trabalhador rural do proprietaacuterio de terras que passa a viverdistante da propriedade sem conviver com o trabalhador A usina como quedesumaniza o proprietaacuterio e o trabalhador e faz diminuir a classe meacutedia dos

produtores de accediluacutecar senhores de engenho transformados emfornecedores de cana

Salienta ainda que poucos foram os usineiros que guardaram as posiccedilotildeese os haacutebitos de senhores de engenho destacando-se dentre estes o famosoldquotenenterdquo de Catende o industrial Costa Azevedo

O uacuteltimo capiacutetulo eacute voltado para o trabalhador rural escravo ateacute 1888 elivre ou relativamente livre apoacutes o 13 de maio Gilberto apesar deantropoacutelogo e mais com espiacuterito de geoacutegrafo natildeo faz aquela decisatildeo quetomou em Casa-grande amp senzala dando maior importacircncia ao escravodomeacutestico do que ao escravo trabalhador rural Aqui ele encara o trabalhadorde forma mais ampla chamando a atenccedilatildeo para o fato de que a escravidatildeoera muito dura impiedosa para com o escravo mas era menos riacutegida do queem paiacuteses de colonizaccedilatildeo inglesa Observa-se assim que em Nordeste jaacutecomeccedilam a ser lanccediladas as ideias que ganhariam maior forccedila e importacircnciana chamada Tropicologia ou Luso-tropicologia

Desenvolve ideias que acompanham a mudanccedila de vida do escravo paraa do morador de condiccedilatildeo a transformaccedilatildeo do habitat concentrado dasenzala pelo da casa dispersa dos moradores e a atenuaccedilatildeo dos rigores doproprietaacuterio para o trabalhador que ocorria de forma mais acentuadadurante o periacuteodo escravocrata Tambeacutem aiacute discorre para o fato do senhorde engenho ldquofechar os olhosrdquo a certos haacutebitos degradantes que sepropagavam como o do uso de drogas como maconha entre ostrabalhadores Admite que a toleracircncia deste uso pelos senhores resultava davariaccedilatildeo sazonal de braccedilos entre os periacuteodos de maior demanda de matildeo deobra ndash moagem e ateacute certo ponto plantio da cana ndash fazendo com quefacilitassem certos haacutebitos no periacuteodo da entressafra para desviar ostrabalhadores do desejo de especulaccedilotildees que contrariassem os seusinteresses

Observa-se que na vida mais ou menos livre levada pelas classes entatildeochamadas inferiores a disseminaccedilatildeo de moleacutestias sexuais era intensatrazendo impactos sobre a populaccedilatildeo pobre E como estas moleacutestias sedifundiam de forma mais intensa entre as classes mais humildesgeneralizou-se de consideraacute-las moleacutestias tropicais Moleacutestias que eramepidecircmicas e que atingiam as classes menos favorecidas como o

impaludismo (malaacuteria) a leishimoniose a bolba a tuberculose ou queapareciam de forma intensa em certos periacuteodos como a variacuteola e o coacuteleramorbus A variacuteola era conhecida como bexiga vivendo no campo descalccedilos eem contato permanente com a terra era comum serem os pobres atacadospor numerosos tipos de verminoses e por intermeacutedio dos banhos de rio e deaccediludes pela schistosoma mansoni (esquistossomose)

Assim podemos considerar Nordeste como um livro de siacutentese em queGilberto de forma impressionista e caprichando em escrever de forma maisacessiacutevel ao povo daacute uma ideia mais geral da civilizaccedilatildeo accedilucareira e dasociedade patriarcal nele o autor enfatizou a importacircncia das relaccedilotildees entrea natureza e a sociedade mostrando como o homem e o meio natural seinterinfluenciam como terra aacutegua ar vegetaccedilatildeo animais e o homem estatildeoentrelaccedilados por accedilotildees e reaccedilotildees as mais complexas Como o todo natildeo eacute umasoma das partes mas o resultado de uma interrelaccedilatildeo entre os vaacuterioscomponentes do meio orgacircnico e inorgacircnico Daiacute se poder considerarNordeste como um livro eminentemente geograacutefico enquanto Casa-grande amp senzala eacute mais antropoloacutegico e Sobrados e mucambos maissocioloacutegico Tambeacutem fazendo a ecologia dos grandes espaccedilos do Nordeste olivro o consagra como um especialista em ecologia

Apoacutes a descriccedilatildeo do que compreende o livro nos vaacuterios capiacutetulos eacuteconveniente se fazer uma anaacutelise da contribuiccedilatildeo do mesmo aos grandestemas nacionais situando-se o leitor inicialmente na eacutepoca em que ele foiescrito e posteriormente na projeccedilatildeo de suas ideias e conceitos para omundo atual para o momento em que vivemos Ao nosso ver este livroexpressa a posiccedilatildeo do seu autor frente a temas fundamentais como o darelaccedilatildeo entre o regionalismo e o unitarismo e a sua sensibilidade para asquestotildees ligadas ao meio ambiente hoje tatildeo atuais para os problemas decultura e de estruturas sociais para a difusatildeo de haacutebitos e costumesrealizando encontros e interpenetraccedilotildees sociais

Uma das grandes contribuiccedilotildees do livro Nordeste agrave cultura brasileira foia de definir o que eacute uma regiatildeo e a sua importacircncia no contexto do territoacuterionacional Na verdade a histoacuteria do Brasil estaacute permanentemente oscilandoentre as tendecircncias agrave unificaccedilatildeo ou mais precisamente agrave centralizaccedilatildeo e agraveregionalizaccedilatildeo Assim o Brasil que comeccedilou a ser povoado com um sistema

descentralizado de capitanias hereditaacuterias na primeira metade do seacuteculoXVI teve depois um governo geral que se sobrepunha agraves capitanias etentava fazer uma unificaccedilatildeo Em seguida o governo portuguecircs procuroufrear esta centralizaccedilatildeo criando dois governos um no Norte sediado nacidade do Salvador e outro no Sul com sede no Rio de Janeiro Foi depequena duraccedilatildeo este tipo de governo ndash 1572 a 1577 ndash e novamente a colocircniafoi unificada sob o governo da cidade de Salvador A divisatildeo seria mais umavez repetida no periacuteodo de 1608 a 1612 para voltar ao sistema unificado ateacute1621 quando ela foi dividida em dois estados o do Brasil e o do Maranhatildeodivisatildeo que perdurou por mais de um seacuteculo e permitiu que a metroacutepoleintensificasse a sua accedilatildeo colonizadora na Amazocircnia Nem a guerra holandesadesfez esse sistema que chegou quase ateacute a transferecircncia da famiacutelia real parao Rio de Janeiro E ao se proceder agrave Independecircncia o sentimento dosprovincianos era mais forte do que o sentimento dos nacionais O indiviacuteduoera primeiramente pernambucano paulista mineiro ou carioca do quebrasileiro e o gecircnio poliacutetico de Joseacute Bonifaacutecio foi que conduziu o paiacutes a umaindependecircncia nacional evitando uma secessatildeo semelhante agrave ocorrida naAmeacuterica Espanhola

As conspiraccedilotildees e revoltas mais importantes dos fins do periacuteodo colonialforam regionais como a Inconfidecircncia Mineira a Inconfidecircncia Baiana aRevoluccedilatildeo Pernambucana de 1817 continuando o provincianismo a sermuito forte na chamada Guerra da Independecircncia Fazendo-se umareflexatildeo sobre os acontecimentos de Pernambuco e do Gratildeo-Paraacute nesteperiacuteodo se chegaraacute agrave conclusatildeo de que os sentimentos ligados agrave proviacutenciaeram mais fortes do que os ligados ao paiacutes

Apoacutes a Independecircncia ainda tivemos a famosa Confederaccedilatildeo doEquador que conclamou as diversas proviacutencias entatildeo ditas ldquodo Norterdquosobretudo Pernambuco e Cearaacute agrave separaccedilatildeo do Rio de Janeiro Com aabdicaccedilatildeo do primeiro imperador em 1831 o governo da regecircncia natildeo tendocondiccedilotildees de controlar o poder nas vaacuterias proviacutencias deu margem aosurgimento de revoltas famosas das populaccedilotildees pobres com grandeparticipaccedilatildeo de negros forros escravos e indiacutegenas ligados a mesticcedilos e abrancos pobres deserdados da fortuna como a Cabanagem na Amazocircnia aBalaiada no Maranhatildeo e Piauiacute a Cabanada em Pernambuco e Alagoas a

Sabinada na Bahia e a Revoluccedilatildeo Farroupilha (Guerra dos Farrapos) no RioGrande do Sul

Estas revoltas tecircm todas elas uma grande importacircncia para acompreensatildeo de evoluccedilatildeo da sociedade brasileira e precisam ser estudadasem maior profundidade como aconselhava Caio Prado Juacutenior em seu livropioneiro de 1933 Evoluccedilatildeo poliacutetica do Brasil Ao se fazer a histoacuteria geral doBrasil deve-se partir de estudos locais como jaacute salientava Capistrano deAbreu E Gilberto Freyre ao analisar as caracteriacutesticas da sociedadepatriarcal salientava a importacircncia do aspecto cultural dominante em vaacuteriasregiotildees e com a diversificaccedilatildeo da exploraccedilatildeo da terra marcava cada umadelas criando identidades regionais e locais

Esta percepccedilatildeo mais cultural do que eacutetnica levou-o a chamar a atenccedilatildeopara a falsa divisatildeo dominante entre autores do seu tempo de defesa de umcentralismo da unidade nacional e um estadualismo aplicado pelaConstituiccedilatildeo Republicana de 1891 e consolidado pela poliacutetica dosgovernadores defendida por Campos Sales ele lembrava que entre o Estadoe o Paiacutes havia a regiatildeo E que as regiotildees nem sempre se acomodavam dentrodos limites poliacutetico-administrativos dos Estados

Uma anaacutelise da formaccedilatildeo do pensamento regionalista mostra como oautor destruiu aquela ideia generalizada de que o imenso paiacutes-continenteque eacute o Brasil compreendia duas grandes aacutereas que poderiacuteamos chamarregiotildees o Norte e o Sul Estas reflexotildees levaram o Governo Vargas ao criar oInstituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a desenvolver estudosregionais que culminaram com a proposta de divisatildeo do paiacutes em cincograndes regiotildees naturais o Norte o Nordeste o Leste o Sul e o Centro-Oesteproposta feita pelo geoacutegrafo Faacutebio de Macedo Soares Guimaratildees em 1941 eque foi oficializada apesar de sofrer grandes criacuteticas dos geoacutegrafos brasileirosque trabalhavam nas Universidades de Satildeo Paulo e do Rio de Janeiro e noproacuteprio IBGE Posteriormente em 1952 o governo federal criou o chamadoPoliacutegono das Secas compreendendo trechos do territoacuterio de Estadosnordestinos e de Minas Gerais como aacuterea de accedilatildeo do entatildeo criado Banco doNordeste Em seguida em 1958 provocado por outra grande seca o governofederal criou o ldquoNordeste da Sudenerdquo juntando ao Poliacutegono das Secas asporccedilotildees uacutemidas dos vaacuterios Estados da regiatildeo e o Maranhatildeo Em uma nova

divisatildeo regional do Paiacutes o IBGE tornou oficial o Nordeste da Sudene edesmembrou o Leste que perdeu Sergipe e Bahia sendo os estados doEspiacuterito Santo do Rio de Janeiro e de Minas Gerais reunidos a Satildeo Paulopara formar o Sudeste O Sul passou a compreender apenas os trecircs Estadosmeridionais

Ainda a partir da ideia do mestre de Apipucos e com o apoio deescritores famosos que se abeberaram nos trabalhos anteriores como os deDomingos Olimpio de Rodolfo Theoacutefilo de Joseacute Ameacuterico de Almeida e dagenial obra de Euclides da Cunha Os sertotildees firmou-se a concepccedilatildeocultural da existecircncia de uma regiatildeo nordestina com caracteriacutesticas proacutepriasdentro do territoacuterio brasileiro E o Nordeste vem sendo estudado e criticadodentro dos centros cientiacuteficos da regiatildeo e de outras aacutereas do paiacutes sentindo-se sempre a marca freyreana Leia-se e reflita-se sobre livros marcantes maisrecentes como o Elegia para uma re(li)giatildeo de Francisco Oliveira e O fimdo Nordeste de Michel Zaidan que se veraacute a presenccedila do pensamento deGilberto ora para ser enaltecido ora para ser criticado e ora para sercontestado Mas ele estaacute presente em todos os momentos e reflexotildees

Outra grande contribuiccedilatildeo do livro eacute a do tema ligado ao meio ambientede vez que o autor divide a regiatildeo em duas sub-regiotildees mais caracteriacutesticas eprocura colocar a cultura imperial a cana-de-accediluacutecar no centro de suasreflexotildees selecionando a sua presenccedila com elementos naturais a terra oclima a aacutegua o mato e bioloacutegicos como a vegetaccedilatildeo os animais e o proacutepriohomem E ciente da importacircncia da organizaccedilatildeo dada ao espaccedilo que setransforma em territoacuterio da forma como ele procede age e se torna umagente motor e responsaacutevel pelo territoacuterio produzido Natildeo se pode afirmarque Gilberto tenha sido um precursor geneacuterico da ecologia ciecircnciaorganizada por Ernest Haekel nos fins do seacuteculo XIX na Alemanha mas foiele que primeiro aplicou os conceitos ecoloacutegicos a grandes espaccedilos territoriaisno territoacuterio brasileiro

Numerosos estudiosos do Nordeste tambeacutem estudaram a regiatildeosobretudo no seu aspecto geobotacircnico de forma mais especializadalevantando protestos contra a destruiccedilatildeo que vem sendo feita da MataAtlacircntica sobretudo pelas usinas de accediluacutecar como J Vasconcelos Sobrinhocom os seus livros baacutesicos intitulados As regiotildees naturais de Pernambuco o

meio e a civilizaccedilatildeo editado em 1949 pela editora Freitas Bastos e Asregiotildees naturais do Nordeste o meio e a civilizaccedilatildeo escrito com uma seacuteriede colaboradores e publicado pelo Condepe no Recife em 1970

Trata-se de livros de grande importacircncia que vecircm complementar asobservaccedilotildees de Gilberto Freyre

Ao estudar a accedilatildeo do homem Gilberto demonstra como eacute difiacutecil seatingir a unanimidade e mostra como entre as tradicionais famiacutelias quedominavam a regiatildeo canavieira nordestina por seacuteculos ela produziu os seuscontestadores tanto entre pessoas das classes dominadas como tambeacutemoriundas das classes dominantes E os heroacuteis populares natildeo foram apenas osque nasceram no meio do povo como escravos ou iacutendios como o Zumbi dosPalmares como Antonio Ferreira de Paula o chefe dos cabanos que lutoucontra o governo imperial desde 1831 ateacute 1849 como bandoleiros como oCabeleira mas tambeacutem pessoas da clatilde dominantes filhos de proprietaacuterios deterras e de escravos como Nunes Machado morto na chamada ldquoRevoluccedilatildeoPraieirardquo Joseacute Inaacutecio de Abreu e Lima autor do primeiro livro brasileiro sobreo socialismo Joseacute Mariano o grande tribuno do abolicionismo e daRepuacuteblica Joaquim Nabuco a grande figura de aristocrata e de abolicionistaque sacrificou a sua carreira poliacutetica por ideais mais nobres como CristianoCordeiro o grande liacuteder comunista dos anos 1920 e 1930 como Demoacutecritode Souza Filho sacrificado na Praccedila da Independecircncia em 1945 na lutacontra a ditadura do Estado Novo e tantos outros O idealismo e o heroiacutesmoa dedicaccedilatildeo ao bem puacuteblico natildeo eacute privileacutegio de classe ou de raccedila comodemonstra Gilberto no capiacutetulo de conclusatildeo deste seu notaacutevel livro ndashNordeste

Daiacute se proclamar Gilberto como um revolucionaacuterio-conservador porqueaspirou lutou e defendeu a sociedade e a sua contiacutenua mudanccedila sem fazerconcessotildees agravequeles que pensam que as mudanccedilas soacute poderatildeo ser realizadascom governos fortes e autoridades truculentas e natildeo por meio detransformaccedilotildees sociais realizadas paulatinamente e de forma a maisrespeitosa Ao concluir a leitura deste grande livro eacute interessante se refletirsobre a frase colocada na boca de um priacutencipe siciliano por Guido deLampedusa ao afirmar que eacute necessaacuterio que as coisas mudem para quefiquem como estatildeo Gilberto natildeo pensava ao escrever Nordeste como

Lampedusa mas queria que houvesse firmeza e seguranccedila nas mudanccedilaspara que elas natildeo desenvolvessem reaccedilotildees mais fortes que as despedaccedilassemDaiacute a necessidade de que a juventude leia Nordeste com atenccedilatildeo devida eque reflita sobre os ensinamentos que este magniacutefico livro conteacutem

Manoel Correia de AndradeProfessor emeacuterito da Universidade Federal de Pernambuco

Prefaacutecio agrave 1a ediccedilatildeo

Este ensaio eacute uma tentativa de estudo ecoloacutegico do Nordeste do BrasilDe um dos Nordestes acentue-se bem porque haacute pelo menos dois oagraacuterio e o pastoril e aqui soacute se procura ver de perto o agraacuterio O da cana-de-accediluacutecar que se alonga por terras de massapecirc e por vaacuterzeas do norte da Bahiaao Maranhatildeo sem nunca se afastar muito da costa

Ver simplesmente Natildeo se trata de sondagem nem de anaacutelise minuciosaA anaacutelise ecoloacutegica de uma regiatildeo tatildeo complexa seria tarefa para mais de umautor e natildeo para um soacute e tambeacutem para mais de um volume

Aqui apenas se tenta esboccedilar a fisionomia daquele Nordeste agraacuterio hojedecadente que foi por algum tempo o centro da civilizaccedilatildeo brasileira Dooutro Nordeste traccedilaraacute o perfil para esta coleccedilatildeo [Coleccedilatildeo DocumentosBrasileiros] um dos conhecedores mais profundos de sua formaccedilatildeo social ndashDjacir Menezes

O criteacuterio deste estudo jaacute disse que eacute um criteacuterio ecoloacutegico O centro deinteresse o homem fundador de lavoura e transplantador e criador devalores agrave sombra da agricultura ou antes da monocultura da cana Ohomem colonizador em suas relaccedilotildees com a terra com o nativo com asaacuteguas com as plantas com os animais da regiatildeo ou importados da Europa ouda Aacutefrica

Tal estudo mesmo esquemaacutetico e quase todo impressionista como eacuteexigiu incursotildees em vaacuterias especialidades ligadas ao problema social daadaptaccedilatildeo do colonizador ndash europeu ou africano ndash ao meio regional Mas eacuteclaro que em nenhuma dessas especialidades o autor fez mais do querecolher de trabalhos jaacute claacutessicos ndash o de Philipp von Luetzelburg sobre abotacircnica do Nordeste por exemplo ndash ou de pesquisas ainda a meio masrevelando aspectos ignorados ou desprezados da patologia regional como asde Ulisses Pernambucano sobre as doenccedilas mentais em Pernambuco e as deAgeu Magalhatildees sobre a esquistossomose de Manson nos rios de engenho ndashmaterial necessaacuterio ao esclarecimento e agrave interpretaccedilatildeo daquele processo de

adaptaccedilatildeo do portuguecircs e do africano ao meio regional ou do seu domiacuteniosobre esse meio Adaptaccedilatildeo e domiacutenio que se processaram quer atraveacutes deajustamentos agraves vezes felizes quer de violecircncias nem sempre fecundasantes de um valor todo transitoacuterio e este mesmo em benefiacutecio de algunsindiviacuteduos de algumas famiacutelias ou quando muito de uma classe de umsexo quase exclusivamente de uma raccedila interessada na cultura de umaplanta uacutenica a cana-de-accediluacutecar

Essa exclusividade pode-se dizer que caracterizou como nenhum outrofato a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste depois de ter condicionado a suacolonizaccedilatildeo e a sua conquista pelos portugueses A monoculturalatifundiaacuteria e escravocraacutetica e ainda monossexual ndash o homem nobre donode engenho gozando quase sozinho os benefiacutecios de domiacutenio sobre a terra esobre os escravos ndash deu ao perfil da regiatildeo o que ele apresenta de aquilino dearistocraacutetico de cavalheiresco embora um aristocratismo em certos pontosmoacuterbido e um cavalheirismo agraves vezes saacutedico

Impossiacutevel afastar a monocultura de qualquer esforccedilo de interpretaccedilatildeosocial e ateacute psicoloacutegica que se empreenda do Nordeste agraacuterio Amonocultura a escravidatildeo o latifuacutendio ndash mas principalmente amonocultura ndash aqui eacute que abriram na vida na paisagem e no caraacuteter dagente as feridas mais fundas O perfil da regiatildeo eacute o perfil de uma paisagemenobrecida pela capela pelo cruzeiro pela casa-grande pelo cavalo de raccedilapelo barco a vela pela palmeira-imperial mas deformada ao mesmo tempopela monocultura latifundiaacuteria e escravocraacutetica esterilizada por ela emalgumas de suas fontes de vida e de alimentaccedilatildeo mais valiosa e mais purasdevastada nas suas matas degradada nas suas aacuteguas

Quase o mesmo que se passou no Nordeste do Brasil e no Sul na baixadado Rio de Janeiro verificou-se noutros trechos da Ameacuterica onde acolonizaccedilatildeo europeia teve por base o accediluacutecar a monocultura o latifuacutendio e aescravidatildeo prevaleceram tanto quanto aqui

Barbados foi quase um rebento de PernambucoDizem os seus historiadores que o marinheiro inglecircs John Powell voltava

de Pernambuco agrave Europa em 1625 quando tocou na ilha jaacute visitada poroutros viajantes As vantagens de lucro faacutecil com o accediluacutecar tatildeo evidentes noNordeste do Brasil talvez atuassem sobre a imaginaccedilatildeo de Powell que tomou

posse da ilha para a Inglaterra Mas soacute em 1640 comeccedilou-se a produzirexclusivamente accediluacutecar em Barbados por quinze anos feliz sob a policulturae a pequena propriedade Diz o professor Harlow que o primeiro plantadorde cana na ilha foi o Coronel Holdip que ele e os demais iniciadores damonocultura em Barbados se utilizaram da experiecircncia dos monocultoresbrasileiros alguns vindo ateacute caacute inteirar-se melhor do processo agriacutecola e doindustrial de fabrico do accediluacutecar Barbados parece que gozou ainda dasvantagens de emprego de capital holandecircs e provavelmente judeu depoisda reconquista do Nordeste pelos portugueses

Teve alguns anos de progresso extraordinaacuterio Quase o luxo dePernambuco Quase o fausto do Recocircncavo ou da baixada do Rio de Janeiro

Mas luxo e fausto ainda mais passageiros do que no Nordeste do Brasil Aescravidatildeo afastou a colonizaccedilatildeo livre que correra para a ilha de 1625 a 1640atribuindo-se depois ao clima o ecircxodo desses brancos que se viram derepente uns fantasmas no meio de tanta cana e de tanto negro O latifuacutendiovenceu a pequena propriedade certo capitatildeo Waterman senhor deengenho entrou a ocupar sozinho com seus canaviais as terras a princiacutepioocupadas por quarenta famiacutelias dedicadas a vaacuterias culturas

Barbados apesar da religiatildeo e da raccedila tatildeo diferentes de seus colonosficou por muito tempo sociologicamente quase um pedaccedilo do Nordeste doBrasil A vida a paisagem e o caraacuteter da gente marcados pelas mesmasinfluecircncias econocircmicas e sociais cuja accedilatildeo se estendeu agraves vaacuterias AntilhasSempre mais duro que o colonizador portuguecircs o colono inglecircs de Barbadosde Jamaica de Trinidad deu agrave monocultura da cana sabor ainda mais crudo que entre noacutes O professor Mathieson ndash outro estudioso da colonizaccedilatildeoinglesa das Antilhas ndash recorda que se chegou a gravar com pesado imposto aterra destinada agrave produccedilatildeo de alimentos No Nordeste do Brasil aadministraccedilatildeo portuguesa dos tempos coloniais insistiu quase sempre pelanecessidade das culturas ancilares tatildeo sufocadas pela da cana

Em Cuba a monocultura da cana a escravidatildeo africana e o latifuacutendioderam agrave paisagem traccedilos e cores que a aparentam tanto quanto Barbadosda paisagem do Nordeste A competiccedilatildeo a rivalidade dos engenhos entre sidisputando-se como inimigos a mateacuteria-prima foi um processo cubano bemparecido com o brasileiro principalmente ao comeccedilar o predomiacutenio das

usinas nas terras do Nordeste Nesse processo de imperialismo industrial laacutecomo aqui teve accedilatildeo poderosa a estrada de ferro particular dando agrave usinatentaacuteculos com que ir buscar cana em trechos remotos Soacute o custo dotransporte impocircs limites a esse imperialismo tentacular das usinas cada qualfazendo de extensotildees enormes terras exclusivamente de cana edescuidando-se da valorizaccedilatildeo agriacutecola das aacutereas jaacute desvirginadas

Outro caracteriacutestico comum agraves vaacuterias regiotildees americanas de colonizaccedilatildeomonocultora ou pelo accediluacutecar ndash tatildeo intensa no Nordeste do Brasil ndash foi e emcertos trechos eacute ainda o emprego do trabalhador apenas durante uma partedo ano a outra parte ficando uma eacutepoca de oacutecio e para alguns devolutuosidade desde que a monocultura em parte nenhuma da Ameacutericafacilitou pequenas culturas uacuteteis pequenas culturas e induacutestrias ancilares aolado da imperial de cana-de-accediluacutecar Soacute as que se podem chamar deentorpecentes de gozo quase de evasatildeo favoraacuteveis agravequele oacutecio e agravequelavolutuosidade o tabaco para os senhores a maconha ndash plantada nemsempre clandestinamente perto dos canaviais ndash para os trabalhadores paraos negros para a gente de cor a cachaccedila a aguardente a branquinha

A sugestatildeo aiacute fica esclarecendo talvez um aspecto ateacute hoje esquecido dapatologia social da monocultura Natildeo parece simples coincidecircncia que sesurpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de maconha entre overde-claro dos canaviais Houve evidente toleracircncia ndash quando natildeo mais quetoleracircncia ndash para a cultura dessas plantas volutuosas tatildeo proacuteprias paraencher de langor os largos meses de oacutecio deixados ao homem pelamonocultura da cana Largos meses que sem um bom derivativo podiamresultar perigosos para a estabilidade dos grandes senhores de terras deaccediluacutecar Estes por sua vez tornaram-se maiores fumadores de charutosfinos Precisamente em dois focos de civilizaccedilatildeo accedilucareira ndash em Cuba e naBahia ndash eacute que se aperfeiccediloou o fabrico dos charutos O mesmo talvez sepossa dizer dos cigarros de maconha que nos portos do Nordeste aindahoje noacuterdicos viciados na liamba chegam a comprar por altos preccedilos aosvendedores da terra

O latifuacutendio accedilucareiro escreve Ramiro Guerra y Sanchez referindo-seagraves Antilhas particularmente a Cuba eacute ldquouma induacutestria que cresceterritorialmente e que gira em um ciacuterculo vicioso do qual natildeo pode escapar

vendo-se arrastada fatalmente agrave superproduccedilatildeordquo E ainda escrevendoquase na terminologia de Sorokin ldquoSe a empresa latifundiaacuteria crescesseverticalmente agrave maneira de um gigantesco arranha-ceacuteu em vez de fazecirc-lohorizontalmente talvez nada tiveacutessemos que opor a elardquo Mas ela cresce emextensatildeo natildeo se cansa de engolir terras para a praacutetica da cultura extensa dacana desprezando a intensa que implicaria na soluccedilatildeo de problemas como odo mosaico no cultivo da cana de melhor rendimento no desenvolvimentoda irrigaccedilatildeo e do adubo das terras mais concentradas

Entre noacutes essa cultura por extensatildeo se tem feito agrave grande e em prejuiacutezo

dos interesses gerais da regiatildeo Em Pernambuco ela ocupa 34 da zona

chamada da ldquomatardquo a mais feacutertil do Estado Natildeo se daacute atenccedilatildeo agrave sementeQuase natildeo se liga importacircncia agraves doenccedilas da cana Excetuadas algumasusinas modernas nas outras e nos engenhos soacute se extrai da cana 67 e 8de accediluacutecar E eacute bem expressivo o seguinte fato nos uacuteltimos cinquenta ousessenta anos construiacuteram-se no Estado 2000 quilocircmetros de estradas deferro de usinas sem que as vantagens de lucro tenham compensado despesatatildeo grande

Aqui como em Cuba a induacutestria de accediluacutecar quase soacute tem feito crescerldquoterritorialmenterdquo ao mesmo tempo que o homem vem sendo diminuiacutedo porela que as aacuteguas vecircm sendo degradadas pelas usinas as matas devastadaspelo sistema monocultor

Este trabalho jaacute disse que era quase impressionista A civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste exige uma anaacutelise demorada que soacute se poderaacute fazercom inteira amplitude cientiacutefica juntando-se vaacuterios especialistas para umesforccedilo comum e reunindo-se toda a documentaccedilatildeo possiacutevel aantropoloacutegica como a histoacuterica a socioloacutegica como a psicoloacutegica a geoloacutegicacomo a botacircnica

Fica entretanto nestas paacuteginas uma visatildeo da paisagem da vida e dohomem do Nordeste que a monocultura da cana feriu mais profundamente

Como os estudos anteriores este apesar de mais impressionista tambeacutemexigiu pesquisas pelos arquivos regionais e portugueses esforccedilos deinvestigaccedilatildeo vaacuterias excursotildees pelas velhas zonas de plantaccedilatildeo de cana

No trabalho de copiar documento no de traduccedilatildeo e ainda no preparodo manuscrito tive como das vezes passadas o auxiacutelio de companheiros

mais jovens de estudo Diogo de Mello Menezes Ivan Seixas ClarivalValadares Carlos Gilberto Cavalcanti Archimedes de Mello Netto A este quepassou a limpo o trabalho com tanta inteligecircncia e tanto esmero os meusmelhores agradecimentos

Meus agradecimentos ainda ao Secretaacuterio da Agricultura do Estado dePernambuco o agrocircnomo Lauro Montenegro empenhado numa obra tatildeosimpaacutetica de renovaccedilatildeo das praacuteticas agriacutecolas na zona pernambucana doaccediluacutecar e aos seus colaboradores Agradecimentos pelos dados oficiais que meforneceram e que foram aqui aproveitados no texto e em mapasParticularmente os dados da Diretoria de Estatiacutestica preparados sob adireccedilatildeo cuidadosa de Paulo Pimentel e Souza Barros

A M Bandeira agradeccedilo a valiosa colaboraccedilatildeo artiacutestica principalmente omapa fixando os elementos mais caracteriacutesticos da paisagem cultural doNordeste agraacuterio o triacircngulo ndash engenho casa e capela

Gilberto FreyreEngenho Queimadas 1936Recife 1937

1 ndash A CANA E A TERRA

A palavra ldquonordesterdquo eacute hoje uma palavra desfigurada pela expressatildeoldquoobras do Nordesterdquo que quer dizer ldquoobras contra as secasrdquo E quase natildeosugere senatildeo as secas Os sertotildees de areia seca rangendo debaixo dos peacutes Ossertotildees de paisagens duras doendo nos olhos Os mandacarus Os bois e oscavalos angulosos As sombras leves como umas almas do outro mundo commedo do sol

Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se alongando quaseem figuras de El Greco eacute apenas um lado do Nordeste O outro NordesteMais velho que ele eacute o Nordeste de aacutervores gordas de sombras profundas debois pachorrentos de gente vagarosa e agraves vezes arredondada quase emsanchos-panccedilas pelo mel de engenho pelo peixe cozido com piratildeo pelotrabalho parado e sempre o mesmo pela opilaccedilatildeo pela aguardente pelagarapa de cana pelo feijatildeo de coco pelos vermes pela erisipela pelo oacuteciopelas doenccedilas que fazem a pessoa inchar pelo proacuteprio mal de comer terra

Um Nordeste onde nunca deixa de haver uma mancha de aacutegua umavanccedilo de mar um rio um riacho o esverdeado de uma lagoa Onde a aacuteguafaz da terra mais mole o que quer inventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencional dos compecircndios

Um Nordeste com a cal das casas de telha tirada das pedras do mar comuma populaccedilatildeo numerosa vivendo de peixe de marisco de caranguejo com

as mulheres dos mucambos lavando as panelas e os meninos na aacutegua dosrios com alguns caturras ainda iluminando as casas a azeite de peixe

Um Nordeste oleoso onde noite de lua parece escorrer um oacuteleo gordo dascoisas e das pessoas Da terra Do cabelo preto das mulatas e das caboclasDas aacutervores lambuzadas de resinas Das aacuteguas Do corpo pardo dos homensque trabalham dentro do mar e dos rios na bagaceira dos engenhos no caisdo Apolo nos trapiches de Maceioacute

Esse Nordeste da terra gorda e de ar oleoso eacute o Nordeste da cana-de-accediluacutecar Das casas-grandes dos engenhos Dos sobrados de azulejo Dosmucambos de palha de coqueiro ou de coberta de capim-accedilu O Nordeste daprimeira faacutebrica brasileira de accediluacutecar ndash de que natildeo se sabe o nome ndash e talvezda primeira casa de pedra e cal da primeira igreja no Brasil da primeiramulher portuguesa criando menino e fazendo doce em terra americana doPalmares de Zumbi ndash uma repuacuteblica inteira de mucambos O Nordeste quevai do Recocircncavo ao Maranhatildeo tendo o seu centro em Pernambuco

Aliaacutes haacute mais de dois Nordestes e natildeo um muito menos o Norte maciccedilo euacutenico de que se fala tanto no Sul com exagero de simplificaccedilatildeo Asespecializaccedilotildees regionais de vida de cultura e de tipo fiacutesico no Brasil estatildeoainda por ser traccediladas debaixo de um criteacuterio rigoroso de ecologia ou desociologia regional que corrija tais exageros e mostre que dentro da unidadeessencial que nos une haacute diferenccedilas agraves vezes profundas

O Nordeste do massapecirc da argila do humus gorduroso eacute o que podehaver de mais diferente do outro de terra dura da areia seca A terra aqui eacutepegajenta e melada Agarra-se aos homens com modos de garanhona Mas aomesmo tempo parece sentir gosto em ser pisada e ferida pelos peacutes de gentepelas patas dos bois e dos cavalos Deixa-se docemente marcar ateacute pelo peacute deum menino que corra brincando empinando um papagaio ateacute pelas rodasde um cabrioleacute velho que vaacute aos solavancos de um engenho de fogo morto auma estaccedilatildeo da Great Western

Haacute quatro seacuteculos que o massapecirc do Nordeste puxa para dentro de si aspontas de cana os peacutes dos homens as patas de bois as rodas vagarosas doscarros as raiacutezes das mangueiras e das jaqueiras os alicerces das casas e dasigrejas deixando-se penetrar como nenhuma outra terra dos troacutepicos pelacivilizaccedilatildeo agraacuteria dos portugueses

O massapecirc eacute acomodatiacutecio Eacute uma terra doce ainda hoje Natildeo tem aqueleranger de areia dos sertotildees que parece repelir a bota do europeu e o peacute doafricano a pata do boi e o casco do cavalo a raiz da mangueira-da-iacutendia e obroto da cana com o mesmo enjoo de quem repelisse uma afronta ou umaintrusatildeo A doccedilura das terras de massapecirc contrasta com o ranger da raivaterriacutevel das areias secas dos sertotildees

O massapecirc natildeo vai ao extremo da terra de mangue que quase natildeo eacuteterra de tatildeo melada de tatildeo mole e indecisa deixando que nela a aacuteguaapodreccedila os matos e as raiacutezes Nem o excesso do barro tauaacute nos dias dechuva capaz de engolir balduiacutenas de sorver comboios inteiros

O massapecirc tem outra resistecircncia e outra nobreza Tem profundidade Eacuteterra doce sem deixar de ser terra firme o bastante para que nela seconstrua com solidez engenho casa e capela

Nessas manchas de terra pegajenta foi possiacutevel fundar-se a civilizaccedilatildeomoderna mais cheia de qualidades de permanecircncia e ao mesmo tempo deplasticidade que jaacute se fundou nos troacutepicos A riqueza do solo era profundaas geraccedilotildees de senhores de engenho podiam suceder-se no mesmo engenhofortalecer-se criar raiacutezes em casas de pedra e cal natildeo era preciso onomadismo agraacuterio que se praticou noutras terras onde o solo menos feacutertilesgotado logo pela monocultura fez do agricultor quase um cigano sempre agraveprocura de terra virgem Um dom-juan de terras

As cem cento e vinte mil caixas de accediluacutecar que antes de 1670 seimportavam em Lisboa excedendo entatildeo ldquoos assucares do Brasil em bellesa eproveito aos das Indias orientaes unicos que no seacuteculo XVI e ateacute meados doXVII appareciatildeo nos mercados da Europardquo eram accediluacutecares quase todos doNordeste e sua bondade se atribuiacutea agrave boa qualidade dos nossos terrenos ldquooP Labat escreve que a forccedila das terras do Brasil era tal que caacute amadurecia acana em trez mezes quando nas Antilhas custava de dezesseis a dezoitordquo2lembrava haacute mais de cem anos em memoacuteria sobre o accediluacutecar Joseacute SilvestreRebecirclo

Sem massapecirc sem argila sem humus a paisagem do Nordeste ndash desde oRecocircncavo na Bahia ateacute certos trechos do Maranhatildeo ndash natildeo teria se alteradotatildeo decisivamente no sentido em que se alterou desde os meados do seacuteculoXVI no sentido da cana-de-accediluacutecar No sentido da casa-grande de pedra e

calA qualidade do solo tornou possiacutevel o avanccedilo civilizado da cana em vaacuterias

outras terras do Brasil Mas a estabilidade de sua cultura no extremoNordeste e no Recocircncavo se explica por condiccedilotildees particularmentefavoraacuteveis de solo de atmosfera de situaccedilatildeo geograacutefica Nas terras ondeparece que se plantaram as primeiras canas ndash talvez mais como um recursocontra as ldquodoenccedilas do marrdquo principalmente o escorbuto do que como basede uma agricultura colonial e muito menos de uma induacutestria ndash nunca seteria firmado a lavoura que em poucos anos fez da Nova Lusitacircnia umacolocircnia de gente tatildeo farta de homens tatildeo soacutelidos com tanto ruge-ruge deseda e tanto brilho de rubis com casas de pedra e cal com sobrados deazulejo e igrejas guarnecidas de jacarandaacute e de ouro

A qualidade do solo completada pela da atmosfera condicionou comotalvez nenhum outro elemento essa especializaccedilatildeo regional da colonizaccedilatildeoda Ameacuterica pelos portugueses que foi a colonizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar e dizendo-se esta frase banal diz-se ao mesmo tempo uma verdademuitas vezes esquecida

Eacute claro que o triunfo do accediluacutecar no extremo Nordeste foi favorecido porum grupo de circunstacircncias e natildeo por um elemento soacute pela proximidadeda Europa como pelo contato faacutecil com a Aacutefrica fornecedora de escravospela qualidade do elemento colonizador europeu ndash a parentela de DuarteCoelho e de dona Beatriz gente boa e satilde habituada agrave vida rural e ao trabalhoagriacutecola gente talvez geneticamente superior aos simples artesatildeos ndash algunsparece que mouriscos ndash aos burgueses ndash tantos deles cristatildeos-novos ndash e aosfidalgotes aventureiros que primeiro salpicaram de sangue europeu ousemieuropeu outros pontos da Ameacuterica conquistada pelos portugueses Eainda favorecido pela experiecircncia agriacutecola e pelos haacutebitos de relativasedentariedade do elemento colonizador africano os negros de pescoccedilocurto cuja predominacircncia Tollenare notou em Pernambuco nos princiacutepiosdo seacuteculo XIX e que os anuacutencios de pretos fugidos nos jornais da regiatildeoparecem confirmar

Mas eacute preciso natildeo esquecer o que o massapecirc representou ao lado daatmosfera da aacutegua da situaccedilatildeo geograacutefica nessa vitoacuteria do accediluacutecar Noextremo Nordeste como no Recocircncavo baiano a terra ndash de modo nenhum a

feacutertil e boa para qualquer cultura dos exageros do primeiro cronista ndash umavez desbastada de seu arvoredo mais grosso apresentou-se cheia demanchas avermelhadas e pretas onde fazia gosto plantar cana Estarebentava forte e gorda como em nenhuma outra terra Foram essasmanchas excepcionais que tornaram possiacutevel a civilizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar que aqui se desenvolveu

O massapecirc jaacute teve quem lhe fizesse o elogio em palavras tatildeo quentes quenatildeo parecem de um economista frio Joseacute da Silva Lisboa

ldquoEste Reconcavordquo ndash escrevia Silva Lisboa em 1871 em carta ao DrDomingos Vandelli diretor do Real Jardim Botacircnico de Lisboa ndash ldquoeacuteentrecortado de varios rios navegaveis que se veem lanccedilar na mesma bahiade que satildeo ramos He aqui se acha a verdadeira humus natural he estauma terra chamada maccedilapeacute negra compacta viscozissima que trituradanos dedos faz sentir-se uma sensaccedilatildeo de unctuosidade que desfeita em aguae precipitada deixa na parte superior huma porccedilao de oleo vegetal natantede que estava saturada a mesma terra que assim se havia impregnado dellapela resoluccedilatildeo continuada dos vegetaes que nella apodrecemprincipalmente das folhas das grandes arvores que nos seculos passadoshaviatildeo feito montes altissimos que depois com o tempo e chuvas seresolveratildeo He esta terra maccedilapeacute propissima para a cannardquo3 Anos depois

notaria Martius ldquoum canavial convenientemente plantado em condiccedilotildeesfavoraacuteveis como no massapecirc dura muitos anos desenvolvendoanualmente novas socas das cepas que ficaramrdquo4

Mas natildeo nos interessa aqui senatildeo indiretamente a anaacutelise do massapecirc edas terras argilosas e gordas de huacutemus do Nordeste do Brasil Nos interessa soacuteo que essa terra excepcional representou para a civilizaccedilatildeo do Brasil Para oestabelecimento da civilizaccedilatildeo moderna mais sedentaacuteria que o portuguecircsfundou nos troacutepicos a do accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Durante o periacuteodo decisivo da formaccedilatildeo brasileira a Histoacuteria do Brasil foia histoacuteria do accediluacutecar e no Brasil a histoacuteria do accediluacutecar onde atingiu maiorimportacircncia econocircmica e maior interesse humano foi nessas manchas deterra de massapecirc de barro de argila de huacutemus Nessas manchas de soloencarnado ou preto se lanccedilaram os alicerces dos melhores engenhos Foramelas que mais se avermelharam de sangue nos tempos coloniais Sobre elas

que tanto luso-brasileiro tanto preto tanto caboclo tanto mulato morreu emluta com os invasores louros Esses invasores natildeo desejavam outras terrassenatildeo aquelas as terras de massapecirc As terras de barro gordo boas para acana-de-accediluacutecar

De modo que escrever-se a Histoacuteria do Brasil durante esse periacuteododando maior relevo ao extremo Nordeste ou ao Recocircncavo da Bahia natildeo eacutebairrismo como tantas vezes se tem levianamente insinuado em criacuteticas ahistoriadores maranhenses pernambucanos ou baianos Seraacute talvezbarrismo Porque atraveacutes daqueles dias mais difiacuteceis de fixaccedilatildeo da civilizaccedilatildeoportuguesa nos troacutepicos a terra que primeiro prendeu os luso-brasileiros emluta com outros conquistadores foi essa de barro avermelhado ou escuro Foia base fiacutesica natildeo simplesmente de uma economia ou de uma civilizaccedilatildeoregional mas de uma nacionalidade inteira

A verdade eacute que foi no extremo Nordeste ndash por extremo Nordeste deveentender-se o trecho da regiatildeo agraacuteria do Norte que vai de Sergipe ao Cearaacutendash e no Recocircncavo Baiano ndash nas suas melhores terras de barro e huacutemus ndash queprimeiro se fixaram e tomaram fisionomia brasileira os traccedilos os valores astradiccedilotildees portuguesas que junto com as africanas e as indiacutegenasconstituiriam aquele Brasil profundo que hoje se sente ser o mais brasileiroO mais brasileiro pelo seu tipo de aristocrata hoje em decadecircncia eprincipalmente pelo seu tipo de homem do povo jaacute proacuteximo talvez derelativa estabilidade Um homem do povo semelhante ao polineacutesio feito detrecircs sangues em outras terras tatildeo inimigos ndash o do branco o do iacutendio e o donegro Um negro adaptado como nenhum agrave lavoura do accediluacutecar e ao climatropical Um portuguecircs tambeacutem predisposto agrave sedentariedade daagricultura Um iacutendio que ficou aqui mais no ventre e nos peitos da caboclagorda e amorosa do que nas matildeos e nos peacutes do homem arisco e inquieto

Todos eles e o produto caracteristicamente regional do seu cruzamentondash o cabra ndash se mostram hoje desprestigiados pelas doenccedilas e pelas condiccedilotildeesregionais de vida mas se revelam ao mesmo tempo cheios de possibilidadeseugecircnicas jaacute esboccediladas em antecipaccedilotildees magniacuteficas

O Nordeste do massapecirc eacute ainda o mais brasileiro pelo tipo tradicional decasa-grande e de sobrado de azulejo e pelo de casa de palha ou demucambo que aqui se desenvolveram de originais portugueses ou africanos

e indiacutegenas e que constituem material de primeira ordem e uma riqueza desugestotildees e de inspiraccedilotildees para uma arquitetura verdadeiramente brasileiraou pelo menos regional

Agraves ldquobandeirasrdquo ningueacutem ousa lhes diminuir o valor no sentido daextensatildeo da colocircnia portuguesa na Ameacuterica do seu alongamento para ooeste para o extremo sul para o norte Mas esse transbordamento de esforccedilondash jaacute mais de mameluco do que de portuguecircs ndash teria sido quase em vatildeo e todono raso ndash tatildeo no raso que natildeo criaria tipo nenhum de casa ndash se em torno dosengenhos de accediluacutecar nas manchas de terra de massapecirc natildeo seconcentrassem desde o seacuteculo XVI as energias criadoras do agricultor decana da senhora de engenho da matildee preta do negro do cabra dabagaceira Aiacute eacute que se aprofundaram as raiacutezes agraacuterias que tornaram possiacutevelo desenvolvimento raacutepido de simples colocircnia de plantaccedilatildeo em impeacuterio deplantadores de cana com os senhores de engenho elevados a barotildeesviscondes marqueses senadores ministros conselheiros os tiacutetulos quasetodos nomes de engenhos Com as casas quase fortalezas construiacutedas comoacuteleo de baleia e com madeira de lei Desenvolvimento tatildeo raacutepido que desde oseacuteculo XVII os povos das capitanias do Nordeste com os senhores deengenho mais arrojados agrave frente se revelaram capazes de defender-se por siou soacute com o auxiacutelio de brasileiros de outras regiotildees ndash alguns dos quais comorecompensa dos serviccedilos militares pediriam ao rei terras no proacuteprio Nordestee aiacute se fixariam5 ndash dos invasores estrangeiros e dos negros aquilombados E

defendendo seus canaviais seus rios suas terras de massapecirc comeccedilaram asentir que estavam defendendo o Brasil Quando em 1710 em 1817 e em1824 tentaram constituir-se em repuacuteblica jaacute foi sobre esse sentimento desuficiecircncia a esse desejo de estabilidade que lhes davam as terras feacuterteis decana

A Independecircncia do Brasil se realizou firmando-se principalmente sobreuma aristocracia quase feudal de senhores de terras de massapecirc ndash PaesBarrettos Cavalcantis Albuquerques os senhores baianos de Santo Amaromais tarde os fazendeiros da terra roxa Quase feudal nas tendecircncias e nogecircnero de vida e antimonaacuterquica por natureza essa aristocracia das terrasgordas deu entretanto agrave coroa quando colocada sobre a cabeccedila loura deum menino de quinze anos nascido no Rio de Janeiro o prestiacutegio e as

condiccedilotildees de vida que doutro modo lhe faltariam em terra tatildeo nova como oBrasil

Os barotildees das terras de massapecirc seriam por algum tempo o melhor apoioda coroa E embora sob Pedro II se acentuassem conflitos e ateacute sedramatizassem divergecircncias entre a justiccedila imperial e a autoridade dosenhor de engenho poderoso o interesse econocircmico atuaria por muitotempo no sentido da contemporizaccedilatildeo entre as duas forccedilas rivais Osengenhos melhores e mais ricos do mesmo modo que as fazendas de terraroxa seriam ateacute agraves veacutesperas da aboliccedilatildeo centros politicamente fieacuteis agravemonarquia e leais a D Pedro II

Os tiacutetulos de baratildeo que foram sendo aceitos pelos senhores maisarrogantes e ateacute procurados pelos mais vaidosos salpicaram de baronatos asterras de massapecirc Raro um Presciano Accioly Lins senhor de engenho emSerinhaeacutem recusando de modo absoluto e ateacute com insolecircncia o tiacutetulo debaratildeo que lhe foi oferecido pelo imperador Mas esse Presciano Accioly Linsfoi uma figura esquisitiacutessima para o seu meio e para a sua eacutepoca ateu erepublicano em pleno patriarcalismo do seacuteculo XIX um patriarcalismo senatildeo devoto pelo menos temente a Deus e amigo dos santos e do imperadorPresciano Accioly Lins foi nesse meio um desabusado natildeo batizou um filhoenfrentou o risco de o Diabo vir lhe danccedilar de noite no terreiro da casa e dosfilhos pagatildeos virarem os homens lobisomens as mulheres mulas semcabeccedila

O massapecirc raramente deu desses homens zangados e agrestes semplasticidade e quase sem doccedilura nenhuma que foram antes filhos dossertotildees ou de engenhos de terras aacutesperas De pedra de fogo como D VitalGonccedilalves de Oliveira cuja ortodoxia teve talvez a mesma dureza quasecastelhana que a heterodoxia de Presciano Accioly Lins

A terra mais macia do litoral e da ldquomatardquo do extremo Nordeste e doRecocircncavo da Bahia parece ter influiacutedo sobre os seus proacuteprios senhores ndashcomo sobre as proacuteprias plantas terriacuteveis no tipo da maconha importada daAacutefrica ndash amaciando homens do Norte agraacuterio inteiro e natildeo apenas da cidadeda Bahia naqueles baianos maneirosos que Joaquim Nabuco retratou nrsquoUmestadista do impeacuterio ndash os poliacuteticos mais flexuosos e plaacutesticos da monarquiaagraves vezes excessivamente flexuosos e ateacute falsos homens sem palavra a ponto

de ldquobaianordquo ter ficado para o resto do Brasil equivalente de ldquofrancecircsrdquo Earredondando as mulheres naquelas iaiaacutes dengosas que os Macieacuteis Monteiroe os Castro Alves cortejaram em versos tatildeo sensuais e que foram umascriaturas diaboacutelicas pelas graccedilas do sexo desde muito verde especializadopara o amor suavizando pernambucanos e alagoanos em estadistas ediplomatas do tipo de Arauacutejo Lima de Maciel Monteiro de Francisco doRego Barros afrancesados que entretanto tiveram seus rompantes deindependecircncia em relaccedilatildeo ateacute com o papa do tipo do proacuteprio JoaquimNabuco a quem natildeo faltaria nunca o gosto da contemporizaccedilatildeo aplasticidade de atitudes e ateacute de ideias embora a altivez fosse tambeacutem umdos seus traccedilos mais pernambucanos Do tipo de Carvalho Moreira e de JoatildeoAlfredo que nos momentos mais aacutesperos de luta conservaram os punhos derenda essa renda tambeacutem tatildeo do Nordeste feita pacientemente por moccedilase velhas nos seus vagares para os vestidos das senhoras as toalhas de mesaos panos dos altares de santos os enxovais de batizado e de casamento Arterival da do doce fino da do quitute delicado da de rede de plumas

As terras de massapecirc foram no Brasil as terras por excelecircncia das boasmaneiras e dos gestos suaves onde atraveacutes do seacuteculo XIX os homenscresceram mamando em negras gordas mulheres de uma grande doccedilura etomando chaacute desde muito pequenos Quase se podem fixar fronteiras entreas terras de massapecirc e as terras aacutesperas por esse detalhe do leite de matildee-preta ndash em vez do da comadre-cabra dos sertotildees ndash e do uso de chaacute a que afrase ldquotomou chaacute em pequenordquo daacute significaccedilatildeo e importacircncia socioloacutegica Nossertotildees e nas zonas agrestes o chaacute foi ateacute quase nossos dias remeacutedio debotica E o accediluacutecar a rapadura O chaacute acompanhou o accediluacutecar branco e soltoguardado em porcelana da Iacutendia ou de Macau nos guarda-louccedilas das casas-grandes e dos sobrados de azulejo Seu predomiacutenio marca a maior influecircnciaa princiacutepio asiaacutetica depois europeia e principalmente inglesa nas terrasmais vantajosamente especializadas na cultura da cana

Com efeito o Recife concentrou desde os favores do tratado de 1810uma colocircnia grande de ingleses com juiz conservador biblioteca igrejapadre cemiteacuterio e por algum tempo hospital Vendedores de panos finosimportadores de chaacute de cerveja de presunto de chapeacuteu de botinameacutedicos leiloeiros mestres de fundiccedilatildeo engenheiros especializados no

conserto dos aparelhos de fabricar accediluacutecar como Harrigton amp Starr e como osMornay Todo um grupo de homens de negoacutecio e de teacutecnicos muito emrelevo nos anuacutencios de jornais da primeira metade do seacuteculo XIX e cujosinteresses se identificaram de tal modo com os da aristocracia dos canaviaisque vaacuterios terminaram ligados agraves terras de massapecirc docementeabrasileirados em genros sogros ou cunhados de brasileiros Alguns ateacute emsenhores de engenho Tal o caso Henry Koster6 cujo nome se aportuguesou

em Henrique da Costa capitatildeo Henrique da Costa talvez Esse Koster natildeoquis outra vida para os seus dias de tuberculoso menos romacircntico do queRobert Louis Stevenson senatildeo a de plantador de cana a de senhor deengenho a de fabricante de accediluacutecar Nele cumpriu-se magnificamente asentenccedila de Nabuco o aroma de mel embriagou-o a vida inteira Embriagou-o ateacute a morte Prolongou-lhe talvez a vida

Na Bahia nas proximidades das terras de massapecirc e dos engenhos maisnobres verificou-se o mesmo grande concentraccedilatildeo de ingleses Ingleses comhospital capela e cemiteacuterio7 Com juiz conservador teatro meacutedicos que se

tornaram famosos na histoacuteria da medicina no BrasilO accediluacutecar atraiu agraves suas melhores terras o chaacute os ingleses a porcelana da

China o moacutevel e o proacuteprio livro europeu que tiveram talvez no Recife os seusmelhores mercados principalmente na primeira metade do seacuteculo XIX Deuoacutecio aos homens mais inteligentes das casas-grandes natildeo soacute para o jogo comopara os estudos de Filologia tatildeo pachorrentamente cultivados pelo DrMorais no seu engenho de Muribeca (de onde ele se correspondeu comalguns dos maiores letrados portugueses do seu tempo) natildeo soacute para ascharadas como para as boas leituras e agraves iaiaacutes deu lazer para a muacutesica paraas rendas e para os doces finos de sobremesa

De tal modo que Mansfield8 inglecircs mestre em Artes que viajou nos

meados do seacuteculo XIX por terras de massapecirc escreveu ter aqui encontradocasas-grandes de engenho que lhe deram a impressatildeo das casas de campoda Inglaterra moccedilas tocando piano admiravelmente doces finos agravesobremesa chaacute servido pelas senhoras

E Herbert H Smith9 anos depois foi onde encontrou uma aristocracia

brasileira de gostos e haacutebitos mais elevados entre os senhores de engenho doNordeste Nas terras macias de massapecirc

E era na verdade uma gente que tinha piano de cauda e livros em casaQue recebia bem Que apreciava a boa cozinha O doce fino O quitutedelicado O bolo bem-feito10

O naturalista norte-americano chegou a contrastar os senhores deengenho do Nordeste com os fazendeiros de cafeacute do Sul ndash que eram entatildeo aforccedila nova e triunfante do impeacuterio ndash para concluir pela superioridade dosaristocratas das terras de cana

2 ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do accediluacutecar em O auxiliador

da induacutestria nacional nos II-III Rio de Janeiro 1833 Diz ainda JoseacuteSilvestre Rebelo ldquoCem annos ou mais antes que os Inglezes e os mesmosHespanhoes mandassem bom assucar para a Europa comeccedilaratildeo osportuguezes a vender do Brazil e com abundanciardquo Sobre o assunto veja-setambeacutem A history of Barbados 1625-1885 (Oxford 1926) por Vincent THarlow3 ldquoCarta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisbocirca parao Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botanico de Lisbocircardquo Bahia18 de outubro de 1781 Manuscrito no Arquivo do Ultramar de Lisboaregistrado no Inventaacuterio dos Documentos Relativos ao Brasil Existentes noArquivo de Marinha e Ultramar de Lisboa Organizado para a BibliotecaNacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e Almeida Rio deJaneiro 19144 Von Spix e von Martius Atraveacutes da Bahia (excertos da obra Reise inBrasilien trasladados ao portuguecircs pelo Dr Pirajaacute da Silva e Dr Paulo Wolf)

2a ed Bahia 19285 Vejam-se os livros manuscritos de sesmarias e datas de terra do arquivo daantiga capitania de Pernambuco na Biblioteca do Estado6 Autor do conhecido livro sobre o Nordeste Travels in Brazil (Londres1816 traduzido para o francecircs por M A Jay sob o tiacutetulo Voyages dans lapartie serptentrionale du Breacutesil depuis 1809 jusqursquo en 1815 Comprenantles provinces de Pernambuco (Fernambouc) Seara ParahybaMaragnon etc Paris 1818 Sobre atividades britacircnicas no Nordeste veja-senosso Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica na vida napaisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 19487 Von Spix e von Martius op cit8 Charles B Mansfield Paraguay Brazil and the Plate Londres 18569 Herbert H Smith Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque

187910 Sobre doces do Nordeste veja-se nosso Accediluacutecar algumas receitas dedoces e bolos do Nordeste (Rio de Janeiro 1939) onde reunimos receitastradicionais de famiacutelias de casas de engenho e sobrados do Nordeste agraacuterio

2 ndash A CANA E A AacuteGUA

Em 1929 Sir Halford Mackinder fez um discurso no CongressoInternacional de Geografia reunido em Cambridge defendendo asupremacia da aacutegua entre os elementos que nos devem preocupar no estudode uma regiatildeo e de sua paisagem ldquoA hidrosferardquo ndash chegou a dizer SirHalford ndash ldquodeve ser considerada o tema central da geografiardquo Porque nadamais importante no estudo do homem que as suas relaccedilotildees com a aacutegua coma aacutegua do mar com a aacutegua dos rios com a aacutegua condensada das nuvenscom a aacutegua de chuva ou de degelo com a aacutegua subterracircnea com a aacutegua quecorre na seiva das plantas ou que circula nas arteacuterias e nas veias dos animaisPor conseguinte o proacuteprio sangue e a proacutepria vida do homem Quase umamiacutestica da aacutegua

Jaacute entre noacutes Artur Orlando um dos publicistas mais vigorosos da suageraccedilatildeo salientara a importacircncia da aacutegua da aacutegua que se ingere e que influitanto sobre a vida do homem como da aacutegua dos rios e dos mares que atuamde maneira poderosa sobre as civilizaccedilotildees

A verdade eacute que a aacutegua mesmo sem ser preciso consideraacute-la quasemisticamente como Sir Halford nos aparece em vaacuterias regiotildees como a notadominante na vida da paisagem Da paisagem fiacutesica como da cultural

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar a aacutegua foi e eacute quase tudo Sem ela natildeoteria prosperado do seacuteculo XVI ao XIX uma lavoura tatildeo dependente dos

rios dos riachos e das chuvas tatildeo amiga das terras gordas e uacutemidas e aomesmo tempo do sol tatildeo agrave vontade dentro de uma temperatura meacutedia queem Pernambuco eacute de 265ordm e de uma meacutedia anual de 176 dias de chuvastatildeo feliz numa atmosfera cheia de vapor de aacutegua

Os moinhos de vento natildeo teriam substituiacutedo inteiramente a aacutegua dos riose dos riachos nos trabalhos da lavoura e da moagem da cana O vento pormelhor que seja eacute um inconstante em comparaccedilatildeo com a aacutegua dos riospequenos mas regulares que soacute deixam de servir ao homem agraacuterio nos diasverdadeiramente terriacuteveis de seca suas proacuteprias cheias beneficiando muitasvezes a lavoura E natildeo por caprichos tolos e de momento como o vento

Aliaacutes os ventos tecircm sido amigos da lavoura da cana e da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste Natildeo tanto pela sua constacircncia de direccedilatildeo como pelapouca violecircncia a que chegam nos seus dias mais zangados quando os soprosmais fortes ndash os de agosto ndash tecircm em Pernambuco como velocidade meacutediamaacutexima de apenas 1597 metros por segundo Se natildeo chegam agraves grandesviolecircncias por outro lado natildeo faltam quase nunca sendo tatildeo raras ascalmarias como as tempestades Esse equiliacutebrio parece explicar certatemperanccedila de atitudes e de gestos no pernambucano da aacuterea do accediluacutecar

A lavoura da cana no Nordeste ndash e pode-se acrescentar no Brasil ndashparece ter comeccedilado nas terras de Itamaracaacute agrave beira da aacutegua doce comotambeacutem da salgada das duas aacuteguas ao mesmo tempo E quando depois seregularizou com Duarte Coelho foi para acompanhar as ldquoterras vizinhas dasribeirasrdquo

O engenho patriarcal de Jerocircnimo de Albuquerque levantou-se nosarredores de Olinda proacuteximo agrave aacutegua11 e em meados do seacuteculo XVI parece

que Vasco Fernandes de Lucena jaacute moiacutea cana em Igaraccedilu ndash terras alagadas edonde as canas podiam vir de barcaccedila pelo rio12

O primeiro donataacuterio doou a Diogo Gonccedilalves as ldquoterras do Beberiberdquo riopequeno mas constante que foi logo se tornando um auxiliar poderoso dacolonizaccedilatildeo agraacuteria da regiatildeo Agrave margem direita do rio Diogo Gonccedilalves ndashque aqui casou com Da Isabel Froes ndash levantou engenho e construiu casa eentre o engenho e a casa-grande a capela esta um tanto afastada para ooeste e a casa bem junto do rio de forma que ldquotraccedilando-se uma linha deuniatildeo sobre essas construccedilotildeesrdquo ndash escreve um cronista ndash ldquoteremos um perfeito

triacircngulordquo13 Triacircngulos que adquiriram expressatildeo poliacutetica e natildeo apenas

econocircmica na vida brasileiraEsses triacircngulos logo se tornaram claacutessicos engenho casa-grande (com

senzala) e capela Eles foram quebrando as linhas virgens da paisagem tatildeocheia de curvas agraves margens dos rios mesmo quando povoadas de tabas decaboclos E introduzindo nessa paisagem desordenada aqueles traccedilos novosde ordem e de regularidade A geometria da colonizaccedilatildeo agraacuteria

Embora o colonizador portuguecircs natildeo tivesse a miacutestica da Ordem como oespanhol nem como o inglecircs ou o holandecircs ndash que neste mesmo Nordesteseria o primeiro a cuidar de construir bairros e ateacute uma cidade inteira (oRecife) dentro de um plano geomeacutetrico de urbanizaccedilatildeo ndash foi ele que deu agravepaisagem desta parte da Ameacuterica seus elementos caracteriacutesticos de ordemblocos de construccedilatildeo que representam um meacutetodo ou um sistema deconquista de economia de colonizaccedilatildeo de domiacutenio sobre a aacutegua e sobre asmatas E natildeo uma seacuterie de aventuras a esmo cada qual a seu jeito

O triacircngulo rural ndash engenho casa capela ndash se impocircs agrave paisagem doNordeste de massapecirc como a sua primeira nota de ordem europeia A aacuteguados rios e dos riachos da regiatildeo se subordinou ao novo sistema de relaccedilotildeesentre o homem e a paisagem embora conservando-se cheia de curvas e ateacutede vontades Sem se militarizar em canais riacutegidos agrave holandesa

Mesmo assim conservando curvas e agrave vontades que elemento danatureza regional agiu mais poderosamente no sentido de regularizaccedilatildeo davida econocircmica e social dos colonos do Nordeste que esses rios pequenos doextremo Nordeste e da Bahia Rios do tipo do Beberibe do Jaboatatildeo doUna do Serinhaeacutem do Tambaiacute do Tibiri do Ipojuca do Pacatuba doItapuaacute Junto deles e dos riachos das terras de massapecirc se instalaramconfiantes os primeiros engenhos Rios agraves vezes feios e barrentos mas quasesempre bons e serviccedilais prestando-se ateacute a lavar os pratos das cozinhas dascasas-grandes e as panelas dos mucambos A confianccedila dos homens nessesrios natildeo se pode dizer que fosse traiacuteda A natildeo ser por alguma seca terriacutevel oupor alguma cheia extraordinaacuteria uma ou outra vez e pelas ldquofebres dasribeirasrdquo ou por doenccedilas trazidas da Aacutefrica pelos escravos numa comovinganccedila contra os seus senhores nem sempre maus

Mas sem que esses inconvenientes chegassem para desprestigiar o

conjunto de vantagens de aacuteguas de ordinaacuterio tatildeo regulares e fieacuteis e agraves vezestatildeo saudaacuteveis que os proacuteprios colonos imitando os iacutendios e os negros edesembaraccedilando-se de preconceitos medievais fizeram do banho de rioquase um rito de Iemanjaacute como agraves margens do Capibaribe na altura dolugar onde se levantou a Igreja de Nossa Senhora da Sauacutede Mais de uma vezviu-se a aacutegua do rio curar os homens das febres e limpaacute-los das feridas

O empobrecimento do solo em tantos trechos do Nordeste por efeito daerosatildeo natildeo se pode atribuir aos rios agrave sua acircnsia de correr para o mar levandoa gordura das terras mas principalmente agrave monocultura Devastando asmatas e utilizando-se do terreno para uma cultura uacutenica a monoculturadeixava que as outras riquezas se dissolvessem na aacutegua se perdessem nosrios

O fato liga-se tambeacutem agrave destruiccedilatildeo das matas pelo fogo e pelo machadoem que tanto se excedeu a monocultura Desapareceu assim aquelavegetaccedilatildeo como que adstringente das margens dos rios que resistia agraves aacuteguastempo de chuva natildeo deixando que elas levassem o tutano das terrasconservando o huacutemus e a seiva do solo As caraibeiras tiveram essa funccedilatildeouacutetil agraves margens de alguns rios Margens que se tornaram umas areias frouxase incapazes de resistecircncia quando esse arvoredo mais vigoroso do interior foidevastado quando as plantas adstringentes foram destruiacutedas para oscanaviais se estenderem imperialmente por toda a parte Ou quando essasplantas de margens dos rios ficaram expostas agraves cabras

Alberto Loumlfgren observou no interior do Nordeste trechos devastadosldquoonde nenhuma aacutegua mais para e as enxurradas cada vez carregam maisterra ateacute a desnudaccedilatildeo completardquo14 Trechos desbastados de suas aacutervores

e ateacute da sua vegetaccedilatildeo mais rasteira perturbados pelo homem da maneiramais terriacutevel

De modo que natildeo passa da mais vazia das retoacutericas culpar os rios doNordeste por essa desnudaccedilatildeo que vem de causas humanas da coivara daqueimada da monocultura Esses rios natildeo tecircm sido ladrotildees de terras feacuterteissenatildeo a mandado ou por imposiccedilatildeo dos homens O grande ldquoladratildeo dasterrasrdquo escreveu Bennett no seu estudo sobre a erosatildeo do solo nos EstadosUnidos eacute o monocultor15 Ele nem sequer esgota a fertilidade dos campos

no interesse de sua lavoura uacutenica mas deixa que essa fertilidade se dissolva

nos rios ateacute se perder no marJaacute procuramos fazer uma vez o elogio dos rios pequenos e destacar a

importacircncia que tiveram na formaccedilatildeo rural do Brasil ndash com o que emtrabalho recente deu-nos a honra de concordar o ilustre geoacutegrafo francecircsprofessor Pierre Monbeig Essa importacircncia onde se acentuou de modo maiscaracteriacutestico foi precisamente na zona da ldquomatardquo do extremo Nordeste enas terras de massapecirc do Recocircncavo ndash as regiotildees mais profundas de cana-de-accediluacutecar com seus rios constantes e equilibrados Rios sanchos-panccedilas semos arrojos quixotescos dos grandes prestando-se portanto agraves tarefas dasedentariedade e da fixaccedilatildeo aos deveres pachorrentos mas de modonenhum vis da antiga rotina agriacutecola

As sesmarias e as datas concedidas por Duarte Coelho e pelos seussucessores seguiram em Pernambuco as vaacuterzeas e as margens dos rios tendoIguaraccedilu Olinda Beberibe Casa-Forte Vaacuterzea como os seus primeirospontos de fixaccedilatildeo e a cultura da cana como a sua base Seguiram os vales doCapibaribe na direccedilatildeo de Paudalho Seguiram os vales do IpojucaAprofundaram-se nas terras argilosas para se estenderem ralas e superficiaispelas terras mais secas do centro donde os rios soacute faziam procurar descerpara a ldquomatardquo e para o mar

Na Paraiacuteba ndash terra de tatildeo bom accediluacutecar ndash a lavoura da cana lembra Joffilyque nasceu no vale do Paraiacuteba para estender-se logo ao Norte e ao Sul ldquoemlinha paralela ao mar nos vales de outros riosrdquo No do Mamanguape No doCamaratu ldquoem que o rio deposita enorme quantidade de lsquopaulrsquo arrastadodesde a Cupaoba espraiando-se como um lago e perdendo quase acorrenteza daiacute para baixordquo16 No do Miriri no do Garamame no do Abiaiacute

Em Alagoas as terras que Cristoacutevatildeo Lins escolheu para as suas lavouras decanas foram as que chamou de Santo Antocircnio dos Quatro Rios onde logo selevantariam uma igreja em louvor de Maria Santiacutessima e sete engenhos deaccediluacutecar17

Mas na vaacuterzea do Capibaribe eacute que primeiro se consolidou a cultura dacana no Nordeste ndash a lavoura que daria relevo tatildeo grande agrave capitania deDuarte Coelho Pouco depois do meado do seacuteculo XVI jaacute se falava na ldquogenteda vaacuterzea do Capibariberdquo como de um verdadeiro nervo da populaccedilatildeocolonial e foi ndash pode-se dizer ndash onde criou raiacutezes a primeira aristocracia

brasileira de senhores de engenho que tambeacutem precisou da vaacuterzea de umrio e da fartura de aacutegua doce para desenvolver-se dentro da sedentariedadee da endogamia

Foi essa vaacuterzea na paisagem social brasileira a primeira a povoar-se natildeode casas-grandes esporaacutedicas e soacutes mas de um verdadeiro conjunto delasligadas pela aacutegua do rio e pelo sangue dos colonos atraveacutes dos casamentosque se extremariam depois ndash aqui como no Cabo de Santo Agostinho navaacuterzea do Ipojuca na do Una no Recocircncavo da Bahia no vale do Paraiacutebaem Santo Antocircnio dos Quatro Rios ndash na mais completa endogamia ndash osprimos se casando com as primas as sobrinhas com os tios Para essaendogamia intensa dos brancos e quase-brancos das casas-grandes damesma vaacuterzea de que resultou um tipo fiacutesico tatildeo caracteriacutestico dearistocrata de engenho de que resultaram tipos de famiacutelia no Nordeste tatildeodefinidos nos seus traccedilos nos seus viacutecios no seu modo de falar ndash PaesBarrettos Cavalcantis Wanderleys Souza Leotildees ndash concorreupoderosamente a aacutegua dos rios pequenos fazendo de vaacuterias famiacutelias uma soacutee de vaacuterios engenhos um sistema social e agraves vezes econocircmico Verdadeirosclatildes se desenvolveram agraves vezes agrave margem dos rios pequenos dominados pelovelho de uma casa-grande maior mais dona do rio da aacutegua e da vaacuterzea queas outras

Em 1577 a vaacuterzea do Capibaribe jaacute tem o engenho de Satildeo Pantaleatildeo doMonteiro em 1593 tem tambeacutem o Apipucos em 1598 o Satildeo Timoacuteteo doJiquiaacute Engenhos grandes donde sairiam engenhos menores dotes a filhos anetos a sobrinhos Engenhos favorecidos por tudo boas manchas de terraboas aacuteguas boas matas o mar perto Olinda perto os iacutendios longe

Agrave sombra das mesmas condiccedilotildees favoraacuteveis foram se levantando outrosengenhos na vaacuterzea do Capibaribe o Satildeo Joatildeo o Santo Antocircnio o SatildeoFrancisco o Madalena o Santos Cosme e Damiatildeo Vaacuterios outros Quase todoscom nomes de santos dos santos mais queridos da devoccedilatildeo portuguesa Masalguns jaacute com nomes indiacutegenas de rio ou de riacho Apipucos Com nome demulher Madalena Outros com o apelido do dono Curado Desses vaacuteriostipos de denominaccedilatildeo de engenhos do primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo daNova Lusitacircnia quase natildeo se afastariam os dos seacuteculos seguintes Algunsentretanto tomariam nomes africanos Maccedilangana Outros nomes de

madeiras e de frutas da terra Pau-de-Sangue Melancia Cajueiro-de-BaixoJenipapo Ou entatildeo verdadeiras frases ou exclamaccedilotildees ldquoValha-me DeusrdquoldquoCaacute me vourdquo ldquoCaacute me vouzinhordquo

Eacute de interesse salientar alguns dos numerosos nomes antigos deengenhos da regiatildeo que conservaram sugestotildees da aacutegua Lagoa dos Ramosde Baixo Ribeiro da Pedra Poccedilo Comprido Vertente de Cima VertenteGrande Alagoa do Meio Aacutegua Azul Ribeiro Grande Trecircs Poccedilos AacuteguaVerdeOlho drsquoAacutegua do Tapuia Dois Rios Trecircs Lagoas Cachoeira de Cima Vaacuterzeado Una Poccedilo Sagrado Cachoeirinha Cacimbas Aacutegua CompridaRedemoinho Riachatildeo Aacutegua Fria Aacutegua Clara Serra drsquoAacutegua Pedra drsquoAacuteguaRiacho do Padre Aacuteguas Belas

Sente-se nesses nomes de engenhos antigos o quase culto e certamente apoetizaccedilatildeo da aacutegua pela gente dos canaviais e das vaacuterzeas A aacutegua foielemento nobre na velha paisagem de engenho do Nordeste onde a usinadegradaria principalmente os rios O engenho honrou a aacutegua natildeo se limitoua servir-se dela

As boas casas-grandes do interior como os bons sobrados da Madalena eda Rua da Aurora no Recife e ateacute os conventos como o de franciscanos emSerinhaeacutem foram edifiacutecios levantados com a frente para o rio com a facepara a aacutegua as melhores escadas das casas descendo ateacute agraves canoas e aosbotes Canoas e botes agraves vezes com cachorros dragotildees e leotildees esculpidos namadeira das proas Dentro deles as iaiaacutes passeavam de chapeacuteu de sol abertoos ioiocircs tambeacutem Iam de canoa fazer visitas O rio era honrado Preferia-se asua aacutegua aos caminhos cheios de poeira e de lama por onde nos temposmais antigos os carros de boi se arrastavam aos solavancos de um engenho aoutro e no seacuteculo XIX os cabrioleacutes pulavam as molas rangendo de raiva e decansaccedilo no fim da primeira leacutegua

De tal modo se desenvolveu o complexo do rio entre a gente mais ilustredo Nordeste que se tornou chic tirar o retrato nas fotografias francesasdentro de botes ou de canoas as sinhazinhas empunhando remos osmeninos fingindo remar Os aacutelbuns de famiacutelia em Pernambuco na Bahia emAlagoas estatildeo cheios de velhas fotografias em que iaiaacutes ou sinhozinhosaparecem dentro de botes afidalgados

O banho de rio quando natildeo era um rito como os dos ldquoromeiros da sauacutederdquo

no Poccedilo da Panela era uma festa Passava-se a festa ndash o Natal o ano-bom oDia de Reis ndash junto dos rios O rio recebia entatildeo muito corpo paacutelido de sinhaacutedengosa moccedilas quase tuberculosas de tanto viverem dentro das camarinhasNo rio elas se libertavam do escuro e do abafado dos seus quartos de doenteficavam umas verdadeiras meninas gritando e nadando nuas O rio recebia ocorpo dessas moccedilas finas e natildeo apenas o dos moleques da bagaceiralimpando-se do suor e do sujo do trabalho ou o dos negros dando banho noscavalos Em 1855 o meacutedico Carolino Francisco de Lima Camposrecomendava nos seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo os banhos de rio escrevendoque ldquopara o asseio do corpordquo os ldquobanhos frescos de riordquo com sabatildeo ldquoaleacutem depreencherem o fim relativo agrave limpezardquo concorriam para ldquofortificar ostecidosrdquo

Tollenare nos comeccedilos do seacuteculo XIX viu no Capibaribe ldquofamiacuteliasinteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia abrigadas do solsob pequenos telheiros de folhas de palmeira cada casa tem o seu perto doqual haacute um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despirrdquo O francecircssurpreendeu nesses banhos ldquoa matildee amamentando o filho a avoacutemergulhando ao lado dos netos e as moccedilas da casa traquinando no meio dosseus negros lanccedilarem-se com presteza e atravessarem o rio a nadordquo Algumasdessas moccedilas ele chegou a ver nuas as naacutedegas todas de fora verdadeirasldquonaacuteiades sem veacuteurdquo

Mas natildeo se limita a essa nota de volutuosidade o depoimento deTollenare sobre as margens do rio pernambucano O francecircs escreveu queera raro encontrar margens mais risonhas que as do Capibaribe A aacutegua eratatildeo clara que se enxergava o fundo de areia pura ldquoque toma um coloridoverde-esmeralda escuro do reflexo da folhagem em meio da qual vecirc-seesvoaccedilar o cacique de ninho suspenso o cardeal vestido de escarlate e milpaacutessaros adornados de brilhante plumagemrdquo Em redor da canoa em que elesubiu o rio ateacute o paccedilo viam-se de vez em quando ldquocardumes de pequenospeixesrdquo Arrastando-se pelas margens ldquomiriacuteades de caranguejosrdquo e ldquoagraveentrada de suas tocas pelos lugares mais elevados tatus e cutiasrdquo18 Soacute natildeo

chegou a ver jacareacutes nem os enormes sapos-cururus tatildeo temidos pelosmeninos e muito utilizados no catimboacute da regiatildeo

No interior eacute que Tollenare observou nem sempre se tirar todo o partido

dos rios para o transporte do accediluacutecar dos engenhos para o litoral O rio quepassava junto ao engenho Salgado por exemplo regava os canaviais deoutros vinte engenhos sendo navegaacutevel por embarcaccedilotildees de ldquomais de 150toneladasrdquo Mas natildeo era aproveitado para o transporte do accediluacutecar Nem doaccediluacutecar nem dos negros e moleques que Bento Joseacute da Costa importava daAacutefrica para os seus canaviais19 E tudo por uma crenccedila sem fundamento a

de que os holandeses haviam metido a pique trecircs navios entre a ponta deNazareacute e os recifes tornando impraticaacutevel a passagem O rio desaproveitadopor incuacuteria dos senhores de engenho

Desaproveitado mas de modo nenhum degradado O grande prazer emSalgado como perto do Recife agraves margens do Capibaribe e do Beberibe era obanho de rio Dois trecircs por dia

Beberibe Tambiaacute Caxangaacute tornaram-se pontos de banhos de rio alegresBanhos de estudantes com atrizes com pastoras com mestras econtramestras de pastoral que iam para o rio de madrugada Banhos demanhatilde cedo com cachaccedila e caju antes do primeiro mergulho na aacutegua friaBanhos de moleques cuja nudez escandalizava as iaiaacutes mais recatadas dossobrados

Os rapazes mais romacircnticos estudantes de Direito no Recife estesfizeram das aacuteguas do Capibaribe e do Beberibe as aacuteguas de suas confidecircnciasde amor Muito estudante apaixonado recitou versos agrave namorada vista delonge ou simplesmente adivinhada por traacutes de alguma varanda de sobradoou de alguma janela acesa da Rua da Aurora de Ponte drsquoUchoa daMadalena varanda de sobrado de azulejo janela de casaratildeo ou de chaleacuteentre mangueiras e jaqueiras E o estudante paacutelido de fraque preto decolarinho duro de botinas de verniz descendo o rio de bote agraves vezescantando para o lado da casa jaacute no escuro da moccedila burguesa

ldquoDesperta abre a janela Stelardquo

ou

ldquoOh Maria oh Mariaquantas noites por ti sem dormir

Oh Maria oh Mariaem teus braccedilos eu quero cairrdquo

Isto jaacute no fim do seacuteculo XIX ou nos princiacutepios do XX Os mais antigoshaviam cantado outras cantigas Minha Nise adorada por exemplo OuChiquita

Agraves vezes se raptavam moccedilas de bote Nise ou Chiquita ou Stela acordavae se entregava ao rapaz de fraque Maria abria-lhe os braccedilos e agraves vezes aspernas morenas Assaltavam-se casas de bote Ladrotildees assassinos don-juans parece que o proacuteprio Cabeleira o grande bandido dos canaviaisvinham ao Recife dentro de botes de canoas jangadas nas noites de escuroO bote ou a canoa era por sua vez um objeto muito apetecido pelos ladrotildeesos jornais do seacuteculo XIX estatildeo cheios de notiacutecias de botes e canoas roubadas

Famiacutelias inteiras faziam em botes as suas mudanccedilas de jacarandaacutes deum sobrado para outro E quando veio a campanha da Aboliccedilatildeo o Capibaribendash em cujas margens penaram tantos moleques tristes escravos de senzalasde senhores nem sempre bons ndash tornou-se um rio libertador Pelas suasaacuteguas desceram negros fugidos escondidos em cargas de madeira de capime de cana nas barcaccedilas que vinham dos engenhos para o mar

Era em canoas que se trazia aacutegua agraves cidades Em canoas que se vendiaaacutegua pelo cais Canoas expostas ao sol ou sujas de lodo que em 1837 o DrJoseacute Eustaacutequio Gomes jaacute denunciava como uma das causas da insalubridadedo Recife em parecer sobre as erisipelas na cidade Parecer que escreveu apedido da Cacircmara Municipal20

A barcaccedila a canoa e ateacute a jangada estiveram por muito tempo ligadas agravecana ao accediluacutecar e ao negro de engenho Tanto quanto o carro de boi Aindahoje natildeo se quebrou de todo a ligaccedilatildeo dos tempos de engenho de aacutegua Fazpoucos dias vimos reunidos em praia do norte de Alagoas como noNordeste de 1700 a jangada o negro e o carro de boi A barcaccedila quase noseco da praia e entre ela e um carro de boi uma jangada fazendo de pontede embarque Os cabras quase nus carregando accediluacutecar 1700 puro

Os engenhos antigos do Nordeste viviam muito do mar e dos rios dospeixes dos caranguejos dos pitus dos camarotildees dos siris que a dona dacasa mandava os moleques apanhar pelos mangues pela aacutegua pelos

arrecifes Esses pescadores a serviccedilo da casa patriarcal tornaram-sejangadeiros iguais aos caboclos tatildeo peritos quanto eles no traquejo dasjangadas das canoas e da rede de tucum na caccedila aos jacareacutes agraves emas e aosveados das margens dos rios Deram mesmo uma teacutecnica mais doce aomanejo da canoa impelida tatildeo sem gosto pelos caboclos nas matildeos do preto oremo e a vara da jangada e de canoa tornaram-se instrumentos quase degozo agraves vezes ateacute de certa deliacutecia masoquista Durval Vieira de Aguiar emviagens pelo interior do norte da Bahia e pelo Recocircncavo nos uacuteltimos anosda monarquia encontrou barcas de rio conduzidas por vareiros apenasvestidos de tanga ou saiote de zuarte um gorro da mesma fazenda nacabeccedila homens de ldquoum perfeito aspecto africanordquo ldquoMunidos de grandesvaras ferradas na ponta encostavam a outra extremidade ao caloso peitosem nenhum amparo deixando muitas vezes com o esforccedilo escorrer osangue por garbordquo21

O negro remava cantando e dentro de um ritmo ndash do mesmo modo quecantando e dentro de um ritmo carregava pelas ruas os sacos de accediluacutecar ospianos de iaiaacute os jacarandaacutes de ioiocirc Alguns estrangeiros falam encantadosda precisatildeo de movimentos desses negros de canoas que Henderson viumais de uma vez descendo o Capibaribe

O negro que a princiacutepio soacute trabalhou no ldquoverde-mar dos canaviaisrdquodepois tornou-se tambeacutem operaacuterio do outro mar ndash o verdadeiro e cheio demal-assombrado das costas do Nordeste Canoeiro Jangadeiro VareiroCuringa de barcaccedila Natildeo nos parece exata a generalizaccedilatildeo de que ldquoo marainda eacute do caboclordquo Nem o mar nem os rios nem a jangada nem a canoanem o saveiro nem a barcaccedila Os anuacutencios de jornal da primeira metade doseacuteculo XIX jaacute vecircm cheios de negros canoeiros Uma multidatildeo de negroscanoeiros Era mulato ou curiboca o Francisco Joseacute do Nascimento ojangadeiro cearense que se distinguiu na campanha da Aboliccedilatildeo e ficouconhecido pelo nome de guerra de ldquoDragatildeo do Marrdquo E hoje satildeo multidatildeo osnegros barcaceiros e jangadeiros em Pernambuco na Bahia e em Alagoas

Tivemos haacute pouco ocasiatildeo de nos aproximar um pouco das barcaccedilas defeitio colonial que ainda trazem accediluacutecar e sal madeira e cocos para o RecifeVecircm de Natal de Goiana de Gravataacute de Maceioacute Quase todas satildeo azuis oubrancas ndash o que nos parece refletir certo misticismo meio cristatildeo da nossa

gente do mar semelhante ao das mulheres mais chegadas agrave Igreja quefazem promessa de soacute vestir as filhas de azul e branco em homenagem aNossa Senhora e chegam a considerar o vermelho ndash tatildeo do gosto da gentemenos afetada por escruacutepulos cristatildeos de branco e azul ndash cor para ldquovestidode raparigardquo isto eacute de prostituta

De 115 barcaccedilas que anotamos 63 eram todas azuis ou azuis e amarelassendo azuis e brancas 46 Tecircm entretanto na sua maioria natildeo nomes desantos ndash apenas 9 das 115 ndash mas de mulheres de rios e de engenhos Muitosdos barcaceiros como os jangadeiros acreditam em Iemanjaacute guiam-se pelasestrelas conhecem os ventos de longe fumam maconha para sonhar commulher nua ou moccedila bonita Mas mesmo assim o misticismo que os dominaparece que eacute o cristatildeo E entretanto eacute grande entre eles o nuacutemero de negros

Pode-se afirmar que a maioria da gente que trabalha nessas barcaccedilas doNordeste ndash pelo menos de Alagoas de Pernambuco da Bahia ndash jaacute natildeo eacute decaboclos mas de negros mulatos cafuzos curibocas

Vecirc-se muito jangadeiro nas praias do sul de Pernambuco e do norte deAlagoas morando em mucambos de um estilo meio indiacutegena meio africanoe no meio dessa gente que o complexo africano da maconha dominadescobre-se sem esforccedilo muito negro muito mulato muito curiboca muitocafuzo E natildeo apenas brancos e caboclos

O caboclo natildeo eacute mais dono do mar nem da praia nem da jangada nemda canoa mas soacute do que resta de mato virgem ndash e ali mesmo o negro tem semostrado um competidor poderoso A verdade eacute esta no Nordeste da cana-de-accediluacutecar o caboclo eacute cada vez mais uma alma do outro mundo uma figurade retoacuterica o ldquoespiacuterito do caboclordquo das sessotildees de baixo espiritismo o ldquonoacutes oscaboclos que expulsamos os holandesesrdquo dos discursos ciacutevicos das oraccedilotildeespatrioacuteticas e nada mais Jaacute eacute quase uma curiosidade quase um exotismouma figura inteira ou predominantemente cabocla entre noacutes Jaacute se chamade ldquochinardquo o proacuteprio curiboca mesmo quando eacute bacharel ou doutor Nestasub-regiatildeo do Nordeste o colono europeu e o colono africano fizeram com apaisagem humana o mesmo que o coqueiro que a cana que a mangueiracom a vegetaccedilatildeo dominaram-na a ponto de parecerem agraves vezes mais daterra que certos elementos nativos Que o pau-brasil e que o iacutendio

Os peixes do mar e dos rios do Nordeste satildeo muitos peixes de alto mar

peixes de aacutegua funda peixes das pedras que natildeo sendo os mais saborosossatildeo entretanto os mais bonitos e os mais cheios de cores vivas Os peixes decores vivas satildeo tatildeo bonitos que natildeo se compreende que natildeo sejam tambeacutem osde melhor sabor o aguiuacuteba vermelho o pirauacutena tambeacutem vermelho otucano e o budiatildeo azuis Mas natildeo satildeo E eacute a gente mais pobre que fica comesses peixes mais bonitos para o seu almoccedilo e para a sua ceia com farinha demandioca e molho de pimenta

Muitas vezes temos visto as jangadas chegarem agraves praias cheias de peixesde cor ainda vivos e pulando peixes azuis peixes encarnados peixes roxose cor-de-rosa peixes listrados peixes amarelados com salpicos pretos ldquoSoacutetecircm belezardquo dizem os entendidos

Sucesso eacute o do pescador que traz na sua jangada cavala-perna-de-moccedilacioba carapeba tainha ndash os aristocratas das aacuteguas do Nordeste Sucesso eacute odo negro que no seu balaio carrega as grandes lagostas os lagostins os pitus

Os pitus do rio Una O Una pernambucano tornou-se famoso pelos pitusque os senhores de engenho da vaacuterzea do Una tinham sempre agrave mesa nosdias dos grandes jantares Do mesmo modo o rio Corrente da Bahia ficouceacutelebre pelo dourado ldquomuito gordo e saborosordquo Pitu do rio Una dourado dorio Corrente fritada de caranguejo de siri de camaratildeo de gaiamum deldquounha-de-velhordquo polvo sururu de Maceioacute peixe cozido com piratildeo peixefrito de tabuleiro curimatilde de viveiro de casa-grande peixe de coco peixe demoqueca ndash tudo isso ligou de uma maneira muito iacutentima a aacutegua o mar o rioagrave mesa e agrave vida da gente do Nordeste A aacutegua ficou uma amiga das casas dolitoral e da ldquomatardquo Das casas ricas e dos mucambos tantos deles levantadosbem junto da aacutegua

A aacutegua parece ainda ter agido sobre a paisagem do Nordeste nestesentido esteacutetico no de propagar por todo o litoral da regiatildeo o coqueiro-da-iacutendia segundo as melhores evidecircncias importado pelos colonos portuguesesA grande propagaccedilatildeo do coqueiro se teria feito pelas mareacutes e pelas correntesmariacutetimas da costa conduzindo as sementes e depondo-as nas areias dapraia

Nem sempre tecircm sido idiacutelicas as relaccedilotildees entre a gente e a aacutegua destasub-regiatildeo do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homema aacutegua natildeo falta nunca (porque os rios verdadeiramente da ldquomatardquo nunca

secam de todo nem os olhos-drsquoaacutegua ficam estorricados) mas onde agraves vezestransborda desadorada e terriacutevel As grandes cheias deixam sem mucambocentenas de gente pobre Agraves vezes se afoitam ateacute pelas casas-grandes JoseacuteLins do Rego jaacute nos contou em paacutegina extraordinaacuteria ndash uma das mais fortesque jaacute se escreveram em nossa liacutengua ndash o que satildeo essas cheias nos engenhosdo Nordeste A aacutegua de repente se torna o maior inimigo do homem dosbichos das plantas

O colonizador africano do Nordeste se aqui se ligou agrave aacutegua da maneiramais iacutentima e mais uacutetil foi tambeacutem ao que parece um seu contaminadorTrouxe ndash pensam alguns pesquisadores ndash para alguns rios de engenho osvermes causadores da doenccedila de Manson-Pirajaacute da Silva ou esquistossomosemansoni Tornou o banho de rio em certos trechos da regiatildeo uma aventuraum risco do indiviacuteduo se expor agraves larvas de um verme que lhe atravessabrincando a pele e as mucosas para ir roer-lhe o fiacutegado os intestinos osproacuteprios pulmotildees

Na Ameacuterica a predominacircncia do mal eacute nas aacutereas de accediluacutecar que atraiacuterammaior colonizaccedilatildeo negra nas Antilhas no Peru na Venezuela na Colocircmbianas Guianas E no Brasil ldquotoda a faixa litoracircnea do Brasil desde o Paraacute ao sulda Bahiardquo O Nordeste da cana-de-accediluacutecar e as suas margens do Paraacute ao sulda Bahia Na Bahia o mal africano foi estudado por um mestre notaacutevel ndashPirajaacute da Silva ndash que completou as observaccedilotildees de Manson Em Pernambucovecircm estudando-o os colaboradores e continuadores do professor AgeuMagalhatildees e uacuteltima e notadamente o meacutedico Luiacutes Tavares sua geografiadeterminaram-na o professor Meira Lins e o Dr Fernando Wanderley Estesverificaram procederem os seus doentes de rios de engenho o Capibaribe oGoiana o Una o Jaboatatildeo o Ipojuca22

Mas o que haacute hoje de patoloacutegico nas relaccedilotildees do homem com a aacutegua doNordeste dos canaviais natildeo se limita a essa contaminaccedilatildeo dos rios ao queparece pelos negros Resulta em grande parte do desprezo do homempoderoso da regiatildeo pela aacutegua do rio

O monocultor rico do Nordeste fez da aacutegua dos rios um mictoacuterio Ummictoacuterio das caldas fedorentas de suas usinas E as caldas fedorentas matamos peixes Envenenam as pescadas Emporcalham as margens A calda que asusinas de accediluacutecar lanccedilam todas as safras nas aacuteguas dos rios sacrifica cada fim

de ano parte consideraacutevel da produccedilatildeo de peixes no NordesteNa semana do Natal de 1936 o rio Goiana em Pernambuco recebeu

tanta calda que a quantidade de peixe podre foi enorme Parecia uma pragado Velho Testamento Os peixes mais finos fedendo de podres ao lado dosmais plebeus23 O cheiro de peixe podre misturando-se ao de fruta podre

das margens sujas dos riosQuase natildeo haacute um rio do Nordeste do canavial que alguma usina de

ricaccedilo natildeo tenha degradado em mictoacuterio As casas jaacute natildeo datildeo a frente para aaacutegua dos rios datildeo-lhes as costas com nojo Datildeo-lhe o traseiro com desdeacutemAs moccedilas e os meninos jaacute natildeo tomam banho de rio soacute banho de mar Soacute osmoleques e os cavalos se lavam hoje na aacutegua suja dos rios

O rio natildeo eacute mais respeitado pelos fabricantes de accediluacutecar que outrora seserviam dele ateacute para lavar a louccedila da casa mas natildeo o humilhavam nuncaantes o honravam sempre Admitiam-no agrave sua maior intimidade Contavam-lhe suas maacutegoas de namorados e as suas saudades de velhos Faziam daspontes e dos cais seus recantos preferidos de conversa noite de lua noRecife

Esses rios secaram na paisagem social do Nordeste da cana-de-accediluacutecarEm lugar deles correm uns rios sujos sem dignidade nenhuma dos quais osdonos das usinas fazem o que querem E esses rios assim prostituiacutedos quandoum dia se revoltam eacute a esmo e agrave toa engolindo os mucambos dos pobres queainda moram pelas suas margens e ainda tomam banho nas suas aacuteguasamarelentas ou pardas como se o mundo inteiro mijasse ou defecasse nelas

Soacute o mal-assombrado povoa ainda de sombras romacircnticas as aacuteguasimundas dos rios do Nordeste prostituiacutedos pelo accediluacutecar Mal-assombrado deestudante assassinado que o cadaacutever aparece boiando por cima das aacuteguasainda de fraque e flor na botoeira Mal-assombrado de menino louro afogadoque o siri natildeo roeu e o anjinho aparece inteiro Mal-assombrado de moccedilamorena que se atirou no rio doida de paixatildeo e os seus cabelos se tornaramverdes como o das iaras Pouca gente acredita que o passado dos rios doNordeste tenha sido tatildeo bonito e tatildeo ligado agrave nossa vida sentimental Mas foi

A aacutegua nobre eacute hoje a do mar ndash esse mar nuns lugares tatildeo azul e noutrostatildeo verde que banha as areias do Nordeste Iemanjaacute mesma jaacute natildeo eacute adoradapelos pretos de Xangocirc na aacutegua dos rios mas principalmente na aacutegua do mar

E entretanto faz pouco mais de um seacuteculo que essas praias ilustres natildeo eramsenatildeo imundiacutecie Faz pouco mais de um seacuteculo que nelas soacute se fazia atirar olixo e o excremento das casas se enterrar negro pagatildeo se deixar bichomorto se abandonar esteira de bexiguento ou lenccedilol de doente da peste

11 O Engenho Nossa Senhora de Ajuda que depois se chamou Forno da Cal12 rdquoEm carta de 22 de marccedilo de 1548 dirigida ao rei comunica o donataacuterioque o almoxarife Vasco Fernandes de Lucena queria levantar um engenhoem suas terras que lhe dava para cujas despesas pedia licenccedila para explorare exportar algum pau-brasil para Portugal o que certamente obteve em facedos favoraacuteveis conceitos com que o donataacuterio se expressardquo (Pereira daCosta Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em PernambucoRecife 1905)

Lembra um estudioso estrangeiro das origens brasileiras ndash Otto

Schmieder no seu ldquoThe brazilian culture hearthrdquo publicado no vol 3 no 3de University of California publications in geography (agosto1929) ndash quea superioridade das terras de cana do Nordeste no seacuteculo XVI sobre asterras de Cabo Verde Canaacuteria Valecircncia e Iacutendia estava principalmente nofato de natildeo necessitarem como essas terras exploradas jaacute haacute tempo deirrigaccedilatildeo e adubo Era tatildeo raacutepida a prosperidade de alguns plantadores decana que a ldquoa yearrsquos crop sold for more than the price of the wholefazendardquo lembra o mesmo pesquisador para quem ldquothe type of tropicalplantation work which they [os portugueses] introduced develop from thebeginning a particular social structurerdquo Desta estrutura caracterizada poruma ldquoaristocracia colonialrdquo procuramos traccedilar o perfil em relaccedilatildeo com omeio do Nordeste em pequenos ensaios que datam de 1925 anterioresportanto ao estudo de Schmieder que alguns apresentam como pioneiro noassunto

Estamos informados de que ilustre historiadora paulista a professoraAlice Canabrava prepara interessante e minucioso ensaio em que desenvolve

a tese apresentada agrave Universidade de Satildeo Paulo e publicada no Boletim no 5da cadeira de Histoacuteria da Civilizaccedilatildeo Brasileira da referida Universidadesobre a histoacuteria da induacutestria do accediluacutecar no Brasil especialmente no Nordestecomparada com a histoacuteria da mesma induacutestria noutras aacutereas da Ameacutericaespecialmente nas Antilhas inglesas e francesas Assunto por noacutesconsiderado haacute anos como de maacuteximo interesse para a interpretaccedilatildeo do

passado brasileiro dados os contatos e as interpenetraccedilotildees de influecircncia ndashpor meio do judeu e do negro principalmente ndash entre algumas pelo menosdessas aacutereas Veja-se o que a respeito sugerimos desde 1937 em uma denossas Conferecircncias na Europa (Rio de Janeiro 1938) justamente a escritapara ser lida na Universidade de Londres Tais conferecircncias posteriormenteaparecem em nova ediccedilatildeo e com caraacuteter de pequenos ensaios em O mundoque o portuguecircs criou (Rio de Janeiro 1940)

Ainda sobre o assunto leia-se o sugestivo ensaio do professor Alfredo Ellis

Juacutenior ldquoO ouro e a paulistacircniardquo no 8 da Histoacuteria da civilizaccedilatildeo brasileira(Satildeo Paulo1948) Especialmente o capiacutetulo V intitulado ldquoDecliacutenio do accediluacutecarnordestinordquo No capiacutetulo XX concorda conosco o mesmo historiador em quea primeira grande expressatildeo de civilizaccedilatildeo brasileira ndash a baseada no accediluacutecar ndashfoi particular ao Nordeste isto eacute ao Brasil agraacuterio que se estendia doRecocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo13 Pereira da Costa loc cit Sobre a importacircncia poliacutetica dos engenhos doNordeste como centro da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo no Brasil veja-seo ensaio do socioacutelogo paulista professor Fernando de Azevedo Canaviais eengenhos na vida poliacutetica do Brasil Rio de Janeiro 1948

Vejam-se tambeacutem o estudo de Olavo Batista Filho ldquoAspectos daeconomia accedilucareira no nordeste no seacuteculo XVIrdquo Revista do ArquivoMunicipal Satildeo Paulo 1939 e A P Canabrava ldquoA Influecircncia do Brasil nateacutecnica do fabrico do accediluacutecar nas Antilhas francesas e inglesas no meado doseacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas eAdministrativas Satildeo Paulo 1946-194714 Alberto Loumlfgren Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo donordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1912Veja-se tambeacutem sobre o assunto o estudo do agrocircnomo professor VasconcelosSobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e a civilizaccedilatildeo Riode Janeiro-Satildeo Paulo 1949 especialmente o toacutepico ldquoA raacutepida intoxicaccedilatildeodos solos tropicaisrdquo

Aleacutem dos estudos do professor Vasconcelos Sobrinho sobre a ecologia doNordeste vejam-se os ensaios de outro agrocircnomo preocupado com osaspectos sociais dos problemas de agronomia regional o Sr Pimentel GomesContribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do nordeste brasileiro(Joatildeo Pessoa 1936) e Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina (Riode Janeiro 1914) Os ensaios dos professores Angione Costa Migraccedilatildeo ecultura indiacutegena (Satildeo Paulo 1939) e Estecircvatildeo Pinto Os indiacutegenas donordeste (Satildeo Paulo 1935) ndash satildeo igualmente contribuiccedilotildees ndash estas de caraacuteter

etnograacutefico ndash ao estudo da ecologia nordestina15 H H Bennett ldquoSoil erosion a national menacerdquo US Department of

Agriculture Circular no 33 1928 Sobre o assunto veja-se tambeacutem ldquoTheincreased cost of soil erosionrdquo pelo mesmo autor em The annals of theamerican academy of political and social science CXLII Tambeacutem WWAshe ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in thesoutheast Engineering world XXIII E ainda o excelente Soil exhaustion asa factor in the agricultural history of Virginia and Maryland (1926) porA O CravenVeja-se tambeacutem o estudo citado do professor Vasconcelos Sobrinhoespecialmente o capiacutetulo ldquoOs riosrdquo

Concordando com a nossa sugestatildeo de que os rios pequenos masregulares foram colaboradores valiosos do colono agraacuterio do Nordeste opesquisador sergipano Felte Bezerra no seu recente estudo Etniassergipanas (Aracaju 1950) salienta o exemplo da sub-regiatildeo sergipana ldquoPorisso em Sergipe criaram-se agraves suas margens as zonas accedilucareiras porexcelecircncia do Japaratuba da Cotinguiba (bacia do rio Sergipe) do Vaza-Barris do Piauiacuterdquo16 I Joffily Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 189217 Pedro P da Fonseca ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas ndash Apontamentos histoacutericosbiograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscrito

Sobre o assunto veja-se tambeacutem o recente e substancioso ensaio dopesquisador alagoano Manoel Diegues Juacutenior O banguecirc nas Alagoas Riode Janeiro 1949 com o qual eacute interessante contrastar o estudo socioloacutegicodo Nordeste aacuterido ultimamente publicado pelo pesquisador paraibano Lopesde Andrade Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro 1948Dentre os trabalhos mais seacuterios aparecidos nos uacuteltimos anos sobre a chamadaldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo que teve sua aacuterea de maior vitalidade social e natildeoapenas econocircmica ou poliacutetica no extremo Nordeste ndash de Sergipe aoMaranhatildeo ndash e no Recocircncavo da Bahia destaca-se o ensaio do historiadorbaiano Wanderley de Pinho Histoacuteria de um engenho do recocircncavo (Rio deJaneiro 1947) Ainda sobre o assunto vecircm aparecendo nos uacuteltimos anosnumerosos estudos e valioso documentaacuterio publicados pelo Instituto doAccediluacutecar e do Aacutelcool (Rio de Janeiro) Sabemos que estaacute em elaboraccedilatildeointeressante histoacuteria da Sociedade Auxiliadora da Agricultura do Recifetarefa de que a tradicional sociedade tatildeo ligada ao passado econocircmico doNordeste agraacuterio incumbiu o historiador Joseacute Antocircnio Gonsalves de Meloneto Sobre Olinda e sua irradiaccedilatildeo na vida e na cultura do Nordeste atraveacutes

do Seminaacuterio prepara tambeacutem um ensaio Padres de Olinda o jovempesquisador Haroldo Carneiro Leatildeo trabalho que seraacute para o velhoSeminaacuterio o que para a Faculdade de Direito do Recife eacute o estudo doprofessor Odilon Nestor Sobre atividades norte-americanas no Nordesteespecialmente durante o seacuteculo XIX colhe material outro pesquisador o SrDiogo de Melo Menezes que a respeito do assunto jaacute publicou nota preacutevia naRevista do Brasil (Rio de Janeiro) e a quem se deve a coordenaccedilatildeo de notaspara Memoacuterias de um Cavalcanti publicadas com introduccedilatildeo nossa18 ldquoNotas dominicais tomadas durante uma viagem em Portugal e no Brasilem 1816 1817 e 1818 por L F de Tollenarerdquo (parte relativa a Pernambucotraduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredo de Carvalho) Revista

do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico Pernambucano nos 61-621904Sobre o rio Capibaribe prepara interessante ensaio o historiador Joseacute

Antocircnio Gonsalves de Melo netoDos rios de Alagoas do ponto de vista da economia agraacuterio-patriarcal

ocupa-se no seu recente e jaacute citado estudo sobre O banguecirc nas AlagoasManoel Diegues Juacutenior Do assunto jaacute se ocupara pioneiramente o SrOctavio Brandatildeo em interessante trabalho de mocidade de que acaba deaparecer nova ediccedilatildeo sobre as lagoas e os canais de Alagoas Vejam-setambeacutem sobre o assunto o ensaio de Aydano do Couto Ferraz ldquoTraccedilos dainfluecircncia da aacutegua na paisagem social do nordeste e do recocircncavordquo Revistado Arquivo Municipal vol 60 Satildeo Paulo 1940 e a do professor Josueacute deCastro Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de Janeiro 194819 Livro de assentos de Bento Joseacute da Costa manuscrito do arquivoparticular do engenho Salgado20 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambuco

Sobre a pesca no Nordeste estamos informados que prepara interessanteensaio o pesquisador rio-grandense-do-norte Osvaldo Lamartine que emtorno do assunto jaacute publicou sugestiva nota preacutevia ilustrada na revistaNordeste (Recife) publicaccedilatildeo dirigida pelos Srs Aderbal Jurema eEsmaragdo Marroquim e dedicada principalmente a assuntos regionais Coma mesma orientaccedilatildeo vecircm aparecendo nos uacuteltimos anos vaacuterias revistasinclusive Regiatildeo (Recife) dirigida pelos Srs Edson Reacutegis e Laurecircncio Lima eem Natal Bando inspirada nas tendecircncias regionalistas do historiador efolclorista Luiacutes da Cacircmara Cascudo Nessas revistas nas publicaccedilotildees doDepartamento de Cultura da Prefeitura do Recife da Prefeitura deSalvador e da Prefeitura de Goiana e em livros vecircm ultimamente

aparecendo estudos de folcloristas ecologistas nutroacutelogos higienistas ehistoriadores voltados para o estudo do folclore e da histoacuteria da pesca davegetaccedilatildeo da populaccedilatildeo e de outros assuntos regionais Maacuterio Sette haacutepouco falecido Lauro Borba Castro Barreto Aniacutebal Fernandes J ATrindade Getuacutelio Ceacutesar Osvaldo Gonsalves Lima Nelson Chaves RuiCoutinho Oliacutempio Costa Astolfo Serra Ceacutesio Regueira Costa Joseacute Maria deMelo Josueacute de Castro Ascenso Ferreira Sousa Barros Valdemar de OliveiraVeriacutessimo de Melo Aderbal Jurema Osvaldo Lamartine Pimentel GomesAdemar Vidal Reneacute Ribeiro Maacuterio Melo Oliacutevio Montenegro Amaro QuintasEstecircvatildeo Pinto Maacuterio Lacerda Vasconcelos Sobrinho Cavalcanti Proenccedila

Sabemos que deveratildeo ser publicados breve trabalhos reunidos pelo 1o

Congresso de Regionalismo no Brasil (Nordeste) iniciativa que coincidiu com

a publicaccedilatildeo em 1925 do Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco e marcou o iniacutecio de verdadeiromovimento de estudo objetivo e valorizaccedilatildeo de assuntos de regiatildeo e deproviacutencia do nosso paiacutes21 Durval Vieira de Aguiar Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898 Sobre jangadas e barcaccedilas de mar do Nordeste veja-se nosso

Olinda 2o guia histoacuterico praacutetico e sentimental de cidade brasileira 3a

ed Rio de Janeiro 196022 Meira Lins e Fernando Wanderley ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo Anual Sociedadede Medicina de Pernambuco setembro 1934 Vejam-se tambeacutem os estudosde A Bezerra Coutinho ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do Recife

no 1 1934 e Lauro M Gama ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina

Acadecircmica no 6 1936 Recife Luiacutes Tavares Estudo meacutedico-ciruacutergico daesquistossomose de Manson Recife 1945 J Rodrigues da Silva ldquoEstudocliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede

Puacuteblica tomo III no 1 Rio de Janeiro outubro 194923 No Recife os peixes da regiatildeo se acham oficial ou quase oficialmenteclassificados da seguinte maneira

ndash 1a Classe ndash Camorim Cioba Pescada Serra Guarajuba CarapebaCurimatilde Garoupa Pampo Beiju Pira Arabaiana Serigado Xareacuteu AraciboraBicuda e Tainha

ndash 2a Classe ndash Caranha Carapitanga Pirapitinga Dourado Pargo Araicoacute

e Camaratildeo

ndash 3a Classe ndash Alcabarra Galo Camurupim Agulha Sauna e Mero

ndash 4a Classe ndash Xira Agulhatildeo Espada Caroacute Bagre Budiatildeo

ndash 5a Classe ndash Cangulo Arraia Polvo Caccedilatildeo e outras espeacuteciesindeterminadas

O rei ndash ou a rainha ndash dos peixes regionais eacute considerado em Pernambucoa ldquocavalardquo afrodisiacamente denominada ldquoperna-de-moccedilardquo

Haacute tambeacutem uma classificaccedilatildeo embora sem cunho algum oficioso ouoficial das frutas mais caracteriacutesticas da regiatildeo Das mangas coloca a gente

do Nordeste na 1a classe a de Itamaracaacute a de Itaparica a Jasmim a Rosa

na 2a a Carlota a Espada numerosas outras na 3a as comuns faz doabacaxi-pico-de-rosa (em geral de Goiana e da Paraiacuteba) o rei dos abacaxisdo mesmo modo que o abacaxi eacute considerado o rei das frutas regionaisexalta o caju-banana sobre os demais cajus distingue o cajaacute-manga doscomuns Dos abacates os arredondados satildeo geralmente consideradossuperiores aos comuns com forma de pecircra os verdes superiores aos roxos Omamatildeo-de-caiena eacute considerado superior aos demais Das laranjas pareceque depois das de ldquoumbigordquo da Bahia as superiores satildeo as de Vitoacuteria(Pernambuco) Satildeo famosas as mangabas de Prazeres (Pernambuco) os cajusdo Bessa (Paraiacuteba) as ldquolaranjas-da-bahiardquo de Itapuaacute (Paraiacuteba) os bacuris(Maranhatildeo)

3 ndash A CANA E A MATA

Sabe-se o que era a mata do Nordeste antes da monocultura da canaum arvoredo ldquotanto e tamanho e tatildeo basto e de tantas prumagens que natildeopodia homem dar contardquo

O canavial desvirginou todo esse mato grosso do modo mais cru pelaqueimada A fogo eacute que foram se abrindo no mato virgem os claros por ondese estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador

O canavial hoje tatildeo nosso tatildeo da paisagem desta sub-regiatildeo do Nordesteque um tanto ironicamente se chama ldquoa Zona da Matardquo entrou aqui comoum conquistador em terra inimiga matando as aacutervores secando o matoafugentando e destruindo os animais e ateacute os iacutendios querendo para si toda aforccedila da terra Soacute a cana devia rebentar gorda e triunfante do meio de todaessa ruiacutena de vegetaccedilatildeo virgem e de vida nativa esmagada pelo monocultor

Jaacute os traficantes franceses tinham derrubado muito pau-brasil Osprimeiros portugueses continuaram a derrubar a madeira de tinta com oauxiacutelio dos iacutendios E a apanhar macacos e papagaios a matar animais para ocomeacutercio de peles e de penas

Mas foi com o comeccedilo da exploraccedilatildeo agriacutecola que o arvoredo mais nobree mais grosso da terra foi sendo destruiacutedo natildeo aos poucos mas em grandesmassas a barauacutena o pau-drsquoarco o angelim a sucupira o amarelo o

visgueiro o angico o pau-ferro Madeiras hoje de uma raridade tatildeo grande ndashinforma-nos um estudioso especializado no assunto ndash que sai mais barato aosenhor de engenho comprar nos armazeacutens do Recife madeira do Paraacute queutilizar a dos seus restos da mata

Poucas dessas madeiras foram utilmente aproveitadas para trave decasa-grande roda-drsquoaacutegua de engenho carro de boi Grande parte foi acoivara que simplesmente desmanchou em monturo foram as fornalhas deengenho que engoliram os portugueses que levaram para construir navio eporta de convento em Portugal Agraves vezes esbanjou-se madeira de leifazendo-se cercas enormes dividindo um engenho de outro Luxo deprivatismo Vaidade de senhor de engenho patriarcal

A cana comeccedilou a reinar sozinha sobre leacuteguas e leacuteguas de terrasavermelhadas pela coivara Devastadas pelo fogo

Nunca foi mais violento nos seus comeccedilos o drama da monocultura queno Nordeste do Brasil Nem mais ostensiva a intrusatildeo do homem nomecanismo da natureza

A natureza sabe-se pelos estudos de ecologia do animal ou da plantaque eacute ldquoessencialmente variadardquo O homem rompe o equiliacutebrio que dependedessa variedade quando faz que uma planta uacutenica e no momento valorizadamais do que as outras cresccedila sobre uma regiatildeo inteira Eacute o drama damonocultura

Em estado de variedade tudo se concilia e se compensa Em estado demonocultura absoluta tudo se desequilibra e se perverte na vida de umaregiatildeo A histoacuteria natural ndash como a social ndash do Nordeste da cana nestesquatro seacuteculos eacute uma histoacuteria de desequiliacutebrio em grande parte causadopelo furor da monocultura Suas fomes algumas de suas secas e revoluccedilotildeessatildeo aspectos desse drama

Natildeo que a cana fosse aqui um intruso ou um indesejaacutevel como o coelhofoi na Austraacutelia onde perturbou todo o equiliacutebrio entre a vida animal e a dasplantas como o cambaraacute levado do Brasil para o Ceilatildeo foi na Indochina ena Iacutendia Ao contraacuterio a cana eacute um dos casos de transplantaccedilatildeo mais felizesEncontrou aqui terra oacutetima O drama que se passou e se passa ainda noNordeste natildeo veio do fato da introduccedilatildeo da cana mas do exclusivismo brutalem que por ganacircncia de lucro resvalou o colono portuguecircs estimulado pela

coroa na sua fase jaacute parasitaacuteriaDesse drama um dos aspectos mais crueacuteis foi o da destruiccedilatildeo da mata

importando na destruiccedilatildeo de vida animal e eacute possiacutevel que em alteraccedilotildees declima de temperatura e certamente de regime de aacuteguas Alteraccedilotildeesdesfavoraacuteveis agrave proacutepria cana e ao proacuteprio senhor de engenho Desfavoraacuteveisagrave vida do homem e dos animais da regiatildeo

Aleacutem do que com esse estado de guerra entre o homem e a mata que foiaqui tatildeo franco natildeo puderam desenvolver-se entre os dois aquelas relaccedilotildeesliacutericas aquele sistema meio misterioso de proteccedilatildeo reciacuteproca entre o homeme a natureza aquele amor profundo do homem pela aacutervore pela plantapelo mato pela terra que os socioacutelogos e os economistas estatildeo fartos de nosapontar como caracteriacutestico das sociedades verdadeiramente rurais Dasmais saudaacuteveis pelo menos e natildeo pervertidas pela monocultura furiosa

A monocultura da cana no Nordeste acabou separando o homem daproacutepria aacutegua dos rios separando-os dos proacuteprios animais ndash ldquobichos do matordquodespreziacuteveis ou entatildeo considerados no seu aspecto uacutenico de inimigos dacana que era preciso conservar agrave distacircncia dos engenhos (como os proacutepriosbois que natildeo fossem os de carro) E natildeo falemos aqui da distacircncia socialimensa que a monocultura aprofundou como nenhuma outra forccedila entredois grupos de homens ndash os que trabalham no fabrico do accediluacutecar e os quevivem mal ou volutuosamente dele

Com a destruiccedilatildeo das matas para a cana dominar sozinha sobre o pretoo roxo ou o vermelho dessa terra crua a natureza do Nordeste ndash a vida todandash deixou de ser um todo harmonioso na sua interdependecircncia para sedesenvolverem relaccedilotildees de extrema ou exagerada subordinaccedilatildeo de umaspessoas a outras de umas plantas a outras de uns animais a outros damassa inteira da vegetaccedilatildeo agrave cana imperial e todo-poderosa de toda avariedade de vida humana e animal ao pequeno grupo de homens brancos ndashou oficialmente brancos ndash donos dos canaviais das terras gordas dasmulheres bonitas dos cavalos de raccedila Cavalos de raccedila tantas vezes tratadosmelhor que os trabalhadores da bagaceira

Desenvolveu-se entre noacutes como adiante se salientaraacute neste ensaio umamor todo especial do aristocrata da cana pelo cavalo que lhe completava afigura senhorial E com esse amor um conhecimento minucioso do cavalo

pelo senhor de engenho com prejuiacutezo do seu interesse pelos outros animaissobretudo pelos do mato simples animais de caccedila um ou outro decuriosidade sendo entatildeo conservado em casa nas gaiolas do corredor ou emalguma aacutervore do quintal ndash o saguim o papagaio a arara o galo-de-campinao canaacuterio Mas estes proacuteprios conservados mais para as ldquobrigas de canaacuteriordquotatildeo dos engenhos patriarcais e por conseguinte com um fim todo saacutedico doque por interesse mesmo superficial pela sua cor ou pelo seu canto Ospassarinhos favoritos dos senhores de engenho eram os canaacuterios de briga enatildeo os cantadores ou de cor viva e plumagem bonita

O brasileiro das terras de accediluacutecar quase natildeo sabe os nomes das aacutervoresdas palmeiras das plantas nativas da regiatildeo em que vive ndash fato constatadopor tantos estrangeiros A cana separou-o da mata ateacute esse extremo deignoracircncia vergonhosa Na mata ele vecirc vagamente o peacute de aacutervore e agraves vezesquase desdenhosamente o peacute de pau Quase que soacute o caboclo odescendente de caboclo do iacutendio do nativo ou entatildeo do quilombola emmatas como a de Catucaacute ndash o negro fugido que se fez iacutentimo da natureza daregiatildeo ndash pode nos guiar pelos misteacuterios dos restos de floresta do Nordestedando-nos a conhecer pelo nome ndash o nome indiacutegena em grande nuacutemero decasos ndash cada aacutervore que nos chame a atenccedilatildeo o valor de cada peacute de paupara a medicina caseira para a serraria para os ninhos de aves

Foi certamente com caboclos ou negros curandeiros que se instruiacuteramsobre as raiacutezes ervas plantas do Nordeste aqueles portugueses que noseacuteculo XVIII puderam escrever para a metroacutepole cartas como esta ldquoEm 4de Marccedilo proximo passado tive a honra de remetter a V Exa um mapa dasraizes e hervas de que usam os moradores da comarca das Alagoas nocurativo das suas molestias e com que experimentam saudaveis effeitos asquaes raizes e hervas foram em um caixote e continuando a informar a VExa sobre o mesmo interessante objeto remetto a respeitaacutevel prezenccedila deVExa as raizes hervas cascas e frutos de que usam para o curativo dealgumas molestias feridas chagas ou mordeduras os indios e maishabitantes da capitania da Parahyba do Norte em tres caixotildees que levam asdivizas que as distinguem e o fazem conhecer pelos seus proprios nomesexceto as batatas que soacute reconheceratildeo pelos frutos de casca preta dos quaesvae uma boa porccedilatildeo no caixote numero 1 tudo entregue a Jacyntho

Gonsalves de Oliveira capitatildeo do navio Nossa Senhora Conceiccedilatildeo e S JoseacuteFlor do Mar e inclusa nesta vae um abcedario em que se declaram asapplicaccedilotildees de cada uma das mesmas raizes hervas cascas e frutos sobreos quaes poderaacute V Exa Mandar fazer as provas que julgar necessarias parase conhecer a utilidade que o reino pode tirar das plantas que haacute naquellacapitania Recife 8 de maio de 1788 Martinho de Mello e Castrordquo Carta quese encontra entre os manuscritos da correspondecircncia com a corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco (ano de 1788) conservados naBiblioteca do Estado de Pernambuco

Por ela se vecirc que dos homens portugueses de governo destacados noBrasil alguns preocuparam-se sensatamente com o assunto Mais talvez doque os jaacute brasileiros por vaacuterias geraccedilotildees de casa-grande

Nunca nos esqueceremos do dia em que entramos por uns restos dematas virgens do sul de Pernambuco com o seu dono nosso bom amigoPedro Paranhos senhor de Japaranduba Ele sabia quase tatildeo mal quantonoacutes menino de cidade os nomes das aacutervores da mata grande do seuengenho Entretanto eram suas conhecidas velhas desde o tempo demenino Mas simples conhecidas de vista Foi preciso que o caboclo nos fossedizendo isto eacute um peacute disso isto eacute um peacute daquilo isto daacute um leite que servepara ferida brava isto daacute um chaacute que serve para as febres

Essa distacircncia entre o colono branco e a mata entre o dono de terra e afloresta explica o nosso quase nenhum amor pela aacutervore ou pela planta daregiatildeo quando se trata de arborizar as ruas das cidades do litoral Explica aindiferenccedila com que deixamos que a arborizaccedilatildeo das cidades do Nordeste vaacutese estandardizando no fico benjamim e no eucalipto australiano

Ningueacutem diz que nos devemos fechar agraves novidades e aos brilhos daplanta exoacutetica Da acaacutecia de Honolulu por exemplo ou da vitoacuteria-reacutegia

Haacute muita aacutervore hoje nossa para todos os efeitos que nos veio de fora amangueira a jaqueira a fruta-patildeo Mas soacute pelo fato de natildeo se terdesenvolvido entre noacutes nenhum lirismo entre o homem e a mata se explicaa indiferenccedila tatildeo da gente do litoral do Nordeste pela aacutervore da terraDesprezada desse jeito a aacutervore da terra acabaraacute talvez vencida de todo pelaestranha ou pela simplesmente aclimada aqui nos antigos hortos del-rei Eessa vitoacuteria assim agrave grande com consequecircncias infelizes quase certas do

ponto de vista ecoloacutegicoOs estetas que em diferentes eacutepocas nos tecircm querido impor aos parques

ou agraves ruas numa generalizaccedilatildeo contra toda a harmonia da naturezaregional plantas de fora ndash o fico benjamim o cacto mexicano o eucaliptoaustraliano a acaacutecia de Honolulu ndash devem lembrar-se de uma coisa quenatildeo se brinca em vatildeo ou sem correr algum risco seacuterio com a vida vegetal deuma regiatildeo que esta afetada na sua interdependecircncia de relaccedilotildees porplanta estranha ou por animal intruso que se torne predominante podedesequilibrar-se a ponto de perturbar o proacuteprio homem na sua economia enas suas fontes mais puras de subsistecircncia Eacute liccedilatildeo dos ecologistas e natildeosimples grito de alarme dos socioacutelogos romacircnticos

Com relaccedilatildeo ao eucalipto o professor Konrad Guenther que eacute umfitopatologista notaacutevel jaacute escreveu alarmado com a sua propagaccedilatildeo noproacuteprio Nordeste ldquonesta aacutervore o paacutessaro brasileiro natildeo tem onde serefugiarrdquo24 Parece a lamentaccedilatildeo de um poeta e eacute a advertecircncia de um

cientistaSe o passarinho do Nordeste natildeo pode se refugiar no eucalipto nem

fazer o seu ninho nessa aacutervore magra e godera que suga tanto a terra e daacutetatildeo pouca sombra ao homem e tatildeo pouco abrigo ao animal a suadisseminaccedilatildeo em parques e ateacute em matas inteiras significa um perigo para avida natildeo soacute vegetal como animal e humana da regiatildeo Porque dessas avesque estatildeo sendo sacrificadas pelo triunfo cada vez maior do eucaliptodepende a sauacutede de muita planta uacutetil ao homem e agrave economia da regiatildeoque os paacutessaros defendem como nenhum agrocircnomo das lagartas e dosvermes daninhos O caso do anum ou do alma-de-gato por exemplo cujaaccedilatildeo profilaacutetica dificilmente se pode exagerar

Qual a vantagem do fico A de crescer depressa A do eucalipto A decrescer depressa e a de chupar a aacutegua dos pacircntanos saneando-os eacabando com o mosquito das aacuteguas paradas Mas os naturalistas nos dizemque haacute uma variedade de aacutervores nossas que crescem depressa e se prestammelhor que o fico e que o eucalipto agrave arborizaccedilatildeo das cidades Aacutervorescapazes de dar agraves ruas as melhores sombras do mundo sem arrebentar ascalccediladas com as suas raiacutezes escandalosas e intrusas

E quanto ao fato do eucalipto se prestar tatildeo gulosamente a nos secar os

pacircntanos ecologista nenhum se limita a ver aiacute a vantagem tatildeo exaltadapelos higienistas dos subuacuterbios e pelos burocratas das prefeituras daextinccedilatildeo dos mosquitos nos arrabaldes haacute que enxergar tambeacutemdesvantagens e ateacute perigos para a natureza da regiatildeo no seu todo Dessesaneamento do pacircntano pode resultar na verdade desequiliacutebrio profundosob o ponto de vista ecoloacutegico o eucalipto australiano viria concorrer com assuas raiacutezes tatildeo exageradamente gulosas de aacutegua para diminuir a proacutepriaumidade do nosso solo talvez relacionada com a maior doccedilura do clima

Os que se tecircm ocupado da fitogeografia do Nordeste estatildeo cansados dedestacar a importacircncia da vegetaccedilatildeo como garantia de condiccedilotildees deumidade Mas vegetaccedilatildeo adequada eacute claro e natildeo do tipo do eucaliptoaustraliano quase doentiamente especializado em sorver o melhor suco daterra

A propagaccedilatildeo de aacutervores desse tipo entre noacutes longe de vir resolver oproblema do reflorestamento da regiatildeo viria talvez comprometecirc-la aindamais na sua sauacutede econocircmica jaacute tatildeo maacute e nas suas condiccedilotildees de vida e deequiliacutebrio cada dia mais precaacuterias Pois natildeo nos esqueccedilamos da advertecircnciado agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho em estudo recente a de que as regiotildeesintertropicais como o nordeste do Brasil ldquoestatildeo muito mais sujeitas aodesgaste do solo que as temperadasrdquo25

Essas condiccedilotildees jaacute se acham comprometidas de modo mais profundopela devastaccedilatildeo das matas alarmante no mais industrializado PernambucoA ldquoZona da Matardquo no Nordeste eacute hoje uma sub-regiatildeo de restos de mata desobejos da coivara Sub-regiatildeo onde o canavial e o engenho se instalaram semoutra consideraccedilatildeo que a de espaccedilo para a sua forma brutal de explorar aterra virgem Sem nenhum cuidado pela parte agriacutecola dessa exploraccedilatildeoSimplesmente devastando-se a mata a fogo plantando-se a cana e soacute a canapela matildeo de negro indiferente e abandonando-se a terra aos primeiros sinaisde cansaccedilo O sistema agriacutecola da monocultura latifundiaacuteria e escravocratafoi aqui o quase militar da conquista de terras para fins imediatos de guerraou de campanha Natildeo se pensou nunca no tempo mas soacute no espaccedilo e noespaccedilo em termos de um soacute produto a explorar desbragadamente ndash oaccediluacutecar Exploraccedilatildeo com fins imediatos

A monocultura teve de ser latifundiaacuteria e escravocrata pelas suas

proacuteprias condiccedilotildees de sistemas de exploraccedilatildeo agriacutecola quase militar talveznecessaacuterio em terras como as do Brasil de 1500 teve de ser essa conquista agravegrande e pelo fogo de espaccedilos sempre novos e quanto possiacutevel virgens essaconquista militar e sem amor da natureza bruta antes da devastaccedilatildeo pelocolonizador portuguecircs apenas arranhada na sua virgindade pelos comeccedilosde lavoura do iacutendio

Dentro de tais condiccedilotildees natildeo era preciso que se desenvolvesse aqui afigura do lavrador bastava a do senhor de engenho gritando para o negro doalto da casa-grande ou de cima do cavalo bastava a do escravo cumprindoas ordens do senhor ou do feitor bastavam as matildeos e os peacutes do negrobastava o seu sexo capaz de larga procriaccedilatildeo Nem precisava que eletrouxesse uma alma capaz de se ligar agraves aacutervores aos paacutessaros e aos bichos

O escravo africano eacute que natildeo se deixou reduzir a matildeos e peacutes nem mesmoa sexo Ao mesmo tempo que ele vieram para aqui algumas das aacutervores eplantas da Aacutefrica mais queridas agrave sua alma e aos seus olhos E agraves vezes onegro amou e respeitou nas aacutervores nas plantas e nos bichos da terra paraele estranha as aacutervores as plantas e os animais parecidos aos do seu paiacutes deorigem Mas nada disso impediu que ele como escravo agriacutecola se tornasse oinstrumento do sistema bruto de exploraccedilatildeo agriacutecola que tornou possiacutevel araacutepida civilizaccedilatildeo do accediluacutecar do Nordeste Raacutepida poreacutem moacuterbida Emoacuterbida sobretudo nos seus prolongamentos atuais

Porque tal sistema militar de agricultura nos viria ateacute hoje Declinariacom o maior nuacutemero de engenhos ndash fenocircmeno da segunda metade doseacuteculo XIX ndash para se acentuar com o maior prestiacutegio das usinas na paisagemda regiatildeo ndash fenocircmeno dos uacuteltimos cinquenta anos Com a concentraccedilatildeo dapropriedade territorial no Nordeste em verdadeiros principados

Como salientou haacute pouco numa das paacuteginas mais inteligentes que jaacute seescreveram sobre o problema da devastaccedilatildeo das matas entre noacutes o professorda Escola Superior de Agricultura de Tapera D Bento Pickel ldquoo sistema delatifuacutendios que se estaacute apoderando das terras tem tendecircncia de unir asplantaccedilotildees derrubando-se para este fim as faixas de matas paralsquoemendarrsquo26 Emendar os canaviais

O sistema de latifuacutendio moderno eacute o da usina sua acircnsia a de ldquoemendarrdquoos campos de plantaccedilatildeo da cana uns com os outros formando um soacute

campo formando cada usina um impeacuterio seu espiacuterito aquele militar a quejaacute se fez referecircncia O espiacuterito do senhor latifuacutendiaacuterio que procura dominarimperialmente zonas maciccedilas espaccedilos continuados terras que nunca faltempara o sacrifiacutecio da terra das aacuteguas dos animais e das pessoas ao accediluacutecar

Accediluacutecar com A maiuacutesculo Accediluacutecar miacutestico Um accediluacutecar dono dos homens enatildeo ao serviccedilo da gente da regiatildeo Quando muito ao serviccedilo de uma minoriainsignificante Mas nem isto O usineiro eacute em geral ele proacuteprio umdeformado pelo impeacuterio do accediluacutecar

Philipp von Luetzelburg figura quase romacircntica de cientista alematildeo quedurante longos anos ligou sua vida ao estudo germanicamente minuciosodas plantas e das matas do Nordeste acredita que as matas de Pernambucocubram hoje 14 da aacuterea do Estado contra 34 da que cobriaprimitivamente27 Para o agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho a aacuterea coberta

pelas matas eacute ainda mais reduzida mesmo incluindo os capoeirotildees natildeoatinge 10 da superfiacutecie total do Estado28 Eacute quase a saarizaccedilatildeo

Chega-se mesmo a esta previsatildeo melancoacutelica a continuar o resto damata de Pernambuco a fornecer lenha dormentes e madeira para o Estadointeiro e ateacute para alguns estados vizinhos ndash para as usinas as faacutebricas detecidos os engenhos a Great Western as padarias as cozinhas numvolume segundo caacutelculo oficial de aproximadamente dois milhotildees e meiode metros cuacutebicos por ano ndash dentro de poucos anos as uacuteltimas reservaspernambucanas de floresta estaratildeo desaparecidas de todo Soacute restaraacute oarvoredo mais magro e mais resistente Os ossos da mata

Entretanto haacute quatro seacuteculos o arvoredo do Nordeste era ldquotanto etamanho e tatildeo basto e de tantas prumagensrdquo que ldquonatildeo podia homem darcontardquo Surpresa dos europeus Espanto dos primeiros cronistas

O que Portugal retirou de madeira do Nordeste do Brasil ndash madeiragorda e de lei que a outra lhe dava ateacute repugnacircncia ndash para levantar oureparar seus conventos suas igrejas seus palaacutecios toda a sua arquiteturavolutuosa para construir seus barcos e seus navios forma um capiacutetulo dahistoacuteria da exploraccedilatildeo econocircmica do Brasil pela Metroacutepole na sua fase jaacuteparasitaacuteria que um dia precisa ser escrito com vagar e minuacutecia Quase natildeohaacute edifiacutecio nobre em Portugal que natildeo tenha um pedaccedilo de mata virgem doBrasil resistindo com uma dureza de ferro agrave decadecircncia que vem roendo a

velha civilizaccedilatildeo portuguesa de conventos e palaacutecios de rei Eacute o que se vecircatraveacutes de mais de um documento da Correspondecircncia da Corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco que se conserva na Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco a grande importaccedilatildeode madeira de lei do Nordeste pela metroacutepole Entre esses documentoscarta do marquecircs de Pombal de 6 de dezembro de 1775 exigindo que doBrasil soacute fosse para Portugal pau-brasil do melhor e ldquoem toros grossosrdquo nadade paus ldquomiuacutedosrdquo ou ldquobastardosrdquo29

Essa devastaccedilatildeo pelo machado se fez ao mesmo tempo que a do fogoembora em escala muito menor Natildeo se cuidou a seacuterio de replantio nem dereflorestamento soacute da exploraccedilatildeo das matas e da terra Soacute da plantaccedilatildeo dacana e do fabrico do accediluacutecar Fazia-se ouvido de mercador agraves ordens del-rei afavor das aacutervores

O brado do primeiro donataacuterio de Pernambuco contra a devastaccedilatildeo dasmatas ficou uma voz clamando num deserto cada vez maior Duarte Coelhoviu o drama que se iniciava sob os seus olhos de lavrador e ainda no seacuteculoXVI bradou contra o mal Contra a pirataria de madeira em vez dacolonizaccedilatildeo agraacuteria de que ele foi o grande patriarca

A cana se estendendo pelos claros abertos a fogo e a machado no matovirgem atenuou o mal da devastaccedilatildeo Porque em alguns desses claros desdeo primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo se levantaram no Nordeste casas de pedra ecal igrejas coleacutegios de padres escolas onde se comeccedilou o estudo do latimcom os alunos ainda sentindo no rosto o calor das queimadas

A floresta tropical devastada pelo colonizador portuguecircs no interessequase exclusivo da monocultura da cana ou da metroacutepole faustosa era umobstaacuteculo enorme a ser vencido pela colonizaccedilatildeo agraacuteria do Nordeste Ocolonizador portuguecircs venceu tatildeo poderoso inimigo destruindo-o Ocolonizador negro natildeo venceu-o em parte adaptando-se agrave floresta emparte adaptando a floresta agraves suas necessidades de evadido da monoculturaescravocrata e latifundiaacuteria

Esse esforccedilo magniacutefico de adaptaccedilatildeo e ao mesmo tempo de domiacuteniosobre a natureza realizado aqui pelo negro ainda natildeo teve quem lhe fizesse aanaacutelise vagarosa e profunda Eacute um dos aspectos mais expressivos dacolonizaccedilatildeo africana deste trecho da Ameacuterica tropical O negro a princiacutepio

tatildeo medroso do tapuia e do mato grosso se assenhoreou depois de algumasdas florestas mais profundas do paiacutes e submeteu agraves suas tentativas rudes decolonizaccedilatildeo policultora realizadas quase dentro das florestas virgens ndash queeram uma proteccedilatildeo contra os capitatildees de mato a serviccedilo dos grandesmonocultores brancos ndash mulheres e ateacute populaccedilotildees indiacutegenas O maacuteximo deaproveitamento da vida nativa Inclusive das palmas das palmeiras paranumerosos fins a comeccedilar pela habitaccedilatildeo arte em que o negro tornou-se orival do indiacutegena a ponto do mucambo de palha ter se tornado tatildeo ecoloacutegicocomo qualquer palhoccedila indiacutegena Assunto ferido por noacutes em ensaiopublicado no Rio de Janeiro em 1937 Mucambos do nordeste e em vaacuteriasnotas preacutevias

O exemplo de Palmares jaacute se tornou claacutessico E eacute tatildeo conhecido que seriabanal recordaacute-lo ainda uma vez Mesmo porque natildeo eacute o uacutenico na histoacuteria doNordeste

Tambeacutem em Catucaacute matas de Pernambuco vizinhas de alguns dosengenhos mais antigos da capitania um grupo afoito de quilombolas seestabeleceu na floresta e se assenhoreou dela com uma capacidade deadaptaccedilatildeo ao meio e de domiacutenio sobre a vida vegetal e animal da regiatildeo quesurpreende em simples evadidos de engenhos de accediluacutecar e sem grandesrecursos teacutecnicos para aventura tatildeo arriscada Catucaacute surge diante de noacutesquase como uma afirmaccedilatildeo da capacidade do negro para se adaptarrapidamente aos troacutepicos americanos e agraves sombras de suas florestas maisprofundas em contraste com a incapacidade dos noacuterdicos Porque nessasmesmas matas de Catucaacute lembraram-se de ir estabelecer-se em colocircnia agraveparte da civilizaccedilatildeo monocultora fundada pelos portugueses algumasfamiacutelias alematildes Famiacutelias arrojadas que entretanto em poucos anos sedegradaram em simples fabricantes de carvatildeo entrando em conflito com osnegros da floresta pernambucana e alguns ateacute perecendo em luta com ospretos quilombolas que os alematildees pretenderam expulsar de matas tatildeodominadas por eles30

Na Bahia Durval Vieira de Aguiar escrevendo nos uacuteltimos dias damonarquia e referindo-se agraves matas de Oroboacute salientou a dificuldade dacolonizaccedilatildeo europeia nos trechos de vegetaccedilatildeo mais tropical do Nordeste oeuropeu soacute se dispunha a vir para aiacute conservando com auxiacutelio do governo

sua alimentaccedilatildeo especial e com ferramentas pastores meacutedicos boticaacuteriosescolas igrejas que o mesmo governo mandasse vir da Europa ou levantassepara proveito deles depois de derrubadas e roccediladas as matas naturalmentepelos escravos negros Por isto as matas menos afastadas e de terreno melhorpareciam-lhe dever pertencer aos nacionais ndash que seriam em sua maioria osnegros e os negroides Estes nacionais se natildeo trabalhavam eacute porque natildeotinham onde ldquoporque as terras de lavoura que possuiacuteam ou satildeo as grandes edistantes matas do Estado ou os terrenos monopolizados como verdadeirosfeudos onde o despotismo com a escravatura e os costumes dissoconsequentes estabeleceratildeo praxes e arbiacutetrios a que um homem livre natildeopode nem deve se sujeitar sem uma plena garantia de seu futuro de suapropriedade de seus haveres tudo ainda agrave mercecirc do capricho doproprietaacuteriordquo31 Por outro lado sem o sistema latifundiaacuterio e escravocrata

teria sido talvez impossiacutevel a fundaccedilatildeo de lavoura agrave europeia nos troacutepicostatildeo cheios de matas e o desenvolvimento aqui de uma civilizaccedilatildeo a que natildeofaltariam as qualidades e as virtudes das civilizaccedilotildees aristocraacuteticas ao ladodas perversotildees sociais e dos defeitos econocircmicos e poliacuteticos

Por baixo dessa civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e volutuosa de seda de rubis deazulejo de latim de versos de cama de jacarandaacute de cadeira de balanccedilo demulher bonita de cavalo de raccedila de licor de caju de doce fino deixou-sesecar tanta fonte de vida que era natural que a exploraccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar fosse o que foi neste trecho do Brasil uma fase em certo sentidocriadora e sob vaacuterios aspectos brilhantiacutessima mas tatildeo separada de certoselementos da natureza regional e tatildeo artificial em algumas de suas condiccedilotildeesde vida que apodreceu ainda verde sem amadurecer direito

O Maranhatildeo com seus sobrados grandes se esfarelando de podres e seusgrandes homens discutindo gramaacutetica haacute quase um seacuteculo eacute uma ruiacutena dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar Pernambuco comeccedila a ser outra Serinhaeacutem e RioFormoso parecem terras por onde passou um inimigo brutal e natildeo onde seprocessou uma colonizaccedilatildeo regular pela agricultura

A Paraiacuteba Alagoas o Rio Grande do Norte Sergipe menos oprimidospelo que jaacute se chamou de ldquopassado aristocraacuteticordquo ndash tatildeo intenso e brilhanteem Pernambuco e no Recocircncavo da Bahia de senhores menos parecidoscom os da capital baiana do que com os de Pernambuco ndash reagem com maior

vantagem contra a decadecircncia a que a monocultura latifundiaacuteria eescravocrata do accediluacutecar reduziu tatildeo grande parte do Nordeste depois de lheter dado ldquoa grandezardquo que um homem profundamente do Sul o professorCoelho de Sousa ainda haacute pouco sentiu animar ainda no Maranhatildeo ldquoa igrejada Seacute onde pregou Vieirardquo e ldquoos sobrados de mirante telhado de beiralsacada rendilhada frente de azulejo azulejos cor-de-rosa e floridosverdadeiras joiasrdquo32

24 Konrad Guenther A naturalist in Brazil (trad) Londres 193125 Vasconcelos Sobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco cit26 D Bento Pickel ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria daAgricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III nordm 3 193427 Philipp von Luetzelburg ocupa-se do problema da devastaccedilatildeo das matasdo Nordeste em trabalho notaacutevel em trecircs volumes Estudo botacircnico doNordeste (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas) Rio de Janeiro1922-192328 Vasconcelos Sobrinho ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo separatade Fronteiras Recife 1936 Sobre o assunto vejam-se tambeacutem A TSampaio Fitogeografia do Brasil S Paulo 1934 e os discursos dodeputado Renato Barbosa nas sessotildees de 5 a 26 de novembro de 1936 daCacircmara Federal Tambeacutem o capiacutetulo ldquoO problema da degradaccedilatildeo danatureza do Nordesterdquo no recente ensaio do professor Vasconcelos SobrinhoAs regiotildees naturais de Pernambuco cit29 Em carta de 30 de agosto o marquecircs de Pombal exigia que do Nordestedo Brasil remetessem para Portugal pau-brasil de ldquoqualidaderdquo e ldquode Leyrdquo emldquotoros grossos como antigamente vinha para ter a devida substancia sendotodo legiacutetimo para tintas vermelhas e para que esta ordem tenha o seudevido effeito fique V Sa encarregado de fazer visitar por pessoasintelligentes todo o Paacuteo que se recolher nesses armazens e achando-sealgum que natildeo seja legitimo e de boa ou ao menos regular qualidade o faccedilalogo separar e queimar publicamente para que natildeo succeda carregar-sealgum para esta cidade nem para alguma outra parte natildeo se pagando adespesa do Coacuterte da conducccedilatildeo se natildeo do que for bom e capaz de secarregar tendo ao mesmo tempo particular cuidado e toda a vigilancia emque natildeo possa haver extravio por minimo que seja no dito genero Deosguarde a V Sa Lisbocirca 30 de Agosto de 1775 Marquez de Pombalrdquo(Manuscrito da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775) E em carta de 6 de dezembro do mesmo ano insistia

ldquoPela minha antecedente de 30 de Agosto proximo passado fis sciente aV Sa que El Rey meu Senhor fora servido prorogar o contracto do consumode Paacuteo Brasil por outros nove annos aos mesmos contractadores DavidPurry e Gerardo Devisme para principiar em primeiro de Janeiro proximofuturo de 1776 com obrigaccedilatildeo de extrahirem vinte mil quintaes do ditogenero em cada anno Encommendei a V Sa de continuar a promover oscompetentes coacutertes e regular as remessas de que estaacute encarregada essaDirecccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Parayba em termos queaqui natildeo falte annualmente a dita quantidade de Paacuteo e com a advertecircnciade que natildeo se coacuterte nem se carregue algum que natildeo seja de Ley de boaqualidade e em toacuteros grossos e que todo seja legitimo para tintas vermelhase natildeo falsificado para cujo effeito se deveratildeo faser os necessarios exames eescolhas nesses armasens afim de se separar e queimar todo o que natildeo forlegitimo e de boa qualidade e natildeo se pagando a despesa do coacuterte se natildeo doque focircr bom capas de carregar na referida forma e recommendando-lheultimamente a evitar todo e qualquer extravio ou descaminho do referidogenero agora devo accrescentar que em coordenaccedilatildeo de outrasrepresentaccedilotildees dos sobreditos contractores alem do referido contracto emque muito interessa a fasenda Real heacute o mesmo Senhor Servido Ordenarnovamente que na referida inspecccedilatildeo que tenho encarregado a V Sa sobreo coacuterte recolhimento remessas e extravios do Paacuteo Brasil haja de observar efazer observar as mais advertencias que se seguem

1ordm) ndash Que todos os toros que se carregar sejam bons de receber sem quehaja algum de Ramos secos ou de troncos carunchosos nem de Paacuteo Brancoou falso

2ordm) ndash Que natildeo exceda cada hum dos toacuteros de seis palmos sendo todoslimpos e despidos de toda a sua casca e todos marcados distinctamente coma marca R de fogo em ambas as extremidades

3ordm) ndash Que se cuide muito em precaver que natildeo se molhe o dito Paacuteocomo algumas veses tem succedido ou com chuva ou com a mareacute quando oapanha nas prayas depois de tirado das embarcaccedilotildees pequenas quecondusem por pouco cuidado de o recolher Logo nos armasens natildeo seatendendo o que agora lhe tira toda a substancia

4ordm) ndash Que se carregue o Paacuteo dividido com proporccedilatildeo pelos navios queno decurso do anno houverem de o condusir a Lisboa para evitar oinconveniente e grande prejuiso que poderia seguir-se a este contracto sehuma porccedilatildeo grande carregada em hum navio viesse acahir toda junta em

navios de inimigos ou Piratas5ordm) ndash Que a entrega do Paacuteo aos capitatildeos ou mestres dos navios que o

condusirem para Lisboa se faccedila com toda a cautela a exactidatildeo assim naquantidade dos toacuteros como no prazo para que eles natildeo possam faser ocontrabando que se tem verificado em alguns anos passados para que natildeose achem a cada passo differenccedilas de mais e de menos nas entregas quefasem na casa da India

6ordm) ndash Que se tomem todas as cautelas e haja todo o cuidado em todosos portos dessa Capitania para impedir qualquer exportaccedilatildeo do dito Paacuteo porcontrabandos ou extravios seja por navio estrangeiro ou portuguez ou dequalquer outro modo que possa acontecer fasendo-se castigarrigorosamente qualquer delicto a este respeito com as penas da Ley

E para que todas estas providencias tenham em todo a devidaobservancia heacute outro sim Servido o mesmo Senhor que V Sa as faccedila registarna secretaria desse governo e que annualmente se me decirc conta de tudo oque occorrer emcontrario Lisbocirca 6 de Dezembro de 1775 Marquez dePombalrdquo (Manuscritos da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antigacapitania de Pernambuco 1775)30 Nos livros de Correspondecircncias dos Cocircnsules conservados em manuscritona Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambucoencontram-se vaacuterias referecircncias ao estabelecimento da colocircnia de europeusdo Norte em Catucaacute Essa colocircnia de europeus do Norte em matas quasevirgens do Nordeste foi uma das primeiras tentativas de colonizaccedilatildeo alematildedo Brasil O ponto escolhido ldquoo lugar da Cova da Onccedila vulgarmentechamado Catucaacute sete leguas desta cidade [Recife] no centro de Matasfeixadas que ateacute agora eratildeo occupadas por negros fugidos que ali viveratildeoreunidos em formidaveis Quilombosrdquo informa o presidente da proviacutenciaTomaacutes Xavier Garcia de Almeida em ofiacutecio de 14 de dezembro de 1829dirigido a Joseacute Clemente Pereira (manuscrito na Biblioteca Puacuteblica doEstado) O mesmo ofiacutecio esclarece a origem da colocircnia que em aviso de 28de setembro (1829) S M o Imperador fora servido determinar que opresidente ldquofizesse estabelecer como colonos no logar que julgasse maisconveniente os individuos que vieratildeo ter a esta Provincia vindos deAmsterdam no Brigue Hollandez ndash Activo ndash dando-lhes pequenas datas deterras que possatildeo cultivar mandando-lhes levantar cazas para serecolherem e assistindo-lhes por espaccedilo de hum anno com o Subsidio diariode 160 pordf as pessocircas grandes e 120 pordf as de menor idaderdquo Eram os colonos103 entre homens mulheres e crianccedilas E ldquocomo tenhatildeo pretendido serigualmente admitidos agrave classe de Colonos alguns soldados Alematildes do

Batalhatildeo 2o do Granadeiros aqui destacado que obtiveratildeo escusas p haverpreenchido o tempo do seu engajamentordquo o presidente consultou a respeitoo presidente parecendo que tambeacutem estes se estabeleceram em Cova daOnccedila ou Catucaacute Quanto aos outros segundo carta do encarregado doconsulado dos Paiacuteses-Baixos Jacob Lefolle dirigida ao presidente daproviacutencia em data de 13 de setembro de 1828 eram prussianos ldquona maiorparte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a ser colonos noBrasilrdquo A colocircnia de Cova da Onccedila natildeo prosperou Em ofiacutecio de 13 deoutubro de 1830 informava o entatildeo presidente da proviacutencia Joaquim JoseacutePinheiro de Vasconcelos que a colocircnia se achava com noventa e seisindiviacuteduos vivendo de plantaccedilotildees de mandioca e feijatildeo cultivando frutas emorando natildeo jaacute em casas de palha mas de telha Mas o cientista inglecircsGardner que aqui esteve em 1835 visitou Cova da Onccedila surpreendendosinais de decadecircncia ndash a maior parte dos homens entregues simplesmenteao fabrico de carvatildeo Deve-se notar que vaacuterios dos colonos alematildees quevieram para Pernambuco em 1828 dissolveram-se aqui casando comfamiacutelias antigas da regiatildeo

Da Correspondecircncia dos Cocircnsules eacute o seguinte documento de interessesobre a colonizaccedilatildeo de Catucaacute por prussianos

ldquoAchando-se no porto do Assuacute um Brigue Hollandez que se destinava aoRio de Janeiro com pouco mais ou menos cento e quarenta Prussianos namaior parte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a sercolonos no Brasil e podendo talvez ser de grande utilidade pa estaprovincia que nrsquoella se estabeleccedilatildeo aquelles individuos tenho a honra drsquoopropor a VExa estando informado pelo Capm do dordm Brigue que elles natildeoteratildeo duacutevida drsquoacceitar este convite da parte de VExa uma vez que lhesproporcione meios para darem princcipios a seus estabelecimentos comohomens livres

Se esta proposiccedilatildeo for do agrado de VExa terei o prazer de contribuirquanto mi for possiacutevel para se concluir este tracto que considero favoravelpa esta Provincia da qual sinceramente desejo todos os augimentos eprosperidades como a hum pays que tatildeo benignamente me tem acolhido

Deos Guarde VExa

Consulado dos Paizes Baixos em Pernambuco 13 de Setembro de 1828Illmordm e Exmordm Senr Francisco de Paula Cavalcante drsquoAlbuquerqueVice Presidente da Provincia de PernambucoEncarregado do Consulado dos Paizes Baixos

Jacob Lefollerdquo

31 Durval Vieira de Aguiar op cit32 ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto alegre 18 de abril de 1950

4 ndash A CANA E OS ANIMAIS

A cultura da cana no Nordeste aristocratizou o branco em senhor edegradou o iacutendio e principalmente o negro primeiro em escravo depois empaacuteria Aristocratizou a casa de pedra e cal em casa-grande e degradou achoccedila de palha em mucambo Valorizou o canavial e tornou despreziacutevel amata

Nesse sistema de relaccedilotildees que dividiu os homens e as suas habitaccedilotildees e aproacutepria paisagem em metades tatildeo diferentes e ateacute antagocircnicas pode-sedizer para efeito de generalizaccedilatildeo que o cavalo ficou no primeiro e o boi nosegundo grupo E estes foram os dois grandes animais da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Essa civilizaccedilatildeo tornou-se desde os primeiros tempos acentuadamentecavalheiresca Sem o cavalo a figura do senhor de engenho do Nordesteteria ficado incompleta na sua dignidade de dono de terras tatildeo vastas e nasua miacutestica de fidalgo de casas-grandes tatildeo isoladas Incompleta nos seusmovimentos de mando nos seus gestos de galanteria nos seus rompantesguerreiros

Natildeo se alterou antes se acentuou no cavalo importado para osengenhos do Nordeste a sua qualidade de animal por excelecircnciaaristocraacutetico e ateacute autocraacutetico Seu trote o ruiacutedo imperial de suas patas setem feito ouvir atraveacutes da nossa histoacuteria social com a majestade do proacuteprio

ritmo da ordem da autoridade do domiacutenio Os dominadores da terra quasenatildeo tem ganho nenhuma vitoacuteria sobre os revoltados sobre os insubmissossobre os mal satisfeitos ndash gente quase sempre de peacute sem terra e sem cavalondash que natildeo tenha sido uma vitoacuteria de homens majestosamente a cavalo Soacute ocavalo do gauacutecho do Rio Grande do Sul ou o de certo tipo de sertanejo ou dematuto escapa a essa caracterizaccedilatildeo do cavalo brasileiro como o animal maisque qualquer outro a serviccedilo do domiacutenio dos defensores da Ordem sobre amassa

Essa funccedilatildeo o cavalo do senhor de engenho desempenhou-amagnificamente O senhor de engenho do Nordeste foi quase uma figura decentauro metade homem metade cavalo E esse centauro um ldquodefensor daOrdemrdquo embora para defendecirc-la a seu modo agraves vezes desobedecesse ao reiou se revoltasse contra ele

Impossiacutevel imaginaacute-lo ndash a esse centauro ndash fora de rede patriarcal semser o homem a cavalo chapeacuteu grande botas pretas esporas de pratarebenque na matildeo a quem a gente dos mucambos tomava a benccedilatildeo como aum rei Do alto do cavalo eacute que esse verdadeiro rei-nosso-senhor via oscanaviais que natildeo enxergava do alto da casa-grande do alto do cavalo eacute queele falava gritando como do alto da casa-grande aos escravos aostrabalhadores aos moleques do eito O cavalo dava ao aristocrata do accediluacutecarquando em movimento ou em accedilatildeo quase a mesma altura que lhe dava oalto da casa-grande nas horas de descanso

Para tal efeito devia ser majestoso no porte e belo nas formas o cavalo dosenhor O mais possiacutevel dentre os cavalos de origem aacuterabe que no Nordesteforam diminuindo de tamanho

E devia ser pampa malhado de branco ou castanho ldquoandrinhordquocastanho verdadeiro castanho-amarelo barriga de veado alazatildeo ruccedilo-pombo ruccedilo verdadeiro melado-raposo ldquorudadordquo ldquorudado apatacadordquoargel (peacute direito branco) Isso eacute que era cavalo de senhor de engenho Masde preferecircncia que fosse branco da ldquomatildeo direitardquo e do ldquopeacute esquerdordquo ldquomatildeode lanccedilardquo e ldquopeacute de cavalgarrdquo Os ldquogalvotildeesrdquo isto eacute os especialistas em conhecercavalo pela pinta ou pela cor advertiam os compradores contra cavalo argelpodia trazer desgraccedila para o dono contra o cavalo ldquocaceterdquo isto eacute sem sinalno membro cavalo que via alma de noite contra o cavalo gaacutezeo-sararaacute Bom

era o alazatildeo Oacutetimo para correr o cardatildeo-pedrecircs Bom e bonito o meladocaxito

Outras especializaccedilotildees de animal aristocraacutetico foram lhe dando o bomtrato na estrebarias das casas-grandes o banho de rio a matildeo do moleque quelhe esfregava o pelo ateacute ficar brilhando a alimentaccedilatildeo farta e boa que oarredondava em animal volutuoso ancas quase de mulher O cavalo dosenhor de engenho se diferenciava por todos esses carinhos de tratamentode qualquer outro ndash do de cangalha do de matuto do de sertanejo Cavalosangulosos e ossudos Tambeacutem se salientava de qualquer outro animal criadoagrave sombra do mesmo engenho mas sem as mesmas regalias A natildeo ser umoutro carneirinho mocho de menino ou um ou outro gato de iaiaacute solteironacriado no colo

Exigiam-se do cavalo do senhor de engenho certas qualidades militaresDevia andar de baixo meio esquipado misturado Saltar valado Atravessarcom elegacircncia riacho Saber sair E fosse bom o cavaleiro saber chegar

Era entatildeo o cavalo ortodoxo do senhor de engenho o que ele cobria deprata quando saiacutea em visita aos parentes ou a passeio pelos engenhosvizinhos o escudeiro ou pajem de lado num cavalo menos senhoril

Mas natildeo foi soacute o cavalo de sela o mimado com tanto exagero peloshomens das casas-grandes do Nordeste tambeacutem o cavalo de carro teve seusregalos O cabrioleacute de engenho tornou-se uma das notas mais caracteriacutesticasda paisagem rural do Nordeste no seacuteculo XIX

Antes quase que era soacute a rede que a gente mais comodista viajava de umengenho a outro a rede ou a liteira Pelo barro vermelho soacute rodavam carrosde boi As grandes rodas de madeira chiando como umas desadoradas eramas uacutenicas que se aventuravam pelo massapecirc pela lama pelos catabis doscaminhos quase impossiacuteveis a outro tracircnsito que natildeo fosse o do negro o doburro e o da besta de carga ndash o proletariado do transporte de aacutegua deaccediluacutecar de mantimentos no Nordeste do Brasil

Com a maior influecircncia inglesa e francesa sobre a vida da regiatildeo ndashinfluecircncia que se acentuou tanto na administraccedilatildeo do baratildeo de Boa Vista emPernambuco ndash o Recife se encheu de traquitanas de seges de cabrioleacutes demeacutedico de todos os estilos novos de carruagem Antes quase que soacute o bispo eo governador rodavam de carro

O palanquim ndash que na cidade de Salvador ia ter ainda quase meio seacuteculode vida ndash na capital do extremo Nordeste cidade plana prestando-semelhor que as ladeirosas ao rodar nem sempre macio das carruagensdesapareceu quase de repente depois da Independecircncia Tornou-se umarcaiacutesmo colonial

Essa vitoacuteria raacutepida do veiacuteculo inglecircs ou francecircs natildeo se limitou ao Recife eaos seus subuacuterbios estendeu-se agraves terras de senhores de engenho mais ricose mais em contato com as atualidades inglesas e francesas Tornou-se umluxo ndash porque natildeo era de modo nenhum uma necessidade ndash andar emcarros ligeiros E com esse gosto de ligeireza afirmou-se nova superioridadedo cavalo sobre o boi como animal de carro da famiacutelia patriarcal

Nos engenhos tornou-se luxo dos senhores brancos bolearem elesproacuteprios os seus carros Agraves vezes em disparada como carros de triunfadoresesquecidos de que eram mortais Era outra forma de ostentaccedilatildeo de domiacuteniona qual o cavalo completava magnificamente a figura do senhor de reacutedeasna matildeo guiando governando chicoteando levantando poeira espantandoos moleques e os animais Alguns senhores de engenho gabavam-se de saberpassar com a roda direita ou esquerda do carro por cima de quantas moedasde vinteacutem atirassem no chatildeo Cavalo e roda de carro os obedeciam com amesma docilidade das mulheres e dos escravos

O carro de cavalo do senhor de engenho sobretudo quando boleado pelodono tornou-se na paisagem do Nordeste uma nota imperial um elementovivo de domiacutenio do homem rico sobre a massa sobre a distacircncia sobre anatureza e natildeo apenas uma marca de decoraccedilatildeo social em que rivalizassemas casas-grandes umas com as outras

Como nas cidades com relaccedilatildeo agraves ruas o carro de cavalo influiu nosengenhos sobre os caminhos submetendo a natureza ao maior domiacutenio dohomem Ainda hoje se encontram caminhos de engenhos empedrados parao rodar mais faacutecil das carruagens do barotildees tempo de chuva quando omassapecirc tornava-se em tantos trechos uma papa de terra Papa de terraonde as patas dos cavalos e a rodas dos carros soacute faltavam se sumir como emareia gulosa

Koster que tanto viajou por esses caminhos quando as carruagens aindaeram raras ateacute no Recife e o transporte dos senhores dos vigaacuterios dos frades

e das iaiaacutes de rede de palanquim de cavalo de burro de carro de boinotou o horriacutevel das comunicaccedilotildees no Nordeste Desde Alagoas aoMaranhatildeo33 No Recocircncavo escrevia em 1821 o desembargador Joatildeo

Rodrigues de Brito que era um pavor As estradas da vizinhanccedila mesmo dacidade eram impraticaacuteveis para os carros ldquofazendo-se por isso os transportesaacutes costas de escravos muito mais dispendiosamenterdquo Duro fisiocrata notavao desembargador a respeito das estradas iacutengremes por onde natildeo podia rodarcarro ldquoBastaria a despeza que se gasta em uma procissatildeo para fazerdesapparecer todas essas ladeirasrdquo34 Ladeiras e atoleiros onde em tempo de

chuva pereciam muitos bois e cavalosMas eacute a Charles B Mansfield que devemos as observaccedilotildees mais

minuciosas sobre os caminhos do Nordeste antes da viaccedilatildeo feacuterrea vir alterar osistema de comunicaccedilotildees por terra entre os engenhos e as cidades do litoralNotou Mansfield que ldquoexceto as estradas reais em certas direccedilotildeesrdquo as ldquocoisasdenominadas caminhos pelos quais os produtos satildeo exportados dosengenhos satildeo absolutamente intransitaacuteveis para os veiacuteculos de rodasrdquo35 De

modo que quase todo o accediluacutecar vinha ou em barcaccedilas pelos rios e pelo marou nas costas dos cavalos e dos burros No recocircncavo nas costas dos negros

Os caminhos eram apenas o suficiente para o traacutefico e este mesmopenoso dos pobres cavalos e burros ou dos carregadores a peacute Negros ecavalos dos senhores de engenho burros e bestas de matutos ou tropeirosEstes faziam a viagem de pernas cruzadas sobre um dos animais da tropana volta o animal jaacute descarregado eacute que o matuto se escanchava nele masse utilizando de uma simples corda em vez de estribo

ldquoEm alguns lugaresrdquo ndash observou Mansfield em suas excursotildees pela zonada cana-de-accediluacutecar do Nordeste ndash ldquoa lama nos sulcos eacute tatildeo espessa que apata do cavalo ao tempo de ser tirada do lamaccedilal faz pela succcedilatildeo um fit-top quase o mesmo que uma peccedila de artilhariardquo Alguns cavalos resvalavamnos buracos mais fundos quebrando a perna rachando o casco morrendoMansfield observou os rodeios de certos cavalos sua cautela em escolher ocaminho para se furtarem aos lugares suspeitos Era divertido vecirc-los nessesrodeios de gatos mas devia ser tambeacutem doloroso

Os arquivos dos senhores de engenho antigos estatildeo cheios de cartas epapeacuteis sobre cavalos e carros de cavalo as gazetas coloniais e do tempo do

Impeacuterio cheias de anuacutencios de cavalos e carros Cartas comerciais eanuacutencios de venda e troca de cavalos descritos com a mesma minuacutecia agravesvezes com as mesmas palavras com que se descreviam os negros

Em 1837 Manuel de Arauacutejo Lima escreve do engenho Antas em papelcom coroa jaacute cheio de pretensotildees a lorde uma carta a Manuel Tomeacute de

Jesus do engenho Noruega ndash o ldquocapam Moacuter Manoel Thomeacute de Jezusrdquo seuldquomui Bom Amordmrdquo do seu ldquocordeal affectordquo ndash toda sobre cavalos Sobre umcavalo castanho muito bonito peacute e matildeo esquerdos calccedilados Sobre um poltroldquofazendo ou igualando a ultima mudardquo Um poltro que era um encantoldquocastanho quatro peacutes calccedilados uma estrella na testa uma malhasinha nobuccedilo de cimardquo36

E o proacuteprio bispo de Pernambuco D Joatildeo da Purificaccedilatildeo correspondia-se do Palaacutecio da Soledade com o capitatildeo-mor do antigo Engenho dos Bois

sobre cavalos de carro Em 1o de maio de 1840 dirigia-se o bispo ao senhor deengenho em larga folha azulada de papel de carta inglecircs ldquoRemetto a V Sdois cavallos para q com mais vagar faccedila o favor de me arranjar humaparelha de quartaos russos por troca com a q vai ainda que haja excesso nopreccedilo q satisfarei com aviso de V S e tenha paciencia com os meosincommodos pois q natildeo sei o q heide fazer pordf estabelecer o arranjo dacarruagem Desejo 2 quartaos possantes novos e russos pordf emparelhar comos 2 q caacute tenhordquo37

Nos anuacutencios de jornal os cavalos soacute faltam pisar os pobres negrosfugidos os proacuteprios moleques agrave venda Assim um cavalo alazatildeo que salta quenem cavalo de priacutencipe de um anuacutencio do Diaacuterio de Pernambuco de 1836ldquoclinas brancas muito novo por estar ainda a igualar bastante carnudordquo eldquoexento de todos os achaques carregador baixo de redeas soltas com bonitafigura e bocirca redeardquo Ou o ldquocavallo alasatildeo rosilho muito bom paceiro eesquipador bonita figurardquo que salta de outro anuacutencio Ou a ldquoparelha demuito bons cavallos de carro e em bocircas carnesrdquo que se anunciava paravender numa casa da Rua do Rosaacuterio no Recife Ou ainda o ldquocavallomelado caxitordquo com bom passo picado ldquoda estribaria do snr Sauerrdquo Ou oldquocavallinho castanho muito manccedilo proprio para meninordquo que aparecenoutro anuacutencio

Mas aparecem cavalos fugidos com suas marcas de doenccedilas seus sinais

de maus tratos seu ar tristonho de cavalos de pobre Confundem-se agraves vezescom os negros doentes com os moleques maltratados Tal certo ldquorussopedrez pequeno carregador com clinas cahidas e a cauda compridardquo ldquoDuassicatrizes uma bem visivel na banda esquerda junto ao rabo e a outra juntoao queixo do lado direito Ou outro ruccedilo esse rudado descarnando crinastambeacutem caiacutedas ldquoraxadura em um dos cascos dos peacutesrdquo38 de tanto andar a

trabalhar para senhor pobreNem todos os cavalos nas cidades nos engenhos e sobretudo nas

engenhocas de senhores pobres ndash com poucos escravos e poucos animais ndashtiveram os bons tratos e os regalos que tornaram ceacutelebres as estrebarias decertos engenhos grandes onde os cavalos faziam inveja aos negros dassenzalas aos brancos e caboclos dos mucambos Os cavalos de Sebastiatildeo doRosaacuterio um dos Wanderleys mais opulentos de Serinhaeacutem e Rio Formoso soacutefaltavam estourar de gordos Os senhores de engenho gostavam de cavalosque fossem como as mulheres gordos e bonitos O cavalo e a mulher estavamquase no mesmo plano para o senhor de engenho do Nordeste como para ohomem senhoril de outras regiotildees Eacute o que nos ensina o folclore da regiatildeoneste talvez contaminado pelo da regiatildeo gauacutecha

Sou velho tive bom gostoMorro quando Deus quiserA maior pena que eu levoCavalo bom e mulher

O senhor de engenho tinha tanto horror e oacutedio ao ladratildeo de cavalo comoao ladratildeo de negro Sinhozinho (Sousa Leatildeo) do Almeccedilaga chegava a sercruel com os ladrotildees de cavalo Ainda hoje dificilmente se pode humilhar demodo mais cru a um homem no Nordeste do que chamando-o ladratildeo decavalo Entretanto havia afoitos que se aventuravam a roubar cavalos ateacute dedesembargadores presidentes da Relaccedilatildeo Uma noite furtaram do siacutetio doHospiacutecio no Recife pelo portatildeo do corredor do bispo arrombando-se afechadura do mesmo portatildeo ldquoum cavalo alasatildeo capado bem reforccedilado eespadaudo da sege do dezembargador Presidente da Relaccedilatildeordquo39 Um

anuacutencio de jornal exprime a maacutegoa do desembargador e a sua esperanccedila de

achar o cavalo tatildeo afoitamente roubado de sua casa Cavalo de estimaccedilatildeobem tratado bem lavado bem alimentado

Na alimentaccedilatildeo do cavalo do Nordeste accedilucareiro ndash na do cavalo de luxocomo na do cavalo de cangalha ndash tornou-se claacutessica a raccedilatildeo maior ou menorde melaccedilo ou de mel-de-furo Essa ligaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar com o cavalodo senhor de engenho e mesmo com o do matuto merece todo o destaqueTalvez se expliquem por ela natildeo completamente eacute claro mas em partecertos caracteriacutesticos que se desenvolveram no cavalo desta sub-regiatildeo doNordeste

Se o cavalo de Kentucky eacute hoje um animal que os entendidosdistinguem quase agrave primeira vista dos cavalos de outras regiotildees americanas edo cavalo inglecircs seu avocirc o mesmo parece que eacute possiacutevel fazer-se com ocavalo de engenho do Nordeste do Brasil Cavalo pequeno agraves vezes ateacutenanico sobretudo se o colocarmos junto de um cavalo normando ele seapresenta entretanto com qualidades nada vulgares de resistecircncia E comarredondados de forma bem caracteriacutesticos que o ideal de cavalo ldquogordo ebonitordquo consagrou como o tipo do cavalo bom

Artur Orlando pretende que o cavalo de Pernambuco tenha ldquoganho emforccedila e vigor o que perdeu em corpulecircncia e estampardquo40 e lembra que se

tem procurado explicar o fato pela origem aacuterabe geralmente atribuiacuteda aoanimal Mas a causa de maior importacircncia na diferenciaccedilatildeo de qualidadesdo cavalo de engenho do Nordeste parece ter atinado com ela o velhoensaiacutesta a predominacircncia da raccedilatildeo de melaccedilo na dieta do animal

A verdade entretanto eacute que aqui como em outras aacutereas da Ameacuterica decolonizaccedilatildeo agraacuteria o cavalo de que o agricultor fez sempre o seu animal demaior estimaccedilatildeo a expressatildeo mais viva de sua autoridade do seu domiacutenioquase militar sobre as terras e os moradores tratando-o o senhor de engenhobrasileiro como a nenhum outro animal preocupando-se com a suaalimentaccedilatildeo e com a sua higiene com a sua raccedilatildeo de mel-de-furo e com oseu banho de rio natildeo foi o animal mais uacutetil agrave lavoura ao sistema econocircmicobaseado sobre a monocultura latifundiaacuteria e escravocrata O aliado fiel doescravo africano no trabalho agriacutecola na rotina da lavoura de cana naproacutepria induacutestria do accediluacutecar foi o boi e esses dois ndash o negro e o boi ndash eacute queformaram o alicerce vivo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar

Em 1833 Joseacute Silvestre Rebelo na sua Memoria sobre a cultura dacanna e elaboraccedilatildeo do assucar jaacute fazia o elogio do boi ldquoo boi nutre-se decapim e natildeo he delicado na escolha natildeo precisa de raccedilatildeo agradece aohomem o cuidado que com elle tem com paccedilo vagaroso mas certo trabalhadando provas do seu brutal agradecimento quando os annos o inutilizamvai servir de nutriccedilatildeo qualidade que os outros natildeo temrdquo Enquanto ao cavaloldquotodo o serviccedilo rural o desgosta e humilha custa a manter requer capimescolhido exige raccedilatildeo regular ao mesmo animal que arribita as orelhasrincha ao som de hum clarim murcha as mesmas e parece que murmura aacutevoz do lavrador que o conduz ou para as carretas ou para a almanjarrardquo

Repetia Rebelo o que jaacute fora dito pelos estudiosos dos problemas deeconomia agraacuteria nas colocircnias inglesas da Ameacuterica alguns seus conhecidosque feito o balanccedilo entre os preacutestimos do boi e os do cavalo os do boi seapresentavam bem maiores Thomas Spalding chegara a particularizar oconfronto com relaccedilatildeo agrave lavoura de cana e agrave induacutestria do accediluacutecar ldquoem todosos trabalhos de que depende a plantaccedilatildeo da cana a elaboraccedilatildeo do accediluacutecar oboi parece ser o melhor companheiro para o homem ele lavra melhor eacutemais doacutecil e obediente nas moendas e ainda que se mova lentamenteanda com regularidaderdquo E Dwight escreveria que as vantagens do empregodo boi sobre o do cavalo na lavoura eram vaacuterias o boi era mais resistentemais constante custava menos dava menos trabalho era mais livre dedoenccedila e quando velho ou desvalorizado para o trabalho por algumacidente servia para beef41 A uacutenica vantagem do cavalo estava na sua

ligeirezaEsse contraste entre o cavalo e o boi do ponto de vista agriacutecola lembra-

nos um pouco o que se pode estabelecer no caso do Brasil e da suacolonizaccedilatildeo agraacuteria entre os preacutestimos do iacutendio nocircmade que foi umaespeacutecie de cavalo pelas suas tendecircncias ao movimento agrave ligeireza agrave alianccedilacom o homem menos sedentaacuterio e mais guerreiro e os preacutestimos do negroespeacutecie de boi pela sua adaptaccedilatildeo melhor e mais segura agrave rotina da lavourada cana agrave sedentariedade e ao vagar do trabalho agriacutecola O negro foi naverdade o peacute-de-boi da colonizaccedilatildeo agraacuteria do Brasil Sem ele a colonizaccedilatildeodo Nordeste pela cana-de-accediluacutecar natildeo se teria realizado tatildeo solidamente

Por outro lado sem o boi soacute com o cavalo o engenho natildeo teria se

firmado como se firmou Ateacute as vezes da eacutegua o boi fez nas almanjarras Ateacuteas vezes da besta E ateacute as vezes da mulher a vaca fez para os meninos deengenho

Nos princiacutepios do seacuteculo XVII o autor dos Diaacutelogos das grandezas doBrasil calculava que cada engenho devesse dispor para seu sustento ndash aleacutemdos elementos jaacute destacados neste ensaio tanto quanto possiacutevel na ordemde sua importacircncia material 1) boas terras 2) bastante aacutegua para asmoendas 3) matas situadas perto do engenho para a extraccedilatildeo de lenha e demadeira ndash de 50 peccedilas de bons escravos e de 5 ou 20 juntas de bois com seuscarros Terra aacutegua matas Negros e bois

Em meados do seacuteculo XVIII D Domingos do Loreto Couto no ensaioque escreveu com minuacutecias de frade-senhor-de-engenho sobre ldquoumengenho de lavrar assucarrdquo ndash talvez o capiacutetulo mais fascinante do seuDesagravos do Brasil e gloacuterias de Pernambuco ndash calculava que parasustento de uma faacutebrica de Pernambuco eram necessaacuterios tantos boisquantos negros no miacutenimo 60 escravos e 60 bois Bois para trazer lenha domato nos carros ldquoem uma safra de 1500 patildees de assucar gastam-se 3000carros de lenha levando cada carro mais de 50 arrobas de pesordquo Bois paracarregar cana Bois para carregar accediluacutecar Sem contar os bois para o corteconservados agrave distacircncia da faacutebrica e do canavial Sem contar as vacas deleite

As almanjarras de bestas ou molinotes ndash tipo de engenho de que seutilizou o colonizador do Nordeste diante da falta ou dificuldade que agravesvezes encontrou em fazer girar a faacutebrica a roda-drsquoaacutegua ndash foram precedidospelas almanjarras de bois ou trapiches Os molinotes descreve-os DDomingos ldquono eixo do meio natildeo tem bolandeira e tem umas traves no ditoeixo que chamam aspas e nas pontas se pregam outras traves que vemquase ao chatildeo ficando em cruz quatro em que se fazem assentos para aspessoas que tangem as bestas pondo-se em ajojo duas em cada parte comcorrentes de ferro e couro cru que prendem a trave chamada almanjarra epara circular carece de oito bestas que andam de tres em tres horasrdquo

Nesses molinotes em forma de cruz penou muita besta A besta dealmanjarra foi um verdadeiro maacutertir da cana-de-accediluacutecar Mas penou tambeacutemmuito boi na cruz dos trapiches ldquoEm outro tempo moiam tambem com bois

Soacute a grande falta de bestas obriga a servirem-se delles pelo tardo com quecircula a moenda por terem o passo ou galope mais vagoroso o qual sendomais raacutepido e violento daacute mais expediccedilatildeo aacute moagemrdquo

Vagarosos mas constantes os pobres dos bois Para se alimentaremnenhum luxo E uma capacidade quase miacutestica para o sofrimento para arotina para o serviccedilo do homem

O escravo vindo da Aacutefrica natildeo encontrou aqui melhor companheiro doque o boi para seus dias mais tristes Para os seus trabalhos mais penosos

Quando depois o boi associou-se tambeacutem aos dias alegres do negro deengenho ndash os de danccedila de cachaccedila de festa ndash na figura do bumba meu boieacute natural que o negro tenha feito desse drama popular um meio deexpressatildeo de muita maacutegoa recalcada a glorificaccedilatildeo do boi seu companheirode trabalho quase seu irmatildeo

Jaacute houve quem enxergasse no bumba meu boi ldquoa saacutetira dorida do negro edo iacutendio oprimidos contra a prepotecircncia do brancordquo42 Talvez haja aiacute

exagero e um pouco de retoacuterica O que principalmente se sente no grandedrama popular do Nordeste ndash talvez de remota origem bacircntu segundo aideia de Artur Ramos sobre as festas populares do boi mas aqui colorido porinfluecircncias nitidamente regionais ndash eacute a glorificaccedilatildeo da figura do boi suaexaltaccedilatildeo sua apologia O cavalo fica um ldquomaricas meu bemrdquo A glorificaccedilatildeodo boi eacute que se torna a nota dominante do drama

No bumba meu boi o boi eacute de fato ldquoa grande figura apoteoacuteticardquo como dizJuacutelio Belo tatildeo entendido no folclore dos engenhos do Nordeste A figuramaacutescula dominadora poderosa e ateacute terriacutevel do drama43

O boi Janeiro de chifres enormes e cheio de chocalhos grandatildeotristonho o rabo comprido depois de muito varrer o terreno de atacarMateus e Catarina de correr zangado contra os brancos mais mimosos daassistecircncia de repente morre como se a revolta e a luta o tivessemextenuado

ldquoMeu boi morreuQue seraacute de mimrdquo

Haacute atraveacutes do drama uma evidente identificaccedilatildeo do boi com o negro o

negro se sente no boi natildeo se sente no cavalo No cavalo ele sente o animalmeio maricas do senhor o animal cheio de laccedilos de fita e mesureiro oanimal ldquoabaianadordquo isto eacute urbanizado civilizado capaz de graccedilas e mesurasde que eacute incapaz o cavalo ruacutestico e natildeo apenas o boi

ldquoCavalo-marinhoMaricas meu bemrdquo

ou

ldquoCavalo-marinhoDos laccedilos de fitaFaz uma mesuraAgraves moccedilas bonitasrdquo

ou ainda

ldquoCavalo-marinhoDanccedila bem baianoNem parece serUm pernambucanordquo

como mais de um folclorista tem colhido os versos populares em meiospernambucanos Nem e natildeo bem como registrara Pereira da Costa

A distinccedilatildeo que aqui procuramos salientar entre o boi e o cavalo atraveacutesdas relaccedilotildees de um e de outro com a monocultura da cana com o senhorbranco e com o escravo do Nordeste ndash hoje simplesmente com o senhor ecom o trabalhador ndash se surpreende natildeo soacute nesse poderoso drama deexpressatildeo e quase de revolta popular que eacute o bumba meu boi como nosnomes dados pelos donos dos engenhos aos bois de seu cercado e aos cavalosde sua estrebaria Os nomes aos cavalos satildeo mais respeitosos por eles sereconhece no animal um aliado melhor e mais nobre que o boi do senhor deengenho da propriedade da famiacutelia fidalga Os cavalos se chamam com

frequecircncia Marajaacute Rajaacute Priacutencipe Guararapes Sultatildeo Capitatildeo BonaparteSerinhaeacutem Monjope Maipioacute Nomes ilustres Nomes nobres Nomes finos Osbois satildeo quando muito ldquoValorososrdquo mas em geral ldquoMeia-NoiterdquoldquoMalunguinhordquo ldquoMolequerdquo ldquoTraquinordquo ldquoVeludordquo ldquoDesenganordquo Quase osmesmo nomes dados pelos ioiocircs complacentes aos negros de estimaccedilatildeo

De onde veio para o Nordeste o gado de vaacuterias espeacutecies cuja presenccedilacontribuiu para alterar a fisionomia da paisagem em tantos dos seus traccedilosessenciais natildeo eacute fato estabelecido com inteira seguranccedila Afirma-se que deCabo Verde Outros supotildeem que jaacute da capitania de Satildeo Vicente O que eacutecerto eacute que em princiacutepios do seacuteculo XVII estavam inccediladas de gado as duasbandas do rio em seu curso inferior diz Capistrano de Abreu referindo-se aoSatildeo Francisco e fundada em toda essa sub-regiatildeo do Nordeste como emoutros do Brasil a ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo que o velho historiador caracterizouadmiravelmente em uma de suas paacuteginas mais felizes ldquoCivilizaccedilatildeo do courordquoque pelo seu exclusivismo de vida baseada quase que soacute sobre a pecuaacuteriarepresentaria um tipo de organizaccedilatildeo antagocircnica ao da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar

Natildeo cabe nos limites nem na natureza deste ensaio apreciar mesmo depassagem o papel sem duacutevida importantiacutessimo que o gado representou erepresenta ainda nesse tipo de civilizaccedilatildeo quase de fronteira movediccedila eaacutespera dura e asceacutetica Sem casas-grandes mas tambeacutem sem senzalas Semrios em que o homem pudesse confiar para as largas permanecircncias para osesforccedilos profundos de lavoura Sem aacutegua e sem solo que justificassem aagricultura hieraacuterquica com o senhor a cavalo mandando o negro fazer issofazer aquilo e o escravo a peacute fazendo tudo junto com a besta e com o boi

Se nestas paacuteginas se acentua o contraste entre as duas grandes sub-regiotildees eacute para salientar-se ainda uma vez o fato de que a monocultura dacana repeliu o gado para os sertotildees como se enxotasse animais danadosRepeliu o gado do mesmo modo que as matas que os paacutessaros que asplantas que os indiacutegenas mais agrestes Soacute se conservaram nos engenhos oscavalos os bois as plantas as caboclas e a mata a serviccedilo imediato do accediluacutecare dos aristocratas do accediluacutecar

Daiacute desequiliacutebrios profundos na vida e na alimentaccedilatildeo da gente doldquolitoralrdquo e da ldquomatardquo sobretudo da gente das casas de barro a gente pobre e

aparentemente livre moradora nos engenhos de cana mas impedida comose fosse escrava de criar bicho de plantar legume de cultivar a terra deoutro jeito que natildeo fosse a serviccedilo ndash e serviccedilo imediato ndash da monocultura dacana e dos seus senhores

Daiacute a falta de carne de leite de queijo de legume de fruta na mesa degrande parte da gente do Nordeste accedilucareiro ndash fato que jaacute procuramosdestacar em trabalho anterior contrariando a suposiccedilatildeo de que os velhosengenhos patriarcais fossem todos pedaccedilos idiacutelicos de algum extraordinaacuteriopaiacutes de Cocagne O arquivo ainda ineacutedito da antiga capitania dePernambuco ndash a correspondecircncia da corte e outros livros que se conservamem manuscritos ndash como tambeacutem o do Ultramar ou Histoacuterico colonial emLisboa estatildeo cheios de documentos sobre o assunto constantes crises deviacuteveres inclusive da farinha nas terras mais dominadas pela monocultura44

No Nordeste agrave proporccedilatildeo que se estenderam os latifuacutendios do accediluacutecar aaacuterea pastoril como a de mato grosso foi diminuindo rapidamente Opastoreio de tal modo se reduziu em algumas proviacutencias a trechos quasesaarizados da regiatildeo que em alguns desses trechos tempo de seca tecircmchegado a morrer ndash calculam alguns criadores ndash cerca de 90 dos bovinos

Desde dias jaacute remotos que o gado para as necessidades da gente dosengenhos vem de distacircncias enormes Vem do Piauiacute ldquolaacute do Piauiacuterdquo

ldquoMeu boi morreumanda buscar outrolaacute no Piauiacuterdquo

Natildeo soacute essa especializaccedilatildeo riacutegida intensa extenuante do solo numazona remotiacutessima e seca de criaccedilatildeo e em outra agriacutecola de uma extensatildeoconsideraacutevel devido agrave gula de terra virgem ao meacutetodo da coivara aolatifundismo desdenhoso de cuidados com o solo como outros viacutecios dosistema agriacutecola da monocultura vecircm concorrendo para acentuar odesequiliacutebrio entre a pecuaacuteria e a lavoura no Nordeste

As queimadas de que a monocultura da cana fez o seu sistema oficial delimpar a terra para a plantaccedilatildeo natildeo satildeo estranhas ao empobrecimento cadadia maior das pastagens do Nordeste ldquoVatildeo desaparecendo os princiacutepios

nutritivos das forragens provindas de um solo que nada recebe em troca doselementos nobres que o pastoreio de quatro seacuteculos e o fogo anual lheretiramrdquo lembrava haacute anos o agricultor Samuel Hardman em estudo sobre aagricultura e a pecuaacuteria do Nordeste que escreveu para o primeiro esforccediloque jaacute se tentou entre noacutes de estudo das condiccedilotildees e dos caracteriacutesticos daregiatildeo o livro editado em 1925 pelo Diaacuterio de Pernambuco para celebrarseu centenaacuterio ldquoNatildeo haacute provisatildeo de alimentos para os meses da estiagemOs rebanhos encantonados em lsquolargasrsquo ou lsquomangasrsquo reduzidas natildeo podemcomo outrora fugir dos rigores das secas procurando a distacircncia alimento eaacutegua com que ao menos mantenham a vidardquo

Como jaacute salientamos em trabalho anterior45 a monocultura da cana e a

pecuaacuteria exclusivista olhando-se de longe e com olhos de inimigos criaramna economia da regiatildeo um verdadeiro sistema balcacircnico de especializaccedilatildeo deaacutereas de que se tivesse afastado toda a ideia de colaboraccedilatildeo entre a lavoura ea criaccedilatildeo de gado Especializaccedilatildeo de aacutereas verdadeiramente belicosas Oresultado eacute importar o Nordeste accedilucareiro do Sul do Brasil e ateacute doestrangeiro uma quantidade enorme de produtos animais que podiam lhevir mais baratos do outro Nordeste banha queijo manteiga sebo charque eateacute couros e peles Economicamente quase tudo estaacute por ajustar oureajustar entre os dois Nordestes e entre as duas atividades a pastoral e aagriacutecola

Se a cabra daacute ao Nordeste pastoril lugar de importacircncia na produccedilatildeomundial de peles ndash ateacute recentemente o segundo lugar ndash eacute agrave custa desacrifiacutecio seacuterio para a vegetaccedilatildeo regional

Criada agrave solta a cabra eacute um inimigo terriacutevel natildeo soacute de toda a lavouracomo de toda a planta O botacircnico Alberto Loumlfgren em seus estudos sobre oproblema florestal do Nordeste notou que a cabra do nordestino ldquocriadacomo eacute sem a miacutenima vigilacircncia num territoacuterio onde as cercas natildeo satildeo feitaspara dividir terrenos mas unicamente para resguardo dos lsquocercadosrsquo oupequenas plantaccedilotildees faacutecil eacute compreender por que em toda a aacuterea para aqual as cabras tecircm livre acesso natildeo eacute possiacutevel para planta alguma chegar aum desenvolvimento maior a natildeo ser que tenha em si algum meio de defesacomo espinhos glacircndulas fortemente aromaacuteticas ou sucos que afugentemesses inimigosrdquo46 Mas nem assim A proacutepria ldquocabeccedila-de-fraderdquo dos sertotildees a

cabra acha jeito de abri-la com os casacos come entatildeo a gosto os miolosDaiacute o botacircnico Loumlfgren natildeo ter hesitado em incluir bicho tatildeo daninho

quando criado agrave solta entre as ldquocausas artificiaisrdquo que vecircm contribuindo parao aumento da desnudaccedilatildeo nos trechos jaacute meio saarizados do NordesteDificulta-se assim a renovaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo alta e mesmo baixa em trechosoutrora de mato grosso e hoje de mato ralo devido agrave invasatildeo primeiro dacana hoje do algodatildeo Devido agrave monocultura sem meacutetodo agriacutecola manumilitari E esses trechos soacute fazem se estender acinzentando a paisagem

Criada de outro jeito isto eacute sob vigilacircncia ou dentro de cercado a cabrapoderia ser um animal realmente uacutetil aos dois nordestes dando-lhes o leite eexcelente requeijatildeo ndash e natildeo apenas a pele para o grande comeacutercio israelitade peles Mas sem lhes destruir as plantas Criando-lhes os filhos efornecendo-lhes mais facilmente que a vaca a manteiga e o queijo Sendo aperfeita ldquocomadre cabrardquo como diz quase franciscanamente o sertanejo decabra menos arisca que daacute leite aos seus filhos

Curioso eacute o fato de certos anunciantes de jornal do seacuteculo passado nosavisos de cabras de leite agrave venda falarem de animal em termos tatildeoimprecisos que o leitor fica na duacutevida se se trata de mulata ou de animal Poristo os anunciantes mais sensatos tecircm o cuidado de advertir ldquocabra-bichordquoPara ficar bem claro que natildeo eacute ldquocabra-mulherrdquo ndash criatura de melhor leitepara os meninos e menos daninha agraves plantas

Mas a cabra natildeo foi decerto o maior inimigo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecarnem o mais direto O canavial do Nordeste teve inimigos mais terriacuteveis naraposa no guaxinim no guaraacute no porco-do-mato Sem contar as pragaspropriamente ditas o patildeo-de-galinha e o besouro

Claro que aqueles animais do mato inimigos do canavial civilizadorespeacutecie de uacuteltima defesa da vegetaccedilatildeo bruta contra a planta invasora forammais numerosos nas eacutepocas de mato mais denso quando foram tambeacutemmais numerosas as cobras que picavam o negro e o boi agraves vezes o branco e ocavalo

Inimigo maior do cavalo do senhor de engenho foi talvez o morcegocontra o qual as estrebarias se conservavam acesas os estribeiros vigilantes Omorcego de que agora se ocupa tatildeo atentamente o Instituto de PesquisasAgronocircmicas de Pernambuco

A verdade eacute que a accedilatildeo da cobra venenosa nos canaviais do Nordeste ndash aaccedilatildeo da cascavel da surucucu da coral da jararaca ndash nunca se apresentoutatildeo poderosa como nas plantaccedilotildees das Iacutendias Ocidentais onde a cana-de-accediluacutecar natildeo avanccedilou sobre um trecho virgem de terra que natildeo fosse com osacrifiacutecio de muito negro picado de cobra

Contra a raposa e o guaraacute o homem do canavial recorreu agrave ldquoesperardquo aoveneno na banana para a raposa ao veneno no peixe para o guaraacute E a caccedilase juntou agrave queimada para a destruiccedilatildeo de quanto animal do mato teve aafoiteza de querer resistir ao avanccedilo civilizador da cana o sonho de poderviver em paz com os novos donos da terra Pacas cutias tatus capivarastamanduaacutes onccedilas gatos-do-mato tudo foi ficando raro agrave proporccedilatildeo que omato grosso foi desaparecendo para a cana imperar sozinha

Tambeacutem foram ficando raros os paacutessaros nas terras conquistadas tatildeobrutalmente a fogo pela cana-de-accediluacutecar os sabiaacutes quase sem palmeira ondecantar os xexeacuteus os canaacuterios os sanhaccedilus os curioacutes as gurinhatatildes ospintassilgos as almas-de-gato sem o arvoredo gordo que os protegia sem asaacutervores grandes ramalhudas onde faziam tatildeo agrave vontade os seus ninhos eexpostos agraves baladeiras dos moleques agraves espingardas dos mulatos vadios agravesarapucas dos meninos de engenho

O bicho-de-peacute furando os dedos dos homens roendo os peacutes dosmoleques dos engenhos o carrapato e a varejeira perseguindo o gadoabrindo feridas nas vacas foram outros elementos de defesa de mato brutocontra a invasatildeo do canavial civilizador Mas a defesa mais terriacutevel do matocontra o homem do canavial foi talvez a que se exerceu atraveacutes do mosquitoou da muriccediloca Atraveacutes do transmissor do impaludismo e das febres Atraveacutesdos vermes da terra e das aacuteguas dos rios

O homem da casa-grande sem saber ao certo quais seus inimigos maisperigosos foi criando um medo exagerado do ar do ldquoserenordquo da aacutegua dosol de toda a proximidade da mata do contato com a terra pegajenta coma aacutegua barrenta As portas e as janelas das casas-grandes foram se trancandoa ferrolho e travessatildeo agraves primeiras sombras da noite por precauccedilatildeo contrainimigos misteriosos que andavam no ar que vinham do mais profundo dasmatas e das aacuteguas ldquoMiasmasrdquo Bichos Era preciso fechar as casas contrabichos e miasmas As casas e o proacuteprio corpo Em 1855 o meacutedico Carolino

Francisco de Lima Santos em seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo escrevia queldquotornando ainda agrave higiene das vestiduras diremos que aleacutem da vantagemque elas tecircm de conservarem na pele o asseio e flexibilidade o que facilita atranspiraccedilatildeo fazem mais que eacute resistirem por meio de sua superfiacutecie aosmiasmas uacutemidos preservando deles a economia pelo que natildeo podemospassar sem fazer a censura de que satildeo credoras todas aquelas pessoas quepassam a mor parte do tempo com os peitos expostos ao ar ou agraves diversasvariaccedilotildees do dia mas as vestiduras devem ser natildeo soacute apropriadas ao climacomo mesmo ao corpo e de modo que natildeo impeccedilam os movimentos eobstem agrave circulaccedilatildeo do sanguerdquo No inverno ldquoas roupas de latilderdquo eram ldquoasmelhoresrdquo no estio ldquoquando o calor se torna no Brasil abrasadorrdquo ldquoas latildesrdquoconsiderava-as o dr Carolino ldquopor demais nocivas constituindo um estiacutemulodemais aleacutem do naturalrdquo

Vaacuterios viajantes estrangeiros que visitaram os engenhos de accediluacutecar doNordeste ndash um deles Tollenare ndash observaram o fato da maioria das casasficarem em grandes espaccedilos inteiramente nus quando muito umjardinzinho ou um laranjal de lado detraacutes da casa algumas touceiras debananeira onde se defecava de manhatilde cedo Mas nenhuma intimidade comas grandes aacutervores da terra que era para evitar intimidades com os bichos Osbichos que ficassem ao longe grande nuacutemero deles desconhecidos na genteda casa-grande sem nome vagos Simplesmente bichos

Um ou outro desses bichos era admitido agrave intimidade das casas ficandoem gaiolas pelo terraccedilo pelo corredor pelas salas algum papagaio algumperiquito algum saguim alguma arara Poucos chegavam agrave intimidade dacozinha a paca o tatu o veado Porque nem na culinaacuteria da casa deengenho o bicho do mato teve saliecircncia A civilizaccedilatildeo do canavial avanccediloupelo mato levando consigo como em campanha militar os seus proacutepriosanimais de corte para regalo do colono patriarcal o porco o boi o carneiro opombo O bicho de caccedila ou do mato aparecia agrave mesa do senhor de engenhouma ou outra vez Era prato quase exoacutetico

A superioridade militar do bandeirante sobre o senhor de engenhoparece em grande parte consequecircncia disto da alimentaccedilatildeo dobandeirante ter se tornado rapidamente quase a mesma alimentaccedilatildeo doindiacutegena Bichos e frutas da terra A do senhor de engenho natildeo conservou-

se o mais possiacutevel portuguesa absorvendo depois muito elemento negro eassimilando aos seus estilos os frutos os animais e os produtos da terrautilizados pelos indiacutegenas

Tambeacutem o cachorro e o gato tornaram-se animais a serviccedilo do avanccedilocivilizador da cana-de-accediluacutecar em oposiccedilatildeo ou antagonismo aos animais damata Principalmente o cachorro companheiro do caccedilador e vigia doterreiro da casa-grande sempre na tocaia de algum bicho do mato maisatrevido que aparecesse para os lados da casa de engenho querendo bebermel comer galinhas roubar pinto Agraves vezes quase ligado agrave proacutepria vidaemotiva dos homens como o cachorro que Joseacute Ameacuterico de Almeida fazpassar por algumas das paacuteginas mais intensas de A bagaceira Romanceverdadeiramente ecoloacutegico de tal modo os animais e as plantas da regiatildeoparecem participar da dor e da vida dos homens

O gato foi uacutetil agraves casas de engenho pela perseguiccedilatildeo aos ratos tatildeoperigosos agraves civilizaccedilotildees do accediluacutecar grande como tende a ser a suaproliferaccedilatildeo no azedo das bagaceiras e dos trapiches Em Java o rato chegoua ser ameaccedila seriiacutessima para os engenhos diz-se que soacute em volta de umafaacutebrica mataram-se durante uma epidemia entre nove e doze mil ratos

Os sapos parece que tecircm direito a lugar entre os bichos uacuteteis agraves casas-grandes e aos engenhos natildeo devendo ser incluiacutedos entre os daninhos comoos ratos os morcegos as baratas E o mesmo se deve dizer das corujas tatildeocaluniadas como os sapos como animais agourentos mas na verdadeprestimosos como devoradores de bichos daninhos

Uacutetil foi tambeacutem ateacute certo ponto agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste ourubu ainda hoje e apesar de todos os perigos de sua presenccedila repugnanteconsiderado insubstituiacutevel em certos trechos rurais e ateacute urbanos da regiatildeocomo consumidor de carniccedila ou devorador de restos de bicho morto Aourubu deve-se ainda a propagaccedilatildeo do dendezeiro pelo Nordeste da cana-de-accediluacutecar que foi uma propagaccedilatildeo uacutetil Uacutetil e esteticamente significativa

O carneiro parece que nunca foi animal de corte cuja carne fosseconsumida agrave grande no Nordeste ou nas demais regiotildees do Brasil agraacuterio oupastoril Nash notaria o fato nos nossos dias47 Luccock observou-o haacute mais

de um seacuteculo interpretando-o segundo informaccedilotildees que pocircde colher sobreo assunto como resguardo ou abstinecircncia de caraacuteter miacutestico ou religioso48

Tratando-se do animal simboacutelico do redentor ndash ldquoCordeiro de Deus que tira ospecados do mundordquo ndash teria se desenvolvido na populaccedilatildeo estranharepugnacircncia pela carne do carneiro O fato eacute que natildeo haacute animal que passepelos anuacutencios de jornal do seacuteculo XIX entre palavras de tanta ternuracomo o carneiro Sobretudo o carneirinho mocho com um laccedilo de fita azulno pescoccedilo O carneirinho capado quase uma bola de latilde de gordo quequando desaparecia de alguma casa roubado por algum cigano ou ladratildeomais afoito era deixando saudades enormes aos meninos e agraves pessoasgrandes Tambeacutem aparecem com frequecircncia nos anuacutencios entre palavrasmuito meigas ldquoas ovelhas de muito bom leiterdquo

Um animal muito dos anuacutencios ndash o que indica a sua importacircncia na vidado antigo Nordeste patriarcal ndash eacute o ldquopapagaio falador e bomrdquo como o que haacutecem anos tinha para vender a botica de Cypriano Luz da Paz agrave Rua doColeacutegio no Recife papagaio com ldquoos encontros encarnados e algumas penasencarnadas nas pontas das azasrdquo como o que um dia fugiu do sobrado quefoi do doutor Bernardo defronte do Carmo em Olinda49

Alguns animais exoacuteticos parece que se tornaram conhecidos nosengenhos e nas feiras do Nordeste atraveacutes dos ciganos que iam de umengenho a outro diz a tradiccedilatildeo que com meninos agraves vezes roubados quefaziam acrobacias sobre cavalos geralmente tambeacutem roubados com ursosverdadeiros ou entatildeo fingidos ndash soacute a pele ou a imitaccedilatildeo da pele do animalpor cima de um homem ndash que danccedilavam ao som de pandeiros commacacos ou macacas grandes vestidas de sinhaacutes cheias de laccedilos de fitasque tambeacutem danccedilavam e faziam graccedilas Mas esses ciganos alguns morenos ebigodudos foram sobretudo ladrotildees de cavalos de bois e de escravos daregiatildeo agraves vezes revendedores de escravos e de cavalos ou caldeireirosconsertavam peccedilas de engenho Eacute possiacutevel ainda que gente em extremoporcalhona os ciganos desde o seacuteculo XVII desterrados no Nordeste ndashdesde 1686 pelo menos ndash fossem grandes propagadores da pulga e dopercevejo por esta regiatildeo brasileira Parece que foram eles os primeiros aserem chamados ldquogringosrdquo no Nordeste Eacute pelo menos o que pensa Pereira daCosta em nota que se encontra entre seus manuscritos

Os animais tecircm na vida do brasileiro do Nordeste da cana-de-accediluacutecaruma importacircncia miacutestica consideraacutevel Estatildeo em suas histoacuterias nos cantos

populares na poesia da gente do povo no anedotaacuterio obsceno ndashconsequecircncia de sua ligaccedilatildeo iacutentima com a vida sexual do menino e domoleque de engenho Mas eacute curioso notar que os animais importados e natildeotanto os da terra ndash o cavalo o boi a vaca o burro a besta o carneiro aovelha o porco a cabra o gato Eacute certo que tambeacutem se encontram nashistoacuterias o tatu a onccedila o caacutegado a cobra a raposa da terra agraves vezessubstituindo animais exoacuteticos de histoacuterias europeias asiaacuteticas ou africanasPara a grande parte da gente do litoral a maioria dos animais da terracontinua sendo entretanto criaturas quase indiferenciadas dentro daexpressatildeo vaga ldquobichosrdquo E os animais mais familiares e mais identificadoscom o homem os trazidos da Europa

As ferraduras de cavalos e os chifres de boi ndash precisamente os doisanimais mais ligados agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar agrave conquista da mata pelocanavial ndash datildeo felicidade Os mariscos e buacutezios os dentes de jacareacute e decobra pendurados no pescoccedilo dos meninos livram-nos do mau-olhadoBorboleta preta eacute agouro Coruja eacute agouro Besouro-mangangaacute eacute agouroCoruja e sapo satildeo bichos agourentos

Enquanto isto o jogo de bicho tatildeo popular no Nordeste do Brasil e deorigem talvez remotamente oriental conserva na populaccedilatildeo do litoral e daldquomatardquo a miacutestica do bicho dando significaccedilatildeo convencional aos sonhos comanimais Mas principalmente aos sonhos com animais de origem europeia

33 Koster op cit34 Desembargador Joatildeo Rodrigues de Brito e outros Cartas econocircmico-poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)35 Mansfield op cit Sobre as primeiras substituiccedilotildees dos maus caminhospor estradas de ferro no Nordeste veja-se o recente ensaio do professorEstecircvatildeo Pinto Uma estrada de ferro do Nordeste (Rio de Janeiro 1949)em que traccedila a histoacuteria da Great Western Veja-se tambeacutem nosso Ingleses noBrasil Rio de Janeiro 194836 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)

O transporte de gente e artigos em costas de cavalos e burros tornou oNordeste agraacuterio regiatildeo particularmente rendosa para os ciganosnegociantes de cavalos junto aos senhores de engenho

O pesquisador Felte Bezerra autor de Etnias Sergipanas (Aracaju1950) observa que ldquoa designaccedilatildeo de cigano entre noacutes tem mais sentidocultural do que eacutetnico traduz vida nocircmade e sustentada por trocas ebarganhasrdquo E a propoacutesito lembra que no ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do SantoOfiacuteciordquo de D Marcos Teixeira (Anais da Biblioteca Nacional vol XLIX)estaacute citada uma Joana Ribeiro a cigana moradora em Sergipe del-Rei ldquoque eacuteapontada como israelitardquo O que talvez explique tambeacutem a extensatildeo antescultural do que eacutetnica da designaccedilatildeo de ldquogringordquo no Nordeste e em outrasregiotildees do Brasil Designaccedilatildeo que inclui ingleses norte-americanos italianosjudeus depois de ter se aplicado principalmente segundo o historiadorPereira da Costa a ciganos37 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)38 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)39 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco Veja-se tambeacutem a propoacutesito decaracteriologia equina conservada ou desenvolvida em vaacuterias sub-regiotildees doNordeste pela sabedoria popular ndash e da qual as descriccedilotildees nos anuacutencios dejornal satildeo agraves vezes reflexo ndash os estudos dos mestres de folclore regionalGustavo Barroso (Terra de Sol Rio de Janeiro 1930) Leonardo Mota (ldquoOcavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5 de setembro de1937) Luiacutes da Cacircmara Cascudo (Geografia dos mitos brasileiros Rio deJaneiro 1947) e Theo Brandatildeo que em seu Folclore de Alagoas (Maceioacute1949) dedica um capiacutetulo inteiro a ldquoO cavalo no folclorerdquo Aiacute recorda opesquisador alagoano vaacuterios ditados brasileiros ou regionais relativos acavalos ldquoPraga de urubu natildeo mata cavalo gordordquo ldquoCoices de garanhatildeo paraeacutegua carinho satildeordquo ldquoQuem quer viver sossegado tenha mulher feia e cavalocapadordquo ldquoFaca soacute areada cavalo soacute rudadordquo ou ldquoDinheiro soacute trocado cavalosoacute rudadordquo etc

Alguns desses ditados recolheu-os outro pesquisador alagoanoMendonccedila Juacutenior em trabalho ldquoOs ladrotildees de cavalordquo publicado no Jornalde Alagoas em 1948 e citado pelo sr Theo Brandatildeo no seu interessanteestudoEm capiacutetulo anterior ldquoParemiologia alagoanardquo anotara o sr Theo BrandatildeoldquoCavalo de cara brancaHomem chamado MessiasMulher de quartoempinadoTibi Vocircte Ave Mariardquo40 Artur Orlando O Brasil ndash a terra e o homem Recife 191341 Leia-se sobre o assunto Louis Bernard Schmidt (ed) Readings in theeconomic history of american agriculture Nova Iorque 192542 Artur Orlando op cit43 Juacutelio Belo Memoacuterias de um senhor de engenho Rio 1937

Vejam-se tambeacutem os estudos sobre folclore e teatro de Samuel Campelo

em Novos estudos afro-brasileiros Rio 1937 e no Livro do Nordeste

comemorativo do 1o centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco Recife 192544 Vecirc-se por esses documentos que a falta foi menos das administraccedilotildeesportuguesas que do privatismo dos senhores de engenho e dos plantadoresde mandioca dominados pela fuacuteria monocultora O governador D TomaacutesJoseacute de Melo chegou a ser quase violento nas suas medidas a favor daplantaccedilatildeo da mandioca como se vecirc no seu edital de 9 de maio de 1792 e sua

ldquoCarta circular aos correges das camas sobre as plantaccedilotildees de mandiocardquo 10de janeiro de 1797 Manuscritos que se conservam na Biblioteca do Estado dePernambuco A carta vai aqui transcrita

ldquoComo natildeo tem chegado a secretaria deste governo os mapas deplantaccedilatildeo da mandioca na conformidade do meu edital de 9 de maio de1792 a carta de 6 do dito e vejo que continua a falta de farinhaabsolutamente indispensavel para a manutenccedilatildeo destes povos para se darem especie a tropa e nunca em dinheiro como determinatildeo as Reaes Ordense pelas que tive de remeter deste genero para os Reaes Arcenaes provindotalvez esta falta de se natildeo executarem as providecircncias que por varias vezestenho dado para animar aquella plantage amortecida pela do algudatildeo quecegos drsquoambiccedilatildeo plantatildeo geralmente os agricultores sem attenderem aacutenecessidade da farinha que he o Pam comum cordenario deste Paiz

Novamente recomendo e encarrego a vme da execuccedilatildeo de meu sobre dito

edital que vme deve exactamente fazer cumprir atheacute pela sua obrigaccedilatildeo decorregedor e cobraraacute infalivelmente e com toda possivel brevidade os mapasque lhe devem dar os capitaens mores emconformidade do sect 5ordm do ditoedital os quais examinaraacute e verificaraacute para me dar omissatildeo que eu tenha naexecuccedilatildeo do que lhe determino nesta minha carta e de havella recebido medaraacute parte para a todo tempo constar nesta secretaria qursquoeu tenho sempreem vista hum objecto de tanta consideraccedilatildeo No caso qrsquo dos capitaens moresaos quaes comunicar aacute esta minha terminante resoluccedilatildeo natildeo terem feito aobrigaccedilatildeo que lhes encumbe o sobre dito edital pm lho extranharaacute por ordemminha pela primeira vez e lhe consignaraacute tempo certo que julgarproporcionado para lhe apresentarem os mapas e se no fim do tempoaprazado ainda continuarem na mesma omiccedilatildeo lhes ordenaraacute que logocompareccedilam a minha presenccedila sem perda de tempo para eu os castigarconforme me parecer devendo ainda participar-me por escripto do dia emque lhe determinou esta minha ordem afim de eu vir no conhecimento setiveram descuido de aporem logo em execuccedilatildeo cuja parte me deve ser

remetida por correios a custa dos mesmos capitaens mores

Deos guarde a Vme muitos annos Olinda 10 de janeiro de 1797 ndash ThomazJoseacute de Mellordquo45 Casa-grande amp senzala cuja primeira ediccedilatildeo apareceu em dezembrode 1933

Sobre famiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar com o empobrecimento deterras ou por outros motivos se transferiram para o do algodatildeo e o dopastoreio ndash enquanto outras com as secas desceram ou regressaram do altosertatildeo para o litoral ndash tem em preparo interessantes paacuteginas que incluiraacuteem livro a aparecer breve o sr Joseacute Augusto Bezerra de Medeiros antigogovernador do Estado do Rio Grande do Norte ele proacuteprio aparentado comfamiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar se deslocaram para aqueles outrosNordestes igualmente patriarcais como os Galvatildeo os Arauacutejo os Barbosa Estefoi tambeacutem o caso do ramo da famiacutelia Albuquerque Cavalcanti conhecido porArcoverde em recordaccedilatildeo do sangue ameriacutendio que desde o iniacutecio dacolonizaccedilatildeo europeia do Nordeste tornou-o um dos grupos maisteluricamente nordestinos dentre as famiacutelias de prol Desse ramo eradescendente o ilustre Joaquim Arcoverde de quem Roma fez o primeiropurpurado na Ameacuterica Latina Natildeo nasceu ele em casa-grande autecircnticadas terras de massapecirc do Nordeste como Arauacutejo Lima nem em sobradonobre de cidade do litoral como Joaquim Nabuco mas em casa soacutesimbolicamente grande de terras entatildeo sertanejas pela sua condiccedilatildeo debravas e de distantes dos antigos rios de engenhos da zona da ldquomatardquo Paraessas terras foram vaacuterios os filhos de famiacutelias de prol do Nordeste do massapecircque emigraram em um como bandeirismo de proporccedilotildees apenas regionaismas nem por isto destituiacutedos de aspectos heroacuteicos de pioneirismo natildeo soacuteromacircntico como construtivo46 Alberto Loumlfgren op cit47 Roy Nash The conquest of Brazil Nova Iorque 192648 John Luccock Notes on Rio de Janeiro and the southern parts ofBrazil taken during a residence of ten years in that country from 1808to 1818 Londres MDCCCXX49 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-[ ])

5 ndash A CANA E O HOMEM

Pode-se atribuir agrave monocultura da cana a formaccedilatildeo ndash pelasedentariedade pela endogamia profunda pela especializaccedilatildeo regional decondiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo e de dieta e ainda pelas restriccedilotildees sociais agraveseleccedilatildeo sexual entre a gente das casas-grandes ndash do tipo mais puro dearistocrata brasileiro o senhor de engenho Principalmente o senhor deengenho pernambucano misto de ldquobaianordquo de cidade e de gauacutecho

Tambeacutem a formaccedilatildeo menos pela sedentariedade e pela endogamia quepela especializaccedilatildeo regional de condiccedilotildees de vida de trabalho e dealimentaccedilatildeo de um tipo rural de homem do povo caracteristicamentebrasileiro Para esse tipo concorreram diferentes figuras hoje quasedesconhecidas na sua pureza do antigo sistema agraacuterio e patriarcal o cabrade engenho o moleque da bagaceira o capanga (de ordinaacuterio caboclo oumulato) o mulato vadio caccedilador de passarinho o malungo o pajem obranco pobre o ldquoamarelordquo livre a matildee preta a mucama o negro velho ocurandeiro o caboclo conhecedor da mata e dos seus bichos a ama de leitetapuia ou negra a ldquocabra-mulherrdquo

O homem do povo do Nordeste tem hoje um pouco de todas essasfiguras um pouco dos caracteriacutesticos em que se especializou cada umadelas Do mesmo modo que tem o sangue de todas mais o sangue azul dascasas-grandes E em certos trechos eacute talvez o mesticcedilo brasileiro mais

proacuteximo daquela relativa estabilidade de traccedilos semelhante agrave dopolineacutesio50 que um dia permitiraacute talvez falar-se de uma raccedila ou quase raccedila

brasileira de homem moreno do Nordeste se alguma massa consideraacutevel deimigraccedilatildeo estrangeira natildeo vier em dia mais proacuteximo perturbar amiscigenaccedilatildeo dos elementos tradicionais Mas perturbaacute-la de modo tatildeoviolento que lhe destrua os caracteriacutesticos jaacute quase assentados entre algunstraccedilos ainda instaacuteveis e variados

Foi a monocultura da cana que criou condiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo ede alimentaccedilatildeo particularmente favoraacuteveis pela relativa uniformidade ouquase semelhanccedila dos processos e dos valores utilizados em cada umadaquelas esferas de populaccedilatildeo ndash na alta e na baixa ndash para a formaccedilatildeo dosdois tipos de homem regional o aristocrata e o homem do povo

Na alimentaccedilatildeo de ambos mas especialmente na do aristocrata oproacuteprio accediluacutecar de cana teve uma importacircncia que os velhos cronistas comoD Domingos do Loreto Couto no seacuteculo XVIII jaacute salientavam e que os maisrecentes ndash como haacute quase meio seacuteculo Artur Orlando ndash ainda potildeem emdestaque

D Domingos considerava o tipo pernambucano influenciado pelo uso doaccediluacutecar talvez maior no Nordeste dos canaviais do que em outras regiotildeesbrasileiras Apresentando restriccedilotildees ao aforismo da eacutepoca ndash ldquotodo doce seconverte em colerardquo ndash e aos doutores que atribuiacuteam o aumento de ldquohumorbiliosordquo ou ldquohumor colericordquo agrave comida de doces o beneditino acreditava queo accediluacutecar em vez de corrosivo como pretendia Mirandelo fosse ldquoexcellentepreservativordquo ldquoo que bem se experimenta em todas as fructas que aspreserva de toda a corrupccedilatildeordquo ldquoSeraacute assimrdquo ndash acrescentava ndash ldquoque acontinuada e demasiada comida de doces augmenta o humor colerico masa experiencia nos mostra que pessoas muito amigas de doces satildeofleugmaticas e talvez que da abundancia deste humor proceda aquellapreguiccedila que a tantos reduz a um miseravel estadordquo51 Ora precisamente o

ldquohumor fleugmaticordquo ldquoque predominando no homem o faz em tudovagoroso descansado tardo sonnolento e preguiccedilosordquo parecia ao beneditinoo caracteriacutestico se natildeo dos cabras de engenho ndash capazes de tatildeo durostrabalhos ndash dos senhores das casas-grandes que ele proacuteprio retrata tatildeoindolentes e morosos Se com efeito o accediluacutecar tornava os homens ldquobiliososrdquo

isto eacute dinacircmicos pensava D Domingos que o seu uso soacute poderia ser beneacuteficoagrave populaccedilatildeo no Nordeste mais chegada ao ldquopestilento humor fleugmaticordquoque ao ldquobiliosordquo Pelo menos a camada aristocraacutetica da populaccedilatildeo os brancosarredondados e lentos das casas-grandes alguns de voz ou fala tatildeo arrastadaque era como se tivessem preguiccedila de falar Tal o caso dos Wanderleys aindahoje lentos no falar e no andar

Mansfield notaria um seacuteculo depois de D Domingos ndash tatildeo entusiasta doemprego do accediluacutecar no preparo dos doces de conserva pois toda frutaadquire uma vez accedilucarada ldquonovo serrdquo e ldquodilatada a duraccedilatildeo e com preciosaexistencia se conservardquo ndash verdadeiro abuso do accediluacutecar no preparo dessesmesmos doces52 As goiabadas as marmeladas os doces de caju perdiam o

gosto da fruta para adquirir unicamente o de mel de engenhoEsses doces eram muito apreciados particularmente o de goiaba no

tempo de Mansfield o doce mais caracteriacutestico da sobremesa das casas-grandes do Nordeste

As sinhaacutes e os meninos eram doidos por doce doidos por accediluacutecar ateacute emforma de alfenim de alfeolo de confeito tatildeo saboreados pelos meninos epelas moccedilas quanto o doce ou a geleia de goiaba e de araccedilaacute pelos senhoresmaduros e ateacute pelos velhos

Os proacuteprios senhores de engenho eram uns gulosos de doce e decomidas accedilucaradas Houve engenho que ficou com o nome de ldquoGulosordquo EManuel Tomeacute de Jesus no seu engenho de Noruega antigo dos Bois vivia aencomendar doces agraves doceiras de Santo Antatildeo vivia a receber presentes dedoces de seus compadres Os bolos feitos em casa pelas negras natildeo chegavampara o gasto O velho capitatildeo-mor era o mesmo que menino por alfenim ecocada E como estava sempre hospedando frades e padres no seu casaratildeode Noruega tinha o cuidado de conservar em casa uma opulecircncia de docesfinos

Em seus papeacuteis velhos encontramos mais de uma conta de doceira Maisde uma carta de compadre lhe mandando presente de doce Uma dasdoceiras dona Isabel preparou para uma festa que o capitatildeo-mor deu emcasa em 1833 verdadeira montanha de gulodices de accediluacutecar ldquobolinhos deraiva pudim de milho patildeo de loacute bolinhos de manteiga suspiros bolinhos deovos queijadinhas de alfenim e ovos tortilhas tapiocas de ovos pasteis de

qualhada cocadinhas de ovos laranjas seccas cajuacutes seccos limatildeo de caldardquoTodos esses doces e mais ldquoTrez pyramides de assucar refinado para enfeitedo meio da mesardquo ldquocujas pyramidesrdquo ndash acrescentava gentilmente Da Isabelndash ldquonada custamrdquo53

Natildeo admira diante dessas piracircmides de accediluacutecar que as iaiaacutes de engenhofossem senhoras tatildeo gordas que os proacuteprios senhores e sinhocirc-moccedilos fossemmuitos deles enormes de gordos alguns ateacute obesos como certos Wanderleyslouros de Serinhaeacutem ainda hoje doidos por mel de engenho com farinhaquebrando por amor dele sua dieta de diabeacuteticos O muito accediluacutecar concorriapara arredondar os ioiocircs as iaiaacutes as mucamas as matildees pretas os cavalos emcriaturas volutuosamente gordas E fazia ateacute de filtro amoroso para os donjuan e para os namorados

No arquivo de outro senhor de engenho o baratildeo de Jundiaacuteencontramos uma carta que eacute um elogio ardente da goiabada feita em casaem certo engenho do Nordeste O doce pernambucano teria agido comoverdadeiro filtro amoroso sobre uma mulher bonita do Rio de Janeiro Acarta eacute datada da corte e assinada por uma figura ilustre do tempo doimpeacuterio muito da intimidade poliacutetica e pessoal do marquecircs de Olinda ehomem erudito e sisudo Mas ao amigo ele se abre ldquoDize a senhorzinho queeu lhe envio hum abraccedilo muito apertado natildeo soacute como symbolo da nossaamizade como tambem em agradecimento dos grandes effeitos que suagoiabada tem me aqui produzido Si elle soubesse ou pudesse suppocircr queaquelle bello doce fez aqui brilhantes conquistas em favor de meo coraccedilatildeode linda cara e saboroso corpo certamente de inveja natildeo mrsquoo teria dado OhQue bellas noites aacute custa da goiabadardquo54

Sabe-se que algumas famiacutelias de engenho do Nordeste ligaram o nome adoces e bolos finos feitos em casa com todo o esmero e quase em segredoUma verdadeira liturgia do doce Uma quase maccedilonaria de famiacutelia ou decozinha O bolo Sousa Leatildeo eacute um dos mais caracteriacutesticos desse privatismoexagerado dos tempos patriarcais das almanjarras e dos banguecircs Uma dastradiccedilotildees mais ilustres da antiga civilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar do que oseu oacutecio e os seus vagares produziram de mais tiacutepico ndash desde a casa-grandede engenho Magaiacutepe ao poema de Maciel Monteiro ldquoformosa qual pincel emtela finardquo (diz-se que inspirado por certa iaiaacute muito bonita cujo retrato

pintado a oacuteleo ainda conhecemos na sala de visitas de velho casaratildeo doRecife) desde o punhal fino de Pasmado agrave festa do Santo Cristo de Ipojucacom senhores de engenho se humilhando na presenccedila dos negroscarregando cruzes enormes de madeira caminhando pelas ladeiras de peacute nochatildeo e cobertos de mortalhas Mas ao mesmo tempo pagando promessasfaustosas de muitas arrobas de cera E terminada a procissatildeo comendomuitos doces muitos bolos muita comida de accediluacutecar Ou mesmo comendo-osdurante a procissatildeo como era uso desde o seacuteculo XVI Flagelando-se mascom accediluacutecar na boca

A goiabada de Pernambuco por muito tempo foi doce feitoliturgicamente em casa Se hoje eacute um doce industrializado um simples docede lata sem misteacuterio nenhum e quase sem gosto a ponto de perder em saborpara a goiabada de Campos teve seu periacuteodo de gloacuteria nos grandes dias dacivilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar A geleia de araccedilaacute o doce de caju tambeacutemEm nossos dias o bolo Sousa Leatildeo o bolo Cavalcanti o bolo dr Constacircncio obolo do major o Fonseca Ramos o Guararapes resistem agrave industrializaccedilatildeonatildeo soacute pela sua natureza mais complexa como pelo ciuacuteme de sinhaacutes-donasilustres que conservam as receitas dos velhos bolos como joias de famiacuteliaReliacutequias quase sagradas das avoacutes gordas das tias paacutelidas que desciam elasmesmas agrave cozinha para fazer os doces da casa como para um ato quase dereligiatildeo

Mas o accediluacutecar de cana natildeo teve soacute entusiastas Ao muito doce naalimentaccedilatildeo da gente de engenho alguns criacuteticos foram atribuindo umaseacuterie de males Que os maus dentes dos aristocratas das casas-grandes ndash dasproacuteprias sinhaacutes segundo salientaram observadores holandeses do seacuteculoXVII ndash resultavam do muito accediluacutecar que consumiam Que algumas moccedilasdengosas soacute se alimentando de doces ndash com vergonha de comer carne epiratildeo ndash definhavam Que os meninos criavam lombriga do muito doce que aspretas davam a eles

ldquoFrequentes vezes se tem dito que o uso do assucar faz cahir os dentes ndashescrevia em 1839 um redator do O auxiliador da induacutestria nacional ldquomasde certo que natildeo satildeo os dos negros dos engenhos porque elles os teem todos ebrancos como perolasrdquo Os moleques com efeito chupavam muita cana Osmeninos tambeacutem muito rolete de cana E aleacutem de alfenim bebiam muita

garapa muito caldo de cana Mas parece que no interior das casas-grandesdentro das camarinhas eacute que era maior o consumo de doce e laacute eacute que seencontravam as pobres moccedilas bonitas mas de dentes podres que algunsobservadores tanto lamentaram no Brasil patriarcal As moccedilas que natildeo sealimentavam senatildeo de caldos de pintainhos bichinhos de alfenim geleiadoce confeito As de dieta mais variada de vida mais livre se desenvolviamem iaiaacutes gordas corpulentas agraves vezes ateacute em amazonas andando a cavalomelhor do que os ioiocircs Sinal de que a causa do enlanguescimento natildeo era oaccediluacutecar Eram outros erros de dieta e de vida

Quanto aos negros natildeo seria durante a colheita das canas ldquoapezar denessa epoca o seu trabalho se tornar mais fatiganterdquo que eles ficavam ldquomaisgordos e de melhor saude e mais alegres que em todo o resto do annordquo comoos retratou um cronista dos princiacutepios do seacuteculo XIX Eles como os bois queentatildeo comiam muito bagaccedilo de cana e tornavam ldquoa tomar toda a sua forccedila enidiez perdidos na outra metade do annordquo Vaacuterios cronistas datildeo o mesmodepoimento que esse recolhido pelo O auxiliador da induacutestria nacionalTempo de colheita de cana era tempo de negro gordo e de boi gordo Denegro satildeo e de boi sadio Os quais tambeacutem se regalavam no tempo de veratildeocom os cajus de que no litoral se espaccedilava o chatildeo nas terras de engenhosfavorecidos com cajueiros

Nos princiacutepios do seacuteculo XIX e eacute possiacutevel que desde eacutepoca mais remotajaacute se acreditava no Brasil na vantagem da cana-de-accediluacutecar contra oescorbuto Mal de que tanto sofriam os pretos e os brancos nas longas viagensde mar e ateacute em terra sob os rigores da monocultura quando finda a safrade cana faltavam frutas e legumes verdes aos engenhos mais descuidadosdos ldquomantimentosrdquo e dos pomares das culturas ancilares

Parece que o fato de em alguns pontos do paiacutes se terem encontradodesde os princiacutepios do seacuteculo XVI plantaccedilotildees de cana ndash dando origem agravesmuitas discussotildees sobre a sua origem entre noacutes ndash se prende agrave crenccedila queteriam os portugueses da eacutepoca (tatildeo experimentados nas viagens longas demar) na vantagem do suco da cana contra o escorbuto dos marinheiros55

O accediluacutecar de cana entrou no preparo de vaacuterias mezinhas caracteriacutesticasda medicina caseira do Nordeste ndash algumas descritas pelo folclorista ehistoriador Luiacutes da Cacircmara Cascudo em suas recentes e sugestivas ldquoNotas

sobre o Catimboacuterdquo publicadas nos Novos estudos afro-brasileiros ndashconservando o seu antigo papel de droga de artigo vendido nas boticas daEuropa do seacuteculo XVI para remeacutedio para emplastro para bruxedo Ousimplesmente para disfarccedilar o amargo de certos sucos de plantas medicinaisdos curandeiros negros e caboclos E natildeo soacute a medicina popular da regiatildeomas a poesia do povo ficou impregnada de accediluacutecar de cana do seu gosto doseu cheiro do seu visgo

Faltam aos modernos estudos afro-brasileiros as pesquisas iniciadas porMacedo Soares ndash pioneiro que estaacute sendo tatildeo esquecido ndash sobre a influecircnciabrasileira em vaacuterios trechos da Aacutefrica Influecircncia que se exerceu atraveacutes decolocircnias de ex-escravos natildeo tanto de engenho mas de armazeacutem e detrapiches de accediluacutecar que ali se estabeleceram tomando o nome deldquobrasileirosrdquo agrave maneira dos colonos portugueses que outrora enriqueciam noBrasil voltando agraves aldeias ldquobrasileirosrdquo e ldquoricosrdquo cheios de latas de doce degoiaba e de sacos de farinha de mandioca e conservando gostos costumes eestilos de vida adquiridos aqui O gosto da farinha O do mel de engenho Odo milho

Feitas essas sondagens ndash e agora mesmo estamos empenhados nelas coma valiosa colaboraccedilatildeo do pesquisador francecircs Pierre Verger haacute de ver-se queos negros do Recocircncavo da Bahia como os do extremo Nordeste queconseguiram voltar agrave Aacutefrica e aiacute se estabelecer agrave margem de duas culturasvivendo uma vida sociologicamente hiacutebrida isto eacute sem pertenceremdefinidamente a nenhuma cultura levaram para as aldeias africanas muitacoisa do complexo brasileiro da cana-de-accediluacutecar O gosto do accediluacutecar eacute dos queconquistam o homem de maneira poderosa Principalmente quandoadquirido na meninice mesmo na meninice do escravo nem sempre menosalegre que a do menino branco

O negro tornou-se parte do grande complexo brasileiro de cana-de-accediluacutecar A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar natildeo se teria feito sem ele ndash diga-se mais umavez Diga-se sempre O padre Vieira viu no negro o Cristo da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar ldquonatildeo ha trabalho nem genero de vida no mundo mais parecido aCruz e aacute Paixatildeo de Christo que o vosso em um desses engenhosrdquo E o padreCardim jaacute notara que muito sofrimento custava ao negro o fabrico de accediluacutecare muito pecado ao branco

A civilizaccedilatildeo brasileira do accediluacutecar que culminou em Pernambuco teve dedepender do escravo negro de modo absoluto Duarte Coelho compreenderadesde os seus primeiros dias de donataacuterio que o homem necessaacuterio agrave lavourada cana e ao fabrico do accediluacutecar era o africano Daiacute a importaccedilatildeo de escravospara a sua capitania se ter feito logo e com intensidade dando agrave NovaLusitacircnia as condiccedilotildees de permanecircncia e de continuidade de esforccediloagriacutecola que faltaram a outras capitanias

Por sua vez Duarte Coelho e Da Brites ndash eles e o grupo de portuguesessoacutelidos da pequena nobreza do norte de Portugal que os acompanharam aPernambuco ndash trouxeram para o Nordeste do Brasil a profunda afeiccedilatildeo agraveterra que faltou a tantos outros donataacuterios e colonos A cultura da canacorrespondia melhor a esse seu gosto de ldquoportugueses velhosrdquo afeiccediloados agraveterra que a exploraccedilatildeo do pau-de-tinta da canafiacutestula das peles tatildeosedutoras para os simples aventureiros e para os cristatildeos-novos

No caso de Duarte e de seus colonos a alianccedila do homem com a cana foio que se pode chamar um casamento de amor e natildeo simplesmente deinteresse Duarte Coelho fez da cana natildeo um substituto vegetal do ouro edos rubis que natildeo se encontraram aqui ndash para desapontamento dos colonosmais aventureiros ndash mas a base de uma organizaccedilatildeo agriacutecola que soacute o seuamor agrave terra ndash amor de velho agricultor ndash teria conseguido estabelecer comtanta bravura e com tanta seguranccedila nos troacutepicos Combatendo os iacutendios e osanimais mais contraacuterios ao avanccedilo do canavial do engenho da casa-grandeda capela ele combateu tambeacutem entre os seus os simples aventureiros quepretendiam fazer fortuna derrubando aacutervores e matando bichos paravender a pele

Sua voz jaacute lembramos que foi a primeira grande voz de portuguecircs que selevantou na Ameacuterica e talvez nos troacutepicos a favor da mata e da aacutervore Elenatildeo queria a mata devastada a esmo e brutalmente Pelo seu gosto o canavialteria avanccedilado com o miacutenimo de destruiccedilatildeo da riqueza nativa

Quando jaacute no fim da luta Duarte Coelho se descreve quase biblicamentea si proacuteprio como ldquoquem ganhou a terra e com tanto trabalho gasto fadiga ederramamento de sangue a pocircs no estado em que estaacute e que eacute o proacutepriopastorrdquo parece lamentar as canseiras de esforccedilo de soldado que o desviaramtantas vezes de sua grande vocaccedilatildeo a de fundador de lavoura Lavoura que

o prendesse para sempre atraveacutes dos filhos e dos netos agrave terra conquistadaAo chegar ao Brasil com a mulher com a parentela talvez com escravos

negros com bois com cavalos com sementes jaacute o animava um sentidoprofundo de permanecircncia o desejo de continuidade e natildeo de aventura Elenatildeo seria dos que ldquotudo queriam para Portugalrdquo utilizando-se das terras decana ldquonatildeo como senhores mas como usufrutuaacuterios soacute para a desfrutarem edeixarem destruiacutedardquo como disse frei Vicente de Salvador da maioria doscolonos do seu tempo Nem dos que a ceacutelebre crocircnica dos princiacutepios doseacuteculo XVII ndash os Diaacutelogos das grandezas ndash retratou em traccedilos tatildeo vivos osque aqui apenas se contentavam em fazer seus patildees de accediluacutecar natildeo sedispondo a plantar aacutervores frutiacuteferas nem fazer benfeitorias nas plantas nema criar gado nada que custasse muito esforccedilo ou levasse tempo Soacute amonocultura de lucros imediatos que entretanto natildeo deixava de exigircondiccedilotildees de estabilidade e de permanecircncia dispensadas pelo simplescomeacutercio de pau-de-tinta e de peles

Duarte Coelho amou as aacutervores e se afeiccediloou agrave terra a sua conquista dePernambuco foi uma colonizaccedilatildeo criadora onde dominou a influecircncia dovelho Duarte o canavial avanccedilou sempre com a capela e a casa-grandeanimando a paisagem de elementos novos dando-lhe cores novas novasfontes de vida e natildeo apenas matando os iacutendios os animais e as aacutervores

Nessas terras conquistadas aos iacutendios pelos colonos de Duarte Coelho sesemearam sementes e se plantaram aacutervores vindas da Iacutendia e da Aacutefrica Seabriram caminhos para os carros de boi e para os cavalos dos engenhos Secriaram vacas cabras carneiros Vaacuterios rios se encheram de barcaccedilas Novosestilos de embarcaccedilotildees resultaram do encontro do estilo portuguecircs de barcocom o indiacutegena de piroga Houve um contato fecundante do europeu coma terra virgem e natildeo apenas devastaccedilatildeo e conquista

Jerocircnimo de Albuquerque antes de casar-se com uma Melo talvez feiavinda do reino para sua esposa oficial fez de uma iacutendia filha de caciquematildee da numerosa famiacutelia brasileira de que sairia o primeiro cardeal daAmeacuterica do Sul Outras iacutendias diz a tradiccedilatildeo que sempre muito bonitasembora nem todas princesas tornaram-se matildees ou troncos de famiacuteliasdepois ilustres do Nordeste

A aristocracia dos canaviais tomou um pouco de sangue indiacutegena antes

de aprofundar-se na endogamia intensa das vaacuterzeas de rio onde os traccedilos eateacute as taras de algumas famiacutelias se fixariam de modo tatildeo caracteriacutesticotornando inconfundiacutevel em Pernambuco um Wanderley de Rio Formosoum Sousa Leatildeo de Ipojuca um Cavalcanti legiacutetimo um Albuquerqueautecircntico um Pontual de Escada um Correia de Goiana um AlbuquerqueMaranhatildeo um Rego Barros um Correia de Arauacutejo um Carneiro da Cunhaum Accioly Lins um Santos Dias um Bandeira de Melo Traccedilos eugecircnicosTraccedilos cacogecircnicos A forma do nariz o jeito de andar a boca o tamanhodas orelhas o volume das naacutedegas Esses traccedilos o espiacuterito popular agraves vezes ostem fixado em apelidos trovas quadrinhas onde se destaca o ldquonariz depapagaiordquo de uma famiacutelia a ldquocara de cavalordquo de outra a ldquoboca de sapordquo ou oldquoqueixo de tamancordquo de uma terceira a ldquobunda de tanajurardquo de uma quarta

Aliaacutes eacute interessante surpreender-se o reflexo das tendecircncias para aendogamia em vaacuterios ditados da regiatildeo Outros ditados se apresentam deinteresse antropoloacutegico ou psicoloacutegico-social pela caracterizaccedilatildeo de famiacuteliasaristocraacuteticas atraveacutes de traccedilos fiacutesicos testa estreita ndash pouca inteligecircnciaorelha muito pegada ndash tendecircncia para enriquecer orelha mole ndash preguiccedilanariz grande ndash sensualidade muito cabelo ndash maldade etc

Em nenhuma parte do Brasil a formaccedilatildeo da famiacutelia se processou tatildeoaristocraticamente como entre os canaviais da Nova Lusitacircnia Quer pelaorigem dos colonos trazidos por Duarte Coelho quer pelo gecircnero de vida dasgeraccedilotildees que se sucederam Vida ldquoagrave lei da nobrezardquo Vida fidalga Vida decasa-grande Endogamia Casamentos de primo com prima de tio comsobrinha A seleccedilatildeo sexual agraves vezes perturbada mas em geral favorecidapelas consideraccedilotildees de ldquoboa raccedilardquo pelos preconceitos da famiacutelia de sanguede antepassados56

As tradiccedilotildees rurais de que aqueles colonos foram aqui os continuadores eas facilidades que encontraram para a cultura da cana favoreceram odesenvolvimento dessa aristocracia quase feudal Jerocircnimo de AlbuquerqueMelo foi bem o continuador de Duarte Coelho ldquofilho legitimo do patriarcardquo ndashcomenta Oliveira Lima em estudo sobre a Nova Lusitacircnia na Histoacuteria dacolonizaccedilatildeo do Brasil ndash ldquoviveu tatildeo satisfeito com a vida de campo que deuocasiatildeo a ser conhecido com o apelido de carreiro fidalgordquo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste criou nesta regiatildeo brasileira

juntamente com o tipo de casa nobre caracteriacutestica dos engenhos o seu tipode aristocrata o seu tipo de escravo o seu sistema regional de relaccedilotildees entresenhores e escravos

Estas tudo indica que foram mais doces nos engenhos ndash sobretudo nosgrandes onde os escravos eram numerosos e passavam de pai a filhos ndash doque nas Minas do que no Paraacute do que entre paulistas No Nordeste doaccediluacutecar mais do que nas Minas ou em Satildeo Paulo o escravo se especializou nafigura do negro fiel capaz de dar a vida pelo seu branco Na figura da matildee-preta Da mucama quase pessoa de casa Do malungo quase membro dafamiacutelia

Dos elementos que foram por vaacuterios motivos transbordando daestrutura riacutegida ndash senhores e escravos ndash e constituindo-se pela fuga e pelaascensatildeo social na gente livre das casinhas de taipa dos casebres de barrodos mucambos de palha nos ldquosertanejosrdquo pobres ndash tantos deles louros comose esta circunstacircncia influiacutesse no fato de evitarem mais do que os outros azona escravocrata onde quase teriam de confratenizar com os negros ou comos mulatos livres nos quilombolas nos ldquomatutosrdquo nos mucambeiros dosarredores do Recife e das outras cidades da regiatildeo ndash eacute que se desenvolveu noNordeste uma especializaccedilatildeo regional de gente do povo agraves vezes trepidanteUns sob a influecircncia indireta dos grandes monocultores de accediluacutecar outrosindependentes deles e ateacute hostis agraves casas-grandes

No dia em que for bem estudada a chamada Guerra dos Mascates talvezse verifique que os mesticcedilos do Recife estiveram muitos deles do lado demecacircnicos e ateacute de ldquomascatesrdquo portugueses ao lado del-rei e contra aaristocracia dos homens dos engenhos ndash os ldquopatriotasrdquo de 1710 tatildeo ligados ainteresses de classe agraacuteria Em 1817 sabe-se que os mesticcedilos pobres e osnegros do Nordeste se dividiram ndash uns a favor outros contra aquelarevoluccedilatildeo regional em que padres e senhores de engenho tomaram parte tatildeosaliente

Em 1819 a propoacutesito de um alferes do regimento dos Henriques queparticipara da revoluccedilatildeo de 1817 escrevia para Lisboa o governador Luiacutes doRego Barreto ldquoIllmo e Exmo Senhor ndash Ponho na prezenccedila de V Ex orequerimento de Francisco Joseacute de Mello alferes que foi do extinctoregimento novo drsquoHenriques desta praccedila em que pede seiz mezes de

licenccedila para se justificar na prezenccedila de sua Magestade da sua conducta notempo da rebelliatildeo que me foi remettido por avizo de 9 de junho doprezente anno para eu informar com o meo parecer

ldquoNatildeo foratildeo todos os negros nem todos os mulatos os q tomaratildeo o partidodos rebeldes e se uniratildeo a elles porem dos homens destas cocircres aquellesque abraccedilaratildeo a cauza dos rebeldes a abraccedilaratildeo na de hum modo excessivoe insultante e fizeratildeo lembrar com frequencia aos moradores desta capitaniaas scenas de S Domingos Os homens mais abejctos desta classe os mesmosmendigos insultaratildeo seos antigos benfeitores seos senhores ou senhoras ese promettiatildeo com todo despojo a posse de huma senhora comoacontecimento infalivel este grao de orgulho jaacute era temivel quando ogovernador interino Rodrigo Joseacute Ferreira Lobo entrou nesta capitania ehuma das medidas mais efficazes que elle tomou foi punir promptamentecom accediloites a todos aquelles de quem se sabia algum facto notavel destaespecie ou que tenha commetido algum attentado a coberto da rebeliatildeordquo Econtinuava Luiacutes do Rego

ldquoDepois que tomei posse do governo continuei o mesmo exemplo menosrigorosamente e por poucos dias

ldquoEntre os sogeitos castigados no meo tempo foi o Supe que de facto foihum dos officiaes de Henriques mais violentos no tempo da revoluccedilatildeo e porque alem disto se dice delle q tinha feito maacuteo uso da patente e a tinharasgada alem de outras accuzaccedilotildees da natureza accima referidos e natildeoaprezentou a patente foi tractado como se nunca a tivesse

ldquoEm abono da verdade devo dizer que elle aprezentou agora a suapatente e que supponho esteja grudada com tiras de papel e parecedividida em quatro partes natildeo o estaacute no alto da patente aonde se percebeainda a uniatildeo do papel e que pode bem ser cortada pelo uzo e tal vez pelamesma causa esteja manchada supponho me parece cuidadosamentelavada

ldquoCom o requerimento do Supe tenho a honra de apresentar a V Exordf asua patente de que lhe mandei dar recibo pelo ajudante de ordens desemana e mais alguns documentos a que natildeo pertendo dar feacute mas que

mostram a opiniatildeo que havia do Supe quando foi castigado

ldquoFinalmente natildeo acho inconveniente em q tenha licenccedila para hir acorte e ateacute o poderaacute ser feito como simples paizano por que nunca ojulguei official nem o devo julgar natildeo sendo restituido ao seu posto por suaMagestade

ldquoDeos guarde a V Exa muitos annos Recife 30 de agosto de 1819 ndash

Illmomo Senhor Thomaz Antonio de Villanova Portugal ndash Luiz do RegoBarretordquo57

Em 1823 ndash data de um dos movimentos de maior significaccedilatildeo social nahistoacuteria do Nordeste movimento um tanto no gecircnero das ldquobalaiadasrdquo dasldquocabanadasrdquo das ldquotapuiadasrdquo ndash viu-se que a gente mesticcedila era parteconsideraacutevel da populaccedilatildeo do Recife mais que ao traseiro da cidade essamancha de gente de cor de negros e mulatos livres se estendia por becos ecamboas da cidade formava batalhotildees diversos e natildeo apenas o dosHenriques tradicionalmente fieacuteis aos senhores brancos

O movimento de 1823 que foi um movimento da gente de cor do Recifee natildeo uma simples demonstraccedilatildeo poliacutetica teve a adesatildeo da ldquoquase totalidadedas forccedilas de 1ordf e 2ordf linha bem como as companhias de Monta BrechasBravos da Patria e Intrepidos corpos patrioticos de mesticcedilos e negrosrdquoinforma um cronista da revolta baseado na ldquoDevassardquo de que se encontramanuscrito na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Esses corpos de mesticcedilos e negros vinham se organizando desde a guerraholandesa onde os homens de cor a serviccedilo dos grandes senhores das terrasde accediluacutecar se revelaram tatildeo bons soldados oacutetimos para as guerrilhas dado oseu conhecimento iacutentimo dos canaviais A especializaccedilatildeo militar resultavapara eles em prestiacutegio social

Junto com os corpos militares formaram-se desde anos remotos nascidades do Nordeste irmandades como a do Rosaacuterio todas de negros eadministradas por negros ndash agraves vezes soacute os tesoureiros brancos com prejuiacutezopara os interesses dos associados ndash e parece que natildeo admitindo senatildeo negroscomo para imitar as do Santiacutessimo Sacramento que segundo se diz natildeoadmitiam senatildeo brancos Embora o exclusivismo natildeo significasseantagonismo aos brancos natildeo deixava de indicar uma situaccedilatildeo diversa dados negros de engenho melhor acomodados ao sistema dos senhores eparticipando das suas devoccedilotildees debaixo da telha-vatilde das mesmas capelas

patriarcaisNo Recife os negros dos proacuteprios armazeacutens de accediluacutecar foram formando

uma espeacutecie de aristocracia de escravos superiores em prestiacutegio emboranem sempre em condiccedilotildees materiais de vida aos escravos das plantaccedilotildees decana No ambiente da cidade menos impregnada da autoridade dossenhores de engenho eles formavam uma corporaccedilatildeo agrave parte e tinham o seugovernador especial como se vecirc da ldquoProvisatildeo de 13 de setembro de 1776passada pelo governador Joseacute Cezar de Menezes pela qual foi nomeado opreto crioulo Manuel Nunes da Costa governador dos pretos mercadoresde caixas de accedilucar desta praccedilardquo58 Era a sombra del-rei distante

protegendo-os contra a dos senhores de engenho proacuteximosEstes fatos nos auxiliam a compreender o ambiente tocado de

ldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo embora uma consciecircncia vaga e miacutestica que teriafacilitado a revolta de gente miuacuteda e de soldados de cor que explodiu noRecife em 1823 Com o mesticcedilo Pedroso de cavanhaque e a cavalo ndash duasinsiacutegnias de autoridade ndash agrave frente da insurreiccedilatildeo o movimento dominou acidade por alguns dias enquanto natildeo chegaram dos engenhos os senhores acavalo e acompanhados de escravos que estabeleceram a supremacia dosengenhos sobre a cidade

A insurreiccedilatildeo era de soldados ndash negros e mulatos na sua maioria ndash e denegros e mulatos paisanos gente dos mucambos das palhoccedilas das casinhasde barro Frei Caneca refere nas suas Obras poliacuteticas e literaacuterias quePedroso foi visto em uma das palhoccedilas da estacircncia ldquorodeado de pretos epardos comendo bebendo e ouvindo cantar com uma negra sentada nocolordquo Vendo os provisoacuterios ldquoaleacutem do apertar com eles para que tomassemassento lhes disse entre outras palavras ndash sempre estimei esta cor eacute aminha genterdquo

Alfredo de Carvalho a quem se deve descriccedilatildeo tatildeo minuciosa emboraparcial dos motins de 23 informa que ldquoas notiacutecias dos sanguinolentossucessos da ilha de S Domingos onde os escravos revoltosos haviamtriunfado dos senhores circulavam amplamente comentadas e a muitossorria a esperanccedila da proacutexima desforra dos oprimidos com o estabelecimentoentre noacutes de um regime anaacutelogo sob os auspiacutecios do prepotente governadordas armasrdquo59 isto eacute o capitatildeo Pedroso Este instalado no Palaacutecio do

Governo e senhor da cidade por vaacuterios dias natildeo fez senatildeo recrutar dentre agente de cor seus homens de confianccedila promovendo negros e mulatos aoficiais dos corpos milicianos

Mas agrave revolta faltaria direccedilatildeo do mesmo modo que ambiente aldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo entre os negros e mesticcedilos do Recife natildeo existiasenatildeo vaga outras forccedilas impelindo-os tanto quanto os negros de engenhoagrave miacutestica da lealdade e dominante de modo quase absoluto nos canaviais doextremo Nordeste De maneira que foi relativamente faacutecil ao morgado docabo marchar sobre o Recife e entrar vitorioso nas ruas da capital a trote decavalo como um conquistador militar vindo dos canaviais para pacificar ametroacutepole do accediluacutecar Uma ldquoluzida multidatildeo de cavaleirosrdquo diria do morgadoe do seu seacutequito o major Antocircnio Acircngelo de Vasconcelos que assistiu agraveentrada triunfal dos senhores de engenho e dos seus escravos no Recifeamotinado pelos negros pelos mulatos livres pelos soldados de cor

Pedroso fora expressatildeo daquela insatisfaccedilatildeo social e talvez psicoloacutegica domulato ainda mal ajustado aos brancos tatildeo frequente na antiga sociedadebrasileira e a que nos referimos em trabalho anterior Do mulato quaseseparado do negro Quase separado de reivindicaccedilotildees de raccedila de regiatildeo oude classe Querendo o seu reajustamento quase exclusivamente individualMas utilizando-se do negro da classe oprimida ou da regiatildeo animada desentimentos autonomistas e ateacute separatistas como de um elementorevolucionaacuterio correspondente agrave sua insatisfaccedilatildeo como uma forccedila bruta masplaacutestica em suas matildeos ansiosas de domiacutenio em uma sociedade que eledesejava reorganizada sobre novas bases

Vecirc-se pela popularidade que Pedroso alcanccedilou entre a gente de cor dosmucambos da estacircncia que no Recife dos princiacutepios do seacuteculo XIX vivia aopeacute dos sobrados uma massa de gente preta politicamente vaga mas jaacute com asua significaccedilatildeo social e ateacute revolucionaacuteria ndash seu potencial revolucionaacuteriocomo diria o jovem escritor Aderbal Jurema

Eacute o que vai nos explicar novo movimento de insatisfaccedilatildeo da gente de cordo Recife que se verificou em 1824 com a rebeliatildeo do batalhatildeo dos pardoscomandados por Emiliano Mandurucu Atuava sobre Emiliano a sugestatildeo doexemplo do rei Cristoacutevatildeo

ldquoQual eu imito a CristoacutevatildeoEsse imortal HaitianoEia Imitai o seu povoOh Meu povo soberanordquo

Eacute um ponto a se estudar com minuacutecia a repercussatildeo dos grandesmovimentos de rebeldia dos escravos das Antilhas sobre as diferentes aacutereasescravocratas do Brasil Particularmente sobre as aacutereas de civilizaccedilatildeoaccedilucareira mais intensa como o extremo Nordeste e o Recocircncavo As duasgrandes civilizaccedilotildees do accediluacutecar na Ameacuterica ndash e das Antilhas e a do nordestedo Brasil ndash tendo seguido atitudes psiacutequicas e sociais diversas com relaccedilatildeoaos escravos africanos importados para as suas plantaccedilotildees de cana tiveramentretanto problemas comuns em face do negro e do mulato e natildeo deixoude haver repercussatildeo dos acontecimentos revolucionaacuterios verificados naFranccedila e nos Estados Unidos em Haiti e em Satildeo Domingos sobre o nordestedo Brasil

A ideologia libertaacuteria da Revoluccedilatildeo Francesa e da Revoluccedilatildeo Americanachegou aos dois sistemas escravocratas ndash o das Antilhas e o do Brasil ndash pelosmeios mais surpreendentes e mais sutis No Brasil ateacute por intermeacutedio dospadres Mas sem encontrar nunca entre noacutes ambiente tatildeo favoraacutevel ao oacutediodo escravo contra o senhor do preto contra o branco como o que encontrounaquela outra parte da Ameacuterica onde a monocultura do accediluacutecar igualmentesepara a populaccedilatildeo em senhores e escravos mas escravos e senhores maisdistanciados socialmente do que no nordeste do Brasil

O motivo para essa diversidade de ambiente jaacute se disse que foiprincipalmente a doccedilura maior do portuguecircs com relaccedilatildeo agrave gente de cor ohibridismo em que se abrandou tatildeo cedo a colonizaccedilatildeo do Brasil mesmoonde ela foi mais aristocraacutetica pela sua origem e pela distacircncia social impostapela teacutecnica de produccedilatildeo a senhores e escravos a brancos e homens de corAlgumas das famiacutelias mais nobres jaacute se recordou que no Nordeste tomaramdesde os primeiros anos sangue indiacutegena outras mais tarde ateacute sanguenegroide ou ilheacuteu como segundo bons depoimentos estrangeiros e adespeito de cartas de branquidade triunfalmente citadas por cronistasingecircnuos a famiacutelia de Joatildeo Fernandes Vieira E a verdade eacute que a poliacutetica

portuguesa no Brasil sempre foi neste ponto mais humana que a inglesa oua francesa nas Antilhas

A carta reacutegia de 1766 que em 1788 o novo provedor da Casa da Moedana Bahia Joseacute Venacircncio de Seixas em carta a D Rodrigo de Sousa Coutinhoconsiderava ldquohum erro de politica em administraccedilatildeo de coloniardquo60 foi ao

contraacuterio uma dessas expressotildees de gecircnio poliacutetico aplicado agrave administraccedilatildeodas colocircnias que natildeo uma nem duas mas vaacuterias vezes surpreendem a quemexamina os velhos documentos da colonizaccedilatildeo portuguesa do Brasil

Essa memoraacutevel carta reacutegia de 1766 a que se refere tatildeo injustamente oprovedor Seixas consagrava a iniciativa brasileira tomada durante a guerracontra os holandeses de se organizarem corpos de pardos e pretos ndash oshenriques ndash e de iacutendios ndash os iacutendios de Camaratildeo Corpos cuja accedilatildeo foraeficientiacutessima nas lutas contra os hereges O negro e o mulato cujacondensaccedilatildeo no extremo Nordeste e no Recocircncavo se explica pelasexigecircncias econocircmicas e sociais da organizaccedilatildeo accedilucareira seriam desde oseacuteculo XVII elementos de defesa militar poderosiacutessimos dessa mesmaorganizaccedilatildeo regional ameaccedilada pela cobiccedila holandesa

Em 1735 eram os negros e pardos do Nordeste honrados com estaspalavras vindas del-rei de Portugal ldquoEL REY Nosso Senhor ordena a V Sordfque logo que receber esta chamando a sua presenccedila todos os officiaes doterccedilo dos Henriques lhes declare no seu real nome que sua magestadeconserva muito vivas na sua lembranccedila as gloriosas accediloens com que semprese distinguiu o dito terccedilo E que tendo o mesmo senhor possuido certo queos seus leaes vassallos de que elle hoje se compoem hatildeo de querer parecernatildeo soacute descendentes mas verdadeiros imitadores dos heroes que tanto oillustraram se determinou sua magestade a lhes fazer a distincta honra de osempregar com as suas tropas regulares na defesa dos dominios meridionaesda America portugueza mandando-os passar ao Rio de Janeiro aacutes ordens domarquez do Lavradio vice-rei e capitatildeo-geral do Estado do Brasil conclusaesta breve exortaccedilatildeo a q V Sordf ajunte outras expreccedilotildees que lhe pareceremmais efficazes para melhor persuadir os ditos officiaes do muito que suamagestade confia do zelo valor e fidelidade da dita tropa auxiliar deHenriques formaraacute da gente mais escolhida do referido terccedilo hum batalhatildeode seiscentos homens nomeando para mestre de campo delle o official mais

distincto e de maiores merecimentos E para occuparem os outros postos osque lhe parecem mais capases de satisfazerem as obrigaccedilotildees delles

ldquoLogo que V Sa tiver concluida esta diligencia mandaraacute egualmente vir asua presenccedila os officiaes de todos os terccedilos de homens pardos E fazendo-lhes outra exortaccedilatildeo concebida nos termos acima referidos formaraacute outrobatalhatildeo tambem de seiscentos homens com seu mestre de campo e officiaescompetentes

ldquoEstes dous corpos devem levar os armamentos e fardamento que

tiverem assistindo-lhes V Sa com o que lhe for possivel e que vir que lhes heindispensavelmente necessario Para o transporte dos ditos corpos mandaraacute

V Sa fretar ou embargar sendo necessario as sumacas costerias ou outrasquaesquer embarcaccedilotildees que houver nesse porto Em falta dellas os mesmosnavios de companhia que se fizerem precisos para a mais prompta

expediccedilatildeo do referido transporte sendo V Sa entendido que a brevidadedelles he da maior importancia ao real serviccedilo

ldquoDeos guarde a V Sa Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em 12 de marccedilode 1735 ndash Martinho de Mello e Castrordquo61

As consequecircncias sociais da confraternizaccedilatildeo de homens de cor combrancos na guerra contra a Holanda natildeo soacute fizeram notar logo apoacutes acampanha ndash a guerra valorizara socialmente os elementos de cor e integrara-os com a regiatildeo ndash como permaneceram motivo de valorizaccedilatildeo da mesmagente de cor A tal ponto que essa valorizaccedilatildeo provocou ciuacutemes ou restriccedilotildees

O provedor Seixas na sua criacutetica agrave poliacutetica portuguesa no Brasil comrelaccedilatildeo agrave gente de cor diz que a carta reacutegia de 1766 ldquomandando formarcorpos milicianos desta qualidade de indiviacuteduosrdquo (refere-se aos homens decor principalmente aos mulatos) estes ldquose viram condecorados com postosde coroneis e outros similhantes com que esta gente naturalmentepersuadida adeantou consideravelmente as suas ideas vaidosas e que juntoao espirito do seculo os faz romper em toda a qualidade de excessosrdquo Osexcessos seriam natildeo soacute os democraacuteticos como os regionalistas e ateacuteseparatistas em que na verdade resvalaria mais de um mulato intelectual oumilitar do Nordeste Mas seriam tambeacutem os republicanos e os nacionalistasfavoraacuteveis ao desenvolvimento brasileiro

O alarme do provedor Seixas era provocado ostensivamente pela revoltade escravos negros organizados pela tal ldquogente naturalmente maispersuadidardquo ndash os mulatos ndash que esteve para rebentar na Bahia em 1798ldquoHuma das novidades inesperadas que aqui achei foi a do perigo em queestiveratildeo os habitantes desta cidade com huma associaccedilatildeo sediciosa demulatos que natildeo podia deixar de ter perniciosas consequencias semembargo de ser projectada por pecircssoas insignificantes porque para sefortificarem lhes bastavam os escravos domesticos inimigos irreconciliaveisdos seus senhores cujo jugo por mais leve que seja lhes eacute insuperaacutevel FoiDeus servido descobrir por hum modo bem singular a ponta desta meada aofim da qual julgo se tem chegado sem que nella se ache embaraccedilada pessocircade estado decente Creio que V Excia receberaacute nesta occasiatildeo huma contamuito circumstanciada que ensina a desconfiar para o futuro Eu natildeo possodeixar de me lembrar nesta ocasiatildeo que todas as ordens antigas dirigidas aoBrazil a respeito de mulatos os fazia conservar em hum certo abatimentoprohibindo-lhes a entrada em qualquer officio publico ou posto militarinhibiccedilatildeo que era ampliada ainda mesmo aos homens casados com mulatasrdquoNa verdade o que Seixas desejava era conservar no seu lugar todos osmulatos insubmissos ou natildeo E esse lugar era o de classe inferior O de sub-raccedila sem nenhuma das regalias da raccedila branca Sem a regalia dos postosmilitares por exemplo

Se eacute certo que certos corpos de pardos e de pretos no Nordestetornaram-se como o de Emiliano focos de insubordinaccedilatildeo e que os mulatoselevados a postos militares foram algumas vezes irrequietos da marca dePedroso aproveitando-se do que havia entre noacutes de oacutedio de negro contrabranco de escravo contra senhor da regiatildeo contra o todo brasileiro ou contraa metroacutepole o efeito mais comum da poliacutetica portuguesa de elevaccedilatildeo socialdo mulato parece que foi diminuir a prepotecircncia dos aristocratas do accediluacutecarndash tatildeo perigosa para a administraccedilatildeo da colocircnia e para a proacutepria unidadebrasileira ndash e abrandar as relaccedilotildees entre esses aristocratas e a gente de cordas cidades Dando oportunidade de ascensatildeo social aos mais aptos doselementos negroides a poliacutetica portuguesa soacute fez amolecer o antagonismoentre a populaccedilatildeo mulata livre tatildeo numerosa no extremo Nordeste e noRecocircncavo desde o seacuteculo XVII e os aristocratas quase feudais dos

engenhosOutro documento portuguecircs do fim do seacuteculo XVIII ainda ineacutedito nos

traz esclarecimentos sobre o assunto a carta que Rodrigo de Sousa Coutinhoescreveu a Bernardo Joseacute Lorena em 3 de janeiro de 1798 ldquoSua magestade

manda remetter a V Sardquo ndash escrevia Sousa Coutinho ndash ldquoas peticcedilotildees doshomens pardos e pretos dessa capitania afim que V S informe sobre as suaspretensotildees tendo poreacutem sempre muito cuidado que esta gente nem deve seroprimida nem muito favorecida porque desgraccediladamente tem visto quepor elles principiou e se tem suscitado todo o cruel fogo e incendio que temreduzido a miseria as mais ricas ilhas das Antilhas que possuia a monarchiafrancezardquo62

Sempre a sombra das revoluccedilotildees da gente de cor das Antilhas a apavoraros governos e os grandes proprietaacuterios de accediluacutecar no Nordeste do BrasilMesmo diante desse enorme pavor que dominou os governantes nos fins doseacuteculo XVIII e nos comeccedilos do XIX sente-se poreacutem a sabedoria da poliacuteticaportuguesa com relaccedilatildeo ao mulato brasileiro nenhuma opressatildeo ao mesmotempo que nenhum excesso de favor poliacutetico que teria sido entatildeoprematuro

A grande sabedoria da poliacutetica portuguesa no Brasil mesticcedilo esteve emtornar de tal modo plaacutestica a acepccedilatildeo social e legal de branco que dentrodela pocircde ir se acomodando o mulato triunfante a ponto de chegar emPernambuco a capitatildeo-mor nos tempos coloniais a ponto de se tornar parteda proacutepria aristocracia do canavial Saacute e Oliveira salienta casos interessantesde mulatos que nessa acomodaccedilatildeo agrave qualidade e agraves condiccedilotildees aristocraacuteticasde branco foram ao extremo de pretenderem se fazer passar ateacute pornoacuterdicos tal o mulato rico da Bahia casado com europeia do Norte que ldquotevehabilidade de mudar o timbre e inflexatildeo da voz para convencer ointerlocutor de que sua estirpe se estendia aos paiacuteses da Europardquo

Aliaacutes natildeo foram raras as vezes em que os mulatos do Nordeste ndashespecialmente do Maranhatildeo educados em Coimbra ndash tornaram-se maisportugueses pelo timbre e inflexatildeo da voz do que os senhores de engenhobrancos alguns ateacute branquiacutessimos africanizados na maneira de falar e essasolidariedade de voz e sotaque por certo que atuou no sentido de umaldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo agraves vezes maior da parte deles mulatos bem-

educados com relaccedilatildeo aos portugueses do que da parte dos brancos velhosda terra com relaccedilatildeo aos mazombos O timbre da voz o sotaque o acento satildeoelementos de solidariedade social nada despreziacuteveis Prevalecem agraves vezessobre outros traccedilos de semelhanccedila ou atenuam antagonismos ou diferenccedilasAspecto da histoacuteria social e cultural da liacutengua portuguesa falada no Nordesteque estimariacuteamos ver estudado por um mestre do saber especializado emquestotildees de linguagem como o professor Maacuterio Marroquim autor do ensaioadmiraacutevel que eacute A liacutengua do Nordeste

Natildeo se pode generalizar sobre o negro ou o mulato do Nordeste dando-ocomo elemento por excelecircncia perturbador da civilizaccedilatildeo aristocraacutetica doaccediluacutecar o mesmo grande e violento elemento revolucionaacuterio que foi em SatildeoDomingos por exemplo Ou que foi o negro ou o quase-negro no HaitiDecerto ele foi aqui em muitos casos um insatisfeito um mal ajustadodentro do sistema terrivelmente simplista de senhores e escravos Mas natildeopor oacutedio radical de raccedila ou de classe por desajustamento psicoloacutegicoprincipalmente Este eacute que fez dele um introspectivo natildeo soacute individualcomo social E em alguns casos um rebelado Um rebelado nem semprecontra a Santa Madre Igreja ou a coroa de Portugal ou do Brasil Com estasalguns mulatos se identificaram quase por completo opondo-se agrave ideia derepuacuteblica que no Nordeste de 1710 e ateacute certo ponto no de 1817 parece tersignificado uma aspiraccedilatildeo ndash mais de classe que mesmo regional ou nacionalndash por um sistema de governo em que dominaria a aristocracia em suamaioria branca ou quase branca dos canaviais63

Eacute curioso salientar que no movimento revolucionaacuterio chefiado pelomesticcedilo Pedroso em 1823 os negros e mulatos sendo contra os ldquomarinheirosrdquoe ldquocaiadosrdquo foram tambeacutem contra os republicanos Que vaacuterios mesticcedilos e ateacutenegros deram padres bons e ordeiros desde os tempos coloniais Que mesticcedilofora Vieira ndash o padre Antocircnio Vieira sempre fiel agrave Santa Madre Igrejaembora natildeo se deixe de surpreender em sua vida e em seu apostolado certatrepidaccedilatildeo psicoloacutegica caracteriacutestica do mulato imperfeitamente ajustado agraveordem social dominante Essa trepidaccedilatildeo levou-o talvez a algumas de suasatitudes desassombradas de criacutetica aos senhores de engenho e aos governosdo Maranhatildeo

Destaque-se este fato significativo a melhor criacutetica que se fez no proacuteprio

Nordeste no correr da primeira metade do seacuteculo XIX do sistema que hojedenominamos numa tentativa de sistemaacutetica socioloacutegica que vemdespertando adesotildees de monocultura latifundiaacuteria e escravocratapredominante na regiatildeo fecirc-la um mulato livre-pensador do Recife A P deFigueiredo

Charles Comte escreveu que dentro dos sistemas escravocratas natildeo sedesenvolvem no homem as faculdades criacuteticas De fato a aptidatildeo para acriacutetica de ideias e para a criacutetica social surge raramente num ar tatildeo abafadocomo a atmosfera dos grandes sistemas patriarcais e escravocratas Pareceque dentro deles as aptidotildees intelectuais ou se deixam vencer pelo encantodas formas mais sensuais de expressatildeo ndash a oratoacuteria a poesia de amor oromance sentimental ndash ou se desgarram para a matemaacutetica ou para amiacutestica O caso de Sousinha nascido no meio escravocrata do Maranhatildeo

Agraves vezes tem havido desgarrados para o misticismo para a cabala paraum universalismo vago de crenccedilas um senhor de engenho de Pernambucojaacute deixou sua terra suas canas seus bois para ir viver entre os faquires e asvacas sagradas da Iacutendia Casos niacutetidos de evasatildeo

Antocircnio Pedro de Figueiredo foi um mulato do Nordeste que naprimeira metade do seacuteculo XIX e um pouco na segunda exerceu no Recifea criacutetica de ideias e a criacutetica social de modo agraves vezes surpreendente Eacute tal aindependecircncia e a sobriedade de alguns dos seus ensaios que se tem agravesvezes a impressatildeo de algueacutem que tivesse a vantagem da distacircncia ndashvantagem que a condiccedilatildeo de estrangeiro daacute quase sempre ao observador ndash acompletar-lhe a de intimidade profunda com o meio em que nasceu Natildeo secompreende que continue tatildeo na sombra tatildeo no escuro tatildeo dentro daalcunha que lhe deram os conterracircneos (sempre tatildeo apedrejadores dosprofetas) ndash a alcunha de ldquoCousin-fuscordquo ndash esse mulato que decerto natildeo foimenos significativo como revolucionaacuterio intelectual do meio escravocrata doNordeste e como criacutetico da organizaccedilatildeo patriarcal entatildeo predominante doque outros mulatos mais festejados Natividade Saldanha nos princiacutepios doseacuteculo XIX Tobias Barreto nos fins

A P de Figueiredo adjunto do Liceu de Pernambuco e redator-chefeda revista O Progresso eacute dos trecircs o que mais interessa a quem procuraestudar a histoacuteria intelectual e ao mesmo tempo a social da regiatildeo durante

o primeiro seacuteculo de independecircncia Porque em sua criacutetica social e de ideiasele soube resistir melhor que os outros agraves seduccedilotildees do planfleto da oratoacuteriae da demagogia por um lado e do exotismo por outro

Aos vinte anos ndash ainda um menino ndash jaacute Figueiredo traduzia do francecircspara o portuguecircs a histoacuteria da Filosofia de Victor Cousin Trabalho deminuacutecia de exatidatildeo e de pachorra em que se afirmava a disciplinaintelectual de que era capaz o adolescente do Recife Jouffroy diz-nos umbioacutegrafo de Figueiredo64 que foi entatildeo a sua grande leitura completada

pela de Owen de Fourier e parece que sobretudo pela de Saint-Simoncujas doutrinas socialistas procurou adaptar agraves condiccedilotildees e agraves necessidadesda regiatildeo

Porque o encanto da Filosofia Social desse mulato que aos vinte anos natildeofez versos mas traduziu Cousin eacute que teve sempre a tendecircncia para oestudo objetivo da economia da regiatildeo para a descriccedilatildeo e para a criacutetica dosistema latifundiaacuterio da cultura da cana predominante no Nordeste

Eacute possiacutevel que tenha tambeacutem atuado sobre ele no sentido desse criteacuterioregional de anaacutelise a obra riquiacutessima de sugestotildees de Charles Comte cujainfluecircncia se surpreende em vaacuterios outros publicistas brasileiros desdeFrederico Cesar Burlamaqui e Anselmo da Fonseca Mas se sente tambeacutemnele a influecircncia da nova Filosofia Social inglesa e ateacute alematilde

Em 1846 A P de Figueiredo escrevia no Recife na sua revista OProgresso ldquoSem duvida poderamos noacutes entoar sobre as lettras e as arteslongos dithyrambos cantar em phrases harmoniosas o seu alto valor social ecivilisador mas julgamos ser obra mais util ligar semelhante materia a umadas theses que mais acima estabelecemos quando enunciamos que o bemestar material eacute o antecedente logico dos progressos racionaes de todas asordensrdquo Sob esse criteacuterio talvez exagerado eacute que Figueiredo se ocupoucom tanta lucidez dos problemas regionais da agricultura e da induacutestriaparticularmente da questatildeo da grande propriedade que lhe parecia exigirsoluccedilatildeo urgente

ldquoA maior parte do territoacuterio da nossa provinciardquo ndash escrevia Figueiredo em1846 na mesma revista O Progresso65 referindo-se a Pernambuco ndash ldquoestaacute

dividida em grandes propriedades fragmentos das antigas sesmarias dasquaes mui poucas hatildeo sido subdivididas O proprietario ou rendeiro occupa

uma parte dellas e abandona mediante pequena paga o direito depermanecer em outra e de cultiva-la a cem duzentas e algumas vezes aquatrocentas familias de pardos ou pretos livres dos quaes elle se tornaprotector natural mas delles tambem exigge obediencia absoluta e sobreelles exerce o mais completo despotismo Dahi resulta que as garantias da leinatildeo satildeo para estes malaventurados que entretanto compotildeem a maior parteda populaccedilatildeo da provincia mas para estes proprietarios dos quaes 3 ou 4reunidos pelos laccedilos do sangue da amizade ou da ambiccedilatildeo bastam paraaniquilar numa vasta extensatildeo de terras as forccedilas e influencia do governordquo

Parecia-lhe necessaacuterio estabelecer-se quanto antes uma classe meacutediaque seria em grande parte dos pardos e pretos livres Mas para isto impunha-se uma medida violentiacutessima que ele com um simplismo ainda de moccedilaromacircntica julgava faacutecil e praticaacutevel na eacutepoca ainda meio feudal dividir asterras por onde se estendiam os canaviais dos grandes senhores ldquoEacute misterque os indiviacuteduos pouco abastados possam obter terras e cultival-as com acerteza de gozar dos productos condiccedilotildees que hoje natildeo existem porque ossenhores de engenho ou de fazendas se recusam obstinadamente a venderqualquer porccedilatildeo destas terras fonte e garantia do seu poder feudal eporque o desgraccedilado morador que se arrisca a plantar fica aacute mercecirc doproprietario que o pode despedir de suas terras dentro de vinte e quatrohorasrdquo Para conciliar semelhante necessidade com ldquoo direito absoluto depropriedaderdquo Figueiredo bateu-se por um imposto territorial proporcional agravesuperfiacutecie possuiacuteda pelo senhor de engenho ou fazendeiro66 e nessa

campanha foi talvez a certos exageros de simplismo ideoloacutegico Apenas natildeochegou ao violento antilusismo de outros reformadores sociais do Brasil doseu tempo sensiacutevel como decerto estava ao fato de que mais de uma vezfora Portugal pelo seu rei que impedira ou atenuara no Brasilparticularmente no Nordeste mais feudalmente patriarcal abusos deprivativismo dos ricos em sua exploraccedilatildeo dos pobres Do que desde remotosdias coloniais fora exemplo a exploraccedilatildeo das praias pelos proprietaacuteriosdetida afinal por provisatildeo de 17 de julho de 1815 e pela nada despreziacutevelrevoluccedilatildeo social que se seguiu a esse ato de intervenccedilatildeo do governo a favordos pescadores

ldquoEm Pernambuco natildeo sei se por falta de industria ou por obstaculos

reaes q jaacute tem frustrado alguas tentativasrdquo ndash dizia Caetano Pinto deMiranda Montenegro em 18 de junho de 1816 em documento de que seencontra manuscrito na Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado ndashldquonatildeo haacute redes do alto nem armaccedilotildees como na Bahia e Rio de Janeiro opeixe eacute pescado em jangadas a linha ou em curraes de q haacute grandenumero por toda a costa do sul e do norte Estes curraes satildeo formados entrea praia e o arrecife com morotildees cravados no fundo tecidos com varas

atados com cipoacutes e satildeo compostos de 3 divisotildees ou repartimentos o 1o aque os pescadores chamam a sala eacute o mais espaccediloso e a sua porta daacute franca

entrada e sahida ao peixe o 2o a que chamam chiqueiro do meio eacute mais

apertado mais ainda o peixe entra e sahe o 3o a q chamam chiqueiro dematar tem menor extensatildeo e eacute constituido de maneira que o peixe natildeopode sahir ndash Aleacutem destes 3 repartimentos tem mais a chamada espia q eacutecomo uma caniccedilada ou espaldatildeo em muitos delles de 40 50 e 100 braccedilasde comprido feito com os mesmos morotildees e varas a qual espia serve deencaminhar o peixe para o curraacuteo Esta especie de armaccedilatildeo embaraccedila o uzocommum da praia e mar em q estaacute estabelecida pois o q fez o curraacuteo como seu trabalho e despeza quer desfrutal-o exclusivamenterdquo E acrescentava

ldquoOs proprietaacuterios das terras limitrophes aacute praia costumam arrendar ossitios q nellas tinhatildeo em q os pescadores faziam caza para vivenda e paraguarda de seus pobres utensilios A renda de cada sitio era relativa aos peacutes decoqueiros q nelle havia avaliando-se regularmente cada um em 12 vintenspor anno natildeo entrando em conta os coqueiros muito novos ou muitosvelhos por darem pouco ou nenhum fruto si o sitio comprehendia curraacuteoo arrendamento deste era separado e algumas vezes ateacute soacute se fazia a pessoadiversa sendo a renda mais commum e ordinaria segundo a melhor oupeior localidade de seus 10 mil reis Mas depois q a provisatildeo regia de 17 dejulho de 1815 declarou injusto e abuzivo tudo que se exigia pelo uso do mare praias levantaram-se a maior parte dos rendeiros contra os proprietarios enatildeo soacute natildeo pagatildeo como dantes a renda dos curraes mas nem a mesma rendado sitio querendo que este seja hua parte da praiardquo Atitude francamenterevolucionaacuteria de pescadores contra proprietaacuterios de terras semelhantes agravedos ldquomoradoresrdquo contra latifundiaacuterios estudada por Figueiredo

A tentativa de revoluccedilatildeo que houve na eacutepoca contra o baratildeo de BoaVista ndash revoluccedilatildeo tatildeo demagoacutegica ndash natildeo fez perder o equiliacutebrio nem a fleumaao socialista mulato do Recife Semelhante revoluccedilatildeo ldquonatildeo podia ter outroeffeito sinatildeo substituir a supremacia geral da familia Cavalcanti por umgrande numero de familias menos poderosas sem grande vantagem para amaior parte da populaccedilatildeo que se acha sempre curvada sob o jugo dafeudalidaderdquo Ningueacutem mais pronto a reconhecer os serviccedilos de Boa Vista edo proacuteprio Suassuna ao progresso da regiatildeo o mal que inquietava aFigueiredo natildeo era dos homens entatildeo no poder mas o do sistema depropriedade e de trabalho predominate Este sistema o de quase feudalismobaseado sobre a exploraccedilatildeo latifundiaacuteria da cana-de-accediluacutecar e sobre aescravidatildeo do negro O que temos procurado caracterizar em nossos estudossob a denominaccedilatildeo de monocultura latifundiaacuteria e escravocrata e a seumodo feudal e natildeo apenas patriarcal

Essa figura sugestiva de mulato intelectual da primeira metade doseacuteculo XIX pede um estudo agrave parte mas natildeo quisemos deixar de fazecirc-lapassar por estas paacuteginas com o relevo de suas qualidades mais evidentes decriacutetico social num meio tatildeo desfavoraacutevel a tais pendores como o Nordestepatriarcal do seacuteculo passado O ldquoCousin-fuscordquo eacute inseparaacutevel da histoacuteria dacana-de-accediluacutecar no Nordeste O proacuteprio imperador tatildeo sensiacutevel agraves sugestotildeesintelectuais sobretudo agraves de cor filosoacutefica eacute possiacutevel que se tivesse deixadoinfluir pelas reflexotildees de Figueiredo quando precisamente na eacutepoca demaior atuaccedilatildeo do criacutetico do Recife ndash 1840 a 1850 ndash decidiu enfrentar comfirmeza a prepotecircncia dos grandes senhores dos canaviais

Outros publicistas se ocuparam entatildeo do assunto mas com ardor depanfletaacuterios Tal o padre Lopes Gama a quem natildeo faltou a coragem dedenunciar pelos nomes ndash e com toda a autoridade de sua condiccedilatildeo de padree de professor ndash alguns dos Cavalcantis e dos Regos Barros mais ricos daeacutepoca senhores de alguns dos latifuacutendios mais vastos do Nordeste naprimeira metade do seacuteculo XIX De denunciaacute-los como ladrotildees comocontrabandistas e como assassinos

Em Arruda Cacircmara com em Vilhena no padre Moniz Tavares como emFrederico Ceacutesar Burlamaqui em Nascimento Feitosa como em Abreu e Limaigualmente se encontram criacuteticas agraves vezes objetivas ao sistema latifundiaacuterio

e escravocrata do Nordeste Burlamaqui escrevendo em 1833 ndash sob ainfluecircncia niacutetida de Charles Comte ndash ocupou-se principalmente doMaranhatildeo ndash onde a criacutetica aos abusos da escravidatildeo fora iniciada por umhomem de gecircnio ndash o padre Antocircnio Vieira E Abreu e Lima fixou comagudeza criacutetica as condiccedilotildees regionais de luta de classe entre noacutes ndash colocircniade plantaccedilatildeo e depois impeacuterio de senhores e escravos

Mas a cor de panfleto tira a muitos desses ataques agrave aristocracia doscanaviais ndash ataques menos de homens a instituiccedilotildees que de homens contrahomens ndash o valor de criacutetica objetivamente social que se encontra nos escritosde Figueiredo Principalmente na sua seacuterie de pequenos ensaios algunsadmiraacuteveis publicados na revista O Progresso de 1846 a 1848

Esse esforccedilo de criacutetica ou de anaacutelise objetiva do sistema escravocrata elatifundiaacuterio do Nordeste teria na segunda metade do seacuteculo XIXcontinuadores muito mais brilhantes que Figueiredo Tavares Bastos eJoaquim Nabuco por exemplo Brancos finos de casa-grande desertandopara o lado dos negros e natildeo mulatos aristocratizados pela ascensatildeointelectual

E atraveacutes de todo o seacuteculo XIX vamos encontrar fazendo obra de criacuteticaou de anaacutelise quase socioloacutegica ao regime social predominante no Nordesteuma seacuterie de meacutedicos alguns educados na Europa

Mesmo quando meacutedicos de famiacutelias e um tanto sujeitos agrave economiapatriarcal das casas-grandes esses doutores do seacuteculo XIX souberam porinfluecircncia de sua formaccedilatildeo mais objetiva e mais cientiacutefica que a dosbachareacuteis e a dos cleacuterigos agraves vezes tambeacutem por sua condiccedilatildeo trepidante demulatos insatisfeitos desprender-se das acomodaccedilotildees ao sistemapredominante ndash o da lavoura latifundiaacuteria e escravocrata ndash e criticaacute-lo emalguns dos seus pontos mais delicados

O estudo da patologia individual levou-os ao estudo da patologia socialOs doentes levaram-nos agraves doenccedilas sociais A grande doenccedila raiz de quasetodas que era o sistema econocircmico dentro do qual o homem vivia ndash amaioria negra e parda escrava da minoria paacutelida e todos escravos da canaEscravos do accediluacutecar

Natildeo foi outro o caso de Aquino Fonseca um dos vaacuterios meacutedicos doNordeste educados na Europa ndash os Arruda Cacircmara os Simpliacutecio Mavignier

os Joaquim Serpa ndash a quem mais do que a bachareacuteis e a cleacuterigos devemos opouco de criacutetica objetiva que nos resta da fase mais intensa da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Brasil feita pelos proacuteprios contemporacircneos filhos da regiatildeo Erameles decerto os menos amolecidos pelas influecircncias e pelos abafos do meiona sua capacidade de introspecccedilatildeo de observaccedilatildeo de anaacutelise dediagnoacutestico social E viram os grandes males ligados agrave ordem social entatildeopredominante A prostituiccedilatildeo ndash para a qual concorriam os proacuteprios grandessenhores das terras de accediluacutecar e os seus filhos e os filhos dos seus compadreso Recife se enchendo de molecas e mulatas defloradas pelos maisdesabusados dentre eles A siacutefilis A maacute alimentaccedilatildeo O vestuaacuterio improacuteprioAs maacutes condiccedilotildees de habitaccedilatildeo O transporte e a venda de aacutegua em canoimundas

Conveacutem lembrar que desde Guilherme Piso trazido pelo conde deNassau a Pernambuco em 1637 como chefe do serviccedilo sanitaacuterio do Brasilholandecircs se iniciara no Nordeste o estudo das condiccedilotildees sociais da regiatildeo aolado do estudo propriamente meacutedico ou nosoloacutegico E esse estudo jaacute debaixode criteacuterio ecoloacutegico Ao mesmo tempo que as doenccedilas e as suas condiccedilotildeesnaturais e sociais da regiatildeo Piso procurou estudar as plantas do Nordesteconhecidas dos indiacutegenas que pudessem servir ao tratamento dos males aquiencontrados Ele jaacute nos fala da ipeca e da copaiacuteba de outras plantas quedois seacuteculos depois seriam a paixatildeo de Joaquim Jerocircnimo Serpa no seu quasenativismo meacutedico na sua quase mania de empregar no tratamento dosdoentes as drogas da regiatildeo de preferecircncia agraves exoacuteticas67 Do mesmo modo

que outros patriotas do seacuteculo XVIII e principalmente do XIX insistiram emcomer farinha de mandioca em vez de patildeo de trigo e em beber aguardentede cana em vez de vinho Parece que houve mesmo um nativismo religiosoou lituacutergico de que o grande bispo Azeredo Coutinho daacute sinal o uso dobenjoim em vez de incenso nas igrejas de Pernambuco68 E na arte da

renda o uso de material da regiatildeo ndash espinhos fibras etc ndash em substituiccedilatildeo amaterial tradicionalmente europeu

Destaque-se de passagem um traccedilo que bem caracteriza a inteligecircnciaou pelo menos o bom senso que orientou a poliacutetica portuguesa com relaccedilatildeoao Brasil o interesse da metroacutepole pelo conhecimento daquelas plantasregionais que pudessem beneficiar tambeacutem outras populaccedilotildees no reino e

nas colocircnias da Aacutefrica e da Aacutesia Nos vaacuterios volumes de Correspondecircncia daCorte que os nossos arquivos guardam como nos maccedilos de ricadocumentaccedilatildeo sobre o Brasil que se conservam no Arquivo do Ultramar ouHistoacuterico Colonial em Lisboa eacute frequente o pesquisador deparar comreferecircncias ao assunto A esse interesse deve-se tambeacutem o fato de terem sidotraduzidas e aclimadas no Nordeste vaacuterias plantas uacuteteis de outras regiotildeestropicais cuja cultura experimentada nos hortos del-rei soacute natildeo se propagoufacilmente entre noacutes devido ao exclusivismo dos proprietaacuterios das terras decana

Junto a esses saliente-se de passagem que procuraram tambeacutem agiralguns admiradores portugueses como D Fernando Joseacute de Portugal nosentido natildeo soacute da policultura como da adoccedilatildeo de meacutetodos mais adiantadosde cultura por exemplo no de se queimarem nas fornalhas dos engenhosldquoas canas jaacute moidas como praticam os inglezes e francezes nas Antilhasrdquo nosentido ainda do emprego de arados para cultivar as terras Eacute o que nos fazver a carta do mesmo D Fernando de 28 de marccedilo de 1798 que se conservaem manuscrito no Arquivo do Ultramar em Lisboa

Joatildeo Ferreira da Rosa o primeiro fiacutesico a ser enviado pela metroacutepoleportuguesa a Pernambuco com o fim de estudar a ldquoepidemia de malesrdquo quena segunda metade do seacuteculo XVII ameaccedilou de destruir a civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste do Brasil eacute outra figura do meacutedico que ficou associada agravehistoacuteria social da regiatildeo outra figura de teacutecnico que encarnou entre noacutesnatildeo apenas o bom senso da administraccedilatildeo colonial portuguesa mas ateacute a suatendecircncia para dar soluccedilatildeo cientiacutefica a problemas brasileiros

Diz-se que o Nordeste tivera suas condiccedilotildees de higiene melhoradasdurante o domiacutenio holandecircs e eacute provaacutevel que tal houvesse sucedido pelomenos no Recife e nos seus arredores com as obras de engenharia eprincipalmente com o sistema de canais de que o conde Joatildeo Mauriacutecio deNassau dotou a capital do accediluacutecar e no interior com as medidas tomadaspor ele contra os desmandos da monocultura da cana e a favor da plantaccedilatildeode legumes e de cereais pelas terras dos engenhos Estas medidas teriam-serefletido de modo favoraacutevel sobre a sauacutede da populaccedilatildeo Aleacutem disso odomiacutenio holandecircs nos teria trazido o saber meacutedico dos doutores judeus deAmsterdatilde e por consequecircncia melhor assistecircncia meacutedica e higiecircnica aos

habitantes do Nordeste Diz-se que a cidade da Bahia jaacute no seacuteculo XVII seapresentava cheia de meacutedicos judeus E do Recife Israel veria sair um dosseus maiores doutores em medicina de todos os tempos o grande Velosino

Joatildeo Ferreira da Rosa veio para Pernambuco quando as condiccedilotildees desauacutede puacuteblica eram peacutessimas na capitania E natildeo lhe escaparam asinfluecircncias de natureza social que estariam concorrendo para situaccedilatildeo tatildeoterriacutevel ldquoa costumancia nos peccados ou desregrados costumesrdquo Em Olindajaacute o pregador dissera alarmado com tanto pecado e com tanto luxo ndash oshomens soacute querendo vestir seda e veludo os cavalos ajaezados de prata asmulheres cobertas de peacuterolas rubis esmeraldas e diamantes as senhoras e asfilhas dos senhores de engenho e de outros homens afazendados trajandotatildeo ricamente como na corte de Madri ldquoOlinda seraacute abrazada por Olandardquo

Sabe-se pelos cronistas do seacuteculo XVII que no Nordeste principalmenteno Recife ndash que desde 1630 com o incecircndio de Olinda foi tomando relevona paisagem da regiatildeo ateacute tornar-se a verdadeira metroacutepole do accediluacutecar ndash erairregulariacutessima a vida sexual favorecendo a siacutefilis e as doenccedilas veneacutereas econtribuindo para o grande nuacutemero de crianccedilas ilegiacutetimas enorme aprostituiccedilatildeo ostensiva na cidade e um tanto disfarccedilada mas talvez aindamais brutal pelos engenhos

Com a falta de viacuteveres na regiatildeo (onde quase soacute se plantava cana e umpouco de mandioca) importava-se com toda a regularidade de Portugal edas Canaacuterias grande quantidade de alimento ldquoquarenta e cinco navios seempregavam anualmente no comeacutercio de transporte de gecircneros deimportaccedilatildeordquo69 lembra Pereira da Costa referindo-se a Pernambuco no

seacuteculo XVI Quase o mesmo excesso de importaccedilatildeo de viacuteveres continuariaatraveacutes do seacuteculo XVII Junte-se a isto o grande nuacutemero de navios que ocomeacutercio de accediluacutecar trazia a Pernambuco e agrave Bahia ndash no seacuteculo XVIaumentado pelos barcos de volta do Peru ndash e tem-se a ideia da frequecircnciade contatos do Nordeste atraveacutes do seu primeiro seacuteculo de civilizaccedilatildeoaccedilucareira com a Europa e com outras partes do mundo com as Canaacuterias ecom o Peru por exemplo com a Aacutefrica a Iacutendia e a China Terras donde osaristocratas brasileiros do accediluacutecar faziam vir seus adornos de sala seusmarfins seus chapeacuteus de sol e suas bengalas mais finas ndash ateacute o seacuteculo XIXinsiacutegnias de mando traccedilos de vida fina tatildeo particularmente caracteriacutesticos

do homem nobre da gente fidalga e volutuosa do NordesteSe desde tempos remotos anteriores agrave colonizaccedilatildeo agraacuteria jaacute esta parte

do Brasil recebera muito salpico de sangue europeu do Norte ndash o dosnormandos louros traficantes de pau-brasil tantos dos quais se deixaramficar pelas praias sombreadas de cajueiro colhendo madeira para os navios eemprenhando caboclas ndash essa infiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico soacute faria seacentuar atraveacutes dos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo agraacuteria O accediluacutecar quetrouxe para a Nova Lusitacircnia com Duarte Coelho colonos tatildeo soacutelidos donorte de Portugal natildeo soacute atraiu para aqui de outras terras muitoaventureiro de nome ilustre como segundo tudo indica aventureirosnoacuterdicos de menor porte

Durante o domiacutenio holandecircs sabe-se que o litoral do Nordeste se encheude flamengos alematildees e ingleses Soldados e mercenaacuterios que deixaram noNordeste muito filho mulato ou mameluco apesar das tentativas de certasautoridades holandesas no sentido de conservar riacutegida a separaccedilatildeo debrancos e dos negros Eacute o que nos mostra confirmando nossas antecipaccedilotildeessobre o assunto manuscrito inglecircs do seacuteculo XVII referente ao Nordestedominado pelos flamengos70

Moreau se refere ao grande cruzamento entre noacuterdicos judeusportugueses negros e iacutendios que dava agrave populaccedilatildeo do Recife holandecircs umavariedade extraordinaacuteria de cor Houve casamentos entre holandeses emulheres portuguesas ndash casamentos e natildeo simples uniotildees Estes casamentosnatildeo teriam sido em nuacutemero insignificante como imaginam alguns Sabe-seque soacute uma viuacuteva pernambucana da melhor nobreza do accediluacutecar casousucessivamente com dois holandeses ndash o que mostra que natildeo eramimpossiacuteveis as uniotildees de mulher de famiacutelia ou origem catoacutelica comprotestantes

O que deve ter sucedido no Nordeste ndash de modo mais difuso talvez ndash eacute omesmo que sucedeu em Faial de maneira mais concentrada Aiacute foi grande acolonizaccedilatildeo flamenga iniciada por Job van Hurter Mas cerca de cem anosdepois quase natildeo se surpreendia nos nomes de famiacutelia vestiacutegio algum dospovoadores holandeses Tinham sido absorvidos pelos portugueses do mesmojeito que no Nordeste a populaccedilatildeo luso-brasileira suplantou rapidamente oelemento holandecircs os remanescentes Suplantou-os natildeo soacute pela

superioridade em nuacutemero como pela melhor adaptaccedilatildeo do portuguecircs aomeio tropical

E dado o predomiacutenio da liacutengua portuguesa aqui como na ilhacompreende-se como os nomes proacuteprios e os apelidos de famiacutelia dosholandeses que se uniram a senhoras ou moccedilas luso-brasileiras do Nordeste ndashnomes difiacuteceis de pronunciar e sempre com um ranccedilo de heresia ndash seestropiaram a ponto de natildeo permitirem a identificaccedilatildeo de sua origem ou sedissolveram em nomes portugueses e catoacutelicos Em Faial diz-se que jaacute foipossiacutevel identificar o apelido de famiacutelia Horta que por todos os motivosparece tatildeo portuguecircs como o de Hurter o patriarca da colonizaccedilatildeoflamenga da ilha o de Terra com Aertrijche Bruyn laacute como aqui deuBrum

As pesquisas genealoacutegicas sobre a gente do Nordeste ainda natildeo chegaramao trabalho tatildeo delicado e difiacutecil de identificaccedilatildeo de nomes portuguesescom holandeses Tais pesquisas sabe-se que quase se limitam aos cadernosque nos deixaram Jaboatatildeo e Borges da Fonseca tanto um como o outrodominados pela preocupaccedilatildeo de dourar o mais possiacutevel os apelidos defamiacutelia da regiatildeo Lopes Gama com a franqueza de sempre levanta sobre aintegridade do trabalho de Borges da Fonseca as maiores duacutevidas segundo opadre-mestre o manuscrito teria sofrido mais de uma adulteraccedilatildeo seacuteria Enatildeo eacute difiacutecil de admitir que agrave preocupaccedilatildeo de nobreza dos genealogistas daregiatildeo tenha acompanhado a de ortodoxia catoacutelica procurando-se em geralesconder qualquer desvio ou aparecircncia de desvio dessa ortodoxia sugeridapor nome menos latino e ao mesmo tempo menos catoacutelico que natildeo estivesseostensivamente purificado da mancha de heresia O caso de Gaspar van derLey que se fez catoacutelico com tanto alarde

O que se pode afirmar eacute que ainda hoje a populaccedilatildeo do Nordeste acusaem sua antropologia a persistecircncia de traccedilos noacuterdicos Eacute o caso de famiacuteliasde boa ascendecircncia rural da aacuterea mais profunda de civilizaccedilatildeo de accediluacutecar osWanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso por exemplo os Rabelo de NossaSenhora do Oacute de Goiana certos Lins da Paraiacuteba Muitos deles satildeo indiviacuteduosruivos e de olhos azuis as bochechas agraves vezes cor-de-rosa como as doshomens do norte da Europa em contraste com os Pontual os Sousa Leatildeo osGuedes Pereira os Santos Dias quase sempre muito morenos Ou entatildeo

paacutelidosEacute tambeacutem o caso de famiacutelias mais simples dos sertotildees do Nordeste

pastoril e meio nocircmade Para aiacute teriam talvez se deslocado do litoralescravocrata e sedentaacuterio ndash da aacuterea da cana-de-accediluacutecar do Nordeste agraacuteriondash quase todos os louros com a consciecircncia de raccedila mais viva e o espiacuterito deaventura mais forte Essa mobilidade talvez menos por uma questatildeo de raccedilacomo acreditaria um arianista do que por motivo de hereditariedade eprincipalmente de constituiccedilatildeo individual como sugerida talvez ummoderno estudioso de biotipologia E ainda por motivos psicoloacutegicos sociaiseconocircmicos Seriam tais louros em alguns casos restos de normandos ou deflamengos do seacuteculo XVI de alematildees ingleses e franceses dos tempos dainvasatildeo holandesa Figuras de aventureiros inadaptados ao sistemaeconocircmico ou agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar com as suas exigecircncias quer desedentariedade quer de capacidade econocircmica para a instalaccedilatildeo faustosa defaacutebrica e de famiacutelia Exigecircncias difiacuteceis de satisfazer por gente tatildeo sem gostoe sem haacutebitos de fixidez e ao mesmo tempo tatildeo sem dinheiro Incapaz de seachatar com os mulatos com os caboclos com os portugueses brancos quasesem consciecircncia nenhuma de raccedila em simples moradores dos engenhos ndashsituaccedilatildeo que os forccedilaria ao comeacutercio sexual com gente de cor e que osobrigaria a uma subordinaccedilatildeo de vassalos das casas-grandes

Koster encontrou nos sertotildees do Nordeste ldquopessoas de tal alvura que naEuropa seriam admiradasrdquo71 Mas em geral o que notou o inglecircs no Nordeste

pastoril foi uma grande variedade de cor da populaccedilatildeo da branca agrave trigueiraE Tollenare escreveu dos homens do Nordeste pastoril que eram

ldquorobustos corajosos ativos e inteligentesrdquo realizando trabalhos que os negrosdo litoral talvez menos aacutegeis natildeo realizavam que o seu porte era ldquoaltivo eindependente como os dos montanhesesrdquo que o maior nuacutemero era desangue mesclado de branco e de iacutendio72

Talvez os mesmos motivos jaacute sugeridos para explicar a presenccedila de gentetatildeo alva no sertatildeo expliquem o possiacutevel deslocamento de elementos judeusdo litoral e principalmente da aacuterea mais profundamente dominada pelalavoura da cana-de-accediluacutecar e pelo olhar da Inquisiccedilatildeo para o Nordestepastoril que porventura guarda mais do que o agraacuterio traccedilos semitas em suapopulaccedilatildeo Semitas e ciganos Em certos trechos o Nordeste do pastoreio se

apresenta com um perfil antropoloacutegico e psicoloacutegico nitidamentediferenciado do da gente do litoral e da ldquomatardquo O perfil psicoloacutegicoapresenta talvez maiores pontos de semelhanccedila com o de certo tipo antigode paulista andejo empreendedor bandeirante do que com o do homem doNordeste agraacuterio Gente mais volutuosa e mais arredondada pelasedentariedade Gente que no seacuteculo XVII se mostrava incapaz da eficiecircnciamilitar dos bandeirantes contra os negros dos quilombos como salientaAfonso de E Taunay em sua obra monumental sobre as bandeiras E nosnossos dias incapaz de accedilatildeo colonizadora dos cearenses no Amazonas Doscearenses e dos paraibanos sertanejos

Resta salientar que o fato do esplendor do accediluacutecar no Nordeste teratraiacutedo desde o seacuteculo XVI tantos navios e tantos mariacutetimos e no seacuteculoXVII tantos soldados mercenaacuterios e aventureiros e tantas prostitutas donorte da Europa natildeo pode deixar de ter contribuiacutedo cacogenicamente paraa miscigenaccedilatildeo no Nordeste As uniotildees ou cruzamentos de tais indiviacuteduoscom mulheres da terra e com as negras da Aacutefrica se teriam verificado emcondiccedilotildees sociais as mais desfavoraacuteveis para os filhos e alguns teriamtransmitido agrave prole tatildeo infeliz o peso da inferioridade bioloacutegica e natildeo apenassocial

Mas entre os mercenaacuterios entre os soldados entre os aventureiros emariacutetimos estariam elementos satildeos animais vigorosos noacuterdicos de belaestampa que teriam deixado no Nordeste bastardos do tipo dos mulatos daAacutefrica holandesa estudados por Fischer sararaacutes bonitos mesticcedilos eugecircnicose nem sempre moleques feios pardos cocogecircnicos mesticcedilos desengonccedilados

Para o nuacutemero possivelmente maior no Nordeste da cana-de-accediluacutecar doque no outro de doacutelicos e principalmente de mesoceacutefalos parece terconcorrido ndash talvez com outras influecircncias do meio e de dieta ndash essainfiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico reforccedilada pela presenccedila muito maior emterras de cana de escravos africanos em sua maioria mesoceacutefalos e natildeobraquiceacutefalos como em grande nuacutemero os indiacutegenas da regiatildeo

Eacute verdade que a seleccedilatildeo de africanos para a lavoura no extremoNordeste parece que se fez principalmente no sentido do cambinda ou dobenguela que seriam os mais vigorosos e os mais aptos para a agricultura dacana e para a induacutestria do accediluacutecar Eacute a informaccedilatildeo de Tollenare baseado no

que viu em Pernambuco e no que aqui lhe disseram nos princiacutepios do seacuteculoXIX Negros portanto sem as formas alongadas dos africanos mais altos edinacircmicos Tollenare fala mesmo nas pretas a quem fazia falta um pescoccedilolongo Eacute que a maioria dos negros dos engenhos do extremo Nordeste seriamcambindas e benguelas congos e angolos Negros bacircntus Por conseguinteem grande nuacutemero ldquode pequena estatura tronco possante membros curtospantorrilhas bem desenvolvidasrdquo Como lembra Bastos de Aacutevila em suacolaboraccedilatildeo para os Novos estudos afro-brasileiros ldquoO sudanecircs seria umatleta na concepccedilatildeo de Kretschmer o Bacircntu um piacutecnicordquo

Barleacuteus notara no seacuteculo XVI que os melhores trabalhadores agriacutecolasdentre os escravos importados para o Nordeste eram os da Angola os taisnegros piacutecnicos soacutelidos e peacutes-de-boi Nina Rodrigues nos seus estudos sobrea procedecircncia dos africanos colonizadores do Brasil daria aos elementosbacircntus ndash ao angola e congo principalmente ndash predominacircncia na colonizaccedilatildeonegra de Pernambuco e ao elemento sudanecircs grande maioria na da BahiaDa Bahia em geral sem particularizar a aacuterea do accediluacutecar Eacute tambeacutem aconclusatildeo de Artur Ramos hoje o maior especialista brasileiro em assuntosafricanos de Pedro Calmon e de Renato Mendonccedila dois outrospesquisadores de nota

Como a importaccedilatildeo dos negros para o extremo Nordeste parece natildeo terobedecido tanto quanto para a Bahia a necessidades urbanas ao lado dasrurais nem a desejos esteacuteticos e amorosos de comerciantes sem famiacuteliaregular ou mais exigentes que os senhores de engenho em assuntos dehareacutem mas quase exclusivamente aos interesses da lavoura da cana e dainduacutestria do accediluacutecar pode-se supor com bons fundamentos que acolonizaccedilatildeo africana da aacuterea da cana se conformou principalmente agravequelasexigecircncias As exigecircncias de uma lavoura e de uma induacutestria que pedindovigor fiacutesico ao operaacuterio ndash o vigor fiacutesico e a sedentariedade do chamadopiacutecnico ndash exigia tambeacutem uma experiecircncia agriacutecola e um grau deadiantamento teacutecnico que natildeo podiam oferecer por exemplo osbosquiacutemanos e hotentotes

Eacute certo que atraveacutes dos anuacutencios de escravos fugidos nos jornais dePernambuco ndash principalmente no Diaacuterio de Pernambuco ndash surpreendem-se traccedilos ou evidecircncias da presenccedila entre os negros do extremo Nordeste

desse elemento mais atrasado em cultura e do ponto de vista do vigor fiacutesicoe do ideal europeu de beleza menos desejaacutevel a pouca altura os peacutes aindamais apapagaiados que os dos outros a bunda grande empinada ouarrebitada Mas atraveacutes das proacuteprias evidecircncias dos anuacutencios de escravosfugidos o tipo predominante de negro no extremo Nordeste parece ter sidoo de altura regular ou mediana forte de corpo possante de tronco natildeomuito preto bonita figura bonitos dentes orelhas pequenas E quandoaparece a nota de procedecircncia ou esta se faz anunciar mais nitidamentepelos traccedilos de fisionomia pela cor da pele pela descriccedilatildeo do cabelo ou dopelo ou entatildeo pelas ldquomarcas de naccedilatildeordquo ou pelos sinais de tatuagem ndash essestraccedilos e sinais satildeo em grande nuacutemero de ldquonaccedilotildeesrdquo do Congo e da Angola

Pode-se concluir que a colonizaccedilatildeo africana do extremo Nordeste natildeo foitatildeo fina ndash nem do ponto de vista europeu de esteacutetica nem do de culturamoral e material ndash como a sudanesa que abrilhantou e enriqueceu de modotodo especial a Bahia Sobretudo ao que parece a Bahia urbana Mas foidominada por um tipo de negro forte e plaacutestico embora inferior agravequele emaltura delicadeza de traccedilos e elementos de cultura Geneticamente bom etecnicamente jaacute na fase agriacutecola apto ao serviccedilo da lavoura de cana que erao meio de seleccedilatildeo de negros para o Nordeste agraacuterio

Tollenare viu nos mercados de escravos do Recife ldquograndes latagotildeesmusculosos ocupados a fiar algodatildeordquo que lhe lembraram ldquoHeacutercules em casade Onfalerdquo73 Latagotildees que se adaptavam a uma variedade de trabalhos

sedentaacuterios ndash ateacute aos trabalhos de mulher Os mesmos negros fortes ele veriadepois curvados sobre as terras do engenho Salgado ndash os homens cortando ascanas as mulheres as enfeixando os carros de boi carregando os feixes doscanaviais para os engenhos Os mesmos pretos musculosos ele surpreenderiadebaixo dos telheiros dos engenhos levando as canas agrave boca das moendas efazendo-as passar pelos cilindros o nuacutemero de vezes suficiente ndash trabalhoque lhe pareceu exigir ldquocerto grau de inteligecircnciardquo e no qual se podiamadmirar ldquoas formas esbeltas e flexiacuteveis dos pretosrdquo agitando o mel com ascolheres e fazendo as transfusotildees alimentando o fogo das fornalhas comlenha verde transportando as focircrmas para a casa de purgar quebrando ospatildees de accediluacutecar cristalizados e purgados pondo o accediluacutecar para secarpilando-o encaixotando-o

Pelas proacuteprias exigecircncias da lavoura da cana e principalmente dateacutecnica da induacutestria do accediluacutecar repita-se que foi uma colonizaccedilatildeo de genteem grande parte robusta e com alguma experiecircncia agriacutecola e industrial Porconseguinte em estado de cultura superior ao dos indiacutegenas que sob apressatildeo desse elemento invasor fiacutesica e tecnicamente mais capaz de servirjunto com os bois de carro agraves necessidades do canavial se retirariam para ossertotildees para a lavoura de farinha de mandioca para a luta com bois brabos eos cavalos selvagens para as formas mais agrestes de pastoreio que ficousendo no Nordeste uma atividade mais de caboclos de mamelucos debrancos e quase brancos do que de pretos e de mulatos

O negro e o mulato do extremo Nordeste (o mulato resultante de umbranco na sua maioria do norte de Portugal e de um negro em grandenuacutemero bacircntu e segundo as melhores evidecircncias do Congo e da Angola) sechegaram aos sertotildees distinguindo-se no proacuteprio pastoreio e no proacutepriocangaccedilo foi por exceccedilatildeo concentraram-se principalmente ndash em grandeparte por imposiccedilatildeo do sistema de escravidatildeo que os trouxe da Aacutefrica oudebaixo do qual nasceram nas senzalas ndash no Nordeste da cana-de-accediluacutecar Alavoura da cana desenvolveu-se sobre o negro ndash ldquoos peacutes e as matildeos do senhorde engenhordquo dizia Antonil no seacuteculo XVIII A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar sobre omulato o curiboca o cabra da bagaceira a matildee-preta a mucama a ldquobaianardquo

Tollenare nos deixou sobre o fiacutesico do negro de engenho do Nordeste ndashque ele conheceu no iniacutecio do seacuteculo XIX ndash alguns traccedilos muito expressivosmenos robusto que o carregador francecircs poreacutem os movimentos menosduros o peito abaulado a coxa nervosa a pele negra luzidia desprovida depelos deixando perceber todo o jogo de seus muacutesculos muito moacuteveis osbraccedilos e sobretudo as pernas ndash justamente o que era menos deles e mais dossenhores ndash ldquode ordinaacuterio fracosrdquo diz o francecircs mas acrescentando ldquovinegros com formas de Apolordquo74

Quase se pode considerar o depoimento do observador francecircs umasiacutentese dos numerosos perfis antropoloacutegicos de pretos de engenho que nosfornecem os anuacutencios de negros fugidos nos jornais do Nordeste nos quaisentretanto a cor preta retinta eacute menos saliente que a ldquonatildeo muito pretardquoTambeacutem por esses anuacutencios passam negros com formas de Apolo as mesmasformas que Mansfield quarenta anos depois de Tollenare admiraria nos

pretos de Pernambuco Tambeacutem pelos anuacutencios passam em nuacutemero que sepode considerar representativo figuras esplecircndidas de negras como as que ofrancecircs conheceu nos engenhos de accediluacutecar de peito firme os ombros ebraccedilos bem modelados e algumas ldquoque se poderia qualificar de bonitas se opescoccedilo mais longo desse melhor desembaraccedilo agrave cabeccedilardquo Negros e negras depescoccedilo curto e peito abaulado e natildeo somente de formas alongadas como ossudaneses e que seriam talvez natildeo soacute por superioridade de cultura comopor constituiccedilatildeo individual os mais inclinados agrave aventura da fuga aomovimento agrave rebeldia contra os senhores brancos os menos acomodados agraverotina do trabalho de fazer accediluacutecar

No extremo Nordeste e no Recocircncavo da Bahia o elemento negro de boaorigem ndash quanto agrave sua composiccedilatildeo geneacutetica e quanto aos seus dotes decultura ndash juntou-se agraves vezes a portugueses em grande parte tambeacutem deboa composiccedilatildeo geneacutetica e de situaccedilatildeo social superior ndash os colonos de DuarteCoelho e seus descendentes por exemplo ndash para formar grupos de mulatosdos mais capazes de nossa populaccedilatildeo mesticcedila e que concorreriam para oenriquecimento natildeo soacute intelectual ndash como jaacute foi acentuado ndash maseconocircmico da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar em particular e da brasileira em geralForam os mulatos que se tornaram os mestres de accediluacutecar os maquinistas osmarceneiros os carpinteiros dos engenhos mais tarde engenheiros emeacutedicos dos muitos que a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar produziria jaacute na decadecircnciado seu patriarcalismo

Se a raccedila como lembram os antropoacutelogos modernos conta menos do quea composiccedilatildeo geneacutetica das populaccedilotildees o extremo Nordeste podeapresentar-se como uma regiatildeo particularmente bem dotada do ponto devista dos elementos que lhe serviam de base agrave colonizaccedilatildeo branca e negra desuas terras de cana os colonos de Duarte Coelho ndash e natildeo nenhum grupo dedegredados criminosos e aventureiros ndash do lado dos brancos e dosafricanos os negros em sua maioria bacircntus tambeacutem agraacuterios

E recolhidos em grande nuacutemero natildeo da parte inferior mas quasesempre da parte superior das tribos Agraves vezes eram vendidos como escravospara as plantaccedilotildees da Ameacuterica segundo recorda Herskovits75 referindo-se

agrave Aacutefrica Ocidental os candidatos malsucedidos aos tronos dos pequenosreinos eles suas famiacutelias e seguidores e os chefes que tinham combatido por

ele Grandes massas de gente da melhor da mais capaz da mais eugecircnica enatildeo os indesejaacuteveis do ponto de vista da moralidade das tribos como jaacutehouve quem insinuasse Aliaacutes podia-se dizer a esse respeito o mesmo que arespeito dos criminosos portugueses deportados para o Brasil nem todoseram desterrados por crimes que hoje considerariacuteamos crimes mas vaacuterios porpecadilhos de amor e de heresia

Tollenare conheceu em Sibiroacute uma negra de engenho com dois braccedilostorados pela moenda de espremer cana Uma mulher bonita de vinte e setea vinte e oito anos muito alegre e palradeira Teria sido um caso deincompetecircncia africana de incapacidade do negro para o trabalho maisdelicado do fabrico do accediluacutecar Natildeo A pobre negra de braccedilos torados era umcaso de acidente devido ao seu pouco haacutebito a qualquer espeacutecie de trabalhomanual Ela se chamava Teresa Rainha e era muito respeitada pelos outrospretos tinha sido rainha de Cambinda Surpreendida em pecado de amorfora condenada agrave escravidatildeo Chegara a Pernambuco com os braccedilos que amoenda haveria de comer ainda cheios de anelotildees de cobre dourado ndash sinalde rainha

De outros reis e rainhas destronados que trabalharam nos canaviais enas casas de purgar falam as tradiccedilotildees regionais Os incompetentes os quese deixavam torar facilmente pelas moendas ou eram criaturas que nuncatinham trabalhado por ser reis princiacutepes rainhas ou eram pretos doentesde banzo Inadaptados natildeo ao trabalho agriacutecola mas agrave escravidatildeo

Se muito negro fugiu dos engenhos ou trabalhou toda a vida semvontade nos canaviais natildeo se deve concluir daiacute que os pretos fossem todosuns malandros uns incapazes uns inadaptados agrave lavoura O proacuteprioabandono dos canaviais e dos engenhos de cana pelos pretos quando se deua aboliccedilatildeo natildeo pode servir de prova a favor do suposto ldquooacutedio agrave lavourardquo docolono africano do Brasil

Os que associam esse ldquooacutedio agrave lavourardquo do preto ou trabalhador brasileirode origem africana a uma suposta predisposiccedilatildeo de raccedila esquecem o amor agraveterra manifestado pelo preto na Aacutefrica e esquecem os meacutetodos eficientesde trabalhar no campo desenvolvidos por tantas tribos negras naquelas aacutereasde cultura africana baseadas sobre a lavoura

Ainda haacute pouco um rapaz africano que estudou em Oxford ndash e fez

depois conferecircncias nas escolas da Inglaterra e da Dinamarca sobre oscostumes e as aspiraccedilotildees de sua gente ndash Parmenas Githendu Mockeriereuniu em livro ndash livro prefaciado por Julian Huxley ndash natildeo soacute uma seacuterie deobservaccedilotildees curiosas sobre a vida em Kikuyu como alguns documentos designificaccedilatildeo social sobre o povo daquele paiacutes Um deles o depoimento doinglecircs J E Henderson perante a comissatildeo nomeada para investigar aquestatildeo de reserva de terras em Kikuyu

O observador inglecircs salientou aiacute o perigo que haveria em arrancar dosnativos ndash por violecircncia ou mesmo docemente por compra ndash sua terraagriacutecola agrave qual se achavam presos pelo trabalho e por todo um sistema devida e ateacute de religiatildeo Seria motivo para revoltas salientava o inglecircs Ou entatildeondash acrescenta-se ndash para uma forma de resistecircncia passiva mas terriacutevel paraqualquer colonizaccedilatildeo agraacuteria o desinteresse do homem nativo pelo trabalhoagriacutecola

O que se deve salientar eacute o seguinte que uma coisa eacute o homem dentrodo seu proacuteprio sistema de cultura e outra coisa eacute ele desenraizado dessesistema e sujeito pela conquista militar ou pelo regime de trabalho escravo aum gecircnero de vida artificial estranho aos seus desejos aspiraccedilotildees einteresses mais iacutentimos Foi o que se deu de modo geral com o colonoafricano do Brasil Ele foi arrancado violentamente do seu meio ndash quase soacute sefazendo questatildeo de suas matildeos de seus peacutes e de seus oacutergatildeos de procriar ndashpara tornar-se escravo num tipo de lavoura oposto agraves suas praacuteticas agriacutecolasEsse tipo de lavoura foi a grande plantaccedilatildeo a monocultura latifundiaacuteria

O fato de tanto preto aqui nas Antilhas e no sul dos Estados Unidos terse suicidado de raiva de dor de saudade foi apenas o aspecto mais traacutegicodo fenocircmeno de desenraizamento Matildeos peacutes e oacutergatildeos genitais que natildeosuportaram a separaccedilatildeo do resto do corpo ndash que era a tribo com a suareligiatildeo os seus ritos as suas danccedilas A dor do desenraizamento se exprimiutambeacutem numa seacuterie de atitudes menos dramaacuteticas Na falta de interessepela vida No banzo Na lombeira Na preguiccedila Na libertinagem Namasturbaccedilatildeo entre os moleques mais tristonhos Na inclinaccedilatildeo aomasoquismo entre os mais doacuteceis aos senhores e aos sinhozinhos brancos

Mesmo assim natildeo haacute duas opiniotildees sobre este ponto sem o trabalhadornegro ou de sangue africano o colonizador portuguecircs natildeo teria desenvolvido

nesta parte dos troacutepicos uma civilizaccedilatildeo agriacutecola que teveincontestavelmente virtudes entre os muitos e grossos defeitos Sem o negronatildeo teria havido colocircnia de plantaccedilatildeo no Brasil tropical natildeo teria havido acivilizaccedilatildeo de accediluacutecar que alcanccedilou talvez seu maior esplendor no extremoNordeste e no Recocircncavo da Bahia

Quando entre noacutes as matildeos e os peacutes escravizados do negro puderamjuntar-se ao resto do corpo e formar homens completos o africano deu umagrande prova do seu amor pela terra e do seu jeito para lavrar os camposEssa prova dos nove das qualidades agriacutecolas do negro foi Palmares Foi asociedade agraacuteria que aiacute se formou no seacuteculo XVII com pretos fugidos dosengenhos e caboclas raptadas agraves aldeias mais proacuteximas

Entre os negros dos Palmares o capitatildeo holandecircs Blaer encontrou tantaldquoroccedila abundanterdquo tanto milho tanta touceira de bananeira ndash aleacutem da cana-de-accediluacutecar do feijatildeo da mandioca e das muitas palmeiras ndash que a paisagemcontrastava com a dos engenhos soacute canavial e resto de mata A dos Palmarestinha outra variedade e outra alegria

A vida da curiosa organizaccedilatildeo socialista estava baseada sobre apolicultura embora entre os quilombolas o complexo da palmeira tivesseassumido uma grande variedade de expressotildees nas palmas grandes faziamos mucambos e as camas onde dormiam das palmas menores abanos paraabanar o fogo das quengas de coco pequeno cachimbos e provavelmentecuias e cocos de beber aacutegua ndash ainda tatildeo comum entre nossa gente do povo

Ainda se utilizavam da palmeira comendo o creme ou o catarro doscocos e fazendo azeite manteiga e uma espeacutecie de ldquovinho de cocordquoProvavelmente tambeacutem o sabongo ndash doce de coco com mel de cana quaseem ponto de bala Natildeo desprezavam tampouco uns bichinhos gordos dagrossura de um dedo que se criavam das palmeiras e que para eles eramcomo se fossem pitus do rio Una para o brancos nas casas-grandes

Se na Aacutefrica o negro natildeo se revelou invariavelmente o ldquomau agricultorrdquode que fala Azevedo Amaral em estudo recente ndash ldquomau agricultorrdquo ldquomaulavradorrdquo e preferindo sempre ao trabalho na terra o da pecuaacuteria e o damanipulaccedilatildeo de metais ndash no Nordeste ele deu este exemplo de aptidatildeo paraa lavoura Palmares Na Aacutefrica houve aacutereas de cultura cuja organizaccedilatildeosocial ndash fortemente superior agrave dos nossos indiacutegenas ndash se baseou toda sobre o

trabalho agriacutecola ndash como no Sudatildeo Ocidental e no Congo por exemplo noNordeste do Brasil os negros fugidos souberam tambeacutem organizar-se numaverdadeira colocircnia agriacutecola de feiccedilatildeo socialista

O ldquomau agricultorrdquo que se enxerga no negro e no trabalhador brasileirode origem africana eacute provavelmente outro caso daqueles de deformaccedilatildeo dohomem causada pelo sistema de exploraccedilatildeo da terra aqui dotado ndash amonocultura o latifuacutendio a escravidatildeo a coivara a derrubada Tudo issotira o amor do homem agrave lavoura ndash do branco como do preto do senhor comodo escravo e reduz a terra a um monturo que se explora com nojo

Querer ligar natildeo soacute o desinteresse atual do preto ou do mulato pobrepela lavoura como a deserccedilatildeo dos campos pelos trabalhadores negros ndashdeserccedilatildeo que de fato se verificou aqui nas Antilhas e no sul dos EstadosUnidos agraves primeiras notiacutecias de aboliccedilatildeo e antes por grupos revoltados pelosquilombolas e mucambeiros ndash a uma questatildeo de raccedila a um oacutedio especial daraccedila africana ao trabalho agriacutecola eacute que seria torcer um fenocircmeno de causasnitidamente sociais para acomodaacute-lo a um ldquoracismordquo muito suspeito quasesem nenhum cheiro de ciecircncia e com um odor cada dia mais carregado deintenccedilatildeo poliacutetica

A verdade eacute que ainda hoje os xangocircs afro-brasileiros do Nordesterecordam em alguns dos seus cantos mais doces e dos seus movimentos dedanccedila mais expressivos os velhos gestos de semear e de colher o culto daterra a alegria no trabalho agriacutecola o regozijo pelo fruto ou pela espigamadura Toda uma miacutestica do trabalho agriacutecola

50 Seguimos aqui a ideia do professor E A Hooton da Universidade deHarvard sobre a possibilidade de formaccedilatildeo de novas raccedilas pelamiscigenaccedilatildeo adaptando essa ideia ao caso brasileiro do Nordeste ParaHooton vaacuterios grupos humanos classificados como raccedilas satildeo antes ldquothe endproducts of outbreeding followed by intensive imbreeding and selectionrdquo(ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82 july 1935) Ideiasemelhante eacute a de ldquomesticcedilagem fixadardquo que o professor A Austregeacutesilo opotildeeentre noacutes ao arianismo outrora defendido com intransigecircncia sectaacuteria peloeminente professor Oliveira Viana Veja-se a este respeito o trabalho de AAustregeacutesilo em Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 192751 D Domingos do Loreto Couto Desagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambuco ndash 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais da BibliotecaNacional do Rio de Janeiro vol XXIV)52 Mansfield op cit53 Manuscrito no arquivo particular do engenho Noruega54 Manuscrito no arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute (Pernambuco)55 Do fato teve a intuiccedilatildeo Francisco Freire Alematildeo ao escrever em suamonografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicada em 1856 e reimpressa peloMinisteacuterio da Agricultura em 1929 ldquoTodo o litoral americano eespecialmente o do Brasil era devassado por navios europeus em viagens deexploraccedilatildeo ou com o fim de traficar com os indiacutegenas e seguramente nelesvinham as cana-de-accediluacutecar tomadas nas arribadas que faziam em algumasdas ilhas Canaacuterias ou de Cabo Verde para refresco da gente ou quem sabe semesmo como um desses regastes de pouco valor com que angariavam ospobres americanos e lhes pagavam o seu trabalhordquo Que a cana era um bomrefresco para viagens do mar vecirc-se por estas palavras do padre ThomazCage ldquoPartindo de Guadalupe chupaacutevamos cana-de-accediluacutecar que sempretiacutenhamos na bocardquoO provaacutevel entretanto eacute que no Nordeste do Brasil o caju eacute que tenhaprincipalmente beneficiado adventiacutecios ou europeus arribados comobeneficiava os indiacutegenas da regiatildeo Com efeito nutroacutelogos modernos agravefrente dos quais o professor Dante Costa em seus estudos de frutas ouvegetais brasileiros vecircm atribuindo ao caju a maacutexima importacircncia comoalimentoDeste fato a gente da regiatildeo haacute seacuteculos demonstra ter a intuiccedilatildeo dado ogrande uso por nobres de casas-grandes de engenhos e de sobrados e porescravos de senzalas por pobres de mucambos e ateacute por animais ndash o boi deengenho entre eles ndash do caju e da castanha sob vaacuterias formas o frutofresco seco como doce de calda o suco a garapa o vinho o licor acastanha assada farinha de castanha etc Sabe-se que o caju sempre foimuito chupado pela gente dos engenhos de accediluacutecar antes dos banhos de rioTambeacutem em fatias com a feijoada ndash como a laranja pela gente do Rio deJaneiro ndash e como vaacuterios outros pratos Unido ao accediluacutecar como doce de cajuem calda ou seco pode ser considerado o doce mais teluacuterico da regiatildeo Osoutros aliados principais do accediluacutecar ndash a goiaba o araccedilaacute o coco a jaca amanga o abacaxi ndash natildeo satildeo superiores ao caju como expressotildees regionais daharmonia do homem com os valores nativos ou aclimados de vegetaccedilatildeo56 Daiacute ser fixado um tipo de aristocracia do Nordeste da cana-de-accediluacutecarcujo perfil antropoloacutegico pode ser levantado atraveacutes dos numerosos retratosque nos restam dos grandes senhores de engenho da regiatildeo Retratos doseacuteculo XVIII e principalmente daguerreoacutetipos e fotografias do seacuteculo XIXEm Pernambuco Augusto Rodrigues reuniu interessante coleccedilatildeo de

fotografias de titulares pernambucanos ndash em sua grande maioria aristocratasdo canavial Homens quase sempre altos e alguns deles figurasesplendidamente eugecircnicas Em outros se surpreendem traccedilos deenlanguescimento Principalmente em senhorasSobre os aristocratas ou brancos da casa-grande da Bahia escreveu J B Saacute deOliveira no seu sugestivo estudo publicado em 1898 Evoluccedilatildeo psiacutequica dosbaianos ldquoQuase sempre esses baianos possuem a estatura dos ascedentesmas revelam no todo qualquer coisa de degenerescecircncia fiacutesica Explica-se ofato pelas uniotildees conjugais dentro de esfera mui limitada a fim de natildeointroduzirem na famiacutelia sangue que revele a condiccedilatildeo de ex-escravo Aleacutemdisso a indolecircncia nos nobres e o desprezo do trabalho confiado aos homensde cor contribuiacuteram ao influxo dos costumes indiacutegenas para a depressatildeo devitalidade orgacircnica sendo tudo agravado pela accedilatildeo do climardquo57 Manuscrito da correspondecircncia da Corte Livro 25 Arquivo da antigacapitania de Pernambuco Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambucoJaacute em 13 de agosto de 1814 Caetano Pinto de Miranda Montenegro entatildeono governo da capitania de Pernambuco escrevera do Recife ao marquecircs deAguiarldquoIllmoordm Exmordm Senhor No dia 27 de maio espalhou-se hum boato nesta villade que os pretos acedihavatildeo hum levante no dia do Espiacuterito Santo e postoque os indicios se desvaneciatildeo aacute medida que eratildeo examinados foi tatildeo grandeo susto com os propemos exemplos da Bahia nas vozes que o cauzavatildeosoaratildeo tanto nos ouvidos dos escravos que eu natildeo podia deixar algumasmedidas para tranquilizar os animos assustados para fazer conhecer aosmesmos escravos o prompto castigo que achariatildeo se meditassem alguacoisardquo Mandando ldquono mesmo dia 27 render todas as guardas por tropasmilicianas para ficar desembaraccedilado o regimento de linha o qual seconservou em armas no quartelrdquo e tomando outras providecircncias ogovernador conseguira ldquotranquilizar tudordquo conforme a mesma carta aomarquecircs de Aguiar (arquivo da antiga capitania de Pernambuco Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco)58 Pereira da Costa Folclore pernambucano Recife 190859 Alfredo de Carvalho Estudos pernambucanos Recife 190760 Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para D Rodrigo de Sousa CoutinhoBahia 20 de outubro de 1798 Manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboaregistrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro61 Manuscrito correspondecircncia da Corte arquivo da antiga capitania dePernambuco ano de 1735 Biblioteca do Estado de Pernambuco62 Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena em 3 dejaneiro de 1789 manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted 610

63 Sobre este aspecto do assunto veja-se nossos Sobrados e mucambosespecialmente os capiacutetulos ldquoAscensatildeo do bacharel e do mulatordquo e ldquoEm tornode uma sistemaacutetica da miscigenaccedilatildeo no Brasil patriarcal e semipatriarcalrdquoVeja-se tambeacutem o estudo do pesquisador sergipano Felte Bezerra EtniasSergipanas Aracaju 195064 Alfredo de Carvalho Estudos cit Foi certamente este historiador ndashAlfredo de Carvalho ndash quem primeiro fixou a importacircncia de Figueiredo nahistoacuteria das letras e do jornalismo de Pernambuco Cremos poreacutem ter sidopor nossa vez o primeiro a salientar sua significaccedilatildeo como criacutetico social einteacuterprete da vida ou da economia regional sob um criteacuterio socialista que jaacutenatildeo era o literariamente romacircntico mas aproximava-se agraves vezes do chamadocientiacutefico65 Desta revista o professor Amaro Quintas com a colaboraccedilatildeo dopesquisador Ivan Seixas publicou oportuna nova ediccedilatildeo Note-se queevidentemente foi consideraacutevel a influecircncia sobre Figueiredo do engenheiroe socialista francecircs L L Vauthier Sobre Vauthier vejam-se o nosso Umengenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro 1940 e Diaacuterio iacutentimo doengenheiro Vauthier anotado por noacutes Rio de Janeiro 1940 e em 1960reeditados por Joseacute Olympio66 Segundo o pesquisador Sousa Barros em interessante estudo sobre adistribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grande propriedade territorial emPernambuco a relaccedilatildeo entre a propriedade de terra e a populaccedilatildeo eacute naZona da Mata de 0012 e no sertatildeo de 0037 (Boletim da Secretaria da

Agricultura Pernambuco vol I no 2 1936)Evidentemente natildeo passa de ingecircnuo saudosismo a ideia de se considerar oregresso ao engenho banguecirc a salvaccedilatildeo do Nordeste mais prejudicado pelasusinas tentaculares propriedades quase todas de famiacutelias residentes nascidades ou de firmas comerciais Sem pretendermos neste ensaio oferecersoluccedilotildees para o problema recordaremos que as experiecircncias de outras aacutereasde economia predominantemente agraacuteria indicam a vantagem das empresasde capitais e energias concentradas O autorizado agrocircnomo portuguecircsHenrique de Barros em sua Economia agraacuteria (Lisboa 1948) lembra oexemplo por noacutes jaacute posto em relevo em Casa-grande amp senzala dasOrdens Monaacutesticas que em Portugal ocuparam desbravaram e povoaramldquotanto territoacuterio mediante a constituiccedilatildeo de vastas organizaccedilotildees agraacuteriascompreendendo grandes exploraccedilotildees diretamente cultivadas pelos mongese pequenas exploraccedilotildees entregues a colonos sujeitos poreacutem a certaorientaccedilatildeo teacutecnica e com soliacutecita e eficiente assistecircnciardquo Do mesmo modo seexprime outro pesquisador J Vieira Natividade em trabalho tambeacutemrecente citado pelo mestre portuguecircs ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo

publicado no no 5 do Boletim da Junta de Proviacutencia da Estremadura em

1944 Aiacute escreve Natividade das obras realizadas pelos monges de Alcobaccedilaque ldquoainda hoje decorridos oitocentos anos toda a estrutura agriacutecolaalcobacense se apoia no atilado lineamento fradesco do periacuteodo medievalrdquoOpiniatildeo tambeacutem do sr A Reis Juacutenior em estudo ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquopublicado em Vida Poliacutetica (Rio de Janeiro marccedilo 1948) sobre o Brasil ondeldquotudo que temos de impressionante soacutelido grandiosordquo teria resultado deldquofortes concentraccedilotildees trabalhadorasrdquoO agrocircnomo Henrique de Barros encontra pontos de semelhanccedila entre asantigas ldquoorganizaccedilotildees monacaisrdquo e as empresas cooperativistas que vecircmflorescendo na Palestina moderna com um ecircxito que ldquosob o ponto de vistaagriacutecolardquo parece ldquoconsideraacutevelrdquo Talvez desse tipo de concentraccedilatildeo ndash acooperativista ndash eacute que devesse aproximar-se a exploraccedilatildeo dos canaviais doNordeste do Brasil para o fabrico de accediluacutecar aacutelcool e outros produtos comvantagens gerais para a populaccedilatildeo regional e para a economia e a vida rurais67 Vejam-se Biografias mandadas publicar pelo dr Alexandre Joseacute BarbosaLima governador do Estado de Pernambuco Recife 189568 ldquo o cheiroso benjoim se usa nas igrejas de Pernambuco em vez deincensordquo (Ensaio Econocircmico cit pelo cocircnego Dr Antocircnio do Carmo BarataldquoUm grande saacutebio um grande patriota um grande bispordquo Pernambuco1921)

Sobre a arte da renda no Nordeste ndash tatildeo ligada aos ceacutelebres ldquocabeccedilotildeesrdquo

das mulheres ndash veja-se no Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco (Recife 1925) o estudo que a nossopedido e por insistecircncia nossa escreveu o ilustre alagoano Leite Oiticica queconhecia profundamente o assunto

Trajo verdadeiramente regional natildeo chegou a desenvolver-se noNordeste agraacuterio como desenvolveu-se no pastoril o trajo do vaqueiro tatildeoexpressivo da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo Note-se entretanto que aldquobaianardquo com o seu turbante seu cabeccedilatildeo picado de rendas suas saias suaschinelas seus balangandatildes seu tabuleiro de fruta ou de doce de alfenim oude alfeacuteolo de peixe frito ou de tapioca sem ser ortodoxamente uma figuraregional do Nordeste mais agraacuterio (que foi e eacute o do accediluacutecar) e sim expressatildeoda civilizaccedilatildeo mais graciosamente urbana (que no Brasil madrugou emSalvador) natildeo deixa de ser regional pela sua maior frequecircncia sob o nomeantes cultural que provincial de ldquobaianardquo nas cidades do Nordeste agraacuteriodo que nas cidades do Sul Exceccedilatildeo do Rio de Janeiro onde chegou sob omesmo nome de ldquobaianardquo a ser tatildeo frequente como nas ruas e praccedilas deSalvador do Recife de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo de Olinda de Penedo de SatildeoCristoacutevatildeo del-Rei ndash cidade sergipana tatildeo do Nordeste agraacuterio pelos seus

sobradotildees patriarcais com abalcoados de feitio mourisco Mas o Rio deJaneiro agraacuterio e um pouco a corte chegaram a ser uma espeacutecie de parentedesgarrado do velho Nordeste do accediluacutecar parentesco social e de culturafavorecido pelo parentesco da proacutepria paisagem ou da proacutepria vegetaccedilatildeoJoaquim Nabuco encontrou em Paquetaacute ldquoa seduccedilatildeo especial de ser umapaisagem do norte do Brasil desenhada na baiacutea do Riordquo Pois enquanto ldquoportoda parte agrave entrada do Rio de Janeiro o que se vecirc satildeo granitos escuroscobertos de florestas contiacutenuas guardando a costa em Paquetaacuterdquo ndash escreveele em Minha formaccedilatildeo ndash ldquoo quadro eacute outro satildeo praias de coqueiroscampos de cajueiros e agrave beira-mar as hastes flexiacuteveis das canas selvagensalternando com as velhas mangueiras e os tamarindos solitaacuteriosrdquo Mas natildeo eacutesoacute em Paquetaacute que se encontram no Rio de Janeiro essas ldquominiaturas doNorterdquo ou do Nordeste agraacuterio Tambeacutem em Campos Tambeacutem em Vassouras

O trajo da ldquobaiana descreve-o em artigo ldquoA baianardquo no Correio daManhatilde (Rio de Janeiro) de 30 de abril de 1950 o sr Eduardo Tourinho quecomeccedila por evocar a descriccedilatildeo claacutessica do velho Vilhena

ldquo Saias de cetim branco becas de liniste finiacutessimo e camisas decambraia ou cassa bordadas de tal forma que vale o lavor trecircs ou quatrovezes mais que a peccedila e tanto eacute o ouro que cada uma leva em fivelascordotildees pulseiras colares e braceletesrdquo E continua ldquoAinda eacute assim a baianaA camisa ndash com pequenas mangas que cobrem as axilas ndash descobre-lhe ocolo Trabalhada em renda de crivo ou de barafunda afunila-se agrave cinturasob a compreensatildeo de duas ou trecircs anaacuteguas gomadas a tufar a larga saia deroda que deixa a nu os peacutes calccedilados em caprichosas sandaacutelias De ombroesquerdo pende o luxurioso pano da costa de listas bizarramente coloridasrdquoMais adiante sobre os adornos ldquoEsse o trajo Agora os adornos Quemultiplicidade Colares de grossas contas sobre o regaccedilo e rosaacuterios de contasmiuacutedas sob o rendado da camisa No alto do braccedilo esquerdo larga pulseirade ouro Nos pulsos voltas de bolas de ouro e voltas de buacutezios da costa Nasorelhas aacuteureas argolas ou brincos de coral

ldquoDepois eacute o barangandatilde O barangandatilde e natildeo balangandatildeberenguendem ou balangangatilde como diz o vulgo asnal de que fala Gregoacuteriode Matos

ldquoQue eacute o barangandatilde Uma peccedila de prata em forma de argola que deuma corrente de prata posta em torno do pescoccedilo pende ateacute o meio dascostas Essa argola ndash o barangandatilde ndash enfeixa uma porccedilatildeo de amuletospequenos cilindros com poacutes milagrosos e madeiras santas Oraccedilotildees figas

aneacuteis cachos de cabelos dentes de crianccedila buacutezios e moedas Presas debesouro Coraccedilotildees acircncoras e cruzes conjugados Bonequinhos que satildeo ossantos Crispim e Crispiniano Cosme e Damiatildeo O canjerecirc que eacute amuletocontra o lsquomau-olhadorsquo Cola-amarga e favas de olhos-de-cabra contraespiacuteritos perturbadores Pequeninas contas agrupadas em estiletesguarnecidos com rosaacuteceos de prata ndash as pretas e roxas representam Omulu(Satildeo Laacutezaro) e as brancas Oxalaacute (Senhor do Bonfim) e as cor de coral azuis everdes Xangocirc (Satildeo Jerocircnimo) e as doiradas e prateadas Oxum (NossaSenhora das Candeias) e as amarelas Nanatilde (SantrsquoAna) e as brancas muitomiuacutedas Amanjaacute (Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo)

ldquoPor fim depois do barangandatilde a penca-suspensa agrave cintura pelas alccedilasque sustecircm a corrente de prata guarnecida por grande chave do mesmometal Eacute na penca que estatildeo a lsquoFigarsquo o mais comum dos amuletosobrigatoriamente usados contra doenccedilas desastres malefiacutecios lsquoPau-de-angola encastoado em pratarsquo favoraacutevel agrave longevidade ldquoCilindrosrdquo ndashpreservadores da maacute sorte ndash com arruda guineacute manjericatildeo O lsquosinorsquo oulsquoDuplo Sinorsquo ndash o lsquoAdjaacutersquo ndash evocaccedilatildeo dos Camdombleacutes O lsquoCaacutegadorsquo e alsquoTartarugarsquo como a lsquoAranharsquo ou o lsquoPorcordquo o lsquoTrevorsquo a lsquoFigarsquo ou o lsquoCorcundarsquoos lsquoTriacircngulos Maacutegicosrsquo ou a palavra lsquoAgharsquo e a palavra lsquoAounrsquo satildeo fetiches debom auguacuterio O lsquoCoraccedilatildeorsquo simboliza amor e quando encimado por umaflama lsquopaixatildeo ardentersquo O lsquoCachorrorsquo eacute o emblema da fidelidade e lembra SatildeoLaacutezaro e Satildeo Jorge tal o lsquoCarneirorsquo lembra Satildeo Jerocircnimo As lsquoMatildeos Dadasrsquosignificam amizade A lsquoPombarsquo lembra os maacutertires tornados santos mas ndash deasas abertas em forma de cruz ndash eacute a evocaccedilatildeo do Espiacuterito Santo A lsquoRomatildersquosimboliza o gecircnero humano em todo o seu esplendor e miseacuteria A lsquoChaversquosugere o Tabernaacuteculo o Oratoacuterio mas a lsquoChave de Figarsquo segurando a lsquoFarofaAmarelarsquo vale como poderoso talismatilde para lsquofechar o corporsquo a todos os malesA lsquoFerradurarsquo chama felicidade A lsquoLuarsquo eacute a representaccedilatildeo de Satildeo Jorge e olsquoGalorsquo a de todos os Santos O lsquoBurrorsquo simboliza Xangocirc que eacute Satildeo Jerocircnimo ndashe o lsquoCaranguejorsquo eacute Omulu (Satildeo Laacutezaro) O lsquoBoirsquo eacute Omulu Moccedilo (SantoIsidoro) O lsquoVeadorsquo tal como a lsquoEspadarsquo eacute Oxocecirc guerreiro e caccedilador SatildeoJorge A lsquoFacarsquo eacute o siacutembolo de Ogum (Santo Antocircnio) As lsquoUvasrsquo representamOxum que eacute Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo O lsquoCajursquo o lsquoAbacaxirsquo e o lsquoMilhorsquorecordam ainda Satildeo Jerocircnimo O lsquoMoringuersquo evoca Satildeo Cosme e SatildeoDamiatildeo A lsquoPalmatoacuteriarsquo eacute o siacutembolo de Nanatilde ndash SantrsquoAna ndash e o lsquoSolrsquo o deOxumarei que eacute Satildeo Bartolomeu O lsquoTamborrsquo e o lsquoPandeirorsquo representam ascerimocircnias do Terreiro Mas natildeo haacute explicaccedilatildeo certa do que ndash na penca ndash

simbolizam moedas e peixesrdquoEmbora o trajo e os adornos de lsquobaianarsquo com sua simbologia ou a sua

miacutestica tenham a sua aacuterea de maior intensidade de expressatildeo em Salvadorpodem ser considerados comuns agraves aacutereas urbanas do inteiro Nordesteagraacuterio assim como no Rio de Janeiro

Sabemos que a respeito do trajo da ldquobaianardquo prepara minucioso trabalhoa notaacutevel antropologista social brasileira que eacute a sra Heloiacutesa Alberto Torresdiretora do Museu Nacional Sobre a possiacutevel identificaccedilatildeo de origensafricanas de grupos ou subgrupos de populaccedilatildeo nordestina atraveacutes dosestilos e maneiras de usarem as mulheres do povo ndash e natildeo apenas asldquobaianasrdquo ndash seus xales ou mantos apresentamos nota preacutevia ao 1o CongressoAfro-Brasileiro reunido no Recife em 1934 acompanhada de desenhos dopintor Ciacutecero Dias69 Pereira da Costa Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira emPernambuco cit70 Journal of a residence in Brazil written by cuthbert pudsey duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da BibliotecaNacional Rio de Janeiro

Em seu estudo ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no povoamentonordestinordquo publicado na Revista das Academias de Letras no 63 Rio deJaneiro 1948 o sr Carlos Xavier Paes Barreto dedica interessantes paacuteginasaos Wanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso (Rocha Wanderley BarrosWanderley Lins Wanderley) ndash descendentes diretos de Gaspar Wanderleyndash considerando um dos mais tiacutepicos ou representativos da estirpe SebastiatildeoLins Wanderley ldquoo Baixa senhor do rico e belo engenho Rosaacuterio esposo deDa Maria Wanderley natural de Porto Calvo Eacute tradiccedilatildeo que quando secasou trouxe para seu lar uma vultosa riqueza com pesadas e custosas joacuteiasde famiacuteliardquo Tiacutepico considera ter sido tambeacutem o coronel Sebastiatildeo LinsWanderley do engenho Camaragibe casado com Gertrudes LinsWanderley ldquoe cujas festas de aniversaacuterio em Dias de Reis ficaramtradicionaisrdquo E acentua ldquoEle o baratildeo de Granito ou qualquer de seusirmatildeos e bem assim o Baixa do Rosaacuterio eram Wanderley atraveacutes de vaacuteriasgeraccedilotildeesrdquo De Sebastiatildeo Wanderley Chaves lembra ldquoNa mesa de jogo recolhiao fogo para o cigarro na moeda-papel e em banquetes apoacutes a saudaccedilatildeo dehonra ocasiotildees houve em que a toalha era violentamente puxada a fim deque a louccedila e sobretudo as taccedilas natildeo servissem para outro brinderdquo Semprehouve entre Wanderleys certa tendecircncia para a boecircmia a ironia e amordacidade tendecircncia de que podem ser consideradas expressivas figuras

como as de Pedro da Rocha Wanderley do engenho Bom Tom e PedroWanderley

Do fundador da famiacutelia no Nordeste do seacuteculo XVII lembra o sr CarlosXavier Paes Barreto que ldquofidalgo de Brandeburgo conforme atestado doconde Joatildeo Mauriacuteciordquo ndash capitatildeo de cavalaria Gaspar van Nieuhoff van derLeyrdquo ndash tornou-se em Pernambuco ldquosenhor dos engenhos Algodoais Utingade Baixo e Utinga de Cimardquo tendo se casado com Da Maria de Melo filha deManuel Gomes de Melo por sua vez ldquoneta de Anna de Hollandardquo e porconseguinte descendente do tambeacutem holandecircs nobre vindo para o BrasilArnau de Hollanda da famiacutelia ilustre do Papa Adriano IV ldquoAs da estirpeWanderleyrdquo ndash lembra ainda Paes Barreto ndash ldquose misturavam com as de BarrosBarreto Pimentel Rocha Lins Paes Barretordquo conservando-se poreacutem umadas mais endogacircmicas da regiatildeo com a predominacircncia ateacute hoje de traccedilosnoacuterdicos Tambeacutem dos nomes dos fundadores dos seus antepassados e doconde Joatildeo Mauriacutecio Gaspar Joatildeo Mauriacutecio Rosa Mauriacutecio GasparinaMaria Manuel Sebastiatildeo ou Sebastiatildeo Mauriacutecio Veja-se do mesmo autor oseu recente Os primitivos colonizadores do Nordeste e seus descendentesRio de Janeiro 196071 Koster op cit72 Tollenare op cit73 Tollenare op cit Com olhos de ainda maior simpatia do que Tollenarevem observando nos uacuteltimos anos a populaccedilatildeo negra e mesticcedila do Nordesteo socioacutelogo francecircs Roger Bastide a quem se deve um dos melhores livrosrecentes sobre a regiatildeo Imagens do Nordeste miacutestico em branco e preto(Rio de Janeiro 1945)74 Tollenare op cit75 Melville J Herskovits ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History (july 1934) Do mesmo antropoacutelogo cujasprofundas pesquisas sobre aculturaccedilatildeo e sobre as aacutereas de cultura africanastanto interessam ao estudo da colonizaccedilatildeo do Brasil vejam-se tambeacutem ldquoThesignificance of west Africa for negro researchrdquo Journal of Negro History(january 1936) ldquoOn the provenience of new world negroesrdquo Social Forces(december 1933)

6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)

Se elementos geneticamente tatildeo bons como os primeiros colonos negrose os primeiros colonos brancos do Nordeste vieram a desprestigiar-se sobvaacuterios aspectos eacute que sobre eles atuaram com uma intensidade que foimaior aqui do que em outras regiotildees do Brasil as influecircncias desfavoraacuteveisao homem da cultura da cana-de-accediluacutecar quando realizada como serealizou entre noacutes com exclusatildeo de culturas de subsistecircncia pelolatifuacutendio pela escravidatildeo pelo patriarcalismo monossexual ao mesmotempo que monocultor Condiccedilotildees e meios insubstituiacuteveis na primeira eacutepocada colonizaccedilatildeo portuguesa do Nordeste embora pudessem ter sidoatenuados depois Principalmente a monocultura causa de tantas fomes emuma regiatildeo agraacuteria onde chegou a se assistir a este absurdo as senhorastrocarem joias de ouro por punhados de farinha

Tambeacutem a miscigenaccedilatildeo em si natildeo parece ter concorrido para odesprestiacutegio da populaccedilatildeo regional A histoacuteria social do Nordeste da cana-de-accediluacutecar estaacute ligada como talvez a de nenhuma outra regiatildeo do Brasil aoesforccedilo do mesticcedilo ou antes do cabra Um esforccedilo que se tem exercidodebaixo de condiccedilotildees duramente desfavoraacuteveis Mas mesmo assim notaacutevelpelo que tem construiacutedo e realizado

O mesticcedilo do Nordeste ndash curiboca cafuzo ou mulato desde o escuro aosararaacute ndash continua a sustentar com o seu trabalho de homem doente ndash

doente de impaludismo doente de siacutefilis doente de ancilostomiacutease ndash alavoura da cana e a induacutestria do accediluacutecar no Nordeste Eacute quem vem fazendoas vezes de povo ndash esse povo que Couty reparava em 1886 faltar ainda noBrasil as vezes tambeacutem de canalha de rua que tem dado agraves tentativasregionais de insurreiccedilatildeo as suas notas mais dramaacuteticas de coragem de arrojoe de furor revolucionaacuterio

O cabra do Nordeste define-o o folclorista Rodrigues de Carvalhosegundo a ideia mais popular entre a proacutepria gente da regiatildeo ldquotem umcaldeamento especial 50 por cento de africano quarenta de iacutendio e dez deum ariano fugidio pelo entorpecimento do climardquo Eacute ldquoo homem da canalhanortistardquo76

Eacute mais eacute o heroi de um grande nuacutemero de histoacuterias de coragem e deaventuras de amor Eacute o ldquocabra danadordquo O ldquocabra escovadordquo O cabra bom Ocabra de confianccedila A ele a imaginaccedilatildeo do povo atribui uma potecircncia sexualextraordinaacuteria a que natildeo faltariam vantagens fiacutesicas tambeacutem excepcionais

Rodrigues de Carvalho daacute o cabra do Nordeste como ldquoforte trabalhadorvalenterdquo mas ldquoirrequieto inconstante nem sempre lealrdquo E acrescentaldquoRaramente o cabra tem a dedicaccedilatildeo afetuosa do africano ou a carinhosaestima do mameluco ou do brancordquo

Quanto ao mameluco quer nos parecer haver engano do folcloristaparaibano na interpretaccedilatildeo da ideia que geralmente faz a gente do povo daregiatildeo da cana desse tipo de meio-sangue Eacute mais desfavoraacutevel do que a ideiaque na mesma regiatildeo se faz do cabra ndash talvez por ser este o tipopredominante e o mameluco o mais raro O mameluco eacute tido aqui comopreguiccediloso em extremo desleal insconstante Natildeo haacute dona de casa que natildeotenha receio de empregar mameluco natildeo demora em casa natildeo demora noserviccedilo eacute vadio eacute de ldquomau gecircniordquo O mesmo se daacute segundo eacute corrente como mameluco empregado em lavoura em faacutebrica em usina

Mas aqui insistiremos no que jaacute sugerimos em trabalho anterior sobrecertos aspectos da miscigenaccedilatildeo que se relacionam mais intimamente com aformaccedilatildeo social do Brasil muito do que se atribui agrave miscigenaccedilatildeo resulta dasituaccedilatildeo do desajustamento psicoloacutegico e social ndash desajustamento de classee ateacute certo ponto de raccedila (este principalmente pela persistecircncia deevidecircncias de raccedila ligadas aos traccedilos de classe) ndash em que se encontra o

mesticcedilo A lealdade a conformidade e a constacircncia de subordinados natildeo satildeoqualidades que se possa esperar que existam em um elemento social epsicologicamente flutuante indeciso e insatisfeito como eacute geralmente omesticcedilo no mesmo grau em que existe no iacutendio puro e principalmente nonegro retinto Figuras mais definidas e mais integradas no estado desubordinaccedilatildeo de que a pele ndash como o nariz o cabelo os peacutes ndash eacute como se fosseinsiacutegnia de trabalhador sempre do eito de soldado sempre raso Eacute como sefosse um uniforme insubstituiacutevel grudado ao corpo para sempre Ummacacatildeo eterno

Para Rodrigues de Carvalho como para outros observadores a olho nu davida do Nordeste o mesticcedilo da regiatildeo estaacute se degradando ou deteriorizandosob mais de um aspecto estaacute ficando nanico Diminuindo de tamanho ldquoOsrapazes atingem em regra a um metro e sessenta e trecircs centiacutemetros NoExeacutercito distinguem-se os batalhotildees compostos de nortistas pelo tamanhodos soldadosrdquo77

Quanto ao tamanho simplesmente talvez natildeo haja motivo para grandepessimismo ndash a natildeo ser esteacutetico ndash sabido que a pura elevaccedilatildeo de estaturanatildeo eacute iacutendice de robustez independentemente de outros fatores Mas eacuteevidente que muita perturbaccedilatildeo de crescimento existe na populaccedilatildeomesticcedila ndash como na branca pobre e na negra do Nordeste ndash por efeito decondiccedilotildees precaacuterias de vida

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar essas condiccedilotildees satildeo particularmentedesfavoraacuteveis Ateacute farinha de mandioca falta com frequecircncia aotrabalhador de engenho em certas zonas da regiatildeo mais atingidas pelosefeitos da monocultura E aqui como em outras aacutereas o trabalhador livrevem sendo mais desprestigiado em suas condiccedilotildees de sauacutede do que outrora otrabalhador escravo na maioria dos engenhos patriarcais quando de modogeral sua alimentaccedilatildeo jaacute era superior agrave dos brancos e pardos pobres semassistecircncia patriarcal

Em 1849 meacutedicos brasileiros voltados para o estudo das condiccedilotildeessociais do Nordeste chegavam agrave conclusatildeo de que ldquoo mal que proveacutem aacutesaude publica pela destruiccedilatildeo das mattas pela falta de cuidado naconservaccedilatildeo dos animais e do tratamento de suas molestias natildeo se limita asua transmissatildeo e destruiccedilatildeo momentanea estende-se mesmo a produzir

uma alteraccedilatildeo organica subsequente e geral proveniente da falta de toda aproducccedilatildeordquo E acrescentava um deles referindo-se ao trabalhador livre daregiatildeo que tinha de enfrentar condiccedilotildees tatildeo aacutesperas de economia e de vidaldquoo jornal medio de um homem eacute 640 rs o homem socialmente consideradoeacute a reuniatildeo de trez pessoas marido mulher e filho e o primeiro eacute quemsuporta o maximo do trabalho o trabalho de permuta que a todos vaesuprirrdquo Analisava o meacutedico ldquoSupondo que cada um coma uma libra decarne por dia natildeo passando esta de dez patacas a arroba em carne gastaraacute300 rs se ajuntarmos 80 rs de farinha e 20 rs de lenha teremos que ohomem gasta em comida 400 rs por dia e que em um mez faz 12$000 ecomo a casa consume pouco mais ou menos um terccedilo do que se come e queno caso suposto eacute 4$000 soma 16$000 restatildeo-lhe quatro mil reis parasustentar-se nos dias santos nas molestias e para vestir-se etc o que eacuteimpossiacutevel para o homem que quizer hygienica e honradamente viver massendo notorio que o pobre tambem vive com honra convem saber como istose faz A carne secca o peixe secco e salgado e as mais das vezes arruinadoa farinha sem gomma a maacute comida a maacute dormida a maacute casa a fazendaarruinada satildeo os productos que consumem o pobre alem da diminuiccedilatildeoque eacute obrigado a fazer para acommodar-serdquo E concluiacutea sobre a famiacutelia tiacutepicade morador livre do Nordeste agraacuterio ldquoCom taes condiccedilotildees esta famiacutelia natildeodeixaraacute de soffrer sua organisaccedilatildeo natildeo teraacute o completo desenvolvimentosua quantidade de trabalho seraacute menor e maacute seraacute sua prole della nasceraacute osoldado fraco e covarde o marinheiro eacute sensivel e sem intrepidez as creadase amas que se vatildeo encarregar de casas e filhos dos abastados satildeo maacutes por suaorganisaccedilatildeo e educaccedilatildeordquo78

O professor Rui Coutinho sugeriu recentemente que a estatura baixa dohomem do Nordeste ndash isto eacute do homem do povo ndash talvez resultasse dessepadratildeo inferior da alimentaccedilatildeo Para afirmaacute-lo de modo absoluto serianecessaacuterio tomar em consideraccedilatildeo a meacutedia de estatura dos colonos da regiatildeondash do europeu e principalmente do negro Parece ter havido predominacircnciaentre noacutes de colonos africanos natildeo de estatura notavelmente elevada ndash tatildeocomum nos sudaneses ndash mas de altura simplesmente ldquoboardquo ldquomedianardquoldquoordinaacuteriardquo como referem os anuacutencios de negros fugidos Os proacuteprios negrosbaixos natildeo satildeo raros nos anuacutencios baixos embora fortes grossos vigorosos

possantes de tronco79Morais Barros e antes dele o professor A Carneiro Leatildeo jaacute destacaram o

feio o bisonho o franzino da populaccedilatildeo mesticcedila do Nordeste Sabe-setambeacutem que Nina Rodrigues ndash que era do Maranhatildeo e portanto doNordeste da cana-de-accediluacutecar ndash Siacutelvio Romero ndash nascido e criado emengenho do Sergipe ndash e Joseacute Veriacutessimo ndash nascido no Paraacute ou seja numa aacutereadas que os socioacutelogos modernos chamam marginais entre o Nordeste doaccediluacutecar e o extremo norte da floresta ndash acreditaram todos na inferioridadebioloacutegica do mesticcedilo brasileiro por eles visto e observado tatildeo de perto Ideiatambeacutem do professor Oliveira Viana

Eacute possiacutevel que esses observadores ilustres ndash alguns talvez prejudicadospelo proacuteprio excesso de proximidade entre eles e o objeto de sua observaccedilatildeondash tenham desprezado na interpretaccedilatildeo do que o mulato brasileiro em gerale o do Nordeste em particular apresentam de patoloacutegico de cacogecircnico dedisgecircnico os elementos sociais de inferiorizaccedilatildeo de uma classe ou de umproletariado que pela persistecircncia dos efeitos da escravidatildeo eacute na sua quasetotalidade de gente de cor

Porque a verdade eacute que o cabra de engenho ou trapiche de accediluacutecar ndash ouseja o mulato mais caracteriacutestico do Nordeste agraacuterio ndash quando menosdesprestigiado nas suas condiccedilotildees de crescimento e de sauacutede pelasdeficiecircncias de alimentaccedilatildeo e pelo niacutevel baixo de vida e de higiene ndash higienedomeacutestica e higiene de trabalho ndash se apresenta um tipo forte e capaz deesforccedilo constante Muitas vezes bonito de corpo e belo de traccedilos JoseacuteAmeacuterico de Almeida chega a falar em ldquocabras hercuacuteleos que resistem agraves maispenosas labutas como as da bagaceirardquo80

Natildeo eacute soacute a interpretaccedilatildeo a olho nu que repele a ideia de um mulato doNordeste fatalmente cacogecircnico tambeacutem comeccedilam a repeli-la as pesquisasminuciosas realizadas com todo o rigor de teacutecnica antropomeacutetrica pelosmeacutedicos Aacutelvaro Ferraz e Miguel de Andrade Lima em material o maisrepresentativo os soldados da Brigada Militar de Pernambuco81

Por outro lado nos seus estudos de psiquiatria Ulisses Pernambucano eseus colaboradores fugindo ao preconceito de inferioridade bioloacutegica donegro e do mulato que dominara Nina Rodrigues e a sua escola tecircmprocurado observar nos problemas de doenccedilas mentais e nervosas o seu

aspecto social os estiacutemulos ou as influecircncias de meio e de condiccedilotildees vamosdizer patoacutelogicas de regiatildeo Esse grupo de pesquisadores do Recife ndash o decontinuadores de Ulisses Pernambucano ndash eacute hoje um dos que mais insistemna face social e no que se pode chamar o aspecto regional ndash isto eacute de meiosocial inclusive o econocircmico ndash da psiquiatria as condiccedilotildees regionais de vidao papel predisponente do alcoolismo e da siacutefilis em certas psicoses a accedilatildeo dofetichismo do baixo espiritismo da maconha em outras Sinal de que natildeovecircm encontrando no mesticcedilo ou no negro do Nordeste aquela absolutainferioridade de raccedila ou de sub-raccedila em que acreditara Nina Rodrigues

Nina Rodrigues fora ao extremo de destacar na ldquoexcitaccedilatildeo amorosardquo daclaacutessica mulata brasileira verdadeiro iacutendice de anormalidade que seria umcaracteriacutestico patoloacutegico de meia raccedila No que acreditou tambeacutem JoseacuteVeriacutesssimo

Do assunto jaacute nos ocupamos em estudo sobre o mulato brasileiro e suaascensatildeo na sociedade patriarcal do nosso paiacutes82 Nestas paacuteginas ndash simples

tentativa para ver de perto alguns traccedilos da fisionomia social do Nordeste eem que somos agraves vezes obrigado a nos repetir ndash lembraremos que o trabalhode engenho e de trapiche de accediluacutecar quase natildeo eacute mais de negro ndash jaacute natildeoexiste talvez negro verdadeiramente puro na regiatildeo ndash mas de cabra demesticcedilo de mulato E entretanto eacute talvez um trabalho mais penoso do queno tempo da escravidatildeo Porque os senhores de terras de cana e osarmazenaacuterios de accediluacutecar dispotildeem hoje de menor nuacutemero de trabalhadorespara o esforccedilo agriacutecola Alguns aspectos de vida e de trabalho nos armazeacutensdo Recife e nas barcaccedilas de accediluacutecar vecircm sendo estudados por dois dos nossoscompanheiros de pesquisa

Segundo documento oficial ndash Aspectos da economia rural brasileira ndashhaacute no Nordeste ldquopropriedades em que os trabalhadores iniciam os seusserviccedilos com o romper do sol e soacute os deixam ao acaso com pequenosintervalos para o almoccedilo e uma merendardquo E todo esse excesso de esforccedilofiacutesico dos trabalhadores de accediluacutecar dos cabras de engenho dos negros debagaceira a despeito das condiccedilotildees de vida terrivelmente desfavoraacuteveisldquoquase nus e minados por toda sorte de mazelas e viacuteciosrdquo morando emldquochoupanas miseraacuteveisrdquo E natildeo se deve esquecer o que eacute capital naexplicaccedilatildeo do muito que se encontra de inferior em proletariado de

condiccedilotildees de vida tatildeo agrave toa a alimentaccedilatildeo a um tempo improacutepria edeficiente Natildeo soacute por erros tradicionais de dieta como pela necessidade deacomodar-se o trabalhador a salaacuterios os mais reduzidos e a fontes dealimentaccedilatildeo as mais escassas

Essas condiccedilotildees de salaacuterio de vida e de alimentaccedilatildeo satildeo piores em umasusinas e engenhos do que em outros Seria injusto generalizar Mas em geralsatildeo maacutes Em algumas usinas satildeo peacutessimas Em uma ou em outra satildeoregulares notando-se uma como assistecircncia patriarcal do usineiro aindameio senhor de engenho ao trabalhador Usineiro sempre meio senhor deengenho em suas relaccedilotildees com o proletariado ndash cuja condiccedilatildeo humana natildeoesqueceu ndash foi o proprietaacuterio da grande Usina Catende que acaba defalecer Antocircnio Costa Azevedo

Em 1935 pretendemos ndash Ulisses Pernambucano Siacutelvio Rabelo OliacutevioMontenegro e noacutes ndash realizar um inqueacuterito regional que servisse de base aoproacuteprio usineiro ou proprietaacuterio rural bem intencionado para umajustamento de relaccedilotildees entre as faacutebricas de accediluacutecar e os seus trabalhadoresrurais Mas fomos repelidos como uns intrusos e ateacute denunciados comoagitadores Entretanto semelhante inqueacuterito teria sido tatildeo beneacutefico aousineiro como ao trabalhador83

A verdade eacute que talvez em nenhuma outra regiatildeo do Brasil a extinccedilatildeo doregime de trabalho escravo tenha significado tatildeo nitidamente como noNordeste da cana-de-accediluacutecar a degradaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida dotrabalhador rural e do operaacuterio A degradaccedilatildeo do homem Da assistecircncia aoescravo ndash assistecircncia social moral religiosa e ateacute meacutedica que bem ou malera praticada pela maioria dos senhores escravocratas no interesse dasproacuteprias terras da proacutepria lavoura do proacuteprio accediluacutecar da proacutepria famiacutelia (emcontato direto com parte da escravaria e indireto com toda a massa negra) ndashquase natildeo resta senatildeo um traccedilo ou outro uma ou outra tradiccedilatildeo maissentimental do que efetiva nos engenhos mais velhos em uma ou em outrausina de senhor menos ausente do campo

A industrializaccedilatildeo e principalmente a comercializaccedilatildeo da propriedaderural vem criando usinas possuiacutedas de longe algumas delas por fulano ousicrano amp companhia firmas para as quais os cabras trabalham sem saberdireito para quem quase sem conhecer senhores muito menos senhoras

Vaacuterios aspectos dessa personalizaccedilatildeo do senhor de accediluacutecar aos olhos dostrabalhadores que na doenccedila ou na dor natildeo tecircm uma sinhaacute-dona a quempedir um remeacutedio um sinhocirc a quem pedir 20$000 de extraordinaacuterio massoacute o barracatildeo duro e absorvente vecircm retratados magnificamente por JoseacuteLins do Rego em Banguecirc e em Usina e por Juacutelio Belo nas suasreminiscecircncias do velho senhor de engenho do sul de Pernambuco

Essa industrializaccedilatildeo natildeo parece que possa continuar a fazer-se nointeresse de tatildeo poucos e contra a sauacutede e a vida de tantos a favor doaccediluacutecar e contra tantas fontes naturais de vida da regiatildeo hoje abandonadasestancadas ou corrompidas

Haacute nesta nova fase de desajustamento de relaccedilotildees entre a massahumana e o accediluacutecar entre a cana-de-accediluacutecar e a natureza por ela degradadaaos uacuteltimos extremos uma deformaccedilatildeo tatildeo grande do homem e da paisagempela monocultura ndash acrescida agora do abandono do proletariado da cana agravesua proacutepria miseacuteria da ausecircncia da antiga assistecircncia patriarcal ao cabra deengenho ndash que natildeo se imagina o prolongamento de condiccedilotildees tatildeo artificiaisde vida

Jaacute natildeo se trata de uma civilizaccedilatildeo como foi a patriarcal neste mesmoNordeste da cana com seus sinais de + e de ndash embora o de ndashpreponderando O accediluacutecar de usina parece que deixou de entrar comqualquer contingente na valorizaccedilatildeo da vida e da cultura do Nordeste paraser apenas o sinal de ndash em tudo a diminuiccedilatildeo da sauacutede do homem adiminuiccedilatildeo das fontes naturais da vida regional a diminuiccedilatildeo da dignidadee da beleza da paisagem a diminuiccedilatildeo da inteligecircncia da sensibilidade ouda emoccedilatildeo da gente do Nordeste que hoje quando se manifesta eacute quasesempre em atitudes de crispaccedilatildeo de ressentimento e de revolta

O Recife que chegou a ser com os senhores de engenho dirigindo aproviacutencia um verdadeiro centro de cultura intelectual e artiacutestica onde oestrangeiro sofisticado se sentia melhor do que no Rio ndash eacute o depoimento deBurke pelo menos84 ndash vai se achatando entre as cidades mais inexpressivas

da Repuacuteblica com os ricaccedilos morando em palacetes normandos e chaleacutessuiacuteccedilos com as igrejas velhas do tempo da colonizaccedilatildeo transformadas emigrejas goacuteticas com as ruas e os parques sombreados de fico benjamim e deeucalipto ou enfeitados de vitoacuteria-reacutegia do Amazonas Desapareceu do

Recife todo o sentimento de expressatildeo regional que chegou a ter comopoucas cidades na Ameacuterica

A sub-regiatildeo cujas casas-grandes cujos sobrados de azulejo cujoscasarotildees amarelos azuis verdes vermelhos ndash todos tatildeo corajosos de sua cor ndasha marcenaria dos mulatos de engenho ou aprendizes de franceses e alematildeesdo Recife encheu de bancos de vinhaacutetico tatildeo bonitos de cocircmodas tatildeo nobresde conduru de sofaacutes enfeitados de cajus e maracujaacutes de santuaacuterios e demobiacutelias inteiras de jacarandaacute eacute hoje uma das mais pobres de cor dejacarandaacute de azulejo Sem arquitetura caracteriacutestica ou simplesmente deacordo com as condiccedilotildees regionais de clima Sem mobiliaacuterio soacutelido e feito comas boas madeiras da terra

A usina natildeo teve forccedila para acrescentar nada de positivo a essacivilizaccedilatildeo soacute tem feito diminui-la Sob o seu impeacuterio degradou-se o estilodos moacuteveis como o das casas As casas estatildeo ficando todas cinzentas Osestetas paleoteacutecnicos do Recife chegaram a proibir casas pintadas de azulde encarnado de amarelo Do mesmo modo a cozinha Degradou-se Em vezde accedilafratildeo a comida parece que leva cinza O alimento de lata vem de talmodo substituindo o pilado e feito em casa que ateacute em casas de engenho oestranho eacute recebido com doce de faacutebrica

A usina que se instalou tatildeo imperialmente na paisagem do Nordestedesde os fins do seacuteculo XIX veio corresponder a uma fase nova deconcorrecircncia com outras regiotildees produtoras de accediluacutecar maisindustrializadas Era inevitaacutevel ou a usina ou o fracasso da induacutestriaregional de accediluacutecar Mas essa maior centralizaccedilatildeo da produccedilatildeo industrial natildeoencontrou aqui nos restos de patriarcalismo escravocraacutetico ndash particularistaem extremo ndash tradiccedilotildees de solidariedade que permitissem agrave lavouradefender-se do domiacutenio imperial das novas faacutebricas Estas foram em geralcentralizando-se sob um individualismo duro e seco Bem diverso do daeacutepoca patriarcal Firmas comerciais das cidades comeccedilaram a explorar aterra de longe e quase com nojo da cana do massapecirc do trabalhador dosrios dos animais agraacuterios Desapareceu todo o lirismo ndash que aliaacutes nunca foragrande nem profundo ndash entre o dono das terras e a terra entre o dono dascanas e o canavial entre o dono de homens e o trabalhador entre o donodas aacuteguas e a aacutegua entre o dono dos animais e o animal mesmo agraacuterio

para natildeo falar no do mato entre o dono das matas e a mataEssa forma artificialiacutessima de exploraccedilatildeo industrial e comercial das terras

de cana ndash desprezadas cada vez mais como terra ndash natildeo se vem sustentandosenatildeo agrave custa de escoras A assistecircncia dos governos aos industriais do accediluacutecarno Nordeste vem assumindo um ar de caridade nem sempre poliacuteticatambeacutem econocircmica E de fato com todos os abusos porventura praticados agravesombra dos favores oficiais agrave induacutestria da cana as escoras se tecircm feitonecessaacuterias agrave economia geral da regiatildeo que governo nenhum nem nenhumesforccedilo em comum dos fabricantes de accediluacutecar donos de latifuacutendios enormestem cuidado a seacuterio de libertar da monocultura ou da exclusividade deproduccedilatildeo a do accediluacutecar Monocultura cada vez mais latifundiaacuteria pelaproacutepria natureza imperialista do sistema puramente industrial das usinasdiante do atraso assombroso da lavoura da cana no Nordeste Atraso tatildeogrande que seu rendimento eacute metade do das terras de Campos e um quintodo das terras do Havaiacute

No Nordeste a induacutestria do accediluacutecar tornou-se em algumas aacutereas dianteda lavoura da cana terrivelmente primitiva nos seus meacutetodos uma espeacuteciede imperialismo exoacutetico diante de terras brutas que esse imperialismodominasse limitando-se poreacutem a explorar as terras sem valorizaacute-las

Em geral o trabalhador de eito natildeo existe para o industrial ausente ouquase-ausente como um conterracircneo cujo bem-estar o interesse nem ofornecedor de cana como um consoacutecio cuja situaccedilatildeo o afete Ao contraacuteriotem-se visto o preccedilo do accediluacutecar se elevar com vantagem para o usineiro e aomesmo tempo as usinas baixarem os preccedilos de sua tabela de compra decana

Feita uma exceccedilatildeo ou outra natildeo haacute sentimento de solidariedadenenhum entre o dominador e os dominados O usineiro eacute em geral como sefosse um conquistador em relaccedilatildeo com conquistados de outra terra De outrobarro De outro sangue Quase um estrangeiro a quem natildeo tocasse a sorte dosque natildeo satildeo usineiros Quase um judeu85 do tempo em que Pernambuco foi

a Zuickerland dos grandes escacircndalos de lucro comercial o proacuteprio condeMauriacutecio de Nassau ndash que aliaacutes tanto fez para libertar a colocircnia damonocultura ndash surgindo-nos com as matildeos de governado um tanto meladasde accediluacutecar

Entretanto eacute um nome de benfeitor a ligar agrave histoacuteria econocircmica doaccediluacutecar no Nordeste o de Nassau O dele os de vaacuterios governadoresportugueses que se interessaram por conta proacutepria ou seguindo ordens dosestadistas da metroacutepole pelo progresso teacutecnico da induacutestria accedilucareira o dobaratildeo de Boa Vista E nos comeccedilos da Repuacuteblica ndash quando apenas surgiramos bueiros das primeiras grandes usinas na paisagem da regiatildeo ndash o de BarbosaLima

Barbosa Lima procurou amparar a organizaccedilatildeo accedilucareira dePernambuco por meio de hipotecas de propriedades que garantissemempreacutestimos do Estado aos novos usineiros As diacutevidas lembra Oliveira Limaem suas Memoacuterias ldquoseriam mais tarde liquidadas com absoluto sacrifiacutecio dosinteresses do Tesouro estadual por uma deacutecima parte do seu valor e estamesma natildeo foi paga a natildeo ser por algum mais honrado qualificado de tolopelos demais Pagas poreacutem foram as gorjetas aos que arranjaram aliquidaccedilatildeo E a propoacutesito um proprietaacuterio dizia a Oliveira Lima referindo-sea certo advogado e professor constantemente reeleito deputado e sempreem viagens pela Europa a senhora luxando muito ldquoforam os contos de reacuteisque de mim recebeu e de fato fiz um negoacutecio da China Reduzi a minhadiacutevida de 500 a 150 contos e estes mesmos estou certo de natildeo poderpagarrdquo86

Parece que negoacutecios semelhantes se fizeram no seacuteculo XVII e que ateacutepatriotas consagrados como Joatildeo Fernandes Vieira agiram mais em funccedilatildeode interesses do accediluacutecar e de classe do que em funccedilatildeo da paacutetria ou dareligiatildeo Tambeacutem dos administradores dos magistrados e dos funcionaacuteriosvindos do reino para as capitanias de cana do Nordeste diz-se que alguns sedeixaram corromper pelo accediluacutecar tornando-se aliados dos grandes senhoresou dos grandes comerciantes

O accediluacutecar que nos dias de predominacircncia mais acentuada da lavourasobre a induacutestria ou o comeacutercio foi nesta parte do Brasil uma condiccedilatildeo deestabilidade atravessou periacuteodos em que se tornou verdadeiro objeto de jogoou de aventura comercial Quase tatildeo flutuante quanto o ouro A proacuteprialavoura deixou-se contaminar pelo gosto de lucro imediato e nem semprehonesto e pela gana de soluccedilatildeo provisoacuteria para as suas crises Os proacutepriosaristocratas do canavial entregaram-se agrave adulteraccedilatildeo do gecircnero pela mistura

de terra ou de areia outros ao roubo de negros ao contrabando de africanosA estas uacuteltimas irregulares sabe-se que ficaram ligados alguns dos grandesnomes da aristocracia da cana no Nordeste descendentes da gente maisfidalga que se enraizara aqui

Destaque-se ainda uma vez o seguinte fato no Nordeste do Brasil acana e o accediluacutecar por um lado tornaram-se um motivo forte de seleccedilatildeoregional mas por outro lado de degradaccedilatildeo Seleccedilatildeo como jaacute disse deelementos europeus principalmente portugueses mais rurais do quemercantis mais sedentaacuterios do que nocircmades mais aristocraacuteticos do queplebeus (por aristocratas compreendendo-se gente da pequena nobrezaagraacuteria natildeo a da grande nobreza militar) Seleccedilatildeo de negros eugecircnicos e emgeral tambeacutem mais sedentaacuterios do que nocircmades nas suas tendecircnciasSeleccedilatildeo de homens de procedecircncias diversas atraiacutedos pelos lucros do accediluacutecarhomens que pela sua variedade de antecedentes e de aptidotildeesenriqueceram a cultura regional (basta recordar o conde Mauriacutecio de Nassaucom seu grupo de saacutebios de artistas e de teacutecnicos com seu urbanista PeterPost com seu higienista Piso) Seleccedilatildeo de judeus do valor de Aboab daFonseca que aqui estabeleceram sinagogas ensinaram doutrina praticarama medicina escreveram poemas natildeo se limitando a uma funccedilatildeo puramentecomercial Na primeira metade do seacuteculo XIX e um pouco no seacuteculo XVIIIseleccedilatildeo de ingleses e franceses que influiacuteram decisivamente sobre asmaneiras domeacutesticas sobre as modas de vestir dos grandes senhores e dasgrandes senhoras sobre a arquitetura sobre os meacutetodos de ensino sobre oshaacutebitos de dieta sobre as leituras e os divertimentos dos homens sobre ahigiene das ruas das cidades das pessoas Os anuacutencios de jornaisdocumentam minuciosamente essa grande influecircncia inglesa e francesasobre o Nordeste87

Mas conveacutem natildeo esquecer por outro lado que toda essa seleccedilatildeo regionalde valores humanos de valores de cultura se fez dentro de condiccedilotildeeseconocircmicas e sociais que deformaram ou pelo menos afetaram essesmesmos valores em um sentido uacutenico e moacuterbido a monocultura latifundiaacuteriae escravocrata Koster nos princiacutepios do seacuteculo XIX viu em Pernambucouma senhora pernambucana das gordas das obesas das corpulentasvestida grotescamente agrave inglesa que o fez filosofar ldquoo espiacuterito de inovaccedilatildeo

produziu algumas consequecircncias bastante irrisoacuteriasrdquo Um exemplo apenasda deformaccedilatildeo dos valores importados pelas condiccedilotildees fundamentais deeconomia de vida e de dieta da regiatildeo monocultura e escravocrata

Mas nem a monocultura nem o latifuacutendio nem a escravidatildeo quecondicionaram de modo tatildeo decisivo o desenvolvimento social do Brasil emgeral e do Nordeste da cana-de-accediluacutecar em particular88 sendo tatildeo

responsaacuteveis por aquelas senhoras exageradamente gordas como por um tipoconfortaacutevel de casa regional merecem condenaccedilatildeo formal de quem seaproxime do assunto sob o criteacuterio do relativo E natildeo do absoluto tatildeo perigosonas avaliaccedilotildees sociais Tatildeo perturbador da perspectiva histoacuterica

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve naquele sistema social de relaccedilotildees doshomens com a terra com os animais com a aacutegua com a mata de relaccedilotildeesem grande parte moacuterbidas ndash sadistas-masoquistas ndash dos senhores com osescravos dos proprietaacuterios com os trabalhadores dos brancos com os negrosdos homens com as mulheres dos adultos com os meninos ndash natildeo soacute o motivode muitas de suas fraquezas como de vaacuterias de suas virtudes A conquista e acolonizaccedilatildeo quase militar de largos trechos do Norte pela Casa da Torre89 ndash

maior casa-grande do Brasil ndash e as guerras contra franceses e holandesesguerras feitas pelos Albuquerques e por outros fidalgos do canavial quasedesajudados da metroacutepole mostram que essa civilizaccedilatildeo por naturezasedentaacuteria comodista e sensual foi capaz de accedilatildeo militar de agressividadeque qualidades de luta em sua proacutepria defesa

Foi tambeacutem capaz de expressatildeo artiacutestica Quer atraveacutes do seu espiacuteritopopular do seu folclore matuto do seu bumba meu boi glorificador do negroe do boi de engenho de sua arte anocircnima de doce de renda de faca deponta com bainha de prata lavrada (arte que parece ter tornado o nome deOlinda na Europa uma espeacutecie de Toledo brasileiro como recordou haacute anoso escritor Muacutecio Leatildeo) de jacarandaacute ou amarelo trabalhado pelosmarceneiros e carpinteiros pardos dos engenhos quer pelo seu tipo dearquitetura de casa-grande e de mucambo adaptados agraves condiccedilotildees regionaisde clima de luz de calor e valendo-se para material de construccedilatildeo deelementos tambeacutem regionais

Por outro lado foram os homens da Bahia e do extremo Nordeste que setornaram juntamente com os da baixada fluminense os grandes senhores

da poliacutetica da diplomacia e da administraccedilatildeo do impeacuterio ndash Cairu o baratildeo dePenedo o visconde de Rio Branco o baratildeo de Itamaracaacute Seacutergio Teixeira deMacedo Teixeira de Freitas Joaquim Nabuco Saldanha da Gama AzevedoCoutinho Zacarias de Goacuteis Paulino de Sousa Romualdo de SeixasCotegipe os grandes ldquoleotildeesrdquo dos salotildees da corte estadistas poliacuteticos ediplomatas adoccedilados pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar suavizados pelo chaacute tomadoem pequeno90

E foi ainda o Nordeste a sua civilizaccedilatildeo de engenho cheia de oacutecios parao estudo que deu ao Brasil o seu maior orador ndash o padre Vieira o seu maiorpoeta satiacuterico ndash Gregoacuterio de Matos o seu maior matemaacutetico ndash o Sousinha oseu maior filoacutelogo ndash o doutor Morais ndash um transplantado da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar do Sul para a de Pernambuco onde se tornou senhor de engenhoJuristas gramaacuteticos ensaiacutestas novelistas historiadores Poetas liacutericosmuacutesicos pintores Inovadores e revolucionaacuterios Trajano Galvatildeo e CastroAlves Joaquim Nabuco e Nunes Machado O padre Joatildeo Ribeiro e freiCaneca Joseacute Mariano e Joseacute Maria D Vital Correia Picanccedilo NinaRodrigues Tobias Barreto Joseacute Higino Siacutelvio Romero Martins JuacuteniorOliveira Lima Graccedila Aranha Pedro Ameacuterico Augusto dos Anjos RosalvoRibeiro Emiacutelio Cardoso Ayres Teles Juacutenior

Alguns desses casos de evasatildeo da ordem estabelecida ou de rebeldiacontra ela Evasotildees e rebeldias que natildeo se teriam verificado de modo tatildeocompleto se a ordem estabelecida machucando ferindo esmagando atantos ndash a muitos agradavelmente para o seu masoquismo inato ouadquirido ndash natildeo encontrasse em uns poucos as energias de revolta o arrojopara a aventura a coragem do sacrifiacutecio

Um sacrifiacutecio agraves vezes volutuoso a renuacutencia de certos privileacutegios ouregalos de classe pelas responsabilidades intelectuais e morais de homensnatildeo soacute de sua regiatildeo mas de sua eacutepoca Tal o caso de Joaquim Nabucolutando pelos escravos de Maccedilangana de Pernambuco do Brasil inteiroescravos que ajudou a libertar com prejuiacutezo para os Paes Barreto para osescravocratas de todo o impeacuterio para a classe senhorial que levara mais detrecircs seacuteculos se apurando para produzir tatildeo esplecircndida figura de desertor Eateacute certo ponto o caso tambeacutem de Saldanha da Gama deixando-se ferir demorte em Campo Osoacuterio onde natildeo se sabe se morreu miacutestico da Ordem ou

romacircntico da revoluccedilatildeo E ainda o de D Vital de quem a reaccedilatildeo contra oregime dominante na regiatildeo fez uma figura de aristocrata revolucionaacuterioembora a sua miacutestica fosse a da ordem e da autoridade

Mesmo desertor de sua classe Joaquim Nabuco foi quase vaiado peloRecife onde lhe sentiam talvez aroma de aristocrata desgarrado entre aplebe e D Vital nunca foi um bispo inteiramente popular entre osrecifenses muitos o acusando de perfumar as matildeos e de pocircr brilhantina nabarba ndash que na verdade foi menos talvez a barba de um frade da Penha quea de um fidalgo de casa-grande De qualquer modo a integraccedilatildeo de JoaquimNabuco na condiccedilatildeo de revolucionaacuterio social marcou uma vitoacuteria domomento de cultura universal ou europeia com que ele homem oceacircnico doRecife se identificou sobre o que havia nele de regional ou teluricamenteestagnado sob a forma de interesse de classe e privileacutegio de casta

Eacute que mesmo se evadindo de uma classe e sobretudo de um sistema quesentiam terrivelmente opressivo para a sua inteligecircncia e para a suasensibilidade para o seu espiacuterito e para o espiacuterito do seu povo esses homensforam representantes de uma autecircntica cultura rural e sobretudo regionalde classe a do senhor de engenho brasileiro A do senhor de engenhopernambucano De uma civilizaccedilatildeo que ajudaram a destruir mas queentretanto marcou-os para sempre como a Igreja marca os defroqueacutes maishorrorosamente revoltados contra ela De modo que no libertador dosescravos permaneceu o sinhocirc-moccedilo da casa-grande de Maccedilangana e nofrade da Penha o aristocrata iacuteamos dizendo terriacutevel de Pedra de Fogo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar entretanto natildeo deu soacute inteligecircncias desertoras(desertoras mas conservando na fuga os traccedilos da classe abandonada dacultura traiacuteda) Deu tambeacutem as suas grandes figuras de conformistas o seuArauacutejo Lima o seu abaianado D Romualdo de Seixas o seu AntocircnioPeregrino Maciel Monteiro Os dois uacuteltimos chegaram mesmo a se tornarexpressotildees meliacutefluas de conformidade passiva com a ordem dominanteForam dois dos maiores volutuosos do sistema aristocraacutetico ostentando comum gosto especial suas insiacutegnias de classe os tiacutetulos de grandes do impeacuterioas gratildes-cruzes das ordens heraacuteldicas os crachaacutes

Em Maciel Monteiro natildeo deixou de haver evasatildeo pelo dandismo de domjuan sempre de flor na botoeira extrato no lenccedilo monoacuteculo no canto do

olho as pontas dos dedos soacute sabendo pegar em sedas em cetins em rendasde mulher Sexo ateacute nas pontas dos dedos

Eacute bem expressivo freudianamente expressivo o dito que lhe atribuemas saias de seda que levantou na sua vida de dom juan foram tantas que lhefizeram calos nas matildeos Calos de pegar seda de sungar saias Calos nos dedosaristocraacuteticos como os de verdade nos dedos dos negros dos negrosamassadores de patildeo dos pretos de matildeos enormes calejadas ou deformadaspelo trabalho que passam pelos anuacutencios de jornais da eacutepoca do dacircndi

Natildeo querendo outra vida senatildeo essa volutuosa e mole entre sedas demulher e frascos de cheiro Maciel Monteiro sentia-se perfeitamente bem nacivilizaccedilatildeo aristocraacutetica do accediluacutecar Por isto seu partido poliacutetico emPernambuco era o dos aristocratas da cana e dos grandes proprietaacuterios deterras e de escravos o dos homens que dizia ele ldquotendo o que perderrdquo ndashterras e escravos ndash ldquotecircm o bom senso de natildeo querer pocircr em risco o fruto deseus suores os que amam a monarquia como garante da felicidade da nossaterrardquo ldquoQuem ama o trabalhordquo ndash diria ainda esse vulutuoso que segundo atradiccedilatildeo natildeo hesitava em namorar mulher casada ndash ldquocuida na sua famiacutelia enatildeo quer desordensrdquo91 O conformismo de Maciel Monteiro com a

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica de que foi expressatildeo tatildeo niacutetida eacute um conformismoloacutegico Loacutegica eacute mesmo sua hipocrisia aquele zelo pela famiacutelia e aquelaostentaccedilatildeo de amor pelo trabalho

Jaacute se viu entretanto que esse conformismo natildeo foi a regra entre oshomens de inteligecircncia e de cultura das casas-grandes do Nordeste antesde se avivar na regiatildeo o intelectualismo revolucionaacuterio das cidades daspraccedilas da rua da praia do Recife contra os Cavalcantis e Rego Barros dosengenhos da ldquomatardquo das academias de medicina e de direito contra ofeudalismo do interior os proacuteprios engenhos produziram agitadores do tipode Paula Gomes senhor rural que se aliou a Pedroso o chefe mesticcedilo dainsurreiccedilatildeo de 1823 no Recife o tal Pedroso de cavanhaque que andouconfraternizando com negros e mulatos botando as molecas no colodeixando-se agradar pelas negras dos mucambos

No Nordeste como na baixada fluminense os engenhos mais ilustresuns com os seus areoacutepagos outros com os seus senhores ricos e cheios delazer para a leitura para o latim para a charada se anteciparam agraves cidades

como centros de cultura intelectual Mesmo de cultura intelectualrevolucionaacuteria isto eacute influenciada pelos hereges da Revoluccedilatildeo Francesa eda filosofia inglesa No proacuteprio seacuteculo XVI os tentaacuteculos do Santo Ofiacutecioandaram remexendo livrarias de senhores de engenho onde jaacute seencontravam novelas e outros livros perigosos aleacutem de cartas de jogarimpressas aqui mesmo Porque o que primeiro se imprimiu no Nordestetalvez um dia se apure que natildeo foi nenhum livro perigoso nem mesmonenhuma oraccedilatildeo devota foram porventura cartas de jogar Eacute o que noslevam a supor certos documentos ainda virgens dos tempos coloniais92cheios da ira del-rei contra cartas de jogar impressas em Pernambuco desdeos meados do seacuteculo XVIII

Se no seacuteculo XVI jaacute se lia Diana em engenhos ou cidades do Brasilconforme se lecirc nas denunciaccedilotildees do Santo Ofiacutecio eacute de supor que livros aindamais perigosos tivessem entrado na regiatildeo do accediluacutecar quando as suas cincoou seis proviacutencias estiveram uma sob o jugo francecircs e todas sob o domiacutenioholandecircs Livros e jogos Livros e jogos trazidos por franceses holandesesingleses e judeus sabido que a colocircnia de sefardins do Recife foi a maisopulenta que a Ameacuterica abrigou na eacutepoca a mais opulentaintelectualmente

No seacuteculo XVIII o Nordeste empalideceu dentro da segregaccedilatildeo e doisolamento Mas com a vinda de D Joatildeo VI com a abertura dos portos com oestabelecimento dos ingleses no Recife em Salvador da Bahia em Satildeo Luiacutesdo Maranhatildeo a cultura da regiatildeo ganhou novamente os traccedilos europeus quehaviam quase desaparecido da face de sua paisagem sob aqueles exageros desegregaccedilatildeo

Maria Graham nos comeccedilos do seacuteculo XIX natildeo encontrara emPernambuco senatildeo restos de livros velhos apodrecendo pelos conventosfrades desinteressados pelos estudos Mas Tollenare e Koster chegaram aconhecer no Nordeste padres e ateacute frades cheios de curiosidade intelectuallidos em autores franceses chegaram a conhecer aristocratas do accediluacutecarinfluenciados pelas ideias e pelas modas inglesas pelas leituras e pelos ideaisfranceses

Com a fundaccedilatildeo da Escola Meacutedica na Bahia e do Curso Juriacutedico emOlinda ndash depois transferido para o Recife ndash as duas cidades tornaram-se

focos ainda mais vivos de cultura intelectual europeia ndash mais revolucionaacuteriano Recife e mais acomodatiacutecia talvez na Bahia Os livros europeuscomeccedilaram a chegar mais livremente agraves matildeos dos estudantes ndash dos padresmoccedilos dos filhos de senhores de engenho dos mulatos de vinte anosansiosos de saber

Principia a influecircncia dos filoacutesofos ingleses junto com a dos franceses emais tarde com a dos alematildes Olinda e depois Recife tornam-se dois centrosativos de traduccedilatildeo e de divulgaccedilatildeo das novas ideias francesas e inglesas dosnovos sistemas natildeo soacute de filosofia como de moral de higiene de medicinade educaccedilatildeo dos meninos A maior cabeccedila da revoluccedilatildeo de 1817 fora umacabeccedila de padre influenciado pelas ideias francesas (pobre cabeccedila queacabaria arrancada do corpo como a de um judas)

Natildeo tardou que a devoccedilatildeo dos homens por Nossa Senhora empalidecessediante da devoccedilatildeo maior pela Deusa da Liberdade Natildeo soacute entre osestudantes de direito do Recife e os de medicina da Bahia como entre osproacuteprios alunos dos seminaacuterios e dos coleacutegios de artes Se nas procissotildeesalguns ldquosenhores acadecircmicosrdquo ainda em 1850 subiam piedosamente asladeiras de Olinda com coroas de espinho na cabeccedila os peacutes descalccedilossujando-se de poeira brandotildees ou velas de cera nas matildeos devotas desde osprimeiros tempos da academia outros natildeo quiseram saber senatildeo de festasdebaixo das aacutervores do horto de Olinda com vivas ao imperadorconstitucional agrave Independecircncia agrave restauraccedilatildeo da Bahia com danccedilas comcantorias talvez com a presenccedila de atrizes ou mestras e contramestras depastoril ndash a julgar pelo tom de escacircndalo com que o Amigo do Povo93censurava essas pacircndegas de rapazes Mas eacute possiacutevel que tambeacutem com apresenccedila de mestres e contramestres de direito e de filosofia ateacute de padres-mestres do padre Manuel Joseacute da Silva Porto por exemplo tatildeo acusadopelos absolutistas de agitador ou revolucionaacuterio Ele como outro lente deOlinda o doutor Joatildeo Joseacute de Moura

Mas as troccedilas e convescotes tinham tambeacutem o seu lado seacuterio faziam-sediscursos contra o absolutismo recitavam-se poesias patrioacuteticas davam-semorras a Portugal e natildeo somente vivas ao Brasil E alguns estudantes dessesgrupos mais boecircmios e mais liberais natildeo hesitavam em falar um tantojuridicamente no ldquodireitordquo do redator caturra do Amigo do Povo (que os

censurava a eles e aos seus camaradas do coleacutegio das artes por aquelesexageros de liberalismo e talvez de libertinagem) ldquoa umas duacutezias decacetadasrdquo Quase o mesmo pensava o padre Lopes Gama com relaccedilatildeo aopadre Barreto Sinal de que natildeo era perfeita a toleracircncia reciacuteproca entre osestudantes os doutores e os cleacuterigos das cidades como estava longe de serperfeita entre os velhos senhores de engenho tanto deles divididos portremendos oacutedios poliacuteticos por questotildees de terras de aacuteguas de bois demulher Daiacute a capangagem os crimes os assassinatos as emboscadas Aindahoje quem percorre as zonas mais velhas de canaviais do Nordeste vecirc casas-grandes com fama de mal-assombradas em uma se assassinou a tiro osenhor na proacutepria rede todo de branco como um inglecircs fumando charutodepois de jantar noutra a sinhaacute numa terceira o sinhocirc-moccedilo que tinhaestudado medicina na Europa

Na academia de Olinda ndash depois transferida para o Recife ndash e pareceque tambeacutem na Escola de Medicina da Bahia ndash os trotes dos veteranos noscalouros tomaram o sabor sadista de que estava viciado o ar o ambiente dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar muito doce nuns aspectos mas por dentro cheia decrueldades negros surrados ateacute o sangue correr das feridas os mulatos maisafoitos agraves vezes castrados as brigas de galo e de canaacuterios salpicando desangue as calccedilas brancas dos senhores de engenho meninos criados uns reisdas bagaceiras quebrando a pedrada ou a caco de garrafa a cabeccedila dasnegras velhas tirando sangue dos moleques a chicotadas arrancando osolhos dos passarinhos torcendo o pescoccedilo dos galos judiando com aslagartixas e os gatos Em Olinda chegou a haver uma morte de um estudanteque ficou ceacutelebre tratando-se do filho de uma famiacutelia nobre da Bahia o casotomou as cores de um grande escacircndalo

Entretanto pelo maior contato do Nordeste com a Europa burguesa doseacuteculo XIX ndash mais tolerante de divergecircncias do que a Europa da cavalaria ndashe principalmente com o desenvolvimento da cultura juriacutedica no Recife94da cultura meacutedica na Bahia e da cultura religiosa e humanista ali e emOlinda os costumes sempre mais finos e mais europeus nos canaviais do quenos sertotildees foram ganhando maior doccedilura a vida humana foi sendo maisrespeitada agrave sombra das casas-grandes e dos sobrados o sadismo dos maisvelhos com relaccedilatildeo aos mais moccedilos dos mais brancos com relaccedilatildeo aos mais

pretos dos mais poderosos com relaccedilatildeo aos mais fracos foi se atenuando e seabrandando a confraternizaccedilatildeo cristatilde foi se estendendo aos africanos

Os enciclopedistas antiescravocratas tiveram influecircncia profunda sobreos revolucionaacuterios de 1817 sobre os areoacutepagos e as academias de padres demeacutedicos de senhores de engenho Montesquieu foi o mestre mais poderosode frei Caneca ndash a grande figura de frade parece que libertino e ao mesmotempo liberal que deu agrave revoluccedilatildeo de 1824 a sua expressatildeo ideoloacutegica maisalta e a sua mancha mais viva de martiacuterio

Vencidas as duas grandes revoluccedilotildees regionais sobre os novos centros decultura continuariam a agir atraveacutes da primeira metade do seacuteculo XIXinfluecircncias francesas e inglesas umas romanticamente liberais outras desentido mais organizador mais juriacutedico ou mais cientiacutefico Aleacutem deMontesquieu de Voltaire de Condorcet de Locke de Lamartine ndash CharlesComte com o seu memoraacutevel Traiteacute de leacutegislation e Bentham que seria tatildeodiscutido entre noacutes E ainda Filangeri Say Tocqueville Adam SmithLaboulaye Os anuacutencios dos jornais nos permitem seguir a preponderacircnciadas leituras novas como tambeacutem de muacutesicas e drogas francesas inglesas eamericanas que foram revolucionando os vaacuterios aspectos da cultura regionalno sentido da diminuiccedilatildeo de prestiacutegio das valores tradicionais maiscaracteriacutesticos da ordem aristocraacutetica e escravocraacutetica da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar a medicina caseira a modinha a religiatildeo o claacutessico latino a novelade cavalaria

De modo que houve isto de paradoxal a civilizaccedilatildeo do accediluacutecarprestando-se por vaacuterios motivos embora negando-se por outros ndash asconstantes faltas de viacuteveres e os altos preccedilos dos gecircneros em Pernambucopor exemplo foram mais de uma vez alegados como razatildeo poderosa paranatildeo se estabelecer em Olinda ou no Recife nenhuma escola superior ndash acentros de ensino meacutedico e de ensino juriacutedico no impeacuterio concorreu paraacelerar a sua proacutepria destruiccedilatildeo Concorreu para avivar nas cidades umintelectualismo revolucionaacuterio ou criacutetico que agiria contra ela proacutepriacivilizaccedilatildeo agraacuteria e escravocraacutetica

Entretanto dificilmente se imagina a fundaccedilatildeo de cursos superiores noBrasil desprezando-se o Recife ou a Bahia onde uma seacuterie de condiccedilotildeescriadas pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar facilitavam os estudos mais elevados A

maior pureza da liacutengua por exemplo Foi aliaacutes elemento tomado muito emconsideraccedilatildeo pelos fundadores do ensino superior no Brasil Eacute que os centrosnordestinos de colonizaccedilatildeo tendo sido por influecircncia da cana-de-accediluacutecar osde maior populaccedilatildeo negra ndash tatildeo corrutora da liacutengua portuguesa ndash foramtambeacutem os mais dominados pela influecircncia dos padres-mestres agregadosaos engenhos padres-mestres que mais facilmente transigiam ndash alguns pelomenos ndash com os pecados da carne que com os erros de gramaacutetica quefizeram mais talvez pela pureza da liacutengua que pela pureza de costumesDaiacute o Maranhatildeo se ter tornado em pleno regime de escravidatildeo a ldquoAtenasbrasileirardquo uma Atenas mais de gramaacuteticos do que de sofistas Sergipe nofim do impeacuterio um ldquoninho de aacuteguiasrdquo ndash Pernambuco e a Bahia ndash outras duasAtenas outros ldquoninhos de aacuteguiasrdquo feitos com palha de cana ldquoAtenasbrasileirardquo natildeo soacute pelos gramaacuteticos e pelos seus filoacutelogos como pelo seuspoetas seus romancistas seus liacutericos

Outros senhores de engenho empregaram ainda mais severamente osseus oacutecios do que os gramaacuteticos e os poetas Gabriel Soares de Sousa emestudos quase cientiacuteficos de etnografia na Bahia por exemplo Vaacuterios emaplicaccedilotildees de medicina caseira a negros e moradores um divertimentodelicioso tendo-se cobaias tatildeo perfeitas nas senzalas Um ou outro emmeacutetodos de melhoramentos da cultura da cana95

A maior parte natildeo soube empregar o lazer senatildeo em devoccedilotildees aos santose agrave Virgem em festas com muito doce muito accediluacutecar muito licor dejenipapo muito vinho de caju em poliacutetica em brigas de galo em cavalosem jogo de cartas em charadas em cartas aos compadres mexericandosobre eleiccedilotildees ou propondo troca de negro ou de cavalo Haacute muito resto decartas dessas pelos arquivos dos velhos engenhos do Nordeste

Santo talvez natildeo tenha produzido nenhum a civilizaccedilatildeo agraacuteria doNordeste nem ao menos algum asceta do tipo daquele que ficou ceacutelebre naregiatildeo mineira de paisagem mais dura de solo mais acre de ar talvez maisfavoraacutevel aos heroiacutesmos da castidade e aos exerciacutecios da piedade Apenasproduziu o Nordeste do accediluacutecar um ou outro senhor de engenho maisdevoto O capitatildeo-mor Manuel Tomeacute de Jesus por exemplo Manoel Tomeacutede Jesus gastava em ouro e prata para as suas santas em encomendas decoroas e resplendores de ouro para as suas virgens de madeira o que outros

escravocratas esbanjavam em ouro e prata para enfeitar as negras quedesvirginavam as mulatas que emprenhavam as mestras e contramestras depastoril que defloravam Em uma como compensaccedilatildeo a esses leigosextremamente devotos a esses senhores de engenho quase frades pela suapiedade e pela sua devoccedilatildeo aos santos houve no Nordeste como noutrasaacutereas do Brasil colonial frades que como senhores de engenho rivalizaramcom os leigos no furor patriarcal Se natildeo trouxessem haacutebito ldquoem cousaalguma tinhatildeo differenccedila de hum pae de familiardquo diz esses frades umacorrespondecircncia do seacuteculo XVIII96

O ambiente viciado pelo sadismo-masoquismo da civilizaccedilatildeo escravocratado Nordeste natildeo se pode dizer que fosse inteiramente desfavoraacutevel agrave eclosatildeode santos Santos em quem rebentassem reaccedilotildees agrave sensualidade bruta domeio Reaccedilotildees vicaacuterias Protestos ao abuso do fraco pelo poderoso da mulherpelo homem do menino pelo adulto do negro pelo branco Em um climamoral particularmente sadista-masoquista como o da Espanha das guerrasde cristatildeos contra mouros das touradas da Inquisiccedilatildeo de D Juan Tenorio eacuteque aparecem santos da doccedilura de Satildeo Joatildeo da Cruz da ternura de SantaTeresa de Jesus E Satildeo Luiacutes Gonzaga se tornou heroacutei da virgindade em ummeio tatildeo viscosamente sensual que as bocas das pessoas estavam sempreperfumadas para os beijos

Houve padres no Nordeste que quase se elevaram a santos pelo esforccediloheroico de ensinar de doutrinar de cuidar dos doentes Ibiapina O padreRolim Ibiapina foi de fato uma figura de cristatildeo dos tempos apostoacutelicosdesgarrados nestas aacutereas de accediluacutecar e de mandioca E o padre Vieira teve acoragem de denunciar do puacutelpito abusos de ricos de poderosos de senhoresde engenho D Vital a de enfrentar os grandes maccedilons do impeacuterio

Mas foram raras essas vozes sendo tantos os cleacuterigos e os fradesSurpreende que muitas iniciativas que deviam ter sido talvez dos bispos ndashaliaacutes o Nordeste natildeo deixou de ter grandes figuras de bispos como a deAzeredo Coutinho e a de D Joatildeo da Purificaccedilatildeo ndash tivessem de ser tomadaspor simples padres pobres Ou entatildeo pelos governadores ou capitatildees-moresO amparo agraves crianccedilas enjeitadas por exemplo Antes de D Tomaacutes Joseacute deMelo ndash um dos governadores mais animados de espiacuterito puacuteblico que teve acapitania de Pernambuco ndash o desleixo pela crianccedila enjeitada numa terra

cheia de igrejas e de conventos com o Recife do seacuteculo XVIII era tal quealgumas pobrezinhas eram estraccedilalhadas pelos bichos imundos que de noitevagavam pelas ruas Os negros pagatildeos ateacute os princiacutepios do seacuteculo XIX seenterravam em Pernambuco pelas praias ermas e com tatildeo pouco espiacuteritocristatildeo que os cachorros e os urubus natildeo tinham dificuldade em ir pinicarcarne tatildeo abandonada depois de morta quanto explorada ainda viva

Onde uma voz de padre que tivesse chamado com a forccedila com quedeviam ter clamado todas as vozes de padre a favor da mulher ndash tatildeohumilhada tatildeo abusada tatildeo maltratada por maridos e pais senhores deengenho Alguns desses maridos como Miguel Ferreira rendeiro doengenho do Tapicuraacute em Pernambuco faziam de suas mulatas as rainhasda casa e tratavam de resto a mulher legiacutetima Agrave mulher legiacutetima tocavaapenas parir e criar os filhos E dessas mulheres de senhores de engenhocrueacuteis pode-se dizer que algumas foram santas embora no sentido brasileiroe natildeo rigorosamente lituacutergico A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve suas santas suasmulheres grandes sofredoras que humilhadas repugnadas maltratadascriaram filhos numerosos agraves vezes os seus e os das outras mulheres maisfelizes que elas cuidaram das feridas dos escravos dos negros velhos dosmoradores doentes dos engenhos

Mesmo em sentido lituacutergico o Nordeste teve as suas quase-santasnascidas agrave sombra doce de uma igreja da qual eacute impossiacutevel separar aformaccedilatildeo brasileira Teve a sua veneraacutevel Madre Soror Acircngela doNascimento nascida no engenho Jurrisaca no cabo de Santo AgostinhoTeve a sua Catarina Pais Vestida com o haacutebito descoberto da TerceiraOrdem de Satildeo Francisco Catarina se exercitou no que um cronista chamaldquoheroicas virtudesrdquo ldquoheroicas virtudesrdquo na verdade para serem praticadaspor mulher branca e de prol em civilizaccedilatildeo escravocraacutetica as da humildadeas do serviccedilo as do amor a toda espeacutecie de proacuteximo ldquoFoi a sua humildadetatildeo profunda que ateacute se reconhecia por indigna de servir as suas mesmasescravas dizendo que ainda que a fortuna as tivesse feito captivas eratildeo filhasdo Deos a que ella natildeo merecia servir por ser hua grande peccadorardquo Teve asua Da Maria Joseacute ldquonatural do Recife filha de Pays nobres e ricosrdquo queentretanto desde mocinha cortou os cabelos vestiu haacutebito de terceira doCarmo e ldquopara desengano dos que pretendiatildeo o seu cazamento distribuio

pelos pobres a maior parte do seu doterdquo97 Teve a sua Da Inecircs Barreto de

Albuquerque que quando ficou viuacuteva foi para dedicar-se toda ao serviccedilo deDeus e aos pobres dando de comer a muitos sustentando muitas oacuterfatildesfundando o Hospital de Nossa Senhora do Rosaacuterio no Recife e ela proacutepriavarrendo os quartos e fazendo as camas dos doentes Teve as suas muitasDas Mariazinhas Das Francisquinhas Das Mariquinhas que desdemeninas desde a primeira comunhatildeo natildeo fizeram senatildeo cuidar dosmaridos dos filhos dos escravos dos santos

Santo ndash repita-se ndash eacute que parece que o Nordeste do accediluacutecar natildeo deunenhum Os proacuteprios filhos de senhores de engenho que iam estudar parapadre levavam do canavial para o seminaacuterio um orgulho que nunca morrianeles Que natildeo morreu nem em um D Vital capuchinho frade da PenhaTodos os exerciacutecios de humildade franciscana que praticou com tanto ardorparece que natildeo puderam destruir em Vital Maria Gonccedilalves de Oliveira oorgulho de aristocrata de engenho que continuou sendo sob as barbas defrade sob o capucho de religioso sob a murccedila de bispo Sua insistecircncia emdizer-se pernambucano ndash quando de fato parece que nasceu na Paraiacuteba ndash eacutebem caracteriacutestico desse orgulho que daacute a impressatildeo de ter sido natildeo soacuteregional mas de classe Pernambucano soacute natildeo pernambucano do canavialAristocrata Descendente dos senhores de engenho que expulsaram osholandeses do Nordeste como ele quis expulsar os maccedilons poderosos dasIrmandades e da Igreja

Dentro da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar ndash que por algum tempo constituiu quasetoda a civilizaccedilatildeo brasileira ndash o pernambucano foi a especializaccedilatildeo maisintensa das qualidades e dos defeitos dessa organizaccedilatildeo monocultoramonossexual e principalmente aristocraacutetica e escravocraacutetica Organizaccedilatildeocheia de contrastes Inimiga do indiacutegena Opressora do negro ndash emboramenos que a mineira ou a paraense Opressora do menino e da mulher ndashembora ostentando uma galanteria um cavalheirismo uma devoccedilatildeo peloldquobelo sexordquo que nenhuma outra civilizaccedilatildeo brasileira ostentou com tantobrilho no passado

Com todos os seus defeitos a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar que se especializouou antes se exagerou no Nordeste do massapecirc e dentro do Nordeste emPernambuco ndash seu foco seu centro seu ponto de maior intensidade ndash em

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e escravocraacutetica deu ao Brasil alguns dos maioresvalores de cultura hoje caracteristicamente brasileiros dissolvidos em outrascivilizaccedilotildees distribuiacutedos por outras aacutereas diluiacutedos em outros estilos de vidamas com a marca de origem ainda visiacutevel a olho nu Outros valores natildeosofreram transformaccedilatildeo e morreram ou existem soacute em resiacuteduos muito vagos

Mas foi justamente essa civilizaccedilatildeo nordestina do accediluacutecar ndash talvez a maispatoloacutegica socialmente falando de quantas floresceram no Brasil ndash queenriqueceu de elementos mais caracteriacutesticos a cultura brasileira

O que nos faz pensar nas ostras que datildeo peacuterolasLevando-se a vista dos pobres canaviais do Nordeste patriarcal para as

oliveiras de certa terra claacutessica do sul da Europa haacute de ver-se que tambeacutem acivilizaccedilatildeo grega foi uma civilizaccedilatildeo moacuterbida segundo os padrotildees de sauacutedesocial em vigor entre os modernos Civilizaccedilatildeo escravocraacutetica Civilizaccedilatildeopagatilde Civilizaccedilatildeo monossexual E entretanto estranhamente criadora devalores pelo menos poliacuteticos intelectuais e esteacuteticos Muito mais criadoradesses valores do que as civilizaccedilotildees mais saudaacuteveis que ainda se utilizam daheranccedila grega Junto dela com efeito a bem equilibrada civilizaccedilatildeo dosmodernos escandinavos empalidece e se apresenta tatildeo esteacuteril e tristonhacomo se natildeo tivesse senatildeo matildeos e peacutes de gigante

Abaixo da grega outras civilizaccedilotildees parece que tecircm reproduzido emtermos maciccedilos o caso estranho dos gecircnios individuais tanto deles como asostras doentes eacute que datildeo peacuterolas

A antiga civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste de uma patologia social tatildeonumerosa daacute-nos essa mesma impressatildeo em confronto com as demaiscivilizaccedilotildees brasileiras ndash a pastoril a das minas a da fronteira a do cafeacuteCivilizaccedilotildees mais saudaacuteveis mais democraacuteticas mais equilibradas quanto agravedistribuiccedilatildeo da riqueza e dos bens Mas nenhuma mais criadora do que elade valores poliacuteticos esteacuteticos intelectuais

76 Rodrigues de Carvalho ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo in Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 1937Vejam-se tambeacutem sobre o assunto os trabalhos reunidos em Estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 193477 Rodrigues de Carvalho loc cit

78 Col dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica daProviacutencia de Pernambuco (1849)79 Como observou Saacute e Oliveira com relaccedilatildeo aos aristocratas baianos tambeacutemno extremo Nordeste se manteve alta a estatura dos homens entre aaristocracia branca e quase-branca das casas-grandes Aristocracia jaacute hojedegradada Nessa classe tatildeo socialmente vigorosa ateacute agrave aboliccedilatildeo os homensaltos e bem apessoados foram comuns conforme natildeo soacute a tradiccedilatildeo com ascrocircnicas e as evidecircncias fotograacuteficas que se referem agrave uacuteltima metade doseacuteculo XIX Dos grandes senhores de terras que deram seu apoio agraveRevoluccedilatildeo de 1817 sabe-se que alguns eram verdadeiros gigantes Entre agente de cor verifica-se entretanto a tendecircncia para a estatura mediana eabaixo da mediana para o que talvez tenham concorrido em Pernambucojuntamente com fatores sociais de degradaccedilatildeo os elementos africanos eindiacutegenas que mais entraram na composiccedilatildeo do tipo popular no extremoNordeste africanos (Bacircntus) e indiacutegenas uns de estatura mediana outrosde estatura baixa80 Joseacute Ameacuterico de Almeida A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924Vejam-se tambeacutem sobre o assunto Agamemnon Magalhatildees O Nordestebrasileiro (O habitat e a gens) Recife 1921 e Felte Bezerra Etniassergipanas cit Sobre as caracteriacutesticas de fiacutesico ou de corpo nos escravos daParaiacuteba atraveacutes de anuacutencios de jornal prepara interessante ensaio opesquisador paraibano Ademar Vidal baseado em nosso ldquoO escravo nosanuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro 1934 do qual esperamos dar breve novaediccedilatildeo ampliada81 Sobre o tipo do nordestino veja-se dos dois meacutedicos pernambucanosMorfologia do homem do Nordeste Rio de Janeiro 1937 Sobre diferentesaspectos das relaccedilotildees do homem do Nordeste com a alimentaccedilatildeo e o meiovejam-se Josueacute de Castro Documentaacuterio do Nordeste (Rio de Janeiro1936) e Rui Coutinho Valor social da alimentaccedilatildeo (Rio de Janeiro 1938)Do assunto ndash o tipo nordestino do ponto de vista psicoloacutegico social ndash vem seocupando em pesquisas no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais oprofessor Gonccedilalves Fernandes82 Sobrados e mucambos trabalho de que apareceu a primeira ediccedilatildeo em1936 A segunda ediccedilatildeo de 1951 incluiu cinco capiacutetulos novos e vaacuteriosacreacutescimos aos capiacutetulos antigos83 O Congresso Nacional aprovou por imensa maioria em 1949 o nossoprojeto hoje lei criando na cidade do Recife em comemoraccedilatildeo docentenaacuterio do nascimento de Joaquim Nabuco um instituto de pesquisasocial destinado ao estudo e agrave valorizaccedilatildeo do homem do Norte ndash e natildeoapenas Nordeste ndash agraacuterio da Bahia ao Amazonas Esse instituto acaba deser inaugurado no Recife pelo ministro Pedro Calmon

Sobre condiccedilotildees de vida e de habitaccedilatildeo da atual populaccedilatildeo operaacuteria ndash aomesmo tempo mesticcedila ndash do Recife ndash que como metroacutepole regional desdedias remotos atrai elementos do Nordeste inteiro e natildeo apenas do interior dePernambuco metade dessa populaccedilatildeo sendo originaacuteria do interior domesmo Estado e 14 de outros Estados ndash veja-se o recente e interessanteopuacutesculo ldquoPrimeiros resultados de um inqueacuterito em torno da populaccedilatildeooperaacuteria do Reciferdquo publicado pelo Serviccedilo Social da Induacutestria Recife 1949Encontram-se aiacute as informaccedilotildees ldquometade do nosso operariado proveacutem dointerior do estado 14 de outros estados ao passo que da capital mesmaapenas 36 Eacute interessante ainda notar que tanto o elemento masculinocomo o feminino imigrados se representam na mesma proporccedilatildeordquo

Cabe aqui referecircncia a um breve estudo publicado no Boletim doDepartamento Estadual de Estatiacutestica de Pernambuco e onde lemos oseguinte ldquoHaacute um fenocircmeno interessante a se notar na nossa populaccedilatildeo eacuteum lsquodespovoamento relativorsquo do interior em benefiacutecio da capital a partir de1900 e acentuando-se de 1920 para 1940 Essa percentagem deacumulaccedilatildeo do Recife (1296) soacute eacute inferior agrave da capital de Satildeo Paulo quedeu em 1940 185 e agraves de Manaus e Beleacutem respectivamente de 21 e24 A cidade de Satildeo Paulo eacute um grande centro industrial Manaus e Beleacutemsatildeo capitais de Estados despovoados com uma densidade territorial miacutenimaEssas razotildees de ordem econocircmica embora diversas e mesmo opostasexplicam as altas percentagens da populaccedilatildeo das capitais daqueles Estadosrdquo

E mais em seguida lecirc-se que esta fuga do campo para a capital que anoa ano acentua ldquopoderaacute criar um nocivo desequiliacutebrio entre a nossa produccedilatildeoagropecuaacuteria (de gecircneros de subsistecircncia e mateacuterias-primas) e a induacutestria ecomeacuterciordquo

Quanto a condiccedilotildees de habitaccedilatildeo em particular desse operariado satildeointeressantes as informaccedilotildees

ldquoO nuacutemero de casas de taipa compreende 897 do total resultado queseria de esperar em uma cidade onde o nuacutemero de mucambos eacute talvezsuperior ao de preacutedios

ldquoQuanto ao tipo do abastecimento de aacutegua verifica-se que apenas 92casas em 950 possuem aacutegua encanada o que daacute apenas 97 Os outrostipos de abastecimento satildeo cacimba com 294 chafariz com 319 ecacimba e chafariz com 290

ldquoNo tocante ao tipo de iluminaccedilatildeo encontramos o querosene aindalargamente empregado ultrapassando de muito a eletricidade

Comparando-se todavia esse resultado com o encontrado em um inqueacuteritorealizado em 1939 para a lsquoTerceira Semana de Accedilatildeo Socialrsquo achamos que ouacuteltimo sistema estaacute tomando rapidamente o lugar do primeiro Naqueleinqueacuterito foram encontrados 911 para eletricidade e 9089 paraquerosene enquanto no presente encontramos respectivamente 3880 e6120

ldquoQuanto ao tipo do despejo constatamos mais uma vez uma falta dehigiene e de conforto alarmantes apenas 1 das 950 casas em estudo possuisaneamento apenas 341 (36) possuem fossa nas restantes 608 (64) osseus moradores fazem despejos em lugares improacuteprios como buracos mareacutesagrave flor do chatildeo etc

ldquoConveacutem notar que onde existem lenccediloacuteis de aacutegua rio ou mareacute ascondiccedilotildees de higiene satildeo sempre melhores Verificou-se recentemente quea incidecircncia de amebiacutease eacute muito mais elevada nos bairros pobres onde natildeoexiste aacutegua para receber ou drenar os despejos como Campo Grande AacuteguaFria Casa Amarela Beberibe e sensivelmente menor no que dispotildeem desteelemento como Afogados e Santo Amarordquo Esta verificaccedilatildeo foi feita pelospesquisadores Heacutelio Coutinho e Gilmaacuterio M Teixeira autores deContribuiccedilatildeo ao estudo da endemia amebiana na cidade do Recife(Relatoacuterio do tema oficial do Terceiro Congresso Meacutedico Acadecircmico Recife)

Com essa numerosa populaccedilatildeo vinda em tatildeo grande parte do interior edas cidades menores da regiatildeo compreende-se que o Recife tenha queenfrentar problemas particularmente difiacuteceis de urbanismo de higiene deassistecircncia social e de socorro meacutedico Veja-se tambeacutem Tales de AzevedoPadratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia 194784 Veja-se nosso Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife

2a ed Rio de Janeiro 1942 devendo a 3a ediccedilatildeo aparecer em 196100Ao nossos guias Recife e Olinda de duas das mais antigas cidades do

Nordeste agraacuterio aqui arbitrariamente considerado (arbitrariamente por sero nosso criteacuterio de ldquoNordesterdquo diferente do oficial ultimamente adotado)como a regiatildeo que se estende do Recocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo outrosvecircm se acrescentando dois de Salvador um escrito pelo romancista JorgeAmado outro por Afracircnio Peixoto um de Maceioacute trabalho do professorManuel Diegues Juacutenior um de Joatildeo Pessoa escrito pelo sr Ademar Vidal Enatildeo devemos nos esquecer do estudo de Viccedilosa pelo alagoano AlfredoBrandatildeo Um roteiro de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo estaacute sendo esmeradamentepreparado pelo sr Josueacute Montelo escritor que junta agrave arte literaacuteria a

erudiccedilatildeo acadecircmica Sobre o Maranhatildeo natildeo devem ser esquecidas asexcelentes paacuteginas de geografia histoacuterica e cultural ndash algumas extensivas aoNordeste inteiro ndash que nos deixou Raimundo Lopes nem as recentes do srAstolfo Serra85 Waumltjen em seu trabalho sobre os judeus na colonizaccedilatildeo moderna fixavaacuterios aspectos da influecircncia israelita no Nordeste no tempo do domiacutenioholandecircs E recorda trechos da carta dirigida por holandeses em 1641 aJoatildeo Mauriacutecio de Nassau Alguns desses trechos vatildeo aqui transcritossegundo traduccedilatildeo feita gentilmente para este trabalho pelo sr CarlosGilberto Cavalcanti ldquoCada vez mais cai o comeacutercio no Brasil holandecircs nasmatildeos dos judeus Os comerciantes cristatildeos estatildeo quase excluiacutedos e setornaram lsquospertateurs van de negotie der joodenrsquoTodos os israelitas quechegam aqui satildeo bem recebidos pelos seus companheiros portugueses eempregados como agentes feitores de usinas ou de plantaccedilotildees de canaTodos os lugares vagos de corretor satildeo ocupados naturalmente pelos judeusque se esforccedilam o mais possiacutevel para o progresso do comeacutercio judaico Quasetodo o accediluacutecar passa pelas matildeos deles e quando em algum lugar haacute qualquercoisa onde se possa ganhar jaacute Israel tomou contardquo

Sobre o domiacutenio holandecircs no Nordeste veja-se o excelente ensaio do srJoseacute Antocircnio Gonsalves de Melo neto Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 194786 Oliveira Lima Memoacuterias Rio de Janeiro 193787 Vejam-se sobre o assunto nossos Um engenheiro francecircs no Brasil (Riode Janeiro1940) e Ingleses no Brasil (Rio de Janeiro1948) onde se destacaa intensidade no Nordeste ateacute o meado do seacuteculo XIX de uma influecircncia ndasha inglesa e francesa ndash que soacute depois diminuiu na regiatildeo do accediluacutecar paraconservar-se no Rio de Janeiro e acentuar-se em Satildeo Paulo88 Embora a interpretaccedilatildeo da formaccedilatildeo do Brasil sob este criteacuterio venha segeneralizando entre historiadores e ensaiacutestas voltados para assuntos dehistoacuteria sociologia e economia cremos haver nos antecipado no esboccedilo deuma sistemaacutetica ao mesmo tempo econocircmica e socioloacutegica da histoacuteria dagente brasileira esboccedilo que data de ensaio publicado em 1933 e de notaspreacutevias de 192589 Veja-se sobre o assunto o interessante estudo do professor Pedro CalmonHistoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 193990 Na sessatildeo de 2 de julho de 1827 do parlamento brasileiro dizia umrepresentante da aacuterea aristocraacutetica o sr Ferreira de Melo que o chaacute era nacorte gecircnero de primeira necessidade ldquoo qual hoje entre noacutes pelo grandeuso que tem estaacute considerado como gecircnero de primeira necessidaderdquo (Anaisdo Parlamento Brasileiro Rio de Janeiro) O mesmo ldquogecircnero de primeira

necessidaderdquo tornou-se o chaacute na aacuterea aristocraacutetica de accediluacutecar do Nordeste91 Estes trechos de declaraccedilotildees de Maciel Monteiro satildeo transcritos do estudoque lhe dedicou Faelante da Cacircmara Maciel Monteiro Recife 190592 Dentre outros documentos o seguinte

ldquoSendo prezente a S Magd que natildeo obstante o Alvaraacute que seraacute em estade 31 de julho do anno proximo passado porque foi servido approvar areprezentaccedilatildeo do Director Geral e deputados da Conferencia e ImpressatildeoRegia e as condiccedilotildees com que estabeleceu Lourenccedilo Silezio as fabricas decartas de jogar e papelotildees se continua em algumas das terras desse estadoem se fabricarem as mesmas cartas de jogar contra a dispoziccedilatildeo do referidoalvaraacute Ordena o mesmo senhor que Vordf Sordf decirc as mais exactas providenciaspara obviar as transgressoens do dito alvaraacute mandando proceder contra osseus respectivos transgressores com as penas nelle declaradas

ldquoDeus Ge a V Sordf Palacio de Nossa Senhora de Ajuda a 30 de julho de

1770 Manoel de Mello e Castro Ordens de Sordf Magd Fma pelo expediente

dos secretarios drsquoEstado Aos governadores e capatildeo genal de Pernambuco(Desde 1767 atheacute 1773)rdquo manuscrito na Biblioteca do Estado dePernambuco

Em 1811 as iras da metroacutepole seriam contra os contrabandos de cartas dejogar em Pernambuco em detrimento do monopoacutelio portuguecircs como se vecircda carta de 4 de abril do conde de Aguiar ao governador Caetano Pinto deMiranda Montenegro (ldquoCorrespondecircncia da Corterdquo 1811 manuscrito naBiblioteca do Estado de Pernambuco)93 Amigo do Povo nordm 10 (1830) Veja-se tambeacutem o artigo de ldquoUm olindenseamigo da honra e da verdaderdquo Diaacuterio de Pernambuco de 13 de novembrode 183094 Como acentua Faelante da Cacircmara na sua Memoacuteria histoacuterica daFaculdade de Direito de Recife referente a 1903 ndash memoacuteria que estaacute apedir reediccedilatildeo ndash ldquofoi o predomiacutenio intelectual desse centro que conseguiuhumanizar os costumes estabelecer a corrente de simpatias e a permutacivilizadora das ideias O proacuteprio caraacuteter pernambucano modificou-seprofundamente Os filhos de famiacutelias poderosas que viviam em luta acesa osde sangue azul e os plebeus os descendentes da fidalguia do cabo e osrepresentantes dos antigos mascates daqui saiacuteam harmonizados levando agravecasa paterna a notiacutecia de que o coacutedigo dos direitos individuais eacute igual paratodosrdquo95 A respeito da reproduccedilatildeo da cana pela semente assunto de que se ocupao botacircnico brasileiro Pio Correia no seu Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do

Brasil (Rio 1929) o dr Artur Siqueira Cavalcanti daacute um depoimento queconfirmado colocaria o Nordeste em situaccedilatildeo de relevo na histoacuteria cientiacuteficada cana-de-accediluacutecar

ldquoO engenheiro civil Abelardo de Lima Cavalcanti foi talvez o primeirobrasileiro (1916-1917) que frequentou a Escola da Estaccedilatildeo Experimental deCana-de-Accediluacutecar em Baton Rouge na Louisiana Quando foi conferido odiploma ao referido engenheiro brasileiro o diretor da Escola de BatonRouge declarou-lhe em conversa que havia sido Pernambuco o primeirolugar no mundo onde se conseguira a reproduccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar pelasemente

Esse fato representa na histoacuteria da cana-de-accediluacutecar uma aquisiccedilatildeocientiacutefica notaacutevel e cuja importacircncia econocircmica eacute inuacutetil acentuar Basta verque eacute pela seleccedilatildeo da semente que se obtecircm as variedades de cana ricas emaccediluacutecar Existe uma variedade de cana em Pernambuco denominadalsquoManoel Cavalcantirsquo notaacutevel pela sua pureza e riqueza em sacarose a qual sedeve ao agricultor pernambucano desse nomerdquo96 Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general daBahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779 ndash Martinho de Mello eCastro Manuscrito no Arquivo de Ultramar Arquivo Histoacuterico Colonial deLisboa Capitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboardquosob nordm 1031997 D Domingos de Loreto Couto op cit

Bibliografia

Para escrever Nordeste Gilberto Freyre consultou um nuacutemero maior detextos dos que estatildeo aqui elencados Pretendeu-se com esta bibliografiasomente organizar as obras e documentos por ele citados nas notas e nocorpo do texto (Gustavo Henrique Tuna)

I Fontes Manuscritos Documentos Perioacutedicos etc

AGUIAR Durval Vieira de Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898

ALEMAtildeO Francisco Freire Monografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicadaem 1826 e reimpressa pelo Ministeacuterio da Agricultura 1929

Arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute PernambucoArquivo particular do engenho Noruega PernambucoArquivo particular do engenho Salgado PernambucoBRANDAtildeO Ambroacutesio F Diaacutelogos das grandezas do Brasil Rio de Janeiro

Oficina Industrial 1930BRITO Desembargador Joatildeo Rodrigues de e outros Cartas econocircmico-

poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)

CAcircMARA Faelante da Memoacuteria histoacuterica da Faculdade de Direito deRecife Recife 1903

CANECA frei Obras poliacuteticas e literaacuterias 2 vols 1875Carta Circular do governador D Tomaacutes Joseacute de Melo aos corregedores

das cacircmaras sobre as plantaccedilotildees de mandioca 10 de janeiro de1797 Manuscrito da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco

Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para Rodrigo de Sousa Coutinho Bahia20 de outubro de 1798 Manuscrito do Arquivo de Ultramar deLisboa registrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena 3 de

janeiro de 1789 Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted610

Carta do marquez de Pombal 30 de agosto de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta do marquez de Pombal 6 de dezembro de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisboapara o Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botacircnicode Lisboa Bahia 18 de outubro de 1781 Manuscrito do Arquivo doUltramar de Lisboa registrado no Inventaacuterio dos Documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar deLisboa Organizado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro porEduardo de Castro e Almeida Rio de Janeiro 1914

Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)Coleccedilatildeo dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica da

Proviacutencia de Pernambuco 1849Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania de PernambucoCorrepondecircncia dos Cocircnsules Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica

do Estado de PernambucoFONSECA Pedro P da ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas Apontamentos histoacutericos

biograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscritoGUENTHER Konrad A naturalist in Brazil (trad) Londres 1931Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general da

Bahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779- Martinho deMello e Castro Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboacapitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de

Lisboardquo sob no 10319KOSTER Henry Voyages dans la partie septentrionale du Breacutesil depuis

1809 jusquacuteen 1815 Comprenant lecircs provinces de Permabuco(Fernambouc) Seara Parahyba Maragnon etc Paris 1818

LUCCOCK John Notes on Rio de Janeiro and the southern parts of

Brazil taken during a residence of ten years in that country from1808 to 1818 Londres MDCCCXX

MANSFIELD Charles Paraguay Brazil and the Plate Londres 1856REBELO Joseacute Silvestre ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do

accediluacutecarrdquo O auxiliador da induacutestria nacional nos II e III Rio deJaneiro 1833

PUDSEY Cuthbert Journal of a residence in Brazil written by duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito da Seccedilatildeo de Manuscritos daBiblioteca Nacional Rio de Janeiro

SMITH Herbert H Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque1879

SPIX J B von e MARTIUS C F Phil von Atraveacutes da Bahia (excertos daobra Reise en Bresilien trasladados ao portuguecircs pelo dr Pirajaacute daSilva e dr Paulo Wolf) 1ordf ediccedilatildeo Bahia 1928

TEIXEIRA D Marcos ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do Santo Ofiacuteciordquo Anais daBiblioteca Nacional vol XLIX

TOLLENARE L F de ldquoNotas dominicais tomadas durante a viagem emPortugal e no Brasil em 18161817 e 1818rdquo(parte relativa aPernambuco traduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredode Carvalho) Revista do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico

Pernambucano nos 61-62 1904

II Fontes Perioacutedicos Almanaques Anais

a) Indicaccedilotildees geraisAmigo do PovoAnais da Biblioteca Nacional do Rio de JaneiroAnais da Faculdade de Medicina do RecifeAnuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas Satildeo

Paulo (1946-1947)BandoBoletim da Junta da Proviacutencia da EstremaduraBoletim da Secretaria da Agricultura Pernambuco

Boletim da Secretaria da Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo de PernambucoBoletim do Departamento Estadual de Estatiacutestica de PernambucoDiaacuterio de NotiacuteciasEngineering WorldFronteirasJornal de AlagoasJournal of Negro HistoryNordesteO ProgressoRegiatildeoRevista do Arquivo Municipal de Satildeo PauloRevista do BrasilSocial ForcesThe Annals of the American academy of political and social scienceUniversity of California publications in geographyU S Department of Agriculture

b) Indicaccedilotildees particularesASHE W W ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in the

southeastrdquo Engineering world XXIIIBARRETO Carlos Xavier Paes ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no

povoamento nordestinordquo Revista das Academias de Letras no 63Rio de Janeiro 1948

BARROS Sousa Artigo sobre distribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grandepropriedade territorial em Pernambuco Boletim da Secretaria daAgricultura Pernambuco vol I no 2 1936

BATISTA FILHO Olavo ldquoAspectos da economia accedilucareira no nordeste doseacuteculo XVIrdquo Revista do Arquivo Municipal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo1939

BENNETT H H ldquoSoil Erosion a national menacerdquo U S Department of

Agriculture Circular no 33 1928_______________ ldquoThe increased cost of soil erosionrdquo The Annals of the

American academy of political and social science CXLIICANABRAVA A P ldquoA influecircncia do Brasil na teacutecnica do fabrico de accediluacutecar

nas Antilhas francesas e inglesas no meado do seacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterioda Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas SatildeoPaulo 1946-1947

CARVALHO Rodrigues de ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro1937

COUTINHO A Bezerra ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do

Recife no 1 1934COUTO D Domingos do Loreto ldquoDesagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambucordquo 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais daBiblioteca Nacional do Rio de Janeiro vol XXIV)

GAMA Lauro M ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina Acadecircmica no 61936

FERRAZ Aydano do Couto ldquoTraccedilos da influecircncia da aacutegua na paisagemsocial do Nordeste e do recocircncavordquo Revista do Arquivo Municipalde Satildeo Paulo vol 60 Satildeo Paulo 1940

HERSKOVITS Melville ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History July 1934

_______________ ldquoOn the provenience of new word negroesrdquo SocialForces December 1933

_______________ ldquoThe significance of west Africa for Negro researchrdquoJournal of Negro History January 1936

HOOTON E A ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82July 1935

LINS Meira e WANDERLEY Fernando ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo AnualSociedade de Medicina de Pernambuco setembro 1934

MENDONCcedilA JUacuteNIOR ldquoOs ladrotildees de cavalordquo Jornal de Alagoas 1948MOTA Leonardo ldquoO cavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5

de setembro de 1937NATIVIDADE J Vieira ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo Boletim da

Junta da Proviacutencia da Estremadura no 5 1944

PICKEL D Bento ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria da

Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III no 31934

REIS JUacuteNIOR A ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquo Vida poliacutetica Rio de Janeiromarccedilo 1948

SCHMIEDER Otto ldquoThe brazilian culture hearthrdquo University of California

publications in geography vol 3 no 3 agosto 1929SILVA J Rodrigues da ldquoEstudo cliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo

Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica tomo III no 1 Rio deJaneiro outubro 1949

SOUSA Coelho de ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto Alegre 18 de abril de1950

TOURINHO Eduardo ldquoA baianardquo Correio da Manhatilde 30 de abril de 1950VASCONCELOS SOBRINHO ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo

separata de Fronteiras Recife 1936

III Material Subsidiaacuterio Livros

ABREU J Capistrano de Capiacutetulos de histoacuteria colonial Rio de Janeiro1928

ALBUQUERQUE Feacutelix Cavalcanti de Memoacuterias de um Cavalcanti (notasde Diogo de Melo Meneses) Satildeo Paulo 1940

ALMEIDA Joseacute Ameacuterico de A bagaceira Paraiacuteba 1928_______________ A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924ANDRADE Lopes de Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro

1948AZEVEDO Fernando de Canaviais e engenhos na vida poliacutetica do Brasil

Rio de Janeiro 1948AZEVEDO Tales de Padratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia

1947BARATA cocircnego Antocircnio do Carmo Um grande saacutebio um grande

patriota um grande bispo (conferecircncia) Pernambuco 1921BARRETO Carlos Xavier Paes Os primitivos colonizadores do nordeste e

seus descendentes Rio de Janeiro 1960

BARROS Henrique de Economia Agraacuteria Lisboa 1948BARROSO Gustavo Terra de Sol Rio de Janeiro 1930BASTIDE Roger Imagens do Nordeste Miacutestico em branco e preto Rio de

Janeiro 1945BELO Juacutelio Memoacuterias de um senhor de engenho Rio de Janeiro 1937BEZERRA Felte Etnias sergipanas Aracaju 1950Biografias (publicado aos cuidados de Alexandre Joseacute Barbosa Lima)

Recife 1905BRANDAtildeO Theo Folclore de Alagoas Maceioacute 1949CALMON Pedro Histoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 1939CAcircMARA Faelante da Maciel Monteiro Recife 1905CARVALHO Alfredo de Estudos Pernambucanos Recife 1907CASCUDO Luiacutes da Cacircmara Geografia dos mitos brasileiros Rio de Janeiro

1947CASTRO Josueacute de Documentaacuterio do Nordeste Rio de Janeiro 1936_______________ Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de

Janeiro 1948CORREIA Pio Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do Brasil Rio de Janeiro 1929COSTA Angione Migraccedilatildeo e cultura indiacutegena Satildeo Paulo 1939COSTA Pereira da Folclore Pernambucano Recife 1908_______________ Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em

Pernambuco Recife 1905COUTINHO Rui Valor social da alimentaccedilatildeo Rio de Janeiro 1938CRAVEN A O Soil exhaustion as a factor in the agricultural history of

Virginia and Maryland 1926DIEGUES JUacuteNIOR Manoel O banguecirc nas Alagoas Rio de Janeiro 1949ELLIS JUacuteNIOR Alfredo O ouro e a paulistacircnia Satildeo Paulo 1948FERRAZ Aacutelvaro e LIMA Miguel de Andrade Morfologia do homem do

Nordeste Rio de Janeiro 1937FREYRE Gilberto Accediluacutecar algumas receitas de doces e bolos do Nordeste

Rio de Janeiro 1939______________ Casa-Grande amp Senzala Rio de Janeiro 1933______________ Conferecircncias na Europa Rio de Janeiro 1938______________ Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier Rio de Janeiro

1960______________ Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do

Recife 2ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1942______________ Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica

na vida na paisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 1948___________(org) Livro do Nordeste comemorativo do 1ordm centenaacuterio

do Diaacuterio de Pernambuco 1925______________ Mucambos do Nordeste Rio de Janeiro 1937______________ e outros Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro

1937______________ Olinda 2ordm guia histoacuterico praacutetico e sentimental de

cidade brasileira 3a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1960______________ O mundo que o portuguecircs criou Rio de Janeiro 1940______________ ldquoOs escravos nos anuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro

1934

______________ Sobrados e Mucambos 2a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1951______________ Um engenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro

1940GOMES Pimentel Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina Rio de

Janeiro 1914______________ Contribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do

nordeste brasileiro Joatildeo Pessoa 1936HARLOW Vincent T A history of Barbados 1625-1885 Oxford 1926JOFFILY I Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 1892LIMA Oliveira ldquoA Nova Lusitacircniardquo in DIAS C M(org) Histoacuteria da

colonizaccedilatildeo portuguesa no Brasil Porto [sn] 1924______________ Memoacuterias Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1937LOumlFGREN Alberto Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo do

Nordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio deJaneiro 1912

LUETZELBURG Phillip Von Estudo botacircnico do Nordeste InspetoriaFederal de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1922-1923

MAGALHAtildeES Agamecircmnon O Nordeste brasileiro (o habitat e a gens)Recife 1921

MARROQUIM Maacuterio A liacutengua do Nordeste (Alagoas e Pernambuco) SatildeoPaulo 1934

MELO NETO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 1947

NABUCO Joaquim Minha formaccedilatildeo Rio de Janeiro-Paris 1900________________ Um estadista do Impeacuterio Rio de Janeiro 1898NASH Roy The conquest of Brazil Nova Iorque 1926OLIVEIRA J B Saacute Evoluccedilatildeo psiacutequica dos baianos Bahia 1898ORLANDO Artur O Brasil ndash a terra e o homem Recife 1913PINHO Wanderley de Histoacuterias de um engenho do recocircncavo Rio de

Janeiro 1947PINTO Estevatildeo Os indiacutegenas do Nordeste Satildeo Paulo 1935_____________ Uma estrada de ferro do Nordeste Rio de Janeiro

1949REGO Joseacute Lins do Banguecirc Rio de Janeiro 1934________________ Usina Rio de Janeiro 1936SAMPAIO A T Fitogeografia do Brasil Satildeo Paulo 1934SCHMIDT Louis Bernard (ed) Readings in the economic history of

american agriculture Nova Iorque 1925TAVARES Luiacutes Estudo meacutedico-ciruacutergico da esquistossomose Manson

Recife 1945VASCONCELOS SOBRINHO As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e

a civilizaccedilatildeo Rio de Janeiro-Satildeo Paulo 1949

Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre

1900

Nasce no Recife em 15 de marccedilo na antiga Estrada dos Aflitos (hojeAvenida Rosa e Silva) esquina de Rua Ameacutelia (o portatildeo da hojeresidecircncia da famiacutelia Costa Azevedo estaacute assinalado por uma placa) filhodo dr Alfredo Freyre ndash educador juiz de direito e catedraacutetico deEconomia Poliacutetica da Faculdade de Direito do Recife ndash e de Franciscade Mello Freyre

1906

Tenta fugir de casa abrigando-se na materna Olinda desde entatildeo

cidade muito de seu amor e da qual escreveria em 1939 o 2o guiapraacutetico histoacuterico e sentimental

1908

Entra no jardim de infacircncia do Coleacutegio Americano Gilreath Lecirc asViagens de Gulliver com entusiasmo Natildeo consegue aprender aescrever fazendo-se notar pelos desenhos Tem aulas particulares com opintor Telles Juacutenior que reclama contra sua insistecircncia em deformar osmodelos Comeccedila a aprender a ler e escrever em inglecircs com Mr Williamsque elogia seus desenhos

1909

Primeira experiecircncia da morte a da avoacute materna que muito o mimavapor supor que o neto tinha deficit de aprendizado pela dificuldade emaprender a escrever Temporada no engenho Satildeo Severino do Ramopertencente a parentes seus Primeiras experiecircncias rurais de menino deengenho Mais tarde escreveraacute sobre essa temporada uma das suasmelhores paacuteginas incluiacuteda em Pessoas coisas amp animais

1911

Primeiro veratildeo na Praia de Boa Viagem onde escreve um soneto

camoniano e enche muitos cadernos com desenhos e caricaturas

1913

Daacute as primeiras aulas no coleacutegio Lecirc Joseacute de Alencar Machado de AssisGonccedilalves Dias Castro Alves Victor Hugo Emerson Longfellow algunsdramas de Shakespeare Milton Ceacutesar Virgiacutelio Camotildees e Goethe

1914

Ensina latim que aprendeu com o proacuteprio pai conhecido humanistarecifense Toma parte ativa nos trabalhos da sociedade literaacuteria docoleacutegio Torna-se redator-chefe do jornal impresso do coleacutegio O Laacutebaro

1915

Tem liccedilotildees particulares de francecircs com Madame Meunieur Lecirc LaFontaine Pierre Loti Moliegravere Racine Dom Quixote a Biacuteblia Eccedila deQueiroacutes Antero de Quental Alexandre Herculano Oliveira Martins

1916

Corresponde-se com o jornalista paraibano Carlos Dias Fernandes que oconvida a proferir palestra na capital do estado vizinho Como o drFreyre natildeo apreciava Carlos Dias Fernandes pela vida boecircmia quelevava viaja autorizado pela matildee e lecirc no Cine-Teatro Patheacute sua primeiraconferecircncia puacuteblica dissertando sobre Spencer e o problema daeducaccedilatildeo no Brasil O texto foi publicado no jornal O Norte com elogiosde Carlos Dias Fernandes Influenciado pelos mestres do coleacutegio e pelaleitura do Peregrino de Bunyan e de uma biografia do dr Livingstonetoma parte em atividades evangeacutelicas e visita a gente miseraacutevel dosmucambos recifenses Interessa-se pelo socialismo cristatildeo mas lecirc comoespeacutecie de antiacutedoto a seu misticismo autores como Spencer e Comte Eacuteeleito presidente do Clube de Informaccedilotildees Mundiais fundado pelaAssociaccedilatildeo Cristatilde de Moccedilos do Recife Lecirc ainda nesse periacuteodo RuiBarbosa Joaquim Nabuco Oliveira Lima Nietzsche e Sainte-Beuve

1917

Conclui o curso de Barechal em Ciecircncias e Letras do Coleacutegio AmericanoGilreath fazendo-se notar pelo discurso que profere como orador daturma cujo paraninfo eacute o historiador Oliveira Lima daiacute em diante seu

amigo (ver referecircncia ao primeiro encontro com Oliveira Lima noprefaacutecio agrave ediccedilatildeo de suas Memoacuterias escrito a convite da viuacuteva e doeditor Joseacute Olympio) Leitura de Taine Renan Darwin Von IheringAnatole France William James Bergson Santo Tomaacutes de Aquino SantoAgostinho Satildeo Joatildeo da Cruz Santa Teresa Padre Vieira PadreBernardes Fernatildeo Lopes Satildeo Francisco de Assis Satildeo Francisco de Salese Tolstoacutei Comeccedila a estudar grego Torna-se membro da IgrejaEvangeacutelica desagradando a matildee e a famiacutelia catoacutelica

1918

Segue no iniacutecio do ano para os Estados Unidos fixando-se em Waco(Texas) para matricular-se na Universidade de Baylor Comeccedila a lerStevenson Pater Newman Steele e Addison Lamb Adam Smith MarxWard Giddings Jane Austen as irmatildes Broumlnte Carlyle Mathew ArnoldPascal Montaigne Euclides da Cunha e Monteiro Lobato Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Pernambuco com a seacuterie de cartas intituladasldquoDa outra Ameacutericardquo

1919

Ainda na Universidade de Baylor auxilia o geoacutelogo John Casper Brannerno preparo do texto portuguecircs da Geologia do Brasil Ensina francecircs ajovens oficiais norte-americanos convocados para a guerra EstudaGeologia com Pace Biologia com Bradbury Economia com WrightSociologia com Dow Psicologia com Hall e Literatura com A JArmstrong professor de Literatura e criacutetico literaacuterio especializado nafilosofia e na poesia de Robert Browning Escreve os primeiros artigos eminglecircs publicados por um jornal de Waco Divulga suas primeirascaricaturas

1920

Conhece pessoalmente por intermeacutedio do professor Armstrong o poetairlandecircs William Butler Yeats (ver no livro Artigos de jornal umcapiacutetulo sobre esse poeta) os ldquopoetas novosrdquo dos Estados Unidos VachelLindsay Amy Lowell e outros Escreve em inglecircs sobre Amy Lowell Comoestudante de Sociologia faz pesquisas sobre a vida dos negros de Waco edos mexicanos marginais do Texas Conclui na Universidade de Baylor ocurso de Bacharel em Artes mas natildeo comparece agrave solenidade da

formatura contra as praxes acadecircmicas a Universidade envia-lhe odiploma por intermeacutedio de um portador Segue para Nova York eingressa na Universidade de Coluacutembia Lecirc Freud WestermarckSantayana Sorel Dilthey Hrdlicka Keith Rivet Rivers Hegel Le PlayBrunhes e Croce Segundo notiacutecia publicada no Diaacuterio de Pernambucode 5 de junho a Academia Pernambucana de Letras por proposta deFranccedila Pereira elege-o soacutecio-correspondente

1921

Segue na Faculdade de Ciecircncias Poliacuteticas (inclusive as Ciecircncias SociaisJuriacutedicas) da Universidade de Coluacutembia cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo dos professores Giddings Seligman Boas Hayes Carl vanDoren Fox John Basset Moore e outros Conhece pessoalmenteRabindranath Tagore e o priacutencipe de Mocircnaco (depois reunidos no livroArtigos de jornal) Valle-Inclaacuten e outros intelectuais e cientistas famososque visitam a Universidade de Coluacutembia e a cidade de Nova York Aconvite de Amy Lowell visita-a em Boston (ver sobre essas visitas artigosincluiacutedos no livro Vida forma e cor) Segue na Universidade deColuacutembia o curso do professor Zimmern da Universidade de Oxfordsobre a escravidatildeo na Greacutecia Visita a Universidade de Harvard e oCanadaacute Eacute hoacutespede da Universidade de Princeton como representantedos estudantes da Ameacuterica Latina que ali se reuacutenem em congresso LecircPatrick Geddes Ganivet Max Weber Maurras Peacuteguy Pareto RickertWilliam Morris Michelet Barregraves Huysmans Verlaine RimbaudBaudelaire Dostoieacutevski John Donne Coleridge Xenofonte HomeroOviacutedio Eacutesquilo Aristoacuteteles e Ratzel Torna-se editor associado da revistaEl Estudiante Latinoamericano publicada mensalmente em Nova Yorkpelo Comitecirc de Relaccedilotildees Fraternais entre Estudantes EstrangeirosPublica diversos artigos no referido perioacutedico

1922

Defende tese para o grau de M A (Magister Artium ou Master of Arts)na Universidade de Coluacutembia sobre Social life in Brazil in the middle ofthe 19th century publicada em Baltimore pela Hispanic AmericanHistorical Review (v 5 n 4 nov 1922) e recebida com elogios pelosprofessores Haring Shepherd Robertson Martin Oliveira Lima e H LMencken que aconselha o autor a expandir o trabalho em livro Deixa de

comparecer agrave cerimocircnia de formatura seguindo imediatamente para aEuropa onde recebe o diploma enviado pelo reitor Nicholas MurrayButler Vai para a Franccedila a Alemanha a Beacutelgica tendo antes passadopela Inglaterra estabelecendo-se em Oxford Vai para a Franccedilaatravessa a Espanha e conhece Portugal onde se fixa Lecirc SimmelPoincareacute Havelock Ellis Psichari Reacutemy de Gourmont Ranke BertrandRussell Swinburne Ruskin Blake Oscar Wilde Kant e Graciaacuten Tem oretrato pintado pelo modernista brasileiro Vicente do Rego MonteiroConvive com ele e com outros artistas modernistas brasileiros comoTarsila do Amaral e Brecheret Na Alemanha conhece o Expressionismona Inglaterra estabelece contato com o ramo inglecircs do Imagismo jaacute seuconhecido nos Estados Unidos Na Franccedila conhece oanarcossindicalismo de Sorel e o federalismo monaacuterquico de MaurrasConvidado por Monteiro Lobato ndash a quem fora apresentado por carta deOliveira Lima ndash inicia sua colaboraccedilatildeo na Revista do Brasil (n 80 p363-371 agosto de 1922)

1923

Continua em Portugal onde conhece Joatildeo Luacutecio de Azevedo o Condede Sabugosa Fidelino de Figueiredo Joaquim de Carvalho e Silva GaioRegressa ao Brasil e volta a colaborar no Diaacuterio de Pernambuco DaEuropa escreve artigos para a Revista do Brasil (Satildeo Paulo) a pedido deMonteiro Lobato

1924

Reintegra-se no Recife onde conhece Joseacute Lins do Rego incentivando-o a escrever romances em vez de artigos poliacuteticos (ver referecircncias aoencontro e iniacutecio da amizade entre o socioacutelogo e o futuro romancista doCiclo da Cana de Accediluacutecar no prefaacutecio que este escreveu para o livroRegiatildeo e tradiccedilatildeo) Conhece Joseacute Ameacuterico de Almeida atraveacutes de JoseacuteLins do Rego Funda-se no Recife a 28 de abril o Centro Regionalistado Nordeste com Odilon Nestor Amaury de Medeiros Alfredo FreyreAntocircnio Inaacutecio Morais Coutinho Carlos Lyra Filho Pedro ParanhosJuacutelio Bello e outros Excursotildees pelo interior do estado de Pernambuco epelo Nordeste com Pedro Paranhos Juacutelio Bello (que a seu pedidoescreveria as Memoacuterias de um senhor de engenho) e seu irmatildeo UlyssesFreyre Lecirc na capital do estado da Paraiacuteba conferecircncia publicada no

mesmo ano Apologia pro generatione sua (incluiacuteda no livro Regiatildeo etradiccedilatildeo)

1925

Encarregado pela direccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco organiza o livrocomemorativo do primeiro centenaacuterio de fundaccedilatildeo do referido jornalLivro do Nordeste onde foi publicado pela primeira vez o poemamodernista de Manuel Bandeira ldquoEvocaccedilatildeo do Reciferdquo escrito a seupedido (ver referecircncias no capiacutetulo sobre Manuel Bandeira no livroPerfil de Euclides e outros perfis) O Livro do Nordeste consagratambeacutem o ateacute entatildeo desconhecido pintor Manuel Bandeira e publicadesenhos modernistas de Joaquim Cardoso e Joaquim do Rego MonteiroLecirc na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco uma conferecircnciasobre D Pedro II publicada no ano seguinte

1926

Conhece a Bahia e o Rio de Janeiro onde faz amizade com o poetaManuel Bandeira os escritores Prudente de Morais Neto (Pedro Dantas)Rodrigo M F de Andrade Seacutergio Buarque de Holanda o compositorVillas-Lobos e o mecenas Paulo Prado Por intermeacutedio de Prudenteconhece Pixinguinha Donga e Patriacutecio e se inicia na nova muacutesicapopular brasileira em noitadas boecircmias Escreve um extenso poemamodernista ou imagista e ao mesmo tempo regionalista e tradicionalistado qual Manuel Bandeira diraacute depois que eacute um dos mais saborosos dociclo das cidades brasileiras ldquoBahia de todos os santos e de quase todosos pecadosrdquo (publicado no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeo da Revistado Norte reeditado em 20 de junho de 1942 na revista O Cruzeiro eincluiacutedo no livro Talvez poesia) Segue para os Estados Unidos comodelegado do Diaacuterio de Pernambuco ao Congresso Panamericano deJornalistas Convidado para redator-chefe do mesmo jornal e para oficialde gabinete do governador eleito de Pernambuco entatildeo vice-presidenteda Repuacuteblica Colabora (artigos humoriacutesticos) na Revista do Brasil com opseudocircnimo de J J Gomes Sampaio Publica-se no Recife a conferecircncialida no ano anterior na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco Apropoacutesito de Dom Pedro II (ediccedilatildeo da Revista do Norte incluiacuteda em

1944 no livro Perfil de Euclides e outros perfis) Promove no Recife o 1o

Congresso Brasileiro de Regionalismo

1927

Assume o cargo de oficial de gabinete do novo governador dePernambuco Estaacutecio de Albuquerque Coimbra casado com a prima deAlfredo Freyre Joana Castelo Branco de Albuquerque Coimbra ConheceMaacuterio de Andrade no Recife e proporciona-lhe um passeio de lancha norio Capibaribe

1928

Dirige a pedido de Estaacutecio Coimbra o jornal A Proviacutencia onde passam acolaborar os novos escritores do Brasil Publica no mesmo jornal artigos ecaricaturas com diferentes pseudocircnimos Esmeraldino Oliacutempio AntocircnioRicardo Le Moine J Rialto e outros Lecirc Proust e Gide Nomeado pelogovernador Estaacutecio Coimbra por indicaccedilatildeo do diretor A Carneiro Leatildeotorna-se professor da Escola Normal do Estado de Pernambuco primeiracadeira de Sociologia que se estabelece no Brasil com modernaorientaccedilatildeo antropoloacutegica e pesquisas de campo

1930

Acompanhando Estaacutecio Coimbra ao exiacutelio visita novamente a Bahiaconhece parte do continente africano (Dacar Senegal) e inicia emLisboa as pesquisas e os estudos em que se basearia Casa-grande ampsenzala (ldquoEm outubro de 1930 ocorreu-me a aventura do exiacutelio Levou-me primeiro agrave Bahia depois a Portugal com escala pela Aacutefrica O tipo deviagem ideal para os estudos e as preocupaccedilotildees que este ensaio refleterdquocomo escreveraacute no prefaacutecio do mesmo livro)

1931

A convite da Universidade de Stanford segue para os Estados Unidoscomo professor extraordinaacuterio daquela universidade Volta no fim doano para a Europa permanecendo algum tempo na Alemanha emnovos contatos com seus museus de antropologia de onde regressa aoBrasil

1932

Continua no Rio de Janeiro as pesquisas para a elaboraccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em bibliotecas e arquivos Recusando convites paraempregos feitos pelos membros do novo governo brasileiro ndash um deles

Joseacute Ameacuterico de Almeida ndash vive entatildeo com grandes dificuldadesfinanceiras hospedando-se em casas de amigos e em pensotildees baratas doDistrito Federal Estimulado pelo seu amigo Rodrigo M F de Andradecontrata com o poeta Augusto Frederico Schmidt ndash entatildeo editor ndash apublicaccedilatildeo do livro por 500 mil-reacuteis mensais que recebe comirregularidades constantes Regressa ao Recife onde continua a escreverCasa-grande amp senzala na casa do seu irmatildeo Ulysses Freyre

1933

Conclui o livro enviando os originais ao editor Schmidt que o publica emdezembro

1934

Aparecem em jornais do Rio de Janeiro os primeiros artigos sobre Casa-grande amp senzala escritos por Yan de Almeida Prado Roquette-Pinto

Joatildeo Ribeiro e Agrippino Grieco todos elogiosos Organiza no Recife o 1o

Congresso de Estudos Afro-Brasileiros Recebe o precircmio da SociedadeFelipe drsquoOliveira pela publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Lecirc namesma sociedade conferecircncia sobre O escravo nos anuacutencios de jornal dotempo do Impeacuterio publicada na revista Lanterna Verde (v 2 fev1935) Regressa ao Recife e lecirc no dia 24 de maio na Faculdade deDireito e a convite de seus estudantes conferecircncia publicada no mesmoano pela Editora Momento O estudo das ciecircncias sociais nasuniversidades americanas Publica-se no Recife (Oficinas Graacuteficas ThePropagandist ediccedilatildeo de amigos do autor tiragem de apenas 105exemplares em papel especial e coloridos a matildeo por Luiacutes Jardim) o Guiapraacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife inaugurando emtodo o mundo um novo estilo de guia de cidade ao mesmo tempo liacutericoe informativo e um dos primeiros livros para biblioacutefilos publicados noBrasil Nomeado em dezembro diretor do Diaacuterio de Pernambuco cargoque exerceu por apenas quinze dias por causa da proibiccedilatildeo por AssisChateaubriand da publicaccedilatildeo de uma entrevista de Joatildeo Alberto Lins deBarros

1935

A pedido dos alunos da Faculdade de Direito do Recife e por designaccedilatildeodo ministro da Educaccedilatildeo inicia na referida escola superior um curso de

Sociologia com orientaccedilatildeo antropoloacutegica e ecoloacutegica Segue em setembropara o Rio de Janeiro onde a convite de Aniacutesio Teixeira dirige naUniversidade do Distrito Federal o primeiro Curso de Antropologia Sociale Cultural da Ameacuterica Latina (ver texto das aulas no livro Problemasbrasileiros de antropologia) Publica-se no Recife (Ediccedilotildees Mozart) olivro Artigos de jornal Profere a convite de estudantes paulistas deDireito no Centro XI de Agosto da Faculdade de Direito de Satildeo Paulo aconferecircncia Menos doutrina mais anaacutelise tendo sido saudado peloestudante Osmar Pimentel

1936

Publica-se no Rio de Janeiro (Companhia Editora Nacional v 64 daColeccedilatildeo Brasiliana) o livro que eacute uma continuaccedilatildeo da seacuterie iniciada comCasa-grande amp senzala Sobrados e mucambos Viagem agrave Europapermanecendo algum tempo na Franccedila e em Portugal

1937

Viaja de novo agrave Europa dessa vez como delegado do Brasil ao Congressode Expansatildeo Portuguesa no Mundo reunido em Lisboa Lecirc conferecircnciasnas Universidades de Lisboa Coimbra e Porto e na de Londres (KingrsquosCollege) publicadas no Rio de Janeiro no ano seguinte Regressa aoRecife e lecirc conferecircncia poliacutetica no Teatro Santa Isabel a favor dacandidatura de Joseacute Ameacuterico de Almeida agrave Presidecircncia da Repuacuteblica Aconvite de Paulo Bittencourt inicia colaboraccedilatildeo semanal no Correio daManhatilde Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Nordeste(aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordestedo Brasil)

1938

Eacute nomeado membro da Academia Portuguesa de Histoacuteria pelopresidente Oliveira Salazar Segue para os Estados Unidos como lenteextraordinaacuterio da Universidade de Coluacutembia onde dirige seminaacuterio sobresociologia e histoacuteria da escravidatildeo Publica-se no Rio de Janeiro (ServiccediloGraacutefico do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede) o livro Conferecircncia naEuropa

1939

Faz primeira viagem ao Rio Grande do Sul Segue depois para osEstados Unidos como professor extraordinaacuterio da Universidade deMichigan Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a primeira ediccedilatildeodo livro Accediluacutecar e no Recife (ediccedilatildeo do autor para biblioacutefilos) Olinda 2oguia praacutetico histoacuterico e sentimental de cidade brasileira Publica-seem Nova York (Instituto de las Espantildeas en los Estados Unidos) a obra dohistoriador Lewis Hanke Gilberto Freyre vida y obra

1940

A convite do governo portuguecircs lecirc no Gabinete Portuguecircs de Leitura doRecife a conferecircncia (publicada no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeoparticular) Uma cultura ameaccedilada a luso-brasileira E em Aracaju na

instalaccedilatildeo da 2a Reuniatildeo da Sociedade de Neurologia Psiquiatria eHigiene Mental do Nordeste lecirc conferecircncia publicada no ano seguintepela mesma sociedade no dia 29 de outubro na Biblioteca do Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores e a convite da Casa do Estudante do Brasilprofere conferecircncia sobre Euclides da Cunha publicada no anoseguinte no dia 19 de novembro na Biblioteca do Estado do Rio Grandedo Sul faz uma conferecircncia por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dobicentenaacuterio da cidade de Porto Alegre publicada em 1943 Participa do

3o Congresso Sul-Rio-Grandense de Histoacuteria e Geografia ao qualapresenta a pedido do historiador Dante de Laytano o trabalhoSugestotildees para o estudo histoacuterico-social do sobrado no Rio Grande doSul publicado no mesmo ano pela Editora Globo e incluiacutedoposteriormente no livro Problemas brasileiros de antropologiaPublica-se em Nova York (Columbia University Press) o opuacutesculo Someaspects of the social development on Portuguese America separata daobra coletiva Concerning Latin American culture Publicam-se no Riode Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Um engenheiro francecircs no Brasil eO mundo que o portuguecircs criou com longos prefaacuteciosrespectivamente de Paul Arbousse-Bastide e Antocircnio Seacutergio Prefacia eanota o Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier publicado no mesmoano pelo Serviccedilo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional

1941

Casa-se no Mosteiro de Satildeo Bento do Rio de Janeiro com a senhoritaMaria Magdalena Guedes Pereira Viaja ao Uruguai Argentina e

Paraguai Torna-se colaborador de La Nacioacuten (Buenos Aires) dosDiaacuterios Associados do Correio da Manhatilde e de A Manhatilde (Rio deJaneiro) Prefacia e anota as Memoacuterias de um Cavalcanti do seuparente Feacutelix Cavalcanti de Albuquerque Melo publicadas pelaCompanhia Editora Nacional (volume 196 da Coleccedilatildeo Brasiliana)Publica-se no Recife (Sociedade de Neurologia Psiquiatria e HigieneMental do Nordeste) a conferecircncia Sociologia psicologia e psiquiatriadepois ampliada e incluiacuteda no livro Problemas brasileiros deantropologia contribuiccedilatildeo para uma psiquiatria social brasileira queseria destacada pela Sorbonne ao doutouraacute-lo HC Publica-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) e em Buenos Aires a conferecircnciaAtualidade de Euclides da Cunha (incluiacuteda em 1944 no livro Perfil deEuclides e outros perfis) Ao ensejo da publicaccedilatildeo no Rio de Janeiro(Joseacute Olympio) do livro Regiatildeo e tradiccedilatildeo recebe homenagem degrande nuacutemero de intelectuais brasileiros com um almoccedilo no JoacutequeiClube em 26 de junho do qual foi orador o jornalista Dario de AlmeidaMagalhatildees

1942

Eacute preso no Recife por ter denunciado em artigo publicado no Rio deJaneiro atividades nazistas e racistas no Brasil inclusive as de um padrealematildeo a quem foi confiada pelo governo do estado de Pernambuco aformaccedilatildeo de jovens escoteiros Com seu pai reage agrave prisatildeo quandolevado para ldquoa imunda Casa de Detenccedilatildeo do Reciferdquo sendo solto no diaseguinte por interferecircncia direta de seu amigo general Goacutees MonteiroRecebe convite da Universidade de Yale para ser professor de FilosofiaSocial que natildeo pocircde aceitar Profere no Rio de Janeiro discurso comopadrinho de batismo de aviatildeo oferecido pelo jornalista AssisChateaubriand ao Aeroclube de Porto Alegre Eacute eleito para o ConselhoConsultivo da American Philosophical Association Eacute designado peloConselho da Faculdade de Filosofia da Universidade de Buenos AiresAdscrito Honoraacuterio de Sociologia e eleito membro correspondente daAcademia Nacional de Histoacuteria do Equador Discursa no Rio de Janeiroem nome do sr Samuel Ribeiro doador do aviatildeo Taylor agrave campanha deAssis Chateaubriand Publica-se em Buenos Aires (Comisioacuten Revisora de

Textos de Historia y Geografiacutea Americana) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em espanhol com introduccedilatildeo de Ricardo Saenz Hayes

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses e a 2a

ediccedilatildeo de Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife A

Casa do Estudante do Brasil divulga em 2a ediccedilatildeo a conferecircncia Umacultura ameaccedilada a luso-brasileira proferida no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife (1940)

1943

Visita a Bahia a convite dos estudantes de todas as escolas superiores doestado que lhe prestam excepcionais homenagens agraves quais se associaquase toda a populaccedilatildeo de Salvador Lecirc na Faculdade de Medicina daBahia a convite da Uniatildeo dos Estudantes Baianos a conferecircncia Emtorno de uma classificaccedilatildeo socioloacutegica e no Instituto Histoacuterico da Bahiapor iniciativa da Faculdade de Filosofia do mesmo estado a conferecircnciaA propoacutesito da filosofia social e suas relaccedilotildees com a sociologia histoacuterica(ambas incluiacutedas com os discursos proferidos nas homenagens recebidasna Bahia no livro Na Bahia em 1943 que teve quase toda a sua tiragemapreendida nas livrarias do Recife pela Poliacutecia do Estado dePernambuco) Recusa em carta altiva o convite para ser catedraacutetico deSociologia da Universidade do Brasil Inicia colaboraccedilatildeo no O Estado deS Paulo em 30 de setembro Por intermeacutedio do Itamaraty recebeconvite da Universidade de Harvard para ser seu professor que tambeacutem

recusa Publicam-se em Buenos Aires (Espasa-Calpe Argentina) as 1as

ediccedilotildees em espanhol de Nordeste e de Uma cultura ameaccedilada e a 2ana mesma liacutengua de Casa-grande amp senzala Publicam-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) o livro Problemas brasileiros deantropologia e o opuacutesculo Continente e ilha (conferecircncia lida em Porto

Alegre no ano de 1940 e incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo de Problemas brasileirosde antropologia) Publica-se tambeacutem no Rio de Janeiro (Livros dePortugal) uma ediccedilatildeo de As farpas de Ramalho Ortigatildeo e Eccedila de

Queiroacutes selecionadas e prefaciados por ele bem como a 4a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala livro publicado a partir desse ano pelo editorJoseacute Olympio

1944

Visita Alagoas e Paraiacuteba a convite de estudantes desses Estados Lecirc naFaculdade de Direito de Alagoas conferecircncia sobre Ulysses

Pernambucano publicada no ano seguinte Deixa de colaborar nosDiaacuterios Associados e em La Nacioacuten em virtude da violaccedilatildeo e do extravioconstantes de sua correspondecircncia Em 9 de junho de 1944 compareceagrave Faculdade de Direito do Recife a convite dos alunos dessa escola parauma manifestaccedilatildeo de regozijo em face da invasatildeo da Europa pelosExeacutercitos Aliados Lecirc em Fortaleza a conferecircncia Precisa-se do CearaacuteSegue para os Estados Unidos onde profere na Universidade do Estadode Indiana seis conferecircncias promovidas pela Fundaccedilatildeo Patten epublicadas no ano seguinte em Nova York no livro Brazil aninterpretation Publicam-se no Rio de Janeiro os livros Perfil de Euclidese outros perfis (Joseacute Olympio) Na Bahia em 1943 (ediccedilatildeo particular) e

a 2a ediccedilatildeo do guia Olinda A Casa do Estudante do Brasil publica noRio de Janeiro o livro Gilberto Freyre de Diogo Melo Menezes comprefaacutecio consagrador de Monteiro Lobato

1945

Toma parte ativa ao lado dos estudantes do Recife na campanha pelacandidatura do brigadeiro Eduardo Gomes agrave Presidecircncia da RepuacuteblicaFala em comiacutecios escreve artigos anima os estudantes na luta contra aditadura No dia 3 de marccedilo por ocasiatildeo do primeiro comiacutecio daquelacampanha no Recife comeccedila a discursar na sacada da redaccedilatildeo doDiaacuterio de Pernambuco quando tomba a seu lado assassinado pelaPoliacutecia Civil do Estado o estudante de Direito Demoacutecrito de Sousa FilhoA UDN oferece em sua representaccedilatildeo na futura Assembleia NacionalConstituinte um lugar aos estudantes do Recife que preferem que seurepresentante seja o bravo escritor A Poliacutecia Civil do Estado dePernambuco empastela e proiacutebe a circulaccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambucoimpedindo-o de noticiar a chacina em que morreram o estudanteDemoacutecrito e um popular Com o jornal fechado o retrato de Demoacutecrito eacuteinaugurado na redaccedilatildeo com memoraacutevel discurso de Gilberto FreyreQuiseram matar o dia seguinte (cf Diaacuterio de Pernambuco 10 de abrilde 1945) Em 9 de junho comparece agrave Faculdade de Direito do Recifecomo orador oficial da sessatildeo contra a ditadura Publicam-se no Recife(Uniatildeo dos Estudantes de Pernambuco) o opuacutesculo de sua autoria emapoio agrave candidatura de Eduardo Gomes Uma campanha maior doque a da aboliccedilatildeo e a conferecircncia lida no ano anterior em MaceioacuteUlysses Publica-se em Fortaleza (ediccedilatildeo do autor) a obra Gilberto

Freyre e alguns aspectos da antropossociologia no Brasil de autoriado meacutedico Aderbal Sales Publica-se em Nova York (Knopf) o livroBrazil an interpretation A Editora mexicana Fondo de CulturaEconoacutemica publica Interpretacioacuten del Brasil com orelhas escritas porAlfonso Reyes

1946

Eleito deputado federal segue para o Rio de Janeiro a fim de participarnos trabalhos da Assembleia Constituinte Em 17 de junho proferediscurso de criacuteticas e sugestotildees ao projeto da Constituiccedilatildeo publicado emopuacutesculo Discurso pronunciado na Assembleia Nacional Constituinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Em 22 de junho lecirc noTeatro Municipal de Satildeo Paulo a convite do Centro Acadecircmico XI deAgosto conferecircncia publicada no mesmo ano pela referida organizaccedilatildeoestudantil Modernidade e modernismo na arte poliacutetica (incluiacuteda em1965 no livro 6 conferecircncias em busca de um leitor) Em 16 de julhona Faculdade de Direito de Belo Horizonte a convite de seus alunosapresenta conferecircncia publicada no mesmo ano Ordem liberdademineiralidade (incluiacuteda em 1965 no livro 6 conferecircncias em busca deum leitor) Em agosto inicia colaboraccedilatildeo no Diaacuterio Carioca Em 29 deagosto profere na Assembleia Constituinte outro discurso de criacutetica ao

projeto da Constituiccedilatildeo (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica)Em novembro a Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dosDeputados indica com aplauso do escritor Jorge Amado membro daComissatildeo o nome de Gilberto Freyre para o Precircmio Nobel de Literaturade 1947 com o apoio de numerosos intelectuais brasileiros Publica-se no

Rio de Janeiro a 5a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala e em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo do mesmo livro em inglecircs The masters and theslaves

1947

Apresenta agrave Mesa da Cacircmara dos Deputados para ser dado como lidodiscurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joaquim Nabucopublicado no ano seguinte Em 22 de maio lecirc no auditoacuterio da AssociaccedilatildeoBrasileira de Imprensa a convite da Sociedade dos Amigos da Ameacutericaconferecircncia sobre Walt Whitman publicada no ano seguinte Trabalha

ativamente na Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dos

Deputados Eacute convidado para representar o Brasil no 19o Congresso dosPen Clubes Mundiais reunido em Zurique Publica-se em Londres a

ediccedilatildeo inglesa de The masters and the slaves em Nova York a 2a

impressatildeo de Brazil an interpretation e no Rio de Janeiro a ediccedilatildeobrasileira deste livro em traduccedilatildeo de Oliacutevio Montenegro Interpretaccedilatildeodo Brasil (Joseacute Olympio) Publica-se em Montevideacuteu a obra GilbertoFreyre y la sociologiacutea brasilentildea de Eduardo J Couture

1948

A convite da Unesco toma parte em Paris no conclave de oito notaacuteveiscientistas e pensadores sociais (Gurvitch Allport e Sullivan entre eles)reunidos pela referida Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por iniciativa doentatildeo diretor Julian Huxley para estudar as Tensotildees que afetam acompreensatildeo internacional trabalho em conjunto depois publicado eminglecircs e francecircs Lecirc no Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores a convite doInstituto Brasileiro de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Comissatildeo Nacionalda Unesco) conferecircncia sobre o conclave de Paris Repete na Escola deComando do Estado-Maior do Exeacutercito a conferecircncia lida no Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores Inicia em 18 de setembro sua colaboraccedilatildeo em OCruzeiro Em dezembro profere na Cacircmara dos Deputados discursojustificando a criaccedilatildeo do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

com sede no Recife (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Lecircno Museu de Arte de Satildeo Paulo duas conferecircncias uma sobre EmiacutelioCardoso Ayres e outra sobre d Veridiana Prado Apresenta mais umaconferecircncia na Escola de Comando do Estado-Maior do ExeacutercitoPublicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses no Brasil eos opuacutesculos O camarada Whitman (incluiacutedo em 1965 no livro 6conferecircncias em busca de um leitor) Joaquim Nabuco (incluiacutedo em

1966 na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) e Guerra paz e ciecircncia(este editado pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores) Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Notiacutecias

1949

Segue para os Estados Unidos a fim de participar na categoria de

ministro como delegado parlamentar do Brasil na 4a Conferecircncia

Internacional da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas Lecirc conferecircncias naUniversidade Catoacutelica da Ameacuterica (Washington DC) e na Universidadede Virgiacutenia Profere em 12 de abril na Associaccedilatildeo de Cultura Franco-Brasileira do Recife conferecircncia sobre Emiacutelio Cardoso Ayres (apenaspequeno trecho foi publicado no Bulletin da Associaccedilatildeo) Em 18 deagosto apresenta na Faculdade de Direito do Recife conferecircncia sobreJoaquim Nabuco na sessatildeo comemorativa do centenaacuterio de nascimentodo estadista pernambucano (incluiacuteda no livro Quase poliacutetica) Em 30 deagosto profere na Cacircmara dos Deputados discurso de saudaccedilatildeo aoVisconde Jowitt presidente da Cacircmara dos Lordes do Reino Unido daGratilde-Bretanha e Irlanda do Norte (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Nomesmo dia lecirc no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro conferecircnciasobre Joaquim Nabuco Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) aconferecircncia apresentada no ano anterior na Escola de Comando doEstado-Maior do Exeacutercito Naccedilatildeo e Exeacutercito (incluiacuteda em 1965 no livro6 conferecircncias em busca de um leitor)

1950

Profere na Cacircmara dos Deputados em 17 de janeiro discurso sobre opernambucano Joaquim Arcoverde primeiro cardeal da Ameacuterica Latinapor ocasiatildeo da passagem do primeiro centenaacuterio de seu nascimento(incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta na Cacircmara dos Deputados em5 de abril discurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joseacute VicenteMeira de Vasconcelos constituinte de 1891 (incluiacutedo em Quasepoliacutetica) Profere na Cacircmara dos Deputados em 28 de abril discurso dedefiniccedilatildeo de atitude na vida puacuteblica (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Discursa na Cacircmara dos Deputados em 2 de maio sobre o centenaacuterio damorte de Bernardo Pereira de Vasconcelos (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Profere na Cacircmara dos Deputados em 2 de junho discurso contraacuterio agraveemenda parlamentarista (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta naCacircmara dos Deputados em 26 de junho discurso no qual transmiteapelo que recebeu de trecircs parlamentares ingleses em favor de umgoverno supranacional (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Discursa naCacircmara dos Deputados em 8 de agosto sobre o centenaacuterio denascimento de Joseacute Mariano (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Profere noParque 13 de Maio do Recife discurso em favor da candidatura dodeputado Joatildeo Cleofas de Oliveira ao governo do estado de Pernambuco

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Em 11 de setembro iniciacolaboraccedilatildeo diaacuteria no Jornal Pequeno do Recife sob o tiacutetulo Linha defogo em prol da candidatura Joatildeo Cleofas ao governo do estado dePernambuco Profere em 8 de novembro na Cacircmara dos Deputadosdiscurso de despedida por natildeo ter sido reeleito para o periacuteodo seguinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Publica-se em Urbana(University of Illinois Press) a obra coletiva Tensions that cause warsem Paris em 1948 Contribuiccedilatildeo de Gilberto Freyre Internationalizing

social sciences Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo

do livro Quase poliacutetica e a 6a de Casa-grande amp senzala

1951

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seguinte ediccedilatildeo deNordeste e de Sobrados e mucambos (esta refundida e acrescida decinco novos capiacutetulos) A convite da Universidade de Londres escreveem inglecircs estudo sobre a situaccedilatildeo do professor no Brasil publicado nomesmo ano pelo Year book of education Publica-se em Lisboa (Livrosdo Brasil) a ediccedilatildeo portuguesa de Interpretaccedilatildeo do Brasil

1952

Lecirc na sala dos capelos da Universidade de Coimbra em 24 de janeiroconferecircncia publicada no mesmo ano pela Coimbra Editora Em tornode um novo conceito de tropicalismo Publica-se em Ipswich (Inglaterra)o opuacutesculo editado pela revista Progress de Londres com o ensaioHuman factors behind Brazilian development Publica-se no Recife(Ediccedilotildees Regiatildeo) o Manifesto regionalista de 1926 Publicam-se no Riode Janeiro (Serviccedilo de Documentaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Cultura) o opuacutesculo Joseacute de Alencar (Joseacute Olympio) e a 7a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em francecircs organizada pelo professor RogerBastide com prefaacutecio de Lucien Fegravebvre Maicirctres et esclaves (volume 4da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois) Viaja a Portugale agraves proviacutencias ultramarinas Em 16 de abril inicia colaboraccedilatildeo no DiaacuterioPopular de Lisboa e no Jornal do Comeacutercio do Recife

1953

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Aventura e

rotina (escritos durante a viagem a Portugal e agraves proviacutencias luso-asiaacuteticas ldquoagrave procura das constantes portuguesas de caraacuteter e accedilatildeordquo) eUm brasileiro em terras portuguesas (contendo conferecircncias ediscursos proferidos em Portugal e nas proviacutencias ultramarinas comextensa ldquoIntroduccedilatildeo a uma possiacutevel luso-tropicologiardquo)

1954

Escolhido pela Comissatildeo das Naccedilotildees Unidas para o estudo da situaccedilatildeoracial na uniatildeo sul-africana como o antropoacutelogo estrangeiro maiscapacitado a opinar sobre essa situaccedilatildeo visita o referido paiacutes e apresentaagrave Assembleia Geral da ONU um estudo publicado pela organizaccedilatildeo nessanaccedilatildeo em Elimination des conflits et tensions entre les races Publica-

se no Rio de Janeiro a 8a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala no Recife(Ediccedilotildees Nordeste) o opuacutesculo Um estudo do prof Aderbal Jurema e

em Milatildeo (Fratelli Bocca) a 1a ediccedilatildeo em italiano de Interpretazionedel Brasile Em agosto eacute encenada no Teatro Santa Isabel adramatizaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala feita por Joseacute CarlosCavalcanti Borges O professor Moacir Borges de Albuquerque defendeem concurso para provimento efetivo de uma das cadeiras de portuguecircsdo Instituto de Educaccedilatildeo de Pernambuco tese sobre Linguagem deGilberto Freyre

1955

Lecirc na sessatildeo inaugural do 4o Congresso Brasileiro de NeurologiaPsiquiatria e Higiene Mental conferecircncia sobre Aspectos da moderna

convergecircncia meacutedico-social e antropocultural (incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo deProblemas brasileiros de antropologia) Em 15 de maio profere noencerramento do curso de treinamento de professores rurais dePernambuco discurso publicado no ano seguinte Comparece como umdos quatro conferencistas principais (os outros foram o alematildeo VonWreie o inglecircs Ginsberg e o francecircs Davy) e na alta categoria de

convidado especial ao 3o Congresso Mundial de Sociologia realizado emAmsterdatilde no qual apresenta a comunicaccedilatildeo publicada em Louvain nomesmo ano pela Associaccedilatildeo Internacional de Sociologia Morals andsocial change Para discutir Casa-grande amp senzala e outras obrasideias e meacutetodos de Gilberto Freyre reuacutenem-se em Cerisy-LaSalle os

escritores e professores M Simon R Bastide G Gurvitch LeonBourdon Henri Gouhier Jean Duvignaud Tavares Bastos ClaraMauraux Nicolas Sombart e Maacuterio Pinto de Andrade talvez a maiorhomenagem jaacute prestada na Europa a um intelectual brasileiro os demaisseminaacuterios de Cerisy foram dedicados a filoacutesofos da histoacuteria comoToynbee e Heidegger Publicam-se no Recife (Secretaria de Educaccedilatildeo eCultura) os opuacutesculos Sugestotildees para uma nova poliacutetica no Brasil a

rurbana (incluiacutedo em 1966 na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) e Em torno

da situaccedilatildeo do professor no Brasil em Nova York (Knopf) a 2a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em inglecircs The masters and the slaves e em

Paris (Gallimard) a 1a ediccedilatildeo de Nordeste em francecircs Terres du sucre(volume 14 da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois)

1957

Lecirc em 4 de agosto na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de

Pernambuco em solenidade comemorativa do 25o aniversaacuterio defundaccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo conferecircncia publicada no mesmo anoArte ciecircncia social e sociedade Dirige em outubro curso sobreSociologia da Arte na mesma escola Colabora novamente no DiaacuterioPopular de Lisboa atendendo a insistentes convites do seu diretorFrancisco da Cunha Leatildeo Publicam-se no Recife os opuacutesculos Palavrasagraves professoras rurais do Nordeste (Secretaria de Educaccedilatildeo e Cultura doEstado de Pernambuco) e Importacircncia para o Brasil dos institutos depesquisa cientiacutefica (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) no

Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 2a ediccedilatildeo de Sociologia no Meacutexico(Editorial Cultural) o opuacutesculo A experiecircncia portuguesa no troacutepico

americano em Lisboa (Livros do Brasil) a 1a ediccedilatildeo portuguesa de Casa-grande amp senzala e a obra Gilberto Freyrersquos ldquolusotropicalismrdquo deautoria de Paul V Shaw (Centro de Estudos Poliacuteticos Sociais da Junta deInvestigaccedilotildees do Ultramar)

1958

Lecirc no Foacuterum Roberto Simonsen conferecircncia publicada no mesmo anopelo Centro e Federaccedilatildeo das Induacutestrias do Estado de Satildeo PauloSugestotildees em torno de uma nova orientaccedilatildeo para as relaccedilotildeesintranacionais no Brasil Publicam-se em Lisboa (Centro de Estudos

Poliacuteticos e Sociais da Junta de Investigaccedilotildees do Ultramar) o livro comtexto em portuguecircs e inglecircs Integraccedilatildeo portuguesa nostroacutepicosPortuguese integration in the tropics e no Rio de Janeiro

(Joseacute Olympio) a 9a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1959

Lecirc em abril conferecircncias no Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais iniciando e concluindo cursos de Ciecircncias Sociais promovidospelo referido oacutergatildeo Em julho apresenta na Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Gerais conferecircncia publicada pelamesma universidade no ano seguinte Publicam-se em Nova York(Knopf) New world in the tropics cujo texto conteacutem grandementeexpandido e praticamente reescrito o livro (publicado em 1945 pelomesmo editor) Brazil an interpretation na Guatemala (Editorial deMinisteacuterio de Educacioacuten Puacuteblica Joseacute de Pineda Ibarra) o opuacutesculo Emtorno a algunas tendencias actuales de la antropologiacutea no Recife(Arquivo Puacuteblico do Estado de Pernambuco) o opuacutesculo A propoacutesito deMouratildeo Rosa e Pimenta sugestotildees em torno de uma possiacutevel hispano-

tropicalologia no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo do livroOrdem e progresso (terceiro volume da Seacuterie Introduccedilatildeo agrave histoacuteriapatriarcal no Brasil iniciada com Casa-grande amp senzala continuadacom Sobrados e mucambos e finalizada com Jazigos e covas rasas livronunca concluiacutedo) e O velho Feacutelix e suas memoacuterias de um Cavalcanti

(2a ediccedilatildeo ampliada da introduccedilatildeo ao livro Memoacuterias de umCavalcanti publicado em 1940) em Salvador (Universidade da Bahia)o livro A propoacutesito de frades e o opuacutesculo Em torno de alguns tuacutemulosafrocristatildeos de uma aacuterea africana contagiada pela cultura brasileira eem Satildeo Paulo (Instituto Brasileiro de Filosofia) o ensaio A filosofia dahistoacuteria do Brasil na obra de Gilberto Freyre de autoria de Miguel Reale

1960

Viaja pela Europa nos meses de agosto e setembro lendo conferecircnciasem universidades francesas alematildes italianas e portuguesas Publicam-seem Lisboa (Livros do Brasil) o livro Brasis Brasil e Brasiacutelia em BeloHorizonte (ediccedilotildees da Revista Brasileira de Estudos Poliacuteticos) aconferecircncia Uma poliacutetica transnacional de cultura para o Brasil de hoje

no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o opuacutesculo Sugestotildees em torno doMuseu de Antropologia do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas

Sociais e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo do livro Olinda

1961

Em 24 de fevereiro recebe em sua casa de Apipucos a visita do escritornorte-americano Arthur Schlesinger Junior assessor e enviado especialdo presidente John F Kennedy Em 20 de abril profere na Faculdadede Medicina da Universidade Federal de Pernambuco uma conferecircnciasobre Homem cultura e troacutepico iniciando as atividades do Instituto deAntropologia Tropical criado naquela faculdade por sugestatildeo sua Em 25de abril eacute filmado e entrevistado em sua residecircncia pela equipe detelevisatildeo e cinema do Columbia Broadcasting System Em junho viaja aosEstados Unidos onde faz conferecircncia no Conselho Americano deSociedades Cientiacuteficas no Centro de Corning no Centro de Estudos deSanta Baacuterbara e nas Universidades de Princeton e Coluacutembia De volta aoBrasil recebe em agosto a pedido da Comissatildeo Educacional dos EstadosUnidos da Ameacuterica no Brasil (Comissatildeo Fulbright) para uma palestrainformal sobre problemas brasileiros os professores norte-americanos queparticipam do II Seminaacuterio de Veratildeo promovido pela referida comissatildeoEm outubro lecirc no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisquatro conferecircncias sobre sociologia da vida rural Ainda em outubro e aconvite dos corpos docente e discente da Escola de Engenharia daUniversidade Federal de Pernambuco lecirc na mesma escola trecircsconferecircncias sobre Trecircs engenharias inter-relacionadas a fiacutesica a sociale a chamada humana Viaja a Satildeo Paulo e lecirc em 27 de outubro noauditoacuterio da Academia Paulista de Letras sob os auspiacutecios do Instituto

Hans Staden conferecircncia intitulada Como e porque sou socioacutelogo Em 1o

de novembro apresenta no auditoacuterio da ABI e sob os auspiacutecios doInstituto Cultural Brasil-Alemanha conferecircncias sobre Harmonias edesarmonias na formaccedilatildeo brasileira Em dezembro segue para a Europapermanecendo trecircs semanas na Alemanha Ocidental para participarcomo representante do Brasil no encontro germano-hispacircnico desocioacutelogos Publicam-se em Toacutequio (Ministeacuterio da Agricultura do Japatildeoseacuterie de Guias para os emigrantes em paiacuteses estrangeiros) a ediccedilatildeojaponesa de New world in the tropics Atsuitai no sin sekai em Lisboa(Comissatildeo Executiva das Comemoraccedilotildees do V Centenaacuterio da Morte do

Infante D Henrique) ndash em portuguecircs francecircs e inglecircs ndash o livro O luso etroacutepico les Portugais et les tropiques e The portuguese and the tropics(ediccedilotildees separadas) no Recife (Imprensa Universitaacuteria) a obraSugestotildees de um novo contato com universidades europeias no Rio de

Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo brasileira de Sobrados e mucambos e

a 10a ediccedilatildeo brasileira (11a em liacutengua portuguesa) de Casa-grande ampsenzala

1962

Em fevereiro a Escola de Samba de Mangueira desfila no Carnaval doRio de Janeiro com enredo inspirado em Casa-grande amp senzala Emmarccedilo eacute eleito presidente do Comitecirc de Pernambuco do CongressoInternacional para a Liberdade da Cultura Em 10 de junho lecirc noGabinete Portuguecircs de Leitura do Rio de Janeiro a convite daFederaccedilatildeo das Associaccedilotildees Portuguesas do Brasil conferecircncia publicadano mesmo ano pela referida entidade O Brasil em face das Aacutefricas

negras e mesticcedilas Em agosto reuacutene-se em Porto Alegre o 1o Coloacutequio deEstudos Teuto-Brasileiros organizado por sugestatildeo sua Ainda em agostoeacute admitido pelo Presidente da Repuacuteblica como Comandante do Corpode Graduaccedilatildeo da Ordem do Meacuterito Militar Por iniciativa do BancoInteramericano de Desenvolvimento o professor Leopoldo Castedoprofere em Washington DC no curso Panorama da Civilizaccedilatildeo Ibero-Americana conferecircncia sobre La valorizacioacuten del tropicalismo en FreyreEm outubro torna-se editor-associado do Journal of InteramericanStudies Em novembro dirige na Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra um curso de seis liccedilotildees sobre Sociologia da Histoacuteria Ainda naEuropa lecirc conferecircncias em universidades da Franccedila da AlemanhaOcidental e da Espanha Em 19 de novembro recebe o grau de doutorhonoris causa pela Faculdade de Letras de Coimbra Publicam-se noRio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Talvez poesia e Vida forma e

cor a 2a ediccedilatildeo de Ordem e progresso e a 3a de Sociologia em SatildeoPaulo (Livraria Martins Editora) o livro Arte ciecircncia e troacutepico emLisboa (Livros do Brasil) as ediccedilotildees portuguesas de Aventura e rotina ede Um brasileiro em terras portuguesas no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) a obra coletiva Gilberto Freyre sua ciecircncia sua filosofia suaarte (ensaios sobre o autor de Casa-grande amp senzala e sua influecircncia

na moderna cultura do Brasil comemorativos do vigeacutesimo quintoaniversaacuterio de publicaccedilatildeo desse livro)

1963

Em 10 de junho inaugura-se no Teatro Santa Isabel do Recife umaexposiccedilatildeo sobre Casa-grande amp senzala organizada pelo colecionadorAbelardo Rodrigues Em 20 de agosto o governo de Pernambucopromulga a Lei Estadual no 4666 de iniciativa do deputado PauloRangel Moreira que autoriza a ediccedilatildeo popular pelo mesmo estado deCasa-grande amp senzala Publicam-se em The American ScholarChapel Hill (United Chapters of Phi Beta Kappa e University of NorthCaroline) o ensaio On the Iberian concept of time em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo de Sobrados e mucambos em inglecircs com introduccedilatildeode Frank Tannenbaum The mansions and the shanties (the making ofmodern Brazil) em Washington DC (Pan American Union) o livro

Brazil em Lisboa a 2a ediccedilatildeo do opuacutesculo Americanism and latinityAmerica (em inglecircs e francecircs) em Brasiacutelia (Editora Universidade de

Brasiacutelia) a 12a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala (13a ediccedilatildeoem liacutengua portuguesa) e no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o livro Oescravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculo XIX (reediccedilatildeomuito ampliada da conferecircncia lida em 1935 na Sociedade FelipedrsquoOliveira) O professor Thomas John OrsquoHalloran apresenta agrave GraduateSchool of Arts and Science da New York University dissertaccedilatildeo sobreThe life and master writings of Gilberto Freyre As Editoras A A

Knopf e Random House publicam em Nova York a 2a ediccedilatildeo (como livrode bolso) de New world in the tropics

1964

A convite do governo do estado de Pernambuco lecirc na Escola Normal domesmo estado em 13 de maio conferecircncia como orador oficial dasolenidade comemorativa do centenaacuterio de fundaccedilatildeo daquela EscolaRecebe em Natal em julho as homenagens da Fundaccedilatildeo Joseacute Augustopelo trigeacutesimo aniversaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzalaRecebe em setembro o Precircmio Moinho Santista para Ciecircncias SociaisViaja aos Estados Unidos e participa em dezembro como conferencistaconvidado do seminaacuterio latino-americano promovido pela Universidade

de Coluacutembia Publicam-se em Nova York (Knopf) uma ediccedilatildeo abreviada(paperback) de The masters and the slaves em Madri (separata daRevista de la Universidad de Madrid) o opuacutesculo De lo regional a louniversal en la interpretacioacuten de los complejos socioculturales no Recife(Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) em traduccedilatildeo deWaldemar Valente a tese universitaacuteria de 1922 Vida social no Brasil nosmeados do seacuteculo XIX e o opuacutesculo (Imprensa Universitaacuteria) O estadode Pernambuco e expressatildeo no poder nacional aspectos de um assuntocomplexo no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seminovela Dona Sinhaacute e

o filho padre o livro Retalhos de jornais velhos (2a ediccedilatildeoconsideravelmente ampliada de Artigos de jornal) o opuacutesculo AAmazocircnia brasileira e uma possiacutevel luso-tropicologia (Superintendecircncia

do Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia) e a 11a ediccedilatildeobrasileira de Casa-grande amp senzala Recusa convite do presidenteCastelo Branco para ser ministro da Educaccedilatildeo e Cultura

1965

Viaja a Campina Grande onde lecirc em 15 de marccedilo na Faculdade deCiecircncias Econocircmicas a conferecircncia (publicada no mesmo ano pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba) Como e porque sou escritor Participano Simpoacutesio sobre Problemaacutetica da Universidade Federal dePernambuco (marccediloabril) com uma conferecircncia sobre a conveniecircnciada introduccedilatildeo na mesma universidade de ldquoUm novo tipo de seminaacuterio(Tannenbaum)rdquo Viaja ao Rio de Janeiro onde recebe em cerimocircniarealizada no auditoacuterio de O Globo diploma com o qual o referido jornalhomenageou no seu quadrageacutesimo aniversaacuterio a vida e a obra dosNotaacuteveis do Brasil brasileiros vivos que ldquopor seu talento e capacidade detrabalho de todas as formas invulgares tenham tido uma decisivaparticipaccedilatildeo nos rumos da vida brasileira ao longo dos quarenta anosconjuntamente vividosrdquo Em 9 de novembro gradua-se in absentiadoutor pela Universidade de Paris (Sorbonne) em solenidade na qualtambeacutem foram homenageados outros saacutebios de categoria internacionalem diferentes campos do saber sendo a consagraccedilatildeo por obra que vinhaabrindo ldquonovos caminhos agrave filosofia e agraves ciecircncias do homemrdquo Aconsagraccedilatildeo cultural pela Sorbonne juntou-se agrave recebida dasUniversidades da Coluacutembia e de Coimbra e agraves quais se somaram as deSussex (Inglaterra) e Muumlnster (Alemanha) em solenidade prestigiada

por nove magniacuteficos reitores alematildees Publicam-se em Berlim

(Kiepenheur amp Witsch) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala emalematildeo Herrenhaus und Sklavenhuumltte (Ein Bild der BrasilianischenGesellschaft) no Recife (Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco) oopuacutesculo Forccedilas Armadas e outras forccedilas e no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) o livro 6 conferecircncias em busca de um leitor

1966

Viaja ao Distrito Federal a convite da Universidade de Brasiacutelia onde lecircem agosto seis conferecircncias sobre Futurologia assunto que foi o primeiroa desenvolver no Brasil Por solicitaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas apresenta aoUnited Nations Human Rights Seminar on Apartheid (realizado emBrasiacutelia de 23 de agosto a 5 de setembro) um trabalho de base sobre Racemixture and cultural interpenetration the Brazilian exampledistribuiacutedo na mesma ocasiatildeo em inglecircs francecircs espanhol e russo Porsugestatildeo sua inicia-se na Universidade Federal de Pernambuco oSeminaacuterio de Tropicologia de caraacuteter interdisciplinar e inspirado peloseminaacuterio do mesmo tipo iniciado na Universidade de Coluacutembia peloprofessor Frank Tannenbaum Publicam-se em Barnet Inglaterra Theracial factor in contemporary politics no Recife (governo do estado

de Pernambuco) o primeiro tomo da 14a ediccedilatildeo brasileira (15a em liacutenguaportuguesa) de Casa-grande amp senzala (ediccedilatildeo popular para sercomercializada a preccedilos acessiacuteveis de acordo com a Lei Estadual no4666 de 20 de agosto de 1963) e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a

13a ediccedilatildeo do mesmo livro

1967

Em 30 de janeiro lanccedilamento solene no Palaacutecio do Governo do Estadode Pernambuco do primeiro volume da ediccedilatildeo popular de Casa-grande amp senzala Em julho viaja aos Estados Unidos para receber noInstituto Aspen de Estudos Humaniacutesticos o Precircmio Aspen do ano (30mil doacutelares e isento de imposto sobre a renda) ldquopelo que haacute de originalexcepcional e de valor permanente em sua obra ao mesmo tempo defiloacutesofo escritor literaacuterio e antropoacutelogordquo Recebe o Nobel dos EstadosUnidos na presenccedila de embaixador enviado especial do presidenteLyndon B Johnson que se congratula com Gilberto Freyre pela honraria

na qual o autor foi precedido por apenas trecircs notabilidadesinternacionais o compositor Benjamin Britten a danccedilarina MarthaGraham e o urbanista Constantino Doxiadis por obras reveladoras deldquocriatividade genialrdquo Em dezembro lecirc na Academia Brasileira de Letrasno Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e no Instituto JoaquimNabuco de Pesquisas Sociais conferecircncias sobre Oliveira Lima emsessotildees solenes comemorativas do centenaacuterio de nascimento daquelehistoriador (ampliadas no livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo)Publicam-se em Lisboa (Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian) o livroSociologia da medicina em Nova York (Knopf) a traduccedilatildeo daldquoseminovelardquo Dona Sinhaacute e o filho padre Mother and son a Brazilian

tale no Recife (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) a 2a

ediccedilatildeo de Mucambos do Nordeste e a 3a ediccedilatildeo do ManifestoRegionalista de 1926 em Satildeo Paulo (Arquimedes Ediccedilotildees) o livro O

Recife sim Recife natildeo e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 4a

ediccedilatildeo de Sociologia

1968

Em 9 de janeiro lecirc no Palaacutecio do Governo do Estado de Pernambuco aprimeira da seacuterie de conferecircncias promovidas pelo governador do estadopara comemorar o centenaacuterio de nascimento de Oliveira Lima (incluiacutedano livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo publicado no mesmo anopela Imprensa da Universidade de Recife) Viaja agrave Argentina onde fazconferecircncia sobre Oliveira Lima na Universidade do Rosaacuterio e agraveAlemanha Ocidental onde recebe o tiacutetulo de Doutor Honoris Causapela Universidade de Muumlnster por sua obra comparada agrave de BalzacPublicam-se em Lisboa (Academia Internacional da Cultura Portuguesa)o livro em dois volumes Contribuiccedilatildeo para uma sociologia dabiografia (o exemplo de Luiacutes de Albuquerque governador de MatoGrosso no fim do seacuteculo XVII) no Distrito Federal (EditoraUniversidade de Brasiacutelia) o livro Como e porque sou e natildeo sou socioacutelogo

e no Rio de Janeiro (Record) as 2as ediccedilotildees dos livros Regiatildeo e tradiccedilatildeoe Brasis Brasil e Brasiacutelia Ainda no Rio de Janeiro publicam-se (Joseacute

Olympio) as 4as ediccedilotildees dos livros Guia praacutetico histoacuterico e sentimentalda cidade do Recife e Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimentalde cidade brasileira

1969

Recebe o Precircmio Internacional de Literatura La Madonnina porldquoincomparaacutevel agudeza na descriccedilatildeo de problemas sociais conferindo-lhes calor humano e otimismo bondade e sabedoriardquo atraveacutes de umaobra de ldquofulguraccedilotildees geniaisrdquo Lecirc conferecircncia no Conselho Federal deCultura em sessatildeo dedicada agrave memoacuteria de Rodrigo M F de Andrade AUniversidade Federal de Pernambuco lanccedila os dois primeiros volumesdo seminaacuterio de Tropicologia relativos ao ano de 1966 Troacutepico ampcolonizaccedilatildeo nutriccedilatildeo homem religiatildeo desenvolvimento educaccedilatildeo ecultura trabalho e lazer culinaacuteria populaccedilatildeo Lecirc no InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais quatro conferecircncias sobre Tiposantropoloacutegicos no romance brasileiro Publicam-se no Recife (InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) o ensaio Sugestotildees em torno daciecircncia e da arte da pesquisa social e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio)

a 15a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1970

Completa setenta anos de idade residindo na proviacutencia e trabalhandocomo se fosse um intelectual ainda jovem escrevendo livroscolaborando em jornais e revistas nacionais e estrangeiros dirigindocursos proferindo conferecircncias presidindo o conselho diretor eincentivando as atividades do Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais presidindo o Conselho Estadual de Cultura dirigindo o CentroRegional de Pesquisas Educacionais e o Seminaacuterio de Tropicologia daUniversidade Federal de Pernambuco comparecendo agraves reuniotildeesmensais do Conselho Federal de Cultura e atendendo a convites deuniversidades europeias e norte-americanas onde eacute sempre recebidocomo o embaixador intelectual do Brasil A Editora A A Knopf publicaem Nova York Order and progress com texto traduzido e refundidopor Rod W Horton

1971

Recebe a 26 de novembro em solenidade no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife e tendo como paraninfo o ministro Maacuterio GibsonBarbosa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal dePernambuco Discursa como orador oficial da solenidade deinauguraccedilatildeo pelo presidente Emiacutelio Garrastazu Meacutedici do Parque

Nacional dos Guararapes no Recife A rainha Elizabeth lhe confere otiacutetulo de Sir (Cavaleiro Comandante do Impeacuterio Britacircnico) e aUniversidade Federal do Rio de Janeiro o grau de Doutor HonorisCausa em filosofia Publicam-se a primeira ediccedilatildeo da Seleta para jovens(Joseacute Olympio) e a obra Noacutes e a Europa germacircnica (Grifo Ediccedilotildees)Continua a receber visitas de estrangeiros ilustres na sua casa deApipucos devendo-se destacar as de embaixadores do Reino UnidoFranccedila Estados Unidos Beacutelgica e as de Aldous Huxley GeorgeGurvitch Shelesky John dos Passos Jean Duvignaud Lincoln Gordon eRoberto Kennedy a quem oferece jantar a pedido desse visitante ACompanhia Editora Nacional publica em Satildeo Paulo como volume 348

de sua coleccedilatildeo Brasiliana a 1a ediccedilatildeo brasileira de Novo mundo nostroacutepicos

1972

Preside o Primeiro Encontro Inter-regional de Cientistas Sociais do Brasilrealizado em Fazenda Nova Pernambuco de 17 a 20 de janeiro sob osauspiacutecios do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais Recebe otiacutetulo de Cidadatildeo de Olinda conferido por Lei Municipal no 3774 de 8de marccedilo de 1972 e em sessatildeo solene da Assembleia Legislativa doEstado de Pernambuco a Medalha Joaquim Nabuco conferida pelaResoluccedilatildeo no 871 de 28 de abril de 1972 Em 14 de junho profere noInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais palestra sobre JoseacuteBonifaacutecio e no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais as duasprimeiras conferecircncias da seacuterie comemorativa do centenaacuterio de EstaacutecioCoimbra Em 15 de dezembro inaugura-se na Praia de Boa Viagem noRecife o Hotel Casa-grande amp senzala A Editora Giulio Einaudi publicaem Turim a ediccedilatildeo italiana de Casa-grande amp senzala (Case ecatatecchie)

1973

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo ldquopor obras notaacuteveis emsociologia e histoacuteriardquo e o Trofeacuteu Diaacuterios Associados pela ldquomaior distinccedilatildeoanual em artes plaacutesticasrdquo Realizam-se exposiccedilotildees de telas de sua autoriauma no Recife outra no Rio esta na residecircncia do casal Joseacute Maria doCarmo Nabuco com apresentaccedilatildeo de Alfredo Arinos de Mello FrancoPor decreto do presidente Meacutedici eacute reconduzido ao Conselho Federal

de Cultura Viaja a Angola em fevereiro A 10 de maio a convite daAssembleia Legislativa do Estado de Pernambuco profere discurso noCemiteacuterio de Santo Amaro diante do tuacutemulo de Joaquim Nabuco emcomemoraccedilatildeo ao Sesquicentenaacuterio do Poder Legislativo no Brasil Recebeem setembro em Joatildeo Pessoa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba Profere na Cacircmara dos Deputados em29 de novembro conferecircncia sobre Atuaccedilatildeo do Parlamento no Impeacuterio ena Repuacuteblica na seacuterie comemorativa do Sesquicentenaacuterio do PoderLegislativo no Brasil e na Universidade de Brasiacutelia palestra em inglecircspara o corpo diplomaacutetico sob o tiacutetulo de Some remarks on how and whyBrazil is different Em 13 de dezembro eacute operado pelo professorEuriacuteclides de Jesus Zerbini no Hospital da Beneficecircncia Portuguesa deSatildeo Paulo

1974

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo conferido pelo Centro deArtes Novo Mundo Faz sua primeira exposiccedilatildeo de pintura em Satildeo Paulocom quarenta telas adquiridas imediatamente A 15 de marccedilo o InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais comemora com exposiccedilatildeo e sessatildeosolene os quarenta anos da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em20 de julho profere no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisconferecircncia sobre a Importacircncia dos retratos para os estudantesbiograacuteficos o caso de Joaquim Nabuco A 29 de agosto a UniversidadeFederal de Pernambuco inaugura no saguatildeo da reitoria uma placacomemorativa dos quarenta anos de Casa-grande amp senzala A 12 deoutubro recebe a Medalha de Ouro Joseacute Vasconcelos outorgada pelaFrente de Afirmacioacuten Hispanista do Meacutexico para distinguir a cada anouma personalidade dos meios culturais hispano-americanos O cineastaGeraldo Sarno realiza documentaacuterio de cinco minutos intitulado Casa-grande amp senzala de acordo com uma ideia de Aldous Huxley Oeditor Alfred A Knopf publica em Nova York a obra The Gilberto FreyreReader

1975

Diante da violecircncia de uma enchente do rio Capibaribe em 17 e 18 dejulho lidera com Fernando de Mello Freyre diretor do InstitutoJoaquim Nabuco um movimento de estudo interdisciplinar sobre as

enchentes em Pernambuco Profere em 10 de outubro conferecircncia noClube Atleacutetico Paulistano sobre O Brasil como naccedilatildeo hispano-tropicalRecebe em 15 de outubro do Sindicato dos Professores do EnsinoPrimaacuterio e Secundaacuterio de Pernambuco e da Associaccedilatildeo dos Professoresdo Ensino Oficial o tiacutetulo de Educador do Ano por relevantes serviccedilosprestados agrave comunidade nordestina no campo da educaccedilatildeo e dapesquisa social Profere em 7 de novembro no Teatro Santa Isabel doRecife conferecircncia sobre o Sesquicentenaacuterio do Diaacuterio de PernambucoO Instituto do Accediluacutecar e do Aacutelcool lanccedila em 15 de novembro o Precircmio deCriatividade Gilberto Freyre para os melhores ensaios sobre aspectossocioeconocircmicos da zona canavieira do Nordeste Publicam-se no Rio deJaneiro suas obras Tempo morto e outros tempos O brasileiro entre osoutros hispanos (Joseacute Olympio) e Presenccedila do accediluacutecar na formaccedilatildeobrasileira (IAA)

1976

Viaja agrave Europa em setembro fazendo conferecircncias em Madri (Institutode Cultura Hispacircnica) e em Londres (Conselho Britacircnico) Eacutehomenageado com a esposa em Londres com banquete peloembaixador Roberto Campos e esposa (presentes vaacuterios dos seus amigosingleses como Lord Asa Briggs) Em Paris como hoacutespede do governofrancecircs eacute entrevistado pelo socioacutelogo Jean Duvignaud na raacutedio e natelevisatildeo francesas sobre Tendecircncias atuais da cultura brasileira Eacutehomenageado com banquete pelo diretor de Le Figaro seu amigoescritor e membro da Academia Francesa Jean drsquoOrmesson presentesRoger Caillois e outros intelectuais franceses Em Viena identifica mapasineacuteditos do Brasil no periacuteodo holandecircs existentes na Biblioteca Nacionalda Aacuteustria Na Espanha como hoacutespede do governo realiza palestra noInstituto de Cultura Hispacircnica presidido pelo Duque de Cadis EmLisboa eacute homenageado com banquete pelo secretaacuterio de estado deCultura com a presenccedila de intelectuais ministros e diplomatas Em 7 deoutubro lecirc em Brasiacutelia a convite do ministro da Previdecircncia Socialconferecircncia de encerramento do Seminaacuterio sobre Problemas de Idosos A

Livraria Joseacute Olympio Editora publica as 16a e 17a ediccedilotildees de Casa-

grande amp senzala e o IJNPS a 6a ediccedilatildeo do Manifesto regionalista Eacute

lanccedilada 2a ediccedilatildeo portuguesa em Lisboa de Casa-grande amp senzala

1977

Estreia em janeiro no Nosso Teatro (Recife) a peccedila Sobrados emucambos adaptada por Hermilo Borba Filho e encenada pelo GrupoTeatral Vivencial Recebe em fevereiro do embaixador Michel Legendrea faixa e as insiacutegnias de Comendador das Artes e Letras da FranccedilaProfere em marccedilo no Seminaacuterio de Tropicologia conferecircncia sobre ORecife eurotropical e na Cacircmara dos Deputados em Brasiacuteliaconferecircncia de encerramento do ciclo comemorativo do Bicentenaacuterio daIndependecircncia dos Estados Unidos Exibiccedilatildeo na Biblioteca MunicipalMaacuterio de Andrade em Satildeo Paulo de um documentaacuterio cinematograacuteficosobre sua vida e obra Da palavra ao desenho da palavra com debatesdos quais participam Freitas Marcondes Leo Gilson Ribeiro OsmarPimentel e Egon Schaden Profere conferecircncias na Cacircmara dosDeputados em Brasiacutelia em 19 de agosto sobre A terra o homem e aeducaccedilatildeo no Seminaacuterio sobre Ensino Superior promovido pela Comissatildeode Educaccedilatildeo e Cultura e no Teatro Joseacute de Alencar de Fortaleza em 24de setembro sobre O Nordeste visto atraveacutes do tempo Lanccedilamento emSatildeo Paulo em 10 de novembro do aacutelbum Casas-grandes amp senzalascom guaches de Ciacutecero Dias Apresenta no Arquivo Puacuteblico Estadual dePernambuco conferecircncia de encerramento do Curso sobre oSesquicentenaacuterio da Elevaccedilatildeo do Recife agrave Condiccedilatildeo de Capital sobre ORecife e a sua autobiografia coletiva Eacute acolhido como soacutecio honoraacuterio doPen Clube do Brasil Inicia em outubro colaboraccedilatildeo semanal na Folha deSPaulo A Livraria Joseacute Olympio Editora publica O outro amor do drPaulo seminovela continuaccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre AEditora Nova Aguilar publica em dezembro a Obra escolhida volumeem papel-biacuteblia que inclui Casa-grande amp senzala Nordeste e Novomundo nos troacutepicos com introduccedilatildeo de Antocircnio Carlos Villaccedilacronologia da vida e da obra e bibliografia ativa e passiva por Edson Nery

da Fonseca A Editora Ayacucho lanccedila em Caracas a 3a ediccedilatildeo emespanhol de Casa-grande amp senzala com introduccedilatildeo de Darcy RibeiroAs Ediciones Cultura Hispaacutenica publicam em Madri a ediccedilatildeo espanholada Seleta para jovens com o tiacutetulo de Antologiacutea A Editora Espasa-Calpe publica em Madri Maacutes allaacute de lo moderno com prefaacutecio de

Juliaacuten Mariacuteas A Livraria Joseacute Olympio Editora lanccedila a 5a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 18a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp

senzala

1978

Viaja a Caracas para proferir trecircs conferecircncias no Instituto de AssuntosInternacionais do Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores da Venezuela Abreno Arquivo Puacuteblico Estadual em 30 de marccedilo ciclo de conferecircnciassobre escravidatildeo e aboliccedilatildeo em Pernambuco fazendo Novasconsideraccedilotildees sobre escravos em anuacutencios de jornal em PernambucoProfere conferecircncia sobre O Recife e sua ligaccedilatildeo com estudosantropoloacutegicos no Brasil na instalaccedilatildeo da XI Reuniatildeo Brasileira deAntropologia no auditoacuterio da Universidade Federal de Pernambuco em7 de maio Em 22 de maio abre em Natal a I Semana de Cultura doNordeste Profere em Curitiba em 9 de junho conferecircncia sobre O Brasilem nova perspectiva antropossocial numa promoccedilatildeo da Associaccedilatildeo dosProfessores Universitaacuterios do Paranaacute em Cuiabaacute em 16 de setembroconferecircncia sobre A dimensatildeo ecoloacutegica do caraacuteter nacional naAcademia Paulista de Letras em 4 de dezembro conferecircncia sobre

Tropicologia e realidade social abrindo o 1o Seminaacuterio Internacional deEstudos Tropicais da Fundaccedilatildeo Escola de Sociologia e Poliacutetica Publica-seRecife amp Olinda com desenhos de Tom Maia e Thereza ReginaPublicam-se as seguintes obras Alhos e bugalhos (Nova Fronteira)Prefaacutecios desgarrados (Caacutetedra) Arte e ferro (Ranulpho Editora deArte) com pranchas de Lula Cardoso Ayres O Conselho Federal deCultura lanccedila Cartas do proacuteprio punho sobre pessoas e coisas do Brasil

e do estrangeiro A Editora Gallimard publica a 14a ediccedilatildeo de Maicirctreset esclaves na Coleccedilatildeo TEL A Livraria Editora Joseacute Olympio publica a

19a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala e a Fundaccedilatildeo Cultural

do Mato Grosso a 2a ediccedilatildeo de Introduccedilatildeo a uma sociologia dabiografia

1979

O Arquivo Estadual de Pernambuco publica em marccedilo a ediccedilatildeo fac-similar do Livro do Nordeste Participa no auditoacuterio da BibliotecaMunicipal de Satildeo Paulo em 30 de marccedilo da Semana do EscritorBrasileiro Recebe em Aracaju em 17 de abril o tiacutetulo de CidadatildeoSergipano outorgado pela Assembleia Legislativa de Sergipe Eacute

homenageado pelo 44o Congresso Mundial de Escritores do Pen ClubeInternacional reunido no Rio de Janeiro quando recebe a medalhaEuclides da Cunha sendo saudado pelo escritor Maacuterio Vargas LlosaRecebe o grau de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de CiecircnciasMeacutedicas da Fundaccedilatildeo do Ensino Superior de Pernambuco ndashUniversidade de Pernambuco em setembro Viaja agrave Europa em outubroProfere conferecircncia na Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian em 22 deoutubro sobre Onde o Brasil comeccedilou a ser o que eacute Abre o ciclo de

conferecircncias comemorativo do 20o aniversaacuterio da Sudene emdezembro falando sobre Aspectos sociais do desenvolvimento regionalRecebe nesse mecircs o Precircmio Caixa Econocircmica Federal da FundaccedilatildeoCultural do Distrito Federal pela obra Oh de casa Profere naUniversidade de Brasiacutelia conferecircncia sobre Joaquim Nabuco um novotipo de poliacutetico A Editora Artenova publica Oh de casa A EditoraCultrix publica Heroacuteis e vilotildees no romance brasileiro A MPMPropaganda publica Pessoas coisas amp animais em ediccedilatildeo natildeocomercial A Editora Ibrasa publica Tempo de aprendiz

1980

Em 24 de janeiro a Academia Pernambucana de Letras inicia ascomemoraccedilotildees do octogeacutesimo aniversaacuterio do autor com umaconferecircncia de Gilberto Osoacuterio de Andrade sobre Gilberto Freyre e otroacutepico Em 25 de janeiro a Codepe inicia seu Seminaacuterio Permanente deDesenvolvimento dedicando-o ao estudo da obra de Gilberto Freyre OArquivo Puacuteblico Estadual comemora a efemeacuteride em 26 e 27 defevereiro com duas conferecircncias de Edson Nery da Fonseca Recebe emSatildeo Paulo em 7 de marccedilo a medalha de Ordem do Ipiranga maiorcondecoraccedilatildeo do estado Em 26 de marccedilo recebe a medalha JoseacuteMariano da Cacircmara Municipal do Recife Por decreto de 15 de abril ogovernador do estado de Sergipe lhe confere o galardatildeo de Comendadorda Ordem do Meacuterito Aperipecirc Em homenagem ao autor satildeo realizadosdiversos eventos como missa cantada na Catedral de Satildeo Pedro dosCleacuterigos do Recife mandada celebrar pelo governo do estado dePernambuco sendo oficiante monsenhor Severino Nogueira e regente opadre Jayme Diniz Inauguraccedilatildeo na redaccedilatildeo do Diaacuterio dePernambuco de placa comemorativa da colaboraccedilatildeo de Gilberto Freyreiniciada em 1918 Almoccedilo na residecircncia de Fernando Freyre Open

house na vivenda Santo Antocircnio Sorteio de bilhete da Loteria Federalda Praccedila de Apipucos Desfile de clubes e blocos carnavalescos econcentraccedilatildeo popular em Apipucos Sessatildeo solene do CongressoNacional em 15 de abril agraves 15 horas para homenagear o escritor GilbertoFreyre pelo transcurso do seu octogeacutesimo aniversaacuterio Discursos dopresidente senador Luiacutes Viana Filho dos senadores Aderbal Jurema eMarcos Freire e do deputado Thales Ramalho Viaja a Portugal emjunho a convite da Cacircmara Municipal de Lisboa para participar nascomemoraccedilotildees do Quarto Centenaacuterio da Morte de Camotildees Profereconferecircncia A tradiccedilatildeo camoniana ante insurgecircncias e ressurgecircncias

atuais Eacute homenageado em 6 de julho durante a 32a Reuniatildeo Anual daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciecircncia realizada no Rio deJaneiro e em 25 de julho pelo XII Congresso Brasileiro de Liacutengua eLiteratura promovido pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro eUniversidade Federal do Rio de Janeiro Em 11 de agosto recebe doembaixador Hansjorg Kastl a Gratilde-Cruz do Meacuterito da RepuacuteblicaFederativa da Alemanha Ainda em agosto eacute homenageado pelo IVSeminaacuterio Paraibano de Cultura Brasileira Recebe o tiacutetulo de CidadatildeoBenemeacuterito de Joatildeo Pessoa outorgado pela Cacircmara Municipal da capitalparaibana Recebe o tiacutetulo do soacutecio honoraacuterio do Instituto Histoacuterico eGeograacutefico da Paraiacuteba Em 2 de setembro eacute homenageado pelo PenClube do Brasil com um painel sobre suas ideias no auditoacuterio do Palaacutecioda Cultura no Rio de Janeiro Encenaccedilatildeo no Teatro Satildeo Pedro de SatildeoPaulo da peccedila de Joseacute Carlos Cavalcanti Borges Casa-grande ampsenzala sob a direccedilatildeo de Miroel Silveira pelo grupo teatral da Escola deComunicaccedilatildeo e Artes da USP Em 10 de outubro apresenta conferecircnciada Fundaccedilatildeo Luisa e Oscar Americano de Satildeo Paulo sobre Imperialismocultural do Conde Mauriacutecio De 13 a 17 de outubro profere simpoacutesiointernacional promovido pela Universidade de Brasiacutelia e pelo Ministeacuterioda Educaccedilatildeo e Cultura com a participaccedilatildeo como conferencistas dohistoriador social inglecircs Lord Asa Briggs do filoacutesofo espanhol JuliaacutenMariacuteas do poeta e ensaiacutesta portuguecircs David Mouratildeo-Ferreira doantropoacutelogo francecircs Jean Duvignaud e do historiador mexicano SilvioZavala Recebe o Precircmio Jabuti de Satildeo Paulo em 28 de outubroRecebe em 11 de dezembro o grau de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Catoacutelica de Pernambuco Em 12 de dezembro recebe oPrecircmio Moinho Recife Satildeo publicadas diversas obras do autor como o

aacutelbum Gilberto poeta algumas confissotildees com serigrafias de AldemirMartins Jenner Augusto Lula Cardoso Ayres Reynaldo Fonseca eWellington Virgolino e posfaacutecio de Joseacute Paulo Moreira da Fonseca(Ranulpho Editora de Arte) Poesia reunida (Ediccedilotildees Pirata Recife)

20a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala com prefaacutecio do

ministro Eduardo Portella 5a ediccedilatildeo de Olinda 3a ediccedilatildeo da Seleta

para jovens 2a ediccedilatildeo brasileira de Aventura e rotina (todas pela

Editora Joseacute Olympio) e a 2a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios dejornais brasileiros do seacuteculo XIX (Companhia Editora Nacional) AEditora Greenwood Press de Westport Conn publica sem autorizaccedilatildeodo autor a reimpressatildeo de New world in the tropics

1981

A Classe de Letras da Academia de Ciecircncias de Lisboa reuacutene-se emfevereiro para a comunicaccedilatildeo do escritor David Mouratildeo-Ferreira sobreGilberto Freyre criador literaacuterio Encenaccedilatildeo em marccedilo no Teatro SantaIsabel da peccedila-baleacute de Rubens Rocha Filho Tempos perdidos nossostempos Em 25 de marccedilo o autor recebe do embaixador Jean Beliard arosette de Oficial da Leacutegion drsquoHonneur Inauguraccedilatildeo de seu retrato em21 de abril no Museu do Trem da Superintendecircncia Regional da RedeFerroviaacuteria Federal Em 29 de abril o Conselho Municipal de Culturalanccedila no Palaacutecio do Governo um aacutelbum de desenhos de sua autoriaInauguraccedilatildeo em 7 de maio no Museu Nacional da Quinta da Boa Vistada ediccedilatildeo quadrinizada de Casa-grande amp senzala numa promoccedilatildeo daUniversidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional e EditoraBrasil-Ameacuterica Profere conferecircncia em 15 de maio no auditoacuterio BeniacutecioDias da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco sobre Atualidade de Lima BarretoViaja agrave Espanha em outubro para tomar posse no Conselho Superior doInstituto de Cooperaccedilatildeo Ibero-Americana nomeado pelo rei Joatildeo CarlosI

1982

Recebe em janeiro a medalha comemorativa dos trinta anos do ConselhoNacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico (CNPq) Proferena Academia Pernambucana de Letras conferecircncia sobre Luiacutes Jardimautodidata comemorativa do octogeacutesimo aniversaacuterio do pintor e

escritor pernambucano Na abertura do III Congresso Afro-Brasileiro em20 de setembro apresenta conferecircncia no teatro Santa Isabel Emsetembro eacute entrevistado pela Rede Bandeirantes de Televisatildeo noprograma Canal Livre Recebe do embaixador Javier Vallaure naEmbaixada da Espanha em Brasiacutelia a Gratilde-Cruz de Alfonso El Sabio(outubro) e no auditoacuterio do Palaacutecio da Cultura em 9 de novembroconferecircncia sobre Villa-Lobos revisitado Profere no Nacional Club de SatildeoPaulo em 11 de novembro conferecircncia sobre Brasil entre passados uacuteteise futuros renovados A Editora Massangana publica Rurbanizaccedilatildeo oque eacute A Editora Klett-Cotta de Stuttgart publica a primeira ediccedilatildeoalematilde de Das Land in der Stadt Die Entwicklung der urbanemGesellschaft Brasiliens (Sobrados e mucambos) e a segunda deHerrenhaus und Sklavenhuumltte (Casa-grande amp senzala)

1983

Iniciam-se em 21 de marccedilo ndash Dia Internacional das Naccedilotildees UnidasContra a Discriminaccedilatildeo Racial ndash as comemoraccedilotildees do cinquentenaacuterio dapublicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala com sessatildeo solene no auditoacuterioBeniacutecio Dias presidida pelo governador Roberto Magalhatildees e com apresenccedila da ministra da Educaccedilatildeo Esther de Figueiredo Ferraz e dodiretor-geral da Unesco Amadou MrsquoBow que lhe entrega a medalhaHomenagem da Unesco Recebe em 15 de abril da Associaccedilatildeo Brasileirade Relaccedilotildees Puacuteblicas Seccedilatildeo de Pernambuco o Trofeacuteu Integraccedilatildeo pordestaque cultural de 1982 Em abril expotildee seus uacuteltimos desenhos epinturas na Galeria Aloiacutesio Magalhatildees Viaja a Lisboa em 25 de outubropara receber do ministro dos Negoacutecios Estrangeiros a Gratilde-Cruz deSantiago da Espada Em 27 de outubro participa de sessatildeo solene daAcademia de Ciecircncias de Lisboa e da Academia Portuguesa de Histoacuteriacomemorativa do cinquentenaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande ampsenzala A Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian promove em Lisboa um ciclode conferecircncias sobre Casa-grande amp senzala (2 de novembro a 4 dedezembro) Eacute homenageado pela Feira Internacional do Livro do Rio deJaneiro em 9 de novembro O Seminaacuterio de Tropicologia reuacutene-se em29 de novembro para a conferecircncia de Edson Nery da Fonsecaintitulada Gilberto Freyre cultura e troacutepico Recebe em 7 de dezembrono Liceu Literaacuterio Portuguecircs do Rio de Janeiro a Gratilde-Cruz da OrdemCamoniana A Editora Massangana publica Apipucos que haacute num

nome a Editora Globo lanccedila Insurgecircncias e ressurgecircncias atuais e

Meacutedicos doentes e contextos sociais (2a ediccedilatildeo de Sociologia damedicina) Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco de 19 a 30 desetembro um ciclo de conferecircncias comemorativo dos cinquenta anosde Casa-grande amp senzala promovido com apoio do governo do estadoe de outras entidades pernambucanas (anais editados por Edson Neryda Fonseca e publicados em 1985 pela Editora Massangana Novasperspectivas em Casa-grande amp senzala) A Joseacute Olympio Editorapublica no Rio de Janeiro o livro de Edilberto Coutinho A imaginaccedilatildeodo real uma leitura da ficccedilatildeo de Gilberto Freyre tese de doutoramentodefendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro A Editora Recordlanccedila no Rio de Janeiro Homens engenharias e rumos sociais

1984

Lanccedilamento em 20 de janeiro de selo postal comemorativo docinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Viaja a Salvador em 14 demarccedilo para receber homenagem do governo do estado pelocinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Inauguraccedilatildeo no Museu deArte Moderna da Bahia da exposiccedilatildeo itinerante sobre a obraConferecircncia de Edson Nery da Fonseca sobre Gilberto Freyre Casa-grande amp senzala e a Bahia Convidado pelo governador TancredoNeves profere em Ouro Preto em 21 de abril o discurso oficial daSemana da Inconfidecircncia Profere em 8 de maio na antiga Reitoria daUFRJ conferecircncia sobre Alfonso X o saacutebio ponte de culturas Recebeda Uniatildeo Cultural Brasil-Estados Unidos em 7 de junho a medalha demerecimento por serviccedilos relevantes prestados agrave aproximaccedilatildeo entre oBrasil e os Estados Unidos Em 8 de junho profere conferecircncia no ClubeAtleacutetico Paulistano sobre Camotildees vocaccedilatildeo de antropoacutelogo modernopromovida pelo Conselho da Comunidade Portuguesa de Satildeo Paulo Emsetembro o Baleacute Studio Um realiza no Recife o espetaacuteculo de danccedilaCasa-grande amp senzala sob a direccedilatildeo de Eduardo Gomes e com muacutesicade Egberto Gismonti Recebe a Medalha Picasso da Unesco desenhadapor Juan Miroacute em comemoraccedilatildeo do centenaacuterio do pintor espanhol Emsetembro homenageado por Richard Civita no Hotel 4 Rodas de Olindacom banquete presidido pelo governador Roberto Magalhatildees e entregade passaportes para o casal se hospedar em qualquer hotel da redeParticipa na Arquidiocese do Rio de Janeiro em outubro do Congresso

Internacional de Antropologia e Praacutexis debatedor do tema Cultura eredenccedilatildeo desenvolvido por D Paul Poupard Eacute homenageado noTeatro Santa Isabel do Recife em 31 de novembro pelo cinquentenaacuterio

do 1o Congresso Afro-Brasileiro ali realizado em 1934 Lecirc no Museu deArte Sacra de Pernambuco (Olinda) a conferecircncia Cultura e museuspublicada no ano seguinte pela Fundarpe Convidado pelo Conselho daComunidade Portuguesa do Estado de Satildeo Paulo lecirc no Clube AtleacuteticoPaulistano em 8 de junho (Dia de Portugal) a conferecircncia Camotildeesvocaccedilatildeo de antropoacutelogo moderno publicada no mesmo ano peloconselho

1985

Recebe da Fundaccedilatildeo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico de Pernambuco(Fundarpe) a Homenagem agrave Cultura Viva de Pernambuco em 18 demarccedilo Viaja em maio aos Estados Unidos para receber na BaylorUniversity o precircmio consagrador de notaacuteveis triunfos (DistinguishedAchievement Award) Profere em 21 de maio na Harvard Universityconferecircncia sobre My first contacts with american intellectual lifepromovida pelo Departamento de Liacutenguas e Literaturas Romacircnicas epela Comissatildeo de Estudos Latino-Americanos e Ibeacutericos Realizaexposiccedilatildeo na Galeria Metropolitana Aloiacutesio Magalhatildees do RecifeDesenhos a cor figuras humanas e paisagens Recebe em agosto o graude Doutor Honoris Causa em Direito e em Letras pela UniversidadeClaacutessica de Lisboa Eacute nomeado em setembro pelo presidente daRepuacuteblica para compor a Comissatildeo de Estudos Constitucionais Recebeo tiacutetulo de Cidadatildeo de Manaus em 6 de setembro Profere em 29 deoutubro conferecircncia na inauguraccedilatildeo do Instituto Brasileiro de AltosEstudos (Ibrae) de Satildeo Paulo subordinada ao tiacutetulo Agrave beira do seacuteculoXX Em 20 de novembro eacute apresentado no Cine Bajado de Olinda ofilme de Kaacutetia Mesel Oh de casa Em dezembro viaja a Satildeo Paulo sendohospitalizado no Incor para cirurgia de um divertiacuteculo de Zenkel (heacuternia

de esocircfago) A Joseacute Olympio Editora publica a 7a ediccedilatildeo de Sobrados e

mucambos e a 5a ediccedilatildeo de Nordeste Por iniciativa do Centro deEstudos Latino-Americanos da Universidade da Califoacuternia em LosAngeles a editora da universidade publica em Berkeley reediccedilotildees embrochuras do mesmo formato The masters and the slaves The

mansions and the shanties e Order and progress com introduccedilotildees deDavid H E Mayburt-Lewis e Ludwig Lauerhass Jr respectivamente

1986

Em janeiro submete-se a uma cirurgia do esocircfago para retirada de umdivertiacuteculo de Zenkel no Incor Regressa ao Recife em 16 de janeirodizendo ldquoagora estou em casa meu Apipucosrdquo Em 22 de fevereiroretorna a Satildeo Paulo para uma cirurgia de proacutestata no Incor realizada em24 de fevereiro Recebe em 24 de abril em sua residecircncia de Apipucosdo embaixador Bernard Dorin a comenda de Grande Oficial da Legiatildeode Honra no grau de Cavaleiro Em maio eacute agraciado com o PrecircmioCavalo-Marinho da Empitur Em agosto recebe o tiacutetulo de Cidadatildeo deAracaju Em 24 de outubro reencontra-se no Recife com a danccedilarinaKatherine Dunhm Em 28 de outubro eacute eleito para ocupar a cadeira 23da Academia Pernambucana de Letras vaga com a morte de GilbertoOsoacuterio de Andrade Toma posse em 11 de dezembro na AcademiaPernambucana de Letras Recebe em 16 de dezembro o tiacutetulo dePesquisador Emeacuterito do Instituto de Pesquisas Sociais da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco Publica-se em Budapeste a ediccedilatildeo huacutengara de Casa-grande amp senzala Udvarhaacutez es szolgaszaacutellaacutes A professora EacutelideRugai Bastos defende na Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo(PUC) a tese de doutoramento Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo dasociedade brasileira orientada pelo professor Octavio Ianni A AacuteriesEditora publica em Satildeo Paulo o livro de Pietro Maria Bardi Ex-votos deMaacuterio Cravo e a Editora Creficullo lanccedila o livro do mesmo autor 40anos de Masp ambos prefaciados por Gilberto Freyre

1987

Instituiccedilatildeo em 11 de marccedilo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 demarccedilo recebe em Apipucos a visita do presidente Maacuterio Soares Em 7 deabril submete-se a uma cirurgia para implantaccedilatildeo de marca-passo noIncor do Hospital Portuguecircs Em 18 de abril Saacutebado Santo recebe de dBasiacutelio Penido OSB os sacramentos da Reconciliaccedilatildeo da Eucaristia e daUnccedilatildeo dos Enfermos Morre no Hospital Portuguecircs agraves 4 horas de 18 dejulho aniversaacuterio de Magdalena Sepultamento no Cemiteacuterio de SantoAmaro agraves 18 horas com discurso do ministro Marcos Freire Em 20 dejulho o senador Afonso Arinos ocupa a tribuna da Assembleia Nacional

Constituinte para homenagear sua memoacuteria Em 19 de julho o jornalABC de Madri publica um artigo de Juliaacuten Mariacuteas Adioacutes a um brasilentildeouniversal Em 24 de julho missas concelebradas no Recife por d JoseacuteCardoso Sobrinho e d Heber Vieira da Costa OSB e em Brasiacutelia por dHildebrando de Melo e pelos vigaacuterios da catedral e do Palaacutecio daAlvorada com coral da Universidade de Brasiacutelia Missa celebrada noseminaacuterio com canto gregoriano a cargo das Beneditinas de SantaGertrudes de Olinda A Editora Record publica Modos de homem e

modas de mulher e a 2a ediccedilatildeo de Vida forma e cor Assombraccedilotildees doRecife Velho e Perfil de Euclides e outros perfis a Joseacute Olympio

Editora a 25a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala O Ciacuterculo doLivro lanccedila nova ediccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre e a EditoraMassangana publica Pernambucanidade consagrada (discursos deGilberto Freyre e Waldemar Lopes na Academia Pernambucana deLetras) Ciclo de conferecircncias promovido pela Fundaccedilatildeo JoaquimNabuco em memoacuteria de Gilberto Freyre tendo como conferencistasJuliaacuten Mariacuteas Adriano Moreira Maria do Carmo Tavares de Miranda eJoseacute Antocircnio Gonsalves de Mello (convidado deixou de vir por motivode doenccedila o antropoacutelogo Jean Duvignaud) Ciclo de conferecircnciaspromovido em Maceioacute pelo governo do estado de Alagoas a cargo deMaria do Carmo Tavares de Miranda Odilon Ribeiro Coutinho e JoseacuteAntocircnio Gonsalves de Mello Homenagem do Conselho Latino-Americano de Ciecircncias Sociais na abertura de sua XIV Assembleia Geralrealizada no Recife de 16 a 21 de novembro A editora mexicana Fondo

de Cultura Econoacutemica publica a 2a ediccedilatildeo como livro de bolso deInterpretacioacuten del Brasil A revista Ciecircncia e Cultura publica em seunuacutemero de setembro o necroloacutegio de Gilberto Freyre solicitado por MariaIsaura Pereira de Queiroz a Edson Nery da Fonseca

1988

Em convecircnio com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e sob os auspiacutecios doGrupo Gerdau a Editora Record publica no Rio de Janeiro a obrapoacutestuma Ferro e civilizaccedilatildeo no Brasil

1989

Em sua 26a ediccedilatildeo Casa-grande amp senzala passa a ser publicada pela

Editora Record ateacute a 46a ediccedilatildeo em 2002

1990

A Fundaccedilatildeo das Artes e a Empresa Graacutefica da Bahia publicam emSalvador Bahia e baianos obra poacutestuma organizada e prefaciada por

Edson Nery da Fonseca A Editora Klett-Cotta lanccedila em Stuttgart a 2a

ediccedilatildeo alematilde de Sobrados e mucambos (Das land in der Sdadt)Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o seminaacuterio O cotidiano emGilberto Freyre organizado por Faacutetima Quintas (anais publicados nomesmo ano pela Editora Massangana)

1994

A Cacircmara dos Deputados publica como volume 39 de sua Coleccedilatildeo PerfisParlamentares Discursos parlamentares de Gilberto Freyre textoorganizado anotado e prefaciado por Vamireh Chacon A Editora Agirpublica no Rio de Janeiro a antologia Gilberto Freyre organizada porEdilberto Coutinho como volume 117 da Coleccedilatildeo Nossos Claacutessicos dirigidapor Pedro Lyra A Editora 34 publica no Rio de Janeiro a tese dedoutoramento de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo Guerra e paz Casa-grande amp senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30

1995

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco a semana de estudoscomemorativos dos 95 anos de Gilberto Freyre com conferecircnciasreunidas e apresentadas por Faacutetima Quintas na obra coletiva A obra emtempos vaacuterios publicada em 1999 pela Editora Massangana AFundaccedilatildeo de Cultura da Cidade do Recife e a Imprensa Universitaacuteria daUniversidade Federal de Pernambuco publicam no Recife Novasconferecircncias em busca de leitores obra poacutestuma organizada eprefaciada por Edson Nery da Fonseca A Editora Massangana publica olivro de Sebastiatildeo Vila Nova Sociologias e poacutes-sociologia em GilbertoFreyre

1996

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o simpoacutesio Que somos noacutesorganizado por Maria do Carmo Tavares de Miranda em comemoraccedilatildeo

aos sessenta anos de Sobrados e mucambos (anais publicados pelaEditora Massangana em 2000)

1997

Comemorando seu septuageacutesimo quinto aniversaacuterio a revista norte-americana Foreign Affairs publica o resultado de um inqueacuteritodestinado agrave escolha de 62 obras ldquoque fizeram a cabeccedila do mundo apartir de 1922rdquo Casa-grande amp senzala eacute apontada como uma delaspelo professor Kenneth Maxwell A Companhia das Letras publica em

Satildeo Paulo a 4a ediccedilatildeo de Accediluacutecar livro reimpresso em 2002 por iniciativada Usina Petribu

1999

Por iniciativa da Fundaccedilatildeo Oriente da Universidade da Beira Interior eda Sociedade de Geografia de Lisboa iniciam-se em Portugal ascomemoraccedilotildees do centenaacuterio de nascimento de Gilberto Freyre com ocoloacutequio realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa de 11 e 12 defevereiro Lusotropicalismo revisitado sob a direccedilatildeo dos professoresAdriano Moreira e Joseacute Carlos Venacircncio A Fundaccedilatildeo Oriente institui umprecircmio anual de um milhatildeo de escudos para ldquogalardoar trabalhos deinvestigaccedilatildeo na aacuterea da perspectiva gilbertiana sobre o Orienterdquo Ascomemoraccedilotildees pernambucanas satildeo iniciadas em 14 de marccedilo com missasolene concelebrada na Basiacutelica do Mosteiro de Satildeo Bento de Olindacom canto gregoriano pelas Beneditinas Missionaacuterias da Academia Santa

Gertrudes Pelo Decreto no 21403 de 7 de maio o governador dePernambuco declara no acircmbito estadual Ano Gilberto Freyre 2000Pelo Decreto de 13 de julho o presidente da Repuacuteblica institui o ano2000 como Ano Gilberto Freyre A UniverCidade do Rio de Janeiroinstitui por sugestatildeo da Editora Topbooks o precircmio de 20 mil doacutelarespara o melhor ensaio sobre Gilberto Freyre

2000

Por iniciativa da TV Cultura de Satildeo Paulo satildeo elaborados os filmesGilbertianas I e II dirigidos pelo cineasta Ricardo Miranda com acolaboraccedilatildeo do antropoacutelogo Raul Lody Em 13 de marccedilo ocorre olanccedilamento nacional da produccedilatildeo numa promoccedilatildeo do Shopping CenterRecifeUCI CinemasWeston Taacutexi Aeacutereo Em 21 de marccedilo eacute lanccedilada na

sala Calouste Gulbenkian da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco no Nuacutecleo deEstudos Freyrianos no governo do estado de Pernambuco na Sudene eno Ministeacuterio da Cultura Por iniciativa do Canal GNT VideoFilmes eRegina Filmes o cineasta Nelson Pereira dos Santos dirige quatrodocumentaacuterios intitulados geneacutericos de Casa-grande amp senzala tendoEdson Nery da Fonseca como corroteirista e narrador Filmados noBrasil em Portugal e na Universidade de Coluacutembia em Nova York oprimeiro O Cabral moderno exibido pelo canal GNT a partir de 21 deabril Os demais A cunhatilde matildee da famiacutelia brasileira O portuguecircscolonizador dos troacutepicos e O escravo na vida sexual e de famiacutelia dobrasileiro satildeo exibidos pelo mesmo canal a partir de 2001 As Editoras

Letras e Expressotildees e Abregraph publicam a 2a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em quadrinhos com ilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues

colorizadas por Noguchi A Editora Topbooks lanccedila a 2a ediccedilatildeo brasileirade Novo mundo nos troacutepicos prefaciada por Wilson Martins A revistaNovos Estudos Cebrap n 56 publica o dossiecirc Leituras de GilbertoFreyre com apresentaccedilatildeo de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo incluindoas introduccedilotildees de Fernand Braudel agrave ediccedilatildeo italiana de Casa-grande ampsenzala de Lucien Fegravebvre agrave ediccedilatildeo francesa de Antonio Seacutergio a Omundo que o portuguecircs criou e de Frank Tannembaum agrave ediccedilatildeo norte-americana de Sobrados e mucambos Em 15 de marccedilo realiza-se naMaison de Sciences de lrsquoHomme et de la Science o coloacutequio GilbertoFreyre e a Franccedila organizado pela professora Ria Lemaire daUniversidade de Poitiers Em 15 de marccedilo o arcebispo de Olinda eRecife Joseacute Cardoso celebra missa solene na Igreja de Satildeo Pedro dosCleacuterigos com cantos do coral da Academia Pernambucana de MuacutesicaNa tarde de 15 de marccedilo eacute apresentada na sala Calouste Gulbenkianem projeccedilatildeo de VHF a Biblioteca Virtual Gilberto disponiacutevelimediatamente na Internet lthttpprossigabvgffgforgbrgt De 21 a24 de marccedilo realiza-se na Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre o SeminaacuterioInternacional Novo Mundo nos Troacutepicos (anais publicados com tiacutetulohomocircnimo) De 28 a 31 de marccedilo eacute apresentado no Centro CulturalBanco do Brasil do Rio de Janeiro o ciclo de palestras A propoacutesito deGilberto Freyre (natildeo reunidas em livro) De 14 a 16 de agosto realiza-se oseminaacuterio Gilberto Freyre patrimocircnio brasileiro promovidoconjuntamente pela Fundaccedilatildeo Roberto Marinho pela UniverCidade doRio de Janeiro pelo Coleacutegio do Brasil pela Academia Brasileira de Letras

pela Folha de SPaulo e pelo Instituto de Estudos Avanccedilados da USPIniciado no auditoacuterio da Academia Brasileira de Letras e num dos campida Universidade eacute concluiacutedo no auditoacuterio da Folha de SPaulo e nacidade universitaacuteria da USP Em 18 de outubro realiza-se no anfiteatroda Histoacuteria da USP o seminaacuterio multidisciplinar Relendo Gilberto Freyreorganizado pelo Centro Angel Rama da Faculdade de Filosofia Letras eCiecircncias Humanas na mesma universidade Em 20 de outubro realiza-sena embaixada do Brasil em Paris o seminaacuterio Gilberto Freyre e as ciecircnciassociais no Brasil promovido pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores eFundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 de outubro realiza-se em Buenos Aireso seminaacuterio Agrave la busqueda de la identidad el ensayo de interpretacioacutennacional en Brasil y Argentina De 6 a 9 de novembro eacute realizada no SunValley Park Hotel em Mariacutelia (SP) a Jornada de Estudos Gilberto Freyreorganizada pela Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da Unesp Em 21 denovembro na Universidade de Essex ocorre o seminaacuterio The english inBrazil a study in cultural encounters dirigido pela professora MariaLuacutecia Pallares-Burke Em 27 de novembro realiza-se na Universidade deCambridge o seminaacuterio Gilberto Freyre amp histoacuteria social do Brasil dirigidopelos professores Peter Burke e Maria Luacutecia Pallares-Burke De 27 a 30de novembro acontece no Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artesda Universidade Federal da Paraiacuteba o simpoacutesio Gilberto Freyreinterpenetraccedilatildeo do Brasil organizado pela professora Elisalva MadrugaDantas e pelo poeta e multiartista Jomard Muniz de Brito (anais comtiacutetulo homocircnimo publicados pela editora Universitaacuteria em 2002) De 28a 30 de novembro ocorre na sala Calouste Gulbenkian da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco o seminaacuterio internacional Aleacutem do apenas moderno De5 a 7 de dezembro eacute apresentado no auditoacuterio Joatildeo Alfredo daUniversidade Federal de Pernambuco o seminaacuterio Outros Gilbertosorganizado pelo Laboratoacuterio de Estudos Avanccedilados de CulturaContemporacircnea do Departamento de Antropologia da mesmauniversidade Publica-se em Satildeo Paulo pelo Grupo Editorial Cone Sul oensaio de Gustavo Henrique Tuna Gilberto Freyre ndash entre tradiccedilatildeo amp

ruptura premiado na categoria ldquoensaiordquo do 3o Festival Universitaacuterio deLiteratura organizado pela Xerox do Brasil e pela revista Livro AbertoPor iniciativa do deputado Aldo Rebelo a Cacircmara dos Deputados reuacuteneno opuacutesculo Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo do Brasil prefaciado por LuiacutesFernandes ensaios do proacuteprio deputado de Otto Maria Carpeaux e de

Regina Maria A F Gadelha A Editora Comunigraf publica no Recife olivro de Maacuterio Heacutelio O Brasil de Gilberto Freyre uma introduccedilatildeo agraveleitura de sua obra com ilustraccedilotildees de Joseacute Claacuteudio e prefaacutecio de EdsonNery da Fonseca A Editora Casa Amarela publica em Satildeo Paulo asegunda ediccedilatildeo do ensaio de Gilberto Felisberto Vasconcellos O xaraacute deApipucos A Embaixada do Brasil em Bogotaacute publica o opuacutesculoImagenes com texto e ilustraccedilotildees selecionadas por Nora Ronderos

2001

A Companhia das Letras publica em Satildeo Paulo a 2a ediccedilatildeo deInterpretaccedilatildeo do Brasil organizada e prefaciada por Omar Ribeiro

Thomaz (no 19 da Coleccedilatildeo Retratos do Brasil) A Editora Topbookspublica no Rio de Janeiro a obra coletiva O imperador das ideiasGilberto Freyre em questatildeo organizada pelos professores Joaquim Falcatildeoe Rosa Maria Barboza de Arauacutejo reunindo conferecircncias do seminaacuteriorealizado no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo de 14 a 17 de agosto de 2000

A Editora Topbooks e UniverCidade publicam no Rio de Janeiro a 2a

ediccedilatildeo de Aleacutem do apenas moderno prefaciada por Joseacute Guilherme

Merquior e as 3as ediccedilotildees de Aventura e rotina prefaciada por Albertoda Costa e Silva e de Ingleses no Brasil prefaciada por Evaldo Cabral deMelo A Editora da Universidade do Estado de Pernambuco publicacomo no 18 de sua Coleccedilatildeo Nordestina o livro poacutestumo Antecipaccedilotildeesorganizado e prefaciado por Edson Nery da Fonseca A EditoraGaramond publica no Rio de Janeiro o livro de Helena BocayuvaErotismo agrave brasileira o excesso sexual na obra de Gilberto Freyreprefaciado pelo professor Luis Antonio de Castro Santos O DiaacuterioOficial da Uniatildeo de 28 de dezembro de 2001 publica agrave paacutegina 6 a Leino 10361 de 27 de dezembro de 2001 que confere o nome de AeroportoInternacional Gilberto Freyre ao Aeroporto Internacional dosGuararapes do Recife O Projeto de Lei eacute de autoria do deputado JoseacuteChaves (PMDB-PE)

2002

Publica-se no Rio de Janeiro em coediccedilatildeo da Fundaccedilatildeo BibliotecaNacional e Zeacute Maacuterio Editor o livro de Edson Nery da Fonseca GilbertoFreyre de A a Z Eacute lanccedilada em Paris sob os auspiacutecios da ONG da Unesco

Allca XX e como volume no 55 da Coleccedilatildeo Archives a ediccedilatildeo criacutetica deCasa-grande amp senzala organizada por Guillermo Giucci EnriqueRodriacuteguez Larreta e Edson Nery da Fonseca

2003

O governo instalado no Brasil em 1o de janeiro extingue sem nenhumaexplicaccedilatildeo o Seminaacuterio de Tropicologia criado em 1966 pelaUniversidade Federal de Pernambuco por sugestatildeo de Gilberto Freyre eincorporado em 1980 agrave estrutura da Fundaccedilatildeo Joaquim NabucoGustavo Henrique Tuna defende no Departamento de Histoacuteria doInstituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Unicamp a dissertaccedilatildeo demestrado Viagens e viajantes em Gilberto Freyre A Editora daUniversidade de Brasiacutelia publica em coediccedilatildeo com a Imprensa Oficial doEstado de Satildeo Paulo as seguintes obras poacutestumas organizadas porEdson Nery da Fonseca Palavras repatriadas (prefaacutecio e notas doorganizador) Americanidade e latinidade da Ameacuterica Latina e outrostextos afins Trecircs histoacuterias mais ou menos inventadas (com prefaacutecio e

posfaacutecio de Ceacutesar Leal) e China tropical A Global Editora publica a 47a

ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala (com apresentaccedilatildeo de Fernando

Henrique Cardoso) No mesmo ano lanccedila a 48a ediccedilatildeo da obra-mestra

de Freyre A mesma editora publica a 14a ediccedilatildeo de Sobrados emucambos (com apresentaccedilatildeo de Roberto DaMatta) Publica-se pelaEdusc Editora da Unesp e Fapesp o livro Gilberto Freyre em quatrotempos (organizaccedilatildeo de Ethel Volfzon Kosminsky Claude Leacutepine eFernanda Arecircas Peixoto) reunindo comunicaccedilotildees apresentadas naJornada de Estudos Gilberto Freyre realizada em Mariacutelia (SP) em 2000Eacute lanccedilada pela Edusc Editora Sumareacute e Anpocs o livro de Eacutelide RugaiBastos Gilberto Freyre e o pensamento hispacircnico entre Dom Quixote eAlonso El Bueno

2004

A Global Editora publica a 6a ediccedilatildeo de Ordem e progresso

(apresentaccedilatildeo de Nicolau Sevcenko) a 7a ediccedilatildeo de Nordeste (com

apresentaccedilatildeo de Manoel Correia de Oliveira Andrade) a 15a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 49a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em

conjunto com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre a editora lanccedila o ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 20042005 destinado apremiar e a publicar ensaio que aborde ldquoqualquer dos aspectos relevantesda obra do escritor Gilberto Freyrerdquo

2005

Em 15 de marccedilo eacute premiado o trabalho de Eacutelide Rugai Bastos intituladoAs criaturas de Prometeu Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo da sociedadebrasileira vencedor do Concurso Nacional de Ensaios ndash Precircmio GilbertoFreyre 20042005 promovido pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e pela

Global Editora Esta publica a 50a ediccedilatildeo (ediccedilatildeo comemorativa) deCasa-grande amp senzala em capa dura Em agosto o grupo de teatro OsFofos Encenam sob a direccedilatildeo de Newton Moreno estreia a peccedilaAssombraccedilotildees do Recife Velho adaptaccedilatildeo da obra homocircnima deGilberto Freyre no Casaratildeo do Belvedere situado no Bairro Bela Vistaem Satildeo Paulo Em 18 de outubro na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos em Satildeo Paulo eacute lanccedilado Gilberto Freyre um vitoriano dostroacutepicos de Maria Luacutecia Pallares-Burke pela Editora da Unesp emmesa-redonda com a participaccedilatildeo dos professores Antonio Dimas Joseacutede Souza Martins Eacutelide Rugai Bastos e a autora do livro A Global Editora

publica a 3a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em quadrinhos comilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues colorizadas por Noguchi

2006

Realiza-se em 15 de marccedilo na 19a Bienal Internacional do Livro de SatildeoPaulo sediada no Pavilhatildeo de Exposiccedilotildees do Anhembi no salatildeo A-Mezanino a mesa de debate 70 anos de Sobrados e mucambos deGilberto Freyre com a presenccedila dos professores Roberto DaMatta EacutelideRugai Bastos Enrique Rodriacuteguez Larreta e mediaccedilatildeo de Gustavo

Henrique Tuna No evento eacute lanccedilado o 2o Concurso Nacional de Ensaiosndash Precircmio Gilberto Freyre 20062007 organizado pela Global Editora epela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre que aborda qualquer aspecto referente agrave

obra Sobrados e mucambos A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo revistade Tempo morto e outros tempos prefaciada por Maria Luacutecia GarciaPallares-Burke Realiza-se no auditoacuterio do Instituto de Filosofia eCiecircncias Humanas da Unicamp nos dias 25 e 26 de abril o Simpoacutesio

Gilberto Freyre produccedilatildeo circulaccedilatildeo e efeitos sociais de suas ideias coma presenccedila de inuacutemeros estudiosos do Brasil e do exterior da obra dosocioacutelogo pernambucanoA Global Editora publica As criaturas de Prometeu ndash Gilberto Freyre ea formaccedilatildeo da sociedade brasileira de Eacutelide Rugai Bastos trabalho

vencedor da 1a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios PrecircmioGilberto Freyre 20042005 promovido pela editora e pela FundaccedilatildeoGilberto Freyre

2007

Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global Editora a 5a ediccedilatildeo do livro

Accediluacutecar apresentada por Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti a 5a

ediccedilatildeo revista atualizada e aumentada por Antonio Paulo Rezende do

livro Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife a 6a

ediccedilatildeo revista e atualizada por Edson Nery da Fonseca do livro Olinda2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental de atualizada por Edson Neryda Fonseca do livro Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental decidade brasileira Publica-se no Rio de Janeiro pela CivilizaccedilatildeoBrasileira o primeiro volume da obra Gilberto Freyre uma biografiacultural dos pesquisadores uruguaios Enrique Rodrigues Larreta eGuillermo Giucci em traduccedilatildeo de Josely Vianna Baptista Publica-se noRecife pela Editora Massangana o livro de Edson Nery da Fonseca Emtorno de Gilberto Freyre

2008

O Museu da Liacutengua Portuguesa de Satildeo Paulo encerra em 4 de maio aexposiccedilatildeo iniciada em 27 de novembro de 2007 Gilberto Freyreinteacuterprete do Brasil sob a curadoria de Eacutelide Rugai Bastos JuacuteliaPeregrino e Pedro Karp Vasquez Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global

Editora a 4a ediccedilatildeo revista do livro Vida social no Brasil nos meados doseacuteculo XIX com apresentaccedilatildeo e iacutendices de Gustavo Henrique Tuna e a

6a ediccedilatildeo do livro Assombraccedilotildees do Recife Velho com apresentaccedilatildeo deNewton Moreno autor da adaptaccedilatildeo teatral representada com sucessoem Satildeo Paulo O editor Peter Lang de Oxford publica o livro de PeterBurke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Gilberto Freyre social theory inthe Tropics versatildeo de Gilberto Freyre um vitoriano nos Troacutepicos

publicado em 2005 pela Editora da Unesp que em 2006 recebeu osprecircmios Senador Joseacute Ermiacuterio de Morais da ABL (Academia Brasileira deletras) e Jabuti na categoria Ciecircncias HumanasA Global Editora publica Ensaio sobre o jardim de Solange de Aragatildeo

trabalho vencedor da 2a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios ndashPrecircmio Gilberto Freyre 20062007 promovido pela editora e pelaFundaccedilatildeo Gilberto Freyre

2009

A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo de Modos de homem amp modas demulher com texto de apresentaccedilatildeo de Mary Del Priore A Eacute Realizaccedilotildees

Editora publica em Satildeo Paulo a 6a ediccedilatildeo do livro Sociologia introduccedilatildeoao estudo dos seus princiacutepios com prefaacutecio de Simone Meucci e posfaacutecio

de Vamireh Chacon e a 4a ediccedilatildeo de Sociologia da medicina comprefaacutecio de Joseacute Miguel Rasia O Diaacuterio de Pernambuco edita a obraCrocircnicas do cotidiano a vida cultural de Pernambuco nos artigos deGilberto Freyre antologia organizada por Carolina Leatildeo e Lydia Barros AEditora da Unesp publica em traduccedilatildeo de Fernanda Veriacutessimo o livrode Peter Burke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Repensando ostroacutepicos um retrato intelectual de Gilberto Freyre com prefaacutecio agraveediccedilatildeo brasileira

2010

Publica-se pela Global Editora o livro Nordeste semita ndash Ensaio sobreum certo Nordeste que em Gilberto Freyre tambeacutem eacute semita deautoria de Caesar Sobreira trabalho vencedor da 3ordf ediccedilatildeo do ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 2008-2009 promovidopela editora e pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre A Global Editora publica a

4a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculoXIX com apresentaccedilatildeo de Alberto da Costa e Silva A Eacute Realizaccedilotildees

publica a 4a ediccedilatildeo de Aventura e rotina a 2a ediccedilatildeo de Homens

engenharias e rumos sociais a 2a ediccedilatildeo de O luso e o troacutepico a 2a

ediccedilatildeo de O mundo que o portuguecircs criou Uma cultura ameaccedilada eoutros ensaios (versatildeo ampliada de Uma cultura ameaccedilada a luso-

brasileira) Um brasileiro em terras portuguesas (a 1a ediccedilatildeo a ser

publicada no Brasil) e a 3a ediccedilatildeo de Vida forma e cor A Editora Girafapublica Em torno de Joaquim Nabuco reuniatildeo de textos que GilbertoFreyre escreveu sobre o abolicionista organizada por Edson Nery daFonseca com colaboraccedilatildeo de Jamille Cabral Pereira Barbosa GilbertoFreyre eacute o autor homenageado da 10ordf ediccedilatildeo da Feira Nacional do Livrode Ribeiratildeo Preto realizada entre os dias 14 e 18 de junho Eacute tambeacutem o

autor homenageado da 8a ediccedilatildeo da Festa Literaacuteria Internacional deParaty (Flip) ocorrida na cidade carioca entre os dias 4 e 8 de agostoPara a homenagem foram organizadas mesas com convidados nacionaise do exterior A conferecircncia de abertura em 4 de agosto foi lida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e debatida pelo historiador LuizFelipe de Alencastro no dia 5 realizou-se a mesa ldquoAo correr da penardquocom Moacyr Scliar Ricardo Benzaquen e Edson Nery da Fonseca commediaccedilatildeo de Aacutengel Gurriacutea-Quintana no dia 6 ocorreu a mesa ldquoAleacutem daCasa-granderdquo com Alberto da Costa e Silva Maria Luacutecia Pallares-Burke eAcircngela Alonso com mediaccedilatildeo de Lilia Schwarcz no dia 8 realizou-se amesa ldquoGilberto Freyre e o seacuteculo XXIrdquo com Joseacute de Souza Martins PeterBurke e Hermano Vianna com mediaccedilatildeo de Benjamim Moser Foilanccedilado na Flip o tatildeo esperado ineacutedito de Gilberto Freyre De menino ahomem espeacutecie de livro de memoacuterias do pernambucano pela GlobalEditora A ediccedilatildeo feita com capa dura traz um rico cadernoiconograacutefico conta com texto de apresentaccedilatildeo de Faacutetima Quintas enotas de Gustavo Henrique Tuna O lanccedilamento do tatildeo aguardadorelato autobiograacutefico ateacute entatildeo ineacutedito de Gilberto Freyre realizou-se nanoite do dia 5 de agosto na Casa da Cultura de Paraty ocasiatildeo em que oator Dan Stulbach leu trechos da obra para o puacuteblico presente OInstituto Moreira Salles publica uma ediccedilatildeo especial para a Flip de suarevista Serrote com poemas de Gilberto Freyre comentados porEucanaatilde Ferraz A Funarte publica o volume 5 da coleccedilatildeo Pensamentocriacutetico intitulado Gilberto Freyre uma coletacircnea de escritos do socioacutelogopernambucano sobre arte organizada por Clarissa Diniz e Gleyce Heitor

Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste

Brasil

1937

Nordeste aspectos da influecircncia da canna sobre a vida e a paizagem

do Nordeste do Brasil 1a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecio doautor

1951

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 2a ed rev e aum Rio de Janeiro Joseacute OlympioPrefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1961

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 3a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1967

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 4a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1985

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 5a ed Rio de JaneiroRecife JoseacuteOlympioFundarpe Prefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula CardosoAyres e Manoel Bandeira

1989

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 6a ed Rio de Janeiro Record Prefaacutecios doautor

2001

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagemdo Nordeste do Brasil Rio de Janeiro Record Prefaacutecios do autor

Reimpressatildeo da 6a ed

Argentina

1943

Nordeste aspectos de la influencia de la cantildea sobre la vida y elpaisaje del Nordeste del Brasil Buenos Aires Espasa-Calpe Prefaacuteciosdo autor Trad de Cayetano Romano

Franccedila

1956

Terres du sucre Paris Gallimard Prefaacutecios do autor Trad de JeanOrecchioni

1992

Terres du sucre 2a ed Paris Qai Voltaire Prefaacutecios do autorApresentaccedilatildeo de Jean Duvignaud

Itaacutelia

1970

Nordeste Lacuteuomo e gli elementi Milano Rizzoli Ilustraccedilatildeo de ManoelBandeira

Desenhos a bico de pena de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Desenho de Manoel Bandeira 1937

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1980

2 Engenho Botafogo Foto de Raimundo Gomes 1990

3 Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de Claudionete Lira 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Accedilude Botafogo Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de ClaudioneteLira 1990

2 Goiana ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

3 Foto de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

1 Engenho Tinoco Municiacutepio de Rio Formoso ndash PE Foto de Alcir Lacerda1990

2 Abreu e Lima ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

3 Igarassu ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez

2 Ipojuca ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

3 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1984

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

2 e 3 Canhotinho ndash PE Fotos de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Fotos de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

Desenho de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

copy Global Editora 2003Recife-Pernanbuco - Brasil1ordf ediccedilatildeo digital Global Editora Satildeo Paulo 2013

Diretor Editorial - Jefferson L AlvesProduccedilatildeo Digital - Eduardo OkunoCoordenadora Editorial - Sandra Regina FernandesRevisatildeo - Juliana AlexandrinoCapa - Mauricio NegroEduardo Okuno

CIP-BRASIL Catalogaccedilatildeo na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros RJ_____________________F943vFreyre Gilberto 1900-1987

Nordeste [recurso eletrocircnico] aspectos da influecircncia da cana sobre avida e a paisagem

do Nordeste do Brasil Gilberto Freyre apresentaccedilatildeo de ManoelCorreia de Andrade

biobibliografia de Edson Nery da Fonseca bibliografia e notasbibliograacuteficas

revistas elaboradas por Gustavo Henrique Tuna minus Satildeo Paulo Global2013

recurso digital

Formato ePubRequisitos do sistema Adobe Digital EditionsModo de acesso World Wide WebApecircndiceInclui bibliografia

ISBN 978-85-260-1816-7 (recurso eletrocircnico)

1 Geografia humana - Brasil Nordeste 2 Cana-de-accediluacutecar - Cultivo -Brasil Nordeste

3 Brasil Nordeste - Usos e costumes 4 Livros eletrocircnicos I Tiacutetulo

13-1311CDD 304209813CDU 5021

_____________________

Direitos ReservadosGlobal Editora e Distribuidora Ltda

Rua Pirapitingui 111 ndash LiberdadeCEP 01508-020 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 3277-7999 ndash Fax (11) 3277-8141e-mail globalglobaleditoracombrwwwglobaleditoracombr

Colabore com a produccedilatildeo cientiacutefica e culturalProibida a reproduccedilatildeo total ou parcial desta obrasem a autorizaccedilatildeo do editorNordm de Cataacutelogo 2392eb

  • CAPA
  • Um Nordeste
  • Uma visatildeo autecircntica do Nordeste
  • Prefaacutecio agrave 1ordf ediccedilatildeo
  • 1 ndash A CANA E A TERRA
  • 2 ndash A CANA E A AacuteGUA
  • 3 ndash A CANA E A MATA
  • 4 ndash A CANA E OS ANIMAIS
  • 5 ndash A CANA E O HOMEM
  • 6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)
  • Bibliografia
  • Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre
  • Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste
Page 4: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca

Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger 1945

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Um Nordeste1

Carlos Pena Filho

Um Nordesteonde nunca deixa de haveruma mancha daacuteguaum avanccedilo de mar um rio um riachoo esverdeado de uma lagoaOnde a aacutegua faz da terra mole o que querinventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencionaldos compecircndiosUm Nordeste da terraDas aacutervores lambuzadas de resinasDas aacuteguasDo corpo molhado dos homens que trabalhamdentro do mar e dos riosna bagaceira dos engenhosno cais do Apolonos trapiches de Maceioacute

1 Melhores poemas Carlos Pena Filho seleccedilatildeo de Edilberto Coutinho 4a

ed Satildeo Paulo Global 2000

Uma visatildeo autecircntica do Nordeste

Eacute uma tarefa complexa caracterizar e situar o livro Nordeste ndash Aspectosda influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasilno conjunto da obra do mestre de Apipucos comparando-o com outrasobras suas como Casa-grande amp senzala Sobrados e mucambos e Ordeme progresso

Jaacute em sua primeira ediccedilatildeo observa-se como Gilberto Freyre tinha apreocupaccedilatildeo de diferenciar no espaccedilo brasileiro uma regiatildeo bem distintadas outras o Norte ou Amazocircnia que eram constantemente associadas Naverdade ateacute os anos trinta do seacuteculo passado as pessoas se referiam ao Brasilcomo se ele fosse composto apenas de duas grandes porccedilotildees o Norte e o Sule ao fazerem esta caracterizaccedilatildeo chamavam de forma bastante empiacutericade Norte todas as aacutereas situadas ao norte da Bahia Tanto que em Satildeo Paulona linguagem vulgar chamavam todo migrante vindo da porccedilatildeo setentrionaldo Brasil de ldquobaianordquo e os mineiros chamavam de ldquobaianos cansadosrdquo isto eacuteaqueles que natildeo conseguiram chegar a Satildeo Paulo O proacuteprio Gilberto no seulivro sobre a regiatildeo natildeo procurou delimitar de forma bem objetiva onde oNordeste comeccedilava e onde ele terminava

Ele observou o Nordeste a partir de Pernambuco como se entendesseque o ponto central do mesmo fosse a cidade de Recife e que daiacute partiramem vaacuterias direccedilotildees as caracteriacutesticas regionais que iam se diluindo agraveproporccedilatildeo que se caminhava deste centro ndash Recife e regiatildeo accedilucareira ndash nasmais diversas direccedilotildees

As raiacutezes da ideia do Nordeste na obra gilbertiana jaacute satildeo encontradas nosartigos que escreveu para a imprensa do Recife publicados sobretudo noDiaacuterio de Pernambuco quando ainda adolescente vivia nos EstadosUnidos realizando seus estudos em Baylor e em Coluacutembia artigos que depoisforam reunidos por Joseacute Antocircnio Gonsalves de Melo seu primo e amigo emlivro intitulado Tempo de aprendiz Vecirc-se nesses artigos como o quaseadolescente que vivia no exterior acompanhava o que ocorria na sua

ldquoproviacutenciardquo tanto em relaccedilatildeo aos fatos poliacuteticos e econocircmicos comosobretudo em relaccedilatildeo aos problemas sociais e culturais Daiacute a sua visatildeo deglobalidade e a diversificaccedilatildeo de interesses que iam desde as festaspopulares os chamados folguedos ateacute a culinaacuteria a educaccedilatildeo passandopelas relaccedilotildees sociais em uma sociedade patriarcal que jaacute eliminara o regimeescravocrata mas vivia ainda sob o jugo de uma civilizaccedilatildeo patriarcal fechadae rigorosa Parecia ateacute que haviacuteamos saiacutedo de um sistema monaacuterquico masnatildeo haviacuteamos ainda entrado em uma organizaccedilatildeo social republicana maisaberta mais receptiva

Voltando ao Recife e vivendo a sua vida puacuteblica dedicado aos estudos epesquisas e ao jornalismo Gilberto se defronta com um duplo chamamentointelectual o da expansatildeo na regiatildeo do modernismo deflagrado em SatildeoPaulo pela Semana de Arte Moderna de 1922 por Mario e Oswald deAndrade e o chamamento para o processo de regionalizaccedilatildeo que procuravafazer sepultar o unitarismo monaacuterquico substituindo-o pelo estadualismorepublicano chamando a atenccedilatildeo para uma anaacutelise dialeacutetica ecaracterizando que entre o Paiacutes o Estado nacional e as antigas proviacutenciasagora chamadas de Estados havia as regiotildees

Eacute aiacute que se observa a grande influecircncia que em sua obra teve Seligmanmestre de Histoacuteria Econocircmica que levaria o socioacutelogo de Apipucos a umamaior aproximaccedilatildeo com escritores influenciados por ensinamentos natildeopositivistas como Seacutergio Buarque de Holanda e Caio Prado Juacutenior Emboracom um e outro Gilberto tivesse tido ao mesmo tempo desde os anos 1930convergecircncias e divergecircncias expressas em sua obra

As diferenccedilas com os modernistas paulistas se faziam sentir na grandeinfluecircncia sobre os mesmos de escritores europeus do periacuteodo posterior agravePrimeira Guerra Mundial e que se expressaram nas mais diversas formasliteraacuterias na poesia de Menotti Del Picchia de Manuel Bandeira de CarlosDrummond de Andrade na ficccedilatildeo onde pontificava um Graccedila Aranha ounos vaacuterios tipos de ensaios No Nordeste ele teve como grande opositor oagressivo jornalista Joaquim Inojosa E para contrapor-se ao chamadomodernismo Gilberto estruturou um contramovimento que procuravaaceitar as modificaccedilotildees modernistas de forma moderada e as tradiccedilotildeesregionais ao mesmo tempo em que procurava fazer conviver as mais diversas

manifestaccedilotildees como os chamados folguedos populares natalinos ossaudosos pastoris nas manifestaccedilotildees carnavalescas revivendo as ldquola ursardquo e osfestejos juninos Nessas manifestaccedilotildees culturais ele procurava aprofundar asraiacutezes africanas e indiacutegenas do Nordeste sem desprezar as influecircnciasibeacutericas Nelas se interpenetravam tradiccedilotildees cristatildes catoacutelicas trazidas daPeniacutensula Ibeacuterica com as oriundas da Aacutefrica e das Iacutendias Para isto eleorganizou no Recife em 1934 um Congresso Afro-Brasileiro em que reuniuusineiros aristocratas do accediluacutecar a burgueses e escritores ao lado de pais desantos em plena Praccedila da Repuacuteblica no tradicional Campo das Princesasno Teatro de Santa Izabel jaacute entatildeo um verdadeiro monumento histoacuterico

Foi nesse periacuteodo que ele colaborou intensamente com os jornais como oDiaacuterio de Pernambuco e A Proviacutencia externando ideias e pensamentos quecausavam impacto no pensamento conservador da eacutepoca Mas foi tambeacutemnesse periacuteodo que ele dirigiu a ediccedilatildeo do Livro do Centenaacuterio do Diaacuterio dePernambuco reunindo artigos seus e de outros escritores sobre os haacutebitos oscostumes e as artes nordestinas Em suas paacuteginas encontramos estudos daimportacircncia dos de Luiz Oiticica senhor de engenho depois usineiro emAlagoas sobre a arte da renda de bilros ou de Julio Belo que posteriormenteescreveria o claacutessico Memoacuterias de um senhor de engenho ao lado de textossobre Histoacuteria Economia e Vida Social do Nordeste Quase esqueceu textossobre os temas heroicos e sempre presentes na histoacuteria pernambucana comoa Revoluccedilatildeo de 1817 a Confederaccedilatildeo do Equador ou a Revoluccedilatildeo Praieira

Foi tambeacutem do seu grupo e das aspiraccedilotildees regionalistas que surgiram osfamosos romances de costumes de temas tatildeo nordestinos como os livros deJoseacute Lins do Rego de Graciliano Ramos de Amado Fontes de Jorge Amadoe de tantos outros que enriqueceram e mostraram ao Brasil o que era oNordeste E sua influecircncia se estendeu dentro deste espiacuterito agraves maisdiversas Ciecircncias Sociais com Reneacute Ribeiro na Antropologia Joseacute AntonioGonsalves de Melo na Histoacuteria Social Manuel Dieacutegues Juacutenior na Sociologia etantos outros sempre salientando a presenccedila nordestina nas ciecircncias e nasletras diante do Brasil

O livro Nordeste publicado em 1937 como o volume no 4 da ColeccedilatildeoDocumentos Brasileiros pela Editora Joseacute Olympio foi escrito parademonstrar que o Nordeste natildeo era uma regiatildeo uniforme mas uma

aglutinaccedilatildeo de regiotildees e sub-regiotildees que se estendiam desde o Maranhatildeo ateacutea Bahia Regiatildeo que fora povoada nos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo e queestruturara por meio de culturas diversas uma sociedade comcaracteriacutesticas proacuteprias mas tendo por base trecircs categorias que seentrecruzavam o latifuacutendio como forma de propriedade a monoculturacomo forma de exploraccedilatildeo econocircmica e a escravidatildeo como instituiccedilatildeo declasse social Apesar de cientista social o autor natildeo atribuiu a esta sociedadepatriarcal em formaccedilatildeo o meio natural como uacutenico e determinante massim como um resultado do intercacircmbio entre os fatores naturais como omeio ambiente levantando problemas ligados agrave forma de exploraccedilatildeo daterra dependente da proacutepria terra ndash solos e relevo ndash do clima da vegetaccedilatildeoque foi devastada pelo colonizador dos animais tanto nativos como osdomeacutesticos trazidos da Europa e a accedilatildeo do homem quer em sua condiccedilatildeode senhor dono de terra quer na condiccedilatildeo de escravo

Daiacute ser Nordeste a um soacute tempo um livro de Ciecircncia Social deSociologia de Antropologia de Ecologia e de Geografia

Mas ao diversificar os vaacuterios nordestes ele voltou-se sobretudo paraaquele da cana-de-accediluacutecar aquele que melhor conhecia de onde se originarae onde disporia de uma maior documentaccedilatildeo e de informaccedilotildees Admitindoque existiam vaacuterios nordestes enfatizou sobretudo o Nordeste accedilucareiroenquanto o Nordeste semiaacuterido ficou ao encargo do socioacutelogo cearense DjacirMenezes que escreveu sobre ldquoo outro Nordesterdquo Subjetivamente dava maiorimportacircncia ao Nordeste canavieiro do que ao semiaacuterido algodoeiro epastoril que seria ldquoo outrordquo

Em 1945 ao publicar livro famoso sobre a fome no Brasil Josueacute de Castroaceitaria a divisatildeo que caracterizava o Nordeste e reconheceu que haviaduas aacutereas de fome com caracteriacutesticas diversas a da seca a do accediluacutecar e a doalgodatildeo ou do gado

E Nordeste que em sua primeira ediccedilatildeo foi ilustrado por duas grandesfiguras de artistas plaacutesticos Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira vemtendo ediccedilotildees sucessivas ora mais ora menos ilustradas O mesmo temocorrido com as ediccedilotildees em liacutenguas estrangeiras

O corpo do livro compotildee-se de seis capiacutetulos sobre as relaccedilotildees entre acana e a terra a cana e a aacutegua a cana e a mata a cana e os animais e dois

finais sobre a cana e o homem E o autor com seu estilo ao mesmo tempocientiacutefico e literaacuterio procura mostrar e o faz com maestria como a cana aeconomia canavieira se expandindo por aacutereas anteriormente ocupadas pelachamada Mata Atlacircntica utilizando de forma mais completa a aacuteguadisponiacutevel na mesma quase eliminou os animais prefeririacuteamos dizer osbichos selvagens trocando-os pelos animais domeacutesticos trazidos da Europada Iacutendia e da Aacutefrica estruturou uma sociedade escravocrata onde umaminoria de senhores explorava as entatildeo chamadas ldquoclasses subalternasrdquodesenvolvendo culturas e extraindo riquezas como que se apoderando domeio natural e do homem difundindo costumes e espalhando viacutecios emazelas

E ateacute onde poderiam estender-se o trabalho a exploraccedilatildeo e as culturasque o homem ou melhor os senhores de terra e de escravos iamapropriando

Em Nordeste fica bem claro ao examinar o processo de ocupaccedilatildeo daterra como o europeu ao chegar ao Novo Mundo se sentiu perplexo diantedaquela mata exuberante e heterogecircnea tatildeo diferente da florestatemperada europeia e de como procurou substituiacute-la por uma vegetaccedilatildeo deorigem oriental mas que tambeacutem se adaptava no mundo mediterracircneo eque atravessando o Atlacircntico se firmara na costa americana fazendo-o comintensidade que provocaria a ruiacutena da economia canavieira das ilhas doAtlacircntico da Madeira sobretudo

Eacute que no Brasil principalmente a Zona da Mata Pernambucana e oRecocircncavo Baiano ofereciam condiccedilotildees propiacutecias ao desenvolvimento dacultura da cana o seu clima tropical com chuvas distribuiacutedas em duasestaccedilotildees os solos derivados de rochas cristalinas as chuvas se distribuindo noperiacuteodo do outono e inverno austral ndash de maio a setembro ndash e um estioprolongado que se estendia de outubro a abril permitiam que se fizesse oplantio da cana na estaccedilatildeo chuvosa e a colheita se efetuasse no estio Eraimportante esta estaccedilatildeo porque a moagem dos engenhos se realizava em umperiacuteodo que facilitava o transporte da cana dos ldquopartidosrdquo para a moitaassim como o transporte da lenha para a fornalha A floresta exuberante eraimpiedosamente destruiacuteda para dar lugar ao plantio da cana e fornecer alenha que era o combustiacutevel da eacutepoca Quanta madeira de lei ndash sucupira

jacarandaacute amarelo e tantas outras ndash foi queimada nas fornalhas dosengenhos porque o costume de queimar o bagaccedilo da cana nas fornalhas soacuteocorreria no seacuteculo XIX apoacutes mais de trecircs seacuteculos de colonizaccedilatildeoportuguesa Os solos da regiatildeo eram muito ricos em substacircncias mineraispodendo ser classificado em dois grandes grupos aqueles formados porargila lateriacutetica o chamado ldquobarro vermelhordquo dominante nas encostas e queeram eluviais e os solos transportados das encostas para as vaacuterzeas e vales dosrios que eram aluviais Estes eram os solos de massapecirc e se caracterizavampor formar um verdadeiro lamaccedilal no periacuteodo chuvoso amassados pelohomem e pelos animais que os pisoteavam tornavam-se pegajosos egrudavam nas solas dos peacutes e nas patas dos animais o que levou GilbertoFreyre a consideraacute-los como uma terra ldquogaranhonardquo que se agarrava e que sedeixava modelar pelo peacute dos homens e dos animais

Aleacutem de dominante na Zona da Mata de Pernambuco o massapecirctambeacutem era muito abundante ocupando grandes aacutereas em Sergipe nachamada regiatildeo da Cotinguiba e no Recocircncavo Baiano onde ele eacute chamadotambeacutem massapecirc embora seja um solo eluvial formado pela decomposiccedilatildeodo calcaacutereo ambos poreacutem satildeo solos ricos em aacutegua de escoamento lentopara os rios da regiatildeo o que faz com que a aacuterea em sua maior extensatildeopermaneccedila excessivamente uacutemida durante grande parte do tempo Estessolos pegajosos dificultavam de certa forma o escoamento da produccedilatildeoagriacutecola quando os engenhos natildeo ficavam agrave margem dos rios navegaacuteveis e acirculaccedilatildeo dos carros de boi ou a cavalo se fazia com muito cuidado elentidatildeo As relaccedilotildees de amizade de tornavam precaacuterias diante dadificuldade que as pessoas tinham de se visitar nos aniversaacuterios e batizadossoacute nas festas da ldquobotadardquo dos engenhos ou da ldquopejadardquo havia mais facilidadede locomoccedilatildeo porque elas se davam no periacuteodo de estio quando as chuvaseram escassas

A terra e sua qualidade chamavam a atenccedilatildeo por problemas os maisdiversos como o haacutebito muito difundido entre a populaccedilatildeo pobre de comerterra por parte das crianccedilas do medo de bichos da terra como as minhocasas cobras os lacraus e ateacute dos bichos-de-peacute que apareciam inicialmente sob aforma de coceiras mas que ao crescerem formavam bolhas de pus e traziamperigos de infecccedilotildees Natildeo se pode esquecer que em uma civilizaccedilatildeo rural haacute

sempre uma relaccedilatildeo muito iacutentima entre o homem e a terraMas se eram iacutentimas como se pode ler em Nordeste as relaccedilotildees entre o

homem e a terra tambeacutem eram iacutentimas as relaccedilotildees entre o homem e a aacuteguaa cana-de-accediluacutecar eacute uma planta profundamente ligada agrave aacutegua ao contraacuterioda planta que foi sua concorrente na ocupaccedilatildeo do espaccedilo nordestino oalgodatildeo Daiacute a separaccedilatildeo entre as aacutereas de cana e as de algodatildeo entre oNordeste uacutemido e o Nordeste seco

Na regiatildeo natildeo se observa a presenccedila de grandes rios estes ora satildeo riosmeacutedios que nascem no agreste e caminham para o litoral apresentandopequeno volume drsquoaacutegua sendo muitas vezes intermitentes no estio nos seusaltos e meacutedios cursos e volumosos no baixo curso quando atravessam a regiatildeouacutemida e satildeo abastecidos por afluentes nascidos na proacutepria mata ora satildeopequenos rios que nascem nas encostas do maciccedilo da Borborema e seencaminham para o oceano atraveacutes de vaacuterzeas onde alagaram e seaprofundam formando ldquoriasrdquo que no passado permitiam a entrada deembarcaccedilotildees de porte meacutedio a algumas leacuteguas de distacircncia do litoral comoocorria em Goiana em Igarassu e em Rio Formoso

Uma das antecipaccedilotildees felizes de Gilberto Freyre foi a de afirmar que osrios pequenos de aacuteguas pouco profundas por se ligarem facilmente ao solotinham uma vantagem sobre os rios maiores que facilitavam a navegaccedilatildeoporque a sua aacutegua por capilaridade infiltrava-se no solo e o umedeciabeneficiando os canaviais de beira de rio sempre de maior porte e maisverdes que os situados nos interfluacutevios

E a aacutegua prestava grandes serviccedilos ao homem natildeo soacute aguando as suascanas como facilitando o transporte fornecendo o produto para usodomeacutestico para regar as plantas para abastecer engenhos casas e cidadescomo tambeacutem para carregar detritos Isto sem falar no valor que se dava ateacuteo seacuteculo XIX aos saudaacuteveis banhos de rio Que diga a este respeito o nossopoeta maior Manuel Bandeira quando afirmou em poesia sublime queldquoteve o seu primeiro alumbramento ao ver uma moccedila nuinha tomandobanho no Capibaribe em Poccedilo da Panelardquo

Tambeacutem ela era utilizada como produtora de energia movendo osfamosos engenhos drsquoaacutegua ou engenhos reais mediante a construccedilatildeo deaquedutos que captavam a aacutegua em um ponto do rio ou riacho que se

encontrasse acima do engenho trazendo-a ateacute a moenda Aiacute eles podiamcair sobre a roda drsquoaacutegua nos engenhos copeiros no meio da roda nosengenhos meeiros ou na sua parte inferior nos baixeiros como tatildeo bemretratou Antonil no seu famoso livro do iniacutecio do seacuteculo XVIII

Em uma combinaccedilatildeo entre o transporte mariacutetimo e o fluvial tambeacutem elaera usada permitindo a utilizaccedilatildeo de barcos de tonelagem diversas desde osportos situados nos fundos dos estuaacuterios ou em canais como o de Itamaracaacuteque separava a ilha do continente ateacute os portos pequenos situados no litoralde onde as mercadorias eram transferidas para embarcaccedilotildees maiores elevadas para os portos europeus Assim o Recife era o principal porto dacapitania de Pernambuco e Salvador o da Bahia Portos de menor caladosituavam-se em vaacuterios pontos da costa como o da foz do Potenji o doMamanguape o do Paraiacuteba o do Goiana o de Santa Cruz o de Suape ouSanto Agostinho o de Tamandareacute o de Barra Grande e o de Alagoas entre oRecife e a foz do Satildeo Francisco

A importacircncia dos rios poreacutem natildeo se limitava a estes serem apenasabastecedores de aacutegua agentes de produccedilatildeo e forccedila motriz e formadores desolos uacuteteis agrave cana-de-accediluacutecar Gilberto se preocupava tambeacutem e sobretudocom o tratamento dado aos rios pelo homem enquanto colonizadordemonstrando as suas preocupaccedilotildees ecoloacutegicas com o meio ambiente jaacute nasprimeiras deacutecadas do seacuteculo XX Assim ele chamou atenccedilatildeo com a maiorveemecircncia contra o lanccedilamento das caldas de destilaria nos cursos drsquoaacuteguada regiatildeo da mata pelas destilarias das usinas de accediluacutecar e tambeacutem das aacuteguasservidas pela mesma Revoltado com os danos causados por estas induacutestriasque os transformavam em verdadeiros canais de escoamento de dejetosGilberto os classificava como verdadeiros mictoacuterios ou como fossasPosteriormente agrave publicaccedilatildeo do livro Nordeste Gilberto ao criar e dirigir oInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais depois transformado emFundaccedilatildeo Joaquim Nabuco patrocinou a realizaccedilatildeo de pesquisas sobre asbacias fluviais atingidas pelo lanccedilamento dos esgotos industriais Tanto nosrios norte-rio-grandenses como nos paraibanos pernambucanos e alagoanosEstes estudos foram dirigidos pelo geoacutegrafo Gilberto Osoacuterio de Andrade como apoio dos geoacutegrafos Maacuterio Lacerda de Melo Rachel Caldas Lins e ManuelCorreia de Andrade do antropoacutelogo Joseacute Heskett Lavareda e do botacircnico

Dardano de Andrade Lima aleacutem de alunos dos cursos de geografia daUFPE Dos trabalhos de pesquisas constavam trabalhos de campo

Assim em sua visatildeo totalizadora e dialeacutetica Gilberto Freyre tinhacondiccedilotildees e estiacutemulos para observar o papel desempenhado pelos chamadosrios de accediluacutecar do Nordeste criando problemas para os habitantes de umaregiatildeo bem povoada

Ainda Gilberto em sua visatildeo de antropoacutelogo procurou analisar aconvivecircncia entre o homem e o rio chamando a atenccedilatildeo para o seu usocomo objeto de lazer pois era nele que se tomava banho onde se nadava sepescava e se faziam festividades Atos que se estendiam tambeacutem aos accediludesque geraram histoacuterias pitorescas como a do senhor do engenho Cana Bravade aacuterea muito acidentada onde ele velho aristocrata de origem portuguesanos dias de chuva descia a ladeira da casa-grande em direccedilatildeo ao accedilude parao banho usando um guarda-chuva aberto e tamancos para natildeo escorregarna encosta iacutengreme

Tambeacutem com grande interesse pelos problemas alimentares GilbertoFreyre natildeo esqueceu nas paacuteginas de Nordeste e de outros livros e emartigos a deliacutecia que para ele representavam os chamados pitus do rio Unario que banhava a cidade de Palmares e as terras do engenho Japarandubaque pertencia a Pedro Paranhos Tatildeo guloso como o massapecirc sobre a qualnascera e se criara Gilberto era tambeacutem um grande apreciador econhecedor da culinaacuteria nordestina por ele divulgada em livros e artigoscomo o Accediluacutecar publicada apoacutes o Nordeste

A mata hoje em grande parte destruiacuteda e devastada mas aindaexuberante nas serras e encostas era a grande fascinaccedilatildeo para o mestre deApipucos preocupado natildeo soacute com o belo mundo vegetal como com a fontede vida que ela abrigava com as plantas mais diversas os bichos e as lendasQuanta importacircncia se dava agraves lendas sobre as criaturas que aiacute viviam comoa caapora que aplicava surras tremendas aos catildees que acompanhavam oscaccediladores o curupira o saci-pererecirc e a muitos outros seres que forampopularizados por Monteiro Lobato em seus livros infantis Mas ela eratambeacutem o abrigo de animais peccedilonhentos como cobras aranhas venenosasalguns lagartos e mamiacuteferos como as onccedilas os guaraacutes os porcos-espinhos ede inocentes animais de caccedila como as pacas cotias aleacutem de numerosos tipos

de macacos e de morcegosA floresta aleacutem de sua forma majestaacutetica eacute como toda floresta tropical

muito densa cheia de cipoacutes de lianas e botanicamente muito rica emmadeiras duras e diversificadas No periacuteodo colonial ela foi muito rica emmadeiras nobres aleacutem do pau-brasil que fornecia ao mercado europeu amateacuteria-prima para a tinturaria Madeira que apresentava melhor qualidadeno Nordeste tendo o chamado ldquopau de Pernambucordquo maior valor do que opau-brasil de outras regiotildees da colocircnia O nosso era comparado ao pauoriundo da ilha de Sumatra na Insuliacutendia Dentre as madeiras de maiorprestiacutegio destacavam-se o cedro o amarelo a maccedilaranduba o pau-drsquoarcoque podia ser roxo ou amarelo o freijoacute a sucupira etc Do jacarandaacute faziam-se os mais ricos moacuteveis utilizados nas casas-grandes dos senhores de engenhoe nos sobrados da cidade Mas tudo isto foi sendo devastadoimpiedosamente quer pelas serrarias quer como combustiacutevel nos engenhoso que na primeira metade do seacuteculo XX assombrou e provocou repulsa tantoa Gilberto Freyre como ao botacircnico Vasconcelos Sobrinho

A destruiccedilatildeo da mata como se pode concluir em Nordeste foi feita deforma contiacutenua e sistemaacutetica os colonizadores iniciavam com a derrubadado pau-brasil fato que jaacute no seacuteculo XVI causou indignaccedilatildeo ao donataacuterioDuarte Coelho Pereira e em seguida vinha a ldquocoivarardquo para queimar avegetaccedilatildeo rasteira e ser o espaccedilo ocupado com o cultivo da cana-de-accediluacutecarsempre em expansatildeo A derrubada era feita tambeacutem para obter a madeiraque serviria de lenha natildeo soacute para movimentar o engenho como para o fogatildeodas casas-grandes e dos trabalhadores e apoacutes o seacuteculo XIX nos fornos daspadarias e das locomotivas das ferrovias A madeira era tambeacutem largamenteutilizada na marcenaria onde se fabricavam cocircmodas cadeiras mesas ebancos moacuteveis famosos quando feitos de jacarandaacute ou de macacauacuteba Ehouve marceneiros que se tornaram ceacutelebres no Recife

Ainda era utilizada na construccedilatildeo civil em casas armazeacutens e igrejas quese tornaram famosos por sua riqueza e por suas dimensotildees Casas-grandesfamosas como a do engenho Noruega a de Poccedilo Comprido e de Uruaeacute eigrejas como as de Olinda do Recife de Goiana e de Igarassu Ou aindaconventos como os dessas cidades e da Paraiacuteba hoje Joatildeo Pessoa deSirinhaeacutem e de Rio Formoso

A devastaccedilatildeo das matas tatildeo condenada por Gilberto e maismodernamente pelos especialistas em ecologia e em meio ambienteprovocou naturalmente uma maior exposiccedilatildeo do solo agrave accedilatildeo dos agentesmeteoroloacutegicos e o empobrecimento dos mesmos

Embora a cana como gramiacutenea desse uma maior proteccedilatildeo ao solo doque o milho e o algodatildeo quando cultivada em encostas de maior decliveacelerava a degradaccedilatildeo e o transporte dos solos das encostas fazendo comque o regolito migrasse ladeira abaixo para se acumular nos vales e nasvaacuterzeas dos rios provocando o encharcamento dos solos e a formaccedilatildeo delagoas e pauis Fato bem observado nas Alagoas cujo litoral apresenta umaseacuterie de lagoas e de lagos barrados pelas restingas que represam os rios emseus baixos cursos formando lagoas como entre outras as de Mundauacute eManguaba Aleacutem disso provocava tambeacutem o assoreamento dos mesmos

O recuo da mata deixou grandes extensotildees de terra sob a influecircnciadireta das intempeacuteries com uma seacuterie de consequecircncias funestas Nos solosargilosos observou-se a intensificaccedilatildeo do escorregamento das vertentes comforte impacto sobre as cidades provocou a migraccedilatildeo de animais silvestrescomo os morcegos hematoacutefilos que antes viviam na floresta para as aacutereashabitadas o assoreamento das vaacuterzeas dos rios e das lagoas que cada vezmais se tornaram maiores e de menor profundidade a difusatildeo de insetostransmissores de moleacutestias que atacam tanto os animais como o homem euma seacuterie de outras consequecircncias danosas

Daiacute a conscientizaccedilatildeo de Gilberto Freyre frente aos problemasprovocados pelo desmatamento e suas posiccedilotildees corajosas na deacutecada de1930 contra os maiores responsaacuteveis por esta poliacutetica que seriam os usineirosdo accediluacutecar segundo ele em sua maioria despreocupados com asconsequecircncias sociais da accedilatildeo que desenvolviam Destes existiam algumasexceccedilotildees como o industrial Antocircnio Ferreira da Costa Azevedo o dono dausina Catende que chegou a ser a mais importante e maior usina daAmeacuterica do Sul Costa Azevedo pela sua competecircncia dinamismo ecapacidade de accedilatildeo teria sido um industrial do seacuteculo XX com mentalidadedo seacuteculo XXI

Quanto aos animais distinguia Gilberto Freyre os da terra e osimportados os primeiros em sua maioria pouco interessaram ao

colonizador apenas os papagaios pelo fato de aprenderem facilmente afalar foram criados por colonizadores portugueses e exploradores francesesque traficavam na costa brasileira durante as primeiras deacutecadas do seacuteculoXVI chegando a levar vaacuterios deles para a Europa e a apresentarem emeventos na Franccedila salientando que as aves brasileiras falavam a liacutenguafrancesa Da mesma forma os portugueses ensinavam a dizer ldquopapagaio realeacute de Portugalrdquo como que indicando que os colonos portugueses pensavamsempre em enriquecer no Brasil e regressar a Portugal

As araras e outros paacutessaros de plumagens coloridas tambeacutem atraiacuteam oscolonizadores da mesma forma que os paacutessaros canoros como o uirapuru daAmazocircnia e os sabiaacutes que cantavam nas palmeiras do Maranhatildeo

Macacos saguis cotias tatus caacutegados e ateacute veados eram tambeacutemreunidos e criados em lugares apropriados por proprietaacuterios de terra quedesejavam manter um maior contato com esta natureza que consideravamselvagem

Mas a maioria dos animais silvestres era utilizada sobretudo nosprimeiros tempos na alimentaccedilatildeo como caccedila possibilitando o preparo demuitas iguarias com a anta maior mamiacutefero da Ameacuterica o tatu a cotia apaca o porco-do-mato o veado o jacareacute e a grande variedade de peixestanto de aacutegua doce como de aacutegua salgada Com eles usando o leite de cocofaziam numerosas e famosas iguarias regionais tatildeo decantadas peloscronistas ao periacuteodo colonial

Havia ainda os animais temidos pelo homem devido o perigo querepresentavam para as suas atividades estes em geral eram dizimados semo menor controle como as cobras venenosas ndash cascavel jararaca coral ndash e asque natildeo sendo venenosas matavam por asfixia como as jiboias de vaacuteriostipos

As aves muitas de grande porte como o jacu a galinha drsquoaacutegua os patosselvagens a ave de arribaccedilatildeo eram tambeacutem muito caccediladas visando a suautilizaccedilatildeo na alimentaccedilatildeo

O maior contato de animais com os europeus os colonizadores que empouco tempo se apossaram da terra e a organizaram em funccedilatildeo dos seusinteresses como salienta Gilberto Freyre ocorreu com animais importadostrazidos pelo colonizador tanto da Europa como da Aacutesia e da Aacutefrica No livro

Nordeste animais como cavalos e bois satildeo considerados os primeiros como osamigos do senhor de engenho e os segundos como os companheiros doescravo

O cavalo teria sido para o colonizador o animal que lhe possibilitava aconquista do territoacuterio e a manutenccedilatildeo do domiacutenio sobre o mesmo Issoporque ele era muito uacutetil na guerra contra os nativos que andavam elutavam a peacute Era a cavalo que o conquistador se lanccedilava contra as aldeiascontra indiacutegenas e contra os mucambos de negros aquilombados criandouma desigualdade entre eles ou sobre eles Tambeacutem a cavalo o senhorcaminhava por suas terras e pelos seus canaviais fiscalizando os trabalhosque vinham sendo executados no campo pelos negros escravos e pelostrabalhadores forros Gilberto compara a semelhanccedila que havia na posiccedilatildeodo senhor e do escravo ou do simples trabalhador quando o primeiro falavaao segundo sempre de um ponto mais alto da sela de cavaleiros ou dacalccedilada ou do alpendre da casa-grande dando ordens em voz alta ou ateacuteaos gritos Ordens que dificilmente deixavam de ser cumpridas

O cuidado com os cavalos de sela diverso do que era dado aos cavalos decangalha era muito acentuado os cavalos eram selecionados de bela cor ndashcastanho alazatildeo russo melado etc ndash e se procurava ensinaacute-los para quecarregassem os viajantes em um andar cadenciado que conforme avelocidade ia ldquodo baixo ao meiordquo Um cavalo meeiro dava orgulho ao seuproprietaacuterio e alcanccedilava preccedilos elevados no mercado da sociedadeaccedilucareira Em geral tambeacutem os senhores de engenho se esmeravam naaquisiccedilatildeo de cavalos de pequeno porte nos quais filhos e netos seexercitavam na arte da equitaccedilatildeo Este era o tratamento dado aos cavalosldquonobresrdquo de uso da aristocracia do accediluacutecar ou como a chamava satiricamenteTobias Barreto da ldquoaccedilucocraciardquo

Por outro lado havia os animais de trabalho equinos muares e asininosque recebiam um tratamento bem diferenciado e eram usados no transporteda cana do accediluacutecar e de moacuteveis e utensiacutelios e que faziam moer os famososengenhos de accediluacutecar As eacuteguas eram utilizadas nas almanjarras dos engenhosque natildeo dispunham de aacutegua suficiente para movimentaacute-los no transportedas canas dos partidos para os engenhos e do accediluacutecar e da aguardente dosengenhos e da destilaccedilatildeo ateacute os portos fluviais ou aos armazeacutens dos

exportadores Neste trabalho eram muito utilizados tambeacutem os burrosmuares ndash hiacutebridos de cavalos com os jumentos ndash animais muito fortes eresistentes agraves grandes caminhadas

Nas almanjarras natildeo eram utilizados cavalos mas apenas eacuteguas porserem mais velozes que os machos Daiacute se chamar aos engenhos agrave traccedilatildeoanimal de ldquoengenhos de bestardquo Segundo os cronistas coloniais os primeirosengenhos foram movidos agrave traccedilatildeo humana sendo logo substituiacutedos porengenhos movidos a bois e finalmente por engenhos de bestas que soacutedesapareceram totalmente na regiatildeo accedilucareira nos seacuteculos XIX e XXquando foram substituiacutedos pelos engenhos a vapor

Se na opiniatildeo de Gilberto externada em Nordeste o cavalo era ocompanheiro quase um complemento do senhor o boi lento manso e defaacutecil dominaccedilatildeo era o companheiro do negro do escravo do homem declasse mais humilde Trazido inicialmente da Europa e a partir do seacuteculoXIX da Iacutendia o boi era utilizado sobretudo na cultura de cana e naproduccedilatildeo de couro assim como no trabalho agraacuterio Criado quase sempre nosertatildeo ele era levado para a regiatildeo canavieira em grandes boiadas para serabatido ou utilizado como animal de trabalho Daiacute a sua maior convivecircnciacom o homem humilde com o trabalhador do que com o senhor de terras ede escravos talvez por isso ele fosse olhado com simpatia entre popularessendo logo convocado para participaccedilotildees em folguedos como o ldquobumba meuboirdquo

Durante muito tempo ele participou tambeacutem do conviacutevio com ossenhores quando conduzia a famiacutelia nas suas viagens para engenhosvizinhos e para as cidades proacuteximas Haacute na realidade um rico folclore a seurespeito e da sua presenccedila na vida patriarcal A sua carne ao contraacuterio da docavalo era muito utilizada como alimento nas casas-grandes e nas senzalastanto sob a forma de carne verde como de carne seca na chamada carne-de-sol ou de vento e no charque ou jabaacute hoje importado do Centro-Oeste edo Sul A produccedilatildeo de charque no seacuteculo XVIII estava concentradasobretudo no sertatildeo nordestino e era chamada de ldquocarne do Cearaacuterdquo Asgrandes secas poreacutem forccedilaram a migraccedilatildeo das induacutestrias produtoras para oRio Grande do Sul

Aleacutem do boi e do cavalo os colonizadores trouxeram do Velho Mundo

para o Nordeste carneiros e cabras que seriam utilizados sobretudo naalimentaccedilatildeo os carneiros eram muito utilizados na eacutepoca da civilizaccedilatildeoaccedilucareira como montaria para as crianccedilas como que preparando-as para aequitaccedilatildeo

Os portugueses natildeo domesticaram aves visando agrave produccedilatildeo dealimentos preferiam utilizar aquelas que jaacute conheciam na Europa como asgalinhas os patos os marrecos os gansos etc Da Aacutefrica trouxeram a guineacute ougalinha-drsquoangola que teve grande difusatildeo no Paiacutes mas eacute considerada demenor importacircncia e prestiacutegio dentre as aves quer na qualidade da carnequer na dos ovos

Observa-se assim e Gilberto o salienta em sua visatildeo ecoloacutegica emNordeste que o colonizador foi um grande predador destruiuimpiedosamente a natureza derrubando florestas agrave procura de ganho faacutecildegradou os solos usou os rios naquilo em que eram uacuteteis e transformou-osem verdadeiros canais de esgotos de recebimento de produtos e dejetosindustriais que disseminou epidemias e endemias europeias e africanas edestruiu a fauna autoacutectone para substituiacute-la por animais importados e jaacutedomesticados em outras plagas Do ponto de vista sanitaacuterio eacute convenientelembrar como a schistosoma mansoni se expandiu por toda a aacutereaaccedilucareira enfraquecendo a populaccedilatildeo pobre que convivia com as aacuteguas dosrios e lagos Atraveacutes de uma vida sexual intensa propagou a siacutefilis a ponto deo proacuteprio socioacutelogo afirmar em livro famoso que os colonizadores natildeo soacutecivilizaram como tambeacutem sifilizaram a sua colocircnia americana Assimpodemos afirmar sem medo de exageros que a colonizaccedilatildeo a ocupaccedilatildeo doterritoacuterio a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira e a catequese foram acompanhadaspela siacutefilis e por outras moleacutestias ldquomaldosamenterdquo chamadas de tropicais

Mas Gilberto como cientista social como observador da formaccedilatildeobrasileira como historiador social como antropoacutelogo como socioacutelogo comocientista poliacutetico e como geoacutegrafo humano depois de uma visatildeo ecoloacutegica dasociedade accedilucareira natildeo teria completado o seu trabalho se natildeo analisasse opapel desempenhado pelo homem ao organizar o seu espaccedilo de atuaccedilatildeo

E ao analisar a accedilatildeo do homem levou em consideraccedilatildeo a existecircncia deuma sociedade de classes onde conviviam dominadores e dominadossenhores e escravos E traccedilou em dois capiacutetulos o quinto e o sexto a

psicologia e o modo de agir de cada uma delas Pernambuco tem umatradiccedilatildeo diversificada do Brasil de vez que a sua classe dominante foimarcada jaacute no seacuteculo XVII por uma prolongada luta entre portugueses eholandeses E face agrave pouca ajuda da coroa portuguesa aos insurgentes de1645 estavam os ldquomazombosrdquo ou nobres da regiatildeo accedilucareira convencidos desua pequena dependecircncia da monarquia portuguesa e do seu direito a umamaior autonomia Daiacute a chamada revolta de 1710 ou guerra dos mascatesonde se contrapuseram os direitos de Olinda aos do Recife enriquecido coma guerra holandesa e em seguida as revoltas de 1817 de 1824 e de 184849nas quais senhores de engenho e comerciantes se levantaram contra osmonarcas de Portugal ateacute 1822 e do Brasil a partir da Independecircncia emnome de ideais democraacuteticos

Na verdade e isto estaacute bem expliacutecito em Nordeste os senhores deengenho e ricos comerciantes haviam se embebido de ideias constitucionaisamericanas e dos princiacutepios libertaacuterios franceses para realizarem umalibertaccedilatildeo dos poderes metropolitanos Mas estes ldquoliberaisrdquo estavamsobretudo temerosos de uma revolta de escravos negros muito numerososna proviacutencia onde havia unidades militares de negros e de mulatos oschamados ldquoHenriquesrdquo que eram muito fortes e desdenhavam dos brancos aque chamavam de ldquocaiadosrdquo Alguns liacutederes se destacaram como o mulatocapitatildeo Pedro Pedroso chefe de uma intentona que derrubou o governoprovincial em 1823 e o major Mundurucu que tinha grande prestiacutegio entre apopulaccedilatildeo de cor sempre pronta para entrar em accedilatildeo Jaacute em 1710 apopulaccedilatildeo pobre do Recife sob lideranccedila de Joatildeo da Mata apoiara osmascates do Recife contra os ldquopeacutes raspadosrdquo de Olinda

E esta populaccedilatildeo negra era temida face aos acontecimentos ocorridos noHaiti quando a Revoluccedilatildeo Francesa enfraqueceu o governo colonial epossibilitou uma sublevaccedilatildeo negra contra os colonizadores brancos queforam expulsos da ilha tornada independente sob o governo de imperadoresnegros E o medo eacute mau conselheiro

Em 1817 quando os revolucionaacuterios tomaram o poder e organizaram umgoverno republicano que dominou o Recife e a capitania de Pernambucoorganizaram um governo de cinco membros representando as cinco classesconsideradas mais importantes ndash clero militares comeacutercio magistratura e

agricultura ndash e os representantes das mesmas eram todos brancos ousemibrancos levando-se em conta que a miscigenaccedilatildeo jaacute penetrara nasvelhas famiacutelias aristocraacuteticas Natildeo houve uma maior preocupaccedilatildeo com alibertaccedilatildeo dos escravos e tambeacutem com a aboliccedilatildeo do traacutefico negreiro da Aacutefricapara o Brasil

Ainda em 1824 ao se proclamar a Confederaccedilatildeo do Equador com todo oideaacuterio democraacutetico de frei Caneca natildeo recebeu o tema da aboliccedilatildeo daescravatura maior atenccedilatildeo Temiam os revolucionaacuterios que o idealabolicionista se externado afastasse da ideia revolucionaacuteria oslatifundiaacuterios os grandes proprietaacuterios de terras Os nossos escritores doseacuteculo XIX natildeo se preocuparam muito com a escravidatildeo e deixaram de ladoas revoltas negras de maior importacircncia como o chamado Quilombo deCatucaacute e a Guerra dos Cabanos Revoltas em que negros mulatos e indiacutegenaspegaram em armas e resistiram durante anos aos seus senhores fugindo agravecondiccedilatildeo de escravos e procurando obter a propriedade ou a posse de terrasagricultaacuteveis

Gilberto mostra poreacutem como numerosos aristocratas do accediluacutecar seconverteram ao ideal abolicionista e lutaram contra a escravidatildeo e aexploraccedilatildeo do homem pelo homem Entre outros podem ser salientadas asfiguras de Joaquim Nabuco e de Joseacute Mariano O primeiro um Paes Barretodescendente do morgado do cabo natildeo soacute defendia a aboliccedilatildeo da escravaturacomo a necessidade de se fazer livrar o Brasil da marca desta instituiccedilatildeonefanda admitindo que a aboliccedilatildeo deveria ser acompanhada dademocratizaccedilatildeo da propriedade da terra por meio de uma reforma agraacuteriaReforma agraacuteria que ainda natildeo foi feita neste iniacutecio do seacuteculo XXI Osegundo um Carneiro da Cunha de Ribeiratildeo aleacutem de se destacar comogrande orador popular participou de accedilotildees onde roubava escravos aosproprietaacuterios de terra escondia-os em suas propriedades sobretudo na doPoccedilo da Panela e remetia-os para o Cearaacute onde a aboliccedilatildeo provincial haviasido feita em 1884 quatro anos antes da nacional

Tambeacutem o Cons Joatildeo Alfredo filho e neto de senhores de engenho eleproacuteprio dono de terras e de escravos ao ascender ao poder realizou aaboliccedilatildeo a 13 de maio de 1888 sem indenizaccedilatildeo aos proprietaacuterios deescravos e de terras Ele levou a entatildeo princesa imperial dona Izabel a

assinar uma lei revolucionaacuteria para a sua eacutepoca e o gabinete que chefioucaiu devido ao jogo parlamentar quando ele caminhava para levar acidadania aos ex-escravos atraveacutes da distribuiccedilatildeo de terras a descendentesde escravos e ex-escravos nas margens das ferrovias e dos rios navegaacuteveisGilberto Freyre em Nordeste e em outros dos seus estudos desenvolve aideia hoje muito aceita de que a aboliccedilatildeo foi feita pela metade foiinterrompida no seu caminho ascendente

Conveacutem salientar ainda que o Recife foi uma cidade que se orgulhava desuas tradiccedilotildees liberais e embebeu de ideias liberais natildeo soacute as personalidadespernambucanas como as figuras de outras proviacutencias que vieram estudar namesma Basta salientar que aqui viveram Castro Alves o poeta da liberdadeabolicionista republicano e agnoacutestico como tambeacutem Rui Barbosa que seria omaior jurista brasileiro de seu tempo Tobias Barreto Siacutelvio Romero VitorianoPalhares Abreu e Lima o general das massas e autor de um livro sobre ldquoOSocialismordquo e muitos outros Aleacutem disto na chamada Revoluccedilatildeo ou RevoltaPraieira jaacute se sentia a influecircncia de ideias republicanas e federalistas Emcapiacutetulo magistral Gilberto Freyre analisa este fenocircmeno da ldquoaccedilucocraciardquopernambucana que reunia de forma dialeacutetica ideais democraacuteticos e ateacutesocialistas ao orgulho de uma origem aristocraacutetica que se iniciara com acolonizaccedilatildeo portuguesa na primeira metade do seacuteculo XVI e conservadaateacute hoje cheia de nomes tradicionais como Albuquerque em numerosasvariantes Cavalcanti Acioli Lins Bandeira de Melo ou Souza Leatildeo enumerosos outros Eles foram os chamados ldquoLeotildees do Norterdquo do tempo doimpeacuterio

Mas Gilberto em Nordeste natildeo salienta apenas estes aspectos positivosele chamou a atenccedilatildeo tambeacutem para os aspectos negativos acentuados apartir da segunda metade do seacuteculo XIX quando foram implantadasnumerosas usinas e os latifuacutendios passaram a engolir engenhos e siacutetiosintensificando a monocultura intensificando a destruiccedilatildeo das matas epoluindo as aacuteguas E aiacute se observa a posiccedilatildeo dialeacutetica do mesmo saudoso dosistema patriarcal que morria rapidamente diante da expansatildeo da usina queafastou o trabalhador rural do proprietaacuterio de terras que passa a viverdistante da propriedade sem conviver com o trabalhador A usina como quedesumaniza o proprietaacuterio e o trabalhador e faz diminuir a classe meacutedia dos

produtores de accediluacutecar senhores de engenho transformados emfornecedores de cana

Salienta ainda que poucos foram os usineiros que guardaram as posiccedilotildeese os haacutebitos de senhores de engenho destacando-se dentre estes o famosoldquotenenterdquo de Catende o industrial Costa Azevedo

O uacuteltimo capiacutetulo eacute voltado para o trabalhador rural escravo ateacute 1888 elivre ou relativamente livre apoacutes o 13 de maio Gilberto apesar deantropoacutelogo e mais com espiacuterito de geoacutegrafo natildeo faz aquela decisatildeo quetomou em Casa-grande amp senzala dando maior importacircncia ao escravodomeacutestico do que ao escravo trabalhador rural Aqui ele encara o trabalhadorde forma mais ampla chamando a atenccedilatildeo para o fato de que a escravidatildeoera muito dura impiedosa para com o escravo mas era menos riacutegida do queem paiacuteses de colonizaccedilatildeo inglesa Observa-se assim que em Nordeste jaacutecomeccedilam a ser lanccediladas as ideias que ganhariam maior forccedila e importacircnciana chamada Tropicologia ou Luso-tropicologia

Desenvolve ideias que acompanham a mudanccedila de vida do escravo paraa do morador de condiccedilatildeo a transformaccedilatildeo do habitat concentrado dasenzala pelo da casa dispersa dos moradores e a atenuaccedilatildeo dos rigores doproprietaacuterio para o trabalhador que ocorria de forma mais acentuadadurante o periacuteodo escravocrata Tambeacutem aiacute discorre para o fato do senhorde engenho ldquofechar os olhosrdquo a certos haacutebitos degradantes que sepropagavam como o do uso de drogas como maconha entre ostrabalhadores Admite que a toleracircncia deste uso pelos senhores resultava davariaccedilatildeo sazonal de braccedilos entre os periacuteodos de maior demanda de matildeo deobra ndash moagem e ateacute certo ponto plantio da cana ndash fazendo com quefacilitassem certos haacutebitos no periacuteodo da entressafra para desviar ostrabalhadores do desejo de especulaccedilotildees que contrariassem os seusinteresses

Observa-se que na vida mais ou menos livre levada pelas classes entatildeochamadas inferiores a disseminaccedilatildeo de moleacutestias sexuais era intensatrazendo impactos sobre a populaccedilatildeo pobre E como estas moleacutestias sedifundiam de forma mais intensa entre as classes mais humildesgeneralizou-se de consideraacute-las moleacutestias tropicais Moleacutestias que eramepidecircmicas e que atingiam as classes menos favorecidas como o

impaludismo (malaacuteria) a leishimoniose a bolba a tuberculose ou queapareciam de forma intensa em certos periacuteodos como a variacuteola e o coacuteleramorbus A variacuteola era conhecida como bexiga vivendo no campo descalccedilos eem contato permanente com a terra era comum serem os pobres atacadospor numerosos tipos de verminoses e por intermeacutedio dos banhos de rio e deaccediludes pela schistosoma mansoni (esquistossomose)

Assim podemos considerar Nordeste como um livro de siacutentese em queGilberto de forma impressionista e caprichando em escrever de forma maisacessiacutevel ao povo daacute uma ideia mais geral da civilizaccedilatildeo accedilucareira e dasociedade patriarcal nele o autor enfatizou a importacircncia das relaccedilotildees entrea natureza e a sociedade mostrando como o homem e o meio natural seinterinfluenciam como terra aacutegua ar vegetaccedilatildeo animais e o homem estatildeoentrelaccedilados por accedilotildees e reaccedilotildees as mais complexas Como o todo natildeo eacute umasoma das partes mas o resultado de uma interrelaccedilatildeo entre os vaacuterioscomponentes do meio orgacircnico e inorgacircnico Daiacute se poder considerarNordeste como um livro eminentemente geograacutefico enquanto Casa-grande amp senzala eacute mais antropoloacutegico e Sobrados e mucambos maissocioloacutegico Tambeacutem fazendo a ecologia dos grandes espaccedilos do Nordeste olivro o consagra como um especialista em ecologia

Apoacutes a descriccedilatildeo do que compreende o livro nos vaacuterios capiacutetulos eacuteconveniente se fazer uma anaacutelise da contribuiccedilatildeo do mesmo aos grandestemas nacionais situando-se o leitor inicialmente na eacutepoca em que ele foiescrito e posteriormente na projeccedilatildeo de suas ideias e conceitos para omundo atual para o momento em que vivemos Ao nosso ver este livroexpressa a posiccedilatildeo do seu autor frente a temas fundamentais como o darelaccedilatildeo entre o regionalismo e o unitarismo e a sua sensibilidade para asquestotildees ligadas ao meio ambiente hoje tatildeo atuais para os problemas decultura e de estruturas sociais para a difusatildeo de haacutebitos e costumesrealizando encontros e interpenetraccedilotildees sociais

Uma das grandes contribuiccedilotildees do livro Nordeste agrave cultura brasileira foia de definir o que eacute uma regiatildeo e a sua importacircncia no contexto do territoacuterionacional Na verdade a histoacuteria do Brasil estaacute permanentemente oscilandoentre as tendecircncias agrave unificaccedilatildeo ou mais precisamente agrave centralizaccedilatildeo e agraveregionalizaccedilatildeo Assim o Brasil que comeccedilou a ser povoado com um sistema

descentralizado de capitanias hereditaacuterias na primeira metade do seacuteculoXVI teve depois um governo geral que se sobrepunha agraves capitanias etentava fazer uma unificaccedilatildeo Em seguida o governo portuguecircs procuroufrear esta centralizaccedilatildeo criando dois governos um no Norte sediado nacidade do Salvador e outro no Sul com sede no Rio de Janeiro Foi depequena duraccedilatildeo este tipo de governo ndash 1572 a 1577 ndash e novamente a colocircniafoi unificada sob o governo da cidade de Salvador A divisatildeo seria mais umavez repetida no periacuteodo de 1608 a 1612 para voltar ao sistema unificado ateacute1621 quando ela foi dividida em dois estados o do Brasil e o do Maranhatildeodivisatildeo que perdurou por mais de um seacuteculo e permitiu que a metroacutepoleintensificasse a sua accedilatildeo colonizadora na Amazocircnia Nem a guerra holandesadesfez esse sistema que chegou quase ateacute a transferecircncia da famiacutelia real parao Rio de Janeiro E ao se proceder agrave Independecircncia o sentimento dosprovincianos era mais forte do que o sentimento dos nacionais O indiviacuteduoera primeiramente pernambucano paulista mineiro ou carioca do quebrasileiro e o gecircnio poliacutetico de Joseacute Bonifaacutecio foi que conduziu o paiacutes a umaindependecircncia nacional evitando uma secessatildeo semelhante agrave ocorrida naAmeacuterica Espanhola

As conspiraccedilotildees e revoltas mais importantes dos fins do periacuteodo colonialforam regionais como a Inconfidecircncia Mineira a Inconfidecircncia Baiana aRevoluccedilatildeo Pernambucana de 1817 continuando o provincianismo a sermuito forte na chamada Guerra da Independecircncia Fazendo-se umareflexatildeo sobre os acontecimentos de Pernambuco e do Gratildeo-Paraacute nesteperiacuteodo se chegaraacute agrave conclusatildeo de que os sentimentos ligados agrave proviacutenciaeram mais fortes do que os ligados ao paiacutes

Apoacutes a Independecircncia ainda tivemos a famosa Confederaccedilatildeo doEquador que conclamou as diversas proviacutencias entatildeo ditas ldquodo Norterdquosobretudo Pernambuco e Cearaacute agrave separaccedilatildeo do Rio de Janeiro Com aabdicaccedilatildeo do primeiro imperador em 1831 o governo da regecircncia natildeo tendocondiccedilotildees de controlar o poder nas vaacuterias proviacutencias deu margem aosurgimento de revoltas famosas das populaccedilotildees pobres com grandeparticipaccedilatildeo de negros forros escravos e indiacutegenas ligados a mesticcedilos e abrancos pobres deserdados da fortuna como a Cabanagem na Amazocircnia aBalaiada no Maranhatildeo e Piauiacute a Cabanada em Pernambuco e Alagoas a

Sabinada na Bahia e a Revoluccedilatildeo Farroupilha (Guerra dos Farrapos) no RioGrande do Sul

Estas revoltas tecircm todas elas uma grande importacircncia para acompreensatildeo de evoluccedilatildeo da sociedade brasileira e precisam ser estudadasem maior profundidade como aconselhava Caio Prado Juacutenior em seu livropioneiro de 1933 Evoluccedilatildeo poliacutetica do Brasil Ao se fazer a histoacuteria geral doBrasil deve-se partir de estudos locais como jaacute salientava Capistrano deAbreu E Gilberto Freyre ao analisar as caracteriacutesticas da sociedadepatriarcal salientava a importacircncia do aspecto cultural dominante em vaacuteriasregiotildees e com a diversificaccedilatildeo da exploraccedilatildeo da terra marcava cada umadelas criando identidades regionais e locais

Esta percepccedilatildeo mais cultural do que eacutetnica levou-o a chamar a atenccedilatildeopara a falsa divisatildeo dominante entre autores do seu tempo de defesa de umcentralismo da unidade nacional e um estadualismo aplicado pelaConstituiccedilatildeo Republicana de 1891 e consolidado pela poliacutetica dosgovernadores defendida por Campos Sales ele lembrava que entre o Estadoe o Paiacutes havia a regiatildeo E que as regiotildees nem sempre se acomodavam dentrodos limites poliacutetico-administrativos dos Estados

Uma anaacutelise da formaccedilatildeo do pensamento regionalista mostra como oautor destruiu aquela ideia generalizada de que o imenso paiacutes-continenteque eacute o Brasil compreendia duas grandes aacutereas que poderiacuteamos chamarregiotildees o Norte e o Sul Estas reflexotildees levaram o Governo Vargas ao criar oInstituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a desenvolver estudosregionais que culminaram com a proposta de divisatildeo do paiacutes em cincograndes regiotildees naturais o Norte o Nordeste o Leste o Sul e o Centro-Oesteproposta feita pelo geoacutegrafo Faacutebio de Macedo Soares Guimaratildees em 1941 eque foi oficializada apesar de sofrer grandes criacuteticas dos geoacutegrafos brasileirosque trabalhavam nas Universidades de Satildeo Paulo e do Rio de Janeiro e noproacuteprio IBGE Posteriormente em 1952 o governo federal criou o chamadoPoliacutegono das Secas compreendendo trechos do territoacuterio de Estadosnordestinos e de Minas Gerais como aacuterea de accedilatildeo do entatildeo criado Banco doNordeste Em seguida em 1958 provocado por outra grande seca o governofederal criou o ldquoNordeste da Sudenerdquo juntando ao Poliacutegono das Secas asporccedilotildees uacutemidas dos vaacuterios Estados da regiatildeo e o Maranhatildeo Em uma nova

divisatildeo regional do Paiacutes o IBGE tornou oficial o Nordeste da Sudene edesmembrou o Leste que perdeu Sergipe e Bahia sendo os estados doEspiacuterito Santo do Rio de Janeiro e de Minas Gerais reunidos a Satildeo Paulopara formar o Sudeste O Sul passou a compreender apenas os trecircs Estadosmeridionais

Ainda a partir da ideia do mestre de Apipucos e com o apoio deescritores famosos que se abeberaram nos trabalhos anteriores como os deDomingos Olimpio de Rodolfo Theoacutefilo de Joseacute Ameacuterico de Almeida e dagenial obra de Euclides da Cunha Os sertotildees firmou-se a concepccedilatildeocultural da existecircncia de uma regiatildeo nordestina com caracteriacutesticas proacutepriasdentro do territoacuterio brasileiro E o Nordeste vem sendo estudado e criticadodentro dos centros cientiacuteficos da regiatildeo e de outras aacutereas do paiacutes sentindo-se sempre a marca freyreana Leia-se e reflita-se sobre livros marcantes maisrecentes como o Elegia para uma re(li)giatildeo de Francisco Oliveira e O fimdo Nordeste de Michel Zaidan que se veraacute a presenccedila do pensamento deGilberto ora para ser enaltecido ora para ser criticado e ora para sercontestado Mas ele estaacute presente em todos os momentos e reflexotildees

Outra grande contribuiccedilatildeo do livro eacute a do tema ligado ao meio ambientede vez que o autor divide a regiatildeo em duas sub-regiotildees mais caracteriacutesticas eprocura colocar a cultura imperial a cana-de-accediluacutecar no centro de suasreflexotildees selecionando a sua presenccedila com elementos naturais a terra oclima a aacutegua o mato e bioloacutegicos como a vegetaccedilatildeo os animais e o proacutepriohomem E ciente da importacircncia da organizaccedilatildeo dada ao espaccedilo que setransforma em territoacuterio da forma como ele procede age e se torna umagente motor e responsaacutevel pelo territoacuterio produzido Natildeo se pode afirmarque Gilberto tenha sido um precursor geneacuterico da ecologia ciecircnciaorganizada por Ernest Haekel nos fins do seacuteculo XIX na Alemanha mas foiele que primeiro aplicou os conceitos ecoloacutegicos a grandes espaccedilos territoriaisno territoacuterio brasileiro

Numerosos estudiosos do Nordeste tambeacutem estudaram a regiatildeosobretudo no seu aspecto geobotacircnico de forma mais especializadalevantando protestos contra a destruiccedilatildeo que vem sendo feita da MataAtlacircntica sobretudo pelas usinas de accediluacutecar como J Vasconcelos Sobrinhocom os seus livros baacutesicos intitulados As regiotildees naturais de Pernambuco o

meio e a civilizaccedilatildeo editado em 1949 pela editora Freitas Bastos e Asregiotildees naturais do Nordeste o meio e a civilizaccedilatildeo escrito com uma seacuteriede colaboradores e publicado pelo Condepe no Recife em 1970

Trata-se de livros de grande importacircncia que vecircm complementar asobservaccedilotildees de Gilberto Freyre

Ao estudar a accedilatildeo do homem Gilberto demonstra como eacute difiacutecil seatingir a unanimidade e mostra como entre as tradicionais famiacutelias quedominavam a regiatildeo canavieira nordestina por seacuteculos ela produziu os seuscontestadores tanto entre pessoas das classes dominadas como tambeacutemoriundas das classes dominantes E os heroacuteis populares natildeo foram apenas osque nasceram no meio do povo como escravos ou iacutendios como o Zumbi dosPalmares como Antonio Ferreira de Paula o chefe dos cabanos que lutoucontra o governo imperial desde 1831 ateacute 1849 como bandoleiros como oCabeleira mas tambeacutem pessoas da clatilde dominantes filhos de proprietaacuterios deterras e de escravos como Nunes Machado morto na chamada ldquoRevoluccedilatildeoPraieirardquo Joseacute Inaacutecio de Abreu e Lima autor do primeiro livro brasileiro sobreo socialismo Joseacute Mariano o grande tribuno do abolicionismo e daRepuacuteblica Joaquim Nabuco a grande figura de aristocrata e de abolicionistaque sacrificou a sua carreira poliacutetica por ideais mais nobres como CristianoCordeiro o grande liacuteder comunista dos anos 1920 e 1930 como Demoacutecritode Souza Filho sacrificado na Praccedila da Independecircncia em 1945 na lutacontra a ditadura do Estado Novo e tantos outros O idealismo e o heroiacutesmoa dedicaccedilatildeo ao bem puacuteblico natildeo eacute privileacutegio de classe ou de raccedila comodemonstra Gilberto no capiacutetulo de conclusatildeo deste seu notaacutevel livro ndashNordeste

Daiacute se proclamar Gilberto como um revolucionaacuterio-conservador porqueaspirou lutou e defendeu a sociedade e a sua contiacutenua mudanccedila sem fazerconcessotildees agravequeles que pensam que as mudanccedilas soacute poderatildeo ser realizadascom governos fortes e autoridades truculentas e natildeo por meio detransformaccedilotildees sociais realizadas paulatinamente e de forma a maisrespeitosa Ao concluir a leitura deste grande livro eacute interessante se refletirsobre a frase colocada na boca de um priacutencipe siciliano por Guido deLampedusa ao afirmar que eacute necessaacuterio que as coisas mudem para quefiquem como estatildeo Gilberto natildeo pensava ao escrever Nordeste como

Lampedusa mas queria que houvesse firmeza e seguranccedila nas mudanccedilaspara que elas natildeo desenvolvessem reaccedilotildees mais fortes que as despedaccedilassemDaiacute a necessidade de que a juventude leia Nordeste com atenccedilatildeo devida eque reflita sobre os ensinamentos que este magniacutefico livro conteacutem

Manoel Correia de AndradeProfessor emeacuterito da Universidade Federal de Pernambuco

Prefaacutecio agrave 1a ediccedilatildeo

Este ensaio eacute uma tentativa de estudo ecoloacutegico do Nordeste do BrasilDe um dos Nordestes acentue-se bem porque haacute pelo menos dois oagraacuterio e o pastoril e aqui soacute se procura ver de perto o agraacuterio O da cana-de-accediluacutecar que se alonga por terras de massapecirc e por vaacuterzeas do norte da Bahiaao Maranhatildeo sem nunca se afastar muito da costa

Ver simplesmente Natildeo se trata de sondagem nem de anaacutelise minuciosaA anaacutelise ecoloacutegica de uma regiatildeo tatildeo complexa seria tarefa para mais de umautor e natildeo para um soacute e tambeacutem para mais de um volume

Aqui apenas se tenta esboccedilar a fisionomia daquele Nordeste agraacuterio hojedecadente que foi por algum tempo o centro da civilizaccedilatildeo brasileira Dooutro Nordeste traccedilaraacute o perfil para esta coleccedilatildeo [Coleccedilatildeo DocumentosBrasileiros] um dos conhecedores mais profundos de sua formaccedilatildeo social ndashDjacir Menezes

O criteacuterio deste estudo jaacute disse que eacute um criteacuterio ecoloacutegico O centro deinteresse o homem fundador de lavoura e transplantador e criador devalores agrave sombra da agricultura ou antes da monocultura da cana Ohomem colonizador em suas relaccedilotildees com a terra com o nativo com asaacuteguas com as plantas com os animais da regiatildeo ou importados da Europa ouda Aacutefrica

Tal estudo mesmo esquemaacutetico e quase todo impressionista como eacuteexigiu incursotildees em vaacuterias especialidades ligadas ao problema social daadaptaccedilatildeo do colonizador ndash europeu ou africano ndash ao meio regional Mas eacuteclaro que em nenhuma dessas especialidades o autor fez mais do querecolher de trabalhos jaacute claacutessicos ndash o de Philipp von Luetzelburg sobre abotacircnica do Nordeste por exemplo ndash ou de pesquisas ainda a meio masrevelando aspectos ignorados ou desprezados da patologia regional como asde Ulisses Pernambucano sobre as doenccedilas mentais em Pernambuco e as deAgeu Magalhatildees sobre a esquistossomose de Manson nos rios de engenho ndashmaterial necessaacuterio ao esclarecimento e agrave interpretaccedilatildeo daquele processo de

adaptaccedilatildeo do portuguecircs e do africano ao meio regional ou do seu domiacuteniosobre esse meio Adaptaccedilatildeo e domiacutenio que se processaram quer atraveacutes deajustamentos agraves vezes felizes quer de violecircncias nem sempre fecundasantes de um valor todo transitoacuterio e este mesmo em benefiacutecio de algunsindiviacuteduos de algumas famiacutelias ou quando muito de uma classe de umsexo quase exclusivamente de uma raccedila interessada na cultura de umaplanta uacutenica a cana-de-accediluacutecar

Essa exclusividade pode-se dizer que caracterizou como nenhum outrofato a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste depois de ter condicionado a suacolonizaccedilatildeo e a sua conquista pelos portugueses A monoculturalatifundiaacuteria e escravocraacutetica e ainda monossexual ndash o homem nobre donode engenho gozando quase sozinho os benefiacutecios de domiacutenio sobre a terra esobre os escravos ndash deu ao perfil da regiatildeo o que ele apresenta de aquilino dearistocraacutetico de cavalheiresco embora um aristocratismo em certos pontosmoacuterbido e um cavalheirismo agraves vezes saacutedico

Impossiacutevel afastar a monocultura de qualquer esforccedilo de interpretaccedilatildeosocial e ateacute psicoloacutegica que se empreenda do Nordeste agraacuterio Amonocultura a escravidatildeo o latifuacutendio ndash mas principalmente amonocultura ndash aqui eacute que abriram na vida na paisagem e no caraacuteter dagente as feridas mais fundas O perfil da regiatildeo eacute o perfil de uma paisagemenobrecida pela capela pelo cruzeiro pela casa-grande pelo cavalo de raccedilapelo barco a vela pela palmeira-imperial mas deformada ao mesmo tempopela monocultura latifundiaacuteria e escravocraacutetica esterilizada por ela emalgumas de suas fontes de vida e de alimentaccedilatildeo mais valiosa e mais purasdevastada nas suas matas degradada nas suas aacuteguas

Quase o mesmo que se passou no Nordeste do Brasil e no Sul na baixadado Rio de Janeiro verificou-se noutros trechos da Ameacuterica onde acolonizaccedilatildeo europeia teve por base o accediluacutecar a monocultura o latifuacutendio e aescravidatildeo prevaleceram tanto quanto aqui

Barbados foi quase um rebento de PernambucoDizem os seus historiadores que o marinheiro inglecircs John Powell voltava

de Pernambuco agrave Europa em 1625 quando tocou na ilha jaacute visitada poroutros viajantes As vantagens de lucro faacutecil com o accediluacutecar tatildeo evidentes noNordeste do Brasil talvez atuassem sobre a imaginaccedilatildeo de Powell que tomou

posse da ilha para a Inglaterra Mas soacute em 1640 comeccedilou-se a produzirexclusivamente accediluacutecar em Barbados por quinze anos feliz sob a policulturae a pequena propriedade Diz o professor Harlow que o primeiro plantadorde cana na ilha foi o Coronel Holdip que ele e os demais iniciadores damonocultura em Barbados se utilizaram da experiecircncia dos monocultoresbrasileiros alguns vindo ateacute caacute inteirar-se melhor do processo agriacutecola e doindustrial de fabrico do accediluacutecar Barbados parece que gozou ainda dasvantagens de emprego de capital holandecircs e provavelmente judeu depoisda reconquista do Nordeste pelos portugueses

Teve alguns anos de progresso extraordinaacuterio Quase o luxo dePernambuco Quase o fausto do Recocircncavo ou da baixada do Rio de Janeiro

Mas luxo e fausto ainda mais passageiros do que no Nordeste do Brasil Aescravidatildeo afastou a colonizaccedilatildeo livre que correra para a ilha de 1625 a 1640atribuindo-se depois ao clima o ecircxodo desses brancos que se viram derepente uns fantasmas no meio de tanta cana e de tanto negro O latifuacutendiovenceu a pequena propriedade certo capitatildeo Waterman senhor deengenho entrou a ocupar sozinho com seus canaviais as terras a princiacutepioocupadas por quarenta famiacutelias dedicadas a vaacuterias culturas

Barbados apesar da religiatildeo e da raccedila tatildeo diferentes de seus colonosficou por muito tempo sociologicamente quase um pedaccedilo do Nordeste doBrasil A vida a paisagem e o caraacuteter da gente marcados pelas mesmasinfluecircncias econocircmicas e sociais cuja accedilatildeo se estendeu agraves vaacuterias AntilhasSempre mais duro que o colonizador portuguecircs o colono inglecircs de Barbadosde Jamaica de Trinidad deu agrave monocultura da cana sabor ainda mais crudo que entre noacutes O professor Mathieson ndash outro estudioso da colonizaccedilatildeoinglesa das Antilhas ndash recorda que se chegou a gravar com pesado imposto aterra destinada agrave produccedilatildeo de alimentos No Nordeste do Brasil aadministraccedilatildeo portuguesa dos tempos coloniais insistiu quase sempre pelanecessidade das culturas ancilares tatildeo sufocadas pela da cana

Em Cuba a monocultura da cana a escravidatildeo africana e o latifuacutendioderam agrave paisagem traccedilos e cores que a aparentam tanto quanto Barbadosda paisagem do Nordeste A competiccedilatildeo a rivalidade dos engenhos entre sidisputando-se como inimigos a mateacuteria-prima foi um processo cubano bemparecido com o brasileiro principalmente ao comeccedilar o predomiacutenio das

usinas nas terras do Nordeste Nesse processo de imperialismo industrial laacutecomo aqui teve accedilatildeo poderosa a estrada de ferro particular dando agrave usinatentaacuteculos com que ir buscar cana em trechos remotos Soacute o custo dotransporte impocircs limites a esse imperialismo tentacular das usinas cada qualfazendo de extensotildees enormes terras exclusivamente de cana edescuidando-se da valorizaccedilatildeo agriacutecola das aacutereas jaacute desvirginadas

Outro caracteriacutestico comum agraves vaacuterias regiotildees americanas de colonizaccedilatildeomonocultora ou pelo accediluacutecar ndash tatildeo intensa no Nordeste do Brasil ndash foi e emcertos trechos eacute ainda o emprego do trabalhador apenas durante uma partedo ano a outra parte ficando uma eacutepoca de oacutecio e para alguns devolutuosidade desde que a monocultura em parte nenhuma da Ameacutericafacilitou pequenas culturas uacuteteis pequenas culturas e induacutestrias ancilares aolado da imperial de cana-de-accediluacutecar Soacute as que se podem chamar deentorpecentes de gozo quase de evasatildeo favoraacuteveis agravequele oacutecio e agravequelavolutuosidade o tabaco para os senhores a maconha ndash plantada nemsempre clandestinamente perto dos canaviais ndash para os trabalhadores paraos negros para a gente de cor a cachaccedila a aguardente a branquinha

A sugestatildeo aiacute fica esclarecendo talvez um aspecto ateacute hoje esquecido dapatologia social da monocultura Natildeo parece simples coincidecircncia que sesurpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de maconha entre overde-claro dos canaviais Houve evidente toleracircncia ndash quando natildeo mais quetoleracircncia ndash para a cultura dessas plantas volutuosas tatildeo proacuteprias paraencher de langor os largos meses de oacutecio deixados ao homem pelamonocultura da cana Largos meses que sem um bom derivativo podiamresultar perigosos para a estabilidade dos grandes senhores de terras deaccediluacutecar Estes por sua vez tornaram-se maiores fumadores de charutosfinos Precisamente em dois focos de civilizaccedilatildeo accedilucareira ndash em Cuba e naBahia ndash eacute que se aperfeiccediloou o fabrico dos charutos O mesmo talvez sepossa dizer dos cigarros de maconha que nos portos do Nordeste aindahoje noacuterdicos viciados na liamba chegam a comprar por altos preccedilos aosvendedores da terra

O latifuacutendio accedilucareiro escreve Ramiro Guerra y Sanchez referindo-seagraves Antilhas particularmente a Cuba eacute ldquouma induacutestria que cresceterritorialmente e que gira em um ciacuterculo vicioso do qual natildeo pode escapar

vendo-se arrastada fatalmente agrave superproduccedilatildeordquo E ainda escrevendoquase na terminologia de Sorokin ldquoSe a empresa latifundiaacuteria crescesseverticalmente agrave maneira de um gigantesco arranha-ceacuteu em vez de fazecirc-lohorizontalmente talvez nada tiveacutessemos que opor a elardquo Mas ela cresce emextensatildeo natildeo se cansa de engolir terras para a praacutetica da cultura extensa dacana desprezando a intensa que implicaria na soluccedilatildeo de problemas como odo mosaico no cultivo da cana de melhor rendimento no desenvolvimentoda irrigaccedilatildeo e do adubo das terras mais concentradas

Entre noacutes essa cultura por extensatildeo se tem feito agrave grande e em prejuiacutezo

dos interesses gerais da regiatildeo Em Pernambuco ela ocupa 34 da zona

chamada da ldquomatardquo a mais feacutertil do Estado Natildeo se daacute atenccedilatildeo agrave sementeQuase natildeo se liga importacircncia agraves doenccedilas da cana Excetuadas algumasusinas modernas nas outras e nos engenhos soacute se extrai da cana 67 e 8de accediluacutecar E eacute bem expressivo o seguinte fato nos uacuteltimos cinquenta ousessenta anos construiacuteram-se no Estado 2000 quilocircmetros de estradas deferro de usinas sem que as vantagens de lucro tenham compensado despesatatildeo grande

Aqui como em Cuba a induacutestria de accediluacutecar quase soacute tem feito crescerldquoterritorialmenterdquo ao mesmo tempo que o homem vem sendo diminuiacutedo porela que as aacuteguas vecircm sendo degradadas pelas usinas as matas devastadaspelo sistema monocultor

Este trabalho jaacute disse que era quase impressionista A civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste exige uma anaacutelise demorada que soacute se poderaacute fazercom inteira amplitude cientiacutefica juntando-se vaacuterios especialistas para umesforccedilo comum e reunindo-se toda a documentaccedilatildeo possiacutevel aantropoloacutegica como a histoacuterica a socioloacutegica como a psicoloacutegica a geoloacutegicacomo a botacircnica

Fica entretanto nestas paacuteginas uma visatildeo da paisagem da vida e dohomem do Nordeste que a monocultura da cana feriu mais profundamente

Como os estudos anteriores este apesar de mais impressionista tambeacutemexigiu pesquisas pelos arquivos regionais e portugueses esforccedilos deinvestigaccedilatildeo vaacuterias excursotildees pelas velhas zonas de plantaccedilatildeo de cana

No trabalho de copiar documento no de traduccedilatildeo e ainda no preparodo manuscrito tive como das vezes passadas o auxiacutelio de companheiros

mais jovens de estudo Diogo de Mello Menezes Ivan Seixas ClarivalValadares Carlos Gilberto Cavalcanti Archimedes de Mello Netto A este quepassou a limpo o trabalho com tanta inteligecircncia e tanto esmero os meusmelhores agradecimentos

Meus agradecimentos ainda ao Secretaacuterio da Agricultura do Estado dePernambuco o agrocircnomo Lauro Montenegro empenhado numa obra tatildeosimpaacutetica de renovaccedilatildeo das praacuteticas agriacutecolas na zona pernambucana doaccediluacutecar e aos seus colaboradores Agradecimentos pelos dados oficiais que meforneceram e que foram aqui aproveitados no texto e em mapasParticularmente os dados da Diretoria de Estatiacutestica preparados sob adireccedilatildeo cuidadosa de Paulo Pimentel e Souza Barros

A M Bandeira agradeccedilo a valiosa colaboraccedilatildeo artiacutestica principalmente omapa fixando os elementos mais caracteriacutesticos da paisagem cultural doNordeste agraacuterio o triacircngulo ndash engenho casa e capela

Gilberto FreyreEngenho Queimadas 1936Recife 1937

1 ndash A CANA E A TERRA

A palavra ldquonordesterdquo eacute hoje uma palavra desfigurada pela expressatildeoldquoobras do Nordesterdquo que quer dizer ldquoobras contra as secasrdquo E quase natildeosugere senatildeo as secas Os sertotildees de areia seca rangendo debaixo dos peacutes Ossertotildees de paisagens duras doendo nos olhos Os mandacarus Os bois e oscavalos angulosos As sombras leves como umas almas do outro mundo commedo do sol

Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se alongando quaseem figuras de El Greco eacute apenas um lado do Nordeste O outro NordesteMais velho que ele eacute o Nordeste de aacutervores gordas de sombras profundas debois pachorrentos de gente vagarosa e agraves vezes arredondada quase emsanchos-panccedilas pelo mel de engenho pelo peixe cozido com piratildeo pelotrabalho parado e sempre o mesmo pela opilaccedilatildeo pela aguardente pelagarapa de cana pelo feijatildeo de coco pelos vermes pela erisipela pelo oacuteciopelas doenccedilas que fazem a pessoa inchar pelo proacuteprio mal de comer terra

Um Nordeste onde nunca deixa de haver uma mancha de aacutegua umavanccedilo de mar um rio um riacho o esverdeado de uma lagoa Onde a aacuteguafaz da terra mais mole o que quer inventa ilhas desmancha istmos e cabosaltera a seu gosto a geografia convencional dos compecircndios

Um Nordeste com a cal das casas de telha tirada das pedras do mar comuma populaccedilatildeo numerosa vivendo de peixe de marisco de caranguejo com

as mulheres dos mucambos lavando as panelas e os meninos na aacutegua dosrios com alguns caturras ainda iluminando as casas a azeite de peixe

Um Nordeste oleoso onde noite de lua parece escorrer um oacuteleo gordo dascoisas e das pessoas Da terra Do cabelo preto das mulatas e das caboclasDas aacutervores lambuzadas de resinas Das aacuteguas Do corpo pardo dos homensque trabalham dentro do mar e dos rios na bagaceira dos engenhos no caisdo Apolo nos trapiches de Maceioacute

Esse Nordeste da terra gorda e de ar oleoso eacute o Nordeste da cana-de-accediluacutecar Das casas-grandes dos engenhos Dos sobrados de azulejo Dosmucambos de palha de coqueiro ou de coberta de capim-accedilu O Nordeste daprimeira faacutebrica brasileira de accediluacutecar ndash de que natildeo se sabe o nome ndash e talvezda primeira casa de pedra e cal da primeira igreja no Brasil da primeiramulher portuguesa criando menino e fazendo doce em terra americana doPalmares de Zumbi ndash uma repuacuteblica inteira de mucambos O Nordeste quevai do Recocircncavo ao Maranhatildeo tendo o seu centro em Pernambuco

Aliaacutes haacute mais de dois Nordestes e natildeo um muito menos o Norte maciccedilo euacutenico de que se fala tanto no Sul com exagero de simplificaccedilatildeo Asespecializaccedilotildees regionais de vida de cultura e de tipo fiacutesico no Brasil estatildeoainda por ser traccediladas debaixo de um criteacuterio rigoroso de ecologia ou desociologia regional que corrija tais exageros e mostre que dentro da unidadeessencial que nos une haacute diferenccedilas agraves vezes profundas

O Nordeste do massapecirc da argila do humus gorduroso eacute o que podehaver de mais diferente do outro de terra dura da areia seca A terra aqui eacutepegajenta e melada Agarra-se aos homens com modos de garanhona Mas aomesmo tempo parece sentir gosto em ser pisada e ferida pelos peacutes de gentepelas patas dos bois e dos cavalos Deixa-se docemente marcar ateacute pelo peacute deum menino que corra brincando empinando um papagaio ateacute pelas rodasde um cabrioleacute velho que vaacute aos solavancos de um engenho de fogo morto auma estaccedilatildeo da Great Western

Haacute quatro seacuteculos que o massapecirc do Nordeste puxa para dentro de si aspontas de cana os peacutes dos homens as patas de bois as rodas vagarosas doscarros as raiacutezes das mangueiras e das jaqueiras os alicerces das casas e dasigrejas deixando-se penetrar como nenhuma outra terra dos troacutepicos pelacivilizaccedilatildeo agraacuteria dos portugueses

O massapecirc eacute acomodatiacutecio Eacute uma terra doce ainda hoje Natildeo tem aqueleranger de areia dos sertotildees que parece repelir a bota do europeu e o peacute doafricano a pata do boi e o casco do cavalo a raiz da mangueira-da-iacutendia e obroto da cana com o mesmo enjoo de quem repelisse uma afronta ou umaintrusatildeo A doccedilura das terras de massapecirc contrasta com o ranger da raivaterriacutevel das areias secas dos sertotildees

O massapecirc natildeo vai ao extremo da terra de mangue que quase natildeo eacuteterra de tatildeo melada de tatildeo mole e indecisa deixando que nela a aacuteguaapodreccedila os matos e as raiacutezes Nem o excesso do barro tauaacute nos dias dechuva capaz de engolir balduiacutenas de sorver comboios inteiros

O massapecirc tem outra resistecircncia e outra nobreza Tem profundidade Eacuteterra doce sem deixar de ser terra firme o bastante para que nela seconstrua com solidez engenho casa e capela

Nessas manchas de terra pegajenta foi possiacutevel fundar-se a civilizaccedilatildeomoderna mais cheia de qualidades de permanecircncia e ao mesmo tempo deplasticidade que jaacute se fundou nos troacutepicos A riqueza do solo era profundaas geraccedilotildees de senhores de engenho podiam suceder-se no mesmo engenhofortalecer-se criar raiacutezes em casas de pedra e cal natildeo era preciso onomadismo agraacuterio que se praticou noutras terras onde o solo menos feacutertilesgotado logo pela monocultura fez do agricultor quase um cigano sempre agraveprocura de terra virgem Um dom-juan de terras

As cem cento e vinte mil caixas de accediluacutecar que antes de 1670 seimportavam em Lisboa excedendo entatildeo ldquoos assucares do Brasil em bellesa eproveito aos das Indias orientaes unicos que no seacuteculo XVI e ateacute meados doXVII appareciatildeo nos mercados da Europardquo eram accediluacutecares quase todos doNordeste e sua bondade se atribuiacutea agrave boa qualidade dos nossos terrenos ldquooP Labat escreve que a forccedila das terras do Brasil era tal que caacute amadurecia acana em trez mezes quando nas Antilhas custava de dezesseis a dezoitordquo2lembrava haacute mais de cem anos em memoacuteria sobre o accediluacutecar Joseacute SilvestreRebecirclo

Sem massapecirc sem argila sem humus a paisagem do Nordeste ndash desde oRecocircncavo na Bahia ateacute certos trechos do Maranhatildeo ndash natildeo teria se alteradotatildeo decisivamente no sentido em que se alterou desde os meados do seacuteculoXVI no sentido da cana-de-accediluacutecar No sentido da casa-grande de pedra e

calA qualidade do solo tornou possiacutevel o avanccedilo civilizado da cana em vaacuterias

outras terras do Brasil Mas a estabilidade de sua cultura no extremoNordeste e no Recocircncavo se explica por condiccedilotildees particularmentefavoraacuteveis de solo de atmosfera de situaccedilatildeo geograacutefica Nas terras ondeparece que se plantaram as primeiras canas ndash talvez mais como um recursocontra as ldquodoenccedilas do marrdquo principalmente o escorbuto do que como basede uma agricultura colonial e muito menos de uma induacutestria ndash nunca seteria firmado a lavoura que em poucos anos fez da Nova Lusitacircnia umacolocircnia de gente tatildeo farta de homens tatildeo soacutelidos com tanto ruge-ruge deseda e tanto brilho de rubis com casas de pedra e cal com sobrados deazulejo e igrejas guarnecidas de jacarandaacute e de ouro

A qualidade do solo completada pela da atmosfera condicionou comotalvez nenhum outro elemento essa especializaccedilatildeo regional da colonizaccedilatildeoda Ameacuterica pelos portugueses que foi a colonizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar e dizendo-se esta frase banal diz-se ao mesmo tempo uma verdademuitas vezes esquecida

Eacute claro que o triunfo do accediluacutecar no extremo Nordeste foi favorecido porum grupo de circunstacircncias e natildeo por um elemento soacute pela proximidadeda Europa como pelo contato faacutecil com a Aacutefrica fornecedora de escravospela qualidade do elemento colonizador europeu ndash a parentela de DuarteCoelho e de dona Beatriz gente boa e satilde habituada agrave vida rural e ao trabalhoagriacutecola gente talvez geneticamente superior aos simples artesatildeos ndash algunsparece que mouriscos ndash aos burgueses ndash tantos deles cristatildeos-novos ndash e aosfidalgotes aventureiros que primeiro salpicaram de sangue europeu ousemieuropeu outros pontos da Ameacuterica conquistada pelos portugueses Eainda favorecido pela experiecircncia agriacutecola e pelos haacutebitos de relativasedentariedade do elemento colonizador africano os negros de pescoccedilocurto cuja predominacircncia Tollenare notou em Pernambuco nos princiacutepiosdo seacuteculo XIX e que os anuacutencios de pretos fugidos nos jornais da regiatildeoparecem confirmar

Mas eacute preciso natildeo esquecer o que o massapecirc representou ao lado daatmosfera da aacutegua da situaccedilatildeo geograacutefica nessa vitoacuteria do accediluacutecar Noextremo Nordeste como no Recocircncavo baiano a terra ndash de modo nenhum a

feacutertil e boa para qualquer cultura dos exageros do primeiro cronista ndash umavez desbastada de seu arvoredo mais grosso apresentou-se cheia demanchas avermelhadas e pretas onde fazia gosto plantar cana Estarebentava forte e gorda como em nenhuma outra terra Foram essasmanchas excepcionais que tornaram possiacutevel a civilizaccedilatildeo baseada na cana-de-accediluacutecar que aqui se desenvolveu

O massapecirc jaacute teve quem lhe fizesse o elogio em palavras tatildeo quentes quenatildeo parecem de um economista frio Joseacute da Silva Lisboa

ldquoEste Reconcavordquo ndash escrevia Silva Lisboa em 1871 em carta ao DrDomingos Vandelli diretor do Real Jardim Botacircnico de Lisboa ndash ldquoeacuteentrecortado de varios rios navegaveis que se veem lanccedilar na mesma bahiade que satildeo ramos He aqui se acha a verdadeira humus natural he estauma terra chamada maccedilapeacute negra compacta viscozissima que trituradanos dedos faz sentir-se uma sensaccedilatildeo de unctuosidade que desfeita em aguae precipitada deixa na parte superior huma porccedilao de oleo vegetal natantede que estava saturada a mesma terra que assim se havia impregnado dellapela resoluccedilatildeo continuada dos vegetaes que nella apodrecemprincipalmente das folhas das grandes arvores que nos seculos passadoshaviatildeo feito montes altissimos que depois com o tempo e chuvas seresolveratildeo He esta terra maccedilapeacute propissima para a cannardquo3 Anos depois

notaria Martius ldquoum canavial convenientemente plantado em condiccedilotildeesfavoraacuteveis como no massapecirc dura muitos anos desenvolvendoanualmente novas socas das cepas que ficaramrdquo4

Mas natildeo nos interessa aqui senatildeo indiretamente a anaacutelise do massapecirc edas terras argilosas e gordas de huacutemus do Nordeste do Brasil Nos interessa soacuteo que essa terra excepcional representou para a civilizaccedilatildeo do Brasil Para oestabelecimento da civilizaccedilatildeo moderna mais sedentaacuteria que o portuguecircsfundou nos troacutepicos a do accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Durante o periacuteodo decisivo da formaccedilatildeo brasileira a Histoacuteria do Brasil foia histoacuteria do accediluacutecar e no Brasil a histoacuteria do accediluacutecar onde atingiu maiorimportacircncia econocircmica e maior interesse humano foi nessas manchas deterra de massapecirc de barro de argila de huacutemus Nessas manchas de soloencarnado ou preto se lanccedilaram os alicerces dos melhores engenhos Foramelas que mais se avermelharam de sangue nos tempos coloniais Sobre elas

que tanto luso-brasileiro tanto preto tanto caboclo tanto mulato morreu emluta com os invasores louros Esses invasores natildeo desejavam outras terrassenatildeo aquelas as terras de massapecirc As terras de barro gordo boas para acana-de-accediluacutecar

De modo que escrever-se a Histoacuteria do Brasil durante esse periacuteododando maior relevo ao extremo Nordeste ou ao Recocircncavo da Bahia natildeo eacutebairrismo como tantas vezes se tem levianamente insinuado em criacuteticas ahistoriadores maranhenses pernambucanos ou baianos Seraacute talvezbarrismo Porque atraveacutes daqueles dias mais difiacuteceis de fixaccedilatildeo da civilizaccedilatildeoportuguesa nos troacutepicos a terra que primeiro prendeu os luso-brasileiros emluta com outros conquistadores foi essa de barro avermelhado ou escuro Foia base fiacutesica natildeo simplesmente de uma economia ou de uma civilizaccedilatildeoregional mas de uma nacionalidade inteira

A verdade eacute que foi no extremo Nordeste ndash por extremo Nordeste deveentender-se o trecho da regiatildeo agraacuteria do Norte que vai de Sergipe ao Cearaacutendash e no Recocircncavo Baiano ndash nas suas melhores terras de barro e huacutemus ndash queprimeiro se fixaram e tomaram fisionomia brasileira os traccedilos os valores astradiccedilotildees portuguesas que junto com as africanas e as indiacutegenasconstituiriam aquele Brasil profundo que hoje se sente ser o mais brasileiroO mais brasileiro pelo seu tipo de aristocrata hoje em decadecircncia eprincipalmente pelo seu tipo de homem do povo jaacute proacuteximo talvez derelativa estabilidade Um homem do povo semelhante ao polineacutesio feito detrecircs sangues em outras terras tatildeo inimigos ndash o do branco o do iacutendio e o donegro Um negro adaptado como nenhum agrave lavoura do accediluacutecar e ao climatropical Um portuguecircs tambeacutem predisposto agrave sedentariedade daagricultura Um iacutendio que ficou aqui mais no ventre e nos peitos da caboclagorda e amorosa do que nas matildeos e nos peacutes do homem arisco e inquieto

Todos eles e o produto caracteristicamente regional do seu cruzamentondash o cabra ndash se mostram hoje desprestigiados pelas doenccedilas e pelas condiccedilotildeesregionais de vida mas se revelam ao mesmo tempo cheios de possibilidadeseugecircnicas jaacute esboccediladas em antecipaccedilotildees magniacuteficas

O Nordeste do massapecirc eacute ainda o mais brasileiro pelo tipo tradicional decasa-grande e de sobrado de azulejo e pelo de casa de palha ou demucambo que aqui se desenvolveram de originais portugueses ou africanos

e indiacutegenas e que constituem material de primeira ordem e uma riqueza desugestotildees e de inspiraccedilotildees para uma arquitetura verdadeiramente brasileiraou pelo menos regional

Agraves ldquobandeirasrdquo ningueacutem ousa lhes diminuir o valor no sentido daextensatildeo da colocircnia portuguesa na Ameacuterica do seu alongamento para ooeste para o extremo sul para o norte Mas esse transbordamento de esforccedilondash jaacute mais de mameluco do que de portuguecircs ndash teria sido quase em vatildeo e todono raso ndash tatildeo no raso que natildeo criaria tipo nenhum de casa ndash se em torno dosengenhos de accediluacutecar nas manchas de terra de massapecirc natildeo seconcentrassem desde o seacuteculo XVI as energias criadoras do agricultor decana da senhora de engenho da matildee preta do negro do cabra dabagaceira Aiacute eacute que se aprofundaram as raiacutezes agraacuterias que tornaram possiacutevelo desenvolvimento raacutepido de simples colocircnia de plantaccedilatildeo em impeacuterio deplantadores de cana com os senhores de engenho elevados a barotildeesviscondes marqueses senadores ministros conselheiros os tiacutetulos quasetodos nomes de engenhos Com as casas quase fortalezas construiacutedas comoacuteleo de baleia e com madeira de lei Desenvolvimento tatildeo raacutepido que desde oseacuteculo XVII os povos das capitanias do Nordeste com os senhores deengenho mais arrojados agrave frente se revelaram capazes de defender-se por siou soacute com o auxiacutelio de brasileiros de outras regiotildees ndash alguns dos quais comorecompensa dos serviccedilos militares pediriam ao rei terras no proacuteprio Nordestee aiacute se fixariam5 ndash dos invasores estrangeiros e dos negros aquilombados E

defendendo seus canaviais seus rios suas terras de massapecirc comeccedilaram asentir que estavam defendendo o Brasil Quando em 1710 em 1817 e em1824 tentaram constituir-se em repuacuteblica jaacute foi sobre esse sentimento desuficiecircncia a esse desejo de estabilidade que lhes davam as terras feacuterteis decana

A Independecircncia do Brasil se realizou firmando-se principalmente sobreuma aristocracia quase feudal de senhores de terras de massapecirc ndash PaesBarrettos Cavalcantis Albuquerques os senhores baianos de Santo Amaromais tarde os fazendeiros da terra roxa Quase feudal nas tendecircncias e nogecircnero de vida e antimonaacuterquica por natureza essa aristocracia das terrasgordas deu entretanto agrave coroa quando colocada sobre a cabeccedila loura deum menino de quinze anos nascido no Rio de Janeiro o prestiacutegio e as

condiccedilotildees de vida que doutro modo lhe faltariam em terra tatildeo nova como oBrasil

Os barotildees das terras de massapecirc seriam por algum tempo o melhor apoioda coroa E embora sob Pedro II se acentuassem conflitos e ateacute sedramatizassem divergecircncias entre a justiccedila imperial e a autoridade dosenhor de engenho poderoso o interesse econocircmico atuaria por muitotempo no sentido da contemporizaccedilatildeo entre as duas forccedilas rivais Osengenhos melhores e mais ricos do mesmo modo que as fazendas de terraroxa seriam ateacute agraves veacutesperas da aboliccedilatildeo centros politicamente fieacuteis agravemonarquia e leais a D Pedro II

Os tiacutetulos de baratildeo que foram sendo aceitos pelos senhores maisarrogantes e ateacute procurados pelos mais vaidosos salpicaram de baronatos asterras de massapecirc Raro um Presciano Accioly Lins senhor de engenho emSerinhaeacutem recusando de modo absoluto e ateacute com insolecircncia o tiacutetulo debaratildeo que lhe foi oferecido pelo imperador Mas esse Presciano Accioly Linsfoi uma figura esquisitiacutessima para o seu meio e para a sua eacutepoca ateu erepublicano em pleno patriarcalismo do seacuteculo XIX um patriarcalismo senatildeo devoto pelo menos temente a Deus e amigo dos santos e do imperadorPresciano Accioly Lins foi nesse meio um desabusado natildeo batizou um filhoenfrentou o risco de o Diabo vir lhe danccedilar de noite no terreiro da casa e dosfilhos pagatildeos virarem os homens lobisomens as mulheres mulas semcabeccedila

O massapecirc raramente deu desses homens zangados e agrestes semplasticidade e quase sem doccedilura nenhuma que foram antes filhos dossertotildees ou de engenhos de terras aacutesperas De pedra de fogo como D VitalGonccedilalves de Oliveira cuja ortodoxia teve talvez a mesma dureza quasecastelhana que a heterodoxia de Presciano Accioly Lins

A terra mais macia do litoral e da ldquomatardquo do extremo Nordeste e doRecocircncavo da Bahia parece ter influiacutedo sobre os seus proacuteprios senhores ndashcomo sobre as proacuteprias plantas terriacuteveis no tipo da maconha importada daAacutefrica ndash amaciando homens do Norte agraacuterio inteiro e natildeo apenas da cidadeda Bahia naqueles baianos maneirosos que Joaquim Nabuco retratou nrsquoUmestadista do impeacuterio ndash os poliacuteticos mais flexuosos e plaacutesticos da monarquiaagraves vezes excessivamente flexuosos e ateacute falsos homens sem palavra a ponto

de ldquobaianordquo ter ficado para o resto do Brasil equivalente de ldquofrancecircsrdquo Earredondando as mulheres naquelas iaiaacutes dengosas que os Macieacuteis Monteiroe os Castro Alves cortejaram em versos tatildeo sensuais e que foram umascriaturas diaboacutelicas pelas graccedilas do sexo desde muito verde especializadopara o amor suavizando pernambucanos e alagoanos em estadistas ediplomatas do tipo de Arauacutejo Lima de Maciel Monteiro de Francisco doRego Barros afrancesados que entretanto tiveram seus rompantes deindependecircncia em relaccedilatildeo ateacute com o papa do tipo do proacuteprio JoaquimNabuco a quem natildeo faltaria nunca o gosto da contemporizaccedilatildeo aplasticidade de atitudes e ateacute de ideias embora a altivez fosse tambeacutem umdos seus traccedilos mais pernambucanos Do tipo de Carvalho Moreira e de JoatildeoAlfredo que nos momentos mais aacutesperos de luta conservaram os punhos derenda essa renda tambeacutem tatildeo do Nordeste feita pacientemente por moccedilase velhas nos seus vagares para os vestidos das senhoras as toalhas de mesaos panos dos altares de santos os enxovais de batizado e de casamento Arterival da do doce fino da do quitute delicado da de rede de plumas

As terras de massapecirc foram no Brasil as terras por excelecircncia das boasmaneiras e dos gestos suaves onde atraveacutes do seacuteculo XIX os homenscresceram mamando em negras gordas mulheres de uma grande doccedilura etomando chaacute desde muito pequenos Quase se podem fixar fronteiras entreas terras de massapecirc e as terras aacutesperas por esse detalhe do leite de matildee-preta ndash em vez do da comadre-cabra dos sertotildees ndash e do uso de chaacute a que afrase ldquotomou chaacute em pequenordquo daacute significaccedilatildeo e importacircncia socioloacutegica Nossertotildees e nas zonas agrestes o chaacute foi ateacute quase nossos dias remeacutedio debotica E o accediluacutecar a rapadura O chaacute acompanhou o accediluacutecar branco e soltoguardado em porcelana da Iacutendia ou de Macau nos guarda-louccedilas das casas-grandes e dos sobrados de azulejo Seu predomiacutenio marca a maior influecircnciaa princiacutepio asiaacutetica depois europeia e principalmente inglesa nas terrasmais vantajosamente especializadas na cultura da cana

Com efeito o Recife concentrou desde os favores do tratado de 1810uma colocircnia grande de ingleses com juiz conservador biblioteca igrejapadre cemiteacuterio e por algum tempo hospital Vendedores de panos finosimportadores de chaacute de cerveja de presunto de chapeacuteu de botinameacutedicos leiloeiros mestres de fundiccedilatildeo engenheiros especializados no

conserto dos aparelhos de fabricar accediluacutecar como Harrigton amp Starr e como osMornay Todo um grupo de homens de negoacutecio e de teacutecnicos muito emrelevo nos anuacutencios de jornais da primeira metade do seacuteculo XIX e cujosinteresses se identificaram de tal modo com os da aristocracia dos canaviaisque vaacuterios terminaram ligados agraves terras de massapecirc docementeabrasileirados em genros sogros ou cunhados de brasileiros Alguns ateacute emsenhores de engenho Tal o caso Henry Koster6 cujo nome se aportuguesou

em Henrique da Costa capitatildeo Henrique da Costa talvez Esse Koster natildeoquis outra vida para os seus dias de tuberculoso menos romacircntico do queRobert Louis Stevenson senatildeo a de plantador de cana a de senhor deengenho a de fabricante de accediluacutecar Nele cumpriu-se magnificamente asentenccedila de Nabuco o aroma de mel embriagou-o a vida inteira Embriagou-o ateacute a morte Prolongou-lhe talvez a vida

Na Bahia nas proximidades das terras de massapecirc e dos engenhos maisnobres verificou-se o mesmo grande concentraccedilatildeo de ingleses Ingleses comhospital capela e cemiteacuterio7 Com juiz conservador teatro meacutedicos que se

tornaram famosos na histoacuteria da medicina no BrasilO accediluacutecar atraiu agraves suas melhores terras o chaacute os ingleses a porcelana da

China o moacutevel e o proacuteprio livro europeu que tiveram talvez no Recife os seusmelhores mercados principalmente na primeira metade do seacuteculo XIX Deuoacutecio aos homens mais inteligentes das casas-grandes natildeo soacute para o jogo comopara os estudos de Filologia tatildeo pachorrentamente cultivados pelo DrMorais no seu engenho de Muribeca (de onde ele se correspondeu comalguns dos maiores letrados portugueses do seu tempo) natildeo soacute para ascharadas como para as boas leituras e agraves iaiaacutes deu lazer para a muacutesica paraas rendas e para os doces finos de sobremesa

De tal modo que Mansfield8 inglecircs mestre em Artes que viajou nos

meados do seacuteculo XIX por terras de massapecirc escreveu ter aqui encontradocasas-grandes de engenho que lhe deram a impressatildeo das casas de campoda Inglaterra moccedilas tocando piano admiravelmente doces finos agravesobremesa chaacute servido pelas senhoras

E Herbert H Smith9 anos depois foi onde encontrou uma aristocracia

brasileira de gostos e haacutebitos mais elevados entre os senhores de engenho doNordeste Nas terras macias de massapecirc

E era na verdade uma gente que tinha piano de cauda e livros em casaQue recebia bem Que apreciava a boa cozinha O doce fino O quitutedelicado O bolo bem-feito10

O naturalista norte-americano chegou a contrastar os senhores deengenho do Nordeste com os fazendeiros de cafeacute do Sul ndash que eram entatildeo aforccedila nova e triunfante do impeacuterio ndash para concluir pela superioridade dosaristocratas das terras de cana

2 ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do accediluacutecar em O auxiliador

da induacutestria nacional nos II-III Rio de Janeiro 1833 Diz ainda JoseacuteSilvestre Rebelo ldquoCem annos ou mais antes que os Inglezes e os mesmosHespanhoes mandassem bom assucar para a Europa comeccedilaratildeo osportuguezes a vender do Brazil e com abundanciardquo Sobre o assunto veja-setambeacutem A history of Barbados 1625-1885 (Oxford 1926) por Vincent THarlow3 ldquoCarta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisbocirca parao Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botanico de Lisbocircardquo Bahia18 de outubro de 1781 Manuscrito no Arquivo do Ultramar de Lisboaregistrado no Inventaacuterio dos Documentos Relativos ao Brasil Existentes noArquivo de Marinha e Ultramar de Lisboa Organizado para a BibliotecaNacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e Almeida Rio deJaneiro 19144 Von Spix e von Martius Atraveacutes da Bahia (excertos da obra Reise inBrasilien trasladados ao portuguecircs pelo Dr Pirajaacute da Silva e Dr Paulo Wolf)

2a ed Bahia 19285 Vejam-se os livros manuscritos de sesmarias e datas de terra do arquivo daantiga capitania de Pernambuco na Biblioteca do Estado6 Autor do conhecido livro sobre o Nordeste Travels in Brazil (Londres1816 traduzido para o francecircs por M A Jay sob o tiacutetulo Voyages dans lapartie serptentrionale du Breacutesil depuis 1809 jusqursquo en 1815 Comprenantles provinces de Pernambuco (Fernambouc) Seara ParahybaMaragnon etc Paris 1818 Sobre atividades britacircnicas no Nordeste veja-senosso Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica na vida napaisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 19487 Von Spix e von Martius op cit8 Charles B Mansfield Paraguay Brazil and the Plate Londres 18569 Herbert H Smith Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque

187910 Sobre doces do Nordeste veja-se nosso Accediluacutecar algumas receitas dedoces e bolos do Nordeste (Rio de Janeiro 1939) onde reunimos receitastradicionais de famiacutelias de casas de engenho e sobrados do Nordeste agraacuterio

2 ndash A CANA E A AacuteGUA

Em 1929 Sir Halford Mackinder fez um discurso no CongressoInternacional de Geografia reunido em Cambridge defendendo asupremacia da aacutegua entre os elementos que nos devem preocupar no estudode uma regiatildeo e de sua paisagem ldquoA hidrosferardquo ndash chegou a dizer SirHalford ndash ldquodeve ser considerada o tema central da geografiardquo Porque nadamais importante no estudo do homem que as suas relaccedilotildees com a aacutegua coma aacutegua do mar com a aacutegua dos rios com a aacutegua condensada das nuvenscom a aacutegua de chuva ou de degelo com a aacutegua subterracircnea com a aacutegua quecorre na seiva das plantas ou que circula nas arteacuterias e nas veias dos animaisPor conseguinte o proacuteprio sangue e a proacutepria vida do homem Quase umamiacutestica da aacutegua

Jaacute entre noacutes Artur Orlando um dos publicistas mais vigorosos da suageraccedilatildeo salientara a importacircncia da aacutegua da aacutegua que se ingere e que influitanto sobre a vida do homem como da aacutegua dos rios e dos mares que atuamde maneira poderosa sobre as civilizaccedilotildees

A verdade eacute que a aacutegua mesmo sem ser preciso consideraacute-la quasemisticamente como Sir Halford nos aparece em vaacuterias regiotildees como a notadominante na vida da paisagem Da paisagem fiacutesica como da cultural

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar a aacutegua foi e eacute quase tudo Sem ela natildeoteria prosperado do seacuteculo XVI ao XIX uma lavoura tatildeo dependente dos

rios dos riachos e das chuvas tatildeo amiga das terras gordas e uacutemidas e aomesmo tempo do sol tatildeo agrave vontade dentro de uma temperatura meacutedia queem Pernambuco eacute de 265ordm e de uma meacutedia anual de 176 dias de chuvastatildeo feliz numa atmosfera cheia de vapor de aacutegua

Os moinhos de vento natildeo teriam substituiacutedo inteiramente a aacutegua dos riose dos riachos nos trabalhos da lavoura e da moagem da cana O vento pormelhor que seja eacute um inconstante em comparaccedilatildeo com a aacutegua dos riospequenos mas regulares que soacute deixam de servir ao homem agraacuterio nos diasverdadeiramente terriacuteveis de seca suas proacuteprias cheias beneficiando muitasvezes a lavoura E natildeo por caprichos tolos e de momento como o vento

Aliaacutes os ventos tecircm sido amigos da lavoura da cana e da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste Natildeo tanto pela sua constacircncia de direccedilatildeo como pelapouca violecircncia a que chegam nos seus dias mais zangados quando os soprosmais fortes ndash os de agosto ndash tecircm em Pernambuco como velocidade meacutediamaacutexima de apenas 1597 metros por segundo Se natildeo chegam agraves grandesviolecircncias por outro lado natildeo faltam quase nunca sendo tatildeo raras ascalmarias como as tempestades Esse equiliacutebrio parece explicar certatemperanccedila de atitudes e de gestos no pernambucano da aacuterea do accediluacutecar

A lavoura da cana no Nordeste ndash e pode-se acrescentar no Brasil ndashparece ter comeccedilado nas terras de Itamaracaacute agrave beira da aacutegua doce comotambeacutem da salgada das duas aacuteguas ao mesmo tempo E quando depois seregularizou com Duarte Coelho foi para acompanhar as ldquoterras vizinhas dasribeirasrdquo

O engenho patriarcal de Jerocircnimo de Albuquerque levantou-se nosarredores de Olinda proacuteximo agrave aacutegua11 e em meados do seacuteculo XVI parece

que Vasco Fernandes de Lucena jaacute moiacutea cana em Igaraccedilu ndash terras alagadas edonde as canas podiam vir de barcaccedila pelo rio12

O primeiro donataacuterio doou a Diogo Gonccedilalves as ldquoterras do Beberiberdquo riopequeno mas constante que foi logo se tornando um auxiliar poderoso dacolonizaccedilatildeo agraacuteria da regiatildeo Agrave margem direita do rio Diogo Gonccedilalves ndashque aqui casou com Da Isabel Froes ndash levantou engenho e construiu casa eentre o engenho e a casa-grande a capela esta um tanto afastada para ooeste e a casa bem junto do rio de forma que ldquotraccedilando-se uma linha deuniatildeo sobre essas construccedilotildeesrdquo ndash escreve um cronista ndash ldquoteremos um perfeito

triacircngulordquo13 Triacircngulos que adquiriram expressatildeo poliacutetica e natildeo apenas

econocircmica na vida brasileiraEsses triacircngulos logo se tornaram claacutessicos engenho casa-grande (com

senzala) e capela Eles foram quebrando as linhas virgens da paisagem tatildeocheia de curvas agraves margens dos rios mesmo quando povoadas de tabas decaboclos E introduzindo nessa paisagem desordenada aqueles traccedilos novosde ordem e de regularidade A geometria da colonizaccedilatildeo agraacuteria

Embora o colonizador portuguecircs natildeo tivesse a miacutestica da Ordem como oespanhol nem como o inglecircs ou o holandecircs ndash que neste mesmo Nordesteseria o primeiro a cuidar de construir bairros e ateacute uma cidade inteira (oRecife) dentro de um plano geomeacutetrico de urbanizaccedilatildeo ndash foi ele que deu agravepaisagem desta parte da Ameacuterica seus elementos caracteriacutesticos de ordemblocos de construccedilatildeo que representam um meacutetodo ou um sistema deconquista de economia de colonizaccedilatildeo de domiacutenio sobre a aacutegua e sobre asmatas E natildeo uma seacuterie de aventuras a esmo cada qual a seu jeito

O triacircngulo rural ndash engenho casa capela ndash se impocircs agrave paisagem doNordeste de massapecirc como a sua primeira nota de ordem europeia A aacuteguados rios e dos riachos da regiatildeo se subordinou ao novo sistema de relaccedilotildeesentre o homem e a paisagem embora conservando-se cheia de curvas e ateacutede vontades Sem se militarizar em canais riacutegidos agrave holandesa

Mesmo assim conservando curvas e agrave vontades que elemento danatureza regional agiu mais poderosamente no sentido de regularizaccedilatildeo davida econocircmica e social dos colonos do Nordeste que esses rios pequenos doextremo Nordeste e da Bahia Rios do tipo do Beberibe do Jaboatatildeo doUna do Serinhaeacutem do Tambaiacute do Tibiri do Ipojuca do Pacatuba doItapuaacute Junto deles e dos riachos das terras de massapecirc se instalaramconfiantes os primeiros engenhos Rios agraves vezes feios e barrentos mas quasesempre bons e serviccedilais prestando-se ateacute a lavar os pratos das cozinhas dascasas-grandes e as panelas dos mucambos A confianccedila dos homens nessesrios natildeo se pode dizer que fosse traiacuteda A natildeo ser por alguma seca terriacutevel oupor alguma cheia extraordinaacuteria uma ou outra vez e pelas ldquofebres dasribeirasrdquo ou por doenccedilas trazidas da Aacutefrica pelos escravos numa comovinganccedila contra os seus senhores nem sempre maus

Mas sem que esses inconvenientes chegassem para desprestigiar o

conjunto de vantagens de aacuteguas de ordinaacuterio tatildeo regulares e fieacuteis e agraves vezestatildeo saudaacuteveis que os proacuteprios colonos imitando os iacutendios e os negros edesembaraccedilando-se de preconceitos medievais fizeram do banho de rioquase um rito de Iemanjaacute como agraves margens do Capibaribe na altura dolugar onde se levantou a Igreja de Nossa Senhora da Sauacutede Mais de uma vezviu-se a aacutegua do rio curar os homens das febres e limpaacute-los das feridas

O empobrecimento do solo em tantos trechos do Nordeste por efeito daerosatildeo natildeo se pode atribuir aos rios agrave sua acircnsia de correr para o mar levandoa gordura das terras mas principalmente agrave monocultura Devastando asmatas e utilizando-se do terreno para uma cultura uacutenica a monoculturadeixava que as outras riquezas se dissolvessem na aacutegua se perdessem nosrios

O fato liga-se tambeacutem agrave destruiccedilatildeo das matas pelo fogo e pelo machadoem que tanto se excedeu a monocultura Desapareceu assim aquelavegetaccedilatildeo como que adstringente das margens dos rios que resistia agraves aacuteguastempo de chuva natildeo deixando que elas levassem o tutano das terrasconservando o huacutemus e a seiva do solo As caraibeiras tiveram essa funccedilatildeouacutetil agraves margens de alguns rios Margens que se tornaram umas areias frouxase incapazes de resistecircncia quando esse arvoredo mais vigoroso do interior foidevastado quando as plantas adstringentes foram destruiacutedas para oscanaviais se estenderem imperialmente por toda a parte Ou quando essasplantas de margens dos rios ficaram expostas agraves cabras

Alberto Loumlfgren observou no interior do Nordeste trechos devastadosldquoonde nenhuma aacutegua mais para e as enxurradas cada vez carregam maisterra ateacute a desnudaccedilatildeo completardquo14 Trechos desbastados de suas aacutervores

e ateacute da sua vegetaccedilatildeo mais rasteira perturbados pelo homem da maneiramais terriacutevel

De modo que natildeo passa da mais vazia das retoacutericas culpar os rios doNordeste por essa desnudaccedilatildeo que vem de causas humanas da coivara daqueimada da monocultura Esses rios natildeo tecircm sido ladrotildees de terras feacuterteissenatildeo a mandado ou por imposiccedilatildeo dos homens O grande ldquoladratildeo dasterrasrdquo escreveu Bennett no seu estudo sobre a erosatildeo do solo nos EstadosUnidos eacute o monocultor15 Ele nem sequer esgota a fertilidade dos campos

no interesse de sua lavoura uacutenica mas deixa que essa fertilidade se dissolva

nos rios ateacute se perder no marJaacute procuramos fazer uma vez o elogio dos rios pequenos e destacar a

importacircncia que tiveram na formaccedilatildeo rural do Brasil ndash com o que emtrabalho recente deu-nos a honra de concordar o ilustre geoacutegrafo francecircsprofessor Pierre Monbeig Essa importacircncia onde se acentuou de modo maiscaracteriacutestico foi precisamente na zona da ldquomatardquo do extremo Nordeste enas terras de massapecirc do Recocircncavo ndash as regiotildees mais profundas de cana-de-accediluacutecar com seus rios constantes e equilibrados Rios sanchos-panccedilas semos arrojos quixotescos dos grandes prestando-se portanto agraves tarefas dasedentariedade e da fixaccedilatildeo aos deveres pachorrentos mas de modonenhum vis da antiga rotina agriacutecola

As sesmarias e as datas concedidas por Duarte Coelho e pelos seussucessores seguiram em Pernambuco as vaacuterzeas e as margens dos rios tendoIguaraccedilu Olinda Beberibe Casa-Forte Vaacuterzea como os seus primeirospontos de fixaccedilatildeo e a cultura da cana como a sua base Seguiram os vales doCapibaribe na direccedilatildeo de Paudalho Seguiram os vales do IpojucaAprofundaram-se nas terras argilosas para se estenderem ralas e superficiaispelas terras mais secas do centro donde os rios soacute faziam procurar descerpara a ldquomatardquo e para o mar

Na Paraiacuteba ndash terra de tatildeo bom accediluacutecar ndash a lavoura da cana lembra Joffilyque nasceu no vale do Paraiacuteba para estender-se logo ao Norte e ao Sul ldquoemlinha paralela ao mar nos vales de outros riosrdquo No do Mamanguape No doCamaratu ldquoem que o rio deposita enorme quantidade de lsquopaulrsquo arrastadodesde a Cupaoba espraiando-se como um lago e perdendo quase acorrenteza daiacute para baixordquo16 No do Miriri no do Garamame no do Abiaiacute

Em Alagoas as terras que Cristoacutevatildeo Lins escolheu para as suas lavouras decanas foram as que chamou de Santo Antocircnio dos Quatro Rios onde logo selevantariam uma igreja em louvor de Maria Santiacutessima e sete engenhos deaccediluacutecar17

Mas na vaacuterzea do Capibaribe eacute que primeiro se consolidou a cultura dacana no Nordeste ndash a lavoura que daria relevo tatildeo grande agrave capitania deDuarte Coelho Pouco depois do meado do seacuteculo XVI jaacute se falava na ldquogenteda vaacuterzea do Capibariberdquo como de um verdadeiro nervo da populaccedilatildeocolonial e foi ndash pode-se dizer ndash onde criou raiacutezes a primeira aristocracia

brasileira de senhores de engenho que tambeacutem precisou da vaacuterzea de umrio e da fartura de aacutegua doce para desenvolver-se dentro da sedentariedadee da endogamia

Foi essa vaacuterzea na paisagem social brasileira a primeira a povoar-se natildeode casas-grandes esporaacutedicas e soacutes mas de um verdadeiro conjunto delasligadas pela aacutegua do rio e pelo sangue dos colonos atraveacutes dos casamentosque se extremariam depois ndash aqui como no Cabo de Santo Agostinho navaacuterzea do Ipojuca na do Una no Recocircncavo da Bahia no vale do Paraiacutebaem Santo Antocircnio dos Quatro Rios ndash na mais completa endogamia ndash osprimos se casando com as primas as sobrinhas com os tios Para essaendogamia intensa dos brancos e quase-brancos das casas-grandes damesma vaacuterzea de que resultou um tipo fiacutesico tatildeo caracteriacutestico dearistocrata de engenho de que resultaram tipos de famiacutelia no Nordeste tatildeodefinidos nos seus traccedilos nos seus viacutecios no seu modo de falar ndash PaesBarrettos Cavalcantis Wanderleys Souza Leotildees ndash concorreupoderosamente a aacutegua dos rios pequenos fazendo de vaacuterias famiacutelias uma soacutee de vaacuterios engenhos um sistema social e agraves vezes econocircmico Verdadeirosclatildes se desenvolveram agraves vezes agrave margem dos rios pequenos dominados pelovelho de uma casa-grande maior mais dona do rio da aacutegua e da vaacuterzea queas outras

Em 1577 a vaacuterzea do Capibaribe jaacute tem o engenho de Satildeo Pantaleatildeo doMonteiro em 1593 tem tambeacutem o Apipucos em 1598 o Satildeo Timoacuteteo doJiquiaacute Engenhos grandes donde sairiam engenhos menores dotes a filhos anetos a sobrinhos Engenhos favorecidos por tudo boas manchas de terraboas aacuteguas boas matas o mar perto Olinda perto os iacutendios longe

Agrave sombra das mesmas condiccedilotildees favoraacuteveis foram se levantando outrosengenhos na vaacuterzea do Capibaribe o Satildeo Joatildeo o Santo Antocircnio o SatildeoFrancisco o Madalena o Santos Cosme e Damiatildeo Vaacuterios outros Quase todoscom nomes de santos dos santos mais queridos da devoccedilatildeo portuguesa Masalguns jaacute com nomes indiacutegenas de rio ou de riacho Apipucos Com nome demulher Madalena Outros com o apelido do dono Curado Desses vaacuteriostipos de denominaccedilatildeo de engenhos do primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo daNova Lusitacircnia quase natildeo se afastariam os dos seacuteculos seguintes Algunsentretanto tomariam nomes africanos Maccedilangana Outros nomes de

madeiras e de frutas da terra Pau-de-Sangue Melancia Cajueiro-de-BaixoJenipapo Ou entatildeo verdadeiras frases ou exclamaccedilotildees ldquoValha-me DeusrdquoldquoCaacute me vourdquo ldquoCaacute me vouzinhordquo

Eacute de interesse salientar alguns dos numerosos nomes antigos deengenhos da regiatildeo que conservaram sugestotildees da aacutegua Lagoa dos Ramosde Baixo Ribeiro da Pedra Poccedilo Comprido Vertente de Cima VertenteGrande Alagoa do Meio Aacutegua Azul Ribeiro Grande Trecircs Poccedilos AacuteguaVerdeOlho drsquoAacutegua do Tapuia Dois Rios Trecircs Lagoas Cachoeira de Cima Vaacuterzeado Una Poccedilo Sagrado Cachoeirinha Cacimbas Aacutegua CompridaRedemoinho Riachatildeo Aacutegua Fria Aacutegua Clara Serra drsquoAacutegua Pedra drsquoAacuteguaRiacho do Padre Aacuteguas Belas

Sente-se nesses nomes de engenhos antigos o quase culto e certamente apoetizaccedilatildeo da aacutegua pela gente dos canaviais e das vaacuterzeas A aacutegua foielemento nobre na velha paisagem de engenho do Nordeste onde a usinadegradaria principalmente os rios O engenho honrou a aacutegua natildeo se limitoua servir-se dela

As boas casas-grandes do interior como os bons sobrados da Madalena eda Rua da Aurora no Recife e ateacute os conventos como o de franciscanos emSerinhaeacutem foram edifiacutecios levantados com a frente para o rio com a facepara a aacutegua as melhores escadas das casas descendo ateacute agraves canoas e aosbotes Canoas e botes agraves vezes com cachorros dragotildees e leotildees esculpidos namadeira das proas Dentro deles as iaiaacutes passeavam de chapeacuteu de sol abertoos ioiocircs tambeacutem Iam de canoa fazer visitas O rio era honrado Preferia-se asua aacutegua aos caminhos cheios de poeira e de lama por onde nos temposmais antigos os carros de boi se arrastavam aos solavancos de um engenho aoutro e no seacuteculo XIX os cabrioleacutes pulavam as molas rangendo de raiva e decansaccedilo no fim da primeira leacutegua

De tal modo se desenvolveu o complexo do rio entre a gente mais ilustredo Nordeste que se tornou chic tirar o retrato nas fotografias francesasdentro de botes ou de canoas as sinhazinhas empunhando remos osmeninos fingindo remar Os aacutelbuns de famiacutelia em Pernambuco na Bahia emAlagoas estatildeo cheios de velhas fotografias em que iaiaacutes ou sinhozinhosaparecem dentro de botes afidalgados

O banho de rio quando natildeo era um rito como os dos ldquoromeiros da sauacutederdquo

no Poccedilo da Panela era uma festa Passava-se a festa ndash o Natal o ano-bom oDia de Reis ndash junto dos rios O rio recebia entatildeo muito corpo paacutelido de sinhaacutedengosa moccedilas quase tuberculosas de tanto viverem dentro das camarinhasNo rio elas se libertavam do escuro e do abafado dos seus quartos de doenteficavam umas verdadeiras meninas gritando e nadando nuas O rio recebia ocorpo dessas moccedilas finas e natildeo apenas o dos moleques da bagaceiralimpando-se do suor e do sujo do trabalho ou o dos negros dando banho noscavalos Em 1855 o meacutedico Carolino Francisco de Lima Camposrecomendava nos seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo os banhos de rio escrevendoque ldquopara o asseio do corpordquo os ldquobanhos frescos de riordquo com sabatildeo ldquoaleacutem depreencherem o fim relativo agrave limpezardquo concorriam para ldquofortificar ostecidosrdquo

Tollenare nos comeccedilos do seacuteculo XIX viu no Capibaribe ldquofamiacuteliasinteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia abrigadas do solsob pequenos telheiros de folhas de palmeira cada casa tem o seu perto doqual haacute um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despirrdquo O francecircssurpreendeu nesses banhos ldquoa matildee amamentando o filho a avoacutemergulhando ao lado dos netos e as moccedilas da casa traquinando no meio dosseus negros lanccedilarem-se com presteza e atravessarem o rio a nadordquo Algumasdessas moccedilas ele chegou a ver nuas as naacutedegas todas de fora verdadeirasldquonaacuteiades sem veacuteurdquo

Mas natildeo se limita a essa nota de volutuosidade o depoimento deTollenare sobre as margens do rio pernambucano O francecircs escreveu queera raro encontrar margens mais risonhas que as do Capibaribe A aacutegua eratatildeo clara que se enxergava o fundo de areia pura ldquoque toma um coloridoverde-esmeralda escuro do reflexo da folhagem em meio da qual vecirc-seesvoaccedilar o cacique de ninho suspenso o cardeal vestido de escarlate e milpaacutessaros adornados de brilhante plumagemrdquo Em redor da canoa em que elesubiu o rio ateacute o paccedilo viam-se de vez em quando ldquocardumes de pequenospeixesrdquo Arrastando-se pelas margens ldquomiriacuteades de caranguejosrdquo e ldquoagraveentrada de suas tocas pelos lugares mais elevados tatus e cutiasrdquo18 Soacute natildeo

chegou a ver jacareacutes nem os enormes sapos-cururus tatildeo temidos pelosmeninos e muito utilizados no catimboacute da regiatildeo

No interior eacute que Tollenare observou nem sempre se tirar todo o partido

dos rios para o transporte do accediluacutecar dos engenhos para o litoral O rio quepassava junto ao engenho Salgado por exemplo regava os canaviais deoutros vinte engenhos sendo navegaacutevel por embarcaccedilotildees de ldquomais de 150toneladasrdquo Mas natildeo era aproveitado para o transporte do accediluacutecar Nem doaccediluacutecar nem dos negros e moleques que Bento Joseacute da Costa importava daAacutefrica para os seus canaviais19 E tudo por uma crenccedila sem fundamento a

de que os holandeses haviam metido a pique trecircs navios entre a ponta deNazareacute e os recifes tornando impraticaacutevel a passagem O rio desaproveitadopor incuacuteria dos senhores de engenho

Desaproveitado mas de modo nenhum degradado O grande prazer emSalgado como perto do Recife agraves margens do Capibaribe e do Beberibe era obanho de rio Dois trecircs por dia

Beberibe Tambiaacute Caxangaacute tornaram-se pontos de banhos de rio alegresBanhos de estudantes com atrizes com pastoras com mestras econtramestras de pastoral que iam para o rio de madrugada Banhos demanhatilde cedo com cachaccedila e caju antes do primeiro mergulho na aacutegua friaBanhos de moleques cuja nudez escandalizava as iaiaacutes mais recatadas dossobrados

Os rapazes mais romacircnticos estudantes de Direito no Recife estesfizeram das aacuteguas do Capibaribe e do Beberibe as aacuteguas de suas confidecircnciasde amor Muito estudante apaixonado recitou versos agrave namorada vista delonge ou simplesmente adivinhada por traacutes de alguma varanda de sobradoou de alguma janela acesa da Rua da Aurora de Ponte drsquoUchoa daMadalena varanda de sobrado de azulejo janela de casaratildeo ou de chaleacuteentre mangueiras e jaqueiras E o estudante paacutelido de fraque preto decolarinho duro de botinas de verniz descendo o rio de bote agraves vezescantando para o lado da casa jaacute no escuro da moccedila burguesa

ldquoDesperta abre a janela Stelardquo

ou

ldquoOh Maria oh Mariaquantas noites por ti sem dormir

Oh Maria oh Mariaem teus braccedilos eu quero cairrdquo

Isto jaacute no fim do seacuteculo XIX ou nos princiacutepios do XX Os mais antigoshaviam cantado outras cantigas Minha Nise adorada por exemplo OuChiquita

Agraves vezes se raptavam moccedilas de bote Nise ou Chiquita ou Stela acordavae se entregava ao rapaz de fraque Maria abria-lhe os braccedilos e agraves vezes aspernas morenas Assaltavam-se casas de bote Ladrotildees assassinos don-juans parece que o proacuteprio Cabeleira o grande bandido dos canaviaisvinham ao Recife dentro de botes de canoas jangadas nas noites de escuroO bote ou a canoa era por sua vez um objeto muito apetecido pelos ladrotildeesos jornais do seacuteculo XIX estatildeo cheios de notiacutecias de botes e canoas roubadas

Famiacutelias inteiras faziam em botes as suas mudanccedilas de jacarandaacutes deum sobrado para outro E quando veio a campanha da Aboliccedilatildeo o Capibaribendash em cujas margens penaram tantos moleques tristes escravos de senzalasde senhores nem sempre bons ndash tornou-se um rio libertador Pelas suasaacuteguas desceram negros fugidos escondidos em cargas de madeira de capime de cana nas barcaccedilas que vinham dos engenhos para o mar

Era em canoas que se trazia aacutegua agraves cidades Em canoas que se vendiaaacutegua pelo cais Canoas expostas ao sol ou sujas de lodo que em 1837 o DrJoseacute Eustaacutequio Gomes jaacute denunciava como uma das causas da insalubridadedo Recife em parecer sobre as erisipelas na cidade Parecer que escreveu apedido da Cacircmara Municipal20

A barcaccedila a canoa e ateacute a jangada estiveram por muito tempo ligadas agravecana ao accediluacutecar e ao negro de engenho Tanto quanto o carro de boi Aindahoje natildeo se quebrou de todo a ligaccedilatildeo dos tempos de engenho de aacutegua Fazpoucos dias vimos reunidos em praia do norte de Alagoas como noNordeste de 1700 a jangada o negro e o carro de boi A barcaccedila quase noseco da praia e entre ela e um carro de boi uma jangada fazendo de pontede embarque Os cabras quase nus carregando accediluacutecar 1700 puro

Os engenhos antigos do Nordeste viviam muito do mar e dos rios dospeixes dos caranguejos dos pitus dos camarotildees dos siris que a dona dacasa mandava os moleques apanhar pelos mangues pela aacutegua pelos

arrecifes Esses pescadores a serviccedilo da casa patriarcal tornaram-sejangadeiros iguais aos caboclos tatildeo peritos quanto eles no traquejo dasjangadas das canoas e da rede de tucum na caccedila aos jacareacutes agraves emas e aosveados das margens dos rios Deram mesmo uma teacutecnica mais doce aomanejo da canoa impelida tatildeo sem gosto pelos caboclos nas matildeos do preto oremo e a vara da jangada e de canoa tornaram-se instrumentos quase degozo agraves vezes ateacute de certa deliacutecia masoquista Durval Vieira de Aguiar emviagens pelo interior do norte da Bahia e pelo Recocircncavo nos uacuteltimos anosda monarquia encontrou barcas de rio conduzidas por vareiros apenasvestidos de tanga ou saiote de zuarte um gorro da mesma fazenda nacabeccedila homens de ldquoum perfeito aspecto africanordquo ldquoMunidos de grandesvaras ferradas na ponta encostavam a outra extremidade ao caloso peitosem nenhum amparo deixando muitas vezes com o esforccedilo escorrer osangue por garbordquo21

O negro remava cantando e dentro de um ritmo ndash do mesmo modo quecantando e dentro de um ritmo carregava pelas ruas os sacos de accediluacutecar ospianos de iaiaacute os jacarandaacutes de ioiocirc Alguns estrangeiros falam encantadosda precisatildeo de movimentos desses negros de canoas que Henderson viumais de uma vez descendo o Capibaribe

O negro que a princiacutepio soacute trabalhou no ldquoverde-mar dos canaviaisrdquodepois tornou-se tambeacutem operaacuterio do outro mar ndash o verdadeiro e cheio demal-assombrado das costas do Nordeste Canoeiro Jangadeiro VareiroCuringa de barcaccedila Natildeo nos parece exata a generalizaccedilatildeo de que ldquoo marainda eacute do caboclordquo Nem o mar nem os rios nem a jangada nem a canoanem o saveiro nem a barcaccedila Os anuacutencios de jornal da primeira metade doseacuteculo XIX jaacute vecircm cheios de negros canoeiros Uma multidatildeo de negroscanoeiros Era mulato ou curiboca o Francisco Joseacute do Nascimento ojangadeiro cearense que se distinguiu na campanha da Aboliccedilatildeo e ficouconhecido pelo nome de guerra de ldquoDragatildeo do Marrdquo E hoje satildeo multidatildeo osnegros barcaceiros e jangadeiros em Pernambuco na Bahia e em Alagoas

Tivemos haacute pouco ocasiatildeo de nos aproximar um pouco das barcaccedilas defeitio colonial que ainda trazem accediluacutecar e sal madeira e cocos para o RecifeVecircm de Natal de Goiana de Gravataacute de Maceioacute Quase todas satildeo azuis oubrancas ndash o que nos parece refletir certo misticismo meio cristatildeo da nossa

gente do mar semelhante ao das mulheres mais chegadas agrave Igreja quefazem promessa de soacute vestir as filhas de azul e branco em homenagem aNossa Senhora e chegam a considerar o vermelho ndash tatildeo do gosto da gentemenos afetada por escruacutepulos cristatildeos de branco e azul ndash cor para ldquovestidode raparigardquo isto eacute de prostituta

De 115 barcaccedilas que anotamos 63 eram todas azuis ou azuis e amarelassendo azuis e brancas 46 Tecircm entretanto na sua maioria natildeo nomes desantos ndash apenas 9 das 115 ndash mas de mulheres de rios e de engenhos Muitosdos barcaceiros como os jangadeiros acreditam em Iemanjaacute guiam-se pelasestrelas conhecem os ventos de longe fumam maconha para sonhar commulher nua ou moccedila bonita Mas mesmo assim o misticismo que os dominaparece que eacute o cristatildeo E entretanto eacute grande entre eles o nuacutemero de negros

Pode-se afirmar que a maioria da gente que trabalha nessas barcaccedilas doNordeste ndash pelo menos de Alagoas de Pernambuco da Bahia ndash jaacute natildeo eacute decaboclos mas de negros mulatos cafuzos curibocas

Vecirc-se muito jangadeiro nas praias do sul de Pernambuco e do norte deAlagoas morando em mucambos de um estilo meio indiacutegena meio africanoe no meio dessa gente que o complexo africano da maconha dominadescobre-se sem esforccedilo muito negro muito mulato muito curiboca muitocafuzo E natildeo apenas brancos e caboclos

O caboclo natildeo eacute mais dono do mar nem da praia nem da jangada nemda canoa mas soacute do que resta de mato virgem ndash e ali mesmo o negro tem semostrado um competidor poderoso A verdade eacute esta no Nordeste da cana-de-accediluacutecar o caboclo eacute cada vez mais uma alma do outro mundo uma figurade retoacuterica o ldquoespiacuterito do caboclordquo das sessotildees de baixo espiritismo o ldquonoacutes oscaboclos que expulsamos os holandesesrdquo dos discursos ciacutevicos das oraccedilotildeespatrioacuteticas e nada mais Jaacute eacute quase uma curiosidade quase um exotismouma figura inteira ou predominantemente cabocla entre noacutes Jaacute se chamade ldquochinardquo o proacuteprio curiboca mesmo quando eacute bacharel ou doutor Nestasub-regiatildeo do Nordeste o colono europeu e o colono africano fizeram com apaisagem humana o mesmo que o coqueiro que a cana que a mangueiracom a vegetaccedilatildeo dominaram-na a ponto de parecerem agraves vezes mais daterra que certos elementos nativos Que o pau-brasil e que o iacutendio

Os peixes do mar e dos rios do Nordeste satildeo muitos peixes de alto mar

peixes de aacutegua funda peixes das pedras que natildeo sendo os mais saborosossatildeo entretanto os mais bonitos e os mais cheios de cores vivas Os peixes decores vivas satildeo tatildeo bonitos que natildeo se compreende que natildeo sejam tambeacutem osde melhor sabor o aguiuacuteba vermelho o pirauacutena tambeacutem vermelho otucano e o budiatildeo azuis Mas natildeo satildeo E eacute a gente mais pobre que fica comesses peixes mais bonitos para o seu almoccedilo e para a sua ceia com farinha demandioca e molho de pimenta

Muitas vezes temos visto as jangadas chegarem agraves praias cheias de peixesde cor ainda vivos e pulando peixes azuis peixes encarnados peixes roxose cor-de-rosa peixes listrados peixes amarelados com salpicos pretos ldquoSoacutetecircm belezardquo dizem os entendidos

Sucesso eacute o do pescador que traz na sua jangada cavala-perna-de-moccedilacioba carapeba tainha ndash os aristocratas das aacuteguas do Nordeste Sucesso eacute odo negro que no seu balaio carrega as grandes lagostas os lagostins os pitus

Os pitus do rio Una O Una pernambucano tornou-se famoso pelos pitusque os senhores de engenho da vaacuterzea do Una tinham sempre agrave mesa nosdias dos grandes jantares Do mesmo modo o rio Corrente da Bahia ficouceacutelebre pelo dourado ldquomuito gordo e saborosordquo Pitu do rio Una dourado dorio Corrente fritada de caranguejo de siri de camaratildeo de gaiamum deldquounha-de-velhordquo polvo sururu de Maceioacute peixe cozido com piratildeo peixefrito de tabuleiro curimatilde de viveiro de casa-grande peixe de coco peixe demoqueca ndash tudo isso ligou de uma maneira muito iacutentima a aacutegua o mar o rioagrave mesa e agrave vida da gente do Nordeste A aacutegua ficou uma amiga das casas dolitoral e da ldquomatardquo Das casas ricas e dos mucambos tantos deles levantadosbem junto da aacutegua

A aacutegua parece ainda ter agido sobre a paisagem do Nordeste nestesentido esteacutetico no de propagar por todo o litoral da regiatildeo o coqueiro-da-iacutendia segundo as melhores evidecircncias importado pelos colonos portuguesesA grande propagaccedilatildeo do coqueiro se teria feito pelas mareacutes e pelas correntesmariacutetimas da costa conduzindo as sementes e depondo-as nas areias dapraia

Nem sempre tecircm sido idiacutelicas as relaccedilotildees entre a gente e a aacutegua destasub-regiatildeo do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homema aacutegua natildeo falta nunca (porque os rios verdadeiramente da ldquomatardquo nunca

secam de todo nem os olhos-drsquoaacutegua ficam estorricados) mas onde agraves vezestransborda desadorada e terriacutevel As grandes cheias deixam sem mucambocentenas de gente pobre Agraves vezes se afoitam ateacute pelas casas-grandes JoseacuteLins do Rego jaacute nos contou em paacutegina extraordinaacuteria ndash uma das mais fortesque jaacute se escreveram em nossa liacutengua ndash o que satildeo essas cheias nos engenhosdo Nordeste A aacutegua de repente se torna o maior inimigo do homem dosbichos das plantas

O colonizador africano do Nordeste se aqui se ligou agrave aacutegua da maneiramais iacutentima e mais uacutetil foi tambeacutem ao que parece um seu contaminadorTrouxe ndash pensam alguns pesquisadores ndash para alguns rios de engenho osvermes causadores da doenccedila de Manson-Pirajaacute da Silva ou esquistossomosemansoni Tornou o banho de rio em certos trechos da regiatildeo uma aventuraum risco do indiviacuteduo se expor agraves larvas de um verme que lhe atravessabrincando a pele e as mucosas para ir roer-lhe o fiacutegado os intestinos osproacuteprios pulmotildees

Na Ameacuterica a predominacircncia do mal eacute nas aacutereas de accediluacutecar que atraiacuterammaior colonizaccedilatildeo negra nas Antilhas no Peru na Venezuela na Colocircmbianas Guianas E no Brasil ldquotoda a faixa litoracircnea do Brasil desde o Paraacute ao sulda Bahiardquo O Nordeste da cana-de-accediluacutecar e as suas margens do Paraacute ao sulda Bahia Na Bahia o mal africano foi estudado por um mestre notaacutevel ndashPirajaacute da Silva ndash que completou as observaccedilotildees de Manson Em Pernambucovecircm estudando-o os colaboradores e continuadores do professor AgeuMagalhatildees e uacuteltima e notadamente o meacutedico Luiacutes Tavares sua geografiadeterminaram-na o professor Meira Lins e o Dr Fernando Wanderley Estesverificaram procederem os seus doentes de rios de engenho o Capibaribe oGoiana o Una o Jaboatatildeo o Ipojuca22

Mas o que haacute hoje de patoloacutegico nas relaccedilotildees do homem com a aacutegua doNordeste dos canaviais natildeo se limita a essa contaminaccedilatildeo dos rios ao queparece pelos negros Resulta em grande parte do desprezo do homempoderoso da regiatildeo pela aacutegua do rio

O monocultor rico do Nordeste fez da aacutegua dos rios um mictoacuterio Ummictoacuterio das caldas fedorentas de suas usinas E as caldas fedorentas matamos peixes Envenenam as pescadas Emporcalham as margens A calda que asusinas de accediluacutecar lanccedilam todas as safras nas aacuteguas dos rios sacrifica cada fim

de ano parte consideraacutevel da produccedilatildeo de peixes no NordesteNa semana do Natal de 1936 o rio Goiana em Pernambuco recebeu

tanta calda que a quantidade de peixe podre foi enorme Parecia uma pragado Velho Testamento Os peixes mais finos fedendo de podres ao lado dosmais plebeus23 O cheiro de peixe podre misturando-se ao de fruta podre

das margens sujas dos riosQuase natildeo haacute um rio do Nordeste do canavial que alguma usina de

ricaccedilo natildeo tenha degradado em mictoacuterio As casas jaacute natildeo datildeo a frente para aaacutegua dos rios datildeo-lhes as costas com nojo Datildeo-lhe o traseiro com desdeacutemAs moccedilas e os meninos jaacute natildeo tomam banho de rio soacute banho de mar Soacute osmoleques e os cavalos se lavam hoje na aacutegua suja dos rios

O rio natildeo eacute mais respeitado pelos fabricantes de accediluacutecar que outrora seserviam dele ateacute para lavar a louccedila da casa mas natildeo o humilhavam nuncaantes o honravam sempre Admitiam-no agrave sua maior intimidade Contavam-lhe suas maacutegoas de namorados e as suas saudades de velhos Faziam daspontes e dos cais seus recantos preferidos de conversa noite de lua noRecife

Esses rios secaram na paisagem social do Nordeste da cana-de-accediluacutecarEm lugar deles correm uns rios sujos sem dignidade nenhuma dos quais osdonos das usinas fazem o que querem E esses rios assim prostituiacutedos quandoum dia se revoltam eacute a esmo e agrave toa engolindo os mucambos dos pobres queainda moram pelas suas margens e ainda tomam banho nas suas aacuteguasamarelentas ou pardas como se o mundo inteiro mijasse ou defecasse nelas

Soacute o mal-assombrado povoa ainda de sombras romacircnticas as aacuteguasimundas dos rios do Nordeste prostituiacutedos pelo accediluacutecar Mal-assombrado deestudante assassinado que o cadaacutever aparece boiando por cima das aacuteguasainda de fraque e flor na botoeira Mal-assombrado de menino louro afogadoque o siri natildeo roeu e o anjinho aparece inteiro Mal-assombrado de moccedilamorena que se atirou no rio doida de paixatildeo e os seus cabelos se tornaramverdes como o das iaras Pouca gente acredita que o passado dos rios doNordeste tenha sido tatildeo bonito e tatildeo ligado agrave nossa vida sentimental Mas foi

A aacutegua nobre eacute hoje a do mar ndash esse mar nuns lugares tatildeo azul e noutrostatildeo verde que banha as areias do Nordeste Iemanjaacute mesma jaacute natildeo eacute adoradapelos pretos de Xangocirc na aacutegua dos rios mas principalmente na aacutegua do mar

E entretanto faz pouco mais de um seacuteculo que essas praias ilustres natildeo eramsenatildeo imundiacutecie Faz pouco mais de um seacuteculo que nelas soacute se fazia atirar olixo e o excremento das casas se enterrar negro pagatildeo se deixar bichomorto se abandonar esteira de bexiguento ou lenccedilol de doente da peste

11 O Engenho Nossa Senhora de Ajuda que depois se chamou Forno da Cal12 rdquoEm carta de 22 de marccedilo de 1548 dirigida ao rei comunica o donataacuterioque o almoxarife Vasco Fernandes de Lucena queria levantar um engenhoem suas terras que lhe dava para cujas despesas pedia licenccedila para explorare exportar algum pau-brasil para Portugal o que certamente obteve em facedos favoraacuteveis conceitos com que o donataacuterio se expressardquo (Pereira daCosta Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em PernambucoRecife 1905)

Lembra um estudioso estrangeiro das origens brasileiras ndash Otto

Schmieder no seu ldquoThe brazilian culture hearthrdquo publicado no vol 3 no 3de University of California publications in geography (agosto1929) ndash quea superioridade das terras de cana do Nordeste no seacuteculo XVI sobre asterras de Cabo Verde Canaacuteria Valecircncia e Iacutendia estava principalmente nofato de natildeo necessitarem como essas terras exploradas jaacute haacute tempo deirrigaccedilatildeo e adubo Era tatildeo raacutepida a prosperidade de alguns plantadores decana que a ldquoa yearrsquos crop sold for more than the price of the wholefazendardquo lembra o mesmo pesquisador para quem ldquothe type of tropicalplantation work which they [os portugueses] introduced develop from thebeginning a particular social structurerdquo Desta estrutura caracterizada poruma ldquoaristocracia colonialrdquo procuramos traccedilar o perfil em relaccedilatildeo com omeio do Nordeste em pequenos ensaios que datam de 1925 anterioresportanto ao estudo de Schmieder que alguns apresentam como pioneiro noassunto

Estamos informados de que ilustre historiadora paulista a professoraAlice Canabrava prepara interessante e minucioso ensaio em que desenvolve

a tese apresentada agrave Universidade de Satildeo Paulo e publicada no Boletim no 5da cadeira de Histoacuteria da Civilizaccedilatildeo Brasileira da referida Universidadesobre a histoacuteria da induacutestria do accediluacutecar no Brasil especialmente no Nordestecomparada com a histoacuteria da mesma induacutestria noutras aacutereas da Ameacutericaespecialmente nas Antilhas inglesas e francesas Assunto por noacutesconsiderado haacute anos como de maacuteximo interesse para a interpretaccedilatildeo do

passado brasileiro dados os contatos e as interpenetraccedilotildees de influecircncia ndashpor meio do judeu e do negro principalmente ndash entre algumas pelo menosdessas aacutereas Veja-se o que a respeito sugerimos desde 1937 em uma denossas Conferecircncias na Europa (Rio de Janeiro 1938) justamente a escritapara ser lida na Universidade de Londres Tais conferecircncias posteriormenteaparecem em nova ediccedilatildeo e com caraacuteter de pequenos ensaios em O mundoque o portuguecircs criou (Rio de Janeiro 1940)

Ainda sobre o assunto leia-se o sugestivo ensaio do professor Alfredo Ellis

Juacutenior ldquoO ouro e a paulistacircniardquo no 8 da Histoacuteria da civilizaccedilatildeo brasileira(Satildeo Paulo1948) Especialmente o capiacutetulo V intitulado ldquoDecliacutenio do accediluacutecarnordestinordquo No capiacutetulo XX concorda conosco o mesmo historiador em quea primeira grande expressatildeo de civilizaccedilatildeo brasileira ndash a baseada no accediluacutecar ndashfoi particular ao Nordeste isto eacute ao Brasil agraacuterio que se estendia doRecocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo13 Pereira da Costa loc cit Sobre a importacircncia poliacutetica dos engenhos doNordeste como centro da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo no Brasil veja-seo ensaio do socioacutelogo paulista professor Fernando de Azevedo Canaviais eengenhos na vida poliacutetica do Brasil Rio de Janeiro 1948

Vejam-se tambeacutem o estudo de Olavo Batista Filho ldquoAspectos daeconomia accedilucareira no nordeste no seacuteculo XVIrdquo Revista do ArquivoMunicipal Satildeo Paulo 1939 e A P Canabrava ldquoA Influecircncia do Brasil nateacutecnica do fabrico do accediluacutecar nas Antilhas francesas e inglesas no meado doseacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas eAdministrativas Satildeo Paulo 1946-194714 Alberto Loumlfgren Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo donordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1912Veja-se tambeacutem sobre o assunto o estudo do agrocircnomo professor VasconcelosSobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e a civilizaccedilatildeo Riode Janeiro-Satildeo Paulo 1949 especialmente o toacutepico ldquoA raacutepida intoxicaccedilatildeodos solos tropicaisrdquo

Aleacutem dos estudos do professor Vasconcelos Sobrinho sobre a ecologia doNordeste vejam-se os ensaios de outro agrocircnomo preocupado com osaspectos sociais dos problemas de agronomia regional o Sr Pimentel GomesContribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do nordeste brasileiro(Joatildeo Pessoa 1936) e Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina (Riode Janeiro 1914) Os ensaios dos professores Angione Costa Migraccedilatildeo ecultura indiacutegena (Satildeo Paulo 1939) e Estecircvatildeo Pinto Os indiacutegenas donordeste (Satildeo Paulo 1935) ndash satildeo igualmente contribuiccedilotildees ndash estas de caraacuteter

etnograacutefico ndash ao estudo da ecologia nordestina15 H H Bennett ldquoSoil erosion a national menacerdquo US Department of

Agriculture Circular no 33 1928 Sobre o assunto veja-se tambeacutem ldquoTheincreased cost of soil erosionrdquo pelo mesmo autor em The annals of theamerican academy of political and social science CXLII Tambeacutem WWAshe ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in thesoutheast Engineering world XXIII E ainda o excelente Soil exhaustion asa factor in the agricultural history of Virginia and Maryland (1926) porA O CravenVeja-se tambeacutem o estudo citado do professor Vasconcelos Sobrinhoespecialmente o capiacutetulo ldquoOs riosrdquo

Concordando com a nossa sugestatildeo de que os rios pequenos masregulares foram colaboradores valiosos do colono agraacuterio do Nordeste opesquisador sergipano Felte Bezerra no seu recente estudo Etniassergipanas (Aracaju 1950) salienta o exemplo da sub-regiatildeo sergipana ldquoPorisso em Sergipe criaram-se agraves suas margens as zonas accedilucareiras porexcelecircncia do Japaratuba da Cotinguiba (bacia do rio Sergipe) do Vaza-Barris do Piauiacuterdquo16 I Joffily Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 189217 Pedro P da Fonseca ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas ndash Apontamentos histoacutericosbiograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscrito

Sobre o assunto veja-se tambeacutem o recente e substancioso ensaio dopesquisador alagoano Manoel Diegues Juacutenior O banguecirc nas Alagoas Riode Janeiro 1949 com o qual eacute interessante contrastar o estudo socioloacutegicodo Nordeste aacuterido ultimamente publicado pelo pesquisador paraibano Lopesde Andrade Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro 1948Dentre os trabalhos mais seacuterios aparecidos nos uacuteltimos anos sobre a chamadaldquocivilizaccedilatildeo do accediluacutecarrdquo que teve sua aacuterea de maior vitalidade social e natildeoapenas econocircmica ou poliacutetica no extremo Nordeste ndash de Sergipe aoMaranhatildeo ndash e no Recocircncavo da Bahia destaca-se o ensaio do historiadorbaiano Wanderley de Pinho Histoacuteria de um engenho do recocircncavo (Rio deJaneiro 1947) Ainda sobre o assunto vecircm aparecendo nos uacuteltimos anosnumerosos estudos e valioso documentaacuterio publicados pelo Instituto doAccediluacutecar e do Aacutelcool (Rio de Janeiro) Sabemos que estaacute em elaboraccedilatildeointeressante histoacuteria da Sociedade Auxiliadora da Agricultura do Recifetarefa de que a tradicional sociedade tatildeo ligada ao passado econocircmico doNordeste agraacuterio incumbiu o historiador Joseacute Antocircnio Gonsalves de Meloneto Sobre Olinda e sua irradiaccedilatildeo na vida e na cultura do Nordeste atraveacutes

do Seminaacuterio prepara tambeacutem um ensaio Padres de Olinda o jovempesquisador Haroldo Carneiro Leatildeo trabalho que seraacute para o velhoSeminaacuterio o que para a Faculdade de Direito do Recife eacute o estudo doprofessor Odilon Nestor Sobre atividades norte-americanas no Nordesteespecialmente durante o seacuteculo XIX colhe material outro pesquisador o SrDiogo de Melo Menezes que a respeito do assunto jaacute publicou nota preacutevia naRevista do Brasil (Rio de Janeiro) e a quem se deve a coordenaccedilatildeo de notaspara Memoacuterias de um Cavalcanti publicadas com introduccedilatildeo nossa18 ldquoNotas dominicais tomadas durante uma viagem em Portugal e no Brasilem 1816 1817 e 1818 por L F de Tollenarerdquo (parte relativa a Pernambucotraduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredo de Carvalho) Revista

do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico Pernambucano nos 61-621904Sobre o rio Capibaribe prepara interessante ensaio o historiador Joseacute

Antocircnio Gonsalves de Melo netoDos rios de Alagoas do ponto de vista da economia agraacuterio-patriarcal

ocupa-se no seu recente e jaacute citado estudo sobre O banguecirc nas AlagoasManoel Diegues Juacutenior Do assunto jaacute se ocupara pioneiramente o SrOctavio Brandatildeo em interessante trabalho de mocidade de que acaba deaparecer nova ediccedilatildeo sobre as lagoas e os canais de Alagoas Vejam-setambeacutem sobre o assunto o ensaio de Aydano do Couto Ferraz ldquoTraccedilos dainfluecircncia da aacutegua na paisagem social do nordeste e do recocircncavordquo Revistado Arquivo Municipal vol 60 Satildeo Paulo 1940 e a do professor Josueacute deCastro Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de Janeiro 194819 Livro de assentos de Bento Joseacute da Costa manuscrito do arquivoparticular do engenho Salgado20 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambuco

Sobre a pesca no Nordeste estamos informados que prepara interessanteensaio o pesquisador rio-grandense-do-norte Osvaldo Lamartine que emtorno do assunto jaacute publicou sugestiva nota preacutevia ilustrada na revistaNordeste (Recife) publicaccedilatildeo dirigida pelos Srs Aderbal Jurema eEsmaragdo Marroquim e dedicada principalmente a assuntos regionais Coma mesma orientaccedilatildeo vecircm aparecendo nos uacuteltimos anos vaacuterias revistasinclusive Regiatildeo (Recife) dirigida pelos Srs Edson Reacutegis e Laurecircncio Lima eem Natal Bando inspirada nas tendecircncias regionalistas do historiador efolclorista Luiacutes da Cacircmara Cascudo Nessas revistas nas publicaccedilotildees doDepartamento de Cultura da Prefeitura do Recife da Prefeitura deSalvador e da Prefeitura de Goiana e em livros vecircm ultimamente

aparecendo estudos de folcloristas ecologistas nutroacutelogos higienistas ehistoriadores voltados para o estudo do folclore e da histoacuteria da pesca davegetaccedilatildeo da populaccedilatildeo e de outros assuntos regionais Maacuterio Sette haacutepouco falecido Lauro Borba Castro Barreto Aniacutebal Fernandes J ATrindade Getuacutelio Ceacutesar Osvaldo Gonsalves Lima Nelson Chaves RuiCoutinho Oliacutempio Costa Astolfo Serra Ceacutesio Regueira Costa Joseacute Maria deMelo Josueacute de Castro Ascenso Ferreira Sousa Barros Valdemar de OliveiraVeriacutessimo de Melo Aderbal Jurema Osvaldo Lamartine Pimentel GomesAdemar Vidal Reneacute Ribeiro Maacuterio Melo Oliacutevio Montenegro Amaro QuintasEstecircvatildeo Pinto Maacuterio Lacerda Vasconcelos Sobrinho Cavalcanti Proenccedila

Sabemos que deveratildeo ser publicados breve trabalhos reunidos pelo 1o

Congresso de Regionalismo no Brasil (Nordeste) iniciativa que coincidiu com

a publicaccedilatildeo em 1925 do Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco e marcou o iniacutecio de verdadeiromovimento de estudo objetivo e valorizaccedilatildeo de assuntos de regiatildeo e deproviacutencia do nosso paiacutes21 Durval Vieira de Aguiar Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898 Sobre jangadas e barcaccedilas de mar do Nordeste veja-se nosso

Olinda 2o guia histoacuterico praacutetico e sentimental de cidade brasileira 3a

ed Rio de Janeiro 196022 Meira Lins e Fernando Wanderley ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo Anual Sociedadede Medicina de Pernambuco setembro 1934 Vejam-se tambeacutem os estudosde A Bezerra Coutinho ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do Recife

no 1 1934 e Lauro M Gama ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina

Acadecircmica no 6 1936 Recife Luiacutes Tavares Estudo meacutedico-ciruacutergico daesquistossomose de Manson Recife 1945 J Rodrigues da Silva ldquoEstudocliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede

Puacuteblica tomo III no 1 Rio de Janeiro outubro 194923 No Recife os peixes da regiatildeo se acham oficial ou quase oficialmenteclassificados da seguinte maneira

ndash 1a Classe ndash Camorim Cioba Pescada Serra Guarajuba CarapebaCurimatilde Garoupa Pampo Beiju Pira Arabaiana Serigado Xareacuteu AraciboraBicuda e Tainha

ndash 2a Classe ndash Caranha Carapitanga Pirapitinga Dourado Pargo Araicoacute

e Camaratildeo

ndash 3a Classe ndash Alcabarra Galo Camurupim Agulha Sauna e Mero

ndash 4a Classe ndash Xira Agulhatildeo Espada Caroacute Bagre Budiatildeo

ndash 5a Classe ndash Cangulo Arraia Polvo Caccedilatildeo e outras espeacuteciesindeterminadas

O rei ndash ou a rainha ndash dos peixes regionais eacute considerado em Pernambucoa ldquocavalardquo afrodisiacamente denominada ldquoperna-de-moccedilardquo

Haacute tambeacutem uma classificaccedilatildeo embora sem cunho algum oficioso ouoficial das frutas mais caracteriacutesticas da regiatildeo Das mangas coloca a gente

do Nordeste na 1a classe a de Itamaracaacute a de Itaparica a Jasmim a Rosa

na 2a a Carlota a Espada numerosas outras na 3a as comuns faz doabacaxi-pico-de-rosa (em geral de Goiana e da Paraiacuteba) o rei dos abacaxisdo mesmo modo que o abacaxi eacute considerado o rei das frutas regionaisexalta o caju-banana sobre os demais cajus distingue o cajaacute-manga doscomuns Dos abacates os arredondados satildeo geralmente consideradossuperiores aos comuns com forma de pecircra os verdes superiores aos roxos Omamatildeo-de-caiena eacute considerado superior aos demais Das laranjas pareceque depois das de ldquoumbigordquo da Bahia as superiores satildeo as de Vitoacuteria(Pernambuco) Satildeo famosas as mangabas de Prazeres (Pernambuco) os cajusdo Bessa (Paraiacuteba) as ldquolaranjas-da-bahiardquo de Itapuaacute (Paraiacuteba) os bacuris(Maranhatildeo)

3 ndash A CANA E A MATA

Sabe-se o que era a mata do Nordeste antes da monocultura da canaum arvoredo ldquotanto e tamanho e tatildeo basto e de tantas prumagens que natildeopodia homem dar contardquo

O canavial desvirginou todo esse mato grosso do modo mais cru pelaqueimada A fogo eacute que foram se abrindo no mato virgem os claros por ondese estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador

O canavial hoje tatildeo nosso tatildeo da paisagem desta sub-regiatildeo do Nordesteque um tanto ironicamente se chama ldquoa Zona da Matardquo entrou aqui comoum conquistador em terra inimiga matando as aacutervores secando o matoafugentando e destruindo os animais e ateacute os iacutendios querendo para si toda aforccedila da terra Soacute a cana devia rebentar gorda e triunfante do meio de todaessa ruiacutena de vegetaccedilatildeo virgem e de vida nativa esmagada pelo monocultor

Jaacute os traficantes franceses tinham derrubado muito pau-brasil Osprimeiros portugueses continuaram a derrubar a madeira de tinta com oauxiacutelio dos iacutendios E a apanhar macacos e papagaios a matar animais para ocomeacutercio de peles e de penas

Mas foi com o comeccedilo da exploraccedilatildeo agriacutecola que o arvoredo mais nobree mais grosso da terra foi sendo destruiacutedo natildeo aos poucos mas em grandesmassas a barauacutena o pau-drsquoarco o angelim a sucupira o amarelo o

visgueiro o angico o pau-ferro Madeiras hoje de uma raridade tatildeo grande ndashinforma-nos um estudioso especializado no assunto ndash que sai mais barato aosenhor de engenho comprar nos armazeacutens do Recife madeira do Paraacute queutilizar a dos seus restos da mata

Poucas dessas madeiras foram utilmente aproveitadas para trave decasa-grande roda-drsquoaacutegua de engenho carro de boi Grande parte foi acoivara que simplesmente desmanchou em monturo foram as fornalhas deengenho que engoliram os portugueses que levaram para construir navio eporta de convento em Portugal Agraves vezes esbanjou-se madeira de leifazendo-se cercas enormes dividindo um engenho de outro Luxo deprivatismo Vaidade de senhor de engenho patriarcal

A cana comeccedilou a reinar sozinha sobre leacuteguas e leacuteguas de terrasavermelhadas pela coivara Devastadas pelo fogo

Nunca foi mais violento nos seus comeccedilos o drama da monocultura queno Nordeste do Brasil Nem mais ostensiva a intrusatildeo do homem nomecanismo da natureza

A natureza sabe-se pelos estudos de ecologia do animal ou da plantaque eacute ldquoessencialmente variadardquo O homem rompe o equiliacutebrio que dependedessa variedade quando faz que uma planta uacutenica e no momento valorizadamais do que as outras cresccedila sobre uma regiatildeo inteira Eacute o drama damonocultura

Em estado de variedade tudo se concilia e se compensa Em estado demonocultura absoluta tudo se desequilibra e se perverte na vida de umaregiatildeo A histoacuteria natural ndash como a social ndash do Nordeste da cana nestesquatro seacuteculos eacute uma histoacuteria de desequiliacutebrio em grande parte causadopelo furor da monocultura Suas fomes algumas de suas secas e revoluccedilotildeessatildeo aspectos desse drama

Natildeo que a cana fosse aqui um intruso ou um indesejaacutevel como o coelhofoi na Austraacutelia onde perturbou todo o equiliacutebrio entre a vida animal e a dasplantas como o cambaraacute levado do Brasil para o Ceilatildeo foi na Indochina ena Iacutendia Ao contraacuterio a cana eacute um dos casos de transplantaccedilatildeo mais felizesEncontrou aqui terra oacutetima O drama que se passou e se passa ainda noNordeste natildeo veio do fato da introduccedilatildeo da cana mas do exclusivismo brutalem que por ganacircncia de lucro resvalou o colono portuguecircs estimulado pela

coroa na sua fase jaacute parasitaacuteriaDesse drama um dos aspectos mais crueacuteis foi o da destruiccedilatildeo da mata

importando na destruiccedilatildeo de vida animal e eacute possiacutevel que em alteraccedilotildees declima de temperatura e certamente de regime de aacuteguas Alteraccedilotildeesdesfavoraacuteveis agrave proacutepria cana e ao proacuteprio senhor de engenho Desfavoraacuteveisagrave vida do homem e dos animais da regiatildeo

Aleacutem do que com esse estado de guerra entre o homem e a mata que foiaqui tatildeo franco natildeo puderam desenvolver-se entre os dois aquelas relaccedilotildeesliacutericas aquele sistema meio misterioso de proteccedilatildeo reciacuteproca entre o homeme a natureza aquele amor profundo do homem pela aacutervore pela plantapelo mato pela terra que os socioacutelogos e os economistas estatildeo fartos de nosapontar como caracteriacutestico das sociedades verdadeiramente rurais Dasmais saudaacuteveis pelo menos e natildeo pervertidas pela monocultura furiosa

A monocultura da cana no Nordeste acabou separando o homem daproacutepria aacutegua dos rios separando-os dos proacuteprios animais ndash ldquobichos do matordquodespreziacuteveis ou entatildeo considerados no seu aspecto uacutenico de inimigos dacana que era preciso conservar agrave distacircncia dos engenhos (como os proacutepriosbois que natildeo fossem os de carro) E natildeo falemos aqui da distacircncia socialimensa que a monocultura aprofundou como nenhuma outra forccedila entredois grupos de homens ndash os que trabalham no fabrico do accediluacutecar e os quevivem mal ou volutuosamente dele

Com a destruiccedilatildeo das matas para a cana dominar sozinha sobre o pretoo roxo ou o vermelho dessa terra crua a natureza do Nordeste ndash a vida todandash deixou de ser um todo harmonioso na sua interdependecircncia para sedesenvolverem relaccedilotildees de extrema ou exagerada subordinaccedilatildeo de umaspessoas a outras de umas plantas a outras de uns animais a outros damassa inteira da vegetaccedilatildeo agrave cana imperial e todo-poderosa de toda avariedade de vida humana e animal ao pequeno grupo de homens brancos ndashou oficialmente brancos ndash donos dos canaviais das terras gordas dasmulheres bonitas dos cavalos de raccedila Cavalos de raccedila tantas vezes tratadosmelhor que os trabalhadores da bagaceira

Desenvolveu-se entre noacutes como adiante se salientaraacute neste ensaio umamor todo especial do aristocrata da cana pelo cavalo que lhe completava afigura senhorial E com esse amor um conhecimento minucioso do cavalo

pelo senhor de engenho com prejuiacutezo do seu interesse pelos outros animaissobretudo pelos do mato simples animais de caccedila um ou outro decuriosidade sendo entatildeo conservado em casa nas gaiolas do corredor ou emalguma aacutervore do quintal ndash o saguim o papagaio a arara o galo-de-campinao canaacuterio Mas estes proacuteprios conservados mais para as ldquobrigas de canaacuteriordquotatildeo dos engenhos patriarcais e por conseguinte com um fim todo saacutedico doque por interesse mesmo superficial pela sua cor ou pelo seu canto Ospassarinhos favoritos dos senhores de engenho eram os canaacuterios de briga enatildeo os cantadores ou de cor viva e plumagem bonita

O brasileiro das terras de accediluacutecar quase natildeo sabe os nomes das aacutervoresdas palmeiras das plantas nativas da regiatildeo em que vive ndash fato constatadopor tantos estrangeiros A cana separou-o da mata ateacute esse extremo deignoracircncia vergonhosa Na mata ele vecirc vagamente o peacute de aacutervore e agraves vezesquase desdenhosamente o peacute de pau Quase que soacute o caboclo odescendente de caboclo do iacutendio do nativo ou entatildeo do quilombola emmatas como a de Catucaacute ndash o negro fugido que se fez iacutentimo da natureza daregiatildeo ndash pode nos guiar pelos misteacuterios dos restos de floresta do Nordestedando-nos a conhecer pelo nome ndash o nome indiacutegena em grande nuacutemero decasos ndash cada aacutervore que nos chame a atenccedilatildeo o valor de cada peacute de paupara a medicina caseira para a serraria para os ninhos de aves

Foi certamente com caboclos ou negros curandeiros que se instruiacuteramsobre as raiacutezes ervas plantas do Nordeste aqueles portugueses que noseacuteculo XVIII puderam escrever para a metroacutepole cartas como esta ldquoEm 4de Marccedilo proximo passado tive a honra de remetter a V Exa um mapa dasraizes e hervas de que usam os moradores da comarca das Alagoas nocurativo das suas molestias e com que experimentam saudaveis effeitos asquaes raizes e hervas foram em um caixote e continuando a informar a VExa sobre o mesmo interessante objeto remetto a respeitaacutevel prezenccedila deVExa as raizes hervas cascas e frutos de que usam para o curativo dealgumas molestias feridas chagas ou mordeduras os indios e maishabitantes da capitania da Parahyba do Norte em tres caixotildees que levam asdivizas que as distinguem e o fazem conhecer pelos seus proprios nomesexceto as batatas que soacute reconheceratildeo pelos frutos de casca preta dos quaesvae uma boa porccedilatildeo no caixote numero 1 tudo entregue a Jacyntho

Gonsalves de Oliveira capitatildeo do navio Nossa Senhora Conceiccedilatildeo e S JoseacuteFlor do Mar e inclusa nesta vae um abcedario em que se declaram asapplicaccedilotildees de cada uma das mesmas raizes hervas cascas e frutos sobreos quaes poderaacute V Exa Mandar fazer as provas que julgar necessarias parase conhecer a utilidade que o reino pode tirar das plantas que haacute naquellacapitania Recife 8 de maio de 1788 Martinho de Mello e Castrordquo Carta quese encontra entre os manuscritos da correspondecircncia com a corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco (ano de 1788) conservados naBiblioteca do Estado de Pernambuco

Por ela se vecirc que dos homens portugueses de governo destacados noBrasil alguns preocuparam-se sensatamente com o assunto Mais talvez doque os jaacute brasileiros por vaacuterias geraccedilotildees de casa-grande

Nunca nos esqueceremos do dia em que entramos por uns restos dematas virgens do sul de Pernambuco com o seu dono nosso bom amigoPedro Paranhos senhor de Japaranduba Ele sabia quase tatildeo mal quantonoacutes menino de cidade os nomes das aacutervores da mata grande do seuengenho Entretanto eram suas conhecidas velhas desde o tempo demenino Mas simples conhecidas de vista Foi preciso que o caboclo nos fossedizendo isto eacute um peacute disso isto eacute um peacute daquilo isto daacute um leite que servepara ferida brava isto daacute um chaacute que serve para as febres

Essa distacircncia entre o colono branco e a mata entre o dono de terra e afloresta explica o nosso quase nenhum amor pela aacutervore ou pela planta daregiatildeo quando se trata de arborizar as ruas das cidades do litoral Explica aindiferenccedila com que deixamos que a arborizaccedilatildeo das cidades do Nordeste vaacutese estandardizando no fico benjamim e no eucalipto australiano

Ningueacutem diz que nos devemos fechar agraves novidades e aos brilhos daplanta exoacutetica Da acaacutecia de Honolulu por exemplo ou da vitoacuteria-reacutegia

Haacute muita aacutervore hoje nossa para todos os efeitos que nos veio de fora amangueira a jaqueira a fruta-patildeo Mas soacute pelo fato de natildeo se terdesenvolvido entre noacutes nenhum lirismo entre o homem e a mata se explicaa indiferenccedila tatildeo da gente do litoral do Nordeste pela aacutervore da terraDesprezada desse jeito a aacutervore da terra acabaraacute talvez vencida de todo pelaestranha ou pela simplesmente aclimada aqui nos antigos hortos del-rei Eessa vitoacuteria assim agrave grande com consequecircncias infelizes quase certas do

ponto de vista ecoloacutegicoOs estetas que em diferentes eacutepocas nos tecircm querido impor aos parques

ou agraves ruas numa generalizaccedilatildeo contra toda a harmonia da naturezaregional plantas de fora ndash o fico benjamim o cacto mexicano o eucaliptoaustraliano a acaacutecia de Honolulu ndash devem lembrar-se de uma coisa quenatildeo se brinca em vatildeo ou sem correr algum risco seacuterio com a vida vegetal deuma regiatildeo que esta afetada na sua interdependecircncia de relaccedilotildees porplanta estranha ou por animal intruso que se torne predominante podedesequilibrar-se a ponto de perturbar o proacuteprio homem na sua economia enas suas fontes mais puras de subsistecircncia Eacute liccedilatildeo dos ecologistas e natildeosimples grito de alarme dos socioacutelogos romacircnticos

Com relaccedilatildeo ao eucalipto o professor Konrad Guenther que eacute umfitopatologista notaacutevel jaacute escreveu alarmado com a sua propagaccedilatildeo noproacuteprio Nordeste ldquonesta aacutervore o paacutessaro brasileiro natildeo tem onde serefugiarrdquo24 Parece a lamentaccedilatildeo de um poeta e eacute a advertecircncia de um

cientistaSe o passarinho do Nordeste natildeo pode se refugiar no eucalipto nem

fazer o seu ninho nessa aacutervore magra e godera que suga tanto a terra e daacutetatildeo pouca sombra ao homem e tatildeo pouco abrigo ao animal a suadisseminaccedilatildeo em parques e ateacute em matas inteiras significa um perigo para avida natildeo soacute vegetal como animal e humana da regiatildeo Porque dessas avesque estatildeo sendo sacrificadas pelo triunfo cada vez maior do eucaliptodepende a sauacutede de muita planta uacutetil ao homem e agrave economia da regiatildeoque os paacutessaros defendem como nenhum agrocircnomo das lagartas e dosvermes daninhos O caso do anum ou do alma-de-gato por exemplo cujaaccedilatildeo profilaacutetica dificilmente se pode exagerar

Qual a vantagem do fico A de crescer depressa A do eucalipto A decrescer depressa e a de chupar a aacutegua dos pacircntanos saneando-os eacabando com o mosquito das aacuteguas paradas Mas os naturalistas nos dizemque haacute uma variedade de aacutervores nossas que crescem depressa e se prestammelhor que o fico e que o eucalipto agrave arborizaccedilatildeo das cidades Aacutervorescapazes de dar agraves ruas as melhores sombras do mundo sem arrebentar ascalccediladas com as suas raiacutezes escandalosas e intrusas

E quanto ao fato do eucalipto se prestar tatildeo gulosamente a nos secar os

pacircntanos ecologista nenhum se limita a ver aiacute a vantagem tatildeo exaltadapelos higienistas dos subuacuterbios e pelos burocratas das prefeituras daextinccedilatildeo dos mosquitos nos arrabaldes haacute que enxergar tambeacutemdesvantagens e ateacute perigos para a natureza da regiatildeo no seu todo Dessesaneamento do pacircntano pode resultar na verdade desequiliacutebrio profundosob o ponto de vista ecoloacutegico o eucalipto australiano viria concorrer com assuas raiacutezes tatildeo exageradamente gulosas de aacutegua para diminuir a proacutepriaumidade do nosso solo talvez relacionada com a maior doccedilura do clima

Os que se tecircm ocupado da fitogeografia do Nordeste estatildeo cansados dedestacar a importacircncia da vegetaccedilatildeo como garantia de condiccedilotildees deumidade Mas vegetaccedilatildeo adequada eacute claro e natildeo do tipo do eucaliptoaustraliano quase doentiamente especializado em sorver o melhor suco daterra

A propagaccedilatildeo de aacutervores desse tipo entre noacutes longe de vir resolver oproblema do reflorestamento da regiatildeo viria talvez comprometecirc-la aindamais na sua sauacutede econocircmica jaacute tatildeo maacute e nas suas condiccedilotildees de vida e deequiliacutebrio cada dia mais precaacuterias Pois natildeo nos esqueccedilamos da advertecircnciado agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho em estudo recente a de que as regiotildeesintertropicais como o nordeste do Brasil ldquoestatildeo muito mais sujeitas aodesgaste do solo que as temperadasrdquo25

Essas condiccedilotildees jaacute se acham comprometidas de modo mais profundopela devastaccedilatildeo das matas alarmante no mais industrializado PernambucoA ldquoZona da Matardquo no Nordeste eacute hoje uma sub-regiatildeo de restos de mata desobejos da coivara Sub-regiatildeo onde o canavial e o engenho se instalaram semoutra consideraccedilatildeo que a de espaccedilo para a sua forma brutal de explorar aterra virgem Sem nenhum cuidado pela parte agriacutecola dessa exploraccedilatildeoSimplesmente devastando-se a mata a fogo plantando-se a cana e soacute a canapela matildeo de negro indiferente e abandonando-se a terra aos primeiros sinaisde cansaccedilo O sistema agriacutecola da monocultura latifundiaacuteria e escravocratafoi aqui o quase militar da conquista de terras para fins imediatos de guerraou de campanha Natildeo se pensou nunca no tempo mas soacute no espaccedilo e noespaccedilo em termos de um soacute produto a explorar desbragadamente ndash oaccediluacutecar Exploraccedilatildeo com fins imediatos

A monocultura teve de ser latifundiaacuteria e escravocrata pelas suas

proacuteprias condiccedilotildees de sistemas de exploraccedilatildeo agriacutecola quase militar talveznecessaacuterio em terras como as do Brasil de 1500 teve de ser essa conquista agravegrande e pelo fogo de espaccedilos sempre novos e quanto possiacutevel virgens essaconquista militar e sem amor da natureza bruta antes da devastaccedilatildeo pelocolonizador portuguecircs apenas arranhada na sua virgindade pelos comeccedilosde lavoura do iacutendio

Dentro de tais condiccedilotildees natildeo era preciso que se desenvolvesse aqui afigura do lavrador bastava a do senhor de engenho gritando para o negro doalto da casa-grande ou de cima do cavalo bastava a do escravo cumprindoas ordens do senhor ou do feitor bastavam as matildeos e os peacutes do negrobastava o seu sexo capaz de larga procriaccedilatildeo Nem precisava que eletrouxesse uma alma capaz de se ligar agraves aacutervores aos paacutessaros e aos bichos

O escravo africano eacute que natildeo se deixou reduzir a matildeos e peacutes nem mesmoa sexo Ao mesmo tempo que ele vieram para aqui algumas das aacutervores eplantas da Aacutefrica mais queridas agrave sua alma e aos seus olhos E agraves vezes onegro amou e respeitou nas aacutervores nas plantas e nos bichos da terra paraele estranha as aacutervores as plantas e os animais parecidos aos do seu paiacutes deorigem Mas nada disso impediu que ele como escravo agriacutecola se tornasse oinstrumento do sistema bruto de exploraccedilatildeo agriacutecola que tornou possiacutevel araacutepida civilizaccedilatildeo do accediluacutecar do Nordeste Raacutepida poreacutem moacuterbida Emoacuterbida sobretudo nos seus prolongamentos atuais

Porque tal sistema militar de agricultura nos viria ateacute hoje Declinariacom o maior nuacutemero de engenhos ndash fenocircmeno da segunda metade doseacuteculo XIX ndash para se acentuar com o maior prestiacutegio das usinas na paisagemda regiatildeo ndash fenocircmeno dos uacuteltimos cinquenta anos Com a concentraccedilatildeo dapropriedade territorial no Nordeste em verdadeiros principados

Como salientou haacute pouco numa das paacuteginas mais inteligentes que jaacute seescreveram sobre o problema da devastaccedilatildeo das matas entre noacutes o professorda Escola Superior de Agricultura de Tapera D Bento Pickel ldquoo sistema delatifuacutendios que se estaacute apoderando das terras tem tendecircncia de unir asplantaccedilotildees derrubando-se para este fim as faixas de matas paralsquoemendarrsquo26 Emendar os canaviais

O sistema de latifuacutendio moderno eacute o da usina sua acircnsia a de ldquoemendarrdquoos campos de plantaccedilatildeo da cana uns com os outros formando um soacute

campo formando cada usina um impeacuterio seu espiacuterito aquele militar a quejaacute se fez referecircncia O espiacuterito do senhor latifuacutendiaacuterio que procura dominarimperialmente zonas maciccedilas espaccedilos continuados terras que nunca faltempara o sacrifiacutecio da terra das aacuteguas dos animais e das pessoas ao accediluacutecar

Accediluacutecar com A maiuacutesculo Accediluacutecar miacutestico Um accediluacutecar dono dos homens enatildeo ao serviccedilo da gente da regiatildeo Quando muito ao serviccedilo de uma minoriainsignificante Mas nem isto O usineiro eacute em geral ele proacuteprio umdeformado pelo impeacuterio do accediluacutecar

Philipp von Luetzelburg figura quase romacircntica de cientista alematildeo quedurante longos anos ligou sua vida ao estudo germanicamente minuciosodas plantas e das matas do Nordeste acredita que as matas de Pernambucocubram hoje 14 da aacuterea do Estado contra 34 da que cobriaprimitivamente27 Para o agrocircnomo Vasconcelos Sobrinho a aacuterea coberta

pelas matas eacute ainda mais reduzida mesmo incluindo os capoeirotildees natildeoatinge 10 da superfiacutecie total do Estado28 Eacute quase a saarizaccedilatildeo

Chega-se mesmo a esta previsatildeo melancoacutelica a continuar o resto damata de Pernambuco a fornecer lenha dormentes e madeira para o Estadointeiro e ateacute para alguns estados vizinhos ndash para as usinas as faacutebricas detecidos os engenhos a Great Western as padarias as cozinhas numvolume segundo caacutelculo oficial de aproximadamente dois milhotildees e meiode metros cuacutebicos por ano ndash dentro de poucos anos as uacuteltimas reservaspernambucanas de floresta estaratildeo desaparecidas de todo Soacute restaraacute oarvoredo mais magro e mais resistente Os ossos da mata

Entretanto haacute quatro seacuteculos o arvoredo do Nordeste era ldquotanto etamanho e tatildeo basto e de tantas prumagensrdquo que ldquonatildeo podia homem darcontardquo Surpresa dos europeus Espanto dos primeiros cronistas

O que Portugal retirou de madeira do Nordeste do Brasil ndash madeiragorda e de lei que a outra lhe dava ateacute repugnacircncia ndash para levantar oureparar seus conventos suas igrejas seus palaacutecios toda a sua arquiteturavolutuosa para construir seus barcos e seus navios forma um capiacutetulo dahistoacuteria da exploraccedilatildeo econocircmica do Brasil pela Metroacutepole na sua fase jaacuteparasitaacuteria que um dia precisa ser escrito com vagar e minuacutecia Quase natildeohaacute edifiacutecio nobre em Portugal que natildeo tenha um pedaccedilo de mata virgem doBrasil resistindo com uma dureza de ferro agrave decadecircncia que vem roendo a

velha civilizaccedilatildeo portuguesa de conventos e palaacutecios de rei Eacute o que se vecircatraveacutes de mais de um documento da Correspondecircncia da Corte doarquivo da antiga capitania de Pernambuco que se conserva na Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco a grande importaccedilatildeode madeira de lei do Nordeste pela metroacutepole Entre esses documentoscarta do marquecircs de Pombal de 6 de dezembro de 1775 exigindo que doBrasil soacute fosse para Portugal pau-brasil do melhor e ldquoem toros grossosrdquo nadade paus ldquomiuacutedosrdquo ou ldquobastardosrdquo29

Essa devastaccedilatildeo pelo machado se fez ao mesmo tempo que a do fogoembora em escala muito menor Natildeo se cuidou a seacuterio de replantio nem dereflorestamento soacute da exploraccedilatildeo das matas e da terra Soacute da plantaccedilatildeo dacana e do fabrico do accediluacutecar Fazia-se ouvido de mercador agraves ordens del-rei afavor das aacutervores

O brado do primeiro donataacuterio de Pernambuco contra a devastaccedilatildeo dasmatas ficou uma voz clamando num deserto cada vez maior Duarte Coelhoviu o drama que se iniciava sob os seus olhos de lavrador e ainda no seacuteculoXVI bradou contra o mal Contra a pirataria de madeira em vez dacolonizaccedilatildeo agraacuteria de que ele foi o grande patriarca

A cana se estendendo pelos claros abertos a fogo e a machado no matovirgem atenuou o mal da devastaccedilatildeo Porque em alguns desses claros desdeo primeiro seacuteculo de colonizaccedilatildeo se levantaram no Nordeste casas de pedra ecal igrejas coleacutegios de padres escolas onde se comeccedilou o estudo do latimcom os alunos ainda sentindo no rosto o calor das queimadas

A floresta tropical devastada pelo colonizador portuguecircs no interessequase exclusivo da monocultura da cana ou da metroacutepole faustosa era umobstaacuteculo enorme a ser vencido pela colonizaccedilatildeo agraacuteria do Nordeste Ocolonizador portuguecircs venceu tatildeo poderoso inimigo destruindo-o Ocolonizador negro natildeo venceu-o em parte adaptando-se agrave floresta emparte adaptando a floresta agraves suas necessidades de evadido da monoculturaescravocrata e latifundiaacuteria

Esse esforccedilo magniacutefico de adaptaccedilatildeo e ao mesmo tempo de domiacuteniosobre a natureza realizado aqui pelo negro ainda natildeo teve quem lhe fizesse aanaacutelise vagarosa e profunda Eacute um dos aspectos mais expressivos dacolonizaccedilatildeo africana deste trecho da Ameacuterica tropical O negro a princiacutepio

tatildeo medroso do tapuia e do mato grosso se assenhoreou depois de algumasdas florestas mais profundas do paiacutes e submeteu agraves suas tentativas rudes decolonizaccedilatildeo policultora realizadas quase dentro das florestas virgens ndash queeram uma proteccedilatildeo contra os capitatildees de mato a serviccedilo dos grandesmonocultores brancos ndash mulheres e ateacute populaccedilotildees indiacutegenas O maacuteximo deaproveitamento da vida nativa Inclusive das palmas das palmeiras paranumerosos fins a comeccedilar pela habitaccedilatildeo arte em que o negro tornou-se orival do indiacutegena a ponto do mucambo de palha ter se tornado tatildeo ecoloacutegicocomo qualquer palhoccedila indiacutegena Assunto ferido por noacutes em ensaiopublicado no Rio de Janeiro em 1937 Mucambos do nordeste e em vaacuteriasnotas preacutevias

O exemplo de Palmares jaacute se tornou claacutessico E eacute tatildeo conhecido que seriabanal recordaacute-lo ainda uma vez Mesmo porque natildeo eacute o uacutenico na histoacuteria doNordeste

Tambeacutem em Catucaacute matas de Pernambuco vizinhas de alguns dosengenhos mais antigos da capitania um grupo afoito de quilombolas seestabeleceu na floresta e se assenhoreou dela com uma capacidade deadaptaccedilatildeo ao meio e de domiacutenio sobre a vida vegetal e animal da regiatildeo quesurpreende em simples evadidos de engenhos de accediluacutecar e sem grandesrecursos teacutecnicos para aventura tatildeo arriscada Catucaacute surge diante de noacutesquase como uma afirmaccedilatildeo da capacidade do negro para se adaptarrapidamente aos troacutepicos americanos e agraves sombras de suas florestas maisprofundas em contraste com a incapacidade dos noacuterdicos Porque nessasmesmas matas de Catucaacute lembraram-se de ir estabelecer-se em colocircnia agraveparte da civilizaccedilatildeo monocultora fundada pelos portugueses algumasfamiacutelias alematildes Famiacutelias arrojadas que entretanto em poucos anos sedegradaram em simples fabricantes de carvatildeo entrando em conflito com osnegros da floresta pernambucana e alguns ateacute perecendo em luta com ospretos quilombolas que os alematildees pretenderam expulsar de matas tatildeodominadas por eles30

Na Bahia Durval Vieira de Aguiar escrevendo nos uacuteltimos dias damonarquia e referindo-se agraves matas de Oroboacute salientou a dificuldade dacolonizaccedilatildeo europeia nos trechos de vegetaccedilatildeo mais tropical do Nordeste oeuropeu soacute se dispunha a vir para aiacute conservando com auxiacutelio do governo

sua alimentaccedilatildeo especial e com ferramentas pastores meacutedicos boticaacuteriosescolas igrejas que o mesmo governo mandasse vir da Europa ou levantassepara proveito deles depois de derrubadas e roccediladas as matas naturalmentepelos escravos negros Por isto as matas menos afastadas e de terreno melhorpareciam-lhe dever pertencer aos nacionais ndash que seriam em sua maioria osnegros e os negroides Estes nacionais se natildeo trabalhavam eacute porque natildeotinham onde ldquoporque as terras de lavoura que possuiacuteam ou satildeo as grandes edistantes matas do Estado ou os terrenos monopolizados como verdadeirosfeudos onde o despotismo com a escravatura e os costumes dissoconsequentes estabeleceratildeo praxes e arbiacutetrios a que um homem livre natildeopode nem deve se sujeitar sem uma plena garantia de seu futuro de suapropriedade de seus haveres tudo ainda agrave mercecirc do capricho doproprietaacuteriordquo31 Por outro lado sem o sistema latifundiaacuterio e escravocrata

teria sido talvez impossiacutevel a fundaccedilatildeo de lavoura agrave europeia nos troacutepicostatildeo cheios de matas e o desenvolvimento aqui de uma civilizaccedilatildeo a que natildeofaltariam as qualidades e as virtudes das civilizaccedilotildees aristocraacuteticas ao ladodas perversotildees sociais e dos defeitos econocircmicos e poliacuteticos

Por baixo dessa civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e volutuosa de seda de rubis deazulejo de latim de versos de cama de jacarandaacute de cadeira de balanccedilo demulher bonita de cavalo de raccedila de licor de caju de doce fino deixou-sesecar tanta fonte de vida que era natural que a exploraccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar fosse o que foi neste trecho do Brasil uma fase em certo sentidocriadora e sob vaacuterios aspectos brilhantiacutessima mas tatildeo separada de certoselementos da natureza regional e tatildeo artificial em algumas de suas condiccedilotildeesde vida que apodreceu ainda verde sem amadurecer direito

O Maranhatildeo com seus sobrados grandes se esfarelando de podres e seusgrandes homens discutindo gramaacutetica haacute quase um seacuteculo eacute uma ruiacutena dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar Pernambuco comeccedila a ser outra Serinhaeacutem e RioFormoso parecem terras por onde passou um inimigo brutal e natildeo onde seprocessou uma colonizaccedilatildeo regular pela agricultura

A Paraiacuteba Alagoas o Rio Grande do Norte Sergipe menos oprimidospelo que jaacute se chamou de ldquopassado aristocraacuteticordquo ndash tatildeo intenso e brilhanteem Pernambuco e no Recocircncavo da Bahia de senhores menos parecidoscom os da capital baiana do que com os de Pernambuco ndash reagem com maior

vantagem contra a decadecircncia a que a monocultura latifundiaacuteria eescravocrata do accediluacutecar reduziu tatildeo grande parte do Nordeste depois de lheter dado ldquoa grandezardquo que um homem profundamente do Sul o professorCoelho de Sousa ainda haacute pouco sentiu animar ainda no Maranhatildeo ldquoa igrejada Seacute onde pregou Vieirardquo e ldquoos sobrados de mirante telhado de beiralsacada rendilhada frente de azulejo azulejos cor-de-rosa e floridosverdadeiras joiasrdquo32

24 Konrad Guenther A naturalist in Brazil (trad) Londres 193125 Vasconcelos Sobrinho As regiotildees naturais de Pernambuco cit26 D Bento Pickel ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria daAgricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III nordm 3 193427 Philipp von Luetzelburg ocupa-se do problema da devastaccedilatildeo das matasdo Nordeste em trabalho notaacutevel em trecircs volumes Estudo botacircnico doNordeste (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas) Rio de Janeiro1922-192328 Vasconcelos Sobrinho ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo separatade Fronteiras Recife 1936 Sobre o assunto vejam-se tambeacutem A TSampaio Fitogeografia do Brasil S Paulo 1934 e os discursos dodeputado Renato Barbosa nas sessotildees de 5 a 26 de novembro de 1936 daCacircmara Federal Tambeacutem o capiacutetulo ldquoO problema da degradaccedilatildeo danatureza do Nordesterdquo no recente ensaio do professor Vasconcelos SobrinhoAs regiotildees naturais de Pernambuco cit29 Em carta de 30 de agosto o marquecircs de Pombal exigia que do Nordestedo Brasil remetessem para Portugal pau-brasil de ldquoqualidaderdquo e ldquode Leyrdquo emldquotoros grossos como antigamente vinha para ter a devida substancia sendotodo legiacutetimo para tintas vermelhas e para que esta ordem tenha o seudevido effeito fique V Sa encarregado de fazer visitar por pessoasintelligentes todo o Paacuteo que se recolher nesses armazens e achando-sealgum que natildeo seja legitimo e de boa ou ao menos regular qualidade o faccedilalogo separar e queimar publicamente para que natildeo succeda carregar-sealgum para esta cidade nem para alguma outra parte natildeo se pagando adespesa do Coacuterte da conducccedilatildeo se natildeo do que for bom e capaz de secarregar tendo ao mesmo tempo particular cuidado e toda a vigilancia emque natildeo possa haver extravio por minimo que seja no dito genero Deosguarde a V Sa Lisbocirca 30 de Agosto de 1775 Marquez de Pombalrdquo(Manuscrito da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775) E em carta de 6 de dezembro do mesmo ano insistia

ldquoPela minha antecedente de 30 de Agosto proximo passado fis sciente aV Sa que El Rey meu Senhor fora servido prorogar o contracto do consumode Paacuteo Brasil por outros nove annos aos mesmos contractadores DavidPurry e Gerardo Devisme para principiar em primeiro de Janeiro proximofuturo de 1776 com obrigaccedilatildeo de extrahirem vinte mil quintaes do ditogenero em cada anno Encommendei a V Sa de continuar a promover oscompetentes coacutertes e regular as remessas de que estaacute encarregada essaDirecccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Parayba em termos queaqui natildeo falte annualmente a dita quantidade de Paacuteo e com a advertecircnciade que natildeo se coacuterte nem se carregue algum que natildeo seja de Ley de boaqualidade e em toacuteros grossos e que todo seja legitimo para tintas vermelhase natildeo falsificado para cujo effeito se deveratildeo faser os necessarios exames eescolhas nesses armasens afim de se separar e queimar todo o que natildeo forlegitimo e de boa qualidade e natildeo se pagando a despesa do coacuterte se natildeo doque focircr bom capas de carregar na referida forma e recommendando-lheultimamente a evitar todo e qualquer extravio ou descaminho do referidogenero agora devo accrescentar que em coordenaccedilatildeo de outrasrepresentaccedilotildees dos sobreditos contractores alem do referido contracto emque muito interessa a fasenda Real heacute o mesmo Senhor Servido Ordenarnovamente que na referida inspecccedilatildeo que tenho encarregado a V Sa sobreo coacuterte recolhimento remessas e extravios do Paacuteo Brasil haja de observar efazer observar as mais advertencias que se seguem

1ordm) ndash Que todos os toros que se carregar sejam bons de receber sem quehaja algum de Ramos secos ou de troncos carunchosos nem de Paacuteo Brancoou falso

2ordm) ndash Que natildeo exceda cada hum dos toacuteros de seis palmos sendo todoslimpos e despidos de toda a sua casca e todos marcados distinctamente coma marca R de fogo em ambas as extremidades

3ordm) ndash Que se cuide muito em precaver que natildeo se molhe o dito Paacuteocomo algumas veses tem succedido ou com chuva ou com a mareacute quando oapanha nas prayas depois de tirado das embarcaccedilotildees pequenas quecondusem por pouco cuidado de o recolher Logo nos armasens natildeo seatendendo o que agora lhe tira toda a substancia

4ordm) ndash Que se carregue o Paacuteo dividido com proporccedilatildeo pelos navios queno decurso do anno houverem de o condusir a Lisboa para evitar oinconveniente e grande prejuiso que poderia seguir-se a este contracto sehuma porccedilatildeo grande carregada em hum navio viesse acahir toda junta em

navios de inimigos ou Piratas5ordm) ndash Que a entrega do Paacuteo aos capitatildeos ou mestres dos navios que o

condusirem para Lisboa se faccedila com toda a cautela a exactidatildeo assim naquantidade dos toacuteros como no prazo para que eles natildeo possam faser ocontrabando que se tem verificado em alguns anos passados para que natildeose achem a cada passo differenccedilas de mais e de menos nas entregas quefasem na casa da India

6ordm) ndash Que se tomem todas as cautelas e haja todo o cuidado em todosos portos dessa Capitania para impedir qualquer exportaccedilatildeo do dito Paacuteo porcontrabandos ou extravios seja por navio estrangeiro ou portuguez ou dequalquer outro modo que possa acontecer fasendo-se castigarrigorosamente qualquer delicto a este respeito com as penas da Ley

E para que todas estas providencias tenham em todo a devidaobservancia heacute outro sim Servido o mesmo Senhor que V Sa as faccedila registarna secretaria desse governo e que annualmente se me decirc conta de tudo oque occorrer emcontrario Lisbocirca 6 de Dezembro de 1775 Marquez dePombalrdquo (Manuscritos da Correspondecircncia da Corte Arquivo da antigacapitania de Pernambuco 1775)30 Nos livros de Correspondecircncias dos Cocircnsules conservados em manuscritona Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambucoencontram-se vaacuterias referecircncias ao estabelecimento da colocircnia de europeusdo Norte em Catucaacute Essa colocircnia de europeus do Norte em matas quasevirgens do Nordeste foi uma das primeiras tentativas de colonizaccedilatildeo alematildedo Brasil O ponto escolhido ldquoo lugar da Cova da Onccedila vulgarmentechamado Catucaacute sete leguas desta cidade [Recife] no centro de Matasfeixadas que ateacute agora eratildeo occupadas por negros fugidos que ali viveratildeoreunidos em formidaveis Quilombosrdquo informa o presidente da proviacutenciaTomaacutes Xavier Garcia de Almeida em ofiacutecio de 14 de dezembro de 1829dirigido a Joseacute Clemente Pereira (manuscrito na Biblioteca Puacuteblica doEstado) O mesmo ofiacutecio esclarece a origem da colocircnia que em aviso de 28de setembro (1829) S M o Imperador fora servido determinar que opresidente ldquofizesse estabelecer como colonos no logar que julgasse maisconveniente os individuos que vieratildeo ter a esta Provincia vindos deAmsterdam no Brigue Hollandez ndash Activo ndash dando-lhes pequenas datas deterras que possatildeo cultivar mandando-lhes levantar cazas para serecolherem e assistindo-lhes por espaccedilo de hum anno com o Subsidio diariode 160 pordf as pessocircas grandes e 120 pordf as de menor idaderdquo Eram os colonos103 entre homens mulheres e crianccedilas E ldquocomo tenhatildeo pretendido serigualmente admitidos agrave classe de Colonos alguns soldados Alematildes do

Batalhatildeo 2o do Granadeiros aqui destacado que obtiveratildeo escusas p haverpreenchido o tempo do seu engajamentordquo o presidente consultou a respeitoo presidente parecendo que tambeacutem estes se estabeleceram em Cova daOnccedila ou Catucaacute Quanto aos outros segundo carta do encarregado doconsulado dos Paiacuteses-Baixos Jacob Lefolle dirigida ao presidente daproviacutencia em data de 13 de setembro de 1828 eram prussianos ldquona maiorparte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a ser colonos noBrasilrdquo A colocircnia de Cova da Onccedila natildeo prosperou Em ofiacutecio de 13 deoutubro de 1830 informava o entatildeo presidente da proviacutencia Joaquim JoseacutePinheiro de Vasconcelos que a colocircnia se achava com noventa e seisindiviacuteduos vivendo de plantaccedilotildees de mandioca e feijatildeo cultivando frutas emorando natildeo jaacute em casas de palha mas de telha Mas o cientista inglecircsGardner que aqui esteve em 1835 visitou Cova da Onccedila surpreendendosinais de decadecircncia ndash a maior parte dos homens entregues simplesmenteao fabrico de carvatildeo Deve-se notar que vaacuterios dos colonos alematildees quevieram para Pernambuco em 1828 dissolveram-se aqui casando comfamiacutelias antigas da regiatildeo

Da Correspondecircncia dos Cocircnsules eacute o seguinte documento de interessesobre a colonizaccedilatildeo de Catucaacute por prussianos

ldquoAchando-se no porto do Assuacute um Brigue Hollandez que se destinava aoRio de Janeiro com pouco mais ou menos cento e quarenta Prussianos namaior parte artistas e agricultores que se propuzeratildeo livremente a sercolonos no Brasil e podendo talvez ser de grande utilidade pa estaprovincia que nrsquoella se estabeleccedilatildeo aquelles individuos tenho a honra drsquoopropor a VExa estando informado pelo Capm do dordm Brigue que elles natildeoteratildeo duacutevida drsquoacceitar este convite da parte de VExa uma vez que lhesproporcione meios para darem princcipios a seus estabelecimentos comohomens livres

Se esta proposiccedilatildeo for do agrado de VExa terei o prazer de contribuirquanto mi for possiacutevel para se concluir este tracto que considero favoravelpa esta Provincia da qual sinceramente desejo todos os augimentos eprosperidades como a hum pays que tatildeo benignamente me tem acolhido

Deos Guarde VExa

Consulado dos Paizes Baixos em Pernambuco 13 de Setembro de 1828Illmordm e Exmordm Senr Francisco de Paula Cavalcante drsquoAlbuquerqueVice Presidente da Provincia de PernambucoEncarregado do Consulado dos Paizes Baixos

Jacob Lefollerdquo

31 Durval Vieira de Aguiar op cit32 ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto alegre 18 de abril de 1950

4 ndash A CANA E OS ANIMAIS

A cultura da cana no Nordeste aristocratizou o branco em senhor edegradou o iacutendio e principalmente o negro primeiro em escravo depois empaacuteria Aristocratizou a casa de pedra e cal em casa-grande e degradou achoccedila de palha em mucambo Valorizou o canavial e tornou despreziacutevel amata

Nesse sistema de relaccedilotildees que dividiu os homens e as suas habitaccedilotildees e aproacutepria paisagem em metades tatildeo diferentes e ateacute antagocircnicas pode-sedizer para efeito de generalizaccedilatildeo que o cavalo ficou no primeiro e o boi nosegundo grupo E estes foram os dois grandes animais da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar no Nordeste do Brasil

Essa civilizaccedilatildeo tornou-se desde os primeiros tempos acentuadamentecavalheiresca Sem o cavalo a figura do senhor de engenho do Nordesteteria ficado incompleta na sua dignidade de dono de terras tatildeo vastas e nasua miacutestica de fidalgo de casas-grandes tatildeo isoladas Incompleta nos seusmovimentos de mando nos seus gestos de galanteria nos seus rompantesguerreiros

Natildeo se alterou antes se acentuou no cavalo importado para osengenhos do Nordeste a sua qualidade de animal por excelecircnciaaristocraacutetico e ateacute autocraacutetico Seu trote o ruiacutedo imperial de suas patas setem feito ouvir atraveacutes da nossa histoacuteria social com a majestade do proacuteprio

ritmo da ordem da autoridade do domiacutenio Os dominadores da terra quasenatildeo tem ganho nenhuma vitoacuteria sobre os revoltados sobre os insubmissossobre os mal satisfeitos ndash gente quase sempre de peacute sem terra e sem cavalondash que natildeo tenha sido uma vitoacuteria de homens majestosamente a cavalo Soacute ocavalo do gauacutecho do Rio Grande do Sul ou o de certo tipo de sertanejo ou dematuto escapa a essa caracterizaccedilatildeo do cavalo brasileiro como o animal maisque qualquer outro a serviccedilo do domiacutenio dos defensores da Ordem sobre amassa

Essa funccedilatildeo o cavalo do senhor de engenho desempenhou-amagnificamente O senhor de engenho do Nordeste foi quase uma figura decentauro metade homem metade cavalo E esse centauro um ldquodefensor daOrdemrdquo embora para defendecirc-la a seu modo agraves vezes desobedecesse ao reiou se revoltasse contra ele

Impossiacutevel imaginaacute-lo ndash a esse centauro ndash fora de rede patriarcal semser o homem a cavalo chapeacuteu grande botas pretas esporas de pratarebenque na matildeo a quem a gente dos mucambos tomava a benccedilatildeo como aum rei Do alto do cavalo eacute que esse verdadeiro rei-nosso-senhor via oscanaviais que natildeo enxergava do alto da casa-grande do alto do cavalo eacute queele falava gritando como do alto da casa-grande aos escravos aostrabalhadores aos moleques do eito O cavalo dava ao aristocrata do accediluacutecarquando em movimento ou em accedilatildeo quase a mesma altura que lhe dava oalto da casa-grande nas horas de descanso

Para tal efeito devia ser majestoso no porte e belo nas formas o cavalo dosenhor O mais possiacutevel dentre os cavalos de origem aacuterabe que no Nordesteforam diminuindo de tamanho

E devia ser pampa malhado de branco ou castanho ldquoandrinhordquocastanho verdadeiro castanho-amarelo barriga de veado alazatildeo ruccedilo-pombo ruccedilo verdadeiro melado-raposo ldquorudadordquo ldquorudado apatacadordquoargel (peacute direito branco) Isso eacute que era cavalo de senhor de engenho Masde preferecircncia que fosse branco da ldquomatildeo direitardquo e do ldquopeacute esquerdordquo ldquomatildeode lanccedilardquo e ldquopeacute de cavalgarrdquo Os ldquogalvotildeesrdquo isto eacute os especialistas em conhecercavalo pela pinta ou pela cor advertiam os compradores contra cavalo argelpodia trazer desgraccedila para o dono contra o cavalo ldquocaceterdquo isto eacute sem sinalno membro cavalo que via alma de noite contra o cavalo gaacutezeo-sararaacute Bom

era o alazatildeo Oacutetimo para correr o cardatildeo-pedrecircs Bom e bonito o meladocaxito

Outras especializaccedilotildees de animal aristocraacutetico foram lhe dando o bomtrato na estrebarias das casas-grandes o banho de rio a matildeo do moleque quelhe esfregava o pelo ateacute ficar brilhando a alimentaccedilatildeo farta e boa que oarredondava em animal volutuoso ancas quase de mulher O cavalo dosenhor de engenho se diferenciava por todos esses carinhos de tratamentode qualquer outro ndash do de cangalha do de matuto do de sertanejo Cavalosangulosos e ossudos Tambeacutem se salientava de qualquer outro animal criadoagrave sombra do mesmo engenho mas sem as mesmas regalias A natildeo ser umoutro carneirinho mocho de menino ou um ou outro gato de iaiaacute solteironacriado no colo

Exigiam-se do cavalo do senhor de engenho certas qualidades militaresDevia andar de baixo meio esquipado misturado Saltar valado Atravessarcom elegacircncia riacho Saber sair E fosse bom o cavaleiro saber chegar

Era entatildeo o cavalo ortodoxo do senhor de engenho o que ele cobria deprata quando saiacutea em visita aos parentes ou a passeio pelos engenhosvizinhos o escudeiro ou pajem de lado num cavalo menos senhoril

Mas natildeo foi soacute o cavalo de sela o mimado com tanto exagero peloshomens das casas-grandes do Nordeste tambeacutem o cavalo de carro teve seusregalos O cabrioleacute de engenho tornou-se uma das notas mais caracteriacutesticasda paisagem rural do Nordeste no seacuteculo XIX

Antes quase que era soacute a rede que a gente mais comodista viajava de umengenho a outro a rede ou a liteira Pelo barro vermelho soacute rodavam carrosde boi As grandes rodas de madeira chiando como umas desadoradas eramas uacutenicas que se aventuravam pelo massapecirc pela lama pelos catabis doscaminhos quase impossiacuteveis a outro tracircnsito que natildeo fosse o do negro o doburro e o da besta de carga ndash o proletariado do transporte de aacutegua deaccediluacutecar de mantimentos no Nordeste do Brasil

Com a maior influecircncia inglesa e francesa sobre a vida da regiatildeo ndashinfluecircncia que se acentuou tanto na administraccedilatildeo do baratildeo de Boa Vista emPernambuco ndash o Recife se encheu de traquitanas de seges de cabrioleacutes demeacutedico de todos os estilos novos de carruagem Antes quase que soacute o bispo eo governador rodavam de carro

O palanquim ndash que na cidade de Salvador ia ter ainda quase meio seacuteculode vida ndash na capital do extremo Nordeste cidade plana prestando-semelhor que as ladeirosas ao rodar nem sempre macio das carruagensdesapareceu quase de repente depois da Independecircncia Tornou-se umarcaiacutesmo colonial

Essa vitoacuteria raacutepida do veiacuteculo inglecircs ou francecircs natildeo se limitou ao Recife eaos seus subuacuterbios estendeu-se agraves terras de senhores de engenho mais ricose mais em contato com as atualidades inglesas e francesas Tornou-se umluxo ndash porque natildeo era de modo nenhum uma necessidade ndash andar emcarros ligeiros E com esse gosto de ligeireza afirmou-se nova superioridadedo cavalo sobre o boi como animal de carro da famiacutelia patriarcal

Nos engenhos tornou-se luxo dos senhores brancos bolearem elesproacuteprios os seus carros Agraves vezes em disparada como carros de triunfadoresesquecidos de que eram mortais Era outra forma de ostentaccedilatildeo de domiacuteniona qual o cavalo completava magnificamente a figura do senhor de reacutedeasna matildeo guiando governando chicoteando levantando poeira espantandoos moleques e os animais Alguns senhores de engenho gabavam-se de saberpassar com a roda direita ou esquerda do carro por cima de quantas moedasde vinteacutem atirassem no chatildeo Cavalo e roda de carro os obedeciam com amesma docilidade das mulheres e dos escravos

O carro de cavalo do senhor de engenho sobretudo quando boleado pelodono tornou-se na paisagem do Nordeste uma nota imperial um elementovivo de domiacutenio do homem rico sobre a massa sobre a distacircncia sobre anatureza e natildeo apenas uma marca de decoraccedilatildeo social em que rivalizassemas casas-grandes umas com as outras

Como nas cidades com relaccedilatildeo agraves ruas o carro de cavalo influiu nosengenhos sobre os caminhos submetendo a natureza ao maior domiacutenio dohomem Ainda hoje se encontram caminhos de engenhos empedrados parao rodar mais faacutecil das carruagens do barotildees tempo de chuva quando omassapecirc tornava-se em tantos trechos uma papa de terra Papa de terraonde as patas dos cavalos e a rodas dos carros soacute faltavam se sumir como emareia gulosa

Koster que tanto viajou por esses caminhos quando as carruagens aindaeram raras ateacute no Recife e o transporte dos senhores dos vigaacuterios dos frades

e das iaiaacutes de rede de palanquim de cavalo de burro de carro de boinotou o horriacutevel das comunicaccedilotildees no Nordeste Desde Alagoas aoMaranhatildeo33 No Recocircncavo escrevia em 1821 o desembargador Joatildeo

Rodrigues de Brito que era um pavor As estradas da vizinhanccedila mesmo dacidade eram impraticaacuteveis para os carros ldquofazendo-se por isso os transportesaacutes costas de escravos muito mais dispendiosamenterdquo Duro fisiocrata notavao desembargador a respeito das estradas iacutengremes por onde natildeo podia rodarcarro ldquoBastaria a despeza que se gasta em uma procissatildeo para fazerdesapparecer todas essas ladeirasrdquo34 Ladeiras e atoleiros onde em tempo de

chuva pereciam muitos bois e cavalosMas eacute a Charles B Mansfield que devemos as observaccedilotildees mais

minuciosas sobre os caminhos do Nordeste antes da viaccedilatildeo feacuterrea vir alterar osistema de comunicaccedilotildees por terra entre os engenhos e as cidades do litoralNotou Mansfield que ldquoexceto as estradas reais em certas direccedilotildeesrdquo as ldquocoisasdenominadas caminhos pelos quais os produtos satildeo exportados dosengenhos satildeo absolutamente intransitaacuteveis para os veiacuteculos de rodasrdquo35 De

modo que quase todo o accediluacutecar vinha ou em barcaccedilas pelos rios e pelo marou nas costas dos cavalos e dos burros No recocircncavo nas costas dos negros

Os caminhos eram apenas o suficiente para o traacutefico e este mesmopenoso dos pobres cavalos e burros ou dos carregadores a peacute Negros ecavalos dos senhores de engenho burros e bestas de matutos ou tropeirosEstes faziam a viagem de pernas cruzadas sobre um dos animais da tropana volta o animal jaacute descarregado eacute que o matuto se escanchava nele masse utilizando de uma simples corda em vez de estribo

ldquoEm alguns lugaresrdquo ndash observou Mansfield em suas excursotildees pela zonada cana-de-accediluacutecar do Nordeste ndash ldquoa lama nos sulcos eacute tatildeo espessa que apata do cavalo ao tempo de ser tirada do lamaccedilal faz pela succcedilatildeo um fit-top quase o mesmo que uma peccedila de artilhariardquo Alguns cavalos resvalavamnos buracos mais fundos quebrando a perna rachando o casco morrendoMansfield observou os rodeios de certos cavalos sua cautela em escolher ocaminho para se furtarem aos lugares suspeitos Era divertido vecirc-los nessesrodeios de gatos mas devia ser tambeacutem doloroso

Os arquivos dos senhores de engenho antigos estatildeo cheios de cartas epapeacuteis sobre cavalos e carros de cavalo as gazetas coloniais e do tempo do

Impeacuterio cheias de anuacutencios de cavalos e carros Cartas comerciais eanuacutencios de venda e troca de cavalos descritos com a mesma minuacutecia agravesvezes com as mesmas palavras com que se descreviam os negros

Em 1837 Manuel de Arauacutejo Lima escreve do engenho Antas em papelcom coroa jaacute cheio de pretensotildees a lorde uma carta a Manuel Tomeacute de

Jesus do engenho Noruega ndash o ldquocapam Moacuter Manoel Thomeacute de Jezusrdquo seuldquomui Bom Amordmrdquo do seu ldquocordeal affectordquo ndash toda sobre cavalos Sobre umcavalo castanho muito bonito peacute e matildeo esquerdos calccedilados Sobre um poltroldquofazendo ou igualando a ultima mudardquo Um poltro que era um encantoldquocastanho quatro peacutes calccedilados uma estrella na testa uma malhasinha nobuccedilo de cimardquo36

E o proacuteprio bispo de Pernambuco D Joatildeo da Purificaccedilatildeo correspondia-se do Palaacutecio da Soledade com o capitatildeo-mor do antigo Engenho dos Bois

sobre cavalos de carro Em 1o de maio de 1840 dirigia-se o bispo ao senhor deengenho em larga folha azulada de papel de carta inglecircs ldquoRemetto a V Sdois cavallos para q com mais vagar faccedila o favor de me arranjar humaparelha de quartaos russos por troca com a q vai ainda que haja excesso nopreccedilo q satisfarei com aviso de V S e tenha paciencia com os meosincommodos pois q natildeo sei o q heide fazer pordf estabelecer o arranjo dacarruagem Desejo 2 quartaos possantes novos e russos pordf emparelhar comos 2 q caacute tenhordquo37

Nos anuacutencios de jornal os cavalos soacute faltam pisar os pobres negrosfugidos os proacuteprios moleques agrave venda Assim um cavalo alazatildeo que salta quenem cavalo de priacutencipe de um anuacutencio do Diaacuterio de Pernambuco de 1836ldquoclinas brancas muito novo por estar ainda a igualar bastante carnudordquo eldquoexento de todos os achaques carregador baixo de redeas soltas com bonitafigura e bocirca redeardquo Ou o ldquocavallo alasatildeo rosilho muito bom paceiro eesquipador bonita figurardquo que salta de outro anuacutencio Ou a ldquoparelha demuito bons cavallos de carro e em bocircas carnesrdquo que se anunciava paravender numa casa da Rua do Rosaacuterio no Recife Ou ainda o ldquocavallomelado caxitordquo com bom passo picado ldquoda estribaria do snr Sauerrdquo Ou oldquocavallinho castanho muito manccedilo proprio para meninordquo que aparecenoutro anuacutencio

Mas aparecem cavalos fugidos com suas marcas de doenccedilas seus sinais

de maus tratos seu ar tristonho de cavalos de pobre Confundem-se agraves vezescom os negros doentes com os moleques maltratados Tal certo ldquorussopedrez pequeno carregador com clinas cahidas e a cauda compridardquo ldquoDuassicatrizes uma bem visivel na banda esquerda junto ao rabo e a outra juntoao queixo do lado direito Ou outro ruccedilo esse rudado descarnando crinastambeacutem caiacutedas ldquoraxadura em um dos cascos dos peacutesrdquo38 de tanto andar a

trabalhar para senhor pobreNem todos os cavalos nas cidades nos engenhos e sobretudo nas

engenhocas de senhores pobres ndash com poucos escravos e poucos animais ndashtiveram os bons tratos e os regalos que tornaram ceacutelebres as estrebarias decertos engenhos grandes onde os cavalos faziam inveja aos negros dassenzalas aos brancos e caboclos dos mucambos Os cavalos de Sebastiatildeo doRosaacuterio um dos Wanderleys mais opulentos de Serinhaeacutem e Rio Formoso soacutefaltavam estourar de gordos Os senhores de engenho gostavam de cavalosque fossem como as mulheres gordos e bonitos O cavalo e a mulher estavamquase no mesmo plano para o senhor de engenho do Nordeste como para ohomem senhoril de outras regiotildees Eacute o que nos ensina o folclore da regiatildeoneste talvez contaminado pelo da regiatildeo gauacutecha

Sou velho tive bom gostoMorro quando Deus quiserA maior pena que eu levoCavalo bom e mulher

O senhor de engenho tinha tanto horror e oacutedio ao ladratildeo de cavalo comoao ladratildeo de negro Sinhozinho (Sousa Leatildeo) do Almeccedilaga chegava a sercruel com os ladrotildees de cavalo Ainda hoje dificilmente se pode humilhar demodo mais cru a um homem no Nordeste do que chamando-o ladratildeo decavalo Entretanto havia afoitos que se aventuravam a roubar cavalos ateacute dedesembargadores presidentes da Relaccedilatildeo Uma noite furtaram do siacutetio doHospiacutecio no Recife pelo portatildeo do corredor do bispo arrombando-se afechadura do mesmo portatildeo ldquoum cavalo alasatildeo capado bem reforccedilado eespadaudo da sege do dezembargador Presidente da Relaccedilatildeordquo39 Um

anuacutencio de jornal exprime a maacutegoa do desembargador e a sua esperanccedila de

achar o cavalo tatildeo afoitamente roubado de sua casa Cavalo de estimaccedilatildeobem tratado bem lavado bem alimentado

Na alimentaccedilatildeo do cavalo do Nordeste accedilucareiro ndash na do cavalo de luxocomo na do cavalo de cangalha ndash tornou-se claacutessica a raccedilatildeo maior ou menorde melaccedilo ou de mel-de-furo Essa ligaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar com o cavalodo senhor de engenho e mesmo com o do matuto merece todo o destaqueTalvez se expliquem por ela natildeo completamente eacute claro mas em partecertos caracteriacutesticos que se desenvolveram no cavalo desta sub-regiatildeo doNordeste

Se o cavalo de Kentucky eacute hoje um animal que os entendidosdistinguem quase agrave primeira vista dos cavalos de outras regiotildees americanas edo cavalo inglecircs seu avocirc o mesmo parece que eacute possiacutevel fazer-se com ocavalo de engenho do Nordeste do Brasil Cavalo pequeno agraves vezes ateacutenanico sobretudo se o colocarmos junto de um cavalo normando ele seapresenta entretanto com qualidades nada vulgares de resistecircncia E comarredondados de forma bem caracteriacutesticos que o ideal de cavalo ldquogordo ebonitordquo consagrou como o tipo do cavalo bom

Artur Orlando pretende que o cavalo de Pernambuco tenha ldquoganho emforccedila e vigor o que perdeu em corpulecircncia e estampardquo40 e lembra que se

tem procurado explicar o fato pela origem aacuterabe geralmente atribuiacuteda aoanimal Mas a causa de maior importacircncia na diferenciaccedilatildeo de qualidadesdo cavalo de engenho do Nordeste parece ter atinado com ela o velhoensaiacutesta a predominacircncia da raccedilatildeo de melaccedilo na dieta do animal

A verdade entretanto eacute que aqui como em outras aacutereas da Ameacuterica decolonizaccedilatildeo agraacuteria o cavalo de que o agricultor fez sempre o seu animal demaior estimaccedilatildeo a expressatildeo mais viva de sua autoridade do seu domiacutenioquase militar sobre as terras e os moradores tratando-o o senhor de engenhobrasileiro como a nenhum outro animal preocupando-se com a suaalimentaccedilatildeo e com a sua higiene com a sua raccedilatildeo de mel-de-furo e com oseu banho de rio natildeo foi o animal mais uacutetil agrave lavoura ao sistema econocircmicobaseado sobre a monocultura latifundiaacuteria e escravocrata O aliado fiel doescravo africano no trabalho agriacutecola na rotina da lavoura de cana naproacutepria induacutestria do accediluacutecar foi o boi e esses dois ndash o negro e o boi ndash eacute queformaram o alicerce vivo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar

Em 1833 Joseacute Silvestre Rebelo na sua Memoria sobre a cultura dacanna e elaboraccedilatildeo do assucar jaacute fazia o elogio do boi ldquoo boi nutre-se decapim e natildeo he delicado na escolha natildeo precisa de raccedilatildeo agradece aohomem o cuidado que com elle tem com paccedilo vagaroso mas certo trabalhadando provas do seu brutal agradecimento quando os annos o inutilizamvai servir de nutriccedilatildeo qualidade que os outros natildeo temrdquo Enquanto ao cavaloldquotodo o serviccedilo rural o desgosta e humilha custa a manter requer capimescolhido exige raccedilatildeo regular ao mesmo animal que arribita as orelhasrincha ao som de hum clarim murcha as mesmas e parece que murmura aacutevoz do lavrador que o conduz ou para as carretas ou para a almanjarrardquo

Repetia Rebelo o que jaacute fora dito pelos estudiosos dos problemas deeconomia agraacuteria nas colocircnias inglesas da Ameacuterica alguns seus conhecidosque feito o balanccedilo entre os preacutestimos do boi e os do cavalo os do boi seapresentavam bem maiores Thomas Spalding chegara a particularizar oconfronto com relaccedilatildeo agrave lavoura de cana e agrave induacutestria do accediluacutecar ldquoem todosos trabalhos de que depende a plantaccedilatildeo da cana a elaboraccedilatildeo do accediluacutecar oboi parece ser o melhor companheiro para o homem ele lavra melhor eacutemais doacutecil e obediente nas moendas e ainda que se mova lentamenteanda com regularidaderdquo E Dwight escreveria que as vantagens do empregodo boi sobre o do cavalo na lavoura eram vaacuterias o boi era mais resistentemais constante custava menos dava menos trabalho era mais livre dedoenccedila e quando velho ou desvalorizado para o trabalho por algumacidente servia para beef41 A uacutenica vantagem do cavalo estava na sua

ligeirezaEsse contraste entre o cavalo e o boi do ponto de vista agriacutecola lembra-

nos um pouco o que se pode estabelecer no caso do Brasil e da suacolonizaccedilatildeo agraacuteria entre os preacutestimos do iacutendio nocircmade que foi umaespeacutecie de cavalo pelas suas tendecircncias ao movimento agrave ligeireza agrave alianccedilacom o homem menos sedentaacuterio e mais guerreiro e os preacutestimos do negroespeacutecie de boi pela sua adaptaccedilatildeo melhor e mais segura agrave rotina da lavourada cana agrave sedentariedade e ao vagar do trabalho agriacutecola O negro foi naverdade o peacute-de-boi da colonizaccedilatildeo agraacuteria do Brasil Sem ele a colonizaccedilatildeodo Nordeste pela cana-de-accediluacutecar natildeo se teria realizado tatildeo solidamente

Por outro lado sem o boi soacute com o cavalo o engenho natildeo teria se

firmado como se firmou Ateacute as vezes da eacutegua o boi fez nas almanjarras Ateacuteas vezes da besta E ateacute as vezes da mulher a vaca fez para os meninos deengenho

Nos princiacutepios do seacuteculo XVII o autor dos Diaacutelogos das grandezas doBrasil calculava que cada engenho devesse dispor para seu sustento ndash aleacutemdos elementos jaacute destacados neste ensaio tanto quanto possiacutevel na ordemde sua importacircncia material 1) boas terras 2) bastante aacutegua para asmoendas 3) matas situadas perto do engenho para a extraccedilatildeo de lenha e demadeira ndash de 50 peccedilas de bons escravos e de 5 ou 20 juntas de bois com seuscarros Terra aacutegua matas Negros e bois

Em meados do seacuteculo XVIII D Domingos do Loreto Couto no ensaioque escreveu com minuacutecias de frade-senhor-de-engenho sobre ldquoumengenho de lavrar assucarrdquo ndash talvez o capiacutetulo mais fascinante do seuDesagravos do Brasil e gloacuterias de Pernambuco ndash calculava que parasustento de uma faacutebrica de Pernambuco eram necessaacuterios tantos boisquantos negros no miacutenimo 60 escravos e 60 bois Bois para trazer lenha domato nos carros ldquoem uma safra de 1500 patildees de assucar gastam-se 3000carros de lenha levando cada carro mais de 50 arrobas de pesordquo Bois paracarregar cana Bois para carregar accediluacutecar Sem contar os bois para o corteconservados agrave distacircncia da faacutebrica e do canavial Sem contar as vacas deleite

As almanjarras de bestas ou molinotes ndash tipo de engenho de que seutilizou o colonizador do Nordeste diante da falta ou dificuldade que agravesvezes encontrou em fazer girar a faacutebrica a roda-drsquoaacutegua ndash foram precedidospelas almanjarras de bois ou trapiches Os molinotes descreve-os DDomingos ldquono eixo do meio natildeo tem bolandeira e tem umas traves no ditoeixo que chamam aspas e nas pontas se pregam outras traves que vemquase ao chatildeo ficando em cruz quatro em que se fazem assentos para aspessoas que tangem as bestas pondo-se em ajojo duas em cada parte comcorrentes de ferro e couro cru que prendem a trave chamada almanjarra epara circular carece de oito bestas que andam de tres em tres horasrdquo

Nesses molinotes em forma de cruz penou muita besta A besta dealmanjarra foi um verdadeiro maacutertir da cana-de-accediluacutecar Mas penou tambeacutemmuito boi na cruz dos trapiches ldquoEm outro tempo moiam tambem com bois

Soacute a grande falta de bestas obriga a servirem-se delles pelo tardo com quecircula a moenda por terem o passo ou galope mais vagoroso o qual sendomais raacutepido e violento daacute mais expediccedilatildeo aacute moagemrdquo

Vagarosos mas constantes os pobres dos bois Para se alimentaremnenhum luxo E uma capacidade quase miacutestica para o sofrimento para arotina para o serviccedilo do homem

O escravo vindo da Aacutefrica natildeo encontrou aqui melhor companheiro doque o boi para seus dias mais tristes Para os seus trabalhos mais penosos

Quando depois o boi associou-se tambeacutem aos dias alegres do negro deengenho ndash os de danccedila de cachaccedila de festa ndash na figura do bumba meu boieacute natural que o negro tenha feito desse drama popular um meio deexpressatildeo de muita maacutegoa recalcada a glorificaccedilatildeo do boi seu companheirode trabalho quase seu irmatildeo

Jaacute houve quem enxergasse no bumba meu boi ldquoa saacutetira dorida do negro edo iacutendio oprimidos contra a prepotecircncia do brancordquo42 Talvez haja aiacute

exagero e um pouco de retoacuterica O que principalmente se sente no grandedrama popular do Nordeste ndash talvez de remota origem bacircntu segundo aideia de Artur Ramos sobre as festas populares do boi mas aqui colorido porinfluecircncias nitidamente regionais ndash eacute a glorificaccedilatildeo da figura do boi suaexaltaccedilatildeo sua apologia O cavalo fica um ldquomaricas meu bemrdquo A glorificaccedilatildeodo boi eacute que se torna a nota dominante do drama

No bumba meu boi o boi eacute de fato ldquoa grande figura apoteoacuteticardquo como dizJuacutelio Belo tatildeo entendido no folclore dos engenhos do Nordeste A figuramaacutescula dominadora poderosa e ateacute terriacutevel do drama43

O boi Janeiro de chifres enormes e cheio de chocalhos grandatildeotristonho o rabo comprido depois de muito varrer o terreno de atacarMateus e Catarina de correr zangado contra os brancos mais mimosos daassistecircncia de repente morre como se a revolta e a luta o tivessemextenuado

ldquoMeu boi morreuQue seraacute de mimrdquo

Haacute atraveacutes do drama uma evidente identificaccedilatildeo do boi com o negro o

negro se sente no boi natildeo se sente no cavalo No cavalo ele sente o animalmeio maricas do senhor o animal cheio de laccedilos de fita e mesureiro oanimal ldquoabaianadordquo isto eacute urbanizado civilizado capaz de graccedilas e mesurasde que eacute incapaz o cavalo ruacutestico e natildeo apenas o boi

ldquoCavalo-marinhoMaricas meu bemrdquo

ou

ldquoCavalo-marinhoDos laccedilos de fitaFaz uma mesuraAgraves moccedilas bonitasrdquo

ou ainda

ldquoCavalo-marinhoDanccedila bem baianoNem parece serUm pernambucanordquo

como mais de um folclorista tem colhido os versos populares em meiospernambucanos Nem e natildeo bem como registrara Pereira da Costa

A distinccedilatildeo que aqui procuramos salientar entre o boi e o cavalo atraveacutesdas relaccedilotildees de um e de outro com a monocultura da cana com o senhorbranco e com o escravo do Nordeste ndash hoje simplesmente com o senhor ecom o trabalhador ndash se surpreende natildeo soacute nesse poderoso drama deexpressatildeo e quase de revolta popular que eacute o bumba meu boi como nosnomes dados pelos donos dos engenhos aos bois de seu cercado e aos cavalosde sua estrebaria Os nomes aos cavalos satildeo mais respeitosos por eles sereconhece no animal um aliado melhor e mais nobre que o boi do senhor deengenho da propriedade da famiacutelia fidalga Os cavalos se chamam com

frequecircncia Marajaacute Rajaacute Priacutencipe Guararapes Sultatildeo Capitatildeo BonaparteSerinhaeacutem Monjope Maipioacute Nomes ilustres Nomes nobres Nomes finos Osbois satildeo quando muito ldquoValorososrdquo mas em geral ldquoMeia-NoiterdquoldquoMalunguinhordquo ldquoMolequerdquo ldquoTraquinordquo ldquoVeludordquo ldquoDesenganordquo Quase osmesmo nomes dados pelos ioiocircs complacentes aos negros de estimaccedilatildeo

De onde veio para o Nordeste o gado de vaacuterias espeacutecies cuja presenccedilacontribuiu para alterar a fisionomia da paisagem em tantos dos seus traccedilosessenciais natildeo eacute fato estabelecido com inteira seguranccedila Afirma-se que deCabo Verde Outros supotildeem que jaacute da capitania de Satildeo Vicente O que eacutecerto eacute que em princiacutepios do seacuteculo XVII estavam inccediladas de gado as duasbandas do rio em seu curso inferior diz Capistrano de Abreu referindo-se aoSatildeo Francisco e fundada em toda essa sub-regiatildeo do Nordeste como emoutros do Brasil a ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo que o velho historiador caracterizouadmiravelmente em uma de suas paacuteginas mais felizes ldquoCivilizaccedilatildeo do courordquoque pelo seu exclusivismo de vida baseada quase que soacute sobre a pecuaacuteriarepresentaria um tipo de organizaccedilatildeo antagocircnica ao da civilizaccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar

Natildeo cabe nos limites nem na natureza deste ensaio apreciar mesmo depassagem o papel sem duacutevida importantiacutessimo que o gado representou erepresenta ainda nesse tipo de civilizaccedilatildeo quase de fronteira movediccedila eaacutespera dura e asceacutetica Sem casas-grandes mas tambeacutem sem senzalas Semrios em que o homem pudesse confiar para as largas permanecircncias para osesforccedilos profundos de lavoura Sem aacutegua e sem solo que justificassem aagricultura hieraacuterquica com o senhor a cavalo mandando o negro fazer issofazer aquilo e o escravo a peacute fazendo tudo junto com a besta e com o boi

Se nestas paacuteginas se acentua o contraste entre as duas grandes sub-regiotildees eacute para salientar-se ainda uma vez o fato de que a monocultura dacana repeliu o gado para os sertotildees como se enxotasse animais danadosRepeliu o gado do mesmo modo que as matas que os paacutessaros que asplantas que os indiacutegenas mais agrestes Soacute se conservaram nos engenhos oscavalos os bois as plantas as caboclas e a mata a serviccedilo imediato do accediluacutecare dos aristocratas do accediluacutecar

Daiacute desequiliacutebrios profundos na vida e na alimentaccedilatildeo da gente doldquolitoralrdquo e da ldquomatardquo sobretudo da gente das casas de barro a gente pobre e

aparentemente livre moradora nos engenhos de cana mas impedida comose fosse escrava de criar bicho de plantar legume de cultivar a terra deoutro jeito que natildeo fosse a serviccedilo ndash e serviccedilo imediato ndash da monocultura dacana e dos seus senhores

Daiacute a falta de carne de leite de queijo de legume de fruta na mesa degrande parte da gente do Nordeste accedilucareiro ndash fato que jaacute procuramosdestacar em trabalho anterior contrariando a suposiccedilatildeo de que os velhosengenhos patriarcais fossem todos pedaccedilos idiacutelicos de algum extraordinaacuteriopaiacutes de Cocagne O arquivo ainda ineacutedito da antiga capitania dePernambuco ndash a correspondecircncia da corte e outros livros que se conservamem manuscritos ndash como tambeacutem o do Ultramar ou Histoacuterico colonial emLisboa estatildeo cheios de documentos sobre o assunto constantes crises deviacuteveres inclusive da farinha nas terras mais dominadas pela monocultura44

No Nordeste agrave proporccedilatildeo que se estenderam os latifuacutendios do accediluacutecar aaacuterea pastoril como a de mato grosso foi diminuindo rapidamente Opastoreio de tal modo se reduziu em algumas proviacutencias a trechos quasesaarizados da regiatildeo que em alguns desses trechos tempo de seca tecircmchegado a morrer ndash calculam alguns criadores ndash cerca de 90 dos bovinos

Desde dias jaacute remotos que o gado para as necessidades da gente dosengenhos vem de distacircncias enormes Vem do Piauiacute ldquolaacute do Piauiacuterdquo

ldquoMeu boi morreumanda buscar outrolaacute no Piauiacuterdquo

Natildeo soacute essa especializaccedilatildeo riacutegida intensa extenuante do solo numazona remotiacutessima e seca de criaccedilatildeo e em outra agriacutecola de uma extensatildeoconsideraacutevel devido agrave gula de terra virgem ao meacutetodo da coivara aolatifundismo desdenhoso de cuidados com o solo como outros viacutecios dosistema agriacutecola da monocultura vecircm concorrendo para acentuar odesequiliacutebrio entre a pecuaacuteria e a lavoura no Nordeste

As queimadas de que a monocultura da cana fez o seu sistema oficial delimpar a terra para a plantaccedilatildeo natildeo satildeo estranhas ao empobrecimento cadadia maior das pastagens do Nordeste ldquoVatildeo desaparecendo os princiacutepios

nutritivos das forragens provindas de um solo que nada recebe em troca doselementos nobres que o pastoreio de quatro seacuteculos e o fogo anual lheretiramrdquo lembrava haacute anos o agricultor Samuel Hardman em estudo sobre aagricultura e a pecuaacuteria do Nordeste que escreveu para o primeiro esforccediloque jaacute se tentou entre noacutes de estudo das condiccedilotildees e dos caracteriacutesticos daregiatildeo o livro editado em 1925 pelo Diaacuterio de Pernambuco para celebrarseu centenaacuterio ldquoNatildeo haacute provisatildeo de alimentos para os meses da estiagemOs rebanhos encantonados em lsquolargasrsquo ou lsquomangasrsquo reduzidas natildeo podemcomo outrora fugir dos rigores das secas procurando a distacircncia alimento eaacutegua com que ao menos mantenham a vidardquo

Como jaacute salientamos em trabalho anterior45 a monocultura da cana e a

pecuaacuteria exclusivista olhando-se de longe e com olhos de inimigos criaramna economia da regiatildeo um verdadeiro sistema balcacircnico de especializaccedilatildeo deaacutereas de que se tivesse afastado toda a ideia de colaboraccedilatildeo entre a lavoura ea criaccedilatildeo de gado Especializaccedilatildeo de aacutereas verdadeiramente belicosas Oresultado eacute importar o Nordeste accedilucareiro do Sul do Brasil e ateacute doestrangeiro uma quantidade enorme de produtos animais que podiam lhevir mais baratos do outro Nordeste banha queijo manteiga sebo charque eateacute couros e peles Economicamente quase tudo estaacute por ajustar oureajustar entre os dois Nordestes e entre as duas atividades a pastoral e aagriacutecola

Se a cabra daacute ao Nordeste pastoril lugar de importacircncia na produccedilatildeomundial de peles ndash ateacute recentemente o segundo lugar ndash eacute agrave custa desacrifiacutecio seacuterio para a vegetaccedilatildeo regional

Criada agrave solta a cabra eacute um inimigo terriacutevel natildeo soacute de toda a lavouracomo de toda a planta O botacircnico Alberto Loumlfgren em seus estudos sobre oproblema florestal do Nordeste notou que a cabra do nordestino ldquocriadacomo eacute sem a miacutenima vigilacircncia num territoacuterio onde as cercas natildeo satildeo feitaspara dividir terrenos mas unicamente para resguardo dos lsquocercadosrsquo oupequenas plantaccedilotildees faacutecil eacute compreender por que em toda a aacuterea para aqual as cabras tecircm livre acesso natildeo eacute possiacutevel para planta alguma chegar aum desenvolvimento maior a natildeo ser que tenha em si algum meio de defesacomo espinhos glacircndulas fortemente aromaacuteticas ou sucos que afugentemesses inimigosrdquo46 Mas nem assim A proacutepria ldquocabeccedila-de-fraderdquo dos sertotildees a

cabra acha jeito de abri-la com os casacos come entatildeo a gosto os miolosDaiacute o botacircnico Loumlfgren natildeo ter hesitado em incluir bicho tatildeo daninho

quando criado agrave solta entre as ldquocausas artificiaisrdquo que vecircm contribuindo parao aumento da desnudaccedilatildeo nos trechos jaacute meio saarizados do NordesteDificulta-se assim a renovaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo alta e mesmo baixa em trechosoutrora de mato grosso e hoje de mato ralo devido agrave invasatildeo primeiro dacana hoje do algodatildeo Devido agrave monocultura sem meacutetodo agriacutecola manumilitari E esses trechos soacute fazem se estender acinzentando a paisagem

Criada de outro jeito isto eacute sob vigilacircncia ou dentro de cercado a cabrapoderia ser um animal realmente uacutetil aos dois nordestes dando-lhes o leite eexcelente requeijatildeo ndash e natildeo apenas a pele para o grande comeacutercio israelitade peles Mas sem lhes destruir as plantas Criando-lhes os filhos efornecendo-lhes mais facilmente que a vaca a manteiga e o queijo Sendo aperfeita ldquocomadre cabrardquo como diz quase franciscanamente o sertanejo decabra menos arisca que daacute leite aos seus filhos

Curioso eacute o fato de certos anunciantes de jornal do seacuteculo passado nosavisos de cabras de leite agrave venda falarem de animal em termos tatildeoimprecisos que o leitor fica na duacutevida se se trata de mulata ou de animal Poristo os anunciantes mais sensatos tecircm o cuidado de advertir ldquocabra-bichordquoPara ficar bem claro que natildeo eacute ldquocabra-mulherrdquo ndash criatura de melhor leitepara os meninos e menos daninha agraves plantas

Mas a cabra natildeo foi decerto o maior inimigo da civilizaccedilatildeo do accediluacutecarnem o mais direto O canavial do Nordeste teve inimigos mais terriacuteveis naraposa no guaxinim no guaraacute no porco-do-mato Sem contar as pragaspropriamente ditas o patildeo-de-galinha e o besouro

Claro que aqueles animais do mato inimigos do canavial civilizadorespeacutecie de uacuteltima defesa da vegetaccedilatildeo bruta contra a planta invasora forammais numerosos nas eacutepocas de mato mais denso quando foram tambeacutemmais numerosas as cobras que picavam o negro e o boi agraves vezes o branco e ocavalo

Inimigo maior do cavalo do senhor de engenho foi talvez o morcegocontra o qual as estrebarias se conservavam acesas os estribeiros vigilantes Omorcego de que agora se ocupa tatildeo atentamente o Instituto de PesquisasAgronocircmicas de Pernambuco

A verdade eacute que a accedilatildeo da cobra venenosa nos canaviais do Nordeste ndash aaccedilatildeo da cascavel da surucucu da coral da jararaca ndash nunca se apresentoutatildeo poderosa como nas plantaccedilotildees das Iacutendias Ocidentais onde a cana-de-accediluacutecar natildeo avanccedilou sobre um trecho virgem de terra que natildeo fosse com osacrifiacutecio de muito negro picado de cobra

Contra a raposa e o guaraacute o homem do canavial recorreu agrave ldquoesperardquo aoveneno na banana para a raposa ao veneno no peixe para o guaraacute E a caccedilase juntou agrave queimada para a destruiccedilatildeo de quanto animal do mato teve aafoiteza de querer resistir ao avanccedilo civilizador da cana o sonho de poderviver em paz com os novos donos da terra Pacas cutias tatus capivarastamanduaacutes onccedilas gatos-do-mato tudo foi ficando raro agrave proporccedilatildeo que omato grosso foi desaparecendo para a cana imperar sozinha

Tambeacutem foram ficando raros os paacutessaros nas terras conquistadas tatildeobrutalmente a fogo pela cana-de-accediluacutecar os sabiaacutes quase sem palmeira ondecantar os xexeacuteus os canaacuterios os sanhaccedilus os curioacutes as gurinhatatildes ospintassilgos as almas-de-gato sem o arvoredo gordo que os protegia sem asaacutervores grandes ramalhudas onde faziam tatildeo agrave vontade os seus ninhos eexpostos agraves baladeiras dos moleques agraves espingardas dos mulatos vadios agravesarapucas dos meninos de engenho

O bicho-de-peacute furando os dedos dos homens roendo os peacutes dosmoleques dos engenhos o carrapato e a varejeira perseguindo o gadoabrindo feridas nas vacas foram outros elementos de defesa de mato brutocontra a invasatildeo do canavial civilizador Mas a defesa mais terriacutevel do matocontra o homem do canavial foi talvez a que se exerceu atraveacutes do mosquitoou da muriccediloca Atraveacutes do transmissor do impaludismo e das febres Atraveacutesdos vermes da terra e das aacuteguas dos rios

O homem da casa-grande sem saber ao certo quais seus inimigos maisperigosos foi criando um medo exagerado do ar do ldquoserenordquo da aacutegua dosol de toda a proximidade da mata do contato com a terra pegajenta coma aacutegua barrenta As portas e as janelas das casas-grandes foram se trancandoa ferrolho e travessatildeo agraves primeiras sombras da noite por precauccedilatildeo contrainimigos misteriosos que andavam no ar que vinham do mais profundo dasmatas e das aacuteguas ldquoMiasmasrdquo Bichos Era preciso fechar as casas contrabichos e miasmas As casas e o proacuteprio corpo Em 1855 o meacutedico Carolino

Francisco de Lima Santos em seus ldquoConselhos Higiecircnicosrdquo escrevia queldquotornando ainda agrave higiene das vestiduras diremos que aleacutem da vantagemque elas tecircm de conservarem na pele o asseio e flexibilidade o que facilita atranspiraccedilatildeo fazem mais que eacute resistirem por meio de sua superfiacutecie aosmiasmas uacutemidos preservando deles a economia pelo que natildeo podemospassar sem fazer a censura de que satildeo credoras todas aquelas pessoas quepassam a mor parte do tempo com os peitos expostos ao ar ou agraves diversasvariaccedilotildees do dia mas as vestiduras devem ser natildeo soacute apropriadas ao climacomo mesmo ao corpo e de modo que natildeo impeccedilam os movimentos eobstem agrave circulaccedilatildeo do sanguerdquo No inverno ldquoas roupas de latilderdquo eram ldquoasmelhoresrdquo no estio ldquoquando o calor se torna no Brasil abrasadorrdquo ldquoas latildesrdquoconsiderava-as o dr Carolino ldquopor demais nocivas constituindo um estiacutemulodemais aleacutem do naturalrdquo

Vaacuterios viajantes estrangeiros que visitaram os engenhos de accediluacutecar doNordeste ndash um deles Tollenare ndash observaram o fato da maioria das casasficarem em grandes espaccedilos inteiramente nus quando muito umjardinzinho ou um laranjal de lado detraacutes da casa algumas touceiras debananeira onde se defecava de manhatilde cedo Mas nenhuma intimidade comas grandes aacutervores da terra que era para evitar intimidades com os bichos Osbichos que ficassem ao longe grande nuacutemero deles desconhecidos na genteda casa-grande sem nome vagos Simplesmente bichos

Um ou outro desses bichos era admitido agrave intimidade das casas ficandoem gaiolas pelo terraccedilo pelo corredor pelas salas algum papagaio algumperiquito algum saguim alguma arara Poucos chegavam agrave intimidade dacozinha a paca o tatu o veado Porque nem na culinaacuteria da casa deengenho o bicho do mato teve saliecircncia A civilizaccedilatildeo do canavial avanccediloupelo mato levando consigo como em campanha militar os seus proacutepriosanimais de corte para regalo do colono patriarcal o porco o boi o carneiro opombo O bicho de caccedila ou do mato aparecia agrave mesa do senhor de engenhouma ou outra vez Era prato quase exoacutetico

A superioridade militar do bandeirante sobre o senhor de engenhoparece em grande parte consequecircncia disto da alimentaccedilatildeo dobandeirante ter se tornado rapidamente quase a mesma alimentaccedilatildeo doindiacutegena Bichos e frutas da terra A do senhor de engenho natildeo conservou-

se o mais possiacutevel portuguesa absorvendo depois muito elemento negro eassimilando aos seus estilos os frutos os animais e os produtos da terrautilizados pelos indiacutegenas

Tambeacutem o cachorro e o gato tornaram-se animais a serviccedilo do avanccedilocivilizador da cana-de-accediluacutecar em oposiccedilatildeo ou antagonismo aos animais damata Principalmente o cachorro companheiro do caccedilador e vigia doterreiro da casa-grande sempre na tocaia de algum bicho do mato maisatrevido que aparecesse para os lados da casa de engenho querendo bebermel comer galinhas roubar pinto Agraves vezes quase ligado agrave proacutepria vidaemotiva dos homens como o cachorro que Joseacute Ameacuterico de Almeida fazpassar por algumas das paacuteginas mais intensas de A bagaceira Romanceverdadeiramente ecoloacutegico de tal modo os animais e as plantas da regiatildeoparecem participar da dor e da vida dos homens

O gato foi uacutetil agraves casas de engenho pela perseguiccedilatildeo aos ratos tatildeoperigosos agraves civilizaccedilotildees do accediluacutecar grande como tende a ser a suaproliferaccedilatildeo no azedo das bagaceiras e dos trapiches Em Java o rato chegoua ser ameaccedila seriiacutessima para os engenhos diz-se que soacute em volta de umafaacutebrica mataram-se durante uma epidemia entre nove e doze mil ratos

Os sapos parece que tecircm direito a lugar entre os bichos uacuteteis agraves casas-grandes e aos engenhos natildeo devendo ser incluiacutedos entre os daninhos comoos ratos os morcegos as baratas E o mesmo se deve dizer das corujas tatildeocaluniadas como os sapos como animais agourentos mas na verdadeprestimosos como devoradores de bichos daninhos

Uacutetil foi tambeacutem ateacute certo ponto agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste ourubu ainda hoje e apesar de todos os perigos de sua presenccedila repugnanteconsiderado insubstituiacutevel em certos trechos rurais e ateacute urbanos da regiatildeocomo consumidor de carniccedila ou devorador de restos de bicho morto Aourubu deve-se ainda a propagaccedilatildeo do dendezeiro pelo Nordeste da cana-de-accediluacutecar que foi uma propagaccedilatildeo uacutetil Uacutetil e esteticamente significativa

O carneiro parece que nunca foi animal de corte cuja carne fosseconsumida agrave grande no Nordeste ou nas demais regiotildees do Brasil agraacuterio oupastoril Nash notaria o fato nos nossos dias47 Luccock observou-o haacute mais

de um seacuteculo interpretando-o segundo informaccedilotildees que pocircde colher sobreo assunto como resguardo ou abstinecircncia de caraacuteter miacutestico ou religioso48

Tratando-se do animal simboacutelico do redentor ndash ldquoCordeiro de Deus que tira ospecados do mundordquo ndash teria se desenvolvido na populaccedilatildeo estranharepugnacircncia pela carne do carneiro O fato eacute que natildeo haacute animal que passepelos anuacutencios de jornal do seacuteculo XIX entre palavras de tanta ternuracomo o carneiro Sobretudo o carneirinho mocho com um laccedilo de fita azulno pescoccedilo O carneirinho capado quase uma bola de latilde de gordo quequando desaparecia de alguma casa roubado por algum cigano ou ladratildeomais afoito era deixando saudades enormes aos meninos e agraves pessoasgrandes Tambeacutem aparecem com frequecircncia nos anuacutencios entre palavrasmuito meigas ldquoas ovelhas de muito bom leiterdquo

Um animal muito dos anuacutencios ndash o que indica a sua importacircncia na vidado antigo Nordeste patriarcal ndash eacute o ldquopapagaio falador e bomrdquo como o que haacutecem anos tinha para vender a botica de Cypriano Luz da Paz agrave Rua doColeacutegio no Recife papagaio com ldquoos encontros encarnados e algumas penasencarnadas nas pontas das azasrdquo como o que um dia fugiu do sobrado quefoi do doutor Bernardo defronte do Carmo em Olinda49

Alguns animais exoacuteticos parece que se tornaram conhecidos nosengenhos e nas feiras do Nordeste atraveacutes dos ciganos que iam de umengenho a outro diz a tradiccedilatildeo que com meninos agraves vezes roubados quefaziam acrobacias sobre cavalos geralmente tambeacutem roubados com ursosverdadeiros ou entatildeo fingidos ndash soacute a pele ou a imitaccedilatildeo da pele do animalpor cima de um homem ndash que danccedilavam ao som de pandeiros commacacos ou macacas grandes vestidas de sinhaacutes cheias de laccedilos de fitasque tambeacutem danccedilavam e faziam graccedilas Mas esses ciganos alguns morenos ebigodudos foram sobretudo ladrotildees de cavalos de bois e de escravos daregiatildeo agraves vezes revendedores de escravos e de cavalos ou caldeireirosconsertavam peccedilas de engenho Eacute possiacutevel ainda que gente em extremoporcalhona os ciganos desde o seacuteculo XVII desterrados no Nordeste ndashdesde 1686 pelo menos ndash fossem grandes propagadores da pulga e dopercevejo por esta regiatildeo brasileira Parece que foram eles os primeiros aserem chamados ldquogringosrdquo no Nordeste Eacute pelo menos o que pensa Pereira daCosta em nota que se encontra entre seus manuscritos

Os animais tecircm na vida do brasileiro do Nordeste da cana-de-accediluacutecaruma importacircncia miacutestica consideraacutevel Estatildeo em suas histoacuterias nos cantos

populares na poesia da gente do povo no anedotaacuterio obsceno ndashconsequecircncia de sua ligaccedilatildeo iacutentima com a vida sexual do menino e domoleque de engenho Mas eacute curioso notar que os animais importados e natildeotanto os da terra ndash o cavalo o boi a vaca o burro a besta o carneiro aovelha o porco a cabra o gato Eacute certo que tambeacutem se encontram nashistoacuterias o tatu a onccedila o caacutegado a cobra a raposa da terra agraves vezessubstituindo animais exoacuteticos de histoacuterias europeias asiaacuteticas ou africanasPara a grande parte da gente do litoral a maioria dos animais da terracontinua sendo entretanto criaturas quase indiferenciadas dentro daexpressatildeo vaga ldquobichosrdquo E os animais mais familiares e mais identificadoscom o homem os trazidos da Europa

As ferraduras de cavalos e os chifres de boi ndash precisamente os doisanimais mais ligados agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar agrave conquista da mata pelocanavial ndash datildeo felicidade Os mariscos e buacutezios os dentes de jacareacute e decobra pendurados no pescoccedilo dos meninos livram-nos do mau-olhadoBorboleta preta eacute agouro Coruja eacute agouro Besouro-mangangaacute eacute agouroCoruja e sapo satildeo bichos agourentos

Enquanto isto o jogo de bicho tatildeo popular no Nordeste do Brasil e deorigem talvez remotamente oriental conserva na populaccedilatildeo do litoral e daldquomatardquo a miacutestica do bicho dando significaccedilatildeo convencional aos sonhos comanimais Mas principalmente aos sonhos com animais de origem europeia

33 Koster op cit34 Desembargador Joatildeo Rodrigues de Brito e outros Cartas econocircmico-poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)35 Mansfield op cit Sobre as primeiras substituiccedilotildees dos maus caminhospor estradas de ferro no Nordeste veja-se o recente ensaio do professorEstecircvatildeo Pinto Uma estrada de ferro do Nordeste (Rio de Janeiro 1949)em que traccedila a histoacuteria da Great Western Veja-se tambeacutem nosso Ingleses noBrasil Rio de Janeiro 194836 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)

O transporte de gente e artigos em costas de cavalos e burros tornou oNordeste agraacuterio regiatildeo particularmente rendosa para os ciganosnegociantes de cavalos junto aos senhores de engenho

O pesquisador Felte Bezerra autor de Etnias Sergipanas (Aracaju1950) observa que ldquoa designaccedilatildeo de cigano entre noacutes tem mais sentidocultural do que eacutetnico traduz vida nocircmade e sustentada por trocas ebarganhasrdquo E a propoacutesito lembra que no ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do SantoOfiacuteciordquo de D Marcos Teixeira (Anais da Biblioteca Nacional vol XLIX)estaacute citada uma Joana Ribeiro a cigana moradora em Sergipe del-Rei ldquoque eacuteapontada como israelitardquo O que talvez explique tambeacutem a extensatildeo antescultural do que eacutetnica da designaccedilatildeo de ldquogringordquo no Nordeste e em outrasregiotildees do Brasil Designaccedilatildeo que inclui ingleses norte-americanos italianosjudeus depois de ter se aplicado principalmente segundo o historiadorPereira da Costa a ciganos37 Manuscrito do arquivo particular do engenho Noruega (Pernambuco)38 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)39 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco Veja-se tambeacutem a propoacutesito decaracteriologia equina conservada ou desenvolvida em vaacuterias sub-regiotildees doNordeste pela sabedoria popular ndash e da qual as descriccedilotildees nos anuacutencios dejornal satildeo agraves vezes reflexo ndash os estudos dos mestres de folclore regionalGustavo Barroso (Terra de Sol Rio de Janeiro 1930) Leonardo Mota (ldquoOcavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5 de setembro de1937) Luiacutes da Cacircmara Cascudo (Geografia dos mitos brasileiros Rio deJaneiro 1947) e Theo Brandatildeo que em seu Folclore de Alagoas (Maceioacute1949) dedica um capiacutetulo inteiro a ldquoO cavalo no folclorerdquo Aiacute recorda opesquisador alagoano vaacuterios ditados brasileiros ou regionais relativos acavalos ldquoPraga de urubu natildeo mata cavalo gordordquo ldquoCoices de garanhatildeo paraeacutegua carinho satildeordquo ldquoQuem quer viver sossegado tenha mulher feia e cavalocapadordquo ldquoFaca soacute areada cavalo soacute rudadordquo ou ldquoDinheiro soacute trocado cavalosoacute rudadordquo etc

Alguns desses ditados recolheu-os outro pesquisador alagoanoMendonccedila Juacutenior em trabalho ldquoOs ladrotildees de cavalordquo publicado no Jornalde Alagoas em 1948 e citado pelo sr Theo Brandatildeo no seu interessanteestudoEm capiacutetulo anterior ldquoParemiologia alagoanardquo anotara o sr Theo BrandatildeoldquoCavalo de cara brancaHomem chamado MessiasMulher de quartoempinadoTibi Vocircte Ave Mariardquo40 Artur Orlando O Brasil ndash a terra e o homem Recife 191341 Leia-se sobre o assunto Louis Bernard Schmidt (ed) Readings in theeconomic history of american agriculture Nova Iorque 192542 Artur Orlando op cit43 Juacutelio Belo Memoacuterias de um senhor de engenho Rio 1937

Vejam-se tambeacutem os estudos sobre folclore e teatro de Samuel Campelo

em Novos estudos afro-brasileiros Rio 1937 e no Livro do Nordeste

comemorativo do 1o centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco Recife 192544 Vecirc-se por esses documentos que a falta foi menos das administraccedilotildeesportuguesas que do privatismo dos senhores de engenho e dos plantadoresde mandioca dominados pela fuacuteria monocultora O governador D TomaacutesJoseacute de Melo chegou a ser quase violento nas suas medidas a favor daplantaccedilatildeo da mandioca como se vecirc no seu edital de 9 de maio de 1792 e sua

ldquoCarta circular aos correges das camas sobre as plantaccedilotildees de mandiocardquo 10de janeiro de 1797 Manuscritos que se conservam na Biblioteca do Estado dePernambuco A carta vai aqui transcrita

ldquoComo natildeo tem chegado a secretaria deste governo os mapas deplantaccedilatildeo da mandioca na conformidade do meu edital de 9 de maio de1792 a carta de 6 do dito e vejo que continua a falta de farinhaabsolutamente indispensavel para a manutenccedilatildeo destes povos para se darem especie a tropa e nunca em dinheiro como determinatildeo as Reaes Ordense pelas que tive de remeter deste genero para os Reaes Arcenaes provindotalvez esta falta de se natildeo executarem as providecircncias que por varias vezestenho dado para animar aquella plantage amortecida pela do algudatildeo quecegos drsquoambiccedilatildeo plantatildeo geralmente os agricultores sem attenderem aacutenecessidade da farinha que he o Pam comum cordenario deste Paiz

Novamente recomendo e encarrego a vme da execuccedilatildeo de meu sobre dito

edital que vme deve exactamente fazer cumprir atheacute pela sua obrigaccedilatildeo decorregedor e cobraraacute infalivelmente e com toda possivel brevidade os mapasque lhe devem dar os capitaens mores emconformidade do sect 5ordm do ditoedital os quais examinaraacute e verificaraacute para me dar omissatildeo que eu tenha naexecuccedilatildeo do que lhe determino nesta minha carta e de havella recebido medaraacute parte para a todo tempo constar nesta secretaria qursquoeu tenho sempreem vista hum objecto de tanta consideraccedilatildeo No caso qrsquo dos capitaens moresaos quaes comunicar aacute esta minha terminante resoluccedilatildeo natildeo terem feito aobrigaccedilatildeo que lhes encumbe o sobre dito edital pm lho extranharaacute por ordemminha pela primeira vez e lhe consignaraacute tempo certo que julgarproporcionado para lhe apresentarem os mapas e se no fim do tempoaprazado ainda continuarem na mesma omiccedilatildeo lhes ordenaraacute que logocompareccedilam a minha presenccedila sem perda de tempo para eu os castigarconforme me parecer devendo ainda participar-me por escripto do dia emque lhe determinou esta minha ordem afim de eu vir no conhecimento setiveram descuido de aporem logo em execuccedilatildeo cuja parte me deve ser

remetida por correios a custa dos mesmos capitaens mores

Deos guarde a Vme muitos annos Olinda 10 de janeiro de 1797 ndash ThomazJoseacute de Mellordquo45 Casa-grande amp senzala cuja primeira ediccedilatildeo apareceu em dezembrode 1933

Sobre famiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar com o empobrecimento deterras ou por outros motivos se transferiram para o do algodatildeo e o dopastoreio ndash enquanto outras com as secas desceram ou regressaram do altosertatildeo para o litoral ndash tem em preparo interessantes paacuteginas que incluiraacuteem livro a aparecer breve o sr Joseacute Augusto Bezerra de Medeiros antigogovernador do Estado do Rio Grande do Norte ele proacuteprio aparentado comfamiacutelias que do Nordeste do accediluacutecar se deslocaram para aqueles outrosNordestes igualmente patriarcais como os Galvatildeo os Arauacutejo os Barbosa Estefoi tambeacutem o caso do ramo da famiacutelia Albuquerque Cavalcanti conhecido porArcoverde em recordaccedilatildeo do sangue ameriacutendio que desde o iniacutecio dacolonizaccedilatildeo europeia do Nordeste tornou-o um dos grupos maisteluricamente nordestinos dentre as famiacutelias de prol Desse ramo eradescendente o ilustre Joaquim Arcoverde de quem Roma fez o primeiropurpurado na Ameacuterica Latina Natildeo nasceu ele em casa-grande autecircnticadas terras de massapecirc do Nordeste como Arauacutejo Lima nem em sobradonobre de cidade do litoral como Joaquim Nabuco mas em casa soacutesimbolicamente grande de terras entatildeo sertanejas pela sua condiccedilatildeo debravas e de distantes dos antigos rios de engenhos da zona da ldquomatardquo Paraessas terras foram vaacuterios os filhos de famiacutelias de prol do Nordeste do massapecircque emigraram em um como bandeirismo de proporccedilotildees apenas regionaismas nem por isto destituiacutedos de aspectos heroacuteicos de pioneirismo natildeo soacuteromacircntico como construtivo46 Alberto Loumlfgren op cit47 Roy Nash The conquest of Brazil Nova Iorque 192648 John Luccock Notes on Rio de Janeiro and the southern parts ofBrazil taken during a residence of ten years in that country from 1808to 1818 Londres MDCCCXX49 Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-[ ])

5 ndash A CANA E O HOMEM

Pode-se atribuir agrave monocultura da cana a formaccedilatildeo ndash pelasedentariedade pela endogamia profunda pela especializaccedilatildeo regional decondiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo e de dieta e ainda pelas restriccedilotildees sociais agraveseleccedilatildeo sexual entre a gente das casas-grandes ndash do tipo mais puro dearistocrata brasileiro o senhor de engenho Principalmente o senhor deengenho pernambucano misto de ldquobaianordquo de cidade e de gauacutecho

Tambeacutem a formaccedilatildeo menos pela sedentariedade e pela endogamia quepela especializaccedilatildeo regional de condiccedilotildees de vida de trabalho e dealimentaccedilatildeo de um tipo rural de homem do povo caracteristicamentebrasileiro Para esse tipo concorreram diferentes figuras hoje quasedesconhecidas na sua pureza do antigo sistema agraacuterio e patriarcal o cabrade engenho o moleque da bagaceira o capanga (de ordinaacuterio caboclo oumulato) o mulato vadio caccedilador de passarinho o malungo o pajem obranco pobre o ldquoamarelordquo livre a matildee preta a mucama o negro velho ocurandeiro o caboclo conhecedor da mata e dos seus bichos a ama de leitetapuia ou negra a ldquocabra-mulherrdquo

O homem do povo do Nordeste tem hoje um pouco de todas essasfiguras um pouco dos caracteriacutesticos em que se especializou cada umadelas Do mesmo modo que tem o sangue de todas mais o sangue azul dascasas-grandes E em certos trechos eacute talvez o mesticcedilo brasileiro mais

proacuteximo daquela relativa estabilidade de traccedilos semelhante agrave dopolineacutesio50 que um dia permitiraacute talvez falar-se de uma raccedila ou quase raccedila

brasileira de homem moreno do Nordeste se alguma massa consideraacutevel deimigraccedilatildeo estrangeira natildeo vier em dia mais proacuteximo perturbar amiscigenaccedilatildeo dos elementos tradicionais Mas perturbaacute-la de modo tatildeoviolento que lhe destrua os caracteriacutesticos jaacute quase assentados entre algunstraccedilos ainda instaacuteveis e variados

Foi a monocultura da cana que criou condiccedilotildees de vida de habitaccedilatildeo ede alimentaccedilatildeo particularmente favoraacuteveis pela relativa uniformidade ouquase semelhanccedila dos processos e dos valores utilizados em cada umadaquelas esferas de populaccedilatildeo ndash na alta e na baixa ndash para a formaccedilatildeo dosdois tipos de homem regional o aristocrata e o homem do povo

Na alimentaccedilatildeo de ambos mas especialmente na do aristocrata oproacuteprio accediluacutecar de cana teve uma importacircncia que os velhos cronistas comoD Domingos do Loreto Couto no seacuteculo XVIII jaacute salientavam e que os maisrecentes ndash como haacute quase meio seacuteculo Artur Orlando ndash ainda potildeem emdestaque

D Domingos considerava o tipo pernambucano influenciado pelo uso doaccediluacutecar talvez maior no Nordeste dos canaviais do que em outras regiotildeesbrasileiras Apresentando restriccedilotildees ao aforismo da eacutepoca ndash ldquotodo doce seconverte em colerardquo ndash e aos doutores que atribuiacuteam o aumento de ldquohumorbiliosordquo ou ldquohumor colericordquo agrave comida de doces o beneditino acreditava queo accediluacutecar em vez de corrosivo como pretendia Mirandelo fosse ldquoexcellentepreservativordquo ldquoo que bem se experimenta em todas as fructas que aspreserva de toda a corrupccedilatildeordquo ldquoSeraacute assimrdquo ndash acrescentava ndash ldquoque acontinuada e demasiada comida de doces augmenta o humor colerico masa experiencia nos mostra que pessoas muito amigas de doces satildeofleugmaticas e talvez que da abundancia deste humor proceda aquellapreguiccedila que a tantos reduz a um miseravel estadordquo51 Ora precisamente o

ldquohumor fleugmaticordquo ldquoque predominando no homem o faz em tudovagoroso descansado tardo sonnolento e preguiccedilosordquo parecia ao beneditinoo caracteriacutestico se natildeo dos cabras de engenho ndash capazes de tatildeo durostrabalhos ndash dos senhores das casas-grandes que ele proacuteprio retrata tatildeoindolentes e morosos Se com efeito o accediluacutecar tornava os homens ldquobiliososrdquo

isto eacute dinacircmicos pensava D Domingos que o seu uso soacute poderia ser beneacuteficoagrave populaccedilatildeo no Nordeste mais chegada ao ldquopestilento humor fleugmaticordquoque ao ldquobiliosordquo Pelo menos a camada aristocraacutetica da populaccedilatildeo os brancosarredondados e lentos das casas-grandes alguns de voz ou fala tatildeo arrastadaque era como se tivessem preguiccedila de falar Tal o caso dos Wanderleys aindahoje lentos no falar e no andar

Mansfield notaria um seacuteculo depois de D Domingos ndash tatildeo entusiasta doemprego do accediluacutecar no preparo dos doces de conserva pois toda frutaadquire uma vez accedilucarada ldquonovo serrdquo e ldquodilatada a duraccedilatildeo e com preciosaexistencia se conservardquo ndash verdadeiro abuso do accediluacutecar no preparo dessesmesmos doces52 As goiabadas as marmeladas os doces de caju perdiam o

gosto da fruta para adquirir unicamente o de mel de engenhoEsses doces eram muito apreciados particularmente o de goiaba no

tempo de Mansfield o doce mais caracteriacutestico da sobremesa das casas-grandes do Nordeste

As sinhaacutes e os meninos eram doidos por doce doidos por accediluacutecar ateacute emforma de alfenim de alfeolo de confeito tatildeo saboreados pelos meninos epelas moccedilas quanto o doce ou a geleia de goiaba e de araccedilaacute pelos senhoresmaduros e ateacute pelos velhos

Os proacuteprios senhores de engenho eram uns gulosos de doce e decomidas accedilucaradas Houve engenho que ficou com o nome de ldquoGulosordquo EManuel Tomeacute de Jesus no seu engenho de Noruega antigo dos Bois vivia aencomendar doces agraves doceiras de Santo Antatildeo vivia a receber presentes dedoces de seus compadres Os bolos feitos em casa pelas negras natildeo chegavampara o gasto O velho capitatildeo-mor era o mesmo que menino por alfenim ecocada E como estava sempre hospedando frades e padres no seu casaratildeode Noruega tinha o cuidado de conservar em casa uma opulecircncia de docesfinos

Em seus papeacuteis velhos encontramos mais de uma conta de doceira Maisde uma carta de compadre lhe mandando presente de doce Uma dasdoceiras dona Isabel preparou para uma festa que o capitatildeo-mor deu emcasa em 1833 verdadeira montanha de gulodices de accediluacutecar ldquobolinhos deraiva pudim de milho patildeo de loacute bolinhos de manteiga suspiros bolinhos deovos queijadinhas de alfenim e ovos tortilhas tapiocas de ovos pasteis de

qualhada cocadinhas de ovos laranjas seccas cajuacutes seccos limatildeo de caldardquoTodos esses doces e mais ldquoTrez pyramides de assucar refinado para enfeitedo meio da mesardquo ldquocujas pyramidesrdquo ndash acrescentava gentilmente Da Isabelndash ldquonada custamrdquo53

Natildeo admira diante dessas piracircmides de accediluacutecar que as iaiaacutes de engenhofossem senhoras tatildeo gordas que os proacuteprios senhores e sinhocirc-moccedilos fossemmuitos deles enormes de gordos alguns ateacute obesos como certos Wanderleyslouros de Serinhaeacutem ainda hoje doidos por mel de engenho com farinhaquebrando por amor dele sua dieta de diabeacuteticos O muito accediluacutecar concorriapara arredondar os ioiocircs as iaiaacutes as mucamas as matildees pretas os cavalos emcriaturas volutuosamente gordas E fazia ateacute de filtro amoroso para os donjuan e para os namorados

No arquivo de outro senhor de engenho o baratildeo de Jundiaacuteencontramos uma carta que eacute um elogio ardente da goiabada feita em casaem certo engenho do Nordeste O doce pernambucano teria agido comoverdadeiro filtro amoroso sobre uma mulher bonita do Rio de Janeiro Acarta eacute datada da corte e assinada por uma figura ilustre do tempo doimpeacuterio muito da intimidade poliacutetica e pessoal do marquecircs de Olinda ehomem erudito e sisudo Mas ao amigo ele se abre ldquoDize a senhorzinho queeu lhe envio hum abraccedilo muito apertado natildeo soacute como symbolo da nossaamizade como tambem em agradecimento dos grandes effeitos que suagoiabada tem me aqui produzido Si elle soubesse ou pudesse suppocircr queaquelle bello doce fez aqui brilhantes conquistas em favor de meo coraccedilatildeode linda cara e saboroso corpo certamente de inveja natildeo mrsquoo teria dado OhQue bellas noites aacute custa da goiabadardquo54

Sabe-se que algumas famiacutelias de engenho do Nordeste ligaram o nome adoces e bolos finos feitos em casa com todo o esmero e quase em segredoUma verdadeira liturgia do doce Uma quase maccedilonaria de famiacutelia ou decozinha O bolo Sousa Leatildeo eacute um dos mais caracteriacutesticos desse privatismoexagerado dos tempos patriarcais das almanjarras e dos banguecircs Uma dastradiccedilotildees mais ilustres da antiga civilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar do que oseu oacutecio e os seus vagares produziram de mais tiacutepico ndash desde a casa-grandede engenho Magaiacutepe ao poema de Maciel Monteiro ldquoformosa qual pincel emtela finardquo (diz-se que inspirado por certa iaiaacute muito bonita cujo retrato

pintado a oacuteleo ainda conhecemos na sala de visitas de velho casaratildeo doRecife) desde o punhal fino de Pasmado agrave festa do Santo Cristo de Ipojucacom senhores de engenho se humilhando na presenccedila dos negroscarregando cruzes enormes de madeira caminhando pelas ladeiras de peacute nochatildeo e cobertos de mortalhas Mas ao mesmo tempo pagando promessasfaustosas de muitas arrobas de cera E terminada a procissatildeo comendomuitos doces muitos bolos muita comida de accediluacutecar Ou mesmo comendo-osdurante a procissatildeo como era uso desde o seacuteculo XVI Flagelando-se mascom accediluacutecar na boca

A goiabada de Pernambuco por muito tempo foi doce feitoliturgicamente em casa Se hoje eacute um doce industrializado um simples docede lata sem misteacuterio nenhum e quase sem gosto a ponto de perder em saborpara a goiabada de Campos teve seu periacuteodo de gloacuteria nos grandes dias dacivilizaccedilatildeo patriarcal do accediluacutecar A geleia de araccedilaacute o doce de caju tambeacutemEm nossos dias o bolo Sousa Leatildeo o bolo Cavalcanti o bolo dr Constacircncio obolo do major o Fonseca Ramos o Guararapes resistem agrave industrializaccedilatildeonatildeo soacute pela sua natureza mais complexa como pelo ciuacuteme de sinhaacutes-donasilustres que conservam as receitas dos velhos bolos como joias de famiacuteliaReliacutequias quase sagradas das avoacutes gordas das tias paacutelidas que desciam elasmesmas agrave cozinha para fazer os doces da casa como para um ato quase dereligiatildeo

Mas o accediluacutecar de cana natildeo teve soacute entusiastas Ao muito doce naalimentaccedilatildeo da gente de engenho alguns criacuteticos foram atribuindo umaseacuterie de males Que os maus dentes dos aristocratas das casas-grandes ndash dasproacuteprias sinhaacutes segundo salientaram observadores holandeses do seacuteculoXVII ndash resultavam do muito accediluacutecar que consumiam Que algumas moccedilasdengosas soacute se alimentando de doces ndash com vergonha de comer carne epiratildeo ndash definhavam Que os meninos criavam lombriga do muito doce que aspretas davam a eles

ldquoFrequentes vezes se tem dito que o uso do assucar faz cahir os dentes ndashescrevia em 1839 um redator do O auxiliador da induacutestria nacional ldquomasde certo que natildeo satildeo os dos negros dos engenhos porque elles os teem todos ebrancos como perolasrdquo Os moleques com efeito chupavam muita cana Osmeninos tambeacutem muito rolete de cana E aleacutem de alfenim bebiam muita

garapa muito caldo de cana Mas parece que no interior das casas-grandesdentro das camarinhas eacute que era maior o consumo de doce e laacute eacute que seencontravam as pobres moccedilas bonitas mas de dentes podres que algunsobservadores tanto lamentaram no Brasil patriarcal As moccedilas que natildeo sealimentavam senatildeo de caldos de pintainhos bichinhos de alfenim geleiadoce confeito As de dieta mais variada de vida mais livre se desenvolviamem iaiaacutes gordas corpulentas agraves vezes ateacute em amazonas andando a cavalomelhor do que os ioiocircs Sinal de que a causa do enlanguescimento natildeo era oaccediluacutecar Eram outros erros de dieta e de vida

Quanto aos negros natildeo seria durante a colheita das canas ldquoapezar denessa epoca o seu trabalho se tornar mais fatiganterdquo que eles ficavam ldquomaisgordos e de melhor saude e mais alegres que em todo o resto do annordquo comoos retratou um cronista dos princiacutepios do seacuteculo XIX Eles como os bois queentatildeo comiam muito bagaccedilo de cana e tornavam ldquoa tomar toda a sua forccedila enidiez perdidos na outra metade do annordquo Vaacuterios cronistas datildeo o mesmodepoimento que esse recolhido pelo O auxiliador da induacutestria nacionalTempo de colheita de cana era tempo de negro gordo e de boi gordo Denegro satildeo e de boi sadio Os quais tambeacutem se regalavam no tempo de veratildeocom os cajus de que no litoral se espaccedilava o chatildeo nas terras de engenhosfavorecidos com cajueiros

Nos princiacutepios do seacuteculo XIX e eacute possiacutevel que desde eacutepoca mais remotajaacute se acreditava no Brasil na vantagem da cana-de-accediluacutecar contra oescorbuto Mal de que tanto sofriam os pretos e os brancos nas longas viagensde mar e ateacute em terra sob os rigores da monocultura quando finda a safrade cana faltavam frutas e legumes verdes aos engenhos mais descuidadosdos ldquomantimentosrdquo e dos pomares das culturas ancilares

Parece que o fato de em alguns pontos do paiacutes se terem encontradodesde os princiacutepios do seacuteculo XVI plantaccedilotildees de cana ndash dando origem agravesmuitas discussotildees sobre a sua origem entre noacutes ndash se prende agrave crenccedila queteriam os portugueses da eacutepoca (tatildeo experimentados nas viagens longas demar) na vantagem do suco da cana contra o escorbuto dos marinheiros55

O accediluacutecar de cana entrou no preparo de vaacuterias mezinhas caracteriacutesticasda medicina caseira do Nordeste ndash algumas descritas pelo folclorista ehistoriador Luiacutes da Cacircmara Cascudo em suas recentes e sugestivas ldquoNotas

sobre o Catimboacuterdquo publicadas nos Novos estudos afro-brasileiros ndashconservando o seu antigo papel de droga de artigo vendido nas boticas daEuropa do seacuteculo XVI para remeacutedio para emplastro para bruxedo Ousimplesmente para disfarccedilar o amargo de certos sucos de plantas medicinaisdos curandeiros negros e caboclos E natildeo soacute a medicina popular da regiatildeomas a poesia do povo ficou impregnada de accediluacutecar de cana do seu gosto doseu cheiro do seu visgo

Faltam aos modernos estudos afro-brasileiros as pesquisas iniciadas porMacedo Soares ndash pioneiro que estaacute sendo tatildeo esquecido ndash sobre a influecircnciabrasileira em vaacuterios trechos da Aacutefrica Influecircncia que se exerceu atraveacutes decolocircnias de ex-escravos natildeo tanto de engenho mas de armazeacutem e detrapiches de accediluacutecar que ali se estabeleceram tomando o nome deldquobrasileirosrdquo agrave maneira dos colonos portugueses que outrora enriqueciam noBrasil voltando agraves aldeias ldquobrasileirosrdquo e ldquoricosrdquo cheios de latas de doce degoiaba e de sacos de farinha de mandioca e conservando gostos costumes eestilos de vida adquiridos aqui O gosto da farinha O do mel de engenho Odo milho

Feitas essas sondagens ndash e agora mesmo estamos empenhados nelas coma valiosa colaboraccedilatildeo do pesquisador francecircs Pierre Verger haacute de ver-se queos negros do Recocircncavo da Bahia como os do extremo Nordeste queconseguiram voltar agrave Aacutefrica e aiacute se estabelecer agrave margem de duas culturasvivendo uma vida sociologicamente hiacutebrida isto eacute sem pertenceremdefinidamente a nenhuma cultura levaram para as aldeias africanas muitacoisa do complexo brasileiro da cana-de-accediluacutecar O gosto do accediluacutecar eacute dos queconquistam o homem de maneira poderosa Principalmente quandoadquirido na meninice mesmo na meninice do escravo nem sempre menosalegre que a do menino branco

O negro tornou-se parte do grande complexo brasileiro de cana-de-accediluacutecar A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar natildeo se teria feito sem ele ndash diga-se mais umavez Diga-se sempre O padre Vieira viu no negro o Cristo da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar ldquonatildeo ha trabalho nem genero de vida no mundo mais parecido aCruz e aacute Paixatildeo de Christo que o vosso em um desses engenhosrdquo E o padreCardim jaacute notara que muito sofrimento custava ao negro o fabrico de accediluacutecare muito pecado ao branco

A civilizaccedilatildeo brasileira do accediluacutecar que culminou em Pernambuco teve dedepender do escravo negro de modo absoluto Duarte Coelho compreenderadesde os seus primeiros dias de donataacuterio que o homem necessaacuterio agrave lavourada cana e ao fabrico do accediluacutecar era o africano Daiacute a importaccedilatildeo de escravospara a sua capitania se ter feito logo e com intensidade dando agrave NovaLusitacircnia as condiccedilotildees de permanecircncia e de continuidade de esforccediloagriacutecola que faltaram a outras capitanias

Por sua vez Duarte Coelho e Da Brites ndash eles e o grupo de portuguesessoacutelidos da pequena nobreza do norte de Portugal que os acompanharam aPernambuco ndash trouxeram para o Nordeste do Brasil a profunda afeiccedilatildeo agraveterra que faltou a tantos outros donataacuterios e colonos A cultura da canacorrespondia melhor a esse seu gosto de ldquoportugueses velhosrdquo afeiccediloados agraveterra que a exploraccedilatildeo do pau-de-tinta da canafiacutestula das peles tatildeosedutoras para os simples aventureiros e para os cristatildeos-novos

No caso de Duarte e de seus colonos a alianccedila do homem com a cana foio que se pode chamar um casamento de amor e natildeo simplesmente deinteresse Duarte Coelho fez da cana natildeo um substituto vegetal do ouro edos rubis que natildeo se encontraram aqui ndash para desapontamento dos colonosmais aventureiros ndash mas a base de uma organizaccedilatildeo agriacutecola que soacute o seuamor agrave terra ndash amor de velho agricultor ndash teria conseguido estabelecer comtanta bravura e com tanta seguranccedila nos troacutepicos Combatendo os iacutendios e osanimais mais contraacuterios ao avanccedilo do canavial do engenho da casa-grandeda capela ele combateu tambeacutem entre os seus os simples aventureiros quepretendiam fazer fortuna derrubando aacutervores e matando bichos paravender a pele

Sua voz jaacute lembramos que foi a primeira grande voz de portuguecircs que selevantou na Ameacuterica e talvez nos troacutepicos a favor da mata e da aacutervore Elenatildeo queria a mata devastada a esmo e brutalmente Pelo seu gosto o canavialteria avanccedilado com o miacutenimo de destruiccedilatildeo da riqueza nativa

Quando jaacute no fim da luta Duarte Coelho se descreve quase biblicamentea si proacuteprio como ldquoquem ganhou a terra e com tanto trabalho gasto fadiga ederramamento de sangue a pocircs no estado em que estaacute e que eacute o proacutepriopastorrdquo parece lamentar as canseiras de esforccedilo de soldado que o desviaramtantas vezes de sua grande vocaccedilatildeo a de fundador de lavoura Lavoura que

o prendesse para sempre atraveacutes dos filhos e dos netos agrave terra conquistadaAo chegar ao Brasil com a mulher com a parentela talvez com escravos

negros com bois com cavalos com sementes jaacute o animava um sentidoprofundo de permanecircncia o desejo de continuidade e natildeo de aventura Elenatildeo seria dos que ldquotudo queriam para Portugalrdquo utilizando-se das terras decana ldquonatildeo como senhores mas como usufrutuaacuterios soacute para a desfrutarem edeixarem destruiacutedardquo como disse frei Vicente de Salvador da maioria doscolonos do seu tempo Nem dos que a ceacutelebre crocircnica dos princiacutepios doseacuteculo XVII ndash os Diaacutelogos das grandezas ndash retratou em traccedilos tatildeo vivos osque aqui apenas se contentavam em fazer seus patildees de accediluacutecar natildeo sedispondo a plantar aacutervores frutiacuteferas nem fazer benfeitorias nas plantas nema criar gado nada que custasse muito esforccedilo ou levasse tempo Soacute amonocultura de lucros imediatos que entretanto natildeo deixava de exigircondiccedilotildees de estabilidade e de permanecircncia dispensadas pelo simplescomeacutercio de pau-de-tinta e de peles

Duarte Coelho amou as aacutervores e se afeiccediloou agrave terra a sua conquista dePernambuco foi uma colonizaccedilatildeo criadora onde dominou a influecircncia dovelho Duarte o canavial avanccedilou sempre com a capela e a casa-grandeanimando a paisagem de elementos novos dando-lhe cores novas novasfontes de vida e natildeo apenas matando os iacutendios os animais e as aacutervores

Nessas terras conquistadas aos iacutendios pelos colonos de Duarte Coelho sesemearam sementes e se plantaram aacutervores vindas da Iacutendia e da Aacutefrica Seabriram caminhos para os carros de boi e para os cavalos dos engenhos Secriaram vacas cabras carneiros Vaacuterios rios se encheram de barcaccedilas Novosestilos de embarcaccedilotildees resultaram do encontro do estilo portuguecircs de barcocom o indiacutegena de piroga Houve um contato fecundante do europeu coma terra virgem e natildeo apenas devastaccedilatildeo e conquista

Jerocircnimo de Albuquerque antes de casar-se com uma Melo talvez feiavinda do reino para sua esposa oficial fez de uma iacutendia filha de caciquematildee da numerosa famiacutelia brasileira de que sairia o primeiro cardeal daAmeacuterica do Sul Outras iacutendias diz a tradiccedilatildeo que sempre muito bonitasembora nem todas princesas tornaram-se matildees ou troncos de famiacuteliasdepois ilustres do Nordeste

A aristocracia dos canaviais tomou um pouco de sangue indiacutegena antes

de aprofundar-se na endogamia intensa das vaacuterzeas de rio onde os traccedilos eateacute as taras de algumas famiacutelias se fixariam de modo tatildeo caracteriacutesticotornando inconfundiacutevel em Pernambuco um Wanderley de Rio Formosoum Sousa Leatildeo de Ipojuca um Cavalcanti legiacutetimo um Albuquerqueautecircntico um Pontual de Escada um Correia de Goiana um AlbuquerqueMaranhatildeo um Rego Barros um Correia de Arauacutejo um Carneiro da Cunhaum Accioly Lins um Santos Dias um Bandeira de Melo Traccedilos eugecircnicosTraccedilos cacogecircnicos A forma do nariz o jeito de andar a boca o tamanhodas orelhas o volume das naacutedegas Esses traccedilos o espiacuterito popular agraves vezes ostem fixado em apelidos trovas quadrinhas onde se destaca o ldquonariz depapagaiordquo de uma famiacutelia a ldquocara de cavalordquo de outra a ldquoboca de sapordquo ou oldquoqueixo de tamancordquo de uma terceira a ldquobunda de tanajurardquo de uma quarta

Aliaacutes eacute interessante surpreender-se o reflexo das tendecircncias para aendogamia em vaacuterios ditados da regiatildeo Outros ditados se apresentam deinteresse antropoloacutegico ou psicoloacutegico-social pela caracterizaccedilatildeo de famiacuteliasaristocraacuteticas atraveacutes de traccedilos fiacutesicos testa estreita ndash pouca inteligecircnciaorelha muito pegada ndash tendecircncia para enriquecer orelha mole ndash preguiccedilanariz grande ndash sensualidade muito cabelo ndash maldade etc

Em nenhuma parte do Brasil a formaccedilatildeo da famiacutelia se processou tatildeoaristocraticamente como entre os canaviais da Nova Lusitacircnia Quer pelaorigem dos colonos trazidos por Duarte Coelho quer pelo gecircnero de vida dasgeraccedilotildees que se sucederam Vida ldquoagrave lei da nobrezardquo Vida fidalga Vida decasa-grande Endogamia Casamentos de primo com prima de tio comsobrinha A seleccedilatildeo sexual agraves vezes perturbada mas em geral favorecidapelas consideraccedilotildees de ldquoboa raccedilardquo pelos preconceitos da famiacutelia de sanguede antepassados56

As tradiccedilotildees rurais de que aqueles colonos foram aqui os continuadores eas facilidades que encontraram para a cultura da cana favoreceram odesenvolvimento dessa aristocracia quase feudal Jerocircnimo de AlbuquerqueMelo foi bem o continuador de Duarte Coelho ldquofilho legitimo do patriarcardquo ndashcomenta Oliveira Lima em estudo sobre a Nova Lusitacircnia na Histoacuteria dacolonizaccedilatildeo do Brasil ndash ldquoviveu tatildeo satisfeito com a vida de campo que deuocasiatildeo a ser conhecido com o apelido de carreiro fidalgordquo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste criou nesta regiatildeo brasileira

juntamente com o tipo de casa nobre caracteriacutestica dos engenhos o seu tipode aristocrata o seu tipo de escravo o seu sistema regional de relaccedilotildees entresenhores e escravos

Estas tudo indica que foram mais doces nos engenhos ndash sobretudo nosgrandes onde os escravos eram numerosos e passavam de pai a filhos ndash doque nas Minas do que no Paraacute do que entre paulistas No Nordeste doaccediluacutecar mais do que nas Minas ou em Satildeo Paulo o escravo se especializou nafigura do negro fiel capaz de dar a vida pelo seu branco Na figura da matildee-preta Da mucama quase pessoa de casa Do malungo quase membro dafamiacutelia

Dos elementos que foram por vaacuterios motivos transbordando daestrutura riacutegida ndash senhores e escravos ndash e constituindo-se pela fuga e pelaascensatildeo social na gente livre das casinhas de taipa dos casebres de barrodos mucambos de palha nos ldquosertanejosrdquo pobres ndash tantos deles louros comose esta circunstacircncia influiacutesse no fato de evitarem mais do que os outros azona escravocrata onde quase teriam de confratenizar com os negros ou comos mulatos livres nos quilombolas nos ldquomatutosrdquo nos mucambeiros dosarredores do Recife e das outras cidades da regiatildeo ndash eacute que se desenvolveu noNordeste uma especializaccedilatildeo regional de gente do povo agraves vezes trepidanteUns sob a influecircncia indireta dos grandes monocultores de accediluacutecar outrosindependentes deles e ateacute hostis agraves casas-grandes

No dia em que for bem estudada a chamada Guerra dos Mascates talvezse verifique que os mesticcedilos do Recife estiveram muitos deles do lado demecacircnicos e ateacute de ldquomascatesrdquo portugueses ao lado del-rei e contra aaristocracia dos homens dos engenhos ndash os ldquopatriotasrdquo de 1710 tatildeo ligados ainteresses de classe agraacuteria Em 1817 sabe-se que os mesticcedilos pobres e osnegros do Nordeste se dividiram ndash uns a favor outros contra aquelarevoluccedilatildeo regional em que padres e senhores de engenho tomaram parte tatildeosaliente

Em 1819 a propoacutesito de um alferes do regimento dos Henriques queparticipara da revoluccedilatildeo de 1817 escrevia para Lisboa o governador Luiacutes doRego Barreto ldquoIllmo e Exmo Senhor ndash Ponho na prezenccedila de V Ex orequerimento de Francisco Joseacute de Mello alferes que foi do extinctoregimento novo drsquoHenriques desta praccedila em que pede seiz mezes de

licenccedila para se justificar na prezenccedila de sua Magestade da sua conducta notempo da rebelliatildeo que me foi remettido por avizo de 9 de junho doprezente anno para eu informar com o meo parecer

ldquoNatildeo foratildeo todos os negros nem todos os mulatos os q tomaratildeo o partidodos rebeldes e se uniratildeo a elles porem dos homens destas cocircres aquellesque abraccedilaratildeo a cauza dos rebeldes a abraccedilaratildeo na de hum modo excessivoe insultante e fizeratildeo lembrar com frequencia aos moradores desta capitaniaas scenas de S Domingos Os homens mais abejctos desta classe os mesmosmendigos insultaratildeo seos antigos benfeitores seos senhores ou senhoras ese promettiatildeo com todo despojo a posse de huma senhora comoacontecimento infalivel este grao de orgulho jaacute era temivel quando ogovernador interino Rodrigo Joseacute Ferreira Lobo entrou nesta capitania ehuma das medidas mais efficazes que elle tomou foi punir promptamentecom accediloites a todos aquelles de quem se sabia algum facto notavel destaespecie ou que tenha commetido algum attentado a coberto da rebeliatildeordquo Econtinuava Luiacutes do Rego

ldquoDepois que tomei posse do governo continuei o mesmo exemplo menosrigorosamente e por poucos dias

ldquoEntre os sogeitos castigados no meo tempo foi o Supe que de facto foihum dos officiaes de Henriques mais violentos no tempo da revoluccedilatildeo e porque alem disto se dice delle q tinha feito maacuteo uso da patente e a tinharasgada alem de outras accuzaccedilotildees da natureza accima referidos e natildeoaprezentou a patente foi tractado como se nunca a tivesse

ldquoEm abono da verdade devo dizer que elle aprezentou agora a suapatente e que supponho esteja grudada com tiras de papel e parecedividida em quatro partes natildeo o estaacute no alto da patente aonde se percebeainda a uniatildeo do papel e que pode bem ser cortada pelo uzo e tal vez pelamesma causa esteja manchada supponho me parece cuidadosamentelavada

ldquoCom o requerimento do Supe tenho a honra de apresentar a V Exordf asua patente de que lhe mandei dar recibo pelo ajudante de ordens desemana e mais alguns documentos a que natildeo pertendo dar feacute mas que

mostram a opiniatildeo que havia do Supe quando foi castigado

ldquoFinalmente natildeo acho inconveniente em q tenha licenccedila para hir acorte e ateacute o poderaacute ser feito como simples paizano por que nunca ojulguei official nem o devo julgar natildeo sendo restituido ao seu posto por suaMagestade

ldquoDeos guarde a V Exa muitos annos Recife 30 de agosto de 1819 ndash

Illmomo Senhor Thomaz Antonio de Villanova Portugal ndash Luiz do RegoBarretordquo57

Em 1823 ndash data de um dos movimentos de maior significaccedilatildeo social nahistoacuteria do Nordeste movimento um tanto no gecircnero das ldquobalaiadasrdquo dasldquocabanadasrdquo das ldquotapuiadasrdquo ndash viu-se que a gente mesticcedila era parteconsideraacutevel da populaccedilatildeo do Recife mais que ao traseiro da cidade essamancha de gente de cor de negros e mulatos livres se estendia por becos ecamboas da cidade formava batalhotildees diversos e natildeo apenas o dosHenriques tradicionalmente fieacuteis aos senhores brancos

O movimento de 1823 que foi um movimento da gente de cor do Recifee natildeo uma simples demonstraccedilatildeo poliacutetica teve a adesatildeo da ldquoquase totalidadedas forccedilas de 1ordf e 2ordf linha bem como as companhias de Monta BrechasBravos da Patria e Intrepidos corpos patrioticos de mesticcedilos e negrosrdquoinforma um cronista da revolta baseado na ldquoDevassardquo de que se encontramanuscrito na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Esses corpos de mesticcedilos e negros vinham se organizando desde a guerraholandesa onde os homens de cor a serviccedilo dos grandes senhores das terrasde accediluacutecar se revelaram tatildeo bons soldados oacutetimos para as guerrilhas dado oseu conhecimento iacutentimo dos canaviais A especializaccedilatildeo militar resultavapara eles em prestiacutegio social

Junto com os corpos militares formaram-se desde anos remotos nascidades do Nordeste irmandades como a do Rosaacuterio todas de negros eadministradas por negros ndash agraves vezes soacute os tesoureiros brancos com prejuiacutezopara os interesses dos associados ndash e parece que natildeo admitindo senatildeo negroscomo para imitar as do Santiacutessimo Sacramento que segundo se diz natildeoadmitiam senatildeo brancos Embora o exclusivismo natildeo significasseantagonismo aos brancos natildeo deixava de indicar uma situaccedilatildeo diversa dados negros de engenho melhor acomodados ao sistema dos senhores eparticipando das suas devoccedilotildees debaixo da telha-vatilde das mesmas capelas

patriarcaisNo Recife os negros dos proacuteprios armazeacutens de accediluacutecar foram formando

uma espeacutecie de aristocracia de escravos superiores em prestiacutegio emboranem sempre em condiccedilotildees materiais de vida aos escravos das plantaccedilotildees decana No ambiente da cidade menos impregnada da autoridade dossenhores de engenho eles formavam uma corporaccedilatildeo agrave parte e tinham o seugovernador especial como se vecirc da ldquoProvisatildeo de 13 de setembro de 1776passada pelo governador Joseacute Cezar de Menezes pela qual foi nomeado opreto crioulo Manuel Nunes da Costa governador dos pretos mercadoresde caixas de accedilucar desta praccedilardquo58 Era a sombra del-rei distante

protegendo-os contra a dos senhores de engenho proacuteximosEstes fatos nos auxiliam a compreender o ambiente tocado de

ldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo embora uma consciecircncia vaga e miacutestica que teriafacilitado a revolta de gente miuacuteda e de soldados de cor que explodiu noRecife em 1823 Com o mesticcedilo Pedroso de cavanhaque e a cavalo ndash duasinsiacutegnias de autoridade ndash agrave frente da insurreiccedilatildeo o movimento dominou acidade por alguns dias enquanto natildeo chegaram dos engenhos os senhores acavalo e acompanhados de escravos que estabeleceram a supremacia dosengenhos sobre a cidade

A insurreiccedilatildeo era de soldados ndash negros e mulatos na sua maioria ndash e denegros e mulatos paisanos gente dos mucambos das palhoccedilas das casinhasde barro Frei Caneca refere nas suas Obras poliacuteticas e literaacuterias quePedroso foi visto em uma das palhoccedilas da estacircncia ldquorodeado de pretos epardos comendo bebendo e ouvindo cantar com uma negra sentada nocolordquo Vendo os provisoacuterios ldquoaleacutem do apertar com eles para que tomassemassento lhes disse entre outras palavras ndash sempre estimei esta cor eacute aminha genterdquo

Alfredo de Carvalho a quem se deve descriccedilatildeo tatildeo minuciosa emboraparcial dos motins de 23 informa que ldquoas notiacutecias dos sanguinolentossucessos da ilha de S Domingos onde os escravos revoltosos haviamtriunfado dos senhores circulavam amplamente comentadas e a muitossorria a esperanccedila da proacutexima desforra dos oprimidos com o estabelecimentoentre noacutes de um regime anaacutelogo sob os auspiacutecios do prepotente governadordas armasrdquo59 isto eacute o capitatildeo Pedroso Este instalado no Palaacutecio do

Governo e senhor da cidade por vaacuterios dias natildeo fez senatildeo recrutar dentre agente de cor seus homens de confianccedila promovendo negros e mulatos aoficiais dos corpos milicianos

Mas agrave revolta faltaria direccedilatildeo do mesmo modo que ambiente aldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo entre os negros e mesticcedilos do Recife natildeo existiasenatildeo vaga outras forccedilas impelindo-os tanto quanto os negros de engenhoagrave miacutestica da lealdade e dominante de modo quase absoluto nos canaviais doextremo Nordeste De maneira que foi relativamente faacutecil ao morgado docabo marchar sobre o Recife e entrar vitorioso nas ruas da capital a trote decavalo como um conquistador militar vindo dos canaviais para pacificar ametroacutepole do accediluacutecar Uma ldquoluzida multidatildeo de cavaleirosrdquo diria do morgadoe do seu seacutequito o major Antocircnio Acircngelo de Vasconcelos que assistiu agraveentrada triunfal dos senhores de engenho e dos seus escravos no Recifeamotinado pelos negros pelos mulatos livres pelos soldados de cor

Pedroso fora expressatildeo daquela insatisfaccedilatildeo social e talvez psicoloacutegica domulato ainda mal ajustado aos brancos tatildeo frequente na antiga sociedadebrasileira e a que nos referimos em trabalho anterior Do mulato quaseseparado do negro Quase separado de reivindicaccedilotildees de raccedila de regiatildeo oude classe Querendo o seu reajustamento quase exclusivamente individualMas utilizando-se do negro da classe oprimida ou da regiatildeo animada desentimentos autonomistas e ateacute separatistas como de um elementorevolucionaacuterio correspondente agrave sua insatisfaccedilatildeo como uma forccedila bruta masplaacutestica em suas matildeos ansiosas de domiacutenio em uma sociedade que eledesejava reorganizada sobre novas bases

Vecirc-se pela popularidade que Pedroso alcanccedilou entre a gente de cor dosmucambos da estacircncia que no Recife dos princiacutepios do seacuteculo XIX vivia aopeacute dos sobrados uma massa de gente preta politicamente vaga mas jaacute com asua significaccedilatildeo social e ateacute revolucionaacuteria ndash seu potencial revolucionaacuteriocomo diria o jovem escritor Aderbal Jurema

Eacute o que vai nos explicar novo movimento de insatisfaccedilatildeo da gente de cordo Recife que se verificou em 1824 com a rebeliatildeo do batalhatildeo dos pardoscomandados por Emiliano Mandurucu Atuava sobre Emiliano a sugestatildeo doexemplo do rei Cristoacutevatildeo

ldquoQual eu imito a CristoacutevatildeoEsse imortal HaitianoEia Imitai o seu povoOh Meu povo soberanordquo

Eacute um ponto a se estudar com minuacutecia a repercussatildeo dos grandesmovimentos de rebeldia dos escravos das Antilhas sobre as diferentes aacutereasescravocratas do Brasil Particularmente sobre as aacutereas de civilizaccedilatildeoaccedilucareira mais intensa como o extremo Nordeste e o Recocircncavo As duasgrandes civilizaccedilotildees do accediluacutecar na Ameacuterica ndash e das Antilhas e a do nordestedo Brasil ndash tendo seguido atitudes psiacutequicas e sociais diversas com relaccedilatildeoaos escravos africanos importados para as suas plantaccedilotildees de cana tiveramentretanto problemas comuns em face do negro e do mulato e natildeo deixoude haver repercussatildeo dos acontecimentos revolucionaacuterios verificados naFranccedila e nos Estados Unidos em Haiti e em Satildeo Domingos sobre o nordestedo Brasil

A ideologia libertaacuteria da Revoluccedilatildeo Francesa e da Revoluccedilatildeo Americanachegou aos dois sistemas escravocratas ndash o das Antilhas e o do Brasil ndash pelosmeios mais surpreendentes e mais sutis No Brasil ateacute por intermeacutedio dospadres Mas sem encontrar nunca entre noacutes ambiente tatildeo favoraacutevel ao oacutediodo escravo contra o senhor do preto contra o branco como o que encontrounaquela outra parte da Ameacuterica onde a monocultura do accediluacutecar igualmentesepara a populaccedilatildeo em senhores e escravos mas escravos e senhores maisdistanciados socialmente do que no nordeste do Brasil

O motivo para essa diversidade de ambiente jaacute se disse que foiprincipalmente a doccedilura maior do portuguecircs com relaccedilatildeo agrave gente de cor ohibridismo em que se abrandou tatildeo cedo a colonizaccedilatildeo do Brasil mesmoonde ela foi mais aristocraacutetica pela sua origem e pela distacircncia social impostapela teacutecnica de produccedilatildeo a senhores e escravos a brancos e homens de corAlgumas das famiacutelias mais nobres jaacute se recordou que no Nordeste tomaramdesde os primeiros anos sangue indiacutegena outras mais tarde ateacute sanguenegroide ou ilheacuteu como segundo bons depoimentos estrangeiros e adespeito de cartas de branquidade triunfalmente citadas por cronistasingecircnuos a famiacutelia de Joatildeo Fernandes Vieira E a verdade eacute que a poliacutetica

portuguesa no Brasil sempre foi neste ponto mais humana que a inglesa oua francesa nas Antilhas

A carta reacutegia de 1766 que em 1788 o novo provedor da Casa da Moedana Bahia Joseacute Venacircncio de Seixas em carta a D Rodrigo de Sousa Coutinhoconsiderava ldquohum erro de politica em administraccedilatildeo de coloniardquo60 foi ao

contraacuterio uma dessas expressotildees de gecircnio poliacutetico aplicado agrave administraccedilatildeodas colocircnias que natildeo uma nem duas mas vaacuterias vezes surpreendem a quemexamina os velhos documentos da colonizaccedilatildeo portuguesa do Brasil

Essa memoraacutevel carta reacutegia de 1766 a que se refere tatildeo injustamente oprovedor Seixas consagrava a iniciativa brasileira tomada durante a guerracontra os holandeses de se organizarem corpos de pardos e pretos ndash oshenriques ndash e de iacutendios ndash os iacutendios de Camaratildeo Corpos cuja accedilatildeo foraeficientiacutessima nas lutas contra os hereges O negro e o mulato cujacondensaccedilatildeo no extremo Nordeste e no Recocircncavo se explica pelasexigecircncias econocircmicas e sociais da organizaccedilatildeo accedilucareira seriam desde oseacuteculo XVII elementos de defesa militar poderosiacutessimos dessa mesmaorganizaccedilatildeo regional ameaccedilada pela cobiccedila holandesa

Em 1735 eram os negros e pardos do Nordeste honrados com estaspalavras vindas del-rei de Portugal ldquoEL REY Nosso Senhor ordena a V Sordfque logo que receber esta chamando a sua presenccedila todos os officiaes doterccedilo dos Henriques lhes declare no seu real nome que sua magestadeconserva muito vivas na sua lembranccedila as gloriosas accediloens com que semprese distinguiu o dito terccedilo E que tendo o mesmo senhor possuido certo queos seus leaes vassallos de que elle hoje se compoem hatildeo de querer parecernatildeo soacute descendentes mas verdadeiros imitadores dos heroes que tanto oillustraram se determinou sua magestade a lhes fazer a distincta honra de osempregar com as suas tropas regulares na defesa dos dominios meridionaesda America portugueza mandando-os passar ao Rio de Janeiro aacutes ordens domarquez do Lavradio vice-rei e capitatildeo-geral do Estado do Brasil conclusaesta breve exortaccedilatildeo a q V Sordf ajunte outras expreccedilotildees que lhe pareceremmais efficazes para melhor persuadir os ditos officiaes do muito que suamagestade confia do zelo valor e fidelidade da dita tropa auxiliar deHenriques formaraacute da gente mais escolhida do referido terccedilo hum batalhatildeode seiscentos homens nomeando para mestre de campo delle o official mais

distincto e de maiores merecimentos E para occuparem os outros postos osque lhe parecem mais capases de satisfazerem as obrigaccedilotildees delles

ldquoLogo que V Sa tiver concluida esta diligencia mandaraacute egualmente vir asua presenccedila os officiaes de todos os terccedilos de homens pardos E fazendo-lhes outra exortaccedilatildeo concebida nos termos acima referidos formaraacute outrobatalhatildeo tambem de seiscentos homens com seu mestre de campo e officiaescompetentes

ldquoEstes dous corpos devem levar os armamentos e fardamento que

tiverem assistindo-lhes V Sa com o que lhe for possivel e que vir que lhes heindispensavelmente necessario Para o transporte dos ditos corpos mandaraacute

V Sa fretar ou embargar sendo necessario as sumacas costerias ou outrasquaesquer embarcaccedilotildees que houver nesse porto Em falta dellas os mesmosnavios de companhia que se fizerem precisos para a mais prompta

expediccedilatildeo do referido transporte sendo V Sa entendido que a brevidadedelles he da maior importancia ao real serviccedilo

ldquoDeos guarde a V Sa Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em 12 de marccedilode 1735 ndash Martinho de Mello e Castrordquo61

As consequecircncias sociais da confraternizaccedilatildeo de homens de cor combrancos na guerra contra a Holanda natildeo soacute fizeram notar logo apoacutes acampanha ndash a guerra valorizara socialmente os elementos de cor e integrara-os com a regiatildeo ndash como permaneceram motivo de valorizaccedilatildeo da mesmagente de cor A tal ponto que essa valorizaccedilatildeo provocou ciuacutemes ou restriccedilotildees

O provedor Seixas na sua criacutetica agrave poliacutetica portuguesa no Brasil comrelaccedilatildeo agrave gente de cor diz que a carta reacutegia de 1766 ldquomandando formarcorpos milicianos desta qualidade de indiviacuteduosrdquo (refere-se aos homens decor principalmente aos mulatos) estes ldquose viram condecorados com postosde coroneis e outros similhantes com que esta gente naturalmentepersuadida adeantou consideravelmente as suas ideas vaidosas e que juntoao espirito do seculo os faz romper em toda a qualidade de excessosrdquo Osexcessos seriam natildeo soacute os democraacuteticos como os regionalistas e ateacuteseparatistas em que na verdade resvalaria mais de um mulato intelectual oumilitar do Nordeste Mas seriam tambeacutem os republicanos e os nacionalistasfavoraacuteveis ao desenvolvimento brasileiro

O alarme do provedor Seixas era provocado ostensivamente pela revoltade escravos negros organizados pela tal ldquogente naturalmente maispersuadidardquo ndash os mulatos ndash que esteve para rebentar na Bahia em 1798ldquoHuma das novidades inesperadas que aqui achei foi a do perigo em queestiveratildeo os habitantes desta cidade com huma associaccedilatildeo sediciosa demulatos que natildeo podia deixar de ter perniciosas consequencias semembargo de ser projectada por pecircssoas insignificantes porque para sefortificarem lhes bastavam os escravos domesticos inimigos irreconciliaveisdos seus senhores cujo jugo por mais leve que seja lhes eacute insuperaacutevel FoiDeus servido descobrir por hum modo bem singular a ponta desta meada aofim da qual julgo se tem chegado sem que nella se ache embaraccedilada pessocircade estado decente Creio que V Excia receberaacute nesta occasiatildeo huma contamuito circumstanciada que ensina a desconfiar para o futuro Eu natildeo possodeixar de me lembrar nesta ocasiatildeo que todas as ordens antigas dirigidas aoBrazil a respeito de mulatos os fazia conservar em hum certo abatimentoprohibindo-lhes a entrada em qualquer officio publico ou posto militarinhibiccedilatildeo que era ampliada ainda mesmo aos homens casados com mulatasrdquoNa verdade o que Seixas desejava era conservar no seu lugar todos osmulatos insubmissos ou natildeo E esse lugar era o de classe inferior O de sub-raccedila sem nenhuma das regalias da raccedila branca Sem a regalia dos postosmilitares por exemplo

Se eacute certo que certos corpos de pardos e de pretos no Nordestetornaram-se como o de Emiliano focos de insubordinaccedilatildeo e que os mulatoselevados a postos militares foram algumas vezes irrequietos da marca dePedroso aproveitando-se do que havia entre noacutes de oacutedio de negro contrabranco de escravo contra senhor da regiatildeo contra o todo brasileiro ou contraa metroacutepole o efeito mais comum da poliacutetica portuguesa de elevaccedilatildeo socialdo mulato parece que foi diminuir a prepotecircncia dos aristocratas do accediluacutecarndash tatildeo perigosa para a administraccedilatildeo da colocircnia e para a proacutepria unidadebrasileira ndash e abrandar as relaccedilotildees entre esses aristocratas e a gente de cordas cidades Dando oportunidade de ascensatildeo social aos mais aptos doselementos negroides a poliacutetica portuguesa soacute fez amolecer o antagonismoentre a populaccedilatildeo mulata livre tatildeo numerosa no extremo Nordeste e noRecocircncavo desde o seacuteculo XVII e os aristocratas quase feudais dos

engenhosOutro documento portuguecircs do fim do seacuteculo XVIII ainda ineacutedito nos

traz esclarecimentos sobre o assunto a carta que Rodrigo de Sousa Coutinhoescreveu a Bernardo Joseacute Lorena em 3 de janeiro de 1798 ldquoSua magestade

manda remetter a V Sardquo ndash escrevia Sousa Coutinho ndash ldquoas peticcedilotildees doshomens pardos e pretos dessa capitania afim que V S informe sobre as suaspretensotildees tendo poreacutem sempre muito cuidado que esta gente nem deve seroprimida nem muito favorecida porque desgraccediladamente tem visto quepor elles principiou e se tem suscitado todo o cruel fogo e incendio que temreduzido a miseria as mais ricas ilhas das Antilhas que possuia a monarchiafrancezardquo62

Sempre a sombra das revoluccedilotildees da gente de cor das Antilhas a apavoraros governos e os grandes proprietaacuterios de accediluacutecar no Nordeste do BrasilMesmo diante desse enorme pavor que dominou os governantes nos fins doseacuteculo XVIII e nos comeccedilos do XIX sente-se poreacutem a sabedoria da poliacuteticaportuguesa com relaccedilatildeo ao mulato brasileiro nenhuma opressatildeo ao mesmotempo que nenhum excesso de favor poliacutetico que teria sido entatildeoprematuro

A grande sabedoria da poliacutetica portuguesa no Brasil mesticcedilo esteve emtornar de tal modo plaacutestica a acepccedilatildeo social e legal de branco que dentrodela pocircde ir se acomodando o mulato triunfante a ponto de chegar emPernambuco a capitatildeo-mor nos tempos coloniais a ponto de se tornar parteda proacutepria aristocracia do canavial Saacute e Oliveira salienta casos interessantesde mulatos que nessa acomodaccedilatildeo agrave qualidade e agraves condiccedilotildees aristocraacuteticasde branco foram ao extremo de pretenderem se fazer passar ateacute pornoacuterdicos tal o mulato rico da Bahia casado com europeia do Norte que ldquotevehabilidade de mudar o timbre e inflexatildeo da voz para convencer ointerlocutor de que sua estirpe se estendia aos paiacuteses da Europardquo

Aliaacutes natildeo foram raras as vezes em que os mulatos do Nordeste ndashespecialmente do Maranhatildeo educados em Coimbra ndash tornaram-se maisportugueses pelo timbre e inflexatildeo da voz do que os senhores de engenhobrancos alguns ateacute branquiacutessimos africanizados na maneira de falar e essasolidariedade de voz e sotaque por certo que atuou no sentido de umaldquoconsciecircncia de espeacutecierdquo agraves vezes maior da parte deles mulatos bem-

educados com relaccedilatildeo aos portugueses do que da parte dos brancos velhosda terra com relaccedilatildeo aos mazombos O timbre da voz o sotaque o acento satildeoelementos de solidariedade social nada despreziacuteveis Prevalecem agraves vezessobre outros traccedilos de semelhanccedila ou atenuam antagonismos ou diferenccedilasAspecto da histoacuteria social e cultural da liacutengua portuguesa falada no Nordesteque estimariacuteamos ver estudado por um mestre do saber especializado emquestotildees de linguagem como o professor Maacuterio Marroquim autor do ensaioadmiraacutevel que eacute A liacutengua do Nordeste

Natildeo se pode generalizar sobre o negro ou o mulato do Nordeste dando-ocomo elemento por excelecircncia perturbador da civilizaccedilatildeo aristocraacutetica doaccediluacutecar o mesmo grande e violento elemento revolucionaacuterio que foi em SatildeoDomingos por exemplo Ou que foi o negro ou o quase-negro no HaitiDecerto ele foi aqui em muitos casos um insatisfeito um mal ajustadodentro do sistema terrivelmente simplista de senhores e escravos Mas natildeopor oacutedio radical de raccedila ou de classe por desajustamento psicoloacutegicoprincipalmente Este eacute que fez dele um introspectivo natildeo soacute individualcomo social E em alguns casos um rebelado Um rebelado nem semprecontra a Santa Madre Igreja ou a coroa de Portugal ou do Brasil Com estasalguns mulatos se identificaram quase por completo opondo-se agrave ideia derepuacuteblica que no Nordeste de 1710 e ateacute certo ponto no de 1817 parece tersignificado uma aspiraccedilatildeo ndash mais de classe que mesmo regional ou nacionalndash por um sistema de governo em que dominaria a aristocracia em suamaioria branca ou quase branca dos canaviais63

Eacute curioso salientar que no movimento revolucionaacuterio chefiado pelomesticcedilo Pedroso em 1823 os negros e mulatos sendo contra os ldquomarinheirosrdquoe ldquocaiadosrdquo foram tambeacutem contra os republicanos Que vaacuterios mesticcedilos e ateacutenegros deram padres bons e ordeiros desde os tempos coloniais Que mesticcedilofora Vieira ndash o padre Antocircnio Vieira sempre fiel agrave Santa Madre Igrejaembora natildeo se deixe de surpreender em sua vida e em seu apostolado certatrepidaccedilatildeo psicoloacutegica caracteriacutestica do mulato imperfeitamente ajustado agraveordem social dominante Essa trepidaccedilatildeo levou-o talvez a algumas de suasatitudes desassombradas de criacutetica aos senhores de engenho e aos governosdo Maranhatildeo

Destaque-se este fato significativo a melhor criacutetica que se fez no proacuteprio

Nordeste no correr da primeira metade do seacuteculo XIX do sistema que hojedenominamos numa tentativa de sistemaacutetica socioloacutegica que vemdespertando adesotildees de monocultura latifundiaacuteria e escravocratapredominante na regiatildeo fecirc-la um mulato livre-pensador do Recife A P deFigueiredo

Charles Comte escreveu que dentro dos sistemas escravocratas natildeo sedesenvolvem no homem as faculdades criacuteticas De fato a aptidatildeo para acriacutetica de ideias e para a criacutetica social surge raramente num ar tatildeo abafadocomo a atmosfera dos grandes sistemas patriarcais e escravocratas Pareceque dentro deles as aptidotildees intelectuais ou se deixam vencer pelo encantodas formas mais sensuais de expressatildeo ndash a oratoacuteria a poesia de amor oromance sentimental ndash ou se desgarram para a matemaacutetica ou para amiacutestica O caso de Sousinha nascido no meio escravocrata do Maranhatildeo

Agraves vezes tem havido desgarrados para o misticismo para a cabala paraum universalismo vago de crenccedilas um senhor de engenho de Pernambucojaacute deixou sua terra suas canas seus bois para ir viver entre os faquires e asvacas sagradas da Iacutendia Casos niacutetidos de evasatildeo

Antocircnio Pedro de Figueiredo foi um mulato do Nordeste que naprimeira metade do seacuteculo XIX e um pouco na segunda exerceu no Recifea criacutetica de ideias e a criacutetica social de modo agraves vezes surpreendente Eacute tal aindependecircncia e a sobriedade de alguns dos seus ensaios que se tem agravesvezes a impressatildeo de algueacutem que tivesse a vantagem da distacircncia ndashvantagem que a condiccedilatildeo de estrangeiro daacute quase sempre ao observador ndash acompletar-lhe a de intimidade profunda com o meio em que nasceu Natildeo secompreende que continue tatildeo na sombra tatildeo no escuro tatildeo dentro daalcunha que lhe deram os conterracircneos (sempre tatildeo apedrejadores dosprofetas) ndash a alcunha de ldquoCousin-fuscordquo ndash esse mulato que decerto natildeo foimenos significativo como revolucionaacuterio intelectual do meio escravocrata doNordeste e como criacutetico da organizaccedilatildeo patriarcal entatildeo predominante doque outros mulatos mais festejados Natividade Saldanha nos princiacutepios doseacuteculo XIX Tobias Barreto nos fins

A P de Figueiredo adjunto do Liceu de Pernambuco e redator-chefeda revista O Progresso eacute dos trecircs o que mais interessa a quem procuraestudar a histoacuteria intelectual e ao mesmo tempo a social da regiatildeo durante

o primeiro seacuteculo de independecircncia Porque em sua criacutetica social e de ideiasele soube resistir melhor que os outros agraves seduccedilotildees do planfleto da oratoacuteriae da demagogia por um lado e do exotismo por outro

Aos vinte anos ndash ainda um menino ndash jaacute Figueiredo traduzia do francecircspara o portuguecircs a histoacuteria da Filosofia de Victor Cousin Trabalho deminuacutecia de exatidatildeo e de pachorra em que se afirmava a disciplinaintelectual de que era capaz o adolescente do Recife Jouffroy diz-nos umbioacutegrafo de Figueiredo64 que foi entatildeo a sua grande leitura completada

pela de Owen de Fourier e parece que sobretudo pela de Saint-Simoncujas doutrinas socialistas procurou adaptar agraves condiccedilotildees e agraves necessidadesda regiatildeo

Porque o encanto da Filosofia Social desse mulato que aos vinte anos natildeofez versos mas traduziu Cousin eacute que teve sempre a tendecircncia para oestudo objetivo da economia da regiatildeo para a descriccedilatildeo e para a criacutetica dosistema latifundiaacuterio da cultura da cana predominante no Nordeste

Eacute possiacutevel que tenha tambeacutem atuado sobre ele no sentido desse criteacuterioregional de anaacutelise a obra riquiacutessima de sugestotildees de Charles Comte cujainfluecircncia se surpreende em vaacuterios outros publicistas brasileiros desdeFrederico Cesar Burlamaqui e Anselmo da Fonseca Mas se sente tambeacutemnele a influecircncia da nova Filosofia Social inglesa e ateacute alematilde

Em 1846 A P de Figueiredo escrevia no Recife na sua revista OProgresso ldquoSem duvida poderamos noacutes entoar sobre as lettras e as arteslongos dithyrambos cantar em phrases harmoniosas o seu alto valor social ecivilisador mas julgamos ser obra mais util ligar semelhante materia a umadas theses que mais acima estabelecemos quando enunciamos que o bemestar material eacute o antecedente logico dos progressos racionaes de todas asordensrdquo Sob esse criteacuterio talvez exagerado eacute que Figueiredo se ocupoucom tanta lucidez dos problemas regionais da agricultura e da induacutestriaparticularmente da questatildeo da grande propriedade que lhe parecia exigirsoluccedilatildeo urgente

ldquoA maior parte do territoacuterio da nossa provinciardquo ndash escrevia Figueiredo em1846 na mesma revista O Progresso65 referindo-se a Pernambuco ndash ldquoestaacute

dividida em grandes propriedades fragmentos das antigas sesmarias dasquaes mui poucas hatildeo sido subdivididas O proprietario ou rendeiro occupa

uma parte dellas e abandona mediante pequena paga o direito depermanecer em outra e de cultiva-la a cem duzentas e algumas vezes aquatrocentas familias de pardos ou pretos livres dos quaes elle se tornaprotector natural mas delles tambem exigge obediencia absoluta e sobreelles exerce o mais completo despotismo Dahi resulta que as garantias da leinatildeo satildeo para estes malaventurados que entretanto compotildeem a maior parteda populaccedilatildeo da provincia mas para estes proprietarios dos quaes 3 ou 4reunidos pelos laccedilos do sangue da amizade ou da ambiccedilatildeo bastam paraaniquilar numa vasta extensatildeo de terras as forccedilas e influencia do governordquo

Parecia-lhe necessaacuterio estabelecer-se quanto antes uma classe meacutediaque seria em grande parte dos pardos e pretos livres Mas para isto impunha-se uma medida violentiacutessima que ele com um simplismo ainda de moccedilaromacircntica julgava faacutecil e praticaacutevel na eacutepoca ainda meio feudal dividir asterras por onde se estendiam os canaviais dos grandes senhores ldquoEacute misterque os indiviacuteduos pouco abastados possam obter terras e cultival-as com acerteza de gozar dos productos condiccedilotildees que hoje natildeo existem porque ossenhores de engenho ou de fazendas se recusam obstinadamente a venderqualquer porccedilatildeo destas terras fonte e garantia do seu poder feudal eporque o desgraccedilado morador que se arrisca a plantar fica aacute mercecirc doproprietario que o pode despedir de suas terras dentro de vinte e quatrohorasrdquo Para conciliar semelhante necessidade com ldquoo direito absoluto depropriedaderdquo Figueiredo bateu-se por um imposto territorial proporcional agravesuperfiacutecie possuiacuteda pelo senhor de engenho ou fazendeiro66 e nessa

campanha foi talvez a certos exageros de simplismo ideoloacutegico Apenas natildeochegou ao violento antilusismo de outros reformadores sociais do Brasil doseu tempo sensiacutevel como decerto estava ao fato de que mais de uma vezfora Portugal pelo seu rei que impedira ou atenuara no Brasilparticularmente no Nordeste mais feudalmente patriarcal abusos deprivativismo dos ricos em sua exploraccedilatildeo dos pobres Do que desde remotosdias coloniais fora exemplo a exploraccedilatildeo das praias pelos proprietaacuteriosdetida afinal por provisatildeo de 17 de julho de 1815 e pela nada despreziacutevelrevoluccedilatildeo social que se seguiu a esse ato de intervenccedilatildeo do governo a favordos pescadores

ldquoEm Pernambuco natildeo sei se por falta de industria ou por obstaculos

reaes q jaacute tem frustrado alguas tentativasrdquo ndash dizia Caetano Pinto deMiranda Montenegro em 18 de junho de 1816 em documento de que seencontra manuscrito na Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado ndashldquonatildeo haacute redes do alto nem armaccedilotildees como na Bahia e Rio de Janeiro opeixe eacute pescado em jangadas a linha ou em curraes de q haacute grandenumero por toda a costa do sul e do norte Estes curraes satildeo formados entrea praia e o arrecife com morotildees cravados no fundo tecidos com varas

atados com cipoacutes e satildeo compostos de 3 divisotildees ou repartimentos o 1o aque os pescadores chamam a sala eacute o mais espaccediloso e a sua porta daacute franca

entrada e sahida ao peixe o 2o a que chamam chiqueiro do meio eacute mais

apertado mais ainda o peixe entra e sahe o 3o a q chamam chiqueiro dematar tem menor extensatildeo e eacute constituido de maneira que o peixe natildeopode sahir ndash Aleacutem destes 3 repartimentos tem mais a chamada espia q eacutecomo uma caniccedilada ou espaldatildeo em muitos delles de 40 50 e 100 braccedilasde comprido feito com os mesmos morotildees e varas a qual espia serve deencaminhar o peixe para o curraacuteo Esta especie de armaccedilatildeo embaraccedila o uzocommum da praia e mar em q estaacute estabelecida pois o q fez o curraacuteo como seu trabalho e despeza quer desfrutal-o exclusivamenterdquo E acrescentava

ldquoOs proprietaacuterios das terras limitrophes aacute praia costumam arrendar ossitios q nellas tinhatildeo em q os pescadores faziam caza para vivenda e paraguarda de seus pobres utensilios A renda de cada sitio era relativa aos peacutes decoqueiros q nelle havia avaliando-se regularmente cada um em 12 vintenspor anno natildeo entrando em conta os coqueiros muito novos ou muitosvelhos por darem pouco ou nenhum fruto si o sitio comprehendia curraacuteoo arrendamento deste era separado e algumas vezes ateacute soacute se fazia a pessoadiversa sendo a renda mais commum e ordinaria segundo a melhor oupeior localidade de seus 10 mil reis Mas depois q a provisatildeo regia de 17 dejulho de 1815 declarou injusto e abuzivo tudo que se exigia pelo uso do mare praias levantaram-se a maior parte dos rendeiros contra os proprietarios enatildeo soacute natildeo pagatildeo como dantes a renda dos curraes mas nem a mesma rendado sitio querendo que este seja hua parte da praiardquo Atitude francamenterevolucionaacuteria de pescadores contra proprietaacuterios de terras semelhantes agravedos ldquomoradoresrdquo contra latifundiaacuterios estudada por Figueiredo

A tentativa de revoluccedilatildeo que houve na eacutepoca contra o baratildeo de BoaVista ndash revoluccedilatildeo tatildeo demagoacutegica ndash natildeo fez perder o equiliacutebrio nem a fleumaao socialista mulato do Recife Semelhante revoluccedilatildeo ldquonatildeo podia ter outroeffeito sinatildeo substituir a supremacia geral da familia Cavalcanti por umgrande numero de familias menos poderosas sem grande vantagem para amaior parte da populaccedilatildeo que se acha sempre curvada sob o jugo dafeudalidaderdquo Ningueacutem mais pronto a reconhecer os serviccedilos de Boa Vista edo proacuteprio Suassuna ao progresso da regiatildeo o mal que inquietava aFigueiredo natildeo era dos homens entatildeo no poder mas o do sistema depropriedade e de trabalho predominate Este sistema o de quase feudalismobaseado sobre a exploraccedilatildeo latifundiaacuteria da cana-de-accediluacutecar e sobre aescravidatildeo do negro O que temos procurado caracterizar em nossos estudossob a denominaccedilatildeo de monocultura latifundiaacuteria e escravocrata e a seumodo feudal e natildeo apenas patriarcal

Essa figura sugestiva de mulato intelectual da primeira metade doseacuteculo XIX pede um estudo agrave parte mas natildeo quisemos deixar de fazecirc-lapassar por estas paacuteginas com o relevo de suas qualidades mais evidentes decriacutetico social num meio tatildeo desfavoraacutevel a tais pendores como o Nordestepatriarcal do seacuteculo passado O ldquoCousin-fuscordquo eacute inseparaacutevel da histoacuteria dacana-de-accediluacutecar no Nordeste O proacuteprio imperador tatildeo sensiacutevel agraves sugestotildeesintelectuais sobretudo agraves de cor filosoacutefica eacute possiacutevel que se tivesse deixadoinfluir pelas reflexotildees de Figueiredo quando precisamente na eacutepoca demaior atuaccedilatildeo do criacutetico do Recife ndash 1840 a 1850 ndash decidiu enfrentar comfirmeza a prepotecircncia dos grandes senhores dos canaviais

Outros publicistas se ocuparam entatildeo do assunto mas com ardor depanfletaacuterios Tal o padre Lopes Gama a quem natildeo faltou a coragem dedenunciar pelos nomes ndash e com toda a autoridade de sua condiccedilatildeo de padree de professor ndash alguns dos Cavalcantis e dos Regos Barros mais ricos daeacutepoca senhores de alguns dos latifuacutendios mais vastos do Nordeste naprimeira metade do seacuteculo XIX De denunciaacute-los como ladrotildees comocontrabandistas e como assassinos

Em Arruda Cacircmara com em Vilhena no padre Moniz Tavares como emFrederico Ceacutesar Burlamaqui em Nascimento Feitosa como em Abreu e Limaigualmente se encontram criacuteticas agraves vezes objetivas ao sistema latifundiaacuterio

e escravocrata do Nordeste Burlamaqui escrevendo em 1833 ndash sob ainfluecircncia niacutetida de Charles Comte ndash ocupou-se principalmente doMaranhatildeo ndash onde a criacutetica aos abusos da escravidatildeo fora iniciada por umhomem de gecircnio ndash o padre Antocircnio Vieira E Abreu e Lima fixou comagudeza criacutetica as condiccedilotildees regionais de luta de classe entre noacutes ndash colocircniade plantaccedilatildeo e depois impeacuterio de senhores e escravos

Mas a cor de panfleto tira a muitos desses ataques agrave aristocracia doscanaviais ndash ataques menos de homens a instituiccedilotildees que de homens contrahomens ndash o valor de criacutetica objetivamente social que se encontra nos escritosde Figueiredo Principalmente na sua seacuterie de pequenos ensaios algunsadmiraacuteveis publicados na revista O Progresso de 1846 a 1848

Esse esforccedilo de criacutetica ou de anaacutelise objetiva do sistema escravocrata elatifundiaacuterio do Nordeste teria na segunda metade do seacuteculo XIXcontinuadores muito mais brilhantes que Figueiredo Tavares Bastos eJoaquim Nabuco por exemplo Brancos finos de casa-grande desertandopara o lado dos negros e natildeo mulatos aristocratizados pela ascensatildeointelectual

E atraveacutes de todo o seacuteculo XIX vamos encontrar fazendo obra de criacuteticaou de anaacutelise quase socioloacutegica ao regime social predominante no Nordesteuma seacuterie de meacutedicos alguns educados na Europa

Mesmo quando meacutedicos de famiacutelias e um tanto sujeitos agrave economiapatriarcal das casas-grandes esses doutores do seacuteculo XIX souberam porinfluecircncia de sua formaccedilatildeo mais objetiva e mais cientiacutefica que a dosbachareacuteis e a dos cleacuterigos agraves vezes tambeacutem por sua condiccedilatildeo trepidante demulatos insatisfeitos desprender-se das acomodaccedilotildees ao sistemapredominante ndash o da lavoura latifundiaacuteria e escravocrata ndash e criticaacute-lo emalguns dos seus pontos mais delicados

O estudo da patologia individual levou-os ao estudo da patologia socialOs doentes levaram-nos agraves doenccedilas sociais A grande doenccedila raiz de quasetodas que era o sistema econocircmico dentro do qual o homem vivia ndash amaioria negra e parda escrava da minoria paacutelida e todos escravos da canaEscravos do accediluacutecar

Natildeo foi outro o caso de Aquino Fonseca um dos vaacuterios meacutedicos doNordeste educados na Europa ndash os Arruda Cacircmara os Simpliacutecio Mavignier

os Joaquim Serpa ndash a quem mais do que a bachareacuteis e a cleacuterigos devemos opouco de criacutetica objetiva que nos resta da fase mais intensa da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Brasil feita pelos proacuteprios contemporacircneos filhos da regiatildeo Erameles decerto os menos amolecidos pelas influecircncias e pelos abafos do meiona sua capacidade de introspecccedilatildeo de observaccedilatildeo de anaacutelise dediagnoacutestico social E viram os grandes males ligados agrave ordem social entatildeopredominante A prostituiccedilatildeo ndash para a qual concorriam os proacuteprios grandessenhores das terras de accediluacutecar e os seus filhos e os filhos dos seus compadreso Recife se enchendo de molecas e mulatas defloradas pelos maisdesabusados dentre eles A siacutefilis A maacute alimentaccedilatildeo O vestuaacuterio improacuteprioAs maacutes condiccedilotildees de habitaccedilatildeo O transporte e a venda de aacutegua em canoimundas

Conveacutem lembrar que desde Guilherme Piso trazido pelo conde deNassau a Pernambuco em 1637 como chefe do serviccedilo sanitaacuterio do Brasilholandecircs se iniciara no Nordeste o estudo das condiccedilotildees sociais da regiatildeo aolado do estudo propriamente meacutedico ou nosoloacutegico E esse estudo jaacute debaixode criteacuterio ecoloacutegico Ao mesmo tempo que as doenccedilas e as suas condiccedilotildeesnaturais e sociais da regiatildeo Piso procurou estudar as plantas do Nordesteconhecidas dos indiacutegenas que pudessem servir ao tratamento dos males aquiencontrados Ele jaacute nos fala da ipeca e da copaiacuteba de outras plantas quedois seacuteculos depois seriam a paixatildeo de Joaquim Jerocircnimo Serpa no seu quasenativismo meacutedico na sua quase mania de empregar no tratamento dosdoentes as drogas da regiatildeo de preferecircncia agraves exoacuteticas67 Do mesmo modo

que outros patriotas do seacuteculo XVIII e principalmente do XIX insistiram emcomer farinha de mandioca em vez de patildeo de trigo e em beber aguardentede cana em vez de vinho Parece que houve mesmo um nativismo religiosoou lituacutergico de que o grande bispo Azeredo Coutinho daacute sinal o uso dobenjoim em vez de incenso nas igrejas de Pernambuco68 E na arte da

renda o uso de material da regiatildeo ndash espinhos fibras etc ndash em substituiccedilatildeo amaterial tradicionalmente europeu

Destaque-se de passagem um traccedilo que bem caracteriza a inteligecircnciaou pelo menos o bom senso que orientou a poliacutetica portuguesa com relaccedilatildeoao Brasil o interesse da metroacutepole pelo conhecimento daquelas plantasregionais que pudessem beneficiar tambeacutem outras populaccedilotildees no reino e

nas colocircnias da Aacutefrica e da Aacutesia Nos vaacuterios volumes de Correspondecircncia daCorte que os nossos arquivos guardam como nos maccedilos de ricadocumentaccedilatildeo sobre o Brasil que se conservam no Arquivo do Ultramar ouHistoacuterico Colonial em Lisboa eacute frequente o pesquisador deparar comreferecircncias ao assunto A esse interesse deve-se tambeacutem o fato de terem sidotraduzidas e aclimadas no Nordeste vaacuterias plantas uacuteteis de outras regiotildeestropicais cuja cultura experimentada nos hortos del-rei soacute natildeo se propagoufacilmente entre noacutes devido ao exclusivismo dos proprietaacuterios das terras decana

Junto a esses saliente-se de passagem que procuraram tambeacutem agiralguns admiradores portugueses como D Fernando Joseacute de Portugal nosentido natildeo soacute da policultura como da adoccedilatildeo de meacutetodos mais adiantadosde cultura por exemplo no de se queimarem nas fornalhas dos engenhosldquoas canas jaacute moidas como praticam os inglezes e francezes nas Antilhasrdquo nosentido ainda do emprego de arados para cultivar as terras Eacute o que nos fazver a carta do mesmo D Fernando de 28 de marccedilo de 1798 que se conservaem manuscrito no Arquivo do Ultramar em Lisboa

Joatildeo Ferreira da Rosa o primeiro fiacutesico a ser enviado pela metroacutepoleportuguesa a Pernambuco com o fim de estudar a ldquoepidemia de malesrdquo quena segunda metade do seacuteculo XVII ameaccedilou de destruir a civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar no Nordeste do Brasil eacute outra figura do meacutedico que ficou associada agravehistoacuteria social da regiatildeo outra figura de teacutecnico que encarnou entre noacutesnatildeo apenas o bom senso da administraccedilatildeo colonial portuguesa mas ateacute a suatendecircncia para dar soluccedilatildeo cientiacutefica a problemas brasileiros

Diz-se que o Nordeste tivera suas condiccedilotildees de higiene melhoradasdurante o domiacutenio holandecircs e eacute provaacutevel que tal houvesse sucedido pelomenos no Recife e nos seus arredores com as obras de engenharia eprincipalmente com o sistema de canais de que o conde Joatildeo Mauriacutecio deNassau dotou a capital do accediluacutecar e no interior com as medidas tomadaspor ele contra os desmandos da monocultura da cana e a favor da plantaccedilatildeode legumes e de cereais pelas terras dos engenhos Estas medidas teriam-serefletido de modo favoraacutevel sobre a sauacutede da populaccedilatildeo Aleacutem disso odomiacutenio holandecircs nos teria trazido o saber meacutedico dos doutores judeus deAmsterdatilde e por consequecircncia melhor assistecircncia meacutedica e higiecircnica aos

habitantes do Nordeste Diz-se que a cidade da Bahia jaacute no seacuteculo XVII seapresentava cheia de meacutedicos judeus E do Recife Israel veria sair um dosseus maiores doutores em medicina de todos os tempos o grande Velosino

Joatildeo Ferreira da Rosa veio para Pernambuco quando as condiccedilotildees desauacutede puacuteblica eram peacutessimas na capitania E natildeo lhe escaparam asinfluecircncias de natureza social que estariam concorrendo para situaccedilatildeo tatildeoterriacutevel ldquoa costumancia nos peccados ou desregrados costumesrdquo Em Olindajaacute o pregador dissera alarmado com tanto pecado e com tanto luxo ndash oshomens soacute querendo vestir seda e veludo os cavalos ajaezados de prata asmulheres cobertas de peacuterolas rubis esmeraldas e diamantes as senhoras e asfilhas dos senhores de engenho e de outros homens afazendados trajandotatildeo ricamente como na corte de Madri ldquoOlinda seraacute abrazada por Olandardquo

Sabe-se pelos cronistas do seacuteculo XVII que no Nordeste principalmenteno Recife ndash que desde 1630 com o incecircndio de Olinda foi tomando relevona paisagem da regiatildeo ateacute tornar-se a verdadeira metroacutepole do accediluacutecar ndash erairregulariacutessima a vida sexual favorecendo a siacutefilis e as doenccedilas veneacutereas econtribuindo para o grande nuacutemero de crianccedilas ilegiacutetimas enorme aprostituiccedilatildeo ostensiva na cidade e um tanto disfarccedilada mas talvez aindamais brutal pelos engenhos

Com a falta de viacuteveres na regiatildeo (onde quase soacute se plantava cana e umpouco de mandioca) importava-se com toda a regularidade de Portugal edas Canaacuterias grande quantidade de alimento ldquoquarenta e cinco navios seempregavam anualmente no comeacutercio de transporte de gecircneros deimportaccedilatildeordquo69 lembra Pereira da Costa referindo-se a Pernambuco no

seacuteculo XVI Quase o mesmo excesso de importaccedilatildeo de viacuteveres continuariaatraveacutes do seacuteculo XVII Junte-se a isto o grande nuacutemero de navios que ocomeacutercio de accediluacutecar trazia a Pernambuco e agrave Bahia ndash no seacuteculo XVIaumentado pelos barcos de volta do Peru ndash e tem-se a ideia da frequecircnciade contatos do Nordeste atraveacutes do seu primeiro seacuteculo de civilizaccedilatildeoaccedilucareira com a Europa e com outras partes do mundo com as Canaacuterias ecom o Peru por exemplo com a Aacutefrica a Iacutendia e a China Terras donde osaristocratas brasileiros do accediluacutecar faziam vir seus adornos de sala seusmarfins seus chapeacuteus de sol e suas bengalas mais finas ndash ateacute o seacuteculo XIXinsiacutegnias de mando traccedilos de vida fina tatildeo particularmente caracteriacutesticos

do homem nobre da gente fidalga e volutuosa do NordesteSe desde tempos remotos anteriores agrave colonizaccedilatildeo agraacuteria jaacute esta parte

do Brasil recebera muito salpico de sangue europeu do Norte ndash o dosnormandos louros traficantes de pau-brasil tantos dos quais se deixaramficar pelas praias sombreadas de cajueiro colhendo madeira para os navios eemprenhando caboclas ndash essa infiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico soacute faria seacentuar atraveacutes dos primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo agraacuteria O accediluacutecar quetrouxe para a Nova Lusitacircnia com Duarte Coelho colonos tatildeo soacutelidos donorte de Portugal natildeo soacute atraiu para aqui de outras terras muitoaventureiro de nome ilustre como segundo tudo indica aventureirosnoacuterdicos de menor porte

Durante o domiacutenio holandecircs sabe-se que o litoral do Nordeste se encheude flamengos alematildees e ingleses Soldados e mercenaacuterios que deixaram noNordeste muito filho mulato ou mameluco apesar das tentativas de certasautoridades holandesas no sentido de conservar riacutegida a separaccedilatildeo debrancos e dos negros Eacute o que nos mostra confirmando nossas antecipaccedilotildeessobre o assunto manuscrito inglecircs do seacuteculo XVII referente ao Nordestedominado pelos flamengos70

Moreau se refere ao grande cruzamento entre noacuterdicos judeusportugueses negros e iacutendios que dava agrave populaccedilatildeo do Recife holandecircs umavariedade extraordinaacuteria de cor Houve casamentos entre holandeses emulheres portuguesas ndash casamentos e natildeo simples uniotildees Estes casamentosnatildeo teriam sido em nuacutemero insignificante como imaginam alguns Sabe-seque soacute uma viuacuteva pernambucana da melhor nobreza do accediluacutecar casousucessivamente com dois holandeses ndash o que mostra que natildeo eramimpossiacuteveis as uniotildees de mulher de famiacutelia ou origem catoacutelica comprotestantes

O que deve ter sucedido no Nordeste ndash de modo mais difuso talvez ndash eacute omesmo que sucedeu em Faial de maneira mais concentrada Aiacute foi grande acolonizaccedilatildeo flamenga iniciada por Job van Hurter Mas cerca de cem anosdepois quase natildeo se surpreendia nos nomes de famiacutelia vestiacutegio algum dospovoadores holandeses Tinham sido absorvidos pelos portugueses do mesmojeito que no Nordeste a populaccedilatildeo luso-brasileira suplantou rapidamente oelemento holandecircs os remanescentes Suplantou-os natildeo soacute pela

superioridade em nuacutemero como pela melhor adaptaccedilatildeo do portuguecircs aomeio tropical

E dado o predomiacutenio da liacutengua portuguesa aqui como na ilhacompreende-se como os nomes proacuteprios e os apelidos de famiacutelia dosholandeses que se uniram a senhoras ou moccedilas luso-brasileiras do Nordeste ndashnomes difiacuteceis de pronunciar e sempre com um ranccedilo de heresia ndash seestropiaram a ponto de natildeo permitirem a identificaccedilatildeo de sua origem ou sedissolveram em nomes portugueses e catoacutelicos Em Faial diz-se que jaacute foipossiacutevel identificar o apelido de famiacutelia Horta que por todos os motivosparece tatildeo portuguecircs como o de Hurter o patriarca da colonizaccedilatildeoflamenga da ilha o de Terra com Aertrijche Bruyn laacute como aqui deuBrum

As pesquisas genealoacutegicas sobre a gente do Nordeste ainda natildeo chegaramao trabalho tatildeo delicado e difiacutecil de identificaccedilatildeo de nomes portuguesescom holandeses Tais pesquisas sabe-se que quase se limitam aos cadernosque nos deixaram Jaboatatildeo e Borges da Fonseca tanto um como o outrodominados pela preocupaccedilatildeo de dourar o mais possiacutevel os apelidos defamiacutelia da regiatildeo Lopes Gama com a franqueza de sempre levanta sobre aintegridade do trabalho de Borges da Fonseca as maiores duacutevidas segundo opadre-mestre o manuscrito teria sofrido mais de uma adulteraccedilatildeo seacuteria Enatildeo eacute difiacutecil de admitir que agrave preocupaccedilatildeo de nobreza dos genealogistas daregiatildeo tenha acompanhado a de ortodoxia catoacutelica procurando-se em geralesconder qualquer desvio ou aparecircncia de desvio dessa ortodoxia sugeridapor nome menos latino e ao mesmo tempo menos catoacutelico que natildeo estivesseostensivamente purificado da mancha de heresia O caso de Gaspar van derLey que se fez catoacutelico com tanto alarde

O que se pode afirmar eacute que ainda hoje a populaccedilatildeo do Nordeste acusaem sua antropologia a persistecircncia de traccedilos noacuterdicos Eacute o caso de famiacuteliasde boa ascendecircncia rural da aacuterea mais profunda de civilizaccedilatildeo de accediluacutecar osWanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso por exemplo os Rabelo de NossaSenhora do Oacute de Goiana certos Lins da Paraiacuteba Muitos deles satildeo indiviacuteduosruivos e de olhos azuis as bochechas agraves vezes cor-de-rosa como as doshomens do norte da Europa em contraste com os Pontual os Sousa Leatildeo osGuedes Pereira os Santos Dias quase sempre muito morenos Ou entatildeo

paacutelidosEacute tambeacutem o caso de famiacutelias mais simples dos sertotildees do Nordeste

pastoril e meio nocircmade Para aiacute teriam talvez se deslocado do litoralescravocrata e sedentaacuterio ndash da aacuterea da cana-de-accediluacutecar do Nordeste agraacuteriondash quase todos os louros com a consciecircncia de raccedila mais viva e o espiacuterito deaventura mais forte Essa mobilidade talvez menos por uma questatildeo de raccedilacomo acreditaria um arianista do que por motivo de hereditariedade eprincipalmente de constituiccedilatildeo individual como sugerida talvez ummoderno estudioso de biotipologia E ainda por motivos psicoloacutegicos sociaiseconocircmicos Seriam tais louros em alguns casos restos de normandos ou deflamengos do seacuteculo XVI de alematildees ingleses e franceses dos tempos dainvasatildeo holandesa Figuras de aventureiros inadaptados ao sistemaeconocircmico ou agrave civilizaccedilatildeo do accediluacutecar com as suas exigecircncias quer desedentariedade quer de capacidade econocircmica para a instalaccedilatildeo faustosa defaacutebrica e de famiacutelia Exigecircncias difiacuteceis de satisfazer por gente tatildeo sem gostoe sem haacutebitos de fixidez e ao mesmo tempo tatildeo sem dinheiro Incapaz de seachatar com os mulatos com os caboclos com os portugueses brancos quasesem consciecircncia nenhuma de raccedila em simples moradores dos engenhos ndashsituaccedilatildeo que os forccedilaria ao comeacutercio sexual com gente de cor e que osobrigaria a uma subordinaccedilatildeo de vassalos das casas-grandes

Koster encontrou nos sertotildees do Nordeste ldquopessoas de tal alvura que naEuropa seriam admiradasrdquo71 Mas em geral o que notou o inglecircs no Nordeste

pastoril foi uma grande variedade de cor da populaccedilatildeo da branca agrave trigueiraE Tollenare escreveu dos homens do Nordeste pastoril que eram

ldquorobustos corajosos ativos e inteligentesrdquo realizando trabalhos que os negrosdo litoral talvez menos aacutegeis natildeo realizavam que o seu porte era ldquoaltivo eindependente como os dos montanhesesrdquo que o maior nuacutemero era desangue mesclado de branco e de iacutendio72

Talvez os mesmos motivos jaacute sugeridos para explicar a presenccedila de gentetatildeo alva no sertatildeo expliquem o possiacutevel deslocamento de elementos judeusdo litoral e principalmente da aacuterea mais profundamente dominada pelalavoura da cana-de-accediluacutecar e pelo olhar da Inquisiccedilatildeo para o Nordestepastoril que porventura guarda mais do que o agraacuterio traccedilos semitas em suapopulaccedilatildeo Semitas e ciganos Em certos trechos o Nordeste do pastoreio se

apresenta com um perfil antropoloacutegico e psicoloacutegico nitidamentediferenciado do da gente do litoral e da ldquomatardquo O perfil psicoloacutegicoapresenta talvez maiores pontos de semelhanccedila com o de certo tipo antigode paulista andejo empreendedor bandeirante do que com o do homem doNordeste agraacuterio Gente mais volutuosa e mais arredondada pelasedentariedade Gente que no seacuteculo XVII se mostrava incapaz da eficiecircnciamilitar dos bandeirantes contra os negros dos quilombos como salientaAfonso de E Taunay em sua obra monumental sobre as bandeiras E nosnossos dias incapaz de accedilatildeo colonizadora dos cearenses no Amazonas Doscearenses e dos paraibanos sertanejos

Resta salientar que o fato do esplendor do accediluacutecar no Nordeste teratraiacutedo desde o seacuteculo XVI tantos navios e tantos mariacutetimos e no seacuteculoXVII tantos soldados mercenaacuterios e aventureiros e tantas prostitutas donorte da Europa natildeo pode deixar de ter contribuiacutedo cacogenicamente paraa miscigenaccedilatildeo no Nordeste As uniotildees ou cruzamentos de tais indiviacuteduoscom mulheres da terra e com as negras da Aacutefrica se teriam verificado emcondiccedilotildees sociais as mais desfavoraacuteveis para os filhos e alguns teriamtransmitido agrave prole tatildeo infeliz o peso da inferioridade bioloacutegica e natildeo apenassocial

Mas entre os mercenaacuterios entre os soldados entre os aventureiros emariacutetimos estariam elementos satildeos animais vigorosos noacuterdicos de belaestampa que teriam deixado no Nordeste bastardos do tipo dos mulatos daAacutefrica holandesa estudados por Fischer sararaacutes bonitos mesticcedilos eugecircnicose nem sempre moleques feios pardos cocogecircnicos mesticcedilos desengonccedilados

Para o nuacutemero possivelmente maior no Nordeste da cana-de-accediluacutecar doque no outro de doacutelicos e principalmente de mesoceacutefalos parece terconcorrido ndash talvez com outras influecircncias do meio e de dieta ndash essainfiltraccedilatildeo de sangue noacuterdico reforccedilada pela presenccedila muito maior emterras de cana de escravos africanos em sua maioria mesoceacutefalos e natildeobraquiceacutefalos como em grande nuacutemero os indiacutegenas da regiatildeo

Eacute verdade que a seleccedilatildeo de africanos para a lavoura no extremoNordeste parece que se fez principalmente no sentido do cambinda ou dobenguela que seriam os mais vigorosos e os mais aptos para a agricultura dacana e para a induacutestria do accediluacutecar Eacute a informaccedilatildeo de Tollenare baseado no

que viu em Pernambuco e no que aqui lhe disseram nos princiacutepios do seacuteculoXIX Negros portanto sem as formas alongadas dos africanos mais altos edinacircmicos Tollenare fala mesmo nas pretas a quem fazia falta um pescoccedilolongo Eacute que a maioria dos negros dos engenhos do extremo Nordeste seriamcambindas e benguelas congos e angolos Negros bacircntus Por conseguinteem grande nuacutemero ldquode pequena estatura tronco possante membros curtospantorrilhas bem desenvolvidasrdquo Como lembra Bastos de Aacutevila em suacolaboraccedilatildeo para os Novos estudos afro-brasileiros ldquoO sudanecircs seria umatleta na concepccedilatildeo de Kretschmer o Bacircntu um piacutecnicordquo

Barleacuteus notara no seacuteculo XVI que os melhores trabalhadores agriacutecolasdentre os escravos importados para o Nordeste eram os da Angola os taisnegros piacutecnicos soacutelidos e peacutes-de-boi Nina Rodrigues nos seus estudos sobrea procedecircncia dos africanos colonizadores do Brasil daria aos elementosbacircntus ndash ao angola e congo principalmente ndash predominacircncia na colonizaccedilatildeonegra de Pernambuco e ao elemento sudanecircs grande maioria na da BahiaDa Bahia em geral sem particularizar a aacuterea do accediluacutecar Eacute tambeacutem aconclusatildeo de Artur Ramos hoje o maior especialista brasileiro em assuntosafricanos de Pedro Calmon e de Renato Mendonccedila dois outrospesquisadores de nota

Como a importaccedilatildeo dos negros para o extremo Nordeste parece natildeo terobedecido tanto quanto para a Bahia a necessidades urbanas ao lado dasrurais nem a desejos esteacuteticos e amorosos de comerciantes sem famiacuteliaregular ou mais exigentes que os senhores de engenho em assuntos dehareacutem mas quase exclusivamente aos interesses da lavoura da cana e dainduacutestria do accediluacutecar pode-se supor com bons fundamentos que acolonizaccedilatildeo africana da aacuterea da cana se conformou principalmente agravequelasexigecircncias As exigecircncias de uma lavoura e de uma induacutestria que pedindovigor fiacutesico ao operaacuterio ndash o vigor fiacutesico e a sedentariedade do chamadopiacutecnico ndash exigia tambeacutem uma experiecircncia agriacutecola e um grau deadiantamento teacutecnico que natildeo podiam oferecer por exemplo osbosquiacutemanos e hotentotes

Eacute certo que atraveacutes dos anuacutencios de escravos fugidos nos jornais dePernambuco ndash principalmente no Diaacuterio de Pernambuco ndash surpreendem-se traccedilos ou evidecircncias da presenccedila entre os negros do extremo Nordeste

desse elemento mais atrasado em cultura e do ponto de vista do vigor fiacutesicoe do ideal europeu de beleza menos desejaacutevel a pouca altura os peacutes aindamais apapagaiados que os dos outros a bunda grande empinada ouarrebitada Mas atraveacutes das proacuteprias evidecircncias dos anuacutencios de escravosfugidos o tipo predominante de negro no extremo Nordeste parece ter sidoo de altura regular ou mediana forte de corpo possante de tronco natildeomuito preto bonita figura bonitos dentes orelhas pequenas E quandoaparece a nota de procedecircncia ou esta se faz anunciar mais nitidamentepelos traccedilos de fisionomia pela cor da pele pela descriccedilatildeo do cabelo ou dopelo ou entatildeo pelas ldquomarcas de naccedilatildeordquo ou pelos sinais de tatuagem ndash essestraccedilos e sinais satildeo em grande nuacutemero de ldquonaccedilotildeesrdquo do Congo e da Angola

Pode-se concluir que a colonizaccedilatildeo africana do extremo Nordeste natildeo foitatildeo fina ndash nem do ponto de vista europeu de esteacutetica nem do de culturamoral e material ndash como a sudanesa que abrilhantou e enriqueceu de modotodo especial a Bahia Sobretudo ao que parece a Bahia urbana Mas foidominada por um tipo de negro forte e plaacutestico embora inferior agravequele emaltura delicadeza de traccedilos e elementos de cultura Geneticamente bom etecnicamente jaacute na fase agriacutecola apto ao serviccedilo da lavoura de cana que erao meio de seleccedilatildeo de negros para o Nordeste agraacuterio

Tollenare viu nos mercados de escravos do Recife ldquograndes latagotildeesmusculosos ocupados a fiar algodatildeordquo que lhe lembraram ldquoHeacutercules em casade Onfalerdquo73 Latagotildees que se adaptavam a uma variedade de trabalhos

sedentaacuterios ndash ateacute aos trabalhos de mulher Os mesmos negros fortes ele veriadepois curvados sobre as terras do engenho Salgado ndash os homens cortando ascanas as mulheres as enfeixando os carros de boi carregando os feixes doscanaviais para os engenhos Os mesmos pretos musculosos ele surpreenderiadebaixo dos telheiros dos engenhos levando as canas agrave boca das moendas efazendo-as passar pelos cilindros o nuacutemero de vezes suficiente ndash trabalhoque lhe pareceu exigir ldquocerto grau de inteligecircnciardquo e no qual se podiamadmirar ldquoas formas esbeltas e flexiacuteveis dos pretosrdquo agitando o mel com ascolheres e fazendo as transfusotildees alimentando o fogo das fornalhas comlenha verde transportando as focircrmas para a casa de purgar quebrando ospatildees de accediluacutecar cristalizados e purgados pondo o accediluacutecar para secarpilando-o encaixotando-o

Pelas proacuteprias exigecircncias da lavoura da cana e principalmente dateacutecnica da induacutestria do accediluacutecar repita-se que foi uma colonizaccedilatildeo de genteem grande parte robusta e com alguma experiecircncia agriacutecola e industrial Porconseguinte em estado de cultura superior ao dos indiacutegenas que sob apressatildeo desse elemento invasor fiacutesica e tecnicamente mais capaz de servirjunto com os bois de carro agraves necessidades do canavial se retirariam para ossertotildees para a lavoura de farinha de mandioca para a luta com bois brabos eos cavalos selvagens para as formas mais agrestes de pastoreio que ficousendo no Nordeste uma atividade mais de caboclos de mamelucos debrancos e quase brancos do que de pretos e de mulatos

O negro e o mulato do extremo Nordeste (o mulato resultante de umbranco na sua maioria do norte de Portugal e de um negro em grandenuacutemero bacircntu e segundo as melhores evidecircncias do Congo e da Angola) sechegaram aos sertotildees distinguindo-se no proacuteprio pastoreio e no proacutepriocangaccedilo foi por exceccedilatildeo concentraram-se principalmente ndash em grandeparte por imposiccedilatildeo do sistema de escravidatildeo que os trouxe da Aacutefrica oudebaixo do qual nasceram nas senzalas ndash no Nordeste da cana-de-accediluacutecar Alavoura da cana desenvolveu-se sobre o negro ndash ldquoos peacutes e as matildeos do senhorde engenhordquo dizia Antonil no seacuteculo XVIII A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar sobre omulato o curiboca o cabra da bagaceira a matildee-preta a mucama a ldquobaianardquo

Tollenare nos deixou sobre o fiacutesico do negro de engenho do Nordeste ndashque ele conheceu no iniacutecio do seacuteculo XIX ndash alguns traccedilos muito expressivosmenos robusto que o carregador francecircs poreacutem os movimentos menosduros o peito abaulado a coxa nervosa a pele negra luzidia desprovida depelos deixando perceber todo o jogo de seus muacutesculos muito moacuteveis osbraccedilos e sobretudo as pernas ndash justamente o que era menos deles e mais dossenhores ndash ldquode ordinaacuterio fracosrdquo diz o francecircs mas acrescentando ldquovinegros com formas de Apolordquo74

Quase se pode considerar o depoimento do observador francecircs umasiacutentese dos numerosos perfis antropoloacutegicos de pretos de engenho que nosfornecem os anuacutencios de negros fugidos nos jornais do Nordeste nos quaisentretanto a cor preta retinta eacute menos saliente que a ldquonatildeo muito pretardquoTambeacutem por esses anuacutencios passam negros com formas de Apolo as mesmasformas que Mansfield quarenta anos depois de Tollenare admiraria nos

pretos de Pernambuco Tambeacutem pelos anuacutencios passam em nuacutemero que sepode considerar representativo figuras esplecircndidas de negras como as que ofrancecircs conheceu nos engenhos de accediluacutecar de peito firme os ombros ebraccedilos bem modelados e algumas ldquoque se poderia qualificar de bonitas se opescoccedilo mais longo desse melhor desembaraccedilo agrave cabeccedilardquo Negros e negras depescoccedilo curto e peito abaulado e natildeo somente de formas alongadas como ossudaneses e que seriam talvez natildeo soacute por superioridade de cultura comopor constituiccedilatildeo individual os mais inclinados agrave aventura da fuga aomovimento agrave rebeldia contra os senhores brancos os menos acomodados agraverotina do trabalho de fazer accediluacutecar

No extremo Nordeste e no Recocircncavo da Bahia o elemento negro de boaorigem ndash quanto agrave sua composiccedilatildeo geneacutetica e quanto aos seus dotes decultura ndash juntou-se agraves vezes a portugueses em grande parte tambeacutem deboa composiccedilatildeo geneacutetica e de situaccedilatildeo social superior ndash os colonos de DuarteCoelho e seus descendentes por exemplo ndash para formar grupos de mulatosdos mais capazes de nossa populaccedilatildeo mesticcedila e que concorreriam para oenriquecimento natildeo soacute intelectual ndash como jaacute foi acentuado ndash maseconocircmico da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar em particular e da brasileira em geralForam os mulatos que se tornaram os mestres de accediluacutecar os maquinistas osmarceneiros os carpinteiros dos engenhos mais tarde engenheiros emeacutedicos dos muitos que a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar produziria jaacute na decadecircnciado seu patriarcalismo

Se a raccedila como lembram os antropoacutelogos modernos conta menos do quea composiccedilatildeo geneacutetica das populaccedilotildees o extremo Nordeste podeapresentar-se como uma regiatildeo particularmente bem dotada do ponto devista dos elementos que lhe serviam de base agrave colonizaccedilatildeo branca e negra desuas terras de cana os colonos de Duarte Coelho ndash e natildeo nenhum grupo dedegredados criminosos e aventureiros ndash do lado dos brancos e dosafricanos os negros em sua maioria bacircntus tambeacutem agraacuterios

E recolhidos em grande nuacutemero natildeo da parte inferior mas quasesempre da parte superior das tribos Agraves vezes eram vendidos como escravospara as plantaccedilotildees da Ameacuterica segundo recorda Herskovits75 referindo-se

agrave Aacutefrica Ocidental os candidatos malsucedidos aos tronos dos pequenosreinos eles suas famiacutelias e seguidores e os chefes que tinham combatido por

ele Grandes massas de gente da melhor da mais capaz da mais eugecircnica enatildeo os indesejaacuteveis do ponto de vista da moralidade das tribos como jaacutehouve quem insinuasse Aliaacutes podia-se dizer a esse respeito o mesmo que arespeito dos criminosos portugueses deportados para o Brasil nem todoseram desterrados por crimes que hoje considerariacuteamos crimes mas vaacuterios porpecadilhos de amor e de heresia

Tollenare conheceu em Sibiroacute uma negra de engenho com dois braccedilostorados pela moenda de espremer cana Uma mulher bonita de vinte e setea vinte e oito anos muito alegre e palradeira Teria sido um caso deincompetecircncia africana de incapacidade do negro para o trabalho maisdelicado do fabrico do accediluacutecar Natildeo A pobre negra de braccedilos torados era umcaso de acidente devido ao seu pouco haacutebito a qualquer espeacutecie de trabalhomanual Ela se chamava Teresa Rainha e era muito respeitada pelos outrospretos tinha sido rainha de Cambinda Surpreendida em pecado de amorfora condenada agrave escravidatildeo Chegara a Pernambuco com os braccedilos que amoenda haveria de comer ainda cheios de anelotildees de cobre dourado ndash sinalde rainha

De outros reis e rainhas destronados que trabalharam nos canaviais enas casas de purgar falam as tradiccedilotildees regionais Os incompetentes os quese deixavam torar facilmente pelas moendas ou eram criaturas que nuncatinham trabalhado por ser reis princiacutepes rainhas ou eram pretos doentesde banzo Inadaptados natildeo ao trabalho agriacutecola mas agrave escravidatildeo

Se muito negro fugiu dos engenhos ou trabalhou toda a vida semvontade nos canaviais natildeo se deve concluir daiacute que os pretos fossem todosuns malandros uns incapazes uns inadaptados agrave lavoura O proacuteprioabandono dos canaviais e dos engenhos de cana pelos pretos quando se deua aboliccedilatildeo natildeo pode servir de prova a favor do suposto ldquooacutedio agrave lavourardquo docolono africano do Brasil

Os que associam esse ldquooacutedio agrave lavourardquo do preto ou trabalhador brasileirode origem africana a uma suposta predisposiccedilatildeo de raccedila esquecem o amor agraveterra manifestado pelo preto na Aacutefrica e esquecem os meacutetodos eficientesde trabalhar no campo desenvolvidos por tantas tribos negras naquelas aacutereasde cultura africana baseadas sobre a lavoura

Ainda haacute pouco um rapaz africano que estudou em Oxford ndash e fez

depois conferecircncias nas escolas da Inglaterra e da Dinamarca sobre oscostumes e as aspiraccedilotildees de sua gente ndash Parmenas Githendu Mockeriereuniu em livro ndash livro prefaciado por Julian Huxley ndash natildeo soacute uma seacuterie deobservaccedilotildees curiosas sobre a vida em Kikuyu como alguns documentos designificaccedilatildeo social sobre o povo daquele paiacutes Um deles o depoimento doinglecircs J E Henderson perante a comissatildeo nomeada para investigar aquestatildeo de reserva de terras em Kikuyu

O observador inglecircs salientou aiacute o perigo que haveria em arrancar dosnativos ndash por violecircncia ou mesmo docemente por compra ndash sua terraagriacutecola agrave qual se achavam presos pelo trabalho e por todo um sistema devida e ateacute de religiatildeo Seria motivo para revoltas salientava o inglecircs Ou entatildeondash acrescenta-se ndash para uma forma de resistecircncia passiva mas terriacutevel paraqualquer colonizaccedilatildeo agraacuteria o desinteresse do homem nativo pelo trabalhoagriacutecola

O que se deve salientar eacute o seguinte que uma coisa eacute o homem dentrodo seu proacuteprio sistema de cultura e outra coisa eacute ele desenraizado dessesistema e sujeito pela conquista militar ou pelo regime de trabalho escravo aum gecircnero de vida artificial estranho aos seus desejos aspiraccedilotildees einteresses mais iacutentimos Foi o que se deu de modo geral com o colonoafricano do Brasil Ele foi arrancado violentamente do seu meio ndash quase soacute sefazendo questatildeo de suas matildeos de seus peacutes e de seus oacutergatildeos de procriar ndashpara tornar-se escravo num tipo de lavoura oposto agraves suas praacuteticas agriacutecolasEsse tipo de lavoura foi a grande plantaccedilatildeo a monocultura latifundiaacuteria

O fato de tanto preto aqui nas Antilhas e no sul dos Estados Unidos terse suicidado de raiva de dor de saudade foi apenas o aspecto mais traacutegicodo fenocircmeno de desenraizamento Matildeos peacutes e oacutergatildeos genitais que natildeosuportaram a separaccedilatildeo do resto do corpo ndash que era a tribo com a suareligiatildeo os seus ritos as suas danccedilas A dor do desenraizamento se exprimiutambeacutem numa seacuterie de atitudes menos dramaacuteticas Na falta de interessepela vida No banzo Na lombeira Na preguiccedila Na libertinagem Namasturbaccedilatildeo entre os moleques mais tristonhos Na inclinaccedilatildeo aomasoquismo entre os mais doacuteceis aos senhores e aos sinhozinhos brancos

Mesmo assim natildeo haacute duas opiniotildees sobre este ponto sem o trabalhadornegro ou de sangue africano o colonizador portuguecircs natildeo teria desenvolvido

nesta parte dos troacutepicos uma civilizaccedilatildeo agriacutecola que teveincontestavelmente virtudes entre os muitos e grossos defeitos Sem o negronatildeo teria havido colocircnia de plantaccedilatildeo no Brasil tropical natildeo teria havido acivilizaccedilatildeo de accediluacutecar que alcanccedilou talvez seu maior esplendor no extremoNordeste e no Recocircncavo da Bahia

Quando entre noacutes as matildeos e os peacutes escravizados do negro puderamjuntar-se ao resto do corpo e formar homens completos o africano deu umagrande prova do seu amor pela terra e do seu jeito para lavrar os camposEssa prova dos nove das qualidades agriacutecolas do negro foi Palmares Foi asociedade agraacuteria que aiacute se formou no seacuteculo XVII com pretos fugidos dosengenhos e caboclas raptadas agraves aldeias mais proacuteximas

Entre os negros dos Palmares o capitatildeo holandecircs Blaer encontrou tantaldquoroccedila abundanterdquo tanto milho tanta touceira de bananeira ndash aleacutem da cana-de-accediluacutecar do feijatildeo da mandioca e das muitas palmeiras ndash que a paisagemcontrastava com a dos engenhos soacute canavial e resto de mata A dos Palmarestinha outra variedade e outra alegria

A vida da curiosa organizaccedilatildeo socialista estava baseada sobre apolicultura embora entre os quilombolas o complexo da palmeira tivesseassumido uma grande variedade de expressotildees nas palmas grandes faziamos mucambos e as camas onde dormiam das palmas menores abanos paraabanar o fogo das quengas de coco pequeno cachimbos e provavelmentecuias e cocos de beber aacutegua ndash ainda tatildeo comum entre nossa gente do povo

Ainda se utilizavam da palmeira comendo o creme ou o catarro doscocos e fazendo azeite manteiga e uma espeacutecie de ldquovinho de cocordquoProvavelmente tambeacutem o sabongo ndash doce de coco com mel de cana quaseem ponto de bala Natildeo desprezavam tampouco uns bichinhos gordos dagrossura de um dedo que se criavam das palmeiras e que para eles eramcomo se fossem pitus do rio Una para o brancos nas casas-grandes

Se na Aacutefrica o negro natildeo se revelou invariavelmente o ldquomau agricultorrdquode que fala Azevedo Amaral em estudo recente ndash ldquomau agricultorrdquo ldquomaulavradorrdquo e preferindo sempre ao trabalho na terra o da pecuaacuteria e o damanipulaccedilatildeo de metais ndash no Nordeste ele deu este exemplo de aptidatildeo paraa lavoura Palmares Na Aacutefrica houve aacutereas de cultura cuja organizaccedilatildeosocial ndash fortemente superior agrave dos nossos indiacutegenas ndash se baseou toda sobre o

trabalho agriacutecola ndash como no Sudatildeo Ocidental e no Congo por exemplo noNordeste do Brasil os negros fugidos souberam tambeacutem organizar-se numaverdadeira colocircnia agriacutecola de feiccedilatildeo socialista

O ldquomau agricultorrdquo que se enxerga no negro e no trabalhador brasileirode origem africana eacute provavelmente outro caso daqueles de deformaccedilatildeo dohomem causada pelo sistema de exploraccedilatildeo da terra aqui dotado ndash amonocultura o latifuacutendio a escravidatildeo a coivara a derrubada Tudo issotira o amor do homem agrave lavoura ndash do branco como do preto do senhor comodo escravo e reduz a terra a um monturo que se explora com nojo

Querer ligar natildeo soacute o desinteresse atual do preto ou do mulato pobrepela lavoura como a deserccedilatildeo dos campos pelos trabalhadores negros ndashdeserccedilatildeo que de fato se verificou aqui nas Antilhas e no sul dos EstadosUnidos agraves primeiras notiacutecias de aboliccedilatildeo e antes por grupos revoltados pelosquilombolas e mucambeiros ndash a uma questatildeo de raccedila a um oacutedio especial daraccedila africana ao trabalho agriacutecola eacute que seria torcer um fenocircmeno de causasnitidamente sociais para acomodaacute-lo a um ldquoracismordquo muito suspeito quasesem nenhum cheiro de ciecircncia e com um odor cada dia mais carregado deintenccedilatildeo poliacutetica

A verdade eacute que ainda hoje os xangocircs afro-brasileiros do Nordesterecordam em alguns dos seus cantos mais doces e dos seus movimentos dedanccedila mais expressivos os velhos gestos de semear e de colher o culto daterra a alegria no trabalho agriacutecola o regozijo pelo fruto ou pela espigamadura Toda uma miacutestica do trabalho agriacutecola

50 Seguimos aqui a ideia do professor E A Hooton da Universidade deHarvard sobre a possibilidade de formaccedilatildeo de novas raccedilas pelamiscigenaccedilatildeo adaptando essa ideia ao caso brasileiro do Nordeste ParaHooton vaacuterios grupos humanos classificados como raccedilas satildeo antes ldquothe endproducts of outbreeding followed by intensive imbreeding and selectionrdquo(ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82 july 1935) Ideiasemelhante eacute a de ldquomesticcedilagem fixadardquo que o professor A Austregeacutesilo opotildeeentre noacutes ao arianismo outrora defendido com intransigecircncia sectaacuteria peloeminente professor Oliveira Viana Veja-se a este respeito o trabalho de AAustregeacutesilo em Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 192751 D Domingos do Loreto Couto Desagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambuco ndash 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais da BibliotecaNacional do Rio de Janeiro vol XXIV)52 Mansfield op cit53 Manuscrito no arquivo particular do engenho Noruega54 Manuscrito no arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute (Pernambuco)55 Do fato teve a intuiccedilatildeo Francisco Freire Alematildeo ao escrever em suamonografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicada em 1856 e reimpressa peloMinisteacuterio da Agricultura em 1929 ldquoTodo o litoral americano eespecialmente o do Brasil era devassado por navios europeus em viagens deexploraccedilatildeo ou com o fim de traficar com os indiacutegenas e seguramente nelesvinham as cana-de-accediluacutecar tomadas nas arribadas que faziam em algumasdas ilhas Canaacuterias ou de Cabo Verde para refresco da gente ou quem sabe semesmo como um desses regastes de pouco valor com que angariavam ospobres americanos e lhes pagavam o seu trabalhordquo Que a cana era um bomrefresco para viagens do mar vecirc-se por estas palavras do padre ThomazCage ldquoPartindo de Guadalupe chupaacutevamos cana-de-accediluacutecar que sempretiacutenhamos na bocardquoO provaacutevel entretanto eacute que no Nordeste do Brasil o caju eacute que tenhaprincipalmente beneficiado adventiacutecios ou europeus arribados comobeneficiava os indiacutegenas da regiatildeo Com efeito nutroacutelogos modernos agravefrente dos quais o professor Dante Costa em seus estudos de frutas ouvegetais brasileiros vecircm atribuindo ao caju a maacutexima importacircncia comoalimentoDeste fato a gente da regiatildeo haacute seacuteculos demonstra ter a intuiccedilatildeo dado ogrande uso por nobres de casas-grandes de engenhos e de sobrados e porescravos de senzalas por pobres de mucambos e ateacute por animais ndash o boi deengenho entre eles ndash do caju e da castanha sob vaacuterias formas o frutofresco seco como doce de calda o suco a garapa o vinho o licor acastanha assada farinha de castanha etc Sabe-se que o caju sempre foimuito chupado pela gente dos engenhos de accediluacutecar antes dos banhos de rioTambeacutem em fatias com a feijoada ndash como a laranja pela gente do Rio deJaneiro ndash e como vaacuterios outros pratos Unido ao accediluacutecar como doce de cajuem calda ou seco pode ser considerado o doce mais teluacuterico da regiatildeo Osoutros aliados principais do accediluacutecar ndash a goiaba o araccedilaacute o coco a jaca amanga o abacaxi ndash natildeo satildeo superiores ao caju como expressotildees regionais daharmonia do homem com os valores nativos ou aclimados de vegetaccedilatildeo56 Daiacute ser fixado um tipo de aristocracia do Nordeste da cana-de-accediluacutecarcujo perfil antropoloacutegico pode ser levantado atraveacutes dos numerosos retratosque nos restam dos grandes senhores de engenho da regiatildeo Retratos doseacuteculo XVIII e principalmente daguerreoacutetipos e fotografias do seacuteculo XIXEm Pernambuco Augusto Rodrigues reuniu interessante coleccedilatildeo de

fotografias de titulares pernambucanos ndash em sua grande maioria aristocratasdo canavial Homens quase sempre altos e alguns deles figurasesplendidamente eugecircnicas Em outros se surpreendem traccedilos deenlanguescimento Principalmente em senhorasSobre os aristocratas ou brancos da casa-grande da Bahia escreveu J B Saacute deOliveira no seu sugestivo estudo publicado em 1898 Evoluccedilatildeo psiacutequica dosbaianos ldquoQuase sempre esses baianos possuem a estatura dos ascedentesmas revelam no todo qualquer coisa de degenerescecircncia fiacutesica Explica-se ofato pelas uniotildees conjugais dentro de esfera mui limitada a fim de natildeointroduzirem na famiacutelia sangue que revele a condiccedilatildeo de ex-escravo Aleacutemdisso a indolecircncia nos nobres e o desprezo do trabalho confiado aos homensde cor contribuiacuteram ao influxo dos costumes indiacutegenas para a depressatildeo devitalidade orgacircnica sendo tudo agravado pela accedilatildeo do climardquo57 Manuscrito da correspondecircncia da Corte Livro 25 Arquivo da antigacapitania de Pernambuco Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca do Estado dePernambucoJaacute em 13 de agosto de 1814 Caetano Pinto de Miranda Montenegro entatildeono governo da capitania de Pernambuco escrevera do Recife ao marquecircs deAguiarldquoIllmoordm Exmordm Senhor No dia 27 de maio espalhou-se hum boato nesta villade que os pretos acedihavatildeo hum levante no dia do Espiacuterito Santo e postoque os indicios se desvaneciatildeo aacute medida que eratildeo examinados foi tatildeo grandeo susto com os propemos exemplos da Bahia nas vozes que o cauzavatildeosoaratildeo tanto nos ouvidos dos escravos que eu natildeo podia deixar algumasmedidas para tranquilizar os animos assustados para fazer conhecer aosmesmos escravos o prompto castigo que achariatildeo se meditassem alguacoisardquo Mandando ldquono mesmo dia 27 render todas as guardas por tropasmilicianas para ficar desembaraccedilado o regimento de linha o qual seconservou em armas no quartelrdquo e tomando outras providecircncias ogovernador conseguira ldquotranquilizar tudordquo conforme a mesma carta aomarquecircs de Aguiar (arquivo da antiga capitania de Pernambuco Seccedilatildeo deManuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco)58 Pereira da Costa Folclore pernambucano Recife 190859 Alfredo de Carvalho Estudos pernambucanos Recife 190760 Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para D Rodrigo de Sousa CoutinhoBahia 20 de outubro de 1798 Manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboaregistrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro61 Manuscrito correspondecircncia da Corte arquivo da antiga capitania dePernambuco ano de 1735 Biblioteca do Estado de Pernambuco62 Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena em 3 dejaneiro de 1789 manuscrito no Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted 610

63 Sobre este aspecto do assunto veja-se nossos Sobrados e mucambosespecialmente os capiacutetulos ldquoAscensatildeo do bacharel e do mulatordquo e ldquoEm tornode uma sistemaacutetica da miscigenaccedilatildeo no Brasil patriarcal e semipatriarcalrdquoVeja-se tambeacutem o estudo do pesquisador sergipano Felte Bezerra EtniasSergipanas Aracaju 195064 Alfredo de Carvalho Estudos cit Foi certamente este historiador ndashAlfredo de Carvalho ndash quem primeiro fixou a importacircncia de Figueiredo nahistoacuteria das letras e do jornalismo de Pernambuco Cremos poreacutem ter sidopor nossa vez o primeiro a salientar sua significaccedilatildeo como criacutetico social einteacuterprete da vida ou da economia regional sob um criteacuterio socialista que jaacutenatildeo era o literariamente romacircntico mas aproximava-se agraves vezes do chamadocientiacutefico65 Desta revista o professor Amaro Quintas com a colaboraccedilatildeo dopesquisador Ivan Seixas publicou oportuna nova ediccedilatildeo Note-se queevidentemente foi consideraacutevel a influecircncia sobre Figueiredo do engenheiroe socialista francecircs L L Vauthier Sobre Vauthier vejam-se o nosso Umengenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro 1940 e Diaacuterio iacutentimo doengenheiro Vauthier anotado por noacutes Rio de Janeiro 1940 e em 1960reeditados por Joseacute Olympio66 Segundo o pesquisador Sousa Barros em interessante estudo sobre adistribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grande propriedade territorial emPernambuco a relaccedilatildeo entre a propriedade de terra e a populaccedilatildeo eacute naZona da Mata de 0012 e no sertatildeo de 0037 (Boletim da Secretaria da

Agricultura Pernambuco vol I no 2 1936)Evidentemente natildeo passa de ingecircnuo saudosismo a ideia de se considerar oregresso ao engenho banguecirc a salvaccedilatildeo do Nordeste mais prejudicado pelasusinas tentaculares propriedades quase todas de famiacutelias residentes nascidades ou de firmas comerciais Sem pretendermos neste ensaio oferecersoluccedilotildees para o problema recordaremos que as experiecircncias de outras aacutereasde economia predominantemente agraacuteria indicam a vantagem das empresasde capitais e energias concentradas O autorizado agrocircnomo portuguecircsHenrique de Barros em sua Economia agraacuteria (Lisboa 1948) lembra oexemplo por noacutes jaacute posto em relevo em Casa-grande amp senzala dasOrdens Monaacutesticas que em Portugal ocuparam desbravaram e povoaramldquotanto territoacuterio mediante a constituiccedilatildeo de vastas organizaccedilotildees agraacuteriascompreendendo grandes exploraccedilotildees diretamente cultivadas pelos mongese pequenas exploraccedilotildees entregues a colonos sujeitos poreacutem a certaorientaccedilatildeo teacutecnica e com soliacutecita e eficiente assistecircnciardquo Do mesmo modo seexprime outro pesquisador J Vieira Natividade em trabalho tambeacutemrecente citado pelo mestre portuguecircs ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo

publicado no no 5 do Boletim da Junta de Proviacutencia da Estremadura em

1944 Aiacute escreve Natividade das obras realizadas pelos monges de Alcobaccedilaque ldquoainda hoje decorridos oitocentos anos toda a estrutura agriacutecolaalcobacense se apoia no atilado lineamento fradesco do periacuteodo medievalrdquoOpiniatildeo tambeacutem do sr A Reis Juacutenior em estudo ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquopublicado em Vida Poliacutetica (Rio de Janeiro marccedilo 1948) sobre o Brasil ondeldquotudo que temos de impressionante soacutelido grandiosordquo teria resultado deldquofortes concentraccedilotildees trabalhadorasrdquoO agrocircnomo Henrique de Barros encontra pontos de semelhanccedila entre asantigas ldquoorganizaccedilotildees monacaisrdquo e as empresas cooperativistas que vecircmflorescendo na Palestina moderna com um ecircxito que ldquosob o ponto de vistaagriacutecolardquo parece ldquoconsideraacutevelrdquo Talvez desse tipo de concentraccedilatildeo ndash acooperativista ndash eacute que devesse aproximar-se a exploraccedilatildeo dos canaviais doNordeste do Brasil para o fabrico de accediluacutecar aacutelcool e outros produtos comvantagens gerais para a populaccedilatildeo regional e para a economia e a vida rurais67 Vejam-se Biografias mandadas publicar pelo dr Alexandre Joseacute BarbosaLima governador do Estado de Pernambuco Recife 189568 ldquo o cheiroso benjoim se usa nas igrejas de Pernambuco em vez deincensordquo (Ensaio Econocircmico cit pelo cocircnego Dr Antocircnio do Carmo BarataldquoUm grande saacutebio um grande patriota um grande bispordquo Pernambuco1921)

Sobre a arte da renda no Nordeste ndash tatildeo ligada aos ceacutelebres ldquocabeccedilotildeesrdquo

das mulheres ndash veja-se no Livro do Nordeste comemorativo do 1o

centenaacuterio do Diaacuterio de Pernambuco (Recife 1925) o estudo que a nossopedido e por insistecircncia nossa escreveu o ilustre alagoano Leite Oiticica queconhecia profundamente o assunto

Trajo verdadeiramente regional natildeo chegou a desenvolver-se noNordeste agraacuterio como desenvolveu-se no pastoril o trajo do vaqueiro tatildeoexpressivo da chamada ldquocivilizaccedilatildeo do courordquo Note-se entretanto que aldquobaianardquo com o seu turbante seu cabeccedilatildeo picado de rendas suas saias suaschinelas seus balangandatildes seu tabuleiro de fruta ou de doce de alfenim oude alfeacuteolo de peixe frito ou de tapioca sem ser ortodoxamente uma figuraregional do Nordeste mais agraacuterio (que foi e eacute o do accediluacutecar) e sim expressatildeoda civilizaccedilatildeo mais graciosamente urbana (que no Brasil madrugou emSalvador) natildeo deixa de ser regional pela sua maior frequecircncia sob o nomeantes cultural que provincial de ldquobaianardquo nas cidades do Nordeste agraacuteriodo que nas cidades do Sul Exceccedilatildeo do Rio de Janeiro onde chegou sob omesmo nome de ldquobaianardquo a ser tatildeo frequente como nas ruas e praccedilas deSalvador do Recife de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo de Olinda de Penedo de SatildeoCristoacutevatildeo del-Rei ndash cidade sergipana tatildeo do Nordeste agraacuterio pelos seus

sobradotildees patriarcais com abalcoados de feitio mourisco Mas o Rio deJaneiro agraacuterio e um pouco a corte chegaram a ser uma espeacutecie de parentedesgarrado do velho Nordeste do accediluacutecar parentesco social e de culturafavorecido pelo parentesco da proacutepria paisagem ou da proacutepria vegetaccedilatildeoJoaquim Nabuco encontrou em Paquetaacute ldquoa seduccedilatildeo especial de ser umapaisagem do norte do Brasil desenhada na baiacutea do Riordquo Pois enquanto ldquoportoda parte agrave entrada do Rio de Janeiro o que se vecirc satildeo granitos escuroscobertos de florestas contiacutenuas guardando a costa em Paquetaacuterdquo ndash escreveele em Minha formaccedilatildeo ndash ldquoo quadro eacute outro satildeo praias de coqueiroscampos de cajueiros e agrave beira-mar as hastes flexiacuteveis das canas selvagensalternando com as velhas mangueiras e os tamarindos solitaacuteriosrdquo Mas natildeo eacutesoacute em Paquetaacute que se encontram no Rio de Janeiro essas ldquominiaturas doNorterdquo ou do Nordeste agraacuterio Tambeacutem em Campos Tambeacutem em Vassouras

O trajo da ldquobaiana descreve-o em artigo ldquoA baianardquo no Correio daManhatilde (Rio de Janeiro) de 30 de abril de 1950 o sr Eduardo Tourinho quecomeccedila por evocar a descriccedilatildeo claacutessica do velho Vilhena

ldquo Saias de cetim branco becas de liniste finiacutessimo e camisas decambraia ou cassa bordadas de tal forma que vale o lavor trecircs ou quatrovezes mais que a peccedila e tanto eacute o ouro que cada uma leva em fivelascordotildees pulseiras colares e braceletesrdquo E continua ldquoAinda eacute assim a baianaA camisa ndash com pequenas mangas que cobrem as axilas ndash descobre-lhe ocolo Trabalhada em renda de crivo ou de barafunda afunila-se agrave cinturasob a compreensatildeo de duas ou trecircs anaacuteguas gomadas a tufar a larga saia deroda que deixa a nu os peacutes calccedilados em caprichosas sandaacutelias De ombroesquerdo pende o luxurioso pano da costa de listas bizarramente coloridasrdquoMais adiante sobre os adornos ldquoEsse o trajo Agora os adornos Quemultiplicidade Colares de grossas contas sobre o regaccedilo e rosaacuterios de contasmiuacutedas sob o rendado da camisa No alto do braccedilo esquerdo larga pulseirade ouro Nos pulsos voltas de bolas de ouro e voltas de buacutezios da costa Nasorelhas aacuteureas argolas ou brincos de coral

ldquoDepois eacute o barangandatilde O barangandatilde e natildeo balangandatildeberenguendem ou balangangatilde como diz o vulgo asnal de que fala Gregoacuteriode Matos

ldquoQue eacute o barangandatilde Uma peccedila de prata em forma de argola que deuma corrente de prata posta em torno do pescoccedilo pende ateacute o meio dascostas Essa argola ndash o barangandatilde ndash enfeixa uma porccedilatildeo de amuletospequenos cilindros com poacutes milagrosos e madeiras santas Oraccedilotildees figas

aneacuteis cachos de cabelos dentes de crianccedila buacutezios e moedas Presas debesouro Coraccedilotildees acircncoras e cruzes conjugados Bonequinhos que satildeo ossantos Crispim e Crispiniano Cosme e Damiatildeo O canjerecirc que eacute amuletocontra o lsquomau-olhadorsquo Cola-amarga e favas de olhos-de-cabra contraespiacuteritos perturbadores Pequeninas contas agrupadas em estiletesguarnecidos com rosaacuteceos de prata ndash as pretas e roxas representam Omulu(Satildeo Laacutezaro) e as brancas Oxalaacute (Senhor do Bonfim) e as cor de coral azuis everdes Xangocirc (Satildeo Jerocircnimo) e as doiradas e prateadas Oxum (NossaSenhora das Candeias) e as amarelas Nanatilde (SantrsquoAna) e as brancas muitomiuacutedas Amanjaacute (Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo)

ldquoPor fim depois do barangandatilde a penca-suspensa agrave cintura pelas alccedilasque sustecircm a corrente de prata guarnecida por grande chave do mesmometal Eacute na penca que estatildeo a lsquoFigarsquo o mais comum dos amuletosobrigatoriamente usados contra doenccedilas desastres malefiacutecios lsquoPau-de-angola encastoado em pratarsquo favoraacutevel agrave longevidade ldquoCilindrosrdquo ndashpreservadores da maacute sorte ndash com arruda guineacute manjericatildeo O lsquosinorsquo oulsquoDuplo Sinorsquo ndash o lsquoAdjaacutersquo ndash evocaccedilatildeo dos Camdombleacutes O lsquoCaacutegadorsquo e alsquoTartarugarsquo como a lsquoAranharsquo ou o lsquoPorcordquo o lsquoTrevorsquo a lsquoFigarsquo ou o lsquoCorcundarsquoos lsquoTriacircngulos Maacutegicosrsquo ou a palavra lsquoAgharsquo e a palavra lsquoAounrsquo satildeo fetiches debom auguacuterio O lsquoCoraccedilatildeorsquo simboliza amor e quando encimado por umaflama lsquopaixatildeo ardentersquo O lsquoCachorrorsquo eacute o emblema da fidelidade e lembra SatildeoLaacutezaro e Satildeo Jorge tal o lsquoCarneirorsquo lembra Satildeo Jerocircnimo As lsquoMatildeos Dadasrsquosignificam amizade A lsquoPombarsquo lembra os maacutertires tornados santos mas ndash deasas abertas em forma de cruz ndash eacute a evocaccedilatildeo do Espiacuterito Santo A lsquoRomatildersquosimboliza o gecircnero humano em todo o seu esplendor e miseacuteria A lsquoChaversquosugere o Tabernaacuteculo o Oratoacuterio mas a lsquoChave de Figarsquo segurando a lsquoFarofaAmarelarsquo vale como poderoso talismatilde para lsquofechar o corporsquo a todos os malesA lsquoFerradurarsquo chama felicidade A lsquoLuarsquo eacute a representaccedilatildeo de Satildeo Jorge e olsquoGalorsquo a de todos os Santos O lsquoBurrorsquo simboliza Xangocirc que eacute Satildeo Jerocircnimo ndashe o lsquoCaranguejorsquo eacute Omulu (Satildeo Laacutezaro) O lsquoBoirsquo eacute Omulu Moccedilo (SantoIsidoro) O lsquoVeadorsquo tal como a lsquoEspadarsquo eacute Oxocecirc guerreiro e caccedilador SatildeoJorge A lsquoFacarsquo eacute o siacutembolo de Ogum (Santo Antocircnio) As lsquoUvasrsquo representamOxum que eacute Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo O lsquoCajursquo o lsquoAbacaxirsquo e o lsquoMilhorsquorecordam ainda Satildeo Jerocircnimo O lsquoMoringuersquo evoca Satildeo Cosme e SatildeoDamiatildeo A lsquoPalmatoacuteriarsquo eacute o siacutembolo de Nanatilde ndash SantrsquoAna ndash e o lsquoSolrsquo o deOxumarei que eacute Satildeo Bartolomeu O lsquoTamborrsquo e o lsquoPandeirorsquo representam ascerimocircnias do Terreiro Mas natildeo haacute explicaccedilatildeo certa do que ndash na penca ndash

simbolizam moedas e peixesrdquoEmbora o trajo e os adornos de lsquobaianarsquo com sua simbologia ou a sua

miacutestica tenham a sua aacuterea de maior intensidade de expressatildeo em Salvadorpodem ser considerados comuns agraves aacutereas urbanas do inteiro Nordesteagraacuterio assim como no Rio de Janeiro

Sabemos que a respeito do trajo da ldquobaianardquo prepara minucioso trabalhoa notaacutevel antropologista social brasileira que eacute a sra Heloiacutesa Alberto Torresdiretora do Museu Nacional Sobre a possiacutevel identificaccedilatildeo de origensafricanas de grupos ou subgrupos de populaccedilatildeo nordestina atraveacutes dosestilos e maneiras de usarem as mulheres do povo ndash e natildeo apenas asldquobaianasrdquo ndash seus xales ou mantos apresentamos nota preacutevia ao 1o CongressoAfro-Brasileiro reunido no Recife em 1934 acompanhada de desenhos dopintor Ciacutecero Dias69 Pereira da Costa Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira emPernambuco cit70 Journal of a residence in Brazil written by cuthbert pudsey duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito Seccedilatildeo de Manuscritos da BibliotecaNacional Rio de Janeiro

Em seu estudo ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no povoamentonordestinordquo publicado na Revista das Academias de Letras no 63 Rio deJaneiro 1948 o sr Carlos Xavier Paes Barreto dedica interessantes paacuteginasaos Wanderley de Serinhaeacutem e Rio Formoso (Rocha Wanderley BarrosWanderley Lins Wanderley) ndash descendentes diretos de Gaspar Wanderleyndash considerando um dos mais tiacutepicos ou representativos da estirpe SebastiatildeoLins Wanderley ldquoo Baixa senhor do rico e belo engenho Rosaacuterio esposo deDa Maria Wanderley natural de Porto Calvo Eacute tradiccedilatildeo que quando secasou trouxe para seu lar uma vultosa riqueza com pesadas e custosas joacuteiasde famiacuteliardquo Tiacutepico considera ter sido tambeacutem o coronel Sebastiatildeo LinsWanderley do engenho Camaragibe casado com Gertrudes LinsWanderley ldquoe cujas festas de aniversaacuterio em Dias de Reis ficaramtradicionaisrdquo E acentua ldquoEle o baratildeo de Granito ou qualquer de seusirmatildeos e bem assim o Baixa do Rosaacuterio eram Wanderley atraveacutes de vaacuteriasgeraccedilotildeesrdquo De Sebastiatildeo Wanderley Chaves lembra ldquoNa mesa de jogo recolhiao fogo para o cigarro na moeda-papel e em banquetes apoacutes a saudaccedilatildeo dehonra ocasiotildees houve em que a toalha era violentamente puxada a fim deque a louccedila e sobretudo as taccedilas natildeo servissem para outro brinderdquo Semprehouve entre Wanderleys certa tendecircncia para a boecircmia a ironia e amordacidade tendecircncia de que podem ser consideradas expressivas figuras

como as de Pedro da Rocha Wanderley do engenho Bom Tom e PedroWanderley

Do fundador da famiacutelia no Nordeste do seacuteculo XVII lembra o sr CarlosXavier Paes Barreto que ldquofidalgo de Brandeburgo conforme atestado doconde Joatildeo Mauriacuteciordquo ndash capitatildeo de cavalaria Gaspar van Nieuhoff van derLeyrdquo ndash tornou-se em Pernambuco ldquosenhor dos engenhos Algodoais Utingade Baixo e Utinga de Cimardquo tendo se casado com Da Maria de Melo filha deManuel Gomes de Melo por sua vez ldquoneta de Anna de Hollandardquo e porconseguinte descendente do tambeacutem holandecircs nobre vindo para o BrasilArnau de Hollanda da famiacutelia ilustre do Papa Adriano IV ldquoAs da estirpeWanderleyrdquo ndash lembra ainda Paes Barreto ndash ldquose misturavam com as de BarrosBarreto Pimentel Rocha Lins Paes Barretordquo conservando-se poreacutem umadas mais endogacircmicas da regiatildeo com a predominacircncia ateacute hoje de traccedilosnoacuterdicos Tambeacutem dos nomes dos fundadores dos seus antepassados e doconde Joatildeo Mauriacutecio Gaspar Joatildeo Mauriacutecio Rosa Mauriacutecio GasparinaMaria Manuel Sebastiatildeo ou Sebastiatildeo Mauriacutecio Veja-se do mesmo autor oseu recente Os primitivos colonizadores do Nordeste e seus descendentesRio de Janeiro 196071 Koster op cit72 Tollenare op cit73 Tollenare op cit Com olhos de ainda maior simpatia do que Tollenarevem observando nos uacuteltimos anos a populaccedilatildeo negra e mesticcedila do Nordesteo socioacutelogo francecircs Roger Bastide a quem se deve um dos melhores livrosrecentes sobre a regiatildeo Imagens do Nordeste miacutestico em branco e preto(Rio de Janeiro 1945)74 Tollenare op cit75 Melville J Herskovits ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History (july 1934) Do mesmo antropoacutelogo cujasprofundas pesquisas sobre aculturaccedilatildeo e sobre as aacutereas de cultura africanastanto interessam ao estudo da colonizaccedilatildeo do Brasil vejam-se tambeacutem ldquoThesignificance of west Africa for negro researchrdquo Journal of Negro History(january 1936) ldquoOn the provenience of new world negroesrdquo Social Forces(december 1933)

6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)

Se elementos geneticamente tatildeo bons como os primeiros colonos negrose os primeiros colonos brancos do Nordeste vieram a desprestigiar-se sobvaacuterios aspectos eacute que sobre eles atuaram com uma intensidade que foimaior aqui do que em outras regiotildees do Brasil as influecircncias desfavoraacuteveisao homem da cultura da cana-de-accediluacutecar quando realizada como serealizou entre noacutes com exclusatildeo de culturas de subsistecircncia pelolatifuacutendio pela escravidatildeo pelo patriarcalismo monossexual ao mesmotempo que monocultor Condiccedilotildees e meios insubstituiacuteveis na primeira eacutepocada colonizaccedilatildeo portuguesa do Nordeste embora pudessem ter sidoatenuados depois Principalmente a monocultura causa de tantas fomes emuma regiatildeo agraacuteria onde chegou a se assistir a este absurdo as senhorastrocarem joias de ouro por punhados de farinha

Tambeacutem a miscigenaccedilatildeo em si natildeo parece ter concorrido para odesprestiacutegio da populaccedilatildeo regional A histoacuteria social do Nordeste da cana-de-accediluacutecar estaacute ligada como talvez a de nenhuma outra regiatildeo do Brasil aoesforccedilo do mesticcedilo ou antes do cabra Um esforccedilo que se tem exercidodebaixo de condiccedilotildees duramente desfavoraacuteveis Mas mesmo assim notaacutevelpelo que tem construiacutedo e realizado

O mesticcedilo do Nordeste ndash curiboca cafuzo ou mulato desde o escuro aosararaacute ndash continua a sustentar com o seu trabalho de homem doente ndash

doente de impaludismo doente de siacutefilis doente de ancilostomiacutease ndash alavoura da cana e a induacutestria do accediluacutecar no Nordeste Eacute quem vem fazendoas vezes de povo ndash esse povo que Couty reparava em 1886 faltar ainda noBrasil as vezes tambeacutem de canalha de rua que tem dado agraves tentativasregionais de insurreiccedilatildeo as suas notas mais dramaacuteticas de coragem de arrojoe de furor revolucionaacuterio

O cabra do Nordeste define-o o folclorista Rodrigues de Carvalhosegundo a ideia mais popular entre a proacutepria gente da regiatildeo ldquotem umcaldeamento especial 50 por cento de africano quarenta de iacutendio e dez deum ariano fugidio pelo entorpecimento do climardquo Eacute ldquoo homem da canalhanortistardquo76

Eacute mais eacute o heroi de um grande nuacutemero de histoacuterias de coragem e deaventuras de amor Eacute o ldquocabra danadordquo O ldquocabra escovadordquo O cabra bom Ocabra de confianccedila A ele a imaginaccedilatildeo do povo atribui uma potecircncia sexualextraordinaacuteria a que natildeo faltariam vantagens fiacutesicas tambeacutem excepcionais

Rodrigues de Carvalho daacute o cabra do Nordeste como ldquoforte trabalhadorvalenterdquo mas ldquoirrequieto inconstante nem sempre lealrdquo E acrescentaldquoRaramente o cabra tem a dedicaccedilatildeo afetuosa do africano ou a carinhosaestima do mameluco ou do brancordquo

Quanto ao mameluco quer nos parecer haver engano do folcloristaparaibano na interpretaccedilatildeo da ideia que geralmente faz a gente do povo daregiatildeo da cana desse tipo de meio-sangue Eacute mais desfavoraacutevel do que a ideiaque na mesma regiatildeo se faz do cabra ndash talvez por ser este o tipopredominante e o mameluco o mais raro O mameluco eacute tido aqui comopreguiccediloso em extremo desleal insconstante Natildeo haacute dona de casa que natildeotenha receio de empregar mameluco natildeo demora em casa natildeo demora noserviccedilo eacute vadio eacute de ldquomau gecircniordquo O mesmo se daacute segundo eacute corrente como mameluco empregado em lavoura em faacutebrica em usina

Mas aqui insistiremos no que jaacute sugerimos em trabalho anterior sobrecertos aspectos da miscigenaccedilatildeo que se relacionam mais intimamente com aformaccedilatildeo social do Brasil muito do que se atribui agrave miscigenaccedilatildeo resulta dasituaccedilatildeo do desajustamento psicoloacutegico e social ndash desajustamento de classee ateacute certo ponto de raccedila (este principalmente pela persistecircncia deevidecircncias de raccedila ligadas aos traccedilos de classe) ndash em que se encontra o

mesticcedilo A lealdade a conformidade e a constacircncia de subordinados natildeo satildeoqualidades que se possa esperar que existam em um elemento social epsicologicamente flutuante indeciso e insatisfeito como eacute geralmente omesticcedilo no mesmo grau em que existe no iacutendio puro e principalmente nonegro retinto Figuras mais definidas e mais integradas no estado desubordinaccedilatildeo de que a pele ndash como o nariz o cabelo os peacutes ndash eacute como se fosseinsiacutegnia de trabalhador sempre do eito de soldado sempre raso Eacute como sefosse um uniforme insubstituiacutevel grudado ao corpo para sempre Ummacacatildeo eterno

Para Rodrigues de Carvalho como para outros observadores a olho nu davida do Nordeste o mesticcedilo da regiatildeo estaacute se degradando ou deteriorizandosob mais de um aspecto estaacute ficando nanico Diminuindo de tamanho ldquoOsrapazes atingem em regra a um metro e sessenta e trecircs centiacutemetros NoExeacutercito distinguem-se os batalhotildees compostos de nortistas pelo tamanhodos soldadosrdquo77

Quanto ao tamanho simplesmente talvez natildeo haja motivo para grandepessimismo ndash a natildeo ser esteacutetico ndash sabido que a pura elevaccedilatildeo de estaturanatildeo eacute iacutendice de robustez independentemente de outros fatores Mas eacuteevidente que muita perturbaccedilatildeo de crescimento existe na populaccedilatildeomesticcedila ndash como na branca pobre e na negra do Nordeste ndash por efeito decondiccedilotildees precaacuterias de vida

No Nordeste da cana-de-accediluacutecar essas condiccedilotildees satildeo particularmentedesfavoraacuteveis Ateacute farinha de mandioca falta com frequecircncia aotrabalhador de engenho em certas zonas da regiatildeo mais atingidas pelosefeitos da monocultura E aqui como em outras aacutereas o trabalhador livrevem sendo mais desprestigiado em suas condiccedilotildees de sauacutede do que outrora otrabalhador escravo na maioria dos engenhos patriarcais quando de modogeral sua alimentaccedilatildeo jaacute era superior agrave dos brancos e pardos pobres semassistecircncia patriarcal

Em 1849 meacutedicos brasileiros voltados para o estudo das condiccedilotildeessociais do Nordeste chegavam agrave conclusatildeo de que ldquoo mal que proveacutem aacutesaude publica pela destruiccedilatildeo das mattas pela falta de cuidado naconservaccedilatildeo dos animais e do tratamento de suas molestias natildeo se limita asua transmissatildeo e destruiccedilatildeo momentanea estende-se mesmo a produzir

uma alteraccedilatildeo organica subsequente e geral proveniente da falta de toda aproducccedilatildeordquo E acrescentava um deles referindo-se ao trabalhador livre daregiatildeo que tinha de enfrentar condiccedilotildees tatildeo aacutesperas de economia e de vidaldquoo jornal medio de um homem eacute 640 rs o homem socialmente consideradoeacute a reuniatildeo de trez pessoas marido mulher e filho e o primeiro eacute quemsuporta o maximo do trabalho o trabalho de permuta que a todos vaesuprirrdquo Analisava o meacutedico ldquoSupondo que cada um coma uma libra decarne por dia natildeo passando esta de dez patacas a arroba em carne gastaraacute300 rs se ajuntarmos 80 rs de farinha e 20 rs de lenha teremos que ohomem gasta em comida 400 rs por dia e que em um mez faz 12$000 ecomo a casa consume pouco mais ou menos um terccedilo do que se come e queno caso suposto eacute 4$000 soma 16$000 restatildeo-lhe quatro mil reis parasustentar-se nos dias santos nas molestias e para vestir-se etc o que eacuteimpossiacutevel para o homem que quizer hygienica e honradamente viver massendo notorio que o pobre tambem vive com honra convem saber como istose faz A carne secca o peixe secco e salgado e as mais das vezes arruinadoa farinha sem gomma a maacute comida a maacute dormida a maacute casa a fazendaarruinada satildeo os productos que consumem o pobre alem da diminuiccedilatildeoque eacute obrigado a fazer para acommodar-serdquo E concluiacutea sobre a famiacutelia tiacutepicade morador livre do Nordeste agraacuterio ldquoCom taes condiccedilotildees esta famiacutelia natildeodeixaraacute de soffrer sua organisaccedilatildeo natildeo teraacute o completo desenvolvimentosua quantidade de trabalho seraacute menor e maacute seraacute sua prole della nasceraacute osoldado fraco e covarde o marinheiro eacute sensivel e sem intrepidez as creadase amas que se vatildeo encarregar de casas e filhos dos abastados satildeo maacutes por suaorganisaccedilatildeo e educaccedilatildeordquo78

O professor Rui Coutinho sugeriu recentemente que a estatura baixa dohomem do Nordeste ndash isto eacute do homem do povo ndash talvez resultasse dessepadratildeo inferior da alimentaccedilatildeo Para afirmaacute-lo de modo absoluto serianecessaacuterio tomar em consideraccedilatildeo a meacutedia de estatura dos colonos da regiatildeondash do europeu e principalmente do negro Parece ter havido predominacircnciaentre noacutes de colonos africanos natildeo de estatura notavelmente elevada ndash tatildeocomum nos sudaneses ndash mas de altura simplesmente ldquoboardquo ldquomedianardquoldquoordinaacuteriardquo como referem os anuacutencios de negros fugidos Os proacuteprios negrosbaixos natildeo satildeo raros nos anuacutencios baixos embora fortes grossos vigorosos

possantes de tronco79Morais Barros e antes dele o professor A Carneiro Leatildeo jaacute destacaram o

feio o bisonho o franzino da populaccedilatildeo mesticcedila do Nordeste Sabe-setambeacutem que Nina Rodrigues ndash que era do Maranhatildeo e portanto doNordeste da cana-de-accediluacutecar ndash Siacutelvio Romero ndash nascido e criado emengenho do Sergipe ndash e Joseacute Veriacutessimo ndash nascido no Paraacute ou seja numa aacutereadas que os socioacutelogos modernos chamam marginais entre o Nordeste doaccediluacutecar e o extremo norte da floresta ndash acreditaram todos na inferioridadebioloacutegica do mesticcedilo brasileiro por eles visto e observado tatildeo de perto Ideiatambeacutem do professor Oliveira Viana

Eacute possiacutevel que esses observadores ilustres ndash alguns talvez prejudicadospelo proacuteprio excesso de proximidade entre eles e o objeto de sua observaccedilatildeondash tenham desprezado na interpretaccedilatildeo do que o mulato brasileiro em gerale o do Nordeste em particular apresentam de patoloacutegico de cacogecircnico dedisgecircnico os elementos sociais de inferiorizaccedilatildeo de uma classe ou de umproletariado que pela persistecircncia dos efeitos da escravidatildeo eacute na sua quasetotalidade de gente de cor

Porque a verdade eacute que o cabra de engenho ou trapiche de accediluacutecar ndash ouseja o mulato mais caracteriacutestico do Nordeste agraacuterio ndash quando menosdesprestigiado nas suas condiccedilotildees de crescimento e de sauacutede pelasdeficiecircncias de alimentaccedilatildeo e pelo niacutevel baixo de vida e de higiene ndash higienedomeacutestica e higiene de trabalho ndash se apresenta um tipo forte e capaz deesforccedilo constante Muitas vezes bonito de corpo e belo de traccedilos JoseacuteAmeacuterico de Almeida chega a falar em ldquocabras hercuacuteleos que resistem agraves maispenosas labutas como as da bagaceirardquo80

Natildeo eacute soacute a interpretaccedilatildeo a olho nu que repele a ideia de um mulato doNordeste fatalmente cacogecircnico tambeacutem comeccedilam a repeli-la as pesquisasminuciosas realizadas com todo o rigor de teacutecnica antropomeacutetrica pelosmeacutedicos Aacutelvaro Ferraz e Miguel de Andrade Lima em material o maisrepresentativo os soldados da Brigada Militar de Pernambuco81

Por outro lado nos seus estudos de psiquiatria Ulisses Pernambucano eseus colaboradores fugindo ao preconceito de inferioridade bioloacutegica donegro e do mulato que dominara Nina Rodrigues e a sua escola tecircmprocurado observar nos problemas de doenccedilas mentais e nervosas o seu

aspecto social os estiacutemulos ou as influecircncias de meio e de condiccedilotildees vamosdizer patoacutelogicas de regiatildeo Esse grupo de pesquisadores do Recife ndash o decontinuadores de Ulisses Pernambucano ndash eacute hoje um dos que mais insistemna face social e no que se pode chamar o aspecto regional ndash isto eacute de meiosocial inclusive o econocircmico ndash da psiquiatria as condiccedilotildees regionais de vidao papel predisponente do alcoolismo e da siacutefilis em certas psicoses a accedilatildeo dofetichismo do baixo espiritismo da maconha em outras Sinal de que natildeovecircm encontrando no mesticcedilo ou no negro do Nordeste aquela absolutainferioridade de raccedila ou de sub-raccedila em que acreditara Nina Rodrigues

Nina Rodrigues fora ao extremo de destacar na ldquoexcitaccedilatildeo amorosardquo daclaacutessica mulata brasileira verdadeiro iacutendice de anormalidade que seria umcaracteriacutestico patoloacutegico de meia raccedila No que acreditou tambeacutem JoseacuteVeriacutesssimo

Do assunto jaacute nos ocupamos em estudo sobre o mulato brasileiro e suaascensatildeo na sociedade patriarcal do nosso paiacutes82 Nestas paacuteginas ndash simples

tentativa para ver de perto alguns traccedilos da fisionomia social do Nordeste eem que somos agraves vezes obrigado a nos repetir ndash lembraremos que o trabalhode engenho e de trapiche de accediluacutecar quase natildeo eacute mais de negro ndash jaacute natildeoexiste talvez negro verdadeiramente puro na regiatildeo ndash mas de cabra demesticcedilo de mulato E entretanto eacute talvez um trabalho mais penoso do queno tempo da escravidatildeo Porque os senhores de terras de cana e osarmazenaacuterios de accediluacutecar dispotildeem hoje de menor nuacutemero de trabalhadorespara o esforccedilo agriacutecola Alguns aspectos de vida e de trabalho nos armazeacutensdo Recife e nas barcaccedilas de accediluacutecar vecircm sendo estudados por dois dos nossoscompanheiros de pesquisa

Segundo documento oficial ndash Aspectos da economia rural brasileira ndashhaacute no Nordeste ldquopropriedades em que os trabalhadores iniciam os seusserviccedilos com o romper do sol e soacute os deixam ao acaso com pequenosintervalos para o almoccedilo e uma merendardquo E todo esse excesso de esforccedilofiacutesico dos trabalhadores de accediluacutecar dos cabras de engenho dos negros debagaceira a despeito das condiccedilotildees de vida terrivelmente desfavoraacuteveisldquoquase nus e minados por toda sorte de mazelas e viacuteciosrdquo morando emldquochoupanas miseraacuteveisrdquo E natildeo se deve esquecer o que eacute capital naexplicaccedilatildeo do muito que se encontra de inferior em proletariado de

condiccedilotildees de vida tatildeo agrave toa a alimentaccedilatildeo a um tempo improacutepria edeficiente Natildeo soacute por erros tradicionais de dieta como pela necessidade deacomodar-se o trabalhador a salaacuterios os mais reduzidos e a fontes dealimentaccedilatildeo as mais escassas

Essas condiccedilotildees de salaacuterio de vida e de alimentaccedilatildeo satildeo piores em umasusinas e engenhos do que em outros Seria injusto generalizar Mas em geralsatildeo maacutes Em algumas usinas satildeo peacutessimas Em uma ou em outra satildeoregulares notando-se uma como assistecircncia patriarcal do usineiro aindameio senhor de engenho ao trabalhador Usineiro sempre meio senhor deengenho em suas relaccedilotildees com o proletariado ndash cuja condiccedilatildeo humana natildeoesqueceu ndash foi o proprietaacuterio da grande Usina Catende que acaba defalecer Antocircnio Costa Azevedo

Em 1935 pretendemos ndash Ulisses Pernambucano Siacutelvio Rabelo OliacutevioMontenegro e noacutes ndash realizar um inqueacuterito regional que servisse de base aoproacuteprio usineiro ou proprietaacuterio rural bem intencionado para umajustamento de relaccedilotildees entre as faacutebricas de accediluacutecar e os seus trabalhadoresrurais Mas fomos repelidos como uns intrusos e ateacute denunciados comoagitadores Entretanto semelhante inqueacuterito teria sido tatildeo beneacutefico aousineiro como ao trabalhador83

A verdade eacute que talvez em nenhuma outra regiatildeo do Brasil a extinccedilatildeo doregime de trabalho escravo tenha significado tatildeo nitidamente como noNordeste da cana-de-accediluacutecar a degradaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida dotrabalhador rural e do operaacuterio A degradaccedilatildeo do homem Da assistecircncia aoescravo ndash assistecircncia social moral religiosa e ateacute meacutedica que bem ou malera praticada pela maioria dos senhores escravocratas no interesse dasproacuteprias terras da proacutepria lavoura do proacuteprio accediluacutecar da proacutepria famiacutelia (emcontato direto com parte da escravaria e indireto com toda a massa negra) ndashquase natildeo resta senatildeo um traccedilo ou outro uma ou outra tradiccedilatildeo maissentimental do que efetiva nos engenhos mais velhos em uma ou em outrausina de senhor menos ausente do campo

A industrializaccedilatildeo e principalmente a comercializaccedilatildeo da propriedaderural vem criando usinas possuiacutedas de longe algumas delas por fulano ousicrano amp companhia firmas para as quais os cabras trabalham sem saberdireito para quem quase sem conhecer senhores muito menos senhoras

Vaacuterios aspectos dessa personalizaccedilatildeo do senhor de accediluacutecar aos olhos dostrabalhadores que na doenccedila ou na dor natildeo tecircm uma sinhaacute-dona a quempedir um remeacutedio um sinhocirc a quem pedir 20$000 de extraordinaacuterio massoacute o barracatildeo duro e absorvente vecircm retratados magnificamente por JoseacuteLins do Rego em Banguecirc e em Usina e por Juacutelio Belo nas suasreminiscecircncias do velho senhor de engenho do sul de Pernambuco

Essa industrializaccedilatildeo natildeo parece que possa continuar a fazer-se nointeresse de tatildeo poucos e contra a sauacutede e a vida de tantos a favor doaccediluacutecar e contra tantas fontes naturais de vida da regiatildeo hoje abandonadasestancadas ou corrompidas

Haacute nesta nova fase de desajustamento de relaccedilotildees entre a massahumana e o accediluacutecar entre a cana-de-accediluacutecar e a natureza por ela degradadaaos uacuteltimos extremos uma deformaccedilatildeo tatildeo grande do homem e da paisagempela monocultura ndash acrescida agora do abandono do proletariado da cana agravesua proacutepria miseacuteria da ausecircncia da antiga assistecircncia patriarcal ao cabra deengenho ndash que natildeo se imagina o prolongamento de condiccedilotildees tatildeo artificiaisde vida

Jaacute natildeo se trata de uma civilizaccedilatildeo como foi a patriarcal neste mesmoNordeste da cana com seus sinais de + e de ndash embora o de ndashpreponderando O accediluacutecar de usina parece que deixou de entrar comqualquer contingente na valorizaccedilatildeo da vida e da cultura do Nordeste paraser apenas o sinal de ndash em tudo a diminuiccedilatildeo da sauacutede do homem adiminuiccedilatildeo das fontes naturais da vida regional a diminuiccedilatildeo da dignidadee da beleza da paisagem a diminuiccedilatildeo da inteligecircncia da sensibilidade ouda emoccedilatildeo da gente do Nordeste que hoje quando se manifesta eacute quasesempre em atitudes de crispaccedilatildeo de ressentimento e de revolta

O Recife que chegou a ser com os senhores de engenho dirigindo aproviacutencia um verdadeiro centro de cultura intelectual e artiacutestica onde oestrangeiro sofisticado se sentia melhor do que no Rio ndash eacute o depoimento deBurke pelo menos84 ndash vai se achatando entre as cidades mais inexpressivas

da Repuacuteblica com os ricaccedilos morando em palacetes normandos e chaleacutessuiacuteccedilos com as igrejas velhas do tempo da colonizaccedilatildeo transformadas emigrejas goacuteticas com as ruas e os parques sombreados de fico benjamim e deeucalipto ou enfeitados de vitoacuteria-reacutegia do Amazonas Desapareceu do

Recife todo o sentimento de expressatildeo regional que chegou a ter comopoucas cidades na Ameacuterica

A sub-regiatildeo cujas casas-grandes cujos sobrados de azulejo cujoscasarotildees amarelos azuis verdes vermelhos ndash todos tatildeo corajosos de sua cor ndasha marcenaria dos mulatos de engenho ou aprendizes de franceses e alematildeesdo Recife encheu de bancos de vinhaacutetico tatildeo bonitos de cocircmodas tatildeo nobresde conduru de sofaacutes enfeitados de cajus e maracujaacutes de santuaacuterios e demobiacutelias inteiras de jacarandaacute eacute hoje uma das mais pobres de cor dejacarandaacute de azulejo Sem arquitetura caracteriacutestica ou simplesmente deacordo com as condiccedilotildees regionais de clima Sem mobiliaacuterio soacutelido e feito comas boas madeiras da terra

A usina natildeo teve forccedila para acrescentar nada de positivo a essacivilizaccedilatildeo soacute tem feito diminui-la Sob o seu impeacuterio degradou-se o estilodos moacuteveis como o das casas As casas estatildeo ficando todas cinzentas Osestetas paleoteacutecnicos do Recife chegaram a proibir casas pintadas de azulde encarnado de amarelo Do mesmo modo a cozinha Degradou-se Em vezde accedilafratildeo a comida parece que leva cinza O alimento de lata vem de talmodo substituindo o pilado e feito em casa que ateacute em casas de engenho oestranho eacute recebido com doce de faacutebrica

A usina que se instalou tatildeo imperialmente na paisagem do Nordestedesde os fins do seacuteculo XIX veio corresponder a uma fase nova deconcorrecircncia com outras regiotildees produtoras de accediluacutecar maisindustrializadas Era inevitaacutevel ou a usina ou o fracasso da induacutestriaregional de accediluacutecar Mas essa maior centralizaccedilatildeo da produccedilatildeo industrial natildeoencontrou aqui nos restos de patriarcalismo escravocraacutetico ndash particularistaem extremo ndash tradiccedilotildees de solidariedade que permitissem agrave lavouradefender-se do domiacutenio imperial das novas faacutebricas Estas foram em geralcentralizando-se sob um individualismo duro e seco Bem diverso do daeacutepoca patriarcal Firmas comerciais das cidades comeccedilaram a explorar aterra de longe e quase com nojo da cana do massapecirc do trabalhador dosrios dos animais agraacuterios Desapareceu todo o lirismo ndash que aliaacutes nunca foragrande nem profundo ndash entre o dono das terras e a terra entre o dono dascanas e o canavial entre o dono de homens e o trabalhador entre o donodas aacuteguas e a aacutegua entre o dono dos animais e o animal mesmo agraacuterio

para natildeo falar no do mato entre o dono das matas e a mataEssa forma artificialiacutessima de exploraccedilatildeo industrial e comercial das terras

de cana ndash desprezadas cada vez mais como terra ndash natildeo se vem sustentandosenatildeo agrave custa de escoras A assistecircncia dos governos aos industriais do accediluacutecarno Nordeste vem assumindo um ar de caridade nem sempre poliacuteticatambeacutem econocircmica E de fato com todos os abusos porventura praticados agravesombra dos favores oficiais agrave induacutestria da cana as escoras se tecircm feitonecessaacuterias agrave economia geral da regiatildeo que governo nenhum nem nenhumesforccedilo em comum dos fabricantes de accediluacutecar donos de latifuacutendios enormestem cuidado a seacuterio de libertar da monocultura ou da exclusividade deproduccedilatildeo a do accediluacutecar Monocultura cada vez mais latifundiaacuteria pelaproacutepria natureza imperialista do sistema puramente industrial das usinasdiante do atraso assombroso da lavoura da cana no Nordeste Atraso tatildeogrande que seu rendimento eacute metade do das terras de Campos e um quintodo das terras do Havaiacute

No Nordeste a induacutestria do accediluacutecar tornou-se em algumas aacutereas dianteda lavoura da cana terrivelmente primitiva nos seus meacutetodos uma espeacuteciede imperialismo exoacutetico diante de terras brutas que esse imperialismodominasse limitando-se poreacutem a explorar as terras sem valorizaacute-las

Em geral o trabalhador de eito natildeo existe para o industrial ausente ouquase-ausente como um conterracircneo cujo bem-estar o interesse nem ofornecedor de cana como um consoacutecio cuja situaccedilatildeo o afete Ao contraacuteriotem-se visto o preccedilo do accediluacutecar se elevar com vantagem para o usineiro e aomesmo tempo as usinas baixarem os preccedilos de sua tabela de compra decana

Feita uma exceccedilatildeo ou outra natildeo haacute sentimento de solidariedadenenhum entre o dominador e os dominados O usineiro eacute em geral como sefosse um conquistador em relaccedilatildeo com conquistados de outra terra De outrobarro De outro sangue Quase um estrangeiro a quem natildeo tocasse a sorte dosque natildeo satildeo usineiros Quase um judeu85 do tempo em que Pernambuco foi

a Zuickerland dos grandes escacircndalos de lucro comercial o proacuteprio condeMauriacutecio de Nassau ndash que aliaacutes tanto fez para libertar a colocircnia damonocultura ndash surgindo-nos com as matildeos de governado um tanto meladasde accediluacutecar

Entretanto eacute um nome de benfeitor a ligar agrave histoacuteria econocircmica doaccediluacutecar no Nordeste o de Nassau O dele os de vaacuterios governadoresportugueses que se interessaram por conta proacutepria ou seguindo ordens dosestadistas da metroacutepole pelo progresso teacutecnico da induacutestria accedilucareira o dobaratildeo de Boa Vista E nos comeccedilos da Repuacuteblica ndash quando apenas surgiramos bueiros das primeiras grandes usinas na paisagem da regiatildeo ndash o de BarbosaLima

Barbosa Lima procurou amparar a organizaccedilatildeo accedilucareira dePernambuco por meio de hipotecas de propriedades que garantissemempreacutestimos do Estado aos novos usineiros As diacutevidas lembra Oliveira Limaem suas Memoacuterias ldquoseriam mais tarde liquidadas com absoluto sacrifiacutecio dosinteresses do Tesouro estadual por uma deacutecima parte do seu valor e estamesma natildeo foi paga a natildeo ser por algum mais honrado qualificado de tolopelos demais Pagas poreacutem foram as gorjetas aos que arranjaram aliquidaccedilatildeo E a propoacutesito um proprietaacuterio dizia a Oliveira Lima referindo-sea certo advogado e professor constantemente reeleito deputado e sempreem viagens pela Europa a senhora luxando muito ldquoforam os contos de reacuteisque de mim recebeu e de fato fiz um negoacutecio da China Reduzi a minhadiacutevida de 500 a 150 contos e estes mesmos estou certo de natildeo poderpagarrdquo86

Parece que negoacutecios semelhantes se fizeram no seacuteculo XVII e que ateacutepatriotas consagrados como Joatildeo Fernandes Vieira agiram mais em funccedilatildeode interesses do accediluacutecar e de classe do que em funccedilatildeo da paacutetria ou dareligiatildeo Tambeacutem dos administradores dos magistrados e dos funcionaacuteriosvindos do reino para as capitanias de cana do Nordeste diz-se que alguns sedeixaram corromper pelo accediluacutecar tornando-se aliados dos grandes senhoresou dos grandes comerciantes

O accediluacutecar que nos dias de predominacircncia mais acentuada da lavourasobre a induacutestria ou o comeacutercio foi nesta parte do Brasil uma condiccedilatildeo deestabilidade atravessou periacuteodos em que se tornou verdadeiro objeto de jogoou de aventura comercial Quase tatildeo flutuante quanto o ouro A proacuteprialavoura deixou-se contaminar pelo gosto de lucro imediato e nem semprehonesto e pela gana de soluccedilatildeo provisoacuteria para as suas crises Os proacutepriosaristocratas do canavial entregaram-se agrave adulteraccedilatildeo do gecircnero pela mistura

de terra ou de areia outros ao roubo de negros ao contrabando de africanosA estas uacuteltimas irregulares sabe-se que ficaram ligados alguns dos grandesnomes da aristocracia da cana no Nordeste descendentes da gente maisfidalga que se enraizara aqui

Destaque-se ainda uma vez o seguinte fato no Nordeste do Brasil acana e o accediluacutecar por um lado tornaram-se um motivo forte de seleccedilatildeoregional mas por outro lado de degradaccedilatildeo Seleccedilatildeo como jaacute disse deelementos europeus principalmente portugueses mais rurais do quemercantis mais sedentaacuterios do que nocircmades mais aristocraacuteticos do queplebeus (por aristocratas compreendendo-se gente da pequena nobrezaagraacuteria natildeo a da grande nobreza militar) Seleccedilatildeo de negros eugecircnicos e emgeral tambeacutem mais sedentaacuterios do que nocircmades nas suas tendecircnciasSeleccedilatildeo de homens de procedecircncias diversas atraiacutedos pelos lucros do accediluacutecarhomens que pela sua variedade de antecedentes e de aptidotildeesenriqueceram a cultura regional (basta recordar o conde Mauriacutecio de Nassaucom seu grupo de saacutebios de artistas e de teacutecnicos com seu urbanista PeterPost com seu higienista Piso) Seleccedilatildeo de judeus do valor de Aboab daFonseca que aqui estabeleceram sinagogas ensinaram doutrina praticarama medicina escreveram poemas natildeo se limitando a uma funccedilatildeo puramentecomercial Na primeira metade do seacuteculo XIX e um pouco no seacuteculo XVIIIseleccedilatildeo de ingleses e franceses que influiacuteram decisivamente sobre asmaneiras domeacutesticas sobre as modas de vestir dos grandes senhores e dasgrandes senhoras sobre a arquitetura sobre os meacutetodos de ensino sobre oshaacutebitos de dieta sobre as leituras e os divertimentos dos homens sobre ahigiene das ruas das cidades das pessoas Os anuacutencios de jornaisdocumentam minuciosamente essa grande influecircncia inglesa e francesasobre o Nordeste87

Mas conveacutem natildeo esquecer por outro lado que toda essa seleccedilatildeo regionalde valores humanos de valores de cultura se fez dentro de condiccedilotildeeseconocircmicas e sociais que deformaram ou pelo menos afetaram essesmesmos valores em um sentido uacutenico e moacuterbido a monocultura latifundiaacuteriae escravocrata Koster nos princiacutepios do seacuteculo XIX viu em Pernambucouma senhora pernambucana das gordas das obesas das corpulentasvestida grotescamente agrave inglesa que o fez filosofar ldquoo espiacuterito de inovaccedilatildeo

produziu algumas consequecircncias bastante irrisoacuteriasrdquo Um exemplo apenasda deformaccedilatildeo dos valores importados pelas condiccedilotildees fundamentais deeconomia de vida e de dieta da regiatildeo monocultura e escravocrata

Mas nem a monocultura nem o latifuacutendio nem a escravidatildeo quecondicionaram de modo tatildeo decisivo o desenvolvimento social do Brasil emgeral e do Nordeste da cana-de-accediluacutecar em particular88 sendo tatildeo

responsaacuteveis por aquelas senhoras exageradamente gordas como por um tipoconfortaacutevel de casa regional merecem condenaccedilatildeo formal de quem seaproxime do assunto sob o criteacuterio do relativo E natildeo do absoluto tatildeo perigosonas avaliaccedilotildees sociais Tatildeo perturbador da perspectiva histoacuterica

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve naquele sistema social de relaccedilotildees doshomens com a terra com os animais com a aacutegua com a mata de relaccedilotildeesem grande parte moacuterbidas ndash sadistas-masoquistas ndash dos senhores com osescravos dos proprietaacuterios com os trabalhadores dos brancos com os negrosdos homens com as mulheres dos adultos com os meninos ndash natildeo soacute o motivode muitas de suas fraquezas como de vaacuterias de suas virtudes A conquista e acolonizaccedilatildeo quase militar de largos trechos do Norte pela Casa da Torre89 ndash

maior casa-grande do Brasil ndash e as guerras contra franceses e holandesesguerras feitas pelos Albuquerques e por outros fidalgos do canavial quasedesajudados da metroacutepole mostram que essa civilizaccedilatildeo por naturezasedentaacuteria comodista e sensual foi capaz de accedilatildeo militar de agressividadeque qualidades de luta em sua proacutepria defesa

Foi tambeacutem capaz de expressatildeo artiacutestica Quer atraveacutes do seu espiacuteritopopular do seu folclore matuto do seu bumba meu boi glorificador do negroe do boi de engenho de sua arte anocircnima de doce de renda de faca deponta com bainha de prata lavrada (arte que parece ter tornado o nome deOlinda na Europa uma espeacutecie de Toledo brasileiro como recordou haacute anoso escritor Muacutecio Leatildeo) de jacarandaacute ou amarelo trabalhado pelosmarceneiros e carpinteiros pardos dos engenhos quer pelo seu tipo dearquitetura de casa-grande e de mucambo adaptados agraves condiccedilotildees regionaisde clima de luz de calor e valendo-se para material de construccedilatildeo deelementos tambeacutem regionais

Por outro lado foram os homens da Bahia e do extremo Nordeste que setornaram juntamente com os da baixada fluminense os grandes senhores

da poliacutetica da diplomacia e da administraccedilatildeo do impeacuterio ndash Cairu o baratildeo dePenedo o visconde de Rio Branco o baratildeo de Itamaracaacute Seacutergio Teixeira deMacedo Teixeira de Freitas Joaquim Nabuco Saldanha da Gama AzevedoCoutinho Zacarias de Goacuteis Paulino de Sousa Romualdo de SeixasCotegipe os grandes ldquoleotildeesrdquo dos salotildees da corte estadistas poliacuteticos ediplomatas adoccedilados pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar suavizados pelo chaacute tomadoem pequeno90

E foi ainda o Nordeste a sua civilizaccedilatildeo de engenho cheia de oacutecios parao estudo que deu ao Brasil o seu maior orador ndash o padre Vieira o seu maiorpoeta satiacuterico ndash Gregoacuterio de Matos o seu maior matemaacutetico ndash o Sousinha oseu maior filoacutelogo ndash o doutor Morais ndash um transplantado da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar do Sul para a de Pernambuco onde se tornou senhor de engenhoJuristas gramaacuteticos ensaiacutestas novelistas historiadores Poetas liacutericosmuacutesicos pintores Inovadores e revolucionaacuterios Trajano Galvatildeo e CastroAlves Joaquim Nabuco e Nunes Machado O padre Joatildeo Ribeiro e freiCaneca Joseacute Mariano e Joseacute Maria D Vital Correia Picanccedilo NinaRodrigues Tobias Barreto Joseacute Higino Siacutelvio Romero Martins JuacuteniorOliveira Lima Graccedila Aranha Pedro Ameacuterico Augusto dos Anjos RosalvoRibeiro Emiacutelio Cardoso Ayres Teles Juacutenior

Alguns desses casos de evasatildeo da ordem estabelecida ou de rebeldiacontra ela Evasotildees e rebeldias que natildeo se teriam verificado de modo tatildeocompleto se a ordem estabelecida machucando ferindo esmagando atantos ndash a muitos agradavelmente para o seu masoquismo inato ouadquirido ndash natildeo encontrasse em uns poucos as energias de revolta o arrojopara a aventura a coragem do sacrifiacutecio

Um sacrifiacutecio agraves vezes volutuoso a renuacutencia de certos privileacutegios ouregalos de classe pelas responsabilidades intelectuais e morais de homensnatildeo soacute de sua regiatildeo mas de sua eacutepoca Tal o caso de Joaquim Nabucolutando pelos escravos de Maccedilangana de Pernambuco do Brasil inteiroescravos que ajudou a libertar com prejuiacutezo para os Paes Barreto para osescravocratas de todo o impeacuterio para a classe senhorial que levara mais detrecircs seacuteculos se apurando para produzir tatildeo esplecircndida figura de desertor Eateacute certo ponto o caso tambeacutem de Saldanha da Gama deixando-se ferir demorte em Campo Osoacuterio onde natildeo se sabe se morreu miacutestico da Ordem ou

romacircntico da revoluccedilatildeo E ainda o de D Vital de quem a reaccedilatildeo contra oregime dominante na regiatildeo fez uma figura de aristocrata revolucionaacuterioembora a sua miacutestica fosse a da ordem e da autoridade

Mesmo desertor de sua classe Joaquim Nabuco foi quase vaiado peloRecife onde lhe sentiam talvez aroma de aristocrata desgarrado entre aplebe e D Vital nunca foi um bispo inteiramente popular entre osrecifenses muitos o acusando de perfumar as matildeos e de pocircr brilhantina nabarba ndash que na verdade foi menos talvez a barba de um frade da Penha quea de um fidalgo de casa-grande De qualquer modo a integraccedilatildeo de JoaquimNabuco na condiccedilatildeo de revolucionaacuterio social marcou uma vitoacuteria domomento de cultura universal ou europeia com que ele homem oceacircnico doRecife se identificou sobre o que havia nele de regional ou teluricamenteestagnado sob a forma de interesse de classe e privileacutegio de casta

Eacute que mesmo se evadindo de uma classe e sobretudo de um sistema quesentiam terrivelmente opressivo para a sua inteligecircncia e para a suasensibilidade para o seu espiacuterito e para o espiacuterito do seu povo esses homensforam representantes de uma autecircntica cultura rural e sobretudo regionalde classe a do senhor de engenho brasileiro A do senhor de engenhopernambucano De uma civilizaccedilatildeo que ajudaram a destruir mas queentretanto marcou-os para sempre como a Igreja marca os defroqueacutes maishorrorosamente revoltados contra ela De modo que no libertador dosescravos permaneceu o sinhocirc-moccedilo da casa-grande de Maccedilangana e nofrade da Penha o aristocrata iacuteamos dizendo terriacutevel de Pedra de Fogo

A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar entretanto natildeo deu soacute inteligecircncias desertoras(desertoras mas conservando na fuga os traccedilos da classe abandonada dacultura traiacuteda) Deu tambeacutem as suas grandes figuras de conformistas o seuArauacutejo Lima o seu abaianado D Romualdo de Seixas o seu AntocircnioPeregrino Maciel Monteiro Os dois uacuteltimos chegaram mesmo a se tornarexpressotildees meliacutefluas de conformidade passiva com a ordem dominanteForam dois dos maiores volutuosos do sistema aristocraacutetico ostentando comum gosto especial suas insiacutegnias de classe os tiacutetulos de grandes do impeacuterioas gratildes-cruzes das ordens heraacuteldicas os crachaacutes

Em Maciel Monteiro natildeo deixou de haver evasatildeo pelo dandismo de domjuan sempre de flor na botoeira extrato no lenccedilo monoacuteculo no canto do

olho as pontas dos dedos soacute sabendo pegar em sedas em cetins em rendasde mulher Sexo ateacute nas pontas dos dedos

Eacute bem expressivo freudianamente expressivo o dito que lhe atribuemas saias de seda que levantou na sua vida de dom juan foram tantas que lhefizeram calos nas matildeos Calos de pegar seda de sungar saias Calos nos dedosaristocraacuteticos como os de verdade nos dedos dos negros dos negrosamassadores de patildeo dos pretos de matildeos enormes calejadas ou deformadaspelo trabalho que passam pelos anuacutencios de jornais da eacutepoca do dacircndi

Natildeo querendo outra vida senatildeo essa volutuosa e mole entre sedas demulher e frascos de cheiro Maciel Monteiro sentia-se perfeitamente bem nacivilizaccedilatildeo aristocraacutetica do accediluacutecar Por isto seu partido poliacutetico emPernambuco era o dos aristocratas da cana e dos grandes proprietaacuterios deterras e de escravos o dos homens que dizia ele ldquotendo o que perderrdquo ndashterras e escravos ndash ldquotecircm o bom senso de natildeo querer pocircr em risco o fruto deseus suores os que amam a monarquia como garante da felicidade da nossaterrardquo ldquoQuem ama o trabalhordquo ndash diria ainda esse vulutuoso que segundo atradiccedilatildeo natildeo hesitava em namorar mulher casada ndash ldquocuida na sua famiacutelia enatildeo quer desordensrdquo91 O conformismo de Maciel Monteiro com a

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica de que foi expressatildeo tatildeo niacutetida eacute um conformismoloacutegico Loacutegica eacute mesmo sua hipocrisia aquele zelo pela famiacutelia e aquelaostentaccedilatildeo de amor pelo trabalho

Jaacute se viu entretanto que esse conformismo natildeo foi a regra entre oshomens de inteligecircncia e de cultura das casas-grandes do Nordeste antesde se avivar na regiatildeo o intelectualismo revolucionaacuterio das cidades daspraccedilas da rua da praia do Recife contra os Cavalcantis e Rego Barros dosengenhos da ldquomatardquo das academias de medicina e de direito contra ofeudalismo do interior os proacuteprios engenhos produziram agitadores do tipode Paula Gomes senhor rural que se aliou a Pedroso o chefe mesticcedilo dainsurreiccedilatildeo de 1823 no Recife o tal Pedroso de cavanhaque que andouconfraternizando com negros e mulatos botando as molecas no colodeixando-se agradar pelas negras dos mucambos

No Nordeste como na baixada fluminense os engenhos mais ilustresuns com os seus areoacutepagos outros com os seus senhores ricos e cheios delazer para a leitura para o latim para a charada se anteciparam agraves cidades

como centros de cultura intelectual Mesmo de cultura intelectualrevolucionaacuteria isto eacute influenciada pelos hereges da Revoluccedilatildeo Francesa eda filosofia inglesa No proacuteprio seacuteculo XVI os tentaacuteculos do Santo Ofiacutecioandaram remexendo livrarias de senhores de engenho onde jaacute seencontravam novelas e outros livros perigosos aleacutem de cartas de jogarimpressas aqui mesmo Porque o que primeiro se imprimiu no Nordestetalvez um dia se apure que natildeo foi nenhum livro perigoso nem mesmonenhuma oraccedilatildeo devota foram porventura cartas de jogar Eacute o que noslevam a supor certos documentos ainda virgens dos tempos coloniais92cheios da ira del-rei contra cartas de jogar impressas em Pernambuco desdeos meados do seacuteculo XVIII

Se no seacuteculo XVI jaacute se lia Diana em engenhos ou cidades do Brasilconforme se lecirc nas denunciaccedilotildees do Santo Ofiacutecio eacute de supor que livros aindamais perigosos tivessem entrado na regiatildeo do accediluacutecar quando as suas cincoou seis proviacutencias estiveram uma sob o jugo francecircs e todas sob o domiacutenioholandecircs Livros e jogos Livros e jogos trazidos por franceses holandesesingleses e judeus sabido que a colocircnia de sefardins do Recife foi a maisopulenta que a Ameacuterica abrigou na eacutepoca a mais opulentaintelectualmente

No seacuteculo XVIII o Nordeste empalideceu dentro da segregaccedilatildeo e doisolamento Mas com a vinda de D Joatildeo VI com a abertura dos portos com oestabelecimento dos ingleses no Recife em Salvador da Bahia em Satildeo Luiacutesdo Maranhatildeo a cultura da regiatildeo ganhou novamente os traccedilos europeus quehaviam quase desaparecido da face de sua paisagem sob aqueles exageros desegregaccedilatildeo

Maria Graham nos comeccedilos do seacuteculo XIX natildeo encontrara emPernambuco senatildeo restos de livros velhos apodrecendo pelos conventosfrades desinteressados pelos estudos Mas Tollenare e Koster chegaram aconhecer no Nordeste padres e ateacute frades cheios de curiosidade intelectuallidos em autores franceses chegaram a conhecer aristocratas do accediluacutecarinfluenciados pelas ideias e pelas modas inglesas pelas leituras e pelos ideaisfranceses

Com a fundaccedilatildeo da Escola Meacutedica na Bahia e do Curso Juriacutedico emOlinda ndash depois transferido para o Recife ndash as duas cidades tornaram-se

focos ainda mais vivos de cultura intelectual europeia ndash mais revolucionaacuteriano Recife e mais acomodatiacutecia talvez na Bahia Os livros europeuscomeccedilaram a chegar mais livremente agraves matildeos dos estudantes ndash dos padresmoccedilos dos filhos de senhores de engenho dos mulatos de vinte anosansiosos de saber

Principia a influecircncia dos filoacutesofos ingleses junto com a dos franceses emais tarde com a dos alematildes Olinda e depois Recife tornam-se dois centrosativos de traduccedilatildeo e de divulgaccedilatildeo das novas ideias francesas e inglesas dosnovos sistemas natildeo soacute de filosofia como de moral de higiene de medicinade educaccedilatildeo dos meninos A maior cabeccedila da revoluccedilatildeo de 1817 fora umacabeccedila de padre influenciado pelas ideias francesas (pobre cabeccedila queacabaria arrancada do corpo como a de um judas)

Natildeo tardou que a devoccedilatildeo dos homens por Nossa Senhora empalidecessediante da devoccedilatildeo maior pela Deusa da Liberdade Natildeo soacute entre osestudantes de direito do Recife e os de medicina da Bahia como entre osproacuteprios alunos dos seminaacuterios e dos coleacutegios de artes Se nas procissotildeesalguns ldquosenhores acadecircmicosrdquo ainda em 1850 subiam piedosamente asladeiras de Olinda com coroas de espinho na cabeccedila os peacutes descalccedilossujando-se de poeira brandotildees ou velas de cera nas matildeos devotas desde osprimeiros tempos da academia outros natildeo quiseram saber senatildeo de festasdebaixo das aacutervores do horto de Olinda com vivas ao imperadorconstitucional agrave Independecircncia agrave restauraccedilatildeo da Bahia com danccedilas comcantorias talvez com a presenccedila de atrizes ou mestras e contramestras depastoril ndash a julgar pelo tom de escacircndalo com que o Amigo do Povo93censurava essas pacircndegas de rapazes Mas eacute possiacutevel que tambeacutem com apresenccedila de mestres e contramestres de direito e de filosofia ateacute de padres-mestres do padre Manuel Joseacute da Silva Porto por exemplo tatildeo acusadopelos absolutistas de agitador ou revolucionaacuterio Ele como outro lente deOlinda o doutor Joatildeo Joseacute de Moura

Mas as troccedilas e convescotes tinham tambeacutem o seu lado seacuterio faziam-sediscursos contra o absolutismo recitavam-se poesias patrioacuteticas davam-semorras a Portugal e natildeo somente vivas ao Brasil E alguns estudantes dessesgrupos mais boecircmios e mais liberais natildeo hesitavam em falar um tantojuridicamente no ldquodireitordquo do redator caturra do Amigo do Povo (que os

censurava a eles e aos seus camaradas do coleacutegio das artes por aquelesexageros de liberalismo e talvez de libertinagem) ldquoa umas duacutezias decacetadasrdquo Quase o mesmo pensava o padre Lopes Gama com relaccedilatildeo aopadre Barreto Sinal de que natildeo era perfeita a toleracircncia reciacuteproca entre osestudantes os doutores e os cleacuterigos das cidades como estava longe de serperfeita entre os velhos senhores de engenho tanto deles divididos portremendos oacutedios poliacuteticos por questotildees de terras de aacuteguas de bois demulher Daiacute a capangagem os crimes os assassinatos as emboscadas Aindahoje quem percorre as zonas mais velhas de canaviais do Nordeste vecirc casas-grandes com fama de mal-assombradas em uma se assassinou a tiro osenhor na proacutepria rede todo de branco como um inglecircs fumando charutodepois de jantar noutra a sinhaacute numa terceira o sinhocirc-moccedilo que tinhaestudado medicina na Europa

Na academia de Olinda ndash depois transferida para o Recife ndash e pareceque tambeacutem na Escola de Medicina da Bahia ndash os trotes dos veteranos noscalouros tomaram o sabor sadista de que estava viciado o ar o ambiente dacivilizaccedilatildeo do accediluacutecar muito doce nuns aspectos mas por dentro cheia decrueldades negros surrados ateacute o sangue correr das feridas os mulatos maisafoitos agraves vezes castrados as brigas de galo e de canaacuterios salpicando desangue as calccedilas brancas dos senhores de engenho meninos criados uns reisdas bagaceiras quebrando a pedrada ou a caco de garrafa a cabeccedila dasnegras velhas tirando sangue dos moleques a chicotadas arrancando osolhos dos passarinhos torcendo o pescoccedilo dos galos judiando com aslagartixas e os gatos Em Olinda chegou a haver uma morte de um estudanteque ficou ceacutelebre tratando-se do filho de uma famiacutelia nobre da Bahia o casotomou as cores de um grande escacircndalo

Entretanto pelo maior contato do Nordeste com a Europa burguesa doseacuteculo XIX ndash mais tolerante de divergecircncias do que a Europa da cavalaria ndashe principalmente com o desenvolvimento da cultura juriacutedica no Recife94da cultura meacutedica na Bahia e da cultura religiosa e humanista ali e emOlinda os costumes sempre mais finos e mais europeus nos canaviais do quenos sertotildees foram ganhando maior doccedilura a vida humana foi sendo maisrespeitada agrave sombra das casas-grandes e dos sobrados o sadismo dos maisvelhos com relaccedilatildeo aos mais moccedilos dos mais brancos com relaccedilatildeo aos mais

pretos dos mais poderosos com relaccedilatildeo aos mais fracos foi se atenuando e seabrandando a confraternizaccedilatildeo cristatilde foi se estendendo aos africanos

Os enciclopedistas antiescravocratas tiveram influecircncia profunda sobreos revolucionaacuterios de 1817 sobre os areoacutepagos e as academias de padres demeacutedicos de senhores de engenho Montesquieu foi o mestre mais poderosode frei Caneca ndash a grande figura de frade parece que libertino e ao mesmotempo liberal que deu agrave revoluccedilatildeo de 1824 a sua expressatildeo ideoloacutegica maisalta e a sua mancha mais viva de martiacuterio

Vencidas as duas grandes revoluccedilotildees regionais sobre os novos centros decultura continuariam a agir atraveacutes da primeira metade do seacuteculo XIXinfluecircncias francesas e inglesas umas romanticamente liberais outras desentido mais organizador mais juriacutedico ou mais cientiacutefico Aleacutem deMontesquieu de Voltaire de Condorcet de Locke de Lamartine ndash CharlesComte com o seu memoraacutevel Traiteacute de leacutegislation e Bentham que seria tatildeodiscutido entre noacutes E ainda Filangeri Say Tocqueville Adam SmithLaboulaye Os anuacutencios dos jornais nos permitem seguir a preponderacircnciadas leituras novas como tambeacutem de muacutesicas e drogas francesas inglesas eamericanas que foram revolucionando os vaacuterios aspectos da cultura regionalno sentido da diminuiccedilatildeo de prestiacutegio das valores tradicionais maiscaracteriacutesticos da ordem aristocraacutetica e escravocraacutetica da civilizaccedilatildeo doaccediluacutecar a medicina caseira a modinha a religiatildeo o claacutessico latino a novelade cavalaria

De modo que houve isto de paradoxal a civilizaccedilatildeo do accediluacutecarprestando-se por vaacuterios motivos embora negando-se por outros ndash asconstantes faltas de viacuteveres e os altos preccedilos dos gecircneros em Pernambucopor exemplo foram mais de uma vez alegados como razatildeo poderosa paranatildeo se estabelecer em Olinda ou no Recife nenhuma escola superior ndash acentros de ensino meacutedico e de ensino juriacutedico no impeacuterio concorreu paraacelerar a sua proacutepria destruiccedilatildeo Concorreu para avivar nas cidades umintelectualismo revolucionaacuterio ou criacutetico que agiria contra ela proacutepriacivilizaccedilatildeo agraacuteria e escravocraacutetica

Entretanto dificilmente se imagina a fundaccedilatildeo de cursos superiores noBrasil desprezando-se o Recife ou a Bahia onde uma seacuterie de condiccedilotildeescriadas pela civilizaccedilatildeo do accediluacutecar facilitavam os estudos mais elevados A

maior pureza da liacutengua por exemplo Foi aliaacutes elemento tomado muito emconsideraccedilatildeo pelos fundadores do ensino superior no Brasil Eacute que os centrosnordestinos de colonizaccedilatildeo tendo sido por influecircncia da cana-de-accediluacutecar osde maior populaccedilatildeo negra ndash tatildeo corrutora da liacutengua portuguesa ndash foramtambeacutem os mais dominados pela influecircncia dos padres-mestres agregadosaos engenhos padres-mestres que mais facilmente transigiam ndash alguns pelomenos ndash com os pecados da carne que com os erros de gramaacutetica quefizeram mais talvez pela pureza da liacutengua que pela pureza de costumesDaiacute o Maranhatildeo se ter tornado em pleno regime de escravidatildeo a ldquoAtenasbrasileirardquo uma Atenas mais de gramaacuteticos do que de sofistas Sergipe nofim do impeacuterio um ldquoninho de aacuteguiasrdquo ndash Pernambuco e a Bahia ndash outras duasAtenas outros ldquoninhos de aacuteguiasrdquo feitos com palha de cana ldquoAtenasbrasileirardquo natildeo soacute pelos gramaacuteticos e pelos seus filoacutelogos como pelo seuspoetas seus romancistas seus liacutericos

Outros senhores de engenho empregaram ainda mais severamente osseus oacutecios do que os gramaacuteticos e os poetas Gabriel Soares de Sousa emestudos quase cientiacuteficos de etnografia na Bahia por exemplo Vaacuterios emaplicaccedilotildees de medicina caseira a negros e moradores um divertimentodelicioso tendo-se cobaias tatildeo perfeitas nas senzalas Um ou outro emmeacutetodos de melhoramentos da cultura da cana95

A maior parte natildeo soube empregar o lazer senatildeo em devoccedilotildees aos santose agrave Virgem em festas com muito doce muito accediluacutecar muito licor dejenipapo muito vinho de caju em poliacutetica em brigas de galo em cavalosem jogo de cartas em charadas em cartas aos compadres mexericandosobre eleiccedilotildees ou propondo troca de negro ou de cavalo Haacute muito resto decartas dessas pelos arquivos dos velhos engenhos do Nordeste

Santo talvez natildeo tenha produzido nenhum a civilizaccedilatildeo agraacuteria doNordeste nem ao menos algum asceta do tipo daquele que ficou ceacutelebre naregiatildeo mineira de paisagem mais dura de solo mais acre de ar talvez maisfavoraacutevel aos heroiacutesmos da castidade e aos exerciacutecios da piedade Apenasproduziu o Nordeste do accediluacutecar um ou outro senhor de engenho maisdevoto O capitatildeo-mor Manuel Tomeacute de Jesus por exemplo Manoel Tomeacutede Jesus gastava em ouro e prata para as suas santas em encomendas decoroas e resplendores de ouro para as suas virgens de madeira o que outros

escravocratas esbanjavam em ouro e prata para enfeitar as negras quedesvirginavam as mulatas que emprenhavam as mestras e contramestras depastoril que defloravam Em uma como compensaccedilatildeo a esses leigosextremamente devotos a esses senhores de engenho quase frades pela suapiedade e pela sua devoccedilatildeo aos santos houve no Nordeste como noutrasaacutereas do Brasil colonial frades que como senhores de engenho rivalizaramcom os leigos no furor patriarcal Se natildeo trouxessem haacutebito ldquoem cousaalguma tinhatildeo differenccedila de hum pae de familiardquo diz esses frades umacorrespondecircncia do seacuteculo XVIII96

O ambiente viciado pelo sadismo-masoquismo da civilizaccedilatildeo escravocratado Nordeste natildeo se pode dizer que fosse inteiramente desfavoraacutevel agrave eclosatildeode santos Santos em quem rebentassem reaccedilotildees agrave sensualidade bruta domeio Reaccedilotildees vicaacuterias Protestos ao abuso do fraco pelo poderoso da mulherpelo homem do menino pelo adulto do negro pelo branco Em um climamoral particularmente sadista-masoquista como o da Espanha das guerrasde cristatildeos contra mouros das touradas da Inquisiccedilatildeo de D Juan Tenorio eacuteque aparecem santos da doccedilura de Satildeo Joatildeo da Cruz da ternura de SantaTeresa de Jesus E Satildeo Luiacutes Gonzaga se tornou heroacutei da virgindade em ummeio tatildeo viscosamente sensual que as bocas das pessoas estavam sempreperfumadas para os beijos

Houve padres no Nordeste que quase se elevaram a santos pelo esforccediloheroico de ensinar de doutrinar de cuidar dos doentes Ibiapina O padreRolim Ibiapina foi de fato uma figura de cristatildeo dos tempos apostoacutelicosdesgarrados nestas aacutereas de accediluacutecar e de mandioca E o padre Vieira teve acoragem de denunciar do puacutelpito abusos de ricos de poderosos de senhoresde engenho D Vital a de enfrentar os grandes maccedilons do impeacuterio

Mas foram raras essas vozes sendo tantos os cleacuterigos e os fradesSurpreende que muitas iniciativas que deviam ter sido talvez dos bispos ndashaliaacutes o Nordeste natildeo deixou de ter grandes figuras de bispos como a deAzeredo Coutinho e a de D Joatildeo da Purificaccedilatildeo ndash tivessem de ser tomadaspor simples padres pobres Ou entatildeo pelos governadores ou capitatildees-moresO amparo agraves crianccedilas enjeitadas por exemplo Antes de D Tomaacutes Joseacute deMelo ndash um dos governadores mais animados de espiacuterito puacuteblico que teve acapitania de Pernambuco ndash o desleixo pela crianccedila enjeitada numa terra

cheia de igrejas e de conventos com o Recife do seacuteculo XVIII era tal quealgumas pobrezinhas eram estraccedilalhadas pelos bichos imundos que de noitevagavam pelas ruas Os negros pagatildeos ateacute os princiacutepios do seacuteculo XIX seenterravam em Pernambuco pelas praias ermas e com tatildeo pouco espiacuteritocristatildeo que os cachorros e os urubus natildeo tinham dificuldade em ir pinicarcarne tatildeo abandonada depois de morta quanto explorada ainda viva

Onde uma voz de padre que tivesse chamado com a forccedila com quedeviam ter clamado todas as vozes de padre a favor da mulher ndash tatildeohumilhada tatildeo abusada tatildeo maltratada por maridos e pais senhores deengenho Alguns desses maridos como Miguel Ferreira rendeiro doengenho do Tapicuraacute em Pernambuco faziam de suas mulatas as rainhasda casa e tratavam de resto a mulher legiacutetima Agrave mulher legiacutetima tocavaapenas parir e criar os filhos E dessas mulheres de senhores de engenhocrueacuteis pode-se dizer que algumas foram santas embora no sentido brasileiroe natildeo rigorosamente lituacutergico A civilizaccedilatildeo do accediluacutecar teve suas santas suasmulheres grandes sofredoras que humilhadas repugnadas maltratadascriaram filhos numerosos agraves vezes os seus e os das outras mulheres maisfelizes que elas cuidaram das feridas dos escravos dos negros velhos dosmoradores doentes dos engenhos

Mesmo em sentido lituacutergico o Nordeste teve as suas quase-santasnascidas agrave sombra doce de uma igreja da qual eacute impossiacutevel separar aformaccedilatildeo brasileira Teve a sua veneraacutevel Madre Soror Acircngela doNascimento nascida no engenho Jurrisaca no cabo de Santo AgostinhoTeve a sua Catarina Pais Vestida com o haacutebito descoberto da TerceiraOrdem de Satildeo Francisco Catarina se exercitou no que um cronista chamaldquoheroicas virtudesrdquo ldquoheroicas virtudesrdquo na verdade para serem praticadaspor mulher branca e de prol em civilizaccedilatildeo escravocraacutetica as da humildadeas do serviccedilo as do amor a toda espeacutecie de proacuteximo ldquoFoi a sua humildadetatildeo profunda que ateacute se reconhecia por indigna de servir as suas mesmasescravas dizendo que ainda que a fortuna as tivesse feito captivas eratildeo filhasdo Deos a que ella natildeo merecia servir por ser hua grande peccadorardquo Teve asua Da Maria Joseacute ldquonatural do Recife filha de Pays nobres e ricosrdquo queentretanto desde mocinha cortou os cabelos vestiu haacutebito de terceira doCarmo e ldquopara desengano dos que pretendiatildeo o seu cazamento distribuio

pelos pobres a maior parte do seu doterdquo97 Teve a sua Da Inecircs Barreto de

Albuquerque que quando ficou viuacuteva foi para dedicar-se toda ao serviccedilo deDeus e aos pobres dando de comer a muitos sustentando muitas oacuterfatildesfundando o Hospital de Nossa Senhora do Rosaacuterio no Recife e ela proacutepriavarrendo os quartos e fazendo as camas dos doentes Teve as suas muitasDas Mariazinhas Das Francisquinhas Das Mariquinhas que desdemeninas desde a primeira comunhatildeo natildeo fizeram senatildeo cuidar dosmaridos dos filhos dos escravos dos santos

Santo ndash repita-se ndash eacute que parece que o Nordeste do accediluacutecar natildeo deunenhum Os proacuteprios filhos de senhores de engenho que iam estudar parapadre levavam do canavial para o seminaacuterio um orgulho que nunca morrianeles Que natildeo morreu nem em um D Vital capuchinho frade da PenhaTodos os exerciacutecios de humildade franciscana que praticou com tanto ardorparece que natildeo puderam destruir em Vital Maria Gonccedilalves de Oliveira oorgulho de aristocrata de engenho que continuou sendo sob as barbas defrade sob o capucho de religioso sob a murccedila de bispo Sua insistecircncia emdizer-se pernambucano ndash quando de fato parece que nasceu na Paraiacuteba ndash eacutebem caracteriacutestico desse orgulho que daacute a impressatildeo de ter sido natildeo soacuteregional mas de classe Pernambucano soacute natildeo pernambucano do canavialAristocrata Descendente dos senhores de engenho que expulsaram osholandeses do Nordeste como ele quis expulsar os maccedilons poderosos dasIrmandades e da Igreja

Dentro da civilizaccedilatildeo do accediluacutecar ndash que por algum tempo constituiu quasetoda a civilizaccedilatildeo brasileira ndash o pernambucano foi a especializaccedilatildeo maisintensa das qualidades e dos defeitos dessa organizaccedilatildeo monocultoramonossexual e principalmente aristocraacutetica e escravocraacutetica Organizaccedilatildeocheia de contrastes Inimiga do indiacutegena Opressora do negro ndash emboramenos que a mineira ou a paraense Opressora do menino e da mulher ndashembora ostentando uma galanteria um cavalheirismo uma devoccedilatildeo peloldquobelo sexordquo que nenhuma outra civilizaccedilatildeo brasileira ostentou com tantobrilho no passado

Com todos os seus defeitos a civilizaccedilatildeo do accediluacutecar que se especializouou antes se exagerou no Nordeste do massapecirc e dentro do Nordeste emPernambuco ndash seu foco seu centro seu ponto de maior intensidade ndash em

civilizaccedilatildeo aristocraacutetica e escravocraacutetica deu ao Brasil alguns dos maioresvalores de cultura hoje caracteristicamente brasileiros dissolvidos em outrascivilizaccedilotildees distribuiacutedos por outras aacutereas diluiacutedos em outros estilos de vidamas com a marca de origem ainda visiacutevel a olho nu Outros valores natildeosofreram transformaccedilatildeo e morreram ou existem soacute em resiacuteduos muito vagos

Mas foi justamente essa civilizaccedilatildeo nordestina do accediluacutecar ndash talvez a maispatoloacutegica socialmente falando de quantas floresceram no Brasil ndash queenriqueceu de elementos mais caracteriacutesticos a cultura brasileira

O que nos faz pensar nas ostras que datildeo peacuterolasLevando-se a vista dos pobres canaviais do Nordeste patriarcal para as

oliveiras de certa terra claacutessica do sul da Europa haacute de ver-se que tambeacutem acivilizaccedilatildeo grega foi uma civilizaccedilatildeo moacuterbida segundo os padrotildees de sauacutedesocial em vigor entre os modernos Civilizaccedilatildeo escravocraacutetica Civilizaccedilatildeopagatilde Civilizaccedilatildeo monossexual E entretanto estranhamente criadora devalores pelo menos poliacuteticos intelectuais e esteacuteticos Muito mais criadoradesses valores do que as civilizaccedilotildees mais saudaacuteveis que ainda se utilizam daheranccedila grega Junto dela com efeito a bem equilibrada civilizaccedilatildeo dosmodernos escandinavos empalidece e se apresenta tatildeo esteacuteril e tristonhacomo se natildeo tivesse senatildeo matildeos e peacutes de gigante

Abaixo da grega outras civilizaccedilotildees parece que tecircm reproduzido emtermos maciccedilos o caso estranho dos gecircnios individuais tanto deles como asostras doentes eacute que datildeo peacuterolas

A antiga civilizaccedilatildeo do accediluacutecar no Nordeste de uma patologia social tatildeonumerosa daacute-nos essa mesma impressatildeo em confronto com as demaiscivilizaccedilotildees brasileiras ndash a pastoril a das minas a da fronteira a do cafeacuteCivilizaccedilotildees mais saudaacuteveis mais democraacuteticas mais equilibradas quanto agravedistribuiccedilatildeo da riqueza e dos bens Mas nenhuma mais criadora do que elade valores poliacuteticos esteacuteticos intelectuais

76 Rodrigues de Carvalho ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo in Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 1937Vejam-se tambeacutem sobre o assunto os trabalhos reunidos em Estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro 193477 Rodrigues de Carvalho loc cit

78 Col dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica daProviacutencia de Pernambuco (1849)79 Como observou Saacute e Oliveira com relaccedilatildeo aos aristocratas baianos tambeacutemno extremo Nordeste se manteve alta a estatura dos homens entre aaristocracia branca e quase-branca das casas-grandes Aristocracia jaacute hojedegradada Nessa classe tatildeo socialmente vigorosa ateacute agrave aboliccedilatildeo os homensaltos e bem apessoados foram comuns conforme natildeo soacute a tradiccedilatildeo com ascrocircnicas e as evidecircncias fotograacuteficas que se referem agrave uacuteltima metade doseacuteculo XIX Dos grandes senhores de terras que deram seu apoio agraveRevoluccedilatildeo de 1817 sabe-se que alguns eram verdadeiros gigantes Entre agente de cor verifica-se entretanto a tendecircncia para a estatura mediana eabaixo da mediana para o que talvez tenham concorrido em Pernambucojuntamente com fatores sociais de degradaccedilatildeo os elementos africanos eindiacutegenas que mais entraram na composiccedilatildeo do tipo popular no extremoNordeste africanos (Bacircntus) e indiacutegenas uns de estatura mediana outrosde estatura baixa80 Joseacute Ameacuterico de Almeida A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924Vejam-se tambeacutem sobre o assunto Agamemnon Magalhatildees O Nordestebrasileiro (O habitat e a gens) Recife 1921 e Felte Bezerra Etniassergipanas cit Sobre as caracteriacutesticas de fiacutesico ou de corpo nos escravos daParaiacuteba atraveacutes de anuacutencios de jornal prepara interessante ensaio opesquisador paraibano Ademar Vidal baseado em nosso ldquoO escravo nosanuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro 1934 do qual esperamos dar breve novaediccedilatildeo ampliada81 Sobre o tipo do nordestino veja-se dos dois meacutedicos pernambucanosMorfologia do homem do Nordeste Rio de Janeiro 1937 Sobre diferentesaspectos das relaccedilotildees do homem do Nordeste com a alimentaccedilatildeo e o meiovejam-se Josueacute de Castro Documentaacuterio do Nordeste (Rio de Janeiro1936) e Rui Coutinho Valor social da alimentaccedilatildeo (Rio de Janeiro 1938)Do assunto ndash o tipo nordestino do ponto de vista psicoloacutegico social ndash vem seocupando em pesquisas no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais oprofessor Gonccedilalves Fernandes82 Sobrados e mucambos trabalho de que apareceu a primeira ediccedilatildeo em1936 A segunda ediccedilatildeo de 1951 incluiu cinco capiacutetulos novos e vaacuteriosacreacutescimos aos capiacutetulos antigos83 O Congresso Nacional aprovou por imensa maioria em 1949 o nossoprojeto hoje lei criando na cidade do Recife em comemoraccedilatildeo docentenaacuterio do nascimento de Joaquim Nabuco um instituto de pesquisasocial destinado ao estudo e agrave valorizaccedilatildeo do homem do Norte ndash e natildeoapenas Nordeste ndash agraacuterio da Bahia ao Amazonas Esse instituto acaba deser inaugurado no Recife pelo ministro Pedro Calmon

Sobre condiccedilotildees de vida e de habitaccedilatildeo da atual populaccedilatildeo operaacuteria ndash aomesmo tempo mesticcedila ndash do Recife ndash que como metroacutepole regional desdedias remotos atrai elementos do Nordeste inteiro e natildeo apenas do interior dePernambuco metade dessa populaccedilatildeo sendo originaacuteria do interior domesmo Estado e 14 de outros Estados ndash veja-se o recente e interessanteopuacutesculo ldquoPrimeiros resultados de um inqueacuterito em torno da populaccedilatildeooperaacuteria do Reciferdquo publicado pelo Serviccedilo Social da Induacutestria Recife 1949Encontram-se aiacute as informaccedilotildees ldquometade do nosso operariado proveacutem dointerior do estado 14 de outros estados ao passo que da capital mesmaapenas 36 Eacute interessante ainda notar que tanto o elemento masculinocomo o feminino imigrados se representam na mesma proporccedilatildeordquo

Cabe aqui referecircncia a um breve estudo publicado no Boletim doDepartamento Estadual de Estatiacutestica de Pernambuco e onde lemos oseguinte ldquoHaacute um fenocircmeno interessante a se notar na nossa populaccedilatildeo eacuteum lsquodespovoamento relativorsquo do interior em benefiacutecio da capital a partir de1900 e acentuando-se de 1920 para 1940 Essa percentagem deacumulaccedilatildeo do Recife (1296) soacute eacute inferior agrave da capital de Satildeo Paulo quedeu em 1940 185 e agraves de Manaus e Beleacutem respectivamente de 21 e24 A cidade de Satildeo Paulo eacute um grande centro industrial Manaus e Beleacutemsatildeo capitais de Estados despovoados com uma densidade territorial miacutenimaEssas razotildees de ordem econocircmica embora diversas e mesmo opostasexplicam as altas percentagens da populaccedilatildeo das capitais daqueles Estadosrdquo

E mais em seguida lecirc-se que esta fuga do campo para a capital que anoa ano acentua ldquopoderaacute criar um nocivo desequiliacutebrio entre a nossa produccedilatildeoagropecuaacuteria (de gecircneros de subsistecircncia e mateacuterias-primas) e a induacutestria ecomeacuterciordquo

Quanto a condiccedilotildees de habitaccedilatildeo em particular desse operariado satildeointeressantes as informaccedilotildees

ldquoO nuacutemero de casas de taipa compreende 897 do total resultado queseria de esperar em uma cidade onde o nuacutemero de mucambos eacute talvezsuperior ao de preacutedios

ldquoQuanto ao tipo do abastecimento de aacutegua verifica-se que apenas 92casas em 950 possuem aacutegua encanada o que daacute apenas 97 Os outrostipos de abastecimento satildeo cacimba com 294 chafariz com 319 ecacimba e chafariz com 290

ldquoNo tocante ao tipo de iluminaccedilatildeo encontramos o querosene aindalargamente empregado ultrapassando de muito a eletricidade

Comparando-se todavia esse resultado com o encontrado em um inqueacuteritorealizado em 1939 para a lsquoTerceira Semana de Accedilatildeo Socialrsquo achamos que ouacuteltimo sistema estaacute tomando rapidamente o lugar do primeiro Naqueleinqueacuterito foram encontrados 911 para eletricidade e 9089 paraquerosene enquanto no presente encontramos respectivamente 3880 e6120

ldquoQuanto ao tipo do despejo constatamos mais uma vez uma falta dehigiene e de conforto alarmantes apenas 1 das 950 casas em estudo possuisaneamento apenas 341 (36) possuem fossa nas restantes 608 (64) osseus moradores fazem despejos em lugares improacuteprios como buracos mareacutesagrave flor do chatildeo etc

ldquoConveacutem notar que onde existem lenccediloacuteis de aacutegua rio ou mareacute ascondiccedilotildees de higiene satildeo sempre melhores Verificou-se recentemente quea incidecircncia de amebiacutease eacute muito mais elevada nos bairros pobres onde natildeoexiste aacutegua para receber ou drenar os despejos como Campo Grande AacuteguaFria Casa Amarela Beberibe e sensivelmente menor no que dispotildeem desteelemento como Afogados e Santo Amarordquo Esta verificaccedilatildeo foi feita pelospesquisadores Heacutelio Coutinho e Gilmaacuterio M Teixeira autores deContribuiccedilatildeo ao estudo da endemia amebiana na cidade do Recife(Relatoacuterio do tema oficial do Terceiro Congresso Meacutedico Acadecircmico Recife)

Com essa numerosa populaccedilatildeo vinda em tatildeo grande parte do interior edas cidades menores da regiatildeo compreende-se que o Recife tenha queenfrentar problemas particularmente difiacuteceis de urbanismo de higiene deassistecircncia social e de socorro meacutedico Veja-se tambeacutem Tales de AzevedoPadratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia 194784 Veja-se nosso Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife

2a ed Rio de Janeiro 1942 devendo a 3a ediccedilatildeo aparecer em 196100Ao nossos guias Recife e Olinda de duas das mais antigas cidades do

Nordeste agraacuterio aqui arbitrariamente considerado (arbitrariamente por sero nosso criteacuterio de ldquoNordesterdquo diferente do oficial ultimamente adotado)como a regiatildeo que se estende do Recocircncavo da Bahia ao Maranhatildeo outrosvecircm se acrescentando dois de Salvador um escrito pelo romancista JorgeAmado outro por Afracircnio Peixoto um de Maceioacute trabalho do professorManuel Diegues Juacutenior um de Joatildeo Pessoa escrito pelo sr Ademar Vidal Enatildeo devemos nos esquecer do estudo de Viccedilosa pelo alagoano AlfredoBrandatildeo Um roteiro de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo estaacute sendo esmeradamentepreparado pelo sr Josueacute Montelo escritor que junta agrave arte literaacuteria a

erudiccedilatildeo acadecircmica Sobre o Maranhatildeo natildeo devem ser esquecidas asexcelentes paacuteginas de geografia histoacuterica e cultural ndash algumas extensivas aoNordeste inteiro ndash que nos deixou Raimundo Lopes nem as recentes do srAstolfo Serra85 Waumltjen em seu trabalho sobre os judeus na colonizaccedilatildeo moderna fixavaacuterios aspectos da influecircncia israelita no Nordeste no tempo do domiacutenioholandecircs E recorda trechos da carta dirigida por holandeses em 1641 aJoatildeo Mauriacutecio de Nassau Alguns desses trechos vatildeo aqui transcritossegundo traduccedilatildeo feita gentilmente para este trabalho pelo sr CarlosGilberto Cavalcanti ldquoCada vez mais cai o comeacutercio no Brasil holandecircs nasmatildeos dos judeus Os comerciantes cristatildeos estatildeo quase excluiacutedos e setornaram lsquospertateurs van de negotie der joodenrsquoTodos os israelitas quechegam aqui satildeo bem recebidos pelos seus companheiros portugueses eempregados como agentes feitores de usinas ou de plantaccedilotildees de canaTodos os lugares vagos de corretor satildeo ocupados naturalmente pelos judeusque se esforccedilam o mais possiacutevel para o progresso do comeacutercio judaico Quasetodo o accediluacutecar passa pelas matildeos deles e quando em algum lugar haacute qualquercoisa onde se possa ganhar jaacute Israel tomou contardquo

Sobre o domiacutenio holandecircs no Nordeste veja-se o excelente ensaio do srJoseacute Antocircnio Gonsalves de Melo neto Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 194786 Oliveira Lima Memoacuterias Rio de Janeiro 193787 Vejam-se sobre o assunto nossos Um engenheiro francecircs no Brasil (Riode Janeiro1940) e Ingleses no Brasil (Rio de Janeiro1948) onde se destacaa intensidade no Nordeste ateacute o meado do seacuteculo XIX de uma influecircncia ndasha inglesa e francesa ndash que soacute depois diminuiu na regiatildeo do accediluacutecar paraconservar-se no Rio de Janeiro e acentuar-se em Satildeo Paulo88 Embora a interpretaccedilatildeo da formaccedilatildeo do Brasil sob este criteacuterio venha segeneralizando entre historiadores e ensaiacutestas voltados para assuntos dehistoacuteria sociologia e economia cremos haver nos antecipado no esboccedilo deuma sistemaacutetica ao mesmo tempo econocircmica e socioloacutegica da histoacuteria dagente brasileira esboccedilo que data de ensaio publicado em 1933 e de notaspreacutevias de 192589 Veja-se sobre o assunto o interessante estudo do professor Pedro CalmonHistoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 193990 Na sessatildeo de 2 de julho de 1827 do parlamento brasileiro dizia umrepresentante da aacuterea aristocraacutetica o sr Ferreira de Melo que o chaacute era nacorte gecircnero de primeira necessidade ldquoo qual hoje entre noacutes pelo grandeuso que tem estaacute considerado como gecircnero de primeira necessidaderdquo (Anaisdo Parlamento Brasileiro Rio de Janeiro) O mesmo ldquogecircnero de primeira

necessidaderdquo tornou-se o chaacute na aacuterea aristocraacutetica de accediluacutecar do Nordeste91 Estes trechos de declaraccedilotildees de Maciel Monteiro satildeo transcritos do estudoque lhe dedicou Faelante da Cacircmara Maciel Monteiro Recife 190592 Dentre outros documentos o seguinte

ldquoSendo prezente a S Magd que natildeo obstante o Alvaraacute que seraacute em estade 31 de julho do anno proximo passado porque foi servido approvar areprezentaccedilatildeo do Director Geral e deputados da Conferencia e ImpressatildeoRegia e as condiccedilotildees com que estabeleceu Lourenccedilo Silezio as fabricas decartas de jogar e papelotildees se continua em algumas das terras desse estadoem se fabricarem as mesmas cartas de jogar contra a dispoziccedilatildeo do referidoalvaraacute Ordena o mesmo senhor que Vordf Sordf decirc as mais exactas providenciaspara obviar as transgressoens do dito alvaraacute mandando proceder contra osseus respectivos transgressores com as penas nelle declaradas

ldquoDeus Ge a V Sordf Palacio de Nossa Senhora de Ajuda a 30 de julho de

1770 Manoel de Mello e Castro Ordens de Sordf Magd Fma pelo expediente

dos secretarios drsquoEstado Aos governadores e capatildeo genal de Pernambuco(Desde 1767 atheacute 1773)rdquo manuscrito na Biblioteca do Estado dePernambuco

Em 1811 as iras da metroacutepole seriam contra os contrabandos de cartas dejogar em Pernambuco em detrimento do monopoacutelio portuguecircs como se vecircda carta de 4 de abril do conde de Aguiar ao governador Caetano Pinto deMiranda Montenegro (ldquoCorrespondecircncia da Corterdquo 1811 manuscrito naBiblioteca do Estado de Pernambuco)93 Amigo do Povo nordm 10 (1830) Veja-se tambeacutem o artigo de ldquoUm olindenseamigo da honra e da verdaderdquo Diaacuterio de Pernambuco de 13 de novembrode 183094 Como acentua Faelante da Cacircmara na sua Memoacuteria histoacuterica daFaculdade de Direito de Recife referente a 1903 ndash memoacuteria que estaacute apedir reediccedilatildeo ndash ldquofoi o predomiacutenio intelectual desse centro que conseguiuhumanizar os costumes estabelecer a corrente de simpatias e a permutacivilizadora das ideias O proacuteprio caraacuteter pernambucano modificou-seprofundamente Os filhos de famiacutelias poderosas que viviam em luta acesa osde sangue azul e os plebeus os descendentes da fidalguia do cabo e osrepresentantes dos antigos mascates daqui saiacuteam harmonizados levando agravecasa paterna a notiacutecia de que o coacutedigo dos direitos individuais eacute igual paratodosrdquo95 A respeito da reproduccedilatildeo da cana pela semente assunto de que se ocupao botacircnico brasileiro Pio Correia no seu Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do

Brasil (Rio 1929) o dr Artur Siqueira Cavalcanti daacute um depoimento queconfirmado colocaria o Nordeste em situaccedilatildeo de relevo na histoacuteria cientiacuteficada cana-de-accediluacutecar

ldquoO engenheiro civil Abelardo de Lima Cavalcanti foi talvez o primeirobrasileiro (1916-1917) que frequentou a Escola da Estaccedilatildeo Experimental deCana-de-Accediluacutecar em Baton Rouge na Louisiana Quando foi conferido odiploma ao referido engenheiro brasileiro o diretor da Escola de BatonRouge declarou-lhe em conversa que havia sido Pernambuco o primeirolugar no mundo onde se conseguira a reproduccedilatildeo da cana-de-accediluacutecar pelasemente

Esse fato representa na histoacuteria da cana-de-accediluacutecar uma aquisiccedilatildeocientiacutefica notaacutevel e cuja importacircncia econocircmica eacute inuacutetil acentuar Basta verque eacute pela seleccedilatildeo da semente que se obtecircm as variedades de cana ricas emaccediluacutecar Existe uma variedade de cana em Pernambuco denominadalsquoManoel Cavalcantirsquo notaacutevel pela sua pureza e riqueza em sacarose a qual sedeve ao agricultor pernambucano desse nomerdquo96 Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general daBahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779 ndash Martinho de Mello eCastro Manuscrito no Arquivo de Ultramar Arquivo Histoacuterico Colonial deLisboa Capitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboardquosob nordm 1031997 D Domingos de Loreto Couto op cit

Bibliografia

Para escrever Nordeste Gilberto Freyre consultou um nuacutemero maior detextos dos que estatildeo aqui elencados Pretendeu-se com esta bibliografiasomente organizar as obras e documentos por ele citados nas notas e nocorpo do texto (Gustavo Henrique Tuna)

I Fontes Manuscritos Documentos Perioacutedicos etc

AGUIAR Durval Vieira de Descriccedilotildees praacuteticas da proviacutencia da BahiaBahia 1898

ALEMAtildeO Francisco Freire Monografia sobre ldquoA casa de accediluacutecarrdquo publicadaem 1826 e reimpressa pelo Ministeacuterio da Agricultura 1929

Arquivo particular do baratildeo de Jundiaacute PernambucoArquivo particular do engenho Noruega PernambucoArquivo particular do engenho Salgado PernambucoBRANDAtildeO Ambroacutesio F Diaacutelogos das grandezas do Brasil Rio de Janeiro

Oficina Industrial 1930BRITO Desembargador Joatildeo Rodrigues de e outros Cartas econocircmico-

poliacuteticas sobre a agricultura e comeacutercio da Bahia Lisboa 1821(Reeditadas pelo Governo do Estado da Bahia no ano de 1924)

CAcircMARA Faelante da Memoacuteria histoacuterica da Faculdade de Direito deRecife Recife 1903

CANECA frei Obras poliacuteticas e literaacuterias 2 vols 1875Carta Circular do governador D Tomaacutes Joseacute de Melo aos corregedores

das cacircmaras sobre as plantaccedilotildees de mandioca 10 de janeiro de1797 Manuscrito da Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco

Carta de Joseacute Venacircncio de Seixas para Rodrigo de Sousa Coutinho Bahia20 de outubro de 1798 Manuscrito do Arquivo de Ultramar deLisboa registrado no iacutendice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Carta de Rodrigo de Sousa Coutinho a Bernardo Joseacute de Lorena 3 de

janeiro de 1789 Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboa coacuted610

Carta do marquez de Pombal 30 de agosto de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta do marquez de Pombal 6 de dezembro de 1775 Manuscrito daCorrespondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania dePernambuco 1775

Carta muito interessante do advogado da Bahia Joseacute da Silva Lisboapara o Dr Domingos Vandelli director do Real Jardim Botacircnicode Lisboa Bahia 18 de outubro de 1781 Manuscrito do Arquivo doUltramar de Lisboa registrado no Inventaacuterio dos Documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar deLisboa Organizado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro porEduardo de Castro e Almeida Rio de Janeiro 1914

Coleccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco (1825-1850)Coleccedilatildeo dos trabalhos do Conselho Geral de Salubridade Puacuteblica da

Proviacutencia de Pernambuco 1849Correspondecircncia da Corte Arquivo da antiga capitania de PernambucoCorrepondecircncia dos Cocircnsules Seccedilatildeo de Manuscritos da Biblioteca Puacuteblica

do Estado de PernambucoFONSECA Pedro P da ldquoFundaccedilatildeo de Alagoas Apontamentos histoacutericos

biograacuteficos e genealoacutegicosrdquo 1886 manuscritoGUENTHER Konrad A naturalist in Brazil (trad) Londres 1931Instruccedilotildees para o marquez de Valenccedila governador e capitatildeo general da

Bahia Palacio de Queluz 11 de setembro de 1779- Martinho deMello e Castro Manuscrito do Arquivo de Ultramar de Lisboacapitania da Bahia registrado no ldquoInventaacuterio de documentosrelativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de

Lisboardquo sob no 10319KOSTER Henry Voyages dans la partie septentrionale du Breacutesil depuis

1809 jusquacuteen 1815 Comprenant lecircs provinces de Permabuco(Fernambouc) Seara Parahyba Maragnon etc Paris 1818

LUCCOCK John Notes on Rio de Janeiro and the southern parts of

Brazil taken during a residence of ten years in that country from1808 to 1818 Londres MDCCCXX

MANSFIELD Charles Paraguay Brazil and the Plate Londres 1856REBELO Joseacute Silvestre ldquoMemoria sobre a cultura da cana e elaboraccedilatildeo do

accediluacutecarrdquo O auxiliador da induacutestria nacional nos II e III Rio deJaneiro 1833

PUDSEY Cuthbert Journal of a residence in Brazil written by duringthe years 1627 to 1640 Manuscrito da Seccedilatildeo de Manuscritos daBiblioteca Nacional Rio de Janeiro

SMITH Herbert H Brazil ndash The Amazons and the Coast Nova Iorque1879

SPIX J B von e MARTIUS C F Phil von Atraveacutes da Bahia (excertos daobra Reise en Bresilien trasladados ao portuguecircs pelo dr Pirajaacute daSilva e dr Paulo Wolf) 1ordf ediccedilatildeo Bahia 1928

TEIXEIRA D Marcos ldquoLivro das Denunciaccedilotildees do Santo Ofiacuteciordquo Anais daBiblioteca Nacional vol XLIX

TOLLENARE L F de ldquoNotas dominicais tomadas durante a viagem emPortugal e no Brasil em 18161817 e 1818rdquo(parte relativa aPernambuco traduzida do manuscrito francecircs ineacutedito por Alfredode Carvalho) Revista do Instituto Arqueoloacutegico e Geograacutefico

Pernambucano nos 61-62 1904

II Fontes Perioacutedicos Almanaques Anais

a) Indicaccedilotildees geraisAmigo do PovoAnais da Biblioteca Nacional do Rio de JaneiroAnais da Faculdade de Medicina do RecifeAnuaacuterio da Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas Satildeo

Paulo (1946-1947)BandoBoletim da Junta da Proviacutencia da EstremaduraBoletim da Secretaria da Agricultura Pernambuco

Boletim da Secretaria da Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo de PernambucoBoletim do Departamento Estadual de Estatiacutestica de PernambucoDiaacuterio de NotiacuteciasEngineering WorldFronteirasJornal de AlagoasJournal of Negro HistoryNordesteO ProgressoRegiatildeoRevista do Arquivo Municipal de Satildeo PauloRevista do BrasilSocial ForcesThe Annals of the American academy of political and social scienceUniversity of California publications in geographyU S Department of Agriculture

b) Indicaccedilotildees particularesASHE W W ldquoSoil erosion and forest cover in relation to water power in the

southeastrdquo Engineering world XXIIIBARRETO Carlos Xavier Paes ldquoSangue estrangeiro e indiacutegena no

povoamento nordestinordquo Revista das Academias de Letras no 63Rio de Janeiro 1948

BARROS Sousa Artigo sobre distribuiccedilatildeo da pequena meacutedia e grandepropriedade territorial em Pernambuco Boletim da Secretaria daAgricultura Pernambuco vol I no 2 1936

BATISTA FILHO Olavo ldquoAspectos da economia accedilucareira no nordeste doseacuteculo XVIrdquo Revista do Arquivo Municipal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo1939

BENNETT H H ldquoSoil Erosion a national menacerdquo U S Department of

Agriculture Circular no 33 1928_______________ ldquoThe increased cost of soil erosionrdquo The Annals of the

American academy of political and social science CXLIICANABRAVA A P ldquoA influecircncia do Brasil na teacutecnica do fabrico de accediluacutecar

nas Antilhas francesas e inglesas no meado do seacuteculo XVIIrdquo Anuaacuterioda Faculdade de Ciecircncias Econocircmicas e Administrativas SatildeoPaulo 1946-1947

CARVALHO Rodrigues de ldquoAspectos da influecircncia africana na formaccedilatildeosocial do Brasilrdquo Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro1937

COUTINHO A Bezerra ldquoAspectos histoloacutegicos das localizaccedilotildees viscerais daesquistossomose de Mansonrdquo Anais da Faculdade de Medicina do

Recife no 1 1934COUTO D Domingos do Loreto ldquoDesagravos do Brasil e gloacuterias de

Pernambucordquo 1757 (obra publicada em 1904 nos Anais daBiblioteca Nacional do Rio de Janeiro vol XXIV)

GAMA Lauro M ldquoEsquistossomose de Mansonrdquo Medicina Acadecircmica no 61936

FERRAZ Aydano do Couto ldquoTraccedilos da influecircncia da aacutegua na paisagemsocial do Nordeste e do recocircncavordquo Revista do Arquivo Municipalde Satildeo Paulo vol 60 Satildeo Paulo 1940

HERSKOVITS Melville ldquoA critical discussion of the lsquomulattorsquo hypothesisrdquoJournal of Negro History July 1934

_______________ ldquoOn the provenience of new word negroesrdquo SocialForces December 1933

_______________ ldquoThe significance of west Africa for Negro researchrdquoJournal of Negro History January 1936

HOOTON E A ldquoHomo Sapiens ndash Whence and Whiterrdquo Science vol 82July 1935

LINS Meira e WANDERLEY Fernando ldquoGeografia meacutedica da

esquistossomose em Pernambucordquo Anais da 4a Reuniatildeo AnualSociedade de Medicina de Pernambuco setembro 1934

MENDONCcedilA JUacuteNIOR ldquoOs ladrotildees de cavalordquo Jornal de Alagoas 1948MOTA Leonardo ldquoO cavalo na paremiologia brasileirardquo Jornal de Alagoas 5

de setembro de 1937NATIVIDADE J Vieira ldquoAs granjas do mosteiro de Alcobaccedilardquo Boletim da

Junta da Proviacutencia da Estremadura no 5 1944

PICKEL D Bento ldquoA vinganccedila da naturezardquo Boletim da Secretaria da

Agricultura Induacutestria e Viaccedilatildeo (Pernambuco) tomo III no 31934

REIS JUacuteNIOR A ldquoA reorganizaccedilatildeo ruralrdquo Vida poliacutetica Rio de Janeiromarccedilo 1948

SCHMIEDER Otto ldquoThe brazilian culture hearthrdquo University of California

publications in geography vol 3 no 3 agosto 1929SILVA J Rodrigues da ldquoEstudo cliacutenico da esquistossomose Mansonrdquo

Revista do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica tomo III no 1 Rio deJaneiro outubro 1949

SOUSA Coelho de ldquoSatildeo Luiacutesrdquo Diaacuterio de Notiacutecias Porto Alegre 18 de abril de1950

TOURINHO Eduardo ldquoA baianardquo Correio da Manhatilde 30 de abril de 1950VASCONCELOS SOBRINHO ldquoEnsaio de fitogeografia de Pernambucordquo

separata de Fronteiras Recife 1936

III Material Subsidiaacuterio Livros

ABREU J Capistrano de Capiacutetulos de histoacuteria colonial Rio de Janeiro1928

ALBUQUERQUE Feacutelix Cavalcanti de Memoacuterias de um Cavalcanti (notasde Diogo de Melo Meneses) Satildeo Paulo 1940

ALMEIDA Joseacute Ameacuterico de A bagaceira Paraiacuteba 1928_______________ A Paraiacuteba e seus problemas Paraiacuteba 1924ANDRADE Lopes de Introduccedilatildeo agrave sociologia das secas Rio de Janeiro

1948AZEVEDO Fernando de Canaviais e engenhos na vida poliacutetica do Brasil

Rio de Janeiro 1948AZEVEDO Tales de Padratildeo alimentar da cidade do Salvador Bahia

1947BARATA cocircnego Antocircnio do Carmo Um grande saacutebio um grande

patriota um grande bispo (conferecircncia) Pernambuco 1921BARRETO Carlos Xavier Paes Os primitivos colonizadores do nordeste e

seus descendentes Rio de Janeiro 1960

BARROS Henrique de Economia Agraacuteria Lisboa 1948BARROSO Gustavo Terra de Sol Rio de Janeiro 1930BASTIDE Roger Imagens do Nordeste Miacutestico em branco e preto Rio de

Janeiro 1945BELO Juacutelio Memoacuterias de um senhor de engenho Rio de Janeiro 1937BEZERRA Felte Etnias sergipanas Aracaju 1950Biografias (publicado aos cuidados de Alexandre Joseacute Barbosa Lima)

Recife 1905BRANDAtildeO Theo Folclore de Alagoas Maceioacute 1949CALMON Pedro Histoacuteria da Casa da Torre Rio de Janeiro 1939CAcircMARA Faelante da Maciel Monteiro Recife 1905CARVALHO Alfredo de Estudos Pernambucanos Recife 1907CASCUDO Luiacutes da Cacircmara Geografia dos mitos brasileiros Rio de Janeiro

1947CASTRO Josueacute de Documentaacuterio do Nordeste Rio de Janeiro 1936_______________ Fatores de localizaccedilatildeo da cidade do Recife Rio de

Janeiro 1948CORREIA Pio Dicionaacuterio das plantas uacuteteis do Brasil Rio de Janeiro 1929COSTA Angione Migraccedilatildeo e cultura indiacutegena Satildeo Paulo 1939COSTA Pereira da Folclore Pernambucano Recife 1908_______________ Origens histoacutericas da induacutestria accedilucareira em

Pernambuco Recife 1905COUTINHO Rui Valor social da alimentaccedilatildeo Rio de Janeiro 1938CRAVEN A O Soil exhaustion as a factor in the agricultural history of

Virginia and Maryland 1926DIEGUES JUacuteNIOR Manoel O banguecirc nas Alagoas Rio de Janeiro 1949ELLIS JUacuteNIOR Alfredo O ouro e a paulistacircnia Satildeo Paulo 1948FERRAZ Aacutelvaro e LIMA Miguel de Andrade Morfologia do homem do

Nordeste Rio de Janeiro 1937FREYRE Gilberto Accediluacutecar algumas receitas de doces e bolos do Nordeste

Rio de Janeiro 1939______________ Casa-Grande amp Senzala Rio de Janeiro 1933______________ Conferecircncias na Europa Rio de Janeiro 1938______________ Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier Rio de Janeiro

1960______________ Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do

Recife 2ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1942______________ Ingleses no Brasil ndash Aspectos da influecircncia britacircnica

na vida na paisagem e na cultura do Brasil Rio de Janeiro 1948___________(org) Livro do Nordeste comemorativo do 1ordm centenaacuterio

do Diaacuterio de Pernambuco 1925______________ Mucambos do Nordeste Rio de Janeiro 1937______________ e outros Novos estudos afro-brasileiros Rio de Janeiro

1937______________ Olinda 2ordm guia histoacuterico praacutetico e sentimental de

cidade brasileira 3a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1960______________ O mundo que o portuguecircs criou Rio de Janeiro 1940______________ ldquoOs escravos nos anuacutencios de jornalrdquo Rio de Janeiro

1934

______________ Sobrados e Mucambos 2a ediccedilatildeo Rio de Janeiro 1951______________ Um engenheiro francecircs no Brasil Rio de Janeiro

1940GOMES Pimentel Contribuiccedilatildeo ao estudo da ecologia nordestina Rio de

Janeiro 1914______________ Contribuiccedilatildeo para a soluccedilatildeo do problema agriacutecola do

nordeste brasileiro Joatildeo Pessoa 1936HARLOW Vincent T A history of Barbados 1625-1885 Oxford 1926JOFFILY I Notas sobre a Paraiacuteba Rio de Janeiro 1892LIMA Oliveira ldquoA Nova Lusitacircniardquo in DIAS C M(org) Histoacuteria da

colonizaccedilatildeo portuguesa no Brasil Porto [sn] 1924______________ Memoacuterias Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1937LOumlFGREN Alberto Contribuiccedilotildees para a questatildeo florestal da regiatildeo do

Nordeste do Brasil Inspetoria de Obras contra as Secas Rio deJaneiro 1912

LUETZELBURG Phillip Von Estudo botacircnico do Nordeste InspetoriaFederal de Obras contra as Secas Rio de Janeiro 1922-1923

MAGALHAtildeES Agamecircmnon O Nordeste brasileiro (o habitat e a gens)Recife 1921

MARROQUIM Maacuterio A liacutengua do Nordeste (Alagoas e Pernambuco) SatildeoPaulo 1934

MELO NETO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Tempo dos flamengos Rio deJaneiro 1947

NABUCO Joaquim Minha formaccedilatildeo Rio de Janeiro-Paris 1900________________ Um estadista do Impeacuterio Rio de Janeiro 1898NASH Roy The conquest of Brazil Nova Iorque 1926OLIVEIRA J B Saacute Evoluccedilatildeo psiacutequica dos baianos Bahia 1898ORLANDO Artur O Brasil ndash a terra e o homem Recife 1913PINHO Wanderley de Histoacuterias de um engenho do recocircncavo Rio de

Janeiro 1947PINTO Estevatildeo Os indiacutegenas do Nordeste Satildeo Paulo 1935_____________ Uma estrada de ferro do Nordeste Rio de Janeiro

1949REGO Joseacute Lins do Banguecirc Rio de Janeiro 1934________________ Usina Rio de Janeiro 1936SAMPAIO A T Fitogeografia do Brasil Satildeo Paulo 1934SCHMIDT Louis Bernard (ed) Readings in the economic history of

american agriculture Nova Iorque 1925TAVARES Luiacutes Estudo meacutedico-ciruacutergico da esquistossomose Manson

Recife 1945VASCONCELOS SOBRINHO As regiotildees naturais de Pernambuco o meio e

a civilizaccedilatildeo Rio de Janeiro-Satildeo Paulo 1949

Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre

1900

Nasce no Recife em 15 de marccedilo na antiga Estrada dos Aflitos (hojeAvenida Rosa e Silva) esquina de Rua Ameacutelia (o portatildeo da hojeresidecircncia da famiacutelia Costa Azevedo estaacute assinalado por uma placa) filhodo dr Alfredo Freyre ndash educador juiz de direito e catedraacutetico deEconomia Poliacutetica da Faculdade de Direito do Recife ndash e de Franciscade Mello Freyre

1906

Tenta fugir de casa abrigando-se na materna Olinda desde entatildeo

cidade muito de seu amor e da qual escreveria em 1939 o 2o guiapraacutetico histoacuterico e sentimental

1908

Entra no jardim de infacircncia do Coleacutegio Americano Gilreath Lecirc asViagens de Gulliver com entusiasmo Natildeo consegue aprender aescrever fazendo-se notar pelos desenhos Tem aulas particulares com opintor Telles Juacutenior que reclama contra sua insistecircncia em deformar osmodelos Comeccedila a aprender a ler e escrever em inglecircs com Mr Williamsque elogia seus desenhos

1909

Primeira experiecircncia da morte a da avoacute materna que muito o mimavapor supor que o neto tinha deficit de aprendizado pela dificuldade emaprender a escrever Temporada no engenho Satildeo Severino do Ramopertencente a parentes seus Primeiras experiecircncias rurais de menino deengenho Mais tarde escreveraacute sobre essa temporada uma das suasmelhores paacuteginas incluiacuteda em Pessoas coisas amp animais

1911

Primeiro veratildeo na Praia de Boa Viagem onde escreve um soneto

camoniano e enche muitos cadernos com desenhos e caricaturas

1913

Daacute as primeiras aulas no coleacutegio Lecirc Joseacute de Alencar Machado de AssisGonccedilalves Dias Castro Alves Victor Hugo Emerson Longfellow algunsdramas de Shakespeare Milton Ceacutesar Virgiacutelio Camotildees e Goethe

1914

Ensina latim que aprendeu com o proacuteprio pai conhecido humanistarecifense Toma parte ativa nos trabalhos da sociedade literaacuteria docoleacutegio Torna-se redator-chefe do jornal impresso do coleacutegio O Laacutebaro

1915

Tem liccedilotildees particulares de francecircs com Madame Meunieur Lecirc LaFontaine Pierre Loti Moliegravere Racine Dom Quixote a Biacuteblia Eccedila deQueiroacutes Antero de Quental Alexandre Herculano Oliveira Martins

1916

Corresponde-se com o jornalista paraibano Carlos Dias Fernandes que oconvida a proferir palestra na capital do estado vizinho Como o drFreyre natildeo apreciava Carlos Dias Fernandes pela vida boecircmia quelevava viaja autorizado pela matildee e lecirc no Cine-Teatro Patheacute sua primeiraconferecircncia puacuteblica dissertando sobre Spencer e o problema daeducaccedilatildeo no Brasil O texto foi publicado no jornal O Norte com elogiosde Carlos Dias Fernandes Influenciado pelos mestres do coleacutegio e pelaleitura do Peregrino de Bunyan e de uma biografia do dr Livingstonetoma parte em atividades evangeacutelicas e visita a gente miseraacutevel dosmucambos recifenses Interessa-se pelo socialismo cristatildeo mas lecirc comoespeacutecie de antiacutedoto a seu misticismo autores como Spencer e Comte Eacuteeleito presidente do Clube de Informaccedilotildees Mundiais fundado pelaAssociaccedilatildeo Cristatilde de Moccedilos do Recife Lecirc ainda nesse periacuteodo RuiBarbosa Joaquim Nabuco Oliveira Lima Nietzsche e Sainte-Beuve

1917

Conclui o curso de Barechal em Ciecircncias e Letras do Coleacutegio AmericanoGilreath fazendo-se notar pelo discurso que profere como orador daturma cujo paraninfo eacute o historiador Oliveira Lima daiacute em diante seu

amigo (ver referecircncia ao primeiro encontro com Oliveira Lima noprefaacutecio agrave ediccedilatildeo de suas Memoacuterias escrito a convite da viuacuteva e doeditor Joseacute Olympio) Leitura de Taine Renan Darwin Von IheringAnatole France William James Bergson Santo Tomaacutes de Aquino SantoAgostinho Satildeo Joatildeo da Cruz Santa Teresa Padre Vieira PadreBernardes Fernatildeo Lopes Satildeo Francisco de Assis Satildeo Francisco de Salese Tolstoacutei Comeccedila a estudar grego Torna-se membro da IgrejaEvangeacutelica desagradando a matildee e a famiacutelia catoacutelica

1918

Segue no iniacutecio do ano para os Estados Unidos fixando-se em Waco(Texas) para matricular-se na Universidade de Baylor Comeccedila a lerStevenson Pater Newman Steele e Addison Lamb Adam Smith MarxWard Giddings Jane Austen as irmatildes Broumlnte Carlyle Mathew ArnoldPascal Montaigne Euclides da Cunha e Monteiro Lobato Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Pernambuco com a seacuterie de cartas intituladasldquoDa outra Ameacutericardquo

1919

Ainda na Universidade de Baylor auxilia o geoacutelogo John Casper Brannerno preparo do texto portuguecircs da Geologia do Brasil Ensina francecircs ajovens oficiais norte-americanos convocados para a guerra EstudaGeologia com Pace Biologia com Bradbury Economia com WrightSociologia com Dow Psicologia com Hall e Literatura com A JArmstrong professor de Literatura e criacutetico literaacuterio especializado nafilosofia e na poesia de Robert Browning Escreve os primeiros artigos eminglecircs publicados por um jornal de Waco Divulga suas primeirascaricaturas

1920

Conhece pessoalmente por intermeacutedio do professor Armstrong o poetairlandecircs William Butler Yeats (ver no livro Artigos de jornal umcapiacutetulo sobre esse poeta) os ldquopoetas novosrdquo dos Estados Unidos VachelLindsay Amy Lowell e outros Escreve em inglecircs sobre Amy Lowell Comoestudante de Sociologia faz pesquisas sobre a vida dos negros de Waco edos mexicanos marginais do Texas Conclui na Universidade de Baylor ocurso de Bacharel em Artes mas natildeo comparece agrave solenidade da

formatura contra as praxes acadecircmicas a Universidade envia-lhe odiploma por intermeacutedio de um portador Segue para Nova York eingressa na Universidade de Coluacutembia Lecirc Freud WestermarckSantayana Sorel Dilthey Hrdlicka Keith Rivet Rivers Hegel Le PlayBrunhes e Croce Segundo notiacutecia publicada no Diaacuterio de Pernambucode 5 de junho a Academia Pernambucana de Letras por proposta deFranccedila Pereira elege-o soacutecio-correspondente

1921

Segue na Faculdade de Ciecircncias Poliacuteticas (inclusive as Ciecircncias SociaisJuriacutedicas) da Universidade de Coluacutembia cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo dos professores Giddings Seligman Boas Hayes Carl vanDoren Fox John Basset Moore e outros Conhece pessoalmenteRabindranath Tagore e o priacutencipe de Mocircnaco (depois reunidos no livroArtigos de jornal) Valle-Inclaacuten e outros intelectuais e cientistas famososque visitam a Universidade de Coluacutembia e a cidade de Nova York Aconvite de Amy Lowell visita-a em Boston (ver sobre essas visitas artigosincluiacutedos no livro Vida forma e cor) Segue na Universidade deColuacutembia o curso do professor Zimmern da Universidade de Oxfordsobre a escravidatildeo na Greacutecia Visita a Universidade de Harvard e oCanadaacute Eacute hoacutespede da Universidade de Princeton como representantedos estudantes da Ameacuterica Latina que ali se reuacutenem em congresso LecircPatrick Geddes Ganivet Max Weber Maurras Peacuteguy Pareto RickertWilliam Morris Michelet Barregraves Huysmans Verlaine RimbaudBaudelaire Dostoieacutevski John Donne Coleridge Xenofonte HomeroOviacutedio Eacutesquilo Aristoacuteteles e Ratzel Torna-se editor associado da revistaEl Estudiante Latinoamericano publicada mensalmente em Nova Yorkpelo Comitecirc de Relaccedilotildees Fraternais entre Estudantes EstrangeirosPublica diversos artigos no referido perioacutedico

1922

Defende tese para o grau de M A (Magister Artium ou Master of Arts)na Universidade de Coluacutembia sobre Social life in Brazil in the middle ofthe 19th century publicada em Baltimore pela Hispanic AmericanHistorical Review (v 5 n 4 nov 1922) e recebida com elogios pelosprofessores Haring Shepherd Robertson Martin Oliveira Lima e H LMencken que aconselha o autor a expandir o trabalho em livro Deixa de

comparecer agrave cerimocircnia de formatura seguindo imediatamente para aEuropa onde recebe o diploma enviado pelo reitor Nicholas MurrayButler Vai para a Franccedila a Alemanha a Beacutelgica tendo antes passadopela Inglaterra estabelecendo-se em Oxford Vai para a Franccedilaatravessa a Espanha e conhece Portugal onde se fixa Lecirc SimmelPoincareacute Havelock Ellis Psichari Reacutemy de Gourmont Ranke BertrandRussell Swinburne Ruskin Blake Oscar Wilde Kant e Graciaacuten Tem oretrato pintado pelo modernista brasileiro Vicente do Rego MonteiroConvive com ele e com outros artistas modernistas brasileiros comoTarsila do Amaral e Brecheret Na Alemanha conhece o Expressionismona Inglaterra estabelece contato com o ramo inglecircs do Imagismo jaacute seuconhecido nos Estados Unidos Na Franccedila conhece oanarcossindicalismo de Sorel e o federalismo monaacuterquico de MaurrasConvidado por Monteiro Lobato ndash a quem fora apresentado por carta deOliveira Lima ndash inicia sua colaboraccedilatildeo na Revista do Brasil (n 80 p363-371 agosto de 1922)

1923

Continua em Portugal onde conhece Joatildeo Luacutecio de Azevedo o Condede Sabugosa Fidelino de Figueiredo Joaquim de Carvalho e Silva GaioRegressa ao Brasil e volta a colaborar no Diaacuterio de Pernambuco DaEuropa escreve artigos para a Revista do Brasil (Satildeo Paulo) a pedido deMonteiro Lobato

1924

Reintegra-se no Recife onde conhece Joseacute Lins do Rego incentivando-o a escrever romances em vez de artigos poliacuteticos (ver referecircncias aoencontro e iniacutecio da amizade entre o socioacutelogo e o futuro romancista doCiclo da Cana de Accediluacutecar no prefaacutecio que este escreveu para o livroRegiatildeo e tradiccedilatildeo) Conhece Joseacute Ameacuterico de Almeida atraveacutes de JoseacuteLins do Rego Funda-se no Recife a 28 de abril o Centro Regionalistado Nordeste com Odilon Nestor Amaury de Medeiros Alfredo FreyreAntocircnio Inaacutecio Morais Coutinho Carlos Lyra Filho Pedro ParanhosJuacutelio Bello e outros Excursotildees pelo interior do estado de Pernambuco epelo Nordeste com Pedro Paranhos Juacutelio Bello (que a seu pedidoescreveria as Memoacuterias de um senhor de engenho) e seu irmatildeo UlyssesFreyre Lecirc na capital do estado da Paraiacuteba conferecircncia publicada no

mesmo ano Apologia pro generatione sua (incluiacuteda no livro Regiatildeo etradiccedilatildeo)

1925

Encarregado pela direccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambuco organiza o livrocomemorativo do primeiro centenaacuterio de fundaccedilatildeo do referido jornalLivro do Nordeste onde foi publicado pela primeira vez o poemamodernista de Manuel Bandeira ldquoEvocaccedilatildeo do Reciferdquo escrito a seupedido (ver referecircncias no capiacutetulo sobre Manuel Bandeira no livroPerfil de Euclides e outros perfis) O Livro do Nordeste consagratambeacutem o ateacute entatildeo desconhecido pintor Manuel Bandeira e publicadesenhos modernistas de Joaquim Cardoso e Joaquim do Rego MonteiroLecirc na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco uma conferecircnciasobre D Pedro II publicada no ano seguinte

1926

Conhece a Bahia e o Rio de Janeiro onde faz amizade com o poetaManuel Bandeira os escritores Prudente de Morais Neto (Pedro Dantas)Rodrigo M F de Andrade Seacutergio Buarque de Holanda o compositorVillas-Lobos e o mecenas Paulo Prado Por intermeacutedio de Prudenteconhece Pixinguinha Donga e Patriacutecio e se inicia na nova muacutesicapopular brasileira em noitadas boecircmias Escreve um extenso poemamodernista ou imagista e ao mesmo tempo regionalista e tradicionalistado qual Manuel Bandeira diraacute depois que eacute um dos mais saborosos dociclo das cidades brasileiras ldquoBahia de todos os santos e de quase todosos pecadosrdquo (publicado no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeo da Revistado Norte reeditado em 20 de junho de 1942 na revista O Cruzeiro eincluiacutedo no livro Talvez poesia) Segue para os Estados Unidos comodelegado do Diaacuterio de Pernambuco ao Congresso Panamericano deJornalistas Convidado para redator-chefe do mesmo jornal e para oficialde gabinete do governador eleito de Pernambuco entatildeo vice-presidenteda Repuacuteblica Colabora (artigos humoriacutesticos) na Revista do Brasil com opseudocircnimo de J J Gomes Sampaio Publica-se no Recife a conferecircncialida no ano anterior na Biblioteca Puacuteblica do Estado de Pernambuco Apropoacutesito de Dom Pedro II (ediccedilatildeo da Revista do Norte incluiacuteda em

1944 no livro Perfil de Euclides e outros perfis) Promove no Recife o 1o

Congresso Brasileiro de Regionalismo

1927

Assume o cargo de oficial de gabinete do novo governador dePernambuco Estaacutecio de Albuquerque Coimbra casado com a prima deAlfredo Freyre Joana Castelo Branco de Albuquerque Coimbra ConheceMaacuterio de Andrade no Recife e proporciona-lhe um passeio de lancha norio Capibaribe

1928

Dirige a pedido de Estaacutecio Coimbra o jornal A Proviacutencia onde passam acolaborar os novos escritores do Brasil Publica no mesmo jornal artigos ecaricaturas com diferentes pseudocircnimos Esmeraldino Oliacutempio AntocircnioRicardo Le Moine J Rialto e outros Lecirc Proust e Gide Nomeado pelogovernador Estaacutecio Coimbra por indicaccedilatildeo do diretor A Carneiro Leatildeotorna-se professor da Escola Normal do Estado de Pernambuco primeiracadeira de Sociologia que se estabelece no Brasil com modernaorientaccedilatildeo antropoloacutegica e pesquisas de campo

1930

Acompanhando Estaacutecio Coimbra ao exiacutelio visita novamente a Bahiaconhece parte do continente africano (Dacar Senegal) e inicia emLisboa as pesquisas e os estudos em que se basearia Casa-grande ampsenzala (ldquoEm outubro de 1930 ocorreu-me a aventura do exiacutelio Levou-me primeiro agrave Bahia depois a Portugal com escala pela Aacutefrica O tipo deviagem ideal para os estudos e as preocupaccedilotildees que este ensaio refleterdquocomo escreveraacute no prefaacutecio do mesmo livro)

1931

A convite da Universidade de Stanford segue para os Estados Unidoscomo professor extraordinaacuterio daquela universidade Volta no fim doano para a Europa permanecendo algum tempo na Alemanha emnovos contatos com seus museus de antropologia de onde regressa aoBrasil

1932

Continua no Rio de Janeiro as pesquisas para a elaboraccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em bibliotecas e arquivos Recusando convites paraempregos feitos pelos membros do novo governo brasileiro ndash um deles

Joseacute Ameacuterico de Almeida ndash vive entatildeo com grandes dificuldadesfinanceiras hospedando-se em casas de amigos e em pensotildees baratas doDistrito Federal Estimulado pelo seu amigo Rodrigo M F de Andradecontrata com o poeta Augusto Frederico Schmidt ndash entatildeo editor ndash apublicaccedilatildeo do livro por 500 mil-reacuteis mensais que recebe comirregularidades constantes Regressa ao Recife onde continua a escreverCasa-grande amp senzala na casa do seu irmatildeo Ulysses Freyre

1933

Conclui o livro enviando os originais ao editor Schmidt que o publica emdezembro

1934

Aparecem em jornais do Rio de Janeiro os primeiros artigos sobre Casa-grande amp senzala escritos por Yan de Almeida Prado Roquette-Pinto

Joatildeo Ribeiro e Agrippino Grieco todos elogiosos Organiza no Recife o 1o

Congresso de Estudos Afro-Brasileiros Recebe o precircmio da SociedadeFelipe drsquoOliveira pela publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Lecirc namesma sociedade conferecircncia sobre O escravo nos anuacutencios de jornal dotempo do Impeacuterio publicada na revista Lanterna Verde (v 2 fev1935) Regressa ao Recife e lecirc no dia 24 de maio na Faculdade deDireito e a convite de seus estudantes conferecircncia publicada no mesmoano pela Editora Momento O estudo das ciecircncias sociais nasuniversidades americanas Publica-se no Recife (Oficinas Graacuteficas ThePropagandist ediccedilatildeo de amigos do autor tiragem de apenas 105exemplares em papel especial e coloridos a matildeo por Luiacutes Jardim) o Guiapraacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife inaugurando emtodo o mundo um novo estilo de guia de cidade ao mesmo tempo liacutericoe informativo e um dos primeiros livros para biblioacutefilos publicados noBrasil Nomeado em dezembro diretor do Diaacuterio de Pernambuco cargoque exerceu por apenas quinze dias por causa da proibiccedilatildeo por AssisChateaubriand da publicaccedilatildeo de uma entrevista de Joatildeo Alberto Lins deBarros

1935

A pedido dos alunos da Faculdade de Direito do Recife e por designaccedilatildeodo ministro da Educaccedilatildeo inicia na referida escola superior um curso de

Sociologia com orientaccedilatildeo antropoloacutegica e ecoloacutegica Segue em setembropara o Rio de Janeiro onde a convite de Aniacutesio Teixeira dirige naUniversidade do Distrito Federal o primeiro Curso de Antropologia Sociale Cultural da Ameacuterica Latina (ver texto das aulas no livro Problemasbrasileiros de antropologia) Publica-se no Recife (Ediccedilotildees Mozart) olivro Artigos de jornal Profere a convite de estudantes paulistas deDireito no Centro XI de Agosto da Faculdade de Direito de Satildeo Paulo aconferecircncia Menos doutrina mais anaacutelise tendo sido saudado peloestudante Osmar Pimentel

1936

Publica-se no Rio de Janeiro (Companhia Editora Nacional v 64 daColeccedilatildeo Brasiliana) o livro que eacute uma continuaccedilatildeo da seacuterie iniciada comCasa-grande amp senzala Sobrados e mucambos Viagem agrave Europapermanecendo algum tempo na Franccedila e em Portugal

1937

Viaja de novo agrave Europa dessa vez como delegado do Brasil ao Congressode Expansatildeo Portuguesa no Mundo reunido em Lisboa Lecirc conferecircnciasnas Universidades de Lisboa Coimbra e Porto e na de Londres (KingrsquosCollege) publicadas no Rio de Janeiro no ano seguinte Regressa aoRecife e lecirc conferecircncia poliacutetica no Teatro Santa Isabel a favor dacandidatura de Joseacute Ameacuterico de Almeida agrave Presidecircncia da Repuacuteblica Aconvite de Paulo Bittencourt inicia colaboraccedilatildeo semanal no Correio daManhatilde Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Nordeste(aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordestedo Brasil)

1938

Eacute nomeado membro da Academia Portuguesa de Histoacuteria pelopresidente Oliveira Salazar Segue para os Estados Unidos como lenteextraordinaacuterio da Universidade de Coluacutembia onde dirige seminaacuterio sobresociologia e histoacuteria da escravidatildeo Publica-se no Rio de Janeiro (ServiccediloGraacutefico do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede) o livro Conferecircncia naEuropa

1939

Faz primeira viagem ao Rio Grande do Sul Segue depois para osEstados Unidos como professor extraordinaacuterio da Universidade deMichigan Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a primeira ediccedilatildeodo livro Accediluacutecar e no Recife (ediccedilatildeo do autor para biblioacutefilos) Olinda 2oguia praacutetico histoacuterico e sentimental de cidade brasileira Publica-seem Nova York (Instituto de las Espantildeas en los Estados Unidos) a obra dohistoriador Lewis Hanke Gilberto Freyre vida y obra

1940

A convite do governo portuguecircs lecirc no Gabinete Portuguecircs de Leitura doRecife a conferecircncia (publicada no Recife no mesmo ano em ediccedilatildeoparticular) Uma cultura ameaccedilada a luso-brasileira E em Aracaju na

instalaccedilatildeo da 2a Reuniatildeo da Sociedade de Neurologia Psiquiatria eHigiene Mental do Nordeste lecirc conferecircncia publicada no ano seguintepela mesma sociedade no dia 29 de outubro na Biblioteca do Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores e a convite da Casa do Estudante do Brasilprofere conferecircncia sobre Euclides da Cunha publicada no anoseguinte no dia 19 de novembro na Biblioteca do Estado do Rio Grandedo Sul faz uma conferecircncia por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dobicentenaacuterio da cidade de Porto Alegre publicada em 1943 Participa do

3o Congresso Sul-Rio-Grandense de Histoacuteria e Geografia ao qualapresenta a pedido do historiador Dante de Laytano o trabalhoSugestotildees para o estudo histoacuterico-social do sobrado no Rio Grande doSul publicado no mesmo ano pela Editora Globo e incluiacutedoposteriormente no livro Problemas brasileiros de antropologiaPublica-se em Nova York (Columbia University Press) o opuacutesculo Someaspects of the social development on Portuguese America separata daobra coletiva Concerning Latin American culture Publicam-se no Riode Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Um engenheiro francecircs no Brasil eO mundo que o portuguecircs criou com longos prefaacuteciosrespectivamente de Paul Arbousse-Bastide e Antocircnio Seacutergio Prefacia eanota o Diaacuterio iacutentimo do engenheiro Vauthier publicado no mesmoano pelo Serviccedilo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional

1941

Casa-se no Mosteiro de Satildeo Bento do Rio de Janeiro com a senhoritaMaria Magdalena Guedes Pereira Viaja ao Uruguai Argentina e

Paraguai Torna-se colaborador de La Nacioacuten (Buenos Aires) dosDiaacuterios Associados do Correio da Manhatilde e de A Manhatilde (Rio deJaneiro) Prefacia e anota as Memoacuterias de um Cavalcanti do seuparente Feacutelix Cavalcanti de Albuquerque Melo publicadas pelaCompanhia Editora Nacional (volume 196 da Coleccedilatildeo Brasiliana)Publica-se no Recife (Sociedade de Neurologia Psiquiatria e HigieneMental do Nordeste) a conferecircncia Sociologia psicologia e psiquiatriadepois ampliada e incluiacuteda no livro Problemas brasileiros deantropologia contribuiccedilatildeo para uma psiquiatria social brasileira queseria destacada pela Sorbonne ao doutouraacute-lo HC Publica-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) e em Buenos Aires a conferecircnciaAtualidade de Euclides da Cunha (incluiacuteda em 1944 no livro Perfil deEuclides e outros perfis) Ao ensejo da publicaccedilatildeo no Rio de Janeiro(Joseacute Olympio) do livro Regiatildeo e tradiccedilatildeo recebe homenagem degrande nuacutemero de intelectuais brasileiros com um almoccedilo no JoacutequeiClube em 26 de junho do qual foi orador o jornalista Dario de AlmeidaMagalhatildees

1942

Eacute preso no Recife por ter denunciado em artigo publicado no Rio deJaneiro atividades nazistas e racistas no Brasil inclusive as de um padrealematildeo a quem foi confiada pelo governo do estado de Pernambuco aformaccedilatildeo de jovens escoteiros Com seu pai reage agrave prisatildeo quandolevado para ldquoa imunda Casa de Detenccedilatildeo do Reciferdquo sendo solto no diaseguinte por interferecircncia direta de seu amigo general Goacutees MonteiroRecebe convite da Universidade de Yale para ser professor de FilosofiaSocial que natildeo pocircde aceitar Profere no Rio de Janeiro discurso comopadrinho de batismo de aviatildeo oferecido pelo jornalista AssisChateaubriand ao Aeroclube de Porto Alegre Eacute eleito para o ConselhoConsultivo da American Philosophical Association Eacute designado peloConselho da Faculdade de Filosofia da Universidade de Buenos AiresAdscrito Honoraacuterio de Sociologia e eleito membro correspondente daAcademia Nacional de Histoacuteria do Equador Discursa no Rio de Janeiroem nome do sr Samuel Ribeiro doador do aviatildeo Taylor agrave campanha deAssis Chateaubriand Publica-se em Buenos Aires (Comisioacuten Revisora de

Textos de Historia y Geografiacutea Americana) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em espanhol com introduccedilatildeo de Ricardo Saenz Hayes

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses e a 2a

ediccedilatildeo de Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife A

Casa do Estudante do Brasil divulga em 2a ediccedilatildeo a conferecircncia Umacultura ameaccedilada a luso-brasileira proferida no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife (1940)

1943

Visita a Bahia a convite dos estudantes de todas as escolas superiores doestado que lhe prestam excepcionais homenagens agraves quais se associaquase toda a populaccedilatildeo de Salvador Lecirc na Faculdade de Medicina daBahia a convite da Uniatildeo dos Estudantes Baianos a conferecircncia Emtorno de uma classificaccedilatildeo socioloacutegica e no Instituto Histoacuterico da Bahiapor iniciativa da Faculdade de Filosofia do mesmo estado a conferecircnciaA propoacutesito da filosofia social e suas relaccedilotildees com a sociologia histoacuterica(ambas incluiacutedas com os discursos proferidos nas homenagens recebidasna Bahia no livro Na Bahia em 1943 que teve quase toda a sua tiragemapreendida nas livrarias do Recife pela Poliacutecia do Estado dePernambuco) Recusa em carta altiva o convite para ser catedraacutetico deSociologia da Universidade do Brasil Inicia colaboraccedilatildeo no O Estado deS Paulo em 30 de setembro Por intermeacutedio do Itamaraty recebeconvite da Universidade de Harvard para ser seu professor que tambeacutem

recusa Publicam-se em Buenos Aires (Espasa-Calpe Argentina) as 1as

ediccedilotildees em espanhol de Nordeste e de Uma cultura ameaccedilada e a 2ana mesma liacutengua de Casa-grande amp senzala Publicam-se no Rio deJaneiro (Casa do Estudante do Brasil) o livro Problemas brasileiros deantropologia e o opuacutesculo Continente e ilha (conferecircncia lida em Porto

Alegre no ano de 1940 e incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo de Problemas brasileirosde antropologia) Publica-se tambeacutem no Rio de Janeiro (Livros dePortugal) uma ediccedilatildeo de As farpas de Ramalho Ortigatildeo e Eccedila de

Queiroacutes selecionadas e prefaciados por ele bem como a 4a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala livro publicado a partir desse ano pelo editorJoseacute Olympio

1944

Visita Alagoas e Paraiacuteba a convite de estudantes desses Estados Lecirc naFaculdade de Direito de Alagoas conferecircncia sobre Ulysses

Pernambucano publicada no ano seguinte Deixa de colaborar nosDiaacuterios Associados e em La Nacioacuten em virtude da violaccedilatildeo e do extravioconstantes de sua correspondecircncia Em 9 de junho de 1944 compareceagrave Faculdade de Direito do Recife a convite dos alunos dessa escola parauma manifestaccedilatildeo de regozijo em face da invasatildeo da Europa pelosExeacutercitos Aliados Lecirc em Fortaleza a conferecircncia Precisa-se do CearaacuteSegue para os Estados Unidos onde profere na Universidade do Estadode Indiana seis conferecircncias promovidas pela Fundaccedilatildeo Patten epublicadas no ano seguinte em Nova York no livro Brazil aninterpretation Publicam-se no Rio de Janeiro os livros Perfil de Euclidese outros perfis (Joseacute Olympio) Na Bahia em 1943 (ediccedilatildeo particular) e

a 2a ediccedilatildeo do guia Olinda A Casa do Estudante do Brasil publica noRio de Janeiro o livro Gilberto Freyre de Diogo Melo Menezes comprefaacutecio consagrador de Monteiro Lobato

1945

Toma parte ativa ao lado dos estudantes do Recife na campanha pelacandidatura do brigadeiro Eduardo Gomes agrave Presidecircncia da RepuacuteblicaFala em comiacutecios escreve artigos anima os estudantes na luta contra aditadura No dia 3 de marccedilo por ocasiatildeo do primeiro comiacutecio daquelacampanha no Recife comeccedila a discursar na sacada da redaccedilatildeo doDiaacuterio de Pernambuco quando tomba a seu lado assassinado pelaPoliacutecia Civil do Estado o estudante de Direito Demoacutecrito de Sousa FilhoA UDN oferece em sua representaccedilatildeo na futura Assembleia NacionalConstituinte um lugar aos estudantes do Recife que preferem que seurepresentante seja o bravo escritor A Poliacutecia Civil do Estado dePernambuco empastela e proiacutebe a circulaccedilatildeo do Diaacuterio de Pernambucoimpedindo-o de noticiar a chacina em que morreram o estudanteDemoacutecrito e um popular Com o jornal fechado o retrato de Demoacutecrito eacuteinaugurado na redaccedilatildeo com memoraacutevel discurso de Gilberto FreyreQuiseram matar o dia seguinte (cf Diaacuterio de Pernambuco 10 de abrilde 1945) Em 9 de junho comparece agrave Faculdade de Direito do Recifecomo orador oficial da sessatildeo contra a ditadura Publicam-se no Recife(Uniatildeo dos Estudantes de Pernambuco) o opuacutesculo de sua autoria emapoio agrave candidatura de Eduardo Gomes Uma campanha maior doque a da aboliccedilatildeo e a conferecircncia lida no ano anterior em MaceioacuteUlysses Publica-se em Fortaleza (ediccedilatildeo do autor) a obra Gilberto

Freyre e alguns aspectos da antropossociologia no Brasil de autoriado meacutedico Aderbal Sales Publica-se em Nova York (Knopf) o livroBrazil an interpretation A Editora mexicana Fondo de CulturaEconoacutemica publica Interpretacioacuten del Brasil com orelhas escritas porAlfonso Reyes

1946

Eleito deputado federal segue para o Rio de Janeiro a fim de participarnos trabalhos da Assembleia Constituinte Em 17 de junho proferediscurso de criacuteticas e sugestotildees ao projeto da Constituiccedilatildeo publicado emopuacutesculo Discurso pronunciado na Assembleia Nacional Constituinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Em 22 de junho lecirc noTeatro Municipal de Satildeo Paulo a convite do Centro Acadecircmico XI deAgosto conferecircncia publicada no mesmo ano pela referida organizaccedilatildeoestudantil Modernidade e modernismo na arte poliacutetica (incluiacuteda em1965 no livro 6 conferecircncias em busca de um leitor) Em 16 de julhona Faculdade de Direito de Belo Horizonte a convite de seus alunosapresenta conferecircncia publicada no mesmo ano Ordem liberdademineiralidade (incluiacuteda em 1965 no livro 6 conferecircncias em busca deum leitor) Em agosto inicia colaboraccedilatildeo no Diaacuterio Carioca Em 29 deagosto profere na Assembleia Constituinte outro discurso de criacutetica ao

projeto da Constituiccedilatildeo (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica)Em novembro a Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dosDeputados indica com aplauso do escritor Jorge Amado membro daComissatildeo o nome de Gilberto Freyre para o Precircmio Nobel de Literaturade 1947 com o apoio de numerosos intelectuais brasileiros Publica-se no

Rio de Janeiro a 5a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala e em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo do mesmo livro em inglecircs The masters and theslaves

1947

Apresenta agrave Mesa da Cacircmara dos Deputados para ser dado como lidodiscurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joaquim Nabucopublicado no ano seguinte Em 22 de maio lecirc no auditoacuterio da AssociaccedilatildeoBrasileira de Imprensa a convite da Sociedade dos Amigos da Ameacutericaconferecircncia sobre Walt Whitman publicada no ano seguinte Trabalha

ativamente na Comissatildeo de Educaccedilatildeo e Cultura da Cacircmara dos

Deputados Eacute convidado para representar o Brasil no 19o Congresso dosPen Clubes Mundiais reunido em Zurique Publica-se em Londres a

ediccedilatildeo inglesa de The masters and the slaves em Nova York a 2a

impressatildeo de Brazil an interpretation e no Rio de Janeiro a ediccedilatildeobrasileira deste livro em traduccedilatildeo de Oliacutevio Montenegro Interpretaccedilatildeodo Brasil (Joseacute Olympio) Publica-se em Montevideacuteu a obra GilbertoFreyre y la sociologiacutea brasilentildea de Eduardo J Couture

1948

A convite da Unesco toma parte em Paris no conclave de oito notaacuteveiscientistas e pensadores sociais (Gurvitch Allport e Sullivan entre eles)reunidos pela referida Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por iniciativa doentatildeo diretor Julian Huxley para estudar as Tensotildees que afetam acompreensatildeo internacional trabalho em conjunto depois publicado eminglecircs e francecircs Lecirc no Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores a convite doInstituto Brasileiro de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Comissatildeo Nacionalda Unesco) conferecircncia sobre o conclave de Paris Repete na Escola deComando do Estado-Maior do Exeacutercito a conferecircncia lida no Ministeacuteriodas Relaccedilotildees Exteriores Inicia em 18 de setembro sua colaboraccedilatildeo em OCruzeiro Em dezembro profere na Cacircmara dos Deputados discursojustificando a criaccedilatildeo do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

com sede no Recife (incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) Lecircno Museu de Arte de Satildeo Paulo duas conferecircncias uma sobre EmiacutelioCardoso Ayres e outra sobre d Veridiana Prado Apresenta mais umaconferecircncia na Escola de Comando do Estado-Maior do ExeacutercitoPublicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) o livro Ingleses no Brasil eos opuacutesculos O camarada Whitman (incluiacutedo em 1965 no livro 6conferecircncias em busca de um leitor) Joaquim Nabuco (incluiacutedo em

1966 na 2a ediccedilatildeo do livro Quase poliacutetica) e Guerra paz e ciecircncia(este editado pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores) Inicia suacolaboraccedilatildeo no Diaacuterio de Notiacutecias

1949

Segue para os Estados Unidos a fim de participar na categoria de

ministro como delegado parlamentar do Brasil na 4a Conferecircncia

Internacional da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas Lecirc conferecircncias naUniversidade Catoacutelica da Ameacuterica (Washington DC) e na Universidadede Virgiacutenia Profere em 12 de abril na Associaccedilatildeo de Cultura Franco-Brasileira do Recife conferecircncia sobre Emiacutelio Cardoso Ayres (apenaspequeno trecho foi publicado no Bulletin da Associaccedilatildeo) Em 18 deagosto apresenta na Faculdade de Direito do Recife conferecircncia sobreJoaquim Nabuco na sessatildeo comemorativa do centenaacuterio de nascimentodo estadista pernambucano (incluiacuteda no livro Quase poliacutetica) Em 30 deagosto profere na Cacircmara dos Deputados discurso de saudaccedilatildeo aoVisconde Jowitt presidente da Cacircmara dos Lordes do Reino Unido daGratilde-Bretanha e Irlanda do Norte (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Nomesmo dia lecirc no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro conferecircnciasobre Joaquim Nabuco Publica-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) aconferecircncia apresentada no ano anterior na Escola de Comando doEstado-Maior do Exeacutercito Naccedilatildeo e Exeacutercito (incluiacuteda em 1965 no livro6 conferecircncias em busca de um leitor)

1950

Profere na Cacircmara dos Deputados em 17 de janeiro discurso sobre opernambucano Joaquim Arcoverde primeiro cardeal da Ameacuterica Latinapor ocasiatildeo da passagem do primeiro centenaacuterio de seu nascimento(incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta na Cacircmara dos Deputados em5 de abril discurso sobre o centenaacuterio de nascimento de Joseacute VicenteMeira de Vasconcelos constituinte de 1891 (incluiacutedo em Quasepoliacutetica) Profere na Cacircmara dos Deputados em 28 de abril discurso dedefiniccedilatildeo de atitude na vida puacuteblica (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Discursa na Cacircmara dos Deputados em 2 de maio sobre o centenaacuterio damorte de Bernardo Pereira de Vasconcelos (incluiacutedo em Quase poliacutetica)Profere na Cacircmara dos Deputados em 2 de junho discurso contraacuterio agraveemenda parlamentarista (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Apresenta naCacircmara dos Deputados em 26 de junho discurso no qual transmiteapelo que recebeu de trecircs parlamentares ingleses em favor de umgoverno supranacional (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Discursa naCacircmara dos Deputados em 8 de agosto sobre o centenaacuterio denascimento de Joseacute Mariano (incluiacutedo em Quase poliacutetica) Profere noParque 13 de Maio do Recife discurso em favor da candidatura dodeputado Joatildeo Cleofas de Oliveira ao governo do estado de Pernambuco

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Em 11 de setembro iniciacolaboraccedilatildeo diaacuteria no Jornal Pequeno do Recife sob o tiacutetulo Linha defogo em prol da candidatura Joatildeo Cleofas ao governo do estado dePernambuco Profere em 8 de novembro na Cacircmara dos Deputadosdiscurso de despedida por natildeo ter sido reeleito para o periacuteodo seguinte

(incluiacutedo na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) Publica-se em Urbana(University of Illinois Press) a obra coletiva Tensions that cause warsem Paris em 1948 Contribuiccedilatildeo de Gilberto Freyre Internationalizing

social sciences Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo

do livro Quase poliacutetica e a 6a de Casa-grande amp senzala

1951

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seguinte ediccedilatildeo deNordeste e de Sobrados e mucambos (esta refundida e acrescida decinco novos capiacutetulos) A convite da Universidade de Londres escreveem inglecircs estudo sobre a situaccedilatildeo do professor no Brasil publicado nomesmo ano pelo Year book of education Publica-se em Lisboa (Livrosdo Brasil) a ediccedilatildeo portuguesa de Interpretaccedilatildeo do Brasil

1952

Lecirc na sala dos capelos da Universidade de Coimbra em 24 de janeiroconferecircncia publicada no mesmo ano pela Coimbra Editora Em tornode um novo conceito de tropicalismo Publica-se em Ipswich (Inglaterra)o opuacutesculo editado pela revista Progress de Londres com o ensaioHuman factors behind Brazilian development Publica-se no Recife(Ediccedilotildees Regiatildeo) o Manifesto regionalista de 1926 Publicam-se no Riode Janeiro (Serviccedilo de Documentaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e

Cultura) o opuacutesculo Joseacute de Alencar (Joseacute Olympio) e a 7a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em francecircs organizada pelo professor RogerBastide com prefaacutecio de Lucien Fegravebvre Maicirctres et esclaves (volume 4da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois) Viaja a Portugale agraves proviacutencias ultramarinas Em 16 de abril inicia colaboraccedilatildeo no DiaacuterioPopular de Lisboa e no Jornal do Comeacutercio do Recife

1953

Publicam-se no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Aventura e

rotina (escritos durante a viagem a Portugal e agraves proviacutencias luso-asiaacuteticas ldquoagrave procura das constantes portuguesas de caraacuteter e accedilatildeordquo) eUm brasileiro em terras portuguesas (contendo conferecircncias ediscursos proferidos em Portugal e nas proviacutencias ultramarinas comextensa ldquoIntroduccedilatildeo a uma possiacutevel luso-tropicologiardquo)

1954

Escolhido pela Comissatildeo das Naccedilotildees Unidas para o estudo da situaccedilatildeoracial na uniatildeo sul-africana como o antropoacutelogo estrangeiro maiscapacitado a opinar sobre essa situaccedilatildeo visita o referido paiacutes e apresentaagrave Assembleia Geral da ONU um estudo publicado pela organizaccedilatildeo nessanaccedilatildeo em Elimination des conflits et tensions entre les races Publica-

se no Rio de Janeiro a 8a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala no Recife(Ediccedilotildees Nordeste) o opuacutesculo Um estudo do prof Aderbal Jurema e

em Milatildeo (Fratelli Bocca) a 1a ediccedilatildeo em italiano de Interpretazionedel Brasile Em agosto eacute encenada no Teatro Santa Isabel adramatizaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala feita por Joseacute CarlosCavalcanti Borges O professor Moacir Borges de Albuquerque defendeem concurso para provimento efetivo de uma das cadeiras de portuguecircsdo Instituto de Educaccedilatildeo de Pernambuco tese sobre Linguagem deGilberto Freyre

1955

Lecirc na sessatildeo inaugural do 4o Congresso Brasileiro de NeurologiaPsiquiatria e Higiene Mental conferecircncia sobre Aspectos da moderna

convergecircncia meacutedico-social e antropocultural (incluiacuteda na 2a ediccedilatildeo deProblemas brasileiros de antropologia) Em 15 de maio profere noencerramento do curso de treinamento de professores rurais dePernambuco discurso publicado no ano seguinte Comparece como umdos quatro conferencistas principais (os outros foram o alematildeo VonWreie o inglecircs Ginsberg e o francecircs Davy) e na alta categoria de

convidado especial ao 3o Congresso Mundial de Sociologia realizado emAmsterdatilde no qual apresenta a comunicaccedilatildeo publicada em Louvain nomesmo ano pela Associaccedilatildeo Internacional de Sociologia Morals andsocial change Para discutir Casa-grande amp senzala e outras obrasideias e meacutetodos de Gilberto Freyre reuacutenem-se em Cerisy-LaSalle os

escritores e professores M Simon R Bastide G Gurvitch LeonBourdon Henri Gouhier Jean Duvignaud Tavares Bastos ClaraMauraux Nicolas Sombart e Maacuterio Pinto de Andrade talvez a maiorhomenagem jaacute prestada na Europa a um intelectual brasileiro os demaisseminaacuterios de Cerisy foram dedicados a filoacutesofos da histoacuteria comoToynbee e Heidegger Publicam-se no Recife (Secretaria de Educaccedilatildeo eCultura) os opuacutesculos Sugestotildees para uma nova poliacutetica no Brasil a

rurbana (incluiacutedo em 1966 na 2a ediccedilatildeo de Quase poliacutetica) e Em torno

da situaccedilatildeo do professor no Brasil em Nova York (Knopf) a 2a ediccedilatildeo deCasa-grande amp senzala em inglecircs The masters and the slaves e em

Paris (Gallimard) a 1a ediccedilatildeo de Nordeste em francecircs Terres du sucre(volume 14 da Coleccedilatildeo La Croix du Sud dirigida por Roger Caillois)

1957

Lecirc em 4 de agosto na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de

Pernambuco em solenidade comemorativa do 25o aniversaacuterio defundaccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo conferecircncia publicada no mesmo anoArte ciecircncia social e sociedade Dirige em outubro curso sobreSociologia da Arte na mesma escola Colabora novamente no DiaacuterioPopular de Lisboa atendendo a insistentes convites do seu diretorFrancisco da Cunha Leatildeo Publicam-se no Recife os opuacutesculos Palavrasagraves professoras rurais do Nordeste (Secretaria de Educaccedilatildeo e Cultura doEstado de Pernambuco) e Importacircncia para o Brasil dos institutos depesquisa cientiacutefica (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) no

Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 2a ediccedilatildeo de Sociologia no Meacutexico(Editorial Cultural) o opuacutesculo A experiecircncia portuguesa no troacutepico

americano em Lisboa (Livros do Brasil) a 1a ediccedilatildeo portuguesa de Casa-grande amp senzala e a obra Gilberto Freyrersquos ldquolusotropicalismrdquo deautoria de Paul V Shaw (Centro de Estudos Poliacuteticos Sociais da Junta deInvestigaccedilotildees do Ultramar)

1958

Lecirc no Foacuterum Roberto Simonsen conferecircncia publicada no mesmo anopelo Centro e Federaccedilatildeo das Induacutestrias do Estado de Satildeo PauloSugestotildees em torno de uma nova orientaccedilatildeo para as relaccedilotildeesintranacionais no Brasil Publicam-se em Lisboa (Centro de Estudos

Poliacuteticos e Sociais da Junta de Investigaccedilotildees do Ultramar) o livro comtexto em portuguecircs e inglecircs Integraccedilatildeo portuguesa nostroacutepicosPortuguese integration in the tropics e no Rio de Janeiro

(Joseacute Olympio) a 9a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1959

Lecirc em abril conferecircncias no Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais iniciando e concluindo cursos de Ciecircncias Sociais promovidospelo referido oacutergatildeo Em julho apresenta na Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Gerais conferecircncia publicada pelamesma universidade no ano seguinte Publicam-se em Nova York(Knopf) New world in the tropics cujo texto conteacutem grandementeexpandido e praticamente reescrito o livro (publicado em 1945 pelomesmo editor) Brazil an interpretation na Guatemala (Editorial deMinisteacuterio de Educacioacuten Puacuteblica Joseacute de Pineda Ibarra) o opuacutesculo Emtorno a algunas tendencias actuales de la antropologiacutea no Recife(Arquivo Puacuteblico do Estado de Pernambuco) o opuacutesculo A propoacutesito deMouratildeo Rosa e Pimenta sugestotildees em torno de uma possiacutevel hispano-

tropicalologia no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 1a ediccedilatildeo do livroOrdem e progresso (terceiro volume da Seacuterie Introduccedilatildeo agrave histoacuteriapatriarcal no Brasil iniciada com Casa-grande amp senzala continuadacom Sobrados e mucambos e finalizada com Jazigos e covas rasas livronunca concluiacutedo) e O velho Feacutelix e suas memoacuterias de um Cavalcanti

(2a ediccedilatildeo ampliada da introduccedilatildeo ao livro Memoacuterias de umCavalcanti publicado em 1940) em Salvador (Universidade da Bahia)o livro A propoacutesito de frades e o opuacutesculo Em torno de alguns tuacutemulosafrocristatildeos de uma aacuterea africana contagiada pela cultura brasileira eem Satildeo Paulo (Instituto Brasileiro de Filosofia) o ensaio A filosofia dahistoacuteria do Brasil na obra de Gilberto Freyre de autoria de Miguel Reale

1960

Viaja pela Europa nos meses de agosto e setembro lendo conferecircnciasem universidades francesas alematildes italianas e portuguesas Publicam-seem Lisboa (Livros do Brasil) o livro Brasis Brasil e Brasiacutelia em BeloHorizonte (ediccedilotildees da Revista Brasileira de Estudos Poliacuteticos) aconferecircncia Uma poliacutetica transnacional de cultura para o Brasil de hoje

no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o opuacutesculo Sugestotildees em torno doMuseu de Antropologia do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas

Sociais e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo do livro Olinda

1961

Em 24 de fevereiro recebe em sua casa de Apipucos a visita do escritornorte-americano Arthur Schlesinger Junior assessor e enviado especialdo presidente John F Kennedy Em 20 de abril profere na Faculdadede Medicina da Universidade Federal de Pernambuco uma conferecircnciasobre Homem cultura e troacutepico iniciando as atividades do Instituto deAntropologia Tropical criado naquela faculdade por sugestatildeo sua Em 25de abril eacute filmado e entrevistado em sua residecircncia pela equipe detelevisatildeo e cinema do Columbia Broadcasting System Em junho viaja aosEstados Unidos onde faz conferecircncia no Conselho Americano deSociedades Cientiacuteficas no Centro de Corning no Centro de Estudos deSanta Baacuterbara e nas Universidades de Princeton e Coluacutembia De volta aoBrasil recebe em agosto a pedido da Comissatildeo Educacional dos EstadosUnidos da Ameacuterica no Brasil (Comissatildeo Fulbright) para uma palestrainformal sobre problemas brasileiros os professores norte-americanos queparticipam do II Seminaacuterio de Veratildeo promovido pela referida comissatildeoEm outubro lecirc no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisquatro conferecircncias sobre sociologia da vida rural Ainda em outubro e aconvite dos corpos docente e discente da Escola de Engenharia daUniversidade Federal de Pernambuco lecirc na mesma escola trecircsconferecircncias sobre Trecircs engenharias inter-relacionadas a fiacutesica a sociale a chamada humana Viaja a Satildeo Paulo e lecirc em 27 de outubro noauditoacuterio da Academia Paulista de Letras sob os auspiacutecios do Instituto

Hans Staden conferecircncia intitulada Como e porque sou socioacutelogo Em 1o

de novembro apresenta no auditoacuterio da ABI e sob os auspiacutecios doInstituto Cultural Brasil-Alemanha conferecircncias sobre Harmonias edesarmonias na formaccedilatildeo brasileira Em dezembro segue para a Europapermanecendo trecircs semanas na Alemanha Ocidental para participarcomo representante do Brasil no encontro germano-hispacircnico desocioacutelogos Publicam-se em Toacutequio (Ministeacuterio da Agricultura do Japatildeoseacuterie de Guias para os emigrantes em paiacuteses estrangeiros) a ediccedilatildeojaponesa de New world in the tropics Atsuitai no sin sekai em Lisboa(Comissatildeo Executiva das Comemoraccedilotildees do V Centenaacuterio da Morte do

Infante D Henrique) ndash em portuguecircs francecircs e inglecircs ndash o livro O luso etroacutepico les Portugais et les tropiques e The portuguese and the tropics(ediccedilotildees separadas) no Recife (Imprensa Universitaacuteria) a obraSugestotildees de um novo contato com universidades europeias no Rio de

Janeiro (Joseacute Olympio) a 3a ediccedilatildeo brasileira de Sobrados e mucambos e

a 10a ediccedilatildeo brasileira (11a em liacutengua portuguesa) de Casa-grande ampsenzala

1962

Em fevereiro a Escola de Samba de Mangueira desfila no Carnaval doRio de Janeiro com enredo inspirado em Casa-grande amp senzala Emmarccedilo eacute eleito presidente do Comitecirc de Pernambuco do CongressoInternacional para a Liberdade da Cultura Em 10 de junho lecirc noGabinete Portuguecircs de Leitura do Rio de Janeiro a convite daFederaccedilatildeo das Associaccedilotildees Portuguesas do Brasil conferecircncia publicadano mesmo ano pela referida entidade O Brasil em face das Aacutefricas

negras e mesticcedilas Em agosto reuacutene-se em Porto Alegre o 1o Coloacutequio deEstudos Teuto-Brasileiros organizado por sugestatildeo sua Ainda em agostoeacute admitido pelo Presidente da Repuacuteblica como Comandante do Corpode Graduaccedilatildeo da Ordem do Meacuterito Militar Por iniciativa do BancoInteramericano de Desenvolvimento o professor Leopoldo Castedoprofere em Washington DC no curso Panorama da Civilizaccedilatildeo Ibero-Americana conferecircncia sobre La valorizacioacuten del tropicalismo en FreyreEm outubro torna-se editor-associado do Journal of InteramericanStudies Em novembro dirige na Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra um curso de seis liccedilotildees sobre Sociologia da Histoacuteria Ainda naEuropa lecirc conferecircncias em universidades da Franccedila da AlemanhaOcidental e da Espanha Em 19 de novembro recebe o grau de doutorhonoris causa pela Faculdade de Letras de Coimbra Publicam-se noRio de Janeiro (Joseacute Olympio) os livros Talvez poesia e Vida forma e

cor a 2a ediccedilatildeo de Ordem e progresso e a 3a de Sociologia em SatildeoPaulo (Livraria Martins Editora) o livro Arte ciecircncia e troacutepico emLisboa (Livros do Brasil) as ediccedilotildees portuguesas de Aventura e rotina ede Um brasileiro em terras portuguesas no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) a obra coletiva Gilberto Freyre sua ciecircncia sua filosofia suaarte (ensaios sobre o autor de Casa-grande amp senzala e sua influecircncia

na moderna cultura do Brasil comemorativos do vigeacutesimo quintoaniversaacuterio de publicaccedilatildeo desse livro)

1963

Em 10 de junho inaugura-se no Teatro Santa Isabel do Recife umaexposiccedilatildeo sobre Casa-grande amp senzala organizada pelo colecionadorAbelardo Rodrigues Em 20 de agosto o governo de Pernambucopromulga a Lei Estadual no 4666 de iniciativa do deputado PauloRangel Moreira que autoriza a ediccedilatildeo popular pelo mesmo estado deCasa-grande amp senzala Publicam-se em The American ScholarChapel Hill (United Chapters of Phi Beta Kappa e University of NorthCaroline) o ensaio On the Iberian concept of time em Nova York(Knopf) a ediccedilatildeo de Sobrados e mucambos em inglecircs com introduccedilatildeode Frank Tannenbaum The mansions and the shanties (the making ofmodern Brazil) em Washington DC (Pan American Union) o livro

Brazil em Lisboa a 2a ediccedilatildeo do opuacutesculo Americanism and latinityAmerica (em inglecircs e francecircs) em Brasiacutelia (Editora Universidade de

Brasiacutelia) a 12a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala (13a ediccedilatildeoem liacutengua portuguesa) e no Recife (Imprensa Universitaacuteria) o livro Oescravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculo XIX (reediccedilatildeomuito ampliada da conferecircncia lida em 1935 na Sociedade FelipedrsquoOliveira) O professor Thomas John OrsquoHalloran apresenta agrave GraduateSchool of Arts and Science da New York University dissertaccedilatildeo sobreThe life and master writings of Gilberto Freyre As Editoras A A

Knopf e Random House publicam em Nova York a 2a ediccedilatildeo (como livrode bolso) de New world in the tropics

1964

A convite do governo do estado de Pernambuco lecirc na Escola Normal domesmo estado em 13 de maio conferecircncia como orador oficial dasolenidade comemorativa do centenaacuterio de fundaccedilatildeo daquela EscolaRecebe em Natal em julho as homenagens da Fundaccedilatildeo Joseacute Augustopelo trigeacutesimo aniversaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzalaRecebe em setembro o Precircmio Moinho Santista para Ciecircncias SociaisViaja aos Estados Unidos e participa em dezembro como conferencistaconvidado do seminaacuterio latino-americano promovido pela Universidade

de Coluacutembia Publicam-se em Nova York (Knopf) uma ediccedilatildeo abreviada(paperback) de The masters and the slaves em Madri (separata daRevista de la Universidad de Madrid) o opuacutesculo De lo regional a louniversal en la interpretacioacuten de los complejos socioculturales no Recife(Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) em traduccedilatildeo deWaldemar Valente a tese universitaacuteria de 1922 Vida social no Brasil nosmeados do seacuteculo XIX e o opuacutesculo (Imprensa Universitaacuteria) O estadode Pernambuco e expressatildeo no poder nacional aspectos de um assuntocomplexo no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a seminovela Dona Sinhaacute e

o filho padre o livro Retalhos de jornais velhos (2a ediccedilatildeoconsideravelmente ampliada de Artigos de jornal) o opuacutesculo AAmazocircnia brasileira e uma possiacutevel luso-tropicologia (Superintendecircncia

do Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia) e a 11a ediccedilatildeobrasileira de Casa-grande amp senzala Recusa convite do presidenteCastelo Branco para ser ministro da Educaccedilatildeo e Cultura

1965

Viaja a Campina Grande onde lecirc em 15 de marccedilo na Faculdade deCiecircncias Econocircmicas a conferecircncia (publicada no mesmo ano pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba) Como e porque sou escritor Participano Simpoacutesio sobre Problemaacutetica da Universidade Federal dePernambuco (marccediloabril) com uma conferecircncia sobre a conveniecircnciada introduccedilatildeo na mesma universidade de ldquoUm novo tipo de seminaacuterio(Tannenbaum)rdquo Viaja ao Rio de Janeiro onde recebe em cerimocircniarealizada no auditoacuterio de O Globo diploma com o qual o referido jornalhomenageou no seu quadrageacutesimo aniversaacuterio a vida e a obra dosNotaacuteveis do Brasil brasileiros vivos que ldquopor seu talento e capacidade detrabalho de todas as formas invulgares tenham tido uma decisivaparticipaccedilatildeo nos rumos da vida brasileira ao longo dos quarenta anosconjuntamente vividosrdquo Em 9 de novembro gradua-se in absentiadoutor pela Universidade de Paris (Sorbonne) em solenidade na qualtambeacutem foram homenageados outros saacutebios de categoria internacionalem diferentes campos do saber sendo a consagraccedilatildeo por obra que vinhaabrindo ldquonovos caminhos agrave filosofia e agraves ciecircncias do homemrdquo Aconsagraccedilatildeo cultural pela Sorbonne juntou-se agrave recebida dasUniversidades da Coluacutembia e de Coimbra e agraves quais se somaram as deSussex (Inglaterra) e Muumlnster (Alemanha) em solenidade prestigiada

por nove magniacuteficos reitores alematildees Publicam-se em Berlim

(Kiepenheur amp Witsch) a 1a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala emalematildeo Herrenhaus und Sklavenhuumltte (Ein Bild der BrasilianischenGesellschaft) no Recife (Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco) oopuacutesculo Forccedilas Armadas e outras forccedilas e no Rio de Janeiro (JoseacuteOlympio) o livro 6 conferecircncias em busca de um leitor

1966

Viaja ao Distrito Federal a convite da Universidade de Brasiacutelia onde lecircem agosto seis conferecircncias sobre Futurologia assunto que foi o primeiroa desenvolver no Brasil Por solicitaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas apresenta aoUnited Nations Human Rights Seminar on Apartheid (realizado emBrasiacutelia de 23 de agosto a 5 de setembro) um trabalho de base sobre Racemixture and cultural interpenetration the Brazilian exampledistribuiacutedo na mesma ocasiatildeo em inglecircs francecircs espanhol e russo Porsugestatildeo sua inicia-se na Universidade Federal de Pernambuco oSeminaacuterio de Tropicologia de caraacuteter interdisciplinar e inspirado peloseminaacuterio do mesmo tipo iniciado na Universidade de Coluacutembia peloprofessor Frank Tannenbaum Publicam-se em Barnet Inglaterra Theracial factor in contemporary politics no Recife (governo do estado

de Pernambuco) o primeiro tomo da 14a ediccedilatildeo brasileira (15a em liacutenguaportuguesa) de Casa-grande amp senzala (ediccedilatildeo popular para sercomercializada a preccedilos acessiacuteveis de acordo com a Lei Estadual no4666 de 20 de agosto de 1963) e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a

13a ediccedilatildeo do mesmo livro

1967

Em 30 de janeiro lanccedilamento solene no Palaacutecio do Governo do Estadode Pernambuco do primeiro volume da ediccedilatildeo popular de Casa-grande amp senzala Em julho viaja aos Estados Unidos para receber noInstituto Aspen de Estudos Humaniacutesticos o Precircmio Aspen do ano (30mil doacutelares e isento de imposto sobre a renda) ldquopelo que haacute de originalexcepcional e de valor permanente em sua obra ao mesmo tempo defiloacutesofo escritor literaacuterio e antropoacutelogordquo Recebe o Nobel dos EstadosUnidos na presenccedila de embaixador enviado especial do presidenteLyndon B Johnson que se congratula com Gilberto Freyre pela honraria

na qual o autor foi precedido por apenas trecircs notabilidadesinternacionais o compositor Benjamin Britten a danccedilarina MarthaGraham e o urbanista Constantino Doxiadis por obras reveladoras deldquocriatividade genialrdquo Em dezembro lecirc na Academia Brasileira de Letrasno Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e no Instituto JoaquimNabuco de Pesquisas Sociais conferecircncias sobre Oliveira Lima emsessotildees solenes comemorativas do centenaacuterio de nascimento daquelehistoriador (ampliadas no livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo)Publicam-se em Lisboa (Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian) o livroSociologia da medicina em Nova York (Knopf) a traduccedilatildeo daldquoseminovelardquo Dona Sinhaacute e o filho padre Mother and son a Brazilian

tale no Recife (Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) a 2a

ediccedilatildeo de Mucambos do Nordeste e a 3a ediccedilatildeo do ManifestoRegionalista de 1926 em Satildeo Paulo (Arquimedes Ediccedilotildees) o livro O

Recife sim Recife natildeo e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio) a 4a

ediccedilatildeo de Sociologia

1968

Em 9 de janeiro lecirc no Palaacutecio do Governo do Estado de Pernambuco aprimeira da seacuterie de conferecircncias promovidas pelo governador do estadopara comemorar o centenaacuterio de nascimento de Oliveira Lima (incluiacutedano livro Oliveira Lima Dom Quixote gordo publicado no mesmo anopela Imprensa da Universidade de Recife) Viaja agrave Argentina onde fazconferecircncia sobre Oliveira Lima na Universidade do Rosaacuterio e agraveAlemanha Ocidental onde recebe o tiacutetulo de Doutor Honoris Causapela Universidade de Muumlnster por sua obra comparada agrave de BalzacPublicam-se em Lisboa (Academia Internacional da Cultura Portuguesa)o livro em dois volumes Contribuiccedilatildeo para uma sociologia dabiografia (o exemplo de Luiacutes de Albuquerque governador de MatoGrosso no fim do seacuteculo XVII) no Distrito Federal (EditoraUniversidade de Brasiacutelia) o livro Como e porque sou e natildeo sou socioacutelogo

e no Rio de Janeiro (Record) as 2as ediccedilotildees dos livros Regiatildeo e tradiccedilatildeoe Brasis Brasil e Brasiacutelia Ainda no Rio de Janeiro publicam-se (Joseacute

Olympio) as 4as ediccedilotildees dos livros Guia praacutetico histoacuterico e sentimentalda cidade do Recife e Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimentalde cidade brasileira

1969

Recebe o Precircmio Internacional de Literatura La Madonnina porldquoincomparaacutevel agudeza na descriccedilatildeo de problemas sociais conferindo-lhes calor humano e otimismo bondade e sabedoriardquo atraveacutes de umaobra de ldquofulguraccedilotildees geniaisrdquo Lecirc conferecircncia no Conselho Federal deCultura em sessatildeo dedicada agrave memoacuteria de Rodrigo M F de Andrade AUniversidade Federal de Pernambuco lanccedila os dois primeiros volumesdo seminaacuterio de Tropicologia relativos ao ano de 1966 Troacutepico ampcolonizaccedilatildeo nutriccedilatildeo homem religiatildeo desenvolvimento educaccedilatildeo ecultura trabalho e lazer culinaacuteria populaccedilatildeo Lecirc no InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais quatro conferecircncias sobre Tiposantropoloacutegicos no romance brasileiro Publicam-se no Recife (InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais) o ensaio Sugestotildees em torno daciecircncia e da arte da pesquisa social e no Rio de Janeiro (Joseacute Olympio)

a 15a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala

1970

Completa setenta anos de idade residindo na proviacutencia e trabalhandocomo se fosse um intelectual ainda jovem escrevendo livroscolaborando em jornais e revistas nacionais e estrangeiros dirigindocursos proferindo conferecircncias presidindo o conselho diretor eincentivando as atividades do Instituto Joaquim Nabuco de PesquisasSociais presidindo o Conselho Estadual de Cultura dirigindo o CentroRegional de Pesquisas Educacionais e o Seminaacuterio de Tropicologia daUniversidade Federal de Pernambuco comparecendo agraves reuniotildeesmensais do Conselho Federal de Cultura e atendendo a convites deuniversidades europeias e norte-americanas onde eacute sempre recebidocomo o embaixador intelectual do Brasil A Editora A A Knopf publicaem Nova York Order and progress com texto traduzido e refundidopor Rod W Horton

1971

Recebe a 26 de novembro em solenidade no Gabinete Portuguecircs deLeitura do Recife e tendo como paraninfo o ministro Maacuterio GibsonBarbosa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal dePernambuco Discursa como orador oficial da solenidade deinauguraccedilatildeo pelo presidente Emiacutelio Garrastazu Meacutedici do Parque

Nacional dos Guararapes no Recife A rainha Elizabeth lhe confere otiacutetulo de Sir (Cavaleiro Comandante do Impeacuterio Britacircnico) e aUniversidade Federal do Rio de Janeiro o grau de Doutor HonorisCausa em filosofia Publicam-se a primeira ediccedilatildeo da Seleta para jovens(Joseacute Olympio) e a obra Noacutes e a Europa germacircnica (Grifo Ediccedilotildees)Continua a receber visitas de estrangeiros ilustres na sua casa deApipucos devendo-se destacar as de embaixadores do Reino UnidoFranccedila Estados Unidos Beacutelgica e as de Aldous Huxley GeorgeGurvitch Shelesky John dos Passos Jean Duvignaud Lincoln Gordon eRoberto Kennedy a quem oferece jantar a pedido desse visitante ACompanhia Editora Nacional publica em Satildeo Paulo como volume 348

de sua coleccedilatildeo Brasiliana a 1a ediccedilatildeo brasileira de Novo mundo nostroacutepicos

1972

Preside o Primeiro Encontro Inter-regional de Cientistas Sociais do Brasilrealizado em Fazenda Nova Pernambuco de 17 a 20 de janeiro sob osauspiacutecios do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais Recebe otiacutetulo de Cidadatildeo de Olinda conferido por Lei Municipal no 3774 de 8de marccedilo de 1972 e em sessatildeo solene da Assembleia Legislativa doEstado de Pernambuco a Medalha Joaquim Nabuco conferida pelaResoluccedilatildeo no 871 de 28 de abril de 1972 Em 14 de junho profere noInstituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais palestra sobre JoseacuteBonifaacutecio e no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais as duasprimeiras conferecircncias da seacuterie comemorativa do centenaacuterio de EstaacutecioCoimbra Em 15 de dezembro inaugura-se na Praia de Boa Viagem noRecife o Hotel Casa-grande amp senzala A Editora Giulio Einaudi publicaem Turim a ediccedilatildeo italiana de Casa-grande amp senzala (Case ecatatecchie)

1973

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo ldquopor obras notaacuteveis emsociologia e histoacuteriardquo e o Trofeacuteu Diaacuterios Associados pela ldquomaior distinccedilatildeoanual em artes plaacutesticasrdquo Realizam-se exposiccedilotildees de telas de sua autoriauma no Recife outra no Rio esta na residecircncia do casal Joseacute Maria doCarmo Nabuco com apresentaccedilatildeo de Alfredo Arinos de Mello FrancoPor decreto do presidente Meacutedici eacute reconduzido ao Conselho Federal

de Cultura Viaja a Angola em fevereiro A 10 de maio a convite daAssembleia Legislativa do Estado de Pernambuco profere discurso noCemiteacuterio de Santo Amaro diante do tuacutemulo de Joaquim Nabuco emcomemoraccedilatildeo ao Sesquicentenaacuterio do Poder Legislativo no Brasil Recebeem setembro em Joatildeo Pessoa o tiacutetulo de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Federal da Paraiacuteba Profere na Cacircmara dos Deputados em29 de novembro conferecircncia sobre Atuaccedilatildeo do Parlamento no Impeacuterio ena Repuacuteblica na seacuterie comemorativa do Sesquicentenaacuterio do PoderLegislativo no Brasil e na Universidade de Brasiacutelia palestra em inglecircspara o corpo diplomaacutetico sob o tiacutetulo de Some remarks on how and whyBrazil is different Em 13 de dezembro eacute operado pelo professorEuriacuteclides de Jesus Zerbini no Hospital da Beneficecircncia Portuguesa deSatildeo Paulo

1974

Recebe em Satildeo Paulo o Trofeacuteu Novo Mundo conferido pelo Centro deArtes Novo Mundo Faz sua primeira exposiccedilatildeo de pintura em Satildeo Paulocom quarenta telas adquiridas imediatamente A 15 de marccedilo o InstitutoJoaquim Nabuco de Pesquisas Sociais comemora com exposiccedilatildeo e sessatildeosolene os quarenta anos da publicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em20 de julho profere no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociaisconferecircncia sobre a Importacircncia dos retratos para os estudantesbiograacuteficos o caso de Joaquim Nabuco A 29 de agosto a UniversidadeFederal de Pernambuco inaugura no saguatildeo da reitoria uma placacomemorativa dos quarenta anos de Casa-grande amp senzala A 12 deoutubro recebe a Medalha de Ouro Joseacute Vasconcelos outorgada pelaFrente de Afirmacioacuten Hispanista do Meacutexico para distinguir a cada anouma personalidade dos meios culturais hispano-americanos O cineastaGeraldo Sarno realiza documentaacuterio de cinco minutos intitulado Casa-grande amp senzala de acordo com uma ideia de Aldous Huxley Oeditor Alfred A Knopf publica em Nova York a obra The Gilberto FreyreReader

1975

Diante da violecircncia de uma enchente do rio Capibaribe em 17 e 18 dejulho lidera com Fernando de Mello Freyre diretor do InstitutoJoaquim Nabuco um movimento de estudo interdisciplinar sobre as

enchentes em Pernambuco Profere em 10 de outubro conferecircncia noClube Atleacutetico Paulistano sobre O Brasil como naccedilatildeo hispano-tropicalRecebe em 15 de outubro do Sindicato dos Professores do EnsinoPrimaacuterio e Secundaacuterio de Pernambuco e da Associaccedilatildeo dos Professoresdo Ensino Oficial o tiacutetulo de Educador do Ano por relevantes serviccedilosprestados agrave comunidade nordestina no campo da educaccedilatildeo e dapesquisa social Profere em 7 de novembro no Teatro Santa Isabel doRecife conferecircncia sobre o Sesquicentenaacuterio do Diaacuterio de PernambucoO Instituto do Accediluacutecar e do Aacutelcool lanccedila em 15 de novembro o Precircmio deCriatividade Gilberto Freyre para os melhores ensaios sobre aspectossocioeconocircmicos da zona canavieira do Nordeste Publicam-se no Rio deJaneiro suas obras Tempo morto e outros tempos O brasileiro entre osoutros hispanos (Joseacute Olympio) e Presenccedila do accediluacutecar na formaccedilatildeobrasileira (IAA)

1976

Viaja agrave Europa em setembro fazendo conferecircncias em Madri (Institutode Cultura Hispacircnica) e em Londres (Conselho Britacircnico) Eacutehomenageado com a esposa em Londres com banquete peloembaixador Roberto Campos e esposa (presentes vaacuterios dos seus amigosingleses como Lord Asa Briggs) Em Paris como hoacutespede do governofrancecircs eacute entrevistado pelo socioacutelogo Jean Duvignaud na raacutedio e natelevisatildeo francesas sobre Tendecircncias atuais da cultura brasileira Eacutehomenageado com banquete pelo diretor de Le Figaro seu amigoescritor e membro da Academia Francesa Jean drsquoOrmesson presentesRoger Caillois e outros intelectuais franceses Em Viena identifica mapasineacuteditos do Brasil no periacuteodo holandecircs existentes na Biblioteca Nacionalda Aacuteustria Na Espanha como hoacutespede do governo realiza palestra noInstituto de Cultura Hispacircnica presidido pelo Duque de Cadis EmLisboa eacute homenageado com banquete pelo secretaacuterio de estado deCultura com a presenccedila de intelectuais ministros e diplomatas Em 7 deoutubro lecirc em Brasiacutelia a convite do ministro da Previdecircncia Socialconferecircncia de encerramento do Seminaacuterio sobre Problemas de Idosos A

Livraria Joseacute Olympio Editora publica as 16a e 17a ediccedilotildees de Casa-

grande amp senzala e o IJNPS a 6a ediccedilatildeo do Manifesto regionalista Eacute

lanccedilada 2a ediccedilatildeo portuguesa em Lisboa de Casa-grande amp senzala

1977

Estreia em janeiro no Nosso Teatro (Recife) a peccedila Sobrados emucambos adaptada por Hermilo Borba Filho e encenada pelo GrupoTeatral Vivencial Recebe em fevereiro do embaixador Michel Legendrea faixa e as insiacutegnias de Comendador das Artes e Letras da FranccedilaProfere em marccedilo no Seminaacuterio de Tropicologia conferecircncia sobre ORecife eurotropical e na Cacircmara dos Deputados em Brasiacuteliaconferecircncia de encerramento do ciclo comemorativo do Bicentenaacuterio daIndependecircncia dos Estados Unidos Exibiccedilatildeo na Biblioteca MunicipalMaacuterio de Andrade em Satildeo Paulo de um documentaacuterio cinematograacuteficosobre sua vida e obra Da palavra ao desenho da palavra com debatesdos quais participam Freitas Marcondes Leo Gilson Ribeiro OsmarPimentel e Egon Schaden Profere conferecircncias na Cacircmara dosDeputados em Brasiacutelia em 19 de agosto sobre A terra o homem e aeducaccedilatildeo no Seminaacuterio sobre Ensino Superior promovido pela Comissatildeode Educaccedilatildeo e Cultura e no Teatro Joseacute de Alencar de Fortaleza em 24de setembro sobre O Nordeste visto atraveacutes do tempo Lanccedilamento emSatildeo Paulo em 10 de novembro do aacutelbum Casas-grandes amp senzalascom guaches de Ciacutecero Dias Apresenta no Arquivo Puacuteblico Estadual dePernambuco conferecircncia de encerramento do Curso sobre oSesquicentenaacuterio da Elevaccedilatildeo do Recife agrave Condiccedilatildeo de Capital sobre ORecife e a sua autobiografia coletiva Eacute acolhido como soacutecio honoraacuterio doPen Clube do Brasil Inicia em outubro colaboraccedilatildeo semanal na Folha deSPaulo A Livraria Joseacute Olympio Editora publica O outro amor do drPaulo seminovela continuaccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre AEditora Nova Aguilar publica em dezembro a Obra escolhida volumeem papel-biacuteblia que inclui Casa-grande amp senzala Nordeste e Novomundo nos troacutepicos com introduccedilatildeo de Antocircnio Carlos Villaccedilacronologia da vida e da obra e bibliografia ativa e passiva por Edson Nery

da Fonseca A Editora Ayacucho lanccedila em Caracas a 3a ediccedilatildeo emespanhol de Casa-grande amp senzala com introduccedilatildeo de Darcy RibeiroAs Ediciones Cultura Hispaacutenica publicam em Madri a ediccedilatildeo espanholada Seleta para jovens com o tiacutetulo de Antologiacutea A Editora Espasa-Calpe publica em Madri Maacutes allaacute de lo moderno com prefaacutecio de

Juliaacuten Mariacuteas A Livraria Joseacute Olympio Editora lanccedila a 5a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 18a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp

senzala

1978

Viaja a Caracas para proferir trecircs conferecircncias no Instituto de AssuntosInternacionais do Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores da Venezuela Abreno Arquivo Puacuteblico Estadual em 30 de marccedilo ciclo de conferecircnciassobre escravidatildeo e aboliccedilatildeo em Pernambuco fazendo Novasconsideraccedilotildees sobre escravos em anuacutencios de jornal em PernambucoProfere conferecircncia sobre O Recife e sua ligaccedilatildeo com estudosantropoloacutegicos no Brasil na instalaccedilatildeo da XI Reuniatildeo Brasileira deAntropologia no auditoacuterio da Universidade Federal de Pernambuco em7 de maio Em 22 de maio abre em Natal a I Semana de Cultura doNordeste Profere em Curitiba em 9 de junho conferecircncia sobre O Brasilem nova perspectiva antropossocial numa promoccedilatildeo da Associaccedilatildeo dosProfessores Universitaacuterios do Paranaacute em Cuiabaacute em 16 de setembroconferecircncia sobre A dimensatildeo ecoloacutegica do caraacuteter nacional naAcademia Paulista de Letras em 4 de dezembro conferecircncia sobre

Tropicologia e realidade social abrindo o 1o Seminaacuterio Internacional deEstudos Tropicais da Fundaccedilatildeo Escola de Sociologia e Poliacutetica Publica-seRecife amp Olinda com desenhos de Tom Maia e Thereza ReginaPublicam-se as seguintes obras Alhos e bugalhos (Nova Fronteira)Prefaacutecios desgarrados (Caacutetedra) Arte e ferro (Ranulpho Editora deArte) com pranchas de Lula Cardoso Ayres O Conselho Federal deCultura lanccedila Cartas do proacuteprio punho sobre pessoas e coisas do Brasil

e do estrangeiro A Editora Gallimard publica a 14a ediccedilatildeo de Maicirctreset esclaves na Coleccedilatildeo TEL A Livraria Editora Joseacute Olympio publica a

19a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala e a Fundaccedilatildeo Cultural

do Mato Grosso a 2a ediccedilatildeo de Introduccedilatildeo a uma sociologia dabiografia

1979

O Arquivo Estadual de Pernambuco publica em marccedilo a ediccedilatildeo fac-similar do Livro do Nordeste Participa no auditoacuterio da BibliotecaMunicipal de Satildeo Paulo em 30 de marccedilo da Semana do EscritorBrasileiro Recebe em Aracaju em 17 de abril o tiacutetulo de CidadatildeoSergipano outorgado pela Assembleia Legislativa de Sergipe Eacute

homenageado pelo 44o Congresso Mundial de Escritores do Pen ClubeInternacional reunido no Rio de Janeiro quando recebe a medalhaEuclides da Cunha sendo saudado pelo escritor Maacuterio Vargas LlosaRecebe o grau de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de CiecircnciasMeacutedicas da Fundaccedilatildeo do Ensino Superior de Pernambuco ndashUniversidade de Pernambuco em setembro Viaja agrave Europa em outubroProfere conferecircncia na Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian em 22 deoutubro sobre Onde o Brasil comeccedilou a ser o que eacute Abre o ciclo de

conferecircncias comemorativo do 20o aniversaacuterio da Sudene emdezembro falando sobre Aspectos sociais do desenvolvimento regionalRecebe nesse mecircs o Precircmio Caixa Econocircmica Federal da FundaccedilatildeoCultural do Distrito Federal pela obra Oh de casa Profere naUniversidade de Brasiacutelia conferecircncia sobre Joaquim Nabuco um novotipo de poliacutetico A Editora Artenova publica Oh de casa A EditoraCultrix publica Heroacuteis e vilotildees no romance brasileiro A MPMPropaganda publica Pessoas coisas amp animais em ediccedilatildeo natildeocomercial A Editora Ibrasa publica Tempo de aprendiz

1980

Em 24 de janeiro a Academia Pernambucana de Letras inicia ascomemoraccedilotildees do octogeacutesimo aniversaacuterio do autor com umaconferecircncia de Gilberto Osoacuterio de Andrade sobre Gilberto Freyre e otroacutepico Em 25 de janeiro a Codepe inicia seu Seminaacuterio Permanente deDesenvolvimento dedicando-o ao estudo da obra de Gilberto Freyre OArquivo Puacuteblico Estadual comemora a efemeacuteride em 26 e 27 defevereiro com duas conferecircncias de Edson Nery da Fonseca Recebe emSatildeo Paulo em 7 de marccedilo a medalha de Ordem do Ipiranga maiorcondecoraccedilatildeo do estado Em 26 de marccedilo recebe a medalha JoseacuteMariano da Cacircmara Municipal do Recife Por decreto de 15 de abril ogovernador do estado de Sergipe lhe confere o galardatildeo de Comendadorda Ordem do Meacuterito Aperipecirc Em homenagem ao autor satildeo realizadosdiversos eventos como missa cantada na Catedral de Satildeo Pedro dosCleacuterigos do Recife mandada celebrar pelo governo do estado dePernambuco sendo oficiante monsenhor Severino Nogueira e regente opadre Jayme Diniz Inauguraccedilatildeo na redaccedilatildeo do Diaacuterio dePernambuco de placa comemorativa da colaboraccedilatildeo de Gilberto Freyreiniciada em 1918 Almoccedilo na residecircncia de Fernando Freyre Open

house na vivenda Santo Antocircnio Sorteio de bilhete da Loteria Federalda Praccedila de Apipucos Desfile de clubes e blocos carnavalescos econcentraccedilatildeo popular em Apipucos Sessatildeo solene do CongressoNacional em 15 de abril agraves 15 horas para homenagear o escritor GilbertoFreyre pelo transcurso do seu octogeacutesimo aniversaacuterio Discursos dopresidente senador Luiacutes Viana Filho dos senadores Aderbal Jurema eMarcos Freire e do deputado Thales Ramalho Viaja a Portugal emjunho a convite da Cacircmara Municipal de Lisboa para participar nascomemoraccedilotildees do Quarto Centenaacuterio da Morte de Camotildees Profereconferecircncia A tradiccedilatildeo camoniana ante insurgecircncias e ressurgecircncias

atuais Eacute homenageado em 6 de julho durante a 32a Reuniatildeo Anual daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciecircncia realizada no Rio deJaneiro e em 25 de julho pelo XII Congresso Brasileiro de Liacutengua eLiteratura promovido pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro eUniversidade Federal do Rio de Janeiro Em 11 de agosto recebe doembaixador Hansjorg Kastl a Gratilde-Cruz do Meacuterito da RepuacuteblicaFederativa da Alemanha Ainda em agosto eacute homenageado pelo IVSeminaacuterio Paraibano de Cultura Brasileira Recebe o tiacutetulo de CidadatildeoBenemeacuterito de Joatildeo Pessoa outorgado pela Cacircmara Municipal da capitalparaibana Recebe o tiacutetulo do soacutecio honoraacuterio do Instituto Histoacuterico eGeograacutefico da Paraiacuteba Em 2 de setembro eacute homenageado pelo PenClube do Brasil com um painel sobre suas ideias no auditoacuterio do Palaacutecioda Cultura no Rio de Janeiro Encenaccedilatildeo no Teatro Satildeo Pedro de SatildeoPaulo da peccedila de Joseacute Carlos Cavalcanti Borges Casa-grande ampsenzala sob a direccedilatildeo de Miroel Silveira pelo grupo teatral da Escola deComunicaccedilatildeo e Artes da USP Em 10 de outubro apresenta conferecircnciada Fundaccedilatildeo Luisa e Oscar Americano de Satildeo Paulo sobre Imperialismocultural do Conde Mauriacutecio De 13 a 17 de outubro profere simpoacutesiointernacional promovido pela Universidade de Brasiacutelia e pelo Ministeacuterioda Educaccedilatildeo e Cultura com a participaccedilatildeo como conferencistas dohistoriador social inglecircs Lord Asa Briggs do filoacutesofo espanhol JuliaacutenMariacuteas do poeta e ensaiacutesta portuguecircs David Mouratildeo-Ferreira doantropoacutelogo francecircs Jean Duvignaud e do historiador mexicano SilvioZavala Recebe o Precircmio Jabuti de Satildeo Paulo em 28 de outubroRecebe em 11 de dezembro o grau de Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Catoacutelica de Pernambuco Em 12 de dezembro recebe oPrecircmio Moinho Recife Satildeo publicadas diversas obras do autor como o

aacutelbum Gilberto poeta algumas confissotildees com serigrafias de AldemirMartins Jenner Augusto Lula Cardoso Ayres Reynaldo Fonseca eWellington Virgolino e posfaacutecio de Joseacute Paulo Moreira da Fonseca(Ranulpho Editora de Arte) Poesia reunida (Ediccedilotildees Pirata Recife)

20a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala com prefaacutecio do

ministro Eduardo Portella 5a ediccedilatildeo de Olinda 3a ediccedilatildeo da Seleta

para jovens 2a ediccedilatildeo brasileira de Aventura e rotina (todas pela

Editora Joseacute Olympio) e a 2a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios dejornais brasileiros do seacuteculo XIX (Companhia Editora Nacional) AEditora Greenwood Press de Westport Conn publica sem autorizaccedilatildeodo autor a reimpressatildeo de New world in the tropics

1981

A Classe de Letras da Academia de Ciecircncias de Lisboa reuacutene-se emfevereiro para a comunicaccedilatildeo do escritor David Mouratildeo-Ferreira sobreGilberto Freyre criador literaacuterio Encenaccedilatildeo em marccedilo no Teatro SantaIsabel da peccedila-baleacute de Rubens Rocha Filho Tempos perdidos nossostempos Em 25 de marccedilo o autor recebe do embaixador Jean Beliard arosette de Oficial da Leacutegion drsquoHonneur Inauguraccedilatildeo de seu retrato em21 de abril no Museu do Trem da Superintendecircncia Regional da RedeFerroviaacuteria Federal Em 29 de abril o Conselho Municipal de Culturalanccedila no Palaacutecio do Governo um aacutelbum de desenhos de sua autoriaInauguraccedilatildeo em 7 de maio no Museu Nacional da Quinta da Boa Vistada ediccedilatildeo quadrinizada de Casa-grande amp senzala numa promoccedilatildeo daUniversidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional e EditoraBrasil-Ameacuterica Profere conferecircncia em 15 de maio no auditoacuterio BeniacutecioDias da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco sobre Atualidade de Lima BarretoViaja agrave Espanha em outubro para tomar posse no Conselho Superior doInstituto de Cooperaccedilatildeo Ibero-Americana nomeado pelo rei Joatildeo CarlosI

1982

Recebe em janeiro a medalha comemorativa dos trinta anos do ConselhoNacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico (CNPq) Proferena Academia Pernambucana de Letras conferecircncia sobre Luiacutes Jardimautodidata comemorativa do octogeacutesimo aniversaacuterio do pintor e

escritor pernambucano Na abertura do III Congresso Afro-Brasileiro em20 de setembro apresenta conferecircncia no teatro Santa Isabel Emsetembro eacute entrevistado pela Rede Bandeirantes de Televisatildeo noprograma Canal Livre Recebe do embaixador Javier Vallaure naEmbaixada da Espanha em Brasiacutelia a Gratilde-Cruz de Alfonso El Sabio(outubro) e no auditoacuterio do Palaacutecio da Cultura em 9 de novembroconferecircncia sobre Villa-Lobos revisitado Profere no Nacional Club de SatildeoPaulo em 11 de novembro conferecircncia sobre Brasil entre passados uacuteteise futuros renovados A Editora Massangana publica Rurbanizaccedilatildeo oque eacute A Editora Klett-Cotta de Stuttgart publica a primeira ediccedilatildeoalematilde de Das Land in der Stadt Die Entwicklung der urbanemGesellschaft Brasiliens (Sobrados e mucambos) e a segunda deHerrenhaus und Sklavenhuumltte (Casa-grande amp senzala)

1983

Iniciam-se em 21 de marccedilo ndash Dia Internacional das Naccedilotildees UnidasContra a Discriminaccedilatildeo Racial ndash as comemoraccedilotildees do cinquentenaacuterio dapublicaccedilatildeo de Casa-grande amp senzala com sessatildeo solene no auditoacuterioBeniacutecio Dias presidida pelo governador Roberto Magalhatildees e com apresenccedila da ministra da Educaccedilatildeo Esther de Figueiredo Ferraz e dodiretor-geral da Unesco Amadou MrsquoBow que lhe entrega a medalhaHomenagem da Unesco Recebe em 15 de abril da Associaccedilatildeo Brasileirade Relaccedilotildees Puacuteblicas Seccedilatildeo de Pernambuco o Trofeacuteu Integraccedilatildeo pordestaque cultural de 1982 Em abril expotildee seus uacuteltimos desenhos epinturas na Galeria Aloiacutesio Magalhatildees Viaja a Lisboa em 25 de outubropara receber do ministro dos Negoacutecios Estrangeiros a Gratilde-Cruz deSantiago da Espada Em 27 de outubro participa de sessatildeo solene daAcademia de Ciecircncias de Lisboa e da Academia Portuguesa de Histoacuteriacomemorativa do cinquentenaacuterio da publicaccedilatildeo de Casa-grande ampsenzala A Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian promove em Lisboa um ciclode conferecircncias sobre Casa-grande amp senzala (2 de novembro a 4 dedezembro) Eacute homenageado pela Feira Internacional do Livro do Rio deJaneiro em 9 de novembro O Seminaacuterio de Tropicologia reuacutene-se em29 de novembro para a conferecircncia de Edson Nery da Fonsecaintitulada Gilberto Freyre cultura e troacutepico Recebe em 7 de dezembrono Liceu Literaacuterio Portuguecircs do Rio de Janeiro a Gratilde-Cruz da OrdemCamoniana A Editora Massangana publica Apipucos que haacute num

nome a Editora Globo lanccedila Insurgecircncias e ressurgecircncias atuais e

Meacutedicos doentes e contextos sociais (2a ediccedilatildeo de Sociologia damedicina) Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco de 19 a 30 desetembro um ciclo de conferecircncias comemorativo dos cinquenta anosde Casa-grande amp senzala promovido com apoio do governo do estadoe de outras entidades pernambucanas (anais editados por Edson Neryda Fonseca e publicados em 1985 pela Editora Massangana Novasperspectivas em Casa-grande amp senzala) A Joseacute Olympio Editorapublica no Rio de Janeiro o livro de Edilberto Coutinho A imaginaccedilatildeodo real uma leitura da ficccedilatildeo de Gilberto Freyre tese de doutoramentodefendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro A Editora Recordlanccedila no Rio de Janeiro Homens engenharias e rumos sociais

1984

Lanccedilamento em 20 de janeiro de selo postal comemorativo docinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Viaja a Salvador em 14 demarccedilo para receber homenagem do governo do estado pelocinquentenaacuterio de Casa-grande amp senzala Inauguraccedilatildeo no Museu deArte Moderna da Bahia da exposiccedilatildeo itinerante sobre a obraConferecircncia de Edson Nery da Fonseca sobre Gilberto Freyre Casa-grande amp senzala e a Bahia Convidado pelo governador TancredoNeves profere em Ouro Preto em 21 de abril o discurso oficial daSemana da Inconfidecircncia Profere em 8 de maio na antiga Reitoria daUFRJ conferecircncia sobre Alfonso X o saacutebio ponte de culturas Recebeda Uniatildeo Cultural Brasil-Estados Unidos em 7 de junho a medalha demerecimento por serviccedilos relevantes prestados agrave aproximaccedilatildeo entre oBrasil e os Estados Unidos Em 8 de junho profere conferecircncia no ClubeAtleacutetico Paulistano sobre Camotildees vocaccedilatildeo de antropoacutelogo modernopromovida pelo Conselho da Comunidade Portuguesa de Satildeo Paulo Emsetembro o Baleacute Studio Um realiza no Recife o espetaacuteculo de danccedilaCasa-grande amp senzala sob a direccedilatildeo de Eduardo Gomes e com muacutesicade Egberto Gismonti Recebe a Medalha Picasso da Unesco desenhadapor Juan Miroacute em comemoraccedilatildeo do centenaacuterio do pintor espanhol Emsetembro homenageado por Richard Civita no Hotel 4 Rodas de Olindacom banquete presidido pelo governador Roberto Magalhatildees e entregade passaportes para o casal se hospedar em qualquer hotel da redeParticipa na Arquidiocese do Rio de Janeiro em outubro do Congresso

Internacional de Antropologia e Praacutexis debatedor do tema Cultura eredenccedilatildeo desenvolvido por D Paul Poupard Eacute homenageado noTeatro Santa Isabel do Recife em 31 de novembro pelo cinquentenaacuterio

do 1o Congresso Afro-Brasileiro ali realizado em 1934 Lecirc no Museu deArte Sacra de Pernambuco (Olinda) a conferecircncia Cultura e museuspublicada no ano seguinte pela Fundarpe Convidado pelo Conselho daComunidade Portuguesa do Estado de Satildeo Paulo lecirc no Clube AtleacuteticoPaulistano em 8 de junho (Dia de Portugal) a conferecircncia Camotildeesvocaccedilatildeo de antropoacutelogo moderno publicada no mesmo ano peloconselho

1985

Recebe da Fundaccedilatildeo do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico de Pernambuco(Fundarpe) a Homenagem agrave Cultura Viva de Pernambuco em 18 demarccedilo Viaja em maio aos Estados Unidos para receber na BaylorUniversity o precircmio consagrador de notaacuteveis triunfos (DistinguishedAchievement Award) Profere em 21 de maio na Harvard Universityconferecircncia sobre My first contacts with american intellectual lifepromovida pelo Departamento de Liacutenguas e Literaturas Romacircnicas epela Comissatildeo de Estudos Latino-Americanos e Ibeacutericos Realizaexposiccedilatildeo na Galeria Metropolitana Aloiacutesio Magalhatildees do RecifeDesenhos a cor figuras humanas e paisagens Recebe em agosto o graude Doutor Honoris Causa em Direito e em Letras pela UniversidadeClaacutessica de Lisboa Eacute nomeado em setembro pelo presidente daRepuacuteblica para compor a Comissatildeo de Estudos Constitucionais Recebeo tiacutetulo de Cidadatildeo de Manaus em 6 de setembro Profere em 29 deoutubro conferecircncia na inauguraccedilatildeo do Instituto Brasileiro de AltosEstudos (Ibrae) de Satildeo Paulo subordinada ao tiacutetulo Agrave beira do seacuteculoXX Em 20 de novembro eacute apresentado no Cine Bajado de Olinda ofilme de Kaacutetia Mesel Oh de casa Em dezembro viaja a Satildeo Paulo sendohospitalizado no Incor para cirurgia de um divertiacuteculo de Zenkel (heacuternia

de esocircfago) A Joseacute Olympio Editora publica a 7a ediccedilatildeo de Sobrados e

mucambos e a 5a ediccedilatildeo de Nordeste Por iniciativa do Centro deEstudos Latino-Americanos da Universidade da Califoacuternia em LosAngeles a editora da universidade publica em Berkeley reediccedilotildees embrochuras do mesmo formato The masters and the slaves The

mansions and the shanties e Order and progress com introduccedilotildees deDavid H E Mayburt-Lewis e Ludwig Lauerhass Jr respectivamente

1986

Em janeiro submete-se a uma cirurgia do esocircfago para retirada de umdivertiacuteculo de Zenkel no Incor Regressa ao Recife em 16 de janeirodizendo ldquoagora estou em casa meu Apipucosrdquo Em 22 de fevereiroretorna a Satildeo Paulo para uma cirurgia de proacutestata no Incor realizada em24 de fevereiro Recebe em 24 de abril em sua residecircncia de Apipucosdo embaixador Bernard Dorin a comenda de Grande Oficial da Legiatildeode Honra no grau de Cavaleiro Em maio eacute agraciado com o PrecircmioCavalo-Marinho da Empitur Em agosto recebe o tiacutetulo de Cidadatildeo deAracaju Em 24 de outubro reencontra-se no Recife com a danccedilarinaKatherine Dunhm Em 28 de outubro eacute eleito para ocupar a cadeira 23da Academia Pernambucana de Letras vaga com a morte de GilbertoOsoacuterio de Andrade Toma posse em 11 de dezembro na AcademiaPernambucana de Letras Recebe em 16 de dezembro o tiacutetulo dePesquisador Emeacuterito do Instituto de Pesquisas Sociais da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco Publica-se em Budapeste a ediccedilatildeo huacutengara de Casa-grande amp senzala Udvarhaacutez es szolgaszaacutellaacutes A professora EacutelideRugai Bastos defende na Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo(PUC) a tese de doutoramento Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo dasociedade brasileira orientada pelo professor Octavio Ianni A AacuteriesEditora publica em Satildeo Paulo o livro de Pietro Maria Bardi Ex-votos deMaacuterio Cravo e a Editora Creficullo lanccedila o livro do mesmo autor 40anos de Masp ambos prefaciados por Gilberto Freyre

1987

Instituiccedilatildeo em 11 de marccedilo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 demarccedilo recebe em Apipucos a visita do presidente Maacuterio Soares Em 7 deabril submete-se a uma cirurgia para implantaccedilatildeo de marca-passo noIncor do Hospital Portuguecircs Em 18 de abril Saacutebado Santo recebe de dBasiacutelio Penido OSB os sacramentos da Reconciliaccedilatildeo da Eucaristia e daUnccedilatildeo dos Enfermos Morre no Hospital Portuguecircs agraves 4 horas de 18 dejulho aniversaacuterio de Magdalena Sepultamento no Cemiteacuterio de SantoAmaro agraves 18 horas com discurso do ministro Marcos Freire Em 20 dejulho o senador Afonso Arinos ocupa a tribuna da Assembleia Nacional

Constituinte para homenagear sua memoacuteria Em 19 de julho o jornalABC de Madri publica um artigo de Juliaacuten Mariacuteas Adioacutes a um brasilentildeouniversal Em 24 de julho missas concelebradas no Recife por d JoseacuteCardoso Sobrinho e d Heber Vieira da Costa OSB e em Brasiacutelia por dHildebrando de Melo e pelos vigaacuterios da catedral e do Palaacutecio daAlvorada com coral da Universidade de Brasiacutelia Missa celebrada noseminaacuterio com canto gregoriano a cargo das Beneditinas de SantaGertrudes de Olinda A Editora Record publica Modos de homem e

modas de mulher e a 2a ediccedilatildeo de Vida forma e cor Assombraccedilotildees doRecife Velho e Perfil de Euclides e outros perfis a Joseacute Olympio

Editora a 25a ediccedilatildeo brasileira de Casa-grande amp senzala O Ciacuterculo doLivro lanccedila nova ediccedilatildeo de Dona Sinhaacute e o filho padre e a EditoraMassangana publica Pernambucanidade consagrada (discursos deGilberto Freyre e Waldemar Lopes na Academia Pernambucana deLetras) Ciclo de conferecircncias promovido pela Fundaccedilatildeo JoaquimNabuco em memoacuteria de Gilberto Freyre tendo como conferencistasJuliaacuten Mariacuteas Adriano Moreira Maria do Carmo Tavares de Miranda eJoseacute Antocircnio Gonsalves de Mello (convidado deixou de vir por motivode doenccedila o antropoacutelogo Jean Duvignaud) Ciclo de conferecircnciaspromovido em Maceioacute pelo governo do estado de Alagoas a cargo deMaria do Carmo Tavares de Miranda Odilon Ribeiro Coutinho e JoseacuteAntocircnio Gonsalves de Mello Homenagem do Conselho Latino-Americano de Ciecircncias Sociais na abertura de sua XIV Assembleia Geralrealizada no Recife de 16 a 21 de novembro A editora mexicana Fondo

de Cultura Econoacutemica publica a 2a ediccedilatildeo como livro de bolso deInterpretacioacuten del Brasil A revista Ciecircncia e Cultura publica em seunuacutemero de setembro o necroloacutegio de Gilberto Freyre solicitado por MariaIsaura Pereira de Queiroz a Edson Nery da Fonseca

1988

Em convecircnio com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e sob os auspiacutecios doGrupo Gerdau a Editora Record publica no Rio de Janeiro a obrapoacutestuma Ferro e civilizaccedilatildeo no Brasil

1989

Em sua 26a ediccedilatildeo Casa-grande amp senzala passa a ser publicada pela

Editora Record ateacute a 46a ediccedilatildeo em 2002

1990

A Fundaccedilatildeo das Artes e a Empresa Graacutefica da Bahia publicam emSalvador Bahia e baianos obra poacutestuma organizada e prefaciada por

Edson Nery da Fonseca A Editora Klett-Cotta lanccedila em Stuttgart a 2a

ediccedilatildeo alematilde de Sobrados e mucambos (Das land in der Sdadt)Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o seminaacuterio O cotidiano emGilberto Freyre organizado por Faacutetima Quintas (anais publicados nomesmo ano pela Editora Massangana)

1994

A Cacircmara dos Deputados publica como volume 39 de sua Coleccedilatildeo PerfisParlamentares Discursos parlamentares de Gilberto Freyre textoorganizado anotado e prefaciado por Vamireh Chacon A Editora Agirpublica no Rio de Janeiro a antologia Gilberto Freyre organizada porEdilberto Coutinho como volume 117 da Coleccedilatildeo Nossos Claacutessicos dirigidapor Pedro Lyra A Editora 34 publica no Rio de Janeiro a tese dedoutoramento de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo Guerra e paz Casa-grande amp senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30

1995

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco a semana de estudoscomemorativos dos 95 anos de Gilberto Freyre com conferecircnciasreunidas e apresentadas por Faacutetima Quintas na obra coletiva A obra emtempos vaacuterios publicada em 1999 pela Editora Massangana AFundaccedilatildeo de Cultura da Cidade do Recife e a Imprensa Universitaacuteria daUniversidade Federal de Pernambuco publicam no Recife Novasconferecircncias em busca de leitores obra poacutestuma organizada eprefaciada por Edson Nery da Fonseca A Editora Massangana publica olivro de Sebastiatildeo Vila Nova Sociologias e poacutes-sociologia em GilbertoFreyre

1996

Realiza-se na Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco o simpoacutesio Que somos noacutesorganizado por Maria do Carmo Tavares de Miranda em comemoraccedilatildeo

aos sessenta anos de Sobrados e mucambos (anais publicados pelaEditora Massangana em 2000)

1997

Comemorando seu septuageacutesimo quinto aniversaacuterio a revista norte-americana Foreign Affairs publica o resultado de um inqueacuteritodestinado agrave escolha de 62 obras ldquoque fizeram a cabeccedila do mundo apartir de 1922rdquo Casa-grande amp senzala eacute apontada como uma delaspelo professor Kenneth Maxwell A Companhia das Letras publica em

Satildeo Paulo a 4a ediccedilatildeo de Accediluacutecar livro reimpresso em 2002 por iniciativada Usina Petribu

1999

Por iniciativa da Fundaccedilatildeo Oriente da Universidade da Beira Interior eda Sociedade de Geografia de Lisboa iniciam-se em Portugal ascomemoraccedilotildees do centenaacuterio de nascimento de Gilberto Freyre com ocoloacutequio realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa de 11 e 12 defevereiro Lusotropicalismo revisitado sob a direccedilatildeo dos professoresAdriano Moreira e Joseacute Carlos Venacircncio A Fundaccedilatildeo Oriente institui umprecircmio anual de um milhatildeo de escudos para ldquogalardoar trabalhos deinvestigaccedilatildeo na aacuterea da perspectiva gilbertiana sobre o Orienterdquo Ascomemoraccedilotildees pernambucanas satildeo iniciadas em 14 de marccedilo com missasolene concelebrada na Basiacutelica do Mosteiro de Satildeo Bento de Olindacom canto gregoriano pelas Beneditinas Missionaacuterias da Academia Santa

Gertrudes Pelo Decreto no 21403 de 7 de maio o governador dePernambuco declara no acircmbito estadual Ano Gilberto Freyre 2000Pelo Decreto de 13 de julho o presidente da Repuacuteblica institui o ano2000 como Ano Gilberto Freyre A UniverCidade do Rio de Janeiroinstitui por sugestatildeo da Editora Topbooks o precircmio de 20 mil doacutelarespara o melhor ensaio sobre Gilberto Freyre

2000

Por iniciativa da TV Cultura de Satildeo Paulo satildeo elaborados os filmesGilbertianas I e II dirigidos pelo cineasta Ricardo Miranda com acolaboraccedilatildeo do antropoacutelogo Raul Lody Em 13 de marccedilo ocorre olanccedilamento nacional da produccedilatildeo numa promoccedilatildeo do Shopping CenterRecifeUCI CinemasWeston Taacutexi Aeacutereo Em 21 de marccedilo eacute lanccedilada na

sala Calouste Gulbenkian da Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco no Nuacutecleo deEstudos Freyrianos no governo do estado de Pernambuco na Sudene eno Ministeacuterio da Cultura Por iniciativa do Canal GNT VideoFilmes eRegina Filmes o cineasta Nelson Pereira dos Santos dirige quatrodocumentaacuterios intitulados geneacutericos de Casa-grande amp senzala tendoEdson Nery da Fonseca como corroteirista e narrador Filmados noBrasil em Portugal e na Universidade de Coluacutembia em Nova York oprimeiro O Cabral moderno exibido pelo canal GNT a partir de 21 deabril Os demais A cunhatilde matildee da famiacutelia brasileira O portuguecircscolonizador dos troacutepicos e O escravo na vida sexual e de famiacutelia dobrasileiro satildeo exibidos pelo mesmo canal a partir de 2001 As Editoras

Letras e Expressotildees e Abregraph publicam a 2a ediccedilatildeo de Casa-grandeamp senzala em quadrinhos com ilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues

colorizadas por Noguchi A Editora Topbooks lanccedila a 2a ediccedilatildeo brasileirade Novo mundo nos troacutepicos prefaciada por Wilson Martins A revistaNovos Estudos Cebrap n 56 publica o dossiecirc Leituras de GilbertoFreyre com apresentaccedilatildeo de Ricardo Benzaquen de Arauacutejo incluindoas introduccedilotildees de Fernand Braudel agrave ediccedilatildeo italiana de Casa-grande ampsenzala de Lucien Fegravebvre agrave ediccedilatildeo francesa de Antonio Seacutergio a Omundo que o portuguecircs criou e de Frank Tannembaum agrave ediccedilatildeo norte-americana de Sobrados e mucambos Em 15 de marccedilo realiza-se naMaison de Sciences de lrsquoHomme et de la Science o coloacutequio GilbertoFreyre e a Franccedila organizado pela professora Ria Lemaire daUniversidade de Poitiers Em 15 de marccedilo o arcebispo de Olinda eRecife Joseacute Cardoso celebra missa solene na Igreja de Satildeo Pedro dosCleacuterigos com cantos do coral da Academia Pernambucana de MuacutesicaNa tarde de 15 de marccedilo eacute apresentada na sala Calouste Gulbenkianem projeccedilatildeo de VHF a Biblioteca Virtual Gilberto disponiacutevelimediatamente na Internet lthttpprossigabvgffgforgbrgt De 21 a24 de marccedilo realiza-se na Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre o SeminaacuterioInternacional Novo Mundo nos Troacutepicos (anais publicados com tiacutetulohomocircnimo) De 28 a 31 de marccedilo eacute apresentado no Centro CulturalBanco do Brasil do Rio de Janeiro o ciclo de palestras A propoacutesito deGilberto Freyre (natildeo reunidas em livro) De 14 a 16 de agosto realiza-se oseminaacuterio Gilberto Freyre patrimocircnio brasileiro promovidoconjuntamente pela Fundaccedilatildeo Roberto Marinho pela UniverCidade doRio de Janeiro pelo Coleacutegio do Brasil pela Academia Brasileira de Letras

pela Folha de SPaulo e pelo Instituto de Estudos Avanccedilados da USPIniciado no auditoacuterio da Academia Brasileira de Letras e num dos campida Universidade eacute concluiacutedo no auditoacuterio da Folha de SPaulo e nacidade universitaacuteria da USP Em 18 de outubro realiza-se no anfiteatroda Histoacuteria da USP o seminaacuterio multidisciplinar Relendo Gilberto Freyreorganizado pelo Centro Angel Rama da Faculdade de Filosofia Letras eCiecircncias Humanas na mesma universidade Em 20 de outubro realiza-sena embaixada do Brasil em Paris o seminaacuterio Gilberto Freyre e as ciecircnciassociais no Brasil promovido pelo Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores eFundaccedilatildeo Gilberto Freyre Em 30 de outubro realiza-se em Buenos Aireso seminaacuterio Agrave la busqueda de la identidad el ensayo de interpretacioacutennacional en Brasil y Argentina De 6 a 9 de novembro eacute realizada no SunValley Park Hotel em Mariacutelia (SP) a Jornada de Estudos Gilberto Freyreorganizada pela Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da Unesp Em 21 denovembro na Universidade de Essex ocorre o seminaacuterio The english inBrazil a study in cultural encounters dirigido pela professora MariaLuacutecia Pallares-Burke Em 27 de novembro realiza-se na Universidade deCambridge o seminaacuterio Gilberto Freyre amp histoacuteria social do Brasil dirigidopelos professores Peter Burke e Maria Luacutecia Pallares-Burke De 27 a 30de novembro acontece no Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artesda Universidade Federal da Paraiacuteba o simpoacutesio Gilberto Freyreinterpenetraccedilatildeo do Brasil organizado pela professora Elisalva MadrugaDantas e pelo poeta e multiartista Jomard Muniz de Brito (anais comtiacutetulo homocircnimo publicados pela editora Universitaacuteria em 2002) De 28a 30 de novembro ocorre na sala Calouste Gulbenkian da FundaccedilatildeoJoaquim Nabuco o seminaacuterio internacional Aleacutem do apenas moderno De5 a 7 de dezembro eacute apresentado no auditoacuterio Joatildeo Alfredo daUniversidade Federal de Pernambuco o seminaacuterio Outros Gilbertosorganizado pelo Laboratoacuterio de Estudos Avanccedilados de CulturaContemporacircnea do Departamento de Antropologia da mesmauniversidade Publica-se em Satildeo Paulo pelo Grupo Editorial Cone Sul oensaio de Gustavo Henrique Tuna Gilberto Freyre ndash entre tradiccedilatildeo amp

ruptura premiado na categoria ldquoensaiordquo do 3o Festival Universitaacuterio deLiteratura organizado pela Xerox do Brasil e pela revista Livro AbertoPor iniciativa do deputado Aldo Rebelo a Cacircmara dos Deputados reuacuteneno opuacutesculo Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo do Brasil prefaciado por LuiacutesFernandes ensaios do proacuteprio deputado de Otto Maria Carpeaux e de

Regina Maria A F Gadelha A Editora Comunigraf publica no Recife olivro de Maacuterio Heacutelio O Brasil de Gilberto Freyre uma introduccedilatildeo agraveleitura de sua obra com ilustraccedilotildees de Joseacute Claacuteudio e prefaacutecio de EdsonNery da Fonseca A Editora Casa Amarela publica em Satildeo Paulo asegunda ediccedilatildeo do ensaio de Gilberto Felisberto Vasconcellos O xaraacute deApipucos A Embaixada do Brasil em Bogotaacute publica o opuacutesculoImagenes com texto e ilustraccedilotildees selecionadas por Nora Ronderos

2001

A Companhia das Letras publica em Satildeo Paulo a 2a ediccedilatildeo deInterpretaccedilatildeo do Brasil organizada e prefaciada por Omar Ribeiro

Thomaz (no 19 da Coleccedilatildeo Retratos do Brasil) A Editora Topbookspublica no Rio de Janeiro a obra coletiva O imperador das ideiasGilberto Freyre em questatildeo organizada pelos professores Joaquim Falcatildeoe Rosa Maria Barboza de Arauacutejo reunindo conferecircncias do seminaacuteriorealizado no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo de 14 a 17 de agosto de 2000

A Editora Topbooks e UniverCidade publicam no Rio de Janeiro a 2a

ediccedilatildeo de Aleacutem do apenas moderno prefaciada por Joseacute Guilherme

Merquior e as 3as ediccedilotildees de Aventura e rotina prefaciada por Albertoda Costa e Silva e de Ingleses no Brasil prefaciada por Evaldo Cabral deMelo A Editora da Universidade do Estado de Pernambuco publicacomo no 18 de sua Coleccedilatildeo Nordestina o livro poacutestumo Antecipaccedilotildeesorganizado e prefaciado por Edson Nery da Fonseca A EditoraGaramond publica no Rio de Janeiro o livro de Helena BocayuvaErotismo agrave brasileira o excesso sexual na obra de Gilberto Freyreprefaciado pelo professor Luis Antonio de Castro Santos O DiaacuterioOficial da Uniatildeo de 28 de dezembro de 2001 publica agrave paacutegina 6 a Leino 10361 de 27 de dezembro de 2001 que confere o nome de AeroportoInternacional Gilberto Freyre ao Aeroporto Internacional dosGuararapes do Recife O Projeto de Lei eacute de autoria do deputado JoseacuteChaves (PMDB-PE)

2002

Publica-se no Rio de Janeiro em coediccedilatildeo da Fundaccedilatildeo BibliotecaNacional e Zeacute Maacuterio Editor o livro de Edson Nery da Fonseca GilbertoFreyre de A a Z Eacute lanccedilada em Paris sob os auspiacutecios da ONG da Unesco

Allca XX e como volume no 55 da Coleccedilatildeo Archives a ediccedilatildeo criacutetica deCasa-grande amp senzala organizada por Guillermo Giucci EnriqueRodriacuteguez Larreta e Edson Nery da Fonseca

2003

O governo instalado no Brasil em 1o de janeiro extingue sem nenhumaexplicaccedilatildeo o Seminaacuterio de Tropicologia criado em 1966 pelaUniversidade Federal de Pernambuco por sugestatildeo de Gilberto Freyre eincorporado em 1980 agrave estrutura da Fundaccedilatildeo Joaquim NabucoGustavo Henrique Tuna defende no Departamento de Histoacuteria doInstituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Unicamp a dissertaccedilatildeo demestrado Viagens e viajantes em Gilberto Freyre A Editora daUniversidade de Brasiacutelia publica em coediccedilatildeo com a Imprensa Oficial doEstado de Satildeo Paulo as seguintes obras poacutestumas organizadas porEdson Nery da Fonseca Palavras repatriadas (prefaacutecio e notas doorganizador) Americanidade e latinidade da Ameacuterica Latina e outrostextos afins Trecircs histoacuterias mais ou menos inventadas (com prefaacutecio e

posfaacutecio de Ceacutesar Leal) e China tropical A Global Editora publica a 47a

ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala (com apresentaccedilatildeo de Fernando

Henrique Cardoso) No mesmo ano lanccedila a 48a ediccedilatildeo da obra-mestra

de Freyre A mesma editora publica a 14a ediccedilatildeo de Sobrados emucambos (com apresentaccedilatildeo de Roberto DaMatta) Publica-se pelaEdusc Editora da Unesp e Fapesp o livro Gilberto Freyre em quatrotempos (organizaccedilatildeo de Ethel Volfzon Kosminsky Claude Leacutepine eFernanda Arecircas Peixoto) reunindo comunicaccedilotildees apresentadas naJornada de Estudos Gilberto Freyre realizada em Mariacutelia (SP) em 2000Eacute lanccedilada pela Edusc Editora Sumareacute e Anpocs o livro de Eacutelide RugaiBastos Gilberto Freyre e o pensamento hispacircnico entre Dom Quixote eAlonso El Bueno

2004

A Global Editora publica a 6a ediccedilatildeo de Ordem e progresso

(apresentaccedilatildeo de Nicolau Sevcenko) a 7a ediccedilatildeo de Nordeste (com

apresentaccedilatildeo de Manoel Correia de Oliveira Andrade) a 15a ediccedilatildeo de

Sobrados e mucambos e a 49a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala Em

conjunto com a Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre a editora lanccedila o ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 20042005 destinado apremiar e a publicar ensaio que aborde ldquoqualquer dos aspectos relevantesda obra do escritor Gilberto Freyrerdquo

2005

Em 15 de marccedilo eacute premiado o trabalho de Eacutelide Rugai Bastos intituladoAs criaturas de Prometeu Gilberto Freyre e a formaccedilatildeo da sociedadebrasileira vencedor do Concurso Nacional de Ensaios ndash Precircmio GilbertoFreyre 20042005 promovido pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre e pela

Global Editora Esta publica a 50a ediccedilatildeo (ediccedilatildeo comemorativa) deCasa-grande amp senzala em capa dura Em agosto o grupo de teatro OsFofos Encenam sob a direccedilatildeo de Newton Moreno estreia a peccedilaAssombraccedilotildees do Recife Velho adaptaccedilatildeo da obra homocircnima deGilberto Freyre no Casaratildeo do Belvedere situado no Bairro Bela Vistaem Satildeo Paulo Em 18 de outubro na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos em Satildeo Paulo eacute lanccedilado Gilberto Freyre um vitoriano dostroacutepicos de Maria Luacutecia Pallares-Burke pela Editora da Unesp emmesa-redonda com a participaccedilatildeo dos professores Antonio Dimas Joseacutede Souza Martins Eacutelide Rugai Bastos e a autora do livro A Global Editora

publica a 3a ediccedilatildeo de Casa-grande amp senzala em quadrinhos comilustraccedilotildees de Ivan Wasth Rodrigues colorizadas por Noguchi

2006

Realiza-se em 15 de marccedilo na 19a Bienal Internacional do Livro de SatildeoPaulo sediada no Pavilhatildeo de Exposiccedilotildees do Anhembi no salatildeo A-Mezanino a mesa de debate 70 anos de Sobrados e mucambos deGilberto Freyre com a presenccedila dos professores Roberto DaMatta EacutelideRugai Bastos Enrique Rodriacuteguez Larreta e mediaccedilatildeo de Gustavo

Henrique Tuna No evento eacute lanccedilado o 2o Concurso Nacional de Ensaiosndash Precircmio Gilberto Freyre 20062007 organizado pela Global Editora epela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre que aborda qualquer aspecto referente agrave

obra Sobrados e mucambos A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo revistade Tempo morto e outros tempos prefaciada por Maria Luacutecia GarciaPallares-Burke Realiza-se no auditoacuterio do Instituto de Filosofia eCiecircncias Humanas da Unicamp nos dias 25 e 26 de abril o Simpoacutesio

Gilberto Freyre produccedilatildeo circulaccedilatildeo e efeitos sociais de suas ideias coma presenccedila de inuacutemeros estudiosos do Brasil e do exterior da obra dosocioacutelogo pernambucanoA Global Editora publica As criaturas de Prometeu ndash Gilberto Freyre ea formaccedilatildeo da sociedade brasileira de Eacutelide Rugai Bastos trabalho

vencedor da 1a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios PrecircmioGilberto Freyre 20042005 promovido pela editora e pela FundaccedilatildeoGilberto Freyre

2007

Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global Editora a 5a ediccedilatildeo do livro

Accediluacutecar apresentada por Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti a 5a

ediccedilatildeo revista atualizada e aumentada por Antonio Paulo Rezende do

livro Guia praacutetico histoacuterico e sentimental da cidade do Recife a 6a

ediccedilatildeo revista e atualizada por Edson Nery da Fonseca do livro Olinda2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental de atualizada por Edson Neryda Fonseca do livro Olinda 2o guia praacutetico histoacuterico e sentimental decidade brasileira Publica-se no Rio de Janeiro pela CivilizaccedilatildeoBrasileira o primeiro volume da obra Gilberto Freyre uma biografiacultural dos pesquisadores uruguaios Enrique Rodrigues Larreta eGuillermo Giucci em traduccedilatildeo de Josely Vianna Baptista Publica-se noRecife pela Editora Massangana o livro de Edson Nery da Fonseca Emtorno de Gilberto Freyre

2008

O Museu da Liacutengua Portuguesa de Satildeo Paulo encerra em 4 de maio aexposiccedilatildeo iniciada em 27 de novembro de 2007 Gilberto Freyreinteacuterprete do Brasil sob a curadoria de Eacutelide Rugai Bastos JuacuteliaPeregrino e Pedro Karp Vasquez Publicam-se em Satildeo Paulo pela Global

Editora a 4a ediccedilatildeo revista do livro Vida social no Brasil nos meados doseacuteculo XIX com apresentaccedilatildeo e iacutendices de Gustavo Henrique Tuna e a

6a ediccedilatildeo do livro Assombraccedilotildees do Recife Velho com apresentaccedilatildeo deNewton Moreno autor da adaptaccedilatildeo teatral representada com sucessoem Satildeo Paulo O editor Peter Lang de Oxford publica o livro de PeterBurke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Gilberto Freyre social theory inthe Tropics versatildeo de Gilberto Freyre um vitoriano nos Troacutepicos

publicado em 2005 pela Editora da Unesp que em 2006 recebeu osprecircmios Senador Joseacute Ermiacuterio de Morais da ABL (Academia Brasileira deletras) e Jabuti na categoria Ciecircncias HumanasA Global Editora publica Ensaio sobre o jardim de Solange de Aragatildeo

trabalho vencedor da 2a ediccedilatildeo do Concurso Nacional de Ensaios ndashPrecircmio Gilberto Freyre 20062007 promovido pela editora e pelaFundaccedilatildeo Gilberto Freyre

2009

A Global Editora publica a 2a ediccedilatildeo de Modos de homem amp modas demulher com texto de apresentaccedilatildeo de Mary Del Priore A Eacute Realizaccedilotildees

Editora publica em Satildeo Paulo a 6a ediccedilatildeo do livro Sociologia introduccedilatildeoao estudo dos seus princiacutepios com prefaacutecio de Simone Meucci e posfaacutecio

de Vamireh Chacon e a 4a ediccedilatildeo de Sociologia da medicina comprefaacutecio de Joseacute Miguel Rasia O Diaacuterio de Pernambuco edita a obraCrocircnicas do cotidiano a vida cultural de Pernambuco nos artigos deGilberto Freyre antologia organizada por Carolina Leatildeo e Lydia Barros AEditora da Unesp publica em traduccedilatildeo de Fernanda Veriacutessimo o livrode Peter Burke e Maria Luacutecia G Pallares-Burke Repensando ostroacutepicos um retrato intelectual de Gilberto Freyre com prefaacutecio agraveediccedilatildeo brasileira

2010

Publica-se pela Global Editora o livro Nordeste semita ndash Ensaio sobreum certo Nordeste que em Gilberto Freyre tambeacutem eacute semita deautoria de Caesar Sobreira trabalho vencedor da 3ordf ediccedilatildeo do ConcursoNacional de Ensaios ndash Precircmio Gilberto Freyre 2008-2009 promovidopela editora e pela Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre A Global Editora publica a

4a ediccedilatildeo de O escravo nos anuacutencios de jornais brasileiros do seacuteculoXIX com apresentaccedilatildeo de Alberto da Costa e Silva A Eacute Realizaccedilotildees

publica a 4a ediccedilatildeo de Aventura e rotina a 2a ediccedilatildeo de Homens

engenharias e rumos sociais a 2a ediccedilatildeo de O luso e o troacutepico a 2a

ediccedilatildeo de O mundo que o portuguecircs criou Uma cultura ameaccedilada eoutros ensaios (versatildeo ampliada de Uma cultura ameaccedilada a luso-

brasileira) Um brasileiro em terras portuguesas (a 1a ediccedilatildeo a ser

publicada no Brasil) e a 3a ediccedilatildeo de Vida forma e cor A Editora Girafapublica Em torno de Joaquim Nabuco reuniatildeo de textos que GilbertoFreyre escreveu sobre o abolicionista organizada por Edson Nery daFonseca com colaboraccedilatildeo de Jamille Cabral Pereira Barbosa GilbertoFreyre eacute o autor homenageado da 10ordf ediccedilatildeo da Feira Nacional do Livrode Ribeiratildeo Preto realizada entre os dias 14 e 18 de junho Eacute tambeacutem o

autor homenageado da 8a ediccedilatildeo da Festa Literaacuteria Internacional deParaty (Flip) ocorrida na cidade carioca entre os dias 4 e 8 de agostoPara a homenagem foram organizadas mesas com convidados nacionaise do exterior A conferecircncia de abertura em 4 de agosto foi lida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e debatida pelo historiador LuizFelipe de Alencastro no dia 5 realizou-se a mesa ldquoAo correr da penardquocom Moacyr Scliar Ricardo Benzaquen e Edson Nery da Fonseca commediaccedilatildeo de Aacutengel Gurriacutea-Quintana no dia 6 ocorreu a mesa ldquoAleacutem daCasa-granderdquo com Alberto da Costa e Silva Maria Luacutecia Pallares-Burke eAcircngela Alonso com mediaccedilatildeo de Lilia Schwarcz no dia 8 realizou-se amesa ldquoGilberto Freyre e o seacuteculo XXIrdquo com Joseacute de Souza Martins PeterBurke e Hermano Vianna com mediaccedilatildeo de Benjamim Moser Foilanccedilado na Flip o tatildeo esperado ineacutedito de Gilberto Freyre De menino ahomem espeacutecie de livro de memoacuterias do pernambucano pela GlobalEditora A ediccedilatildeo feita com capa dura traz um rico cadernoiconograacutefico conta com texto de apresentaccedilatildeo de Faacutetima Quintas enotas de Gustavo Henrique Tuna O lanccedilamento do tatildeo aguardadorelato autobiograacutefico ateacute entatildeo ineacutedito de Gilberto Freyre realizou-se nanoite do dia 5 de agosto na Casa da Cultura de Paraty ocasiatildeo em que oator Dan Stulbach leu trechos da obra para o puacuteblico presente OInstituto Moreira Salles publica uma ediccedilatildeo especial para a Flip de suarevista Serrote com poemas de Gilberto Freyre comentados porEucanaatilde Ferraz A Funarte publica o volume 5 da coleccedilatildeo Pensamentocriacutetico intitulado Gilberto Freyre uma coletacircnea de escritos do socioacutelogopernambucano sobre arte organizada por Clarissa Diniz e Gleyce Heitor

Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste

Brasil

1937

Nordeste aspectos da influecircncia da canna sobre a vida e a paizagem

do Nordeste do Brasil 1a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecio doautor

1951

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 2a ed rev e aum Rio de Janeiro Joseacute OlympioPrefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1961

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 3a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1967

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 4a ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio Prefaacutecios doautor Ilustraccedilotildees de Lula Cardoso Ayres e Manoel Bandeira

1985

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 5a ed Rio de JaneiroRecife JoseacuteOlympioFundarpe Prefaacutecios do autor Ilustraccedilotildees de Lula CardosoAyres e Manoel Bandeira

1989

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagem

do Nordeste do Brasil 6a ed Rio de Janeiro Record Prefaacutecios doautor

2001

Nordeste aspectos da influecircncia da cana sobre a vida e a paisagemdo Nordeste do Brasil Rio de Janeiro Record Prefaacutecios do autor

Reimpressatildeo da 6a ed

Argentina

1943

Nordeste aspectos de la influencia de la cantildea sobre la vida y elpaisaje del Nordeste del Brasil Buenos Aires Espasa-Calpe Prefaacuteciosdo autor Trad de Cayetano Romano

Franccedila

1956

Terres du sucre Paris Gallimard Prefaacutecios do autor Trad de JeanOrecchioni

1992

Terres du sucre 2a ed Paris Qai Voltaire Prefaacutecios do autorApresentaccedilatildeo de Jean Duvignaud

Itaacutelia

1970

Nordeste Lacuteuomo e gli elementi Milano Rizzoli Ilustraccedilatildeo de ManoelBandeira

Desenhos a bico de pena de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Desenho de Manoel Bandeira 1937

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1980

2 Engenho Botafogo Foto de Raimundo Gomes 1990

3 Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de Claudionete Lira 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Accedilude Botafogo Usina Satildeo Joseacute Itapissuma ndash PE Foto de ClaudioneteLira 1990

2 Goiana ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

3 Foto de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

1 Engenho Tinoco Municiacutepio de Rio Formoso ndash PE Foto de Alcir Lacerda1990

2 Abreu e Lima ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

3 Igarassu ndash PE Foto de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez

2 Ipojuca ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

3 Engenho Jaboatatildeozinho Moreno ndash PE Foto de Alcir Lacerda 1984

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

1 Cabo ndash PE Foto de Cristiano Fernandez 1990

2 e 3 Canhotinho ndash PE Fotos de Jonas Cavalcanti 1990

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

Fotos de Lula Cardoso Ayres

Acervo do Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres

Desenho de Poty 1972

Acervo da Fundaccedilatildeo Gilberto Freyre

copy Global Editora 2003Recife-Pernanbuco - Brasil1ordf ediccedilatildeo digital Global Editora Satildeo Paulo 2013

Diretor Editorial - Jefferson L AlvesProduccedilatildeo Digital - Eduardo OkunoCoordenadora Editorial - Sandra Regina FernandesRevisatildeo - Juliana AlexandrinoCapa - Mauricio NegroEduardo Okuno

CIP-BRASIL Catalogaccedilatildeo na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros RJ_____________________F943vFreyre Gilberto 1900-1987

Nordeste [recurso eletrocircnico] aspectos da influecircncia da cana sobre avida e a paisagem

do Nordeste do Brasil Gilberto Freyre apresentaccedilatildeo de ManoelCorreia de Andrade

biobibliografia de Edson Nery da Fonseca bibliografia e notasbibliograacuteficas

revistas elaboradas por Gustavo Henrique Tuna minus Satildeo Paulo Global2013

recurso digital

Formato ePubRequisitos do sistema Adobe Digital EditionsModo de acesso World Wide WebApecircndiceInclui bibliografia

ISBN 978-85-260-1816-7 (recurso eletrocircnico)

1 Geografia humana - Brasil Nordeste 2 Cana-de-accediluacutecar - Cultivo -Brasil Nordeste

3 Brasil Nordeste - Usos e costumes 4 Livros eletrocircnicos I Tiacutetulo

13-1311CDD 304209813CDU 5021

_____________________

Direitos ReservadosGlobal Editora e Distribuidora Ltda

Rua Pirapitingui 111 ndash LiberdadeCEP 01508-020 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 3277-7999 ndash Fax (11) 3277-8141e-mail globalglobaleditoracombrwwwglobaleditoracombr

Colabore com a produccedilatildeo cientiacutefica e culturalProibida a reproduccedilatildeo total ou parcial desta obrasem a autorizaccedilatildeo do editorNordm de Cataacutelogo 2392eb

  • CAPA
  • Um Nordeste
  • Uma visatildeo autecircntica do Nordeste
  • Prefaacutecio agrave 1ordf ediccedilatildeo
  • 1 ndash A CANA E A TERRA
  • 2 ndash A CANA E A AacuteGUA
  • 3 ndash A CANA E A MATA
  • 4 ndash A CANA E OS ANIMAIS
  • 5 ndash A CANA E O HOMEM
  • 6 ndash A CANA E O HOMEM (CONCLUSAtildeO)
  • Bibliografia
  • Apecircndice 1 ndash Biobibliografia de Gilberto Freyre
  • Apecircndice 2 ndash Ediccedilotildees de Nordeste
Page 5: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 6: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 7: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 8: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 9: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 10: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 11: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 12: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 13: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 14: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 15: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 16: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 17: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 18: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 19: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 20: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 21: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 22: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 23: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 24: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 25: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 26: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 27: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 28: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 29: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 30: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 31: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 32: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 33: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 34: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 35: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 36: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 37: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 38: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 39: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 40: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 41: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 42: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 43: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 44: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 45: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 46: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 47: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 48: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 49: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 50: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 51: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 52: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 53: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 54: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 55: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 56: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 57: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 58: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 59: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 60: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 61: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 62: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 63: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 64: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 65: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 66: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 67: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 68: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 69: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 70: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 71: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 72: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 73: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 74: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 75: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 76: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 77: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 78: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 79: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 80: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 81: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 82: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 83: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 84: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 85: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 86: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 87: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 88: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 89: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 90: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 91: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 92: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 93: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 94: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 95: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 96: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 97: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 98: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 99: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 100: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 101: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 102: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 103: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 104: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 105: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 106: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 107: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 108: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 109: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 110: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 111: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 112: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 113: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 114: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 115: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 116: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 117: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 118: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 119: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 120: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 121: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 122: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 123: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 124: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 125: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 126: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 127: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 128: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 129: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 130: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 131: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 132: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 133: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 134: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 135: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 136: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 137: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 138: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 139: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 140: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 141: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 142: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 143: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 144: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 145: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 146: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 147: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 148: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 149: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 150: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 151: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 152: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 153: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 154: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 155: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 156: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 157: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 158: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 159: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 160: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 161: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 162: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 163: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 164: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 165: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 166: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 167: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 168: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 169: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 170: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 171: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 172: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 173: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 174: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 175: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 176: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 177: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 178: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 179: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 180: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 181: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 182: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 183: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 184: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 185: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 186: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 187: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 188: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 189: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 190: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 191: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 192: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 193: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 194: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 195: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 196: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 197: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 198: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 199: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 200: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 201: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 202: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 203: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 204: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 205: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 206: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 207: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 208: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 209: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 210: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 211: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 212: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 213: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 214: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 215: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 216: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 217: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 218: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 219: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 220: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 221: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 222: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 223: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 224: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 225: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 226: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 227: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 228: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 229: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 230: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 231: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 232: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 233: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 234: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 235: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 236: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 237: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 238: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 239: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 240: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 241: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 242: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 243: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 244: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 245: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 246: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 247: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 248: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 249: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 250: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 251: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 252: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 253: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 254: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 255: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 256: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 257: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 258: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 259: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 260: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 261: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 262: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 263: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca
Page 264: DADOS DE COPYRIGHT · 2019. 2. 20. · Gilberto Freyre fotografado por Pierre Verger, 1945. Acervo da Fundação Gilberto Freyre. Um Nordeste1 Carlos Pena Filho Um Nordeste onde nunca