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DADOSDECOPYRIGHT

Sobreaobra:

ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeLeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.

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"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomais

lutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluira

umnovonível."

SérieDiáriosdoVampiro

OdespertarOconfrontoAfúria

ReuniãosombriaOretorno–Anoitecer

Oretorno–AlmassombriasOretorno–Meia-noiteCaçadores–Espectro

Caçadores–CançãodaLuaCaçadores–Destino

SérieMundodasSombras

VampiroSecretoFilhasdaescuridão

Submissãomortal

SérieCírculoSecreto

AiniciaçãoAprisioneira

OpoderArupturaAcaçada

SérieDiáriosdeStefan

OrigensSededesangue

DesejoEstripador

Asilo

SérieTheOriginals

AscensãoAperda

TraduçãoRytaVinagre

1ªedição

RiodeJaneiro|2016

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAPUBLICAÇÃO

SINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

S646cSmith,L.J.

Acaçada[recursoeletrônico]/L.J.Smith;traduçãoRytaVinagre.-1.ed.-RiodeJaneiro:Galera,2016.

recursodigital(Círculosecreto;5)Traduçãode:Thesecretcircle:the

huntFormato:epubRequisitosdosistema:adobedigital

editions

Mododeacesso:worldwidewebISBN978-85-01-10853-1(recurso

eletrônico)1.Ficçãoinfantojuvenilamericana.2.

Livroseletrônicos.I.Vinagre,Ryta.II.Título.

III.Série.16-36864

CDD:028.5CDU:087.5

Títulooriginal:TheSecretCircle:TheHunt

Copyright©2012byAlloyEntertainmenteL.J.Smith

Copyrightdatradução©2016EditoraRecordLTDA.

PublicadomedianteacordocomRightsPeople,

London.ProduzidoporAlloyEntertainment,LLC.

Todososdireitosreservados.

Proibidaareprodução,notodoouemparte,atravésdequaisquermeios.

Osdireitosmoraisdoautorforamassegurados.

TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.

Editoraçãoeletrônicadaversãoimpressa:Abreu’sSystem

DireitosexclusivosdepublicaçãoemlínguaportuguesasomenteparaoBrasiladquiridospela

EDITORARECORDLTDA.RuaArgentina,171–RiodeJaneiro,RJ–20921-380–Tel.:(21)2585-2000,quesereservaapropriedadeliteráriadestatradução.

ProduzidonoBrasil

ISBN978-85-01-10853-1

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Sumário

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1

assie seguravaoLivrodasSombrasdo pai e tremia. Não haverá volta,

sentenciara sua mãe, mas ela agoraolhavaparaCassiecomexpectativa.

Aspáginasdebordadouradadolivroeramenlaçadasporumcordãodecouro,como um cinto fino e macio. Cassie oretirou, e voaram partículas de poeiraenquantoonósedesfazia,masacapado

livrocontinuavanolugar.— Não é tarde demais para você

mudar de ideia—disse amãe.—Temcertezadequeestápreparada?

Cassie meneou a cabeça. Se aquelelivrocontinhaossegredosparaderrotarameia-irmãScarlettesalvaroCírculodoscaçadores, não havia nenhuma dúvida.Eraseudeverestudá-lo.

Comcuidado,elaoabriu.Alombadaestalou e parecia que os olhos deCassiese fundiam à página. O texto no papelamarelado era composto por frasescontorcidasesímbolosarcaicos.Aespiral

de cada golpe da pena parecia proibida,comoseCassierevelassealgoquenãoeraparaseusolhos.

Porém, antes queCassie conseguisseprocessar exatamente o que via, o livroesquentouemsuasmãos,eocaloratingiuumnívelalarmante.Emsegundos,apeledeseusdedoschiava,eCassienãoparavadegritar.Acarnesefundiuaolivro,eelanãoconseguia retirar asmãos, apesardadordaqueimadura.

Emboraomedotomassecontadeseurosto a mãe agiu rapidamente ergueu amão e com um golpe largo arrancou o

livrodeCassie,jogando-onochão.Um gemido de alívio ecoava da

menina, mas os danos já haviam sidofeitos: as mãos, queimadas e vermelhas,latejavamecriavambolhas.

Elaolhouamãe,apavorada.—Vocêdissequeerasóumlivro.—Eera...Oueupenseiquefosse.—

A mãe examinou a gravidade dosferimentos. Em seguida, olhou onde olivrocaíra,decapaparabaixo,nopisodemadeira.Aproximou-sedelecomcautela,pegou-o sem problemas, fechou eamarroubemocordão.

—Porenquanto,voucolocarissoemum lugar seguro — disse ela. — Medesculpe, Cassie. Eu não sabia o queaconteceria.Nuncavinadaparecido.

— Não entendo. — Cassie olhavaboquiaberta para a mãe, confusa,procurando respostas.—Você disse queeu precisava deste livro para derrotarScarlett,mascomopossoestudarsenemmesmoconsigosegurá-lo?

Amãebalançouacabeça.— Não sei. Deve estar enfeitiçado,

para evitar que seja aberto por qualquerumquenãosejaseudono.

— Então, preciso descobrir comoromper o feitiço. Scarlett está em algumlugar, querendo me matar. O livro éminhaúnicaesperançaparaenfrentá-la.

A mãe levantou a mãointerrompendo a ansiedade dopensamentodeCassie.

— Uma coisa de cada vez. Nossaprioridade é cuidar dessas queimaduras.Achoquevocêjáteveagitaçãosuficienteporumanoite.

Ela tocou rápida e amorosamente oombro da filha e levou o livro para foradesuavista.

Quando voltou com um punhado degazeepomada,amentedeCassieestavaaceleradanovasperguntasepreocupaçõessobre os amigos que haviam sidomarcadospeloscaçadores.

—AvidadeFayeeLaurelpodeestardependendo de eu conseguir abrir estelivro—disseCassie.—Tenhodetentarnovamente.

Desolada,amãesesentouaoladodafilha.

— Faye e Laurel correm um graveperigo.—ElapegouasmãosdeCassieecomeçou a fazer os curativos. — Mas

existemduasetapasparaoscaçadoresdebruxas matarem um bruxo: pegam vocêfazendomagiaevocêestámarcada,esóaí podem realizar a maldição da morte.Seconseguirmosdeteroscaçadoresantesda segunda etapa, suas amigas vão ficarbem.

A maldição da morte. Cassie selembroudamarcadocaçador,quehaviasurgido depois da maldição, na testa deConstance,tiadeMelanie,nodiadesuamorte. O Círculo nem sabia que oscaçadores a haviammarcado, só quandojáeratardedemais.

— Por que os caçadoressimplesmente não fazem a maldição damorte logodepoisdemarcaremalguém?—perguntouCassie.—Porqueesperar?

— Porque é preciso apenas umcaçador para marcar alguém, mas amaldiçãodamorteexigeváriosdeles.—Suamãefezoscurativosnasqueimadurascom rapidez e eficiência, como umaenfermeira de campo de batalha. — Éum processo, muito parecido com umfeitiço, e não pode simplesmenteaconteceraqualquerhora.

Cassie estremeceu com o toque da

gazeásperanacarneviva.—Então,FayeeLaurelvãoprecisar

deproteção—continuouamãe.—Mas,esta noite, a única coisa que você fará édescansar.

Cassie assentiu. Ainda tinha muitasperguntas,mas a dor a deixava cansada.Foiparaoconfortodesuacamaesentiuos olhos pesarem. Deixou que sefechassemenquantoo sonoadominava.Porém, mesmo no escuro suave daspálpebras, Cassie via o contornoreluzente do livro do pai brilhando noescuro.

Namanhã seguinte, a mente de Cassieainda corria em círculos enquanto elaesperava,navarandadafrentequeAdamabuscasseparaaescola.Tentourelaxar,admirar o sol que brilhava avermelhadonas janelasdecadacasadaescarpa,maseram muitos os motivos para ficaransiosa. Na semana anterior, Cassiedescobriuqueameia-irmãqueriamatá-laeassumiroCírculo—equaseconseguiu.Tiveramumconfronto emCapeCod, eCassieafugentouScarlett,masela levaraasChavesMestras.

E, como se não bastasse, havia

tambémaquestãodoscaçadores.AgoraoCírculo tinha certeza de queMax e seupai — o diretor Boylan — eramcaçadoresdebruxos. JáhaviammarcadoLaureleFayecomosímbolodocaçadoreprovavelmenteconheciama identidadedetodososmembrosdoCírculo.

Cassie baixou os olhos para a tintacinza que descascava da varanda. Estacasa velha, pensou ela, esta cidadeantiquada. Não havia como escapar desuahistóriaantiga.

Era um dia ensolarado e sem vento,mas como Cassie podia desfrutar disso?

Ela puxou as mangas do moletom roxocom capuz sobre asmãos para cobrir asqueimaduras.Sepudesse,elaprópriateriadesaparecido completamente no algodãomacio.Eentãoelaouviualgumacoisa—um farfalhar nos arbustos.É só a brisa,disseasimesma,masnemumasófolhadegramasemexia.

Ouviu um esmagar de folhas. Vinhadesuaesquerda,pelafiladearbustosqueladeavamacalçadaatéaporta lateraldacasa — um lugar oportuno para uminvasor, ou para Scarlett entrarfurtivamente.

Apassoslevespelostacosinstáveisdavaranda, Cassie se aproximou mais dosom.Osarbustossemexeramdenovo—desta vez consegui ver com os própriosolhos—eelagritou,“Scarlett!”

Um gato magrelo e alaranjadodisparou da sebe que semexia, zunindopor Cassie e subindo numa árvorevizinha.Apresadogato acabou ficandonagramaporaparar:umcamundongodeaparência lamentável. Cassie suspirou.Gargalharia, se não estivesse tãoconstrangida.

Ela voltava à varanda no momento

em que Adam estacionou o carro aomeio-fio. Seu coração ainda não tinhavoltado ao ritmo normal quando ela sesentou no banco do carona do velhoMustang e se curvou para lhe dar umbeijo.

— O que você estava fazendo noquintal? — perguntou Adam, enquantoarrancava e pegava aCrowhavenRoad.—Correndoemcírculos?Vocêestátodasuada.

—Éassimquevocêcumprimentasuanamorada? — brincou ela. — Dizendoqueelaestátranspirando?

Adamsorriu.—Sóestoudizendoquevocêparece

quente,sóisso...Quenteeúmida.—Eleesperouqueelarissee,comoCassienãoofez,elevirouacabeçadeladoparaela,comoquemsedesculpa.

CassiegostavadosensodehumordeAdam,mesmoquandoeleimplicavacomela. Por mais medonho que fosse oproblema com os caçadores e comScarlett,Adamaindaconseguiadeixarascoisas menos tensas. Cassie precisavadisso,agoramaisdoquenunca.

Elaseconcentrounafaíscadosolhos

cinza-azulados e pensou no cordãoprateado, aquele misterioso vínculo queligava a alma de Adam à dela. O quesignificariaavisãoquetevedeumcordãotambém ligando Adam a Scarlett nanoite da batalha? Será que teria sidoapenas sua imaginação? Cassie malconseguia pensar nisso. Segurou a mãode Adam e entrelaçou seus dedos nosdele.

—IstoédoincêndioemCapeCod?— perguntou Adam. Ele levantou amanga da blusa deCassie, revelando ospontos queimados na mão esquerda. —

Eu não tinha percebido que estava tãoruimantes.Estápiorando?

Cassie continuou em silêncio, semsaber como explicar essas novas marcasno corpo, mas isso levou Adam,equivocadamente, a acreditar ter razãoarespeitodesuaorigem.

— Precisamos encontrar Scarlett —disseele.—Elaprecisapagarpor issoepor tudo que fez. — Cassie ainda nãosabia o que dizer; a situação era muitomaiscomplicadadoqueisso.

—Comopodeficarsentadaaícalmadesse jeito?—Ele tirouos olhosda rua

por um momento, fitando Cassie. —Vocêfoifisicae,talvezpermanentementemarcada por ela. Não podemos deixarqueescapeassim.

— Essas queimaduras não são daminha batalha com Scarlett — revelouCassie, mais abruptamente do quepretendia.—Sãodanoitepassada.

Adam reduziu o carro, quaseparando.

— Da noite passada? O queaconteceuontemànoite?

À esquerda, Cassie viu um ônibusescolar abarrotado zunir por eles. Atrás

deles,ummotoristafrustradobuzinava.—Nãoqueroescondernadadevocê

— disse ela. — Mas, se eu te contaralgumacoisa,precisoquefiqueentrenós.

Adam encostou o carro na rua edesligou o motor, sentindo que aquiloexigiatodaasuaatenção.

— Acho que a essa altura isso nãoprecisa ser dito, mas você pode confiaremmim.

EleshaviamestacionadonafrentedaSprinkles Donut Shop, e o ar tinhacheirodedoceeglacê.

— Minha mãe me deu uma coisa

ontemànoite.Algoqueesteveescondidona casa daminha avó pormuito tempo— disse Cassie, depois se interrompeu.Sabia que, mesmo que contasse tudo aAdam,eelenãoajulgaria,masaindaeradifícilpronunciaraspalavras.

— Não me diga que há outrasChaves Mestras de que não sabemos.Seria incrível. — A voz de Adam eraesperançosa de um jeito que partia ocoraçãodeCassie.

—Não.Mas é algo que pertencia aBlackJohn.

Adamendireitouaposturaaoouviro

nomeeficouali,imóvelegélido.— Eu tenho o Livro das Sombras

dele—confessouCassie.Ela viu a expressão deAdam passar

daapreensãoparaaempolgação.— Está falando sério?! — exclamou

ele.—Tem ideia de o quanto podemosaprendercomestelivro?

—Etemmais—disseCassie,antesqueAdampudessecontinuar.—Quandooabri,pareciaqueolivrotinhasevoltadocontra mim, como se estivesse vivo emminhas mãos. Semelhante a quando asChavesMestrassevoltaramcontramim,

nalutacomScarlett.Adamassentiu, lembrando-sedeque

asChavesobedeceramàmagianegradeScarlett. Queimaram a pele de CassiepoucoantesdesesoltaremdeseucorpoevoarparaasmãosestendidasdeScarlett.

— Isso explica as queimaduras.Masqualéaligaçãoentreasduascoisas?

—Acho que ele está enfeitiçado—sugeriu Cassie. — Alguma coisa paraevitar que as pessoas erradas o peguem.De qualquer modo, não consegui lê-lo.Está escrito em uma língua antiga quenuncavi.Nemmesmoparecempalavras.

— Precisamos pedir à Diana queprocure informações no Livro dasSombras dela.— Imediatamente,Adamentrou no modo estrategista. — Devehaver um jeito de romper o feitiço dolivro. E podemos todos começar apesquisara língua.Háumapossibilidadede ser sumério ou até cuneiforme. Osancestrais de Black John remontammuitoaopassado.

— Adam. — Cassie o interrompeu.—Lembraque você concordouque issoficariaentrenós?

A expressão de Adam exibiu

desânimo. Ele virou a cara por ummomento.

—Masissofoiantesdesaberdoquesetratava.

— Me desculpe. Mas precisoentendermais disso antes de envolver oresto doCírculo.É sobremim e omeupai.

—Éumproblemamuitogrande.—A voz deAdam atingiu aquele tomqueelesempreusavaaoseexasperar.—UmahoravamosterquecontarparaoCírculo.

—Eusei—disseCassiecomamaiorgentileza que pôde. Ela se lembrou de

que a paixão e a perseverança deAdameram os traços preferidos dela. — Sóprecisodeumtempinho.

Elamexeunospoucos fiosde cabelocastanho-avermelhadosquetinhamcaídosobreosolhosdele.

— Por enquanto, que seja umsegredosónosso.

Adam concordou com a cabeça,percebendo que estava pressionandodemais.

— Tudo bem. Mas, nesse meiotempo, quero ajudar como puder. Voupesquisar; qualquer coisa que você

precise.Ésómedizer.Cassiesentiuosombrosrelaxarem.—Obrigada.—Elaestendeuamão

paraele.—Porenquanto,sóvouprecisardoseuapoio.

— Sempre. — Adam levou a mãoferidadeCassieaseuslábiosquenteseabeijou.

—Tambémprecisodeumdonutcomcobertura de chocolate da Sprinkles —acrescentouela.

—Seudesejoéumaordem.—Adamsecurvou,encostouos lábiosnabocadeCassieeabeijouseminibições.Erabom

e parecia certo. Talvez ainda houvesseesperançaparaaqueledia.

C

2

assie estava sentada na aula dehistória do terceiro período,

ponderando sobre (a) o CongressoContinental e (b) a Câmara dosDeputadosemseutestesurpresa,quandoum inspetor veio à porta e entregou àSrta. Darby uma tira de papel cor-de-rosa.

—Laurel— chamou aSrta.Darby.

—OSr.Boylanquer vê-la na sala deleagora.

A cabeça de Cassie disparou paracima.NãopodiadeixarqueLaurelficassesozinhacomodiretorporqueeleeraumcaçador de bruxas, e Laurel havia sidomarcada.

LaurelolhouparaCassie,depoisparaaSrta.Darby.

—Masaindanãotermineimeuteste.— Pode terminar depois da aula—

respondeuaprofessora.—Odiretornãoretiraria você da sala se não fosseimportante.

Laurelhesitou.—Vá.—A Srta. Darby apontou a

porta.—Seestivercomalgumproblema,certamente não ajudará em nada ficaraquiedeixá-loesperando.

—Sim,senhora—disseLaurel.Cassie a viu reunir os livros,

temerosa. O que poderia fazer paraimpedi-la?

Laurel entregou sua prova à Srta.Darby e seguiu o inspetor porta afora,olhandoparaCassieumaúltimavezporsobreoombro.

Não havia outros membros do

Círculona turma, então somenteCassiepoderia fazer alguma coisa.De um jeitooude outro, ela precisava entrar na salado diretor, pois a vida de Laurel podiaestaremperigo.

Cassie rapidamente preencheu osespaçosembrancodaprovaecorreuparaafrentedasala.

— Terminei, Srta. Darby. —Colocou-se ao lado dela e mordeu olábio.—Enãoestoumesentindomuitobem.Possoiràenfermaria?

A Srta. Darby olhou para Cassie,tentandodiscernirseelaestavafingindo.

Cassie engoliu em seco, pigarreou ecurvou-se para a frente como se fossevomitarnamesadaSrta.Darby.

— Pode ir — disse a professora, eCassiedisparouparaocorredor.

Correu por todo o caminho,ignorando várias ordens de professoresparairmaisdevagar,echegouofeganteàsaladodiretor.De imediato, sentiuumaenergianoar—algosombrioesoturno.A porta da sala do Sr. Boylan estavafechada.

—Olá,Cassie.Emquepossoajudar?—perguntouaSra.Karol,asecretáriade

faceseternamenterosadasdodiretor.— É uma emergência. — Cassie

pegou de surpresa a Sra. Karol. — Noginásio de esportes. Uma briga ou coisaassim, não sei bem, mas as pessoasgritavamparamandarodiretor lá agoramesmo.

— De novo, não. — A Sra. Karolsaiudesuacadeiraeapressou-seàportadodiretor.Bateucomansiedadeaogiraramaçanetaeentrar.

—Desculpe-meinterromper—disseela—,masachoquetemosumabriganoginásio.

O Sr. Boylan recuou de repente,afastando-sedeLaurel,nomomentoemque a porta se abriu. Ajeitou o cabelogrisalhoeoternocinza.

—Estouumtantoocupadoaqui.Elefoiatéamesa,pegouumacaneta

e uma pasta manilha, presumivelmenteparadarumaaparênciamaisoficial.

—Equantas vezes preciso lhe dizerque não pode simplesmente invadirminhasaladessejeito?

—Nãobriguecomigo—disseaSra.Karol,comosorrisoluminosointacto.—Não é minha culpa se seus alunos se

comportam como animais selvagens. —Elaentrounasalaeopegoupelamangado paletó sofisticado. — Agora, vamoslogo.Osenhoréoúnicoquepodecuidardisso.

Cassie localizou Laurel sentada àfrentedagrandemesadecarvalhodoSr.Boylan.Acenou para atrair sua atenção,mas Laurel estava inteiramente alheia atudo que acontecia ao seu redor. Estavapálida como um fantasma, e os olhos,focadosemumpontoinvisívelàfrente.

Bufando,oSr.BoylanacompanhouaSra.Karolemdireçãoaoginásio.

— Vamos resolver isso rapidamente—disseele,eentãonotouapresençadeCassie pela primeira vez. — Não voudemorar muito — dirigiu-se a Laurel,enquanto olhava diretamente paraCassie.—Vamosretomardopontoqueparamos quando eu voltar. Pode contarcomisso.

Pareciaumaameaçadirigidaàsduas.Cassieestremeceuaopensarnoqueteriaencontrado se chegasse alguns minutosmaistarde.

Laurel ainda não movera ummúsculo,mesmo depois de o diretor e a

Sra.Karol saíremdevista.Cassiecorreuatéelaeasacudiupelosombrosdelicadosefinos.

—Vocêestábem?Oqueelefezcomvocê?

Aospoucos,orostodeLaurelvoltouà vida, e ela enfim notouCassie paradaali.

—Precisamossairdaqui.—Eladeuumsaltodacadeiraecorreuparaaporta.

Cassie a seguroupelamão e a levoupelocorredoratéaaladeciências.

—Fiquelongedoginásiodeesportes— afirmou ela, enquanto conduzia

Laurel na direção contrária.Era só umaquestão de tempo até o Sr. Boylanperceber que não havia briga nenhuma.— Precisamos nos esconder em algumlugar.Pelomenosatéosinaltocar.

Naquela ala, havia um armário deestoque destrancado, para onde CassieguiouLaurelefechouaporta.

— Aqui tem cheiro de formaldeído—disseLaurel.

Cassie não tinha coragem de alertá-la,umaávidaamantedosanimais, sobreos fetos de porco dentro de vidros bematrásdela.

—Temrazão,temmesmo.—Foisóo queCassie disse, depois puxouLaurelnum abraço. — Estou feliz que vocêestejabem.

Emmeioa incontáveisprateleirasdefrascos de vidro e óculos de segurança,Laurel sepermitiuchorareexplicouqueo Sr. Boylan a tinha interrogado,tentandoarrancarinformaçõessobreseusamigos.

— Ele ficou me perguntando sobretodo mundo do Círculo, pelo nome —disse Laurel. — E perguntou sobrenossas famílias. Ele sabe que todos nós

somosbruxos,Cassie,equermarcarcadaumdenós.

Aospoucos,Cassiefoiencaixandoaspeças.

— Então, só podemos fazer magiaquandodescobrirmoscomoimpedi-lo.

Os olhos de Laurel se encheram delágrimasnovamente.

—Vocêestábemagora—garantiu-lheCassie.—Enãoestásozinha.Vamospensar num jeito de salvar você. Euprometo.

—Como?Estamosnumaenrascada,Cassie.Nãoénadaparecidocomoquejá

enfrentamos.—LaurelcomeçouachorarcomtalintensidadequeCassietevemedodequealguémnocorredoraouvisse.—Nãoqueromorrer.

— Shhh. Ninguém vai morrer. —Cassie baixou a voz a um sussurro. —Estive conversando com minha mãesobre o meu pai. Na noite passadamesmo,naverdade.Eestouaprendendoumas coisas, Laurel. Coisas antigas quevãonosajudar.

OchorodeLaurelseabrandou,eelaenxugou as lágrimas das bochechasrosadas.

—Sério?—Sério.Quandomeupaierajovem,

salvou um amigo da minha mãe quetinhasidomarcado.Seiqueissopodeserfeito.

—Eachaquevamosdescobrircomoelefez?

— Sei que consigo — respondeuCassie.ContoutudoemquepodiapensarparaajudarLaurelaseacalmar,mas,noíntimo,temiaqueestivessemficandosemtempo.Elaprecisavafazeralgoarespeitodisso,esobreolivrodopai,antesqueoscaçadoresospegassem,umporum.

F

3

aixas brancas e cor-de-rosaanunciando o baile da primavera

pendiamdasquatroparedesdorefeitóriodaescola.Emumdiadiferente,outalveznuma vida diferente, Cassie teria ficadoanimada com o baile. Mas, no almoçodaquela tarde, só tratariam de negócios.Suzan chegou um pouco depois dosoutros e baixou a bandeja namesa com

entusiasmo, aparentemente sem notar oestadodeespíritodogrupo.

— Já está na hora? Temos de fazercompras antes que todos os vestidosdesapareçam.

—Tá falando sério que é nisso quevocê está pensando agora? — disseMelanie, com comida na boca.—Numbaileidiota?

Suzan cruzou os braços por cima dablusaazul-celeste.

—Temosdeagirnormalmente,nãoé? Assim não pareceremos suspeitos aodiretor,nemaninguém.Sóestouagindo

normalmente.—Vocêpodeagircomoquiser,desde

que não faça nenhuma magia —anunciouCassie.—Odiretorsabequemsomos.Confirmamosissohojedemanhã.

Suzan assumiu uma cadeira entreFayeeDeborah.

— Ah. — Ela afastou a bandeja,desanimada. — Ninguém me contou.Sousempreaúltimaasaberdetudo.

Cassie olhou os amigos à mesa. Éclaroqueoscaçadoresjáosidentificaram.Nãosóelesestavamsemprejuntos,comonenhum deles parecia comum, nem

mesmoquandoestavamsozinhos.AdameNick,os irmãosHendersoneatéSeanse comportavam com uma altivez eindependência que os distinguiam dosoutros garotos da escola. Seus colegasficavam apavorados e assombrados comeles.Não era diferente comasmeninas.Diana era a mais admirada, e Faye, amais temida — mas Laurel, Melanie,Deborah e Suzan não pareciam menosintrigantesaseuscolegasdeturma.Algonelas cintilava. Elas eram diferentes dasoutrasmeninasdaescola;seusproblemaseram muito maiores do que meninos e

roupas.Era idiotice deCassie supor quequalquer um deles podia continuarincógnitoparaoscaçadores.

— Depois do que aconteceu hojecedo—disseDiana em voz baixa—, aescola não émais um lugar seguro paraaqueles de nós que forammarcados.—Ela dirigiu o comentário a Laurel, masestaselimitouamexernosanduíche,semcomerouergueracabeça.Cassienuncaavira tão deprimida, nem quando oscaçadores queimaram o símbolo nogramadodafrentedeLaurel.

Fayetambémfingiunãoterouvidoo

alerta de Diana. Recusava-se areconhecer que havia sido marcada.Cassienotouqueelaaindausavaocolarde opala que Max lhe dera, aqueleestampadocomosímbolodocaçador.

—Podetirarisso.—Cassieapontouocolar.—Nãoprecisaficarusandocomoumaespéciedeletraescarlate.

Fayebalançouacabeçaemnegação.—Nãovoudaraentenderqueseida

marca.Elenãoéoúnicoquepodefingirserquemnãoé.

Deborahassentiu,apontandoogarfodeplásticoparaFaye,comoumalança.

—Vocêdeviadaraeleumaprovadopróprio remédio. Max te enganou eagoravocêtemquerevidar.

— Ele está ali. — Sean voltou osolhos, que pareciam contas, pelorefeitório na direção de Max, e Fayerapidamente passou outra camada deglossvermelhonoslábios.

— Você sinceramente acha que avingança é a melhor ideia agora? —perguntou Diana. — Já escapamos porpouco de um caçador hoje. Nãoprecisamosdeoutro.

— Relaxa, D. — Faye torceu os

lábios num sorriso. — Precisamos deinformaçõessobreoscaçadores,eeleéonossomeio para obtê-las. Vou sondar ocara, no estilo agente duplo. Assista eaprenda.

Sem dizer mais nada, Faye selevantou e foi rebolando até Max,encontrando-o no meio do caminhoenquanto ele se aproximava. O rapazestavavestidoparaotreinodelacrosseecarregava a bolsa esportiva.Faye tirou abolsadele,largouaseuladoefingiuestarapaixonada como sempre. Puxou-o parapertoeobeijoucompaixão.

—Senti sua falta—disseela,altoobastanteparaoCírculoouvir.

Max colocou os dedos nos lábios,agora meio cobertos pelo mesmo glossvermelhodeFaye.

—Eeu,asua—disseele.Max era alto e musculoso, tinha

cabelo castanho-claro. Sua voz eraáspera, e ele tinha um eterno sorrisotorto.Era o tipo de cara que fazia Fayedesfalecer. Não admira que ela tenhabaixado a guarda o bastante para sermarcadaporele.

OrestodoCírculoviuFayesussurrar

noouvidodeMaxeelelheresponderemvozbaixa.

—Achaqueeleestácaindonessa?—perguntouSean.

—Parecequesim.—Dougbalançoua cabeça de rebeldes cabelos louros. —Está agindo como sempre. Como umpalermaapaixonado.

— Mas ninguém sabe se ela vaiconseguir obter alguma informação dele—disseoirmãogêmeo.

Melanieduvidava,comosempre.—De jeitonenhumelevai entregar

alguma coisa sobre os caçadores. Ele

pode até achar que Faye está caída porele,masnãoéidiota.

—Mas talvezFaye consiga enganá-lo para ele nos levar aos outros—disseNick. Ele estava sentado na mesa dorefeitório, curvado, com os pés numacadeira.—Devehavermaiscaçadoresnacidade,nãosóMaxeseupai.

Melanierevirouosolhoscinzentos.— Ah, tá, com certeza Max terá o

prazerdenos apresentar a todosos seusamigoscaçadores.Talvezeleatédêumafesta.

Cassieaindaobservavaaconversade

Max e Faye. Era quase cômico, os doisfingindogostarumdooutro,quandonarealidade eram inimigos jurados. Mas orostodeMaxnãotraíanadaalémdoqueele pretendia.Era ele quemcomandava,e Cassie via que era bom demais paradesmoronarsobpoucapressão.

Depois de alguns minutos da farsa,Fayeenfimdesistiu.Curvou-seedeuumúltimo beijo emMax antes de voltar aogrupo.Max acenou ao passar por eles acaminhodaacademia,abrindoseusorrisoperfeito—mas,paraCassie,eledirigiaosorrisosomenteaDiana.

— Bom, foi um fracasso — disseFaye.—Oueleéumótimoator,ounãosabenadadoqueaconteceudemanhãnasala do diretor. Falei da minha amigaLaurel,eeleperguntouqualdelasera.

— Ainda não podemos abusar dasorte—aconselhouDiana.—Achoqueestánahoradevocê sedistanciardeleedopai.

— Acho que Diana tem razão —concordou Cassie. — Precisamosestabelecerregrasnovas.

— Ah, é disso mesmo que esteCírculo precisa. — Faye voltou à sua

cadeira.—Maisregras.—Oquevocêpropõe?—perguntou

Diana, ignorando Faye. — Estamosouvindo.

Cassie percebeu que tinha toda aatenção do grupo. Eles a olhavamesperançosos,comoseelativessealgumapanaceia secreta para resolver todos osseus problemas. Ela pigarreou e tentoupensarrapidamenteemalgo.

— Bom, a gente sabe que oscaçadores não conseguem marcarninguémsemtestemunharamagia.Mas,depois que são marcados, o passo

seguinte é a maldição da morte, o quesignificamorrer.Morrerdefinitivamente.

— Isso é para nos animar? —perguntouSean.

— Deixe que ela termine. — NickfuzilouSeancomseuprofundoolharcordemogno.

—Acho que precisamosmontar umsistema de pares. O caçador não podelançar sozinho a maldição damorte emumbruxo.Omelhorquepodemosfazerécuidar para não ficarmos sozinhostambém—explicouCassie.

Deborahsoltouumagargalhada.

—Éessaasuagrandeideia?Agenteandardemãosdadaspelocorredor,comocriancinhasnapré-escola?

—Eunãodissequeeraumagrandeideia.—Cassieficounadefensiva.—Sófazsentidoqueaquelesmarcadosestejamcom outromembro doCírculo o tempotodo.Inclusiveduranteanoite.

OsolhoscordemeldeFayearderam.— De jeito nenhum. Não vou

concordar em ter uma babá. Prefiromorrer.

—Vocêpodemorrermesmo se nãoconcordarcomisso—disseMelanie.—

Éoúnico jeitodeagentetercertezadequevocêeLaurelficarãoemsegurança.

Laurel ergueu os olhos do almoçointocado. Não parecia mais ansiosa doqueFayeemaceitaraquelanovaregra.

—Mas,Cassie,antesvocêdissequeconversoucomasuamãesobreoseupai,equeestáaprendendocoisasantigasquepodemnosajudar.

Cassie ficou tensa. Podia sentir oolhar profundo de Adam sobre ela ejurouquepodia,de fato,ouviromaxilardeDiana sedeslocar antesquequalquerpalavraescapassedasuaboca.

—Que coisas antigas?—perguntouDiana,comcertadesconfiançanavoz.

Todo o refeitório pareceu cair emsilêncio, e Cassie se remexeu, pouco àvontade.

— Eu só estava contando a Laurelquemeupaiumavezsalvoualguémquefoi marcado. Estou tentando aprendermaissobrecomoelefezisso.

Diana franziu a testa para odesconforto de Cassie. Não estavadispostaadeixaroassuntodelado.

—Acha que ele usou algo parecidocomamaldiçãodocaçadordebruxasque

decoramosdomeuLivrodasSombras?— Deve ser algo assim. — Cassie

tentouaparentarindiferençaeotimismo.—Porquenãousamosamaldiçãodo

caçador de bruxas do livro de Dianaagora? Sabemos que Max e o pai sãocaçadores—argumentouSuzan.—Nãoentendooqueestamosesperando.

—Apoiado—falouNick.Diana soltou um suspiro de

frustração.Elesjádiscutiramisso.—Porqueestaénossachancedeusar

a ignorância dos caçadores para obtermais informações. Ainda temos o

elemento surpresa do nosso lado. Elesnão sabem que descobrimos suasidentidades.Etambémnãotemoscertezadecomofuncionaamaldiçãoouoqueelafará.É uma traduçãomuito rudimentar,então só pode ser nosso último recurso.Se tentarmos e não funcionar, todosseremos marcados em questão desegundos.

—Emoutraspalavras—disseFaye—, não temos a menor ideia se essaspalavras que decoramos são umamaldição contra caçadores de bruxas ouumcontodefadas.

Diana ficou em silêncio por algunssegundos.Elamordiaolábio,nervosa.

— Não podemos depender dessatraduçãomedíocre e remendadado livrode Diana — afirmou Adam. — Nãoquero ofender, Diana, não sei quemaldiçãoBlackJohnusou,maséessaquevamos querer quando enfrentarmos oscaçadores.

Dianaassentiuebaixouosolhosparaasmãos.AdamsevirouparaCassie.ElasabiaqueeleseesforçavaparanãocontaraogruposobreolivrodeBlackJohn,mastambém sabia que ele jamais trairia sua

confiança,pormaisdifícilque fosseparaele.

— E o feitiço de proteção? —perguntouLaurel.—Não deviamanterFaye e eu seguras o bastante para quepelomenos a gente continue a ter umavidanormal?

— Parece estar intacto. — Dianalevantouacabeça,hesitante.—Masnãosabemos quanto tempo vai durar. Essefeitiço só pode ser usado uma vez, e,depoisquepassaoefeito,acabou-se.

—E—disseMelanie—mesmoqueeledure,não temos como ter certezade

quetemforçacontraamaldiçãodamortedeumcaçador.Nãodeveter.

Faye encarou o vazio, pela primeiravezdesanimadademaisparaargumentar.

Por ummomento,Cassie pensou naprópriasituação.Seofeitiçodeproteçãoseesgotasse,ela ficaria impotentecontraScarlett.Jáseassustavacomcadasombrae ficava petrificada quando via umacabeçaruivapassando.

— Como você vai fazer isso? —perguntouFayeaCassie,comosetivessesidoarrancadadeumdevaneio.—Comopretendedescobrir amaldiçãoqueBlack

Johnusou?Cassie olhou de relance paraAdam,

massuaexpressãoguardavaseusegredo,bemescondido.

— Estou tentando aprender o queposso com minha mãe. Ela bloqueougrande parte do passado, mas, quandoconsigo que ela fale, às vezes, vemalgumacoisaàluz.

Foiumaboarespostaparaquemtevede pensar na hora, e até era verdadeira.Mas Cassie sabia que, para salvar osamigos e derrotar os caçadores, erapreciso mais do que simplesmente

conseguir que amãe falasse do passado.Elaprecisavarecuperarolivrodopai.

A

4

mãedeCassieapareceunoaltodaescadanomomentoemqueafilha

passavapelaporta.—Quebom,é você—disse ela.—

Aindabemquechegouemcasa.—Estavaesperandooutrapessoa?— Não precisa ser sarcástica. — A

mãe desceu a escada. — Estoupreocupada com você desde ontem à

noite.Desdeoincidente.—Incidente.—Cassielargouabolsa

na mesa da cozinha. — É um jeitoengraçadodefalardaquestão.

Amãeentrounacozinhaatrásdela.— Levante as mangas. Quero ver

suasmãos.—Nãoestãomaisdoendo—mentiu

Cassie.Arregaçouasmangaserevelouasqueimaduras dolorosas. — Deve ficartudobemdaquiaalgunsdias.

Mas a mãe insistiu e examinouatentamenteasmarcas.

— Preparei um unguento para você

com algumas ervas do jardim. Estáesfriandonageladeira.

Cassiesuspirouporcontadaproteçãoda mãe, mas a verdade é que estavaagradecida.Sentia-seesquisitadesdequeacordou aquela manhã, e suasqueimaduraslatejaramodiatodo.

Amãepegounageladeiraopilãodepedra cheio de unguento e se sentou àmesadacozinha,defrenteparaCassie.

Ounguentoeraverde-ervilhaetinhacheirodegambá.AmãeomisturoucomosdedosesegurouamãodeCassie.

—Ojeitocomoaquelelivroqueimou

você...Nuncaviumacoisaassim—disseela. — Não consigo parar de pensarnisso.

Ela se concentrou em passar oremédioporigual,comdelicadeza.

— Quero que você seja sinceracomigoemediga se sentiu algumoutroefeitodoqueaconteceu.

—Efeitos como estremecer todas asvezes que abri um dos meus livros naescolahoje?

Amãefranziuocenho.— É sério, Cassie. Não quero que

você chegue perto dele de novo, pelo

menosatédescobrirmoscomodesfazerofeitiçodeproteção.Éperigosodemais.

Recuperar o livro da mãe seria umdesafiomuitomaiordoqueCassiehaviaprevisto.

— E de que outro jeito vamosaprender a romper o feitiço? —perguntou ela.—Até parece que existealguémaquiaquempossamosperguntar.

A mãe ficou em silêncio por algunssegundos.

—Em épocas assim, queria que suaavóaindaestivesseaqui.Elasabiamuitomaissobreissodoqueeu.

Cassie pensava o mesmo, mas nãoteve coragem de falar. A avó, quandomorreu, levou todos os anos deconhecimento e sabedoria. Ela erainsubstituível.

— Pelo menos tenho você — disseCassie,enissoelafoisincera.Elaeamãevinham se entendendo nos últimosmeses, e Cassie acreditava que podiacontarquasetudoaela.

Enquanto a mãe envolvia a pelecoberta com o remédio em gaze nova,Cassie explicou todos os acontecimentosdaquela manhã com o diretor. Não

deixou nenhum detalhe de fora; tinhaesperanças de convencer a mãe de oquantoeramnecessáriasnovastentativascomolivro.

—Eu queria que houvesse um jeitode garantirmos a segurança de Faye eLaurel—disseela.—Oquemelembradeumacoisa.Vocêconsegue se lembrardealgomaisdomomentoemqueBlackJohn salvou seu amigo dos caçadores,quandovocêeramaisnova?

Amãepensouporuminstante.— Foi uma espécie de feitiço. Na

verdade, uma maldição. Imagino que

estivessenoLivrodasSombrasdele.O livro... Cassie sabia que sua

perguntalevariadiretamenteaele.— Me lembro do seu pai dizendo

uma vez— continuou amãe—que oscaçadoresemsinãotêmpoder.Nãotêmmagia.Mas carregam relíquias de pedraque foram passadas adiante duranteséculos, e essas são incrivelmentepoderosas. Se o vínculo entre caçador erelíquia puder ser quebrado, tambémdeixamdeexistirasmarcasnosbruxos.

OsolhosdeCassieseiluminaram—havia um jeito! Mas a mãe se

interrompeu, e sua voz assumiuum tomsério.

—Agora,Cassie,seioquevocêestápensando. Você quer descobrir essamaldição para salvar suas amigas, masprecisa acreditar em mim quando digoque não pode usar amagia de um livroque você não entende.Nenhumamagianegra por ser usada sem consequênciasgraves.Essaqueimaduraemsuasmãosésóocomeço.

Cassie concordou para que a mãetivessepazdeespírito.

—Masatéqueagentedescubraum

jeito de usar o livro com segurança —disse suamãe—, acho que tenho outromeiodeajudar.SeideumlugarperfeitoparamanterFayeeLaurelseguras.

EstaeraumaguinadaqueCassienãohaviaprevisto.

—Onde?— Aqui mesmo. Tem uma sala

secretanacasa.Cassieolhouincrédulaparaamãe.—Vocêdeveestarbrincandocomigo.Amãeriu.— Sua avó a construiu quando as

tensões entre o povo da cidade e os

bruxos começaram a aumentar há 16anos, pouco antes da tempestade quelevoutantasvidas.—Elafezumapausasolene. — A vida dos pais de váriosamigos seus. Ela a enfeitiçou com umaproteção especial. Venha, vou lhemostrar.

Cassie seguiu amãepela escada quelevavaaoporão.

—Por que você nãome falou dissoantes?

— Antes você não precisava. — Amãe a levou pelo porão escuro, comcheirodemofo,eparounafrentedeuma

estanteantiga.—Masagoraprecisa.Ela levantou os braços e colocou as

mãos sobre uma das prateleirasempoeiradas.

—Estoumeioenferrujada—disseamãe.—Mas acho que consigo.— Elafechou os olhos e concentrou a energiana parede de livros. Recitou um cânticocauteloso num tom que Cassie nuncaouviradamãe:

SoleiraencantadaPortanãocontadaRevele-meoqueoculta.

Aos poucos, as bordas da estantecomeçaram a brilhar, como se o soltivesserompidoumamuralhadenuvens,eaportaapareceu.Cassienemacreditavanoquevia.Eraumaaberturaencantada—um portal ondulante ficara visível nomeio da estante, e tinha tamanhosuficiente para a passagem de umapessoa.

Amãe ficou satisfeita comoprópriosucesso.

— Acho que depois de todos essesanosaindatenhoodom—disseela.—Vem,vamosentrar.

Cassie atravessou a soleira comcautela para ver o ambiente. Era umcômodo grande, totalmente mobiliado,comoumapartamentoconjugado.Haviauma cama de ferro batido, lumináriasfeitasamãoeumsofáestofado.Eratudotão ultrapassado que parecia umaantiguidade, conferindo ao lugar certaelegância inesperada, como uma sala deestardoséculoXIX.

—Comtodacertezaprecisadeumaboaespanada—disseSra.Blake.—Masservirá.Devoprepararparasuasamigas?

Cassie assentiu. O cômodo tinha

cozinha e banheiro, e na área de estarhaviaatéumantigoaparelhodeTV.

—Éperfeito!—exclamouCassie.—Obrigada.

Elas não perderam tempo ecomeçaramlogo.Amãedesencavoucadaeletrodomésticodelimpezaedesinfetantequetinham.Tiraramoslençóisdascamasepassaramaspiradornocarpete,lavaramo banheiro e esfregaram a bancada dacozinha. Cassie trouxe roupa de camalimpaealgumacomidaparaageladeira.Faye e Laurel vão ficar satisfeitas, pensouCassie. Quanto a esconderijos para

pernoitar,aquelaeraamelhoropção.Quando terminaram, a mãe lhe deu

umabraçocarinhosoesubiuaescada.AmentedeCassiesevoltouparaolivrodopai.Precisavadescobrirondeestava.

Ela olhou para a sala misteriosa. Amãe sabia guardar um segredo — bemdemais.ComoCassieiadescobrirondeolivro estaria escondido? Podia estar emqualquerlugar.

E então a resposta se desembrulhoucomoumpresente.Asalafoienfeitiçadapara proteção, o que significava queCassie podia fazer um feitiço de

invocação seguro para localizar o livrosemtemerserapanhadapelamãe—oupeloscaçadores.

Ela ficou ouvindo por ummomentopara saber se não havia movimento noandar de cima, e fechou bem os olhos.Concentrou-se e sussurrou umencantamentosimples:

LivrodasSombras,euvosinvoco.Libertai-vos,apareceiparamim.

No início, nada aconteceu, masCassie sentiu um aperto peculiar na

garganta, um puxão do colar em seupescoço. Segurou sua corrente de prata,soltando rapidamente o fecho e aestendeu diante de si. O pingentetrêmulo era um quartzo transparente. Éclaro— era uma pedra visionária.Deveter começado a captar vestígios daenergiadolivro.

Cassiedeixouopingentependerpelacorrente e observou o delicado cristalgirar até se alinhar numa direçãodefinida. Logo ele começou a balançar,descrevendo linhas longas, como umpêndulo.

Cassieandoucomcuidadonadireçãoque ele indicava, firmando a mão omáximo possível. Seguiu a curva de seucaminho, que a guiava não para a saídadasala,masparaosofánaáreadeestar.Serápossívelqueamãehaviaescondidoo livrobemali noporão?Uma estranhaempolgação encheu o peito de Cassiequandoacorrentedeprataseendireitou,formando uma linha vertical. O cristalparou de se mexer. Apontava e tremiapara o chão bem abaixo dos pés deCassie.

Animada, ela levantou o tapete,

revelando as tábuas demadeira clara dopiso.Havia uma leve fresta emumadasripas,maleravisível,mastinhatamanhosuficiente para enfiar a unha. Elaprecisou de algumas tentativas paradeslocar a tábua, mas, depois deremovida,asoutrassaíramfacilmente.Eláestavaolivro,aninhadoemumtorrãocuidadosamente escavado, como umatumba.

Cassie olhou o livro escuro como aum inimigoadormecido.Curvou-separamaisperto eo cutucou como indicador.Depois,concluindoquenãohaviaperigo

empegá-lo,segurou-onasmãos.Ela não podia permitir que Faye e

Laurel ficassem tão perto de algo tãoparticular e poderoso. Sua preocupaçãonão era que Laurel o usasse, mas Faye.Ela precisava cuidar para que Faye nãodescobrisseaquelelivro,emcircunstâncianenhuma.Asalasecretasemdúvidanãoeralugarparaele.

Cassierecolocouastábuaseotapete,depois se levantou, a fim de subir aescada. Segurava o livro junto ao peito,tentando decidir se podia passar defininho pela mãe com ele escondido

embaixoda blusa.E então, donada, foitomada por uma sensação estranha emisteriosa.Olhouolivronasmãoseteveo impulso dominador de abri-lo, ali,naquele lugar. Não sabia dizer por quê.Tinha certeza de que a queimaria denovo, mas seu desejo, mesmo com essecastigo tão brutal, era tão forte queparecia um anseio. A necessidade vinhadealgumlugarbememseuíntimo.

Elaobservouasalaetentououvirospassosdamãe.Ninguémsaberia.Nemamãe, nem o Círculo. Seria um segredodela—esódela.

Olivropareciachamá-la,acenarparaCassie.

Maselapensounosalertasdamãeebalançouacabeça,resistindoaoimpulso.Rapidamentecolocouolivroembaixodablusa e subiu correndo a escada até oquarto, antes que tivesse a oportunidadedemudardeideia.

ElaesperariaatéqueAdamestivessecom ela para abri-lo; era o maisinteligente a fazer. Até lá, esconderia olivro. Sabia do lugar certo: embaixo dacamahaviaumbaúdebronze,trancadoàchave.Cassieseajoelhou,puxou-oparaa

luzealicolocouolivro.Doeunelasoltaro livro quando o queria tãodesesperadamentepertodesi,masCassiese obrigou a fechar o baú, trancá-lo eempurrá-loparadebaixodacama.

A chave dourada do baú estavaquentenapalmadamãodeCassie.Elaaapertou firmemente, percebendo queteria de escondê-la em outro lugar.Decidiu por sua velha caixa de joias demadeira,naqualhaviaumbotãoocultoatodos. Cassie colocou-a delicadamenteali,aoladodacalcedôniarosaqueAdamlhe dera. As duas podem cuidar uma da

outra, pensou ela, depois percebeu oridículo disto. Objetos inanimados nãoestãovivosnemrespiram.Nãoéverdade?

F

5

oi nomeio da noite, no escuro e nosilêncio,queCassiedestrancouobaú

debronzeeestendeuamãoparaoLivrodasSombrasdopai.Segurou-opertodorostoerespiroufundo.Cheiravaamofoea antiguidade. Passou a palma da mãopor sua capa desbotada e macia eacompanhou a inscrição com o dedo.Queria absorver cada detalhe. Por fim,

colocouopolegarnoovalgastodocanto—aimpressãodigitaldeBlackJohn—edescobriuqueencaixavaperfeitamente.

Cassie sabia que cometia um erro.Haviaprometidoasimesmanãoabrirolivro sem Adam. Mas não conseguiacontrolarasprópriasmãos.Elastremiamde empolgação ao folhear as páginasamareladas. As palavras impressas aliainda pareciam linhas onduladas esímbolos antigos, mas, de algum modo,lheserammais familiares.Elasentiaseusignificado; quase sentia o gosto. E àmedida que passava os olhos por cada

página,dealtoabaixo,daesquerdaparaa direita, sentia-se sendo sugada paradentro do livro, como se agora fizesseparte dele, e ele, dela. Aquela sensaçãosombriaqueelacomeçavaaconhecertãobem encheu o estômago, depois ocoração. Logo estava tremendo,provocante,portodoocorpo.

Com um último estremecimento,Cassie despertou assustada. Tudo estavaparadoesilenciosoemseuquarto.Foi sóum pesadelo, pensou ela, mas umapulsação dolorosa corria pela ponta dosdedosatéospulsos.

Cassietentouacendera lumináriadamesa de cabeceira e descobriu que malconseguia segurar o interruptor. Mas,quando o fez, a luz revelou uma visãoalarmante:asmarcasemsuasmãosagoraexibiamumvermelhochocante.ECassienotou que havia umamarca escura, umvergão de aparência cruel na palma damãoesquerda.Eraumanovamarca.

Mas o livro estava trancado — dejeito nenhum Cassie poderia ter tocadonele.Outocou?

Elaseabaixouparaverificarobaúdebronze embaixo da cama. Estava

posicionado como deveria, emalinhamento perfeito com um leve risconopiso,assimelasaberiatranquilamentesealguémodescobrisseemexesseali.

O baú estava no lugar, aindatrancado. Em seguida, Cassie olhou acaixa de joias. A chave estava ali,inocentemente ao lado da calcedôniarosa,comoCassiehaviadeixado.

Porém,elaestavacertadequeteveolivro em suas mãos — o que maisexplicaria as marcas novas? E tinhacertezaderealmenteter lidoolivro.Elasesentiadiferente.Umaenergiaestranha

corria por suas veias. Parecia força,capacidade.Pareciapoder.

***

Cassie acordou na manhã seguinte, eencontrou amãe abrindo as cortinas doquarto,enchendo-odaforteluzdosol.

— Você estava mesmo em sonoprofundo — disse a mãe. — Odespertador tocou, e você continuouroncando.

Cassieolhouasmãosqueimadaseasescondeuembaixodocobertor.

—Seus amigos apareceram cerca deuma hora atrás— continuou amãe.—Masmandeitodosparacasa.

Cassiesesentouetentousesituar.— Você os mandou para casa?

DeveríamosterumareuniãodoCírculo.— Parecia que você precisava

descansar mais. — A mãe deu umtapinhaparaafastarCassieesesentouaoseulado.—Conteiaseusamigosdasalasecretanoporão.EjáfaleicomamãedeFayeecomostutoresdeLaurelparaqueasdeixempassarasnoitesaqui.Estátudoorganizado. Menos uma preocupação

paravocê.A boca de Cassie estava seca, e sua

mente, ainda grogue, mas ela se sentiadesperta o bastante para entender que amãe a apoiava de um jeito inteiramentenovo. Basicamente, colocou-se nareunião do Círculo de Cassie por ela ecuidou sozinha da pauta. Sua mãe, amulherqueumanoantesserecusavaatéapronunciarapalavrabruxaria.

—Emaisumacoisa—continuouamãe.—Vocêeseusamigosvãoaobailedeprimavera.Foidecidido.

Por um segundo,Cassie pensou que

estivessesonhandodenovo,masnotouosorrisodamãe.

— Sei. Foi decisão do Círculo. Etenho certeza de que você não fez nadaparaconvencê-los.

— Culpada da acusação. — A mãelevantouasmãos,indefesa.—Achoquevocês todos merecem um descanso. Eserá um bom lembrete de que estão nocolégio...Estesdeveriamserosmelhoresanosdasuavida.

Éverdade, pensouCassie.Ela estavanoensinomédio,mastambémtinhanasmãosavidadaspessoas.Paranãofalarda

própriavida.— Está com fome? — perguntou a

mãe, mudando de assunto antes que afilhapudesseprotestarcontraobaile.—Deve estar, já é hora do almoço. Vouprepararalgumacoisaparacomermos.

Elajáestavapassandopelaporta,emdireção à cozinha, quando Cassie achamou.

— Mãe... obrigada. — Cassie sabiabem da sorte que tinha, não só por termãeaocontráriodamaioriadosamigos,masporteramãedela.

— Ahã — respondeu a mãe, com

modéstia,comosenãofossenadademais.Cassie deixou a cabeça cair no

travesseiro. De imediato sua mentecomeçou a girar. Ela precisava contar aAdamosonhoquetevenanoitepassada,se é que foi de fato um sonho.Mesmoagora,emborasesentisseexausta,tinhaoimpulso de segurar o livro e investigarsuas páginas, procurando por algosemelhante à maldição do caçador debruxas.

Cassie pegou o celular para mandarum smsparaAdam:O que está fazendo?Podeviraqui?

De imediato, ele respondeu: Nãoposso. Levando a vovó ao médico, lembra?Masvejovocêànoite.

É isso mesmo. Ela sabia que Adamestaria ocupado naquele dia, mas elesmarcaramdepassaranoitejuntos.Ondeelaestavacomacabeça?Anoiteinquietadeixouseucérebronebulosoeconfuso.

Cassie precisava exatamente de umanoitesozinhacomAdam.Alémdetudoarespeito do livro e do sonho, algo maisfortepesavaemsuamente:elaprecisavacontar a Adam do cordão que viraligando o namorado a Scarlett na noite

em que sua irmã saiu da cidade. NãosabiaseAdamviraounão,nemsetocarno assunto seria como jogarummartelopela vidraça da relação dos dois, masprecisava falar sobre isso aquela noite.Não podia mais haver segredo entre osdois.

Cassiesearrastouparaforadacamaeseguiu o cheiro doce que emanava dacozinha.Eramelhorcomer;precisariadesuasforçasmaistarde.

FayeeLaurelapareceramdemalaecuianaportadacasadeCassienaquelatarde.

—Abraachampanhe—disseFaye,com sarcasmo, enquanto entrava. —Estamos aqui para nos preparar paranossaprolongadafestinhadepijama.

Laurel passou rapidamente por ela eperguntou onde era a sala secreta.Evidentementenãoqueriaperder tempocompapo-furado.

—Venham comigo— disse Cassie.Ainda se sentia trêmula do pesadelo eestava esperando que a campainha fosseAdam chegando mais cedo, mas, porFaye e Laurel, ela tentou ser agradável.Também fez o máximo para cobrir as

queimaduras,emboracomeçasseaserumdesafio cada vez maior. As mangas dablusa ficavam esgarçadas dos constantespuxõesparacobrirasmãos.

— Parece uma coisa saída de umcontodeEdgarAllanPoe—disseFaye,enquantoCassie as guiava pela escada epelo porão. — Ele não gostava deenterrargenteviva?

Laurelassentiu.— Em catacumbas. Receptáculos

subterrâneosdosmortos.—Achoquevocêsmudarãode ideia

quandovirem—garantiuCassie.

Quando elas chegaram à estante,Cassieexplicoucomofuncionavaaportasecreta. Em seguida fechou os olhos,concentrouaenergianaparededelivrose recitou as palavras que a mãe haviausado:

— Soleira encantada, porta nãocontada,revele-meoqueoculta.

A surpresa se estampou na cara deFayeeLaurelnomomentoemqueovãodoportalsurgiunaestante.

— Sua avó era sorrateira — disseFaye.—Elaeradasminhas.

Laurel entrou na sala e pegou uma

almofadadeveludonosofá.—AquipareceaInglaterravitoriana.— Que bom que você gostou. —

Cassie sorriu. — Quero que as duasfiquemàvontade.

—É claro que não tem a aparênciade abrigo antiaéreo que eu esperava —disse Faye. Cassie sabia que era o maispróximo de um elogio que ia conseguirdela.

Faye escolheu seu ladodo cômodoede imediato passou a tirar pertences damala e espalhar por ali algumas velas efrascos de perfume, seu estojo de

maquiagem,asjoiaspreferidas.— O que deveríamos estar fazendo

— começou Faye, enquanto organizavapor cor os esmaltes e batons napenteadeira —, é tomar uma medidacontraMaxeopaidele.Nãoentendooqueestamosesperando.

— Estamos tomando medidas. —Cassietentouaparentarpaciência,porémtambém firmeza. — Mas é importanteque vocês duas sumam do radar omáximopossível.

— Isso não é justo — reclamouLaurel. Estava parada junto da mala

fechada, sem a pressa para se acomodardemonstradaporFaye.

— Eu sei — disse Cassie, com amaiorsolidariedadequepôde.—Maseuprometo,Laurel,vamosfazeroquetiverde ser feito. Nesse meio-tempo, ficarperto do Círculo é o melhor jeito degarantirasegurança.

— Ainda quero ir ao baile deprimaveraamanhãànoite—disseFaye,sem tirar os olhos de sua coleção detinturas.Os frascosmínimos iam de ummarrom de aparência inofensiva a umroxo maligno. — O resto do Círculo

estarálá.NãohámotivoparaqueLaureleeudeixemosdeir.

Cassienempiscou.— Estão livres para ir ao baile se

quiserem.Mas o Sr. Boylan eMax vãoestarlátambémesóalgunshomensfarãoa segurança de uma infinidade decorredores escuros. Preciso lembrar avocês que Jeffrey Lovejoy foi enforcadona sala da caldeira na noite do baile doanopassado?Éoquequerqueaconteçacomvocê,Faye?

Cassiesópercebeuuminstantetardedemais que estava gritando. Seu rosto e

pescoço estavam corados, e ela suavaprofusamente.

Faye foi surpreendida pela explosãode Cassie, de tal modo que sua únicaresposta foi um silêncio pasmo. Laurelafastou-sedela,perplexa.

Cassie estava de punhos cerrados.Quandorelaxouasmãos,asqueimadurasnapeleformigavam.

—Cassie temrazão—disseLaurel,ainda olhando Faye com uma expressãoalarmada. — Esqueça esse baile idiota.Vamos ficar aqui e assistir a um filme.Vocêescolhe.

Faye simplesmente concordou comacabeça, o que era um gesto maisobediente do queCassie pensou que elafossecapaz.Fayenãoperdoavaninguémcomfacilidade,eCassie ficouagradecidaporisso.

— Me desculpem — disse ela,tentandoinjetarumanovacalmanavoz.— Eu não pretendia gritar com vocêsdessejeito.

Fayevoltouà suamalaparaarrumarseus pertences, mas se recusou a olharnosolhosdeCassie.

— Faye — chamou Cassie,

abrandandoaindamaisavoz.—Nãoseio que deu emmim. Acho que só estoutensacomtudoqueestáacontecendo.

Era o melhor que ela podia fazercomo oferta de paz, mas Faye nãomordeuaisca.

— Está tudo bem, Cassie — disseLaurel. Enfim ela abriu sua mala ecomeçouaretirarascoisas,colocando-asde forma organizada na cômoda. —Ultimamentenenhumdenóssesenteemseujuízoperfeito.

Faye espargiu perfume no pescoço enospulsos,eosesfregou.

— Eu estou ótima — afirmou ela,enquanto o ar em volta ficava denso docheiro revigorante do perfume. — Naverdade,maisdoqueótima.Aocontráriode algumas pessoas, tenho completocontroledemimmesma.

ElaenfimolhouparaCassie,comoseestivesse decidindo se continuaria adiscussãooudeixariaparalá.

—Achoquevocêéumapessoamaisfortedoqueeu—disseCassie,sabendoqueeraaúnicarespostaquepoderiafazerFayesesentirmelhor.

E funcionou. Depois de alguns

segundos, as sobrancelhas de Fayerelaxaram.

— Pelo menos você está disposta aadmitirisso.

Depoiselafoiàcama,abriuo laptopeperguntou:

—AgentepodepelomenosterWi-Fiaquiembaixo?

Cassiesorriu.—Acho que é omínimo que posso

fazer.E com essa simplicidade, ela foi

perdoadaporsuaexplosão.

–E

6

useiquedissemosqueserianossanoite a sós, mas Raj ultimamente

tem sofridodeuma forte ansiedade comseparação. — Adam estava à porta deCassiecomumacaixadepizzanumadasmãoseacoleiradecachorronaoutra.

— Está tudo bem. — Cassie seabaixou para fazer carinho no cachorropeludo. — Não estamos inteiramente a

sós, com Jekyll e Hyde lá embaixomesmo.PelomenosRajnãopodemedarordenscomoseeufosseumacriada.

OsolhosdeAdamseabrandaram.—Estátãoruimassim?—perguntou

ele, assentindo na direção de Faye eLaurelnoporão.

— Digamos que eu adoraria levarestapizzaláparafora.

—Umpiqueniquenaescarpa.Ótimaideia. Vamos.—Adam puxou a coleirade Raj, e o cachorro farejou e arfou,quase animado demais para que Adamconseguissecontrolá-lo.

Cassie pegou um casaco e seguiuAdam porta afora. É claro que eraimpossívelqueFayeeLaurelaouvissem,mas Cassie ainda não conseguia ficar àvontade para se abrir com Adam sobreseu pesadelo e o cordão com as amigasassimtãoperto.Querfossepuraparanoiaounão,pareciaqueumaconversafrancacomAdamaoarlivrenaescarpaeraumaalternativamuitomelhor.

Adam mantinha Raj controladoenquanto ele e Cassie percorriam aCrowhaven Road de braços dados,saboreandoabelanoite.Cassiesesentia

segura e protegida comAdam,mas nãoconseguia deixar de olhar ao redor;passava os olhos por cada árvore esombra,atentaaqualquermovimentoouruído. Ela sabia que Scarlett ou umcaçador poderia estar atrás de qualqueruma das muitas caixas de correioenviesadasoupostestortosdocaminho.

Aescarpaestava sossegada,umforterochosodesolidão.Anoiteeratranquilade um jeito que em geral acalmariaCassie, mas aquela noite seu desejo eragritaromaisaltoquepudesseequebraracalmaria.

Adam mandou Raj se deitar, depoisabriu a caixadepizza e serviuuma fatiaescorrendoqueijo.àCassie.

— Comprei a sua preferida.Havaiana.

Cassie aceitou a fatia e deu umapequena dentada antes de entrar noassuntoquequeriatratar.

— Preciso te contar uma coisa. —Suas palavras ecoaram na noite. —Ontemànoiteeutiveumsonho.

— Pelo seu tom — disse Adam,enquantomastigava—,imaginoquenãofoidosbons.

Cassieconcordoucomacabeça.— E foi tão real. Não sei se

realmenteaconteceu.— Se foi um sonho, Cassie, é claro

quenãoaconteceu.Estádizendoqueteveoutravisão?FoiScarlett?

—Não! Foi uma coisa diferente.—Cassie baixou os olhos para a escarpaíngreme,atéasondasquesequebravamabaixo.—No sonho, eu lia oLivrodasSombras do meu pai, absorvendo todasua energia. Depois, quando acordei,minhas mãos estavam queimadas. Estávendo?

Cassie baixou a fatia de pizza earregaçouamangaparaqueAdamvisseaqueimaduranovanapalmadasuamão.

— Não estava assim quando fuidormir.

Adam examinou atentamente amarca.

— Está certo, é esquisito —concordou ele.—Acha que você estevelendoolivroenquantodormia?

Cassie puxou a manga para baixo epegouumpedaçodeabacaxinacoberturadapizza.

— Não sei. Quando acordei,

encontreiolivrotrancado,comoeuhaviadeixado antes de ir para a cama.Sinceramente,nãofazsentidonenhum.

—Contouamaisalguémsobreisso?— Não, só a você. E quero que

continueassim.A cara de Adam assumiu um ar de

seriedade enquanto seus olhos vagavampelaescarpa.Cassiesabiaqueeletentavaencontrar alguma explicação ou solução,masnãoachavanada.

— Precisamos descobrir mais sobreesselivro—decidiuele.—Estánahorade aprendermos como funciona amagia

negra.Cassie enrijeceu ao ouvir as palavras

magia negra. Não era algo com que elaquisesseseassociar,emespecialaosolhosdeAdam.Maseletinharazão.

—Querotentarabrirolivro—disseCassie. — Com você ao meu lado.Tenho certeza de que a maldição docaçadordebruxasquemeupaiusouestáali e quero que nós dois pesquisemosjuntos.

— Acho que é uma boa ideia. —Adam deixou de lado a fatia de pizzameio devorada e segurou Cassie pelos

ombros. — Entendo seu medo sobrecontar ao resto do Círculo a respeitodisso, mas talvez eles possam ajudar. OLivrodasSombrasdeDiana temmuitasinformações. A gente devia pelo menosfalarcomela,senãocomosoutros.

Cassiebalançouacabeça.—Aindanão.— Diana não vai te julgar — disse

Adam.—Sabedisso.—Émaisdoqueisso,Adam.Cassie podia ver o quanto Adam

discordava dela, por isso precisoucontinuarfirme.

— É um problema particular. Umproblema da família. Não cabe a vocêdecidirquemdeveounãosaberdisso.

— Tudo bem. — Adam soltou umsuspiro alto. — Então, quando vocêestiverdisposta.

Por alguns segundos, a frustração deAdamerapalpável.Eleficouemsilêncioepegouumapedrinhanochão,rolando-aentreosdedos.

Mas logo jogou a pedra na água evoltouaseconcentraremCassie.

—Euestoucomvocê—disseele.—Precisoquevocêsaibadisso.

CassiepuxouAdamparamaisperto.Enterrou a cabeça em seu peito, e eledescansou o queixo em seu cabelo. Rajlatiu e pulou, com ciúme. Farejou aspernasdosdoisecolocouapataemseuspés até que Cassie desistiu e se abaixoupara lhe fazer um carinho na cabeça.Adam riu e afagou a pelagemdesgrenhadadocachorro.

—AchoqueRaj tem razão—disseAdam.— Já tivemos papo sério demaispor uma noite.— Ele voltou à pizza edeumaisumadentada.

—Na verdade, temmais uma coisa.

— Cassie olhou o chão coberto deorvalho. Pormais que quisesse esquecertodososseusproblemasecurtirotempoque tinha com Adam, sabia que nãopodiaguardarsegredosobreocordãopormaistempo.

— Más notícias de novo? — disseAdam com um sorriso. — Estavaguardandotudoparaumatacadasó?

— Mais ou menos. — Cassie nãosuportava fingir frivolidade. — Já temalgumtempoqueguardoissoparamim.

AdamordenouqueRajsesentasseetentouentenderaexpressãodeCassie.

—Oqueé?—Eu vi uma coisa— disse Cassie,

numa voz quemal podia ser ouvida.—Naquela noite, em Cape Cod. Quandoeu estava abraçada com você. Eu vi ocordão,onossocordão.

—Tudobem.— Mas também vi um segundo

cordão.SaindodevocêparaScarlett.— Não entendo o que está me

dizendo — retrucou Adam, mas Cassiesabia que ele havia entendidoperfeitamente.

— Era igual ao nosso — explicou

Cassie.—Masestavaentrevocêsdois.Oqueachaqueissoquerdizer?

Adambalançouacabeça.—Nãovinadadisso.Cassie não queria que aquilo se

transformasse numa discussão, mas anegar não ia ajudar em nada. Eles nãopodiam simplesmente fingir que oproblemanãoexistia.

—Euvicommeusprópriosolhos—disseela.—Quasepodiaestenderamãoetocar.

—Cassie.—Adam segurouo rostodeCassieeaobrigouaolhá-lonosolhos.

—Nãoseiparaqueconclusãosuacabeçaestá saltando agora, mas pare. Vocêestavapertodemorrerquandoachaqueviu esse cordão. Devia estar alucinandonaquelafumaça.

—Adam...—Cassieiafalar,maseleinterrompeu.

—Ocordãoprateadosóexisteentrenós.Éassimcomasalmasgêmeas.

—Esevocêtivermaisdeumaalmagêmea?Éissoqueestouperguntando.

— Não acho que seja possível. —AdamabraçouCassie.—E,mesmosemo cordão, eu te amo, Cassie. Só você.

Comtodomeuser.—Euteamotambém,mas...Adam beijou Cassie na boca, no

início, com suavidade, depois, commaispaixão.Os beijos deixaramCassie tontade um jeito que lhe deu vontade degargalhar.Agoramaisdoquenunca,elao sentia — a essência dele —entrelaçando-secomadela.

Depois Adam se afastouabruptamente.

—Sentiuisso?—Éclaroquesenti.— Só preciso desta prova. Com ou

sem cordão. Então, esqueça o que vocêpensa que viu quando estavasemiconsciente. — Adam beijou Cassiede novo, dessa vez carinhosamente norosto.

Seuslábios,eramquenteseamorososem sua pele, e ela não podia negar asensação que tinha sempre queAdam abeijava.Nissoeletinhatodarazão.

— Só queria que você tivesse mecontado isso antes — disse ele. —Detesto que você tenha se preocupadocomisso.

—Vocêmecontariaseovisse,nãoé,

Adam? — Cassie não sabia de ondevinha essa pergunta. Nunca duvidou dapalavra de Adam.Nunca tiveramotivosparaisso.

Mas Adam hesitou de um jeito quechamousuaatenção.Arespostadelenãoveiocomaprontidãodasinceridade.

—Éclaroquetecontaria—disseelecomcalma,masdepoisdetervacilado.—Eunãovinada.Eachoquevocênãoviutambém.

Talvez estivesse tudo na cabeça deCassie, mas Adam não foi lá muitoconvincente. Talvez ela estivesse mais

confusaeparanoicadoqueeracapazdeperceber.

Cassie virou a cara, voltando aatenção para a linha longa e escura dascasas na Crowhaven, longe, atrás deles.ComodisseAdam,mesmosemcordão,arelação deles crescera e evoluíra paramuitoalémdoamoràprimeiravista.

— Sabe o que eu acho? — disseAdam, mais leve. — Acho que está nahoradesepermitirrelaxar.Suamãeestácerta... Você está assumindoresponsabilidadesdemais.

—Eladisseissoavocê?

Adamassentiu.— Na reunião, enquanto você

dormia, hoje de manhã. Mas nemprecisava. Todos nós vimos isso,Cassie.E você não é a única. — Cassie iaresponder, mas Adam tinha aquelaexpressãodepalhaçomaisumavez.

—Vaimedarahonradeserminhaacompanhantenobailedeprimavera?Agente podia se divertir um pouco, oscaçadores que se danem. Não consigopensarnumapessoamelhorpara ter emmeusbraçosdoquevocê.

Cassieriu,mesmoacontragosto.Mas

seuolharvagouparaaCrowhavenRoad,até as profundezas escurecidas ao pé dacolina.

— Parece perfeito, mas não sei seagorapossopriorizaradiversão.

Cassie fez uma pausa e pensoumelhornaideia.

— Pensando bem — disse ela —,talvezobailesejaaoportunidadedequeprecisamosparachegarpertododiretoredeMaxempúblico,eversedescobrimosalgumpontofracodeles,oumaisalgumacoisasobresuasrelíquiasdepedra.

—Cassie,vocênãoestáentendendo.

Sua única preocupação deve ser cuidarparaqueeuuseumagravata-borboletadacorcerta.

— Sem essa, Adam, eu te conheçomuitobem.Você está sempre colocandoo Círculo em primeiro lugar, antes dequalqueroutracoisa.

Adamficouvermelhodeculpa.— Tudo bem, tem razão. Já passou

pela minha cabeça usar o baile parachegar perto dos caçadores. Mas isso émais um motivo para nós doisprecisarmos de uma noite de folga. —Seusolhoslampejaramàluzdalua,eele

segurouamãodeCassie.—Semmagia.Sóiraobaileesedivertir...Ésimples.

Ultimamente, Adam conseguia serfelizmuitomelhordoqueCassie.Talvezelaprecisasseexatamentedeumpoucodeponcheeumadançabobacomosamigose o namorado para se livrar da nuvemnegra que tinha se acomodado em seupeito. No mínimo, podia fingir estaranimada com isso— por Adam, e pelapazdeespíritodamãe.

Cassie aceitou a mão de Adam edeixouqueeleapuxasse,noestilodançadesalão.

— Rosa — sussurrou ela no ouvidodele.—Suagravata-borboleta.

Adamdeuumpassoparatrás.—Sério?Nãopodeescolherumacor

umpoucomaismáscula?—Não.Vaiserrosa.

P

7

araumafestanoginásiodaescola,obailedeprimaveranãoeratãoruim.

As paredes foram camufladas comenfeitesanimadosefaixasdeváriascores.Pisca-piscas foram pendurados no tetocomo estrelas cadentes. Os cestos debasqueteforamamarradoserecheadosdeflorescoloridasepungentes—prímulas,tulipas e crisântemos —, mascarando o

cheirodesuoradolescente.Oginásiofoiinteiramentetransformado.

Como prometeu, Adam fez suagravata-borboleta combinarperfeitamente como vestido cor-de-rosade Cassie. Ela agora mexia no nó dagravata, endireitando-o unicamentecomoumadesculpaparatocarnele.

—Vocêpegariaumcopodeponchepara mim?— perguntou ela.—Ou eupossocomeçaratebeijar.

Adamsorriu.—Voltologo.Cassie ficou sozinha por um

momentoecorreuosolhospeloginásio.TodosdoCírculo vieram, excetoFaye eLaurel,eMelanie,queachouqueLaurelprecisaria de apoio moral, presa comFaye.Cassiepensouemligarparaelasever como estavam se saindo, mas Nickapareceudiantedela.

—Vocêestálinda—disse.Cassie foi pega de surpresa, e riu,

constrangida.—Obrigada.Você tambémnãoestá

muitoruim.Nick se olhou, usando seus

costumeiros jeans, camiseta e jaqueta de

couro.— Não me vesti para a ocasião —

disse ele.—Mas a camiseta está limpa,entãoachoquejáéalgumacoisa.

Cassie riu de novo, e um calorrepentinotomouseurosto.

—Querdançar?—perguntouNick.Cassiehesitou.Umardemalíciaseesgueirouparao

rostodeNick.— Só estou perguntando porque te

conheço, Cassie Blake, veio aqui com amissãomuitoespecíficadesedivertirestanoite.Nãopossodeixarquefracasse.

—Então,comoeupoderiadizernão?— Cassie permitiu que Nick a levasseparaapista.

Amúsicaqueabandatocavaeraaltaeagitada,nadaqueCassiereconhecesse,maspareciaboaparabaixaraguardaesócurtir o ritmo — desfrutar do prazersimples de ser uma garota num baile.Nick pulava e esbarrava, tentandodiverti-la. Ela sabia que ele detestavadançarequefaziatudoaquilosóporela.Cassie valorizou o esforço e oacompanhou, sincronizando os passoscomosdele,atéque,juntos,elescriaram

umacenaetanto.Dapista,CassieviuqueAdamtinha

voltado com seu ponche eDiana estavaatrásdelecomoprópriocopo.

Nickcorreuatéeles,tirouoscoposdesuasmãos,deixou-osdelado,epuxouosdois para a pista. Deborah e Suzanrapidamente se juntaram a eles, e, antesque Cassie percebesse, Nick, sozinho,tinhaalteradoaenergiadetodoogrupo.Eles estavam bancando os bobos,esbarrandoviolentamentenoscolegasdeturma na pista, enfurecendo-os. Isso fezCassie se lembrar de quando ela eNick

estavam juntos e que, às vezes, a recusadele em levar qualquer coisa a sério eraexatamente do que ela precisava para sedesligaresedivertirumpouco.

Depois a música mudou para umacanção lenta — uma das preferidas deCassie. Ela olhou para Adam, naesperança de que ele a convidasse paradançar, mas notou que a atenção deleestava em outro lugar. Ele observavaalguém.

— Max está aqui — avisou ele. —Ajacomnaturalidade.

— Não sei o que isso que dizer —

resmungou Nick. Ele se virou eatravessouamultidãonadireçãodatigeladeponche.Aalegriadelesnãopassavadeumalembrança.

—Devia sernossanoitede folga—disse Suzan, fazendo beicinho. —Lembra?Sempoliciamentoestanoite.

Mas Cassie sabia que era só umaquestão de tempo até que o baile daprimavera se transformasse numproblemadoCírculo,comotodooresto.Pensando nisso, ela ficou surpresa quetenha demorado tanto.O grupo saiu deforma obediente da pista e se reuniu

pertodaparededosfundos.Maxpassouporelesseexibindo,com

seu ar de confiança habitual. Vestiacamisa,calçapretaeumagravatadeumverdebrilhantecomoseusolhos.

—Oi— disse ele, cumprimentandoDiana primeiro, como sempre fazia. —Fayenãoveio?Nãoconsigoencontrá-la.

—Ela não te contou?—perguntouDiana. — Faye está com uma gripehorrível.

— Ah — disse Max, decepcionado.— Não, eu não sabia. Ela não atendemais a meus telefonemas. — Quando

Max fez beicinho, suas feições seabrandaram, trazendo um encantojuvenilaseurosto.

Dianafranziuocenho,solidária.—Não leve issoparao ladopessoal.

Ela está dopada de descongestionantesdesde ontem. Aposto que deve terdesligadootelefone.

Cassie não sabia seMax engolia ounão a história de Diana. Pensou quepareciamais confuso do que cético,masDiana deve ter sentido alguma suspeitanele,porquenãoparouporaí.

—SóporqueFayenãoestáaqui,não

significaquesuanoiteestáestragada.Max abriu um sorriso torto e

esperançoso.—Dancecomigo—disseDiana.E,

antesqueMaxsequerpudessereagir,elaopegoupelobraçoeolevourapidamenteàpista.Abandaaindatocavaumamúsicalenta,entãoDianapassouosbraçospelanucadeMaxedeixouqueeleaabraçassepelacintura.

MaxolhavanosolhosdeDianacomose não acreditasse na sorte que tinha.Toda sua arrogância e fanfarronicederamlugaraumafirmemodéstia,eele

abraçavaDianacomcuidado.Fayeeraacoisamaisdistantede suamente,Cassietinhacertezadisso.

—SeiquequeremosficardeolhoemMax — disse Adam. — Mas isso éridículo.

Cassie percebeu o queixo enrijecidode Adam enquanto ele olhava o casaldançar. Diana ria, puxando Max paraperto,pareciasedivertirbastante.Cassienão se atreveria a dizer o mesmo deAdam, mas não podia deixar de sentirqueDiananãoestavapensandomaisnoCírculo.

Algunsminutos depois,Chris,DougeSeanapareceramaoladodeCassie.

— Está vendo o que vejo? —perguntou Chris, e Cassie acompanhouseuolharaooutroladodoginásio.

EraoSr.Boylan,debraçoscruzados,com um terno escuro bem cortado, oolharfixoemMaxeDiananapista.

—Parecequeestáapontodemataralguém — comentou Doug. — O quevamosfazer?

Nessa hora, o Sr. Boylan se viroupara o outro lado e saiuintempestivamentedoginásio.

—Vãoatrásdele—disseCassie.Os três, Chris, Doug e Sean,

dispararamparaasaída,semhesitar.Pelaexpressão de Adam, Cassie viu que eleestavaansiosoparasejuntaraostrês.

—Esta éminha chancededar umabuscanasaladoSr.Boylan—disseele.—Procurararelíquia.

Lá se foi a noite de folga, pensouCassie.Mas,seAdamconseguisseroubararelíquiadeBoylan,seriaoequivalentearoubar seu poder. Sem ela, ele nãopoderiafazeramaldiçãodamorte.

Cassie acariciou o rosto de Adam e

concordoucomacabeça.— É uma boa ideia, mas você não

devia ir sozinho.Vai precisar de alguémnaretaguarda.

—Nósvamos—disseDeborah.Elae Suzan avançaram um passo, meioansiosas. — Passamos a noite todaenlouquecidas, esperando agointeressante acontecer. Ou, pelo menos,euestou.—ElanotouqueSuzanpareciaamuada por ter sido retirada da pista dedança.

—Tenhamcuidado—pediuCassie,como se fosse uma ordem. Afinal, ela

ainda era uma líder doCírculo.—VouficardeolhoemDianaeMax.

Adam apertou a mão de Cassie epartiu. Deborah e Suzan seguiram-nopelo corredor que dava na sala do Sr.Boylan.Cassiesedeuummomentopararespirar. Embora tudo acontecesse comuma velocidade súbita, lembrou a simesmaqueestavatudosobcontrole...sobseu controle. E então Nick sematerializoudamultidãocomoutrocopodeponcheparaCassie.

— Tenho certeza de que não estábatizado — disse ele. — Mas, nesse

ritmo,achoquenósdoispodemoscontarpelomenos com uma euforia de açúcar.—Depois notou a expressão deCassie.— O que aconteceu? — Seus olhoscastanho-escuros dispararamde um ladoparaooutro.—Cadêtodomundo?

— Chris, Doug e Sean estãoseguindo Boylan. Adam, Deborah eSuzanforamdarumabuscanasaladele.

— Achei que a gente tinha vindoaquipararelaxar—argumentouNick.

— Mudança de planos. — Cassieprocurou o cabelo louro de Diana e osombros largosdeMaxpeloginásio,mas

eles se perderam no enxame de alunos.—EstávendoDianaemalgumlugar?

Nick examinou cada casal na pista,depoismeneouacabeça.

— Está cheia demais. Mas tenhouma ideia.—Ele correu até amesa deponche e, para desespero dos garçons,subiu nela para ter uma visão melhor.Passou os olhos de um lado para outro,depoisficoupetrificado.Suasfeiçõesfinasficarammortalmentesérias.

—Cassie—sussurrouele,enquantopulava da mesa. Porém, antes quepudessepronunciaroutrapalavra,Cassie

viu uma cabeleira rebelde e tingida devermelho. Daquela vez não era umaalucinação.Nemparanoia.Bemnomeiodamultidão,estavaScarlett.

Nickpareciaprontoparaatacar,masnãomoviaummúsculo.

— Ela está lançando um feitiço —disseele.

OsbraçosdeScarlettestavamrígidosjuntodocorpo,eseusolhoserampretoscomobolasdegude.Murmuravaalgumacoisa, evidentemente alguma magianegra.

— Precisamos tirar você daqui —

disseNick.—Agora!Cassieerainteligenteobastantepara

nãodiscutir.ElaeNickcorreramparaasaída mais próxima, porém subitamentetodos ao seu redor passaram a secomportardemaneiraestranha.Ficaramdepescoçomoleeacabeçatombada.Oscolegas de turma tinham caído em umestupor.

NickdisparouumolharparaCassie.—Mas o que está acontecendo?—

EleseposicionouentreCassieeogrupoquebloqueavaasaída.

O que quer que Scarlett estivesse

fazendo,afetavaatodos,menosaCassieeNick.Mas logo ficou evidente que oscolegasde turmaeramapenasumefeitocolateral. Sem eles para atrapalhar,Scarletttinhaumavisãoclaradeseualvo.Ela redirecionou todos os murmúriosmalignosparaCassie:

SpirantultimusspiritusUltimusspiritusvitae

De repente, todo o ar escapou dospulmões de Cassie, e ela não conseguiamais respirar. Era como se um grampo

tivesse se fechado em sua garganta,impedindo a respiração. Ela levou asmãos ao pescoço e se virou para Nick.Nãoconseguiagritar.

Nick precipitou-se para ela como sefosse um simples pedaço de comidaalojadonagarganta,comoseamanobradeHeimlichpudessesalvá-la—masnãohavianadaqueelepudessefazer.Ecomos colegas de escola entorpecidosamontoando-seebloqueandocadasaída,nãohaviacomoescapar.

AcabeçadeCassiegiravacomafaltade oxigênio. Ela estendeu a mão para

Nickecaiunochãodoginásio.

N

8

ick gritou o nome de Cassie.Curvou-sesobreela,tentandofazer

com que a amiga respirasse,masCassiesentia a consciência se esvair a cadasegundo que passava. A luz amarela doginásio,seuscolegasdeescolacomatososeatéavozcrueldeScarlett fundiram-seem uma névoa suave e escura. DepoisNickselevantoueergueuosbraços,com

asmãosestendidas.Não!, Cassie tentou gritar — a pior

coisa que Nick podia fazer agora erarealizar magia à vista de todos —, masnão escapou nenhum ruído de sua bocaescancarada.

Nick concentrou sua energia, fechouosolhosefalouemvozgrave:

InvocooPoderdoAr,oselementosdoOriente,invoco-tedaatmosferaparaospulmõesdeCassie.

Elerepetiuofeitiçotrêsvezes,acadamomento mais alto, mas Cassie aindaperdia a consciência. O mundo inteirodesbotava; o som tinha cessado. Nadaexistia. Depois, de súbito, ela ofegoucomo se tivesse se afogado e agoraconseguisse respirar novamente,recuperando sua vida com uma golfadavorazdearapósoutra.

Sua visão ficava mais afiada a cadainspiração, e ela se colocou de pé justoquando Nick levantou as mãos parainvocar outro feitiço—daquela veznãoparaCassie,masparaoteto:

Movimentodocoração,correntedaalma,centelhasAminhasmãos,àvelocidadedaluz.

Seu rosto brilhava, e a eletricidadepareciaatravessarseucorpo,subindodospésesaindopelapontadosdedos.

As lâmpadas do teto clarearam eestouraram, provocando uma chuvaespetacular de faíscas, como fogos deartifício. Em seguida o ginásio ficouescurocomoanoite.

— Fuja — disse Nick, segurandoCassiepelamão.

Os colegas de escola entorpecidosentraram em pânico na escuridãorepentina. Cassie não conseguia maisenxergá-los, mas ouvia seus resmungos.Seuscotovelose joelhossechocavamnochãodoginásioenquantoelescaíamumpor cima do outro, como um enormeestourodemanada.

CassieeNickcorrerampelolabirintodecorposatéasaídadeemergência,semolharparatrásnemumavezparasaberoque foi feito de Scarlett. Passaram derompante pela porta de incêndio aoestacionamento lateral, onde correram

diretamenteparaorestodoCírculo.— Vocês estão bem? — perguntou

Diana,alarmada.—Oqueaconteceunoginásio?

Nick e Cassie explicaramapressadamente a situação, e a boca deDianaseabriu.

—Scarlettestáaqui?Os irmãos Henderson correram ao

ginásioparaprocurá-la.Cassiegritouquenão fizessem isso, mas eles já haviampartido.

— Alguém precisa impedi-los! —exclamouela.—Elesvãosematar.

— Eu irei — disse Deborah,seguindo na mesma direção dosHenderson.Suzanfoiatrásdela.

Diana procurou em Cassie algumsinaldeferimento.

— Tem certeza de que você estábem?Nãosentedor?

Cassieassentiu.— Estou bem. Acho que saímos a

tempo.OndeestáAdam?—Bemaqui.—Adamseaproximou

do grupo, pálido. As mãos tremiam umpouco e não traziam a relíquia do Sr.Boylan.—Cassie—disseele.—Estáhá

muitotempoaquifora?—Eu estou bem— afirmouCassie

paratranquilizá-lo.Adam parecia mais abalado do que

ela. Sua respiração era pesada, e a testaestava ensopada de suor. Ele passou osolhospelascercanias,apreensivo.

— Não achamos Scarlett em lugarnenhum— disse Chris, enquanto ele eDougsaíamdoginásioparase juntaraogrupo. Deborah e Suzan estavam comdele.

— As luzes ainda estão apagadas,mastodosnoginásiovoltaramaonormal

—avisouDoug.—Oque é umapena.Até que gostei da ideia de todos elesvirandozumbis.

CassieolhouparaNick, felizpor eleestar bem. Ele reagiu rapidamente esalvou sua vida, mas ela não pretendiacolocá-loemperigo.EmparticularcomoSr.BoylaneMaxporperto.

Nick correspondeu a seu olhar.Parecia entender exatamente o que elaestava pensando e sorriu, tentandotranquilizá-la.NessemomentoCassieviualgo brilhar na manga da jaqueta decourodeNick.No inícioera fraco,mas,

depoisqueelanotou,pareciabrilharcommaisnitidez.Eraosímbolodocaçador.

—Nick—disseela,masfoiaúnicapalavraqueconseguiusoltar.

EleregistrouaexpressãodeCassieeviu no rosto de todos que eles caíamnomesmochoque.

—Quefoi?—perguntouele.—Porqueparecequevocêsviramumfantasma?

— Sua manga— respondeuDiana.—Vocêfoimarcado.

Cassie quis se aproximar dele, masNickaafugentou.Procurounajaquetaelocalizou a marca. Concentrou-se muito

nela, estreitando os olhos como setentasseentendê-la,masnãohouveoutrareação.

— Então fui marcado — disse ele,numtombaixoefriocomoumapedra.

Adam mal falou uma palavra durantetodo o percurso de carro até a casa deCassie.Cassienãolevouissoparaoladopessoal; ela própria também não estavacommuita vontadede conversar.Oquehavia para dizer depois de uma noitedaquelas? Mas então Adam estacionounafrentedesuacasa,desligouomotore

virou-se para ela como se tivesse algo adesabafar.

—Temcertezadequenãoquerqueeu fique no seu sofá esta noite? —perguntou ele.—Scarlett pode vir atrásdevocê.

HaviaumafriezanoarquefezCassieestremecer.

—Obrigada,mas eu vou ficar bem.Faye e Laurel estão lá, e Faye nãoperderiaachancededescarregarpartedesuaraivaseScarlettaparecesse.

— Verdade, eu acho. — Adamtamborilavaosdedosnovolante.

Cassie estava com o paletó dele nosombros, para se aquecer. Ia tirar edevolvê-lo,maseleaimpediu.

—Fiquecomelemaisumpouco.—Elenãoseprontificoualigaromotordocarro.Evidentementetinhaalgomaisemmente.

Cassie temia saber o que era.AdamestavapreocupadoqueofatodeNicktersido marcado significasse que eleprecisaria passar a noite no porão deCassie.Osdoisestariamdormindosobomesmoteto.

Elaconcluiuqueeramelhorajudá-lo.

—Adam—disseela.—SobreNickficaraqui...

Adamolhavafixamenteàfrente.—Nãoé isso.Possoteperguntarde

novooqueaconteceuquandoasluzesseapagaramnaescola?

—Eujátecontei—disseCassie.—NãoaconteceunadacomNickenquantovocêestavaforaquetedêmotivoparasepreocupar.

—Eusóprecisavaouvirissodenovo.Cassie já fizera a Adam um relato

detalhado de cadamovimento dela e deNick, do momento em que eles viram

Scarlett até fugirem. Mas ela repetiu ahistóriamesmoassim.

— É tão estranho — disse ele,incapazdeolharparaela.

— Adam, o que está teincomodando?Seiquesevocêestivesseláquando Scarlett apareceu, teria meprotegido, comoNick.Nãoduvidodissonemporumsegundo.

Enfim, Adam se virou para Cassie,permitindo que ela visse seus olhosmarejados.

— Senti uma coisa — disse ele. —Umbraçoroçounomeunomeiodocaos.

—Comoé?—Cassieficouconfusa.—Quandoasluzesseapagaram.Eu

tinhaacabadodesairdasaladeBoylan,etodoscomeçaramacorrer.Euestavaindopara o ginásio quando alguém segurouminha mão e parecia que... Nem seidizer.—Adamnãoconseguiacontinuar,e Cassie começou a entender o quantoeleestavaperturbado.

— Está tudo bem — disse ela,tentandoinduzi-loacontaraverdade.—Oquevocêsentiu?

— Pensei que era você me levandopara a segurança, mas depois vi que

estávamosseparados.Eupodia jurarqueera você. Por causa das centelhas quesenti.

—Mas eu já estava fora do ginásio,noestacionamento,aessaaltura—disseCassie.—Nãoeraeu.

Houve um momento de silêncioenquantoelescompreendiamaquestão.

— Ah. — Cassie enfim entendia oquesignificava.Nenhumdosdoisqueriadizer issoemvozalta,maseraevidente.FoiScarlettquesegurouamãodeAdam.Ascentelhasqueelesentiuforamporela.

—Évocêquemeuamo,Cassie.Eu

juro. — A voz de Adam se elevou. —Istonãosignificanada.

—SignificaqueocordãoentrevocêeScarlett afinal deve ser verdadeiro —disseCassie.—Éaúnicaexplicação.

—Eunemmesmodeviatercontadoavocê.

—Éclaroquedeviatermecontado!— Isso não muda nada. — Adam

insistia.Porém,quantomaisele juravaesuplicava, mais evidente ficava paraCassiequeeleestavaigualmenteabaladocomisso,senãomais.

— Minha mão só ficou confusa —

disseele.—Ésóisso.—Suamãoficouconfusa?—Cassie

respirouimediatamentepararecalibrarasemoções.Senãotivessecuidado,amágoaeafúriaseriamjogadasnacaradeAdam.—Nãoprecisa se sentirculpado.—Elatentoudemonstrarsolidariedade.—Nãoéculpasua.Simplesmenteexiste.

Adam,então,ficouemsilêncio.—Maseunãoqueroisso.Cassie se aproximou para dar um

beijo de boa-noite em Adam. Precisavasair do carro com a maior rapidezpossível.

— Eu sei. Não se preocupe demaiscomisso.Vamosficarbem.

—Acabou?Não acha que devíamosconversar sobre isso? — perguntouAdam.

Cassie tirou o paletó de Adam dosombros.Tinhaocheirodele,defolhasdeoutonoedoventodomar.Elaodobroudelicadamente e colocou no colo deAdam. Depois pousou a mão namaçaneta.

— Vai ficar tudo bem — disse ela,sabendo que naquelemomento tinha deparecer forte para Adam. Ela sempre

podia contar com Adam para setranquilizar.Agoraerasuavez.

—Cassie,porfavor,nãová.—Vamosdeixaranoitecuidardisso

—disseela,comamaiordoçurapossível.Depois, pegando de empréstimo umafrase preferida da mãe, acrescentou: —Tudovaiparecermaisluminosoamanhã.

Ela saiu do carro e quase estava naporta de entrada quando as lágrimasencheram seus olhos e escorreram pelorosto.Adam,porém,nãopodiavê-las, eerasóissoqueimportava.

D

9

epois de seu encontro comScarlettno baile, o sono de Cassie foi

tumultuado — um pesadelo depois deoutro infestaramsuamente.Aoacordar,ela sabia o que precisava fazer para queissoparasse.Retirouobaúdebronzedebaixo da cama e abriu o fecho. QueriaesperarqueAdamestivessecomelaantesde tentar abrir o livro de novo, mas o

tempo se esgotava e a situação comAdam tinha ficado muito maiscomplicada. Ela não podia deixar que opossível triângulo amoroso atrapalhassesuabuscaporrespostas.

Além disso, Cassie tinha uma ideia.Nacaixadejoiasondeguardavatodasaspedras preciosas, Cassie colocara umcristaldeobsidiana.Eraomesmocristalqueuma vez ela usouparadesativar umfeitiçodeproteçãoqueFaye colocou emumadasChavesMestras.Cassieapertouapedrapretaedebordasafiadas.Apedraera conhecida por purificar matéria

negra.Porquenãotentar?Ela passou o cristal por toda a volta

do Livro das Sombras do pai enquantosussurrava o encantamento que tevesucessodaúltimavez:

Vão-seastrevas,nãohámaisdefesa,Entraesaidesimpedidaapureza.

Emseguidapuxouocordãodecourodolivroeabriuacapa.Tocouaprimeirapágina com esperança, mas de imediatoela esquentou, queimando a ponta doindicador.

Cassieoretirou,masantesqueolivrose fechasse, jogou o cristal de obsidianaentre suas páginas. No início, o livrolutou contra a pedra, chocalhando ebatendo,eocristalsesacudianaspáginascomoumgrãodemilhoemóleoquente.Mas, depois, o livro deu a impressão decansar. Aos poucos, cada página seacalmouesossegousobocristalatéficarimóvel.Aescuridãodolivrofoidomadaosuficiente para permitir que a pedra omantivesseabertocomoumsimplespesodepapel.

As palavras das duas primeiras

páginas ainda pareciam uma linguagemantigadefrasesesímbolos.Vê-lasassimatentamente fez com que os olhos deCassie ficassem estranhos edesequilibrados, como se estivessemdiantedeumailusãodeótica.Pelomenosagoraelapoderiapesquisaretraduzir.E,se manuseasse a obsidiana, poderia atéusá-la para virar as páginas do livro.EsperesóatéAdamverisso.

Nessemomentoacampainhatocou,eCassie percebeu que horas eram. Areunião do Círculo para falar dosacontecimentos da noite anterior estava

marcada para começar em algunsminutos. Cassie retirou a obsidiana, e olivro se fechou. Rapidamente ela otrancou no esconderijo e correu paraatenderaporta.

Na varanda estava Nick, com umabolsa de viagem pendurada no ombro.Não parecia satisfeito, por motivosóbvios,masCassieficoufelizporterummomento com ele antes da chegada dorestodoCírculo.

Elaorecebeueoconvidouasesentarnosofádasaladeestar.

—Voulevarvocêparabaixodaquia

pouco — explicou ela. — Primeiro eutinhaesperançasqueagenteconversasse.

Nick baixou a bolsa no chão e sesentou.

—Tudobem.Cassiesesentouaoladodele.— Eu sinto muito — desculpou-se

ela.—Parecequevocê foimarcadoporminhaculpa.

—Scarlettqueriatematar.Vocênãoestava exatamente pedindo por isso —argumentouNick.

—Eu sei, é só que... Você salvou aminhavida.Enãosuportopensaroque

podeacontecercomasuaagora.Nickbalançouacabeça.—Nãoésuaculpa,Cassie.Eusabia

do risco que corria, e decidi assumir.Alémdomais,eupossolidarcomisso.

Cassie segurou a mão de Nick. Foiuma atitude ousada, mas, nascircunstâncias, ela achava que valia apenatentar.

Pela primeira vez ele não se afastoudela. Cassie abriu a boca para garantirquelhedariatodoapoio,comoeledavaaela—masumbarulhoaltoeressonantechocalhoupelochãoabaixodeles.

Nickdeuumpulo,alarmado.—Estátudobem—disseCassie.—

É só Faye e um cabo de vassoura. Elaachaissoirônico.

Nick tentou agir com frieza, masCassie sabia que ele estava constrangidopor se assustar com tanta facilidade, queas rachaduras em seu exterior friocomeçavamaaparecer.

—ÉosinalespecialdeFaye—disseela,comdespreocupação.—Quandoelabatenotetocomavassoura,significaqueestádesesperadaporatenção.

—EquandoéqueFayenãoprecisa

deatenção?—Nickpassouosdedosnocabeloesepermitiurir.—Eentão,ondeficaafinalessasalasecreta?

Cassiesorriu.—Venhacomigo.Ela levou Nick para baixo até a

estante antiga e lançou o feitiço,revelando a porta oculta. Faye e Laurelesperavam lá dentro, em expectativa.Fizerampipocademicro-ondas,assaramcupcakesebotarammúsicaparatocar.

— Fui marcado — disse Nick,avaliando o ambiente. — Não é meuaniversário. — Ainda assim, ele pegou

umcupcakerosaedeuumaboadentada.Asalatinhamudadoumpoucodesde

queCassieavirapelaúltimavez.FayeeLaurel a infundiram cada uma com oprópriocaráter.OladodeLaureldasalaeradecoradocomplantas,ervase flores.Pilhasdelivrosgrossossubiamatéondeavista alcançava, muitos para a pesquisaque ela fazia sobre os caçadores.O ladode Faye era enfeitado com tapeçariavermelha e almofadas de veludo. Elatambém criou um pequeno altar queabrigava velas, incenso e preparadosdiversos.

— Terá de desencavar um espaçopara você— disseCassie aNick.—Oriscoétodoseu.

—Euvouficarbem.—Nickbaixoua bolsa e meteu o último pedaço decupcake na boca. — Não preciso demuitacoisa.

— Só temos um colchão de ar paravocê dormir — disse Faye. — Mas, sevocêsesentirsolitário,temmuitoespaçonaminhacama.

—Quenojo—exclamouLaurel.—Comigoaqui,não.

—Essa éminha deixa para sair.—

CassieaguardouqueNickseacomodassee subiu para esperar a chegada dorestante do Círculo para a reunião. Àmedida que entravam, eram levados porCassieparabaixo.EraporAdamqueelanarealidadeansiava,maselefoioúltimoachegar,oqueerararo.

Quando ele enfim veio pela calçada,parecia mais desgrenhado do que onormal.Tinhaasroupasamarrotadaseocabelodespenteado.Asolheirasdavamaimpressãodequeelenãodormiraanoitetoda.Cassietorciaparaqueaconversadavésperasobreocordãonãofosseoqueo

estivesseabalandotanto.—Antesdedescer—disseAdam—,

querotemostrarumacoisa.—Eletiroudo bolso interno do casaco um tubo deplásticocor-de-rosa.

—Meugloss?—perguntouCassie.Adamconcordoucomacabeça.—Nãoéqualquergloss.Issocaiudo

seu bolso na noite do nosso primeirobeijo.Eeste...

Adam pegou do mesmo bolso umpedacinhomínimodepapel.

—Este é o ingresso do filme que agenteviunonossoprimeiroencontrode

verdade.EmseguidaAdamergueuocelular.— Salvei aqui — disse ele — a

primeiravezquevocêmedisseeuteamona minha caixa postal. E isto é só ocomeço, Cassie. Entende aonde querochegar?

—Vocêcorreumriscoenormedesetornar um acumulador compulsivo? —Cassiesorriu.

Adamriu.—Talvez,maséporquetudoissome

lembra de você, preciso guardar parasempre. Se isto não prova que sou

apaixonado por você, não sei o queprovará.

Toda a tensão e o medo quecresceram em Cassie durante a noite arespeito da relação dos dois flutuou esumiu. Ela queria pular nos braços deAdam e perder a tarde em seu abraço.Mas não havia tempo para isso. Osamigosesperavam.SóoqueCassiepodiafazer no momento era beijar Adam detodo o coração, e torcer para que seuamorporelebrilhasse,quea ligaçãodosdois fosse palpável, antes de levá-lo aoporãoparasejuntaraosoutros.

—OscaçadoreseScarlettestãopertodemaisparamesentiràvontade—diziaMelanie, quando Adam e Cassieentraramnasalasecreta.

Todos estavam reunidos em roda,excetoChriseDoug,quetumultuavamacozinha como crianças hiperativas.DeborahconcordoucomMelanie.

—Precisamoschegarmaispertodoscaçadores para fazer uma avaliaçãocompleta deles, uma vez que é evidentequeelesestãonosobservando.

— Eu posso nos colocar perto deMax—propôsDiana.

Faye deu uma risadinha e cochichoualgoaDeboraheSusan.

Dianasevirouparaela.— Sou a única que pode fazer isso

comfacilidade—disseela.—Todosnóssabemosdisso.

— Mas você pode se colocar emperigo — rebateu Faye num tom dezombaria.Depoisseurostoassumiuumagravidade rancorosa. — Se tiver essachance,Max vaimarcar você, como fezcomigo.

Dianadeudeombros.— Não vou fazer magia nenhuma

perto dele. Além disso, se eu conseguirentrar no quarto dele, talvez consigadescobrirondeeleguardaarelíquia.

—Vocênãovaichegarnempertodoquartodele—rebateuFaye.

Laurelpigarreou.—Fizalgumprogressodesencavando

informações sobre as relíquias—contouela.Comumgestode cabeça afirmativodeCassie, ela assumiuomeioda rodaeexplicou ao Círculo que as relíquiastinham origem por volta de 1320, logodepois de o papa João XVII autorizar aInquisição a considerar a bruxaria como

umaheresia.— Uma bruxa acusada criava e

enfeitiçava as relíquias em troca de suavida—explicouLaurel.—Elabatizavaos donos daquelas pedras mágicas eensinavaamaldiçãodamorte.

— É claro que precisavam de umabruxaparafazerotrabalhosujoporeles!—exclamouSean.—Frouxos.

Laurel franziu os lábios com ainterrupção.

— Logo a Inquisição levou a umaondadecaçaàsbruxas—continuouela—, durante a qual as relíquias foram

vistas por toda a França, a Itália e aAlemanha.Masmuitas foramdestruídasno auge da caça, que aconteceu do finaldos anos 1500 até 1630. E, quando oscaçadores chegaram a Salem nos anos1690, só restava mais ou menos umadezena das relíquias... E um númeroaindamenordefamíliasdecaçadores.

LaurelfocouosolhosespecificamenteemDiana.

—Agora,acredita-sequeapenasseisrelíquiaspermanecemativas.

Dianatinhaoolharfixonochão.Noqueeraquaseumsussurro,falou:

—Ésóisso?LaurelolhouparaFaye.— Então, pode valer a pena Diana

procurar no quarto de Max, se issosignifica que podemos reduzir o númeroparacinco.

— Cinco, seis, setecentas, quediferença faz? — perguntou Nick. —Aindanãotemosumjeitodederrotá-los.PodemosfalarumminutosobreScarlett?Ela quer matar Cassie para tomar seulugarnoCírculo,eelatemnossasChavesMestras.Elaquaselevouamelhorontemànoite,evaivoltar.Senãoconseguirmos

usar magia nela, vamos precisar nospreparar para destruí-la com nossasprópriasmãos.

Deborah deu um tapinha no ombrodeNick.

— Bom, não preciso dizer que meuprimoprecisadealgumcontrolederaivaagora.

Até essa altura, todos ficaram tãoenvolvidos na discussão que ninguémnotou Chris tentando espremer o corpode 1,80 metro nos limites mínimos doelevadordecomidanaparededacozinha.Mas o barulho que ele fazia enfim

chamouaatençãodogrupo.—Eupossofazerisso—disseele.—

Doug, empurre meu pé para dentro.Depoismejogueparacima.

Doug obedeceu, rindo. Empurrou opé de Chris mais para dentro da caixacomumadasmãos.Aoutramãopairousobre a alavanca demadeira que faria oelevador subir pela calha que levava àcozinha.

—Chris—gritouCassie.—Nãovaiaguentar você. Não é um elevador degente.Saiaantesquevocêoquebre.

— Não mexa nisso. — Faye o

alertou. — É nosso jeito favorito deCassienosservirdecima.

—Maseupossofazerisso—repetiuChris. — Não sou tão grande quantoaparento.

A paciência de Cassie tinhadiminuído, e uma raiva peculiar cresceunela.Seurostoeasmãosficaramquentesdefúria.

—Eudisseparasairdaí!Antes que ela conseguisse se

controlar,andouapassoslargosatéDouge o afastou à força da alavanca. Suadeterminação o apanhou de surpresa,

fazendo-ocambalearparatrás.Chris, no esforço para sair do

elevador antes que Cassie o alcançasse,escorregou e bateu de cabeça de cabeçanochãocomumbaque.

Passaram-se alguns segundos desilêncio antes que ele gritasse de dor,agarrandoobraçoesquerdo.

— Agora você conseguiu — disseDoug.—Quebrouomeuirmão.

— Fala sério, Cassie — disse Sean.—Não precisava humilhar o cara dessejeito.

— Eu nem toquei nele — gritou

Cassie.— Ele está sentindo dor — disse

Diana.—Dãã.—Doug ajudouChris a se

levantar. — Acho que quebrou o braçodele.

—AchoqueNicknãoéoúnicoquetemproblemascoma raiva.—Deboraholhou para Cassie, depois foi se colocaraoladodeChrisparalhedarapoio.

— Ele está sentindo dor! — gritouDianadenovo.—Entendemoque istosignifica?

Cassie pensou em seu acidente de

carroalgumassemanasantes,quandoelasaiu incólume e de repente entendeu ochoquedeDiana.

—Ofeitiçodeproteção foi rompido—disseCassie.

Um silêncio arrepiante tomou contadasalaenquanto todosentendiamoqueissorepresentavaparasuasegurança.

—Scarlettnoginásioontemànoite—disseDiana.—Elanãoestavaláparaestragarnossobaile.Estavadestruindoaúnicacoisaquenosmantinhavivos.

–S

10

ei de um jeito de abrir o livro domeu pai — confessou Cassie a

Adam,retirandoobaúdebaixodacamae a chave de seu compartimento secretonacaixadejoias.

Ela havia pedido a Adam para ficarenquantoosoutrosacompanharamChrisao hospital. Agora que o feitiço deproteção foi rompido, eles não tinham

nem um minuto a perder. Precisavamacabar com esses caçadores de uma vezportodas.

—Como?—perguntouele.Cassie lhe mostrou o cristal de

obsidiana e explicou que funcionavacomo um amortecedor para a energianegra do livro. Cassie e Adam sesentaramnochãodoquartocomo livrodiantedeles.Cassieoabriu,sabendoquequeimariaumpoucoseusdedosantesqueelaconseguissecolocarocristalnolugar,e queimou.Mas depois que a pedra foicolocada,pesandona lombadado livroe

limpando sua energia, as duas primeiraspáginasdolivroficaramvisíveis.

—Issoéincrível.—Adamsecolocoude quatro sobre o livro, examinandoatentamente cada pincelada que tinhadiante de si. — Reconheço algunssímbolos. Da minha procura pelasChaves Mestras um tempo atrás.Algumas inscrições estavamnomapadeBlackJohn.

Cassie não conseguiu reprimir osorriso.

—Eu tinha esperanças de que vocêdissessealgoassim.

— Vou repassar minha pesquisaantiga e ver o que consigo descobrir.Acha que podemos levar o livro para aminhacasa?

A ideia de o livro deixar seu quartoabalouCassie,eelahesitou.

—Achoquenão—gaguejouela.—É melhor você trazer sua pesquisa paracá.

—Sabedeumacoisa,Cassie—disseAdam. — Agora que o feitiço deproteção foi rompido e Scarlett estáchegando mais perto, acho que está nahoradeenvolverorestodoCírculo.

Cassie balançou a cabeça antes queelepudessedizermaisalgumacoisa.

— Já conversamos sobre isso. Eu tefalei, preciso de algum tempo antes decontaraoCírculoquetenhoolivro.Nãovourepetirisso.

—Issoéumnegóciomuitosombrio,Cassie. — Adam apontou as frasessinistrasnotexto.—Olhasó.Decodificarisso vai exigir o trabalho do máximopossíveldegente.Achoquevalearriscar.

—Ah,éoquevocêacha?Achaquevale arriscar? — Cassie percebeu quegritava,masnãoconseguiuseconter.—

Bom,voudizeroqueeuacho.Achoqueo livro é meu, e não seu. E é umproblema que eu devo tratar, e não oCírculo.

—Nãoprecisagritarcomigo—disseAdam,calmamente.

— Às vezes é o único jeito deconseguirquevocêescute!

Adamserecostou.— Estamos lidando com magia

negra, Cassie. Uma maldição de BlackJohnpodesalvaravidadenossosamigos,que estão marcados, para não falar denosso Círculo... Mas só se traduzirmos

direito.— Exatamente. O livro é perigoso,

Adam. Não quero que ninguém semachuque até saber que tenho algo realpara ajudá-los. Mas, se está tãointeressado emmexer commagia negraassim tão de repente, talvez você devaprocurarScarlett.

Adam ficou chocado. Assim comoCassie. Tinha pensado que o gestoromântico de Adam antes da reuniãotivesse feito ela se sentir melhor. Nãohavia percebido que a conversa da noiteanterior sobre o cordão e Scarlett ainda

perturbava seu coração. Mas doeu nela— ainda mais agora que ela e Adamestavam em desacordo — e saiu antesmesmoqueCassietivesseconsciênciadoquefalava.

—Nãoeranadadissoqueeuqueriadizer. — A voz de Adam falhava deemoção,maseleseesforçouparamantero controle. — Como pode pensar umacoisa dessas? Foi você que disse queestava tudo bem ontem à noite. Vocêdisse, “Amanhã tudo ficará maisluminoso”.Bom,estediaéhoje,Cassie,eaindaestouaqui,amandovocê.

Cassie sabia que Adam tinha razão.ElatentaragarantiraelequeScarlettnãoatrapalharia os dois e agora estavaestragando esse esforço. A raivaefervescente dentro dela afastavaAdam;elasabiaquedeviaparar,maspareciaquesuasemoçõesestavamdescontroladas.

O que Cassie fez em seguidasurpreendeuaosdois.SegurouorostodeAdam e trouxe sua boca à dela. Ela obeijou intensamente, como se a vida desua relação dependesse disso— e talvezfosseassim.CassiesubiuemAdam,e,noinícioeleresistiu,mas,comoCassiesabia

que aconteceria, por fim Adam seentregou.

Nuncafoiassim.Rápido,animalesco.PuxarAdamparamaispertosempreerabom,masnaquelemomentotudopareciaborrado e confuso. As intenções deCassieestavamnubladas.

Depoisqueelesseacalmaram,Adamse afastou e olhou nos olhos dela,preocupado.

—Issoquerdizerqueestamosbem?— Não quero te perder — disse

Cassie. Sua própria voz lhe pareciaestranha,quaseanestesiada.

—Vocênãovaimeperder.—Adamqueriabeijá-ladenovo,masdaquelavezCassieseafastou.

Ela se arrependiade tergritadocomAdam e agora queria reagir a ele comentusiasmo, mas parecia estranhamentedesligada. Não tinha certeza do quesentia — ou se sentia alguma coisa. Aúnica certeza era de que ela não queriamais dizer nem fazer nada que omagoasse.

Cassie se sentou direito e puxou osjoelhosparaopeito.

— Desculpe — disse. — Mas não

estoumuito controlada agora.Acho quevocêdeveirembora.

Adam franziu a cara, umacombinaçãodedecepçãoeconfusão,massimplesmente assentiu e foi pegar suascoisas.

—Tudobem.—EleolhouolivrodeBlack John ainda aberto no chão, masachoumelhornãofalarnele.—Quandoestiver se sentindo melhor, estareiesperandoporseutelefonema.

Elesaiu,fechandoemsilêncioaportadoquartodeCassie.

***

NosegundoemqueouviuAdamsairdacasa, Cassie saltou da cama. O livro dopai ainda estava aberto no chão, presopelocristaldeobsidiana.Derepentetudoficou claro. Sua mudança de emoçõescomAdam agora pouco— ela já haviasentido.EraomesmoimpulsoquetiveraaomanusearoLivrodasSombrasdopai.

Elaseagachouparaexaminarolivro.Seusdedostremiamdeexpectativa,aindaardiam no local da queimadura. O livrotinha algum poder sobre ela — agoraCassie entendia isso. Sempre que

queimavasuasmãos,afetavaamente.Olivroaestavatransformando.

Cassie pensou nas ocasiões em quehaviaperdidoocontroledesdequeabriraolivropelaprimeiravez,cadadesavençacom o Círculo, cada frustração com amãe.Antesdecadaumadessasocasiões,ela havia manuseado o livro. E o queacaboudeacontecercomAdam...Cassiesentiu o quanto estava sendo destrutiva,mas não conseguia se conter. Elaestendeu as duasmãos para o livro, e ocristaldeobsidianaescorregoueparounochão.Olivroéoproblema,pensouCassie,

mas também a solução. Ela folheou suaspáginas à procura de quaisquer símbolosque lhe parecessem conhecidos.Passaram-se minutos até que elapercebesse que segurava o livro sem sequeimar.

Cassie levou a ponta dos dedos àaltura dos olhos. Estavam muito bem.Sem nenhuma marca nova, semformigamento. Era o que ela estiveraesperando desde que retirou o livro doporão. Porém, no fundo, não podiaignoraromotivofunestoparaqueolivronãorejeitassemaissuasmãos.Àmedida

queelaficavamaissombria,eleaacolhiamelhor.OequilíbrioemCassiemudava.

Mas ela não podia deixar que isso aassustasse. Agora que chegou a esseponto,nãopodiaabandonarabuscapelamaldiçãodocaçadordebruxas.Aameaçarepresentada pelo livro teria de serconsiderada um risco ocupacional queacompanhavaatarefadesalvaroCírculo.

Ela continuou a folhear as páginas,ganhando ímpeto a cada palavra,absorvendotudoquepodiadecadapontoetraço.Oconteúdodolivroaindapareciaum código arcaico, e ela não entendia a

maiorpartedoquevia, entretantohaviaalgunssímbolosqueachouespecialmentecuriosos, cifras que pareciam falar comela. Cassie sentia o significado dessasfrases como a partitura de uma músicaclássica; elas a tocavam de dentro parafora.

Parte dela queria sair correndo econtar imediatamente aAdam,mostrar-lheatranquilidadecomqueolivroficavaem suas mãos. Mas, se tocar o livro aestavatransformando,elanãoqueriaquemais ninguém fosse vítima de suamaldição.Etambémnãodeviamanusear

o livro mais do que o necessário. Ou oquantoelaquisesse.

Cassie pensou por ummomento nasalternativas.Voltouàprimeirapáginaeolevou para a mesa. Pegou um cadernoespiraleumacaneta.Sentou-seecopiouatentamente a página no caderno, linhapor linha, depois copiou também asegunda página. Levou quase uma horaparareproduzirdolorosamentecadasinale símbolo até ter uma réplica exata quepudesse ser traduzida sem nenhumadúvida. Quando terminou, admirou oprodutoacabado.Cassiemostrariaaquilo

a Adam pela manhã e lhe pediriadesculpas pelo comportamento estranho.Não resolveria todos os problemas dosdois,masseriaumbomcomeço.

N

11

ormalmente, Cassie teria ligadopara Adam antes de aparecer em

sua casa de manhã cedo, mas estavaansiosa demais para se incomodar comisso. Adam atendeu à porta só com acalça do pijama listrado. Ficou surpresoaovê-la,maspareceucontenteenquantocruzava os braços, constrangido, e aconvidavaaentrar.

Adampuxouumacadeiradacozinhaparaela.Haviaumatigeladecereaispelametade namesa; era evidente que ela otinha apanhado no meio do café damanhã.

—Esperoquevocênãoseimportedeeu invadir sua casa desse jeito — disseCassie. — Eu queria te pedir desculpaspelomeucomportamentoontemànoite.

AposturadeAdamseabrandoucomestepedido.

—Estátudobem.Nóstodosestamosmuito estressados, e as emoções estão amil.

—Ainda não é desculpa para o queeufaleisobreScarlett.

Adamvirouorosto,eCassiesesentiuumtantodesconfortável.Nãosabiaoqueeleestavapensando.

—Eutetrouxeumacoisa.—Cassieretirou da bolsa as páginas quetranscrevera.—Copieiasduasprimeiraspáginasdolivrodomeupaiparavocê.

Adam pegou as folhas de papel e asabriusobreamesadacozinha.

—Vocêcopioucomexatidão?Eleexaminouemsilênciocadalinha,

demorando tanto queCassie começou a

se preocupar. Porém, antes que pudessedizeralgumacoisanegativa,elapassouosdedospelocabelodesgrenhadodele.

— Sabe que não posso fazer essapesquisa sem você — disse ela. — Porissoqueroquefiquecomumacópia.

Adamanimou-secomotoquedela.—Obrigadopor confiar emmim—

disseele.Cassiedesejoupoderserinteiramente

franca com ele e dizer que o livro nãotinha mais queimado suas mãos, masAdamnãoconsiderariasuacapacidadedemanusear o livro um mal necessário,

como a própria Cassie entendia. Ficariapreocupadodemaiscomasegurançadela.Cassie tinha certeza de que, se amagianegra estava lhe permitindo ler o livro,ela deveria ser mais forte agora, forte osuficiente para ter controle sobre talforça.

Adam ficou em silêncio por ummomento, depois acariciou levemente obraço deCassie. Foi um gesto pequeno,masprovocouummurmúriodealívionoslábiosdela.

—Sóparaterumcuidadoamais—disse ele —, quero que você deixe esse

livro empaz atéque eu consiga traduziressaspáginas.Podefazerisso?

— Claro — respondeu Cassie,torcendo mais do que tudo paraconseguir.

***

O cheiro de alho encheu o nariz deCassie quando ela chegou em casa parajantar. A mãe estava na cozinhamexendo numa panela com uma colherdepau.

— Deixe que eu adivinhe — disse

Cassie, enquanto tirava o casaco. —Comidaitaliana?

— Espaguete com almôndegas —respondeuamãe,dofogão.

Cassie notou uma nova energia navoz da mãe e um frescor em seu rosto.Talvez precisar cuidar de outros trêsjovens lhedesseumpropósito renovado.Não que Faye, Laurel e Nick fossemfáceisdelidar,masestavaclaroqueamãegostavadetê-losemcasaedeprotegê-losdos caçadores; ela estava ainda maisanimada com a presença deles na salasecretadoqueelespróprios.

Cassiebeijouorostodamãe.—Paraqueisso?— Não posso beijar minha própria

mãesemterummotivo?— É claro que pode. É que você

nuncaofez.—AmãesorriueentregouàCassieumacebolaeumafaca.—Mascomovocême ama tantohoje, pode serminhasous-chef.

Cassiecolocouumaventalecomeçoua cortar enquanto a mãe lhe faziaperguntassobrecomoestavamosamigose a escola. Por um momento, Cassietemeu que o interrogatório buscasse sua

confissãodequehaviaretiradoolivrodeBlackJohndasalasecreta,mas,àmedidaqueaconversaprogredia,elanotavaqueamãenãosabiasobreodesaparecimentodo livro.Cassie contou o que aconteceuno baile e sobre a perda do feitiço deproteção. Contou-lhe sobre Diana, quetinha concordado empassarmais tempocom Max, apesar do risco que issorepresentava. Depois pensou em Adam.AconteceutantacoisacomelequeCassienemsabiaporondecomeçar.

—Scarlett está chegandomaisperto— admitiu Cassie. — E estou meio

preocupada que ela esteja atrás de maiscoisas minhas do que só o Círculo, seentendeoquequerodizer.

—NãoquerdizerAdam,nãoé?Cassie assentiu, e a mãe balançou a

cabeçaemsolidariedade.—Cassie,medesculpe.Eu já passei

porissoeseioquantopodevirartodoseumundodepernasproar.

Essa era a primeira vez que a mãefazia alguma alusão ao que aconteceu aBlack John e a mãe de Scarlett. Cassienão esboçou reação nenhuma, torcendoparaqueamãefalassemais.

—EquandonãoécomummembrodoCírculo— continuou amãe—,masalguém próximo a ele, é ainda pior. Ésempremais difícil lidar comquem é defora.

Cassie usou o braço para enxugaralgumaslágrimascausadaspelocheirodacebola. Isso queria dizer que a mãe deScarlett não foi do Círculo? Cassiesempresupôsquesim.

—As tensões que esse tipo de coisaprovocadentrodeumCírculopodemserbrutais—disseamãe.—NãoimportaaforçadoCírculo.NossoCírculoeraforte,

masaindaassimissonosseparou.Depois elabaixoua colherdepau, e

seurostoficoumaisterno.—Medesculpe—disseela.—Não

preste atenção em mim quando eutagarelardessejeito.Ésóque,àsvezes,édifícilagenteselivrardemágoasantigas.

—Estátudobem.Ébomouvir isso.Possolidarcomessahistória.

— Sei que pode, querida. Mas issonão quer dizer que você deva lidar commeu passado desastroso. Minhasexperiências não são as suas, nemprecisamser.

Amãe colocou asmãos nos ombrosdeCassie.

— Adam é um bom garoto —assegurou ela.— Vale a pena lutar porele.

—Maseseeuoperder?Amãeaolhoucomamor.—Sóoquevocêpodefazerétentar.

Oresultadoseráoquetiverdeser.Mas,no fim, Cassie, quem deve ficar junto,acabarájunto.

Apesar de toda a mágoa que a mãesuportou, Cassie via que ela acreditavaverdadeiramente naquelas palavras.

Porém, no final, a mãe terminarasozinha. E a mãe de Scarlett, morta.Cassienãosabiaseaféinabaláveldamãeainspiravaouaenchiadetristeza.

—Então,nãosepreocupe—disseamãe.—Vocêsóprecisaseconcentraremdescobriroque fazercomo livrodo seupai... Descobrir como romper aquelefeitiçoparaabri-locomsegurança,semsequeimar.Todoorestovaiseencaixar.

Cassie sentiuumaondadeculpapornão ter contado à mãe que já estavaestudando o livro. Mas não conseguiuconfessar. Ainda precisavam existir

algunssegredos,mesmoentreelas.Masnumaspectoamãetinharazão:

o livro era a única saída para Cassienaquelaembrulhada.

C

12

assie chegou à praia para acerimôniadaluacheianomomento

emqueDianatraçavaumcírculonaareiacom sua faca com cabo demadrepérola.Faltavam cinco para a meia-noite,quando a lua estaria no ponto máximo,entãoelaprecisavaseapressar.

Diana contornouo círculo comáguaque havia recolhido domar, depois com

umavaretadeincensodecálamo,eenfimcom uma vela branca acesa. Aromaspungentesefumegantesenchiamoar.

—Cassie!—chamouAdamquandoalocalizou.—Porondevocêesteve?Eutelefoneiparavocê.

—Desculpe.Eusei.—Cassieaindaobservava Diana. — Estava ajudandominhamãealimparacozinhadepoisdojantareperdiahora.

— Epa! — exclamou Faye, alto obastante para que todos ouvissem. —Vocês dois não sabem que a boacomunicação é o fundamento de uma

relaçãosaudável?— Na verdade — disse Suzan —,

tenhocertezadequeéaconfiança.Fayesorriucommalícia.—Não,nãopodeser.Adam não achou graça nessa

provocação.— Eu tinha uma coisa importante

para te contar. — Ele se esforçou parapuxarCassie de lado.— Por isso fiqueitelefonando.

—Ei, vocês! Já é quase meia-noite,vamos!—Dianaseguravaumavelaacesae,comaoutramão,agarrouCassie.Mas

ela tocouosdedos indicador emédiodeCassie justo onde as queimaduras maisrecentes formavam casca. Cassiereclamoubaixinhodedor.

Dianaaolhou,confusa.—Vocêestábem?Cassiepuxouparabaixoasmangasda

blusa,cobrindoasmãos.— Eu te machuquei? — perguntou

Diana.FayeeosoutroscercaramCassie.— Arregace as mangas — ordenou

Faye.Depois de lançar um olhar aAdam,

Cassieobedeceu.De imediato, os olhos de todos se

voltaram para as cicatrizes e cascas queela se esforçava tanto para esconder.Cassie olhou em volta e percebeu que ahora de contar sobre o livro do seu paihavia chegado.Nãohavia outro jeito deexplicarasqueimaduras,eelanãoqueriamentir para seu Círculo; eles nãomereciamisso.

Comumgestodecabeçaencorajadorde Adam e com o grupo concentrado,Cassiefezumanúncioclaroeconciso.

—EutenhooLivrodasSombrasde

Black John. Foi o que provocou essasqueimaduras.

— Você encontrou... quero dizer...Falasério?—Dianagaguejou.

Cassieassentiu.—Estiveprocurandoporalgumadica

de como derrotar os caçadores ouScarlett. Mas o livro é perigoso —continuouCassie,erguendoasmãosparadar o exemplo. — Vocês precisamentender que não quero que maisninguém semachuque, até que eu saibacomoajudá-los.

Faye se apoiou em Sean para não

desmaiar.— O livro de Black John estava na

sua casa esse tempo todo? E vocêescondeu isso de mim? — Elapraticamenteofegava.—Eunemmesmoimagino que feitiços deve ter ali. Vápegá-lo,Cassie.Agora!

Cassiebalançouacabeça.— Não consigo entendê-lo, nem

vocêsvãoconseguir.Estáescritoemumalíngua arcaica.Alémdisso, não sabemosdoqueesselivroécapaz.

— Na verdade, Cassie —interrompeu Adam —, foi por isso que

fiqueitelefonandoparavocêmaiscedo.Gaivotas guinchavam em círculos no

alto quando Adam olhou o grupo comumaexpressãosombria.

—Cassiememostrou uma parte dolivroontemepasseianoitetodatentandotraduzir. Comparei alguns símbolos dolivro com o mapa antigo que usei paralocalizarasChavesMestras.

Diana assentiu, conhecendo bem omapa.

—Eumelembrodaquelasinscrições—disseela.—OpróprioBlackJohnasescreveu.

Adam voltou a fixar os olhos emCassie. Sua voz tinha um tommonocórdio.

— Por alguns fragmentos queconsegui entender, agora Cassie estávinculadaaolivrodeBlackJohn.

Poralgunssegundos,Cassieperdeuaaudição.Omartelardeseucoraçãoeraoúnico somnosouvidos.Ela viu a reaçãode todos:opavordeDiana,aapreensãodeFaye,aafliçãodeAdam.Maspareciaquelhesassistiadealgumlugarsilenciosoedistante.Erahorrívelcomoaexpressãodos amigos tinha se alterado. Nenhum

deles jamais pensaria em Cassie damesmamaneira.

—Temcerteza?—perguntouDiana.AvozchegouaosouvidosdeCassiecomumestalo.

— Vínculo foi exatamente a palavraque traduzi — disse Adam. — Equalquer magia negra envolvendo essapalavranãopodeserboa.

Dianarespiroufundo.—Não.Nãoénadaboa.—Oqueissoquerdizerexatamente?

—perguntouSuzan.— No sentido científico — disse

Laurel—, estar vinculado simplesmentequer dizer estar preso a outro elemento.É uma união, física ou química. E éindissolúvel.

Melanie se intrometeu paraesclarecer.

—Deumjeitosimples,significaqueCassie está sujeita ao livro. Como seestivesseatada.Comoumaprisioneira.

—Melanie.—Diana a repreendeucomumolhar.—Éumaligação.Sóisso.Nãoseprecipiteparaaspioreshipóteses.

CassiequeriaqueogrupoacreditasseemDiana:queestarvinculadaaolivrosó

significava que era ligada a ele, maisnada. Porém, Cassie não podia negar oque sabia ser a verdade: o livro tinhainfluência sobre ela. Sempre que otocava, era como se as trevas adominassem. Ela começava a sentir quetinhaapersonalidadedividida.

Cassiecomeçouachorar,eAdamseaproximou lentamentedela. Seubraço aenvolveu.

— Cassie, lamento que você estejapassando por tudo isso. Mas agora oCírculo pode ajudá-la. Você não estámaissozinha.

—Éverdade.—Dianaseaproximouum passo e também abraçou Cassie.—Todos nós vamos ver esses símbolos eajudarnatradução.

—Vocêpodecopiaralgumaspáginasdecadavezparanósestudarmos—disseAdam.—Usandoocristaldeobsidiana,assim você vai ter a maior segurançapossível.

Os membros do Círculo assentiram,dandoseuapoio,excetoFaye,quecruzouosbraços.

— Só para esclarecer — começouFaye.—EstamosfalandodeCassieestar

inegavelmenteligadaàmagianegra,nãoé?ÉissoquerepresentaolivrodeBlackJohneéaissoqueCassieestávinculada.

Umsilênciodesolador recaiu sobreogrupo, como um manto pesado. Osilêncio era absoluto, a não ser peloquebrardasondasaolonge.

Adam concordou melancolicamentecomacabeça.

— Como Scarlett, Cassie possui amagia negra no sangue, e o livroevidentemente está reagindo a isso. —Ele se virou para Cassie e engoliu emseco.—Na verdade, como alguém que

conhece bem a magia negra, Scarlettpodenosdizeralgodeútil sobreo livro.Talvezelapossaajudar.

Cassie olhava fixamente a areia,incapazdefalar.

—Adam!—gritouNick.—Nãoselembra de que Scarlett quer matar suanamorada?

Fayeergueuumasobrancelha.— Trocar a princesa Cassie pela

bruxamá Scarlett? Essame parece umaótimasugestão.

— E já que tocamos no assunto,podemosrecuperarasChavesMestras—

disseDeborah.— Não foi o que eu quis dizer. —

Adam lançou um olhar desesperado aCassie. — Só quis dizer que podemosconfrontá-la.Talvezatéfazerumacordocomela.

— De jeito nenhum — discordouNick. — Se encontrarmos Scarlett,vamosderrotá-la,enãopedirconselhos.

Cassie forçou para baixo a bile quetinha subido à garganta. Cambaleou devolta para o meio do grupo e todos secalaram novamente, a atenção voltadaparaela,emexpectativa.

— Não é má ideia tentar obterinformações de Scarlett. — Ela olhoupara Adam com um sorriso tenso, mascomeçava a se perguntar se ele tinhasentimentosporScarlettquenãoadmitianem para si mesmo. — Mas estamoslidando comdoismales, e pelomenosolivro não pode revidar. — Com isso,Cassieteveaúltimapalavra.

C

13

assie cochilava na aula dematemáticadooitavo tempocoma

monotonia do Sr. Zitofsky explicando aequaçãodesegundograuquandoouviuozumbido inconfundível do telefonevibrando na bolsa. Era uma mensagemdetextodeDiana:

VENHAÀSALADABANDA.AGORA.

REUNIÃODEEMERGÊNCIA.

O olhar de Cassie percorreu a sala,procurandoporMelanie,queclaramentetinharecebidoamesmamensagem.ElastrocaramumolharpreocupadoenquantoMelanierecolhiaseumaterial.OCírculopassou a semana anterior traduzindo olivro de Black John em fragmentos apartir das páginas copiadas por Cassie;talvez alguém tenha encontrado algoimportante.Cassie preferia essa teoria àalternativa: que algo terrível tivesseacontecido.

Mas como Cassie e Melanie

escapariamdasaladeaulasemdespertarsuspeitas?

Como se alguém lesse seuspensamentos, o alarme de incêndiodisparou.OSr.Zitofskytirouosóculoseselevantoudacadeira.

—Muito bem, pessoal— disse ele.— Vocês conhecem os procedimentos.Levantem-seesaiamemfilaúnica.

Outra mensagem, daquela vez deNick, confirmou as desconfianças deCassie:

ALARMEFALSO.NÃOHÁDEQUÊ.SALADABANDA,AGORA.

Cassie conteve o impulso de sorrirenquanto ela e Melanie seguiam oscolegas de turma, feito soldados, portaafora. Os corredores abarrotados efervilhando de alunos partindo para assaídas de emergência facilitaram suaescapulida para a sala da banda. ElasentraramjustoquandoChrisperguntava:

—Oqueestamosfazendoaqui?Depois ele pegou um trompete e

soproucomtodaforça.— Era a única sala vazia que

conseguimos encontrar, por acasotambém à prova de som — disse

Deborah. Depois olhou para Cassie. —Quebomquevocêpôdevir.

Todos do Círculo, menos Adam, jáestavam reunidos na salamal iluminadaque os alunos da banda chamavam dePoço.MassóChriseDougmexiamnosinstrumentosdesomespalhadosporali.

Adamentroupelaporta,eNickfalou:— Todos chegaram. Agora, o que

estáacontecendo?ChriseDougbaixaramasclarinetase

esperaram, com o resto do grupo, queDianadissesse algumacoisa.Cassie tevea sensação de que aquele anúncio não

tinha nenhuma relação com o livro.Diana seguiu Max por bastante tempo,ficandocadavezmaissozinhacomelenasemana anterior, e Cassie tinha aangustiante sensação de que o anúncioteriaalgumarelaçãocomele.

Diana foiparaomeiodogrupoe secolocou de frente para uma estante departituravazia.

—Tenhonotícias desanimadoras—anunciouela.

— Que choque para nós! —exclamouFaye.

— Alguma vez tivemos reuniões de

emergência com boas notícias? —acrescentouDeborah.

Dianaretiroualgodobolsodetrás.— Encontrei isso enquanto

vasculhavaabolsadeMaxhoje.Fayeresmungou.—Vocêspassammuitotempojuntos,

já estava mesmo na hora de encontraralgumacoisaútilsobreele.

— Como disse? — retrucou Diana.—Temalgumacoisaparamedizer?

Fayebalançouacabeça.— Não. Nada. Só estava me

perguntandooquevocêencontrou.

Diana se aproximou solenemente deSuzaneDeborah.

— É uma foto — disse ela. — Devocêsduas.

Deborah pegou a fotografia da mãodeDianaeaexaminou.Suzanolhouporsobreoombrodaamiga.

CassieviuorostodeDeborahpassardo rosa ao vermelho, e daí para o roxo-claro.Depoiselaamassouafotoeajogouviolentamentenochão.

Cassie se abaixou para pegá-la,alisando para ver a imagem. Era umafoto de Suzan e Deborah na noite do

bailedeprimavera.Pareciatersidotiradade longe, talvezporumcelular— tinhauma aparência granulada de câmera devigilância. Foi depois que acabou aeletricidade, e parecia que Deborah eSuzan usaram magia para iluminar ocaminho no escuro. Mas a parte maisperturbadora era que acima do rosto deSuzan eDeborah, a foto tinha amarcadocaçador.

Cassie virou a foto para que todo oCírculovisse.

— Agora quase metade de nós estámarcada—disseela.

—Como foi que isso aconteceu?—perguntouMelanie, examinando a foto.—Foitiradananoitedobaile.Comosótomamosconhecimentodissoagora?

Suzanassentiucomseriedade.—Nós sabíamos que havíamos sido

marcadas.Massó...aindanãoqueríamoscontaratodosvocês.Foiidioticenossa.

—Agora o segredo foi revelado.—Deborah recuou para um canto.Arremeteu o punho contra a parede, eCassietevemedodequeelaquebrasseorebocoaosmurros.

Efoimesmoidioticedelas—primeiro

usar a magia, depois não contar aoCírculo que foram apanhadas —, masninguém tinha coragem para criticar asduas por seu limitado bom senso. Nemquando enfrentavam consequênciasmuitomaisgraves.

—Issojáfoilongedemais.—Adamse levantou. — Outros dois membrossendomarcados significa que temos quefazeralgo.

— Fizemos algum progresso natradução do livro — revelou Laurel. —As páginas em que trabalhamos ontempodem ser a maldição do caçador de

bruxasqueprocurávamos.Dianabalançouacabeça.—Maséumatraduçãodesordenada.

Aindaestálongedeserconcluída.—Paramim,jádevíamostertentado

há muito tempo. — Faye foi aondeDeborah rondava pelo canto e a trouxedevoltaaogrupo.—Vamosnosvingar.

Mas Diana ficou firme, apesar dascircunstâncias.

— Não queremos usar magia negraque não compreendemos. É perigosodemais.

— Então é hora de irmos atrás de

Scarlett.—Fayeestavaficandofrustrada.Curvou-se para a frente com o queixorígidoeosolhosdouradosbrilhando.—Ela é a única que pode nos ajudar aentenderamagianegra.

Adam, sensatamente, daquela vez seabsteve de opinar, mas Dianasurpreendeuatodosquandofalou.

—Concordo.—Depois olhou compesarparaCassie.—Estánahora.

—Não temos forças suficientes parasuperar o poder de Scarlett, lembra? —disse Melanie. — Nem mesmo todosjuntos.

Diana aproveitou a oportunidade epassouobraçoporCassie.

— Seremos fortes com a volta dasChavesMestras.

CassieergueuosolhosatempodeverosorrisodeAdam.

—Exatamente—disseele.—ComasChaves, teríamos forças para derrotaratémesmoBlackJohn.

— Então, acho que temos queencontrarScarlett—disseNick.—Massó para pegar as Chaves de volta. Porenquanto,sópodemosnosarriscaraisso.

Todos pareciam concordar... até

Nick.MasCassiesóconseguiapensarnamãe dizendo que se ela quisesse teralguma chance de derrotar Scarlett, asrespostasestavamno livro.Nadapareciapossível ou realista sem os segredos queelecontinha.

—Cassie—disseDiana,e sóentãoCassie percebeu que todo o grupo aolhava. — Precisamos que você estejaconosco.

Cassie olhou cada um deles. Dianaparecia desesperada, porém sincera.Deborah e Suzan estavam novamenteapavoradas.Fayequeriasangue.Porfim,

Cassie pousou os olhos em Adam. Eleparecia pesaroso e arrependido porcolocarScarlettmaisumavezàfrentedavida deles.Mas fazia o que pensava sermelhor para ela e para os amigos. Erafácilverisso.

Na realidade, todo o Círculoacreditava que ia conseguir. Elespensavam que podiam triunfar sobre omal sem recorrer às trevas. Cassie osinvejava, com sinceridade. Houve umaépocaemqueelatambémacreditavaqueissoerapossível.

Mas o que poderia dizer?Eles eram

seu Círculo, e ela era obrigada aacompanhá-los,seéoqueelesiamfazer.

—Estou com vocês—disse ela.—VamosrecuperarnossasChaves.

N

14

aquela noite, Diana e Adampegaramáguasalgadadamaréalta

enquantoCassie eosoutrospreparavama sala secreta para um feitiço delocalização a fim de encontrar Scarlett.Suzan e Deborah colocaram velas nosquatropontoscardeais:norte,sul, lesteeoeste. Sean acendeu seus pavios, um decadavez.ChriseDougpurificaramoar

com incenso de jasmim enquantoMelanie arrumava cristais para limpar aenergia. Cassie permitiu que umapequena parte de si sentisse esperança.Talvez eles conjurassem magia boasuficienteparateralgumachancenaquelabriga. Recuperar as Chaves Mestras deScarlettpodiamudartudo.

DianaeAdamvoltaramdeforacomum caldeirão de pedra até a borda comáguadomar.Elesobaixaramnochão,eogruposedeuasmãos,encerrando-oemumcírculo.Justocomodaúltimavezemque o Círculo realizou aquele feitiço,

todosseconcentraramnaágua—emsuaclarezaeprofundidade,nacapacidadedeseamoldaraqualquerrecipienteeemsuautilidade como espelho. Em seguida,invocaramoselementos.

—Poderesdaágua,euvosinvoco—entrou Diana. Juntos, o Círculo repetiuem voz baixa, quatro vezes, oencantamentodelocalização:

Agoraperdida,logoencontradaAquelaescondidasejarevelada

Eles olharam fixamente para o

caldeirãoenquantoDianaexclamava:— Que a água mostre a localização

deScarlett!E então eles observaram, esperando

quesurgissemasimagens.Cassie se concentrava firmemente,

dirigindotodoseudesejoeanseioparaaágua. Ela forçou a mente, implorandoqueoperasse.Quandoaprimeiraimagemcomeçou a tomar forma, ela sentiu umaondadeenergiacorrerpelocorpo.

Era uma casa antiga — do séculoXVII. E era cercada por um portão deferropesado.Acasaparecia ter sidoum

museu, não era mais adequada comohabitação, mas não diferia de muitascasasdeNewSalemedocontinente.

Em seguida Cassie viu uma ponte,mas não a reconheceu. Podia serqualquer ponte em qualquer lugar; nadanela lhe pareceu singular. A pontedesapareceu com a mesma rapidez comquesurgiu.

Por fim, começou a se formar umaestranha imagem na superfície da água.Pouco a pouco, vinha à luz um retratoimpressionante:umhomemcomacabeçaeospéspresosporburacosemumatábua

demadeira.Tinhaasmãos acorrentadasàscostas.Cassiesabiaoqueolhava—játinhavistoumdesses.Eraumprisioneironuma canga dos tempos da colônia.Depois a água assumiu um negrorinquietante.

Cassie não sabia o que deduzir daestranhasériedeimagens.Pareciaqueofeitiço não tinha funcionado tão bemcomo da última vez. Adam, porém,ergueu a cabeça na direção dos outroscomacompreensãonosolhos.

—Não posso acreditar— disse ele.—ElaestámuitopertodeNewSalem.

— Conheço aquele lugar. — Nickassentiu.—É a antigaCasa daMissãoStockbridge, do outro lado da ponte.Deviaestarabandonada,masparecequenãoestámais.

—Bom,eoqueestamosesperando?—perguntouFaye.—Vamosatrásdela.

—Espere.—Dianaapagoutodasasvelas e o incenso.— Primeiro devemospesquisar que feitiço seria útil contraScarlett. Assim, pelo menos estaremospreparadosparaumconfronto.

Laurelpegouumcadernoecomeçouaescreverumalista.

—Precisamos estudarnossos feitiçosde defesa—disse ela.—E semdúvidafeitiços de invocação remota. Melanie,consegueverquecristaispodemserúteis?

Faye deu um peteleco no lápis deLaurel,tirando-odeseusdedos.

— Esqueça tudo isso. Nós temosCassie.

Cassie baixou os olhos para o tapetepuído, sem querer reconhecer ocomentário de Faye. É claro que Fayeestava indócil para atacar os caçadores.Ela só se importava em marcar pontos,mesmo que isso significasse Cassie usar

magia negra. Mas o que Faye nãocompreendiaeraquequantomaisCassieapelasse para a magia negra, maissombria ela se tornava. Ou talvez Fayecompreendesse,masaindaestavadispostaa sacrificarCassiepara o ladonegro emproldoCírculo.

— Cassie não vai usar magia negraquando enfrentarmosScarlett—decidiuAdam. — Em circunstância nenhuma.Mas,tirandoisso,euconcordocomFaye.Precisamos agir logo, mesmo que nãotenhamosfeitotodaapesquisa.

Dooutroladodamesadasala,Diana

olhouparaAdam,boquiaberta.—Não sepode serprecipitadonisto

—retrucouela.—PrecisolembraravocêqueemnossaúltimabatalhacomScarlettelaodeixoucegocomapenasumaceno?

Suzan e Deborah, sentadas lado aladonosofá,riramcommaldade.

— Eu me lembro — assegurouAdam.—E não foi apenas comigo, foicom todos nós. Mas obrigada porlevantaraquestão.

Adam procurou o apoio de Nick,supondoquepelaprimeiravezelestalvezestivessem do mesmo lado de uma

disputa.— Não acha que está na hora da

verdade?—perguntouAdamaNick.—Operíododeestudosacabou.Nãotenhorazão?

Por dentro, Cassie fervilhava. Elaqueria ir atrás de Scarlett e recuperar asChaves Mestras mais do que qualquerumdeles,porém,no fundo, sabia contraoquelutavam—eraaúnicaque,defato,entendia o que combatiam. Eraresponsabilidadedelasepronunciar.

— Tendo aprendido alguma coisacom a armadilha em que caí em Cape

Cod—disseela—,nãoqueroenfrentarScarlettdespreparada.Elaémaisfortedoque todos nós juntos. Tivemos sorte daúltima vez... Conseguimos afugentá-la,masnãovamossuperarseupoder.Nossaúnicachancedederrotá-laagoraésendomaisinteligentesdoqueela.

CassievoltousuaatençãoparaAdam.—Este foi umótimodebate e tudo,

masumaatitudepositivaeummontedeesperanças não vão dar resultado.Precisamosserrealistas.Devemosterumarsenal de feitiços a mão antes deatravessar a porta daquela casa. Só

precisamos de mais um ou dois dias depreparativos.Nãoémuitacoisa.

— Concordo com ela — disseDeborah. — Cassie deve ser quemcomandaestamissão.

Nicklevantouamão.—Euapoio.As bochechas de Adam ficaram

vermelhas, e Faye soltou um suspirorabugento.

Laurelpegoucadernoelápis.— Então, muito bem. Quem tem

algoaacrescentaràlista?

Adam se demorou na porta da casa deCassie,esperandoqueosoutrospartissemcom suas atribuições. Virou a cabeça deladoparaelaedesviouosolhos.

— Precisamos conversar — afirmouele.

—Sobreoquê?—Scarlett.—Parecequeultimamenteésónisso

quevocêquerfalar—disseCassie.O olhar envergonhado de Adam se

transformouemalgomaissério.—Entendo por que está aborrecida,

Cassie. Mas não sugeri que

procurássemosScarlettparaeuconvidá-lapara jantar.—Ele sorriu.—Você sabedisso.

Cassie realmente sabia, mas aindaodiava Scarlett pelo estresse que elaimpunha em sua relação com Adam. Eesse ressentimento era transferidodiretamenteparaonamorado.

—Erasóissoqueeuqueriadizer.—Adam se curvou e deu um tenso abraçodedespedidaemCassie.

Cassie aceitou o abraço sementusiasmo. Mentalmente, sabia queAdamnãofizeranadadeerrado,masseu

coração se mostrava muito teimoso. Elasó conseguia ver Scarlett e o cordãoquando olhava para Adam, era só issoqueconseguiasentirquandoeleatocava.Por mais que se esforçasse pararacionalizar seu ciúme, ele estavapresente.

DepoisqueAdamfoiembora,Cassiefez aúnica coisa emquepensoupara sedistrairdesuavidaamorosa:foilimparacozinha.Amãelogochegariaemcasa,eseria bom para ela voltar a um larimaculado.

Enquanto varria o chão da cozinha,

desfrutando do senso de controle banalque vinha de derrotar a sujeira de umacasa,Nicksubiudoporão.

Cassie segurou o cabo da vassouracomforça.

—Vai a algum lugar?— perguntouela.

Nick tirou a vassoura das mãos deCassie.

— Não, a não ser que você seapresentecomoacompanhante.

—Bemque eupodia.—Cassie riu.— Mas só depois que este chão estiverlimpo.

— Nesse caso, considere feito. —Nickbaixouacabeçaecomeçouavarrerochãocomgolpesregulares.

Cassieoolhava,admirandocomoelerelaxava tão espontaneamente em umatarefa física. Remontar motores,consertar canos, cortar lenha — era naforça bruta que Nick se superava.Consertar coisas quebradas ou limpar ochão, se era tudo o que ele podia fazer.Havia uma simplicidade rude no amigoqueCassieinvejava.

Nick parou de varrer e pousou asmãosnocabodavassoura.

—Umamoedaporseuspensamentos—disseele.

— Eu é que devia te pagar se eucomeçarafalar.

—Experimente.—Nicksorriu.—Aprimeirasessãoégratuita.

Cassie se recostou na bancada dacozinha.

— Bom, para começar, ando tendopesadeloshorríveis.

— Você acha que é por causa dolivro?—perguntouNick.

— Sim. Venho tendo muitassensações estranhas desde que esse livro

entrou na minha vida. — Cassie seinterrompeu.—E as coisas comAdamvêmficandomuitoconfusas.

Emgeral,NickseretraíasemprequeCassiediziaonomedeAdam,masdessavez não foi assim. Seus olhos cor demogno estavam parados e claros, e orosto, calmo. De repente Cassie sentiaquepodiacontartudoaNickeelenãoajulgaria.Elaseaproximoudele.

—Sabeo cordão?—perguntou ela.—AquelequeexisteentremimeAdam?

—Oinfamecordãoprateado.Precisaperguntar?

—Bom,existeoutroigual—revelouCassie.—EntreAdameScarlett.

— Humm. — Nick colocou avassoura de lado e cruzou os braçosgrossossobreopeito.

—Oque achaque isso significa?—perguntouCassie.

— A pergunta mais importante é oquevocêachaquesignifica?—AvozdeNickeracalorosaecarinhosa.

Cassiebalançouacabeça.—Nãoseibem.— Pessoalmente — Nick olhava

incisivamenteparaCassie—,achoqueas

pessoasescolhemaquemelasamam.Houveumsegundode silêncio entre

os dois, um momento tenso, e Cassiesentiu algo tremer em seu íntimo. Algoincontrolável.Umcalor.

Sem pensar, ela pegou o rosto deNick nas mãos e o beijou. Foi urgente,apaixonado,nadaparecidocomosbeijossuaves que dera em Adam. Ela estavaexcitadadeumaformaquenãosabiasercapaz.Porém,aomesmotemposesentiadesligada, como em seu quarto, naquelanoitecomAdam,depoisdetocarolivro.Eracomoseamenteeocorpotivessem

se dividido. Ela queria parar, mas nãoconseguia, e então continuou beijandoNickatéqueeleseafastou.

Ele levou os dedos aos lábios,chocado.

—Masoquefoiisso?Cassieestavaigualmenteassombrada.—Nãosei.Desculpe.—Nãopeçadesculpas,anãoserque

falesério.—OolhardeNickardiasobreela, e o ar entre eles ainda estavaeletrizado. Cassie sabia que se não seafastasse agora ia fazer algo de que searrependeria mais tarde. Ela se virou e

subiuaescadacorrendopara seuquarto,trancandoaportadepoisdeentrar.

Cassie não sabia como lidar com oqueacabaradeacontecer.Sósedeucontadeque iabeijarNickquando jáoestavabeijando. No momento, a emoçãodecorrente disso tomava todo seu corpo.Aânsia sombriaegritantequeemanavado seu ser havia sido saciada — tinhaconseguido o que queria —, mas agoraCassiesentiaapenasumvazio.

N

15

a manhã seguinte, a culpa e avergonhaconsumiamCassie.Foisó

um beijo,mas não devia ter acontecido.Como é que ela deixou que issoacontecesse? Antesmesmo de afastar ascobertas e sair da cama, ela tentou ligarparaAdam.Precisavaajeitarascoisas.

Ele atendeu rapidamente, maspareciadistraído.Ouestavairritado?

—É uma hora ruim?— perguntouCassie.

— Está tudo bem — respondeuAdamabruptamente.—Quefoi?

— Pensei que a gente podiaconversar — disse Cassie. — Pode meencontrarnaescarpa?

—Nãoposso.—Émeioimportante.Adampigarreounervoso.— Eu gostaria, mas tenho que

estudarparaumaprovadehistória.Era uma mentira tão óbvia que era

quaseofensiva.

— Desde quando você se preocupatanto com os estudos? — perguntouCassie.

—Doque você está falando?Desdesempre.

Cassiesabiaquehaviaalgoerrado.AvozdeAdamestavaagitadaemaisagudado que o normal. Ele escondia algumacoisa.

—Possofalarcomvocêagora,então,poralgunsminutos?—insistiuCassie.—Tem uma coisa que gostaria de dizer enãoqueroadiar.

—Olha, agora não é uma hora tão

boa.Estounomeiodeumlance.Cassie mal acreditava no que ouvia.

Adam devia estar chateado com ela, elejamais agiria assim. Mas isso não faziasentido.Nanoiteanterioreledissequeaamava.

—Euqueromuitoconversar—disseAdam.—Mas isso vai ter que esperar.Desculpe, Cassie, mas preciso ir. Ligoparavocêdepois.

Cassie sedespediu eouviuo silênciona linha por alguns segundos depois deAdamterdesligado.Oabismoentreelesparecia ser maior do que ela havia

pensado. E Adam sequer sabia do pior.Seeleestavatãochateadocomelaagora,qual seria sua reaçãoquandodescobrissequeelabeijouNick?

Passaram-se horas e Cassie ainda nãoconseguia tirar o telefonema comAdamda cabeça.Oque a incomodavanão erasó ele termentido; era elamerecer isso.Ele tinha razão em nemmesmo quererouvir suas desculpas ridículas. No lugardele,elanãoiaquererconversartambém.

MashaviaalgomaispeloqueCassiedevia se desculpar, e a garota tinha

esperanças de que ele pelo menos aouvisse. Ela serviu alguns pratos comfrango e legumes e levou até o porão,comoumadesculpaparaprocurarNick.

Quando entrouna sala secreta,Nickestava sentado no sofá, vendo um filmede terror vagabundo com Deborah eSuzan.Comiampipocaeriam.Nenhumdeles se virou para ela, mas Cassie, nomomentoemquepôsosolhosemNick,foi tomada pela vergonha. Nemsuportava olhar para ele. Ela apoiou ospratos sobre amesada cozinhae correuem direção a escada, o mais rápido que

pôde.Nicknotousuapresençaeseapressou

emsegurá-lapelobraço.—Ei.Aondevocêvai?CassieolhouparaFayeeLaurel,mas

nenhuma das duas notou a comoção.Estavam em seus computadores, com osfones no ouvido. E Deborah e Suzanpareciamenvolvidasdemaisno sangueenas tripas de seu filme para se importarcom o que havia entre Nick e Cassie.Elas aumentaram o volume da televisãoparaabafaravozdeles.

NickpuxouCassiedelado.

— Você está me evitando. Não hámotivoparaisso.Setivermosdefalarnoassunto,entãofalemos.

Cassie começou a ficar tonta demaisparaquecompletasseumafrasecoerente.

—Nãoseioqueaconteceuontemànoite—disseela.—Desculpe, euandoforademimultimamente.

— Pega leve. Não houve nenhumacatástrofe.

— Nick, eu te beijei. Praticamentevoei para cima de você. Adamconsiderariaissobemcatastrófico.

Nicksorriucommalícia.

— É verdade. Mas de certo modoentendoporqueissoaconteceu.

— Eu queria entender. Estive meesforçando muito para ter você comoamigo de novo, depois vou lá e... —Cassienãoconseguiuterminarafrase.

—Olha,foisóuminstantefugaz—disseNick,comdespreocupação.—Tivemil momentos em que quis fazer algoparecido.

— Teve? — Cassie respirou fundo.—Eunãoquisdizercomissoque...

— Não significa que devemos seroutra coisa de novo. Ou que você deva

colocaremriscoseurelacionamentocomAdam.Euentendoisso.

AreaçãofriadeNicknãocombinavamuito coma troca acaloradada véspera,masCassieaceitariaoqueviesse.

—Então, vocêmeperdoa?!—disseela.

Nickbalançouacabeça.— Às vezes as coisas acontecem,

Cassie. Em especial entre bons amigos.Fronteiras são cruzadas; as coisas ficamconfusas.

—Então, é o que nós somos? Bonsamigos?Ainda?

Nickevitouaperguntaolhandoparaofilmequeestavaperdendo.

—Emboratenhasidoumbeijobemardente,modéstiaàparte.—Elesorriu,eCassie tentou ignorar o tom um tantocondescendentedesuavoz.

OfatoeraqueCassietinhasorteporternãoapenasum,masdoiscarasnavidaque realmente gostavam dela. Só queriase sentir digna de qualquer um delesagora.

Ela pensou na conversa tensa queteve com Adam. Se eles estavam seafastando,elanãoiadeixarquearelação

terminasse numa briga. Recusar-se adeixar que Scarlett, Nick ou qualqueroutro se metesse entre eles era o únicojeitodeprovaraAdamoseuamor—eessa prova seriamais importante do quequalqueroutra.

— Que bom que esclarecemos ascoisas—disseCassie.—Agora precisofazer o controle de danos com meunamorado.

—Achoqueissoquerdizerquevocêvaicontaraele—falouNick.

— Preciso contar. Sei que não vaiajudar na amizade de vocês, mas não

possoesconderissodeAdam.— Talvez você deva lembrar a ele

queestasalaéenfeitiçadaparaproteção.Se ele quiser me matar, vai ter que mearrastarparaforadaqui.

— Vamos torcer para não chegar aesse ponto.Alémdisso, acho que a essaaltura quemvai levar a culpa sou eu.—CassiedeuumbeijonorostodeNick.—Medesejesorte.

—Você não precisa de sorte.Adamnão vai largar você com essa facilidadetoda.

Cassie correu escada acima e saiude

casa,disparandopelaquadrabanhadadesol enquanto ensaiava mentalmente opedido de desculpas a Adam. Minutosdepois,elaseviunasoleirademadeiradaporta do namorado. O Mustang deAdam,elanotou,nãoestavanaentrada,mas ele costumava estacionar nagaragem, e o fato não tinha grandesignificado. Primeiro Cassie bateu napesadaportadecarvalho,depois tocouacampainha.Massóoqueconseguiuouvirdo outro lado foi o latido incessante deRaj. Adam não estava em casa. Nãohavianinguém,pelovisto.Masdesdesua

conversa naquela manhã, Cassie sabiaque havia algo errado. De repente elaimaginou Adam escondido ali dentro,esperandoque ela desistisse e o deixasseempaz.

Será que ele realmente fingiria nãoestaremcasa?

Cassie olhou para os dois lados; nãohavianinguémàvista,sóumcarteirodeuniforme azul com fones de ouvidogigantescos, balançando a cabeça comuma música que só ele ouvia. Compressa, Cassie usou um feitiço paradestrancaraporta,que seabriucomum

estalo e ela entrou de mansinho. Ládentro, Raj pulava e latia ansiosamente,comose soubessequehavia algoerrado.Fazendo um carinho no cachorro paraacalmá-lo e,Cassie correu os olhos pelaescuridãodasaladeestaredasaleta.

OndeAdam estaria?Onde quer quefosse, claramente não queria que elasoubesse,ounãoteriaficadotãoestranhoaotelefonemaiscedo.

CassieentroufurtivamentenoquartodeAdamparadarumaolhadarápidaporali. Sua cama era uma montanha decobertores desarrumados, e os livros de

história estavam fechados na mesa decabeceira. Era evidente que ele nãoesteveestudandoparaaprovadehistória.Pelo menos agora Cassie tinha umaprovadasuamentira.

Ela procurou na mesa dele algumapista de onde ele poderia ter ido ou doque estaria aprontando. Enquantoempurrava alguns papéis de lado, seusdedos roçaram por acaso no mouse docomputador e o monitor se acendeu.Uma imagem cinza de uma casa antigaencheu a tela. Era a Casa da MissãoStockbridge, Cassie tinha certeza. Era

exatamente a casa que havia aparecidoduranteofeitiçodelocalização.Eabaixodesuaimagemespectral,haviainstruçõespassoapassoparaummotoristachegarláapartirdeNewSalem.

Elenãofezisso,pensouCassie.Mas enquanto ela clicava pelas

informações no computador de Adam,ficavacadavezmaisclaroqueelefez.Eraaúnicaexplicaçãológicaedesúbitotudocomeçava a fazer sentido—asmentirasdele, seu tomansiosoao telefone,o fatode na reunião do Círculo ele terconcordado com relutância empesquisar

mais,quandosóumminutoantesestavasecoçandoparairatrásdeScarlett.Horadaverdade,foicomoelechamou.

AdamfoiatrásdeScarlett.Sozinho.

C

16

omoAdampodiasertãoteimoso?Etão idiota? Sozinho, ele não tinha

chance alguma contra Scarlett. Cassiesaiu às pressas e em pânico da casa deAdame foi diretamente àdeDiana; elasaberiaoquefazer.

Bateu na porta lustrosa da casaamarelo-limão de Diana, mas ninguématendeu. De novo, não, pensou Cassie.

Estava pronta para fazer outro feitiço afimdedestrancá-laquandoexperimentoua maçaneta. Estalou facilmente sob seupolegar. A porta estava destrancada.Cassie entrou no agradável saguão dacasaechamouonomedeDiana.Suavozecoouno consolo envernizadoda lareiraenosenfeitesdebronze.

Nãohouveresposta,masoestampidograve de uma música alta demais vinhado quarto de Diana. Isso explicava porque ela não ouviu Cassie bater. Cassiesubiuaoquartodelaeabriuaporta.

— Diana? — disse ela, enquanto

registravaa imagemque tinhadiantedesi.Diana não estava sozinha. Estava nacamacom...

—Ai,meuDeus.—EraMax.EelebeijavaDiana.Eelacorrespondia.

— Cassie! — gritou Diana,afastando-seapressadamentedeMax.—Oqueestáfazendoaqui?

—Aportaestavaaberta—gaguejouCassie.—Tenteibater,mas...Desculpe.

Maxpuloudacama,ficoudepéeemummovimentorápidodesligouamúsica.

—Não é o que você está pensando— disse ele. Ele se apoiava nos

calcanhares e aspanturrilhasbronzeadasestavam flexionadas, como se estivesseposicionadoparasedesviardeumataquefrontal.

— Está tudo bem. — Diana olhoucom solidariedade paraMax.— Era sóuma questão de tempo até que alguémnosdescobrisse.PelomenoséaCassie.

Max se acomodou e passou asmãosnocabelo.Depois,procurouasmeiaseostênisnochão.

— Acho que vocês precisamconversar — disse ele, seu tom pareciaumpedidodedesculpas.—Devosair.

— Não precisa ir embora — avisouDiana, suavemente.—Ésónosdarumminuto.

Cassie deu um passo de ladoenquanto Max tropeçava porta afora,evitandoosolhosdela.

— Vou ficar lá embaixo. — Elefechou a porta, e Cassie se virou paraDiana.

— Por favor, me deixe explicar —disse Diana, sem dar à Cassie aoportunidadedereagir.

Cassie não sabia o que dizer.PrecisavacontaràDianasobreAdamter

idoàCasadaMissão—eraumaquestãode vida ou morte. Porém, antes mesmodepoderpronunciarumapalavrasequer,Dianacaiuemprantos.

—Este segredo estavamematando.—OsolhosesmeraldadeDianaficaramrosados de emoção.—Medesculpe pornão ter contado a você. É só que... eusabia que seria difícil para todo mundoentender.

Cassie se sentou na colchamacia defrente para Diana e deixou que elafalasse. Era evidente que ela esteveguardando aquilo por algum tempo e

precisavadesabafar.— Quando comecei com Max —

disseDiana—, descobri que gostava deverdade dele. Pode não parecer assim,Cassie, mas ele é um encanto, é umamor.Eapesardecomoàsvezeseleagenaescola,elenãodáamínimaparaoqueosoutrospensam.

— Não duvido disso. — Cassietentou parecer objetiva e sempreconceitos. — Mas Max é nossoinimigo. Ele próprio marcou Faye, e opessoal dele matou Constance e Portia.Ele deve saber que você é uma bruxa

também.Dianaassentiu,agorasoluçando.—Seidisso.Nãomeesquecidetudo

que ele nos fez.Mas sabe o cordão? Aligação que você e Adam têm? Eu vientremimeMax.

Cassie engoliu o bolo na gargantaque se formou à menção do cordãoprateado. Ele parecia estar pipocandoparatodoladoultimamente.

—Temcerteza?DianachoravatantoqueCassiesabia

queelanãopodiaestarequivocada.— Você entre todas as pessoas tem

que entender — pediu Diana. — Nemsempre a gente escolhe por quem seapaixona.

Cassie reconheceu queDiana jamaisteriaescolhidoaquelecaminhosetivessealternativa. Sentia pena da amiga, decerto modo. Não podia ser fácil seapaixonarporseuinimigojurado.

CassieacariciouascostasdeDiana.—Nãoaculpopor seapaixonarpor

ele.Eleébonitoegostoudevocêdesdeque te viu pela primeira vez.Mas, paramim, é difícil entender exatamente comoissoaconteceu.

Dianapegouumlençodepapelparaenxugarorostobanhadodelágrimas.

—Quandoeuestavatentandopassaralgum tempo com ele, para espionar,percebi como realmente era ser ele. Eletevequesemudardeumlugarparaoutroavida toda,perseguindobruxoscomumpai horrível. Ele não tem mãe nemirmãos.Comomuitosdenós,Cassie.

Dianapegououtrolençodepapelnacaixaepassounosolhos.

—Émuitodifícilparaeleconfiarnaspessoas. Ele está assustado e solitário.Sabe o que isso começou a parecer?

Enganar esse cara realmente bomlevando-o a acreditar que eu não tinhamotivosocultosparaficarcomele?

Diana não esperou que Cassierespondesse.

— Depois, um dia, estávamos noquartodeleeopaichegouemcasacedo.No momento em que a porta da casabateu, Max se virou para mim,apavorado. Segurou minha mão e melevou para a janela, e percebi que eracomigo que ele estava preocupado, nãocom ele. Saímos pela janela e corremosparaamataatrásdesuacasa.Estávamos

descalços, com os sapatos na mão, e aspedras e galhos cortavam a sola dosnossos pés enlameados, mas nãoparamos.Muito depois de ficar evidentequeestávamosemsegurança,Maxaindasegurava minha mão, me puxando, atéque finalmente não consegui continuar.Parei, sem fôlego, e perguntei a ele porque ainda estávamos correndo. E foiquando elemebeijoupela primeira vez.Curvou-se e nossos lábios se tocaram,uma onda de energia correu por mim,diferentedetudooquejásenti.Eledisse,“Quero continuar correndo até termos a

liberdade”.E foi como se de repente euestivesseflutuandoparaforademim.Eupodia ver nós dois de pé ali, namata, eestávamos ligados por uma faixa deenergia... Um cordão prateado quezumbia,cantavaeligavameucoraçãoaodele.Eentendiquenãopodiajamaisserrompido, que nossas vidas estavamligadas.

Cassieficouemsilêncio,olhandocomsolidariedadeparaDiana.

— Sei que parece loucura — disseDiana—,maseuconfionele,Cassie.Elenãofarianadaparamemachucar.

—Sevocêconfianele,euconfioemvocê—falouCassie.—Masdojeitoqueascoisasseencaminham,éprovávelquehajaumabatalha entrenós e eles.Vocêentendeisso,nãoé?

—Eu sei.—Diana soltou um fortesuspiro. — Praticamente só consigopensarnisso.Mas atéque isso aconteça,possotepedirparaguardarestesegredo?

Cassie queria expressar apoio, masestava preocupada com a posição deDiana de agora em diante. Ela ficariadividida entre seu amor por Max e adevoçãoaoCírculo,eCassiesabiacomo

overdadeiroamorpodiaserpoderoso.— Me deixe te fazer uma pergunta

importante — propôs Cassie. — Eprecisoque vocêmediga a verdade.Háalguma possibilidade de sua lealdade sedesviarquandochegarahoradaluta?

—Nãohápossibilidadenenhumadeissoacontecer.—Dianatinhaparadodechorar, mas seus olhos ainda estavaminchadosevermelhos.—Garantoavocê.Minha aliança sempre será com oCírculo,mesmoque issomemate.É sóque ainda não estou preparada para queelessaibam.Porfavor.

Diana soava muito convincente. Etinha razão, o Círculo jamaiscompreenderia o quanto ela estavaapaixonadaporMax.

—Seusegredoestásegurocomigo—afirmou Cassie. — Mas ainda nãoacabamosesseassunto.

ECassiese levantoupara irembora.Todaaconversasobrecordõeseligaçõesirresistíveisadeixavaaindamaisnervosaa respeitodeAdam.MaselanãoqueriasearriscaraexplicarasituaçãodeAdamaDianacomMaxtãoperto.

— Espere. — Diana seguiu Cassie

para aportaquandopercebeuque ela iaembora. — Não precisa de mim paraalgumacoisa?

—Nãoénadaimportante.Deixapralá.

Ela teria que ir atrás de Adamsozinha. Mas precisava partir agora,antesquefossetardedemais.

U

17

sando as orientações paramotoristas que ela encontrou no

computador de Adam, Cassie chegou aStockbridge logo depois do pôr do sol.Era difícil não ver a Casa da Missãodepois de atravessar a ponte. Era umaantiga construção cinzenta, muitodilapidada, com postigos de madeiratortos emusgo subindo pela fachada—

exatamente como apareceu na água dofeitiçodelocalização.

E exatamente como Cassie viu nofeitiço, a casa era cercada por um gradilde ferro pontudo. Cassie descobriu queera baixo, e ela podia pular semdificuldade nenhuma. Ela caiu com osdois pés na lama esponjosa do jardim ecomeçou a explorar a propriedadecercada.

Cassie contornou o perímetro,pensandoemsuasopçõesparaentrarnacasa — e também para fugir. Pelo quevia,tinhatrêsportas:umanafrente,uma

nosfundoseaterceiranalateraldacasa.Astrêspareciamdemáqualidade,frágeise fáceisdeabrir,masaportados fundosnem mesmo estava fechada. Havia seabertocomabrisafraca.

Cassie entrou em silêncio e esperouquesuaintuiçãoaalertassedalocalizaçãodeAdam.Fechouosolhoseconcentroua energia, chamando por elementalmente.

Maselaouviualgona salaprincipal.Eraumsomdelicadoefino—obarulhodepáginassendoviradas.

Cassieseguiuoruídoporumcorredor

compridoeembolorado.Osomvinhaemecos regulares, guiando-a pelo escuro epelopisodemadeiraempoeirado.Levou-adiretamenteàsoleiradasalaprincipal.

Eraumespaçodesarrumado,tomadodoquepareciamobíliade segundamão.Tudo era descasado, como se o donotivesse simplesmente deixado todas asquinquilharias indesejadas em umcômodoantesdeabandonarolugar.

Adam estava ali, parado diante deScarlett,respirandocomdificuldade.

—EutetrouxeoLivrodasSombrasdo seu pai— disse ele.—O que mais

vocêquerdemim?Nãotenhomaisnadaaoferecer.

O livro. Cassie pensou terreconhecido o chamado, e agora seuspiores temores se confirmavam. Adamdeve ter retirado o livro do quarto dela.Ele era o único que sabia onde estavaescondidoeondeencontrarachave.

A capa de couro gasta parecia aindamais sombria do que de costume nasmãos brancas de Scarlett, e Cassie seagitou por dentro.Aquele livro eradela,assimcomoAdam.

Scarlett se curvou para perto de

Adam, de modo que o rosto dos doisquasesetocavam.

—Quero de você exatamente o quevocêquerdemim.

Adamnãoseafastou.— Só o que quero de você são as

Chaves Mestras — disse ele, a boca acentímetros da de Scarlett. — E maisnada.

Cassieiainterromper,serevelar,masparounoúltimominuto.Adamestavaemsegurança,porenquanto.EmCapeCod,a vantagem foi de Scarlett, mas Cassietinhaoelementosurpresa.Seconseguisse

pegar Scarlett no momento certo... Suacabeçagiravacomaspossibilidades.

—Estámentindo.— Scarlett pôs amãonopeitodeAdameadeixouali.—Mas pelo menos seu coração diz averdade.

Adam recuou, afastando a mão deScarlettdeseucorpo.

—SeiqueasChavesestãoemalgumlugar por aqui. Se não está disposta aentregá-las,eumesmovouencontrar.

Ele se virou para a gaveta de umacômoda,depoisparaumarmário.

— Gosto de você, Adam — disse

Scarlett.—Masissonãosignificaqueeunão o machucaria. Acha sinceramenteque vou deixar você sair daqui com asChavesMestras?

Adam ignorou o alerta de Scarlett epartiuparaacômoda.

— Tolo — resmungou Scarlett,balançando a cabeça. Lançou um feitiçonegro que jogouAdam no chão.Cassieestremeceusódeolhar.

—Porqueinsisteemmedesafiar?—Asmãos de Scarlett pairavam acima docorpo de Adam, que soltava um gritosofrido. — Essa dor que você está

sentindo — disse ela —, quero queentenda que você mesmo a criou. Vocêestámeobrigandoafazerissoagora.

Adam gritava como um animalferido, arranhando o chão, tentando seafastar.

— Se você deseja a morte —continuouScarlett—,assimserá.—Elalançou os punhos, e Adam gritou comoqueméchicoteado.Ela fezogestomaisumavezedepoisoutra.Emcadaocasião,Adamgritavamais alto, implorandoqueScarlettparasse.

Cassie não podia ficar parada ali,

vendoAdamsertorturado,nempormaisum segundo. Correu para Scarlett demãosestendidasegritou,“Fragilis!”

Era o mesmo feitiço que ScarletthaviausadoemCassiedaúltimavezqueelas lutaram. Era um feitiço de magianegra,masCassieagorasabiacomofazê-lo.Tinha absorvido de algummodonasúltimassemanas.

Antes mesmo de saber o que aatingiu,Scarlett caiunochãoao ladodeAdam, como se toda a energia fossearrancada de seu corpo. Ela se esforçoupara levantar a cabeça e ver quem a

flagrou desprevenida em seu próprioesconderijo.

Cassie se voltouparaAdame gritou“Saia daqui!”,mas nomomento em queelesecolocoudepé,Scarlettrecitouumafrase, “Hoc funem est carcerem”, e Adamvooudecostasparaacadeirademadeiranafrentedosofá.Astirasdoestofadodacadeira se soltaram, e tiras grossasamarraramfirmementeAdam.

— Sinceramente, Cassie — disseScarlett, levantando-se. — Você nãoachava que seria tão fácil assim, né?—Scarlettergueuosbraçoseseconcentrou

emCassie,masCassieseantecipouaela.— Cadunt — ordenou Cassie.

Scarlett caiu de joelhos de novo, depoistombou no chão. Caiu com braços epernasretoserígidosemummovimentorápido, como uma árvore tomba nafloresta.

— O que estava dizendo sobrefacilidade?—Cassieaprovocou.

Scarlettficoudecostas,imóvelereta.— Me desamarra, Cassie! — gritou

Adam.—Precisamossairdaqui.Cassiefingiunãoouvir.Nomomento

podia tranquilamente libertarAdamsem

sequer usar asmãos.Um simples feitiçoteriafeitoisso.Maseramasamarrasqueo mantinham seguro, longe do fogocruzado. Aquela briga era entre ela e airmã, e no momento Cassie estavadispostaairatéofim.

Cassie gritou para Scarlett, estiradanochão.

— Já teve o bastante? Ou devocontinuar? Porque só estou noaquecimento.

Scarlett se recusava a se render. Ofeitiço de defesa que ela berrou pareciaumpedidodesocorroaosgritos,ouuma

súplicaaoprópriocorpo.— Oriuntur — proferiu Scarlett, e

usoucadagramadeforçasquetinhaparaselevantardenovo.

Olivro...Cassienotou—o livro dela— tinha escorregado das mãos deScarlett.

Cassie lançou os dedos carregadosparasuaspáginaseinvocou“Mihivenit!”

ParasurpresadeScarlett,edaprópriaCassie, o livro estremeceu e se levantoudo chão até ficar no nível dos olhos deCassie. Depois flutuou pela sala comouma folha apanhada pelo vento, indo

diretamenteparasuasmãosestendidas.Cassie segurouacapamaciado livro

eoabraçouaopeito.Desesperada,Scarlettlançoudenovo

osdedostrêmulosparaCassie.— Praestrangulo — gritou ela. —

Caecitas! — Ela estava frenética,experimentando cada feitiço queconhecia.Mas agora a vantagem era deCassie.

— Divorsus — disse Cassie,calmamente. O simples movimento deseubraçobloqueoutodososfeitiçosfebrisdeScarlett.

Como livrodopainasmãos,Cassieentendeudeondevinhaseunovopoder.De algum modo, tinha penetrado suasveias nas últimas semanas; os feitiços deBlack John agora eram dela. Sentia opoderdo livrocorrendoporela. Issoeracerto.EraScarlettquemtinhademorrer.

— E eu que pensava que você medaria muito trabalho — disse Cassie,zombando de Scarlett. — Tomei vocêporumaadversáriadigna.

Scarlettficavasemopções.Malsendocapaz de se levantar, exausta de lançartantos feitiços, por um momento ela

olhou para uma despensa pequena,isoladadasalaporduasportasdobráveis.

O olhar rápido da irmã não passoudespercebidoaCassie.

— Humm. — Ela se virou para oarmário. — O que será que tem ali?SerãominhasChaves?Aquelasquevocêrouboudemim?

OsolhosdeScarlettsearregalaram,eeladisparouparaasportasdoarmário.

—Desiccare!—gritouCassie.Scarlett caiu no chãomais uma vez.

Suaspernasebraçosenrijeceramcomoosmembrosdeumcadáver.

— Acho que isto responde. — Àvontade, Cassie andou até Scarlett.Observou o feitiço paralisar a coluna deScarletteoseupescoçoencarquilhar.

— Cassie! — gritou Adam,desesperado.—Medesamarra,agora!

Por fimo rostodeScarlett sucumbiuao feitiço. Secou e murchou comopêssego em conserva, depois ficoucinzento e lívido—e imóvel comoumamáscara, exceto pelos olhos, quedisparavamfreneticamentedeum ladoaoutro.

—Vocêjásabedisso—disseCassie.

—Masvoulembrá-lamaisumavez.AsChavesMestraspertencemamim.E,deagora em diante, elas respondemsomenteamim.Esabeaquelegarotoali?— Ela gesticulou para Adam.— Ele émeu.

Os olhos escuros de Scarlett ficarammaislentosatéparar,endurecendo-seatéum tom cinzento de pedra quecombinava com o resto do corpodessecado.

Cassiesorriu.—Eagora,quemvocêachaqueéa

favorita do papai? Vou te dar uma dica:

nãoévocê.— Cassie! — chamou Adam, mas

pareciamuitodistante, comoseestivessena outra ponta de um longo túnel. Elasabia que estava na sala, mas nomomento ele parecia pequeno einsignificante. Podia muito bem nemestarali.

—Vocênãoénada—disseCassieaScarlett.—Nada.

Cassie se sentia invencível. Agorapodia destruir Scarlett com muitafacilidade. De repente ela sabia aspalavras certas. Vieram-lhe do fundo de

suas entranhas agitadas. Ela sentiu ogosto das palavras, ácidas como alcaçuzemsualíngua:

Imaledicentibusvobisinmortem.

Euacondenoàmorte.

–C

18

assie! — gritou Adam. — Seusolhos.Vocêprecisaparar!

CassieouviuosgritosdeAdam,masnão conseguia registrar o significado.Sóo que conseguia ver era a imagem deScarlett,àsuafrente,morta.

— Você vai matá-la! — alertouAdam, pouco antes de Cassie poderpronunciar aspalavrasque assassinariam

airmã.Cassie gaguejou, confusa, como se

Adamfinalmenteativessedespertadodeumpesadelo.

— É Black John. São as trevascontrolandovocê—disseAdam.—Essanão é você, Cassie.—Ela olhou a salacomosenuncaativessevisto,depoisparaScarlett,quemorriaaosseuspés.

Cassie sentiu seu interiordesmoronar.As pernas ficarammoles, eelatonta.Adamtinharazão.Aquelanãoeraela.

Comcuidado,elacolocouoLivrodas

Sombrasdopainamesaeseafastoudelecomcautela.DepoisolhouparaAdam.

—Oqueeufiz?O rosto de Adam voltou a corar,e

seusombrosrelaxaram.— O que você quase fez, graças a

Deus.—Ele respirou fundo.— Penseiquetinhateperdidoparasempre.

CassiecorreuatéAdamedesamarrouseusbraços.

— Existe um jeito melhor de lidarcom Scarlett — disse ele. — Vamosdescobrir qual é juntos.Mas precisamedesamarrarprimeiro.

OprimeiroinstintodeCassiefoiusara magia para libertar Adam, mas elapensoumelhor.Elaodesamarrouàmodaantiga,puxandoedesfazendoosnósqueoconfinavamàcadeiraatéeleestarlivre.

Adamselevantoueesticouaspernas.Esfregouospulsosdoloridosequeimadospelacorda.

—Ondevocêaprendeutodosaquelesfeitiços negros? — perguntou ele. —Conseguiutraduzirtudoissodolivro?

—Não.Nãosei—respondeuCassie.—Derepentemevieramàcabeça.

—Comoassim,vieramàsuacabeça?

Comoseestivessemdentrodevocê?Seusolhos estavam negros e brilhantes comobesouros.

— Adam, eu não sei. Será que nãopodemos nos concentrar em Scarlettagora?—Scarlettaindaestavaimóvelnochão,cinzentaedessecada.

— Ela vai ficar bem? — perguntouAdam.

—Achoquesim.Mastambémpossofazerumfeitiçoreverso.

Por um minuto, Adam pensou nasopçõesquetinham.

—Antesqueelaconsigasemexerde

novo, há outro feitiço que acho quedevemosexperimentar.Vaievitarqueelavolte a New Salem. O que você acha?Estáprontaparaisso?

— Uma ordem de restrição mágica!— exclamou Cassie. — Parece ótimo,mas acho que nossa magia comum nãotemforçaparacontê-la.

— Vai funcionar. — Adam acenouparaoarmário.

AsChavesMestras.Éclaro.Emtodoaqueletumulto,Cassiequaseseesqueceudelas.

Cassie contornou Scarlett para abrir

as portas dobráveis do armário.Vasculhou algumas porcarias no piso edeslocou umas caixas numa prateleiraalta, e lá estavam elas. Quietas ali,esperandoqueaspegasse.Obraceletedeprata, a liga de couro e o diademacintilante.

Cassieestendeuamãoparacadaumadelas.Primeiroobracelete.Elaocolocounobraço.Suapratasuaveerafrianapele.Em seguida ela prendeu a liga de couromacia na coxa. Adam aproximou-se desuascostasquandoelapegouodiadema.EleoajeitounacabeçadeCassie.

—Agoraestáperfeita—disseele.—EstaéaCassiequeeuconheçoeamo.

Cassie tentou absorver a energiapositivadecadaChave...parasesentiraCassiequeAdamconheciaeamava.Elaseesforçouaomáximoparasorrir.

—Eumesintobem—disseela.—Melhor. — Depois olhou para Scarlett.—Vamostentarofeitiçoderestrição.

—Primeiroprecisaremosdealgumascoisas. — Adam andou pela casa,procurando suprimentos, vasculhandodiferentes gavetas e armários. — Voltologo—avisou,efoiaojardim.

Cassie teve alguns minutos parapensar sobre tudo que passara. Chegoumuito perto de matar a irmã. ComoAdam poderia vê-la do mesmo jeito?Como ela poderia usar as ChavesMestrasagora,oumesmoserdignadelasmaisumavez?

Adam voltou para dentro, de rostocoradoecomumpunhadodeterra.

—Certo— afirmou ele.— Vamostentaressefeitiço.

ElesecurvouparaScarletteorientouamãodeCassieparaatestadairmã.

—Vocêaseguraaquieseconcentra.

É importante que suas intenções sejamsempreclaras,Cassie,podefazerisso?

— Sim — disse Cassie, comtranquilidade. Mas ela sabia queprecisariaseesforçar.

AtestadeScarlettestavafriaedura;quase parecia que Cassie tocava umcadáver. Adam acendeu uma vela e abalançou acima do corpo de Scarlett, deumladoaoutro,doaltodacabeçaàsolados pés. Depois recitou umencantamento.

— Está banida de New Salem,Scarlett,pelopoderdofogo.

Cassie imaginou uma luz suave etranquilizadora.ImaginouqueficavacadavezmaisintensaatéqueenvolvianãosóScarlett, mas também Adam e elaprópria.

Adam prendeu a vela acesa em umcastiçal no chão, ao norte da cabeça deScarlett.Emseguida,espalhounochãoopunhadodeterraquehaviarecolhidodojardim,cercandoScarlett.Efalou:

— Está banida de New Salem,Scarlett,pelopoderdaterra.

Cassie sentia o cheiro da trilha deterraargilosaeselembroudasalubridade

elementar da terra, a limpeza completadaárea.Imaginoualuzbrancatomandotoda a sala, depois a casa inteira, dedentroparafora.

EmseguidaAdampegouumcopodeágua que havia colocado na mesa.Mergulhouamãonocopoeborrifouasgotas, com chuva, sobre a pele deScarlett.

— Está banida de New Salem,Scarlett,pelopoderdaágua—disseele.

Enfim,Adamabriuaportadacasaeuma janela grande do lado contrário,criando uma forte corrente de vento na

sala principal. A lufada de ar apagou avelapostanochão.

— Está banida de New Salem,Scarlett,pelopoderdoar—disseele.

Ele colocou as mãos delicadamentesobre a de Cassie, unindo-se a ela natestadeScarlett.Fechouosolhosefalou.

—Fogo, terra, água e ar, e o poderdasChavesMestras,queassimseja.

Scarlett se mexeu, e Adam abriu osolhos.

—Acabou—anunciouele.Cassie deixou as mãos caírem junto

docorpo.

—Deucerto?— Vamos descobrir — disse Adam.

—Mas,depoisdetudoisso,achoqueelanãoserámaisumagrandeameaça.

Cassie concordoucoma cabeça,masnão tinha tanta certeza. Não conseguiaimaginar um momento em que Scarlettnãofosseumaameaça.

AdampegouoLivrodasSombrasdeBlackJohnegesticulouparaaporta.

—Oqueachadeagente ir emboradaqui?

CassieolhouScarlettpelaúltimavezeassentiu.

Foi até a porta da casa e segurou amaçaneta.Comaoutramão,acenouparaScarlettcomosdedos.

—Itolleremalunincantatores—disseela,aspalavrasdofeitiçoreverso.

AcordeScarlettvoltava,eelaofegouno momento em que Cassie e Adamestavamsaindo,batendoaportadacasa.

D

19

epoisquevoltaramàcasadeCassie,Adam e Cassie passaram alguns

minutossentadosnobalançodavaranda,recuperando-se.Estava escuro, e os doisagoracomeçavamabocejar,aadrenalinabaixando. Adam se virou para Cassie eabriuumsorrisotímido.

—Obrigadaporsalvarmeucourolá.Cassie ficou reconfortada pela

capacidade de Adam de brincar com asituação— significavaque ele começavaa superar o choque de vê-la dominadapelamagianegra.Talvezascoisasenfimvoltassemaonormalparaeles.Primeiro,porém, ela precisava abordar o que elefizera.

—Eu te devia uma—disseCassie.—MasfoiidioticesuairsozinhoatrásdeScarlett.Vocêpodiatermorrido.

— Para mim, não pareceu idiotice.Eu sabia onde você escondia o livro etinhaesperançasdetrocá-lopelasChavesMestras.

—Masvocêtemideiadeoquantoolivro pode ser perigoso nas mãos deScarlett?

—Para ser francocomvocê,Cassie,fizissoporquequeriatirarolivrodevocê.Pensei que, se o retirasse de suasmãos,salvariavocêdastrevas.Precisaacreditaremmim,euestavatentandoajudar.

Cassie se lembrou de como o livroparecia invocá-la sempre que Scarlettvirava uma de suas páginas, como ele ainstigouaatacarairmãcommagianegra.

— Depois de como eu agi naquelacasa— falouCassie—, tenhomedo de

quesejatardedemais.Achoqueolivrojáfezseusdanos.

— Não. Não fale assim. Chegouperto, mas não aconteceu nada deirreparável.

O coração de Cassie de imediato seencheudepesar.Elasabiaqueaqueleerao momento de contar a Adam o queaconteceunanoiteanteriorcomNick.Senãocontasseentão,talvezjamaisvoltasseateressacoragem.

— Eu fiz uma coisa irreparável —confessou ela. — Queria que não fosseverdade,masé.

— O que você fez? — perguntouAdam, mas como Cassie continuou emsilêncio, ele tentou um tom menosacusador. — Não importa o que seja,podemos superar isso. Desde que vocêseja sincera comigo. — Cassie aindasentiucertomedonavozdele.

— Ontem à noite — disse Cassie,sentindo-seenjoadacomavergonha—,eubeijeiNick.

TodoocorpodeAdamsecontraiu.— Não acredito que ele fez isso —

resmungoueleparaoar.— A culpa foi só minha — insistiu

Cassie. — Nick foi um perfeitocavalheiro.Eupraticamenteoobriguei.

Adam olhou fixamente à frente porumsegundo.

— Nem imagina o quanto lamentoporisso—desculpou-seCassie.

Ela torcia para que Adam falassealgumacoisa,masele ficounumsilênciomortal.

—Sei que isso não é justificativa—continuou Cassie. — Mas, quandoaconteceu, foi como se o livro quisessequeeutemagoasse.Comoseele tivessedominado minha mente e meu corpo.

Nãoconseguimecontrolar.—Entendo—disseAdam.Suavoz

falhava de emoção.—Não quero ouvirmaisnada.

— Mas eu quero que você entendaquenãoeraparaissoteracontecido.NãoéoquesintoporNick.Seiqueaindanãoacertamos as coisas, e você tem todo odireitodemeodiar...

—Eunãoconsigoodiarvocê—disseAdam—,mas não posso dizer que nãoestoumeiomagoado.

Cassie colocou a mão no joelho deAdam, aliviada por ele pelomenos falar

comela.— Nunca mais vai acontecer. Eu

prometo.—Seiquenãovaiacontecerdenovo.

Principalmente,depoisdedescobrirmosoquefazercomesselivro.—Adamolhouparao livroentreeles, juntodasChavesMestras.—Éo livroqueeuodeio,nãovocê.

Uma onda de preocupação tomoucontadeCassie.EseoressentimentodeAdam pelo livro o levasse a fazer algodrástico?Seráqueeletentariadestruí-lo?

— Nós dois cometemos erros

recentemente— argumentouAdam.—Etemospreocupaçõesbemmaiores.Umbeijonãoéapiordelas.

—Preocupaçõesmaiores.Comoadeeusercompletamentemá.

Adambalançouacabeça.—Vocênãoémá,Cassie.Umdia,eu

te prometo, nossa vida será normal obastante para eu surtar se você beijaroutro cara por vontade própria, nãoporqueumlivroamaldiçoadoaobrigouaisso.

Cassie teve que rir enquanto Adamdava um leve empurrão no balanço,

voltando a jogar os dois para a frente eparatrás.

Adamrespiroufundo,prendeuoaresoltou um forte suspiro, como seexpulsasse cada mágoa e pensamentonegativo dentro dele.Olhou com desejoparaCassie,curvou-seeabeijou.

Cassiejamaissesentiutãoencantadacomumbeijoemtodaavida.Poralgunsminutos felizes,ela seesqueceude todososproblemas.Estavacurada.EstavacomAdameerasóissoqueimportava.

Adam deve ter sentido o mesmo,porque agora sua paixão por Cassie era

urgente e suplicante. Ele a beijou comose não a visse havia anos, como sequisesse apagar da mente de Cassie obeijoemNickereclamá-laparasi.

Mas finalmente Cassie, comrelutância,seafastou.

— Precisamos entrar. Podemoscontinuar issomais tarde, em particular,depois de contarmos a todos querecuperamosasChavesMestras.

Adamconcordou,eosdoissaíramdobalanço.Ajeitaramasroupasepegaramolivro e asChaves a fim de levá-los paradentro.

—Eles vão pirar quando virem istoaqui—disseAdam,erguendoasChavescomoumtroféu.Elasbrilhavamàluzdalua.

—Eu sei.Mas talvez a gente possadeixar de fora a piore parte da história,né?

Adamnãodiscutiu.Osdoisentraramnacasaedesceramaescadaparaoporão.Animados, revelaram a porta oculta;porém, do outro lado, encontraram oespaçovazio.

—Olá!—chamouCassie.—Saiamdaí,ondequerqueestejam.

Em segundos, a jovialidade que elasentia foi sufocada.Aquilo não era umabrincadeira de esconde-esconde. Nemmesmo um integrante do Círculo foiencontradonasala.

Havia laptops abertos e pratos comcomida ainda na mesa. A luminária deLaurelnãofoiapagada,assimcomoaluzdobanheiro.

Cassie baixou o livro do pai e asChavesMestras,eumnóse formouemsuagarganta.

—Masparaondeelespodemterido?—perguntouela.Nãoconseguiadeclarar

a preocupação que a atormentava: se osamigos foram descobertos,provavelmentemorreram.

— Não há como os caçadoresentrarem aqui. — Adam examinou oambiente numa busca desesperada porpistas.—Eles devem estar com o restodo Círculo. Mande um torpedo paraDiana.

Cassie procurou o telefone na bolsa.Ela o havia silenciado a caminho deStockbridge e se esqueceu de religar osom. Agora uma lista de mensagens detextourgentes,principalmentedeNick,a

encaravam.Elaexaminouasmensagens,nervosa.—Faye foi atrás do diretor— falou

paraAdam.—Osoutroscorreramatrásdela,paraimpedirqueelafizessealgumaidiotice.

— Tarde demais. — Adam bateu amão na mesa. — Essa maldição decaçadores de bruxas traduzida pelametadejamaisvaifuncionar.

— O último torpedo diz que elesforamparaaescola.—Cassiecolocouocelular no bolso. — Foi mandado hávinteminutos.

Semdizermaisnada,osdoissubirama escada correndo.Cassie sentiu o calorfugir do rosto e o pânico tomar oestômago. Tentou recuperar o fôlegoquando entrou no carro de Adam, masfoiemvão.

Adampisoufundonoacelerador,seusolhos desvairados. Cassie via ovelocímetroformarumarcoconstantedaesquerda para a direita. Ele devia estardirigindoauns140quilômetrosporhora,mas nem assim parecia rápido. Se elesnão conseguissem chegar à escola atempo...Cassienãoqueriaimaginar.

Mas ela precisava se prepararpsicologicamente.Mesmoqueosamigosestivessem mortos no chão quando eleschegassem,Cassie ainda tinha que estarprontaparalutar.

A

20

o chegar à escola, Adam e Cassienão sabiam para onde olhar

primeiro. O céu estava escuro como anoite, mas havia luzes de segurança osuficienteparaqueelestivessemumaboavisão do terreno. Do estacionamento,passaramos olhos pelas arquibancadas epelocampodefutebolvazios.Verificaramo perímetro do prédio e a ala externa,

ondeficavaasaladodiretor.—Achaqueelesestão ládentro?—

perguntouCassie.—Talvezagentedevasedividir.

— Ali em cima — disse Adam. —Achoquesãoeles.

Havia movimento no telhado doprédio, sombras que mal podiam servistas, porémuma discussão ecoou até ochão.Cassieafastouomedoeseobrigouaacalmarotremornoestômago.Seeramruídosdeumabriga,significavaqueaindahavialuta.

Adam correu para a escada de

incêndio enferrujada que subia pelalateral do prédio, eCassie foi logo atrásdele. Subiram em silêncio até quase otopo. Ali, encontraramDiana,Melanie,Chris,DougeSeanescondendo-seatrásdoparapeitodemetal.

Diananotouapresençadosdoisepôsodedonoslábiosparaindicarquedeviamfazer silêncio.Cassie eAdam foram atéonde pudessem ver a ação, no meio doterraço.Avistaeraassombrosa.

Nick,Faye,Laurel,DeboraheSuzanestavamalinhadosnumcírculodefensivoestreito. Pareciam aprisionados e sem

poder,comoqueconfinadosaumajaula.E suasmarcas brilhavam forte no peito,como corações iridescentes batendo porcimadasroupas.

Asmarcas do caçador devem brilhar napresençadasrelíquias,pensouCassie.Trêscaçadores cercavam o grupo e cada umdeles portava uma pedra cinzenta,entalhada com a temível forma dosímbolodocaçador.

Eram o diretor e mais dois — umhomem e uma mulher. Cassie seperguntou onde estaria Max. Será queDianatinhaalgoavercomsuaausência?

Mas aquela não era hora de fazerperguntas.

O homem era mais velho; Cassiediria até idoso. Tinha cabelo branco ecomprido, e olhos da cor do gelo. Amulherpareciatermaisoumenosaidadeda mãe de Cassie. Era muito magra etinha cabelo e olhos castanhos, mas asemelhança entre os dois erainconfundível.

Em sua pesquisa, Laurel identificoudoisdosúltimoscaçadoresrestantescomoJedediahFelton—ancestraldeumadasmais temidas famílias de caçadores da

história — e sua filha, Louvera Felton.Agoraelesestavamaliemcarneeosso.

Os Felton não tinham a aparênciaque Cassie esperava. Pareciam muitonormais. Na imaginação de Cassie, oscaçadores eram homens gigantescos deaparência tribalquevestiamapenasumaespécie de traje tradicional, como oquimonodeummestredasartesmarciais.Mas esses caçadores teriam passado portrêsadultosmundanossenãofossepelasrelíquias antigas que brandiam comoarmas.

— Eles não parecem tão durões —

disse Adam. — Sem essas pedras, paranóselesnãosãonada.

—Mas as pedras contêm um poderque remonta a seiscentos anos —cochichou Diana. — Não foi isso queLaurelfalou?

Cassieassentiu.—Oqueelesestãomurmurando?—

perguntouAdam.—Achaqueéofeitiçodamorte?

Os caçadores entoavam ummurmúrio,repetindoumafrasesinistra:

Isumeiusagens,

Ioccidereineiusnomen...Isumeiusagens,Ioccidereineiusnomen...

Nessahora,oscincoamigosnomeiodoterraçocaíramde joelhos.Seguravama cabeça como se sofressem de umaterrívelenxaqueca.

—Deve ser amaldiçãodamorte—disse Cassie. Ela quis avançar e serevelar,masDianaaseguroupelobraçoeapuxouparatrás.

— Espere — disse ela. — Se nosmostrarmos, vamos ficar presos como os

outros.Amaldiçãodocaçadordebruxasquetraduzimosnãodeveterfuncionado.Caso contrário, Faye e os outros nãoestariamnestasituação.

Laurel e Suzan se contorciam nochão aos pés dos caçadores. Faye estavade joelhos, gritando de dor. Nick secontraía, segurando a cabeça como sesangrasse, e Deborah parecia terdesmaiado.

—Precisamostentaralgumacoisa—disseCassie.—Provavelmentesótemosalgunsminutos,talvezatésegundos.

— Um feitiço de bloqueio —

esclareceuAdam.—Paraviraraenergiadamaldiçãodevoltaparaeles.Comnóssete,talveztenhamospodersuficiente.—ElefechouosolhosesegurouasmãosdeCassie. — Repita comigo: Caçadores,dispersem.Revertemossuamaldição.

O grupo ficou de braços dados eobedeceu a Adam, embora Cassie nãoacreditassemuitoqueumfeitiçogenéricoteria força suficienteparaproduzirefeitonaquelas relíquias antigas. Ainda assim,ela concentrou toda sua energia noencantamento.

— Caçadores, dispersem. Revertemos

suamaldição.Noinícionadaaconteceu,masdepois

os caçadores pararam. Continuando seuzumbido baixo, olhavam de um lado aoutro.Amagiachamousuaatenção,maselescontinuaramoencantamento.

EentãoCassiesentiuumaalteração.Um poder tempestuoso. Sem saber deondevinha,uma sériedenovaspalavrasbrotoudesuaboca.

— Venatores dispergam. Nos vertitemaledictionem. — As palavras eramroucas e guturais, elevando-se do fundodagarganta.Deimediatoelareconheceu

a sensação como magia negra, maspermitiuque saísse.Todo seu ser tremiadeêxtasedoloroso.

Agora os caçadores ficaramverdadeiramente assustados. Pararam deentoar e procuraram nas sombras aorigemdo feitiço.Agitavamas relíquias,mas não pareciam entender o quesentiam.Sósabiamquenãoerabom.

— Venatores dispergam. Nos vertitemaledictionem—repetiuCassie.

OSr.Boylan fechoua carrancaparaosoutros,porromperemaconcentração.

— Foco! — gritou. — Ainda não

terminamos.Mas segundos depois o velho parou

de recitar a maldição. Sua cara seavermelhou,eeleagarrouopeito.

—Éumantigo—disseele.—Nãoseicomo,mastenhocertezadisso.

Jedediahsecurvouecomeçouabaternoprópriocoração.

— Encontrem-no — gritou ele aosoutros.

Mas Cassie continuou a pronunciarsuas palavras sombrias, agora num tommais alto, porque viu que funcionavam.Adameosoutrosficaramemsilêncioao

seulado,aindadebraçosdados.Louveraquis ir a auxíliodopai,mas

tambémsegurouopeito como se tivesseumataquecardíaco.Ofegava,incapazdefalar.

O Sr. Boylan se enfraqueciavisivelmente. Sua coluna se curvou parabaixo, transformando a posturanormalmente rígida em um ponto deinterrogação arredondado. Toda a cordesapareceu do rosto, e o corpo todo sesacudiadeexaustão.

Jedediahficoudequatroesearrastoupara a porta no terraço que levava ao

prédiodaescola.Louvera gritou com o ar que lhe

restava, “Liberte-os!” Ela sufocava e searrastava na mesma direção do velho,deslizando pelo vão no terraço para asegurança.

Mas o diretor se recusava a fugir.Continuou a recitar a maldição,segurandofirmearelíquia,enquantocaíadejoelhos.

Cassie avançou alguns passos,dirigindoaspalavrasdiretamenteaele.Odiretor tentou se levantar, mas voltou acair.

Umporum,osmembrosdoCírculoque tinham caído se levantavamlentamente.FayeeLaurel,depoisNickeSuzan, por fimDeborah, livravam-sedadorqueostinhadebilitadominutosantes.

Cassie sentia que ficavamais forte àmedida que o Sr. Boylan enfraquecia,como se ela sugasse seu poder e oguardasse para uso próprio.Ela o viu seencolher diante de seus olhos, arfandocomoumanimalacovardado.Eleagarrouo peito e gritou. Mas Cassie não tinharemorsosporele.Sóestavaenojadacomsuafragilidade.Tinhacertezadequeele

continuariaali,murchandoatémorrer,eeladeixaria.

Em seguida, pela última vez, ele selevantou.Oscilou e, ainda sem saber deondevinhaaverdadeiraoposição,dirigiua atenção a Faye. Em uma últimatentativa desesperada, lançou toda aenergiaquelherestavaparaela,gritandoa maldição da morte pela última vez omaisaltoquepôde.

Antes que Faye entendesse o queacontecia, Suzan pulou à sua frente,tirando-a do caminho, derrubando aamiganochão.

Com seu poder esgotado, Boylanenfim bateu em retirada. Indefeso ebamboleando, arrastou-se para longedali, atravessando o terraço e descendopela mesma rota de fuga doscompanheiroscaçadores.

Cassieaindaavançavaparaele,aindapronunciandoamaldição.

— Cassie — chamou Adam. — Jáchega.Elesefoi.

Mas Cassie não parou: as palavrascontinuavam correndo por ela como umpiano que toca sozinho. Ela não queriaqueaquelasensaçãotivesseumfim.

Adam a segurou pelos ombros e asacudiuintensamente.

—Paracomisso!—gritouele.—Oscaçadoresforamembora.

DealgummodoaspalavrasdeAdamalcançaram Cassie através do túnelcomprido em que ela se perdera. Elavoltou à consciência num estalo e olhouemvolta,tonta.

Chris e Doug entraram em foco,depoisSeaneMelanie,eCassie,mesmocom a visão toldada, enxergava ossímbolos do caçador brilhando em suasroupas. Cada um deles foi marcado.

DepoisCassie virou-separaDianaeviuque ela também tinha o símbolobrilhandonamanga.AssimcomoAdam.Cassieapontou,tremendo.

—Eusei—disseAdam.—Euvi.EmseguidaCassiebaixouosolhose

viu a frente de sua blusa tambémbrilhando. Agora todos estavam namesma situação. Todo o Círculo foimarcado.UmaestranhacalmacaiusobreCassie,comoseopiorfinalmentetivesseacontecidoeagoraelespudessemtocaravida—mas então Faye soltou com umgrito agudo e assombrado que gelou o

sanguedeCassie.Fayeseajoelhava,trêmula,sobreuma

Suzanimóvel.Tudovirouumborrão àmedidaque

todos correram para onde Suzan jazia.Adam chegou lá primeiro. Caiu dejoelhos e verificou o pescoço e o pulso,procurando um sinal de vida. DepoistentouescutarseSuzanrespirava.

— Chamem uma ambulância! —gritou ele, mas ninguém se mexeu. OsolhosdeSuzan jáestavamvidrados.Seurosto tinha endurecido em umamáscarasemvida.

— Ela morreu — disse Faye, maisconsigo mesma do que com Adam. —Elamorreusalvandominhavida.

— Não! — Adam estremeceu,recusando-seaaceitaraverdade.Tentoufazer umamassagem cardíaca.Tentou arespiraçãobocaaboca.Porfim, limitou-se a socar o peito de Suzan. Mas eratardedemais.

Cassie se ajoelhou para ver com ospróprios olhos o que nenhum delessuportavaregistrar.Osímbolomortaldocaçadordebruxasbrilhava fortena testadeSusan.

U

21

ma brisa cálida farfalhou afolhagem do cemitério quando o

Círculo e o pai de Suzan se reunirampara seu enterro. Era um diaincrivelmente ensolarado, o que só fezCassie se sentir culpada por poderdesfrutardissoquandoSuzannãopodia.Suzan era uma pessoa alegre, semprecapazdesedivertiremqualquersituação.

Como era possível que todos estivessemali, agora, sob o sol forte, enquantoSuzanseriasepultadaemumaterrapretae suja?Aquilonãoera justo, enadaqueninguémdissessedariaalgumsentidoaofato.

Amaiorpartedocemitérioeraplana,composta por alguns pequenos lagos eregatos sinuosos. O litoral entrecortadoeravisívelaolonge,aleste.Aoestehaviamorros arborizados. E, dominando tudoisso, estavam os penhascos de granitobem ao norte. Era um lugar lindo. Porque maravilhas como essa se tornavam

muito mais visíveis pela morte e perda?Foi porque aconteceram tragédias? Paraabrirnossosolhosaosmilagres,paranosobrigaravalorizaraalegria?

SóDeborahtevecoragempararezarum breve louvor junto do caixão deSuzan, oferecer algumas palavras quepudessemapreenderoquetodooCírculosentia. Ela limpou a garganta e olhoucomcarinhoparaopaideSuzan.

— Era fácil subestimar Suzan —disseela,ealgumaspessoasriram.—Naverdade, Suzan queria ser subestimada,assimpodiasurpreenderapessoacomsua

inteligência e espirituosidade, suagenerosidade, a bondade e, não vamosesquecer,osarcasmo.Porbaixodetodasasroupasbonitasedamaquiagem,Suzanera uma alma pura. — Deborah agoracontinha as lágrimas. — Ela eracompletamentepura.Etodosnósvamossentirmuitoasuafalta.

Todos choravam, porém Faye era amais aflita de todas. Mal conseguia semanterdepé,tãodominadapelatristeza.Para impedir que seu chorointerrompesseacerimônia,elaseafastoueserecostounumaárvoresemfolhas.

Cassie foi até Faye. Aproximou-sedelacomoquemchegapertodeumgatovira-lata ferido na rua, com atenção ecautela,totalmentepreparadapararecuarsenecessário.Tentou abraçarFaye,maseladeimediatoaafastou.

—Nãoqueroquesintapenademim.Medeixaempaz.

—Faye,nadadissofoisuaculpa.Nãopodeficarseculpando.

Fayefitavaintensamenteochão.—Deviatersidoeu.Queriaquefosse

eunaquelecaixãoagora.—Faye.

— Não, Cassie. É fácil para vocêdizerquenãoéculpadeninguém.Vocêsalvou o dia. É a heroína. Mas fui omotivoparaqueSuzanestivessenaqueleterraço, antes de qualquer coisa. Depoisela se jogou na frente da maldição damorte para me salvar. Então, não fiqueparadaaí tentandofazercomqueeumesintamelhor.Eunãomereçoisso.

Cassie entendia o sentimento. Elatambémnão queria se sentirmelhor.E,seFaye queria se punir, não havia nadaqueCassiepudesse fazerparaconvencê-la do contrário. Ela se aproximou um

passo de Faye, mas daquela vez nãotentou tocar nela. Só ficou ali perto, emsilêncio, respeitosa, na esperança de quepelo menos isso deixasse Faye menossozinhaemseusremorsos.

Elasobservaramorestodacerimôniajuntas,delonge.Depoisqueocaixãofoibaixadona terra, nãohaviamaisnada afazer senão voltar em fila para seuscarros.

Cassie segurou a mão de Faye e alevoupelogramadoatéorestodogrupo.Com a outra mão, pegou a de Adam.Juntos, os onze andaram solenemente

pelo cemitério, mas Cassie sentia quecadapassoafastavaumdooutro.Aqueladevastação rompeu seu vínculo eenfraqueceuaaliança.

E então Cassie olhou seus dedosentrelaçados nos deAdam.Desejou queestivesseali.Ocordãoprateado.Masnãoapareceunada.

A cidade deNew Salem estranhamenteganhava vida em torno dos enterros.GentequeCassienunca vira entravanacasadeSuzancomfloresecomidaparaopai dela. Ele era educado, porém estava

emchoque.Podialevarsemanasparaquea realidadedamortedeSuzande fatooafetasse.Cassiedesejoupoderprocurá-loagoraelhedarumaexplicaçãoparaoqueaconteceu à filha. Ele deve ter muitasperguntas.MasCassieseconteve.Talvezfossemelhornãodizernada.Dequalquermodo, uma explicação não serviria denada.

Diana se aproximou de Cassie ecochichouemseuouvido.

—Está vendo aquelas?— disse ela,apontandoumbuquêdelírios.—SãodeMax.

Cassie sabia que Diana sofria. Nãodevia ser fácil não ter Max por pertoquando mais precisava dele. Teria sidoimpossível Cassie suportar esse dia semAdam.Mas Adam não era um inimigojuradodoCírculo.

Dianatocoucomanseioumdoslírios.—Eutermineicomele,sabia?Cassietentounãoaparentaralívio.— Depois do que aconteceu com

Suzan, percebi que era tudo muitoperigoso—continuouDiana.—EudisseaelequeprecisavaapoiarmeuCírculo.

—Eelereagiubemaisso?

— Ele não tem alternativa — disseDiana,masolhouasala,comosetivesseesperanças de que Max entrasse aqualquermomento.

Cassiesabiaoqueeraisso.CertavezelahaviadesistidodeAdampelobemdoCírculo e por sua amizade com Diana.Procurou em sua mente a coisa certa adizer.Maxnãoestevenoterraçonanoiteda batalha, então talvez não fosse assimtão ruim — talvez ele tivesse dúvidasquanto a ser um caçador. Mas Cassieainda não podia ignorar a realidade: foiMaxquemarcouFaye.FoiopaideMax

que matou Suzan ... Suzan, que elesenterraram só uma hora antes. CassienãopodiadeixardeficarfelizporDianater terminado com ele, pelo menos porenquanto.

— Olha, Diana — disse Cassie. —Ninguém sabe o que o futuro trará. OquevaiacontecerentrevocêeMaxmaisadiante é algo que não podemos prever.Mas, hoje, você tem seus amigos. Eestamosaquiparalhedarapoio...Temosdenosapoiar,agoramaisdoquenunca.

— Tem razão. E eu agradeço.Acredite em mim, estou agradecida. —

Diana se interrompeu. — É só que àsvezes eu queria que tudo pudesse sernormal.Sabedoqueestoufalando?

—Bom—disseCassie,olhandoparaAdam. Ele recebia estranhos à porta,agradecendo pela comida e pelas flores,orientando-osparaasaladeestar.Estavasempre disposto a ajudar, sempre ocavalheiro gentil. Como Cassie podiajulgar Diana severamente por escolheruma pessoa complicada para amar,quando ela sabia que não havia escolhanenhuma?

— Sabe o que eu acho? — Cassie

puxouDiana num abraço.—Acho queàsvezesonormalésuperestimado.

N

22

aquelamesmanoite,depoisqueosenlutados foram para casa, o

Círculo se reuniu na sala de estar deDiana. Sentaram-se imóveis,encostando-se um no outro, fitando ovazio como se esperassem algo quenenhum deles conseguia nomear.Ouviamobarulhodachuvanotelhadoeas furiosas rajadas de vento batendo na

janelada sacada.Lá fora,océunoturnoficava rosado da tempestade: a corpreferidadeSuzan.

Ninguém sabia o que dizer, emuitonão era dito. Aquelas palavras sem vozpairavam no ar como fantasmas entre ogrupo:podiatersidoqualquerumdelesamorrer. SeCassie não aparecesse, todosteriam símbolos mortais do caçador debruxas brilhando na testa. Era umestranho estado de espírito, ficar aomesmotempotristepelamortedaamigaefelizesporteremsidopoupados.

Faye estava sentada e abraçada aos

joelhos na ponta do sofá, isolada dosoutros. Seus olhos eram vagos etransmitiamcansaço.CassieentendiaqueFaye precisaria de muito tempo paravoltar a seu estado de sempre, mas,mesmo então, talvez jamais fosse amesma.

Diana respirou fundo e olhou ogrupo.

— Uma de nós está morta — disseela. — O Círculo foi rompido. — SeuLivrodasSombrasestavaao lado.Elaopegou e colocou no colo.—Não querofalar nisso mais do que vocês, mas

precisamosdescobriroquevaiaconteceragoraquenossoCírculoestáincompleto.

— Significa que estamos fracos denovo — ponderou Deborah. — Comoestávamos antes da iniciação de Cassie,antesdeficarmoscompletos.

Melanieconcordoucomacabeça.—Estaéapiorhoraparatermosum

Círculorompido,comaameaçaconjuntados caçadores e Scarlett. Não pretendoserfria,masprecisamosiniciaralguémnolugardeSuzanomaisrápidopossível.

Os olhos de Laurel se encheram delágrimas.Cassie não podia culpá-la.Ela

também não suportava pensar nessesaspectos técnicos. Queria ir para casa,tomar um banho quente e enterrar acabeçanoombrodamãe.Masprecisavaapoiarosamigos...precisavatentarajudarcomopudesse.

Cassie deu ao Círculo a únicainformaçãoqueconhecia.

— Scarlett disse que, quando morrealguém em um Círculo sob vínculo,precisa ser substituído por alguém daprópria linhagem sanguínea.O próximona linhagem familiar. Então, não temosmuito que discutir sobre quem fica no

lugardeSuzan.— É verdade — disse Adam,

respondendoàCassie.—MasSuzannãotinha irmãos, nem outro familiar, atéonde sabemos. E então, como vai seragora?

—Talvezpassea serumcuringa—sugeriu Nick. — E podemos escolherquemquisermos.

— Queria que fosse assim, mas euficaria chocada se fosse tão simples. —Diana folheou o Livro das Sombras,procurando alguma informação.Segundosdepois,encontrouapáginaque

buscava.— Este é um feitiço de árvore

genealógica—disseela,erguendoolivropara que todos vissem e voltando acolocá-lo no colo.—Pode nos ajudar apreencher qualquer vazio na origemfamiliardeSuzan.

AdamleuofeitiçoporcimadoombrodeDiana.

—Podemesmonosdizerquemseriaoseguintenalinha.Seexistiralguém.

—Tenhocertezadequea linhagemsanguíneadeSuzanterminoucomela—declarouDeborah.—Elaerafilhaúnica

dedoisfilhosúnicos.Nãoera?— Não podemos ter certeza. —

Adam olhou por cima do livro. — Afamília de Suzan era notoriamentereservada.Opaiserecusavaafalarsobreopassadocomela.Achoquevaleapenaverificarsuaárvoregenealógica.

Dianaleuasinstruçõesdetalhadas.— Parece bem simples. Só

precisamos de um pouco de papeltexturizadoe...—Suavozfalhou.

—Oquê?—perguntouSean,comosepressentisseopior.

— Precisamos de alguma coisa de

Suzan— disseDiana em voz baixa.—Algo que contenha seu DNA. Como osangue.

A sala ficou em silêncio.Cassie tevevisões medonhas do corpo de Suzanenterradonochãofrio.

—Dejeitonenhum—protestouela.—Podeesquecer.

MasLaurel se levantou rapidamentee foiaoutrocômodo.Voltou trazendoabolsadecouromaciodeSuzan.

—Eutrouxeistoparapodemosfazerum ritual de paz profunda esta noite.Tipoummemorialcomalgumasdesuas

coisaspreferidas.Laurel abriu a bolsa para que todos

vissemoconteúdo.Eraumamisturebademaquiagem, chicletes e embalagensamassadasdechocolate.Cassiesentiuumbolo se formar na garganta.Havia algodesacrílegoemvasculharobjetospessoaisdeumfalecido.AbolsaatétinhaocheirodeSuzan.

— Acho que não vamos encontrarnenhum sangue aí — disse Cassie. —Pelomenoseuesperoquenão.

—Nãoéoqueestouprocurando.—Laurel pegou a escova de cabelo de

Suzannofundodabolsa.Retiroualgunsfiosemboladosdocabelolouro-arruivadode suas cerdas.—Aqui está oDNA—disseelaàDiana.—Vaifuncionarigualaumaamostradesangue.

—Laurel,vocêéumgênio.—Dianacorreu à gaveta de suamesa para pegarum bloco de desenho. Folheou o bloco,passando por desenhos a carvão epinturas em acrílico, até encontrar umapágina em branco. Arrancou comcuidado e levou de volta ao grupo. Emseguida,continuoualeituradoLivrodasSombras.

—Ainda vamos precisar de tinta—falou Diana. — Mas tem que vir dealgumacoisacomqueSuzan tenha feitocontato direto. Tem alguma canetadentro da bolsa? Se ela usourecentemente, talvez ainda contenhapartedasuaenergia.

Laurel procurou na bolsa, mas nãoencontrouumacaneta.

—Sem sorte nenhuma—disse ela.— Mas talvez isto funcione. — Elaestendeu à Diana um frasco do esmaltede Suzan. Era da mesma cor que elahavia usado no início da semana:

magentacomglitter.Diana pegou o vidrinho na mão de

Laureleoabriu.—Semdúvida ela teve contato com

isto.Cassie e os outros se reuniram em

volta de Diana, formando uma roda,enquanto ela preparava o feitiço. Elacolocou o papel texturizado no chão eespalhouocabelodeSuzanporali,comoinstruía o Livro das Sombras. Depoispingoualgumasgotasdoesmaltenomeiodapáginaedisse:

GenealogiadeSuzan,venhaanósrevelarQuenovomembronossoCírculoterá

De imediato, linhas de um roxorosadosaturaramosveiosdopapelcomosangue. Do alto da folha, uma árvorecomeçou a se desenhar em traçosmagenta-claros.Era largaemsuabaseesubia, dividindo-se em galhos grossos,espalhando-se por todo o papel. Ramosformaram-se, em seguida nomes ligadosacadaramo.

—Está funcionando—disseDiana.

—Nemacredito.Cassieolhavacadageraçãodafamília

de Suzan aparecer na árvore, comofrutos. Os primeiros nomes datavam detrezentos anos antes, o que significavaque os ancestrais de Suzan deviam estarentre as famílias que fundaram NewSalem. A árvore crescia rapidamentepelasdécadasepareciaganharvelocidadeàmedidaqueseaproximavadopresente.QuandoapareceramosnomesdospaisdeSuzan, praticamente cada centímetro dopapeltinhasidotingidonumarequintadaimpressão.

—LindaForsythe—disseLaurel.—EstaeraamãedeSuzan,quemorreunatempestade. Mas a teríamos conhecidocomoLindaWhittier.

—Forsythe?—disseCassie emvozalta,masninguémaouviu.SóagoraelaselembroudequeosobrenomeWhittiervinhadoladodopaideSuzan.Nãohaviapensadonalinhagemsanguíneadamãe.

— Forsythe? — repetiu Cassie. Seuestômago se torceu ao ver o nome. —Este era o nome de solteira da mãe deSusan?

Mas ninguém respondeu. Todos

estavamconcentradosdemaisnapróximalinhaqueeradesenhadanaárvore.

O nome de Linda Forsythe ligou-seao do marido, depois se ramificou,formando o nome de Suzan.Mas outroramo se formouapartirdonomeLindaForsythe:LauraForsythe.

— Quem é essa? — perguntouMelanie.

—ParecequeamãedeSusan tinhauma irmã de que não sabíamos. Umairmã.Forsythe...—disseDiana,virando-separaCassie,empalidecendo.—Espereaí.Nãoéaquela...

O último nome na árvore provocouumsilênciomortalemDiana.Ramificou-seapartirdonomedeLauraForsytheereluzia em magenta forte: ScarlettForsythe.

—Não—protestouCassie.Maselaviu, horrorizada, uma última linhavermelha ligar o nome de Suzan ao deScarlett. — Isso não pode estar certo.SuzaneScarlettnãopodemserparentes.

—SuzaneScarlett eramprimas?—disseAdam.

— Isso significa o que estoupensando?—perguntouLaurel.

Cassie começou a suar frio. Entãoesse era o nome da mãe de Scarlett.Laura Forsythe. A mulher que brigoucom a mãe de Cassie pela afeição deBlack John. Ela havia fugido de NewSalem, Cassie sabia disso. A mãe lhetinhaditoqueestavadesaparecida,nuncamaisseouviufalardessamulher.Masaliestava ela, agora, muito depois de termorrido,aparecendomaisumavezcomoum elemento fundamental do passado edofuturo.

—Sem dúvida Suzan não sabia quetinha uma tia — falou Melanie. — E

Scarletttambémnãodevesaberdisso.OuelateriaidoatrásdeSuzancomofoiatrásdeCassie,paraterumlugarnoCírculo.

DianapegouopapeleolhouonomedeScarlett.

— E agora ela conseguiu de todojeito.Énossanova integrante,gostemosdissoounão.

—Anãoserquenósnãoainiciemos—disseCassie.

–S

23

e não iniciarmos Scarlett noCírculo—disseAdam—, vamos

estarmuitomais fracosna lutacontraoscaçadores.

A chuva ainda caía aos montes.Cassie a olhava pela grande janela desacada da sala de estar de Diana. EramelhordoqueolharonomedeScarlettescrito em magenta na árvore

genealógicadeSuzan.— Temos que iniciá-la — afirmou

Melanie.—Nada importamais do quederrotar os caçadores, principalmentedepoisdoqueelesfizeramcomSuzan.

— Mas a gente sabe que ela temmotivos dissimulados e não merececonfiança — argumentou Nick. —Lembrequeelaqueriao lugardeCassieno Círculo para usar o poder do grupopara seus próprios fins. Seria tão ruimquantoiniciarBlackJohnempessoa.

MelaniezomboudeNick.—Essefoiomaiorexageroqueouvi

navida.Cassie queria que essa conversa

parasse. Lá fora, o céu tinha seacomodado em um roxo-escuro e asnuvens corriam e assumiam formassempre cambiantes. Cassie viu umcoração, depois um castelo, em seguidanada,sóummantocinzento.Suamentevagou,eumaimagemlampejouemseusolhos: ela na Casa da Missão prestes amatar Scarlett. Porém, daquela vez fariatudo.CompletariaofeitiçodemorteeosolhosdeScarlett ficariamvidrados comoosdeSuzannoterraço,depoisenrijeceria

como uma estátua. Cassie imaginouexatamente como seria para Scarlettdesaparecer para sempre — o Círculoenfimestarialivre.

É isso, pensou Cassie. Aquela era asolução. Ela teria que matar Scarlett.Depois,elessearriscariamtrazendoparao Círculo outro familiar perdido nalinhagem.

Mas então ela balançou a cabeça,livrando-se da ideia. Não, disse a simesma. Mande luz a este pensamentosombrioelivre-sedele.

Cassie sabia que precisava reprimir

cada intençãomaligna nomomento emqueaparecesse,antesqueopensamentoaagarrasseeseapoderassedela.

— Cassie — disse Adam. — Vocêestábem?Estábrancafeitoumfantasma.

—Estoubem.—Masafraquezaemsuavozaentregou.

— Tá vendo? — disse Melanie. —Agora atéCassie estámais fraca. Eu tefalei.

— Não estou mais fraca — rebateuCassie.

Melanie,porém,estavaobstinada.—Sim,está.Todosnósestamos.

—Éoqueveremos.—Chrisvoltousuaatençãoàcestade frutasdamesadecentro deDiana.—Quemquerme verlevitarumamaçã?—perguntouele.Masos segundospassaramenada aconteceu.A maçã não se mexeu, e Chris ficavacadavezmais frustradocomopassardotempo.

Melanie cruzou os braços,presunçosa.

—Talvez/ se nós dois tentarmos—disse Doug, colocando-se ao lado doirmão. Concentrou a atenção na frutatambém. Com o poder combinado dos

dois, a maçã estremeceu. Ergueu-se datigelaporumbrevesegundo,mascaiudevolta.

—Droga.—Chrisperdeuo fôlego,cansado.—Masquaseconseguimos.

— Obrigado por provar o quantoestamos sem poder — disse Nick. Eleolhou para Cassie com preocupação. —Talvez a gente estejamais fraco do queantesdevocêchegaràcidade.

Cassie voltou a olhar pela janela erespirou fundo. Ficava cada vez maisclaro que sua única alternativa não eradestruir Scarlett. Era contrariar toda a

lógicaeconvidá-laaseuniraeles.— Nem conseguimos fazer a mais

simplesmagiacotidianacomumCírculoincompleto — disse Melanie. — Quedirá alguma coisa com força suficientepara combater os caçadores. Para mim,devemos iniciar Scarlett, derrotar oscaçadores,depoispensamosnoquefazercomela.

— O que quer dizer com “depoispensamos no que fazer com ela”? —Diana estreitou os olhos para Melanie.— Depois que for iniciada, estaremosvinculadosaela.Vocêsabedisso.Usá-la

e depois traí-la comprometeria aintegridade do nosso Círculo. Para nãofalaremnossorespeitopróprio.

ProvavelmenteseráistoqueScarlettfaráconosco, pensouCassie,mas dizer isso sópioraria as coisas. Ela se levantou eassumiuocentrodasala.

— Não há uma boa decisão a sertomada aqui — disse ela. — Só umadecisão ruim. Por mais que eu detesteadmitirisso,precisamosdeScarlett.

OqueixodeNickenrijeceuenquantoelecerravaosdentes.

—Eunãoaquerocomomembro—

reclamou ele. — Deve haver umaalternativa.

— É Scarlett ou ninguém — disseAdam,recusando-seaolharnosolhosdeNickesevoltandoparaogrupo.—Nãoprecisamos confiar nela, mas acho quetemos de iniciá-la. Vocês sabem o quedizem sobremanternossos inimigosporperto.Bom,nãopodemosmantê-lamaisperto do que dentro do Círculo. Pelomenos ela estará num lugar em quevamospodervigiá-la.

— Que ótimo — disse Nick. —Então, a gente pode assistir da primeira

fileira quando ela assumir o controlesobrenós.

— Espere aí. — Diana levantou osbraços para calar os dois.—Nós somosonze,eScarlettéumasó.Oqueofaztertanta certeza de que será fácil para elanoscontrolar?

—É—disseSean.—Umasementeruimnãopodeestragaropacote,ouFayeteria acabado com o Círculo há muitotempo.

Faye olhou feio para Sean enquantoDianacontinuava.

—Oquequerodizeréquesabemos

doqueScarlettécapaz,eassimémenosprovável que a gente caia em algum deseus truques. Não se esqueçam de quetemosasChavesMestrasnovamenteemnossasmãos.

Nick pensou nos argumentos deDiana por alguns segundos antes deconcordar.

— Tudo bem — disse ele. — SeCassie está disposta a se arriscar comScarlett,entãoestoucomela.

— Todos concordam? — perguntouAdam.

Ninguém se pronunciou em

contrário, o que era o mais próximo doconsensoqueelesconseguiriam.

— Ótimo. Está combinado —concluiu Adam. — Cassie e eucuidaremos de dar a notícia a Scarlett etrazê-laparaNewSalemamanhã.

Ogruposedividiuepartiuparasuascasas,Cassiecompreendiatodooimpactoda decisão tomada. Ela concordourealmenteemtrazerparasuavidaaoutragarota que tinha ligação com a alma deAdam? A garota que tentou matá-la eque ela própria tentoumatar?Era comoriscar um fósforo gasto só para ver se

acenderia.Cassie pegou a mão de Adam e a

apertou.— Encontro você daqui a pouco—

falou para ele. — Quero ter umapalavrinhacomDiana.

Adamlhedeuumbeijonabocasemperguntar,assimelanãotevedeexplicarexatamente por que queria falar comDiana. Não precisava justificar o LivrodasSombrasdopaienfiadonofundodabolsa. Simplesmente esperou que todossaíssem da casa até que só restassem asduas.

—PenseiquevocêtinhaidoemboracomAdam—disseDiana,quandonotouqueCassieaindaestavaporali.

—Podemosconversar?—perguntouCassie.

Dianaolhou,nervosa,asaladeestar,embora as duas estivessem sozinhas.Talvez pensasse que Cassie ia fazerperguntassobreMax.

—Vamosparaomeuquarto—disseela,levandoCassieàescada.

Já faziamuito tempoqueCassienãoficava na cama de Diana trocandosegredoscomela.Depoisdeuminstante

sentada ali, Cassie foi dominada pelasaudade de uma época mais simples.AntesdeScarlett entrarna vidadeles, eaté bem antes disso, antes de Adam setornarumproblemaentreasduas.

Diana se aproximou de Cassie eperguntou:

—AchaqueopaideSuzansabiadeLauraForsythe?OuqueLauratinhaumafilha?

—Eu acho que ele jamais soube daexistência de Scarlett — respondeuCassie. — Mas, mesmo que soubesse,agorafazpartedopassado.

Dianaconcordoucomacabeça.— É muito estranho, parece que

todos nós estamos relacionados, mesmosem saber. E mesmo quando nãoqueremosestar.

Cassie sentiu queDiana se referia amais do que apenas as linhagensfamiliares.

—Tenhoasensaçãodequevocêestápensando em Max. E no cordãoprateado.

Dianaficouemsilêncio,eCassieteveo impulsodecontar tudosobreocordãoentreAdameScarlett.Elaqueriachorar

noombrodeDianaatéqueaamiga lhedesseastípicaspalavrasdesabedoriaquedeixavam tudo melhor. Infelizmente,haviaquestõesmaisurgentes.

Cassie vasculhou a bolsa e pegou olivrodopai.Estendeu-oparaDiana.

— Pode guardar isto para mim?Manterlongedemimporalgumtempo?

Diana olhou o livro com cautela,depoisoaceitoudelicadamentedasmãosdeCassie.

—Claro.Masporquê?DianafranziuocenhoquandoCassie

descreveuoquesentiunoterraçoquando

usou amagianegra contraos caçadores.Cassie também contou o que aconteceucomScarlettemStockbridge.

— Eu entrei em transe — disseCassie.—EquasemateiScarlett.Seiquefoi por causa do livro. Ele mexe com aminhacabeça.

Dianaassentiucomgravidade.—ComodisseAdam,agoravocêestá

vinculada ao livro. E ainda nãoentendemos inteiramente o que issosignifica.

—Mas o pior— disse Cassie— équeasensaçãoémuitoboaquandoestou

assim. É o prazer mais sedutor... Nemconsigodescrever.Sódepois,quandosaiodele, é que eu me sinto mal.— Cassiebaixouosolhos,envergonhada.

—Ei.—Dianaaabraçou.—Todosnóssucumbimosàtentaçãovezououtra.Mesmo quando sabemos que pode serperigoso.

—Mas tenhomedo de que um diadesseseulevetudolongedemais.Eseeufizer alguma coisa e não puder voltaratrás... Ou pior, e se eu não conseguirvoltar?Sempreque issoacontece,parecequemeenvolvocadavezmaisfundo.

—Vocênãoprecisa sepreocupar—disseDiana.—Vouguardarbemolivro,ejuntasamanteremosasalvo.

Cassie já se sentia melhor. Se haviaalguémnomundoaquempodiaconfiarolivro, era Diana. Mas ainda sentiu anecessidade de dar um alerta severo àamiga.

— Precisa me contar se aconteceralgo fora do comum, entendeu? Se vocêcomeçarasesentiresquisitaouseparecerqueolivrofalacomvocê.

Dianaconcordousolenemente.— Se isso acontecer, vamos achar

outra coisa para fazer com ele — disseCassie.—Nãoqueroquevocêpassepeloqueeupassei.

— Nem eu — concordou Diana,tentandodarumarmais leveàsituação.— Acredite em mim. Já tive minhaprópria parcela de transgressõesultimamente.

—E, façaoque fizer—aconselhouCassie—,nãodeixequeFayesaibaqueolivroestácomvocê.Aliás,ninguémpodesaber.NemAdam.

Dianahesitou,masconcordou.—Seráumsegredosónosso.

A

24

dam e Cassie dirigiram numsilêncio nervoso pela ponte até a

CasadaMissão.Bater papo parecia banal demais, e

não haviamais nada a ser dito sobre osbenefícios e desvantagens de levarScarlett de volta a New Salem. Eramelhoradmirarapaisagem,quietos.

Cassie observou os bordos brilhando

vermelhos sobo sol ao largoda estrada.Eram altos, graciosos, árvores quasenobres — uma enorme mudança napaisagem dos embarcadouros e praiasrochosasnailha.ACasadaMissãoagoranão estava longe. À medida que seaproximavam,Cassie se agarrava a umaesperança não verbalizada: de queScarlettnãoestivessenacasaquandoeleschegassem. O Círculo só podia iniciá-laquando a encontrasse. Prolongar oinevitável não era uma solução, Cassiesabiadisso,masumpoucomaisdetempotalvez a ajudasse a se acostumar com a

ideia.SóporqueCassietinhaconvencidooCírculo a se arriscar comScarlett,nãoqueria dizer que ela tenha conseguidoconvencer a si mesma de que era omelhorafazer.

Mas a esperança secreta de CassiemurchounomomentoemqueelesviramaCasadaMissão.Scarlettestavabemnafrente, guardando coisas emumcarro, eparecia prestes a pegar a estrada. Umahoraamaiseelateriaidoembora.

—Estamoscomsorte—disseAdam,eCassieassentiu.

Scarlett pôs as mãos nos quadris e

torceuaboca emumsorrisoquandoviuosdois.Oolharqueela lançouàCassieeradissimuladoeirônico.

—Elanãoparecemuitosurpresapornos ver — observou Cassie. — Nemmuitointimidada.

Eles saíram sem jeito do carro deAdam. Cassie teve a nítida sensação dequecadagestoseueraexaminado.

—Acheimesmo que veria vocês denovo—disseScarlett.

—Eporquê?—PerguntouAdam.Scarlett riu de um jeito vivo e

perturbador.

— Só um pressentimento. — Elagesticulouparaacasa.—Vamosentrar.

Cassie e Adam acompanharamScarlett para a sala principal. ElaimaginouScarlett se contorcendodedornochãoemseuúltimoencontroequasepodia ouvi-la implorando pormisericórdia.

Adam olhou para a cadeira em quefoiamarradoedecidiusesentarnosofá.Cassiecontinuoudepé.

—Coisasestranhasvêmacontecendocom meus poderes — disse Scarlett. —Estão imprevisíveis. Num minuto estão

aqui,nooutrosomem.—Elasecolocouà vontade na cadeira que Adam evitou.—Estáacontecendocomvocêstambém?

—ÉporqueSuzanmorreu—contouCassie. No momento em que essaspalavrasdeixaramsuaboca,averdadeportrás delas se tornou real para Cassie deumjeitocompletamentenovo.

— Você se lembra de Suzan? —perguntouAdam.

Scarlettassentiu.— A ruiva natural, é claro. Morreu

como?—Os caçadores amataram—disse

Cassie.—Que droga.—A voz de Scarlett

saiusemmuitaemoção.—Masoqueamorte da sua amiga tem a ver com osmeuspoderes?

— Agora nosso Círculo estáincompleto.—Adamfoiparaabeiradosofá.—EpelovínculodoCírculo,vocêéapróximanalinhaparaolugardeSuzan.

Por alguns segundos, Scarlett nãomostroureaçãonenhuma.

—Nãoentendo.Comopodesereu?— Sua mãe era tia de Suzan —

explicouCassie.—Masninguémsabiaa

respeitodela.AconfusãonosolhosdeScarlettaos

poucosprogrediuparaasurpresaedepoisparaoprazer.

—Não acreditonisso.Epensar quedesperdicei tanto tempo e energiatentandodestruirvocê,Cassie.

Cassieficouimpassível.—Eumesmamal consigo acreditar,

masaquiestamos.— E vocês estão dispostos a me

iniciar?—perguntouScarlett.— Nossa amiga morreu — disse

Adam.—Eamaioriadenóscertamente

vaimorrersenãofizermosalgumacoisa.Vamos admitir você em nosso Círculoporque precisamos da sua ajuda paraderrotar os caçadores. Esse é o únicomotivo.

—Desculpe, comodisse?—Scarlettpôs amãono ouvido.—Achoque nãoescutei bem.Você disse que precisam demim?Queprecisamdaminhaajuda?

Adamselevantoudosofá.—Sabedoquemais?Podeesquecer.

Cassie,vamosembora.Scarlett também se levantou e

bloqueou o caminho de Adam para a

porta.— Relaxe um pouco. Só estou

brincando com vocês. O fato é queprecisam de mim. Mas também precisodevocês.Todostemosalgoaganharcomisso.

ScarlettdirigiuaspalavrasseguintesaAdam.

— Desfaça o feitiço de restrição epodefazeroquequisercomigo.

Cassie sentiu o sangue subir àsbochechasesecolocouaoladodeAdam.

— Primeiro temos de estabeleceralgumasregrasfundamentais.

Scarlettjogouocabeloparatráseriu.—Vocêstodosadoramregras,nãoé?— Não confiamos em você. — As

costas de Adam estavam rígidas, e suavoz dura. — E não gostamos de você.Quero que isso fique claro. Um gestoerrado, e não hesitaremos em fazer piordo que banir você deNewSalem.Podeapostarqueestaremostevigiando.

— Ah, sei que vão, amorzinho. —Scarlett fez beicinho com os lábiosvermelho-escuros.—Você,emparticular,nãoconseguetirarosolhosdemim.

Adam se retraiu, e Cassie ergueu a

mãoparasilenciá-lo.— Está tudo bem. Eu esperava por

isso.Poruminstante,elaencarouScarlett

com uma expressão de nojo. Uma vozobscura, das profundezas de sua mente,sussurrou, Mate-a. Mas Cassie soubeignorá-la, e também compreendia que,porAdam,precisavaaparentarconfiançadequetomavamaatitudecorretaaolevarScarlettdevoltaaNewSalem.

—Vamos reverter o feitiço— falouparaele.—Foioqueviemosfazeraqui.

Cassie não mostrou hesitação ou

dúvida ao colocar a mão na testa deScarlettecomeçaradesativaçãodofeitiçode restrição.Mas, bemno fundo, estavamortademedodoqueestavaapontodesoltarnoCírculo,eemseunamoro.

AssimquevoltaramaNewSalem,Cassiee Adam acompanharam Scarlett àmataescura. Cassie se endureceu contra apulsação abafada nas entranhas, oimpulso de prender Scarlett de novo ebani-la não só de New Salem, mastambém de Adam, do Círculo e de suavida. Mas o resto do grupo já estava

reunido, preparando-se para a iniciaçãodeScarlett.Agoranãohaviamaisvolta.

Dianafoiaprimeiraaentraremseucampo de visão. Estava com seu mantobranco e usava o diadema Chave nacabeça.Namão,tinhaumaadaga.

Scarlettolhoua lâminadaadagaeoluarbrilhandonela.

— Vejo que não estamos perdendotempo nenhum — disse ela. — Asituaçãodevemesmoserpavorosa.

— É — disse uma voz rouca atrásdela.

Faye estava com seu manto preto

cerimonial e a liga de couro na perna.Estendeu o bracelete de prata paraCassie.

—Coloqueisto—disseela.Cassie era a única líder trajada com

roupas normais, mas cada uma delasusavaumadasChavesMestras.

Diana se colocou diante de Scarlett.Seucabelolouroecompridoestavasoltoabaixo do diadema e refletia a lua demodo a lançar um brilho etéreo no seurosto.

— Se você se tornar membro donossoCírculo—anunciouela—,teráde

agircomotal.Estainiciaçãosebaseiaemumasériedepromessas.

— Quer dizer regras — resmungouScarlett,friamente.

— Sim, regras— respondeuDiana.—Paravocêeparanósseguirmos

—Nem se dê ao trabalho de tentarfalarcomoseelafosseumserhumano—disseFaye.—Elajamaisseráumdenós.Vamos acabar logo com isso. Todosentremnocírculo.

Scarlett sorriu com sinceridade, eCassiealevouaseulugar,emumespaçoforadocírculoquefoitraçadonochão.

Dianasecolocounomeioecomeçouformalmente a cerimônia. Ergueu aadagadeprataaocéu—amesmaadagausada na iniciação de Cassie — eperguntou:

—Quemadesafia?—Eu.—Cassie e Faye falaram ao

mesmotempo.Os olhos de todos pularam de uma

paraoutra.— Faye, eu fico com essa —

sussurrouCassie,depois,muitomaisalto,repetiu:—Eufaço.EudesafioScarlett.

Cassie foi para o meio do círculo e

pegou a adaga de prata. Postou-seperante Scarlett com a lâmina na mãoestendida. Levou a adaga ao pescoço deScarlett.

—Seháalgummedoemseucoração—disseCassie—,serámelhorparavocêsejogarnestaadagaacontinuar.

Cassie pressionou um pouco mais alâmina,demodoqueelaapertoudeleveacavidadenopescoçodeScarlett.

—Hámedoemseucoração?Scarlettsorriu.—Nenhum.Cassie a olhou duramente, bem no

fundodeseusolhosescuros, idênticosaodopaidasduas.OcorreuàCassiequeavida de Scarlett estava inteiramente emsuas mãos. Ela podia abri-la bem ali,comoumcordeironomatadouro.

— Cassie. — Faye soava fraca edistante.

CassieaindaolhavafeioparaScarlett,impondo uma pressão um pouco maiorna lâmina, o suficiente para beliscar asuperfíciefinadapeledeScarlett.

— Cassie! — gritou Diana. —Scarlett deu sua resposta.Agora, afaste-se.

Cassie engoliu em seco e percebeuqueFayeestavaaoseulado,levando-adevolta ao lugar no perímetro do círculo.Ela retirou a adaga damão deCassie eentregou àDiana.De repenteCassie sesentiufraca.

—Scarlett,porfavor,entrenocírculo—instruiuDiana.

Scarlett obedeceu, e Diana riscou ochão com a adaga para fechar o círculoatrásdela.

— Agora venha para o meio. —Diana ergueu os braços sobre Scarlett elhefezasperguntasdainiciação.—Jura

ser leal ao Círculo? Jamais prejudicaralguém que pertença a ele? Vocêprotegerá e defenderá seus membros,mesmoqueissocusteasuavida?

Scarlettsorriuantesderesponder.—Sim.—Jurajamaisrevelarossegredosque

aprenderá, exceto à pessoa certa, dentrode um Círculo corretamente preparado,como o que usamos agora? Jura guardaresses segredos de todos os estranhos,amigose inimigos,mesmoquecuste suaprópriavida?

Havia um triunfo perturbador nos

olhosdeScarlett.—Sim—prometeuela.—Pelomar,pelalua,porseupróprio

sangue,vocêjura?—Eujuro.Diana olhou cada integrante do

grupo.— Scarlett jurou. E agora apelo aos

poderesqueolhemparaela.Assim como fez na iniciação de

Cassie, Diana ergueu a adaga sobre acabeça, com a lâmina virada para o céu.Apontoupara o leste, sul, oeste enorte.Porfim,apontoualâminaparaScarlette

disse:

Terraeágua,fogoear,Vejamsuafilhaqueaquiestá.Pelassombrasdaluaealuzsolar,Pelaminhavontade,vaiserealizar.

Pordesafio,teste,sagradojuramento,QuedoCírculoagoraelasejaelemento.Carneetendões,sangueeossos,Scarlettagoraéumdosnossos.

E foi assim. Com essa simplicidade,Scarlett era um deles. Os poderes a

receberam,eogrupoaacolheu,masnãofoiemnadaparecidocomomomentoemqueCassiesetornoumembrodoCírculo.Não houve abraços, nem uma sensaçãoverdadeiradeacolhimento.

Diana e os outros membros doCírculo fizeram o necessário, damelhormaneira que sabiam,mas não tinham oquecomemorar.

— Acabamos aqui? — perguntouScarlettcomdesdém.

—Sim.—Dianacolocouaadaganabainha.—Acabamos.

Laurel apagou todas as velas e as

recolheu, uma por uma. Cassie estavaprontaparasairdaquela falsa iniciaçãoomais rápido possível, mas Faye a puxoudelado.

— Podemos conversar sobre queaconteceulá?—perguntouFaye.

—Láonde?Nãoseidoquevocêestáfalando.

— Acho que você sabe. — Faye securvouparaoouvidodeCassieebaixouavoz a um sussurro.— Talvez os outrosnãoestejamdispostosacooperarefingirque não viram você quase fazer carnemoídadasuameia-irmã,masnãoeu.

— Quer dizer com a adaga? —perguntou Cassie. — Eu só a estavatestando.Queriaassustá-la.

—Cassie,euvi.Viseusolhos.Todosnóssabemosoquevemacontecendocomvocê,mastodomundotemmedodemaisdefalarnisso.

—Evocêesperaqueeuacreditequevocê quer conversar sobre isso por que,Faye?Porqueestámuitopreocupadacommeu bem-estar? Ou a segurança deScarlett?

—Credo,não.Achoquevocêdeviatê-laesfaqueado.Teriafacilitadoascoisas

paratodosnós.Cassie olhou para Faye, perplexa,

depoisFayeabriuumsorriso.—Tudobem,talvezissoteriasidoir

umpoucolongedemais.Cassie se permitiu rir pela primeira

vezemalgumtempo,eFayeaolhoucomuma expressão estranha... algo comocompreensão.

—Maseufalosério,achoqueéumerro continuar tentando lidar com todaessamagianegra sozinha—aconselhouFaye.—Éevidentequenãoestádandocerto.

CassieexaminouorostodeFayeembuscadoqueelaestariaescondendo.Queestratégiatinha?Depoisdeummomento,elafalou:

—Vocêquerquelhemostreolivro.— É claro que quero que você me

mostreolivro.Cassiebalançouacabeça.— Valeu a tentativa. — Ela riu de

novo.De súbito houve um farfalhar na

mata. Faye se virou rapidamente,procurando a origem do barulho.Todosfizeramomesmo.

— Temos um problema. — Adamestava focado em uma das árvores aolonge.

D

25

e trás de um grupo de árvoresvolumosas saíram Max, o pai e os

doiscaçadoresqueescaparamdoterraço:Jedediah e Louvera Felton. Cada umdeles segurava uma pedra entalhada noformato do símbolo do caçador, asrelíquias que usaram para matar Suzan.Scarlett correu assim que viu oscaçadores, desaparecendo na mata. Por

queCassienãoficousurpresa?Comtodasua falastrice, é claro que no fundoScarletterasóumacovarde.

Um rápido olhar foi trocado entreDiana eMax.Ele franziu o cenho paraela com vergonha e tristeza nos olhos,como se estivesse ali contra a própriavontade.

— Agora! — gritou o Sr. Boylan,levantandoseusímbolo.

Adamlançouasmãosparaodiretor,invocando um feitiço de defesa. Nicktentou atirar sua energia para ele comumaexplosãodefogo.Maspareciaqueo

Sr. Boylan e os caçadores resistiam àmagia deles. Agarravam-se a suasrelíquias e entoavam sua própriamaldição, invulnerável a qualquermagialançadacontraeles.

—Temos que tirar essas pedras dasmãosdeles—urgiuMelanie.

Juntos,ChriseDougseatiraramparaa relíquiadeLouvera,masnomomentoem que chegaram perto de um ataque,caíramnochão,segurandoacabeça.

MelaniemergulhouparaarelíquiadeJedediah,mastambémcaiurapidamente,segurando a cabeça como se a relíquia a

tivessegolpeado.Cassie, Diana e Faye ainda estavam

com as Chaves Mestras. Deram-se asmãos e avançaram para os caçadores,entoando, “Terra meu corpo, água meusangue, arminha respiração e fogomeuespírito”.

OSr.Boylan não demonstroumedodas Chaves. Deu um passo à frente,estendendo o símbolo para elas,murmurando as mesmas palavras queCassieselembravadeouvirnoterraço:

Isumeiusagens,

Ioccidereineiusnomen...Isumeiusagens,Ioccidereineiusnomen...

Cassie sentia que as Chaves nãoestavamfuncionando.Elasesentia fracaaté os ossos e sem poder, e o braceletecontinuavafrioesemvidaemsuapele.

OSr.Boylanficavamaisforteacadasegundo que continuava seu cântico.Levava a melhor sobre eles. Laurel,Deborah e Sean tinham caído no chão.Cassienãoconseguiavermaisninguém,sua cabeça começou a latejar, a visão

ficou borrada e ela sabia que logotambémperderia todas as forçasque lherestavam.

— Cassie — disse Diana. — Euestou...—Elacaiudejoelhos.

Max se virou para Diana e gritou.Correuaolocal,colocando-seentreelaeo pai. O Sr. Boylan tentou afugentá-lo,masMaxnãocedeu.Colocousuarelíquiadepedranochãoeergueuosbraços.

—Temosdepararcomisso—disseele.—Pareamaldição.

LágrimasdealegriaealívioencheramosolhosdeDiana.Maxinterveioporela.

Adam apareceu ao lado de Cassie,semfôlegoeconfuso.

—Oqueeleestáfazendo?Os caçadores ficaram desconcertados

comareviravoltadeMax.Porumbrevemomento, cessaram o cântico,procurando orientação no Sr. Boylan,masagoravoltavamcomtodaforça.

O pai de Max pegou no chão arelíquiadofilhoeaestendeuparaele.

— Pegue isto — ordenou ele. MasMaxserecusouapegar.Ergueu-se,comDianaatrásdesi.

— Não cometa um erro terrível —

disseopai.—Obedeçaaseudestino.MaxolhouparaDianaeentãovoltou

osolhosparaopai.—Estou obedecendo ameu destino

—afirmouele.Assombrado, o Círculo observava

Max.Houvealgunssegundosdesilêncio,temposuficienteparaCassieouvirDianapuxaroarrapidamente,numarespiraçãosuperficial,ecambalear.Depois,comumgolpe rápido na cabeça, o Sr. BoylandeixouMaxinconsciente.

Diana correu para ajudar Max, masJedediah a atacou com algumas palavras

sinistras. Ela caiu no chão, ao lado docorpodesmaiadodeMax.

Laurel se arrastou até Cassie,apavorada.

— Faça alguma coisa — gritou ela.— O que você fez no terraço, faça denovo.

FayesecurvouparaoladodeCassie,semfôlego.

—Vocêprecisafazer—pediuela.—Vocêénossaúnicaesperança.

Mas, antes queCassie pudesse dizerumapalavra,Adamestremeceu como sefosse baleado. Depois caiu de cara no

chão. Faye também vergou e desabou,comacabeçaentreasmãos.

Cassie olhou em volta. Era o únicomembro doCírculo que ainda estava depé.ElaolhounosolhosdoSr.Boylaneardeu comumcalor febril.Comou semlivro,Cassie tinhaopoder e sabiadisso.Sóprecisavadeixarqueeleadominasse.

Cassie centrou a mente e respiroufundo. Disse a si mesma que era sódaquelavezenãotinhaproblemaemseentregar, em deixar que as trevas atomassem e corressem por suas veias.Porém, de repente suas pernas lhe

fugiram.Acabeçapareciatersidoaberta,e uma dor penetrante deu a certeza deque ela tinha agido tarde demais. Todasua energia era sugada do corpo. Era asensaçãodamorte,Cassiesabia.

Atravésde suavisãonublada, ela viaque Max tinha despertado e tentava selevantar,mas os outros dois caçadores ocontinham. Eles o seguraram enquantocontinuavam com a maldição, aindasegurandoasrelíquias.

Todo o Círculo foi dominado. Cadaum deles jazia pelo chão lamacento,como insetos deixados para morrer. O

cântico dos caçadores ficoumais alto.OSr. Boylan tinha fechado os olhos eerguido os braços, em êxtase e triunfo.Cassienemacreditavaquedepoisdeumabriga tão longa e difícil podia haver umfimtãolamentávelparaseuCírculo.

MasentãoosolhosdoSr.Boylanseabriramdenovoeelerecuou.

—Denovo,não—disseele.—Nãoépossível.

Os outros caçadores varreram comoolharascercaniasansiosamente.Pararamde murmurar sua maldição e viraram acabeçaparaamata,atentos.

Cassie ouviu bem fraco o que elesescutavam.Outralíngua,estrangeiraeaomesmo tempo conhecida. Era Scarlett.Estava longe, andandona direção deles,entoandoumamagianegra.

Jedediahagarrouopeitocomofeznoterraço.Suacaraseavermelhouenquantoeleofegava,eelegritouparaquetodosseretirassem.EleeLouveraseafastaramdeMaxecorreramnadireçãocontrária.

Maxestavatonto.Estreitavaosolhos,procurando no chão por Diana,erguendo-se trôpego como um cervorecém-nascido tentando se colocar sobre

os cascos. Depois, gritou de dor,agarrandoocoração.

Chris,Doug eSean se levantaram esentaram. Deborah, Laurel e Melaniefizeramomesmo.OCírculo recuperavasuasforças,enquantoMaxperdiaasdele.DianagritouparaScarlett.

— Você o está matando! — MasScarletterairreprimível.

O Sr. Boylan correu até Max e oajudouaselevantar.

— É uma antiga — disse ele. —Temosque fugir.—Ele firmouobraçodeMaxemseupescoço.

Max, contorcendo-se de agonia,deixou que o pai o arrastasse dali, eminutos depois eles sumiram, tragadospelamataescura.Atragédiafoievitada.

—Achoquenósmostramosaeles—disseScarlett,pavoneando-separaomeiodo grupo quebrado e perplexo. — Oupelo menos eu mostrei. — Seus olhosaindaestavamescurosdofeitiçoproibido.

Cassie reconheceu os resíduos dopoder e do prazer intensos na cara deScarlett. Isso lhe deu inveja, atéressentimento. Como Scarlett conseguiausar suamagianegra semperder todoo

controle?Elaparecia capazde ativá-la edesativarquandobemquisesse.

— Não se preocupem — disseScarlett. — Não espero gratidão. Pelomenos, ainda não. — Ela foi para ocarro. — É melhor sairmos daqui, casoeles tenham mais alguma surpresa paranós. Precisamos de tempo para nosreagruparerestaurarnossaenergia.

Todos, meio tontos, foram atrás,obedientes, como se ela tivesse acabadode se provar uma líder mais digna doCírculo.

Cassie, Adam e Diana ficaram para

trás.— Detesto admitir isso — disse

Diana. — Mas, se não a tivéssemosiniciado,agoraestaríamosmortos.

—Masfoimagianegraqueelausoucontra eles. — Adam olhou por ummomentoparaCassie.—Nãofoi?

Cassieassentiu.— Bom, não importa o que foi —

disseDiana—,elafezissopornós.Tevea oportunidade de fugir na mata e nosdeixarmorrer,masnãofezisso.

Adamconcordava.—Ainda não podemos confiar nela,

mastalvezelaafinaldecontasnospossaserútil.

— Talvez — disse Cassie. Mas elasabia melhor do que ninguém que umaboa ação não muda a essência de umapessoa.

–N

26

ão pode mais esconder isso dagente, Diana — disse Melanie.

—Ficoumuitoclaroquandoelearriscouaprópriavidaparateproteger.

Ogrupoestava reunidoem tornodamesadecentronasala secreta, tentandoentender o que deu errado na mata,quandoaconversasevoltouparaDianaeMax. Mas os amantes proibidos não

impediam que alguns integrantes doCírculo olhassemnervosos para Scarlett,agora tensos que ela estivesse presentenessasconversasparticulares.

— Ele se provou lá — defendeuLaurelcomumalevezaromântica.—Nahoradaverdade,eleescolheuoamor.

— Será que vocês duasenlouqueceram completamente?—Fayeesteve fervilhando em silêncio no sofáenquanto Melanie e Laurel ficavampoéticas com a reviravolta deMax,masagora compensava, elevando a voz bemacima da deles. — Max é o inimigo.

Lembram? Foi o que vocês todos medisseram. Mas agora que Diana estáapaixonadaporele,derepenteeleéJesusvoltandoàterra?

— Pare de reclamar — gritouMelaniedooutroladodamesadecentro.— Você só está com ciúme. Não viu oqueelefezporelanamata?

—Elefezissoportodosnós—falouDiana. — Faye, sei que você já gostoudele. Mas precisa entender, nósrealmente nos amamos. Não pode, emseucoração,ficarfelizpornós?

Fayeempinouonariz.

—Vocêvaimefazervomitar—disseela, e se retirou para sua cama decampanha.

—Max éperigoso—alertouChris.— Vocês, garotas, precisam tirar ocoraçãoeasestrelasdosolhos.

—Éissomesmo—disseDoug.—Oamor não tem nada a ver com isso. Éumaguerra.

Cassie notou Adam olhandofixamenteopisodemadeira.Depois eleolhou para Scarlett; Cassie pegou umbreve momento passando entre o olhardos dois, ela não sabia o que era, mas

sabia que, independentemente do quepensasse das intenções de Max, Adamacreditava que Scarlett havia se provadonafloresta.Eraóbvio,pelojeitohumildecomqueeleaolhava.Eelacorrespondeuaoseuolharcomumsorrisoirônico.

O ciúme de Cassie se inflamou, euma imagem faiscou em sua mente.Daquela vez ela viuScarlett eAdamnacama,juntos—nacamadeCassie—,eelessebeijavamcomoamantesávidos.AcenaeratãonítidaqueCassiepareciaterrompidopelaportae flagradoosdoisnavidareal.Suaraivapenetrouavisão,eela

forçou Scarlett para longe de Adam edepoismergulhouagarotaemlabaredas.Ela se aproximou para olhar a cara deScarlettescurecerederreternefastamentenas chamas, e aquela visão lhe deu umasatisfação agitada no estômago. Elaqueria ver Scarlett perecer até que delanãorestassenadasenãocinzas.

Isso não é real. Cassie teve de sesacudir, repetindo essas palavras consigomesmaatéqueaimagemdesaparecesse.

Deborahse levantouesecolocounomeiodasala.

—Achoque falo por todos, ou pelo

menospelamaioria,Diana,quandodigoque quero que você seja feliz. Mas,tirandoisso,estamosnumasituaçãoruim.Todos nós estamos marcados. É nissoque precisamos nos concentrar. — Elaparou,eNickcontinuouapartirdaí.

— E, sem querer ofender, mas setivermosamaislevesugestãodequeMaxtrabalha contra nós, vamos acabar comele.Sejaseunamoradoounão.

— E como pretende fazer isso,valentão? — indagou Scarlett, enfim seintrometendo.—Que fique claro que aúnica coisa que funciona contra os

caçadoreséamagianegra.Ela esteve sentada em um divã,

afastada, sozinha. O único membro doCírculo disposto a ficar a certaproximidadedelaeraSean,quesóestavaali porque ela era bonita. Mas agoratodos os olhos se voltaram para ScarlettelasefixouemCassie.

—Nãotenhorazão?Cassieassentiusolenemente.—Sim, temrazão.Foicomamagia

negra que forcei os caçadores a seretiraremdoterraçodaescolaefoioqueScarlettusounamata.

—Masnenhumadasduasconseguiueliminar o poder das relíquias doscaçadores — argumentou Deborah. —Precisamos de um feitiço que faça isso.Paraacabarcomaameaçadoscaçadorespara sempre. Caso contrário, eles vãocontinuarnosperseguindoatéque todosnósestejamosmortoseenterrados.

Diana estremeceu com a frieza deDeborah, mas o resto do grupoconcordou.

—Cassie—disseAdam.—Talvezagora seja uma boa hora para pegar olivrodoseupai.TalvezScarlettpossanos

ajudar com o feitiço em que estamostrabalhando.

OestômagodeCassiedespencouemquedalivre.

Scarlett falou numa voz rouca eirônica.

—Éumaótimaideia,Adam.Porquenãofazisso,Cassie?

Cassie olhou em desespero paraDiana,quecontinuoudelábioscerradoseimóvel.DepoissevoltouparaAdam.

— Não posso — disse ela. — Nãoestácomigo.

Scarlettselevantou.

—Comoassim,nãoestácomvocê?—Cassiemepediuparaguardarpara

ela.—Dianadeslizou,protetora,paraoladodeCassie.—Estáescondidoemumlugarqueninguémvaiencontrar.

Faye disparou de onde havia sejogadonocolchão.

—Tádesacanagemcomigo,Cassie?Vocêdeuo livroparaDiana enãoparamim?

—Todosnóstemosodireitodevê-lo.—MelanieinterrompeuFaye.—Enãosó algumas páginas de cada vez, queCassie copia, mas o livro todo. Diana,

vocêprecisatrazê-loparacá.— Concordo — disse Laurel à

Cassie.—Estamos todos juntos nessa edevemossaberquerecursostemos.

— Nenhum de vocês entende. Eleestámecontrolando!—gritouCassie.

Todossecalaram.Todosevitaramosolhos uns dos outros, exceto Faye, queolhava Cassie atentamente, e Scarlett,quepareciagostardoespetáculo.

— Nenhum de vocês consegueentender— repetiu Cassie.—Não sãosó as queimaduras. Eu ando estranhadesde que peguei o livro. E, se eu

começarausarasuamagia,nãoseioqueserei capazde fazer ao restodoCírculo.Ouoqueousodo livropode fazercomtodosvocês.

Por alguns segundos ninguém dissenada, depoisDiana fez um esforço pararomperosilêncio.

— Trarei o livro para cá quandoCassiesesentirpreparadaparaisso.Nemum segundo antes. — Ela lançou umolhar furiosoparaScarlett.—Masfiqueà vontade para resmungar e reclamar oquantoquiser.

Houve uma lufada repentina na

entrada da sala que assustou a todos aomesmo tempo. Era o som da portasecretaseabrindo.

AmãedeCassieavançouumpassoede imediato fez contato visual com onovorostonasala,massuaexpressãonãoera de falta de familiaridade, era de umreconhecimentocauteloso.

— Me desculpe, eu não queriainterromper—disseela,hesitante.

— Está tudo bem, mãe — disseCassie. — Essa é Scarlett Forsythe,membromaisrecentedoCírculo.

Os olhos da mãe faiscaram. Cassie

sabia que ela quase ofegou, masconseguiuseconter.

—Sério?—perguntouelanumtomindiferenteecomumsorrisoforçado.

Scarlettsorriuparaela.—Vocêconheceuaminhamãe.AmãedeCassieinclinouumpoucoa

cabeça e lhe surgiu uma estranhaexpressão,comoseelatentassedecidirseistoeraumpesadelo.

— Sim. Há muito tempo. Asemelhançaéimpressionante.

—Foioquemedisseram.—Scarlettfalou em voz alta, num tom agressivo,

como se tivesse raiva da mãe de Cassiesimplesmente por estar viva quando aprópriamãenãoestava.

Cassie se posicionou entre as duas,sentindo-seprotetoraemrelaçãoàmãe.

—Está tudo bem aqui— disse ela.— Scarlett agora é uma de nós e sóestamos terminando um assunto. Vocêpodeirdormir.

OsolhosdamãeaindaestavamfixosemScarlett,comosenãosuportassemsedesviardela.

Cassieguiouamãepelaportaepeloporão,devoltaàescada.

— O que ela está fazendo aqui? —indagouamãe.

— Não tivemos alternativa, senãoiniciá-la depois da morte de Suzan.Aconteceu tudo rápido demais.Precisamos dela, e ela precisa de nós...Pelomenosporenquanto.

— Tenha cuidado — sussurrou amãe, abraçando-a com força. — Nãopodeconfiarnela.

— Nem me diga. — Foi só o queCassieconseguiuresponder.

OCírculodecidiupassaranoitenacasa

deCassieporsegurança,“paraumcuidardooutro”,segundodisseram,masCassiesabiaqueelespretendiamvigiarScarlett.AgarotapodiaterconquistadoseulugarnoCírculoquandoobrigouoscaçadoresabaterememretiradana floresta,masdaía ganhar a confiança do Círculo, seriauma distância muito grande. Essa noitetodosdormiriamcomumolhoaberto.

Adamtinhaescapulidoparaoquartode Cassie para dar boa-noite e estavademorando para sair, sem pressa de seseparar dela. Passava suavemente osdedos pela face interna do braço de

Cassie,comoanamoradaadorava.Cassietambém não queria que ele a deixasse.Queriaqueeleaabraçasseatéeladormir.

Adam se curvou e lhe deu um beijono pescoço, com ternura e calma. Eleestava sendo gentil comCassie,mas elaouvia sua respiração pesada. Entendia oquanto ele sentia falta de tê-la assim.Mas uma batida na porta perturbou osdois.

—ÉScarlett—disseavozdooutroladodaporta.—Podemosconversar?

AdamabraçouCassiecommaisforçaebalançouacabeça,masCassiedisseque

estava tudo bem.Com relutância, ele selevantoueabriuaportaparaScarlett.

— Eu queria falar com Cassie emparticular — disse Scarlett, dispensandoAdamcomumgirodopulso.

— Agora? — A voz de Adamcarregavacertafrustração.

ScarlettpassouporeleesesentounacamadeCassie.

—Sim,agora.Só depois de Cassie assentir, Adam

concordou.—Estarei bem ali, no sofá— disse

ele.—Seprecisardealgumacoisa.

Scarlett sorriu para o excesso deproteçãodeAdameesperouelefecharaportaparasevirarparaCassieefalar.

— Achei que podíamos trocarsegredos.

Cassie pensou em sua primeirafestinha de pijama, como ficou animadaporterumairmãaquemcontarascoisas.Queingenuidadeadelanaépoca.Nãosedeixariaenganardenovo.

—Tudo bem— disse ela num tomgelado.—Vocêprimeiro.

—Sabiaqueiadizerisso.—Scarletta cutucou no braço. — Tenho um

segredosobrea...magianegra.De repente Cassie ficou cautelosa,

mas se lembrou de que bastava dar umgritoparaterajudadetodooCírculo.

— Pode falar. — Ela se preparouparaopior.

—EuseilerolivrodeBlackJohn—disseScarlett.—Minhamãemeensinouantesdemorrer.

AcaradeScarletterafrancaeséria,eCassieentendeuquenãoeraumtruque.Elafalavaaverdade.

— Está no nosso sangue —continuouela.—A língua.Vocêvai ter

que se esforçar para destravá-la, mastambémsabelerolivro,Cassie.

Cassie trouxe à mente as poucaspalavras do livro que conseguiucompreender, e tudo começou a fazersentido.Porinstinto,elajásabiadetudo.

— Entendo que você esteja commedodeserdominadapelamagianegra— disse Scarlett. — Mas fomos feitasparatercontrolesobreela.Comotempo,vocêconseguirá.

— Por que está me contando tudoisso?—perguntouCassie.

Scarlettriu.

— Você adora ficar de guarda alta,não é? Estou de contando tudo issoporqueagoraestamosdomesmolado.Equeroderrotaroscaçadorestantoquantovocê.Elestambémmatarampessoasqueeuamo.

Cassie recordou a explicação deScarlett sobre como veio parar emNewSalem à procura dos caçadores quemataram sua mãe; mas Cassie duvidavaque fosse sópor isso.Depois se lembroudo seu devaneio um pouco mais cedo eque ela conseguiu se livrar das ideiasmalignas. Talvez Scarlett tivesse razão

quandodiziaqueerapossívelcontrolarastrevas.

— Você confia em mim? —perguntouScarlett.

Confiar em Scarlett nunca era fácil.Porém,porenquanto,Cassienãotinhalámuitasalternativas.

—Não,nãoconfio.Masacreditoemvocê.

—Bom, acho que é um começo.—Scarlett se levantou e foi até aporta.—Descanse um pouco. Temos um grandediapelafrente.

Elaenvolveuamaçanetacomamão

easoltou.—Maisumacoisa.—Scarlettgirou

nos calcanhares. — Acho maravilhosoque você eAdam estejam se esforçandotantoparaficarjuntos,passandoportudoisso. Estou muito impressionada comvocê,por aceitar isso.—Elaparouparaestender o momento, saboreando-o. —Sobre o cordão entre mim e ele, querodizer. Você deve ter tido algumas aulascomsuaamigaDiana.

Cassie sentiu algo apertar e depoisbalançardentrodesi.Umgostocáustico,de ácido de bateria, encheu a boca,

maculandosuavozdeveneno.—FiquelongedeAdam.—Eu só fiz umelogio,Cassie.Não

estrague tudo com seu mau gênio. —Scarlettergueuassobrancelhase franziuoslábioscarnudos.Ecomisso,saiu.

–O

27

que Scarlett te disse ontem ànoite?—perguntouAdam.Elee

Cassieestavamdandoumacaminhadademanhã cedo na escarpa, antes que osoutrosacordassem.

— Muita coisa... — Cassie olhou ohorizonte enquanto falava, imaginando-seperdidaemalgumlugarnaquelalinhaentreomareocéu.Nãotinhacoragem

de contar aAdam que Scarlett sabia docordãoentreosdois.

— Ela me fez pensar sobre meupoder—disseCassie.—Nãoqueromaisviver com medo. Com medo de mimmesmaedoquesoucapazdefazer.

— Não precisa ser assim. — Adamtentavalhedarapoio,emboraospoderessombriosdeCassieestivessembemalémdesuacompreensão.Eletemiaporela,eCassie sabia disso.Nos olhos deAdam,ela via o quanto ele desejava podercarregaressefardo.

—EoqueScarlettsugeriuavocê?—

perguntouele.—Eladisseque,seeuabraçarminha

magianegra,possoaprender a controlá-la. O que obviamente tem sido meuproblemaultimamente.Ocontrole.

AdamcontornouCassieparaficardefrente para ela, bloqueando sua vista daescarpa.

—Achaquepodeaprenderisso?— Não sei o que pensar. Nem

mesmo sei se posso confiar em meusprópriospensamentos.

AdamabraçouCassieeapuxouparasi. Ela sentia o cheiro de água salgada

vagandonoaredapeledonamorado.— Bom, vou te dizer o que penso.

Achoquesóvamossabertentando.Eeuestarei ao seu lado a cada passo docaminho,aconteçaoqueacontecer.

—Masesedertudoerrado?Eseissome transformar, mais do que játransformou?

— Nenhum de nós sabe o que ofuturo nos reserva ou quem iremos nostornar,Cassie.Masseiquepodemosserfiéisaquemsomosagora.Eissoseaplicaameu amor por você e a seu amor pormim,eavocêconseguirseconectarcom

a luz dentro de você. Nada disso vaiembora.

AdamdeuumbeijonoaltodacabeçadeCassieeasoltou.

—Masvocê tambémprecisa confiarem si mesma. Precisa ter fé em suaprópriabondadefundamental.

Cassieconcordoucomacabeça.—Achoqueestoupreparada.Semdizermaisnada,Adamavançou

e a beijou. Ela quase riu; era a últimacoisa que esperava dele naquelemomento.Elaestavaprestesaperguntarsobreobreveolharqueeletinhatrocado

comScarlettnanoiteanterior,aquelequeprovocounelaumafúriaíntimadeciúme.

Porém, enquanto se inclinava ecorrespondiaaobeijo,elaseesqueceudetudoisso.Sentiaosolnascostaseouviaomar de longe. Às vezes, Adam sabia oquefazerparaquetudoficassebem.

Todos estavam grogues de sono eseguravamxícarasdecaféquandoCassieanunciouumareuniãodoCírculonasalasecreta.Faye se sentou ainda envoltanacolcha, e até Diana parecia precisar deoutrahoradedescanso,masanotíciade

Cassiecertamentedespertariaatodos.—Andei pensando desde ontem—

disseela,enquantoelessereuniam.—Edecidi que Diana deve trazer o livro domeupaiparaqueScarlettdêumaolhada.

ScarlettolhounosolhosdeCassie,ealgumacoisa foi trocadaentreelas,certacompreensão. Cassie, porém,rapidamente desviou o olhar, rompendoaquele momento. Não queria dar aimpressãodetermuitoemcomumcomairmã.

—Seiqueofeitiçoquemeupaiusouvai funcionarparaderrotaros caçadores.

—Cassieagora tinhaaatenção totaldetodos. — E Scarlett pode traduzir paranós.Elaconhecealínguadolivro.

Toda a atenção se voltou paraScarlett. Faye jogou longe seu cobertor,comoumacapa.

Dianaficouboquiaberta.—Scarlettpodetraduzirparanós?—

repetiu ela. Seus olhos verdes faiscarampara Cassie.—É uma responsabilidadeimensaparaScarlettassumirsozinha.

Fayesorriucommalícia.—O queDiana quer dizer é: como

vamossabersepodemosconfiarnela?Já

quenenhumdenóssabeadiferença.Elapodenosmandarfazeroquequiser.

—Porqueeuconfionela—declarouCassie.

—Sóisso?—Fayeesperavamais.O coração de Cassie martelava no

peito, mas ela manteve a força e acompostura.

—E porque está na hora de acabarcom isso de uma vez por todas. Scarlettnão temmotivos para nos enganar. Elaquerselivrardoscaçadorestantoquantonós.

—Apoiado,apoiado—disseNickde

seusacodedormir.—Equandoeondevamosatrásdeles?

— Posso ajudar nisso. — Diana selivrou da surpresa do início e falou. —Max sabe onde os caçadores se reúnem.Aposto que podemos nos infiltrar emumadesuasreuniões.

— Podemos emboscá-los — disseNick.—Quandoelesmenosesperariam.

—Mas,emtroca—Dianasubmeteuà Cassie —, peço que o Círculo poupeMaxdamaldiçãoquefizer.

—De jeito nenhum—gritouFaye.—Não há motivo para acreditar que o

amordecachorrinhodeMaxporDianaémais verdadeiro do que os sentimentosqueeletevepormim.

—Faye,nósjáfalamossobreisso—disseMelanie.—Vocêprecisadeixarissopralá.

—Não vou deixar pra lá— insistiuFaye.—Porquefoiamesmacoisa...

— Não foi a mesma coisa. — Asbochechas deDiana estavam vermelhas,e seus olhos, afiados. — Nem mesmochegouperto.Eutenhotentadosergentila respeito disso, Faye, mas você estátornandotudoimpossível.Precisaqueeu

desenhe para você? Você usou a magiapara confundir a cabeça de Max. Euencontrei minha alma gêmea. Dá paraentenderadiferença?

FayedesafiouDianaencarando-a.— Como uma líder do Círculo,

levanto a questão da incapacidade deDiana de ser imparcial com relação aconfiaremMax.

— Ah, cala a boca, Faye — disseMelanie.

— Melanie! — gritou Cassie. —Vocêestápassandodoslimites.Fayetema palavra, e ela levantou uma questão

legítimaparaoCírculo.DianasevirouparaCassie.— Fala sério? Vai deixar que ela

continuecomisso?— Ela tem o direito de verbalizar

suas preocupações — disse Cassie numtomdequemsedesculpa.

— Obrigada, Cassie. — Faye selevantouparadominarmelhor o espaço.Olhou para Diana, Melanie e Laurel,amontoadas na cama de Laurel. DepoissevirouparaChris,DougeDeborah,emvoltadosacodedormirdeNick,nochão.Por fim deitou os olhos em Scarlett,

sentada mais para o lado, tendo apenasSeanporperto.

— Sei o que vocês todos viram namata—disseFaye.—Euestava lá.Seique Max enfrentou o pai para protegerDiana.MastambémviMaxpartircomopai, como todos vocês viram. Nãoconosco.Comele.

Faye fez uma pausa para olharespecificamente para Melanie antes decontinuar.

—Aindaassim,agoravamosconfiarqueMax vai nos contar onde encontraroscaçadores,ondeacharopaidele,para

que os ataquemos em seu próprioterritório. Será que eu vou precisar seraquelaadizer?Seráquesouaúnicaqueachaqueissopareceumaarmadilha?

Melanie ficou em silêncio. Todosficaram.AtéCassietevedeadmitirqueoargumentodeFayeeraválido.

—Faye?—disseDiana.—Vocêtemrazão.—Elatomouapalavra.—Estousendo parcial. Acredito que Max noslevaráaoscaçadoresedeboaféacreditoque ele deva ser poupado de quaisquerefeitos negativos que venha a ter amaldição. Mas vocês são livres para

decidirporsimesmos.DianasevirouparaCassie.— Proponho uma votação para

declarar a decisão do Círculo e meabstenhodevotar.

Depois de alguns segundos de umsilêncio tenso, Cassie apelou paraMelanie.

—Podefazerashonras,porfavor?Melanie se levantou, pigarreou e

falou em seu tom frio e cheio deautoridade.

—Levante amão quem for a favorde poupar Max se ele nos levar aos

caçadores.Para surpresadeCassie, umnúmero

suficientedemãosdeimediatoseergueu,decidindo a votação sem precisar dacontagem.Mesmo em uma época comoessa,elesaindapareciamtera tendênciaasealinharcomDiana.

Melanieficouradiantedesatisfação.—AmaioriadoCírculoacreditaque

Max merece confiança. E prometemospoupá-lo.

— Obrigada — disse Diana. CassienãosabiasealgumdiatinhavistoDianamaissincera,eissoerarevelador.

Faye meneou a cabeça e zomboudela.

— Agora você pode chorar suaslágrimas de alegria. Mas, se Max nostrair,nenhumdevocêsserápoupado.Eumesmacuidareidisso.

Cassieabriuabocaparafalar,masseviu olhando para Faye, cujos olhosrefletiam um poder concentrado.Rapidamente, voltou sua atenção paraDianaefalou.

— Sei que não vai chegar a esseponto.

MasCassienãotinhacerteza.Talvez

fosse ingenuidade de Diana. Talvez suatambém.

Scarlett cochichou alguma coisa noouvido de Adam, e ele assentiu. Estavaficando cada vez mais difícil determinarquemaindaeradignodeconfiança.

S

28

carlett estava sentada à mesa deCassie, examinando o Livro das

SombrasdeBlackJohnenquantoCassieeAdamtrabalhavamemseus laptops—mas Cassie na realidade observavaScarlett. Via seus olhos percorrerem otextodolivro,linhaporlinha,devezemquandotomandonotasemumbloco.Empartedotempo,Scarlettapenas folheava

o livro, totalmente absorta e empolgadademaiscomoqueliaparareduziroritmoa fim de copiar. Devia procurarespecificamenteamaldiçãodocaçadordebruxas, mas Cassie sabia que ela sedesviavadaquestão.

—Toctoc—disseDianaaoentrar.—Comoestáindoapesquisa?

—Lenta.—Adamfechouolaptop.—Bom,tenhoumanotíciaquepode

animar vocês. — Diana se sentou nacama deCassie.—Acabo de conversarcomMax.Elemedissequeoscaçadoresde bruxos têm seu quartel-general nas

cavernasdapraia.Mas anotíciadeDiana foi eclipsada

pelogritoanimadodeScarlett.— Achei! — Ela se levantou com

tantarapidezqueacadeiracaiunochão.—Éesse.OfeitiçoqueBlackJohnusoucontraoscaçadores.

Cassie, Adam e Diana correram aolivro para ver com os próprios olhos,esquecendo-sedetudoquevieraantes.

A página que Scarlett mantinhaabertaeramuitoparecidacomorestantedolivro.Eracompostadealgumasfrasescurtas: rabiscos e pictogramas em tinta

preta.—Temcertezadequeéamaldição?

—perguntouCassie.— Absoluta. — Scarlett correu os

dedos pela página, vendo seu conteúdomais uma vez. — E nem é tãocomplicada. Será fácil para o Círculomemorizar.

— Tem certeza? O menor erro eninguém saberá o que podemos fazercomeles,nemconosco—disseDiana.

— Você verá — Scarlett falou paraDiananumtomcondescendente.—Serásimplescomocantarumacançãoemuma

língua que você não entende. Só o queprecisa fazer é atingir o tom certo. Osignificado mais profundo não importatanto.

— Como a maldição funciona? —perguntou Diana, o olhar fixo no textoilegíveldolivro.—Oqueelafarácomoscaçadores?

Scarlettsorriu.— Não se preocupe. Vai acontecer

com tal rapidez que eles nem vão sentirnada.

— Mas o que exatamente fará comeles?—insistiuDiana.

—Eliminaráopoderdesuasrelíquiasdepedra—disseScarlett.—Eromperáo vínculo entre os caçadores e suasmarcas.

— Então, todos perderemos asmarcas. — Cassie olhou o feitiço comAdam.Combaseemseusinstintosesuapesquisa limitada, tudoqueScarlettdiziapareciacorreto.

— De qualquer modo, Diana —acrescentou Scarlett —, Max vai serpoupado.Desde que ele esteja longe desua relíquia quando lançarmos isso, elevaificarbem.Porqueestátãonervosa?

Cassiedeixoupassaressecomentário.—Muitobem,então—disseela.—

Estamosquaseprontosparaagir.AdamsevirouparaDiana.— Aquelas cavernas onde os

caçadores têm o quartel-general ficamperto da parte mais rochosa da costa.Precisaremos de barcos a remo parachegarlá.

Dianapegouotelefone.—Maxpodeajudarcomisso.Senão

tiver problema para você, Cassie, achoqueeledeviaserincluídonessadiscussão.

Cassiehesitou,masnãoAdam.

— Você pretende convidá-lo? Paraviraqui?

DianasepôsdefrenteparaAdam.— Max está dando as costas a

centenas de anos de sua própriaancestralidade e provavelmente serádeserdadopelopaipornosajudar.Então,sim,eupretendoconvidá-loparaqueeleesclareçacomotudovaiocorrer.

Adamrespiroucomoquemconcorda,eCassiedisseàDianaparairemfrente.Umahoradepois,Maxestavadepéjuntoa sua cama, com os braços musculososcruzados,pairandosobreolivrodopaide

Cassie.Scarlett lhe mostrou o feitiço, e ele

estreitouosolhosaover.CoçouabarbaporfazereolhouparaDiana.

—Vocêgaranteasegurançadeles?—Ofeitiçovaidesativar as relíquias

— disse Scarlett.— Foi planejado paraisso. Tirando isso, nenhum de nós temcondições de garantir nada. Afinal, énuma batalha que estamos entrando. Aguerra não traz garantias para ladonenhum.

Maxmordeu o lábio inferior grosso,refletindo.

—Bom,quero estar láparagarantirum jogo justo dos dois lados. — Eledeitou os olhos afiados em Scarlett,entendendodealgummodoqueeraelaavanguardadaquela cruzada.—Podemeconsideraroárbitro.

Scarlettsorriu.—Então,achoquesórestaaquestão

dequandopoderemosir.Todos procuraram a resposta em

Max.— Hoje à noite — disse ele com

confiança,segurandoamãodeDiana.—Iremos hoje à noite. Quanto mais cedo

acabarmoscomisso,melhor.

Elestinhamumahoraatéocrepúsculo,otempo certo para chegar às cavernasainda com a luz do sol e para partirprotegidos pelo manto da noite.Precisaramdetrêsbarcosparaacomodartodos. Cassie, Adam, Diana e Scarlettforam na frente, sob a orientação deMax.Àmedidaque remavamparamaisperto das cavernas, os nervos de Cassiecomeçaram a levar a melhor, e, derepente, ela queria que eles tivessempreparado um plano de apoio. Ela não

queria aparentar dúvida naquelemomento, mas agora que estavam naágua, tendo apenas como guia a palavradeMax,CassiequeriaqueoCírculopelomenostivesseconsideradoumaestratégiade fuga. E se Max os estivessesimplesmente entregando ao covil doscaçadores,comoumacarga?

Cassie olhou para Faye, no barcoatrásdodela.Elasseolharamnosolhos,eCassiede imediatoentendeuqueFayeestava preparada para qualquer coisa.Estava empoleirada na beira da proa,observandoecalculando.Cassieassentiu

para ela. Pela primeira vez, a naturezadesconfiada e perspicaz de Faye serviacomoo confortoquemaisnecessitava, eCassie agradecia por isso. Se tudo semostrasse uma armadilha, Faye estavacompletamente preparada para eliminarMax e salvar o Círculo — e Cassie sejuntariaaela.

Enquanto os barcos se aproximavamdascavernas,asfendasenormescresciam,mas não ficavam menos ameaçadoras.Quando eles chegaram a uma distânciade caminhada da entrada da cavernaprincipal, Cassie teve a sensação de que

estava prestes a entrar na boca de umdragãodepedra.

—Chegamos—anunciouMaxcomseriedade. — Levantem-se devagar, anão ser que estejam com vontade denadar.

Ele sorriu, e Cassie reconheceu ocalorhumanoemseurostopelaprimeiravez.Elaretribuiuaexpressãodelecomomaiorafetoquepôde.Decertomodo,osproblemas de Max não eram diferentesdos dela.ComoCassie, ele estava presoentredoisladosopostos,entreastrevasea luz, a natureza do pai e seu livre-

arbítrio. Ajudar o Círculo não devia serumadecisãosimplesparaele.

—Obrigada— disse-lhe Cassie, naesperança de transmitir algumacamaradagem.

Max assentiu, e Cassie rezou emsilêncioparaque eles tivessem razão emconfiaremMax.Pelobemdeleeodela.

Cassie saiu do barco a remo comcuidado e estendeu a mão para Adamfirmá-la em terra. Ela apertou bem suamão, precisando dele perto, agora maisdo que nunca. Ocorreu à Cassie que seaquele ataque não desse certo, se eles

fracassassem, poderia significar a morte.Essesmomentos podiammuito bem serosúltimos.EentãoumaideiamuitomaisassustadorapassoupelacabeçadeCassie.Eseelasobrevivesse,masnãoAdam?Aideia de continuar sem ele lhe erainsuportável.

Cassie tentou absorver cada detalhedeAdamcomoeleestavaagora.Osolhosazuiselétricoseocabelodesgrenhado,ea força que brilhava em suas feiçõesmesmo nos pioresmomentos; talvez emparticularnospioresmomentos.

— Não quero soltar a sua mão —

disseCassie.— Ainda bem, porque não vou

deixar.—AdamlevouosdedosdeCassieaoslábios.—Nunca.

TodooCírculoentãosedeuasmãos,para ligar seu poder. Caminharam paraas cavernas em uma longa fila,preparados para recitar o encantamentonegroquememorizaram.

OestômagodeCassiesecontorciademedoe ela reprimiuo impulsode voltaraosbarcoseremarparacasa.Olhouparatrás e viu Max se dirigindo às cavernasatrásdeles.Eleobservariaoconfrontode

uma distância segura. Sua expressão erade amor e honra, e ele se concentravaunicamente em Diana. Qualqueransiedade residual que Cassie aindativesse, de seriam levados para umaarmadilha,desapareceuali.OcordãoqueligavaMax à Diana também o ligava atodo o Círculo — e ele estava tãodedicadoàquelamissãoquantoosdemais.

Uma luz de vela foi a primeira coisaque Cassie notou ao entrar na caverna.Bruxuleavaemclarõeslaranjaeamareloscontraaparede,iluminandoseucaminhomais para dentro das entranhas da

cavernaescura.Cassie ouviu o murmúrio baixo dos

caçadores antes de conseguir vê-los. Láestavam eles: o Sr. Boylan, JedediahFeltoneLouveraFelton,comoutrosdoisqueCassienunca viu.Estavam reunidoscomo Max tinha dito, e se ajoelhavamem estado meditativo, realizando algumritual.Todostinhamosolhosfechadosea cabeça baixa para um altar decomposição complexa. As relíquiasantigasestavamnochãoaoladodeles.

Adamseguroucommaisforçaamãode Cassie, e com a outra mão Cassie

apertouosdedosdeDiana.Desúbito,elateve uma aguda consciência da própriarespiração e do leve som de seus passosno piso de pedra da caverna. Teve anítida impressão de que o feitiço queestavam prestes a fazer enchia seucoração e pulmões. Ele corria por suasveias.

Éagora,pensouela emal conseguiaconterodesejourgentedepronunciaraspalavras. Elas continham cada desejo,esperança,medoenecessidadedeCassie.

Os caçadores continuavam imóveis,sem perceber a invasão iminente. Era o

momento perfeito. As palavras, narealidade sons que Cassie tinhamemorizado,formaram-seemseuslábiosquase por vontade própria. Elas adominaram completamente. Devia estaracontecendo o mesmo com todos doCírculo. Cada um deles parecia emtranse, mesclado ao feitiço, assim comoCassie.

Osdozeaindaavançavam,poderosose banhados na escuridão. Lançavam amaldição, entoando em uníssono, antesmesmo que os caçadores soubessem desuachegada.

F

29

oi diferente de qualquer magia queCassie tivesse conjurado na vida. A

energia subjacente às palavras se agitoupor ela como aconteceu quandopronunciou o feitiço no terraço, porémaquela maldição era exponencialmentemaispoderosa.Tinhaaforçadoapoiodetodo o Círculo. A caverna tremia e sesacudiaàvoltadeles.Pedrasesfarelavam

nochão.OselementospareciasecurvaràvontadedoCírculo.

Os caçadores despertaram do transe,em pânico. Cassie registrou o terror norosto deles e o puro choque de seremboscado em sua área de segurança.Elesforamapanhadosdesurpresa.

Os caçadores começarama recitar asmesmaspalavrasdoterraçoedamata,esuas relíquias revelaram a marca doscaçadores em cada membro do Círculo.Como no terraço antes de Suzan sermorta,osímbolodocaçadorbrilhoufortenopeitodecadaumdeles.Porém,contra

a maldição do Círculo, as relíquias doscaçadoresnãotiveramoutroefeito.OSr.Boylansacudiaadelecomoumcontroleremoto de pilha fraca, frustrado eenfurecidocomseufracasso.

Por desespero, ele pegou uma pedrano chão e jogou em Cassie. Os outroscaçadores seguiram seu exemplo,pegando o que pudessem atirar. Mas oCírculo continuava intocável. O ar emvolta deles desviava as pedras e objetosestranhos lançados como um campo deforçaprotetor.OdomíniodoCírculoeraimpenetrável.

Cassie se sentia calma e com maiscontroledoquenuncasobresuamagia.Ejamais na vida todos os membros doCírculo trabalharam juntosde forma tãoperfeita, com a eficiência de umamáquina. Talvez Cassie os tivessesubestimado,etambémasimesma.

Os caçadores enfraqueciamrapidamente sob o efeito do feitiço.Scarlett disse que seria rápido e indolor,que estaria acabado antes que oscaçadores soubessem o que os atingira.Agora atingia a eles com toda força. OSr. Boylan oscilava nas pernas bambas,

sem mais conseguir levantar os braçosparasedefender.Apeledeseurostoedopescoço ficara lívida e murcha. Eleparecia envelhecer décadas diante dosolhosdeCassie.

O caçador idoso, Jedediah, caiu dejoelhos, com a cabeça entre as mãos.Torcia o cabelo branco nos dedosenrugadoseabriuabocaparagritar,masnão lhe escapou som nenhum. A visãodele lembrou Cassie de uma pinturafamosa—aquelerostofantasmagóricodeboca escancarada de choque. Como aprópria pintura, o grito do velho era

imóvelesilencioso.Louvera,afilha,levantousuarelíquia

depedracomoumescudoeaagitavadeum lado a outro numa tentativa de seproteger.Massuasmãostremiamcomtalintensidade que ela mal conseguiasegurá-la. Escorregou de seus dedos ecaiu no chão com um baque. Ela seesgueirouporali,tentandocomurgênciarecuperá-la.

Ofeitiçofuncionavaimpecavelmente.Cassienotouqueamarcadocaçadoremseu peito começava a desbotar. A cadasegundo,osímboloficavamaisindistinto,

mais fraco, como se perdesse carga.Agoranãodemorariamuito para que asrelíquias perdessem todo seu poder, e asmarcas fossem apagadas para sempre.Eentão o Círculo estaria a salvo e oscaçadores jamais voltariam a ser umaameaçaparaeles.

Uma estranha calma e otimismodominaram Cassie. Sua mente vagoupara um lugar mais agradável, onde elaimaginouumfuturopara sieosamigos,livresdaquela rivalidadepesadaeantiga.Agora eles estavam muito perto detransformarseumundoemumarealidade

emqueDianaeMaxpoderiamseamarenenhum deles teria que se esconder emsalas secretas ou cavernas. Caçadores ebruxos,elesestariamlibertados.

Então Jedediah caiu de costas,estatelado. Os olhos azuis-gelo estavamabertosefixos,mastinhamperdidotodaa emoção, todo sentimento. Cassie selembroudomesmoolhar frio emoutrosque um dia ela conhecera e amara: suaavó,atiaConstancedeMelanieeSuzan.Ela conhecia bem aquele olhar e deimediato entendeu que não forameliminados só os poderes do velho, mas

tambémsuavida.Louveratentavadesesperadamentese

arrastar até ele,masnão conseguia.Uminstante depois, tombou, com a mesmarigidezfriaesemvidanosolhos.

— Não! — Max se precipitou pelaentrada da caverna. — Vocês os estãomatando!—gritou.

Mas Cassie não conseguia parar.Nenhumdelespodia.Ofeitiçotinhasidodesencadeado e operava por meio doCírculo.Aspalavrassaíamdeseuslábios,mas eles eram meros espectadores doefeito.

— Vocês precisam parar! — gritouMaxdiretamentenacaradeDiana,maselanãotevereaçãonenhuma.Eracomose seus olhos nemmesmo conseguissemenxergar.

Passivoscomovasosvazios,oCírculoderrubou os outros dois caçadores nochão, mortos. Max ficou parado ali,horrorizado. Não podia fazer nada,vendooscompanheiroscaçadorescaíremcomo dominós em volta dele. Sem suarelíquia, ele estava ao mesmo tempoimuneàmaldiçãoeimpotenteparatentarimpedi-la.

Elecorreuatéopai,passouosbraçosporeleetentoulevantá-lo.

—Voutirarvocêdaqui.Parecia que o pai não sabia se era

realmente o filho que vinha em seuauxílio ou apenas uma miragem. Fossecomo fosse, estava fraco demais para semexer.

Maxcomeçouachorar.—Pai,me desculpe—disse ele.—

Meperdoe,porfavor.O Sr. Boylan não esboçou reação

nenhuma. Só conseguiu olhar seumenino,perplexoeapavorado.

—Euteamo—disseMax.—Estámeouvindo,pai?Euamovocê.

Mas os olhos do pai tinham viradopedra.Suarespiraçãocessara.EraapenasseucorposemvidadeitadonosbraçosdeMax.

O feitiço terminou no momento damorte dele. Todos no Círculo de súbitodespertaram,comoquedeumsonho,eseolharam, espantados. Havia certo alíviono ar. Eles venceram; isso elesentendiam.Maselestinham...matado?

Cassie olhou paraAdam.Ele estavapálidoedoentio,comosefossedesmaiar.

Diana também parecia meio tonta,incapazdeentenderoquehaviaacabadodeacontecer.

Cassiefalouporela.— Max — disse ela. — Não

sabíamosoqueiaacontecer.Ofeitiçosódeveria desativar as relíquias. Jamaisteríamos feito se soubéssemos que oscaçadoresperderiamavida.NãoéassimquenossoCírculoage.

—Vocêsacabaramdematarmeupai—disseMax.—Elemorreu!Entendemisso?—Elecorreuosolhoscomdesprezopor cada membro do Círculo. — Eu

confieiemvocês.Evocêsmetraíram.—Eledeitougentilmenteo corpodopai ese afastou com lágrimas escorrendo pelorosto.

MaxfuzilouDianacomoolhar.—Nãovenhaatrásdemim—disse

ele, e, pelo modo como falou, pareciauma ameaça brutal. Em seguida, saiucorrendo da caverna e desapareceurapidamentedevista.

Diana ficou aturdida, mas Cassiepodia sentir a mágoa da melhor amigacomo se fosse sua.A culpa e o remorsoque ela devia estar sentindo eram

inimagináveis, o bastante para deixá-laemestadodechoque.

Cassieseaproximoulentamentedela.Colocou amão no ombro deDiana, naesperança de lhe dar algum conforto.Diana, porém, focou em Cassie de umjeito intenso que levou a amiga a parar,assustada. Os olhos de Diana eramnegroscomobreu.

—Podeelefugirparalá—disseela.—Masserámortoperanteseusinimigos.—Suavozeragraveeáspera,nãotinhanadadotomnormal.

Cassie ficou alarmada demais para

moverummúsculo.—Diana?Vocêestá...—Rejubilemo-nos em nossa vitória.

—Diana se voltou comeloquênciaparaScarlett. — Teu, ó líder — disse ela,curvando-se para Scarlett—, é o podermaior.E tu és exaltado como superior atodosnós.

Scarlett assentiu, e Cassie notou oscantos de sua boca se elevaremligeiramente.

—EutedissequeteriameuCírculo—disseela.

C

30

assieolhouemvolta,confusa.Algoestranho acontecia com todos os

membrosdoCírculo.Adam tinha um estranho sorriso de

escárnio. Suas mãos se cerraram empunhos,eeletrincavaosdentes.Pingavasuor da testa pelo rosto,mas ele parecianão perceber. Também encarava Cassiecomolhosescurecidoseestreitos.

Um calafrio correu pela coluna deCassie.

—Scarlett—disseela.—Medigaoquevocêfezcomeles.

—Eunãofiznada.—Scarlettsorriucom malícia. — Eles fizeram consigomesmos, lançando esse feitiço contra oscaçadores. Qualquer feitiço lançado dolivro de nossa família por um membroquenão seja um familiar invoca a nossalinhagem. Cria um portal perfeito emnosso mundo para alguns espíritosinquietos.

Cassieolhouparaosamigosaoredor

dela, todos agora estranhos a ela. Seanresmungava em uma língua incoerenteenquanto Chris ria como um louco, eDougconvulsionavanochão.MelanieeLaurel tinham o rosto alterado. Nãopareciamelasmesmaseconversavamemvozesquenãoeramdelas: adeMelanieera grave e rouca enquanto a de Laureleraagudaejocosacomodeumacriança.

— Sou falsamente acusada —declarouMelanie,enquantosebalançavaparaafrenteeparatrás.

Laurel riu e bateu palmas,respondendonumcantarolarpenetrante.

—Masvocêserácondenadaàforca.— Conheça a família — disse

Scarlett.Cassievacilou.—Nãoentendo.— Alguns ainda estão atravessando.

—ScarlettgesticulouparaChris,DougeSean. — Mas eles estarão prontos efalandocomoosoutrosembreve.

—Quemsãoeles?Scarlettsorriu.—Nossos ancestrais. São as pessoas

quelegaramoLivrodasSombrasaBlackJohn.

Cassie olhou para os amigos, aospoucos entendendo a verdade: a fala delínguas estrangeiras, convulsões,mudanças na entonação vocal e naexpressão facial, uma força sobre-humana.

—O Círculo está possuído— disseela.

Scarlettrevirouosolhos.—Ah,dãã.Essesespíritosestiveram

esperando para se manifestar porcentenas de anos, para recuperar seupoder.Enósdemosaeles.

Adamavançouumpasso.Suasmãos

nãoestavammaiscerradas,eeleparoudetranspirar, mas os olhos continuavaminexpressivos e negros. Seu corpo deviaestar lutando contra a possessão, masagoraelefoicompletamentedominado.

Ele assentiu com confiança paraCassie, depois fez uma mesura paraScarlett.

—Nãomaisemgrilhões—anunciouele.—Ati,estouemdívida.—ElelevouasmãosdeScarlettaoslábioseabeijou.

—Ah,sim—disseScarlett,sorrindo.—Eeusoualíderdeles.

— Você não é minha líder —

exclamou Faye. Ela piscou os olhos eolhou em volta, avaliando a situação.Parecia meio tonta, mas seus olhosvoltaramàcornormal.

Cassiesoltouumsuspirodealívio.— Faye, graças a Deus você está

bem.Fayejogouacabeleirapretaparatrás

e viroua cabeçade lado.Comamesmarapidez com que Faye aparentounormalidade, seus olhos ficaram escuroscomo a noite. Cassie recuou,amedrontada. Arranhões e marcas dedentada se avermelhavam nas mãos e

braços de Faye, e lesões em forma deenguias se formavam no pescoço e norosto.

—Estoudoseulado,Cassie—falouFaye, aproximando-se aindamais.—Equeroquevocêestejadomeu.

—Cassandratemolivro.Elaénossa— disse uma voz destemida atrás deCassie. Era Adam. Suas feições agoraeramfirmesesérias.

Dianafechouosdedosesecontorceu.—Cassandranãoseoporáanós;seu

sangueénecessário.Cassiecontinuouarecuar,afastando-

sedogrupo,epercebeuqueScarletttinhadesaparecido. Ela a viu no exatomomento em que estava prestes a fugirpelabocadacaverna.

—Entãoeraesteseuplanootempotodo?—Cassie correu atrás de Scarlett,gritando. — Nos envenenar para quevocêtivesseumCírculodemagianegra?

Scarlettsevirourapidamenteepôsasmãosnosquadris.

—OquefoiquevocêmeperguntounaCasa daMissãomesmo? “Quem é afavorita do papai?” Agora você tem aresposta.

— Mas nenhum de nós precisa serisso.

Scarlettprosseguiuemdireçãoàáguae nãomostrou sinais de reduzir o passooumesmodeestarouvindo.

—Traga-noso livro,minha cara—exclamouAdam.

— Fui acusada falsamente, mas olivronos libertará—repetiuavozgravedeMelanie.

Éclaro.Scarlett iaparacasapegaroLivrodasSombrasdopaidasduas.Masde maneira nenhuma Cassie permitiriaque isso acontecesse. A energia sombria

ainda corria também nela; os resquíciosdo feitiçomaligno continuavam em suasveias. Ela o alcançou mentalmente, porseusangueepelosossos.Ergueuasmãos,lançou cada vestígio de seu poder paraScarlettegritou,“Nonfujam!”

Scarlett de imediato foi lançada paratrás, como se tivesse esbarrado em umavidraça.

Do chão, ela se virou para Cassie,aturdida.

—Vocênãofezisso.— Congelasco — disse Cassie,

paralisandoScarlett.

Depois,semhesitar,Cassieergueuasmãosparaocéu.

—Speluncaestacarcere!Agora ninguém além de Cassie

estava livrepara sairdacaverna.Vieramgritos agudos de todo o Círculo, quelutavaemvãoparasegui-la.

— Ela nos atraiçoou! — gritouDiana.

— Cassandra! — Adam a chamoucom nobreza. — Está cometendo umerroterrível.

Porém, antes que qualquer um delestivesse a oportunidadede tentar impedi-

la,Cassie correu para a água. Subiu emumdosbarcosebateuosremosnomar.Remoucomforça,aindadefrenteparaabocadacaverna.Osolsepunhaemtonsde rosa e roxo, delineando o arco dacaverna em uma silhueta reluzente. Emqualqueroutracircunstância,Cassieteriaconsideradoaquelaumavisãobela.

C

31

assie voltou para casa suando frio.As roupas foram respingadas de

águaporelaterremadofuriosamente;elaqueria se afastar das cavernas com amaior rapidez possível. Agora estava asalvo em seuquarto,mas estava sozinha—nuncaestevetãosóemtodaavida.Osamigos e seu único e verdadeiro amorestavam perdidos para ela.Amãe tinha

saído,mas,mesmoqueestivesseemcasa,como Cassie poderia explicar a terrívelsérie de acontecimentos, em particularquando começou com a própria Cassiedesobedecendo ao aviso da mãe? Tudoisso era culpa dela. E só ela poderiacorrigir.

Ela se virou para onde ele estava namesa, em meio a canetas e clipes depapel, enganosamente tranquilo. Porqueapenasposavacomoumlivro.Nãoerasóummonte de papel costurado com umacapa; era uma entidade, viva comoCassie. Agora ela entendia isso. Ela

pegou o livro e se sentou na beira dacama,colocando-onocolo.

Lembrou-sedaúltimavezemquesesentou assim, naquela mesma posição,quando a mãe lhe presenteou com ele.Cassiedesdeentãocometeumuitoserros.

Cassie passou os dedos pela capa decouro envelhecida do livro. Quando amãeofereceuo livroaela,dissequenasmãos erradas podia ser extremamenteperigoso.Oqueelanãosabianaépocaéque ele era extremamente perigosomesmo nas mãos certas. A mãe haviagarantido que Cassie tinha forças

suficientes para lidar com ele, mas nãoeraverdade.Naépoca,Cassienãoeratãoforteassim.

Agoraera.Cassie acompanhou com a ponta do

indicadoragravaçãodosímbolonacapado livro.Cravou as unhas nasmarcas jáarranhadas em sua superfície. O livroainda parecia cruel em suas mãos, masdaquela vez seria diferente.Daquela vezelapossuíacompletoconhecimentosobreonde estava se envolvendo, e faria tudocerto.

Ela respirou fundoeabriuo livrode

novo,comosefosseaprimeiravez.Deimediatoseusolhossefundiramà

página, às palavras no papel amarelado.No início pareciam asmesmas de antes,mas o texto começou aos poucos adefinhar e perder a cor. As linhas esímbolos arcaicos pareciam ficar maisleves e flutuar da página. Assumiamnovas formas e novos arranjos, e osvolteiosdecadapinceladaseendireitaramem um plano de letras que Cassiereconhecia. De súbito, ela conseguiadecifraralínguadolivroetraduzirparaasuaprópria.

Palavrasespecíficassaltaramparaela:spiritus imundus, espírito maligno;daimonium,demônio.

Nytramancia,asartesnegras.Algumas palavras formaram o que

Cassie compreendia ser títulos de outroslivros. Das puch aller verpoten kunst,ungelaubens und der zaubrey.OLivro deTodas as Artes Proibidas, Heresia eFeitiçaria. De Exorcismis etSupplicationibus Quibusdam. SobreExorcismoseAlgumasSúplicas.

Sacrifícios,pactos.Conjurações,controledosespíritos.

Ali estavam os ritos negros queCassie teria de aprender para salvar osamigos — e Adam. Ela precisavadominaramaldadedolivro,semtemê-lae sem ter vergonha da sua ligação comele. Era seu destino; daquilo não haviadúvida.Maselanãosabiacomofariaissosozinha.

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Wikipédiadaautora:https://pt.wikipedia.org/wiki/Lisa_Jane_Smith

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Skoobdaautora:https://www.skoob.com.br/autor/72-l-j-smith

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608503ed608723.html

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