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118 www.backstage.com.br REPORTAGEM PROCESSAMENTO PROCESSAMENTO excessivo or toda a história da gravação vemos a incessante busca por mais qualidade técnica ampliando a gama de respos- ta de freqüências, baixando a distorção, reduzindo o ruído, introduzindo a espacialidade primeiro com o estéreo e re- centemente com os formatos surround. No campo musical, temos a criação de novos instrumentos e a constante reinvenção da música popular com novos estilos a cada mo- mento. O objetivo de tudo isso é conectar-se com a audiên- cia, transmitir as sensações do compositor e músicos, emo- cionar a platéia, criar uma ligação entre músico e ouvinte e fazer do ato de escutar música algo muito além da simples física do som saindo de uma fonte sonora e chegando aos nossos ouvidos. Este artigo aborda o lado técnico de tudo isso. O assunto central é o áudio, mas falar sobre áudio sem falar de música é um pouco difícil, especialmente quando se fala em usar o áudio para transmitir emoções. Nos últimos 15 anos, já bem depois da introdução do CD, vem ocorrendo uma tendência clara de aumento dos níveis RMS presentes nos discos. Isso tem resultado em uma sonoridade pior, ape- sar dos grandes avanços tecnológicos. Vamos seguir o cami- nho desses 15 anos e procurar entender o que aconteceu, por que aconteceu e em que resultou. POUCA COISA NÃO É O PROBLEMA De início, esse aumento de níveis não era um problema, pois ajustar manualmente uma ou outra seção da música para leve P Yves Zimelman [email protected] Todos nós que estamos envolvidos em produção musical desejamos que os nossos produtos se destaquem em comparação aos outros. Isto não é novidade e faz parte da natureza humana e do nosso trabalho na mixagem e masterização origens, razões e conseqüências aumento de nível ou limitar um ou outro pico aqui e ali de 1 a 2 dB não machuca ninguém e tampouco chega a prejudicar a qualidade do produto, desde que esse processamento seja feito judiciosamente e apenas naqueles casos nos quais a mixagem recebida pelo estúdio de masterização apresente sonoridade boa, porém, devido a uma meia dúzia de picos, o produto final ficaria com o volume geral muito distante da média do merca- do (guarde esta expressão, “a média do mercado”, pois volta- remos a ela adiante). A introdução das estações de edição digital de áudio basea- das em computadores ajudou os estúdios de masterização nessas tarefas, pois anteriormente a preparação de uma ma- triz para replicação de CDs dependia de gravadores de vídeo U-matic com processadores externos (os PCM-1610 e 1630 da Sony), conectados a equipamentos semelhantes a controladores de edição de vídeo para fazer a edição do áudio e montagem da matriz de replicação. Todo o processamento de áudio era feito baseado no que os ouvidos do engenheiro de masterização sentiam, e em parte, devido ao altíssimo custo desses equipamentos, apenas os engenheiros com lar- ga experiência realizavam esse trabalho. Portanto, a masterização era uma atividade restrita àqueles que já possuíam uma longa lista de créditos e tinham “o som do disco” muito bem definido, além de salas com acús- tica apropriada e monitoração calibrada. O cliente (produ- tor, banda e/ou A&R da gravadora) ouvia o resultado, ex-

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REPORTAGEM

PROCESSAMENTOPROCESSAMENTOexcessivo

or toda a história da gravação vemos a incessante buscapor mais qualidade técnica ampliando a gama de respos-

ta de freqüências, baixando a distorção, reduzindo o ruído,introduzindo a espacialidade primeiro com o estéreo e re-centemente com os formatos surround. No campo musical,temos a criação de novos instrumentos e a constantereinvenção da música popular com novos estilos a cada mo-mento. O objetivo de tudo isso é conectar-se com a audiên-cia, transmitir as sensações do compositor e músicos, emo-cionar a platéia, criar uma ligação entre músico e ouvinte efazer do ato de escutar música algo muito além da simplesfísica do som saindo de uma fonte sonora e chegando aosnossos ouvidos. Este artigo aborda o lado técnico de tudoisso. O assunto central é o áudio, mas falar sobre áudio semfalar de música é um pouco difícil, especialmente quando sefala em usar o áudio para transmitir emoções. Nos últimos15 anos, já bem depois da introdução do CD, vem ocorrendouma tendência clara de aumento dos níveis RMS presentesnos discos. Isso tem resultado em uma sonoridade pior, ape-sar dos grandes avanços tecnológicos. Vamos seguir o cami-nho desses 15 anos e procurar entender o que aconteceu, porque aconteceu e em que resultou.

POUCA COISA NÃO É O PROBLEMADe início, esse aumento de níveis não era um problema, poisajustar manualmente uma ou outra seção da música para leve

P

Yves [email protected]

Todos nós que estamos envolvidos em produção musical desejamos queos nossos produtos se destaquem em comparação aos outros. Isto não énovidade e faz parte da natureza humana e do nosso trabalho

na mixagem e masterizaçãoorigens, razões e conseqüências

aumento de nível ou limitar um ou outro pico aqui e ali de 1 a2 dB não machuca ninguém e tampouco chega a prejudicar aqualidade do produto, desde que esse processamento seja feitojudiciosamente e apenas naqueles casos nos quais a mixagemrecebida pelo estúdio de masterização apresente sonoridadeboa, porém, devido a uma meia dúzia de picos, o produto finalficaria com o volume geral muito distante da média do merca-do (guarde esta expressão, “a média do mercado”, pois volta-remos a ela adiante).A introdução das estações de edição digital de áudio basea-das em computadores ajudou os estúdios de masterizaçãonessas tarefas, pois anteriormente a preparação de uma ma-triz para replicação de CDs dependia de gravadores de vídeoU-matic com processadores externos (os PCM-1610 e 1630da Sony), conectados a equipamentos semelhantes acontroladores de edição de vídeo para fazer a edição do áudioe montagem da matriz de replicação. Todo o processamentode áudio era feito baseado no que os ouvidos do engenheirode masterização sentiam, e em parte, devido ao altíssimocusto desses equipamentos, apenas os engenheiros com lar-ga experiência realizavam esse trabalho.Portanto, a masterização era uma atividade restrita àquelesque já possuíam uma longa lista de créditos e tinham “osom do disco” muito bem definido, além de salas com acús-tica apropriada e monitoração calibrada. O cliente (produ-tor, banda e/ou A&R da gravadora) ouvia o resultado, ex-

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pressava sua opinião, e, se necessário,pedia alguma mudança sutil, aprova-va e pronto: mais uma matriz de CDia para a fábrica.

E O COMPUTADORMUDOU TUDOA introdução da edição via computa-dor com representação visual das for-mas de onda trouxe algumas mudan-ças. Os engenheiros de masterizaçãose maravilharam: agora poderiam veros picos individuais e trabalhar naedição manual do nível de cada umdeles e assim obter um resultado maislimpo do que passar a mixagem todapor um limitador. Também poderiamver as anomalias nas formas de onda,que sugeririam um ou outro caminhotécnico a seguir para a obtenção do

melhor resultado e, de um relance,perceber a variação natural da dinâ-mica de cada peça musical, anteci-pando decisões. Estava surgindo umanova era no campo da masterização ena edição de áudio extremamentepromissora. Mas, como toda moedatem duas faces, e como o ser humanopadece de uma dominância no senti-do da visão sobre os outros, somadoao desejo também natural de se desta-car e, em alguns casos, na insegurançade alguns envolvidos na produção so-bre o sucesso da obra, passamos a tes-temunhar o mau uso destas novas fa-cilidades em algumas ocasiões. Avontade de se sobressair levou algunsa procurar achatar todos os picos nabusca de uma visualização mais “che-ia” da forma de onda.

Começamos então a segunda grandeguerra do volume (a primeira foi nosanos 1960 e falaremos dela mais adi-ante). As bandas, produtores e/ougravadoras procuravam fazer CDscom mais volume do que o último CDda banda ‘concorrente’. E aí existeum problema técnico incontornável:há um limite máximo absoluto de ní-vel de sinal no CD, o ‘Zero dB FullScale’, cuja sigla é 0dB FS. Não hácomo passar deste ponto, e, portanto,para se obter mais e mais volume, énecessário não apenas limitar os pi-cos esporádicos como também come-çar a comprimir e limitar as pequenasvariações constantes ao longo da mú-sica. Essas pequenas variações são amicrodinâmica da peça musical, porassim dizer a ‘filigrana’, a textura que

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traz as sutis diferenças ao longo damúsica e, para atender a esta novanecessidade, os desenvolvedores deprodutos de áudio criaram então oscompressores/limitadores digitaisque temos hoje.

TODA GUERRAÉ ECONÔMICA E CULTURALEsta guerra do volume é, em parte, umaspecto cultural, sendo que nos EUAela é mais forte do que na Europa, e nomercado latino é mais sutil, especial-mente em países como o Brasil, por-que os músicos e o público apreciammais a música com dinâmica, talvezdevido à tradição de música popularmais percussiva; isto pode ser vistocom grande clareza na comparação aseguir, que mostra duas versões damesma música: uma é em inglês e aoutra é a original, em espanhol. Am-bas as mixagens foram feitas no mes-mo estúdio e a única mudança foi nosvocais. Veja o resultado após a mas-terização dirigida a cada mercado es-pecífico na figura 1:A faixa superior é o ‘single’ dirigidoao mercado norte-americano e a in-

ferior é o ‘single’ dirigido ao mercadolatino. A música começa com um vio-lão e vai crescendo em instrumentação,entra a voz, percussão, banda completa,atingem-se clímax, há uma grande va-riação dinâmica criando grande impac-to emocional. Pelo menos na versão la-tina, pois na versão norte-americana,temos um bloco quase sólido, que foifeito de propósito, pois ali, a ‘média domercado’ em termos de volume é maisalta e, por isso, foi feita uma masteri-zação ‘competitiva’. Sendo o lança-mento de um novo artista pop, o volu-me tinha de ser competitivo com osoutros discos pop do mercado.Em termos de volume bruto, a versãodos EUA está 6dB acima da versão lati-na nos refrões, porém a introdução está14dB acima. Perdeu-se grande parte doimpacto emocional da obra musical de-vido a esta redução de dinâmica entreas partes da obra e os números não dis-cordam, o disco foi um grande sucessono mercado latino, teve boa penetra-ção no mercado europeu e nos EUAtambém foi um sucesso, porém bemmenos marcante a despeito do grandeesforço de marketing. Isto nos leva às

perguntas: o volume está sendo maisvalorizado do que uma boa letra, canta-da com uma boa melodia, em um bomarranjo que foi bem tocado e bem gra-vado, com boa produção? Será que ovolume alto vende? Será mesmo? E seráque boa música não vende se não ofere-cer volume continuamente alto ao lon-go de toda a sua duração?

MÚSICA NÃO É VOLUME,PRINCIPALMENTE PARAAS RÁDIOSMuitos dos outros valores da música(dinâmica, contraste entre as partes,detalhes de sonoridade, sofisticaçãode produção, inovação) começaram aser prejudicados devido à busca demáximo volume; ela deixou de fazeruma intensa conexão emocional como ouvinte e passou a ser ‘um suces-sozinho de momento’, logo esquecidopelo público e pelas rádios. E, nestemomento, entramos em um outroponto bastante importante: aindahoje, o primeiro contato que a maio-ria do público tem com uma novamúsica é pelo rádio (ou TV, seme-lhantes em tratamento de áudio) eexiste certa preocupação em fazer asmúsicas soarem bem no rádio e se so-bressaírem em relação às concorren-tes. Novamente, este desejo não é umempecilho; o problema é a falta de

Bounce

Bounce significa rebater ou refletir.É um dos termos utilizados em ediçãodigital de áudio multicanal para repre-sentar o processo de mixagem de vá-rias pistas para um destino único.Pode-se fazer bounce para mono,estéreo ou formatos surround. Algu-mas estações de edição multicanalusam para esta finalidade os termosrender, mixdown ou export.

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compreensão do que ocorre durante aradiodifusão, mostrando outra facetado mesmo problema que é a concep-ção errada de que para soar bem (ealto) no rádio uma música tem de ser‘alta’ antes de chegar ao rádio. Não ébem assim, pois as estações de rádiotêm seus próprios equipamentos deprocessamento de áudio, que aten-dem a duas necessidades principais.A primeira é técnica e legal: manteros níveis de modulação do sinal den-tro dos limites da legislação, evitandoinvadir as freqüências de outras esta-ções e a geração de sinais espúriosprejudiciais para o equipamento detransmissão e para a qualidade sono-ra. A segunda é comercial: o sinal daestação tem de chegar o mais longepossível e, para isso, tem de se manterdentro de um nível alto e com poucavariação entre uma música e outra ouentre as músicas e a locução e os co-merciais. As estações de rádio tambémprocuram ter um som mais impac-tante que as concorrentes e investempesado em processadores de áudio es-pecíficos. A modulação tem que estara mais alta possível pelo maior inter-valo de tempo possível, porém com amínima geração de distorções.

Será possível? A resposta é sim e não. Osprocessadores têm de acomodar desdeuma balada suave até um rock pauleira,com períodos nos quais temos apenas avoz do locutor e comerciais produzidosem estúdios do país inteiro e fazer issosem que haja um operador ajustando osparâmetros a cada momento. Em termosde projeto de processadores de áudio istonão é nada fácil e o grau de sofisticaçãodestes equipamentos faz os nossos plug-ins do dia-a-dia parecerem brinque-dinhos. Estes equipamentos analisam osinal de entrada e o modificam extensa-mente, e quando sentem distorção ouclipping na origem fazem de tudo parareduzir este sinal distorcido para prote-ger o transmissor e evitar saturação nacadeia de transmissão.

AS MÚSICAS NUNCA SÃOCOMO DEVERIAM SERPara demonstrar o típico proces-samento de broadcast, preparei uma

seleção de músicas variadas, todosgrandes sucessos desde os anos 1960até hoje, cortei pedaços de 30 a 40 se-gundos de cada e fiz uma montagem,alternando as idades das músicas semnormalização individual ou em grupodepois de copiadas dos CDs originais.Em seguida, passei este áudio por umacadeia de processamento de broad-cast, hardware de verdade; não foiutilizado nenhum plug-in.Ao se escutar a montagem crua, temosviolentas variações de volume entre asmúsicas, da ordem de mais de 12dB.Ao se escutar o resultado do proces-samento de broadcast, vem a surpresa:as músicas mais recentes soam não sómais baixas do que as outras como têmsom nitidamente pior e até desagradá-vel. Veja acima na figura 2:Como guia, a primeira música é “Monday,Monday” do The Mamas and The Papas,a segunda é “Careless Whisper” doGeorge Michael e a terceira, o primeirobloco visivelmente extraprocessado nooriginal, é “Hung Up” da Madonna. Emseguida, temos “Alive and Kicking” doSimple Minds, “Smooth Operator” daSade, “First Date” do Blink 182, “LeFreak” do Chic, “Relax” do FrankieGoes To Hollywood, “Call Me WhenYou’re Sober” do Evanescence e “YouAin’t Seen Nothing Yet” do Bach-man-Turner Overdrive. Comparadasàs músicas mais antigas, as três maisrecentes apresentam sonoridade ni-tidamente distorcida e, mesmo após oprocessamento de broadcast, aqueles

Dicas de um produtor

A revista Back-stage conversoucom Marcos Maz-zola, produtor degrandes sucessosmusicais sobre omelhor caminhopara uma músicaestourar na rádio.

“Para uma mú-sica tocar nas rá-dios de ponta é

necessário um corpo a corpo do divul-gador com os diretores artísticos e

programadores da rádio. Um grandeargumento para convencer estas pes-soas é ter uma boa música e, mesmossendo convencidos, será necessáriofazer uma promoção na rádio paraque a música possa ter uma melhorvisibilidade. Há alguns casos em quealgumas rádios de menor porte des-cobrem uma música por meio do rece-bimento de algum artista independen-te e começam a tocar e, muitas vezes,com esse sucesso é feita uma pontepara as rádios maiores”.

(www.mzamusic.com.br)

Figura 2: Na parte de cima temos a montagem crua e abaixo temos o resultado do processamento

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que tiveram a oportunidade de escu-tar os arquivos tendiam a baixar ovolume de audição antes do final dotrecho de 30 a 40 segundos destasmúsicas, o que mostra que em vez deatrair o ouvinte, o processamento ex-cessivo na masterização faz o contrá-rio, agride e cansa o ouvinte.

Este efeito não é novidade. A fadigaauditiva que acontece devido a pro-cessamento excessivo é fato conheci-

do desde os anos 1950, quando já ha-via alertas contra excessos nos manu-ais dos equipamentos de broadcast daépoca. “Processamento excessivo emvez de atrair audiência traz fadiga au-ditiva e leva os ouvintes a mudar deestação”, avisava a CBS no manual doVolumax, famoso processador de broad-

cast da época. Portanto, limitar e com-primir ao extremo na busca de maiorimpacto no rádio não só não traz o resul-

tado esperado como faz o oposto. Inclu-sive, traz o mesmo efeito negativoquando se escuta a música extra-processada diretamente do CD: o ou-vinte leva uma “porrada” sonora quepode, a princípio, impressioná-lo,mas que em médio prazo lhe tira oprazer de escutar repetidamente amúsica e também reduz a diferença dequalidade percebida entre o CD ori-ginal e um MP3 (pirata ou não),subconscientemente reduzindo o va-lor que o ouvinte atribui à música egerando distorções de mercado. Afi-nal, uma das razões da procura porantigos LPs é a maior qualidade so-nora percebida, que não é decorrentedo meio físico ‘LP’ e sim das técnicasde produção da época. No tempo dovinil, não se usava tanto processa-

Limitar e comprimir ao extremo na busca de maiorimpacto no rádio não só não traz o resultado esperado

como faz o oposto. Inclusive, traz o mesmo efeitonegativo quando se escuta a música extraprocessada

diretamente do CD

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mento como hoje e o som era menos‘espremido’. Na verdade, este proces-samento excessivo faz o contrário dodesejado, distancia emocionalmenteo ouvinte, reduz seu prazer ao escutarmúsica, diminui a diferença percebi-da de qualidade entre um CD originale uma cópia em MP3 e o afasta do CDcomo meio de entretenimento e sa-tisfação emocional.

NÃO É TÃO SIMPLESCOMO PODE PARECERAgora vem a parte mais difícil: o quefazer para evitar este processamentoexcessivo? Em certo aspecto, temossorte aqui no Brasil, pois a grandemaioria dos lançamentos nacionaisnão tem sofrido tanto com essa guer-ra do volume ao longo do tempo e, em

sua maioria, nossos produtores e en-genheiros de masterização mais ex-perientes têm uma boa noção dos li-mites que se podem ‘espremer’ a mú-sica antes de prejudicá-la e os discosnacionais têm mantido boa dinâmi-ca, especialmente se comparados àinvolução dos discos estrangeiros. Po-rém, a tecnologia avança e hoje temosferramentas para gravação e maste-rização acessíveis para um grande pú-blico. Músicos e técnicos de gravaçãopodem ter em casa as ferramentas queantes eram acessíveis apenas paraquem dispunha de muito capital.Tanto o músico como o técnico compequenos estúdios digitais em casa sedeparam basicamente com o mesmoproblema ao ouvir suas mixagens:soam mais baixo do que os CDs das

grandes gravadoras. Comparar umamixagem não masterizada com o re-sultado de uma masterização profissi-onal sempre faz a mixagem soar maisbaixo e isto piora quando se coloca oCD-R com suas mixagens no carro ese tenta comparar com o som da rádioFM com o seu superprocessamentovolumizador.A tendência então para o pequenoestúdio profissional, tentando so-breviver em um mercado tão min-guado e competitivo como o quetemos hoje é seguir a tendência defazer tudo o que for possível paraaumentar o volume do produto,procurando evitar que seu clientereclame de volume mais baixo quea ‘concorrência’, e acabamos porcair no mesmo esquema de invo-

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lução que está ocorrendo em todoo mundo. Há como minimizar estanecessidade de processar ao extre-mo as mixagens em troca de volu-me, relembrando as lições aprendi-das durante a primeira grande guer-ra do volume ocorrida nos anos1960. Naquela época as limitaçõeseram outras. No CD temos o limiteabsoluto de 0dB FS acima do qual étudo 100% distorção. Nos anos1960, os limites eram a velocidadede excursão da agulha no sulco dodisco de vinil, a profundidade dosulco e o tempo máximo por ladodo disco, entre outros. Excedidosos dois primeiros, a agulha pulavafora do disco; excedido o terceiro,o nível tinha de ser reduzido paracaber no LP. Entretanto, as músi-cas com muito nível RMS ocupa-vam mais espaço no vinil, reduzin-do o tempo máximo disponível an-tes de ser necessário baixar o nívelgeral. Ou seja, para soar bem no vi-nil, a música tinha de oferecer va-riações de volume. Como já havia a

0dB FS

0dB FS, por extenso “zero decibelsFull-Scale”, é o nível máximo absolutoque uma gravação digital pode atingir;nenhum sinal consegue ser gravado aci-ma deste nível, gerando 100% dedistorção quando é excedido. Isto diferedo nível de referência analógico de 0 VU(por extenso “Zero Volume Units”) queentre anos 1950 a 1970 se referia ao nívelde magnetização das fitas analógicasque resultava em 3% de distorção e quemais modernamente se referenciava aum nível cerca de 12 a 15 dB abaixo dasaturação total da fita. O fato da escalade níveis digital ser apresentada com ozero como máximo e todos os outros ní-veis sendo negativos é importante fatorpsicológico que cria uma tendência a segravar o mais próximo do zero o possível

para o sinal “não ficar negativo”. Comotecnicamente não há razão nenhumapara se considerar um sinal com picos a-6 ou -9 dB FS como “baixo”, especial-mente nos dias de hoje com a gravaçãoem 24 bits, recentemente foram propos-tas novas escalas de medição de níveisdigitais de áudio que apresentam valoresmáximos rotulados como “positivo”e ofe-recendo uma referência de zero em umnível mais abaixo. Estas novas escalastêm sido bem aceitas entre os maioresprofissionais do ramo. Um dos exemplosé a escala dos medidores de nívelDorroughs, que coloca a referência dezero a 14dB abaixo do máximo; outro é afamília de escalas “K”, criada por BobKatz, com referências de zero a 12, 14 e20 dB abaixo do antigo 0dB FS.

Antes de colocar umlimitador no estéreo

considere limitarindividualmente as pistas.

Trabalhe os timbresindividualmente de modoa fazê-los complementar

uns aos outros

competitividade relativa ao volu-me, os engenheiros da época tam-bém procuravam oferecer impactosonoro, volume alto, mas manti-nham a microdinâmica da músicapor esta ser necessária para melhorresultado no vinil.Uma das gravadoras que obteve mai-or sucesso na época foi a Motown, quecomeçou pequena, cresceu e desban-cou por certo tempo as grandes, ofe-recendo não só música inovadoracomo discos com um senhor som paraa época. Para obter altos volumesmantendo uma sonoridade de grandeimpacto, imediatamente após a mi-xagem de cada música era cortado umacetato na sala de masterização e o re-sultado era escutado atentamente pe-los engenheiros, produtores e arranja-dores. Esses profissionais trocavamidéias entre si e voltavam à mixagem,alterando o que fosse necessário paraobter um resultado melhor no ace-tato e não sendo raro haver regra-vação de partes e até mudanças no ar-ranjo para que o resultado final no

acetato tivesse o maior impacto emo-cional com mais volume. Este esque-ma de trabalho fez história e tais gra-vações, até hoje, são vistas comoexemplos de referência de sucesso, tan-to musical como tecnicamente. Note

que uma das principais preocupaçõesera a de se manter o impacto emocionalda criação musical e o aumento de volu-me era feito apenas até o ponto em quenão reduzisse essa emoção.

MINHA SUGESTÃOHoje temos mais sorte, pois não te-mos os grandes custos de corte deacetato e não temos que mixar ‘naunha’ sem automação ou outros re-cursos. Sugiro que se mixe à vonta-de, siga seu instinto e as solicita-ções do cliente até atingir um re-sultado considerado bom por todosno estúdio. Salve este resultado efaça um ‘bounce’ para estéreo ecompare a sonoridade com outrosexemplos do mesmo estilo musical.Até aí nada de novo. Se a sonorida-de estiver boa e a questão for ape-nas volume, antes de ‘espetar’ umlimitador no buss estéreo e espre-mer a mix toda só para obter volu-me, analise a forma de onda da

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Sua música nas rádios:O impacto causadopela qualidade técnicaHá inúmeros motivos para que umamúsica não seja transmitida nas rádi-os. Um deles é a qualidade de grava-ção. De acordo com Gilson Dodde,coordenador artístico da JB FM, doRio de Janeiro, que trabalha há 20anos em rádio-difusão, para uma mú-sica tocar em rádio, ainda mais em rá-dio FM, é preciso ter qualidade. Alémde ser boa e de ter o perfil do ouvinteda rádio, a música tem que ter umaboa qualidade de gravação, precisa sergravada em um bom estúdio. “Não dánem para pensar em colocar uma gra-vação caseira na rádio. Evitamos tra-balhar com MP3, pois trabalhamosem Wave, onde a compressão é me-nor. Pelo perfil da rádio JB, por seruma rádio adulta, qualificada, em quetocam grandes nomes, é difícil veicu-larmos uma música que não venha deuma gravadora. Os poucos artistas in-dependentes que tocam na rádio, quesão de MPB, já vêm com uma qualida-de boa de áudio, já têm um cuidadomaior”, afirma Dodde.Dodde afirma que há situações rarasnas quais a qualidade de gravação damúsica não vem adequada. “Quandorecebemos música de um artista inte-ressante para a rádio e vemos que háum problema na qualidade, pedimosum outro CD, falamos que realmentea gravação não está boa... O que podeacontecer é o nível de áudio estaralto. Há alguns problemas que conse-guimos resolver por aqui, passamospor um Sound Forge, por um Protoolse resolve-se um pouco, mas se real-

mente for um problema da gravaçãoda matriz aí não tem muito o que serfeito; o que podemos falar para o ar-tista é para ele resolver e regravar amúsica”.Em relação ao volume de gravação,Gilson diz que nem adianta querer fa-zer algo diferente do padrão das rádi-os. “Não é necessário aumentar o vo-lume, pois quando a rádio coloca umamúsica no ar, ela é nivelada em 0 dB,independente se ela veio alta ou bai-xa para mim. Se eu receber uma músi-ca que tem o nível baixo, jogo ela em 0dB, se eu receber a música alta, colocoem 0 dB, se por acaso ela vier estoura-da, aí eu falo para a gravadora ou parao artista me mandar com o nível maisbaixo, mas vai tudo em 0 dB, não exis-te essa variação de nível (mais alto oumais baixo), porque a rádio iguala. Amaioria das rádios faz isso antes de irpara o ar. Outro item importante éque a maioria das rádios hoje não tra-balha mais com CD. Pegamos o CD,gravamos e arquivamos; antes de jo-garmos a música para o computador,nivelamos tudo”.Para os artistas que têm o desejo dedivulgar suas músicas nas rádios,Dodde aconselha a, principalmente,se preocupar com a qualidade da gra-vação. “A qualidade de áudio é muitoimportante, ainda mais hoje, que pos-suímos equipamentos de ponta paraas gravações. Tudo mudou muito, atéa exigibilidade dos ouvintes aumen-tou; as rádios já estão usando sistemadigital, e, a cada dia que passa, a quali-

mixagem e busque na sessão multi-canal os pontos que estejam se so-bressaindo, as partes mais cheias;procure entender quais instru-mentos estão colaborando para‘encher’ a forma de onda e veja se épossível abaixar um ou outro delesnaqueles pontos de modo a mantera integridade musical, porém per-mitindo um nível geral mais alto ereveja a equalização, ajuste os tim-bres para que casem melhor. Podetambém haver algum efeito que es-teja ocupando espaço e que possaser mais bem trabalhado. Veja, ain-da, se não há seções da música que,embora propositalmente suaves,possam ser puxadas para cima su-tilmente mantendo ainda o con-traste entre as partes.Hoje, com os plug-ins, os estúdiosnão estão mais restritos a um nú-mero fixo de compressores, limi-tadores e outros equipamentos norack. Antes de colocar um limi-tador no estéreo considere limitarindividualmente as pistas. Trabalheos t imbres individualmente demodo a fazê-los complementar unsaos outros. Nem sempre o melhorsom para um instrumento em ‘solo’é aquele que casa melhor quandoinserido na mixagem; às vezes umaguitarra que solada está nasal acabapor se assentar perfeitamente notodo e se sobressai mesmo em um ní-vel mais baixo. Ao trabalhar bem comas sugestões acima, será minimizada anecessidade de muito processamentona masterização para fins de volume eserá preservada a integridade musi-cal, seu impacto e apelo emocional,melhorando as chances de sucessopara o cliente e por conseqüênciapara o estúdio.

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REPORTAGEM

dade do áudio ganha uma importân-cia maior na música. Por isso é precisotomar muito cuidado com essa ques-tão, buscar estúdios sérios, não fazersua música em qualquer lugar. A nãoser que o músico queira mostrar umamúsica para uma gravadora, comouma demo, por exemplo. Neste caso,não precisa gastar uma grana em estú-dio, pois, se a gravadora o contratar,

ela faz esse trabalho. Porém, se a idéiado artista é ir direto para uma rádio,se ele for independente, tem que cui-dar muito dessa parte de qualidade deáudio, que é muito importante”.Allan Ricardo Benetti, coordenadorartístico da Beira Mar FM, localizadaem São Sebastião, São Paulo, há 14anos no ramo, acredita que o mercadode rádio está aberto para as produçõesnacionais. “O problema é a escassezde material de qualidade artística etécnica. Podemos observar uma claratendência, e isso não é de hoje, da pro-liferação de clones. Quando um artistaou banda atinge o sucesso, quase queinstantaneamente, podemos observaruma avalanche de clones que tentamseguir o mesmo formato e fórmula desucesso, e com isso perdemos grandesartistas. Outro grande problema é oacesso a estes novos materiais. É pre-ciso que os artistas procurem emisso-ras com perfil de programação ade-quado ao seu estilo e sonoridade. Nãoadianta montar uma mala direta e

enviar por e-mail a música de traba-lho para todas as emissoras, porqueisso acaba causando um grande trans-torno para quem recebe esse materialsem ter solicitado ou autorizado,principalmente pela falta de foco noperfil das rádios. Ligue, faça contato,conheça a rádio e mande a faixa ade-quada à emissora”.De acordo com Allan, casos de músi-

cas não incluídas devido à baixa qua-lidade são mais comuns do que sepode imaginar. “Em um caso recente,uma música não entrou na programa-ção por conta da captação da bateria.A música era boa, só que a sonoridadeda bateria estava péssima”, exem-plifica o profissional. “A rádio precisade músicas de impacto, que o ajudema conquistar a audiência. Outra ques-tão é a duração da faixa. Uma músicade 5 minutos terá de ser editada e,com isso, acabará perdendo a essên-cia, perde muito da história que oprodutor tentou contar. Não exagere.O CD terá várias faixas, trabalhe duasou três para a rádio e nas demais ex-perimente, ouse. Música comercialnunca foi sinônimo de obra-prima,mas é importante para que a bandaconsiga sair da garagem e ganhe omundo. Seja você mesmo. Boas Influ-ências e referências musicais são vi-tais, mas não copie seu artista favorito.Crie seu próprio som”, indica Allanpara quem está começando e querendo

divulgar suas músicas. “Não enten-do porque as gravadoras estão tãodistantes das emissoras. Principal-mente daquelas que não estão nascapitais. O artista precisa tanto darádio quanto a rádio do artista, pois épela rádio, que as pessoas conhecemas músicas. Aí vem todo o caminhoque conhecemos: TV, ringtones... Efique atento para a questão da qua-lidade, pois, como é que você querouvir sua música na rádio? Comtoda a qualidade e cuidado que foiproduzida ou com o som de um MP3baixado da Internet? Pense nisso”,finaliza o profissional.Profissionais da área técnica da rá-dio Beira Mar FM recomendam quepara o disco ter sonoridade no ar épreciso ter pouco processamento etentar manter a sonoridade originaldos instrumentos. Um bom palcosonoro e a dinâmica tornam o áudiobem agradável. “Esqueça a idéia defazer com que o seu áudio soe maisalto do que os outros. Para isso existeo controle de volume. Procure umprofissional para a masterização. Énecessário know-how para a tarefa.Acredito que uma máster bem feitavai tocar em qualquer meio sem gran-des problemas. Seria impensável mas-terizar o mesmo áudio para váriasmídias. Para isso, a rádio tem umprocessador de áudio, a TV outro, cadaum com características adequadas àsnecessidades e possibilidades técnicasde cada veículo”.

“Em um caso recente, uma música não entrou naprogramação por conta da captação da bateria. Amúsica era boa, só que a sonoridade da bateria

estava péssima”

Yves Zimelman

Yves Zimelman é engenheiro de gra-vação e consultor de áudio com experi-ência internacional desde 1983. Por 11anos foi responsável pelo controle dequalidade e pré-masterização de umagrande fábrica de CDs e DVDs no Brasil.