Daniel Mello Sanfelici
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Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
Departamento de Geografia Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana
A PRODUO DO ESPAO COMO MERCADORIA: NOVOS EIXOS DE VALORIZAO IMOBILIRIA EM PORTO
ALEGRE/RS
Daniel de Mello Sanfelici
So Paulo Maro de 2009
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Daniel de Mello Sanfelici
A PRODUO DO ESPAO COMO MERCADORIA: novos eixos de valorizao imobiliria em Porto Alegre/RS
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana da Universidade de So Paulo, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Geografia. Orientadora: Prof Amlia Lusa Damiani
So Paulo 2009
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FOLHA DE APROVAO Daniel de Mello Sanfelici A produo do espao como mercadoria: novos eixos de valorizao imobiliria em Porto Alegre/RS.
Dissertao apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas para obteno do ttulo de Mestre em Geografia. rea de concentrao: Geografia Humana.
Aprovado em:
Banca examinadora: Prof Dr: _____________________________________________
Instituio: _________________ Assinatura: ________________
Prof. Dr.: _____________________________________________
Instituio: _________________ Assinatura: ________________
Prof Dr: _____________________________________________
Instituio: _________________ Assinatura: ________________
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AGRADECIMENTOS
Agradeo, em primeiro lugar, minha orientadora, Amlia Damiani, que
abriu as portas para que eu viesse para So Paulo, confiando em que meu
trabalho pudesse oferecer uma contribuio ao trabalho que outros colegas j
desenvolviam no Labur. Agradeo a ela, tambm, por ter oferecido seu apoio
nos primeiros meses em que estive em So Paulo, o que facilitou muito essa
transio e, obviamente, agradeo por suas orientaes, sugestes e crticas e
comentrios sobre o trabalho, que me ajudaram a definir melhor o problema e a
buscar as respostas. Tambm devo muito das reflexes aqui desenvolvidas
aos grupos de estudos organizados pela Amlia no Labur e s suas disciplinas.
Enfim, sua competncia e dedicao foram um estmulo sempre presente
nesse caminho. Por tudo isso, minha imensa gratido.
professora Ana Fani Alessandri Carlos, pelo acolhimento nos grupos
de estudo e pela disciplina de Ps-graduao, que me proporcionou um
caminho para fazer uma leitura mais atenta da obra de Henri Lefebvre, e
tambm pelas crticas e sugestes na banca de qualificao.
professora Odette Seabra pelas colocaes e sugestes muito
pertinentes na banca de qualificao, o que me ajudou a definir melhor os
rumos que a pesquisa ainda poderia tomar.
Agradeo muitssimo ao professor lvaro Heidrich, da UFRGS, meu
orientador de iniciao cientfica, por que sempre me deixou livre para escolher
os caminhos que eu desejasse e por sua orientao sempre muito cuidadosa e
sua disponibilidade em esclarecer dvidas e oferecer sugestes. Acima de
tudo, agradeo-lhe por ter-me incentivado a tentar o processo seletivo em So
Paulo.
professora Tnia Strohaecker por ter oferecido sugestes e facilitado
alguns caminhos para que eu desenvolvesse o trabalho de campo em Porto
Alegre. Ao professor Oscar Sobarzo, que conheci no ano passado, quando
fiquei em Porto Alegre para realizar os trabalhos de campo necessrios,
agradeo por ter-me permitido assistir suas aulas de Ps-graduao, que foram
extremamente enriquecedoras.
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Ao Rodrigo (Chaves) pela ajuda com os mapas, sem a qual eu
dificilmente conseguiria completar essa parte da dissertao.
s empresas que ofereceram informaes e permitiram que eu
realizasse entrevistas, contrastando imensamente com aquelas que negavam
qualquer auxlio.
Aos amigos que fiz em So Paulo, por terem tornado essa experincia
de viver longe da famlia muito mais fcil, tendo me acolhido em todos os
momentos. Tambm preciso reiterar o quanto essa reflexo depende das
discusses que fizemos em grupos de estudos, fundamentais ao debate de
idias e formao terica mais ampla. Quero mencionar aqui especialmente o
Jnior (sempre com tiradas engraadssimas, timo parceiro de estudos), a
Renata (com quem eu converso desde os primeiros dias em So Paulo), o
Baldraia (sempre disposto a ajudar quem quer que seja), o Csar (a leitura sem
ele fica incompleta), o James, o Igor, mas tambm vrios outros colegas e
amigos do Labur ou de fora (menciono alguns, correndo o risco de omitir
outros: Svio, Rafael, Danilo, Bona, Paulo, etc).
Aos amigos de Porto Alegre, que conheci durante a graduao, muitos
dos quais mantenho contato pelos diversos meios (Gringo, Cezinha, Eduardo,
etc) e aos outros amigos, que conheci de outras formas. Em especial, nesse
ltimo caso, devo mencionar o Rodrigo e a Nanda, de quem tive a
oportunidade de me aproximar nesse ltimo ano que fiquei em Porto Alegre, e
cuja amizade eu prezo demais e pretendo preservar mesmo distncia.
Karen, meu amor, pessoa que eu tanto admiro e de quem desejo
sempre estar prximo, compartilhando os momentos bons e os momentos
difceis. Agradeo especialmente pela compreenso nesses momentos finais
em que tive que dedicar s leituras, redao final do trabalho, etc. E
agradeo demais pelas ajudas (sempre de corao, como do seu feitio), pelo
apoio, pelo carinho e pelo afeto. Te amo muito!
Aos meus familiares mais prximos em geral, mas dedico um
agradecimento especial aos meus pais. difcil encontrar palavras para
expressar a gratido que tenho por eles. deles que herdei no apenas o
gosto pelo estudo e pelo conhecimento, que permitiu a redao desse trabalho,
mas tambm os valores que definem boa parte do que sou. A eles tambm
devo muito pelo apoio incondicional em todos os momentos, em particular
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nessa vinda para So Paulo. O distanciamento do convvio dirio com eles o
que mais foi difcil nessa mudana de cidade.
Destaquei o carter coletivo que uma reflexo como essa possui, e por
isso o agradecimento aos colegas de estudo e de debate. Qualquer eventual
insuficincia ou equvoco do trabalho, contudo, devem ser atribudos
unicamente ao autor.
Esta pesquisa recebeu auxlio, a partir de agosto de 2007, do CNPq.
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RESUMO
SANFELICI, Daniel de Mello. A produo do espao como mercadoria: novos eixos de valorizao imobiliria em Porto Alegre/RS. 2009. 145f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas. Universidade de So Paulo, 2009.
A pesquisa aqui desenvolvida visou elucidar os nexos que definem a
produo do espao da metrpole de Porto Alegre no perodo atual, sobretudo
nos ltimos 15 anos. O trabalho inicialmente estabelece os fundamentos
tericos para compreender o movimento que transforma o espao urbano em
mercadoria, para em seguida identificar como esse processo se desenvolve,
em Porto Alegre, definindo centralidades de valorizao no espao urbano,
para cuja efetivao as estratgias das empresas do setor imobilirio so
primordiais. Com isso em vista, o trabalho utilizou o conceito de fronteira
urbana para aprimorar o entendimento das estratgias de valorizao do
espao, verificando como esse processo se consumou no empreendimento
Jardim Europa, localizado no setor leste da cidade de Porto Alegre. Colocou-se
em evidncia o fato de que as empresas do setor imobilirio esforam-se
constantemente por integrar reas menos valorizadas esfera de circulao de
seu capital, com o intuito de obter sobrelucros de incorporao. Para atrair
segmentos das classes mdia e alta para reas menos valorizadas da cidade,
as empresas lanam mo de publicidade macia, vendendo signos do bem-
estar e da harmonia com a natureza, bem como procuram apoiar-se no Estado,
que frequentemente respalda suas iniciativas. O resultado a permanente
remodelao do espao urbano sob a gide da acumulao de capital, o que
conduz reiterao das distncias sociais e espaciais entre os centros
valorizados e as vastas periferias urbanas caractersticas do capitalismo
brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Fronteira urbana; desenvolvimento desigual;
neoliberalismo; centralidades urbanas.
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ABSTRACT SANFELICI, Daniel de Mello. The production of space as a commodity: new areas of real estate development in Porto Alegre/RS. 2009. 145f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas. Universidade de So Paulo, 2009.
The current research attempted to reveal the central aspects of the
production of the metropolitan space of Porto Alegre during the last 15 years.
First of all, we established the theoretical framework which helped us
understand the movement that transforms space into a commodity. This has
allowed us to demonstrate how this transformation has been occurring in Porto
Alegre and how it has given rise to new spatial centralities in terms of real
estate development. This is a process largely carried out by business strategies
devised by large real estate developers. Having this in view, we made use of
the concept of urban frontier in order to enrich our understanding of the
business strategies of real estate development, paying attention to the changes
occurred with Jardim Europa, a large development project located in the
Eastern part of Porto Alegre. We emphasized the fact that large developers
strive to incorporate areas of lower land prices into the sphere of circulation of
their capital with the aim of obtaining surplus development profits. So as to
attract middle and upper class households to these frontiers, developers employ
massive advertising campaigns, selling signs of welfare and of harmony with
nature, at the same time as they rely on the local state, which usually supports
their development schemes. The result of this is the restless refashioning of
urban space carried out by capital accumulation, thus leading to the
reinforcement of the social and spatial distances that separate the gentrified
neighborhoods and the vast urban peripheries typical of capitalism as it has
developed in Brazil.
KEY-WORDS: Urban frontier; uneven development; neoliberalism; urban
centralities.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Cargos pblicos e privados dos acionistas da Cia. Predial e
Agrcola..........................................................................................................52
Tabela 2 - Porcentagem da oferta acima de 300 mil reais em 2007.................64
Tabela 3 Mdia de unidades por empreendimento em 2006 e 2007.............72
Tabela 4 Rendimento mdio domiciliar em 2000...........................................98
Tabela 5 - Atuao de empresas com escala nacional no mercado
local.............................................................................................................123
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Bairros oficiais do municpio de Porto Alegre....................................19
Mapa 2 Rendimento mensal mdio dos responsveis pelo domiclio em Porto
Alegre (2000).................................................................................................66
Mapa 3 Preo mdio, em reais, de um apartamento (usado) de 3 dormitrios
em Porto Alegre.............................................................................................67
Mapa 4 Bairros de rendimento familiar superior em Porto Alegre..................68
Mapa 5 Porcentagem de imveis novos acima de R$ 300 mil em Porto
Alegre/RS......................................................................................................69
Mapa 6 Densidade de ofertas por bairro em Porto Alegre (2005)..................76
Mapa 7 Densidade de ofertas por bairro em Porto Alegre (2007)..................77
Mapa 8 Unidades vendidas por bairro entre maro de 2006 e dezembro de
2007...............................................................................................................78
Mapa 9 Atividades imobilirias de grandes empresas do setor em Porto
Alegre............................................................................................................82
Mapa 10 O Parque Germnia e a rea do entorno dos shoppings Iguatemi e
Bourbon.........................................................................................................92
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LISTA DE FIGURAS E GRFICOS
Grfico 1 - Evoluo da populao residente em Porto Alegre (1890-
2006)..............................................................................................................54
Figura 1 Evoluo urbana do municpio de Porto Alegre...............................55
Grfico 2 - Unidades lanadas no mercado imobilirio de Porto Alegre durante
a dcada de 1980..........................................................................................59
Grfico 3 rea mdia dos imveis ofertados em Porto Alegre (em m) na
dcada de 1980.............................................................................................60
Grfico 4 Tipologia da oferta imobiliria em Porto Alegre na dcada de
1980...............................................................................................................60
Grfico 5 Nmero de lanamentos e nmero de vendas no mercado
imobilirio de Porto Alegre 1994-2006.......................................................61
Grfico 6 Velocidade mdia anual de venda no mercado imobilirio de Porto
Alegre (%)......................................................................................................62
Grfico 7 Distribuio das ofertas acima de R$ 705 mil em 2007.................70
Figura 2 Edifcios situados em frente ao shopping Iguatemi construdos
durante a dcada de 1990............................................................................99
Figura 3 Primeiros edifcios do empreendimento em vias de finalizao,
vistos a partir da Rua Trememb (junho de 2008)......................................101
Figura 4 Vista do Jardim Europa a partir do estacionamento do Shopping
Iguatemi (Junho de 2008)............................................................................102
Figura 5 Vista parcial do parque e dos primeiros edifcios em processo de
finalizao (Junho de 2008)........................................................................102
Figura 6 Anncio publicitrio da Goldsztein sobre o Jardim Europa..........103
Figura 7 Projeto original do loteamento Germnia (2001)...........................104
Figura 8 Anncio publicitrio do Jardim Europa (1).....................................107
Figura 9 Anncio publicitrio do Jardim Europa (2).....................................108
Figura 10 Anncio publicitrio do Jardim Europa (3)...................................113
Figura 11 Reportagem do jornal Zero Hora sobre a inaugurao do Parque
Germnia.....................................................................................................115
Figura 12 Vista parcial da Avenida Carlos Gomes, em Porto Alegre..........129
Figura 13 Vista de trecho da Avenida Carlos Gomes..................................129
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SUMRIO
1. Apresentao ........................................................................................... 13
2. Elaborando um problema ........................................................................ 17
3. Das contradies no espao s contradies do espao: o lugar do
imobilirio na geografia econmica da cidade capitalista ......................... 35
4. A espacialidade da valorizao capitalista: um panorama dos
movimentos espaciais do capital imobilirio na evoluo recente da
metrpole gacha .......................................................................................... 46
5. O significado das fronteiras urbanas na produo do espao da
metrpole: o Jardim Europa como nova centralidade de valorizao
imobiliria em Porto Alegre ........................................................................... 88
5.1. O shopping Iguatemi como propulsor inicial da valorizao .................. 96
5.2. O empreendimento Jardim Europa: natureza do projeto ..................... 100
5.3. O Parque Germnia como estratgia de valorizao: a autenticidade
como criao da publicidade ....................................................................... 106
5.4. Risco e sobrelucro no investimento em fronteiras urbanas ............... 115
5.5. A expanso da malha viria do Corredor de Centralidade Nilo
Peanha-
Anita..............................................................................................................119
5.6. A concentrao do poder econmico como necessidade para a
obteno de lucros de incorporao ........................................................... 122
6. Estado, circuito secundrio e consumo dirigido: consideraes finais
sobre a produo do espao da metrpole sob o signo do
neoliberalismo............................................................................................... 130
Referncias ................................................................................................... 143
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1. Apresentao
Em certo momento no conjunto de ensaios publicado sob o ttulo de
Histria e conscincia de classe, Georg Lukcs observa que
pensamento e ser so idnticos no no sentido de corresponderem ou refletirem um ao outro, de correrem paralelamente entre si ou convergirem (...), mas no fato de constiturem aspectos de um nico processo dialtico, histrico e real (LUKACS, 2003, p. 403).
Com isso, Lukcs punha em evidncia o fato de que a reflexo,
confrontada constantemente com uma realidade fluida, em movimento, deve o
tempo todo superar-se se deseja superar o imediatismo com que essa
realidade em movimento aparece aos olhos da prtica cotidiana de todos. Sem
dvida, isso levanta uma srie de obstculos ao pesquisador, no somente
pelo fato de que preciso que sejam construdas as mediaes
imprescindveis para que se possa ter o acesso ao contedo subjacente s
manifestaes imediatas da realidade, mas ademais porque essa realidade si
mover-se mais velozmente do que a nossa capacidade de apreend-la. Resulta
disto que, no perodo compreendido pela pesquisa de Mestrado, muitas coisas
que apareciam como irrelevantes no incio mostram-se, com o tempo, cruciais,
enquanto outras que pareciam fundamentais enfraquecem-se como fator
explicativo. Em se tratando de uma realidade em movimento, no por
completo possvel de evitar que isso acontea, mas deve-se ater firmemente ao
princpio de que, se entendemos a realidade no como um conjunto de fatos
dados e estanques, mas como um conjunto contraditrio de processos e
relaes, devemos ter como meta a tentativa de revelar o contedo desses
processos e a direo para a qual eles nos encaminham. Somente assim ser
possvel discernir entre o fundamental e o irrelevante, e, sobretudo, entender
que o fundamental est no acesso totalidade em movimento, na
compreenso do processo total que se manifesta contraditoriamente em cada
aspecto que compe o conjunto da realidade. Em nosso entendimento,
seguindo Henri Lefebvre, residem na renncia compreenso da totalidade as
maiores fraquezas das cincias sociais hoje, fragmentadas em uma mirade de
especialidades com mtodos e procedimentos de investigao prprios e sem
contato com outros campos do saber.
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14
O caminho aqui percorrido foi norteado, portanto, por esse princpio, e
seu objetivo, apresentado em maiores detalhes no primeiro captulo, foi
compreender alguns dos processos que so responsveis pela produo do
espao das metrpoles no atual estgio da sociedade capitalista. Cabe aqui
fazer algumas advertncias.
Em primeiro lugar, preciso ser dito que foi intencional a colocao de
um captulo eminentemente terico no incio da exposio. Acreditamos que as
consideraes apresentadas no captulo, e que se referem fundamentalmente
ao domnio quase completo que a forma-mercadoria exerce sobre todas as
manifestaes da vida social hoje, permeiam todas as reflexes posteriores do
trabalho, e isto pode ser observado em outros momentos do trabalho. Tendo
isso em vista, entendemos ter sido necessrio apontar algumas das
contradies que esse processo de mercantilizao da vida cotidiana e da
cidade carrega. Todavia, como ser visto, a colocao de um captulo mais
terico no incio no significou uma separao rgida das consideraes
tericas e das empricas, procedimento muito recorrente hoje do qual
discordamos.
Em segundo lugar, preciso ser dito que um dos momentos mais
difceis da dissertao foi encontrar slidas evidncias empricas para sustentar
a hiptese inicial, o que, por um caminho ou por outro, acreditamos ter
conseguido. Mas fato que, no Brasil de hoje, tem sido cada vez mais difcil
para uma pesquisa se apoiar em dados e levantamentos estatsticos, visto que
estes so cada vez mais pobres e mesmo sequer so realizados, para a
maioria das reas de estudo. As pesquisas, por exemplo, que conseguimos
obter, depois de uma insistncia quase impertinente, junto ao Sinduscon e a
empresrios do setor imobilirio ainda se revelam muito pobres quanto ao
conjunto de aspectos abrangidos. Nada se pode obter, nessas pesquisas,
sobre a atividade de cada empresa individual, nem mesmo das maiores, sobre
a localizao dos investimentos a no ser um total de unidades lanadas por
bairros que utilizamos durante o trabalho e no h nem mesmo um histrico
minimamente consistente da atividade imobiliria na cidade. Dados de
empresas individuais como nmero total de unidades lanadas, tipologia dos
lanamentos e preo final das unidades inexistem. O Municpio, por sua vez,
no oferece qualquer informao que possa compensar essa deficincia, e
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15
mesmo o dado de nmero total de Habite-se deixou de ser especificado, como
o era, de acordo com o nmero de pavimentos das habitaes. Ainda outro
obstculo para a presente pesquisa refere-se ao fato de que a planta de
valores do municpio, que serve de base para a cobrana do imposto territorial,
no atualizada desde 1992, o que inviabilizou sua utilizao nesse trabalho.
Sua transformao em mapa, ademais, requereria muito mais tempo do que
seria possvel no contexto dessa pesquisa. Enfim, no inteno aqui de
atribuir qualquer insuficincia ou interpretao errnea do trabalho a esta falta
de informaes, mas sim lamentar essa situao que, se modificada, poderia
oferecer melhores condies para inmeras pesquisas que desejam
compreender esta atividade que, hoje, revela-se to importante na estruturao
do espao das metrpoles, e compreender, de maneira mais geral, os
problemas urbanos atuais.
Essa adversidade soma-se a outra, que se refere dificuldade de obter
informaes mais precisas das atividades das empresas, algumas vezes por
uma indisposio da empresa e/ou de alguns de seus funcionrios em reservar
um tempo para uma entrevista ou responder perguntas, mesmo por e-mail.
Embora saibamos que, para uma empresa capitalista, o emprego racional do
tempo fundamental, e que, portanto, uma entrevista que no seja destinada a
uma divulgao mais ampla nenhuma importncia possui do ponto de vista da
maximizao dos ganhos da empresa, a diversidade das respostas permite-nos
sugerir que houve, em muitos casos, explcita m vontade, por parte de certas
empresas e/ou pessoas, em cooperar com uma pesquisa acadmica, se
compararmos com a solicitude apresentada por outras. Nesse sentido,
preciso lamentar a estreiteza da viso de certas empresas a respeito das
possibilidades de cooperao com as pesquisas realizadas pela universidade
em qualquer rea do conhecimento.
oportuno relativizar tambm nossa opo por tratar dos problemas da
cidade de Porto Alegre, sem uma ateno mais cuidadosa ao conjunto da
metrpole. Ela no representa uma tentativa de autonomizao, de tratamento
da capital gacha de maneira independente do conjunto da metrpole, o que,
em nosso ver, um equvoco, visto que, apesar das divises administrativas, a
metrpole constitui uma totalidade inseparvel e cujos problemas s podem ser
resolvidos se for tratada como tal. A necessidade de circunscrio da pesquisa
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16
capital, unicamente, deve-se, em primeiro lugar, dificuldade sempre maior
de se obter informaes sobre os outros municpios da metrpole no que se
refere dinmica imobiliria; por outro, deve-se, por motivos bastante bvios,
s restries de tempo que pesam sobre uma pesquisa de Mestrado. Mas a
dinmica imobiliria que identificaremos na capital gacha revela-se, com
efeito, no conjunto da metrpole, cuja evidncia mais imediata reside no fato de
que vrias das grandes empresas trabalhadas aqui investem tambm em
outras centralidades imobilirias de uma metrpole que hoje, certamente,
polinucleada. preciso frisar, ainda, que muitos dos investimentos realizados
em outros municpios esto intimamente ligados dinmica de empregos da
capital, como o condomnio Alphaville em Gravata, ainda em estgio inicial e
que usufruir de acesso rpido a Porto Alegre pela rodovia Free way.
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17
2. Elaborando um problema
Le monde la fois prsent et absent que le
spectacle fait voir est le monde de la marchandise
dominant tout ce qui est vcu. Et le monde de la
marchandise est ainsi montr comme il est, car
son mouvement est identique lloignement des
hommes entre eux et vis--vis de leur produit
global
Guy Debord
Quelle aubaine, lespace! Il se vend et sachte. Il
tend le monde de la marchandise. En mme
temps, il permet de contrler les forces sociales
qui pourraient sopposer au pouvoir politique tabli.
Henri Lefebvre
O presente trabalho pretende lanar luz, atravs de um estudo de caso,
sobre a produo de um espao da acumulao capitalista na cidade de Porto
Alegre. Ao longo das pginas que se seguem, buscar-se- compreender a
produo de uma espacialidade (e temporalidade) da cidade, no ltimo
decnio, a partir do desdobramento da atividade de um setor especfico da
produo capitalista de mercadorias: o setor imobilirio habitacional. A
motivao que justifica a perseguio desse caminho surge, em primeiro lugar,
de uma constatao da proeminncia adquirida pelo capital imobilirio na
constituio de novas (e reafirmao de antigas) centralidades espaciais na
metrpole de Porto Alegre, reconfigurando os ordenamentos espaciais
pretritos de forma a torn-los consentneos s necessidades da valorizao
do capital. Esse movimento de rearranjo da espacialidade da metrpole, em
larga medida sob a gide do mercado imobilirio, repleto de simultaneidades
e descompassos, continuidades e intermitncias, mas encaminha-se,
fundamentalmente, na direo da consolidao de eixos de valorizao
imobiliria discernveis na paisagem urbana, no interior dos quais esto
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18
colocadas as maiores possibilidades de rentabilidade disposio do capital
investido no ambiente construdo. Na metrpole gacha, esse movimento de
constituio de novas centralidades da valorizao imobiliria orienta-se no
sentido da solidificao de dois grandes eixos distinguveis: um eixo centro-
leste, cuja orientao dada pelo traado estabelecido, grosso modo, pelas
radiais Protsio Alves, Nilo Peanha e 24 de outubro; e um eixo centro-sul, que
acompanha longitudinalmente a borda do lago Guaba. A constituio desses
eixos um processo inacabado e alimentado por ciclos de investimento que se
concentram no tempo e no espao, permitindo que identifiquemos, de forma
mais ou menos precisa, alguns padres de investimento imobilirio na
paisagem metropolitana sustentados, mormente, por estratgias de curto e
mdio prazo. Nesse mbito, os anos recentes testemunham, para o caso de
Porto Alegre, algumas tendncias relativamente ntidas: uma que colocou o
bairro Cristal, na zona sul da cidade, no centro dos interesses especulativos
imobilirios, principalmente em razo da construo da III Perimetral, que
ampliou a acessibilidade regio como um todo, e do anncio da construo
de um novo shopping na regio prxima ao Jquei clube; a outra, no eixo
centro-leste, que reafirma a centralidade do shopping center Iguatemi a partir
de um conjunto de investimentos (comerciais e residenciais) em uma escala
sem precedentes para o caso da metrpole gacha1. Essa ltima tendncia
principalmente no que diz respeito comercializao do Jardim Europa, um
novo bairro nos arredores do Iguatemi servir como perspectiva, na
segunda parte do trabalho, para que possamos compreender as estratgias
que se entrelaam na constituio dessas novas centralidades imobilirias.
Algumas consideraes preliminares so, contudo, necessrias para situar
melhor o sentido da pesquisa. Apresentamos, ademais, inicialmente um mapa
em anexo (Mapa 1) situando os bairros da capital gacha, que daqui para
diante sero mencionados em vrios momentos do texto.
1 Simultaneamente a essas duas tendncias, persistem os investimentos nos bairros mais tradicionais da cidade, sobretudo aqueles com rea passvel de incorporao, como o caso dos bairros Petrpolis e Menino Deus, que apresentam o maior nmero de unidades ofertadas em 2007.
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Mapa 1 Bairros oficiais do municpio de Porto Alegre/RS.
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A complexidade do objetivo aqui buscado o de compreender o
movimento de reproduo do espao urbano a partir do desdobramento da
atividade imobiliria revela-se imediatamente pelo fato de que se trata de um
setor cujas particularidades so em si evidentes, se comparado com outros
setores da produo capitalista. No s este setor, cujo desenvolvimento o
objeto do nosso estudo, tem como pressuposto de sua prpria realizao, a
realizao da propriedade fundiria o que coloca para o pesquisador
problemas, entre outros, como o da renda da terra e de uma produo estatista
do espao urbano , mas tambm tem como seu produto uma mercadoria que
difere muito das outras, quer seja pelo seu valor elevado o que coloca, de
imediato, o problema do crdito , quer seja pela sua fixidez no espao e sua
existncia prolongada o que remete questo das valorizaes e
desvalorizaes a que o espao est sujeito ao longo dos anos, bem como ao
problema da circulao do capital fixo. Outras peculiaridades do segmento em
estudo sero evidenciadas no decorrer da exposio. O trabalho, que fique
advertido, no tem a pretenso (nem seria possvel no espao de tempo que
constitui tal pesquisa) de contemplar todos estes aspectos de forma
satisfatria. Entretanto, pretende trazer alguns apontamentos que permitam
compreender a produo do espao da cidade de Porto Alegre sob as
determinaes do movimento de valorizao do capital. O espao, nesse
movimento, materialidade, mas tambm veculo (meio) da realizao do
valor e da mais-valia, portador de determinaes formais. Sua materialidade
entra, portanto, no mbito dessa pesquisa, acima de tudo na medida em que
interfere na valorizao do capital. O mesmo vale para outras determinaes
cuja importncia inegvel (por exemplo, a atuao do Estado), mas que s
sero abordadas quando e na medida em que necessrias para a
compreenso do movimento de valorizao (e de desvalorizao) do espao e
do capital produzindo o espao. O acento no problema da valorizao do
capital como eixo interpretativo das mudanas espaciais a que esto
submetidas as cidades, e mais particularmente, a cidade de Porto Alegre, no
deve significar uma abordagem que negligencie os conflitos e as estratgias
elaboradas pelos sujeitos que, de uma forma ou de outra, adquirem
conscincia do processo em que esto inseridos e atuam no sentido de
direcionar os rumos tomados pelo processo. Uma abordagem, portanto, que
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21
coloca em relevo nica e exclusivamente os automatismos fetichistas do
movimento de valorizao do capital perde de vista as estratgias que se pem
em marcha a partir do momento em que os sujeitos envolvidos adquirem
conscincia (mesmo que limitada) de seu campo de atuao e agem no sentido
de moldar um futuro ainda desconhecido2. O poltico e o econmico,
dimenses que somente a sociedade burguesa separou em duas esferas com
aparncia de autonomia, inevitavelmente se entrelaam como parte do
processo de valorizao capitalista do espao3. Trata-se, ento, de
compreender essa geografia de contornos dspares e as contradies que
assomam a partir desse complexo processo produtivo do espao.
O caminho aqui perseguido parte de um entendimento, portanto, de que
cada vez mais o espao, e especificamente aqui o espao urbano, realiza-se
como mercadoria. Isso significa dizer que cada vez mais so os imperativos da
realizao do valor (e da mais-valia) que se antepem, como pressupostos, ao
uso do espao. A reduo da diversidade do espao forma-valor significa
uma incomensurvel homogeneizao do espao, uma reduo da diversidade
a uma medida comum: o trabalho abstrato manifestado na forma-valor. Mas
significa tambm, e contraditoriamente, uma fragmentao, na medida em que
o espao vendido em parcelas, em pedaos, e para tanto dividido4. Se o
uso, ou valor de uso, cada vez mais se apaga frente ao imprio do valor de
2 Parece ser esta uma diferena fundamental que existe entre abordagens como as de Guy Debord e Henri Lefebvre e aquelas desenvolvidas, por exemplo, pelo grupo Krisis. Tanto Guy Debord quanto Henri Lefebvre teorizam a respeito da imensa reificao a que esto sujeitos os indivduos nessa sociedade em que ocorre o movimento autnomo do dinheiro e do valor, movimento esse que escapa, em grande medida, possibilidade de controle por parte desses indivduos. Mas nem por isso esses autores deixam de identificar o momento ativo da atuao dos sujeitos (Lefebvre atravs de sua insistncia na existncia de estratgias e tticas, e Debord trazendo mais nitidamente a questo da luta de classes). As anlises do grupo Krisis parecem negligenciar a possibilidade de atuao do sujeito nos conflitos potencialmente colocados pelo movimento do capital. Uma anlise da conjuntura como o momento do emprego de estratgias e tticas no sentido de modelar um futuro ainda desconhecido e sobre o qual se constroem expectativas diversificadas pode ser encontrada em Fiori (2003, cap. 1). Ainda sobre a questo das estratgias, cabe uma citao de Lefebvre que explicita o que o autor entende que deva ser uma economia poltica do espao: Lconomie politique de lespace est bien une conomie impliquant une politique, savoir une stratgie ou plusieurs stratgies (2000b, p. 125). Traduo: A economia poltica do espao uma economia que implica uma poltica, a saber, uma estratgia ou inmeras estratgias. Traduo nossa.
3 () a proposta que se pense o Estado como dimenso do capital em geral e a valorizao como um processo econmico e poltico, a um s tempo (FIORI, 2003, p. 106). A regulao do cmbio por parte do Estado um dos momentos em que h um forte entrelaamento do econmico e do poltico, um dos aspectos tratados pelo autor nessa obra.
4 Essa contradio foi apontada diversas vezes por Lefebvre (1978; 2000a; 2000b).
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22
troca, ento o uso do espao tambm se submete cada vez mais s
prescries estabelecidas pelo valor de troca. Essa mercantilizao
progressiva do espao, que se transmuta cada vez mais em bem mobilirio5,
parece ser parte, contudo, de um movimento incessante do capitalismo no
sentido de encontrar novos campos de acumulao, novas fronteiras, para
evocar Neil Smith, para a realizao do valor e da mais-valia. Discorreremos
brevemente sobre isto antes de um retorno aos problemas especficos postos
pelo setor imobilirio e pela investigao que aqui se pretende desenvolver.
Uma das caractersticas mais distintivas do capitalismo, quando
comparado com outros modos de produo, seu impulso expansionista.
Premido por uma tendncia saturao dos mercados (sobreacumulao) e
conseqente queda da lucratividade, o capital deve procurar novos espaos de
acumulao6. O que o decorrer da histria do capitalismo at esse incio de
sculo deixou evidente que esses novos espaos de acumulao podem ter
origens variadas, sendo o recurso ao comrcio exterior com regies no-
capitalistas, aspecto sobrevalorizado por Rosa Luxemburgo, apenas uma das
solues para a sobreacumulao. Nem todas as solues (sempre
temporrias) para esse problema se encontram na incorporao de reas e
setores no-capitalistas, mas o sculo XX tornou evidente a imensa
capacidade do capitalismo de incorporar esferas inteiras da vida social ao
circuito da valorizao do capital. Combinaram-se, ento, uma expanso
absoluta do capital para regies ainda no inseridas na diviso do trabalho e
um avano da produo capitalista (e, portanto, da lgica da mercadoria) para
esferas da vida social antes no plenamente submetidas valorizao
capitalista. Essa ltima forma de expanso parece ter ganhado vigor nos
ltimos anos, dando sentido preocupao de Guy Debord com uma tendncia
colonizao da vida cotidiana pela forma-mercadoria. Tambm a ganham
clareza as constataes e crticas de Henri Lefebvre a respeito da insero do
lazer e do turismo na diviso do trabalho e na produo de mercadorias
(LEFEBVRE, 2000a, p. 71-2; 2002, p. 80). Essas mltiplas e variadas formas
5 Cf. Lefebvre (2003b). O tratamento que Harvey (1999) concede renda da terra como uma forma de capital fictcio vai nesse sentido de esclarecer as determinaes de um espao que se transforma, cada vez mais, num ativo financeiro.
6 Os ltimos 30 anos recolocaram o problema da sobreacumulao na reproduo do capital mundializado. Cf. Brenner, R. (2003).
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23
de acumulao por expropriao, para usar os termos de Harvey7, se
combinam permanentemente com a reproduo ampliada dos ramos j
consolidados da produo capitalista.
Ao longo do sculo XX, e com intensidade maior no final do mesmo
sculo, uma das esferas da vida social em que o processo de mercantilizao
mais avanou foi a esfera cultural, cuja lgica de funcionamento fora, em
alguma medida, independente, ou ao menos um pouco mais distanciada, da
lgica que rege a produo de mercadorias sob o capitalismo moderno. Um
trabalho importante como A dialtica do esclarecimento, de Theodor Adorno e
Mark Horkheimer (1985), j indicava, atravs do conceito de indstria cultural,
um processo que se intensificaria no perodo que tem sido denominado ps-
moderno. Esta nova fronteira para investimentos conferiu novo impulso
acumulao capitalista, como o atesta, por exemplo, o fato de que os filmes de
Hollywood so, hoje, itens de primeira importncia na pauta de exportaes
dos Estados Unidos. Fredric Jameson nota que
[...] em uma era anterior, a arte era uma esfera alm da mercantilizao, na qual uma certa liberdade ainda era possvel; no modernismo tardio, no ensaio de Adorno e Horkheimer sobre a indstria cultural, ainda havia zonas de arte isentas da mercantilizao e da cultura comercial (para eles, essencialmente Hollywood). Por certo, o que caracteriza a ps-modernidade na rea cultural a supresso de tudo o que havia de exterior cultural comercial, a sua absoro de todas as formas de arte, altas e baixas, junto com a prpria produo de imagens (JAMESON, 2006, p. 216).
Algumas das conseqncias do desenvolvimento deste novo setor da
acumulao capitalista parecem se enraizar com maior profundidade nas
metrpoles atuais.
Sharon Zukin inicia seu livro The Cultures of the Cities afirmando que
[] culture is more and more the business of cities the basis of their tourist
attractions and [] their competitive edge (ZUKIN, 1995, p. 2)8 para, em
seguida, identificar o surgimento do que denominou de economia simblica,
um complexo de negcios que rene entretenimento, turismo, gastronomia e
produo cultural e que tem sido responsvel por transformaes significativas
na paisagem urbana. No centro desta economia transformada estaria a
7 Cf. Harvey (2003)
8 [] a cultura cada vez mais o negcio das cidades a base de suas atraes tursticas [...] e sua vantagem competitiva. Traduo nossa.
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imagem, conforme j havia prenunciado Guy Debord em sua teorizao da
sociedade do espetculo9. Mas a autora prossegue em sua teorizao e expe
a ntima relao que existe entre a instalao desta indstria na cidade
(museus, restaurantes, hotis, teatros) e a valorizao imobiliria, numa escala
menor, e a importncia desta economia simblica na projeo das cidades na
economia nacional e global, em uma escala mais ampla. Enquanto parece no
ser difcil identificar uma progressiva mercantilizao da cultura no Brasil na
segunda metade do sculo XX10, a importncia desta economia simblica na
transformao da paisagem urbana no Brasil no parece ser, primeira vista,
to ntida, sobretudo se for feita a comparao com a sociedade
estadunidense, foco dos estudos realizados por Sharon Zukin. Mas o processo
tambm se verifica no Brasil. Em uma escala mais abrangente, torna-se cada
vez mais evidente que certas cidades tm prosperado ao conseguir tirar
proveito (vendendo como mercadoria) de especificidades histrico-culturais ou
naturais (os exemplos so muitos, desde Paraty (RJ) at Bonito (MS)). Outras
cidades conseguem at mesmo criar estas especificidades, desenvolvendo um
complexo de turismo gastronmico e de consumo que no se nutre,
necessariamente, de uma tradio cultural bem definida ou de um passado
histrico singular (Gramado (RS) parece ser um exemplo tpico). Mas em uma
escala menor, percebe-se tambm que a cultura tem sido usada como indutora
de um processo de valorizao imobiliria: em muitos dos projetos de
revitalizao dos centros das metrpoles brasileiras est presente a idia de
que a instalao de cinemas, teatros e restaurantes nestas reas pode induzir
a um processo de recuperao do valor das propriedades, solucionando o
problema da decadncia dos centros. Fica evidente, ento, a maneira como
os discursos sobre a cultura e o consumo cultural se apresentam como
propulsores de uma valorizao do espao que culmina, em muitos casos, em
uma gentrificao, processo j descrito e estudado por muitos autores11. O fato
9 Cf. Debord (1992)
10 A este respeito, fundamental a contribuio de Renato Ortiz (1994), que reconstitui historicamente este processo pelo qual a cultura, no Brasil, foi se submetendo cada vez mais aos imperativos de mercado, processo que, embora iniciado no incio do sculo XX, s se consolidou em definitivo a partir dos anos 50 e, com maior vigor, durante os anos 70.
11 O papel importante que a cultura adquire na valorizao do espao no invalida a relevncia de uma desvalorizao pretrita do espao para que ganhe impulso a revalorizao. disto que pretende dar conta o conceito de rent gap em Neil Smith (1996). Tambm no se pretende aqui defender a idia de que a desvalorizao ocorre porque funcional
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25
de que esta estratgia, no Brasil, no tem trazido todos os resultados
almejados em nada altera o papel que se deseja que as atividades culturais
cumpram12.
Um elemento no menos importante deste processo, e que deve ser
ressaltado, que a mercantilizao da cultura tem significado, nos anos
recentes, uma estetizao da diferena cultural realizada como objeto de
consumo. A diferena cultural se torna simulacro, imagem da diferena, objeto
reproduzido como consumo13, num mundo que, em sua essncia, tende para o
homogneo. No de se surpreender, portanto, que Slavoj Zizek perceba que
a noo contempornea (liberal) de multiculturalismo esteja, na verdade,
calcada na prpria universalidade do capital e na homogeneizao que o
mercado proporciona14.
A concluso parece ser a de que, nos dias de hoje, de predomnio da
ideologia (e da prtica poltica) neoliberal, pouco escapa do circuito abrangente
da produo e circulao do capital. Lefebvre, por exemplo, aponta em vrios
momentos de sua obra o surgimento de novas raridades, advindas do fato de
que bens outrora abundantes, como a gua, comeam a escassear,
principalmente em virtude de sua mercantilizao15. A insero de muitos
desses setores na produo capitalista de mercadorias envolve uma forma ou
outra de expropriao, ou de acumulao por expropriao. No difcil
constatar, por exemplo, como a indstria do turismo destri modos de vida no
compatveis com a sua reproduo, como o caso de vilas de pescadores que
cedem lugar (compulsoriamente) a complexos hoteleiros e praias exclusivas.
No caso da cultura, a apropriao (expropriao) de culturas locais ou
folclricas pela indstria cultural se tornou prtica comum e difundida e pouco
sucesso tm tido aqueles que tentam enfrentar o poder dessas corporaes
multinacionais.
Mas se o sculo XX assistiu a um avano da lgica da mercadoria por
amplas reas e regies ainda no colonizadas pela produo capitalista,
acumulao de capital no futuro, um funcionalismo que Gottdiener (1994), em nosso ver injustamente, atribui a Harvey.
12 O excelente artigo de Arantes (2000) traa as coordenadas desse movimento que transformou a cultura em alavanca para o crescimento econmico das cidades, em um ambiente de competio interurbana acentuada.
13 Cf. Carlos (2001b); Damiani (2004).
14 Cf. Zizek (2005).
15 Cf. Lefebvre (2000, p. 115-6).
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parece ter ficado manifesto o fato de que todos esses avanos significaram,
tambm, a reduo do espao troca mercantil. A valorizao do espao que
resulta, por exemplo, da atividade cultural e do turismo sinal de que o
prprio espao que se insere de maneira mais intensa no processo de troca. A
atividade produtiva do espao est no centro, portanto, dessa colonizao
progressiva da forma-mercadoria. A produo do espao se consolida, assim,
como um dos ramos de significativa importncia da economia capitalista, e
aparece como uma das solues para as crises de sobreacumulao
identificadas acima, como Lefebvre e, depois de forma mais elaborada, Harvey
vislumbraram16. A prpria urbanizao se realiza, cada vez mais, como
negcio17, de onde resulta o predomnio de um espao abstrato, racionalizado,
homogneo, e ao mesmo tempo fragmentado, consentneo, portanto, s
necessidades da reproduo da sociedade mercantil-capitalista18. Nesse
contexto, conveniente lembrar a observao de Georg Lukcs de que a
extenso da troca mercantil como forma dominante do metabolismo de uma
sociedade no pode ser tratada como uma simples questo quantitativa
(LUKACS, 2003, p. 195), pois envolve uma transformao qualitativa muito
expressiva.
A identificao do espao como ncleo desse processo de reduo da
sociabilidade aos imperativos da valorizao mercantil que permite, portanto,
buscarmos na atividade imobiliria alguns dos nexos determinativos da
sociedade capitalista em sua fase atual. Trata-se de um setor que se consolida
na produo de mercadorias no mais como um ramo atrasado (ainda que
16
Tanto Lefebvre (2000) quanto Harvey (1999) denominam circuito secundrio a produo do espao-mercadoria, denominao que utilizamos algumas vezes no trabalho. Para Harvey (1999), que avanou consideravelmente em relao s consideraes bastante iniciais de Lefebvre a esse respeito, quando ocorre sobreacumulao no circuito primrio (produo de bens de consumo), o capital tende a se deslocar para a produo do espao (capital fixo). O autor insere de forma mais rigorosa, portanto, a produo do espao na crtica da economia poltica de Marx, atentando para a sujeio do espao s determinaes formais do capital. Da o tratamento que o autor concede renda da terra como uma forma de capital fictcio. Voltaremos ao problema mais adiante.
17 Cf. Damiani (2005).
18 Cet espace est homogne parce que tout y est equivalent, changeable, interchangeable,
parce que cest un espace achet et vendu et quil ny a change quentre quivalences et interchangeabilits. Cet espace est bris parce quon le traite par lots ou parcelles; vendu par lots ou parcelles, il est donc fragment (LEFEBVRE, 1978, vol. 4, p. 290). Esse espao [capitalista] homogneo porque nele tudo equivalente, intercambivel, porque um espao comprado e vendido e porque no h troca seno entre equivalncias e intercambialidades. Esse espao fracionado porque negociado em lotes ou parcelas; vendido em lotes ou parcelas, ele , ento, fragmentado. Traduo nossa.
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27
persista uma composio orgnica do capital mais baixa), mas como um ramo
moderno, cujo capital se encontra cada vez mais centralizado e cuja gesto se
assemelha de outros ramos considerados modernos (ao menos no que diz
respeito s empresas de ponta, que abocanham fatias cada vez importantes do
mercado imobilirio de metrpoles como Porto Alegre, So Paulo, Rio de
Janeiro, etc)19.
O que sustenta, portanto, a presente pesquisa a compreenso de que
o capital, ao mesmo tempo em que se realiza enquanto determinao formal,
tambm se realiza em formas concretas que, no caso estudado, conferem
cidade de Porto Alegre sua geografia concreta, seus contornos espaciais mais
visveis. Encontrar os nexos determinativos sem cair na pura abstrao, que
relega a um distante segundo plano as formas concretas assumidas pelo
processo, um desafio que exige bastante esforo, mas cujo resultado deve se
revelar muito mais proveitoso, permitindo-nos compreender a intricada relao
que se estabelece entre valor de uso e valor de troca na circulao do capital
no ambiente construdo e os constrangimentos que esse processo impe ao
espao vivido e possibilidade de apropriao efetiva.
Cabem, aqui, algumas consideraes sobre escolhas de ordem
metodolgica e uma melhor delimitao do objeto em estudo, o que exigir,
tambm, alguns apontamentos mais gerais sobre a especificidade do setor aqui
estudado.
Em primeiro lugar, o estudo aqui realizado se limita ao que, no interior
abrangente do que poderia se entender como produo (capitalista) do
ambiente construdo, ao que se convencionou denominar de setor imobilirio.
O foco do trabalho, portanto, elucidar algumas das determinaes capitalistas
que, cada vez mais, regem a produo do espao das metrpoles
contemporneas, sem com isso negar que existam outras formas de produzir o
espao que esto para alm dos objetivos do trabalho e que, nem por isso,
possuem menor relevncia. Nesse caminho, importante frisar que o Estado,
19
[O espao] est envolvido, enquanto mercadoria, no fluxo mundial de capital, envolvendo um intricado processo financeiro (DAMIANI, 2004, p. 6).
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28
enquanto poder de regulao e de domnio sobre o territrio, fundamental
para a reproduo do capital, mas sua atuao nem sempre revela um
posicionamento monoltico em favor dos interesses hegemnicos do capital, o
que abre espao para pensarmos o Estado como uma arena onde se
confrontam interesses divergentes. O Estado, contudo, entra no interesse
desse trabalho somente na medida em que sua atuao
interfere/direciona/regula a atividade imobiliria. O caminho percorrido ,
portanto, o oposto quele feito por Rovatti (1990), que partiu de uma
interveno do Estado na cidade atravs dos ndices de aproveitamento e, a
partir da, abordou as transformaes espaciais resultantes dessa interveno
pblica, chegando a interessantes consideraes sobre a dinmica do setor
imobilirio ao longo dos anos 80.
Em segundo lugar, importante salientar que partimos de um
entendimento de que produo e circulao so apenas momentos
(inextricveis) do ciclo do capital investido em determinado setor20. Sem que
sejam cumpridas todas as etapas do ciclo do capital investido, mesmo que sob
a tutela de diferentes capitalistas, ocorre uma desvalorizao do capital. A
forma de abordagem, portanto, dever incluir todos esses momentos do ciclo
do capital investido, mesmo que atores diferentes se consolidem ao se
especializar em cada um desses momentos21. Partindo desse entendimento,
podemos supor que, ao utilizar a denominao indstria da construo civil,
no estaramos nos referindo unicamente ao processo produtivo em sentido
estrito, mas a todos os momentos da rotao do capital investido na produo
do espao, o que incluiria, obviamente, a circulao (e os atores diferentes que,
necessariamente, na circulao se especializam). Ainda assim, nos referiremos
com mais freqncia ao setor imobilirio, e isso porque, alm do fato de que a
expresso de uso corrente, h claros indcios, ao menos no que se refere
20
In their actual movement, capitals confront one another in certain concrete forms, and, in relation to these, both the shape capital assumes in the immediate production process and its shape in the process of circulation appear merely as particular moments. (MARX, 1981, p. 117, v. 3). Em portugus: Em seu movimento real, os capitais se enfrentam em formas concretas tais que para elas a figura do capital no processo de produo, assim como sua figura no processo de circulao, s aparecem como fases particulares (Ed. Civilizao Brasileira).
21 Em suas consideraes sobre as peculiaridades do capital comercial, Marx explicita os elos que amarram o capital comercial ao ciclo do capital industrial, dissolvendo a aparente autonomia que o capital investido no comrcio e o capitalista que a ele (ao comrcio) se dedica adquirem. Cf. Marx, 1980, vol. 3, cap. XVI e XVII.
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29
produo em larga escala, de uma sujeio do processo produtivo da
construo aos imperativos da mobilizao da propriedade sob a coordenao
do capital incorporador e financeiro mesmo que, se tomado o conjunto do
setor, isso ainda se configure apenas como tendncia. Obviamente na
produo concreta que se produz o valor e a mais-valia que entram na
formao da taxa mdia de lucro, mas deve-se levar em considerao que no
centro da produo imobiliria est a possibilidade de obter sobrelucros de
incorporao oriundos da apropriao de renda da terra potencial, o que
diferencia o setor de outros. Esse assunto ser tratado de forma mais
pormenorizada mais adiante.
Em terceiro lugar, o trabalho enfocar com maior nfase o mercado
habitacional vertical, ainda que no dispense consideraes necessrias sobre
aspectos mais abrangentes da produo da metrpole gacha. Duas razes
primordiais justificam tal recorte. Uma primeira de ordem prtica. A produo
do espao urbano sob a gide da acumulao capitalista apresenta uma
complexidade tal que torna despropositada a pretenso de abord-la em todos
os seus aspectos. Os padres de localizao espacial, por exemplo, que
caracterizam os usos do solo para fins comerciais diferem bastante dos
padres que esto na base do mercado imobilirio habitacional. Assim sendo,
optamos por privilegiar e no absolutizar, descolando-o do movimento mais
amplo da produo da metrpole o setor habitacional, em virtude, por um
lado, do fato de que o bairro que serviu de recorte para o estudo aqui
desenvolvido caracteriza-se por um uso predominantemente residencial e, por
outro lado, porque o setor imobilirio para fins residenciais abrange a quase
totalidade da produo de imveis sob a lgica capitalista. Um outro motivo que
orientou tal escolha refere-se ao fato de o mercado imobilirio residencial e
vertical encontrar-se cada vez mais controlado por um nmero reduzido de
empresas, ao contrrio do que acontece, por exemplo, com o mercado de
casas, onde a presena do pequeno investidor ainda grande. Essa
delimitao permitiria, ento, visualizar de forma mais ntida a presena das
grandes corporaes na constituio e desenvolvimento do mercado imobilirio
da cidade, inclusive apontando para a entrada de investidores de outras
regies no mercado local. Ainda assim, deve-se alertar para o fato de que
muitas vezes os dados obtidos no permitiram uma anlise mais especfica do
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30
mercado residencial vertical, o que, em nosso ver, no compromete muito os
resultados atingidos.
Em quarto lugar, a investigao aqui desenvolvida pretende no perder
de vista o desencadeamento de estratgias como parte do movimento do
objeto de estudo circunscrito. Conforme exposto brevemente acima, a
perspectiva que orienta esse caminho permitiria superar, por um lado, enfoques
estruturalistas, que no conseguem vislumbrar a atuao concreta dos sujeitos
na determinao da mudana social; e, por outro lado, enfoques
excessivamente historicistas, que se equivocam quando no percebem a fora
da atuao de lgicas abstratas impessoais na conduo dos processos
sociais, tendncia que ganha vigor no perodo atual de financeirizao
econmica e penetrao da forma-valor nos interstcios mais recnditos da vida
em sociedade. Ao lado, portanto, de uma produo lgico-abstrata do espao,
deve-se reconhecer as contradies que surgem do desdobramento de
estratgias divergentes, que inevitavelmente se confrontam e produzem
resultados diferenciados em cada momento histrico especfico. Sobre isso,
afirma Lefebvre:
It is not the lan vital of the urban community that explains the structures of space [...]. It is the result of a history that must be conceived as the work of social agents or actors, of collective subjects acting in successive thrusts, discontinuously (relatively) releasing and fashioning layers of space. These major social groups, comprising classes and fractions of classes, as well as institutions that cannot be adequately defined in terms of class character [...] act with and/or against one another. From their interactions, their strategies, successes, and failures arise the qualities and properties of urban space
22 (LEFEBVRE, 2003, p. 127)
Por fim, faz-se necessrio adiantar alguns apontamentos sobre a
interpenetrao de escalas que toda anlise deve contemplar. A investigao
levada a cabo no presente trabalho tem como recorte espacial a metrpole de
Porto Alegre, hoje entre as cidades economicamente mais importantes do Sul
do Pas. Mas a delimitao desse recorte espacial tem como alicerce um
22
No o lan vital da comunidade urbana que explica as estruturas do espao (...). o resultado de uma histria que deve ser concebida como produto de agentes ou atores sociais, de sujeitos coletivos atuando em sucessivas investidas, descontinuamente (relativamente) liberando e moldando camadas do espao. Esses grupos sociais principais, que compreendem classes e fraes de classes, assim como instituies que no podem ser adequadamente definidas em termos de classe (...), atuam com e/ou contra um ao outro. Das suas interaes, estratgias, sucessos e fracassos emergem as qualidades e propriedades do espao urbano. Traduo nossa.
-
31
entendimento de que no local se entrelaam processos cujas escalas se
diferenciam significativamente. Nos anos recentes, cada vez mais as cidades
so controladas por processos cuja escala de origem est fora de seu alcance
(do alcance de seus habitantes e do poder pblico local), sua margem de
manobra consistindo somente na possibilidade de orientar determinados
vetores externos para determinados fins/objetivos. O surgimento do que seria
um urbanismo neoliberal23 parece ser a manifestao, na escala local, de
processos mais complexos resultantes de uma reconfigurao da acumulao
capitalista em favor dos setores rentistas da economia24, paralelamente a um
remodelamento do Estado para responder a esse novo regime de acumulao
fundado na recuperao do poder de classe da elite financeira. Como dever
ficar claro em outros momentos da exposio, essa reconfigurao da
acumulao capitalista tem conseqncias imediatas na organizao do
espao urbano.
No que tange ao setor imobilirio, objeto de nosso estudo, portanto,
devemos contemplar essas escalas diferentes na anlise, o que requer no
mnimo duas coisas: (1) um entendimento dos caminhos traados pela
economia brasileira nos anos recentes, na medida em que elementos como a
trajetria dos juros e do sistema financeiro, do cmbio, o crescimento
econmico, a distribuio de renda, etc, interferem nos rumos tomados pela
acumulao nesse setor especfico; (2) uma apreciao das aes do Estado
como agente que altera e direciona os padres (espaciais) de acumulao no
setor em suas mltiplas escalas de atuao. Essa atuao envolve desde a
regulamentao de um sistema de financiamento habitacional e do
estabelecimento de polticas de habitao, definidas habitualmente em escala
nacional, at investimentos no ambiente construdo da cidade, que canalizam
certos investimentos para determinadas reas do espao da cidade, e o
estabelecimento de uma legislao urbanstica. Obviamente a interferncia do
Estado no se limita a esses casos, citados apenas a ttulo de exemplo.
Tambm fica evidente que (1) e (2) no podem ser separados seno
analiticamente, visto suas influncias recprocas. Em suma, trata-se de lidar
com o importante problema, como sugere Villaa, que remete s mediaes
23
Cf. Merrifield (2002); Hackworth (2007). 24
Cf. Dumnil & Lvy (2005).
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32
corretas entre as macrodeterminaes socioeconmicas e [...] [o] espao
social, ou seja, as foras sociais que atuam nessas mediaes e suas
correspondentes formas de atuao (VILLAA, 2001, p. 44). Optamos,
todavia, por no separar essa reflexo em um captulo especfico, de maneira
que inteno do trabalho, em toda sua extenso, de construir as mediaes
entre os movimentos globais da sociedade, em seus mltiplos aspectos, e as
formas especficas que a valorizao do espao assume no contexto da
metrpole estudada.
Assistiu-se, nos ltimos anos, a uma disseminao sem precedentes do
discurso dominante (neoliberal) sobre todas as formas de manifestao do
pensamento na sociedade brasileira. Mas talvez o que h de mais
surpreendente nisso seja o cerco que a razo crtica vem sofrendo no interior
da academia e da produo cientfica nas cincias sociais e humanas, cada
vez mais inofensivas no sentido de perturbar a reproduo das relaes sociais
presentes (quando no h, de fato, uma harmonia plena da produo terica
com as relaes dominantes). Este trabalho pretende se inserir em uma
tradio terica (dialtica) segundo a qual o pensamento deve expressar
contradies existentes na sociedade que objeto de anlise. Nesse sentido, o
pensamento que apreende esta realidade contm e expressa uma negatividade
que existe, mesmo que potencialmente, na sociedade real. a presena dessa
negatividade que estabelece um divisor de guas entre o pensamento dialtico
e um pensamento que Herbert Marcuse (2002) denominou unidimensional,
preso aos limites estritos da sociedade existente e, por conseguinte, funcional
reproduo dessa sociedade. Os trechos abaixo, extrados de O homem
unidimensional, de Herbert Marcuse, expressam bem essa questo:
The therapeutic and operational concept becomes false to the extent to which it insulates and atomizes the facts, stabilizes them within the repressive whole, and accepts the terms of this whole as the terms of the analysis. The methodological translation of the universal into the operational concept then becomes repressive reduction of thought (MARCUSE, 2002, p. 110-1)
25.
E, ainda:
25
O conceito operacional e teraputico torna-se falso na medida em que ele isola e atomiza os fatos, estabiliza-os no interior do todo repressivo, e aceita os termos desse todo como termos da anlise. A traduo metodolgica do conceito universal em conceito operacional torna-se, ento, reduo repressiva do pensamento. Traduo nossa. Sobre os limites imediatistas das formas de pensamento dominante, cf. tambm Lukcs (2003).
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33
If dialectical logic understands contradiction as necessity belonging to the very nature of thought (...), it does so because contradiction belongs to the very nature of the object of thought, to reality (). Conversely, all estabilished reality militates against the logic of contradictions it favors modes of thought which sustain the established forms of life and the modes of behavior which reproduce and improve them. The given reality has its own logic and its own truth; the effort to comprehend them as such and to transcend them presupposes a different logic, a contradicting truth. They belong to modes of thought which are non-operational in their very structure; they are alien to scientific as well as common sense operationalism; their historical concreteness militates against quantification and mathematization, on the one hand, and against positivism and empiricism on the other (MARCUSE, 2002, p. 146)
26.
Por fim, uma advertncia de Lefebvre contribui para compreender o
papel da dialtica enquanto explicitao do movimento contraditrio da
realidade social, ao mesmo tempo revelando o contedo poltico oculto por
detrs de certas abordagens da sociedade:
Certains idologues se croient capables de sparer par triage la connaissance pure de lideologie; ils prtendent tablir le statut pistmologique du savoir en ngligeant le statut social et politique de ce savoir ainsi que celui de la logique. La mme dmarche evacue le mouvement dialectique et la dialectique comme mthode; on reduit des contrariets, voire de simples contrastes, les rapports dialectiques, ceux de lchange lusage, de la marchandise au travail productif, des rapports de production aux rapports de domination. Ces dmarches rductrices ont une porte politique. Bien plus: elles rduisent idologiquement la connaissance au savoir domin et dispens par ltat, par la technocratie et la bureaucratie tatiques. Avec la dialectique on evacue la connaissance critique (LEFEBVRE, 1978, vol. 4, p. 38-9)
27.
26
Se a lgica dialtica entende a contradio como uma necessidade pertencente prpria natureza do pensamento, ela o faz porque a contradio faz parte da natureza prpria do objeto do pensamento, da realidade (). Em oposio, toda realidade estabelecida se ope lgica das contradies essa realidade favorece os modos de pensar que do suporte s formas de vida estabelecidas e aos modos de comportamento que reproduzem e incrementam essas formas de vida. A realidade dada possui sua lgica e sua verdade prprias; o esforo para compreend-las como tais e para transcend-las pressupe uma lgica diferente, uma verdade que a contradiz. Elas pertencem a modos de pensar que so no-operacionais em sua estrutura; so modos de pensar estranhos ao operacionalismo cientfico e ao operacionalismo do senso comum; sua concretude histrica se choca, de um lado, com a quantificao e a matematizao e, de outro, com o positivismo e o empirismo. Traduo nossa. Negrito nosso. Cf. tambm Lukcs (2003).
27 Certos idelogos crem ser capazes de separar, por triagem, o conhecimento puro da
ideologia; eles pretendem estabelecer o estatuto epistemolgico do saber negligenciando o estatuto social e poltico desse saber, assim como o da lgica. A mesma abordagem esvazia o movimento dialtico e a dialtica como mtodo; as relaes dialticas, como da troca com o uso, da mercadoria com o trabalho produtivo, das relaes de produo com as relaes de dominao, so reduzidas a contrariedades, e mesmo a simples contrastes. Esses procedimentos redutores possuem uma fora poltica. Mais do que isso: eles reduzem ideologicamente o conhecimento ao saber dominado e utilizado pelo Estado, pela
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34
Trata-se aqui, ento, do esforo de produzir uma economia poltica do
espao, que tenha como central o propsito de colocar a nu a questo da
reproduo das relaes de produo e as contradies que da advm, como
modo operante de uma geografia urbana crtica28. Esse esforo de encontrar os
fundamentos subjacentes s manifestaes imediatas um processo coletivo
e, por natureza, lento, que avana aos poucos29. Ainda que modestamente,
este trabalho pretende oferecer uma pequena contribuio nessa direo.
tecnocracia e burocracia estatistas. Juntamente com a dialtica, esvaziado o conhecimento crtico. Traduo nossa.
28 La crise [de lconomie politique], sous cet angle, signifie que la reproduction des rapports
de production vient au jour, se dcouvre comme telle (LEFEBVRE, 2000b, p. 106). A crise [da economia poltica], sob esse ngulo, significa que a reproduo das relaes de produo vem luz, se descobre como tal. Traduo nossa.
29 Se a essncia fosse posta como um bloco diante de ns, como algo que tivesse de ser
conhecido em bloco, como um tudo ou nada, o conhecimento seria impossvel; ou ento seria uma revelao misteriosa (LEFEBVRE, 1975, p. 216).
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3. Das contradies no espao s contradies do espao: o lugar do
imobilirio na geografia econmica da cidade capitalista
Uma apreciao preliminar do significado do setor imobilirio na
constituio da metrpole contempornea requer algumas consideraes a
respeito da especificidade da mercadoria produzida pelo setor. Essas
consideraes so importantes, porquanto algumas das particularidades que
diferenciam o espao de outras mercadorias estabelecem condies bem
diferenciadas para a realizao do valor no setor estudado. No que se segue,
derivamos algumas conseqncias, para a atividade imobiliria, das
particularidades que possuem o solo e suas benfeitorias enquanto
mercadorias, conforme elencadas por Harvey (1980)30.
Um primeiro aspecto que diferencia o solo e seus melhoramentos de
outras mercadorias o fato de que essa mercadoria no se desloca no espao.
Isso confere ao proprietrio o monoplio relativo sobre uma parcela singular do
espao urbano, de modo que s um nmero reduzido de propriedades pode
estar localizado, por exemplo, nas proximidades de uma avenida importante31.
Esse primeiro aspecto coloca com muita fora a presena do Estado, como
provedor de infra-estrutura fsica e social para a reproduo social como um
todo. Num contexto de impossibilidade de distribuio plena e equnime das
infra-estruturas por todo o tecido urbano, as decises de alocao de recursos
(fsicos e sociais) pelo Estado afetam diretamente a atividade imobiliria,
principalmente suscitando comportamentos especulativos por parte de
proprietrios fundirios e investidores32. Muitas vezes a especulao serve de
combustvel para perodos de intensificao dos investimentos em
determinados pontos do espao urbano, sem que isso reflita um crescimento
de renda da populao residente ou aumento do crdito. o que acontece, por
30
A discusso de algumas dessas questes relativas especificidade do setor imobilirio podem ser encontradas, tambm, em Lojkine (1997), Abramo (2007) e Botelho (2007), entre outros.
31 Se, por um lado, Villaa tem razo em afirmar que na prtica, h muitas localizaes to parecidas que, para fins prticos, podem ser consideradas iguais (2001, p. 75), acreditamos que ainda seja possvel de falar do solo urbano como uma forma de monoplio, visto que, por exemplo, somente um nmero reduzido de propriedades pode estar prximo de determinada centralidade (um shopping center, uma avenida de grande movimento, etc).
32 Como bem lembrou Villaa (2001), isso no significa dizer que em um contexto de distribuio plena de infra-estrutura fsica e social, no se formariam centralidades e, portanto, uma superfcie desigual de valores do solo.
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exemplo, quando uma obra importante (uma avenida ou uma linha de metr)
altera a posio relativa (situao) de determinada rea em relao ao conjunto
da metrpole, potencializando a renda da terra passvel de ser extrada o
tratamento que Harvey (1980, cap. 5) concede renda da terra como
mecanismo de alocao do uso do solo urbano elucidativo a este respeito33.
Obviamente, o uso de campanhas publicitrias que enalteam os supostos
benefcios de se habitar determinada regio da cidade contribui para um
crescimento do investimento em pontos especficos do tecido urbano, o que
torna muito mais complexa a questo da determinao dos nveis de renda da
terra quando se trata de uso residencial34. Nesse sentido, o tratamento
oferecido por Harvey (1999, p. 340) ao problema, em The limits to capital, que
explica os diferenciais de renda fundiria urbana para uso residencial em razo
de variaes em termos de custo de transporte (o trabalhador que vive onde os
custos de transportes so menores paga, na forma de renda da terra, esse
ganho excedente no deslocamento para o trabalho), parece bastante
insatisfatrio. O que deve ser retido, contudo, que esse aspecto ressaltado
a condio fixa da propriedade do solo torna mais complexas as relaes
entre o Estado e os negcios na cidade, problema que dever ser abordado
com maior profundidade aqui no caso especfico de Porto Alegre.
Mas alm dos investimentos propriamente ditos, o Estado interfere no
mercado de moradias atravs de leis de zoneamento e uso do solo, de modo
que a formao de poderosos lobbies, encabeados geralmente pela indstria
imobiliria num sentido mais amplo, e com o objetivo de influenciar na
elaborao e alterao dessas leis, um aspecto comum na cidade
capitalista35. A diferenciao do zoneamento e dos ndices de aproveitamento
33
Ainda no mbito dessa discusso, as consideraes de Harvey (1999, p. 388-9) sobre espao absoluto e espao relativo no que diz respeito ao mercado de terras so bastante importantes. No que diz respeito especulao no mercado imobilirio, interessante observar como certas reas da cidade parecem entrar em ciclos espaciais de investimento imobilirio, assunto que dever ser observado com maior rigor quando expusermos algumas transformaes a que esteve sujeita a cidade de Porto Alegre em anos recentes.
34Essa questo remeteria aos signos que as formas urbanas carregam e que se tornam alvo de comercializao, como os signos da natureza apontados por Lefebvre (2003, p. 27), hoje to presentes em publicidades de imveis que supostamente aproximariam o comprador da natureza. Esse assunto ser tratado de forma mais completa no captulo 4.
35 O trabalho antes citado de Joo Rovatti (1990) explicita bem as disputas em torno da modificao dos ndices de aproveitamento do solo em Porto Alegre na dcada de 1980 e os grupos que se formaram no sentido de influenciar as decises. Cf. tambm Harvey (1980, p. 159).
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entre os bairros pode acarretar uma valorizao em determinadas reas da
cidade em detrimento de outras. importante assinalar, portanto, que a fixidez
da propriedade do solo no contexto do espao urbano coloca cada propriedade
em uma relao complexa com o conjunto da cidade, de forma que, mesmo
que a posio absoluta de determinada parcela do espao nunca se modifique,
sua posio relativa (sua situao) est sempre sujeita a profundas alteraes
que resultam em valorizaes e desvalorizaes ao longo dos tempos. isso
que ressalta Rachel Weber, para quem spatialized capital, unlike derivatives or
corporate equities, has the unique (dis)advantage of having its value held
hostage by the vagaries of proximity and its relationship to other proprieties
(WEBER, 2002, p. 521)36. Essas incertezas, somada baixa liquidez do imvel,
so obstculos que colocam riscos ao investimento imobilirio, mas que so
parcialmente superados atravs de mecanismos diversos os fundos de
investimento imobilirio, por exemplo, do maior liquidez ao investidor que
deseja investir no ambiente construdo37.
Um segundo aspecto que distingue o espao (o ambiente construdo) de
outras mercadorias, por sua prpria natureza enquanto valor de uso, o fato
de que sua aquisio requer um dispndio elevado de dinheiro em um
momento, ao passo que seu uso se estende por muitos anos. Tambm sua
produo exige um tempo prolongado, durante o qual so necessrios, ao
investidor no setor da construo, numerosos adiantamentos em capital
circulante (matria-prima e fora de trabalho). Isso confere ao crdito tanto
aquele destinado ao investidor quanto ao consumidor final um papel de
36
() [o] capital espacializado, diferentemente de derivativos ou aes corporativas, tem a particular (des)vantagem de ter seu valor refm das vicissitudes da proximidade e de sua relao com outras propriedades. Traduo nossa. Este trecho, presente em Fainstein (1994, p. 221), evidencia tambm esse aspecto incerto do preo das propriedades: O preo de uma propriedade comercial em dez anos depende da quantidade de espao que outros constrem, da atratividade da rea na qual se localiza (o que, em si, algo bastante subjetivo e pode ser perturbado por eventos inesperados), das necessidades tcnicas cambiantes dos ocupantes (ex: demanda por edifcios inteligentes, espaos amplos de negociao ou escritrios privados com janelas), das decises governamentais quanto a infra-estrutura, tributao, taxa de juros e da regulao, expanso ou contrao da indstria para a qual o edifcio foi projetado. Original: The price of a commercial property in ten years depends on the amount of space that other build, the desirability of the area in which it is located (which is itself very subjective and can be perturbed by unanticipated events), the changeable technical needs of the occupant (e.g. for smart buildings, large trading floors, or private offices with windows), governmental decisions concerning infrastructure, taxation, interest rates, and regulation, and expansion and contraction of the industry for which the building is designed. Traduo nossa. Cf. tambm Seabra (1988).
37 Cf. Weber (2002).
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extrema importncia na realizao do valor produzido pelo setor imobilirio, de
modo que parece inimaginvel a possibilidade de acumulao de capital no
setor sem o desenvolvimento de um sistema financeiro aperfeioado, capaz de
compatibilizar temporalidades dissonantes e fomentar o desenvolvimento
desse mercado especfico. necessrio aprofundar um pouco a discusso a
esse respeito.
Iniciemos com o momento da produo. Mesmo que os anos recentes
tenham testemunhado uma acelerao no tempo de produo dos imveis,
ainda persiste o fato de que seu tempo de produo elevado e o processo
produtivo (ainda) intensivo em mo-de-obra, alm de exigir investimentos
iniciais de capital elevados, se comparado com outros setores. Durante esse
tempo de produo e, portanto, antes que retorne qualquer valor adiantado,
so necessrios adiantamentos para compra do terreno a incorporar, de
material para construo e para o pagamento da fora de trabalho (supondo,
aqui, uma empresa que seja simultaneamente incorporadora e construtora).
Sem um sistema de crdito desenvolvido, que permita que o investidor obtenha
sob a forma de emprstimo o capital necessrio para dar continuidade
produo, seria necessrio uma quantia elevada, em mos do produtor, na
forma de capital de giro. Essas circunstncias colocam em relao estreita o
setor da construo e o setor financeiro, de maneira que alteraes, por
exemplo, na taxa de juros impem condies diferenciadas para o setor que
podem acelerar ou frear a acumulao. Aqui emerge a condio que Marx
(1980, v. 3, cap. 21) identifica em que a taxa de juros, o preo do capital,
aparece como determinante da produo, mesmo que no limite os juros sejam
apenas uma parcela da mais-valia produzida pelo setor industrial. Conforme
Harvey (1999, p. 187) exps, a taxa de juros acaba sendo um elemento
fundamental no estabelecimento do que o autor denominou tempo de rotao
socialmente necessrio do capital. O que ocorre que capitais que requerem
um tempo de rotao mais elevado so penalizados com uma taxa de juros
mais elevada para a obteno de crdito e, por conseguinte, ficam em
desvantagem competitiva em relao a outros. No setor da construo
imobiliria, o tempo de rotao essencial, o que explica uma presso
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39
crescente por processos produtivos que diminuam o tempo de construo dos
prdios38.
Mas as formas de financiamento para a produo se multiplicaram em
quantidade e qualidade, colocando novas possibilidades para as empresas
(principalmente as de maior capital). O exemplo dos Fundos de Investimento
Imobilirio (FIIs), dos Certificados de Recebveis Imobilirios (CRIs) e,
sobretudo, das IPOs (Initial Public Offerings, ou Ofertas Pblicas Iniciais),
lanamento de aes das empresas imobilirias, apontam para um momento
em que surgem novos mecanismos de capitalizao por parte das grandes
corporaes, alterando as relaes entre o mercado de terras e o mercado
financeiro. Voltaremos a esse ponto.
A realizao do valor incorporado ao ambiente construdo depende,
tambm, de uma demanda solvvel que, sem o auxlio de um sistema
financeiro, seria reduzida. O crdito imobilirio , portanto, fundamental para
criar essa demanda e comum o Estado intervir, criando linhas de crdito
especficas para a aquisio de imveis. No Brasil, foi fundamental, nessa
direo, o surgimento do Sistema Financeiro da Habitao (SFH), na esteira da
criao do Banco Nacional da Habitao (BNH), a partir da instituio do
regime ditatorial militar em 1964. Essa poltica de financiamento habitacional
permitiu, por um certo perodo, criar uma demanda solvvel nos estratos de
renda mais baixos que, caso contrrio, no teriam acesso ao mercado
imobilirio. Todavia, a necessidade de compatibilizar o fornecimento de crdito
habitacional a setores populares com um oramento equilibrado (ou seja, com
a circulao rentvel do capital a juros), como era o objetivo do governo, foi se
tornando difcil medida que crescia a inadimplncia de boa parte dos
muturios. Visto que a inadimplncia tendia a se concentrar nos setores mais
desfavorecidos economicamente, os financiamentos foram sendo direcionados
para as classes mdia e alta, reduzindo as possibilidades de aquisio de um
imvel por parte da populao de renda mais baixa39.
A evoluo conjunta, portanto, das taxas de juros, para cujo
estabelecimento concorre a poltica monetria do Estado, e das polticas
38
Sobre os efeitos da rotao do capital sobre a taxa de lucro, cf. o captulo 4 escrito por Engels em Marx (1981), vol. 3.
39 Cf. Azevedo (1996) e Botelho (2007).
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especficas de crdito produo e ao consumo do ambiente construdo
influem significativamente nos rumos tomados pela acumulao no setor.
Existem claras evidncias de que nos anos recentes, marcados por polticas
monetrias restritivas caractersticas do neoliberalismo, o setor da construo
de imveis foi severamente afetado, assim como o conjunto da produo
industrial. Soma-se a isso a extino, nos anos 1980, do BNH e o encolhimento
dos financiamentos imobilirios atravs do Sistema Financeiro da Habitao,
profundamente deficitrio. Uma das conseqncias parece ter sido um
redirecionamento dos investimentos para atender a classe dominante, por sua
capacidade de pagamento elevada, sobretudo num pas com elevada
concentrao de renda, como o caso do Brasil. Esse redirecionamento teve
como resultado uma concentrao dos investimentos em certas reas das
metrpoles sobretudo os bairros mais tradicionais em detrimento de outras.
Retornaremos a esse assunto mais detalhadamente no prximo captulo.
Mas ainda resta determinar a importncia do investimento imobilirio
para a reproduo da sociedade capitalista. conhecida a tese de David
Harvey (1999), j mencionada acima e que deve tributo a Henri Lefebvre
(2000a; 2000b; 2003), de que ciclos de investimento em capital fixo, do qual faz
parte o ambiente construdo, derivariam de uma tendncia sobreacumulao
no circuito primrio (produo de bens de consumo). O circuito secundrio
(capital fixo) seria responsvel por mitigar essa tendncia sobreacumulao
inerente reproduo capitalista, funcionando como uma vlvula de escape
que permitiria uma recuperao da lucratividade (ou, ao menos, uma barreira a
uma queda mais acentuada da lucratividade), idia evidenciada no trecho
abaixo de Lefebvre:
[...] I would like to highlight the role played by urbanism and more generally real estate (speculation, construction) in neocapitalist society. Real estate functions as a second sector, a circuit that runs parallel to that of industrial production, which serves the nondurable assets market, or at least those that are less durable than buildings. This second sector serves as a buffer. It is where capital flows in the event of a depres