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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PSICOLOGIA
Daniela Gercina Pedrosa
ATENÇÃO EM SAUDE MENTAL:
Relato de experiência
Governador Valadares
Novembro de 2008
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DANIELA GERCINA PEDROSA
ATENÇÃO EM SAUDE MENTAL:
Relato de experiência
Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção
do grau de bacharel em Psicologia, apresentado à
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Vale do Rio Doce.
Orientadora: Profª Solange Coelho
Governador Valadares
Novembro de 2008
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DANIELA GERCINA PEDROSA
ATENÇÃO EM SAUDE MENTAL:
Relato de experiência
Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção
do grau de bacharel em Psicologia, apresentado à
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, 17 de novembro de 2008.
Banca Examinadora:
________________________________________
Profª Solange Nunes Leite B. Coelho - Orientadora
Universidade Vale do Rio Doce
_________________________________________
Prof. Ms..Mário Gomes de Figueiredo
Universidade Vale do Rio Doce
__________________________________________
Profª Patrícia Malta Pinto
Universidade Vale do Rio Doce
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora Profª Solange Coelho que compartilhou minhas dúvidas e me
indicou caminhos para transpô-las
Aos meus familiares, pelo apoio e incentivo.
A cada pessoa que de alguma forma contribuiu para que este trabalho fosse possível.
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Resumo:
Este artigo descreve a experiência das oficinas em dinâmicas de grupo desenvolvidas no estágio em
saúde mental, realizado de forma interdisciplinar com a equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS)
onde se aplica a Estratégia de Saúde da Família (ESF), do bairro de Santa Rita em Governador
Valadares - MG. Coloca em questão a mudança do modelo de Atenção à Saúde Mental, seus
conceitos, dificuldades, avanços e desafios e propõe o questionamento sobre fenômenos
naturalizados, como as formas de opressão presentes nas relações de poder. Trata-se de uma
narrativa sobre um percurso trilhado de onde emergiram nossas indagações. Esse artigo objetiva,
sobretudo a produção de reflexões, e do debate sobre questões relativas à prática da assistência em
saúde mental.
Palavras Chave: Saúde mental; Reabilitação Psicossocial; Oficinas.
Abstract:
This article describes the experience of the workshops in dynamic of group when they were
developed in the traineeship in mental health, was carried out in the interdisciplinary form with the
team of the Basic Unity of Health (UBS) where there is applied the Strategy of Health of the Family
(ESF), of the Saint's Rita district in Governor Valadares - MG. Put open to question the change of
the model of Attention to the Mental Health, his concepts, difficulties, advancements and challenges
and it proposes the questionamento on naturalized phenomena, like the present forms of oppression
in the relations of power. It the question is a narrative on a well-trodden distance where our
investigations surfaced. This article aims, especially the production of reflections, and of the
discussion on relative questions to the practice of the assistance in mental health.
Key Words: Mental health; Rehabilitation Psicossocial; Workshops.
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Proposta do Estágio Supervisionado:
Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS), a necessidade de
inverter o modelo de assistência em saúde mental do hospitalocêntrico para o psicossocial, de tornar
a assistência em saúde mental acessível ao usuário do SUS e de favorecer a inclusão social, foi
proposto o estágio em saúde mental para os alunos do curso de psicologia da Universidade Vale do
Rio Doce (UNIVALE) em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Governador
Valadares – MG.
A Psicóloga Solange Coelho e o Psicólogo Mário Figueiredo funcionários da Secretaria
Municipal de Saúde, lotados no Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) e no
Ambulatório de saúde mental, são professores/supervisores do curso de Psicologia da UNIVALE e
responsáveis pelo Projeto de Estágio em Saúde Mental aqui apresentado, o qual, foi realizado no 2º
semestre de 2007 e 1° semestre de 2008.
O objetivo desse estágio foi, o de viabilizar acesso a acompanhamento psicológico regular,
de forma interdisciplinar com a equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS) onde se aplica a
Estratégia de Saúde da Família (ESF) aos usuários com transtorno mental residentes na área de
abrangência do Bairro de Santa Rita 1, em sua própria comunidade, favorecendo a acessibilidade na
execução de atividades que estimulem a adesão ao tratamento e incentivem a qualidade de vida
favorecendo a estabilização do quadro clínico.
A mudança do modelo psiquiátrico dominante até a década de 90 impôs uma nova
concepção de cuidado em saúde mental e as críticas feitas às práticas tradicionais produziram a
necessidade de criar novas estratégias de intervenção, inventar e construir novas formas de cuidar e
lidar com a loucura, buscando abrir espaço e lugar para a diferença e para a singularidade.
Uma das estratégias que tem sido utilizada são as oficinas, as quais se constituem num
espaço de criação e convivência que estimula o desenvolvimento de habilidades sociais e possibilita
ao sujeito recuperar a capacidade de se posicionar ativamente nas relações sociais retomando seus
direitos de cidadão, por isso no estágio buscamos estimular o usuário com transtorno mental para o
convívio social satisfatório e adequado, promovendo oficinas.
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Como modelo de planejamento foi adotada a metodologia das oficinas de dinâmica de grupo
proposta por Maria Lúcia Afonso1, que se caracteriza pela intervenção psicossocial e se propõe a
intervir em pequenos grupos sociais como escola, empresa, e área da saúde na perspectiva da
socialização e expansão do conhecimento através da reflexão e discussão de diversos temas o que
possibilita ao grupo rever papeis, padrões e encontrar novos caminhos e alternativas para suas
questões, abordando de forma coletiva os temas emergentes do grupo em uma dimensão terapêutica
e educativa.
Porque inverter o modelo de atenção à Saúde Mental?
As ciências humanas nascem da necessidade de adestrar o corpo tornando-o politicamente
dócil. Para isso há todo um esforço para o controle do ser humano através da regulação do
comportamento, a normalização do prazer, a interpretação do discurso, tudo isso faz com que
apareça o homem como produção do poder e ao mesmo tempo objeto de saber (Foucault, 1979).
Segundo Lobosque (1997), as ciências humanas tem seus fundamentos bem ali onde o
homem se encontra isolado, vigiado, tolhido em seus movimentos, despojado de todo poder e
exposto a uma observação que será a base de um saber que nasce como poder.
O movimento de fixar, repartir, registrar os indivíduos para observá-los melhor, os boletins individuais dos decretos, como a crônica diária dos asilos; todo esse acúmulo de conclusões e notas, todo esse exame da personalidade e do comportamento, logo a seguir estendido a sociedade como um todo, origina as chamadas ciências do homem, tendo a psicologia como carro-chefe (Lobosque 1997, p.89).
Daí provém a importância de se interrogar o conceito de doença mental a fim de ultrapassar
a lógica manicomial, que não passa de uma estratégia de poder.
Foucault (1979) explicita o jogo de relação de poder, que dá origem a um conhecimento que
funda a psiquiatria clássica.
Sua Loucura, nossa ciência permite que a chamemos doença e daí em diante, nós médicos estamos qualificados para intervir e diagnosticar uma loucura que lhe
1 Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação. Pesquisadora Visitante do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (LAPIP) da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Professora aposentada da UFMG. Presidente da RECIMAM (Rede de Cidadania Mateus Afonso Medeiros).
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impede de ser um doente como os outros: você será então um doente mental (Foucault, 1979, p. 127).
O importante a destacar é que saber e poder se implicam mutuamente, não há relação de
poder sem a constituição de um campo de saber, do mesmo modo como a escola está na origem da
pedagogia, a prisão da criminologia, o hospício da psiquiatria.
De modo que a constituição da psiquiatria ocorre à partir do momento em que a loucura se
torna objeto de conhecimento, adquire estatuto de doença mental, e requer um saber, uma técnica e
um método próprio para o seu tratamento, o que resulta disso é uma prática social sistematizada de
reclusão dos loucos e uma prática médica criada para responder a uma demanda social e política de
controle social (Filho apud Tundis 2001).
A partir daí, a lógica que se instaura é a da exclusão, onde é preciso isolamento para
produzir saber e discurso, e separação da sociedade a fim de protegê-la de uma periculosidade que
passa a ser atribuída ao louco.
Outro momento do pensamento psiquiátrico, que teve amplas conseqüências para a
sociedade, se caracteriza pela redução da doença ao conhecimento do diagnóstico e a medicalização
para a supressão dos seus sintomas.
A psiquiatria oficial organicista tentou, reduzir os fenômenos psicóticos a sintomas de
origem orgânica argumentando que, se o problema melhora com medicamentos, sua causa é
orgânica, nasce daí um ideal, para cada sofrimento um diagnóstico, e para cada diagnóstico um
remédio. (Pinto & Peixoto, s.d.)
Foi nos anos 60 que a lógica em que se enquadra a psiquiatria sofreu um abalo grande e
surgiram rupturas de diversos lugares. Abalou-se o pressuposto de que a loucura teria como forma
privilegiada de abordagem o saber teórico-técnico, seja ele médico ou psicológico e a questão da
loucura tornou-se objeto de interesses e reflexão de um público inteiramente diferente, introduzem-
se novos atores sociais. Veio à tona o questionamento de Foucault, a leitura lacaniana de Freud, a
antipsiquiatria, as quais suscitaram novas questões (Lobosque,1997).
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O que a antipsiquiatria questiona é a maneira pela qual o poder médico estava implicado na
verdade daquilo que ele dizia e produzia com seu discurso (Foucault, 1979, p. 124)
Já Lacan (1998), afirma sobre a loucura:
[...) longe de a loucura ser um fato contingente das fragilidades de seu organismo, ela é virtualmente permanente de uma falha aberta em sua essência. Longe de ser para a liberdade “um insulto”, ela é sua mais fiel companheira, e acompanha seu movimento como uma sombra. E o ser do homem não apenas não pode ser compreendido sem a loucura, como não seria o ser do homem se não trouxesse em si a loucura como limite da liberdade (Lacan, 1998, p. 177)
A obra de Foucault opera uma mudança radical na forma de ver a história, pois questiona a
lógica onde os objetos parecem determinar nossa conduta, afirmando que, primeiramente nossa
prática determina esses objetos (Veyne apud Pinto, 2007).
Para Foucault o homem é apenas uma figura do saber que emerge na Modernidade no vão
constituído entre os domínios da vida, do trabalho e da linguagem, e que em determinado momento
histórico ele pode ser objetivado e uma verdade ser posta sobre ele.
É no domínio plural do asilo e da clínica psicológica e do confessionário cristão, que vai
ocorrer a proliferação da produção da verdade nas sociedades ocidentais. Trata-se de lugares de
auto-enunciação, ou seja, lugares onde a verdade é produzida num jogo pelo qual os sujeitos falam
de si próprios, num tipo de relação onde exige-se daquele que fala a dependência a um outro que
escuta e encarrega-se de interpretar o que é enunciado, um tipo de prática confessional que procede
de antigas formas de exame de consciência praticados nos primórdios da vida monástica cristã
(Candiotto, 2006).
Foucault (1979) afirma que a passagem da verdade/prova à verdade/contestação é sem
dúvida um dos processos mais importantes na história da verdade e a seqüência
interrogatório/confissão que é tão importante na prática médico-judiciária moderna, advém
historicamente das práticas religiosas e depois judiciárias da idade média, onde a confissão era a
produção de uma verdade que se colocava no final de uma prova, onde se acreditava que não pode
haver melhor prova acerca do seu crime, ou erro, ou desejo louco, que a confissão do próprio
sujeito, e dessa maneira é que a verdade era produzida entre o que governa e o que é governado
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num jogo irredutível, em termos de articulação e de resistências pela determinação ritual do
vencedor.
Assim por exemplo entre o psiquiatra e o louco, a verdade seria produzia num jogo de
coerção e reconhecimento da loucura, pois o que se exigia tanto no domínio do asilo, como da
clínica ou do confessionário, é que aquele que verbaliza, trate de ser aquilo que o sujeito que possui
o suposto saber sobre ele, reconhece que ele seja, um louco, um desviado ou um pecador, de modo
que nesses casos a enunciação sobre si, por fim, advém da sujeição da subjetividade, em função da
exigência da produção de discursos racionais que conduzam a uma identidade verdadeira
(Candiotto, 2006).
Dentro dessa mesma perspectiva, a crença na verdade científica faz com que o médico
acredite que pode e deve invadir a autonomia do indivíduo, exercendo um poder que julga ser
inevitável, se tornando uma espécie de guardião da verdade que deve ser imposta ao paciente que
por ter pecado, perde todos os seus direitos, e que por isso deve ser corrigido por aquele que sabe a
verdade sobre o corpo do paciente (Martins, 2004).
Dessa maneira os “doentes” tendiam a perder o direito sobre o seu próprio corpo, o direito
de viver, de estar doente, de se curar e morrer como quiserem, e decorrente disso sua autonomia. O
poder médico e a medicalização da cultura com a emergência do ideal de saúde, se difundiram pela
mídia e com o aval da ciência passa a persuadir o público consumidor e à partir de então, qualquer
sinal de dor passou a ser como ultrajante por isso deve ser eliminado assim como qualquer diferença
em relação ao ideal é vista como um desvio intolerável da perfeição almejada, devendo ser corrigida
(Ibid, p.22,26).
Assim, o universo da loucura ficou por décadas, excluído e estigmatizado. O sofrimento
mental ocupou vários lugares na sociedade, mas a exclusão e a segregação do seu portador, sempre
estiveram presentes, histórica, política e socialmente o descaso com a saúde mental prevaleceu,
através da falta de investimento em políticas públicas, capacitações e manutenção dos serviços.
Contudo nesse percurso foram se formando campos conflituais que produziram uma luta
social que culminou com a proposta de uma ampla mudança no modelo de tratamento do louco.
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Surge daí a Reforma Psiquiátrica, aprovada pela lei 10.216/2001. “[...] um processo histórico
de formulação crítica e prática, que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração
de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria” (Amarante 1995,
p. 87). Conquista que levou décadas de contestação dos modelos clássicos de tratamento para
chegar a proposta de reabilitação psicossocial.
Trata-se de um movimento, cujo objetivo tem sido o de criar novos lugares para a loucura
nos espaços das cidades e no imaginário social. De acordo com a Política Nacional de Saúde
Mental a Reforma visa a garantia ao acesso da população aos serviços e ao respeito aos seus direitos
e liberdade.
Amarante apud Uliana (2007, p. 34-36) apresenta quatro dimensões por onde o processo de
mudança paradigmática atravessa frontalmente
A primeira é a dimensão teórico-conceitual, entendida como o conjunto de conceitos,
práticas e produção de conhecimento que fundamentam a relação psiquiátrica e psicológica com a
saúde mental.
A segunda dimensão é a técnico-assistencial, questiona o modelo assistencial embasado na
teoria que considera a loucura uma incapacidade ou desrazão e que tem o modelo de assistência
psiquiátrica calçado na custódia, tutela, vigilância e disciplina, e é gerador de isolamento, alienação
e exclusão. Em oposição se propõe uma rede de novos serviços, territorializados, em instituições
abertas, com participação e co-gestão de usuários e população, possibilitando espaços de trocas,
sociabilidade e produção de saúde e que permita enfocar o sujeito e não a doença.
A terceira dimensão é a jurídico-política, que visa desinstituir as noções político-ideológicas
que sempre relacionaram a loucura à irracionalidade, periculosidade, incapacidade e
irresponsabilidade. Essa dimensão propõe discutir e redefinir as relações.
A quarta dimensão é a sociocultural e propõe praticas sociais que possibilitem transformar o
imaginário social que relaciona a loucura à anormalidade e à incapacidade para trocas sociais e
simbólicas, sendo assim, essa dimensão, expressa o objetivo maior do processo da reforma
psiquiátrica, ou seja, a transformação do lugar social da loucura.
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Vemos que a inserção do louco na sociedade perspassa por vários níveis de discussão e se
direciona fundamentalmente para a questão da cidadania. Podemos perceber que a cidadania não é
uma doação, é uma conquista e uma construção histórica resultante das problematizações concretas
que cada sociedade produz. Nesse sentido a Reforma Psiquiátrica propõe a ruptura do modelo
psiquiátrico tradicional, constituído por práticas manicomiais, centralizada na doença, baseada na
racionalidade cientifica e no reducionismo do indivíduo, e propõe a ampliação da clínica,
resgatando e valorizando outras dimensões, que não somente a biológica e a dos sintomas, mas na
análise singular de cada caso, sempre na perspectiva da assegurar o acesso a rede de cuidados e a
construção de condições para que o usuário com transtorno mental possa ter uma vida participativa
no cenário da cidade.
O Centro de Referência em Saúde Mental (CAPS) ou Centro de Apoio Psicossocial
(CERSAM) tornou-se o núcleo dessa nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário a
responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento (Brasil, 2005).
No entanto para manutenção dessa clínica se faz necessário investimentos diversos e esforço
permanente para a desconstrução dos muros literais ou simbólicos de segregação da loucura e do
aniquilamento da subjetividade, pois como diz Amarante (1994)
O aparato manicomial, é preciso insistir, não é o hospital psiquiátrico embora seja a mais expressiva instituição na qual se exercita o isolamento: é o conjunto de gestos, olhares atitudes que fundam limites, intolerâncias e diferenças, em grande parte informada pelo saber psiquiátrico, existentes de forma radicalizada no hospício, mas presentes também em outras modalidades assistenciais e no cotidiano das relações sociais (Amarante, 1994, p. 141).
Enfim, a porta da reclusão foi aberta para a saída do aprisionamento das idéias e novas
propostas e discursos surgem daí, mas para que haja uma implementação efetiva da nova proposta é
preciso repensar a prática e revisar os conceitos, visando a criação de novas formas de atuação. O
entendimento desse processo histórico de luta e ruptura com o modelo asilar é o que possibilita ao
trabalhador em saúde mental um olhar e uma atitude diferenciada capaz de produzir experiências
inovadoras, pois na falta de visão e clareza sobre essa realidade a tendência é a repetição sem crítica
do que predomina nas relações de poder envolvidas nesse contexto.
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A reabilitação psicossocial almejada
Com a finalidade de problematizar o conceito de reabilitação psicossocial, diferentes
considerações são expostas.
A expressão Reabilitação Psicossocial está muitas vezes impregnado pelo ideal de uma
integralidade a restituir ou de uma adaptação a promover, partindo assim de uma concepção
equivocada e preconceituosa na qual “reabilitar” significa passar de um estado de incapacidade a
um estado de capacidade como se o usuário fosse portador de um déficit, de uma falha, assim ele é
enfraquecido ainda mais ao apontar-lhe o ideal impossível de igualar-se aos mais “aptos” (Minas
Gerais, 2006).
A reabilitação psicossocial que tem em Benedito Saraceno um dos seus principais
representantes, propõe chamar de reabilitação um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as
oportunidades de troca de recursos e de afetos, onde a perspectiva da negociação se torna decisiva.
(ibid, p. 71)
É necessário esclarecer que a reabilitação não é a passagem de um estado de desabilidade
para um estado de habilidade, na realidade não existem as desabilidades ou habilidades “em si
mesma”: elas se definem no âmbito das redes sociais e das trocas que essas redes impedem ou
possibilitam, permitem ou proíbem, incentivam ou esquecem. A idéia de reabilitação psicossocial é
uma necessidade e uma exigência ética, deve ser prioridade na abordagem profissional em saúde
mental e espera-se que todos os profissionais tenham o direito e o dever de estarem envolvidos na
discussão do que é e de como reabilitar, ele ressalta que não se trata de tecnologia, mas de uma
abordagem estratégica que possibilita aproximação para entender e lidar com a loucura (Saraceno,
2001).
No entanto, não há como ignorar a diferença dessas pessoas que ouvem vozes, tem visões e
deliram, o reconhecimento da condição enigmática e dura da loucura não pode ser banalizada em
função dos ideais de inclusão social, portanto é necessário cuidado para que ideais políticos e
sociais não se sobreponham a clínica.
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Por isso é importante considerar que a reabilitação não renuncie ao interesse pelos sintomas,
pois eles são formas do sujeito se implicar e responder ao campo social ao qual está referido, no
entanto requerem uma nova consideração. Em conformidade com Freud e Lacan, os sintomas são
estratégias de cura empreendidas pelos sujeitos psicóticos para se libertarem da dependência ligada
à foraclusão. Daí ineficácia dos modelos de reabilitação que tentem tamponar o sintoma negativo,
ao invés de se interessarem pelo positivo, e pelo estilo das estratégias adotadas pelo próprio sujeito,
como política para sua reabilitação. Por isso o que se deve buscar não é o mero aprendizado de uma
habilidade, mas dentro do registro da linguagem, respeitando a estrutura subjetiva do psicótico,
favorecer as estratégias particulares que o psicótico pode construir para o laço social (Guerra,
2006).
Nota-se que a proposta de reabilitação psicossocial considera a complexidade do indivíduo e
não destina a uma reposição de perdas, mas, sobretudo a reconstrução das possibilidades de trocas.
Podemos observar que no seio do processo de reabilitação aparece outro conceito
importante, a contratualidade, pois dentre os diversos âmbitos da vida do usuário, a sua
emancipação se fará através de um investimento direto sobre o aumento do seu poder contratual, e
nesse sentido é a desinstitualização que merece destaque, pois é a condição que possibilita a
recuperação desse poder de troca, indispensável para a obtenção da cidadania, a qual deve se
traduzir em ações concretas que surtam efeitos palpáveis a vida da pessoas, em termos de acesso ao
trabalho, lazer e a espaços sociais.
A desinstitucionalizaçao conforme Amarante (1994;1995) concretiza-se na desconstrução do
manicômio, mas não somente isso, pois diz respeito também a um projeto de desmontagem e
desconstrução de saberes/práticas/discursos comprometidos com a objetivação da loucura e sua
redução a doença.
O que pressupõe a conquista de novos espaços de reabilitação psicossocial, antes centrados
nos sinais e sintomas, na classificação de quadros nosográficos e na medicalização da loucura, que
agora passem a funcionar no sentido da construção de projetos de vida e da conquista da cidadania.
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Podemos ver que o aumento do poder contratual por sua, vez reside na rede social, onde de
fato ocorrem as trocas sociais e afetivas vividas produzindo a construção de novas redes de cuidado
e novas relações entre os sujeitos. De modo que as ações de saúde mental na atenção básica devem
obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial e atuação transversal com outras
políticas específicas e que busquem o estabelecimento de vínculos e acolhimento. Essas ações
devem estar fundamentadas nos princípios do SUS e nos princípios da Reforma Psiquiátrica.
A construção de uma rede de cuidados de atenção psicossocial na comunidade é
fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica, assim como é condição inalienável a
presença de um movimento permanente, direcionado para outros espaços da cidade, em busca da
emancipação dos portadores de sofrimento mental.
Podemos perceber que a reabilitação psicossocial enquanto conceito vai se estruturando
através de várias questionamentos e transformações no que se refere as ações políticas, ideológicas
e teórico-técnicas, e a Reforma Psiquiátrica vai se constituindo como processo de reflexões sobre as
práticas em saúde mental.
Nesse contexto as oficinas terapêuticas surgem como modalidade de intervenção inserida em
políticas locais de Saúde Mental.
Trata-se do desafio de criação de redes de negociação e de oportunidades de novas formas
de sociabilidade, de acesso e exercício de direitos, lugares de diálogos, e de produção de valores, e
conceitos que confrontem pré-conceitos de incapacidade de invalidação e de anulação da
experiência da Loucura. Nesse sentido as oficinas se constituem como motor de produção de
sentido e de vida proporciona o desenvolvimento de novas linguagens e o compartilhar de
experiências, um recurso nos processos de singularização de produção, de emancipação e de
construção de cidadania para os portadores de sofrimento mental (Minas Gerais, 2006).
Descrição das atividades:
A formação do grupo se deu a partir das visitas domiciliares e do acolhimento. No segundo
semestre de 2007 realizamos 16 acolhimentos, 29 visitas domiciliares e 7 encontros, ocorridos
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quinzenalmente com duração de 1hora e com freqüência em média de 7 participantes. No primeiro
semestre de 2008 realizamos 14 acolhimentos, 16 visitas domiciliares e um total de 13 encontros
com duração de 1hora e freqüência em média de 8 participantes. Ambos contou com a população de
nível sócio econômico baixo.
Trabalhamos em dupla e formamos um grupo de apoio aos pacientes cadastrados no
CERSAM, o qual se firmou como espaço de apoio, de trocas, de compartilhamento de vivências,
onde diversas linguagens puderam circular, por meio das técnicas, das palestras interativas, do jogo
lúdico e das encenações, fazendo articular experiência e reflexão. Trabalhamos com a noção de
rede, dispondo de outros serviços existentes na rede de assistência local, como a Clinica de
Fisioterapia, o Pólo de Promoção da Cidadania e Psicólogas das Obras Sociais.
Buscamos a responsabilização compartilhada dos casos mais críticos que envolviam
situações de risco e vulnerabilidade de crianças, caso de delírio persistente, caso de violência
doméstica, desenvolvendo ações conjuntas, visando o aumento da capacidade resolutiva de
problemas de saúde mental pela equipe local ao invés de apenas seguir a lógica dos
encaminhamentos. Orientamos os familiares de doentes mentais a fim de favorecerem a qualidade
de vida dos pacientes e funcionarem como agentes de cuidados, acompanhando e facilitando a
adesão ao tratamento.
Trabalhamos com a perspectiva de um grupo heterogêneo, que acolhesse pacientes
psicóticos, ou não psicóticos, mas cujo sofrimento mental estivesse repercutindo na sua vida social,
uma vez que nos propomos a trabalhar a questão da inclusão da diferença no convívio em sociedade
não faria sentido repetir o modelo já tão repetido na nossa sociedade de trabalhar com iguais.
Os diagnósticos que tiveram maior incidência foram: (esquizofrenia e transtornos delirantes:
CID F20, F29); Transtornos severos de humor (episódio depressivo grave: F 32.2 e F 32.3;
Episódios depressivos em neuróticos (episódios depressivos leves e moderados: F 32.0 e F 32.1);
Neuroses de ansiedade (transtornos fóbico-ansiosos e outros transtornos ansiosos: F 40 e F 41);
Neurose histérica (transtornos somatomorfos – F 45).
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A Metodologia:
Seguimos a estrutura proposta em Afonso (2006), que prevê a preparação das Oficinas em
quatro momentos que devem ser trabalhados. O primeiro momento presume a análise da demanda
do grupo, que nem sempre vai aparecer de uma forma clara no inicio do trabalho, de maneira que é
preciso que o coordenador possibilite que as necessidades e interesses do grupo tenha algum tipo de
expressão e possam ser traduzida de forma próxima à realidade do grupo, por meio de diálogo, a
partir do qual define-se um contrato inicial, que servirá de fio condutor para o processo, mas com
abertura para sofrer reformulações caso seja necessário.
A Pré-análise inclui um levantamento de dados e aspectos importantes da questão a ser
trabalhada, a partir de um diálogo ou utilização de técnicas grupais, de onde surge o tema gerador.
O tema gerador deve estar com consonância com a experiência cotidiana dos participantes
do grupo, o que irá possibilitar maior motivação e participação no processo, dada a identificação e
emergência de aspectos de nível subjetivo e simbólico que diz respeito a relação do sujeito com a
cultura, nessa etapa é fundamental uma escuta que possa colocar o coordenador em sintonia com as
reais necessidades e interesses do grupo.
Já o terceiro momento se incumbe da definição do foco central , ou seja, o tema geral da
oficina em torno do qual o trabalho será desenvolvido, sempre com o cuidado para não estimular
condutas meramente adaptativas ou de gerar em torno do foco de reflexão uma produção
intelectualizada, mas privilegiar o processo de elaboração. O enquadre também é desenvolvido
nesse momento, ele deve ser pensado em termos de facilitar expressão livre dos participantes, a
troca de experiências, a privacidade dos encontros, o espaço, o tempo para levar a reflexão sobre o
tema, bem como os limites institucionais para a proposta do trabalho.
O quarto momento por sua vez, trata do Planejamento. As opções para se planejar as
oficinas são duas: o planejamento global onde se planeja a oficina como um todo, detalhando cada
encontro previamente ou o planejamento flexível que e feito passo-a-passo, à medida que os
encontros forem acontecendo.
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Optamos pelo planejamento flexível, onde a seqüência e as técnicas pudessem ser mudadas,
pois levamos em conta os imprevistos que poderiam surgir bem como a emergência de novas
necessidades, visando construir uma estrutura onde cada um pudesse se envolver e se comprometer
com o processo de elaboração das questões do grupo, de maneira que a condução do grupo seguiu o
modelo participativo, no sentido de mobilizar e incentivar a expressão dos modos de sentir, pensar e
agir de cada um.
Nossa estratégia para as reuniões foi levar algum tema ou dinâmica apenas como estímulo
para que as pessoas expressassem sua vivência no momento, de modo que cada encontro foi
organizado sobre uma “palavra-geradora” que na maioria das vezes surgia na própria conversa
informal, pois o espaço da Oficina esteve destinado primordialmente à comunicação, a escuta, a
circulação de informações sobre interesses, desejos, proporcionando a reflexão sobre aspectos da
realidade vivenciada e a análise das informações e vivências, possibilitando a elaboração e
culminando na tomada de decisões, ou seja, no estabelecimento de prioridades, projetos e contratos.
Trabalhamos na perspectiva das dimensões terapêutica, pedagógica e ética.
A dimensão pedagógica se refere ao processo de aprendizagem a partir da reflexão sobre a
experiência. A dimensão terapêutica diz respeito a elaboração dos sentimentos, pensamentos e
forma de agir. Já a dimensão ética se constitui o maior desafio para o desenvolvimento das Oficinas,
pois requer do coordenador capacidade para acompanhar o processo do grupo sem tomar a seu
cargo a direção do grupo e ter a flexibilidade para acompanhar a demanda do grupo sem perder de
vista a tarefa proposta.
Nossas intervenções foram no intuito de relembrar os combinados, destacando a questão do
sigilo, da confiança e do bom senso de cada um em decidir o que pode ser partilhado no grupo, que
se deve evitar conversas paralelas, respeitando aquele que estiver falando.
Dessa forma buscamos assegurar a circulação da palavra, procurando evitar o monopólio de
alguns participantes que tentavam impor seu ponto de vista, deixamos que falassem livremente sem
interpretar suas falas, possibilitando as articulações entre reflexão e experiência, trabalhamos com o
reconhecimento e negociação de conflitos, a dinamização da rede de comunicação e dos processos
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de cooperação e aprendizagem, ajudando o grupo a pensar suas regras e papéis, dividir tarefas,
trocar experiências e buscar resolução diante dos problemas surgidos no grupo, pois uma das
principais tarefas do grupo é a construção de um ECRO (Esquema conceitual, referencial e
operativo comum), trata-se de combinados que vão sendo feitos à medida que surgem situações
onde seja necessário estabelecer limites ou fazer algum tipo de negociação. O vínculo grupal
favoreceu a base afetiva para que as reflexões, as colocações e os posicionamentos dos participantes
pudesse ser expressas, com abertura para compartilhar aspectos geralmente excluídos pelo seu
potencial de gerar angústia.
O papel do coordenador nas oficinas depende em grande parte da sua sensibilidade em
relação ao processo do grupo, o qual envolve reflexões e sentimentos, e isso exige do coordenador
escuta de entrelaçamento seus entraves e suas aberturas, para que possa caminhar com incentivos e
não manipulações, coordenar e não dirigir o grupo, buscando fortalecer a rede de relações no
próprio grupo, podendo fazer perguntas, trazer material informativo, mas sempre respeitando a
demanda do grupo e sempre devolvendo ao mesmo a responsabilidade pelo seu processo,
lembrando sempre que a produção do conhecimento resultante das Oficinas é uma construção do
grupo.
Nos pautamos por alguns princípios importantes, como buscar despertar no usuário o desejo
e o compromisso pelo seu tratamento, à partir do estabelecimento de uma relação de confiança que
pudesse auxiliar na retomada da sua capacidade de se pronunciar sobre a própria vida, trabalhando
na perspectiva de recuperação do seu poder de decisão e da responsabilização sobre as suas
questões. Coube-nos o desafio constante de ultrapassar limites impostos pela doença, pelo estigma,
para construir outros modos de intervenção diante das situações e desafios específicos que se
apresentaram no decorrer das Oficinas.
Promover a participação dos usuários exige a procura de novas linguagens que favoreçam ao
diálogo, e a abertura para a expressão criativa dos mesmos, pois a participação é um componente
fundamental nas oficinas, por isso planejamos conjuntamente com o grupo trabalhar os temas
propostos também por meio de encenações, utilizamos alguns roteiros que serviram de base para
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nos orientar. Os quais foram dados anteriormente para que pudessem escolher o personagem que
quisessem, tomando o texto como base, mas na liberdade de colocar a sua própria fala na
representação.
Através dessa linguagem oferecemos um novo meio de comunicação, que ampliou as
possibilidades para reflexão e para ação social, pois as encenações propiciam um espaço para ver,
para testar, experimentar uma experiência e depois pô-la em palavras. Através da encenação
pudemos evocar situações que expressam dificuldades comumente experimentas nas relações
familiares e sociais, através das quais os participantes puderam manifestar seu pensamento,
relatando suas impressões, com a memória de suas próprias percepções e experiências anteriores.
Cada participante pôde usar o tempo da reflexão para tentar por em ligação o que na encenação
entrou em ressonância com a sua própria experiência pessoal.
O nosso desafio foi o de trabalhar na dimensão da provocação permitindo que o cenário
conflitual fosse reproduzido e não modificar em nada o problema, para a partir daí interrogar o que
se passou naquela relação na avaliação cada indivíduo, que pode organizar e reorganizar questões
próprias das suas relações familiares e sociais. A encenação permite que o sujeito se veja, se
sensibilize e se abra para novos significados.
Entretanto o esperado não se resume na produção de um conteúdo, já que o mais importante
é o processo que é desencadeado.
O recurso lúdico favoreceu a sensibilização, a expressão, a comunicação e a reorganização
das narrativas no campo grupal, através da troca de experiências a comparação de pontos de vista e
o trabalho com os conflitos dentro do registro da palavra.
Segundo Afonso (2006) o grupo pode ser avaliado em relação ao processo grupal, em
relação à tarefa, e em relação a contribuição do grupo para o seu contexto.
Ao iniciar o trabalho com as oficinas fizemos levantamento das expectativas dos membros
para estabelecer um contrato inicial, como também ao término das oficinas além de ter podido
perceber alguns desejos que os membros buscaram satisfazer através do grupo: como afeto, apoio,
convivência, novas experiências, aceitação e reconhecimento das diferenças, fizemos uma avaliação
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com o grupo sobre o processo grupal, dando a oportunidade para que expressassem suas
considerações sobre o grupo, pontos positivos e negativos. E na oportunidade foi destacada a
importância do grupo para eles, por ter possibilitado a oportunidade de se relacionar, comunicar,
trocar experiências e aprender a conviver com as diferenças.
Consideramos que as Palestras interativas e as encenações foram de grande valor, no que
elas possibilitaram para que os temas e as informações trazidas pudessem ser contextualizadas na
experiência e isso é fundamental para que o conhecimento não seja tomado como uma verdade
neutra e absoluta.
Podemos observar que o grupo demonstrou interesse e autonomia para escolher seus temas,
assim como se dispôs a contar suas histórias, relacionando-as à experiência, e esta abertura para
ouvir e fazer suas narrativas possibilitou o processo de re-significação de valores e atitudes, ou seja,
rever, a experiência com um novo olhar, com elaboração sobre as próprias dificuldades, pois ao
narrar suas historias em um processo de comunicação, foi possível reorganizar suas narrativas,
desconstruir representações, buscar novos significados e encontrar apoio, sustentação na rede de
interações e transferências no grupo.
O grupo demonstrou independência no sentido de tomar iniciativas e desenvolver as
atividades propostas, em alguns momentos os participantes puderam atuar com interpretadores uns
dos outros em outros momentos podiam contar com a ECRO, a qual regulou as relações do grupo
diante das diferenças e dos conflitos, defendendo a cultura que o próprio grupo já havia construído,
O trabalho com a Oficina em dinâmica de grupo demonstrou ser um recurso valioso para a
saúde mental, por se constituir num espaço de reflexão e de trocas de experiências que favorece o
desenvolvimento da autonomia, a convivência com as diferenças, o auto-cuidado, a transformação
do olhar sobre si mesmo, e o desenvolvimento de projetos de vida, pois na trajetória do grupo
percebemos que vários participantes puderam sair da posição passiva e limitada de queixa e
ousaram querer coisas que antes lhes pareciam impossível, como ter amigos, constituir família, ter
uma renda própria, e até participarem de um forró.
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De modo que podemos considerar que o trabalho realizado foi fecundo ao proporcionar
novas possibilidades de troca aos usuários com transtorno mental.
Dificuldades, avanços e desafios da saúde mental:
A questão da formação precisa ser tratada com urgência, pois é preciso romper com o
modelo equivocado de conceber a loucura como um erro moral ou lógico que precisaria de correção
ou transformação e tomar como pressuposto a capacidade de resposta do sujeito (Lobosque, 1997).
Segundo o Ministério da Saúde um dos principais desafios para o processo de consolidação
da Reforma Psiquiátrica Brasileira é a formação de recursos humanos capazes de superar o
paradigma da tutela do louco e da loucura, por esta razão, desde o ano de 2002 o Ministério da
Saúde desenvolve o Programa Permanente de Formação de Recursos Humanos para a Reforma
Psiquiátrica (Brasil, 2005).
Consideramos que a mudança na percepção parece fundamental a fim de romper com certos
mitos presentes no imaginário social responsáveis pelo medo e afastamento do usuário com
transtorno mental, para tanto é importante que haja maior capacitação das equipes do ESF no que se
refere a desmistificação da loucura, do respeito a cidadania e da desconstrução da representação do
louco associado a periculosidade e/ou incapacidade.
A coordenação de saúde mental, em seu programa permanente de formação para a Reforma
Psiquiátrica prevê a implantação de Núcleos Regionais de Capacitação e Produção de
Conhecimento. Segundo o Plano Nacional, de acordo com o contexto local, o financiamento pode
se dar através dos recursos do Projeto de Apoio à Expansão do Programa Saúde da Família
(PROESF), de recursos da Secretaria de Gestão do Trabalho e de Educação na Saúde (SEGTES)
para os Pólos de Educação Permanente em Saúde, de recursos específicos da Coordenação Geral de
Saúde Mental, e das parcerias entre gestores locais e estaduais (Brasil, 2001).
Quanto aos avanços, destacamos a atuação que diversos grupos culturais vêm se
constituindo no campo da reforma, com atividades como teatro, música, artes plásticas, rádio
comunitária, TV experimental, folclore, literatura. Exemplo disto é o Teatro do Oprimido, fundado
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e dirigido por Augusto Boal, que participa de atividades de CAPS e outras iniciativas em diversos
estados do país (Brasil, 2005)
Outro avanço considerável deve-se a publicação da Portaria nº1169 GM de 7 de julho de
2005, que destina incentivo financeiro para que os municípios desenvolvam projetos de inclusão
social pelo Trabalho.
A Economia Solidária, hoje política oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, é um
movimento organizado de resposta à exclusão das pessoas do campo do trabalho e surge como
parceiro natural para a discussão da exclusão das pessoas com transtornos mentais do mercado de
trabalho, contudo para que a proposta seja implantada de fato, é importante promover a divulgação
das experiências; a criação de espaços de formação de usuários, trabalhadores, gestores, pessoas e
instituições da comunidade, para a formação de multiplicadores em economia solidária (Brasil,
2006).
Outro grande desafio a encarar é sobre a questão das famílias dos portadores de sofrimento
mental, pois é preciso trabalhar o vínculo com essas famílias as tornando parceira no tratamento do
portador de sofrimento mental. No entanto a formação profissional precária e a pressão da demanda
concorrem para que o usuário continue na posição de ser o único a ser abordado em meio à
complexidade da questão da psicose e a família continua sem ser tocada.
O debate científico se constitui um uma possibilidade e um desafio para reflexão sobre a
mudança do modelo assistencial e mesmo sobre as concepções da loucura (Brasil, 2005). Pois,
como vimos, a Reforma Psiquiátrica é um processo permanente de construção de reflexões e
transformações que ocorrem a um só tempo, em diversos campos, pois para que a convivência com
os diferentes seja possível é preciso construir coletivamente e criativamente possibilidades para o
trânsito da loucura.
Para que o processo de Reforma Psiquiátrica tenha repercussão sobre as instâncias
decisórias, se faz necessário haver ações, interlocuções que mobilizem a sociedade na discussão
acerca da questão da cidadania do louco, que tenha ressonância nos diversos setores da sociedade,
governos, universidades, serviços de saúde, conselhos profissionais, associações de pessoas com
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transtornos mentais e de seus familiares, movimentos sociais diversos, que possam alcançar
principalmente o território do imaginário social e da opinião pública (Brasil, 2005)
Considerações finais:
A cidadania é um direito do portador de transtorno mental e um dever da sociedade. A
exclusão do louco sempre lhe foi debitado como conseqüência pela sua incapacidade, no entanto há
que se pensar em que medida o sofrimento experimentado pelo “louco” não foi em grande parte
provocado pela imposição violenta de uma lógica, de uma norma e de ideais que aniquilavam a sua
subjetividade?
Hoje as sociedades modernas já não tem conseguido cumprir suas promessas de felicidade.
Nos deparamos com o mal estar da população que vive cercada por um controle social que
impõe uma série de normas que diz como viver, o que desejar, que padronizam comportamentos,
aspirações, ideais de beleza, felicidade e saúde. Assim vão se criando graus de normalidade que se
baseia na evitação do sofrimento e da angústia inerentes a própria experiência humana, na tentativa
de eliminar o fator sofrimento das relações.
A produção de cuidados na saúde mental requer o reconhecimento dos aspectos subjetivos
do adoecer, bem como do controle social existente, a fim de desenvolver práticas e enfrentamentos
que propicie maior flexibilização com a singularidade de cada um e provoque o questionamento e
mudança nas concepções da loucura que ainda vigoram na sociedade.
Consideramos que as atividades desenvolvidas nos proporcionaram o contato com a riqueza
inigualável que o trabalho em Saúde Mental se constitui, pois atende a uma população diversificada
com vários tipos de sofrimento psíquico, o que requer criatividade, competência para responder e
elaborar novas possibilidades de intervenção.
Nossa expectativa nesse artigo é de poder contribuir para reconhecimento dos desafios da
prática em saúde mental, e das possibilidades que as oficinas oferecem para o processo de
reabilitação psicossocial, partindo do entendimento que trabalhar com Saúde Mental requer
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trabalhar com ações intersetoriais que digam respeito às condições de vida da população e a discutir
com esta o exercício da cidadania.
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