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  • da redao produo textual

    o ensino da escrita

    PAULO COIMBRA GUEDES

  • Editor: Marcos Marcionilo

    Capa E projEto GrfiCo: Andria Custdio

    fotos dE Capa E ContraCapa: Stockxpert

    rEviso: Mnica de Curtis Boeira

    ConsElho Editorial

    Ana Stahl Zilles [Unisinos]Carlos Alberto Faraco [UFPR]Egon de Oliveira Rangel [PUCSP]Gilvan Mller de Oliveira [UFSC, Ipol]Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela]Kanavillil Rajagopalan [Unicamp]Marcos Bagno [UnB]Maria Marta Pereira Scherre [UFRJ, UnB]Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP]Salma Tannus Muchail [PUC-SP]Stella Maris Bortoni-Ricardo

    Direitos reservados Parbola EditorialRua Sussuarana, 216 - Ipiranga04281-070 So Paulo, SPFone: [11] 5061-9262 | Fax: [11] 5061-8075home page: www.parabolaeditorial.com.bre-mail: [email protected]

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    ISBN: 978-85-88456-97-6

    do texto: Paulo Coimbra Guedes, 2009

    da edio: Parbola Editorial, So Paulo, julho de 2009

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    G958d Guedes, Paulo Coimbra, 1942 -

    Da redao produo textual: o ensino da escrita / Paulo Coimbra Guedes. - So Paulo: Parbola Editorial, 2009.

    344p. -(Estratgias de ensino ; 12)

    Inclui bibliografia ISBN 978-85-88456-97-6

    1. Lngua Portuguesa - Composio e exerccios - Estudo e ensino. 2. Escrita criativa. I. Ttulo. II. Ttulo: O ensino da escrita. III. Srie.

    09-2151 CDD: 469.8 CDU 811.134.327

  • SUMRIO

    ApresentAo, Carlos Alberto Faraco ....................................... 11

    QUAnDo esCreVer Ler ........................................................... 13O que bOm para Os estadOs unidOs nO bOm para O brasil ................... 23 Um conflito de critrios ................................................................................ 25 Do laboratrio para a sala de aula ................................................................. 28 No campo de batalha, cara a cara com o texto............................................... 30 A falta de texto numa experincia de ensino de excesso de massa ................. 34 O tema pessoal e como provoc-lo ................................................................ 36 A paixo de dissertar ..................................................................................... 38 O tringulo retrico redescoberto ................................................................. 42

    O pblico pblico ..................................................................................... 43 A inteno no ponto de partida ............................................................... 44O assunto o ponto de partida .................................................................... 45Procedimentos pedaggicos ......................................................................... 47

    da redaO escOlar aO textO ....................................................................... 49 Escrevendo literatura brasileira ..................................................................... 55 As qualidades discursivas .............................................................................. 57 Escrevendo uma leitura: do depoimento ao ensaio ........................................ 61O resgate da discursividade .......................................................................... 68 Um programa para ler e escrever ................................................................... 69 Sntese metodolgica ................................................................................... 82

    oLHAr, IMAGInAr, orGAnIZAr, esCreVer ............... 87cOmpOsiO, redaO, prOduO de textO: O que diz O nOme a respeitO dO que designa ............................................................................................ 88

    Composio .................................................................................................. 88 Redao......................................................................................................... 89 Produo de texto ......................................................................................... 89 O que prOduz a prOduO de textO? ........................................................ 91

  • DA REDAO PRODUO TEXTUAL paulo Coimbra Guedes

    A produo de texto produz imagem ............................................................ 91A necessidade de escrever ............................................................................ 92O texto de apresentao pessoal e a necessidade de fazer-se entender ............... 92Qualidades discursivas ............................................................................... 93Unidade temtica ...................................................................................... 95Conflito, ou, um pouco mais amenamente, questionamento ........................... 103Objetividade ............................................................................................. 108

    A produo de texto produz organizao ...................................................... 113O texto sobre o cotidiano e a necessidade de organizar a relao com a realidade 113Realidades diferentes para narrador e leitor ................................................. 114Realidades semelhantes para narrador e leitor .............................................. 114

    instrues para reescrever um dOs textOs .................................................. 118 Unidade temtica .......................................................................................... 120 Concretude ................................................................................................... 120 Questionamento ........................................................................................... 120 Objetividade ................................................................................................. 121

    nArrAo ............................................................................................... 123O que se fala e O que se escreve ..................................................................... 124narraO, leitOr, narradOr .......................................................................... 126 O leitor ......................................................................................................... 126 O narrador .................................................................................................... 130

    Propor um dilogo ao leitor ou os dois nimos narrativos fundamentais......... 138Renunciar a contar tudo, ou unidade temtica ............................................. 138Dispor-se a contar tudo, ou complexidade necessria ..................................... 142Para esclarecer possveis equvocos ................................................................ 146

    as qualidades da narraO ............................................................................ 152 Objetividade ................................................................................................. 152 Unidade temtica .......................................................................................... 152 Concretude ................................................................................................... 154 Questionamento ou, mais especificamente, conflito ...................................... 163instrues para reescrever um dOs textOs .................................................. 168

    DesCrIo .............................................................................................. 171quem descreve ................................................................................................. 174 A faca ............................................................................................................ 176 O olho ........................................................................................................... 179para que, para quem, cOmO, pela Ordem ........................................................ 180 Escrever sem formulrios .............................................................................. 182

    O que merece ser descrito ............................................................................ 184 Originalidade e estilo .................................................................................... 187

    Falar e escrever, de novo ............................................................................. 188Escrever e escrever e escrever e escrever .............................................................. 188

  • SUMRIO

    cOmO descrever ............................................................................................... 189 Organizao externa da descrio ou conduzir o leitor ................................. 191 Organizao interna da descrio ou impressionar o leitor ........................... 192descriO a serviO da narraO ................................................................. 192 Descrio apresentativa e descrio referencial ............................................. 193a descriO apresentativa e descriO referencial .................................. 193 O significado das palavras ............................................................................. 194

    Do conhecido ao desconhecido, do abstrato ao concreto, do geral ao particular .. 195Contedo, valor, leitura e experincia .......................................................... 197

    Generalidade e dissertao ............................................................................ 198Quem narra e quem disserta ....................................................................... 200Ponto de vista objetivo ................................................................................ 203Racionalidade e crtica ............................................................................... 205

    qualidades da descriO ............................................................................... 207 Questionamento ........................................................................................... 208 Objetividade ................................................................................................. 209 Unidade temtica .......................................................................................... 210 Concretude ................................................................................................... 211 As qualidades esto relacionadas ................................................................... 212instrues para reescrever um dOs textOs .................................................. 216 Objetividade ................................................................................................. 216 Unidade temtica .......................................................................................... 217 Concretude ................................................................................................... 221 Questionamento ........................................................................................... 222

    teXto e proDUo De ConHeCIMento ................... 227dO cOraO para a cabea, cOm afetO ......................................................... 227 Entre a cabea do corao, os sentidos .......................................................... 228 Entre a cabea e o corao e os sentidos, as palavras ..................................... 229 Das palavras entre o corao, a cabea e os sentidos: o conhecimento........... 230

    O conhecimento: o mundo l fora c dentro e o mundo c dentro l fora, isto , o mundo c fora l dentro ................................................................... 231

    quem cOnta um cOntO .................................................................................... 232 Os procedimentos da narrao ...................................................................... 238

    O narrador ............................................................................................... 239Os personagens e o enredo ........................................................................... 240

    E o leitor, o que tem com isso? ...................................................................... 241O leitor e o crtico....................................................................................... 241E ns bem aqui, que temos com isso? ............................................................ 244

    A ironia ......................................................................................................... 244O que eu vi cOm estes OlhOs ........................................................................... 245 O olho de quem? ........................................................................................... 245

  • Narrao, descrio, dissertao, pela ordem ................................................. 246 O olho enxerga o que a cabea manda .......................................................... 247

    s vezes, a realidade que fora o caminho pelos olhos at a cabea ................ 248 A difcil fidelidade do olho ............................................................................ 251 E, se a teoria no d conta do fato, recorre-se teoria ................................... 252 E o fato rola solto pelo caminho que a teoria aponta .................................... 254 E, no caminho por onde rolam, os fatos levam a outra teoria ........................ 256

    DIssertAo ......................................................................................... 257Da racionalidade, ou de como o que entrou em nossa cabea entrou em nossa cabea ............................................................................................ 259

    A qualificao do modelo .............................................................................. 263 E o que sai de nossa cabea? ......................................................................... 266 As origens da originalidade: convvio e questionamento ............................... 268 A partida e a chegada .................................................................................... 273atitudes dissertativas ................................................................................... 275 Comparao .................................................................................................. 276 Anlise .......................................................................................................... 281 Classificao .................................................................................................. 284 Definio ...................................................................................................... 289qualidades dO textO dissertativO ............................................................... 295 Unidade temtica .......................................................................................... 295 Objetividade ................................................................................................. 299

    O observador ............................................................................................. 299O narrador e o depoente ............................................................................. 300O porta-voz e o ponto de vista .................................................................... 306

    Concretude ................................................................................................... 311Clareza dos conceitos .................................................................................. 312Determinao de lugar e tempo ................................................................... 317

    Questionamento ........................................................................................... 322A questo .................................................................................................. 323Os fatos ..................................................................................................... 328Os argumentos........................................................................................... 334

    instrues para reescrever um dOs textOs .................................................. 338 Objetividade ................................................................................................. 339 Unidade temtica .......................................................................................... 339 Concretude ................................................................................................... 340 Questionamento ........................................................................................... 340

    refernCIAs bIbLIoGrfICAs ........................................... 341

    10 DA REDAO PRODUO TEXTUAL paulo Coimbra Guedes

  • APRESENTAOCarlos Alberto Faraco

    Ensinar a escrever no Brasil no tarefa fcil. Muitos fa-tores negativos perturbam sua consecuo, a comear por nossa histria cultural, que tem favorecido pouco a ativi-dade de escrita. Basta lembrar que, durante nossos pri-meiros trezentos anos, foi proibida aqui a impresso e a livre circulao de livros. Quem se aventurasse a escrever tinha de encontrar editor em Portugal, mas s depois de o

    texto ser devidamente aprovado pela Inquisio e, quando esta foi desmobili-zada no governo do marqus de Pombal, pela Real Mesa Censria.

    Acrescente-se a isso o fato de que fomos, no perodo colonial, no imperial e em boa parte do republicano, um pas de analfabetos. Ainda hoje, entrado o sc. XXI, temos, na mais generosa das estatsticas, perto de 12% de analfabetos na popu-lao de 15 a 60 anos. E isso sem contabilizar os chamados analfabetos funcionais.

    Num quadro como esse, impossvel no se pr algumas perguntas cru-ciais. Por que escrever? Para quem escrever? Por que aprender a escrever? Por que ensinar a escrever? Por que aprender a ensinar a escrever?

    No admira, portanto, que nossa cultura escolar pouco tenha feito para enfrentar o desafio do ensino da escrita. O mximo que a pedagogia tradicional conseguiu foi criar o famigerado gnero redao escolar, cuja caracterstica principal , dado um tema no vazio, escrever para ningum ler. Mero exerccio de preenchimento de umas tantas linhas.

    Algumas vezes, o exerccio tinha, para horror de todos, tema livre. Outras, era realizado como forma de castigar uma turma irrequieta ou indisciplinada. Numa tal situao, no importava aprender a escrever, mas apenas desenvolver estratgias de

  • preenchimento, como bem apontaram autores como Alcir Pcora e Cludia Lemos, que analisaram a fundo as redaes de vestibulandos nas dcadas de 1970 e 1980.

    Escrever para ningum ler. Quando muito ocorria a correo da redao com a tambm famigerada caneta vermelha, correo centrada em erros de grafia (sem-pre to visveis) e em deslizes de certa norma gramatical. No mais do que isso.

    Apesar do inconformismo de vrios professores de portugus com esse quadro e da busca de alternativas pedaggicas, a situao (embora acima re-latada no pretrito perfeito) pouco tem se alterado. Para confirmar esta nossa afirmao, basta observar a filosofia subjacente s provas de redao da maio-ria dos vestibulares, de exames nacionais de escolaridade e coisas do tipo.

    Mas continuamos inconformados e continuamos em busca de alternati-vas: queremos reverter esse quadro; queremos aprender a ensinar a escrever.

    O professor Paulo Coimbra Guedes um desses inconformados. H uns quarenta anos comeou a pegar esse touro com a unha. So dcadas como professor de portugus no ensino mdio e no ensino superior, dcadas de mili-tncia na extenso universitria como assessor de redes pblicas de ensino, d-cadas de envolvimento com a formao de professores de portugus no curso de graduao em Letras da UFRGS e em vrios cursos de especializao.

    Nesse longo tempo de docncia, Paulo Guedes vem construindo um saber qualificado a partir da prtica cotidiana e da reflexo sobre ela. Escutou seus acertos e desacertos. Percorreu as discusses tericas e submeteu-as ao fogo da prtica. Com isso, aprendeu a aquilatar os limites das promessas ali embutidas. Tomou caminhos que deram em becos. E isso lhe foi muito esclarecedor. Foi refazendo, ento, percur-sos, experimentando mais, refletindo mais, elaborando mais. Incansavelmente.

    O resultado disso tudo est neste belo livro. O autor nos convida a ser companheiros da sua caminhada, a vivenciar seu cotidiano de docncia, a refa-zer seus experimentos, a refletir sobre suas prticas, a ler criticamente as pro-postas tericas. A cada passo, vai ficando evidente que Paulo Guedes deslocou o debate dos inconformados para outro patamar, um patamar superior. Esta-mos diante de uma pedagogia da escrita, composta no de generalidades, mas de concretude. Uma pedagogia que aponta no para o gnero redao escolar, mas para a produo de texto, ou seja, em suas prprias palavras, para o uso dos recursos expressivos da lngua com a finalidade de produzir deliberados efeitos de sentido sobre bem determinados leitores.

    Uma contribuio e tanto para um pas que precisa fazer as pazes com a es-crita, que precisa aprender a escrever, que precisa aprender a ensinar a escrever.

    12 DA REDAO PRODUO TEXTUAL paulo Coimbra Guedes

  • QUANDO ESCREVER LER

    Escrever inventar algo jamais lido, porm a partir de uma teoria (na maioria das vezes implcita) que tenta organizar

    todos os componentes da experincia de leitor de quem escreve ( Jean Foucambert: A leitura em questo, p. 76).

    Esta uma verso revisada do manual de redao que com-pus para trabalhar nas disciplinas de produo de texto dos cursos de letras e de comunicao social da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul e que constitui o terceiro captulo de minha tese de doutorado, intitulada Ensinar portugus ensinar a escrever literatura brasileira. O ponto de partida foram as anotaes que fui fazendo

    a respeito do que me intrigava nos textos dos meus alunos, que eu lia com a obrigao de bilhetar com observaes sobre a qualidade deles. Depois, quan-do descobri que esses textos precisavam de outros leitores alm do professor (e o professor precisava de outras leituras para iluminar a sua), passei a registrar tambm o que diziam em aula os meus alunos sobre os textos lidos em voz alta pelos colegas e, algumas vezes, a respeito dos textos que eu lia, alguns deles escritos por mim.

    Comecei a dar uma ordem nessas anotaes a partir de outra descoberta a de que a tarefa do professor de redao comea a partir do texto escrito pelo aluno e que essa tarefa a orientao da reescrita desse texto para ajudar

  • 14 DA REDAO PRODUO TEXTUAL paulo Coimbra Guedes

    seu autor a descobrir o que ele queria dizer e a reescrever a primeira verso para faz-la dizer isso. Ao formular o que acabei chamando de qualidades discursivas unidade temtica, objetividade, concretude e questionamento descobri um grau de generalidade adequado tanto para orientar a transformao de uma redao escolar em texto quanto para provocar um texto a questionar suas qualidades.

    Escrevi este manual porque eu no era apenas um professor que precisava ensinar meus alunos a escrever: eu era fui esse tempo todo e sou at hoje meu mais atento aluno. O mais atento e o mais crtico porque, desde que aprendi a ler e escrever, o que eu mais quis na vida foi aprender a escrever. Tem uma longa histria, portanto, este meu manual de redao. No vou cont-la toda, mas vou precisar cont-la, porque tem certas coisas que a gente s apren-de e ensina com a histria.

    Antes de contar essa histria, no entanto, quero deixar bem claro que espcie de escrita este manual se prope ensinar. O ttulo da tese de que fez parte Ensinar portugus ensinar a escrever literatura brasileira j d uma pista bastante clara, mas pode levar quem no a leu a imaginar que tem nas mos o roteiro de uma oficina de criao literria. No isso: escrever como a literatura brasileira significa escrever com a finalidade de produzir o mesmo tipo de conhecimento que a literatura brasileira se disps a produzir desde que se constituiu como projeto de uma literatura nacional nos planos de Gon-alves Dias, de Manuel Antnio de Almeida, de Alencar para responder a duas questes bsicas: quem somos ns? Em que lngua vamos nos dizer quem somos ns? No se trata de produzir boniteza, mas de construir entendimento e convices a respeito de nossa realidade interior e de nossa realidade social mais prxima. O paradigma do trabalho de produo de texto que este manual se prope desenvolver a escrita de uma leitura.

    Para exemplificar o que seria um texto que no nem poema, nem conto, nem romance, nem crnica, mas um texto produzido para escrever uma leitu-ra, proponho uma interpretao do clssico A importncia do ato de ler, de Paulo Freire, a partir do ponto de vista de que, dizendo da importncia do ato de ler, Paulo Freire escreve o que leu no exame de sua experincia pessoal com a leitura. Comear a apresentao deste manual de redao trazendo tal exemplo agrega as vantagens de justificar o ttulo que dei a esta introduo e de colocar meu manual sob a proteo do nume tutelar de todos ns que queremos educar para o exerc-cio da liberdade, da cidadania, da autonomia, da conscincia crtica, da autoria.

  • QUANDO ESCREVER LER 15

    A importncia do ato de ler a conferncia que Paulo Freire fez na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura, em novembro de 1981. O texto comea assim:

    Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prtica pedaggica, por isso poltica, em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros ou congressos. Aceitei faz-lo agora, da maneira, porm, menos formal possvel. Aceitei vir aqui para falar um pouco da importncia do ato de ler.

    Desde a primeira frase, o texto deixa ouvir a voz de seu autor estabele-cendo claramente a circunstncia e as condies em que se dispe a tratar do assunto que lhe foi proposto: Rara tem sido a vez em que me tenho permitido a tarefa de abrir, congressos , impondo seus termos e definindo sua con-duta como autor: Aceitei faz-lo agora, da maneira, porm, menos formal possvel. Podemos inferir desse porm que sua relutncia a abrir encontros se deve for-malidade que se associa a aberturas de encontros. Quem no associa, com igual desconforto, formalidade a situaes de fala pblica, situaes em que a gente obrigado a falar como se escreve? Quem no associa, com temor, formalidade e escrita, situao em que a gente obrigado a escrever como se escreve?

    -es. Enfrenta-se o formalismo comeando uma frase, melhor ainda, um pargrafo por um pronome oblquo:

    Me parece indispensvel, ao procurar falar de tal importncia, dizer algo do mo-mento mesmo em que me preparava para aqui estar hoje []

    Mas um to adequadamente colocado pronome nada mais do que um enfrentamento formal do formalismo: preciso enfrent-lo tambm em seu contedo, compondo um texto e no uma fala informal para enfrentar a formalidade das aberturas de encontros. E nesse texto, que vai compor-se numa negociao entre o irrecusvel a responsabilidade que o professor tem de expor suas reflexes e o inaceitvel a formalidade, que descaracteriza a todos e dilui a autoria , indispensvel falar de mim, que falo, para falar do que falo, que a formalidade do texto impessoal no d conta da importncia do ato de ler, nem da importncia de coisa nenhuma.

    Paulo Freire radicaliza: no falar apenas de mim, a pessoa que se prepara-va para estar aqui, mas tambm de minha autoria, do dilogo de que resultou a composio deste texto: