David Hume

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Introdução Na modernidade, o homem, desviando seu olhar das coisas no mundo, do cosmo e das coisas em si, voltou o olhar para si, para seu próprio ser. Argumentando que nele se dava todo o processo do pensamento e toda a relação com o mundo, era necessário desviar o foco dos esforços do entendimento humano do mundo para si mesmo e se descobrir. Sobre os dois tipos de filosofia Hume coloca em relevo dois tipos de filosofia: filosofia prática ou moral e a filosofia abstrata, abstrusa que tradicionalmente é conhecida como filosofia teórica ou metafísica. Para Hume, o homem é certamente o home de ação, donde a filosofia moral ou pratica é a filosofia de maior utilidade, conquanto a filosofia teórica com seus raciocínios abstratos é pouco útil a vida do dia a dia. A filosofia teórica deve ser cultivada apenas no quesito de manter a exatidão da filosofia moral ou como um simples entretenimento ou satisfação de uma curiosidade inocente. A filosofia teórica é, para Hume, uma inevitável fonte de incerteza e erro. Para mostrar o quanto tal filosofia é ou não útil, faz-se mister, então, levar a cabo uma investigação a respeito do entendimento humano, ou acerca dos poderes do conhecimento. Consideremos as afirmações humeanas de que a útil filosofia é a que conduz a ação e conduta e a de que a metafísica é uma fonte inevitável de incertezas e erros,

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IntroduoNa modernidade, o homem, desviando seu olhar das coisas no mundo, do cosmo e das coisas em si, voltou o olhar para si, para seu prprio ser. Argumentando que nele se dava todo o processo do pensamento e toda a relao com o mundo, era necessrio desviar o foco dos esforos do entendimento humano do mundo para si mesmo e se descobrir. Sobre os dois tipos de filosofiaHume coloca em relevo dois tipos de filosofia: filosofia prtica ou moral e a filosofia abstrata, abstrusa que tradicionalmente conhecida como filosofia terica ou metafsica. Para Hume, o homem certamente o home de ao, donde a filosofia moral ou pratica a filosofia de maior utilidade, conquanto a filosofia terica com seus raciocnios abstratos pouco til a vida do dia a dia.A filosofia terica deve ser cultivada apenas no quesito de manter a exatido da filosofia moral ou como um simples entretenimento ou satisfao de uma curiosidade inocente. A filosofia terica , para Hume, uma inevitvel fonte de incerteza e erro. Para mostrar o quanto tal filosofia ou no til, faz-se mister, ento, levar a cabo uma investigao a respeito do entendimento humano, ou acerca dos poderes do conhecimento.Consideremos as afirmaes humeanas de que a til filosofia a que conduz a ao e conduta e a de que a metafsica uma fonte inevitvel de incertezas e erros, deitemo-nos sobre elas, logo notaremos que ambas so de carter terico. A determinao da ao como fim do homem, categoricamente fruto de uma especulao terica que pensa sobre algo universal, do contrrio, no o uma afirmao sria e diligentemente considerada, fonte inevitvel de erro. A crtica a metafsica s pode ser dirigida quando h uma compreenso prvia da mesma. Aponta o erro aquele que conhece a verdade, portanto apenas uma apurada reflexo abstrata e abstrusa poderia sentenciar a metafsica como fonte de erro. De tais casos, decorre que ao considerar a filosofia terica necessrio adentrar-la a partir de apurada reflexo abstrata.A origem das idiasHume nos aponta a origem de toda e qualquer idias nos sentidos. Aquilo que nos vem pelos sentidos, som, cor, temperatura, as paixes, ele as chama de impresses, ou impresses fortes e vivazes, pois as vemos na medida em que esto em nosso sentidos, de maneira ntida. Dessas, permanece em nosso esprito certas cpias mais vagas e tnues, as quais ele ento chama de idias.Todas as idias, as mais complexas, so combinaes destas cpias, como nos casos de um cavalo alado, podemos verificar a combinao de duas idias simples: cavalo e asas. Ainda, a idia de Deus para Hume a idia das operaes da mente aumentadas em um grau infinito. Cabe aqui recordar que ao falar de uma graduao necessrio afirmar um parmetro absoluto ao qual atravs de comparao se chega ao conceito de grau, antes de afirmar que posso aumentar o grau das operaes da mente necessrio concluir que existe um grau infinito, no a graduao destas operaes que sugere a idia de Deus, a idia de Deus que sugere a idia de graduao, algo mais quente ou menos quente em relao ao quente em absoluto, algo mais luminoso ou menos luminoso em relao ao luminoso absoluto, seno houvesse o grau infinito ou grau absoluto das operaes da mente, tampouco se poderia cogitar que existe graduao das mesmas. Por fim, Hume afirma que no h idia a qual no se possa apontar a correspondente.No entanto Hume incorre em um erro porque desconsidera algo intrnseco a sua prpria reflexo: a proposio de que toda a idia corresponde a uma impresso uma idia a qual no se pode apontar uma impresso, se o fizer, o far a um caso particular, o que no corresponde universalidade da idia. Ainda que se aponte um caso particular, no se estar apontando o processo de formao da idia, porque o processo no uma impresso mas uma noo. A proposio decorre da abstrao dos casos particulares para o universal, a abstrao embora necessite dos dados dos sentidos, no limitada por ele, com efeito, uma das operaes da mente. Pode se dizer ainda mais, de que as idias no so cpias, por isso so menos vivazes e ntidas, as idias so abstraes das propriedades das coisas. Numa mera cpia das impresses nos seria difcil fazer a combinao de tais cpia, pois o que teramos seriam borres de coisas complexas, me explico, se examinarmos a idia de rvore, numa mera cpia no possvel separar a forma da matria e assim compreender que existe na rvore algo como forma e algo como matria, essa distino no pode ser apontada na mera cpia, a no ser que haja a abstrao destes dois elementos. Hume() nos da o seguinte exemplo de combinao de idias: [...] Quando pensamos numa montanha de ouro, no fazemos mais do que juntar duas idias compatveis entre si, ouro e montanha, que j conhecamos anteriormente. Ora, uma montanha de ouro no a juno da idia da montanha com a idia de ouro, mas a abstrao da forma da montanha com a abstrao da materialidade do ouro. Admitindo esse processo de abstrao, por necessidade admitimos que existem propriedades distintas nas coisas e este conhecimento no emprico, mas abstrato. Podemos citar mais exemplos, numa montanha podemos extrair a propriedade que ela tem de ser impassvel e dura e dar a essa propriedade o nome de solidez. Se pedssemos a Hume para apontar a solidez provavelmente apontaria a montanha, mas a solidez no a montanha e muito menos a mera cpia da mesma, uma abstrao que verdadeiramente est presente na montanha mas no se confunde com ela, no deixa de ser verdadeira pelo fato de no encontrar uma impresso correspondente, mas trata-se de um conhecimento adquirido que de certo modo metafsico, pois ultrapassa a mera impresso da montanha conhecendo um atributo seu que no pode ser apontado. Poderia objetar-se que a solidez no existe. Neste caso o prprio conceito de montanha seria impossvel, pois os conceitos de relevo e altura assim como solidez so conceitos extrados das coisas e que no podem ser apontados empiricamente.Os princpios de Associao de IdiasHume busca enumerar quais os princpios de associao das idias e chega a concluso de que so trs: a contigidade de tempo e espao, semelhana e relao de causa e efeito. Em nossos pensamentos evidente que umas idias sucedem outras e que no seguem o curso do mero acaso, mas possuem alguma relao entre si, isto , entre uma idia e a que a sucede. Isto notvel nas conversas e, segundo Hume, at mesmo nos sonhos. Hume() nos ilustra com alguns exemplos:Ningum, acredito eu, ter muita dvida de que estes princpios sirvam para ligar idias. Uma pintura conduz naturalmente aos nossos pensamentos para o original; a meno de um aposento de uma casa desperta naturalmente uma pergunta ou um comentrio a respeito dos outros; e se pensamos num ferimento, dificilmente podemos furtar-nos idia da dor que o acompanha.A respeito da associao importante considerar se tais princpios esto na mente ou nas coisas. Parece que no esto na mente, a prpria filosofia empirista entraria em contradio ao afirmar que tais princpios no passaram pelos sentidos. As idias se sucedem porque seus objetos possuem alguma relao entre si na realidade. Se pensarmos, por exemplo, numa cadeira, podemos imediatamente pensar em um homem sentado ou numa mesa, no primeiro caso h a relao de finalidade e no segundo de algum gnero em comum, talvez de mveis ou que em comum as cadeiras ficam junto de alguma mesa, ou que ambas tem alguma finalidade em comum. . Tais relaes no esto na mente, mas esto nas coisas, do contrrio poderamos pensar numa cadeira e num triangulo issceles com a mesma naturalidade e sucesso ou na cadeira e numa galxia distante de maneira espontnea, ainda que se dissesse que tais relaes foram construdas na mente, elas s foram construdas depois de tal relao ser encontrada na realidade, com efeito, se constatssemos que cadeiras levitam ao redor da lua, essa associao seria construda em nossas mentes, de maneira que quando pensssemos na lua, pensaramos, provavelmente, nas cadeiras que levitam ao seu redor. Mais tais relaes no so empricas, isto , no podemos apontar a associao seno apenas os associados. Donde segue que, nas coisas existem propriedades que no se limitam aos dados empricos, mas que so dados prprios da razo, conhecidos atravs do raciocnio, dados metafsicos.Dvidas Cticas sobre as Operaes do EntendimentoHume alm de empirista tambm um ctico, como veremos. Para ele existem dois tipos de objetos aos quais a razo se debrua: as relaes de idias e as questes de fato. A relao de idias so aquelas idias puras que podem ser trabalhadas de maneira abstrata em nossas mentes, as quais pertencem geometria, matemtica e aritmtica. Dessas podemos chegar a um conhecimento certo que independe da sua existncia no mundo real, podemos por exemplo verificar que a rea de um quadrado ser sempre o quadrado de seus lados, mesmo que na realidade no exista tal coisa chamada quadrado.As questes de fato so aquelas que nos vem pela experincia e que esto presentes de maneira concreta no mundo real. Essas j no possuem o mesmo grau de certeza, pois sua negao ou contestao sempre coerente e possvel, Isto , concebvel. Que o sol no v nascer amanh to imaginvel quanto a afirmao de que eles nascer, e seu contrrio no pode certamente ser demonstrado. O cerne de todas as afirmaes que fazemos a respeito das questes de fato est na relao que temos entre causa e efeito. Se virmos a fumaa diremos que houve fogo, se virmos a vidraa quebrada, afirmaremos que houve coliso, etc.Porm, para Hume, tal conhecimento no se alcana por meio de raciocnios a priori, mas os obtemos atravs da experincia. Ningum pode inferir que onde h fumaa h fogo se nunca viu o fogo. Tambm no chegar a dizer que houve coliso na vidraa quebrada se nunca viu um vidro ou algo parecido sendo quebrado. Se encontrssemos um objeto qualquer que nos fosse inteiramente desconhecido, no poderamos dele extrair sua causa ou seu efeito. Algum que nunca tenha visto o choque entre bolas de bilhar e o movimento que da decorre, jamais poderia ter a certeza de que efeito a se produziria. Num primeiro exame qualquer que fosse o efeito ou causa atribudo seria inteiramente arbitrrio. Ora, se assim e, tambm a ligao que existe entre causa e efeito e pela qual afirmamos que impossvel ocorrer outro efeito de uma mesma causa suposta e puramente arbitrria.Aqui Hume parece no atentar profundamente sobre a natureza da causa e efeito. Um nico efeito tem mais de uma causa. Consideremos, como exemplo, uma fogueira, que foi acesa com lcool e um fsforo, temos uma causa que a matria a ser queimada, outro que o lcool, outra que o fsforo e outra que e o oxignio, outra que o solo seco abaixo, o fato de no estar chovendo e assim uma grande cadeia de causas e efeitos que concorrem para outra cadeia de causas e efeitos. Uma causa no pode ser isolada porque depende de outras causas e efeitos para gerar seus efeitos. Se trocarmos o nome causa por condio em que causa a essa condio que se satisfeita implica algo necessrio, verificaremos que no existe causa sem efeito e nem efeito sem causa e que existe ao menos uma causa, isto , condio para a existncia: Para que o universo exista necessrio que exista, ou seja, para que algo exista necessrio satisfazer ao menos uma condio, a condio de que algo exista, a existncia implica a existncia, a existncia tem como efeito que exista. Se a existncia no implicasse a existncia, ela existiria e no existiria ao mesmo tempo, o que um absurdo. Considerando todos os exemplos de Hume vemos que ele no notou essa caracterstica intrnseca s coisas. Se solto um objeto e ao invs de precipitar-se abaixo ele levitasse, isso no quer dizer que uma causa geraria outro efeito, mas que mesmos as causas teriam de mudar, com efeito, a mo que solta o objeto no a nica causa, mas que as coisas caiam a outra condio ou causa necessria, se o objeto de repente levitasse teramos que satisfazer outra condio ou incorrer em outra causa, a de que os objetos levitem, do contrrio ele levitaria e no levitaria ao mesmo tempo, algo impensvel. Por isso podemos dizer que existem efeito necessrios, implicaes que se negadas levam contradio. Causa uma condio que se satisfeita, necessariamente implica algo mesmo que seja a si mesma.Os mais variados exemplos que Hume da, nos aponta que um efeito diferente do comum imaginvel, mas esses efeitos possveis so propriedades de qualquer outra parte da natureza que em nossa imaginao atribumos a objetos aos quais no pertencem naturalmente. O mais simples fato carregado de uma amalgama de causas e efeitos. Para que uma bola de bilhar se mova ao ser atingida por outra a primeira causa a possibilidade de se mover ou no e se ela no for movida de maneira alguma a causa sua imobilidade, e se no imvel e mesmo assim no se move, voltamos a causa de que seja possvel mover-se ou no, enfim, ao menos algumas causas podemos inferir de um efeito sem nunca ter visto antes e sem conhecimento algum de que lhe sucedeu, a primeira causa de que tal efeito possvel, a segunda de que tal efeito aconteceu ou sempre existiu e de que existe.Hume justifica ainda a relao de causa e efeito como um hbito mental, algo psicolgico e que no existe concretamente na realidade. Mas como verificamos acima, causa a condio a qual se satisfeita tem ao menos uma implicao necessria, independentemente se o curso da natureza mudar ao revs de um segundo para o outro e que se negada na realidade, implica a impossibilidade de qualquer tentativa de entendimento acerca da mesma. ConclusoA teoria do conhecimento de Hume se por um lado parea uma novidade, pode ser encontrada em antigos filsofos empirista gregos. Ainda que no tenha sido desenvolvida de tal maneira como est em seus escritos. Por outro lado, trata-se de tambm de um aspecto que podemos encontrar na Filosofia Clssica Medieval, de maneira concreta em Aristteles e Santo Tomas de Aquino que justificam e estabelecem as fontes do conhecimento nos sentidos. Hume, porm, ficou apenas com os dados emprico conquanto essas filosofias viam o sentidos apenas em funo das coisas em si mesmas, ou seja, no havia separao entre os dados dos sentidos e as coisas que esto no mundo, e ainda, a razo era tida como responsvel por abstrair destas coisas seus princpios e fundamentos ltimos.Ao limitar o conhecimento aos dados dos sentidos, Hume nega os poderes do entendimento humano e no os encontra, pois que o objeto prprio da razo so as realidades supra-sensveis, uma vez que ao sair do mundo para a razo, de alguma forma esses dados j se colocam para alm das coisas.Em toda sua estrutura a Teoria do Conhecimento de Hume nos mostra o funcionamento do entendimento humano: sempre em busca dos princpios mais gerais, sempre saltando do particular para o universal, pela induo. Assim a razo, no escrava dos sentidos, mas ala livre vo atravs de sua capacidade de encontrar os fundamentos e princpios, mesmo numa teoria acerca do conhecimento, isto que ela busca: o princpio mais geral acerca do conhecimento humano. Se a razo assim funciona, Hume comete um grande erro, ao negar os conhecimentos no empricos, nega os princpios gerais. No assegura o entendimento humano dentro de seus limites, limita o entendimento humano dentro de algo to efmero que so as impresses, destruindo assim, o prprio entendimento.