DCE - Jornal Conversa (a)Fiada - 2013 Junho

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Conversa (a)Fiada Santo Ângelo - Junho de 2013 DCE/URI Edição nº 1 Este jornal nasceu com a proposta de ser um espaço para debate sadio e democrático entre os estudantes da URI - Santo Ângelo, ideia a princípio postulada pela atual gestão do Diretório Central (DCE). Por indisponibilidade de tempo dos membros, estes convocaram os alunos interessados na organização do projeto para “assumirem as rédeas” do periódico e fazê-lo sair do papel. Nascia, assim, o Conversa (a)Fiada. Desde a fase inicial de concepção, decidiu-se que o jornal seria aberto para todo e qualquer estudante com interesse em demonstrar sua opinião sobre qualquer assunto. Todos nós temos nossas opiniões, nossas divagações construtivas sobre os acontecimentos que queremos compartilhar com os outros. O jornal surgiu para suprir de forma prática e arrojada esta vonta- de, oferecendo espaço para os estudantes publicarem seus trabalhos sem custo algum, visando a discussão e aproximação de pontos de vista dentro do campus. O Conversa é uma grande mesa redonda, e mesas redondas não possuem um “lugar na ponta” ou um “topo”. Não há ninguém que seja mais ou menos válido na discussão. Todos são iguais. Com a proposta pronta, começou-se o recolhimento dos materiais; um e-mail foi enviado a todos os estudantes, solicitan- do a confecção de trabalhos para publicação. Os resultados desse pedido constituem esta primeira edição do Conversa. Nós, da comissão organizadora, gostaríamos de agradecer imensamente a todos os membros do DCE, em especial ao Elias Adams e a Isabel Cristina Spies, pela paciência diante de nosso despreparo na organização de um projeto estudantil e pelas longas conversas cheias de incentivo e conteúdo que nos inspir- aram a modelar este jornal ao máximo. Muito obrigado, também, para o André Luiz Gollo, acadêmico de Publicidade e Propaganda da UNIJUI (campus de Ijuí), que comprou a ideia deste debate entusiasmadamente e montou todo o design do periódico de graça. Aos nossos patrocinadores, por terem literalmente investi- do no Conversa (a)Fiada. Por fim, nosso sincero obrigado a todos os estudantes que nos procuraram tentando ajudar de alguma maneira, e, claro, a todos aqueles que nos enviaram seus trabalhos. Ressaltamos mais uma vez que o espaço aqui é totalmente democrático. Mande seu texto, poema, poesia, charge, desenho, etc., e demonstre sua opinião de maneira franca. Só o debate faz com que o ser humano enxergue seu exterior de maneira crítica e compreensiva. O debate é a melhor, mais clara e mais civilizada ferramenta de entendimento das divergências. O e-mail para envio de material, críticas, sugestões ou esclarecimentos de dúvidas é: [email protected] Atenciosamente, a Edição. Editorial -1- Av. Brasil, 639 - Esq. XV de Novembro - Santo Ângelo/RS Av. Universidade das Missões, nº 428- proximo a URI.

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Jornal do DCE - URI Santo Ângelo Edição nº 1

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Conversa (a)Fiada

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DCE/URI

Edição nº 1

Este jornal nasceu com a proposta de ser um espaço para debate sadio e democrático entre os estudantes da URI - Santo Ângelo, ideia a princípio postulada pela atual gestão do Diretório Central (DCE). Por indisponibilidade de tempo dos membros, estes convocaram os alunos interessados na organização do projeto para “assumirem as rédeas” do periódico e fazê-lo sair do papel. Nascia, assim, o Conversa (a)Fiada.

Desde a fase inicial de concepção, decidiu-se que o jornal seria aberto para todo e qualquer estudante com interesse em demonstrar sua opinião sobre qualquer assunto. Todos nós temos nossas opiniões, nossas divagações construtivas sobre os acontecimentos que queremos compartilhar com os outros. O jornal surgiu para suprir de forma prática e arrojada esta vonta-de, oferecendo espaço para os estudantes publicarem seus trabalhos sem custo algum, visando a discussão e aproximação de pontos de vista dentro do campus. O Conversa é uma grande mesa redonda, e mesas redondas não possuem um “lugar na ponta” ou um “topo”. Não há ninguém que seja mais ou menos válido na discussão. Todos são iguais.

Com a proposta pronta, começou-se o recolhimento dos materiais; um e-mail foi enviado a todos os estudantes, solicitan-do a confecção de trabalhos para publicação. Os resultados desse pedido constituem esta primeira edição do Conversa.

Nós, da comissão organizadora, gostaríamos de agradecer imensamente a todos os membros do DCE, em especial ao Elias Adams e a Isabel Cristina Spies, pela paciência diante de nosso despreparo na organização de um projeto estudantil e pelas longas conversas cheias de incentivo e conteúdo que nos inspir-aram a modelar este jornal ao máximo. Muito obrigado, também, para o André Luiz Gollo, acadêmico de Publicidade e Propaganda da UNIJUI (campus de Ijuí), que comprou a ideia deste debate entusiasmadamente e montou todo o design do periódico de graça. Aos nossos patrocinadores, por terem literalmente investi-do no Conversa (a)Fiada. Por fim, nosso sincero obrigado a todos os estudantes que nos procuraram tentando ajudar de alguma maneira, e, claro, a todos aqueles que nos enviaram seus trabalhos.

Ressaltamos mais uma vez que o espaço aqui é totalmente democrático. Mande seu texto, poema, poesia, charge, desenho, etc., e demonstre sua opinião de maneira franca. Só o debate faz com que o ser humano enxergue seu exterior de maneira crítica e compreensiva. O debate é a melhor, mais clara e mais civilizada ferramenta de entendimento das divergências.

O e-mail para envio de material, críticas, sugestões ou esclarecimentos de dúvidas é:

[email protected]

Atenciosamente, a Edição.

Editorial

-1-

Av. Brasil, 639 - Esq. XV de Novembro - Santo Ângelo/RS

Av. Universidade das Missões, nº 428- proximo a URI.

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Um projeto de lei, já em tramitação há três anos, planeja mudanças de alto impacto em dois cenários tangentes: o aumento de penas para tráfico de drogas e a ampliação da internação involuntária. A questão da internação compulsória gera uma ampla discussão, uma vez que de ambas as posições tem-se argumentos coerentes, organizados sob critérios científicos. De forma geral, psiquiatras afirmam que pessoas dependentes de crack não possuem condições de concordar com uma internação, uma vez que a droga rompe com o raciocínio lógico e conse-quentemente com a capacidade de juízo crítico. O projeto prevê a inter-nação por um período de 15 a 45 dias, feita em leito do SUS. A internação involuntária prevista no projeto será possível por meio de um pedido da família, envolvendo também acompanhamento médico, independente-mente de sua especialidade. “A família ficava assistindo ao seu filho ser destruído. O projeto devolve aos parentes o seu protagonismo” (Dep. Osmar Terra. Correio do Povo, 25 de abril de 2013, p.18).

Acrescento às palavras do Dep. Terra que aos parentes se devolve o protagonismo e ao Estado a saída para ocultar/mascarar sua falência. Este projeto retoma, de forma velada, uma prática muito discutida por Foucault que é a clausura, a segregação, a higienização da sociedade. “O classicismo inventou a internação, um pouco como a Idade Média a segregação dos leprosos; o espaço que estes deixaram vazio foi ocupado por personagens novos no mundo europeu: são os internados” (Michel Foucault. História da Loucura).

Não é apenas em nível de internação que o projeto assemelha-se com este tipo de método, mas em nível de sentido, porque, da mesma forma que no manicômio, os dependentes de crack serão jogados em espaços calados, com vacuidade terapêutica. Não entendo exatamente o que se pretende com o projeto, por que de forma alguma visa-se recuperação. Em 45 dias de internação o usuário está no ápice da abstinência, e de alguma forma o processo serviu para diminuir o nível de toxinas no seu corpo- o que permitirá um uso mais prazeroso dos narcóti-cos após a saída da prisão.

O Conselho Federal de Psicologia se posiciona contra esta ação, tendo por base três argumentos: o do sentido, que seria de limpeza urbana em períodos de evento como a Copa, etc.; o da efetividade, em que a internação é apenas um dos elementos necessários à reabilitação, nem sempre sendo o mais importante; e o da viabilidade, pois o SUS fracassa no atendimento básico à população, denunciado pela falta de profissionais, carência de infraestrutura e problemas organizacionais absurdos.

Ocorre que no Estado Brasileiro as discussões acontecem paralela-mente, o que culmina em projetos antagônicos. O presente projeto vai de encontro com a discussão sobre a descriminalização do uso de drogas. É como se o Estado operasse por vieses privados, interesses locais, e com isso assumisse um caráter contraditório em si mesmo. Definir onde se encontra o interesse privado na necessidade social é justificativa para uma discussão mais ampla.

Texto escrito por Elias Adams, acadêmico do curso de Psicologia.

O novo manicômio

Estamos diante de mais uma paralisação* do magistério estadual, em uma luta inglória pelos seus direitos negados de governo em governo. Os índices de aprendizagem nas provinhas do SAERS e na prova Brasil, com níveis baixíssimos dos educandos, refletem este descaso com o magistério público estadual.

A profissão de professor é de conhecimento de todos como tarefa nobre, pois é através da dedicação destes profissionais que todo um país move suas engrenagens, em todos os setores. Ora, querer, então, que estes trabalhem 40 ou 60 horas, como a grande maioria trabalha, para alavancar a economia de uma nação, sem receber uma remuneração justa, a qual lhes dê dignidade para si e os seus, sendo um dos profissionais mais mal pagos, é querer santidade daqueles que estudaram muitos anos, se prepararam e não ganham o suficiente para pagarem suas contas.

A reivindicação dos professores pelo Piso Nacional já dura dois anos aqui no Rio Grande do Sul, enquanto em outros estados ela já foi acatada. Sabemos que nossa economia vai de mal a pior, porém negar o que é justo e aprovado por lei aos professores é no mínimo “sem-vergonhice”, uma vez que nos discursos de campanha fez-se alusão de prioridade a educação durante o governo.

Não é preciso ser muito inteligente para discernir que a educação não é prioridade quando não paga-se com dignidade os professores, quando não há a decência de cumprir promessas de campanha.

Negar o cumprimento do Piso ao magistério é desrespeitar toda a nação gaúcha e seus filhos que precisam dos professores com ânimo e preparados intelectualmente para ensinar-lhes os caminhos do saber, tirando-os das trevas da ignorância.

O descaso para com o magistério deixou de ser um problema apenas dos professores e passou a ser questão de honra para todos os gaúchos, pois o estado inteiro perde com as sucessivas greves que o magistério é obrigado a fazer na tentativa de ser atendido pelo governo.

É momento de união de forças das mais diversas vertentes da socie-dade para fazer cumprir a lei do Piso Nacional, se não pelos professores, que pelos educandos, que são o futuro desta nação gaúcha.

* Escrito durante a paralisação dos professores, em abril deste ano.Texto escrito por Ariel Ribeiro, acadêmico do curso de Psicologia.

Descaso educacional no Rio Grande do Sul

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O Vício ConsumistaDesde cedo os economistas descobriram que o capitalismo, em sua

funcionalidade, gera diversos efeitos colaterais. Dentre esses efeitos, encontram-se os danos ao ambiente natural e social, bem como as crises econômicas que, de tempos em tempos, afetam as sociedades regidas por tal modelo. Percebendo que a famosa “mão invisível do mercado” proposta por Adam Smith nunca fora suficiente para garantir um crescimento ordenado do capitalismo, Keynes propôs a intervenção do Estado na economia. A intervenção tem como função, dentre outras coisas, manter a confiança do consumidor para que este continue consumindo.

David Harvey, em sua obra “Condição pós-moderna”, analisa o modo de produção fordista e suas transformações. Harvey destaca que a invenção mais original de Henry Ford não foi a linha de produção, uma vez que essa já era empregada em outros lugares. Tampouco foram os conceitos de administração científica, empregados por Ford em suas fábri-cas, já que os mesmos vieram de Taylor.

A contribuição original de Henry Ford para o capitalismo foi sua compreensão de que, para uma sociedade que tivesse a capacidade de produzir em massa, seria necessário que houvesse, também, um consumo em massa. As pessoas deveriam viver para consumir os produtos fabrica-dos cada vez em maior escala pelas grandes corporações. Neste caso, “viver para consumir” não é uma força de expressão- passa a ser o estilo de vida adotado por grande parte da população.

Esta afirmativa é tão verdadeira que se torna absolutamente fácil sua comprovação. Basta verificar que as pessoas que, por algum motivo, não se inserem nesta lógica de consumo, são marginalizadas. Cada vez mais, o fator de distinção entre os indivíduos, aquilo que o faz ser aceito ou não em determinados grupos sociais, é a forma como consome, se consome, o que consome e de quem consome. O consumo é o combustível do capital-ismo. Tão ou mais nocivo para o meio ambiente quanto o carvão. Seu vício é o consumismo, que adquire dimensões catastróficas, na medida em que os governos e as grandes corporações seguem incentivando sua prolifer-ação.

O sistema deliberadamente vicia o indivíduo e posteriormente age para a manutenção deste vício. Neste sentido, algumas estratégias são empregadas, como, por exemplo, a da obsolescência programada. Proje-ta-se um produto para que depois de um tempo determinado ele deixe de funcionar e o consumidor adquira outro. A propaganda também é um bom exemplo, inserindo no produto um significado que muitas vezes não possui nenhuma relação com sua funcionalidade. As corporações não vendem apenas o material, vendem também a promessa de uma felicidade ilusória, a ele atrelado. Não se vende um tênis, mas sim um símbolo que automati-camente fará do sujeito alguém “cool”.

Nesse processo, produção, consumo e descarte, o mais prejudicado é o ser humano. Seja através das imensas quantidades de produtos químicos presentes naquilo que o mesmo consome, ou das precárias condições de

trabalho impostas para a manutenção da produção, do consumo e do lucro. Ou ainda quando este, na impossibilidade de consumir, é marginal-izado e excluído. Isso sem falar nos gigantescos prejuízos ao meio ambi-ente gerados pelo consumismo.

O ser humano está presente em todas as etapas da produção e do consumo e, embora seja ele o mais prejudicado, isso possibilita uma atuação mais ampla, no sentido de modificar essas práticas. Que a tecno-logia, que hoje é empregada para programar um produto para tornar-se lixo, passe a ser empregada na criação de produtos sustentáveis. Que a propaganda que doutrina o consumidor a comprar desvairadamente passe a ser utilizada como forma de conscientização para um consumo responsável. Só assim, com uma atuação humana, séria e consciente serão resgatados, da droga do consumo, esses viciados compulsivos que somos.

Texto escrito por Leandro Alexandre, acadêmico do curso de História.

A Histeria imbecil dos politicamente corretosMarco Feliciano é a bola da vez. Ele conseguiu o que hoje é muito

fácil: criar alvoroço nos ideólogos politicamente corretos. Por que grupos politicamente tão fortes, financiados com fortunas dos cofres públicos, com apoio dos meios de comunicação e que conseguem arregimentar multidões para gritar e espernear quando querem se sentem tão ameaça-dos por um deputado? Os auto-intitulados defensores da tolerância são na realidade os mais intolerantes. Quem não está preparado ou não aceita que suas opiniões sejam contrariadas deve renunciar à democracia.

O que incomoda e atemoriza tanto os “inteligentinhos” politicamente corretos? Hoje, quando se brada contra a “elite conservadora machista, cristã e patriarcal”, faz-se referência a uma entidade morta. Hoje a “elite iluminada” é fundamentalmente hedonista, epicurista, feminista e gayzis-ta. O autêntico conservadorismo moral cristão foi banido dos ambientes chiques e das badaladas festas do beautiful people.

A religião um dia teve poder considerável, mas hoje tem pouca vez nas artes, na “cultura” e na mídia formadora de opinião. Sua influência se reduz a espaços comprados a muito custo em horários esquecidos de emissoras de pouca importância. Então por que atacar um “bicho papão” que existe somente na sua imaginação? Precisamente porque somente existe na sua imaginação. Nada reforça mais a união e a combatividade de um grupo odiento do que a investida desproporcional, barata, fácil e sem riscos contra um inimigo imaginário fabricado. Hitler entendeu e aplicou muito bem o conceito de que o maior chamariz para unir pessoas em tor-

no de uma causa está não nos seus interesses em comum, mas no ódio em comum. Ou seja, para manter um movimento vivo, em regra, preci-sa-se de um bode expiatório: uma encarnação do mau.

Esses que tanto falam em democracia e em liberdade não aceitam opiniões contrárias às suas utopias. É um paradoxo. Os senhores da inclusão são os primeiros a excluir e rotular os que lhes são contrários, tornando assim qualquer debate impraticável. Não se pode expressar qualquer opinião sem ser taxado de homofóbico, machista, prosélito religioso ou inimigo dos direitos de alguma minoria. Caso continue-se nesse passo em pouco tempo os debates não se darão em torno de ideias, mas de sujeitos, não para mostrar quem tem razão, mas para separar quem está do “seu” lado e quem está no lado “do mau”.

Os ditadores politicamente corretos agem como crianças mimadas que sabem brincam apenas a sua maneira. E quando for de outra forma, quebram o brinquedo e dizem: o brinquedo é meu, a brincadeira acabou! Esquece-se que a democracia é exercida por diferentes pessoas com difer-entes concepções de mundo, onde para se viver é preciso aceitar que todos têm direito à liberdade de pensamento e livre expressão, mesmo que nem sempre esta agrade a todos. Quem não aceita que suas opiniões sejam contrariadas deve renunciar à democracia.

Texto escrito por Eliseu S. Melo, acadêmico do curso de Direito.

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DCE/URI

Como começou?Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, madrugada do dia três de outubro

do ano de dois mil e quatro. Aproximadamente às cinco horas da manhã pedi uma carona a uns “amigos”, tinha exatos seis reais em meu bolso e gostava muito de estudar sobre estimulantes. Tais “amigos” pergun-taram-me se eu poderia emprestar-lhes quatro reais para complementar seu dinheiro para comprar uma “coisa”. Na maior das inocências, realmente por não saber do que se tratava, entreguei o dinheiro sem ao menos perguntar seu destino.

Entramos em um carro, eles foram em direção a um bairro da zona sul da cidade, passaram por uma ponte, pegaram a direita, e chegaram numa casa. Eu até que achei estranho. Naquela hora da madrugada, o que seria?

Um mês depois eu faria dezoito anos e realmente não havia maldade nas minhas percepções, até que perguntei o que o “amigo” que havia descido do carro fora comprar. “Cocaína”. “Cocaína?”. “É, pó!”. “Vocês vão cheirar?”. “Sim, nós” (dando ênfase ao “nós”, pois na verdade ele estava me incluindo). Eles pensavam que eu já cheirava cocaína. Ali eu pensei, “acho que hoje eu vejo o que é a tal da cocaína”. Afinal, era quase que só o que vinha estudando ultimamente no assunto dos estimulantes. Era como se minhas buscas por informações pudessem ser cessadas, ali, naquele momento.

Ele entrou no carro e disse: “o nego me vendeu uma de vinte por dez”. Tudo para mim era novo, interessante, embora tivesse medo do que tal droga pudesse me fazer. Ela foi a porta de entrada para um mundo desconhecido, que ninguém deve conhecer e que por consequência me levou à derrota total, até o fundo do poço - literalmente.

Cuidadosamente ele pegou uma capa de CD, dois cartões e começou a esmagar uma pedrinha meio amarelada. Aos poucos aquela pedrinha havia se transformado em pó, e então ele começou a esticar as “carrei-ras” e emparelhou-as. Eu disse que só queria experimentar, então separou-se a metade de uma para que eu “fizesse”. Na verdade não acreditei que aquilo, mesmo em pó, pudesse entrar no meu nariz; após tal ritual, ele pediu-me a nota de dois reais que havia sobrado, para fazer o “canudo”. Minuciosamente ele enrolou aquela nota, então começaram a cheirar. Isso durou cerca de cinco minutos. Na minha vida, porém, durou alguns anos.

Quando chegou minha vez, peguei o canudo, coloquei no nariz e cheirei. Fiquei muito surpreso, pois não doeu, eu simplesmente cheirei como se fosse apenas uma respiração (na verdade uma inspiração) um pouco mais forçada que o normal.

Em menos de um minuto não senti mais meus dentes nem minha boca. Um dos jovens que estava comigo disse que aquilo era difícil de acontecer - na primeira vez dele isto não aconteceu, e que, se aconteceu

agora, era porque nós havíamos pegado uma “boa”. Foi quando pela primeira vez entendi tal conceito, pois havia estudado sobre os graus de porcentagem de drogas como a cocaína. Este interesse pelos estimulantes surgiu já na adolescência, e com catorze anos de idade já queria escrever sobre o assunto. Quanto mais o tempo passava, mais me interessava. Eu me achava diferente, afinal, praticamente todos que eu conhecia já haviam experimentado algum tipo de droga e eu não. Senti-me como nunca havia sentido antes, uma energia muito forte, como se fosse possível fazer qualquer coisa que envolvesse meu corpo físico e minha mente. Chegamos a um posto de gasolina, peguei uma água sem gás. E sinceramente até então a sensação foi ótima. Em meia hora os “amigos” deixaram-me em casa. Tive, então, a pior sensação já vivida até aquele momento em minha vida. Literalmente “fritei na cama”, acho que durante duas horas fiquei tentando dormir, me virando incansavelmente de um lado para outro... Lá se foram alguns anos de minha vida.

Como terminou?Após muita hipocrisia, muitas mentiras e muito dinheiro gasto, me

perguntei: - como consegui parar aqui? Estava em um presídio, sozinho, chorando e sinceramente muito arrependido de ter feito aquelas escol-has. Tive que trancar minha faculdade, remodelar alguns pensamentos e por sorte, por muita sorte, não perdi minha família.

Fui preso, pois era “bem relacionado” com muita “gente”. Na verdade mantinha minhas máscaras e mentiras em uma vida social dupla e hipócrita. Falava abertamente sobre os prejuízos da droga, mas não conseguia ficar quatro dias sem cheirar. Não me envolvia com “droga-dos”, mas era seguindo-os que eu obtinha o que mais desejava. O que eu mais queria era libertar-me, mas achava isso impossível. Até que levei um choque, um necessário choque de realidade: a já citada prisão. Sem clichês, foi em uma cela de presídio que verdadeiramente me tornei livre. Livre das mentiras, do vício, de mim mesmo.

Hoje tudo é ainda muito recente. Há cerca de nove meses que “estou livre”. Neste pequeno relato, ainda tenho a sorte de escrever que houve um fim. Ela chegou a me levar preso, sim, mas ainda estou vivo e livre (também literalmente). Infelizmente algumas pessoas não podem nem mais escrever algo sobre o que viveram.

Aqui não fica nenhuma moral ou reflexão... Talvez você me encontre na rua, talvez até a gente se conheça. Tudo foi muito intenso e posterior-mente muito amargo, algo que ecoará por muito tempo na minha vida. Eis uma história real.

O acadêmico autor do texto solicitou que seu anonimato fosse mantido.

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Até onde “ela” pode te levar-relato de um ser humano.

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Mande seu material para o Conversa (a)Fiada! Este espaço é nosso, aberto e democrático. Todos os alunos podem participar! Lembrando que os trabalhos devem possuir cará-ter opinativo, e que a comissão organizadora se reserva ao direito de edita-los e/ou postergar sua publicação para a edição seguinte por questões de espaço, viablidade, etc...

O Conversa (a)Fiada é: Organização, edição e divulgação: Jonathan Vieira Costa, Douglas Flores, Jhonathan Molinos, Laura Sant’Ana e Marcia Hening. Design e diagramação: André Luiz Gollo.