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DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO D IREITO A MBIENTAL DO T RABALHO Apontamentos para uma Teoria Geral Volume 4

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DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHODIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO

Apontamentos para uma Teoria Geral

Volume 4

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Volume 1 — Junho, 2013Volume 2 — Setembro, 2015Volume 3 — Fevereiro, 2017Volume 4 — Maio, 2018

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DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANOPAULO ROBERTO LEMGRUBER EBERT

Coordenadores

DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO

Apontamentos para uma Teoria Geral

Volume 4

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EDITORA LTDA.

© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-003São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1151www.ltr.com.brMaio, 2018

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: GRAPHIEN DIAGRAMAÇÃO E ARTEProjeto de Capa: FABIO GIGLIOImpressão: BOK2

versão impressa — LTr 5965.1 — ISBN 978-85-361-9693-0 versão digital — LTr 9394.8 — ISBN 978-85-361-9720-3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Direito ambiental do trabalho : apontamentos para uma teoria geral, volume 4 / Guilherme Guimarães Feliciano, Paulo Roberto Lemgruber Ebert, coordenadores. — São Paulo : LTr, 2018.

Vários autoresBibliografia.

1. Ambiente de trabalho 2. Direito ambiental 3. Direito do trabalho I. Feliciano, Guilherme Guimarães. II. Ebert, Paulo Roberto Lemgruber.

18-16076 CDU-34:331.042

Índice para catálogo sistemático:1. Direito ambiental do trabalho 34:331.042

Cibele Maria Dias — Bibliotecária — CRB-8/9427

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SUMÁRIO

ApresentAção

Guilherme Guimarães Feliciano e Paulo Roberto Lemgruber Ebert .................................................................... 7

seção 1 Análises interdisciplinAres de temAs Afetos Ao meio Ambiente do trAbAlho

desAstres invisíveis e práticAs de lutA. um olhAr Antropológico sobre um cAso de Ativismo or-gAnizAdo pelos trAbAlhAdores do AmiAnto em osAsco, são pAulo

Agata Mazzeo (Itália) .......................................................................................................................................... 11

As condutAs criminosAs dA indústriA do AmiAnto

Barry I. Castleman (E.U.A.) ................................................................................................................................ 21

A hegemoniA dA individuAlizAção dA sAúde e segurAnçA do trAbAlho no cApitAlismo flexível

Graça Druck e Vitor Filgueiras ............................................................................................................................. 41

lA epidemiA de mesoteliomA mAligno pleurAl, después de más de 40 Años de trAnsferenciA del Asbesto A méxico

Guadalupe Aguilar-Madrid, Rosalía Fascinetto Dorantes e Cuauhtémoc Arturo Juárez-Pérez (México) .......... 55

AmiAnto e A divisão internAcionAl do risco: A fAláciA do uso controlAdo

Fernanda Giannasi ............................................................................................................................................... 71

As mudAnçAs no mundo do trAbAlho e suAs repercussões sobre A sAúde do trAbAlhAdor: revisão e tendênciAs pArA o início do século xxi

Heleno Rodrigues Corrêa Filho ............................................................................................................................ 93

contrAssensos sAnitários do controle vetoriAl dA dengue, zicA e chicungunyA: onde ficA o direito A um Ambiente sAudável?Lia Giraldo da Silva Augusto, Finn Diderichsen (Dinamarca) e Solange Laurentino dos Santos ....................... 127

reestruturAções e pressão por metAs de produção: umA breve ArquiteturA dA sujeição e do Assédio lAborAl

Margarida Barreto e Roberto Heloani.................................................................................................................. 133

energiA nucleAr: sAúde e direito dos trAbAlhAdores

Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano .............................................................................................................. 139

A possibilidAde de tornAr reAl A utopiA do trAbAlho sAudável, sob A perspectivA do “princípio esperAnçA”, de ernst bloch (1885-1977)René Mendes ....................................................................................................................................................... 147

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seção 2 Análises jurídicAs de temAs Afetos Ao meio Ambiente do trAbAlho

o meio Ambiente do trAbAlho nAs prisões sob custódiA. o olhAr sobre os Agentes penitenciários: encArcerAdos sem penAs pelo estAdo infrAtor

Alessandro Santos de Miranda ............................................................................................................................. 163

A responsAbilidAde por dAnos lAbor-AmbientAis no setor Automobilístico

Andrea da Rocha Carvalho Gondim .................................................................................................................... 177

sobrejornAdA e meio Ambiente do trAbAlho: princípio dA insignificânciA ou bAgAtelA?Gisele Santos Fernandes Góes ............................................................................................................................... 189

AmiAnto, meio Ambiente do trAbAlho e responsAbilidAde civil do empregAdor

Guilherme Guimarães Feliciano e Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto ................................................... 197

empregAdos sujeitos A rAdiAções ionizAntes em hospitAis

José Affonso Dallegrave Neto ................................................................................................................................ 211

A substituição do Agente químico AmiAnto nos Ambientes de trAbAlho

Marcia Cristina Kamei Lopez Aliaga e Luciano Lima Leivas .............................................................................. 239

poluição lAbor-AmbientAl. Aportes jurídicos gerAis

Ney Stany Morais Maranhão ............................................................................................................................... 249

Assédio morAl orgAnizAcionAl: A gestão degrAdAnte como poluição do meio Ambiente do trAbAlho

Paulo Roberto Lemgruber Ebert ........................................................................................................................... 259

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APRESENTAÇÃO

A série “Direito Ambiental do Trabalho” chega ao seu quarto volume com grande parte de seu objetivo cumprido, qual seja, o de oferecer os apontamentos gerais para a construção de uma teoria geral do Direito Ambiental do Traba-lho. Já estamos bem perto disto, como perceberá o leitor.

De fato, se o primeiro volume da série, lançado em 2013, teve por preocupação central o delineamento dos con-ceitos-chave a integrarem o subsistema jurídico labor-ambiental — com especial destaque para o caráter sistêmico da organização dos fatores de produção e da centralidade das noções de poluição, risco, prevenção e precaução —, os dois volumes seguintes da coleção, lançados em 2015 e 2017, respectivamente, aprofundaram ainda mais tais conceitos, no-tadamente pela excelente repercussão de artigos da autoria de renomados especialistas nos diversos temas abordados.

Pois bem. Ao cabo dos oitenta e três artigos que integram os três volumes anteriores, é possível vislumbrar, com clareza, os vetores teóricos a definirem os sete grandes eixos que devem compor a teoria geral do Direito Ambiental do Trabalho, a saber, (i) a sua dimensão propedêutica (i.e., o conceito de meio ambiente do trabalho), (ii) a sua dimensão jusfundamental (i.e., a ancoragem constitucional da questão labor-ambiental), (iii) a sua dimensão preventiva (ou preventivo-precaucional); (iv) a sua dimensão repressiva; (v) a sua dimensão reparatória; (vi) a sua dimensão instru-mental (com ênfase nuclear para o conceito de poluição); e (vii) a sua dimensão transversal (i.e., a interdependência entre o Direito Ambiental do Trabalho e as ciências afins). Esta última, em especial, mereceu cuidadoso enfoque no presente volume, notadamente quanto às implicações diversas da exposição laboral ao amianto.

A par disso, os valorosos trabalhos produzidos entre 2013 e 2017 aproximaram nossos leitores de uma série de ca-sos notáveis analisados à luz daqueles sete eixos temáticos, sempre atentos à necessária visão interdisciplinar do Direito Ambiental do Trabalho, derivada da própria transversalidade ínsita ao Direito do Meio Ambiente.

O quarto volume da coleção, portanto, parte das premissas teóricas fixadas nos volumes que o antecederam, não apenas para consolidá-las ainda mais, como também para desdobrá-los em perspectiva pragmática, descortinando di-versos objetos atuais e relevantes do Direito Ambiental do Trabalho: poluição labor-ambiental, assédio organizacional, amianto e derivações, energia nuclear, SST em ambientes carcerários etc.

Sob essa diretriz, os organizadores convidaram, para o presente volume, renomados especialistas das áreas da Antropologia, da Engenharia, da Medicina, da Psicologia e da Sociologia, como também profissionais destacados da área do Direito — advogados, juízes, auditores, membros do Ministério Público — cada qual discorrendo sobre o principal elemento de seus estudos acadêmicos e/ou de sua atuação profissional, de modo a confirmar um riquíssimo caleidoscópio interdisciplinar, abrangente de velhos e novos temas relacionados ao meio ambiente do trabalho (muitos dos quais, diga-se logo, inéditos no âmbito desta coleção). O resultado de tal encontro não poderia ser melhor. Em um singelo volume, o leitor disporá de um vastíssimo repositório de informações científicas — inclusive jurídicas — que lançam novas e instigantes luzes sobre questões capitais do espectro labor-ambiental.

Com este volume quarto, portanto, a coleção “Direito Ambiental do Trabalho” consolida-se como a mais longeva coletânea de SST no mercado editorial brasileiro e se aproxima ainda mais do objetivo que vislumbrávamos desde o início: o de servir como plataforma de pouso e decolagem para todos aqueles estudiosos que se aventuram a explorar o instigante e amplíssimo universo do meio ambiente do trabalho.

Stephen Hawking, de recente partida e eterna memória, afirmou alhures que as grandes conquistas da humani-dade foram obtidas com o diálogo, enquanto que as grandes falhas deveram-se justamente à falta dele. Este é, talvez, o

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nosso maior desafio: dialogar sobre o novo — e sobre o não tão novo —, e fazê-lo com um novo olhar, sem preconcei-tos ou temores. Aventure-se conosco.

Boa leitura!

São Paulo, 1º de março de 2018.

Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo.

Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (2017-2019).

Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP.

Paulo Roberto Lemgruber Ebert

Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília.

Advogado.

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SEÇÃO 1

ANÁLISES INTERDISCIPLINARES DE TEMAS AFETOS AO MEIO AMBIENTE

DO TRABALHO

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DESASTRES INVISÍVEIS E PRÁTICAS DE LUTA. UM OLHAR ANTROPOLÓGICO SOBRE UM CASO

DE ATIVISMO ORGANIZADO PELOS TRABALHADORES DO AMIANTO EM OSASCO, SÃO PAULO

Agata Mazzeo(*)

1 INTRODUÇÃO

Os desastres ambientais, sociais e pessoais causados pela exposição ao amianto são lentos, invisíveis e silencio-sos, por várias razões. A minha investigação centra-se nas razões relacionadas à doença e/ou ao risco de contrair uma doença causada pela exposição às cancerígenas fibras de amianto. As doenças relacionadas ao amianto são caracteriza-das por um longo período de latência. Esse fator dificulta (se não impossibilita) reconstruir precisamente a história de uma exposição ao pó de amianto e, por conseguinte, determinar uma precisa relação de causa-efeito entre a exposição e o aparecimento de uma doença por ela causada. Além disso, em diferentes contextos históricos e sociais, os lobbies do amianto negaram e continuam a negar o sofrimento social e pessoal causado por tais desastres. Contudo, apesar de uma invisibilidade construída, em diferentes contextos geopolíticos, os atores sociais contaminados e/ou envolvidos nessas experiências de sofrimento, estão empreendendo práticas para finalmente tornar visíveis e mudar as dinâmicas dos desastres dos quais eles são vítimas.

O presente ensaio discute dados coletados durante um trabalho de campo etnográfico de dez meses, articulado em duas fases (entre agosto de 2014 e outubro de 2015) e conduzido na cidade de Osasco (Grande São Paulo). O objeto de pesquisa foi fundamentado nas práticas de luta empreendidas pelos ativistas da ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, composta, em sua maioria, por ex-trabalhadores da fábrica local Eternit, aberta no ano de 1941, fechada em 1993 e demolida em 1995 (IBAS 2012).

O estudo antropológico no qual a pesquisa conduzida no Brasil está baseada inicia-se com uma investigação, em 2009, com uma experiência da doença causada pela exposição ambiental às fibras de amianto dispersas a partir de uma fábrica de fibrocimento, a Fibronit, ativa de 1935 a 1986 e localizada na cidade de Bari, capital da região da Puglia (Itália). Posteriormente, em 2012, um segundo estudo foi realizado em Casale Monferrato (Alessandria), na região de Piemonte. Naquela ocasião, a pesquisa teve como foco principal a mobilização civil organizada pelas vítimas da poluição de amianto causada pela maior fábrica de fibrocimento da Europa de propriedade da empresa multinacional Eternit, ativa de 1906 a 1986, e situada em Casale Monferrato. O envolvimento sociopolítico das vítimas, dos familiares

(*) Doutoranda em Antropologia na Universidade de Bolonha (Itália).

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de pessoas que morreram em decorrência de doenças relacionadas à exposição ao amianto e dos cidadãos expostos, foi interpretado como um processo que teve origem na experiência subjetiva do sofrimento vivido com o seu próprio corpo e determinado pelas dinâmicas políticas envolvidas no processamento do amianto.

No Brasil, as questões relacionadas a tal mineral levantam problemáticas de caráter político, econômico, social e de saúde pública muito complexas (Castro et al. 2003). Além de ser um país onde ainda se processa o amianto, de fato, o Brasil é também um dos maiores países produtores de amianto. Pertence ao estado de Goiás a terceira mina de amianto crisotila do mundo (Locca 2011).

No âmbito de um projeto com o objetivo de conduzir uma etnografia multissituada (Marcus 1995), a decisão de prosseguir os estudos em Osasco foi baseada na consideração das profundas conexões histórico-sociais e culturais existentes entre Osasco (Brasil) e Casale Monferrato (Itália).

Assim como os desastres causados pela laboração do amianto seguem trajetórias transnacionais, as formas de ati-vismo surgidas como práticas de resistência e reação a estes assumem também uma dimensão que supera as fronteiras nacionais. No caminho da minha formação acadêmica, contingências e experiências de vida me conduziram a escolher a trajetória que conecte Casale Monferrato e Osasco, mas permanece a consciência de que essa representa só uma das muitas conexões que atravessam as diversas questões relacionadas ao amianto no contexto global.

2 DESASTRES INVISÍVEIS

O amianto é um mineral que era, e ainda é, amplamente utilizado, especialmente na indústria da construção civil, por suas características físicas, principalmente à resistência ao fogo e à capacidade de combinar-se com outras matérias-primas por sua natureza fibrosa (Assennato 2003).

As fibras que o compõem, no entanto, são altamente cancerígenas e podem causar, quando inaladas, doenças respiratórias e vários tipos de câncer, incluindo o mesotelioma maligno, patologia fatal relacionada especificamente à exposição ao mineral, podendo aparecer até trinta anos após o primeiro contato (Musti 2009; Raile e Markowitz 2011).

As fibras de amianto, de fato, podem ser facilmente inaladas e, graças ao seu tamanho microscópico e a sua forma de gancho, podem ficar muito tempo nos pulmões e nas membranas que cobrem os órgãos vitais e causar, ao longo do tempo, doenças fatais. Até hoje, as doenças relacionadas ao amianto reconhecidas pela ciência biomédica são asbestose, câncer de pulmão, laringe e ovário, e o mesotelioma maligno (INAIL 2015). Este último é um câncer mortal com uma expectativa de vida no momento do diagnóstico de 9 meses (INAIL 2015).

No mundo, mais de 107 mil pessoas morrem a cada ano por causa do amianto e mais de 125 milhões ainda estão expostas nos locais de trabalho (WHO 2010). Os primeiros estudos médicos que analisaram a carcinogenicidade das fibras de amianto remontam à segunda metade dos anos sessenta, quando o grupo de trabalho do Dr. Irving Selikoff investigou a relação entre a exposição às fibras de amianto e o aparecimento do mesotelioma maligno, com base na observação de casos que ocorreram entre os residentes de uma área próxima a uma mina de amianto na África do Sul (Selikoff et al. 1965). Contudo, apesar das descobertas e do número crescente de mortes relacionadas à exposição ao amianto, existe uma parte, mesmo que mínima, de expoentes do saber biomédico, afirmando que seria possível o uso controlado de alguns tipos de minerais de amianto sem ameaças à saúde dos trabalhadores e dos cidadãos (Marsili et al. 2016; Terracini e Mirabelli 2016). Os discursos e as categorias biomédicas elaborados por estes cientistas relevam o carácter contingente e não absoluto dos paradigmas científicos (Kuhn 1995) e comprovam como o sistema cultural representando pelo saber biomédico (Kleinman 1980) entrelaça-se com as forças de poder geralmente consideradas externas a ele, sendo o conhecimento biomédico comumente concebido como um saber estrito científico e, por isso, neutral e objetivo.

Em ocasião do maior e primeiro julgamento contra uma multinacional do cimento-amianto acusada de de-sastre ambiental em razão dos números de mortes e casos de doenças registrados na cidade de Casale Monferrato, procuradores e advogados analisaram documentos comprobatórios de que os lobbies do amianto, atuando no cenário internacional, exerceram um verdadeiro controle sobre a produção de conhecimento e sobre a comunicação dos riscos relacionados à exposição ao amianto, já conhecidos pelo menos desde a metade dos anos sessenta (Rossi 2012).

Além disso, nos lugares onde a economia relacionada ao amianto era particularmente forte, qualquer forma de conscientização entre os trabalhadores e os cidadãos expostos era impedida por meio de práticas de negação do risco

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(Rossi 2012). Por exemplo, referindo-me às narrativas dos meus colaboradores de pesquisa, na Itália e no Brasil, era práxis comum que os trabalhadores que mostrassem os primeiros sintomas de doenças relacionadas ao amianto fossem imediatamente transferidos para outros departamentos ou demitidos, de modo que os colegas de trabalho não soubessem o que estava acontecendo e não levantassem suspeita. Por exemplo, na Itália quando uma pessoa morre, é costume colocar cartazes funerais na frente dos lugares mais significativos da vida do falecido. Em Casale Monferrato, era proibido colocar esses cartazes na frente dos portões da fábrica para evitar a divulgação das notícias das mortes entre os trabalhadores.

A comunicação do sofrimento que estava já sendo causado devia ser proibida e limitada (Rossi 2008, 2012). Igual-mente, apesar de os trabalhadores serem submetidos a exames médicos periódicos nas fábricas, estas visitas médicas não revelavam nenhuma alteração fisiológica por causa da exposição ao amianto, mesmo na presença de sintomas. Além disso, os resultados desses testes não eram entregues para os trabalhadores, os quais não recebiam nenhuma declaração escrita. A comunicação sobre o estado de saúde dos trabalhadores era controlada pelos empregadores, os quais não tinham nenhum interesse em divulgar as informações de forma clara e detalhada. Além disso, os gerentes das fábricas nos contextos locais, colocando em prática as disposições elaboradas aos níveis superiores de gerência das empresas multinacionais, promoviam ações destinadas a criar um sentimento de confiança por parte dos trabalhadores e da comunidade local no que diz respeito aos empregadores (Rossi 2008, 2012; Waldman 2011; Boholm 2003).

Durante o trabalho de campo na Itália como no Brasil, os colaboradores da pesquisa narraram que o salário que era possível ganhar trabalhando nas fábricas de cimento-amianto era mais elevado daquele que se poderia ganhar em outras fábricas. Além disso, eram oferecidos benefícios sociais e materiais como, por exemplo, bolsas de estudo e viagens para os filhos dos trabalhadores (na Itália), seguro de saúde privado (no Brasil), oportunidades de confrater-nização em ocasião de festas (na Itália e no Brasil). É evidente que tais práticas fossem promovidas para aumentar a confiança dos trabalhadores e dos seus familiares em relação aos empregadores. Tais hábitos, reforçando a ideia de que a fábrica representava um lugar seguro e o trabalho pudesse garantir um bem-estar econômico e uma dignidade social (Waldman 2011), tornavam os trabalhadores particularmente dependentes da empresa, não só por um ponto de vista econômico, mas também psicológico e emotivo, por essa razão, eles eram dificilmente inclinados a elaborar qualquer crítica ou questionar as condições de trabalho na fábrica.

Ulrich Beck nas páginas de abertura de A Sociedade do Risco (1992), introduz o tema da invisibilidade dos riscos inerentes à contemporaneidade. Há eventos cujos agentes destrutivos ou fatais podem ser quase completamente im-perceptíveis, mas isso não significa que as consequências deles sejam menos graves (Ligi 2009). Contudo, eles podem levar a uma situação que pode ser descrita, às vezes, como um desastre. Este é o caso de alguns tipos de contaminação, como aquela determinada pela exposição às fibras de amianto dispersas no ar. Na minha pesquisa, refiro-me às contri-buições dos estudos antropológicos sobre os desastres ambientais (Oliver-Smith e Hoffman 1999; Ligi 2009; Das 1995; Petrina 2002) e, em particular, determinados pelo processamento do amianto (Waldman 2011; Broun e Kisting 2006), quando defino as consequências dessa poluição em termos de desastres, vividos nos corpos das vítimas por meio da experiência das doenças e sofridos num nível privado e social. No estudo dos contextos urbanos contaminados pela poluição de amianto, considerando as peculiaridades que os caracterizam e diferenciam, achei dinâmicas de invisibi-lidade dos riscos e de uma nova concepção do espaço e do tempo que são próprias dos riscos ― e perigos (Douglas e Wildavsky) ― que afetam a sociedade contemporânea assim como é discutido, entre outros, por Bauman (2001) e por Beck, juntamente com o Giddens e o Lash, em Modernização Reflexiva. Política, Tradição e Estética (1997).

Por exemplo, em primeiro lugar, as fibras de amianto, fatores cancerígenos, são invisíveis e podem ser inaladas sem alguma percepção. Em segundo lugar, os lobbies do amianto têm promovido estratégias a fim de impedir a elabo-ração de uma percepção do risco entre os trabalhadores expostos. Consequentemente, a mesma situação de risco e o consequente desastre, tornou-se invisível enquanto não percebida (Slovic 2010). Em terceiro lugar, a fácil dispersão das fibras tem determinado uma disseminação dos desastres causados pelo processamento do amianto além dos limites da fábrica: cidadãos que nunca tinham trabalhado com o amianto têm sido contaminados por uma exposição ambiental e/ou doméstica.

Enfim, o longo período de latência do mesotelioma maligno, que pode aparecer após trinta anos da primeira exposição (Musti et al. 2009), influencia a experiência subjetiva do risco e do desastre, perceptível nos seus efeitos so-mente depois que a fonte de perigo se distanciou no tempo e no espaço. Todos estes fatores, e a confiança construída e mantida por meio das estratégias acima mencionadas, determinaram uma total ausência da percepção do risco, apesar de, por exemplo, os ambientes de trabalho estarem visivelmente cheios de poeira. Em Casale Monferrato e atualmente