de actuar em plenItude - spmi.pt · excesso de exames de diagnóstico e a excessiva...

20
Medicina Interna Hoje 1 INTERNISTAS PRECISAM DE ACTUAR EM PLENITUDE Fernando Leal da Costa Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde Outubro de 2011 • Ano VI • Nº21 • Trimestral Hoje Investigadores portugueses descobrem novo mecanismo causador de aterosclerose

Transcript of de actuar em plenItude - spmi.pt · excesso de exames de diagnóstico e a excessiva...

Medicina Interna Hoje 1

InternIstas precIsam de actuar em plenItude

Fernando leal da costasecretário de estado adjunto

do ministro da saúde

Outubro de 2011 • Ano VI • Nº21 • Trimestral

Hoje

Investigadores portugueses descobrem novo mecanismo causador de aterosclerose

2 Medicina Interna Hoje

Medicina Interna Hoje 3

de portas abertas

Expectativas para a Saúde em PortugalSe na passada edição falámos sobre um tempo de mudança, hoje esta-mos expectantes acerca da acção deste novo governo na área da saú-de e, por isso, elegemos como nosso entrevistado Fernando Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto do Mi-nistro da Saúde.A mensagem a reter é, de facto, o esforço dos 100 primeiros dias do governo para cumprir as imposições do memorando da troika procurando manter a qualidade do SNS. Mas a en-trevista vai mais longe e procura per-ceber se existe uma real preocupação deste governo em acabar com des-perdícios no sistema de saúde que não são óbvios nem fáceis de detec-tar ou contornar, como a repetição e excesso de exames de diagnóstico e a excessiva burocratização. Leal da Cos-ta fala-nos ainda das necessidades de médicos em algumas especialidades e do modo como devem ser supri-das. Reconhece a forma globalizante como a Medicina Interna actual, mas refere que a excessiva sub-especia-lização contribuiu para uma certa fragmentação da prestação e para agravar a “via-sacra” dos doentes, de especialidade em especialidade. Mas reconhece também que a Medicina

ponto por ponto

Faustino Ferreira

4 Olho clínicoSal: cuidado com ele!

Aveiro rima com pioneiroCancro: doentes têm

nova rede social exclusivaAlerta vermelho

Doença do fígado em foco

6 Vox popEureka!

Investigadores portugueses descobrem novo mecanismo causador de aterosclerose

7 raio xO programa

Harvard Medical School Portugal e a Medicina Interna

Por António Vaz Carneiro

8 alta vozSíndrome de Dress

- Um diagnóstico a ter presentePor Rita Nortadas

10 uma palavra a dizerEntrevista com

Fernando Leal da Costa Secretário de Estado Adjunto do

Ministro da Saúde

16 primeiros passosO doente é a minha

razão de ser internistaPor Brígida Ferrão

17 do lado de cáO que os media querem saber,

o que os media dão a conhecerPor Paula Rebelo

Interna tem sido subaproveitada pela gestão dos hospitais e pelo SNS.A SPMI publica ainda, nesta edição, os resultados de um estudo em que investigadores portugueses desco-brem novo mecanismo causador de aterosclerose, a principal causa das doenças cardiovasculares e cerebro-vasculares. Os investigadores des-cobriram anticorpos que destroem o “colesterol bom”, um dos factores mais importantes na protecção con-tra esta doença. Publicamos também casos clínicos sobre o síndrome de Dress, procurando mais uma vez de-monstrar o carácter holístico e diver-sificado do trabalho do internista.Vaz Carneiro mostra-nos o programa da Harvard Medical School Portu-gal, resultado de um protocolo de colaboração entre a Faculdade de Medicina de Harvard e o governo português, através do então Minis-tério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.A jornalista da RTP (Porto) Paula Rebelo alerta sobre o que os media querem saber sobre a saúde, tratan-do um tema importante para a SPMI: a relação com os meios de comuni-cação social e a relevância que esta relação assume nos nossos dias.

4 Medicina Interna Hoje

olho clínico

salCuidado com ele!

O presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC) defende o alar-gamento da legislação que limita o sal no pão a outros alimentos, um ano após a sua entrada em vigor, em prol de uma melhor saúde cardiovascular dos portugueses.“A legislação devia abranger, essen-

cialmente, tudo o que são produtos de charcutaria, extremamente ricos em sal, que além de aumentar o risco de hipertensão e de acidentes vascu-lares cerebrais (AVC), também é uma das causas de cancro do estômago e agrava as doenças respiratórias, como a asma”, disse à agência Lusa Manuel Carrageta.O presidente da FPC adiantou ainda que outro problema na alimentação dos portugueses é o bacalhau, que deve ser muito mais demolhado.Para Manuel Carrageta, “estas medidas de saúde pública são muito impor-

tantes. Ainda por cima, não custam dinheiro e reduzem a hipertensão e o número de AVC”. Lembra ainda que são medidas que não implicam gastos e não prejudicam ninguém.As doenças cardiovasculares, que atin-gem meio milhão de portugueses, são a primeira causa de morte, doença, incapacidade e custos de saúde em Portugal. Diariamente, provocam a morte a mais de cem portugueses, o que representa cerca de 35 por cento da mortalidade total anual, sendo as principais causas os AVC e o enfarte do miocárdio (ataque cardíaco).

cancroDoentes têm nova rede social exclusivaI Had Cancer é uma nova rede social criada nos Estados Unidos e difun-dida na internet para os doentes com cancro, e todos os que os ro-deiam, poderem partilhar as suas experiências, de modo a encararem melhor a doença, informa a agência Lusa.Esta rede social permite aos seus utilizadores formar um círculo de amizades virtuais, contar a sua his-tória, participar em discussões e até dirigirem-se directamente à sua doença numa área designada “Que-rido cancro”, onde poderão publicar mensagens.Os impulsionadores desta rede so-cial estão a trabalhar para desenvol-

verem aplicações que promovam a realização de eventos e o trabalho de organizações não governamentais.“Tinha médicos maravilhosos e apoio da minha família e amigos, mas achava que me faltava uma li-gação com alguém que partilhasse esta experiência”, explicou a fun-dadora da rede social I Had Cancer, Mailet López, de 33 anos, a quem foi diagnosticado um cancro da mama, em 2008.Os utilizadores desta rede social po-derão procurar pessoas que tenham passado pela mesma situação, atra-vés de um sistema de pesquisa por localização, género, idade, tipo de cancro e tratamento.

Medicina Interna Hoje 5

O Hospital de Aveiro, a partir de Agos-to, foi pioneiro a discriminar nas fac-turas o valor real dos cuidados de saú-de, a par dos valores finais das taxas moderadoras a pagar pelos utentes

Aveiro rima com pioneiro

do Serviço Nacional de Saúde. É uma forma de “informar e sensibilizar os clientes para a adequada utilização dos serviços de saúde”, explicou ao JN Luís Coelho, presidente do con-

Hospital de Aveiro discrimina custos de taxas moderadoras nas facturas aos utentes

Doença do fígado em focoAs V Jornadas do Núcleo de Estu-dos das Doenças do Fígado jun-tou dezenas de especialistas em Monte Real, Leiria, entre 30 de Setembro e 1 de Outubro. Ob-jectivo: discutir a prevenção e o tratamento de doenças como as hepatites virais e tóxicas, a cirro-se hepática e o cancro do fígado.

Algumas instituições privadas e so-ciais que integram a rede de cuidados continuados alegam que estão sem receber do Estado há meses, e que estão dificuldades de assegurar a ges-tão da prestação de cuidados.A Rede Nacional dos Cuidados Conti-nuados Integrados foi criada em 2006 e começou a funcionar no final des-se ano. Desde então, já assistiu perto de 90 mil pessoas, contando para tal com instituições públicas (12 por cen-to), privadas (25 por cento) e sociais (mais de 60 por cento). A dívida começou a acumular-se des-de Maio e tem prejudicado a vida aos prestadores sociais de cuidados con-tinuados.

Rede de cuidados continuados assenta na parceria com instituições que estão sem receber

Tanto no sector das misericórdias como no privado, a situação é com-plexa e muitas instituições ponde-ram solicitar o apoio das famílias se o governo não responder atempada-mente. A coordenadora da RNCCI, Inês Guer-reiro, tem conhecimento das dívidas, mas garante que os atrasos não estão a afectar todas as instituições. “O ce-nário não é de euforia, mas também não é de pessimismo suicidário”, disse à Agência Lusa. O gabinete do ministro da Saúde dis-se que a situação económica do País não permite que se façam planos de pagamento destas dívidas, das quais a tutela tem conhecimento.

Alerta vermelho…

selho de administração do Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro.Esta medida pretende seguir a polí-tica de transparência recomendada pelo Tribunal de Contas, e por en-quanto segue só nas facturas que são enviadas para casa. Depois, se-gundo Luís Coelho, a aplicação infor-mática permitirá aplicar a medida a todas as facturas e recibos. Exemplifica com o preço de análises comuns numa ida à urgência, em que o utente paga 15,80 euros, sen-do que, o custo real (que também vem discriminado), ascende aos 105,08 euros.

6 Medicina Interna Hoje

vox pop

Investigadores portugueses descobrem novo mecanismo causador de aterosclerose

eureka!

Uma descoberta de investigadores por-tugueses pode ajudar a prevenir a ate-rosclerose, a principal causa das doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Os investigadores descobriram anticorpos que destroem o “colesterol bom”, um dos factores mais importantes na pro-tecção contra esta doença.O trabalho de uma equipa de investiga-dores do Centro de Investigação de Do-enças Crónicas (CEDOC) da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, coorde-nado por José Delgado Alves, professor de farmacologia naquela faculdade, in-ternista do Hospital Fernando da Fonse-ca e responsável do Núcleo de Estudos de Doenças Auto-Imunes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, foi já apresentado em diversos congressos internacionais e encontra-se em fase de aquisição de patente intelectual. Esta descoberta assume particular relevân-cia, pois permitirá combater uma doen-ça que é a principal causa de morte no mundo ocidental.A investigação partiu da observação de

que os doentes com lúpus - uma doença auto-imune, em que o sistema imunitá-rio perde a capacidade de distinguir um corpo estranho das próprias células -, tinham mais aterosclerose porque pro-duziam anticorpos contra o “colesterol bom”: as denominadas HDL.Foi depois constatado que, em pessoas sem lúpus, a produção de anticorpos contra o “colesterol bom” também se verificava, permitindo a confirmação de que este mecanismo causador de doen-ça pode estar presente na população em geral e ser um factor importante para a prevalência elevada de doenças vascu-lares. De acordo com José Delgado Alves, “esta investigação abre caminho à identifica-ção mais precoce de doentes em risco de enfarte do miocárdio ou tromboses cerebrais (AVC) e à eventual produção de um fármaco ou de uma vacina que evite a progressão da aterosclerose”. José Delgado Alves lembra ainda que “o colesterol não é todo igual. Os doentes em risco de doenças cardiovasculares

são os que têm o “colesterol mau” alto (LDL – Low-density lipoprotein) e/ou o “colesterol bom” (HDL - High-density li-poprotein) baixo. No entanto, a ciência e a indústria farmacêutica têm apostado até agora sobretudo em reduzir as LDL com estatinas, cuja eficácia no colesterol protector (HDL) é mínima”.Actualmente, e apesar de um controlo apertado dos níveis de LDL, apenas se conseguem evitar cerca de 30 por cento de todos os acidentes cardiovasculares e uma percentagem ainda menor de to-dos os eventos cerebrovasculares. A des-coberta deste novo mecanismo pode explicar porque ainda acontecem tantos eventos clínicos apesar do tratamento actual.Esta descoberta poderá identificar novas formas de evitar a progressão da ateros-clerose, procurando-se no futuro evitar que se desenvolvam os anticorpos que aniquilam o “colesterol bom” e com isso combater esta doença responsável por mais de 12 milhões de mortes anual-mente em todo o mundo.

Medicina Interna Hoje 7

raio x

O Programa Harvard Medical School Portugal (HMS-PT) é um programa plu-rianual – 5 anos– que teve o seu início em 2009, através de um protocolo de colaboração entre a Faculdade de Medi-cina de Harvard e o governo português, através do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.Os objectivos do programa são o desen-volvimento de um sistema de investiga-ção translacional (aqui entendido como a transferência de dados da investigação biomédica básica para a clínica), a criação de um programa de treino pós-gradua-do em investigação clínica e um pro-grama de informação em saúde para o público em geral, alunos e docentes das faculdades de medicina portuguesas, as-sim como profissionais de saúde. Os parceiros do programa, para além das Faculdades de Medicina e do Ministério da Saúde, incluem uma vasta gama de instituições – públicas e privadas – como os Laboratórios Associados, o INSA, a UMIC, a DGS, a FCCN, a FCT, o Infarmed, designadamente. O programa HMS-PT possui diversos comités, quer em Por-tugal quer em Harvard, encarregues de gerir e avaliar o programa, e tem equipas profissionais de gestão, comunicação, re-visão e criação de conteúdos, etc.Penso ser importante, como director da parte da Informação (a Profª Carmo Fonseca é a directora da parte de inves-tigação – para além de ser igualmente a Directora Nacional), trazer ao conhe-cimento dos Internistas portugueses as possibilidades técnico-científicas, profis-sionais e académicas que um programa desta natureza pode gerar com a Medi-cina Interna.

O programa Harvard Medical School Portugal e a Medicina Interna

Nesta altura – e independentemente de futuros desenvolvimentos – existe já uma enorme quantidade de conteúdos de saúde para o público, que foi a primei-ra grande prioridade do programa. De-vido à quase inexistência no nosso País de informação pública sobre problemas clínicos, testes diagnósticos, prevenção e vida saudável (para só citar alguns) e que seja de fácil acessibilidade ao cidadão co-mum, pode o programa HMS-PT repre-sentar uma fonte extraordinariamente importante de comunicação no mundo da medicina e saúde. Dotado de infra-estruturas e logísticas profissionalizadas, este programa tem como grande objectivo vir a ser reco-nhecido como o de melhor qualidade, relevância e credibilidade em língua por-tuguesa, o que poderá querer dizer, com potencialidades para outros países de língua portuguesa – Brasil e PALOP. Para a Sociedade Portuguesa de Medi-cina Interna (SPMI) o programa HMS-PT pode abrir campos de comunicação em saúde de grande interesse e relevân-cia para os Internistas portugueses, tais como:• Produção de textos médicos e de saú-

de para o grande público (através de bolsas específicas ou de contribuições individuais)

• Elaboração e apresentação em base regular de programas médicos nos me-dia nacionais (TV, rádio, jornais, etc.)

• Comunicação sobre a natureza e espe-cificidades da especialidade de Medici-na Interna

• Divulgação das posições da SPMI sobre o SNS, políticas de saúde, gestão, etc.

Estes são apenas alguns dos campos em

que uma parceria entre a SPMI e o pro-grama HMS-PT se poderá revelar frutí-fera, deixando naturalmente em aberto futuras iniciativas bilaterais.Como se pode facilmente ver, a tónica é na comunicação formal entre a SPMI e o grande público – doentes ou saudáveis – permitindo este programa que os Inter-nistas portugueses se dêem a conhecer, se envolvam nos problemas dos cida-dãos (doentes ou não) e liderem as mu-danças que presentemente o SNS está a sofrer. Com efeito, e numa altura em que as restrições orçamentais se irão fazer sentir no acesso aos cuidados de saúde, uma informação de qualidade, relevante e importante destinada aos nossos con-cidadãos, veiculada pela SPMI, poderá ter um grande impacto, ajudando as pessoas a compreender o funcionamen-to do SNS e o que dele podem esperar.Como director do Programa HMS-PT, ve-nho convidar os Internistas a colaborar nesta iniciativa, ciente de que o resultado desta colaboração será benéfico para a SPMI, para os Internistas e, especialmen-te, para os doentes e seus familiares.

prof. doutor antónio Vaz carneiro, MD, PhD, FACP [email protected] em Medicina Interna, Nefrologia e Farmacologia Clínica Director, Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de LisboaDirector, Programa Harvard Medical School Portugal

8 Medicina Interna Hoje

alta voz

A síndrome de Dress constitui uma forma grave de reacção adversa me-dicamentosa com frequente envol-vimento sistémico, cujo diagnóstico pode ser facilmente confundido com múltiplos quadros, principalmente os de etiologia infecciosa ou hema-tológica. O diagnóstico atempado é fundamental, quer pelo elevado risco que representa para a vida do doente, quer por que a suspensão do fárma-co desencadeante constitui a medida electiva no controlo da evolução do quadro.Apresenta-se um caso de síndrome de Dress secundário à toma de Alo-purinol, cursando com envolvimento hepático, pulmonar e renal que, ape-sar de tardiamente identificado, teve evolução favorável.

CASO CLíNICO:

Doente sexo masculino, 60 anos que refere episódio de gota aguda, envol-

vendo a articulação metatarso – fa-lência do primeiro dedo do pé direito, há cerca de um mês. Foi medicado em ambulatório com Iboprufeno, Alopurinol e Paracetamol, que manti-nha desde essa altura.Há cerca de duas semanas referia qua-dro de astenia, adinamina, náuseas e febre (38ºC) de predomínio vesperti-no, referindo ainda colúria sem acolia. Recorreu ao médico de família, que pediu análises, as quais mostravam alterações da função hepática, tendo sido admitido o diagnóstico de hepa-tite de provável etiologia viral.Na semana que precedeu o interna-mento referia tosse seca, irratitva, acompanhada de discreta dispneia.Quatro dias antes do internamen-to referia aparecimento de exante-ma máculo-papular generalizado, interpretado como toxidermia de etiologia medicamentosa, tendo en-tão sido enviado à consulta de Me-dicina do Hospital Garcia de Orta.

Nos antecedentes pessoais destaca-va-se HTA habitualmente medicado com Perindopril e Nevibilol. Negava hábitos tabágicos e referia hábitos alcoólicos moderados, com consumo diário inferior a 80g de eta-nol/dia. Negava consumo de drogas ilícitas.Ao exame objectivo apresentava-se vígil, colaborante, orientado, com bom estado geral e de nutrição. Fe-bril (38ºC). Coloração ictérica das es-cleróticas. Exantema maculopapular generalizado e exuberante de tipo morbiliforme, envolvendo o tronco e os membros. Não se evidenciavam estigmas de doença hepática crónica nem se pal-pavam adenomegálias nas cadeias electivas.À observação cardiopulmonar não se detectavam alterações relevantes. O exame abdominal não mostrava hepato-esplenomegália. Dos exames auxiliares de diagnósti-

síndrome de dressUm diagnóstico a ter presente

Medicina Interna Hoje 9

co, destacava-se Hemoglobina 12.8 g; 11.000 Leucócitos com 12.9 por cen-to de Eosinófilos; Plaquetas 157 000. Esfregaço de sangue periférico sem alterações.SGOT- 100 UI/L (VN <38); SGPT-200 UI/L (VN <40), F. Alcalina -523 (VN 40 – 129); GGT -818 UI/L (VN <49)). Bilir-rubina Total -5.2 mg /Dl; Bilirrubina conjugada- 3.5mg/DL. Tempo de Protrombina 10.3 seg.; INR 0.90. Ácido Úrico 8.9 mg/dL; Ureia 71 mg/dL; Creatinina 1.6 mg/dL A Electroforese de proteínas era nor-mal e as serologias de vírus hepato-tropos foram negativas.A gasimetria arterial não apresentava critérios de insuficiência respiratória.A ecografia hepatobiliar não mostrou alterações significativas da ecoestru-tura hepática ou dilatação das vias biliares.A radiografia do tórax mostrava fran-co reforço do retículo broncovascular bilateral, sugerindo processo infiltra-tivo difuso moderado. Admitiu-se o diagnóstico de Síndro-me de Dress secundário a Alopurinol, fármaco que foi imediatamente sus-penso, verificando-se resolução pro-gressiva do exantema e da restante sintomatologia, bem como normali-zação gradual da enzimologia hepá-tica e da função renal.Discussão:A síndrome de Dress (Drug, rash, eo-sinophilia, systemic symptoms) foi individualizada em 1996, a partir do conceito lato e inespecífico do então designado “síndrome de hipersensi-bilidade a fármacos”. Cursa classica-

BIBLIOGRAFIA

1. Bocquet H, Bagot M, Roujeau JC. Drug-induced pseudolympho-ma and drug hypersensitivity syndrome (Drug Rash With Eo-sinophilia and Systemic Symp-toms: DRESS). Semin Cutan Med Surg 1996;1:250–7.

2. Lobo I, ferreira M, Velho G, San-ches M, Selores M. Erupção a fár-maco com eosinofilia e sintomas sistémicos (síndrome dress). Acta med port 2008; 21:367-372

3. SJ Um, SK Lee, YH Kim et al. Cli-nical Features of Drug-Induced Hypersensitivity Syndrome in 38 Patients. J Investig Allergol Clin Immunol 2010; 20(7):556-562

4. Fleming P, Marik P E.The DRESS Syndrome: The Great Clinical Mi-micker. Pharmacotherapy 2011; 31( 3):45-9.

5. Tas S, Simonart T. Management of Drug Rash with Eosinophilia and Systemic Symptoms (DRESS Syndrome): An Update. Derma-tology 2003; 206:353–356

6. Kornasiewicz O, Ścibisz AE, Kra-wczyk A. DRESS syndrome: Case report... E

E&C Hepatology, 2008; 4(1): 67-70

mente com exantema generalizada, febre elevada, poliadenopatias, e en-volvimento multiorgânico, principal-mente do fígado, rim e pulmão. Pode haver ainda compromisso arti-cular, miocárdico e do sistema nervo-so central. Laboratorialmente apresenta altera-ções hematológicas características, como leucocitose, eosinofilia e pre-sença de linfócitos atípicos.O diagnóstico é predominantemente clínico, implicando a presença de três dos seguintes critérios: Rash em as-sociação temporal com fármaco de-sencadeante; eosinofilia ou presença de linfócitos atípicos; presença de he-patite, ou adenopatias ou nefrite ou pneumonite ou cardite.Os fármacos mais frequentemente implicados são os anticonvulsivantes aromáticos (carbamazepina, hidantí-na, fenobarbital), as sulfonamidas e o Alopurinol.A síndrome de Dress apresenta uma taxa de mortalidade de cerca de 10%, em estreita correlação com o envol-vimento sistémico, constituindo a falência hepática aguda a principal causa de morte. A medida mais importante do trata-mento passa pela suspensão do fár-maco implicado, já que a mortalidade aumenta quando este não é precoce-mente retirado.Como medidas terapêuticas comple-mentares estão indicados os corticói-des, embora de forma não consen-sual, principalmente nos casos com compromisso sistémico grave que não cedem à interrupção da toma do fármaco indutor.

rita nortadasInterna de Formação Específica de Medicina Interna S. Medicina — Hospital Garcia de Orta

10 Medicina Interna Hoje

uma palavra a dizer

Fernando Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, fala com a Medicina Interna Hoje, pouco depois dos

100 dias do XIX Governo Constitucional ter entrado em funções. Passa em revista os temas que mais preocupam a Sociedade

Portuguesa de Medicina Interna, destacando, de forma positiva, o esforço que o novo governo está a fazer para evitar desperdícios,

má organização dos serviços e repetições de actos médicos. E recusa em absoluto o epíteto de “terceiro-mundista” com que

várias vozes classificam o Serviço Nacional de Saúde.

no contexto actual em que a ordem é para poupar, o governo considera que existem desperdícios na execução das tarefas não médicas que afectam pro-dutividade dos médicos?Admito que haja desperdício de tempo e recursos em processos administrativos e excessiva burocratização dos proces-sos de saúde, mas a progressiva gene-ralização de meios informáticos terá um impacto muito positivo em toda a

Internistas têm de rentabilizar todas as suas valências

Medicina Interna Hoje 11

cadeia de valor do acto médico nos hos-pitais. Há necessidade de investir na for-mação e nos equipamentos de suporte informático em toda a gestão dos pro-cessos associados à actividade clínica.

Os doentes continuam hoje a percorrer a via-sacra, de especialidade em espe-cialidade, acumulando exames e per-dendo tempo. não considera o gover-no que também aqui há uma enorme poupança a fazer?Mais uma vez estamos perante um conjunto de medidas que se tornarão visíveis na reorganização de processos assistenciais clínicos nos hospitais. Os especialistas de medicina interna não estão a desenvolver as suas capacidades em plenitude. No entanto, por razões que se prendem mais com o mercado da medicina privada e também com ví-cios acumulados nas diferenciações dos serviços de Medicina Interna, os internis-tas tenderam a tornar-se especialistas de outras especialidades médicas. Com isso acabaram por contribuir para a “via- -sacra”assinalada na pergunta.

poupar tempo é também poupar di-nheiro, pois atrasos em saúde custam caro. como vê o papel da medicina In-terna na gestão do recurso tempo no diagnóstico e na terapêutica? Julgo que a resposta anterior é clara sobre a minha visão do papel central do internista no âmbito hospitalar. Sou daqueles que defende um modelo de especialização médica em que todos os sub-especialistas, como eu próprio, que sou hematologista da carreira médica, deveríamos começar por ser internistas.No meu caso aconteceu, felizmente, ter permanecido quase dois anos a mais do que o previsto num Serviço de Medicina Interna antes de iniciar o meu internato de hematologia. Actualmente, vejo com grande apreensão o início da aprendi-zagem de uma sub-especialidade da medicina ou da cirurgia antes da aquisi-ção de competências de âmbito geral e holístico.

a troika exigiu conhecer — ponto 3.79 — o inventário de médicos no activo. O governo já conhece esses resultados? Há ou não deficit ou excesso de médi-cos e em que áreas?Para já, podemos constatar que há fal-ta de especialistas de medicina geral e familiar e de algumas, talvez poucas, especialidades de âmbito hospitalar. Pensamos que a formação de novos es-pecialistas deve ser planeada em função das necessidades futuras. Ao longo dos anos sempre se falou disto, mas nunca ninguém o fez. Sinceramente, não per-cebo porquê. Quando estive na Direc-ção-Geral da Saúde, há cerca de 10 anos, propus que se fizesse avaliação prospec-tiva das necessidades de novos médicos e de especialistas.

para além do que já foi implementado — prescrição electrónica de medica-mentos e de mcdt, redução de venci-mentos e horas extraordinárias, reor-ganização de serviços (concentração de serviços), o que mais irá ser pedido aos médicos portugueses? Aquilo a que estamos habituados, uma enorme capacidade de sacrifício pelos nossos doentes, e aquilo a que estamos obrigados, porque aceitámos e esco-lhemos essa obrigação. É um profissio-nalismo ímpar que nos distingue e nos enche de orgulho.

no contexto actual de amplas restri-ções na saúde, não corremos o risco de passar a ter uma saúde terceiro- -mundista?Nem sei se devo responder. Alguém poderá pensar que vamos permitir que o nosso sistema de saúde deixe de estar nos lugares cimeiros? Agora, convirá não esquecer que, para que, isso continue a ser assim, é preciso que todos queira-mos lutar dia a dia. Se deixarmos de ser melhores, cada um de nós, a cada hora que passa, ficaremos piores e aproxima-mo-nos do terceiro mundo. Já agora, não gosto nada desta classificação de países em função do rendimento. Se

formos por um sistema mais descritivo da realidade, embora nem sempre o possamos sentir, ainda somos um país de high income. Esse facto coloca-nos a obrigação de usar muitíssimo bem esse income.

na organização interna dos hospitais, verifica-se desperdício na repetição de actos, pouco planeamento, sinergias mal aproveitadas. exames realizados num hospital não são disponibilizados a outro, e não acompanham o doente que os tem de repetir quando atendi-do noutro serviço. a desmaterialização dos exames, a sua guarda em registo digital, e o acesso a essa informação a partir de qualquer serviço de saúde sempre vai para a frente?Estamos a trabalhar para que isso acon-teça. Mas tem de acontecer bem e há passos importantes que vão ser dados a seu tempo.

O país ouviu o primeiro discurso do ministro da saúde, que referia a impor-tância do registo clínico electrónico. tanto o registo como o processo clínico único são duas medidas anunciadas. Qual a posição do governo em relação a estas medidas e respectiva calenda-rização?Reafirmo a resposta anterior para dizer que vai acontecer e é preciso que acon-teça da melhor forma. O calendário será conhecido, se possível, ainda em 2012 e não vejo, para já, grandes razões para que não seja assim. Mas é bom não es-quecer que há outros agentes impor-tantes neste processo, nomeadamente a CNPD, com quem vamos trabalhar em estreita colaboração.

a medicina Interna está disponível para participar no esforço colectivo que possibilite manter os actuais ní-veis assistenciais com menos recur-sos financeiros. como vê o seu papel no planeamento de uma reforma que vise a poupança de recursos, de exames e de reformulação dos circui-

12 Medicina Interna Hoje

tos mal estabelecidos dentro dos hos-pitais?Já referi que a Medicina Interna será sempre central – portanto, nenhuma dúvida quanto a isso. Não concebo reformas sem os médicos de todas as especialidades – porque todos são igualmente importantes –, sendo que a Medicina Interna sobressai, naturalmen-te, pela sua perspectiva globalizante.

segundo um trabalho do professor pedro pita Barros, a medicina Interna poderia poupar muito dinheiro aos hospitais. concorda que a medicina Interna esteja a ser subaproveitada na gestão hospitalar?Acima de tudo poderá estar a ser suba-proveitada na prestação de cuidados. Não é subaproveitamento na gestão, é subaproveitamento pela gestão. Mas há muitos cenários diferentes.

a experiência dos hospitais de dia não pode ser estendida ao tratamento de outras patologias crónicas (dpOc, dia-betes, insuficiência cardíaca, etc) reti-rando pressão das urgências?Os Hospitais de Dia têm um papel muito próprio na arquitectura dos cuidados. Tudo o que possamos fazer para manter um estado de saúde próximo do ideal dos doentes, e logo aí os Cuidados Pri-mários são o fulcro, afasta as pessoas das agudizações e das urgências.

O tema da viabilidade financeira do sns tem sido uma preocupação, refor-çada pelo esforço do cumprimento de metas previstas no memorando de en-tendimento com a troika. Os hospitais

consomem a maior fatia de recursos do sns e é frequentemente referido que os hospitais dão prejuízo. Quan-do se olha para os números, as áreas médicas (não cirúrgicas) são as mais deficitárias. existe ou não uma sub-valorização dos actos que leva a esse resultado? Aceito que possa haver aspectos da con-tabilidade e valorização dos actos que devam ser aperfeiçoados. Na cirurgia do ambulatório teremos problemas seme-lhantes.

concorda ou não que a medicina Inter-na e as especialidades médicas de um modo geral (hematologia, pneumolo-gia, neurologia) estejam a ser valori-zadas muito abaixo da real prestação com mais custos para o estado?Não possuo dados que me permitam responder com algum grau de certeza. Temos de afastar o “acho que” da deci-são política.

como vê a questão do lucro numa área como a saúde, entendida por muitos – como a Justiça ou a educação – um pi-lar fundamental de uma sociedade? É possível separar uma medicina que dá lucro (e é a que as empresas privadas desejam praticar) e uma medicina que dá prejuízo (que ficaria para o estado)?Não temos nada contra o lucro. Não ima-gino que os colegas que optaram pelo exercício de Medicina privada se sintam socialmente mal com isso ou devam ser marginalizados. Só na Saúde é que os privados e o lucro são questões ta-bus e quase pecaminosas. É evidente que a prestação de cuidados de saú-

de pode dar lucro e isso não altera o conceito de solidariedade social. Temos é que garantir que ninguém fique excluído de cuidados da melhor qualidade, que respondam às suas verdadeiras necessidades. Temos de regular e fiscalizar para que ninguém fique de fora do sistema de saúde em Portugal. É esse o nosso compromis-so com os portugueses e é por isso que consideramos que o SNS é a es-pinha vertebral do sistema de saúde.

em que ponto está a situação do Hospital de todos os santos, saben-do que a sua construção implicará uma poupança significativa face aos custos de manutenção de hospitais velhos e disfuncionais que irá subs-tituir?Vamos ponderar a reorganização do conjunto de hospitais de Lisboa de forma muito cuidadosa. Não prome-temos nada que não possa ser feito e a nossa principal preocupação é asse-gurar que o que temos pode continu-ar a funcionar com a qualidade que exigimos.

O financiamento desadequado e mal estipulado dos actos médicos e de saúde nos hospitais e centros de saúde tem sido apontado por mui-tos gestores como causa do défice nas contas hospitalares. concorda o governo que as tabelas necessitam ser actualizadas para uma gestão mais eficaz? considera o governo rever o financiamento dos actos de saúde?Se e quando for necessário.

A acção dos Internistas é determinante na racionalização dos recursos e pode ter um forte papel na melhoria da eficiência.

uma palavra a dizer

Medicina Interna Hoje 13

Quais são as principais linhas desta opção, em que termos e quais os fundamentos?Se fizermos a revisão do financiamen-to poderei então responder a essa pergunta.

como vê a deslocação de especialis-tas hospitalares para as usF e a ou-tras unidades dos cuidados primá-rios? Que exames poderão passar a ser feitos nestes centros, deixando de obrigar os doentes a ir ao hospi-tal fazer exames passíveis de serem realizados em ambulatório (ecogra-fias, endoscopias, etc)?É muito cedo para responder a essa pergunta. Quanto aos médicos, inde-pendentemente do modelo de ULS ou outro, vemos com bons olhos o estabelecimento de acordos que per-mitam a ida de especialistas aos ACES e o estreitamento da cooperação en-tre colegas. Penso que há excesso de “divórcio” entre a MGF e as outras es-

pecialidades médicas. Não pode con-tinuar a ser assim. Esta, entre outras, é uma das razões porque precisamos de processo clínico electrónico.

a doença crónica é um dos melhores exemplos da necessidade de articu-lação de cuidados. como defende o governo que o país deva organizar--se para responder a estes doentes, que são a maioria em portugal? A palavra de ordem é cooperação intra-profissional e inter-profissional, multidisciplinar se preferir. Além dis-to, não queremos continuar a ter que-bras na continuidade de cuidados aos doentes crónicos.

como avalia a actual fase de imple-mentação da rede de cuidados con-tinuados? O mais importante, antes de partir-mos para mais investimentos, é as-segurar que temos capacidade finan-ceira para fazer funcionar tudo o que

já existe. Há assimetrias regionais que nos preocupam, em particular a falta de resposta nas grandes cidades.

como prevê melhorar as soluções de internamentos prolongados? Que papel para os cuidados continuados?Neste campo, temos de fazer alguma coisa para melhorar o desempenho das EGA e a velocidade de resposta aos pe-didos de transferência. Vamos fazer tudo para melhorar a gestão desta interface dos hospitais para os cuidados conti-nuados, e é aqui que a interface com os CSP tem de funcionar muito bem.

O nosso sistema de saúde cresceu sustentado num excesso de recurso às urgências, verificando-se um ba-lanceamento errado da distribuição dos recursos nos hospitais, extrema-mente concentrados neste serviço. como pensa desincentivar o acesso ao serviço de urgência? crê que através da melhoria dos processos de referenciação dos médicos de família? Será um passo fundamental.

concorda com a penalização do re-curso por situações não emergen-tes e sem contacto prévio dos cui-dados de saúde primários? A nossa visão sobre as taxas modera-doras já prevê uma diferenciação do valor a cobrar nos CSP e nas urgên-cias hospitalares.

Que importância vai dar o seu go-verno a áreas como a hipertensão e a diabetes?São duas áreas de enorme impor-tância. Vamos actuar especificamen-te sobre as doenças mas também sobre os seus factores de risco, em especial o tabaco e a alimentação. Há iniciativas a serem desenvolvidas na vertente legislativa e na vertente da execução dos programas. A DGS continuará a trabalhar com grande

14 Medicina Interna Hoje

uma palavra a dizer

empenho na promoção da saúde e na prevenção da doença. Para isso, também contamos muito com os es-pecialistas de Medicina Interna. O pa-pel educador dos médicos é do mais relevante.

sendo um profundo conhecedor da área do medicamento e consideran-do a sua experiência de colaboração com o Infarmed, como vê a evolu-ção dos genéricos em portugal?De forma positiva, mas ainda longe do que desejamos. A AR já aprovou, na generalidade, legislação que vai facilitar a entrada de mais moléculas no mercado. Tornámos os genéricos mais baratos e vamos legislar sobre a prescrição obrigatória por DCI.

como é que, apesar dos cortes, será possível preservar a qualidade do sns? estamos ou não perante a cró-nica da morte anunciada do sns?Não viemos para o governo para aca-bar com o SNS. Não podemos permitir que essa confusão se instale. O SNS tem futuro e é imprescindível. Ainda mais num período de grandes debilidades financeiras de um número crescente de pessoas que vivem em Portugal. Mas o SNS só tem futuro se for bem gerido. Sem desvios de rumo. Para que isso possa acontecer precisamos de todos, dos utentes, dos profissio-nais e aqui incluo os médicos. E o SNS

não tem sete, nem sequer duas vidas. Não pode, nem vai morrer porque as pessoas que se servem dele e as que nele trabalham não vão deixar. Mas não haja ilusões. Só não morre se for financeiramente comportável, e para ser financeiramente comportável tem de ser tecnicamente exemplar. Não tenho a mínima dúvida de que os médicos compreendem isto e não se deixarão influenciar por partes com fins políticos, e até financeiros, menos correctos.

como é que estas áreas poderão ser suportadas por um sistema como o nosso, e com as pressões a que está sujeito? Serão suportados como até aqui: com o orçamento do SNS e as suas fontes de financiamento previstos na lei. Se formos tecnicamente exem-plares, se soubermos negociar e comprar bem os medicamentos de que precisamos, se usarmos as ver-dadeiras inovações – as que trazem valor para o doente –, se não usar-mos meios complementares e trata-mentos fúteis, essas áreas não esta-rão em risco. Se persistirmos em alguns erros do passado, em duplicações, em es-colhas de meios determinadas por outros beneficiários que não os do-entes, se formos egoístas e olharmos para a nossa ”casa” como se ela não

pertencesse ao sistema, não haverá grande remédio e alguém virá cá fazer os cortes por nós. Esses cortes é que serão cegos. Até agora, têm sido cortes movidos por uma visão de grande acuidade de quem quer preservar e melhorar o SNS e o nos-so sistema de saúde.

Não viemos para aqui para acabar com o SNS. Não podemos permitir que essa confusão se instale. O SNS tem futuro e é imprescindível.

Fernando Leal da Costa é licen-ciado em Medicina pela Univer-sidade de Lisboa e especialista em Hematologia Clínica. Desempenhou diversos cargos na saúde pública, com pas-sagem pelo Infarmed e pelo próprio Ministério da Saúde, integrando grupos de trabalho sobre temáticas relacionadas com o medicamento e prestan-do assessoria. Foi subdirector-geral da Saúde, fez parte da Comissão de Co-ordenação para a elaboração do Plano Nacional de Saúde, foi coordenador nacional para as Doenças Oncológicas (com assento no Alto-Comissariado para a Saúde) e foi consultor para os Assuntos da Política da Saúde na Casa Civil do Presi-dente da República.

Medicina Interna Hoje 15

16 Medicina Interna Hoje

ProPriedade

director

Faustino Ferreira•

edição e redacção

Edifício Lisboa Oriente, Av. Infante D. Henrique,

nº 333 H, 4º Piso, Escritório 491800-282 Lisboa

Telef. 21 850 81 10 • Fax 21 853 04 26Email: [email protected]

•Impressão

RPO Produção Gráfica, Lda.Trav. José Fernandes, nº17 A/B

1300 - 330 Lisboa•

Periodicidade: trimestralTiragem: 4.000 exemplares

•Distribuição gratuita aos associados

da Sociedade Portuguesa de Medicina InternaAssinatura anual: 8 euros

•Depósito Legal nº 243240/06

Isento de Registo na ERCao abrigo do artigo 9º

da Lei de Imprensa nº 2/99, de 13 de Janeiro

•Sociedade Portuguesa

de Medicina InternaRua da Tobis Portuguesa, nº 8 - 2º sala 7/9

1750-292 LisboaTel. 21 752 0570 / 8 • Fax 21 752 0579

[email protected] NIF: 502 798 955

•www.spmi.pt

16 Medicina Interna Hoje

primeiros passos

Talvez não encontre apenas um motivo que justi-fique a minha opção por esta especialidade mas, ao mesmo tempo, poderia descrever um sem- -número de motivos que baseassem essa escolha e mesmo assim sei que esqueceria outros tantos. Se calhar porque a Medicina Interna é isto mesmo, a abrangência de conhecimento, de patologias e de doentes, o desafio do raciocínio, a insatisfação da incerteza e a constante procura das respostas mais acertadas… A Medicina Interna não se esgo-ta, assim, num único campo e talvez seja isso que me alicia. Para encontrar é preciso saber procurar. A construção do raciocínio clínico e a integração de conhecimentos diversos, numa perspectiva cada vez mais aprofundada embora sempre abrangen-te, a multidisciplinaridade e a constante interacção com outras especialidades fazem da Medicina Interna a especialidade central em qualquer orga-nização hospitalar. Esta centralidade de funções, de organização e coordenação, de orientação do doente, de racionalização dos recursos são alguns dos motivos pelos quais optei por esta área de for-mação. Acrescento ainda a prática clínica hospita-lar, o diagnóstico e tratamento do doente adulto, a multiplicidade de campos de actuação, a cons-tante insatisfação com o que se sabe, a diversidade de patologias e a abordagem holística do doente.Se a Medicina Interna foi já considerada a especiali-dade-mãe, de onde viriam a nascer outras especia-lidades médicas que, entretanto, foram ganhando peso e lugar próprios, quase como que substituin-do e empobrecendo aquela; a verdade é que a evolução da técnica, do saber e da super-especiali-zação têm reposicionado a Medicina Interna como

peça central no âmbito hospitalar. Coordenar o per-curso dos doentes no hospital, desde a sua admis-são na Urgência, passando pelo Internamento, até à alta e posterior acompanhamento em ambulatório através das Consultas, sempre com a perspectiva do diagnóstico e tratamentos mais adequados, com um uso racional dos recursos e procurando sempre a melhor resposta, são a missão do Internis-ta. Nem sempre fáceis de concretizar os objectivos da Medicina Interna, a verdade é que eles são pila-res da prestação dos cuidados médicos necessários e fundamentais aos doentes que, no fundo, são e serão sempre o principal motivo da minha escolha desta profissão e desta especialidade. Depois de ter concluído o curso de Medicina e de ter realizado o Ano Comum no Centro Hospitalar de Lisboa Central, acabei por preencher uma vaga de especialização no Hospital de Curry Cabral, lo-cal onde já tinha estagiado enquanto aluna, e que muito me agradou. Fácil? Não, ser interno nunca o é, e desta especialidade principalmente. O traba-lho por vezes é pesado, os horários preenchidos, as noites cansativas e o estudo que não pode parar. Algumas patologias são difíceis, algumas doenças são exigentes… e alguns doentes também. Mas e se fosse fácil, seria tão interessante? Agora sou mé-dica, um dia serei Internista. Mudará o título mas a dedicação terá de permanecer igual à de sempre. A disponibilidade para cuidar e ouvir quem a nós recorre e em quem nós confia é a chave para bem tratar de quem nós precisa. No fundo exercer Me-dicina, apesar da ciência e da evidência, continua a ser uma arte e para um Internista é-o como sempre foi e como espero que continue a ser.

Consultora ComercialSónia Coutinho

[email protected].: 96 150 45 80

Tel. 21 850 81 10 - Fax 21 853 04 26

Brígida FerrãoLicenciada em Medicina - UNLInterna do 4.º ano de Medicina Interna e Coordenadora Hospitalar de Doação do Hospital de Curry Cabral

O doente é a minharazão de ser internista

Medicina Interna Hoje 17

Movemo-nos como uma espécie de motor de busca por histórias inéditas, interessantes, com conteúdo, insólitas e de interesse público, sempre que possível. Chegar ao maior número de pessoas é o objectivo de cada trabalho seja ele de televisão, rádio ou imprensa, mesmo que o tema seja específico. Ao fazermos uma reportagem sobre uma ruptura ou sobrelotação de serviços, enfermarias degradadas ou, no outro extremo, me-lhorias de condições, novas técnicas ou procedimentos, quedas de macas ou alterações às políticas de saúde, quere-mos que interesse ao público em geral, que vá de encontro a esse público e que este esteja receptivo à informação. Para isso tornamos a notícia atractiva. Ainda assim a mensagem, simples, directa e rigorosa, é uma fórmula de sucesso nem sempre fácil de alcançar. Apoiamo-nos em imagens, sons, gráficos e entrevis-tados que consigam ‘traduzir’ a mensa-gem técnica, e em casos humanos por-que a experiência de alguém tem nome e rosto e com eles partimos da persona-lização individual para o geral. A área da saúde engloba a prevenção, a doença, os tratamentos, o ambiente, a investigação, os recursos, a política, tudo se pode abordar em separado mas

do lado de cá

tudo está interligado, constituindo um constante desafio às capacidades de compreensão, execução e criatividade do jornalista. Não chega anunciar o en-cerramento de um serviço, por exemplo. É preciso procurar os motivos que estão na origem da decisão, ouvir os decisores e partir para a auscultação dos utentes e profissionais directamente afectados assim como dos responsáveis das unida-des em questão. Mas é preciso mais. Não se deve expor emoções por emoções. É preciso contextualizar e enquadrar a as-sistência existente nas regiões, perceber e denunciar, se for caso disso, fragilida-des e alternativas para que o interesse público seja salvaguardado. E com isso princípios e direitos como equidade e qualidade.Nesta época de crise e mudanças pro-fundas já no terreno, com contenções e reestruturações no Serviço Nacional de Saúde, e no sistema de saúde em geral, isto será ainda mais evidente!Por isso, reduzir uma história a parcas parcelas pode ter consequências ne-fastas e desvirtuar, em última análise, o rigor da informação. Nem sempre é possível evitá-lo: por constrangimentos temporais, geográficos, de acesso a da-dos ou falta de colaboração de especia-listas ou dos protagonistas da notícia.

Esclarecer, denunciar, informar, acres-centar são os verbos que pautam cada trabalho e o desafio de muitos profissio-nais que trabalham muitas vezes no tal “contra-relógio”.Aliar os entrevistados a esse esforço de esclarecimento é um contributo que muitas vezes resulta em reportagens de destaque. Afinal, quanto mais específico e técnico é um assunto maior a dificul-dade de o transmitir de forma simples e acessível. Há que saber falar de saúde, codificar e descodificar mensagens a cada etapa do processo que em televi-são envolve imagem com linguagem paralela e necessariamente interligada.É um poder considerável o dos órgãos de comunicação social, um poder com poder para influenciar compor-tamentos. No caso da saúde, e não só da doença, permite divulgar a prevenção, a influên-cia do ambiente e dos hábitos de vida, dar pistas de orientação e educação por-que os utentes têm direitos mas tam-bém deveres e um deles é o de procurar informação. Em simultâneo, divulgar avanços científicos, novos tratamentos, revelar fragilidades e desigualdades dos serviços ou dos sistemas de assistência com vista a mudanças que também nos tocam a todos.

A procura da informação e de verdade são vectores intrínsecos ao jornalismo e, associados a uma curiosidade inata, levam os profissionais a querer saber mais, a tentar descobrir o que ainda não sabem e o que outros ainda não deram ou fizeram.

*Jornalista RTP

O que os media querem saber, o que os media dão a conhecerpor Paula Rebelo*

18 Medicina Interna Hoje

revelações

3.º encOntrO nacIOnal de OrIentadOres de FOrmaçãO15 de Outubro de 2011Tomar XVIII reunIãO nacIOnal dO núcleO de medIcIna Interna dOs HOspItaIs dIstrItaIs21 a 22 de Outubro de 2011Santiago do Cacém, Auditório Municipal António Chainho

12.º cOngressO dO núcleO de estudOs das dOenças Vasculares cereBraIs18 e 19 de novembro de 2011Porto, Tiara Park Atlantic Hotel 24.º cursO de dOenças HepatOBIlIarestema: avanços terapêuticos em Hepatologia25 e 26 de novembro de 2011Hospitais da Universidade de CoimbraOrganização: unidade Funcional de doenças Hepáticas e serviço de medicina Interna 6.ª reunIãO dO núcleO de dIaBetes mellItus25 e 26 de novembro de 2011Elvas XII JOrnadas nacIOnaIs dO núcleO de estudOs sOBre a InFecçãO VIH da spmI1 a 3 de dezembro de 2011S. Miguel – AçoresOrganização: NEIVIH e SPMI

Para mais informações, inscrições ou submissões de abstracts: Telefone 217 520 570 • Fax 217 520 579Email: [email protected]

agenda

Eventos Médicos

No âmbito das comemorações do seu 60.º Aniversário, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna lança uma edição trilingue, latim, português (tradução de autoria de Maria Helena da Rocha Perei-ra), e inglês, da obra “Tesouro dos Pobres”, do Papa João XXI (Pedro Hispano), do séc. XIII, com apresentação a cargo de Manuel Silvério Marques. Uma obra que compilou conselhos e receituário para os mais po-bres que não tinham acesso à medicina, um autêntico livro de auto-ajuda distribu-ído nas paróquias, que ligava o tratamen-to do corpo ao tratamento do espírito e que veio influenciar a evolução da ciência médica nos séculos seguintes.João XXI, de nome de baptismo Pedro Hispano, foi o único Sumo Pontífice mé-dico da História. Desempenhou um papel fundamental no pensamento medieval e renascentista, dedicando-se à filosofia, teologia, física e medicina.Manuel Silvério Marques é professor auxi-liar jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa e da Universidade da Beira Interior. Foi hematologista no Instituto Português de Oncologia de Lisboa, onde chefiou a Unidade de Apoio Domiciliário (cuida-dos paliativos). Foi ainda membro de Co-missões de Ética e integrou o Conselho Médico-Legal. Foi membro do Centro de Estudos de Filosofia da Medicina da Uni-versidade de Lisboa. Tem largas dezenas de estudos publicados na área da filosofia e da ética da medicina.A tradução do latim foi feita por Maria He-lena da Rocha Pereira, especialista em es-tudos clássicos, com uma obra premiada que conta com mais de trezentos títulos, entre traduções, monografias e artigos enciclopédicos. É professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Uni-versidade de Coimbra com a cadeira de Literatura Grega. Recebeu o grau de dou-tora honoris causa pela Universidade de Lisboa e é sócia efectiva da Classe de Le-tras da Academia das Ciências de Lisboa.

Aberto “Thesaurus Pauperum” Edição especial do livro de Pedro Hispano, lançado pela SPMI

a IgreJa de s. rOQue

Em 24 de Março de 1506, inicia-se a cons-trução da Capela de São Roque e em 1515 dá-se a sua Sagração. Terminada a Ermida, sob o orago de São Roque, protector dos doentes da peste, é instituída a Irmandade de São Roque que ainda hoje existe.A Ordem de Santo Inácio de Loyola toma posse da Ermida de São Roque em 1553. O seu interior é composto por oito capelas, uma capela-mor e pequenos altares abrin-do para um transepto inscrito. O tecto da igreja, suportado por uma estrutura de vigamento em madeira de origem prussiana, é o único exemplar lisboeta que resta dos grandes tectos pintados no período maneirista, atribuí- do ao pintor Francisco Venegas (século XVI) e ao pintor Amaro do Vale no (início do século XVII).Com a expulsão da Companhia de Jesus do território português, a Igreja de São Roque e Casa Professa dos Jesuítas são entregues à Misericórdia de Lisboa, por carta régia de 8 de Fevereiro de 1768, que aqui instala os seus serviços que se estendem aos dias de hoje.

Medicina Interna Hoje 19

20 Medicina Interna Hoje