As ex escravas sexuais que viraram soldadas e lutam contra o ei
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De escravas a empregadas domsticas - A dimenso social e o "lugar" das mulheres
negras no ps- abolio.
Bergman de Paula Pereira1
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo- PucSP
Resumo:
Este artigo pretende demonstrar que a abolio da escravatura no modificou as
estruturas hierrquicas imposta pela lgica escravista, na pratica o ps-abolio no
trouxe rupturas significativas na vida social de um determinado grupo, as mulheres que
eram escravas tornaram - se empregadas domsticas. Perceber de que maneira essas
relaes foram e so, operacionalizadas e materializadas na condio de vida e trabalho
das mulheres negras no ps-abolio fundamental para entendermos a condio de
empregada domstica em que mulheres negras esto inseridas.
Entender o significado concreto da liberdade na vida social das mulheres ex-escravas
um passo importante para entendermos a sua relao com o trabalho, sobretudo o
trabalho domstico.
Palavras Chaves: Trabalho domstico; Escravido; Empregadas Domsticas Negras;
Introduo
Quero neste artigo estabelecer um elo de discusso entre o psabolio, e o trabalho
domstico, exercido quase exclusivamente pelas ex-escravas. O trabalho domstico no
foi funo, exclusiva de mulheres ex-escravas, muitos homens ex-escravos, j o exercia,
mesmo antes da oficializao do fim da escravido no Brasil, (cabe ressaltar que o
trabalho domstico era composto por vrias atividades). O fim da escravido trouxe
novos arranjos para que essas mulheres continuassem a exercer as mesmas atividades,
deixaram de ser escravas domsticas e passaram a ser empregadas domsticas.
1 Historiadora, formada pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Especialista em gnero e
raa; pesquisadora dos temas: trabalho, raa, classe e gnero.
Quando analisamos a concretude dos sujeitos femininos na memria histrica, podemos
perceber que a figura da mulher negra sempre esteve atrelada a Casa Grande, ela
desempenhou um papel importante na estruturao social e na diviso hierrquica das
escravas, a esfera privada de socializao, a grande casa patriarcal, se tornou o principal
lugar de domesticao das mulheres escravizadas e foram essas escravas que garantiram
o funcionamento da Casa Grande.
Os afazeres domsticos e o cuidar dos filhos das sinhs, foi um forte condicionante
privado de estruturao patriarcal e hierrquica, durante o perodo de escravido, a
regulao das relaes entre senhoras e escravas, pautava-se no modelo de dominao
de classes, definido por padres de superioridade e inferioridade, a negra escrava
mesmo sendo considerada inferior foi quem, amamentou os filhos de suas senhoras.
Segundo Leila Algranti, desde o sculo XVI, grande parte do trabalho desenvolvido no
interior dos domiclios coube aos escravos, que foram figuras indispensveis nos lares
da Amrica portuguesa, tanto no campo quanto nas cidades.
No final do sculo do sculo XIX o trabalho domstico, passa a figurar como um meio
de sobrevivncia, com o fim da escravido o mundo do trabalho passa a ter outras
configuraes do ponto de vista jurdico, os que eram escravos agora esto libertos, a
incorporao dessa mo-de-obra liberta ao mundo do trabalho, se deu majoritariamente
pelo trabalho domstico. Nos grandes centros urbanos o trabalho domstico ocupou um
lugar de centralidade nas relaes de trabalho estabelecidas entre ex-senhores e ex-
escravas. O sujeito feminino negro passa a realizar as tarefas do lar a partir de outros
arranjos sociais, que so em muitos casos estabelecidos por contrato de locao de
servios, temos ainda aquelas, ex-escravas que no tinham para onde ir e continuaram
com seus ex-senhores exercendo, a mesma funo do cuidado da casa e da famlia
patriarcal.
O servio domstico no ps-abolio assume caractersticas muito prximas da estrutura
escravista vigente no perodo anterior. Podemos destacar a afirmao de Flvio dos
Santos Gomes e Olvia Maria Gomes da Cunha (2007, p. 11), sobre o assunto:
...A sujeio, a subordinao e a desumanizao, que davam
inteligibilidade experincia do cativeiro, foram requalificadas num
contexto posterior ao trmino formal da escravido, no qual relaes
de trabalho, de hierarquias e de poder abrigaram identidades sociais
se no idnticas, similares quelas que determinada historiografia
qualificou como exclusivas ou caractersticas das relaes senhor -
escravo.
O trabalho domstico no mundo do trabalho
A histria do trabalho e dos trabalhadores, no Brasil do ps-abolio se inicia
marcadamente com suas divises consolidadas, de um lado a elite latifundiria
exercendo, seu poder socioeconmico e de outro uma massa de homens e mulheres
recm libertos, ou libertos h muito tempo e sem nenhuma perspectiva concreta de
insero no mundo do trabalho, dito qualificado, porm a maneira de incorporao
socioeconmico girou em torno dos trabalhos subalternos (aqui entendidos como
condicionantes de dominao e explorao), nos anos finais do sculo XIX e inicio do
XX mais de 70% da populao economicamente ativa ex- escrava, estava inserida no
trabalho domstico.
O Estado por meio de sua poltica estatal de emigrao de fora de trabalho branca ,
reduziu os meios de insero negra ex-escrava , as atividades precrias de baixa
qualificao e prestgio social, produziu no pas uma superpopulao disponvel para o
mercado de trabalho com fortes traos do sistema colonial escravista, embora o trabalho
fosse livre.
O trabalho domstico era constitudo das mais variadas atividades, lavadeiras,
cozinheiras, babas, amas de leite, mucamas e etc, configuraram uma estrutura social de
trabalho diversificada, algumas trabalhavam em troca de casa e comida, outras teciam
relaes de contrato de trabalho que em muitos casos estabelecia prestaes de servios
dirias ou mensais, que estavam pautadas na informalidade e nos laos de favor ou
compadrio. Para autora Sandra Graham:
[...] o mbito do trabalho domstico inclui, em um extremo, as
mucamas, as amas-de-leite e, no outro, as carregadoras de gua
ocasionais, as lavadeiras e costureiras. At mesmo as mulheres que
vendiam frutas, verduras ou doces na rua eram geralmente escravas
que, com frequncia, desdobravam-se tambm em criadas da casa
durante parte do dia. A meio caminho estavam as cozinheiras,
copeiras e arrumadeiras. O que as distinguia no era apenas o valor
aparente de seu trabalho para o bem-estar da famlia, refletindo no
contato dirio que cada um tinha com os membros desta, mas
tambm o grau de superviso. [...] (GRAHAM, 1992, p.18)
Se levarmos em considerao a dimenso da esfera de trabalho composta por
empregadas domsticas possvel notar que, esse era um setor fundamental do universo
do trabalho dentro das grandes cidades, na virada do XIX para o XX, pois ele assegurou
de maneira acentuada a incorporao dessas trabalhadoras no sistema produtivo (mesmo
que esse tipo de trabalho no fosse considerado produtivo, por no ser reconhecido
como comprvel ou vendvel, do ponto de vista da economia). Verifica-se ento, que
neste contexto a diviso sexual do trabalho, j assumia um nvel de hierarquizao
importante, entre libertas e ex-senhores (as), a ideologia predominante no mercado de
trabalho foi a de manter as mulheres negras (ex-escravas), como cuidadoras dos lares. O
trabalho como empregada domstica foi uma recorrncia na vida das mulheres negras
no se configurando, em alguns casos, apenas como porta de entrada para o mercado de
trabalho, mas como a nica forma possvel de ocupao oferecida a essas mulheres.
Existe historicamente uma precariedade estrutural do trabalho domstico, no pas, com
trabalhadoras que foram colocadas imersas em proletariedade extrema, margem da
regulao salarial estatal.
Sendo assim o trabalho domstico contm, em si, a sntese da dominao , na medida
em que articula a trplice opresso secular de gnero, raa e classe.
Domsticas: Porqu so negras?
Os papis atribudos mulher escrava levam-nos quase que diretamente a um
questionamento do discurso dominante sobre a condio da mulher negra em nossos
dias. Como no pensar na negra assalariada, empregada domstica, quando se discute
que ao escravo era negada a possibilidade de uma vida privada? Porque a negra de hoje
a bab dos filhos da mulher branca burguesa ou pequeno-burguesa, enquanto seus
prprios filhos no existem ou percorrem soltos os morros e as ruas, principalmente das
grandes cidades? A escravido acabou, mas suas heranas esto presentes no cotidiano e
nas experincias de vida das mulheres negras e no centro dessas experincias temos o
capitalismo que se manifesta atravs da imensa capacidade que tm as classes
dominantes, em todos os perodos histricos, de incorporar, at onde forem possveis, os
privilgios que lhes so prprios.
A atual situao da mulher negra fruto de razes histricas, cujo ideologia vigente
ainda determina que o lugar da mulher negra seja a cozinha e o o cuidado do lar.
Os significados sociais e raciais da prestao dos servios domsticos engendrada pela
complexidade que abrange as relaes estabelecidas entre patres/senhores(as) e suas
criadas/empregadas. O trabalho domstico, exercido predominantemente pelas
mulheres, uma atividade histrica e ligada s habilidades consideradas