De Minas à Índia
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De Minas à Índia: um estudo sobre a identidade cultural na Pós-Modernidade
Gilberto Mendes da Silveira Lobo1
Gilberto Moura Santos2
Raylanderson Rodrigues da Frota3
Resumo
O presente trabalho pretende, a partir da história do brasileiro Davi Patanzza, natural do estado de Minas Gerais, que ganhou na justiça o direito de prestar vestibular usando um turbante - símbolo de uma religião indiana - discutir identidade na Pós-Modernidade, a partir do livro “A identidade cultural na Pós-Modernidade”, um estudo de Stuart Hall.
Palavras-chave: Identidade; Cultura; Religião.
O conceito de identidade, segundo Stuart Hall (2006), passa por três momentos
históricos. O primeiro é o sujeito do Iluminismo, seguido do sujeito sociológico e, por
fim, o sujeito pós-moderno.
Para Hall (2006), durante o período iluminista, o sujeito estava totalmente
centrado, “unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo
‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito
nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo”
(HALL, 2006, p. 10). Esse homem centrado em si mesmo surge entre o período
renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVII, quando a humanidade
começa a mudar a relação entre sociedade e religião e o homem se põe como o centro
do universo inserindo no pensamento ocidental mais racionalidade que dogmas
metafísicos. A citação de René Descartes, ‘penso, logo existo’, trazida por Hall (2006) à
discussão, é um resumo do pensamento individualista e filosófico do indivíduo
iluminista. Mas, segundo Stuart (2006), a identidade seria um ponto imutável e fixo de
uma pessoa, no período Iluminista.
A segunda concepção de identidade é a sociológica, que deixa de ser
individualista e já mostra as complexidades do mundo moderno. E contrapondo-se ao
conceito anteriormente apresentado, o individuo sociológico deixa de ser centralizado
em si mesmo e o seu núcleo não era autônomo, autossuficiente, “mas era formado na
1 Estudante do 8° período do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Acre2 Estudante do 5° período do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Acre3 Estudante do 5° período do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Acre
relação com ‘outras pessoas importantes para ele’, que mediavam para o sujeito os
valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitavam” (HALL,
2006, p. 11). Nessa nova visão de identidade, a atmosfera que envolve cada indivíduo,
também tem relação na construção identitária, ou seja, o convívio social era o formador
de identidades, mas, mesmo assim, havia certo hermetismo cultural que vai se
fragmentar na Pós-Modernidade.
E a última etapa da identidade cultural é a Pós-Moderna, quando os sujeitos são
mosaicos, formados de retalhos de símbolos e instáveis, que mudam de acordo com a
situação, como defendido por Hall (2006). “Esse processo produz o sujeito pós-
moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou
permanente” (HALL, 2006, p. 12). Em resumo, o indivíduo assume a identidade
complacente ao momento, o que baseia uma proposta de crise de identidade
generalizada, impulsionada pela Globalização.
Segundo Hall (2006), as sociedades pós-modernas, globalizadas, passam por
mudanças constantes “rápidas e permanentes. Esta é a principal distinção entre as
sociedades ‘tradicionais’ e as ‘modernas’” (HALL, 2006, p. 14). E é por isso que os
indivíduos também não têm identidades constantes e imutáveis, além de voláteis. O
motivo dessas mudanças é a inter-relação entre as sociedades a partir de comunicações
rápidas e abrangentes, além da comercialização da cultura promovida pelo capitalismo,
conceito de Karl Marx, citado por Stuart Hall (2006).
De acordo com Hall (2006), a descentralização do sujeito pós-moderno, embora
seja um fenômeno relativamente recente, tem suas bases no século XIX, a partir do
pensamento marxista:
Os escritos de Marx pertencem ao século XIX e não ao século XX. Mas um dos modos pelos quais seu trabalho foi redescoberto e reinterpretado na década de sessenta foi à luz da sua afirmação de que os “homens (sic) fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas”. Seus novos intérpretes leram isso e no sentido de que os indivíduos não poderiam de nenhuma forma ser os “autores” ou agentes da história, uma vez que eles podiam agir apenas com base em condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando os recursos materiais e de cultura que lhes foram fornecidos por gerações anteriores (HALL, 2006, p. 34 e 35)
Com essa percepção, Hall (2006) diz que a identidade já não tem um centro, ela vai se
agregando ao homem com os acréscimos da história e de um cenário pré-existente. E
um dos reinterpretes de Marx, Louis Althusser, também utilizado por Hall (2006), diz
que:
ao colocar as relações sociais (modos de produção, exploração da força de trabalho, os circuitos do capital) e não uma noção abstrata de homem no centro de seu sistema teórico, Marx deslocou duas posições-chave da filosofia moderna: que há uma essência universal de homem; que essa essência é o atributo de “cada indivíduo singular”, o qual é seu sujeito real (Hall, 2006, p. 35).
Essa interpretação, como lembrado por Stuart Hall (2006), teve muitas contestações,
mas abriu espaço para o início de uma tentativa de explicação para a descentralização
identitária do homem moderno. Outros pensamentos como o inconsciente de Freud
completam as bases teóricas sobre a descentralização do sujeito na pós-modernidade.
Identidade nacional
Na opinião de Hall (2006), na modernidade, as culturas nacionais são as
principais “fonte de identidade cultural” (Hall, 2006, p. 47). Ele explica que:
Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nos efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial (Hall, 2006, p. 47)
Hall (2006) diz que as identidades nacionais não nascem com os indivíduos, no entanto
são moldadas no interior das representações. “Nós só sabemos o que significa ser
‘inglês’ devido ao modo como a ‘inglesidade’ (Englishness) veio a ser representada –
como um conjunto de significados – pela cultura nacional inglesa” (Hall, 2006, p. 49).
A nação, na Pós-Modernidade, deixa de ser uma entidade política e se transforma em:
Algo que produz sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma comunidade simbólica [...] As culturas nacionais são uma forma distintivamente moderno. A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em sociedade mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, à religião e à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional. As diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner chama de “teto político” do estado-nação, que se tornou, assim, uma fonte poderosa de significados para as identidades culturais modernas (Hall, 2006, p. 49)
E o desenvolvimento de uma cultura nacional foi fundamental para padronizar, por
exemplo, línguas, diferente de séculos anteriores quando etnias possuíam seus dialetos e
modos de vidas particulares, que, na atualidade, misturaram-se, a princípio sob a forma
de nação, mas logo adiante, tornaram-se apenas representações simbólicas de algo que
antes era definido por tradições e territorialidade.
Todo esse histórico que leva à identidade na Pós-Modernidade, neste texto, será
exemplificado na reportagem publicada no portal de notícias Uol entitulada “Candidato
ganha na Justiça direito de fazer vestibular de turbante” que apresenta a história Davi
Pantuzza Marques, que adotou o nome de Simranjeet Singh Khalsa, é adepto do
movimento Sikh Dharma, de origem indiana.
De Davvi a Simranjeet
Davi Pantuzza, brasileiro, natural de Belo Horizonte, em Minas Gerais, é adepto
do movimento Sikh Dharma, de origem indiana. Como parte do rito, ele adotou o nome
de Simranjeet Singh Khalsa e passou a usar turbante. E foi por causa do turbante que
Davi precisou de uma liminar da Justiça para realizar as provas do vestibular da UEMG
(Universidade do Estado de Minas Gerais), na capital mineira. No vestibular é proibidor
fazer o teste com chapéus, bonés, toucas e até mesmo turbantes, nada que possa cobrir a
cabeça e que sirva para esconder equipamentos de escuta ou algum tipo de auxílio na
hora da resolução das questões. Mas antes do certame, o candidato a uma vaga no curso
de artes plásticas disse que entrou em contato com a organização do vestibular para
garantir que não precisaria retirar o turbante durante as provas. A Universidade negou o
pedido do jovem.
Para ter o direito preservado, Pantuzza precisou recorrer à Comissão de Direitos
Humanos da OAB-MG (Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais), onde
recebeu auxílio jurídico.
Por sua vez, o defensor conseguiu a liminar que garantiu a presença do rapaz no local de exame. O jovem disse ter usado um tipo de turbante que não escondia as orelhas para não haver dúvida de que ele poderia se valer do uso de ponto eletrônico. O candidato afirmou ter tido a sensação de uma conquista com o desfecho do caso. "Significou uma conquista de maior tolerância e maior abertura nos concursos públicos do Brasil, para acolher as diferenças, e que as especificidades sejam respeitadas e que as pessoas possam manifestar suas crenças e suas escolhas", afirmou. (UOL, online, 2014)
Ainda segundo a reportagem, os advogados argumentaram que: os seguidores do movimento usam o turbante como símbolo de sua fé e que o acessório é tratado como um símbolo religioso. Os seguidores se consideram humilhados caso não mantenham o adereço na cabeça."Retirar o turbante em público é, para os devotos, não somente um ato de humilhação, mas igualmente uma espécie de negação da sua própria fé", escreveu. Em sua decisão, a juíza Dênia Francisca Corgosinho Taborda escreveu que, apesar do item do edital do vestibular, o turbante não poderia ser comparado a bonés ou chapéus. "Há que se ressaltar que o turbante é um símbolo religioso, sendo o uso uma expressão religiosa, não se tratando de mero acessório de moda, não podendo ser comparado aos acessórios descritos no edital". (UOL, online, 2014)
Procurado pela reportagem do Uol, em nota, a universidade afirmou que é de
“praxe tomar todas as medidas cabíveis para coibir fraudes em vestibulares” (UOL,
online, 2014).
Com base no relato anterior, é possível exemplificar os tópicos do que é
defendido por Stuart Hall. O primeiro item é descentralização do indivíduo. Davi, para
justificar a reportagem do Uol, precisou ter como destaque o fato de ser brasileiro,
natural de Minas Gerais, caso contrário, se ele fosse indiano, o fato talvez não fosse
notícia porque o uso do turbante naturalmente não o destoaria dos demais indianos. No
Brasil, o uso do turbante, em si, seria uma simbologia do estereótipo indiano. Outro
ponto, ainda sobre o ícone do turbante, esse símbolo seria, no caso de uma
nacionalidade simbólica, a índia e o candidato é o representante do Brasil. Por fim, a
própria religião exige identidade, assim como o fato de Davi ser candidato ao vestibular
pede outra identidade, que é destaca momentaneamente conforme o discurso produzido
pela reportagem; em certos momentos o jovem é candidato ao vestibular, em outro
momento ele é adepto ao movimento religioso indiano e também pode ter destaque
como minoria.
Considerações finais
A identidade na Pós-Modernidade passa por, basicamente, três fases que se
complementam: o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno.
Durante o período do Iluminismo, no século XVII, logo após o Renascentismo, século
XV, quando a religião era motor maior de identidade, dominando da educação às artes,
quando Deus é o centro. Diferente, no Iluminismo, o homem, principalmente por causa
da reforma protestantista, torna-se o centro de si mesmo e começa a romper com
preceitos religiosos. O sujeito sociológico é o intermediário entre o Iluminismo e a Pós-
Modernidade. É o momento em que o homem percebe que ele depende de fatos sociais,
como as marcas históricas e de relações sociais. A identidade, na concepção
sociológica, deixa de pensar no homem formado apenas pelo que acontece em seu
interior para levar em consideração o exterior e suas diversas manifestações.
Por fim, o sujeito Pós-Moderno é descentralizado e tem identidade mutante que
muda conforme o ambiente, o discurso, a necessidade. Na pós-modernidade, gerada na
Globalização, a nacionalidade é fator fundamental para a força simbólica e delimitadora
da identidade. Como no caso de Davi Patanzza, imagina-se de um brasileiro, com base
no senso comum dos símbolos, um indivíduo sem turbante. Quando ele passa a usar
turbante e seguir uma religião indiana, ele assume identidade mista e volátil porque
assume a forma necessária para o momento, para a geolocalização, para o discurso e
outros fatores.
Com base na análise de Stuart Hall, a identidade na Pós-Modernidade precisa
sair do lugar comum e entrar em levantamento e estudos mais aprofundados para chegar
a explicações mais precisas do sujeito pós-moderno.
Referências bibliográficas
HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
BRAGON, Rayder. Uol Vestibulares. Candidato ganha na Justiça direito de fazer
vestibular de turbante. Disponível em: <
http://vestibular.uol.com.br/noticias/redacao/2014/12/04/minas-gerais-candidato-ganha-
na-justica-direito-de-fazer-vestibular-de-turbante.htm >. Acesso em: 4 dez. 2014