De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

6
DE MINAS PARA O MUNDO LEVANDO MINAS NO GESTO E NO CORAÇÃO LEDA NAGLE

description

 

Transcript of De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

Page 1: De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

O diretor de teatro Gabriel Villela, que é de Carmo do Rio Claro, diz que “mineiro adora ser comissão julgadora”. A jogadora de vôlei Ana Paula, que é de Lavras, diz que “mineiro é teimoso”. O ministro Hélio Costa, que é de Barbacena, diz que “mineiro é muito cauteloso, não dá o passo maior que a perna”. Mineiro é tudo isso e muito mais. Talentoso, por exemplo.

Pouco a pouco, entrevista a entre-vista, Leda Nagle, que é de Juiz de Fora, desvenda a mineirice que está espalhada pelo país no trabalho de alguns de seus mais importantes artistas, atletas e po-líticos. Este livro não é só uma boa ideia. É, principalmente, uma demonstração de como é prazeroso ler uma boa entrevista. No caso especí� co, como é prazeroso ler uma série de boas entrevistas.

A entrevista é um jogo de conquista, um jogo de sedução. O entrevistador quer seduzir o entrevistado para que ele con-te boas histórias, diga frases inusitadas, levante polêmicas. O entrevistado quer seduzir o entrevistador para que ele não seja muito indiscreto, não faça perguntas complicadas, não exija respostas difíceis. Numa entrevista com Leda Nagle, porém, nem adianta resistir. Ela ganha o jogo des-de a primeira pergunta. É ela quem seduz, é ela quem conquista. Nestas entrevistas, Leda revela seu segredo. Tentando extrair de todos os entrevistados o que há de mi-neirice na atividade de cada um, ela acaba revelando ao leitor seu jeito mineiro de entrevistar. Como se estivesse oferecendo a um amigo uma caneca de café e uma porção de pães de queijo, Leda exerce a arte da entrevista com sabedoria e con-segue sempre respostas surpreendentes. Ao leitor só resta saborear.

ARTUR XEXÉO

LEDA N

AGLE

DE MINAS PARA O M

UNDOLEVAN

DO

MIN

AS NO

GESTO

E NO

COR

AÇÃO

Eu nasci, cresci e me formei em Juiz de Fora. Foi lá que eu me apaixonei pela primeira vez, aprendi a dirigir carro, trator e caminhão. Foi lá que vi o homem chegar à lua. Foi lá, também, que aprendi a falar mineiro. Mandioca, mexerica, passeio e sombrinha. Só depois, muito tempo depois, já no Rio de Janeiro (lugar que escolhi para viver), é que descobri o aipim, a tangerina, a calçada e o guarda-chuva.

Eu sempre pensei em ser jornalista. Nunca sonhei ser outra coisa. E também nun-ca me ocorreu morar em outro lugar que não fosse o Rio de Janeiro. O Rio é o lugar, porque permite que a gente se descubra. Comigo não foi diferente. Me descobri � amenguista saudável, mangueirense de coração, capri-corniana convicta e mãe orgulhosa do carioca Eduardo. Hoje, digo que sou “mineiroca”, porque ser mineira é para sempre.

Sou do tipo organizada, gosto de tudo no lugar certo. Se � co triste, recebo uma Maria de frente: limpo móveis, arrumo gavetas e armários... em silêncio. Gosto do silêncio tam-bém para plantar e replantar � ores e temperos. Adoro fazer várias coisas ao mesmo tempo, como estar ao telefone e na internet enquanto vejo televisão... Aliás, adoro telefone e, princi-palmente, adoro fazer televisão.

Gosto muito de estúdio de televisão. Gosto daquele clima tenso, daquela voz ameaçadora que diz: “Trinta segundos... vai entrar...”. É nesse momento que sinto uma calma franciscana. Adoro aqueles milhares de faxes, e-mails e telefonemas. Aquelas várias pessoas falando ao mesmo tempo, aquela multiplicidade de ideias e sonhos. Tudo acontecendo ao mesmo tempo. Pra dizer a verdade, adoro falar. Gosto tanto que arranjei um jeito de ganhar a vida falando... Graças a Deus, a São Judas Tadeu e a todos os orixás. Com certeza.

ADÉLIA PRADO • AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA ALEXANDRE PIRES • AMIR HADDAD • ANA CAROLINA ANA PAULA • ANDRADE • ANTONIO GRASSI ARGUS SATURNINO • CARLOS BRACHERCARLOS DRUMMOND DE ANDRADE • CÁRMEN LÚCIA CLARA NUNES • CLÁUDIO BOTELHO • DANIEL DE OLIVEIRA FERNANDO GABEIRA • FERNANDO SABINO FRANCISCO COSTA • FRED • FREI BETTOGABRIEL VILLELA • HÉLIO COSTA • ÍSIS VALVERDE ITAMAR FRANCO • IVO PITANGUY • JOÃO BOSCO JOSÉ ALENCAR • L IMA DUARTE • LÔ BORGES LUIZ RUFFATO • MARIANA RIOS • MAURO MENDONÇA M ILTON GONÇALVES • MILTON NASCIMENTO MÔNICA SIFUENTES • PADRE FÁBIO DE MELO RACHEL JARDIM • REGINA BERTOLAROBERTO DRUMOND • ROGÉRIO FLAUSINO RONALDO FRAGA • SAMUEL ROSA • SUELI COSTA VANDER LEE • WAGNER TISO • WANDO • ZIRALDO

E N T R E V I S T A S

D E P O I M E N T O SALEXANDRE MASSAU • ÂNGELO ANTÔNIO •CHICO PINHEIRO

DUDU LIMA • FERNANDA TAKAI • FERNANDO BRANT

FERNANDO MORAIS • FLÁVIO VENTURINI • GIOVANE GÁVIO

HELVÉCIO RATTON • HUMBERTO WERNECK • ÍLVIO AMARAL

IVAN ÂNGELO • LARISSA BRACHER • LUCAS MENDES CAMPOS

MÁRCIO BORGES • MARCO SABINO • MARCOS FROTA

MARIA LÚCIA GODOY • MAURÍCIO CANGUÇU • NELSON FREIRE

OSWALDO CALDEIRA • PRISCILA FANTIN • REGINA SOUZA

S ILVIO CESAR • TEREZA CRUVINEL • TONINHO GERAES

TONINHO HORTA • TOSTÃO • V ICTOR DZENK • VICTOR E LEO

W ILSON SIDERAL • ZUENIR VENTURA • ZUZU ANGEL

www.autenticaeditora.com.br0800 2831322

DE MINAS PARA O MUNDOLEVANDO MINAS NO GESTO E NO CORAÇÃO

LEDA NAGLE

LEDA NAGLE

Page 2: De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

entrevistas

alexandre PiresMineirinho, capricorniano e flamenguista

E o que você identifica em você de mineiro? Você é muito mineiro? Pouco? Você tem características mineiras?

Então, Leda, eu tenho sim. Eu sou muito observador. Eu acho que o mineiro tem muito essa coisa de observar, de limpar o pé no tapete antes de entrar... Em qualquer área, qualquer profissão. Eu aprendi muito com a minha família, que é muito mineira. Ao mesmo tempo muito tranquila e muito consciente da vida. Eu venho de uma família muito humilde. A gente nunca passou necessidades, mas a gente pegou alguns momentos...Quando a gente se mudou de Minas pra morar em Guaiatuba, uma cidade de Goiás – porque meus pais largaram a música e foram trabalhar com representação de roupa –, a gente viveu com muita dificuldade e tal. Mas aquela coisa que você vai ali aos trancos e barrancos, vai se ajeitando. Depois, a gente voltou pra cá. É uma família muito unida, genuinamente mineira, e com essas peculiaridades mineiras, de observar, de às vezes não falar tanto...

CarlOs drUMMOnd de andradeO mineiro dos mineiros

Você é considerado o poeta maior. E quem são os novos poetas hoje? Os compositores populares?

Eu protesto contra essa designação de poeta maior. Isso não tem sentido. As pessoas são poetas. Às vezes se esforçam por ser poetas. E mesmo os bons poetas deixam de sê-lo, esquecem e fazem coisas tão vulgares, tão banais, se repetem. Acho que não há essa medida do poeta, não. Agora, quanto aos novos, é difícil dizer quais são os que se destacam, porque há realmente uma explosão de poesia no Brasil. Desde os livros impressos, que as editoras se interessam em publicar, como até essa publicação, quase clandestina, de rapazes que fazem isso no mimeógrafo e saem vendendo pelas ruas. É uma atividade poética muito intensa e da qual deverá surgir alguma coisa boa. Espero que sim. Quanto aos compositores, é um pouco diferente. Suas contribuições são muito ponderáveis e até mais importantes que a

Page 3: De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

FernandO sabinOAmigo fiel dos amigos e das palavras

Você é um apaixonado pelas mulheres?

Sou e digo mais: sinto-as talvez transformadas numa entidade mítica. Como é a criança. Tem menino muito safado, ordinário, mau-caráter. Tem menino canalha. Mas o menino é uma coisa de uma pureza, de uma delicadeza intocável, né? Isso é o ideal de uma criança. Assim também é uma mulher. É um ser de uma beleza inatingível, extraordinária. Eu só vivo paixões. Sou permanentemente apaixonado.

itaMar FranCOUm político corajoso, um homem sedutor

Você acha que o poder modifica as pessoas?

Acho que pelo menos em Minas nós aprendemos a conviver com o poder. Conheci dona Sara Kubitschek bem de perto. Sei o que aquela mulher passou. Ela só voltou ao palácio a meu convite. Depois de tudo o que aconteceu com ela, fiz questão que ela fosse lá. A Márcia [filha de JK e Sara] ainda estava viva. Pra conviver com o poder tem que ser muito mineiro.

ivO PitangUyUm psicólogo com um bisturi na mão

E já aconteceu de você ter que dizer pra alguém: “Não faça isso, porque não vai ficar bem”?

Isso é muito frequente. Muito frequente! Inclusive, há pessoas que não se veem como são e querem fazer o que não devem fazer. Mas pode ser que você a aconselhe adequadamente, e ela encontre uma outra pessoa que não veja a situação da mesma forma, mesmo sem má intenção, e possa operá-la. Você tem a obrigação moral de estar de acordo com a sua própria qualidade de observação ética e, sobretudo, com o tom de harmonia e equilíbrio em cada período etário de uma pessoa. Não se pode transformar de modo algum; sobretudo no sentido de etnia. A beleza negra é muito importante, a beleza saxônica também. Cada grupo tem um determinado tipo de beleza. Você não pode transformar uma pessoa em outra.

de poetas dito eruditos. Exemplo disso é Vinicius [de Moraes], que conseguiu ser as duas coisas e acabou preferindo essa vertente popular. Nela, Vinícius pôde se manifestar melhor e sensibilizar milhões de pessoas que não tinham acesso aos livros. Eu acho isso importante. Realmente é uma força muito ponderável na cultura brasileira

Page 4: De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

liMa dUarte80 anos de idade, 59 de carreiraÉ verdade que você foi de Minas para São Paulo num caminhão de mangas?

Em cima das mangas! Faz 70 anos, quase isso. Vindo de Desemboque. Desemboque é perto de Sacramento, Triângulo Mineiro, a terra onde eu nasci. Não tinha estrada. Foi uma viagem que durou a noite inteira. Mas a lembrança daquele universo, limitado pelo farol do caminhão, um caminhão velho, o cheiro agridoce do diesel e das mangas, isso me mantém vivo. De vez em quando, vou ao mercadão lá em São Paulo e vejo se aquele caminhão está lá ainda. Se estiver, vou pegá-lo de volta qualquer dia e vou pra Desemboque. Vou lá todo ano. Converso com eles e com Nossa Senhora da Purificação do Desemboque e do Sagrado Sacramento

MiltOn nasCiMentOPara ele, o palco é o terreiro, o centro, o sacrário

E você aprendeu a gaita e a sanfona sozinho?

Sozinho, sempre. Há uma coisa interessante: a gaita tinha tudo, mas a sanfona não tem sustenido, nem bemóis, nem nada. Era um problema danado! Fiz muita coisa com a sanfona. Por exemplo: acompanhava a minha mãe nas festas de rua que a igreja promo-via. Ela cantava, e o toco aqui ia com a sanfoninha, de quatro baixos. Sanfona danada! Quando eu via que uma nota não ia sair, e eu ia precisar dela, eu imitava a sanfona. Fazia o som da sanfona. Não me pergunte como, porque eu não faço ideia de como eu fazia aquilo. A sanfona foi também uma grande companheira durante muitos anos da minha vida. E aconteceu uma coisa legal, beirando o inacreditável. Fiz um disco na França com os irmãos Belmondo

Padre FÁbiO de MelOO padre que faz sucesso cantando, falando e escrevendo

Como é que veio o desejo de ser padre?

Quis ser padre desde criança. Sou o único padre da minha família. Estudei durante 17 anos pra ser padre. Quando a gente tem uma figura positiva para se espelhar, a gente acaba querendo ser também. Isso pra mim foi muito forte. Sempre tive bons padres que passaram pela minha vida. Pela história da minha família, da minha paróquia, onde eu morava. Descobri que o primeiro aspecto que me fez ficar fascinado com a vida do padre é que eu percebi que ele fazia bem o tempo todo às pessoas. Ele estava o tempo todo comprometido com a bondade. Isso é o essencial da nossa vida religiosa

Page 5: De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

rOnaldO FragaFazendo moda e contanto histórias

Quando foi que você se viu estilista e começou a ganhar dinheiro com isso?

Na universidade, no último ano, tinha um concurso nacional, promovido por uma grande tecelagem, que era a Santista. Você mandava uma coleção, e eles selecionavam 600 entre mil pessoas. Aí você recebia um telegrama falando assim: “Você está entre os 600. Agora você precisa fazer uma outra coleção”. Aí você fazia uma outra coleção. Selecionavam 40. Aí os 40 iam pra São Paulo. Foi a primeira vez que viajei de avião. Isso foi 90. E ficávamos os 40 numa sala durante uma semana criando uma coleção. Eles precisavam ver as pessoas fazendo, desenhando e desenvolvendo uma coleção ali na frente deles. Eu me lembro que na minha frente estava sentada uma carioca, e ela ficava nervosa porque ela não conseguia desenhar e tal.

saMUel rOsaCruzeirense, roqueiro e pai de família

Pra você, além da música, o futebol é coisa séria também.

Futebol pra mim é coisa séria, o rock é coisa séria, a música é coisa séria. É meu hobby, eu jogo toda semana, Leda. Eu acho que jogo mais que o Chico Buarque. Vou pouco ao estádio, uma a duas vezes por ano. Ia muito quando era moleque, faço parte de uma geração que nasceu com a chegada do Mineirão. Eu nasci em 66 em Belo Hori-zonte. Imagina: década de 60, início da década de 70, sem mar, nenhuma opção de lazer. Então, ir pro Mineirão era o lazer belo-horizontino, era rotina, fosse jogo do Cruzeiro, do Atlético, do América, ia todo mundo. Futebol era quase que obrigatório, né? Então cresci nesse meio. Com o negócio do Skank, eu comecei a ter acesso a jogador que é fã do Skank, comecei a ficar amigo de jogador... Tenho grandes amigos jogadores. Eu tenho verdadeira sedução por essa profissão, pelos uniformes, camisa e jogos e tal.

WandORomântico, brasileiro, sem vergonha

Qual a canção mais bonita que você já ouviu na vida?

“Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver. Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar. Minha casa não é minha, e nem é meu esse lugar. Estou só e não resisto, muito tenho pra falar”. Acho que “Travessia”, do Milton Nascimento e do Fernando Brant, é espetacular. Não é por causa de bairrismo de mineiro, não. Sem bairrismo nenhum, mas é deslumbrante.

Page 6: De Minas para o mundo - Levando Minas no gesto e no coração

www.autenticaeditora.com.brwww.twitter.com/autentica_ed

www.facebook.com/editora.autentica