De Ödön von horVÁth Encenação de rodrigo FranciSco da... · cia tem de fazer face em pleno...

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COMPANHIA DE TEATRO DE ALMADA Ilustração: João Gaspar De Ödön von HORVÁTH | Encenação de Rodrigo FRANCISCO

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De Ödön von horVÁth | Encenação de rodrigo FranciSco

Ideologia vs Acção

Na origem da próxima criação da Companhia de Teatro de Almada está a vontade de re-flectir sobre as ameaças a que a democra-

cia tem de fazer face em pleno século XXI. Embora Ödön von Horváth não tenha assistido à crise dos migrantes, ao fenómeno Trump ou à entrada de partidos neo-fascistas no Parlamento Europeu, não deixou de alertar os seus contemporâneos para a ascensão de Hitler e para a falência das instituições democráticas do seu tempo. Em Noite da liberdade (originalmente intitulada Noite italiana) põe-se em causa a passividade dos defensores da democra-cia, em contraste com a preparação dos fascistas que planeiam celebrar o seu Dia da Pátria no mes-mo dia e no mesmo espaço que os republicanos haviam reservado para os seus festejos. A diver-gência entre ideologia e acção também estará em cima da mesa, nomeadamente com socialistas que reivindicam o seu direito à propriedade privada e com revolucionários que não hesitam em prostituir as suas namoradas para obterem informações do inimigo.

Ficha artíStica INTÉRPRETES ADRIANo CARvAlHo, ANDRÉ PARDAl, CARloS FARTuRA, DuARTE GuImARÃES, GuIlHERmE FIlIPE, JoÃo FARRAIA, JoÃo TEmPERA, mARIA FRADE, mARIA JoÃo FAlCÃo, mARquES D’AREDE, mIGuEl SoPAS, PEDRo WAlTER, TÂNIA GuERREIRo E A PARTICIPAçÃo ESPECIAl DE Io APPolloNI CENoGRAFIA JEAN-Guy lECAT FIGuRINoS ANA PAulA RoCHA movImENTo FRANCESCA BERTozzI ASSIST. DE ENCENAçÃo PAulo mENDES luz GuIlHERmE FRAzÃo Som mIGuEl lAuREANo

ÖdÖn Von horVÁth (1901-1938) foi um dos mais importantes dramaturgos de língua alemã da primeira metade do século XX. Nascido no Império Austro-Húngaro, pas-sou toda a sua infância e juventude em itinerância, em virtude do cargo de seu pai, adido do consulado imperial. Deixará para a posteridade cerca de vinte peças, três romances e alguns contos e prosas breves. Em 1931 a sua peça Lendas do bosque de Viena foi distinguida com o Prémio Kleist, o mais importante da República de Weimar. Todavia, com a ascensão dos nacional-socialistas, a representação das suas peças foi proibida e, em 1936, Horváth foi obrigado a abandonar o território alemão. Morreu no exílio, em 1938, atingido pelo ramo de uma árvore, na sequência de uma violenta tempestade nos Campos Elísios.

rodrigo FranciSco (n.1981) é formado em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de Lisboa e estreou-se na escrita para teatro com Quarto minguante (2007), que conheceria uma versão televisiva e duas traduções – em Espanha, pela revista Primer acto, e em França, pelas Éditions l’Oeil du Prince. Escreveu ainda Tuning (2010), peça nomeada pela SPA para o Prémio de Melhor Texto de Teatro Português estreado nesse ano. Foi editada em França em 2016 pela TUM – Presses Universitaires du Midi. Director artístico da Companhia de Teatro de Almada e do Festival de Almada desde 2012, fez a sua formação teatral com Joaquim Benite, de quem foi assistente de encenação. Já levou à cena peças como Negócio fecha-do (2013), de David Mamet, Em direcção aos céus (2013), de Ödon von Horváth, Kilimanjaro (2014), a partir de Ernest Hemingway, e A tragédia optimista (2015), de Vsevolod Vichnievski.

Marques D’Arede

João Tempera Maria João Falcão

Guilherme Filipe

Pedro Walter

Io Appolloni

de 13 a 29 de Janeiro qUA a SÁB às 21h | DOM às 16h SALA PRINCIPAL M/14

teatro municipal Joaquim Benite: Av. Prof. Egas Moniz - Almada | Telf.: 21 273 93 60 | www.ctalmada.pt | [email protected]

inFormaçõeS e reSerVaS: Carina Verdasca: 91 463 50 25 | Pedro Walter: 96 354 95 75 | Federica Fiasca: 93 221 29 26 | Email: [email protected]

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Espectáculo

De que mecanismos dispõe a democracia para se defender do totalitarismo, quando é o próprio povo quem expres-

sa, democraticamente, a vontade da sua abolição? Esta é a pergunta que se puseram os governantes socialistas da República de Weimar quando os ale-mães decidiram, no início dos anos 30, dar o poder ao partido nazi.

democracia sem democratas?Numa época em que o próprio Parla-mento Europeu acolhe partidos que não hesitam em propalar valores anti- -democráticos (e até neo-fascistas), ao mesmo tempo que se assiste à monta-da (por via eleitoral) da extrema-direita europeia, debruçamo-nos sobre Noite da liberdade. Horváth considerava-se um mitteleuropeu por excelência, fa-lante de várias línguas e cidadão de um império que deixou de existir quando começou a erigir a sua obra. Obra essa que praticamente não teve outro objec-tivo que não fosse avisar a sociedade do seu tempo contra o crescimento da “besta-negra”, através da descrição dos valores e dos hábitos da pequena- -burguesia alemã (e austríaca), incapaz de se opor à tomada do poder por parte dos nazis. Nazis, esses, que depressa entenderam o perigo que representava para o seu projecto fascista títulos como Juventude sem Deus, relegando Horvá-th para a lista de autores banidos. que diria agora o dramaturgo desta Europa erigida nas ruínas da II Grande Guerra, a que ele já não assistiu? que comen-tários lhe mereceriam uma instituição como a União Europeia, construída sobre pilares progressistas – e aparen-temente incapaz de reagir àqueles que exibem o seu desprezo pelos valores humanistas e democráticos que lhe pre-sidem? que sociedade é esta, incapaz de tirar lições das obras daqueles que,

tal como Ödön von Horváth, assistiram à catástrofe que foi a I Grande Guerra e se lançaram a escrever para que uma semelhante mortandade não se repetis-se? Como é que pode defender-se ainda a democracia, se não nos dedicarmos firme e desesperadamente à formação de democratas? quem acha que estas questões não são prementes, que estu-de os números da abstenção europeia e o crescimento dos movimentos popu-listas que aparecem (e desaparecerão) à medida dos interesses daqueles que os encabeçam, e vão direccionando em seu proveito o descontentamento dos eleitores relativamente a uma Eu-ropa apoiada em instituições que se tornaram burocráticas e cada vez mais auto-suficientes.

era uma vez na BavieraEm Noite da liberdade estamos numa pequena cidade do Sul da Alemanha, no início dos anos 30. É neste contexto que assistimos à luta entre a secção do Par-tido Socialista local (SPD), que planeia realizar a sua Noite da Liberdade preci-samente no mesmo estabelecimento (e no mesmo dia) em que os Nazis haviam projectado um Dia da Pátria. O espíri-to parlamentar e democrático destes socialistas (liderados por um Vereador verborreico e pusilânime) tornará possí-vel que os dois festejos se realizem (a horas diferentes, como o nome das res-pectivas festas impõe), porque, afinal de contas, “ainda vivemos numa de-mocracia”, como se apressa a justificar um dos dirigentes locais. Ora, é pre-cisamente contra a prevalência deste espírito parlamentar, para mais numa al-tura em que a ameaça nazi sobe de tom, que se encontra uma facção mais à es-querda (e revolucionária) deste partido: o grupo formado pelo jovem Martin e os seus camaradas. Para estes jovens, o SPD havia traído a sua origem de clas-

se, e encontrava-se agora prisioneiro de uma posição pacifista, que apenas ser-via para justificar a sua passividade (e cobardia). Uma bravata por parte deste grupo de jovens (que Horváth descreve como simpatizantes do KPD – o Partido Comunista Alemão) faz com que o con-fronto com os nazis se torne inevitável. Mas o desfecho de Noite da liberdade corresponde muito menos a um retrato das circunstâncias políticas da queda da República de Weimar do que a um apelo (desesperado) do seu autor àque-les que assistiam à peça.

da revolução à quintinha O humorista Herman José criou há uns anos uma figura que nunca deixava de nos arrancar sorrisos: era um ho-mem que, após a fúria revolucionária dos anos 70, se justificava da seguinte forma quando confrontado com a sua irresistível tendência para a acumula-ção de bens materiais: “Sabe, eu até era muito de esquerda – mas depois a família cresceu e…”. Não é preciso procurar muito na breve História da nossa democracia para encontrar uma abundância de jovens baby boomers revolucionários para quem as famílias cresceram (e de que maneira). Tal como o Vereador socialista da peça de Hor-váth, que não via razão nenhuma para não “comprar uma quintinha”, também no nosso País abundaram aqueles que transformaram o idealismo da juventude num comodismo que se acomodou pla-cidamente, a partir de 1986, aos fundos estruturais de Bruxelas. Noite da liber-dade constitui uma boa oportunidade para reflectirmos sobre os mecanismos que a democracia tem para se defender da barbárie. Mas também sobre o dever que cada um de nós tem na formação de futuros democratas, para que este sistema prevaleça. E para que as famí-lias possam continuar a crescer.

Por rodrigo Francisco

Tenho um olhar demasiado agudo. Vejo para onde está a ir o Mundo. Acho que se tivesse uns anos a menos ainda podia fazer alguma coisa para melhorá-lo... Mas, olha, sou só um bandalho... E estou cansado disto tudo.

Fala de Karl, em Noite da liberdade