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JULIANA SENA CALIXTO DE PALMO EM PALMO A TERRA MUDA DE JEITO: DIÁLOGOS SOBRE QUALIDADE DO SOLO Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas, para obtenção do título de Doctor Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL 2015

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JULIANA SENA CALIXTO

DE PALMO EM PALMO A TERRA MUDA DE JEITO: DIÁLOGOS SOBRE

QUALIDADE DO SOLO

Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas, para obtenção do título de Doctor Scientiae.

VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL

2015

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Aos agricultores familiares da Zona da Mata, de Minas Gerais, do Brasil e do mundo,

que cuidam do solo e a partir dele nos alimentam. À minha tia Irene (in memorian), por

ter me ensinado as primeiras letras. Às pequenas Fernanda e Letícia... por serem a razão

primeira da minha crença e luta para ajudar a construir um mundo melhor...

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AGRADECIMENTOS

A Deus, supremo criador do Universo...

À Universidade Federal de Viçosa (UFV), por intermédio do Departamento de

Solos e Nutrição de Plantas, pelos ensinamentos e pela oportunidade de realização do

Curso.

À minha família pelo apoio e por entender minhas ausências. Em especial ao meu

esposo Ricardo, companheiro de todas as horas, mapas e estatísticas.

À minha orientadora professora Irene Cardoso, por todos os ensinamentos, por ser

um exemplo de mulher e profissional e por compreender minhas limitações. À minha

coorientadora professora Maria Izabel Botelho por todas as importantes contribuições.

Aos membros das bancas de qualificação e de defesa por todas as contribuições

dadas a este trabalho.

Aos agricultores e agricultoras do Sítio Oito de Março e da Associação

Bonsucesso pela confiança e carinho com que receberam nossa equipe de pesquisa.

Aos professores, técnicos e estudantes do Núcleo de Estudos em Agroecologia do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sudeste de Minas (campus Muriaé);

ao Centro de Estudos, Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata (CEIFAR); ao

Sindicato de Trabalhadores Rurais e à Secretaria de Agricultura de Araponga e ao Centro

de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM).

Ao Romualdo, Edivaldo e Geisiane, pelo constante apoio nas pesquisas de campo.

Às amigas Beatriz e Edivânia, com quem dividi o campo, as angústias e as alegrias

dessa pesquisa. Aos meus alunos Milheny, Lidiane, Betânia, Willian, Rafael, Daniella,

Mariane, Giovanna, Letícia e Guilherme pela força na pesquisa de campo e laboratório.

Sem o apoio de vocês esse trabalho não teria sido possível!

Aos colegas de curso Fred, Cristiano, Luiz, Charles, Josimar, Joana, Luiza,

Silmara e Viviane pelo convívio e aprendizado em conjunto. Ao grupo de corrida da

academia Centerfit, por ajudar a aliviar o stress. Ao Lenine por me ajudar com as

burocracias...

Ao CNPq, pelo financiamento por meio do projeto 406881/2012-0.

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BIOGRAFIA

JULIANA SENA CALIXTO, filha de Izabel Sena Calixto, nasceu em 11 de junho

de 1979 na cidade de São Paulo, SP.

Em 1998, iniciou o curso Engenharia Florestal na Universidade Federal de Lavras,

graduando-se no ano de 2003. Durante sua vivência em Lavras participou do Núcleo de

Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers (NPPJ), conhecendo o universo

da agricultura familiar agroecológica, pelo qual se encantou.

Em 2004 ingressou no Programa de Pós-Graduação em Administração, na área de

Gestão Social, Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Universidade Federal de Lavras,

obtendo o título de Magister Scientiae em fevereiro de 2006.

De junho de 2006 a janeiro de 2010 trabalhou como analista ambiental do Instituto

Estadual de Florestas. Em julho de 2011 ingressou no Programa de Pós-Graduação em

Solos e Nutrição de Plantas, na Universidade Federal de Viçosa, concluindo os requisitos

indispensáveis para obtenção do título de Doctor Scientiae em setembro de 2015.

É professora no campus Muriaé do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia Sudeste de Minas desde janeiro de 2010, onde atua nos cursos técnicos de

Agroecologia e Meio Ambiente e coordena o Núcleo de Estudos em Agroecologia e o

Núcleo de Extensão e Desenvolvimento Territorial do Território da Serra do Brigadeiro.

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EPÍGRAFE

PARA SER DOUTORA

Descobri que Doutorado dura muito tempo...

Nesse tempo terminei a construção de minha casa...

Nesse tempo minha filha aprendeu a andar, entrou para a escola e está quase na sua

primeira formatura...

Nesse tempo descobri que ter um marido doutor, e que cuida das crianças é muito

valioso...

Nesse tempo não fiquei velha... fiquei loira... e fiquei morena de novo...

Nesse tempo muitos dos meus alunos, que participaram comigo da pesquisa, se

formaram... e alguns deles ingressaram na mesma universidade onde hoje concluo

esses estudos...

Nesse tempo conheci muitas pessoas, muitos lugares...

Nesse tempo assumi novos projetos e renunciei a tantos outros...

Nesse tempo minha filha-irmã se tornou mãe... e eu tia-avó!.. e mãe de novo!!

Nesse tempo... ainda desejei ter mais tempo... porque para escrever a tese... ainda é

muito pouco tempo!!!!

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SUMÁRIO

RESUMO.........................................................................................................................ix

ABSTRACT ....................................................................................................................xi

INTRODUÇÃO GERAL ................................................................................................................ 1

1. QUALIDADE DO SOLO ....................................................................................................... 2

1.1 INDICADORES DE QUALIDADE DO SOLO ...................................................................................... 4

2. MANEJO AGROECOLÓGICO DO SOLO ........................................................................... 8

3. ETNOPEDOLOGIA ............................................................................................................ 10

4. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 15

CAPÍTULO I - CONHECIMENTO DOS AGRICULTORES FAMILIARES E INDICADORES DE

QUALIDADE DO SOLO: SÓ DE OLHAR A GENTE SABE! ...................................................... 21

RESUMO...................................................................................................................................... 21

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 22

2 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 25

2.1 ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................................... 25

2.2 ESCOLHA E CAPACITAÇÃO DA EQUIPE DE PESQUISA ................................................................... 29

2.3. REUNIÃO COM OS AGRICULTORES ........................................................................................... 29

2.4 CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DA PESQUISA .............................................................................. 30

2.4.1 Elaboração de mapas dos assentamentos ......................................................................... 31

2.4.2 Levantamento dos Etnoindicadores de Qualidade do Solo ................................................. 31

2.4.3 Priorização dos indicadores ........................................................................................... 32

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................ 34

3.1 MAPAS ................................................................................................................................. 34

3.2 ETNOINDICADORES DE QUALIDADE DO SOLO ............................................................................ 35

3.2.1 Indicadores biológicos ................................................................................................... 37

3.2.2 Indicadores químicos ..................................................................................................... 42

3.2.3 Indicadores físicos ......................................................................................................... 44

3.2.4 Indicadores visuais ........................................................................................................ 48

3.3 INDICADORES PRIORIZADOS .................................................................................................... 52

4 CONCLUSÕES .......................................................................................................................... 53

5 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 54

CAPÍTULO II - ESTRATIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE AMBIENTES COM BASE EM

ETNOINDICADORES: DE PALMO EM PALMO, A TERRA MUDA DE JEITO ....................... 62

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RESUMO...................................................................................................................................... 62

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 63

2 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 66

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ................................................................................... 66

2.2 ESTRATIFICAÇÃO AMBIENTAL ................................................................................................. 69

2.3 AVALIAÇÃO DOS AMBIENTES .................................................................................................. 70

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................. 73

3.1 ESTRATIFICAÇÃO AMBIENTAL ................................................................................................. 73

3.2 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DOS SOLOS ................................................................................... 82

4. CONCLUSÕES ......................................................................................................................... 89

5 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 90

CAPÍTULO III - INTEGRAÇÃO ENTRE ETNOINDICADORES E INDICADORES

ACADÊMICOS ............................................................................................................................ 96

RESUMO...................................................................................................................................... 96

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 97

2 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 98

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ................................................................................... 98

2.2 PESQUISA PARTICIPANTE ........................................................................................................ 99

2.2.1 Plantas espontâneas indicadoras e diversidade de plantas .............................................. 100

2.2.2 Diversidade de macrofauna e densidade de minhocas, cupins e formigas ......................... 100

2.2.3 Fertilidade e textura ..................................................................................................... 101

3.1 DIVERSIDADE DE PLANTAS E PLANTAS ESPONTÂNEAS INDICADORAS ......................................... 104

3.2 DIVERSIDADE DE MACROFAUNA E DENSIDADE DE ORGANISMOS INDICADORES ........................... 113

3.4 ESTRATÉGIAS DE MANEJO ..................................................................................................... 122

4 CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 124

5 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 124

CAPÍTULO IV - DESVENDANDO OS SEGREDOS DA ANÁLISE DE SOLO: TROCA DE

EXPERIÊNCIAS COM AGRICULTORES FAMILIARES ........................................................ 132

RESUMO.................................................................................................................................... 132

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 133

2 METODOLOGIA .................................................................................................................... 133

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................... 137

4 CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 139

5 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 139

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CAPÍTULO V - FEIRA DE SOLOS: INTEGRAÇÃO PRÁTICA ENTRE SABER LOCAL E

SABER ACADÊMICO ............................................................................................................... 141

RESUMO.................................................................................................................................... 141

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 142

2 METODOLOGIA .................................................................................................................... 143

2.1 COR E MATÉRIA ORGÂNICA .................................................................................................. 143

2.2 TEXTURA E ESTRUTURA ....................................................................................................... 144

2.3 VIDA DO SOLO: MICRORGANISMOS E MACROFAUNA ................................................................. 144

2.4 FERTILIDADE DO SOLO ......................................................................................................... 145

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................... 146

4 CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 149

5 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 150

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 151

ANEXOS .................................................................................................................................... 155

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RESUMO

CALIXTO, Juliana Sena D.Sc., Universidade Federal de Viçosa, setembro de 2015. De palmo em palmo a terra muda de jeito: diálogos sobre qualidade do solo. Orientadora: Irene Maria Cardoso. Coorientadora: Maria Izabel Vieira Botelho.

A manutenção da qualidade dos solos tem sido um desafio para cientistas, técnicos e

agricultores. Dados da FAO apontam que 25% dos solos agrícolas do mundo estão

degradados, o que fez com que a ONU decretasse 2015 o Ano Internacional dos Solos,

buscando sensibilizar a sociedade mundial para este problema, que compromete a

sustentabilidade do planeta. A avaliação dos solos se faz com o uso de indicadores,

atributos do solo que permitem avaliar e concluir sobre a sua qualidade. Esses indicadores

são desenvolvidos por cientistas e por agricultores. O desafio posto é promover um

diálogo entre os indicadores acadêmicos e os etnoindicadores, para orientar o manejo do

solo de forma a potencializar suas funções e a sustentabilidade da agricultura. O objetivo

geral desta tese foi identificar e sistematizar, de forma dialogada com os/as agricultores/as

familiares, etnoindicadores de qualidade do solo e, a partir deles, constuir uma base de

avaliação sobre a qualidade do solo e estratégias de manejo sustentável dos

agroecossistemas. O referencial teórico-metodológico utilizado foi a pesquisa

participante, com a utilização de técnicas participativas para o reconhecimento e

valorização do saber dos agricultores, com base nos princípios da Etnopedologia e da

Agroecologia. Os etnoindicadores de qualidade do solo utilizados pelos agricultores de

duas comunidades rurais dos municípios de Araponga (Sítio Oito de Março) e Muriaé

(Associação Bonsucesso) foram identificados e sistematizados. Tais comunidades se

localizam na Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Realizou-se em conjunto com os

agricultores a estratificação ambiental e a espacialização dos ambientes, utilizando

etnoindicadores de qualidade do solo, e avaliou-se também com os agricultores a

qualidade dos diferentes ambientes estratificados. A análise química foi o ponto de partida

para uma discussão sobre formação de solo e manejo integrado da fertilidade com ênfase

nas práticas agroecológicas de manejo do solo, que compreendem a fertilidade do solo de

forma holística e não apenas como um balanço de nutrientes presentes no solo.

Levantaram-se vinte e dois indicadores, sete deles referentes a aspectos biológicos do

solo, dois a atributos químicos, sete referentes aos aspectos físicos e seis indicadores

visuais. Os resultados demonstraram a riqueza de conhecimentos dos agricultores/as

sobre o solo e as diversas interações que ocorrem em seus agroecossistemas. Os

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agricultores de Araponga estratificaram a área do Assentamento Sítio Oito de Março em

treze ambientes diferentes e os agricultores de Muriaé estratificaram a área da Associação

Bonsucesso em quinze ambientes distintos. A partir das informações dos agricultores foi

construída uma chave de identificação de ambientes para cada assentamento, sendo a

pedoforma o principal atributo de estratificação. A estratificação realizada pelos/as

agricultores/as foi similar às classificações científicas no que se refere à pedoforma, mas

incorporou outros atributos do solo, como a estrutura e a exposição do terreno ao sol, o

que permitiu maior detalhamento, possível nesta escala de trabalho. Com o uso de uma

metodologia participativa e de campo, os agricultores aprenderam a avaliar os diferentes

ambientes dos assentamentos, atribuindo-lhes notas. Com isto, os agricultores podem,

com suas adaptações, aperfeiçoar ainda mais sua capacidade de observação,

monitoramento e avaliação de seus ambientes e melhorar o manejo de seus

agroecossistemas. A riqueza de informação sobre os etnoindicadores de qualidade do solo

aliada à estratificação ambiental demonstrou o enorme conhecimento dos agricultores

sobre o solo e as diversas interações que ocorrem em seus agroecossistemas. Este

conhecimento não é estático, pelo contrário, está em constante transformação, pois eles

aprendem na medida em que manejam e observam suas áreas, assim como quando

interagem com outras pessoas. Muitos indicadores apontados pelos agricultores são

encontrados na literatura científica internacional, demonstrando assim que o

conhecimento dos agricultores é mais cosmopolita do que sugere algumas literaturas. Em

muitos casos os indicadores apontados pelos agricultores coincidiram com os indicadores

técnicos de qualidade do solo, mas em alguns casos suas avaliações são mais detalhadas

porque utlizam indicadores mais sensíveis. Por exemplo, os solos de diversas áreas não

apresentaram diferenças quando utilizada a análise química de rotina como indicadora,

mas com base nas plantas espontâneas, tais áreas diferenciadas e estratificadas em mais

detalhes. Considerou-se que o uso de indicadores técnicos e etnoindicadores foram

complementares e ambos foram importantes para avaliar a qualidade do solo com mais

precisão. O processo de troca de conhecimentos entre técnicos e agricultores foi

imensamente rico, com todos aprendendo e ensinando e contribuiu para ressignificar a

avaliação da qualidade do solo, muitas vezes feita com base exclusivamente na análise

química de rotina dos solos. Esta também foi ressignificada durante os estudos, onde os

agricultores tiveram a oportunidade de aprender como interpretar seus resultados. Uma

metodologia denominada “Feira de Solos” foi utilizada para devolver os resultados da

pesquisa sobre etnoindicadores de qualidade do solo. Durante a feira foi possível trocar

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outras experiências e aprofundar ainda mais o conhecimento sobre manejo agroecológico

do solo com agricultores e agricultoras participantes da pesquisa. A devolução dos

resultados das pesquisas foi entendida como um compromisso social e ético assumido

pelo pesquisador, e parte da pesquisa participante. O seminário de defesa da tese foi

entendido também como parte do processo de intercâmbio entre o saber local e o

conhecimento científico e por isto foi acompanhado pelos agricultores participantes da

pesquisa.

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ABSTRACT

CALIXTO, Juliana Sena D.Sc., Universidade Federal de Viçosa, September 2015. Inch by inch on the ground changes way: dialogues on soil quality. Advisor: Irene Maria Cardoso. Co-Advisor: Maria Izabel Vieira Botelho.

The maintenance of soil quality has been a challenge for scientists, technicians and

farmers. FAO data show that 25% of agricultural soils in the world are degraded, which

caused the UN decreed 2015 the International Year of Soils, seeking to sensitize the world

society to this problem, which jeopardizes the sustainability of the planet. The evaluation

of soil is done with the use of indicators, developed by scientists and by farmers. The

challenge posed is to promote a dialogue between academic indicators and etnoindicators

to guide soil management in order to enhance its functions and the sustainability of

agriculture. The objective of this thesis was to identify and systematize, in a dialogue with

the farmers, the etnoindicators relatives of soil quality and, from them, build a knowledge

base on soil quality and sustainable management strategies of agro-ecosystems. The

theoretical framework used was participatory research, with the use of participatory

techniques for identifying and recognizing the knowledge of farmers, based on the

principles of Ethnopedology and Agroecology. The soil quality etnoindicators used by

farmers in two rural communities in the municipalities of Araponga (Sítio Oito de Março)

and Muriaé (Associação Bonsucesso) were identified and systematized. These

communities are located in the Zona da Mata, Minas Gerais State, Brazil. Together with

farmers, using etnoindicators soil quality, an environmental stratification and map of the

environments were done, as well as, the evaluation of the quality of different stratified

environments. Chemical analysis was the starting point for a discussion on soil formation

and integrated management of fertility with emphasis on agroecological practices of soil

management, which comprise the fertility holistically and not only as a nutrient balance

in the soil. The survey identified twenty-two indicators, seven of them related to soil

biology, two to the chemical attributes, seven related to the physical attributes, and six to

the visual indicators. The results demonstrated the richness of the knowledge of the

farmers related to the soil and the various interactions that occur in their agricultural

ecosystems. The farmers, in Araponga, stratified the area of the Sítio Oito de Março in

thirteen different environments and the farmers, in Muriaé, stratified the area of

Associação Bonsucesso in fifteen different environments. From the information of

farmers, an identification key for the environments was organized for each settlement.

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The landform was the main attribute to stratify the environments. The stratification

performed by farmers was similar to scientific stratification with respect to the landform,

but incorporated other soil properties, such as structure and the exposure of the field to

the sun, allowing more details, possible in this working scale. Using a participatory and

field methodology, farmers have learned to evaluate the different environments of the

settlements, giving them notes. As a result, farmers can, with their adaptations, further

improve their capacity for observation, monitoring and evaluation of their environments

and for improve the management of their agro-ecosystems. A richness of information on

soil quality etnoindicators coupled with the information on environmental stratification

demonstrated the amount of knowledge of farmers. This knowledge is not static, on the

other way around, it is constantly changing as the farmers keep observing their areas, as

well as interacting with others. Many indicators pointed by the farmers are found in the

international scientific literature, demonstrating that the knowledge of farmers is more

cosmopolitan than some literature suggest. In many cases the indicators mentioned by the

farmers coincided with the technical indicators of soil quality, but in some cases their

assessments are more detailed because they use more sensitive indicators. For example,

soils from different areas showed no differences when using the routine chemical analysis

as an indicator, but based on weeds, such areas were differentiated and stratified in more

detail. We considered that the use of technical indicators and etnoindicators were

complementary and both were important for evaluating soil quality more accurately. The

process of exchange of knowledge between technicians and farmers was immensely rich,

with all learning and teaching and contributed to reframe the assessment of soil quality,

often made based solely on chemical routine analysis of the soil. The routine analysis also

got a new meaning during the studies, when the farmers had the opportunity to learn how

to interpret it. The methodology called “Soil Fair” was used to share the results of the

research. During the fair it was possible to exchange other experiences and further deepen

knowledge on the agro-ecological soil management with farmers participating in the

research. To share the research results was a social and ethical commitment of the

researcher. The thesis defense seminar was also understood as part of the exchange

process between local and scientific knowledge and because of that it was accompanied

by the farmers enrolled in the research.

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INTRODUÇÃO GERAL

Além de servir de base para a produção de alimentos e fibras, o solo exerce

importantes funções para a manutenção da vida, como regulador dos ciclos hidrológicos,

controle de poluição e resíduos, base para construções e espaço de recreação e lazer

(ARSHAD e MARTIN, 2002; BARRIOS et al., 2011; DORAN e ZEISS, 2000;

GLIESSMAN, 2009; MOREIRA et al., 2013), atuando também como importante

reservatório de carbono nos ecossistemas terrestres, contribuindo para a regulação

climática do planeta (ANDERSON, 1992).

O solo pode ser considerado um sistema aberto complexo por trocar energia e

matéria com o ambiente (KAMPF et al., 2012) e sua qualidade é essencial, pois é

considerado um recurso “não renovável” na escala de tempo humana, sendo esgotável, e

suas perdas dificilmente são recuperadas (KAMPF et al., 2012; NORTCLIFF, 2002).

Desde 2003, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) insere a

depleção de nutrientes e a degradação do solo em seus relatórios sobre desenvolvimento

humano (MCBRATNEY et al., 2014), e a Assembleia Geral das Nações Unidas em sua

68ª sessão decretou 2015 o ano internacional dos solos, visando conscientizar a sociedade

mundial sobre sua importância (SBCS, 2015).

Nos últimos 50 anos, mais de 2 bilhões dos 8,7 bilhões de hectares de terras

agrícolas, pastagens permanentes e florestas do mundo foram degradadas, o que significa

que perderam qualidade, ficando impossibilitados de exercerem suas funções (ARSHAD

e MARTIN, 2002). Dados de 1991 apontavam que 20% dos solos mundiais estavam

degradados (BOUMA et al., 1998), e em 2011, a Organização das Nações Unidas para a

Alimentação e Agricultura (FAO) apontou um aumento de 25% dessa perda no intervalo

de 20 anos. Na Europa estima-se que os prejuízos causados pela perda do solo chegam a

38 bilhões de Euros por ano, a ponto de a União Europeia considerar a degradação do

solo uma ameaça ao desenvolvimento (MCBRATNEY et al., 2014).

Cerca de 85% dos solos tropicais têm algum grau de degradação (BARRIOS et

al., 2006). Um dos motivos dessa degradação é que o manejo dos solos tropicais tem

seguido as recomendações contidas em pacotes tecnológicos construídos a partir da lógica

de que o solo é apenas um substrato para crescimento de plantas (GLIESSMAN, 2009),

associado à utilização de técnicas fundamentadas no manejo de solos em países frios,

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baseadas em revolvimento, adubação e calagem, o que tem causado grandes perdas de

solos nos países tropicais (PRIMAVESI, 2014 e 2002).

Essa difusão de pacotes tecnológicos prioriza apenas o saber técnico-científico,

desconsiderando o saber dos agricultores, tidos como ignorantes e atrasados, que devem

apenas aceitar e aplicar as tecnologias. Entretanto, atualmente se percebe que esse saber

pode e deve ser valorizado para a construção de estratégias sustentáveis de manejo dos

solos tropicais (DORAN, 2002; JUNGERIOUS, 1986), pois o agricultor é o gestor da

terra, e suas opções de manejo podem conservar ou degradar o solo.

No sentido de proteger o solo e valorizar o saber dos agricultores, a Agroecologia

tem proposto a abordagem do solo como um organismo vivo e busca construir novas

estratégias de manejo por meio da integração entre o saber local e o conhecimento

científico, construindo um saber novo, o que pode ser um caminho para potencializar o

manejo de agroecossistemas, no sentido de torná-los sustentáveis (ALTIERI, 2012).

Este trabalho teve como objetivo geral construir uma base integrada de

conhecimentos sobre indicadores de qualidade do solo, a partir do saber local e do

conhecimento científico. Esta introdução geral aborda os aspectos teóricos que nortearam

a pesquisa.

1. QUALIDADE DO SOLO

O conceito de qualidade do solo está bastante relacionado ao tipo de uso que se

propõe. A corrente de pensamento americana relaciona o conceito de qualidade à

produtividade agrícola, enquanto a européia relaciona esse conceito à contaminação do

solo com produtos químicos e resíduos (NORTCLIFF, 2002).

Uma abordagem que vem sendo bastante utilizada em diversos trabalhos sobre

qualidade do solo (GIACOMETTI et al., 2013; KINYANGI, 2007; ARIAS et al., 2005;

SCHJONNING et al. 2004; KARLEN et al., 2003; GREGORICH et al., 1997; CARTER

et al., 1997) é a que relaciona qualidade do solo à capacidade que o mesmo tem de

funcionar como um sistema vivo vital, sustentar a produtividade vegetal e animal, manter

ou melhorar a qualidade do ar e da água, e promover a saúde de plantas e animais, dentro

dos limites do ecossistema e do seu uso, e as estruturas socioeconômicas e de habitação

humana (DORAN e PARQUIN, 1994). O termo qualidade muitas vezes é substituído por

saúde do solo, termo mais alusivo à condição do solo como organismo vivo, finito e não-

renovável (KINYANGI, 2007; DORAN, 2002; DORAN e ZEISS, 2000).

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Recentemente, tem sido utilizado também o conceito de segurança do solo, que

atribui a este recurso importância extrema para a sustentabilidade do planeta, sendo que

sua conservação contribui para alcançar os desafios globais essenciais (segurança da

água, mudanças climáticas, proteção da biodiversidade, segurança energética, segurança

alimentar e serviços do ecossistema), uma vez que presta serviços ambientais

fundamentais (MCBRATNEY et al., 2014). Este conceito considera também as

dimensões econômicas, sociais e políticas e liga-se aos conceitos de qualidade, saúde e

proteção do solo, reconhecendo o valor do solo e a maneira como as pessoas interagem

com ele.

A condição de referência de qualidade de um solo seria aquela em que ele está

funcionando com sua plena capacidade, em um determinado sistema de manejo que use

práticas que levem em consideração critérios de sustentabilidade. Esta condição tem sido

ameaçada pelo atual modelo de agricultura, que debilita as funções do solo por meio de

processos erosivos, redução do teor de matéria orgânica e aumento da liberação de CO2

para a atmosfera (DORAN, 2002; GLIESSMAN, 2009).

Ainda existem poucos estudos sobre o monitoramento dessa qualidade ao longo

do tempo. Cientistas sugerem criar uma legislação para tentar garantir a qualidade dos

solos, com parâmetros quantitativos, como existe para garantir a qualidade da água e do

ar (ARSHAD e MARTIN, 2002).

Alguns autores questionam a capacidade de se produzir alimentos de qualidade

para uma população mundial que tende a dobrar até 2040, com os atuais padrões de

consumo insustentáveis (BOUMA et al., 1998), discutindo a necessidade de se construir

um indicador de qualidade das terras que reflita as condições de um solo sob diferentes

tipos de manejo. Mas para isso é também necessário haver decisão política e um nível de

organização social para mobilizar a construção de uma nova ordem econômica, baseada

na real sustentabilidade dos agroecossistemas.

Estudos sobre qualidade do solo para a agricultura tendem a seguir três linhas de

análise (VEZZANI e MIELNICZUK, 2009): uma que foca nos atributos do solo como

indicadores de qualidade, sendo Doran e Parkin (1994) e Larson e Pierce (1994) os

pioneiros; uma segunda que considera a matéria orgânica do solo como principal

indicador de qualidade, pois tem poder para interferir sobre os demais atributos

(MANLAY et al., 2007; BOTS e BENITES, 2005; CONCEIÇÃO et al., 2005; LEITE et

al., 2003; REEVES, 1997), e uma terceira, que propõe uma abordagem sistêmica da

qualidade do solo, que procura abarcar a complexidade dos solos e de suas funções,

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sugerindo ser mais importante centrar esforços em como obter qualidade do solo do que

em como medi-la (VEZZANI e MIELNICZUK, 2009; VEZZANI, 2001). Neste trabalho

considera-se importante a discussão sobre indicadores de qualidade do solo como

promotora de um debate mais amplo sobre manejo agroecológico dos agroecossistemas,

que pode servir de base para abordagens sistêmicas de qualidade do solo, indo ao encontro

da terceira linha de análise.

1.1 Indicadores de qualidade do solo

Os indicadores podem ser utilizados para comparar a qualidade de diferentes

locais ou do mesmo local ao longo do tempo, avaliando a sustentabilidade do manejo do

solo. Ainda não existem parâmetros bem definidos para avaliar a qualidade do solo, sendo

utilizada uma diversidade de indicadores de ordem física, química, biológica e também

visual, caminhando para um consenso em se observar as diversas funções do solo

(ARSHAD e MARTIN, 2002; NORTCLIFF, 2002) ao invés de um único indicador

isolado.

Os indicadores devem permitir avaliar e concluir sobre a qualidade do solo. Para

isto, um bom indicador deve apresentar atributos mínimos, tais como: ser sensível às

variações de relevo e clima; ser bem correlacionado com funções do solo; ser de fácil

mensuração e de baixo custo; ser útil para elucidar processos do ecossistema; ser

compreensível e útil para o agricultor (DORAN, 2002; DORAN e ZEISS, 2000). Deve-

se levar em conta que o solo pode exercer diversas funções simultaneamente, e que os

valores críticos de cada atributo podem variar de acordo com a função do solo

(NORTCLIFF, 2002).

Alguns trabalhos propõem a seleção de indicadores-chave e seus limites críticos,

que seriam uma gama de valores desejáveis para manter o funcionamento normal do solo,

mas que vão depender da cultura de interesse e dos agroecossistemas (ARSHAD e

MARTIN, 2002). Matéria orgânica, profundidade do solo, infiltração, agregação, pH,

condutividade elétrica, taxa de poluentes e respiração do solo são atributos do solo que

podem ser indicadores adequados para a maioria dos casos, podendo ser também

associados ao rendimento de culturas agrícolas, sugerindo incluir informações do

agricultor, por meio de uma discussão entre cientistas e a população local, em uma

abordagem multidisciplinar (ARSHAD e MARTIN, 2002).

Em geral, os indicadores são classificados em quatro grandes agrupamentos:

físicos, químicos, biológicos e visuais (KINYANGI, 2007). O ideal é analisar a integração

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entre esses atributos, sendo essa divisão apenas didática, porque na natureza tudo está

interligado.

Os indicadores físicos estabelecem relações fundamentais com diversos processos

que ocorrem no solo, como taxa de infiltração, escoamento superficial, drenagem e

erosão, possuindo função essencial na disponibilidade de água, nutrientes e oxigênio do

solo. Os principais indicadores físicos de qualidade do solo de interesse agrícola são a

textura, densidade, porosidade, estrutura, resistência à penetração (compactação),

encrostamento, profundidade de enraizamento, capacidade de água disponível,

percolação ou transmissão da água (KINYANGI, 2007; GOMES e FILIZOLA, 2006;

DEXTER, 2004; NORTCLIFF, 2002). A estrutura é um indicador-chave, pois é

responsável pelo equilíbrio de outros indicadores de qualidade importantes, como a

porosidade, a retenção de água e a profundidade de enraizamento (Dexter, 2004).

Os indicadores químicos indicam os teores dos componentes orgânicos e

inorgânicos no solo e sua influência na produtividade agrícola. Normalmente se

relacionam com variáveis ligadas à acidez do solo, ao teor de carbono e disponibilidade

de nutrientes. Os mais importantes são o pH, o teor de matéria orgânica e a Capacidade

de Troca Catiônica (CTC) (BARRIOS et al., 2011), entretanto, dependendo das

especificidades locais, a salinidade, elementos tóxicos e tamponamento podem ser

interessantes (NORTCLIFF, 2002). A quantidade de nutrientes, fitotoxidade de metais-

traço e mobilidade de pesticidas, que são influenciados pelos atributos químicos CTC,

pH, condutividade elétrica, percentual de sódio trocável, conteúdo de matéria orgânica e

conteúdo mineral também podem ser usadas para monitorar as mudanças causadas pelo

manejo (HEIL e SPOSITO, 1997).

Para o manejo agroecológico, a matéria orgânica apresenta importância

fundamental, pois alimenta a vida do solo e relaciona-se diretamente com a manutenção

da estrutura, presença de microrganismos e disponibilidade de nutrientes do solo

(MARTINEZ SALGADO et al., 2010; CASALINHO et al., 2007), interferindo nos

atributos físicos, químicos, biológicos e até visuais do solo (NUNES et al., 2010;

REEVES, 1997), por estar ligada a processos fundamentais como a ciclagem de

nutrientes, agregação (NUNES et al., 2010) e dinâmica da água, além de ser fonte básica

de energia para a atividade biológica (ROSCOE et al., 2006). A redução do teor de

matéria orgânica pode interferir drasticamente nesses processos, dificultando o

desempenho das funções do solo, provocando desequilíbrios no sistema e,

consequentemente desencadeando o processo de degradação (ROSCOE et al., 2006).

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Há uma estreita relação entre os atributos químicos do solo com a sanidade dos

cultivos, um exemplo é o alto teor de nitrogênio das adubações artificiais, que submete

as plantas a altos ataques de pragas e doenças, indicando que o manejo deve priorizar a

adição de muita matéria orgânica, que libera o nitrogênio mais lentamente, para promover

alta atividade biológica, alta fertilidade e cadeias tróficas complexas (ALTIERI e

NICHOLLS, 2003).

Os indicadores biológicos dão elementos para se perceber efeitos das mudanças

de manejo, pois captam alterações sutis ocorridas no solo (MARTINEZ-SALGADO,

2010; BARRIOS, 2007). As propriedades biológicas são afetadas por outras

propriedades, como a temperatura, umidade, pH, teor de matéria orgânica e

disponibilidade de nutrientes (BARRIOS et al., 2011), sendo que a menor variação no

solo tende a modificar, forçosamente, toda a sua vida, porque beneficia ou prejudica

componentes de uma sociedade estabelecida (PRIMAVESI, 2002). Podem ser muito

dinâmicos e excepcionalmente sensíveis às mudanças nas condições do solo, por isso

muitas vezes são usados em avaliações de curto prazo (PAULI et al., 2012; NORTCLIFF,

2002).

A comunidade biológica do solo é bastante complexa e está diretamente

relacionada a serviços ecossistêmicos e produtividade da terra, atuando na ciclagem de

nutrientes, na modificação na estrutura do solo e no controle de pragas e doenças

(BARRIOS, 2007). Muitas pesquisas são realizadas sobre física e química do solo, mas

pouco se sabe sobre a biodiversidade do solo (MOREIRA et al., 2013), em parte pelo tipo

de agricultura predominante, na qual as funções da biodiversidade são feitas por

atividades humanas (preparo mecanizado do solo substitui a atividade física das raízes e

macrofauna; adição de fertilizantes substitui a ciclagem de nutrientes; uso de pesticidas

substitui o controle biológico, por exemplo), que prejudicam a vida no solo e colocam em

risco a sustentabilidade dos ambientes (BARRIOS, 2007). Como indicadores biológicos,

destacam-se as plantas espontâneas e a fauna edáfica. Alguns autores consideram a

matéria orgânica como um indicador biológico, por se originar de organismos vivos

(NORTCLIFF, 2002).

As plantas espontâneas refletem simultaneamente características químicas, físicas

e biológicas do solo (BARRIOS e TREJO, 2003; MARTINEZ-SALGADO, 2010), pois

cada planta apresenta necessidades e capacidade adaptativa específicas, podendo ser

indicadoras de acidez, compactação, teor de matéria orgânica, etc. (PRIMAVESI, 2011).

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A fauna do solo desempenha importantes funções e é bastante sensível às

alterações no ambiente, sendo um indicador de qualidade ambiental. Pode ser dividida

em micro, meso e macrofauna, conforme o tamanho dos organismos.

A microfauna atua na pedogênese e nos processos de decomposição e ressíntese

da matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, transformações bioquímicas específicas,

controle biológico de patógenos, dentre outros (ANDREOLA e FERNANDES, 2007).

A meso e macrofauna participam ativamente das interações que se desenvolvem

nos processos físicos, químicos e biológicos do solo, sendo ótimos indicadores

(LAVELLE et al., 2006; ROUSSEAU et al., 2013). Há mais estudos disponíveis sobre a

macrofauna do solo, pois grandes invertebrados são relativamente fáceis de medir,

onipresentes e familiares aos agricultores, sendo mais fácil de se estudar que a micro e

mesofauna (ROUSSEAU et al., 2013; MARTINEZ-SALGADO, 2010; BARRIOS,

2007), que não podem ser avaliadas a olho nu.

Estudar a fauna edáfica é de suma importância, uma vez que um quarto da

biodiversidade do planeta está no solo (FAO, 2015), e essa diversidade de organismos

ajuda o solo a desempenhar suas funções, pois mantém a estrutura do solo, auxilia na

troca de gases e sequestro de carbono, age na ciclagem de nutrientes, fornece alimento e

recursos medicinais e, ao desenvolver relações simbióticas com plantas e suas raízes,

auxilia no crescimento das plantas (RUIZ et al., 2008).

Os indicadores visuais do solo, tais como cor, relevo e profundidade, são os de

mais fácil percepção pelos agricultores (AUDEH et al., 2010) e permitem inferências

sobre a qualidade do solo em campo. Estes indicadores são influenciados pela localização

na paisagem, exposição ao sol, fluxo de água e outros fatores que interferem na

pedogênese. Alguns indicadores visuais como erosão e exposição do subsolo quando

chegam a aparecer podem indicar um grau avançado de perda de qualidade

(NORTCLIFF, 2002).

A cor é uma das características morfológicas de mais fácil visualização nos solos.

A partir da cor é possível fazer inferências quanto ao conteúdo de matéria orgânica,

tipificação de óxidos de ferro e drenagem (RESENDE et al., 2007; CAMPOS, 2001).

Estudos etnopedológicos realizados com agricultores apontam que a cor é citada em

100% dos estudos como indicador de qualidade do solo, seguidos pela textura (98%),

consistência (56%) e matéria orgânica (48%) (BARRERA-BASSOLS e ZINK, 2003;

BARRIOS e TREJO, 2003).

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Avaliar apenas um tipo de indicador não é suficiente para uma análise da

qualidade do solo. Alguns autores sugerem ser necessário um conjunto mínimo de

atributos físicos, químicos, biológicos e visuais, analisados em conjunto para avaliar a da

qualidade do solo (CASALINHO et al., 2007; KINYANGI, 2007; DORAN e PARKIN,

1996; LARSON e PIERCE, 1994). Entretanto, esse conjunto ainda não está definido.

É necessário que os cientistas traduzam a ciência em prática, simplificando os seus

estudos por meio de indicadores simples, que tenham significado para agricultores e

outros gestores do solo, ou seja, traduzir o conhecimento científico sobre funções do solo

em conhecimento e práticas de manejo acessíveis para produtores e gestores (DORAN,

2002). Nesse sentido, integrar os indicadores técnicos com indicadores locais,

desenvolvidos pelos próprios agricultores, pode ser uma alternativa interessante para

promover melhorias na qualidade do solo (BARRIOS et al., 2006 e 2011; CASALINHO

et al., 2007). Os agricultores utilizam diversos dos indicadores supracitados; porém, com

outros nomes e outras lógicas, acrescentando a eles outros indicadores com maior

significância local.

O conhecimento científico sobre os indicadores pode e deve ser integrado ao

conhecimento local. Para isso, é necessário desenvolver uma linguagem comum entre

agricultores, extensionistas e pesquisadores, com o objetivo de construir estratégias para

um “manejo integrado da qualidade do solo”, que considere aspectos biológicos, físicos,

químicos, sociais, econômicos e políticos da degradação dos solos, mas que só fazem

sentido se forem construídos com os agricultores. Integrar conhecimento local com

conhecimento científico relevante reduz as incertezas na adoção de novas tecnologias

(BARRIOS et al., 2006 e 2011; BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003). Essa proposta

se afina com a proposta de manejo do solo da Agroecologia, que será apresentado a seguir.

2. MANEJO AGROECOLÓGICO DO SOLO

A forma de manejar os solos, disseminada a partir da Revolução Verde e

predominante nos dias de hoje, é a principal responsável pela degradação dos solos

agrícolas ao redor do mundo (MAZOYER e ROUDART, 2010). Marcado pelo excesso

de revolvimento, ausência de cobertura vegetal e pouco valor atribuído à matéria

orgânica, esse tipo de manejo prejudica os atributos físicos, químicos e biológicos,

deixando os solos suscetíveis à degradação e consequente perda de qualidade

(KHATOUNIAN, 2001).

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Em relação ao manejo dos solos, a Agroecologia traça estratégias de manejo que

buscam prioritariamente promover a vida no solo, para que esta interfira nos demais

atributos, contribuindo para melhoria da qualidade dos solos agrícolas (GLIESSMAN,

2009) e propõe a aplicação dos princípios ecológicos para desenhar sistemas agrícolas

sustentáveis (PRIMAVESI, 2002), por meio de um estudo dos agroecossistemas que

abranja os elementos ambientais e humanos, procurando envolver diversas abordagens

para impulsionar as mudanças na produção agrícola mundial (ALTIERI, 2012; WEZEL

et al., 2009).

A Agroecologia pode ser apreendida a partir de três diferentes e complementares

abordagens: enquanto ciência, prática agrícola e movimento social. No Brasil, a

Agroecologia surge a partir de movimentos sociais que apoiavam práticas agrícolas

tradicionais, como crítica aos efeitos ambientais e sociais da modernização da agricultura

e, com o tempo, foi havendo o uso combinado das três esferas: visão política do

movimento; aplicação técnica na prática, e produção de conhecimento da ciência,

propondo maior conexão entre ciência e extensão para atingir o desenvolvimento rural

sustentável (WEZEL et al., 2009). A Agroecologia propõe uma abordagem

multidisciplinar dos agroecossistemas e busca alternativas para agricultores pobres em

regiões marginais, com técnicas que se contrapõem ao modelo convencional de

agricultura, focadas na autonomia desses agricultores com a utilização de insumos

internos à propriedade (ALTIERI, 2001; CAPORAL et al., 2006).

Um conceito importante que a Agroecologia apropria a partir da Ecologia é o de

resiliência. A Agroecologia propõe agroecossistemas com alto grau de resiliência, que

consigam se restabelecer, no menor tempo possível, de adversidades sofridas. Quanto

mais resiliente, mais sustentável é um agroecossistema, principalmente se considerar as

intensas mudanças ecológicas e socioeconômicas por que tem passado o sistema global

de produção de alimentos (CABEL e OELOFSE, 2012). Estudos recentes apontam que

os sistemas agroecológicos possuem maior resiliência frente às adversidades causadas

pelas mudanças climáticas planetárias (NICHOLLS et al., 2015).

O manejo agroecológico do solo é centrado em princípios ecológicos que sugerem

aumentar a ciclagem de biomassa; o manejo da matéria orgânica e da atividade biológica

do solo; minimizar perdas; promover a diversificação de espécies no tempo e no espaço;

aumentar as interações biológicas e os sinergismos entre os elementos da biodiversidade

(ALTIERI, 2012). Ao invés de lutar contra as adversidades ambientais, artificializando

em excesso os agroecossistemas, a Agroecologia trabalha em favor da natureza (SILVA,

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2005). Esse tipo de manejo é característico de comunidades ancestrais, mas ele foi

desmerecido, desqualificado pelo modelo de agricultura considerada moderna, que se

impôs em diversas regiões do mundo. Entretanto, esse saber não se perdeu, e a

Agroecologia propõe sua redescoberta e revalorização.

Para a promoção de práticas ecológicas de manejo dos agroecossistemas é

necessário que os estados reorientem seus investimentos na agricultura para ações que

tenham a Agroecologia como um modelo de desenvolvimento agrícola, pois esta é a

principal forma de atender ao direito humano à alimentação disponível, acessível e

adequada, necessitando de políticas públicas amplas para sua expansão (DE SHUTTER,

2010).

Em termos econômicos, a Agroecologia propõe um rendimento ótimo, com

equilíbrio ambiental, ao invés de um rendimento máximo às custas de grande desgaste do

ambiente (KHATOUNIAN, 2001; BONILLA, 1992). No tocante aos seus aspectos

sociais, a Agroecologia está em consonância com o modo de vida e de produção dos

pequenos agricultores ao redor do mundo, uma vez que as estratégias agroecológicas de

produção propõem a valorização do saber dos agricultores e de suas experiências, pois

entende que as mudanças ocorrerão a partir das práticas dos agricultores, que podem ser

também associadas ao conhecimento de outras áreas científicas. Para isso, é importante

promover um intercâmbio entre saber local e conhecimento científico, visando à

construção de agroecossistemas saudáveis (ALTIERI, 2002; BARROS e SILVA, 2013;

MOLINA, 2011).

Com o manejo dos agroecossistemas procura-se recuperar e conservar os recursos

naturais como base do sistema de produção agrícola. Mas este manejo exige um

entendimento maior dos componentes dos agroecossistemas e suas relações. Para isto, é

essencial reconhecer e ressignificar o conhecimento dos agricultores/as, em especial em

relação ao solo, que é a base da produção agrícola sustentável (ALTIERI, 2012;

CARDOSO et al., 2010). É nessa busca pela interação com o saber dos agricultores que

a Agroecologia se afina com a Etnopedologia, que oferece contribuições importantes,

uma vez que procura documentar e entender as abordagens locais de percepção,

classificação, avaliação, uso e manejo do solo (BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003).

3. ETNOPEDOLOGIA

A sociedade moderna criou o mito de que cientistas pensam melhor que as outras

pessoas. Entretanto, senso comum e ciência são expressões de uma mesma necessidade

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básica de compreender o mundo. O que os diferencia são os métodos de construção do

conhecimento (ALVES, 1981; TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015). Há muito

conhecimento para além do conhecimento científico, sendo necessário um diálogo da

ciência com outras formas de saber, o que poderia evitar a desqualificação mútua e

formular novas configurações do conhecimento (SANTOS et al., 2006).

A Ciência do Solo tem tido problemas de comunicação com agricultores,

tomadores de decisão e com sua própria disciplina e, muitas vezes, suas orientações são

compreendidas apenas por outros cientistas do solo, ficando distantes da sociedade

(HARTEMINK e MCBRATNEY, 2008). Muitos projetos de manejo e conservação de

solo apresentam falhas por problemas de comunicação entre agentes externos e os

agricultores locais, pois as populações locais têm perspectivas diferentes das dos técnicos

e cientistas devido às diferenças culturais, o que não quer dizer que elas sejam ignorantes,

mas apenas que possuem uma forma diferente de construção do conhecimento

(JUNGERIOUS, 1985).

Agricultores desenvolvem sistemas agrícolas complexos, diversificados e

localmente adaptados (ALTIERI, 2012). Eestudos comprovam que a maioria dos

agricultores locais detém profundo conhecimento sobre as forças ecológicas que os

rodeiam, o que os habilita a manejar e manipular os recursos naturais de modo a atingir

seus objetivos práticos cotidianos (ALVES et al., 2005; CASALINHO et al., 2011). Nesse

sentido, é preciso promover um diálogo entre o conhecimento generalista do cientista e o

conhecimento empírico do agricultor (BARRIOS e TREJO, 2003).

Estudos sobre o conhecimento local fazem parte do ramo das etnociências, com

suas várias expressões, denominadas por Campos (2002) de “etno-x” (etnobiologia,

etnoecologia, etnofarmacologia, etnobotânica, etnomedicina, etnoastronomia,

etnopedologia, etc.), e que centraram seus esforços em estudos linguísticos e

taxonômicos. Para ser um bom etnocientista, o pesquisador de determinada “etno-x” deve

ter um bom conhecimento sobre os fundamentos da “ciência x” para poder iniciar e

avançar nos seus estudos, além de considerar as diferenças culturais existentes, evitando

o etnocentrismo (CAMPOS, 2002). O arcabouço metodológico etnocientífico inspira

pesquisas de interface entre Antropologia e ciências da natureza, bem como ligações entre

diversidade biológica e cultural (ALVES e MARQUES, 2005).

O prefixo “etno” se refere a um sistema de conhecimento e cognição

característicos de uma determinada cultura (ALVES e MARQUES, 2005) e a

Etnopedologia pode ser definida como uma disciplina híbrida entre ciências naturais e

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sociais, que envolve o conhecimento sobre o solo de comunidades rurais, como

agricultores, indígenas, quilombolas, etc. (BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003). Em

comparação com outras etnociências, a Etnopedologia é um campo ainda pouco

explorado, com poucos trabalhos na área, embora exista desde os remotos tempos do

geógrafo Dokuchaev (ALVES et al., 2006).

A base da ciência etnopedológica, de acordo com Barrera-Bassols et al. (2006),

está na compreensão de três dimensões do conhecimento local: o corpus, representado

pelo sistema cognitivo local; o kosmos, representado pelas crenças e simbolismos ligados

a esse conhecimento e a práxis, representado pelo manejo dos sistemas. É a integração

entre essas três dimensões (chamado complexo K-C-P) que constrói o conhecimento local

(BARRERA-BASSOLS et al., 2006; BARRERA-BASSOLS e ZINK, 2003). A maioria

dos trabalhos sobre Etnopedologia focam mais a práxis, deixando de lado o Kosmus e a

Cultura Corpus (ALVES et al., 2006).

Os estudos da Etnopedologia podem ter três abordagens principais: abordagem

informativa ou etnográfica, quando apenas identificam o conhecimento das populações

locais sobre o solo (ALVES et al., 2006; BARRERA-BASSOLS e ZINK, 2003);

abordagem comparativa, quando se procura comparar o conhecimento local e o técnico

e preocupa-se em estabelecer similaridades e diferenças entre o conhecimento local e a

informação científica, tentando identificar possíveis correlações entre diferentes sistemas

de classificação e manejo dos solos, não considerando os contextos socioculturais dos

quais a percepção, crença, cognição e práticas se derivam (AUDEH et al., 2010;

BARRERA-BASSOLS e ZINK, 2003); e abordagem integrativa, que busca identificar

e mobilizar o relacionamento entre informação cultural e científica, objetivando elaborar

propostas de manejo dos recursos naturais de acordo com os contextos social, cultural,

econômico e ecológico locais. Nesta última abordagem integram-se comunidade e

agentes externos que, juntos, decidem sobre as ações a serem executadas (BARRERA-

BASSOLS e ZINCK, 2003; CASLINHO et al., 2007).

A abordagem integrativa é ainda recente na Etnopedologia, e busca promover o

desenvolvimento endógeno em uma perspectiva interdisciplinar. O aspecto mais

importante dessa abordagem é a análise do processo de manejo relacionado à dinâmica

dos recursos do solo, sob a perspectiva dos atores locais - que os de fora não têm

(BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003). A abordagem etnopedológica integrativa é a

que orienta a presente pesquisa.

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Estudos sobre classificações locais de solo revelam que, na maioria das vezes, os

sistemas desenvolvidos pelas comunidades são bem mais detalhados que os utilizados

pela Ciência do Solo, pois os primeiros são aperfeiçoados localmente, enquanto os

últimos são desenvolvidos em maiores escalas (MANCIO, 2008; BARRERA-BASSOLS

et al., 2006) e a participação dos agricultores pode aumentar o valor prático dos resultados

de pesquisa, pois eles têm conhecimento íntimo de seus ambientes (SUMBERG et al.,

2003).

Entretanto, às vezes, o conhecimento local sozinho pode ser impreciso e incapaz

de lidar com as mudanças ambientais. Por isso, é importante uma abordagem local e

científica conjunta, aproveitando as complementaridades e sinergias, tornando os

resultados formais da pesquisa agrícola mais acessíveis aos agricultores (BARRIOS e

TREJO, 2003; SUMBERG et al., 2003). É preciso estabelecer uma linguagem comum,

reconhecendo que todos os sistemas de conhecimento têm limitações e que a integração

do pensamento técnico e local é indispensável para formular sistemas de gestão

sustentável da terra (BARRERA-BASSOLS et al., 2006).

O método representa um desafio constante para a Etnopedologia, pois por

valorizar as peculiaridades locais, não há um caminho único para a pesquisa

(WINKLERPRINS e SANDOR, 2003), e oprocesso de construção do conhecimento

chega a ser mais importante que os resultados em si. A abordagem participativa, que

promove intercâmbio entre os pensamentos dos atores locais e dos pesquisadores,

apresenta-se como alternativa metodológica ideal, pois promove um processo de

aprendizagem contínua, uma troca de conhecimentos bidirecional, imprescindível para a

construção de ações promotoras do desenvolvimento das comunidades (BARRERA-

BASSOLS e ZINCK, 2003; BARRIOS e TREJO, 2003).

Os processos de troca de conhecimento sobre os solos devem evitar abordagens

bancárias, nas quais agricultores são vistos como recipientes passivos de informação e

tecnologia. O uso de abordagens participativas e facilitadoras, onde os agricultores são

vistos como inovadores e experimentadores ativos, facilita o fluxo de informação e

comunicação, que deve ser multi-direcional e deve considerar a alta diversidade dos

sistemas agrícolas (MCBRATNEY et al., 2014; SUMBERG et al., 2003).

Pesquisas participativas devem envolver os agricultores em todas as etapas

(planejamento, implementação e avaliação), e utilizar ferramentas metodológicas

adaptadas à realidade local, considerando que todas as culturas são fontes originais de

saber (BRANDÃO e BORGES, 2007). Entretanto, ainda há poucas pesquisas

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participativas, pois os pesquisadores concentram-se apenas em coletar dados confiáveis

para fins estatísticos e construção de séries temporais, deixando de lado os processos

participativos de construção do conhecimento (DEFOER, 2002).

Assim posto, o objetivo geral desta tese foi identificar e sistematizar, de forma

dialogada com os/as agricultores/as familiares, etnoindicadores de qualidade do solo e, a

partir deles, constuir uma base de avaliação sobre a qualidade do solo e estratégias de

manejo sustentável dos agroecossistemas.

A pesquisa1 foi realizada de forma participativa, procurando favorecer o

intercâmbio de conhecimentos entre pesquisadores, agricultores e extensionistas. Foi

utilizado, com adaptações, o Guia Metodológico para Integração Participativa de

Conhecimento sobre Indicadores de Qualidade do Solo (BARRIOS et al., 2011), que

propõe uma metodologia útil para integrar conhecimento local com conhecimento técnico

sobre qualidade do solo. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da

Universidade Federal de Viçosa (Parecer 750.635/2014).

Além desta introdução geral e das considerações finais, a tese está estruturada em

cinco capítulos. O capítulo 1 teve como objetivo identificar e sistematizar, de forma

dialogada, os etnoindicadores de qualidade do solo utilizados pelos agricultores de duas

comunidades rurais dos municípios de Araponga e Muriaé, localizados na Zona da Mata

de Minas Gerais; o capítulo 2 objetivou realizar com esses agricultores a estratificação

ambiental, a espacialização e a avaliação da qualidade do solo dos diferentes ambientes

estratificados, utilizando etnoindicadores de qualidade do solo; o objetivo do capítulo 3

foi integrar os etnoindicadores de qualidade do solo com indicadores científicos de

qualidade do solo e debater técnicas de manejo para a melhoria da qualidade do solo; o

capítulo 4 buscou identificar e aprofundar a percepção dos agricultores sobre a análise

química como um indicador de qualidade do solo e o capítulo 5 apresenta a experiência

denominada “Feira de Solos”, que objetivou devolver os resultados da pesquisa sobre

etnoindicadores de qualidade do solo e, a partir desses resultados, aprofundar os

conhecimentos e trocar experiências sobre manejo agroecológico do solo com

agricultores e agricultoras participantes da pesquisa.

1 O trabalho foi realizado em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sudeste de Minas

(campus Muriaé), o Centro de Estudos, Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata (CEIFAR), a Empresa Mineira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-MG) e o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-)M . O p ojeto a ui ap ese tado é pa te do p ojeto Fo taleci e to do Núcleo de Estudos e Ag oecologia do IF Sudeste de Minas – ca pus Mu iaé , co apoio fi a cei o do CNP P ocesso 4 688 / 012).

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CAPÍTULO I

CONHECIMENTO DOS AGRICULTORES FAMILIARES E INDICADORES

DE QUALIDADE DO SOLO: SÓ DE OLHAR A GENTE SABE!

RESUMO

O conhecimento local sobre o solo e seus atributos pode ser um importante aliado na

construção de estratégias para o manejo sustentável dos solos tropicais. Este

conhecimento tem sido objeto de estudo da Etnopedologia. O objetivo deste capítulo foi

identificar e sistematizar, de forma dialogada, os etnoindicadores de qualidade do solo

utilizados pelos agricultores de duas comunidades rurais dos municípios de Araponga e

Muriaé, localizados na Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Utilizou-se como

referencial teórico-metodológico a pesquisa participante.Técnicas participativas para o

reconhecimento e valorização do saber dos agricultores foram utilizadas. Identificou-se

vinte e dois indicadores de qualidade do solo, sete deles referentes aos atributos

biológicos do solo, dois aos atributos químicos, sete aos atributos físicos e seis

indicadores visuais. A riqueza de informações em torndo dos etnoindicadores de

qualidade do solo demonstraram o grande conhecimento dos agricultores sobre o solo e

as diversas interações que ocorrem em seus agroecossistemas. Muitos indicadores

apontados pelos agricultores são encontrados na literatura científica internacional,

demonstrando assim que o conhecimento dos agricultores é mais cosmopolita do que

sugerem algumas literaturas.

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1 INTRODUÇÃO

Em todas as partes do mundo, agricultores desenvolvem sistemas de manejo dos

solos empregando conhecimentos que são transmitidos de geração a geração. Este

conhecimento é construído por meio das constantes observações do ambiente em que

vivem e trabalham, durante o manejo dos seus agroecossistemas, por meio de

experimentações e trocas constantes de experiências com outros agricultores e também

com agentes externos às comunidades rurais (ALTIERI, 2012; BARRIOS e TREJO,

2003; SUMBERG et al., 2003).

As práticas de manejo contribuem para que os agricultores desenvolvam um saber

apurado de seus agroecossistemas (OSBAHR e ALLAN, 2003; ALTIERI, 2002), em

especial nas regiões declivosas, onde as áreas ocupadas pelos agricultores de base familiar

são geralmente formadas por microambientes distintos, o que exige formas de manejo

específicas para aproveitar o potencial de cada um destes ambientes (ALTIERI, 2002).

As especificidades ambientais das regiões declivosas levam então ao desenvolvimento de

sistemas de uso agrícola intensivos em conhecimento e também em trabalho, uma vez

que a topografia é um fator que dificulta a mecanização (CARVALHO, 2011; ALTIERI,

2002).

Este conhecimento muitas vezes é desprezado por técnicos e acadêmicos das

diversas áreas de conhecimento, em especial das ciências agrárias que, pela formação que

receberam nas universidades, também desconsideram as especificidades das áreas

ocupadas por esses agricultores, incentivando tecnologias baseadas em “pacotes

tecnológicos” que incluem, via de regra, o uso da monocultura, manipulação genética de

plantas, adubos sintéticos, agrotóxicos, mecanização e irrigação (BARROS e SILVA,

2013; ALTIERI, 2012; SANTOS et al., 2006; SUMBERG et al., 2003; KHATOUNIAN,

2001). Estas tecnologias fazem parte do que ficou conhecido como modernização da

agricultura ou Revolução Verde, propagada intensamente a partir da década de 1960, com

o apoio de cientistas, governos e de grandes corporações multinacionais. A Revolução

Verde uniformizou saberes e ambientes e provocou profundas modificações no espaço

agrícola mundial (MAZOYER e ROUDART, 2010; ANDRADES e GANIMI, 2007), o

que levou à degradação do solo, ao desperdício e à contaminação dos recursos hídricos e

à perda da diversidade genética, dentre outros efeitos deletérios, como o aumento da

dependência dos agricultores por fatores de produção externos às unidades produtivas,

como fertilizantes e agrotóxicos (GLIESSMAN, 2009; BONILLA, 1992).

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Apesar do forte incentivo à adoção de suas práticas, em algumas regiões a

modernização da agricultura foi adotada apenas parcialmente, devido a restrições

ambientais e socioeconômicas e/ou à resistência dos agricultores e comunidades

tradicionais que mantiveram determinadas estratégias de manejo dos agroecossistemas.

Uma destas estratégias é a manutenção da agrobiodiversidade, que em geral contribui

para a produtividade dos agroecossistemas, mesmo com pouco ou nenhum uso de

insumos químicos (ALTIERI, 2012; MAZOYER e ROUDART, 2010). Estes

agroecossistemas tradicionais constituem pontos de partida para a construção de

alternativas mais sustentáveis para o desenvolvimento agrícola e são objetos de estudos

da Agroecologia (ALTIERI, 2012).

A Agroecologia estuda as estratégias locais de manejo dos agroecossistemas e

possui suas bases nos conceitos e princípios da ecologia, das ciências agrárias, sociologia,

antropologia, economia ecológica, comunicação e educação (CAPORAL et al., 2006),

propondo uma abordagem integrada das dimensões ambientais e socioeconômicas da

agricultura (ALTIERI, 2012; CAPORAL e COSTABEBER, 2002).

Dentre as dimensões ambientais, a Agroecologia considera o solo como um

organismo vivo. Um solo sadio, com vida e com qualidade é a garantia de bom

funcionamento do ecossistema com a manutenção da produtividade das culturas, da

qualidade da água, da saúde de plantas e dos animais. Para garantir a saúde dos solos é

priorizada a manutenção e ampliação da agrobiodiversidade, com a função de proteger o

solo, ciclar nutrientes e produzir matéria orgânica (ALTIERI, 2012; PRIMAVESI, 2002).

Para a Agroecologia, a qualidade do solo é definida em função do desempenho

que este apresenta para sustentar o ecossistema (seja natural ou agrícola), mantendo sua

atividade, produtividade e diversidade biológica, além de manter a qualidade do

ambiente, a saúde das plantas e dos animais e as estruturas socioeconômicas e de

habitação humana (DORAN e PARQUIN, 1994). Assim, a qualidade do solo depende da

biodiversidade, mas a manutenção da biodiversidade também depende da qualidade do

solo (ANDRÉN e BALANDREAU, 1999; BRUSSAARD et al., 2007).

Dentre suas dimensões sociais, a Agroecologia propõe o respeito ao modo de vida

e produção dos agricultores familiares em diferentes partes do mundo, a valorização de

seus saberes e a promoção da interação entre conhecimento local e conhecimento

científico (BARROS e SILVA, 2013; MOLINA, 2011; ALTIERI, 2002). Esta interação

tem sido uma busca constante, pois na Agroecologia, uma ciência relativamente nova e

com metodologias em construção, o pesquisador deve sempre tratar o conhecimento

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científico e do agricultor de forma horizontal (SEVILLA GUSMÁN, 2005), o que nem

sempre é fácil, uma vez que os pesquisadores precisam romper com a formação

convencional que tiveram nas universidades, consideradas centros exclusivos de

produção de conhecimento válido (SANTOS et al., 2006).

Os saberes dos agricultores a respeito dos solos contribuem para a promoção de

sua qualidade, pois tendem a integrar um conjunto de estratégias de manejo que ampliam

a sustentabilidade dos agroecossistemas (WINKLERPRINS e BARRERA-BASSOLS,

2004). Com isto, a Agroecologia possui interfaces com a Etnopedologia, disciplina que

estuda o conhecimento sobre o solo de comunidades rurais, desde as mais tradicionais às

mais modernas. A base da ciência etnopedológica está na compreensão de três dimensões

do conhecimento local: o corpus, representado pelo sistema cognitivo local, composto

pelo conhecimento e suas formas de classificação; o kosmos, representado pelas crenças

e simbolismos ligados a esse conhecimento e a práxis, representada pelo manejo dos

sistemas. É a integração entre essas três dimensões (chamado complexo K-C-P) que

constrói o conhecimento local sobre os solos (BARRERA-BASSOLS et al., 2006;

BARRERA-BASSOLS e ZINK, 2003).

A Etnopedologia procura documentar e entender as abordagens locais de

percepção, classificação, avaliação, uso e manejo do solo e, mais recentemente, os

indicadores de qualidade dos solos utilizados pelos agricultores (BARRIOS et al., 2006;

BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003). As informações associadas a estes indicadores

permitem utilizar os solos como base para a estratificação dos ambientes e são

importantes para desenhar estratégias para o manejo sustentável dos agroecossistemas

(MAIRURA et al. 2007; BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003). Para isto é preciso,

entretanto, sistematizar este conhecimento, o que pressupõe documentar, organizar e

sintetizar informações que possam subsidiar ações futuras (SOUZA, 2006). Na pesquisa

etnopedológica pode-se recorrer a metodologias participativas para facilitar o intercâmbio

entre os pensamentos dos atores locais e dos pesquisadores, em um processo de

aprendizagem contínua (BARRERA-BASSOLS e ZINCK, 2003) e horizontal entre os

participantes (BRANDÃO e BORGES, 2007).

Nesse sentido, Barrios et al. (2006) e Barrios et al. (2011) desenvolveram

estratégias metodológicas para levantamento de conhecimento dos agricultores sobre

indicadores de qualidade dos solos e para relacioná-los com parâmetros técnicos, com o

objetivo de integrar os saberes e desenvolver uma linguagem comum entre técnicos e

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agricultores, de forma rápida e participativa. A metodologia completa pode ser acessada

em www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/934290.

Um dos referenciais teórico-metodológicos que pode ser utilizado em pesquisas

etnopedológicas, e que foi utilizado no presente estudo, é a pesquisa participante, que

além de buscar investigar a realidade procurando conhecê-la, procura construir,

conjuntamente com os participantes, alternativas para melhorá-la (TOZZONI-REIS,

2005; TRIPP, 2005). Este tipo de pesquisa pressupõe o compromisso social, político e

ideológico do pesquisador com o grupo pesquisado e com suas práticas sociais

(BRANDÃO, 2005; DEMO, 2004). Sua metodologia articula a produção de

conhecimentos, ação educativa e participação dos envolvidos, colocando a ciência a

serviço da emancipação social, uma vez que produz um conhecimento sobre determinada

realidade e realiza um processo educativo participativo para enfrentá-la (TOZONI-REIS,

2005; VIEZZER, 2005). Na pesquisa participante deve haver uma combinação

inseparável entre teoria, pesquisa e prática (BRANDÃO e BORGES, 2007; DEMO,

2004). O objetivo deste capítulo foi identificar e sistematizar, de forma dialogada, os

etnoindicadores de qualidade do solo utilizados pelos agricultores de duas comunidades

rurais dos municípios de Araponga e Muriaé, localizados na Zona da Mata de Minas

Gerais, Brasil. Utilizou-se como referência metodológica a pesquisa participante e

procurou-se utilizar as técnicas de sistematização desse conhecimento propostas por

Barrios et al. (2011).

2 METODOLOGIA

2.1 Área de estudo

A pesquisa foi realizada nos municípios de Araponga e Muriaé, localizados na

Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil (Figura 1).

Figura 1 - Mapa da Zona da Mata de Minas Gerais, com os municípios de Araponga e Muriaé, onde foi realizado o presente estudo.

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A Zona da Mata está localizada no Bioma Mata Atlântica, o quinto entre os vinte

e cinco pontos quentes (hotspots) mundiais de biodiversidade, e que já teve destruídos

mais de 93% de sua cobertura florestal original (TABARELLI et al., 2005; GALINDO-

LEAL e CÂMARA, 2005). A mata exuberante que no passado ocupava a região foi

substituída pelas plantações de café e pelas pastagens para a pecuária leiteira

(VALVERDE, 1958), causando vários problemas ambientais ao longo da história, dentre

eles a degradação dos solos (PEREIRA et al., 2009). Como forma de preservar parte de

sua biodiversidade, foi criado na região o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro no ano

de 1996, unidade de conservação de proteção integral, que abriga exemplares ameaçados

de extinção da flora e da fauna da Mata Atlântica (MINAS GERAIS, 2007).

As duas comunidades pesquisadas, o Sítio Oito de Março em Araponga e a

Associação Bonsucesso em Muriaé, encontram-se a cerca de 3 km das divisas do Parque

Estadual da Serra do Brigadeiro, na zona de amortecimento, que é o entorno imediato de

uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e

restrições específicas (BRASIL, Lei n° 9985/2000), visando o menor impacto possível

sobre os ecossistemas naturais.

A região insere-se no domínio morfoclimático denominado “Mar de morros

florestados” (AB´SABER, 1970), que alterna elevações e fundos de vale, que formam

conjuntos pedológicos diferentes, em um relevo forte ondulado e montanhoso, com

encostas côncavas e convexas (morros em meia-laranja) formadas pela dissecação fluvial

(IPPOLITI et al., 2005; NUNES et al., 2001; CORRÊA, 1984). Nestes ambientes, as

topossequências são geralmente formadas por Latossolos nos topos, rampas e encostas

convexas, Cambissolos nas encostas convexas, Argissolos nos terraços e encostas

côncavas e Neossolos Flúvicos nos leitos maiores (FERNANDES, 2014; SANTOS et al.,

2010). A dinâmica do relevo dos mares de morro, associada à retirada da cobertura

vegetal da Mata Atlântica e a um manejo inadequado do solo, faz com que os solos

estejam suscetíveis a processos erosivos, o que leva a uma severa degradação (DUARTE,

2008; MINAS GERAIS, 2007).

O quadro de degradação dos solos da região tem levado as organizações que atuam

com os agricultores familiares, principalmente os sindicatos de trabalhadores rurais, a

propor ações, a partir da Agroecologia, de melhoria da saúde dos solos, em parceria com

organizações não governamentais e instituições de ensino (CARDOSO e FERRARI,

2006; CARDOSO et al., 2001). Estas organizações construíram uma trajetória de

construção do conhecimento agroecológico na região, que tem valorizado o

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conhecimento dos agricultores como uma dimensão importante da transição

agroecológica. A construção de alternativas utilizando os princípios da Agroecologia é

importante em áreas de grande relevância ambiental como essa, sendo imprescindível o

desenvolvimento agrícola pautado nos princípios da ecologia, e a interação dos

agroecossistemas com a natureza da região (CARDOSO et al., 2001).

A escolha das áreas de estudo, nos municípios de Araponga e Muriaé, foi feita em

parceria com organizações locais, no intuito de potencializar as ações que já vêm sendo

desenvolvidas na região, promovendo a Agroecologia como estratégia de

desenvolvimento rural. Este tipo de decisão fundamentou-se na abordagem integrativa da

Etnopedologia, que visa articular o conhecimento de agricultores, organizações sociais e

formuladores de políticas, como forma de promover estratégias para o manejo sustentável

do solo (BARRERA-BASSOLS e ZINK, 2003). As duas comunidades participantes da

pesquisa são assentamentos rurais, resultado de um programa governamental de acesso à

terra para famílias de agricultores, que atende à pressão das organizações sociais de

agricultores familiares para reordenamento do espaço agrícola, diminuindo a

concentração fundiária (LEITE, 2012; BERGAMASCO e NORDER, 1996).

Em Araponga, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Secretaria de Agricultura

do município demonstraram interesse em realizar o trabalho com agricultores do Sítio

Oito de Março, um grupo de vinte e uma famílias, de futuros assentados do Programa

Nacional de Crédito Fundiário, do governo federal. Este programa disponibiliza

financiamento para a compra de áreas para famílias sem terra (MDA, 2013). Em Muriaé,

o Sindicato dos Trabalhadores Rurais escolheu a Associação Bonsucesso, onde trabalham

oito famílias, para estreitar os laços com aquela comunidade, uma vez que são agricultores

oriundos de um município vizinho (Miradouro), pertencentes anteriormente à base

sindical daquela cidade. A partir do momento em que se mudaram para o município de

Muriaé, passaram a fazer parte do sindicato desse município. Estas famílias adquiriram a

terra com o apoio do Programa Nacional de Crédito Fundiário no ano de 2010.

O município de Araponga possui 8.152 habitantes, sendo que desses, 62,7%

residem na zona rural. Sua extensão territorial é de 303,7 km². Quarenta e sete por cento

do Produto Interno Bruto do município é proveniente da agropecuária, e o café é o

principal produto (IBGE, 2010). A área média dos estabelecimentos rurais em Araponga

é de 12,8 hectares, com predomínio de estabelecimentos da agricultura familiar (IBGE,

2006). Os principais solos presentes em Araponga são os Latossolos e Argissolos

Vermelho-Amarelos, e extensões menos significativas de Cambissolos (MINAS

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GERAIS, 2007; COSTA e COSTA, 2005). As altitudes no município variam de 620 a

1.985 metros (CITY BRASIL, 2014).

O município de Muriaé possui 100.861 habitantes, e 7,5% residem na zona rural

(IBGE, 2010). As altitudes no município variam de 210 a 1.110 metros (CITY BRASIL,

2014), sendo que a região estudada se encontra na parte alta do município. Os principais

produtos agropecuários de Muriaé são o leite de vaca e o café, e 4,7% de seu Produto

Interno Bruto provêm do setor da agropecuária. A área média dos estabelecimentos rurais

em Muriaé é de 36 hectares (IBGE, 2006). Na região são comuns Latossolos nas partes

de relevo mais suaves, como topos e alguns terços inferiores das elevações e de

Cambissolos nas partes mais inclinadas do terço superior das elevações. Nos terraços e

nas grotas são comuns Argissolos. Já nos leitos maiores dos cursos d’água são

encontrados Neossolos Flúvicos e Gleissolos Háplicos (NUNES et al. 2001; CORRÊA,

1984).

Durante a pesquisa, das vinte e uma famílias de Araponga, quinze já estavam

produzindo na área, em acordo com o atual proprietário. A atividade principal é o cultivo

do café, intercalado com milho, feijão, mandioca, batata-doce, abóbora e frutíferas, como

ameixa, manga e abacate. Além das famílias, participaram também dos encontros

representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, da Secretaria

Municipal de Agricultura, do Centro de Agricultura Alternativa da Zona da Mata (CTA-

ZM) e gestores do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro.

A principal atividade produtiva das famílias participantes da pesquisa em Muriaé

é a cafeicultura, e existem também plantios de milho e feijão. Há plantio de arroz em uma

das várzeas do assentamento e duas áreas exclusivas para pastagem. Da pesquisa

participaram também representantes dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Muriaé e

de Miradouro, do Centro de Estudo Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da

Mata (CEIFAR-ZM), do CTA-ZM, e alguns agricultores das comunidades vizinhas São

Tomé e Serrania.

Embora sejam duas experiências em fases distintas de promoção de acesso à terra,

em ambos os casos as pessoas sempre trabalharam na agricultura, seja nas propriedades

de seus pais ou como trabalhadores em fazendas nos respectivos municípios, mas sem

autonomia e poder de decidir sobre como manejar seus agroecossistemas, garantidos

agora pela aquisição da terra.

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2.2 Escolha e capacitação da equipe de pesquisa

A equipe de pesquisa contou com cinco professores, três técnicos, seis estudantes

de nível técnico e três estudantes de graduação, das áreas de ciências agrárias e

ambientais. Realizou-se um nivelamento de conhecimentos da equipe antes de iniciar os

trabalhos de campo. Este nivelamento abordou conhecimentos básicos da ciência do solo,

processos de formação e indicadores de qualidade, além da metodologia a ser utilizada

nas pesquisas. O nivelamento utilizou dinâmicas e perguntas motivadoras para discutir

formação do solo, seus atributos e indicadores de qualidade (BARRIOS et al., 2011).

2.3. Reunião com os agricultores

A primeira atividade de campo foi uma reunião com os agricultores de cada

município para acordar sobre os objetivos da pesquisa e a metodologia de trabalho. Ficou

acordado que a pesquisa seria participativa, propiciando a integração de saberes entre

agricultores e pesquisadores, a partir dos agroecossistemas manejados por esses

agricultores (BARRIOS et al., 2011). Nesta reunião os agricultores demonstraram

interesse em participar da pesquisa. A reunião contou com a participação de

representantes das organizações dos agricultores e que são parceiras da pesquisa, o que

contribuiu para estabelecer relações de confiança entre os pesquisadores e as famílias de

agricultores. Os agricultores assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE) para participar da pesquisa, conforme exigência do Comitê de Ética.

Em Araponga, inicialmente, alguns agricultores foram contrários à proposta, pois

ainda não são proprietários da terra. Isto foi motivo de produtiva discussão, pois vários

dos presentes acreditavam que a pesquisa contribuiria para aumentar o conhecimento dos

mesmos sobre a área e também para agilizar o processo de liberação de recursos do crédito

fundiário. Entendeu-se que a realização da pesquisa na área aumentaria a confiabilidade

do governo sobre o sucesso do futuro assentamento. Após amplo debate houve então

consenso de que a pesquisa deveria ser realizada.

Durante essa reunião em Araponga os agricultores solicitaram que fosse escrita

uma carta ao órgão responsável pela liberação do crédito para a compra da terra. A carta

foi escrita pela equipe de pesquisadores e entregue ao subsecretário da agricultura familiar

de Minas Gerais na cidade administrativa, sede do governo estadual em Belo Horizonte.

Representantes da equipe de pesquisa, das organizações paceiras e do grupo de

agricultores participaram da visita, que foi importante para esclarecer aspectos confusos

do processo e para agilizar a vistoria à área para liberação do crédito.

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Nessa visita os agricultores levaram produtos de suas roças para presentear os

funcionários do governo, simbolizando sua produção na área do assentamento. Semanas

depois, o Engenheiro Agrônomo visitou a área e constatou que quinze famílias já estavam

produzindo, mostrando ser acertada a decisão de assentar essas famílias no local. Esse

fato exemplifica parte da dinâmica da pesquisa participante, que integra atores sociais

para solucionar problemas. A união de diferentes grupos sociais fortaleceu o grupo de

agricultores e suas organizações na reivindicação de direitos frente às autoridades

responsáveis pelo processo de liberação do crédito fundiário.

2.4 Construção participativa da pesquisa

A pesquisa sobre os indicadores locais de qualidade do solo nos municípios de

Araponga e Muriaé contou com vários encontros entre pesquisadores e agricultores, com

a utilização de técnicas de pesquisa participativa que permitiram a sistematização do

conhecimento dos agricultores, a interação deste com o conhecimento técnico, para a

partir daí se construir um novo conhecimento, mais rico e transformador (BRANDÃO,

2005). A Tabela 1 apresenta uma síntese das atividades desenvolvidas.

Tabela 1 - Atividades realizadas na pesquisa sobre indicadores locais de qualidade do solo. Encontro Atividades Intencionalidade

1 - Apresentação do projeto. - Mapa da comunidade. - Caminhada no assentamento.

- Integrar agricultores e pesquisadores. - Apresentar a pesquisa. - Identificar componentes ambientais nas áreas.

2 - Levantamento dos Indicadores Locais de Qualidade do Solo. - Coleta de amostra de solos.

- Levantar os indicadores. - Capacitar os agricultores a coletar amostras de solos para análise de rotina.

3 - Priorização dos indicadores. - Conhecer a ordem de prioridade atribuída aos indicadores pelos agricultores.

4 - Estudo dos resultados da análise química de solos.

- Ampliar o conhecimento dos agricultores sobre os resultados de uma análise química de solos.

5 - Estratificação ambiental. - Diferenciar os ambientes com base nos indicadores locais.

6 - Avaliação dos ambientes.

- Avaliar a qualidade do solo nos diferentes ambientes estratificados.

7 - Intercâmbios. - Troca de experiências entre os agricultores e agricultoras participantes da pesquisa.

8 - Feira de Solos. - Integração prática entre conhecimento local e científico sobre indicadores de qualidade do solo. - Devolver e validar os resultados da pesquisa.

9 - Seminário de defesa de Tese com a presença dos agricultores.

- Devolver os resultados da pesquisa.

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2.4.1 Elaboração de mapas dos assentamentos

Com o objetivo de fornecer à equipe de pesquisa uma visualização prévia da área

de estudo, os agricultores de cada município construíram coletivamente um mapa do

assentamento, desenhando em uma folha de papel Kraft com o uso de canetas

hidrográficas de várias cores. O grupo foi disposto em um grande círculo com o papel

para o desenho no centro. Alguns agricultores imediatamente tomaram a liderança do

processo e iniciaram o desenho. Os outros agricultores contribuíram dando suas opiniões.

Nos dois assentamentos, um dos agricultores fez seu desenho em uma folha de papel

menor. Este ficou mais claro e foi reproduzido em outro papel, sendo assumido e

melhorado pelo coletivo (Figura 2).

Figura 2 - Construção dos mapas das áreas de assentamentos, por agricultores no município de (A) Araponga, Sítio Oito de Março e (B) Muriaé, Associação Bonsucesso.

Após a confecção dos mapas foi realizada uma caminhada nas áreas dos

assentamentos, com o objetivo de observar in loco as informações fornecidas pelos

agricultores.

2.4.2 Levantamento dos Etnoindicadores de Qualidade do Solo

No encontro seguinte, já com os mapas construídos, realizou-se a identificação

dos indicadores locais de qualidade do solo. Para isto, os participantes foram divididos

em três grupos com quatro a cinco pessoas por grupo. Cada grupo respondeu às perguntas-

chave apresentadas no Box 1. As perguntas foram extraídas de Barrios et al. (2011) e

adaptadas à realidade local. Uma das adaptações realizadas foi a substituição dos termos

“terra boa” e “terra ruim” por “terra forte” e “terra fraca”, utilizados pelos agricultores da

região (DUARTE et al., 2008). A equipe de pesquisadores foi dividida equitativamente

em dois pesquisadores por grupo para orientar os trabalhos, registrar as respostas e

auxiliar na sistematização do conhecimento.

Box 1 - Perguntas-chave utilizadas na identificação dos indicadores de qualidade do solo em Araponga e Muriaé, MG

A B

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1. O que vocês já estão plantando na área? O que vocês pretendem plantar? Como vocês escolhem as áreas para plantio? 2. Vocês acham que existem diferentes tipos de solo na área do assentamento? Como podemos diferenciá-los? 3. Como vocês sabem se uma terra é forte ou fraca? O que é preferível plantar nas terras fortes? E nas fracas? 4. Se você fosse pedir a um amigo para comprar uma terra para você, que orientações você daria a ele? 5. Que informações eram usadas por seus pais e avós para escolher as áreas de plantio? 6. Como vocês sabem se a terra precisa descansar? Como sabem se o descanso foi suficiente? 7. Vocês acham que é possível melhorar o solo com o manejo (cuidado)? 8. Como vocês podem acompanhar mudanças na terra de vocês em longo prazo?

As respostas apresentadas foram agrupadas em indicadores de terra forte e de terra

fraca. Em seguida, os indicadores foram escritos em tarjetas, para posterior visualização,

sistematização e discussão entre os participantes. Além dos indicadores apresentados

neste momento, durante outras atividades desenvolvidas os agricultores citaram outros

indicadores, que foram registrados e são citados ao longo deste capítulo.

2.4.3 Priorização dos indicadores

Após o levantamento dos indicadores, foi realizada a priorização dos indicadores

locais de qualidade do solo, conforme metodologia proposta por Barrios et al. (2011). A

priorização pode ser útil para, conhecendo indicadores mais importantes, optar por ações

de manejo de solo que visem incrementar sua qualidade de maneira que esta possa ser

monitorada através dos indicadores colocados em primeiros lugares pelos agricultores.

Os agricultores foram divididos em grupos, onde estabeleceram a ordem de

importância dos indicadores sistematizados na reunião anterior. Em Araponga, foram

divididos dois grupos com quatro agricultores cada. Em Muriaé foram divididos três

grupos, também com quatro agricultores cada, sendo que um desses grupos foi composto

só por mulheres, com a intenção de favorecer a participação delas, que muitas vezes se

inibem na presença dos homens.

Os indicadores de qualidade de solo apresentados pelos agricultores foram

colocados em tarjetas pela equipe de pesquisa, de modo que indicadores que

expressassem a mesma característica, porém uma negativa e outra positiva ficassem na

mesma tarjeta, como por exemplo: terra escura/terra clara. Cada grupo recebeu uma cópia

das tarjetas-síntese preparadas anteriormente e fez a classificação de importância dos

indicadores, dividindo-os em importância ALTA, MÉDIA e BAIXA. Dentro dessa

classificação, os agricultores ordenaram os indicadores. Em seguida, os agricultores

escreveram atrás de cada tarjeta um número de um ao número máximo de indicadores de

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cada local. Este número demonstrava o grau de prioridade atribuído a cada uma delas,

quanto menor, mais importante.

Em seguida foi construída uma matriz-síntese, que reuniu a priorização dos

indicadores feita pelos agricultores. Em papel Kraft foi desenhada uma matriz que

continha na primeira coluna os indicadores, seguida por uma coluna para inserir os

resultados de cada grupo, uma coluna para inserir a soma dos números atribuídos a cada

indicador, e uma última coluna para indicar a ordem final de prioridade de cada indicador

(Figura 3).

Figura 3 – Matriz-síntese dos indicadores locais de qualidade do solo, construída a partir da priorização feita pelos agricultores.

O resultado da classificação feita pelo grupo 1 foi colocado em uma coluna na

ordem de importância apresentada pelo grupo 1. O resultado da classificação do grupo 2

foi colocado em uma coluna após a coluna de resultados do grupo 1, e assim

sucessivamente. Feito isso, os indicadores tiveram as classificações dos grupos somadas

para ser feita a priorização e classificação final dos indicadores. O indicador que

apresentasse a menor soma seria o de maior prioridade.

No caso de empate entre dois ou mais indicadores o desempate foi feito por meio

de um debate entre todos os participantes que realizavam a priorização entre os itens

empatados.

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S L

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Mapas

A construção coletiva dos mapas pelos agricultores auxiliou na integração dos

participantes, criando um clima descontraído, e permitiu aos pesquisadores a obtenção de

informações conjuntas, com a articulação espacial de vários elementos da paisagem.

Posteriormente auxiliou a estratificação ambiental das áreas.

Nos mapas (Figura 4, Araponga e Figura 5, Muriaé) os agricultores localizaram as

divisas dos terrenos, as áreas de reserva legal, nascentes e os cursos d’água, estradas,

benfeitorias e a orientação norte–sul. Como os mapas (Figuras 4 e 5) são cópia dos que

os agricultores fizeram à mão livre (Figura 2), não estão representados em escala.

Figura 4 – Mapa do assentamento Sítio Oito de Março, construído pelos agricultores em Araponga.

Figura 5 – Mapa do assentamento Associação Bom Sucesso, construído pelos agricultores em Muriaé.

A atividade de construção dos mapas mostrou a rica noção de espaço que os

agricultores possuem, demarcando as áreas com precisão e riqueza de detalhes. Após a

construção dos mapas, os agricultores quiseram comparar o desenho que fizeram com a

planta topográfica dos assentamentos, e houve grande semelhança.

N

O

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Os mapas sociais, como os aqui construídos, têm sido bastante utilizados em

pesquisas com agricultores familiares, como uma ferramenta importante para o

diagnóstico e planejamento das ações de pesquisa e extensão, uma vez que a compreensão

do território auxilia na compreensão do grupo estudado, e o processo de construção desses

mapas favorece o diálogo entre os diferentes atores em um território (KUMMER, 2007;

VERDEJO, 2006; RUAS et al., 2006). Assim como nos estudos realizados em

assentamento da reforma agrária na Zona da Mata de Minas Gerais por Mancio (2008),

os mapas construídos com agricultores foram úteis para consolidar algumas informações

sobre os ambientes e para apontar ações futuras.

3.2 Etnoindicadores de qualidade do solo

O levantamento dos indicadores propiciou ampla troca de conhecimentos entre os

agricultores e a equipe de pesquisa, pois até se chegar aos indicadores foi preciso debater

sobre qualidade do solo, estratégias de manejo, atributos do solo, dentre outros aspectos.

Os dois grupos de agricultores identificaram vinte e dois indicadores, sendo treze deles

comuns aos dois grupos (Tabela 2). De todos os indicadores, sete deles referem-se aos

indicadores biológicos do solo, dois a indicadores químicos, sete aos indicadores físicos

e seis são indicadores visuais.

Tabela 2 - Etnoindicadores de qualidade do solo em Araponga e Muriaé, apontados por agricultores familiares ETNOINDICADOR INDICADOR TÉCNICO

CORRESPONDENTE ARAPONGA MURIAÉ

Indicadores biológicos Animais do solo Macrofauna edáfica X X Terra coberta/pelada Cobertura do solo X X Planta que sai bem Aspectos da planta; fertilidade X Diversidade de plantas Índice de diversidade X Mato que sai Plantas espontâneas

indicadoras X X

Presença de lodo Indicador a ser desvendado X Solo vivo Atividade microbiológica X

Indicadores químicos Cheiro de Matéria Orgânica Teor de matéria orgânica X Presença de Matéria Orgânica

X X

Indicadores físicos Terra poenta/terra firme Estrutura X X Terra dura/terra fofa Grau de compactação X X Pedregulho vermelho, cascalho1

Pedregosidade, textura X X

Proximidade de pedra Indicador a ser desvendado X X Terra argilosa, terra arenosa1 Textura X

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Travamento com raiz de braquiária

Indicador a ser desvendado X

Terra úmida/terra seca Retenção de umidade X X Indicadores visuais

Cor Integração de fatores (matéria orgânica, óxidos de ferro, ciclo

de umidecimento/secagem)

X X

Terreno plano/disfarçado/inclinado

Declividade X X

Terra que pega sol de manhã Face de exposição ao sol X Baixada/Morro Localização no relevo X X Fundura Profundidade X Presença de nascentes1 Presença de nascentes X X

1 Indicador não citado na atividade específica de levantamento, mas citado em outros momentos da pesquisa

A diversidade de indicadores apresentada pelos agricultores de Araponga e

Muriaé mostrou que seus conhecimentos sobre o solo, assim como o de outros

agricultores de outras partes do mundo, abrangem diversos aspectos da natureza,

compreendendo o ciclo da água, clima, fenômenos meteorológicos, relevo e outros fatores

para entender comportamento e funcionalidade do solo (BARRERA-BASSOLS et al.,

2006; BARRIOS et al., 2006). Em alguns assentamentos em outras regiões do país, o

conhecimento dos agricultores pode ser menos abrangente, pois os mesmos possuem

origens diferentes daquelas do local onde são assentadas (FREITAS, 2009). Entretanto,

nos dois assentamentos estudados os agricultores são originários da mesma região do

assentamento, na qual vivem e trabalham há muitos anos, conhecendo bem o ambiente.

Oito indicadores apontados pelos agricultores participantes desta pesquisa

(estrutura, compactação, profundidade, matéria orgânica, retenção de água, cobertura do

solo, macrofauna, atividade microbiológica) encontram-se entre os dez indicadores

utilizados para avaliar a saúde do solo e dos cultivos selecionados por Nicholls et al.

(2004) em viniculturas no norte da Califórnia.

O tipo de vegetação espontânea, a estrutura e a profundidade do solo, indicadores

citados pelos agricultores de Araponga e Muriaé, estão entre os seis indicadores mais

utilizados por agricultores na América Latina (BARRIOS et al., 2006). Agricultores na

Colômbia, Venezuela e Honduras, assim como os agricultores de Araponga e Muriaé,

identificaram a cor, as plantas nativas, a estrutura, a posição topográfica, o

desenvolvimento das plantas, a profundidade, a umidade e a textura como indicadores de

qualidade do solo (BARRIOS e TREJO, 2003). Resultados semelhantes foram

encontrados por Silva (2010), Audeh et al. (2010), Mancio (2008) e Casalinho et al.,

(2007), em diferentes regiões do Brasil.

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Esses levantamentos mostram que o conhecimento sobre os solos é cosmopolita e

pode contribuir com estudos para a elaboração de uma base comum de indicadores gerais

que possam ser utilizados para aferir a qualidade dos solos a partir do conhecimento dos

agricultores.

3.2.1 Indicadores biológicos

Os indicadores biológicos da qualidade do solo, ou bioindicadores, citados pelos

agricultores foram os animais do solo (macrofauna), solo vivo (atividade microbiológica),

terra coberta/terra pelada (cobertura do solo), diversidade de plantas, mato que sai

(plantas espontâneas), planta que sai bem (desenvolvimento da lavoura) e presença de

lodo.

Dos elementos da macrofauna citados, a minhoca (Pheretima hawayana) foi

unanimemente apontada como espécie indicadora de solo de boa qualidade (terra forte),

assim como cupins e formigas foram apontados pelos dois grupos de agricultores como

indicadores de solos de baixa qualidade (terra fraca). Em Araponga, os agricultores

apontaram o minhocuçu (Rhinodrilus sp), a minhoca branca (Pontoscolex sp) e o piolho

de urubu (Myrmeleon sp), como indicadores de terra fraca.

De acordo com os agricultores, não basta a presença de animais no solo, é preciso

que haja variedade de animais para indicar que o solo e a lavoura estão em equilíbrio.

Para os agricultores de Araponga, o solo vivo é o que tem abundância de macrofauna e

microorganismos. Segundo eles, esse indicador é consequência de vários outros

indicadores, principalmente a presença de umidade, matéria orgânica e cobertura do solo,

que é o que garante a vida no solo. Assim como apontado pelos agricultores, os

organismos do solo são considerados indicadores de qualidade em estudos científicos,

pois são sensíveis às alterações ambientais e participam ativamente das interações

ocorridas nos processos físicos, químicos e biológicos do solo (ROUSSEAU et al., 2013;

LAVELLE et al., 2006).

Os indicadores biológicos relacionados à vida no solo são muito importantes para

o acompanhamento da sustentabilidade dos agroecossistemas. Ao apontar estes

indicadores, os agricultores revelam seus conhecimentos sobre a dinâmica da vida no

solo. Em especial, os organismos da macrofauna são familiares aos agricultores, pois são

frequentemente encontrados durante a preparação dos solos e são frequentemente

utilizados por eles na avaliação da saúde do solo, da capacidade da terra e se a área em

pousio está pronta para cultivar (PAULI et al., 2012).

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Entretanto, as funções dos organismos no solo não parecem estar claras para todos

os agricultores, ou o processo de pesquisa não permitiu capturar essa percepção. Em

pesquisa realizada no Camarões, Birang et al. (2002) constataram que, embora 42% dos

agricultores entrevistados apontassem as minhocas como um indicador de fertilidade dos

solos, 98,6% deles não acreditavam que elas tinham alguma influência para aumentar ou

diminuir a fertilidade. Lima e Brussaard (2010) em pesquisa realizada com agricultores

que cultivam arroz irrigado no sul do Brasil afirmam que mesmo que os agricultores

considerem as minhocas como indicadores de qualidade do solo, eles não as consideram

como importantes para melhoria da qualidade.

Na compreensão da maior parte dos agricultores, a presença de animais da

macrofauna é consequência de um solo bom, e não a causa. Já Audeh et al. (2011), em

pesquisa com fumicultores no sul do Brasil, afirmam que os agricultores possuem o

conhecimento apurado sobre o papel dos organismos no solo, como a decomposição da

matéria orgânica, a ciclagem de nutrientes e a melhoria na estrutura do solo. No nosso

estudo, no que se refere a função, os agricultores afirmaram que os organismos poderão

causar algum tipo de dano, mas apenas quando houver desequilíbrio no agroecossistema,

e em alguns momentos os relacionaram a melhorias na qualidade do solo.

Os agricultores apontaram a falta de cobertura do solo como um indicador de

fraqueza, de menos produção, pois um solo descoberto, “pelado”, fica sujeito ao

ressecamento e à perda de nutrientes pela erosão. Os agricultores afirmam que “tem terra

tão fraca que nem mato não sai” (C. G. T. 46 anos, masc.) e “quando a terra fica visível

e não cresce planta, indica um solo ruim, é quando digamos, boi passa e não pasta” (E.

R. A., 36 anos, masc.).

Segundo os agricultores de Muriaé, uma terra forte, quando sofre uma

perturbação, por exemplo, uma queimada, rapidamente retoma sua cobertura, enquanto

uma terra fraca fica por muito tempo “visível”, exposta. As plantas espontâneas são nesse

caso usadas como indicador de resiliência do solo, ou seja, a capacidade do solo de se

recuperar após sofrer distúrbios. O tipo e a abundância de vegetação espontânea são

considerados importantes para aumentar a resiliência do solo e também a resistência a

processos de degradação, pois apresentam relação direta com os níveis de atividade

biológica do solo (SEYBOLD et al., 1999) e o protegem contra erosão.

Entretanto, não basta que a terra esteja coberta, é importante que haja diversidade

de plantas, pois segundo os agricultores, “quando sai um mato só, a terra é fraca” (D. G.

M. 35 anos, masc.). Quanto maior a diversidade de plantas, mais forte a terra. Segundo

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eles, uma grande variedade de plantas traz também variedade de animais e contribui para

que os animais não prejudiquem as plantas.

“Formiga na lavoura de café não prejudica em nada, se tiver outras coisas para

ela cortar. Ela [a formiga] não gosta da folha do café, mas em lugares que só tem

café ai ela acaba cortando ele e acaba sendo prejudicial à lavoura, mas tendo

várias coisas é bom ter a formiga porque ela ajuda na terra, o café fica melhor”.

(V.R.M.M.A., 14 anos, masc.)

Além da diversidade de plantas, há espécies de plantas espontâneas, ou “o mato

que sai” que indicam se a terra é forte ou fraca. Os agricultores de Araponga citaram 33

espécies de plantas indicadoras, sendo 15 indicadoras de terra forte e 18 de terra fraca. Os

agricultores de Muriaé citaram 28 espécies, sendo 20 indicadoras de terra forte e 08 de

terra fraca. No total foram citadas 14 famílias botânicas e 46 espécies, sendo que 15

espécies foram citadas pelos dois grupos (Tabela 3).

Tabela 3 - Espécies de plantas espontâneas indicadoras de terra forte e terra fraca apontadas por agricultores nos municípios de Araponga e Muriaé, Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Nome comum Família Nome científico Araponga Muriaé

TERRA FORTE Caruru de porco Amarantaceae Amaranthus viridis X X João Leite Asclepiadaceae Asclepias curassavica L. X Almeirão de cabrito Asteraceae Hypochaeris sp. X Assa peixe Vernonia polyantes X X Cambará Vernonia sp X X Capiçoba Erechtites

valerianifolius X X

Mentrasto Ageratum conyzoides X X Picão Bidens pilosa X X Serralha Emilia coccinea X X Voadeira Conyza bonariensis X Mentruz Brassicaceae Coronopus didymus X Capoeraba/trapoeraba Commelinaceae Commelina difusa X X Rebenta pedra Euphorbiaceae Phillanthus sp X Macaé Labiatae Leonurus sibirucus X Cordão de frade Leonotis nepetaefolia X Carrapicho Malvaceae Triumfetta semitriloba X X Vassoura preta Sida acuta X Vassoura mata-purga Sida sp. X Capim gordura roxo Poaceae Melinis minutiflora X X Capim pé de galinha Eleusine indica X Marmelada Brachiaria plantaginea X X Capoeira branca Solanaceae Sollanum mauritianum X Juá Solanum palinacanthum X Mal-me-quer Verbenaceae Lantana camara X

TERRA FRACA Aroeira Anacardiaceae Schinus terebinthifolius X Alecrim Asteraceae Baccharis

dracunculifolia X

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Candeia branca Gochinatia polimorpha X Carrapichinho Galinsoga sp. X Carrapichinho carneiro Acanthospermum sp. Cipó de são João Bignoniaceae Pyrostegia venusta X Canela de velho Malvaceae Sida sp. X Vassoura branca Sida glaziovii X X Capim cabelo de sapo Poaceae Dactyloctenium

aegyptium X

Capim seda Cynodon dactylon X Grama de burro Paspalum notatum X Mulambo Rhynchelytrum repens X Rabo de burro Andropogon bicornis X X Raposa Setaria viridis X Sapé Imperata brasiliensis X X Samambaia Pteridaceae Pteridium aquilinum X X Fruta de lobo Solanaceae Solanum grandiflorum X Fel da terra Verbenaceae Verbena sp. X Anil - nd X Capim mumbeca - nd X Lavoredo - nd X Meloso - nd X nd. – nome científico não determinado

Em todas as reuniões os agricultores citaram várias espécies de plantas

espontâneas como indicadoras de qualidade do solo, relacionando à qualidade de suas

terras e apontaram que são também indicadoras da mudança do solo em função do

manejo, como retratam algumas de suas falas:

“A terra que adquiri era muito pior que a terra que eles estão adquirindo, era

puro sapé, uma terra esgotada” (P.A.L., 50 anos, masc.).

“Ano que vem isso aqui é puro picão” (fala de um agricultor, P.A.L., 50 anos,

masc., referindo-se à futura melhora da qualidade do solo em função do manejo).

“O picão só aparece em terras que são mexidas, cultivadas” (P.A.L., 50 anos,

masc.).

“Se jogar capoeraba em terra ruim ela empirria até morrer. Tem gente que leva

a capoeraba para plantar no terreno, para ajudar a melhorar o solo, mas quando

a joga em terra ruim, ela acabada morrendo” (P.A.L., 50 anos, masc.).

“Se no terreno há presença de capoeraba, isso significa que este é bom para

mantimentos” (D.G.M., 35 anos, masc.).

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Os agricultores de Muriaé informaram que antes da chegada deles no

assentamento, a terra era “mal cuidada, havia muito rabo de burro, canela de velho,

braquiária, agora nasce uns mato mais manso” (S.J.A., 38 anos, masc.), indicando que

com o cuidado que tiveram com a terra, ela melhorou, o que se pode perceber pelas plantas

espontâneas que agora nascem no terreno.

O picão, a capoeraba e o mentrasto (Tabela 3) também foram identificadas como

indicadoras de solo de boa qualidade e a samambaia e o rabo de burro (Tabela 3) como

indicadoras de solo de baixa qualidade por agricultores da Colômbia (BARRIOS e

TREJO, 2003) e outros países da América Latina e na África (BARRIOS et al., 2006),

sugerindo novamente que o conhecimento local, embora contextualizado, pode não ser

tão estritamente localizado, pois há semelhança entre indicadores ao redor do mundo.

Algumas espécies como capoeraba, picão, mentrasto e samambaia são

consideradas cosmopolitas, por ocorrer em diversas regiões do planeta (SCHNEIDER,

2007). Isto permite o uso de algumas plantas espontâneas como indicadores gerais de

qualidade do solo. Este é um indicador interessante, pois é simples e barato, portanto, o

seu uso deveria ser melhor estudado e estimulado (PRIMAVESI, 2011). Isto, além de

permitir o uso da vegetação espontânea na avaliação da sustentabilidade, pode contribuir

para um melhor entendimento da função das mesmas no funcionamento do

agroecossistema, transformando-as de inimigas, que sempre competem com a cultura

principal e, portanto, precisam ser extirpadas, a companheiras no manejo dos

agroecossistemas (PRIMAVESI, 2011; MAIRURA et al., 2007; BARRIOS e TREJO,

2003; FÁVERO et al., 2000).

Por serem consideradas indesejadas entre os cultivos, as plantas espontâneas são

pouco utilizadas como indicadores científicos de qualidade do solo, havendo poucos

estudos sobre seu papel como indicadores das condições do solo e também como

protetoras do solo e promotoras da melhora de sua fertilidade (FÁVERO et al., 2000).

Entretanto, as plantas espontâneas surgem quando o ambiente lhes é favorável, sendo

muitas vezes pioneiras na sucessão vegetal, se desenvolvendo em ambientes hostis para

as lavouras, e melhorando o terreno para plantas mais exigentes (PRIMAVESI, 2014).

O desenvolvimento da lavoura também foi apresentado como um indicador de

qualidade do solo. Se a terra está fraca, a lavoura não cresce, a planta “empirria”. Segundo

os agricultores, quando o solo está forte a cultura apresenta um bom desenvolvimento. Os

agricultores de Muriaé citaram que no primeiro ano de cultivo no assentamento, a

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quantidade de feijão colhido foi a mesma de feijão plantado e que, com o tempo, as plantas

começaram a produzir mais.

Para alguns agricultores de Muriaé, uma terra que dá lodo é considerada uma terra

fraca. Não houve consenso em relação a esse indicador. Para outros agricultores, a terra

que apresenta lodo na superfície não significa que na subsuperfície esteja fraca e para

outros esse não é um indicador de qualidade. O lodo ocorre em pastos degradados, quando

a terra fraca fica muito tempo sem ser trabalhada, e pode ser um indicador de

reestabelecimento da fertilidade do solo por meio da colonização de organismos – no caso

os musgos – indicando início de uma sucessão vegetal (ODUM, 2007). O lodo pode ser

relacionado a indicadores como a umidade, compactação e exposição ao sol, fatores que

podem contribuir com sua formação.

O aprofundamento pelos agricultores em interação com os cientistas a respeito da

função da vida do solo e sua interação com outros indicadores biológicos, como a

cobertura do solo e plantas espontâneas, pode contribuir para a construção de estratégias

de manejo do solo que tenham como objetivo potencializar a ação desses organismos,

importantes para a conservação da umidade, a ciclagem de nutrientes, a proteção dos

solos contra erosão, a diminuição da amplitude térmica no solo, o aumento da atividade

microbiana, dentre outros benefícios (PRIMAVESI, 2002).

3.2.2 Indicadores químicos

Como indicadores químicos foram citados pelos agricultores o cheiro e sua

relação com a presença de matéria orgânica. Segundo os agricultores de Araponga o solo

pode ser rico em matéria orgânica, mas ela pode estar “podre”, com mau cheiro. Neste

caso, a matéria orgânica pode estar indicando características de formação, pois em alguns

solos de várzea, de ocorrência na região, ocorre déficit de oxigênio pelo excesso de água,

o que diminui a taxa de decomposição da matéria orgânica (NASCIMENTO et al., 2010).

Normalmente estes solos são mais desferrificados e, com a perda de ferro, há também

perda de outros nutrientes, fazendo com que tenham baixa fertilidade natural, mesmo com

altos teores de matéria orgânica (CURI et al., 1988).

Ao contrário, o cheiro bom da matéria orgânica pode indicar qualidade do solo, já

que a matéria orgânica fresca cheira bem. Este indicador revela o uso do olfato para

avaliar a qualidade do solo e é, segundo Nicholls et al. (2004) de uso comum em outras

partes do mundo. Segundo esses autores o cheiro “fresco” do solo é apontado pelos

agricultores como um solo de boa qualidade, enquanto um solo de má qualidade apresenta

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um cheiro “químico”, neste caso relacionado ao uso de agrotóxicos ou a alguma reação

química, por exemplo de decomposição e ou redução do ferro.

O papel da matéria orgânica como alimento dos organismos (“alimento do solo”) e

na ciclagem de nutrientes foi apontado pelos agricultores. Segundo eles, ao contrário dos

adubos químicos, que só alimentam as plantas, a matéria orgânica recupera o solo, embora

o efeito na recuperação do solo seja mais lento, enquanto o efeito do adubo químico na

nutrição das plantas é mais rápido.

Alguns agricultores apresentaram uma discussão mais precisa sobre a matéria

orgânica e de práticas de manejo para aumentar seu teor no solo. Talvez porque alguns

dos agricultores presentes já tenham participado de programas de formação promovidos

pelas organizações que trabalham, já há alguns anos, com a construção coletiva do

conhecimento agroecológico na região (CARDOSO et al., 2001). O próprio termo matéria

orgânica não é comum entre os agricultores - que a denominaram de “esterco”, mas sim

entre técnicos e cientistas. Entretanto, alguns agricultores participantes da pesquisa já

incorporaram o termo.

A percepção dos agricultores sobre a importância da matéria orgânica para o solo

é importante, pois ela constitui uma reserva de nutrientes para as plantas, auxilia na

formação de agregados estáveis protegendo a superfície do solo contra erosão, mantém

inúmeras funções biológicas e contribui para a capacidade de troca catiônica dos solos e,

em especial, é o alimento para muitos organismos (BOT e BENITES, 2005); ainda

contribui na disponibilidade de água e no comportamento mecânico dos solos (BRAIDA

et al., 2011; MACHADO, 2001; GUERRA, 1990).

O entendimento das funções da matéria orgânica no solo pelos agricultores pode

contribuir para o uso de práticas que aumentem seu teor, pois ela é o principal fator para

sustentar a qualidade dos solos (BARRERA-BASOLS et al, 2006). A matéria orgânica é

além disto um bom indicador de qualidade do solo, pois é sensível às alterações do manejo

e interfere diretamente em outros atributos, como estrutura, disponibilidade de nutrientes

e retenção de água (CONCEIÇÃO et al., 2005; GREGORICH et al., 1994).

Os agricultores relacionam a matéria orgânica com a “gordura” da terra. Uma

terra “gorda” é considerada de boa qualidade e não é “poenta”. Nas terras escuras e

“poentas” (estrutura fraca), a matéria orgânica apresenta-se na forma já bastante

decomposta (ácido húmico, fúlvico e humina), cuja presença até confere coloração ao

solo, mas não é utilizada como substrato para os microorganismos, ao passo que a

“gordura” do solo, composta por proteínas e aminoácidos, carboidratos simples e

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complexos, resinas, ligninas, álcool, auxinas, aldeídos e ácidos aromáticos e alifáticos

serve de alimento para os microorganismos, mas é transitória no solo (FAVORETTO,

2007; BOT e BENITES, 2005). Daí a importância de se adicionar constantemente fontes

de matéria orgânica no solo, que constitui uma das recomendações de manejo

agroecológico, apontada inclusive como uma das formas de melhorar a saúde dos cultivos

(ALTIERI e NICHOLLS, 2003) e aumentar a resistência dos agroecossistemas às

mudanças climáticas (NICHOLLS et al., 2015).

3.2.3 Indicadores físicos

Os indicadores físicos apontados pelos agricultores na atividade de levantamento

foram terra firm/terra poenta (estrutura), terra dura/terra fofa (compactação), terra

úmida/terra seca (retenção de umidade) e travamento por raiz de braquiária. Durante

outras atividades realizadas, foram apontadas também a presença de cascalho e de

pedregulho vermelho (pedregosidade), proximidade de pedra e a textura como

indicadoras de qualidade do solo.

No que se refere à estrutura, segundo o referencial dos agricultores, uma terra forte

é firme, e uma terra fraca é poenta, bamba. A terra poenta apresenta estrutura granular de

grau de desenvolvimento fraco nos horizontes A e B, típica dos Latossolos da região

(CARDOSO, 1993).

As relações entre estrutura, retenção de umidade e de nutrientes também foram

feitas pelos agricultores. “Uma terra poenta, além de soltar muita poeira, não segura

água, seca muito rápido” (E. R. A., 36 anos, masc.). Em relação à retenção de nutrientes,

os agricultores afirmaram que na “terra bamba, bota adubo e ela não responde, tem que

por matéria orgânica” (C. A. F.; 51 anos, masc.). Isto pode estar relacionado à baixa

atividade da argila (caulinita e óxidos de ferro) presente nos Latossolos da região

(CARDOSO, 1993).

Os agricultores apontaram a compactação do solo como um indicador de terra

fraca, pois impede o crescimento das plantas.

“A terra da estrada é uma terra curada, onde passa o trator”. (E. R. A., 36

anos, masc.)

“Terra macia é importante, principalmente para uma cova de café” ( G. R. A.,

61 anos, fem.).

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A umidade do solo foi citada como importante pelos dois grupos de agricultores.

Terra forte seria úmida, fresca, enquanto uma terra ressecada, quente, seria uma terra

fraca. Este indicador foi relacionado à capacidade de retenção de água do solo

(relacionada à estrutura e porosidade), à presença de curso d’água, à localização no relevo

e à maior ou menor exposição ao sol.

Os agricultores de Araponga apontaram o indicador “terra travada com raiz de

braquiária”. Segundo eles, a braquiária nas áreas secas (Brachiaria decumbens) ou nos

brejos (Brachiaria umidicola) trava o solo com suas raízes, não permitindo que a água

infiltre na terra e dificultando o manejo dos solos para substituí-la por outros cultivos. Os

agricultores de Muriaé não citaram o travamento com raiz de braquiária durante o

levantamento - entretanto, esse fato foi citado em outros momentos do trabalho.

Inicialmente foi questionado se esse travamento não seria uma compactação pelo

pisoteio do gado, mas os agricultores afirmam que é a raiz. Em campo, retirando-se um

bloco de solo de pastagem pôde-se observar que as raízes da braquiária criam um

emaranhado, que dificulta a passagem de água e a utilização de ferramentas de cultivo.

Os agricultores afirmam que a “terra travada tem muita raiz, a água não entra; terra

travada é diferente de terra dura, a raiz de braquiária trava a terra, não deixa a água

entrar” (P. A. L., 50 anos, masc.).

Sabe-se que as raízes são importantes na permeabilidade e diminuição da

densidade do solo (PRIMAVESI, 2002), portanto esta informação sobre o travamento do

solo pelas raízes da braquiária merece futuros estudos. Talvez, os solos compactados e

degradados, muito comuns nas pastagens da região, alterem a arquitetura do sistema

radicular da braquiária, tornando-o mais adensado, o que dificultaria a infiltração da água.

O fato é que, não ocorrendo infiltração adequada de água nos solos, haverá problemas de

abastecimento do lençol freático, e em consequência dos rios, córregos e nascentes. Isto

prejudica a infiltração de água no solo, que aliado à falta de chuvas pode estar

contribuindo com os problemas de escassez de água verificados recentemente na região.

Com isto, o travamento do solo pela braquiária precisa ser melhor estudado, para se

verificar as reais causas que dificultam a permeabilidade da água nas pastagens da região.

A pedregosidade foi citada como indicador de solo de baixa qualidade pelos

agricultores de Araponga e de Muriaé. Em Araponga, definiram uma terra com cascalho,

como de pior qualidade, e em Muriaé foi destacada a presença de um pedregulho

vermelho, que deixa a terra mais fraca. Esse pedregulho vermelho é de bauxita, abundante

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na região, e que aflorou na área do assentamento, em função de uma prospecção feita por

uma empresa mineradora há cerca de trinta anos.

O indicador proximidade de pedra, que corresponde ao solo onde há afloramentos

rochosos, foi citado pelos dois grupos. Em Araponga destacaram que solo perto de pedra

“em Araponga é bom, em Mariana é ruim”. Em Muriaé, a referência de terra fraca perto

de pedra foi a cidade de Ouro Preto. Isso se explica porque em Araponga os solos são,

em sua maioria, originados de gnaisse, e localmente de diabásio, que originam solos com

maiores teores de nutrientes do que as rochas formadoras dos solos de Mariana e Ouro

Preto (ambas vizinhas, e localizadas na região do Quadrilátero Ferrífero). Uma das rochas

comuns no Quadrilátero Ferrífero é o quartzito, rocha metamórfica que normalmente

forma solos rasos e com baixa concentração de nutrientes (FERNANDES, 2013; LEPSH,

2011).

Em Muriaé os agricultores fizeram distinção entre pedra “cabo verde” e “pedra

cará”. Tratam-se respectivamente de gnaisse e de granito-gnáissico, rocha de ocorrência

bastante localizada, com metamorfização incompleta de granito para gnaisse. Os

agricultores observam que ao contrário da pedra cabo verde (que apresenta

bandeamentos), a pedra cará não dá corte. No assentamento ocorre afloramento dos dois

tipos de rocha, em áreas consideradas mais frescas pelos agricultores, boas para pastagem,

mas não para café, talvez em virtude da profundidade do solo ou do ambiente onde foram

observados esses afloramentos. Algumas frases dos agricultores permitem compreender

o conhecimento deles sobre esse indicador:

“Terra próxima a pedra cabo verde e cará é preta”. “Pedra cará, cabo verde, está

presente nos terrenos aqui, mas para a plantação de café não é muito útil, mas para

a pastagem do gado é bem recomendado, pois essas pedras indicam um solo bom,

útil e fresco” (E. R. A., 36 anos, masc.).

“O terreno perto de Ouro Preto, se der para o agricultor familiar, ele não

sobrevive; lá é igual uma caatinga, árvore não passa de dois metros” (E. R. A., 36

anos, masc.).

“Não é todo tipo de solo perto de pedra que é bom, pois depende do tipo de pedra”

(P.A.L., 50 anos, masc.)

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“Onde tem pedra roxa, preta, a terra é muito boa. Onde tem bauxita para a

lavoura é ruim, quanto mais raso pior” (S. J. A., 38 anos, masc.).

“A terra ruim contém bauxita, que esquenta muito, é péssimo para a lavoura, pois

é muito raso, não tem bom segmento para os cultivos. Quando a bauxita é muito

rasa, nem a braquiária nasce no terreno. A terra com bauxita é a terra com muito

pedregulho” (S. J. A., 38 anos, masc.).

“Terra onde tem muita pedra cristal (quartzo) é fraca” (E. R. A., 36 anos, masc.).

“Terra perto de pedra é boa pra plantar feijão” (D.G.M., 35 anos, masc.).

Esse indicador foi discutido com os agricultores, pois quando perguntados sobre

o porquê de o solo perto de pedra ser bom, eles não souberam responder. Então houve

uma discussão sobre processos de formação do solo, relacionando o intemperismo das

rochas como responsável por disponibilizar nutrientes para o solo, interagindo assim o

conhecimento local e o científico. Este aspecto deve ser melhor discutido com os

agricultores, de modo a relacionar a discussão da importância do material de origem na

formação do solo com os diferentes tipos de rocha que existem na região.

A textura foi citada quando um agricultor fez referência a um tipo de terra presente

no assentamento em Muriaé, a terra “massapê”, uma terra argilosa, que gruda na enxada

quando muito úmida, que trinca quando seca, mas considerada de ótima qualidade pelos

agricultores. Esse comportamento do solo pode estar relacionando aos Argissolos,

comuns em especial nas áreas mais baixas da Zona da Mata, nos quais a argila é de maior

atividade e, por isto, com o comportamento descrito acima (OLIVEIRA, 2005). Outra

possibilidade é a de que o solo massapê seja derivado de manchas de diabásio, o que o

tornaria mais argiloso que os solos derivados de gnaisse, mais comuns na região

(LEPSCH, 2013).

Com exceção da textura e pedregosidade, todos os indicadores físicos

apresentados pelos agricultores são passíveis de serem modificados com práticas de

manejo, incrementando, dessa forma, a qualidade física dos solos (REICHERT et al.,

2003). Muitas vezes a qualidade física do solo é esquecida no manejo convencional, sendo

priorizadas as análises químicas, com a finalidade de “corrigir” o solo por meio de

adubações e calagens. Entretanto, os atributos físicos do solo são extremamente

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importantes, permitindo a infiltração, a retenção e a disponibilidade de água, permitindo

trocas de gases e o desenvolvimento das raízes. Audeh et al. (2010), em estudo realizado

no sul do Brasil, argumentam que os indicadores relacionados aos atributos físicos do

solo são bem percebidos pelos agricultores, por serem mais visíveis.

3.2.4 Indicadores visuais

A cor foi um indicador visual citado pelos dois grupos de agricultores, que

consideram a terra escura uma terra forte e a terra clara como terra fraca. Os agricultores

relacionam a cor com matéria orgânica, estrutura e umidade. A terra escura deve também

ser “gorda”, ou seja, ter matéria orgânica de boa qualidade, e não pode ser “poenta”. Em

Araponga o solo claro é um solo considerado fraco, assim como a terra vermelha e a

amarela. As cores vermelhas e amarelas dos solos são derivadas dos óxidos de ferro. Um

solo branco é um solo desferrificado, normalmente localizado nas áreas de antigos leitos

maiores dos rios, onde ocorreu encharcamento no passado levando a perda de ferro e de

outros nutrientes, reduzindo sua fertilidade (OLIVEIRA, 2005).

Esta referência sobre a terra vermelha e a amarela pode também estar relacionada

a solos que ficam descobertos e perdem a matéria orgânica no horizonte A, já que em

Muriaé, os agricultores consideram fortes também as terras vermelhas e amarelas, desde

que a parte de cima (horizonte A) seja escura. Apontam que a terra amarela á a terra ideal

para café. Já a terra branca é considerada fraca, onde “não sai nem braquiária”. Os dois

grupos de agricultores citaram a terra roxa, como uma terra de excelente qualidade, que

“tem pros lados do Paraná”.

Na região de estudo há predominância de solos originados do gnaisse, o que

atribui coloração rósea ao horizonte C e amarelo-avermelhada ao horizonte B

(PORTUGAL et al., 2010; NUNES et al., 2001). O horizonte A do solo do assentamento

Oito de Março possui coloração vermelho-escuro, devido ao grande aporte de matéria

orgânica presente na área, que estava em descanso, enquanto o horizonte A do solo da

Associação Bonsucesso apresenta, no geral, coloração vermelho-amarelada. A coloração

tende a variar ao longo da topossequência, na qual as áreas de topo possuem coloração

mais avermelhada e vão amarelando na medida em que se desce as encostas, o que pode

indicar condições hídricas diferenciadas, com mais acúmulo de água nos solos

amarelados que podem ser inclusive mais resistentes a condições de seca, devido ao tipo

de argila (OLIVEIRA, 2011) e à topografia, que pode favorecer o escoamento ou a

deposição da água.

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Assim como citado pelos agricultores de Araponga e de Muriaé, a cor aparece em

100% dos trabalhos com indicadores locais de qualidade do solo (BARRIOS et al., 2006).

A literatura aponta que desde eras remotas ela é associada à fertilidade e produtividade e

que a observação das cores permite realizar algumas inferências sobre constituição e

funcionamento do solo (CAMPOS, 2001), sendo utilizada como indicador de qualidade

por cientistas e agricultores (MAIRURA et al., 2007; BARRIOS e TREJO, 2003).

Em relação à declividade, os dois grupos de agricultores consideraram uma terra

plana, ou com relevo “disfarçado” (suave) melhor que uma terra inclinada, “a pique”

(montanhoso). O principal motivo está relacionado à maior facilidade de manejo em

relevo mais suave. Os agricultores são conscientes de que terrenos mais declivosos

exigem maiores cuidados para a prevenção da erosão.

“Terreno mais inclinado é pior que terreno mais baixo. Para corrigir teria que

ser feito curva de nível e jogar muito calcário”. (E. R. A., 36 anos, masc.)

“No inclinado tem que fazer curva de nível pra não perder nutriente”. (S. J. A.,

38 anos, masc.)

A declividade é um indicador importante, uma vez que a região apresenta um

relevo caracterizado como suave ondulado a montanhoso (GOLFARI, 1975), com

declividades que variam de 3 a 45%, dos quais cerca de 40% encontram-se acima de 30%

(PEREIRA et al., 2009), sendo áreas bastante susceptíveis a erosão (RAMALHO FILHO

et al., 1995) e em alguns casos consideradas de preservação permanente pela legislação

ambiental brasileira, o que traz limitações em seu uso.

Nos dois assentamentos estudados há áreas de encostas e de baixadas. As áreas

chamadas de “a pique” são áreas com inclinação extremamente forte. Em Muriaé, no

terreno considerado “a pique”, os agricultores optaram por plantar eucalipto, por ser uma

cultura mais rústica, que praticamente não necessita de tratos culturais, ou manter

pastagem. O café, principal cultura nas áreas estudadas, encontra-se nas encostas. Nas

baixadas em Araponga os agricultores plantam milho e feijão, e em Muriaé alguns

plantam arroz, ou deixam para pastagem.

Nas avaliações que priorizam a mecanização nas atividades agrícolas, a

declividade é vista constantemente como indicadora de inaptidão para o cultivo.

Entretanto, na Zona da Mata mineira, bem como em muitas áreas do Brasil e do mundo,

os agricultores familiares utilizam áreas bastante declivosas, nas quais o manejo é

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principalmente manual. Estas são áreas marginais, que o agronegócio não se apropriou

pela impossibilidade de mecanização, e que a Revolução Verde não integrou totalmente

(ALTIERI, 2002). Portanto, considerando o relevo e o tamanho das propriedades (55%

das propriedades da região possuem áreas menores do que 10 hectares, segundo IBGE,

2006 e as da área de estudo possuem cerca de 3,0 hectares), as áreas declivosas não podem

ficar sem cultivo.

Entretanto, nesta região, quando se utilizam técnicas como aração do solo,

provoca-se processos erosivos difíceis de serem revertidos (FERRARI, 2010; PEREIRA

et al., 2009), sendo importantes ouso de técnicas de manejo que permitam o uso sem

degradar os terrenos declivosos, como aquelas que utilizam o manejo agroecológico, em

especial o uso de sistemas agroflorestais (SOUZA et al., 2012). Nestas áreas é urgente se

realizar a transição agroecológica, propondo alternativas de produção adaptadas a esse

relevo, para evitar danos ambientais e promover a sustentabilidade desses

agroecossistemas.

Em relação à localização no relevo, os agricultores consideram mais fortes as

terras de fundo de grota (ravina anfiteátrica), baixadas e pés de morro, enquanto as

encostas (terços médio e superior das encostas) são consideradas terras mais fracas. Em

Muriaé, os agricultores afirmam que “terra de grota é diferente de terra de baixada. Terra

de grota é um dos melhores terrenos, geralmente é preta e amarelada”; “terra de grota

tem mais umidade, mais matéria orgânica”; “Em solo de grota junta água, já em morro

a água desce superficialmente” (E. R. A., 36 anos, masc.).

Entretanto, o café, principal cultura nos dois assentamentos, é cultivado nas áreas

de encosta e o milho e o feijão, culturas utilizadas na alimentação da família e dos animais,

quando não consorciados com o café são plantados no sopé do terreno ou nas grotas.

Quando consorciado, os agricultores procuram as melhores áreas dos cafezais para o

plantio de milho e feijão. Outras culturas como mandioca e cana-de-açúcar podem

também ser consorciadas. Os agricultores agroecológicos utilizam sistemas

agroflorestais, consorciando com o café em especial com árvores nativas e ou frutíferas

(SOUZA et al., 2010). Na região o café se adapta bem às áreas de encosta, por serem

áreas bem drenadas, exigidas pela cultura (MATIELLO et al., 2002), ao contrário das

baixadas, que são áreas menos drenadas.

Assim como fazem os agricultores de Araponga e Muriaé, a topografia é um bom

estratificador ambiental, pois a pedoforma influencia diretamente o fluxo de água e

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nutrientes, o transporte de sedimentos, a distribuição das plantas e animais, além de

expressar os processos geológicos e de intemperismo (IPPOLITI et al., 2005).

O indicador exposição ao sol foi inicialmente citado pelos agricultores de Muriaé

como “terra que pega sol de manhã e terra que não pega sol de manhã”. Durante a

discussão com o grupo, definiu-se que a terra forte pega sol de manhã e sombra à tarde

(face determinada de Noruega em alguns lugares, é a face voltada para o Sul), e a terra

fraca está na face contrária, não pega sol pela manhã e pega muito sol a tarde (face

soalheira, ou voltada para o Norte). Consideram fraca a terra que recebe muito sol a tarde,

porque “um dos fatores para tornar o solo infértil, é receber muito sol”. De acordo com

os agricultores, “a terra que não pega sol pela manhã não é indicada para o plantio de

café”, embora haja plantio de café em praticamente todas as encostas, a melhor terra

segundo os agricultores é a que “pega sol de manhã”, neste caso, a face voltada para o

Leste, já a face voltada para o oeste recebe mais sol a tarde.

Agricultores de outros países também. Agricultores em Burkina Faso consideram

que os solos expostos à face sul naquele hemisfério são mais facilmente erodíveis e com

piores condições hidrológicas que os solos expostos à face norte na região estudada

(JUNGERIUS, 1985). Alguns estudos científicos mostram influência da radiação solar,

dependente da exposição, inclusive na gênese do solo. Por exemplo, Chagas et al. (2013)

encontraram diferenças entre perfis de Argissolos no Espírito Santo, determinadas

diretamente pela radiação solar e sua interferência no regime de umidade do solo.

A incidência de radiação solar em agroecossistemas de montanha pode interferir

na produtividade e na incidência de doenças das culturas (CARVALHO, 2011) , e vários

estudos mostram a influência da radiação solar no desenvolvimento do cafeeiro, pois a

face de exposição do terreno ao sol interfere na temperatura do ambiente, gerando um

microclima que pode diminuir a ocorrência de pragas e doenças, reduzir o abortamento

das flores e a escaldadura das folhas do cafeeiro, reduzir a perda de água do solo por

evapotranspiração, aumentar a produtividade e até definir locais com maior potencial para

produção de um café de melhor qualidade (FERREIRA et al., 2012). As encostas voltadas

para o leste (que pegam sol de manhã) são consideradas ideais para a produção do café,

sendo onde se obtêm as maiores produções (FERREIRA et al., 2012). Isto mostra, mais

uma vez, a sintonia entre o conhecimento dos agricultores e o conhecimento científico.

Entretanto, em áreas pequenas os agricultores não podem se dar ao luxo de plantar apenas

nas áreas consideradas de melhor desempenho, daí a presença de cultivos de café em

todas as encostas, independente da radiação solar.

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A presença de nascentes foi apontada como um indicador de qualidade das terras

de forma geral, pois para a agricultura familiar não basta ter um solo de excelente

qualidade se não houver nascentes na propriedade, essencial para a permanência das

famílias.

A profundidade foi citada por um agricultor de Muriaé, durante uma visita a uma

área de mata do assentamento, na qual o solo estava bem escuro por cima, mas logo “batia

na pedra”, o que é impróprio para o cultivo, principalmente do café, cultura perene de

raízes profundas (MATTIELO et al., 2002).

Alguns indicadores foram mais explorados pelos agricultores do que outros, o que

é natural, devido à importância atribuída por eles a cada indicador na avaliação de seus

solos. Esta importância será discutida no item seguinte, a partir da priorização dos

indicadores.

3.3 Indicadores priorizados

De início, os agricultores tenderam a considerar todos os indicadores como muito

importantes, resistindo um pouco em classificá-los. Isso se deve ao fato de que os

agricultores consideram diversos atributos em conjunto, interdependentes, o que torna

difícil atribuir maior importância a um fator de que a outro. Entretanto, após bastante

discussão, os grupos foram organizando os indicadores em ordem de prioridade.

Com exceção do indicador “exposição ao sol”, nos dois grupos os indicadores que

ficaram nas quatro primeiras posições no ranqueamento, são indicadores que podem ser

alterados pelo manejo. Em Araponga, o indicador considerado de maior importância para

atribuir qualidade a um solo foi a diversidade de plantas, seguido por organismos do solo

e em seguida pela cobertura do solo, ficando em último lugar a declividade. Em Muriaé

as plantas espontâneas ficaram em primeiro lugar, seguidas pela exposição ao sol e

presença de matéria orgânica. A presença de lodo ficou em último lugar (Tabela 4).

Em Araponga, de início causou estranheza o fato do indicador “plantas

espontâneas” não ter ficado entre os indicadores prioritários, uma vez que em todas as

conversas com os agricultores percebe-se a importância em suas falas. Entende-se que na

perspectiva deles, o critério diversidade de plantas teria maior peso por englobar a

agrobiodiversidade, sendo que se houver uma área com apenas uma espécie, mesmo que

seja indicadora de solo forte, a área estaria em desequilíbrio.

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Tabela 4 - Etnoindicadores de qualidade de solo, em ordem de prioridade.

Araponga Muriaé Diversidade de plantas Plantas espontâneas Macrofauna Exposição ao sol Cobertura do solo Presença de matéria orgânica Presença de matéria orgânica Cor Cheiro de matéria orgânica Declividade Compactação Localização no relevo Cor Umidade Perto de pedra Compactação Umidade Cobertura do solo Desenvolvimento da lavoura Estrutura Plantas espontâneas Animais do solo Atividade microbiológica Perto de pedra Travamento com raiz de braquiária Presença de lodo Estrutura Localização no relevo Declividade

Mais do que uma prioziação dos indicadores, essa atividade serviu para

aprofundar a reflexão e discussão sobre o conhecimento dos agricultores a respeito dos

solos, propiciando outro momento de interação entre conhecimento popular e científico.

Ao buscar o consenso no momento da priorização, os agricultores trocavam

entendimentos a respeito dos solos e assim aprofundavam conceitos, reflexões e relações

entre os indicadores e manejo dos solos.

Entretanto, a metodologia de priorização deve ser relativizada quando utilizada

para grupos pequenos, uma vez que pode haver discrepância entre os grupos, interferindo

na soma final dos indicadores. Além disso, a exigência metodológica em se priorizar os

indicadores sobrepõe a lógica científica sobre a lógica do saber local, forçando os

agricultores a elencarem indicadores que para eles podem ter o mesmo grau de

importância.

4 CONCLUSÕES

A pesquisa permitiu identificar um conjunto de etnoindicadores de qualidade de

solo, o que foi possível graças à riqueza de conhecimentos dos agricultores sobre o solo

e sobre as diversas interações que ocorrem em seus agroecossistemas. Ao todo,

identificou-se e sistematizou-se vinte e dois indicadores, sete biológicos, dois químicos,

sete físicos e seis visuais. A diversidade de indicadores e a integração entre eles reflete a

compreensão ampliada que os agricultores possuem sobre o solo e a diversidade de

atributos que influenciam sua qualidade. Estes indicadores podem contribuir para o

monitoramento das alterações na qualidade do solo a partir do manejo.

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Muitos indicadores apresentados pelos agricultores de Araponga e Muriaé são

também encontrados na literatura internacional, de onde se conclui que muitos

indicadores utilizados pelos agricultores são universais. Isto contrapõe ao argumento de

muitos cientistas que consideram os conhecimentos dos agricultores muito específicos

para suas regiões. O entendimento de que o conhecimento dos agricultores não é tão

específico quanto se imagina pode fortalecer um diálogo entre o conhecimento científico

e popular sobre os solos, permitir uma maior integração entre os etnoindicadores e os

indicadores técnico-científicos e contribuir para promover estratégias cada vez mais

sustentáveis de manejo do solo e uso da terra, com base em saberes com significado local.

Durante a pesquisa houve troca de experiências entre agricultores familiares,

pesquisadores, técnicos e estudantes, no que se refere à qualidade do solo e à importância

do manejo para manutenção e incremento dessa qualidade; a pesquisa contribuiu também

para fortalecer os vínculos institucionais entre organizações sociais e instituições de

ensino, pesquisa e extensão. A metodologia utilizada permitiu integração entre a equipe

de pesquisadores e o grupo de agricultores e criou um ambiente de confiança para que o

trabalho se realizasse. Os encontros para a realização da pesquisa tornaram-se espaços de

troca de saberes entre agricultores e pesquisadores, com bom envolvimento de todos,

transformaram a pesquisa em um processo formativo para todos e apontaram subsídios

para futuras pesquisas.

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CAPÍTULO II

ESTRATIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE AMBIENTES COM BASE EM

ETNOINDICADORES: DE PALMO EM PALMO, A TERRA MUDA DE JEITO

RESUMO

Classificar e avaliar os diferentes tipos de solo é de extrema importância para desenvolver

estratégias de manejo e de conservação deste componente ambiental, que desempenha

diversas funções no agro e ecossistema e que se encontra mundialmente com altos níveis

de degradação. O objetivo deste capítulo foi realizar com os agricultores a estratificação

ambiental, a espacialização e a avaliação da qualidade do solo dos diferentes ambientes

estratificados em dois assentamentos rurais na Zona da Mata de Minas Gerais, utilizando

etnoindicadores de qualidade do solo. Agricultores estratificaram a área de um

assentamento em Araponga em treze ambientes diferentes e outro em Muriaé em quinze

ambientes distintos. A partir das informações dos agricultores foi construída uma chave

de identificação de ambientes para cada assentamento, sendo a pedoforma principal

atributo de estratificação. A estratificação realizada pelos/as agricultores/as foi similar às

classificações científicas no que se refere à pedoforma, mas incorporou outros atributos

do terreno, como a estrutura do solo e a exposição da área ao sol, o que permitiu maior

detalhamento, possível nesta escala de trabalho. Com o uso de uma metodologia

participativa e de campo, os agricultores aprenderam a avaliar os diferentes ambientes

dos assentamentos seus diferentes ambientes dos assentamentos, atribuindo-lhes notas.

Com isto, os agricultores podem, com suas adaptações, aperfeiçor ainda mais sua

capacidade de observação, monitoramento e avaliação de seus ambientes e melhorar o

manejo de seus agroecossistemas. A riqueza de informação sobre os etnoindicadores de

qualidade do solo aliada à estratificação ambiental demonstrou o grande conhecimento

dos agricultores sobre o solo e as diversas interações que ocorrem em seus

agroecossistemas. Este conhecimento não é estático, pelo contrário, está em constante

transformação, pois eles aprendem na medida em que manejam e observam suas áreas,

assim como quando interagem com outras pessoas.

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1 INTRODUÇÃO

A classificação de solos contribui para o reconhecimento de suas diversas

características, úteis para o aprimoramento do manejo e uso desse recurso natural.

Entretanto, mesmo com todo o conhecimento existente, os processos de degradação do

solo não param e atualmente chegam a 25 % das áreas agrícolas do mundo (FAO, 2011).

No Brasil não existem estudos conclusivos, mas em 2005 estimava-se que cerca de 16%

das áreas agrícolas estariam degradadas (MMA, 2005). Por quê?

Para responder a esta questão dois aspectos precisam ser considerados: o manejo

agrícola predominante e a produção do conhecimento científico sobre o solo. O manejo

agrícola predominante pressupõe o uso pelos agricultores de um pacote de tecnologias

que muitas vezes não apontam para a conservação do solo. Dentre as tecnologias

encontram-se a mecanização intensiva, o uso de monoculturas, o uso de agrotóxicos e o

uso de fertilizantes sintéticos em excesso. Os usos de tais tecnologias levam, em muitos

casos, à retirada da cobertura do solo e o não aporte de matéria orgânica (PRIMAVESI,

2002; GLIESSMAN, 2001; TILLMAN, 1998).

Essa maneira de usar e manejar o solo originou-se no modelo industrial de

agricultura, que foi intensificado, no Brasil, na década de 1960 com a Revolução Verde,

período em que as instituições científicas de ensino e pesquisa direcionaram seus esforços

para o desenvolvimento de tecnologias que atendessem a tal modelo. Neste processo, as

instituições aumentaram a desconsideração pelo conhecimento dos agricultores e

concentraram esforços em hegemonizar a forma de se pensar e fazer agricultura (SHIVA,

2003; MOREIRA, 2000), seguindo um modelo de racionalidade que excluiu saberes

considerados não-científicos (SANTOS, 2002), levando ao que Toledo e Barrera-Bassols

(2015) chamam de “amnésia biocultural”, por meio da uniformização de saberes e

técnicas agrícolas.

Com base na forma científica de pensar a utilização do solo, foram criados

sistemas de classificação e avaliação da aptidão agrícola de terras, dentre eles o sistema

brasileiro de classificação de solos, que possui treze classes, detalhadas até o sexto nível

categórico (EMBRAPA, 2013). Para o levantamento, classificação e mapeamento dos

solos, os cientistas utilizam diversos atributos, como teor de argila e profundidade dos

horizontes, cor e textura, teor de nutrientes, CTC, estrutura, teor de C orgânico

(OLIVEIRA, 2008).

Os principais sistemas de avaliação da aptidão agrícola de terras utilizados no

Brasil são o Sistema de Classificação de Capacidade de Uso e o Sistema FAO/Brasileiro

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de Avaliação da Aptidão Agrícola de Terras (RESENDE et al., 2007). O primeiro utiliza

principalmente os graus de declividade do relevo como limitantes aos diferentes tipos de

uso. Este sistema é mais apropriado para terrenos com declividades menores e que

utilizam manejos mecanizados e o cultivo de grandes extensões de terra (LEPSCH et al.,

1991).

A aptidão das terras, segundo o sistema FAO/Brasil (RESENDE et al., 2007), é

definida em função de três níveis de manejo (A, B e C, de acordo com o nível tecnológico

adotado, sendo A o nível mais baixo e C o mais alto) e considera fatores limitantes como

fertilidade natural, deficiência de água, excesso de água ou deficiência de oxigênio,

susceptibilidade à erosão e impedimentos à mecanização (RAMALHO FILHO e BEEK,

1995). Mesmo considerando os níveis de manejo, este sistema não é adequado aos

agricultores familiares, em geral com pouca terra, pois (a) consideram que a melhoria dos

níveis de manejo depende do emprego de capital, ao relacionar as tecnologias de

produção dependentes de capital para seu uso; (b) consideram áreas inaptas para o cultivo

e um agricultor que tem pouca terra não pode deixar áreas sem cultivar, devendo adaptar

seu cultivo ao tipo de solo que possui e; (c) não é aplicada ao nível de propriedade

(RESENDE et al., 2007). Além disto, os níveis de manejo referem-se ao manejo

convencional, quase sempre em monocultura. Para atender aos manejos agroecológicos,

em geral diversificados, que protegem mais o solo, utilizados principalmente por

agricultores familiares, em áreas críticas, como várzeas e solos acidentados (RESENDE

et al., 2000), é necessário mudar os procedimentos correntes no manejo convencional

(ALTIERI, 2002).

Independentemente do tipo de classificação (genética, de aptidão ou capacidade

de uso), na maioria das vezes, os cientistas não levam em consideração o conhecimento

dos agricultores em seus levantamentos e seus resultados não chegam até os mesmos, e

quando chegam é em uma linguagem inacessível (RESENDE et al., 2007; CORREIA et

al., 2007; SILLITOE, 1998; CARDOSO e RESENDE, 1996). Em todos os sistemas, as

avaliações são geralmente realizadas por técnicos, com base no conhecimento acadêmico,

que leva a classificações e recomendações de uso muitas vezes distintas do uso real das

terras. Isto porque o conhecimento dos agricultores é considerado não-científico,

demasiadamente local e limitado para a elaboração de mapas de aptidão e, portanto, estes

são excluídos dos processos de classificação (JUNGERIOUS, 1985). Além disso os

profissionais que realizam esses levantamentos não foram capacitados para incorporar o

saber local em seus sistemas de avaliação (CORREIA et al., 2007).

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Entretanto, os agricultores possuem um conhecimento detalhado de seus

ambientes e possuem em muitos casos sistemas próprios de classificação da aptidão das

terras. Esta classificação incorpora estratégias de manejo que visam conviver com as

limitações ambientais, ao invés de buscar reduzi-las e pode contribuir para a compreensão

das limitações e potencialidades de suas áreas para cultivo (RESENDE et al., 2000;

WINKLERPRINS e BARRERA-BASSOLS, 2004; BRAIMOH, 2002).

Os estudos sobre solos e sociedades humanas fazem parte do universo da

Etnopedologia, ciência que, pelo seu caráter interdisciplinar, apresenta uma diversidade

de abordagens e métodos em constante desenvolvimento (WINKLERPRINS e SANDOR,

2003). A Etnopedologia tem estudado os sistemas de classificação de terras elaborados

por comunidades de agricultores em todo o mundo. Diversos autores afirmam que estes

sistemas são bem mais detalhados que os sistemas científicos de classificação e avaliação

de terras, pois são feitos em escalas maiores, e a partir da vivência dos agricultores, ao

manejarem seus agroecossistemas (BARRERA-BASSOLS et al., 2006; ZURAYIC et al.,

2001; JUNGERIOUS, 1985; CORREIA et al., 2007). Ao contrário, os levantamentos

pedológicos são feitos em escalas muito pequenas, não incorporam especificidades dos

microambientes (RESENDE et al., 2002) e são pouco aplicáveis para áreas pequenas ou

cuja variabilidade é alta (KRASILNIKOV e TABOR, 2003).

A Etnopedologia é uma ciência importante para a Agroecologia, que também

procura valorizar o saber dos agricultores, no que se refere a formas de manejo de

agroecossistemas e busca integrá-lo ao conhecimento científico, em constante desafio de

construir relações horizontais de saber (ALTIERI, 2013).

Se o conhecimento dos agricultores for integrado aos estudos científicos, pode-se

ampliar o nível de detalhamento e incorporar informações aos levantamentos que

contribuam para o manejo mais adaptado às diferentes limitações dos agroecossistemas e

consequentemente para a conservação dos solos. Além disso, pode auxiliar na elaboração

de legislações ambientais mais abrangentes, que aceitem o uso sustentável feito pelos

agricultores em áreas atualmente consideradas intocáveis (FREITAS et al., 2004;

RESENDE et al., 2002). Essa integração deve se dar a partir do uso de metodologias

participativas que promovam o diálogo dos saberes (BARRIOS et al., 2011; BARRIOS

et al., 2006; NICHOLLS et al., 2004; BARRIOS e TREJO, 2003).

Uma estratégia para promover o diálogo entre saber local e saber científico sobre

levantamento e classificação de solos é a estratificação ambiental realizada com os

agricultores, que pode ser integrada aos levantamentos científicos de solo. A

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estratificação de uma área consiste em dividir uma área maior em unidades menores, mais

homogêneas, a partir de alguns indicadores. Resende et al. (2007) propõem quatro escalas

de classificação: as grandes regiões do Brasil; as zonas fisiográficas dos estados; as

microrregiões homogêneas e, finalmente, as unidades de paisagens (baixadas, elevações,

topos, etc.). A paisagem pode ser definida como um mosaico espacial heterogêneo,

composto pela interação de fatores ecológicos e geomorfológicos, e pela interferência

humana (METZGER, 2001), e se constitui em elemento importante para se observar

transformações socioambientais ao longo do tempo, sendo o solo o principal estratificador

em escalas mais detalhadas (RESENDE et al., 2007).

Na estratificação realizada com agricultores pode-se construir chaves de

identificação de ambientes utilizando metodologias participativas (MATOS et al., 2014;

MANCIO et al. 2013; CARDOSO e RESENDE, 1996). Poucos são os estudos que

realizam a espacialização dos ambientes incorporando o conhecimento dos agricultores.

Esta pode ser realizada utilizando a cartografia social (JOLIVEAU, 2008), que utiliza a

construção de mapas para aprofundar o universo das comunidades, abordando aspectos

ambientais e socioeconômicos. Mapas que unem a fotointerpretação com a pesquisa

etnopedológica também têm sido usados para comparar a classificação científica com a

realizada por agricultores (BARRERA-BASSOLS et al., 2006).

O objetivo deste capítulo foi realizar com os agricultores a estratificação

ambiental, a espacialização e a avaliação da qualidade do solo dos diferentes ambientes

estratificados em dois assentamentos rurais na Zona da Mata de Minas Gerais, utilizando

etnoindicadores de qualidade do solo.

2 METODOLOGIA

2.1 Caracterização da área de estudo

O estudo foi realizado nos municípios de Araponga e Muriaé, localizados na Zona

da Mata de Minas Gerais, Brasil. Geologicamente, a região insere-se no complexo

cristalino, formado por rochas granito-gnáissicas, originárias do período Pré-cambriano

(BRASIL, 1983; IPPOLITI et al., 2005) e faz parte do domínio morfoclimático “Mares

de Morros Florestados” (AB’SABER, 1970), no qual ambientes com características e

comportamentos diferenciados podem ser estratificados com base na pedoforma e

localização (LANI et al., 2010).

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A evolução do relevo da região ocorreu por mecanismos de remoção de materiais

das formações superficiais e acumulação nas regiões mais baixas, e como consequência

atualmente a paisagem apresenta um complexo de elevações e vales de fundo chato

(CORRÊA, 1984; ESPÍNDOLA, 2010). As elevações apresentam topos de morros em

geral aplainados e curvatura convexa-convexa ou convexo-côncavas (RESENDE et al.,

2007). As áreas côncavas (denominadas localmente como grotas) são áreas nas quais

ocorre concentração de água no sistema e muitas vezes são associadas a nascentes. Nos

fundos de vales encontram-se as áreas planas, ao longo dos cursos d’água, sendo elas os

terraços pluviais (não mais inundados) e os leitos maiores (ou brejos), planícies pluviais

que inundam por época das cheias (FERNANDES, 2013; IBGE, 2009; RESENDE et al.,

2007) (Figura 1). Os solos da região são bastante antigos, intemperizados e ácidos, mas

em geral porosos e com boa capacidade de infiltração de água (MACHADO e SILVA,

2010).

Figura 1 - Pedoformas características da região da Zona da Mata de Minas Gerais. Extraído de Resende et al., 2002.

Os tipos de solo se diferenciam ao longo dessa paisagem. Nas elevações são

comuns Latossolos nas partes de relevo mais suaves, como topos e alguns terços

inferiores e Cambissolos nas partes mais inclinadas do terço superior. Nos terraços e nas

grotas são comuns Argissolos. Já nos leitos maiores dos cursos d’água são encontrados

Neossolos Flúvicos e Gleissolos Háplicos (NUNES et al. 2001; CORRÊA, 1984).

Esses ambientes eram cobertos por floresta estacional semidecidual e por floresta

ombrófila densa, vegetação típica da Mata Atlântica (BRASIL, 1983; Valverde, 1958),

responsável por proteger e fertilizar os solos. Com a retirada das matas para fabricação

de carvão, plantio de café e implantação de pastagens, o solo ficou descoberto,

desprotegido, ocasionando processos erosivos que o empobreceram (CARDOSO et al.,

2001; RESENDE et al., 2002). Atualmente restam apenas fragmentos de floresta, sendo

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que um dos maiores deles é onde se encontra o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro,

unidade de conservação de proteção integral (MINAS GERAIS, 2007). No entorno do

Parque localizam-se Araponga e Muriaé, municípios onde se localizam os dois

assentamentos (Sítio Oito de Março e Associação Bonsucesso), cujos agricultores

participaram do presente estudo.

Os assentamentos estudados fazem parte do Programa Nacional de Crédito

Fundiário. O Sítio Oito de Março, em Araponga, ainda está em processo de aquisição das

terras e o assentamento Associação Bonsucesso foi oficializado em 2010. Nos dois

assentamentos estudados, a área média de cada propriedade é em torno de 3,0 hectares,

com distintos microambientes.

A área do Assentamento Sítio Oito de Março, em Araponga, possui sessenta e seis

hectares, com três áreas de mata e três áreas com nascentes, e as demais áreas disponíveis

para cultivo. Trata-se de uma área que foi cultivada com café e pastagem, e que sofreu

intensas queimadas, que deixaram o solo degradado. Pode-se observar na área abundância

de samambaia (Pteridium aquilinum) e sapé (Imperata brasiliensis), indicadores da

fragilidade da terra apontados pelos agricultores (Cap. 1). A principal cultura do

assentamento é o café, intercalado com feijão, batata-doce, frutíferas, e algumas áreas

com plantio de milho. Na ocasião da pesquisa, das vinte e uma famílias do projeto de

assentamento, dezenove já estavam trabalhando na área, em intensidades diferentes,

conforme a capacidade de trabalho disponível de cada família. Como as famílias ainda

não têm a posse da terra, os membros do grupo doméstico são obrigados a buscar trabalho

em outras propriedades com a finalidade de complementar a renda familiar. Entretanto,

as saídas voltadas para aquisição de renda complementar implicam na diminuição do

tempo de trabalho dedicado às atividades no assentamento.

A área do assentamento Associação Bonsucesso, em Muriaé, possui cerca de vinte

e cinco hectares, divididos entre oito famílias, das quais seis produzem milho e café,

consorciados com feijão, taioba e inhame; três famílias possuem área de pastagem (sendo

que duas possuem apenas pasto); duas plantaram eucalipto, e uma família produz arroz e

tem uma horta. Há diversas nascentes na área, e três áreas de mata, que constituem a

Reserva Legal do assentamento.

Essas duas experiências representam processos de democratização do acesso à

terra importantes para o fortalecimento da agricultura familiar na região, em áreas antes

degradadas pelo manejo convencional de grandes produtores, e que podem agora ser

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recuperadas para a produção de café, alimentos e vida, caso os novos donos optem por

uma forma de manejo mais sustentável.

2.2 Estratificação ambiental

Realizou-se a estratificação ambiental a partir da percepção dos agricultores,

utilizando o solo como o principal estratificador do ambiente (RESENDE et al., 2007).

Para estratificar, os agricultores utilizaram nove indicadores de qualidade de solos, já

apontados por eles em pesquisa (Cap. 1) utilizando metodologias participativas

(BARRIOS et al., 2011). Os indicadores foram: localização no relevo, declividade, cor,

estrutura, umidade, exposição ao sol, pedregosidade, textura e presença de nascentes.

Como referência inicial para a estratificação utilizou-se cópia de uma imagem de

satélite retirada do Google EarthR (Figura 2) com dimensões de 0,9 x 1,2 metros e um

mapa social construído pelos próprios agricultores em pesquisa prévia (Cap. 1).

Figura 2 - Imagens de satélite utilizadas na pesquisa. A) Sítio Oito de Março, Araponga-MG; B) Associação Bonsucesso, Muriaé-MG.

Os agricultores foram divididos em dois grupos, cada um com uma cópia da

imagem, e responderam às perguntas motivadoras presentes no Box 1.

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Box 1 - Perguntas motivadoras feitas aos agricultores para realizar a estratificação ambiental.

1 – Os limites da imagem conferem com os do assentamento? 2 – O que vemos na paisagem? Existem tipos de ambientes diferentes na paisagem? 3 – O que indica que os ambientes são diferentes? 4 – Vocês identificam diferentes tipos de solo nesses ambientes? 5 – Quais as características desses solos? 6 – Como é o uso do solo nesses ambientes?

A partir da problematização realizada com base nestas perguntas, os agricultores

delimitaram na imagem de satélite os diferentes ambientes dos assentamentos, com base

nos indicadores locais supracitados, utilizando caneta hidrográfica de cores variadas. Em

seguida, os dois grupos se reuniram e fizeram uma nova estratificação com elementos de

ambas. Após a estratificação realizada no mapa, agricultores e pesquisadores fizeram uma

visita às áreas para observar as áreas demarcadas e verificar os limites dos ambientes.

Com base nas informações fornecidas pelos agricultores, em interface com a literatura

disponível sobre as pedoformas características da região, foi construída posteriormente

uma chave de identificação de ambientes para cada assentamento, procurando entrelaçar

as informações dos agricultores (MANCIO et al., 2013; CARDOSO e RESENDE, 1996)

com o conhecimento científico sobre os diferentes ambientes da região (CORRÊA, 1984).

A estratificação dos ambientes sobreposta à imagem de satélite foi digitalizada

utilizando os programas GPS TrackmackerR e Google EarthR, no qual foram medidas as

declividades. Para a construção dos mapas foi utilizado o programa ARCGIS 10.3R. Neste

trabalho a fotointerpretação foi utilizada para espacializar a classificação etnopedológica,

sendo que futuramente essa base de dados pode ser usada para fazer uma correlação de

unidades de mapas de solos.

2.3 Avaliação dos ambientes

Os diferentes ambientes estratificados pelos agricultores foram avaliados

utilizando um roteiro adaptado da metodologia proposta por NICHOLLS et al. (2004)

para identificar os níveis de sustentabilidade de agroecossistemas vinícolas. No roteiro

atribuem-se notas de 1 a 10 para cada indicador. A metodologia é rápida e fácil de ser

aplicada a campo e por isto pode ser utilizada pelos agricultores para avaliar e monitorar

a qualidade de seus solos ao longo do tempo, utilizando seus próprios indicadores, através

da análise visual (NIERO et al., 2010; FERREIRA et al., 2009; MACHADO e VIDAL,

2006; NICHOLLS et al., 2004).

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A metodologia foi adaptada incluindo indicadores apresentados pelos

agricultores e mais apropriados à realidade local. Utilizou-se apenas indicadores que

podem ser alterados pelo manejo, pois um dos objetivos é que os agricultores possam

acompanhar mudanças na qualidade de suas terras ao longo dos anos. O questionário

utilizado em Araponga (Quadro 1) diferiu do questionário utilizado em Muriaé, já que os

indicadores apresentados pelos agricultores foram diferentes. No roteiro de Muriaé não

se incluiu a diversidade de plantas, o travamento com raiz de braquiária, o cheiro de

matéria orgânica e o desenvolvimento da lavoura, que não haviam sido citados por eles

em levantamento prévio (Cap. 1). Para avaliar os ambientes, a equipe de pesquisa se

dividiu em quatro grupos. Cada grupo foi composto por dois pesquisadores e dois

agricultores e se dirigiu a um ambiente estratificado para a realização da avaliação.

Devido à quantidade de ambientes ser maior que a de grupos, cada grupo avaliou mais de

um ambiente.

Quadro 1 - Roteiro utilizado em campo, com indicadores apontados pelos agricultores de Araponga. Indicador Variáveis Valor de

referência Diversidade de plantas Presença de apenas um tipo de planta 1

Presença de alguns tipos de plantas 5 Presença de muitos tipos de plantas 10

Cobertura do solo Solo exposto (terra pelada) 1 Menos da metade do solo coberto por resíduos e por cobertura viva (plantas)

5

Todo o solo coberto por resíduos e por cobertura viva (plantas)

10

Cor Claro, branco 1 Marrom, vermelho 5 Marrom escuro, preto 10

Cheiro e matéria orgânica Cheiro químico, sem matéria orgânica 1 Sem cheiro, alguma presença de matéria orgânica 5 Cheiro de matéria fresca, muita matéria orgânica 10

Compactação Solo muito duro 1 Pequena camada dura 5 Terra fofa 10

Capacidade de retenção de água (umidade)

Solo seco, ressecado, não segura água 1 Solo um pouco úmido por pouco tempo 5 Considerável grau de umidade por um certo período de tempo

10

Desenvolvimento da lavoura/cultura

Plantas fracas, amarelas, crescem com dificuldade (não saem bem)

1

Plantas verde-clara, crescimento desuniforme (saem mais ou menos)

5

Plantas fortes, verde escura, crescimento vigoroso (saem muito bem)

10

Atividade microbiológica (solo vivo)

Muito pouca efervescência após aplicação de água oxigenada

1

Efervescência leve a média 5 Efervescência abundante 10

Estrutura Solo solto, poento, sem agregados 1

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Poucos agregados, que se quebram com pouca pressão 5 Terra firme, não poenta, agregados bem formados, difíceis de quebrar

10

Travamento com raiz de braquiária

Solo muito travado, com muita raiz de braquiária 1 Solo com pouca raiz de braquiária 5 Solo sem raiz de braquiária 10

Plantas espontâneas (tipo de mato que sai)

Presença somente de plantas de terra fraca 1

Presença de plantas de terra fraca e de plantas de terra forte

5

Presença somente de plantas de terra forte 10 Macrofauna (Animais do solo - minhocas, cupim, formigas...)

Ausência de animais ou muitos animais de terra fraca 1 Presença de alguns animais 5 Presença abundante de diferentes tipos de animais, principalmente os de terra forte

10

Para analisar o indicador plantas espontâneas, foi lançado ao acaso em cinco

pontos de cada ambiente um bambolê feito de mangueira de 1m2 de área, e observadas as

plantas dentro da área do bambolê, verificando se eram indicadoras de terra forte ou terra

fraca. Este método foi uma adaptação do método do descrito por FÁVERO (2001) para

quantificar plantas espontâneas, que utilizou um quadrado de madeira e não um bambolê.

O bambolê é mais fácil de transportar em campo, pois é flexível e mais leve.

Utilizou-se peróxido de hidrogênio a 3% (água oxigenada 10 volumes) para

avaliar o indicador microrganismos, adicionando cerca de 20 ml em um copo com solo.

A maior efervescência indicou maior atividade biológica (NICHOLLS et al., 2004).

Realizou-se um pré-teste da metodologia com os agricultores, utilizando solo de estrada,

de lavoura e de palha de feijão para que os agricultores pudessem observar previamente

a efervescência dos solos. Em Muriaé, os microrganismos não foram apontados pelos

agricultores como indicadores de qualidade do solo no início, mas após várias conversas

sobre qualidade do solo com os pesquisadores, os agricultores sugeriram a importância

desse indicador, fazendo com que a equipe de pesquisa o inserisse na avaliação.

Para avaliar a macrofauna, um bloco de solo (25x25x20 cm) foi coletado e

observada a abundância visual de organismos no mesmo (AQUINO, 2001). A

compactação foi avaliada com a enxada no momento da amostragem do solo. O solo mais

compactado apresentou maior resistência à penetração da enxada para coleta do bloco de

solos. Durante essa coleta foram também observadas a cor e a estrutura.

Para uma melhor visualização das notas de cada indicador, foram construídos

gráficos do tipo radar, nos quais o solo ideal seria aquele com todas as notas 10, o que,

no gráfico, apresenta todos os pontos ligados à borda (NICHOLLS et al., 2004). Solos

com nota menor ou igual a 5 são considerados por Nicholls et al. (2004) no limite da

sustentabilidade, necessitando de cuidados especiais no manejo. As notas dos indicadores

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foram somadas e em seguida divididas pelo número de indicadores, obtendo assim uma

média para o solo de cada ambiente. Os agroecossistemas, com maiores notas dentro do

grupo - considerados como “faróis agroecológicos” - podem servir de referência de

sustentabilidade a ser alcançado (NICHOLLS et al., 2004). Esta referência é móvel, já

que estes agroecossistemas também vão estar sujeitos a manejos que, a princípio, devem

ser no sentido de melhoria de sua sustentabilidade.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Estratificação ambiental

Os agricultores de Araponga estratificaram a área do Assentamento Sítio Oito de

Março em treze ambientes diferentes: Baixada de cima, Brejo da nascente, Cabeceira do

terreno, Mato morrado, Mato plano, Plano, Pé de morro, Pé de morro de terra poenta,

Pé de morro na beira do brejo, Pé de morro cascalhento, Pé de morro com eucalipto,

Vargem brejada e Vargem seca2 (Figura 3), e a partir das informações sobre os ambientes

fornecidas pelos agricultores, foi construída uma chave de identificação para o Sítio Oito

de Março (Tabela 1).

2 Os nomes das áreas na linguagem dos agricultores aparecerão em itálico ao longo do texto.

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Figura 3 - Estratificação ambiental do Assentamento Oito de Março, Araponga, MG, realizada em conjunto com os agricultores.

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Tabela 1 - Chave de identificação dos diferentes ambientes em Araponga, MG.

Localização na paisagem

Pedoforma Relevo1 Estrutura do hor. A

Textura Ambientes estratificados pelos agricultores2

Classes de solo (SiBCS)

Baixada úmida

Plana Plano - Vargem brejada

Gleissolos Háplicos Neossolos Flúvicos

Baixada seca

Plana Suave-ondulado

- Vargem seca Argissolos

Terço médio/inferior da encosta

Côncava Ondulado

- Brejo da nascente

Argissolos

Forte ondulado

- Pé de morro beira do brejo

Argissolos Cambissolos

Convexa Montanhoso - Com cascalho

Pé de morro cascalhento

Cambissolos

Forte Ondulado

- Pé de morro com eucalipto

Cambissolos latossólicos

Ondulado a Suave Ondulado

Granular de grau fraco (Poenta)

- Pé de morro de terra poenta

Cambissolos latossólicos

- Pé de morro Plano

Cambissolos latossólicos

Terço superior da encosta

Convexa Montanhoso - Mato morrado

Cambissolos latossólicos

Forte-Ondulado

- Cabeceira do terreno

Cambissolos Latossólicos

Topo de morro

Plana/ Ligeiramente convexa

Suave Ondulado a Plano

- Mato plano Baixada de cima

Latossolos

1 – Classes de relevo definidas por EMBRAPA, 1979; 2 - Quando se tratar da denominação utilizada pelos agricultores o texto estará grafado em itálico.

Os agricultores de Muriaé diferenciaram a área da Associação Bonsucesso em

quinze ambientes distintos: Área de café, Baixada, Baixada da reserva, Brejo, Grota

seca, Mato ciliar, Mato da encosta, Morro, Morro a pique, Terra branca, Terra fraca,

Terra massapê, Vargem do arroz, Vargem que atola, Vargem do pasto (Figura 4), e a

partir das informações sobre os ambientes fornecidas pelos agricultores, foi construída

uma chave de identificação para a Associação Bonsucesso (Tabela 2).

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Figura 4 – Estratificação ambiental da Associação Bonsucesso, Muriaé, realizada em conjunto com os agricultores.

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Tabela 2 - Chave de identificação dos diferentes ambientes em Muriaé.

Localização na paisagem

Pedoforma

Relevo Cor Pegajosidade

Ambientes estratificados pelos agricultores

Classe (SiBCS)

Baixada úmida

Plana Plano Escura Vargem do arroz Vargem do pasto

Gleissolos

Pegajosa (barro melequento)

Vargem que atola

Gleissolos

Baixada Seca

Plana Suave ondulado

Clara Escura

Terra branca Mato ciliar

Argissolos Neossolos Flúvicos

Encosta

Côncava Montanhoso

Grota seca

Argissolos

Forte ondulado

Pegajosa (barro melequento)

Brejo

Convexa Montanhoso

Morro a pique

Cambissolos latossólicos

Forte Ondulado

Vermelho-amarelado

Terra Fraca Morro Mato da encosta

Ondulado

Amarela Área de café Baixada da reserva

Latossolos

Pegajosa (Terra ensebada)

Terra massapê

Argissolos

Escura Baixada

Argissolos

Identificaram-se dois macroambientes estratificados com base na localização na

paisagem: baixadas e encostas. As áreas de baixadas, ou fundos de vales (CORRÊA,

1984), são áreas planas ou suavemente onduladas, que podem ser estratificadas em

baixada úmida ou seca conforme Resende et al. (2002). A baixada úmida é formada por

terrenos baixos, planos e mais ou menos planos que se encontram junto às margens dos

rios e lagos, englobando basicamente Gleissolos e Neossolos Flúvicos, originados de

sedimentos de diversas fontes. São ambientes de redução, marcados pela presença de

água, que atribui uma coloração que tende a ser gleizada, devido à redução do ferro ou

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ausência de ferro oxidado (CORRÊA, 1984; CURI et al., 1988). É o leito maior dos rios,

que pode ser dividido em áreas constantemente inundadas e áreas que inundam apenas

por época das enchentes. As áreas constantemente inundadas são denominadas pelos

agricultores de brejos ou vargens (Vargem brejada, Vargem que atola). Estas áreas são

inundadas por época das cheias e devido ao alto teor de argila dos solos e solos sem

estruturas (ainda novos e não se formou o horizonte B) os poros permanecem saturados

com água ao longo do ano, devido à altura do lençol freático. O teor de argila atribui a

alta pegajosidade a esses solos. As áreas mais próximas aos córregos, onde depositam

sedimentos mais grosseiros, drenam mais facilmente, por isto não permanecem inundadas

após as cheias (Vargem do arroz, Vargem do pasto, Mato ciliar) (CORRÊA, 1984;

OLIVEIRA, 2008).

Em Muriaé, as áreas periodicamente inundadas são utilizadas para o cultivo de

arroz. A Vargem do pasto, segundo os agricultores, tem potencial para esse uso também,

embora esteja sendo usada para pastagem. Nas décadas de 1970 e 1980, na região muitas

destas áreas foram drenadas, uniformizadas e utilizadas para o cultivo de arroz. Isto se

deu a partir do incentivo de uma política pública conhecida como Provárzeas, que

incentivou o cultivo de arroz inundado, a partir da “sistematização” das várzeas.

Atualmente poucos agricultores cultivam arroz nestas áreas, mas em Muriaé duas famílias

ainda persistem com esse cultivo, o que hoje é mais exceção que regra. A utilização dessas

áreas para cultivo de arroz utilizando a inundação natural é importante para os agricultores

familiares, uma vez que o arroz faz parte da pauta alimentar, contribuindo para a

segurança alimentar das famílias, em especial porque é cultivado sem o uso de

agrotóxicos. Além isto, o arroz pode ser uma fonte alternativa de renda. Entretanto seu

cultivo é exigente em mão de obra e faltam tecnologias adaptadas às condições dos

agricultores familiares (GOMES, 1986), sendo necessário investimentos em políticas

públicas para seu cultivo na região (FERREIRA e DEL VILLAR, 2004).

As áreas onde ocorrem os solos aluviais (Neossolos Flúvicos) são áreas

intermediárias entre as áreas de baixada úmida e as áreas de baixada seca. Com mais

oxigênio, essas áreas permitem o desenvolvimento de vegetação arbórea, que os

agricultores de Muriaé identificaram como área de “mato”. São, portanto, áreas de

vegetação ciliar, importantes para preservar fisicamente as margens dos cursos d’água,

promover a ciclagem de nutrientes, servir de corredor para a fauna e a flora nativas, e que

são consideradas de preservação permanente pela atual legislação ambiental (CASTRO

et al., 2012; MARTINS, 2014). É importante repensar práticas de preservação dessas

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áreas que possam ser conciliadas com o uso para pequenos agricultores familiares, que

possuem áreas reduzidas para o cultivo e que ficam com o ônus da preservação (FREITAS

et al., 2004; RESENDE et al., 2002), sendo uma alternativa o uso de sistemas

agroflorestais, que procuram imitar a natureza, na medida em que promovem a

conservação da biodiversidade dos agroecossistemas e a proteção dos solos (CASTRO et

al., 2012; FREITAS et al., 2004).

A baixada seca, denominada pelos agricultores de Araponga de Vargem seca e em

Muriaé como Terra branca são os terraços fluviais, próximos aos córregos. Estas áreas

não são mais inundadas e podem apresentar solos de fertilidade natural um pouco melhor

do que as encostas devido ao ambiente conservador dos terraços, pela presença de extratos

argilosos, fruto da deposição de sedimentos (CORRÊA, 1984), ou apresentar baixa

fertilidade devido à lixiviação de nutrientes pela água em período anterior. Estas são áreas

fáceis de manejar pela sua declividade e estão próximas a fontes de água, por isto são

usadas para culturas anuais e pastagem (CORRÊA, 1984; GOMES, 1986).

Em Muriaé, a cor do solo surgiu como critério de identificação dos terraços

fluviais e indica aspectos relacionados à gênese do solo. Devido ao excesso de água e

ausência de oxigênio, ocorre acúmulo de matéria orgânica, causado pela baixa

decomposição realizada pelos organismos anaeróbicos. Ao mesmo tempo ocorre a

redução do ferro que, junto com a matéria orgânica, confere a cor escura ao solo.

Entretanto, o ferro reduzido é móvel e pode ser lixiviado. Neste caso, após drenado, o

solo torna-se de cor clara (“Terra branca”). Isto caracteriza os ambientes hidromórficos

(OLIVEIRA, 2008). No caso dos terraços não há mais inundação, mas todo o processo

descrito acima ocorreu no passado, levando então à desferrificação do ambiente.

Enquanto os ambientes de baixada são ambientes de deposição de sedimentos

(atuais ou no passado) e acúmulo de água, os ambientes das encostas são em sua maioria

ambientes de perdas, que apresentam maior insolação e menor umidade relativa, e solos

em geral bem arejados (CURI Et al., 1988). As áreas das encostas podem ser diferenciadas

em vertentes convexas, íngremes ou côncavas (RESENDE et al., 2002). As vertentes

côncavas são áreas de acúmulo de água presente nas encostas, e são formadas pela erosão

pluvial natural das vertentes convexas, ocasionando as ravinas anfiteátricas, cujo entorno

(borda) é bastante íngreme. Em Araponga, uma destas regiões foi denominada “Brejo da

nascente”. Esta é uma vertente côncava bastante extensa, com afloramento de água,

ladeada pelo “Pé de morro da beira do brejo” (borda da ravina), de declividade mais

acentuada, sendo um ambiente mais instável (FREITAS et al., 2004). Em Muriaé uma

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vertente côncava foi denominada de “Brejo”, por apresentar elevada umidade, e a outra

foi denominada de “Grota seca” (grota é o nome comum para as áreas côncavas), por

não apresentar nascentes. Os agricultores apontaram que não há nascentes nesta grota

devido ao tipo de uso do solo feito na área (pastagem de braquiária), que dificulta a

infiltração da água.

Já as vertentes convexas que, assim como as côncavas variam em comprimento e

declividade, são áreas sujeitas a erosão, em especial laminar, e exportação de água e

nutrientes. A maior parte das áreas dos assentamentos encontra-se em vertentes convexas,

com relevo que varia de ondulado a montanhoso. O relevo é muito importante nessas

áreas, pois além de ser um importante fator de formação de solos, exercendo um papel

controlador, influi na observância de práticas de manejo que busquem reduzir a erosão

desses solos. Quanto maior a declividade, maior deve ser o cuidado do agricultor para

evitar processos erosivos.

Nas vertentes convexas de relevo montanhoso (em Araponga: Mato morrado e Pé

de morro cascalhento; em Muriaé: Morro a pique) a declividade dificulta o trânsito de

animais e dos próprios agricultores, por isto são áreas que ficam em pousio (descanso)

quando possível, mas que muitas vezes são utilizadas pela escassez de outras áreas para

plantio, devendo haver redobrado cuidado para prevenir perdas de solo.

As áreas de relevo forte ondulado (em Araponga: Cabeceira do terreno e Pé de

morro do eucalipto; em Muriaé: Terra fraca, Morro e Mato da encosta) são utilizadas

para cultivo de eucalipto, mata e pastagem. Em Araponga a Cabeceira do terreno está

sendo utilizada para plantio de café. Os agricultores de Muriaé consideraram frágil o solo

de parte destas áreas e os denomina “terra fraca”, “só serve pra eucalipto”. Em Muriaé

o solo de uma das áreas descritas como Terra fraca, e que estava em pousio por época da

pesquisa, estava descoberto, sem cobertura vegetal de regeneração, critério apontado

pelos agricultores como um indicador de “fraqueza” do solo, ou seja, de perda de

qualidade. Essas áreas, mesmo apresentando elevada declividade, não são classificadas

como áreas de preservação permanente pelo código florestal, que estabelece uma

declividade de 45° (BRASIL, 2012).

Em áreas muito acidentadas o relevo suave ondulado chega a ser denominado de

plano pelos agricultores, que consideram essa declividade boa para manejar. Em

Araponga encontram-se os ambientes Pé de morro, Plano e Pé de morro poento, todos

localizados no terço médio inferior da encosta. O Pé de morro poento foi diferenciado

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dos outros dois ambientes pela sua estrutura, pois foi caracterizado como poento3. De

acordo com os agricultores, esse tipo de solo não segura água, e tem a formação de poeira.

O solo firme (oposto ao poento) tem estrutura com grau de desenvolvimento mais forte,

com boa retenção de umidade e é de fácil manejo. A estrutura é uma propriedade que

pode ser alterada pelo manejo, assim o agricultor pode contribuir para estruturar ou

desestruturar os solos, por meio do manejo da matéria orgânica, aração, cobertura do solo,

etc. Assim como em Araponga, agricultores de outras localidades também utilizaram a

estrutura para estratificar ambientes (MATOS et al., 2014; CARDOSO e RESENDE,

1996).

Na área de Muriaé, os ambientes Área de café, Baixada da reserva, Terra massapê

e Baixada, as duas primeiras localizadas ao longo de toda a encosta, as duas últimas no

terço inferior, possuem relevo ondulado. A Terra massapê diferencia-se do ambiente

Baixada pela cor e por ser uma terra “ensebada”, termo utilizado pelos agricultores para

identificar a terra muito argilosa, difícil de trabalhar quando úmida e que trinca quando

seca, típica de solos com argila de alta atividade, com boa capacidade para reter nutrientes

(RESENDE et al., 2007), podendo indicar a presença de Argissolos.

Os topos das encostas são áreas de relevo plano a suave ondulado, que foram

classificadas por Fernandes (2013) como colinas de topo alongado, onde se desenvolvem

Latossolos (CORRÊA, 1984; IPPOLITI et al., 2005). Na área de Araponga, dois

ambientes estratificados localizados na Encosta ocorrem nessas condições (Baixada de

cima e Mato plano), sendo que os dois são contínuos e foram diferenciados pela cobertura

vegetal. Essas são áreas que apresentam solos profundos, pois o relevo em

rejuvenescimento, ainda permanece como resquício de um antigo chapadão presente na

região (CORRÊA, 1984).

Além da estratificação de ambientes apresentada, os agricultores de Muriaé

detalharam os ambientes do assentamento ainda mais. Eles identificaram áreas

denominadas de “Pedregulho vermelho”, em referência à bauxita na fração cascalho de

ocorrência em vários pontos do assentamento. A bauxita é um conjunto de minerais ricos

em alumínio. Estas áreas possuem altos teores de alumínio no complexo de trocas, tóxico

para as plantas. Nessas áreas, os agricultores fazem calagem para neutralizar o alumínio

e plantam café. Outro detalhamento feito por eles foi a identificação de algumas áreas

3 A terra poenta, ou poeirenta, apresenta característica de solos mais velhos e intemperizados, com partículas mais desorganizadas no nível microscópico (Resende et al., 2007). Na região, a terra poenta apresenta estrutura granular de grau de desenvolvimento fraco nos horizontes A e B, típica dos Latossolos da região (Cardoso e Resende, 1996) e encontrada também em Cambissolos com morfologia latossólica estudados por Albuquerque Filho et al., (2008).

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onde existem formigueiros grandes, cuja terra eles utilizam para “curar” feijão, que é feita

por meio da adição dessa terra ao feijão que será armazenado para que este não estrague.

Esta é uma técnica tradicional que merece ser avaliada cientificamente para saber, por

exemplo, quais os componentes da “terra de formigueiro” que são responsáveis pela

preservação dos grãos, o que pode ser utilizada para estratégias ecológicas de

armazenamento de sementes.

A estratificação bastante detalhada dos ambientes comprovou que os agricultores

possuem um acurado mapa mental dos solos e puderam distinguir variações espaciais de

acordo com a pedoforma, cor, umidade, estrutura, vegetação, uso da terra e pedoclima

(BARRERA-BASSOLS et al., 2006). As pedoformas são importantes para as

estratificações científicas, mas o detalhamento, incorporando outros atributos, apenas é

possível em escalas maiores. Escala esta que nem sempre possível em levantamentos

pedológicos, mas possíveis em levantamentos etnopedológicos (BARRERA-BASSOLS

et al., 2006).

Portanto, necessita-se investir em metodologias que consigam identificar a

complexidade do conhecimento local sobre os ambientes e integrá-lo ao conhecimento

científico, por meio de uma análise mais detalhada, o que requer compreensão sobre os

sistemas de classificação das terras utilizados pelos agricultores e sobre a espacialização

e mapeamento dessa classificação. Para isso é preciso ouvir e compreender o que o

agricultor sabe e principalmente como ele expressa esse conhecimento (OUDWATER e

MARTIN, 2003; CORREIA et al., 2007).

3.2 Avaliação da qualidade dos solos

As notas atribuídas pelos agricultores de Araponga e de Muriaé para avaliar a

qualidade do solo dos diversos ambientes estratificados por eles serviram de base para a

elaboração de gráficos tipo radar (Anexo 1), que permitem comparar os indicadores de

cada ambiente. Este tipo de gráfico, quando construído pelo agricultor, pode ser utilizado

para visualizar as mudanças em seu sistema de produção ao longo do tempo. A leitura é

bastante simples: as notas menores localizam-se no centro do gráfico, enquanto as notas

maiores localizam-se nas extremidades. A Figura 5 apresenta as médias das notas

atribuídas aos ambientes e a cada indicador pelos agricultores de Araponga.

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Figura 5 - Médias das notas atribuídas aos indicadores de qualidade do solo dos ambientes estratificados no Sítio Oito de Março, Araponga, MG.

Os ambientes que obtiveram menores notas em Araponga foram o “Pé de morro

poento” (média das notas igual a 4,0), localizado no terço inferior de uma vertente

convexa, de estrutura granular com grau de desenvolvimento fraco (poenta); uma vertente

convexa denominada de “Pé de morro do eucalipto” (média 4,2), área de relevo forte

ondulado, ocupada por pastagem, na face nordeste do terreno, com muita presença de

formigas e que anteriormente estava ocupada com eucalipto; e o ambiente denominado

“Pé de morro” (médiaes 4,7), localizado no terço inferior de uma vertente convexa. Essas

áreas situaram-se abaixo do “limiar da sustentabilidade”, um limite crítico, definido por

Nicholls et al. (2004), que seria a nota 5.

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Os ambientes que receberam maiores notas foram o terço inferior de uma vertente

convexa, denominado “Plano” (média 8,6), área de relevo ondulado, de solo com a

presença do horizonte A escuro e B amarelado, utilizada para cultivo de café, consorciado

com o feijão; uma vertente côncava denominada “Brejo da nascente” (média 8,4), área

bastante úmida, com solo de cor escura, com muita presença de minhocas; e o “Mato

morrado” (média 8,4), área de relevo montanhoso, coberta por vegetação nativa.

No geral, o indicador macrofauna obteve nota média abaixo do limiar (4,5) e em

46% dos ambientes também obtiveram notas inferiores ao limiar, o que pode ter

acontecido pelo fato de a avaliação ter sido feita no mês de abril, com temperaturas baixas

na região, o que interfere na dinâmica da macrofauna, uma vez que esses organismos são

sensíveis a variações de umidade e temperatura (LAVELLE et al., 1997), e também pelo

fato de que os agricultores atribuem grande importância às minhocas, e nos terrenos em

que essas eram vistas em abundância as notas eram elevadas, ao contrário de quando elas

não estavam presentes (ou estavam ocultas nos blocos de solo), mesmo tendo a presença

de outros organismos.

A matéria orgânica apresentou nota média próxima ao limiar (5,8), e em 23% dos

ambientes obtiveram nota inferior ao limiar. Isso pode ser justificado pelo fato de que o

terreno do assentamento apresenta-se bem desgastado pelo manejo feito pelo antigo

proprietário, inclusive tendo sido queimado várias vezes, prática que reduz o teor de

matéria orgânica, e algumas áreas avaliadas tinham sido aradas pouco antes da realização

da pesquisa, deixando a terra descoberta, o que também interfere na dinâmica da matéria

orgânica, pois reduz a biomassa disponível, e consequentemente interfere na macrofauna,

discutida no parágrafo anterior, que não encontra alimento disponível para sua

manutenção e reprodução (BOT e BENITES, 2005).

O fogo afeta também a estrutura, indicador que em cinco ambientes (38%)

apresentou notas abaixo do limiar da sustentabilidade, o mesmo ocorrendo para as plantas

espontâneas, retenção de umidade e atividade biológica (31%), também influenciadas

pela matéria orgânica.

No geral, o solo recebeu boas notas para o indicador cobertura do solo, pois muitas

áreas estão em descanso, cobertas por plantas espontâneas, apresentando notas baixas

apenas nos ambientes Pé de morro e Pé de morro poento, que tinham sido arados alguns

dias antes da pesquisa, prática agrícola que, além de prejudicar a estrutura, deixa o solo

descoberto, mais susceptível à erosão, e afeta os organismos do solo, pois afeta o conteúdo

de água, a temperatura e o teor de resíduos (KLADVIKO, 2001). Nesses ambientes foi

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discutido com os agricultores se a prática não estaria piorando a estrutura, já considerada

fraca, do Pé de morro poento, e eles consideraram que o milho plantado na área que foi

arada apresentou pior desempenho que o que foi plantado sem aração.

Cinco ambientes (38%) obtiveram notas baixas para compactação, sendo áreas

que foram usadas para pastagem ou foram atingidas por fogo, fator que diminui

drasticamente a matéria orgânica do solo e inibe a ação dos organismos benéficos

(GLIESSMAN, 2009). Dessas, duas apresentaram também notas baixas para o indicador

travamento por braquiária (Pé de Morro do eucalipto e Vargem brejada). Desses, a

Vargem brejada apresentou nota baixa para diversidade, por estar coberta por

monocultura de braquiária.

Apenas dois ambientes (15%) tiveram notas baixas para desenvolvimento da

lavoura, sendo que nos ambientes em descanso os agricultores avaliaram o possível

desempenho das culturas, com base nos outros indicadores, e também porque o tempo de

cultivo na área ainda é pouco, e muitos ainda não obtiveram resultados de seus cultivos.

Os resultados dos indicadores apontam que os ambientes do assentamento

possuem bom potencial para o cultivo, pois obtiveram nota em torno de 7 (acima do limiar

da sustentabilidade), exceto para o indicador macrofauna. Os agricultores estão

cultivando nessas áreas há muito pouco tempo, e espera-se que irão ampliar seus

conhecimentos específicos sobre as características dessas áreas e como elas respondem a

determinado manejo. Com isto, esta avaliação ainda pode ser melhorada, pois mesmo que

a nota tenha sido para quase todos os indicadores acima do limiar de sustentabilidade,

muito ainda há por fazer para melhorar a qualidade dos ambientes para alcançar a

sustentabilidade (Fig.6).

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Figura 6 - Médias das notas atribuídas aos indicadores de qualidade do solo dos ambientes na Associação Bonsucesso, Muriaé, MG.

No geral, os ambientes da Associação Bonsucesso em Muriaé foram considerados

de boa qualidade pelos agricultores, sendo que nenhum se situou abaixo do limiar da

sustentabilidade definido por Nicholls et al. (2004). A menor nota (5,3) foi recebida pelo

terço superior de uma vertente convexa de relevo montanhoso (Morro a pique), coberta

por pastagem, e que apresentou dois indicadores abaixo do limiar (plantas espontâneas e

retenção de umidade) e quatro indicadores no limiar da sustentabilidade (macrofauna,

matéria orgânica, atividade microbiológica e estrutura). A maior nota (9,1) foi atribuída

a uma área coberta com vegetação nativa, localizada no terço superior de uma encosta

(Mato da encosta), o que pode ser atribuído a vegetação nativa presente neste ambiente.

Alguns indicadores se situaram no limiar da sustentabilidade para alguns

ambientes, como foi o caso da macrofauna (4 ambientes), compactação, cor, atividade

microbiológica e plantas espontâneas (2 ambientes) e estrutura (1 ambiente). Isto aponta

a necessidade de maior atenção no manejo destes ambientes, procurando melhorar a

qualidade dos mesmos, priorizando um manejo que, em primeiro lugar, aumente os teores

de matéria orgânica, que irá interferir em todos os demais indicadores.

O indicador plantas espontâneas apresentou nota abaixo do limiar da

sustentabilidade em três ambientes (20%), a retenção de umidade e a matéria orgânica

apresentaram em um ambiente cada (7%). As demais notas foram todas superiores a 5.

Os agricultores de Muriaé, assim como os de Araponga, são bastante cuidadosos com

suas terras, não usam agrotóxicos, buscam diversificar seus agroecossistemas,

principalmente os cafezais. Entretanto, utilizam capina manual, em excesso, para tirar as

ervas consideradas “daninhas” no sistema convencional de cultivo, mas que podem ser

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parceiras do agricultor, na medida que indicam o estado de saúde de seus solos, dentre

outros fatores já mencionados. Essa capina que deixa o solo exposto pode estar

influenciando indicadores como a macrofauna, retenção de umidade e matéria orgânica

em algumas áreas.

Para muitos agricultores, capinar para manter o solo “limpo”, é sinal de capricho

do dono da terra. Os agricultores de Muriaé, principalmente os que trabalham

exclusivamente em seus terrenos, ficam todo tempo na área, capinando a lavoura sempre

que possível. Fica a dúvida se quando os agricultores de Araponga ocuparem suas terras,

manterão essa prática, uma vez que em alguns momentos durante a pesquisa, os

agricultores argumentaram que suas áreas estavam “sujas” porque eles só estavam tendo

tempo de trabalhar nelas no final de semana. É aí que entra a importância do trabalho de

incentivo ao manejo agroecológico e da troca de experiências com agricultores

agroecológicos por meio de intercâmbios, pois muitas vezes o agricultor fica receoso de

que a presença abundante de plantas espontâneas comprometa sua produção, e ao

conhecer a experiência de outro agricultor fica mais convencido (CARDOSO e

FERRARI, 2006; ROSSET et al., 2011).

O indicador plantas espontâneas não foi bem discutido nos ambientes cobertos

com vegetação nativa, uma vez que a metodologia utilizada permitia avaliar apenas

plantas de porte herbáceo, e as matas já estavam em avançado estágio de regeneração,

com sombreamento que impede a proliferação dessas plantas, sendo visualizadas

principalmente plântulas de árvores, muitas das quais ou eram desconhecidas, ou não

faziam sentido para os agricultores como indicador qualidade de solo. Isso também pode

ter ocorrido porque essas áreas não têm sido acessadas pelos agricultores por serem áreas

de reserva, de uso proibido, o que reflete o impacto das políticas ambientais sobre o

conhecimento local, uma vez que o conhecimento da biodiversidade presente nas matas

pode ser usado para incrementar os agroecossistemas, servir de recurso para saúde, dentre

outros, mas a restrição ao uso dessas áreas tem dificultado até a transmissão de saberes

sobre a biodiversidade.

A análise visual dos indicadores, conforme prevista pelo método utilizado, foi

comparada às análises físicas e químicas laboratoriais por Niero et al. (2010), que

concluíram haver correspondência entre elas. A análise visual possui algumas vantagens,

tais como ser um método simples, rápido, prático, barato e de campo. Isto facilita o uso

do método pelos agricultores, técnicos de campo e educadores que podem utilizá-lo para

monitorar e avaliar a interferência das mudanças de manejo sobre a qualidade do solo.

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O uso desse método para avaliar a qualidade do solo tem crescido no Brasil. Os

agroecossistemas agroecológicos estudados por Machado et al. (2009) receberam notas

acima de 8,0, o que eles consideram reflexo do manejo dos agroecossistemas. Em

pesquisa realizada em assentamento no Rio Grande do Norte, Arruda et al. (2012)

concluíram que os indicadores que mais penalizaram a média geral foram estrutura,

compactação, organismos, e presença de matéria orgânica. Fernandes et al. (2009) em

estudo com diferentes sistemas de cultivo em Minas Gerais, observaram deficiências na

estruturação dos solos, na atividade biológica e na retenção de água. Fato interessante foi

constatado por Scheiffer et al. (2014), que observaram que apenas 20% dos

agroecossistemas com manejo orgânico no Rio de Janeiro estudados por eles

apresentaram níveis satisfatórios de macrofauna e atividade microbiológica, diferente do

esperado para esse tipo de manejo, fato que deve ser observado, pois muitas vezes o

manejo orgânico é apenas no sentido de substituir insumos, não propiciando melhorias

significativas na vida do solo por não seguir princípios ecológicos em seu manejo, como

o aumento da biodiversidade acima e dentro do solo (ALTIERI, 2002).

Entretanto, por ser bastante específico para cada agroecossistema e grupo de

agricultores, a comparação desses dados deve ser feita com bastante critério, observando

as características dos agroecossistemas e o tipo de manejo empregado. É importante

também investir em métodos para padronizar as avaliações de indicadores, além de

aprofundar na discussão das propriedades do solo, uma vez que a maioria dos trabalhos

pesquisados que utilizaram essa metodologia não discute o porquê das notas, apenas

utilizam as notas como ferramenta para avaliar o manejo dos agroecossistemas.

Este método tem sido utilizado também para avaliar o grau de

vulnerabilidade/resiliência de agroecossistemas às mudanças climáticas (NICHOLLS et

al., 2015), ao identificar indicadores que conferem às propriedades maior ou menor

capacidade de resistir e/ou se readaptar aos eventos climáticos desfavoráveis. Indicadores

de qualidade do solo (como erosão, compactação e estrutura) são associados a outros

indicadores de manejo, como o plantio direto e diversidade de cultivo, possibilitando a

avaliação entre agroecossistemas sob diferentes tipos de manejo, mostrando potencial

para contribuir com a transição agroecológica.

No presente estudo, pelo fato de as avaliações terem sido feitas por grupos

diferentes, pode haver discrepância nas notas. Entretanto, mais do que quantificar os

indicadores, esse método permite o debate sobre os diferentes aspectos da qualidade do

solo e reforça a possibilidade que os agricultores têm de avaliar seus sistemas, atribuindo

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confiança e autonomia em relação a técnicos e laboratórios. Aspecto relevante, pois a

assistência técnica nem sempre chega a tempo, qualidade e quantidade necessários.

Os agricultores desenvolvem indicadores de qualidade do solo, a partir dos quais

tomam decisões sobre a melhor forma de produzir, com pouco ou nenhum uso de

recursos. O que falta é a sistematização desse conhecimento, dando visibilidade aos

saberes não-científicos, que têm ficado fora do debate sobre a qualidade do solo, e que

devem ser valorizados para a construção de estratégias de manejo sustentável dos

agroecossistemas, alternativas ao modelo dominante de agricultura, construindo o que

Santos (2002) chama de “um modelo diferente de racionalidade”.

4. CONCLUSÕES

Os agricultores de Araponga estratificaram a área do Assentamento Sítio Oito de

Março em treze ambientes diferentes e os agricultores de Muriaé diferenciaram a área da

Associação Bonsucesso em quinze ambientes distintos. A partir das informações dos

agricultores foi construída uma chave de identificação de ambientes para cada

assentamento, sendo a localização na paisagem e a pedoforma os principais fatores

utilizados para a estratificação dos ambientes.

A localização na paisagem e as formas do relevo (pedoformas) associadas à

declividade foram importantes para a estratificação dos ambientes nos dois

assentamentos, e são bastante úteis para diferenciar ambientes principalmente em áreas

com heterogeneidade ambiental como a Zona da Mata mineira. No que diz respeito às

pedoformas, a estratificação realizada foi similar às classificações científicas de

ambientes. Entretanto, os agricultores estratificaram os ambientes mais detalhadamente

que as classificações científicas, pois incorporaram atributos do solo apenas possíveis

nessa escala de trabalho, como a estrutura, textura e exposição ao sol.

Na avaliação realizada pelos agricultores, em Araponga, apenas três ambientes

ficaram abaixo do limite considerado como sustentável (nota média inferior a 5,0),

enquanto em Muriaé todos os ambientes tiveram nota média superior a 5,0, indicando o

potencial conservacionista do manejo realizado pelos agricultores. Os agricultores de

Araponga manejam menos intensivamente suas áreas, já que ainda não possuem a posse

das mesmas e continuam trabalhando em outras propriedades.

Entretanto, a cada mudança de manejo essa avaliação pode ser alterada. Isto fica

claro em Muriaé, onde os agricultores manejam suas áreas de forma mais intensiva e as

notas foram melhores do que em Araponga, onde os agricultores manejam com menor

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intensidade. Os próprios agricultores de Araponga afirmam que na medida em que forem

trabalhando a terra, adquirida em estágio de degradação, os indicadores irão melhorar.

O domínio do método de avaliação de agroecossistemas pelos agricultores e suas

posteriores adaptações pode contribuir para o monitoramento da melhoria do manejo dos

agroecossistemas. Este monitoramento pode contribuir com o processo de transição

agroecológica, na medida em que possibilita o acompanhamento das alterações devido ao

manejo do solo utilizando indicadores de qualidade perceptíveis para os agricultores.

A pesquisa contribuiu para a troca de experiências entre agricultores familiares,

pesquisadores, técnicos e estudantes no que se refere aos indicadores de qualidade do solo

e às estratégias de manejo com vistas a melhoria dessa qualidade e fortaleceu também os

vínculos institucionais entre organizações sociais e instituições de ensino, pesquisa e

extensão.

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CAPÍTULO III

INTEGRAÇÃO ENTRE ETNOINDICADORES E INDICADORES

ACADÊMICOS

RESUMO

Este capítulo objetivou integrar os etnoindicadores de qualidade do solo, utilizados por

dois grupos de agricultores da Zona da Mata mineira, com indicadores científicos de

qualidade do solo e com técnicas de manejo para a melhoria da qualidade. Os indicadores

plantas espontâneas indicadoras, diversidade de plantas, diversidade da macrofauna,

densidade de macrofauna indicadora (cupins, minhocas e formigas), acidez,

macronutrientes, matéria orgânica e textura foram selecionados para serem analisados

utilizando metodologia científica. As coletas de amostras para análise foram realizadas

nos ambientes previamente estratificados pelos agricultores. Em muitos casos os

indicadores apontados pelos agricultores coincidiram com os indicadores técnicos de

qualidade do solo, mas em alguns casos suas avaliações foram mais detalhadas porque

utlizaram indicadores mais sensíveis. Por exemplo, os solos de diversas áreas não

apresentaram diferenças quando avaliados a partir da análise química de rotina, mas

quando as plantas espontâneas foram utilizadas para avaliar, tais áreas foram

diferenciadas e estratificadas. A pesquisa mostrou que etnoindicadores e indicadores

técnicos são complementares e ambos são importantes para avaliar a qualidade do solo

com mais precisão.

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1 INTRODUÇÃO

A qualidade do solo é primordial para a sustentabilidade dos agroecossistemas,

uma vez que ele é a base para os cultivos agrícolas, além de prestar serviços

ecossistêmicos importantes. Entretanto, cerca de um quarto das terras agrícolas do mundo

encontram-se degradadas (FAO, 2011), com sua qualidade comprometida para diversos

usos, em especial para a agricultura.

Para avaliar a qualidade do solo normalmente utilizam-se indicadores baseados

em conhecimentos científicos sobre seus atributos (DORAN et al., 1994). Porém, muitos

destes indicadores exigem análises em laboratórios e apresentam resultados de difícil

interpretação, restritos a cientistas ou técnicos. Com isto, o conhecimento dos indicadores

fica distante do universo dos agricultores (HARTEMINCK e MCBRATNEY, 2008) e

deixa de ser apropriado por aqueles que manejam o solo (RAMISCH, 2014; MAIRURA

et al., 2007). Porém esses indicadores podem ser “traduzidos” em linguagem acessível e

divulgados para os agricultores, sendo esse um desafio para a Ciência do Solo

(HARTEMINCK e MCBRATNEY, 2008).

Entretanto, agricultores também possuem conhecimentos detalhados sobre seus

solos e utilizam indicadores para avaliar e monitorar sua qualidade, que aqui se denomina

etnoindicadores de qualidade dos solos. Tais conhecimentos são adquiridos a partir da

experiência cotidiana e observação de seus agroecossistemas, ou repassados de geração a

geração (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015). Os etnoindicadores são em sua

maioria visuais, como as plantas espontâneas, cor e desenvolvimento das plantas

cultivadas (MAIRURA et al., 2007; Cap. 1). A maioria dos cientistas do solo não

reconhece os etnoindicadores e alegam que os mesmos são de difícil universalização

(RAMISH, 2014; SANTOS, 2002). Porém, isto nem sempre é verdade. Por exemplo,

algumas plantas espontâneas são utilizadas em diversas partes do mundo como

indicadoras de qualidade (MAIRURA et al., 2007; BARRIOS et al., 2006; BARRIOS e

TREJO, 2003).

O não reconhecimento dos etnoindicadores e a imposição dos indicadores

científicos, importantes, mas não os únicos, têm justificado a exigência de análises

laboratoriais, como fertilidade e textura, para a obtenção de crédito agrícola, por exemplo,

impondo a superioridade do conhecimento científico, predominantemente quantitativo,

sobre o saber dos agricultores, majoritariamente qualitativo (TOLEDO e BARRERA-

BASSOLS, 2015).

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Ambos os sistemas cognitivos (conhecimento científico e saber local) são

considerados formas parciais e limitadas de se entender o solo (TOLEDO e BARRERA-

BASSOLS, 2015; BARRIOS et al., 2006). Portanto, se o conhecimento científico se unir

ao saber local, os mesmos podem ser úteis para avaliar as ações de manejo realizadas

pelos agricultores e contribuir para a tomada de decisões que promovam a saúde dos solos

e a sustentabilidade dos agroecossistemas (DORAN, 2002; MUCHAGATA e BROWN,

2000; ERICKSEN e ARDON, 2003).

Por isso, para avançar na construção de agroecossistemas mais sustentáveis é

preciso promover o diálogo entre o conhecimento técnico-científico e o conhecimento

local, o que pode também contribuir para a apropriação da ciência pela sociedade. Para

que o diálogo ocorra é preciso predisposição dos pesquisadores para aprender com os

agricultores e para colocar o conhecimento técnico à disposição dos mesmos, conferindo

ao conhecimento científico maior aplicabilidade prática (TOLEDO e BARRERA-

BASSOLS, 2015).

Para promover esse diálogo é necessário que sejam utilizadas metodologias

participativas, no sentido de possibilitar a interlocução dos agentes envolvidos, como as

utilizadas na presente pesquisa, baseadas nos princípios da pesquisa participante

(BRANDÃO e BORGES, 2007), pois abordagens tradicionais de pesquisa, além de não

conseguirem captar as múltiplas facetas do saber local, pouco contribuem para o

desenvolvimento dessas comunidades (BARRERA-BASSOLS et al., 2009).

Este capítulo objetivou integrar os etnoindicadores de qualidade do solo,

utilizados por dois grupos de agricultores da Zona da Mata mineira, com indicadores

científicos de qualidade do solo e com técnicas de manejo para a melhoria da qualidade.

2 METODOLOGIA

2.1 Caracterização da área de estudo

A pesquisa foi realizada com dois grupos de agricultores familiares da Zona da

Mata de Minas Gerais. O primeiro grupo é composto por agricultores que estão

envolvidos em um processo de aquisição de terra pelo Programa Nacional de Crédito

Fundiário no assentamento Sítio Oito de Março, no município de Araponga. O segundo

grupo também é beneficiário do programa, mas os agricultores já detêm a posse da terra

há quatro anos, no assentamento Associação Bonsucesso, distrito rural de Belisário, no

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município de Muriaé. Os dois grupos têm como principal atividade produtiva o plantio

de café (Cap. 1).

As unidades produtivas ocupam áreas de 3,0 hectares em média, em uma região

denominada de “Mares de Morros Florestados” (AB’SABER, 1970), composta por

microambientes distintos, que intercalam elevações, onde predominam Argissolos,

Latossolos e Cambissolos, e fundos de vale, baixadas onde se verificam a presença de

Gleissolos e Neossolos Flúvicos (CORRÊA, 1984; Cap. 2).

Na Zona da Mata mineira predominam as unidades familiares de produção

agrícola e existe uma sólida organização desses agricultores, com uma trajetória de

organizações sindicais e com apoio de organizações técnicas e científicas em um processo

de transição agroecológica, pautado no reconhecimento e respeito do conhecimento dos

agricultores e no uso de metodologias participativas, dentre elas os diagnósticos e

monitoramentos participativos (CARDOSO et al., 2001) e intercâmbios de conhecimento.

2.2 Pesquisa participante

Este trabalho faz parte de uma pesquisa participante realizada com agricultores

familiares sobre indicadores locais de qualidade de solos, em parceria com Sindicatos de

Trabalhadores Rurais (STR) de Araponga, Miradouro e Muriaé; Centro de Estudos

Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata (CEIFAR-ZM); Centro de

Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-MG); Núcleo de Estudos em

Agroecologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de

Minas, campus Muriaé (NEA Muriaé).

A pesquisa participante caracteriza-se pela interação entre pesquisadores e as

comunidades do universo pesquisado, visando sempre uma partilha de saberes (GIL,

1987; BRANDÃO e BORGES, 2007). Em diferentes etapas da pesquisa os agricultores

apontaram indicadores utilizados por eles para avaliar a qualidade de seus solos,

priorizaram os etnoindicadores, estratificaram suas áreas e avaliaram os ambientes

estratificados com base nesses indicadores (Cap. 1).

Os indicadores plantas espontâneas indicadoras, diversidade de plantas,

diversidade da macrofauna, densidade de macrofauna indicadora (cupins, minhocas e

formigas), acidez, macronutrientes, matéria orgânica e textura foram escolhidos para

serem analisados utilizando metodologia científica. A escolha dos indicadores se deu em

função dos seguintes fatores: priorização feita pelos agricultores, possibilidade de realizar

coletas em conjunto com os agricultores durante as etapas de pesquisa participativa,

tempo disponível para a pesquisa, sensibilidade ao manejo, possível interferência de

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determinado indicador sobre outros indicadores e indicadores-chave citados na literatura

(ARSHAD e MARTIN, 2002; NORTCLIFF, 2002; OSBAHR e ALLAN, 2003). As

amostras de material para análise foram realizadas nos ambientes estratificados pelos

agricultores (Cap. 2).

2.2.1 Plantas espontâneas indicadoras e diversidade de plantas

A metodologia utilizada para a avaliação das plantas espontâneas foi adaptada do

método desenvolvido por Braun-Blanquet (1979), que propõe a utilização de um

quadrado de 1 m de lado para realizar levantamento fitossociológico. Ao invés do

quadrado foi utilizado um círculo de borracha (bambolê) com 1m² de área. A escolha do

bambolê se deu devido à maior facilidade de transporte em campo. Em cada ambiente,

lançou-se o bambolê ao acaso cinco vezes, e foram registradas as plantas encontradas em

cada lançamento. Registrou-se o nome da planta e o número de indivíduos. As plantas

foram amostradas e identificadas botanicamente por uma especialista, em nível de espécie

sempre que possível, já que algumas não possuíam estruturas reprodutivas no ato da

coleta, dificultando a identificação. A partir da ocorrência de plantas indicadoras por

parcela foi calculada a frequência relativa de plantas indicadoras de solos de melhor

qualidade (terra forte) e de solos de qualidade inferior (terra fraca) em cada ambiente.

Para avaliar a diversidade de plantas em cada ambiente foi estimado o índice de

Shannon-Wiener (H’), obtido a partir da a riqueza de espécies (S) e do número de

indivíduos de cada espécies em determinada área (N) e o índice de equabilidade de Pielou

(J’), que se refere ao padrão de distribuição dos indivíduos entre as espécies, definido por

J’ = H’/ln S, que pode variar de 0 a 1, sendo que assume o valor 0 quando há apenas uma

espécie e 1 quando todas as espécies presentes têm o mesmo número de indivíduos

(MELLO, 2008).

Não foram avaliados os índices de diversidade de espontâneas para áreas com

vegetação nativa florestal, pois nestes ambientes é natural que a população de plantas

espontâneas seja reduzida, aumentando quando sofrem intervenções antrópicas que

aumentem a incidência de luz solar (BIGHENTI e OLIVEIRA, 2011).

2.2.2 Diversidade de macrofauna e densidade de minhocas, cupins e formigas

Para avaliar a macrofauna foram coletados, nos meses de abril e maio de 2014,

cinco blocos de solo por ambiente, com medidas de 25x25 cm e 20 cm de profundidade,

conforme método TSBF (“Tropical Soil Biology and Fertility”) descrito por Anderson e

Ingram, (1993). Esses blocos foram coletados nos mesmos pontos onde foram amostradas

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as plantas indicadoras e levados para laboratório, onde os organismos com diâmetro do

corpo superior a 2 mm foram contados e identificados em nível de classe ou ordem

(AQUINO, 2006).

Para a avaliação da diversidade de macrofauna foi estimado o índice de Shannon-

Wiener (H’), a partir da riqueza e número de indivíduos dos diferentes grupos

taxonômicos (CORDEIRO et al., 2004) e o índice de equabilidade de Pielou (J’).

A densidade de minhocas, cupins e formigas foi feita a partir da transformação

da média do número de indivíduos encontrados em cada ambiente em número de

indivíduos por metro quadrado (ind./m²). Os valores das densidades de cada ambiente

foram comparados pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade, utilizando o programa

Assistat (SILVA e AZEVEDO, 2002).

2.2.3 Fertilidade e textura

Em cada unidade amostral de plantas espontâneas e macrofauna foram coletadas

também amostras compostas de solo conforme descrito em Santos et al. (2013), e

enviadas para o laboratório de Fertilidade de Solos da UFV para realização de análise

química de rotina, matéria orgânica e textura. Os dados de fertilidade (pH, acidez

potencial, saturação por alumínio, macronutrientes, soma de bases, matéria orgânica,

saturação por bases) foram analisados de acordo com Ribeiro et al. (1999).

2.2.4 Estratégias de manejo da qualidade do solo

Para levantar as técnicas de manejo dos agroecossistemas e seu impacto sobre a

qualidade do solo os agricultores foram divididos em três grupos, e foram feitas as

seguintes perguntas para cada grupo: O que deixa a terra fraca? O que fortalece a terra?

As respostas foram sistematizadas, apresentadas pelos grupos e discutidas por todos os

participantes.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pesquisa conseguiu levantar uma diversidade de saberes dos agricultores em

relação à qualidade do solo e técnicas de manejo. O processo permitiu, além de levantar

etnoindicadores (Tabela 1), discutir formas de se avaliar se as estratégias de manejo

utilizadas pelos agricultores caminham no sentido da sustentabilidade dos

agroecossistemas.

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Pode-se observar que etnoindicadores são sistêmicos, expressam um conjunto de

indicadores técnicos, por exemplo a cor, que expressa matéria orgânica, umidade, óxidos

de ferro, que são também indicadores de qualidade.

Tabela 1 - Indicadores de qualidade do solo apontados por agricultores dos municípios de Araponga e Muriaé, e indicador técnico-científico correspondente.

Etnoindicador Indicador técnico Animais do solo Macrofauna edáfica, densidade de minhocas1 Terra coberta/terra pelada Cobertura do solo1

Desenvolvimento da lavoura Aspecto das plantas; Fertilidade1

Diversidade de plantas Índices de diversidade1

Mato que sai Plantas indicadoras1

Presença de lodo Indicador a ser desvendado pela ciência Solo vivo Biomassa microbiana1

Cheiro de matéria orgânica/ presença de matéria orgânica

Teor de matéria orgânica1

Terra poenta/terra firme Estrutura1 Terra dura/terra fofa Grau de compactação1

Pedregulho vermelho, cascalho Pedregosidade Proximidade de pedra Indicador a ser desvendado pela ciência Terra argilosa/terra arenosa Textura Terra travada com raiz de braquiária Indicador a ser desvendado pela ciência Terra úmida/terra seca Retenção de umidade1

Cor Matéria orgânica1; óxidos de ferro Terreno plano/terreno inclinado Declividade Exposição ao sol Face de exposição ao sol – indicador a ser melhor

estudado pela ciência Baixada/Morro Localização no relevo Profundidade Profundidade Presença de nascentes Presença de nascentes

1 Indicador que pode ser alterado pelo manejo do solo

As duas áreas de pesquisa foram estratificadas pelos agricultores (Cap. 2). A

Tabela 2 apresenta as diferentes unidades de paisagem estratificadas pelos agricultores a

partir de etnoindicadores de qualidade, as respectivas descrições científicas dessas

unidades, o uso atual e siglas referentes a cada unidade. Não houve coleta de material no

ambiente denominado “Vargem que atola” pois na época da pesquisa a área estava

alagada, e nos ambientes “Vargem do pasto” e “Baixada da reserva” porque os

agricultores informaram ser as condições desses ambientes muito semelhantes a outros

ambientes onde já seria realizada a coleta.

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Tabela 2 - Unidades de paisagem (U.P.) estratificadas pelos agricultores de Araponga e Muriaé, baseado em etnoindicadores de qualidade do solo, com nomes científicos e uso atual correrpondentes. Nome local Nome científico Uso atual do solo U.P.

ARAPONGA Vargem brejada Baixada úmida Pastagem abandonada A-BU Vargem seca Baixada seca, Terraço Milho A-BS Brejo da nascente Vertente côncava úmida Descanso

(Regeneração, APP1) A-VCU

Pé de morro beira do brejo

Vertente côncava seca, entorno de uma ravina anfiteátrica

Descanso A-VCS

Pé de morro cascalhento

Terço inferior de vertente convexa cascalhento

Milho A-CAS

Pé de morro do eucalipto

Vertente convexa Pastagem, eucalipto recém cortado

A-EUC

Pé de morro de terra poenta

Terço inferior/médio de vertente convexa, estrutura granular de desenvolvimento fraco

Milho A-POE

Pé de morro (1) Terço inferior de vertente convexa Milho A-TIM Pé de morro (2) Terço inferior de vertente convexa Descanso A-TID Plano Terço inferior de vertente convexa Café A-TIC Mato morrado Terço superior de vertente convexa Vegetação florestal nativa A-TSN Cabeceira Terço superior de vertente convexa Café A-TSC Mato plano Topo de morro Vegetação florestal nativa A-TMN Baixada de cima Topo de morro Descanso A-TMD

MURIAÉ Vargem do arroz Baixada úmida Arroz M-BU Vargem que atola Baixada úmida Preservação - Vargem do pasto Baixada úmida Pastagem - Terra Branca Baixada seca, terraço Pastagem M-BS Mato (1) Baixada alagada periodicamente Vegetação florestal nativa

ciliar M-MC1

Mato (2) Baixada alagada periodicamente Vegetação florestal nativa ciliar

M-MC2

Grota seca Vertente côncava, seca Pastagem M-VCS Brejo Vertente côncava úmida Banana, inhame,

braquiária de brejo M-VCU

Morro a pique Terço superior de vertente convexa, com relevo montanhoso

Pastagem M-TSP

Terra fraca Vertente convexa Pastagem, eucalipto M-EUC Morro Terço médio de vertente convexa Pastagem M-TMP Mato de cima Terço superior de vertente convexa Vegetação florestal nativa M-TSN Área de café (1) Terço médio/superior de vertente

convexa Café M-TSC 1

Área de café (2) Terço médio/superior de vertente convexa

Café M-TSC2

Terra massapê Terço inferior de vertente convexa Café M-TIC Baixada Terço inferior de vertente convexa Pastagem M-TIP Baixada da Reserva

Terço médio inferior de vertente convexa

Pastagem -

Pedregulho vermelho

Área com afloramento de bauxita Café M-BAU

1 Área de Preservação Permanente

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3.1 Diversidade de plantas e plantas espontâneas indicadoras

Em Araponga foram identificadas 80 espécies de plantas espontâneas,

pertencentes a 24 famílias no conjunto de ambientes, sendo Poaceae a família com maior

diversidade de espécies (16), seguida por Asteraceae (13) e Fabaceae (12). Em Muriaé

foram identificadas 57 espécies de plantas, pertencentes a 28 famílias botânicas. As

famílias mais abundantes foram Poaceae (14), Asteraceae (10) e Malvaceae (5).

Poaceae e Asteraceae foram também as famílias de plantas espontâneas mais

abundantes encontradas nas entrelinhas de cafezais orgânicos (MACIEL et al., 2010) e

são estas as famílias com maior número de espécies identificadas como “ervas daninhas”

(SILVA et al., 2007). Na Tabela 3 encontram-se os índices de diversidade para as

diferentes unidades da paisagem em Araponga e Muriaé.

Tabela 3 - Riqueza de espécies (S), número de indivíduos (N), índices de diversidade Shanon-Winer (H’) e equabilidade de Pielou (J’) de plantas espontâneas nas diferentes unidades de paisagem de Araponga e Muriaé, Minas Gerais.

Unidade da paisagem S N H’ J’ ARAPONGA

S Maior que 30 A -VCU 42 682 2,30 0,62 S 16 a 30 A - BS 28 246 2,29 0,69 A-VCS 25 154 2,49 0,78 A-TIC 23 617 2,19 0,70 A-BU 20 144 2,17 0,73 A-TID 20 301 1,86 0,62 A-TSC 19 158 1,80 0,61 S 0 a 15 A-TMD 15 57 2,10 0,78 A-TIM 15 55 2,49 0,91 A-CASC 13 43 2,13 0,83 A-POE 13 64 2,11 0,82 A-EUCA 11 167 1,78 0,74

MURIAÉ S 16 a 30 M-TIC 19 541 2,01 0,68 M-TSC 1 18 449 1,32 0,46 M-EUC 18 268 1,45 0,50 M-BU 17 2030 1,49 0,53 M-TMP 17 213 1,53 0,54 M-TSC 2 15 62 2,00 0,74 S 0 a 15 M-TIP 13 209 1,56 0,61 M-TSP 13 131 1,45 0,57 M-VCU 11 147 1,64 0,69 M-VCS 10 89 1,26 0,54 M-BAU 7 64 1,19 0,61 M-BS 5 87 0,58 0,36

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A riqueza de espécies variou de 5 a 42, o índice de Shannon de 0,58 a 2,49 e o de

Pielou de 0,36 a 0,91. No total foram contabilizados 6.827 indivíduos. Os valores do

índice de Shannon obtidos são semelhantes aos obtidos por Silva et al. (2006) para

diversidade de espontâneas em cafezais sombreados, e superiores aos de Lima et al.,

(2011) em cultivo orgânico de banana.

Em geral, as unidades que apresentaram as maiores riquezas de espécies foram

aquelas com maior umidade natural (baixadas e vertentes côncavas). Os maiores índices

de Shannon foram obtidos também em áreas mais úmidas. Isto pode ser explicado pelo

fato de que a presença de umidade possibilita o estabelecimento de uma maior gama de

espécies vegetais, por diminuir o stress hídrico, fator ambiental limitante, pois a água

desempenha diversas funções nas plantas (KERBAUY, 2004; WRIGHT, 1992) e

diferentes gradientes de umidade proporcionam diferentes ambientes, que por sua vez

oferecem diferentes condições para o desenvolvimento das plantas (RODRIGUES e

GANDOLFI, 2004).

Os valores de riqueza, diversidade e equabilidade em Araponga foram superiores

aos de Muriaé. Uma justificativa possível é que em Araponga diversas áreas se encontram

em pousio ou em início de cultivo, considerando que a intervenção antrópica tende a

diminuir a diversidade de plantas espontâneas (BIGHENTI e OLIVEIRA, 2011).

Em Araponga, o maior índice de Pielou (0,91), que representa o equilíbrio da

distribuição das espécies e tem relação com o índice de diversidade, ocorreu em A-TIM,

terço inferior de encosta, cultivado com milho. O ambiente A-TI foi estratificado em dois

(A-TIM e A-TID) para realizar as coletas, devido aos diferentes usos do solo, o que,

segundo os agricultores (e também segundo as orientações científicas), poderia interferir

nos resultados, o que de fato ocorreu, com os ambientes apresentando diferentes índices

de diversidade de plantas. O ambiente A-TID, em descanso, apresentou maior número de

espécies, e maior número de indivíduos, mas apresentou dominância de poucas espécies,

representada pelo índice de Pielou (0,62). Na medida em que foi sendo cultivado,

condições como pH e umidade podem ter sido alteradas, diminuindo a riqueza de

espécies, o que é natural em ambientes cultivados, mas aumentando a igualdade de

distribuição, o que é verificado pelo índice de equabilidade (0,91) de A-TIM.

Os ambientes com maiores índices de diversidade e equabilidade em Muriaé

foram áreas de cultivo de café, áreas que os agricultores dispensam maiores cuidados

produtivos para elevar a fertilidade dos solos (como calagem e adubação química), o que

pode ter interferido na diversidade de plantas. Entretanto, há pesquisas que indicam

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relação inversamente proporcional entre fertilidade do solo e diversidade de espécies em

ambientes tropicais (NADEAU e SULLIVAN, 2015), indicando que esse aspecto deve

ser melhor estudado.

A área com menor índice de diversidade para plantas espontâneas em Muriaé foi

a M-BS, área de terraço, cuja cor branca indica que o ferro foi lixiviado e junto com eles

os nutrientes (RESENDE et al., 2007), o que pode ter contribuído para a baixa

diversidade. Essa área apresentou também menores valores para riqueza, número de

indivíduos e equabilidade.

A diversidade de plantas espontâneas presente na maioria dos ambientes

estudados contribui para a saúde dos agroecossistemas, pois elas são importantes para os

solos, por aumentar a ciclagem de nutrientes, diminuir a erosão por manterem o solo

coberto, melhorar a estrutura física e química do solo, aumentar a atividade microbiana e

por serem pioneiras na sucessão vegetal, preparando o terreno para vegetação mais

exigente (PEREIRA e MELO, 2008; FÁVERO, 2000; TAGUAS et al., 2015). Estudos

realizados em cafezais com vegetação espontânea nas entrelinhas apresentaram melhorias

na qualidade física e química dos solos, enquanto os sem vegetação espontânea

apresentaram sinais de degradação (CARMO et al., 2011).

Entretanto, se mal manejadas, em agroecossistemas em desequilíbrio, podem

competir com as culturas de interesse, e por esse motivo foram “batizadas” de plantas

daninhas, que ocorrem onde não são desejadas e apresentam características para se

desenvolver em condições adversas, como rusticidade, resistência a pragas e doenças e

produção de grande quantidade de sementes (BRIGHENTI e OLIVEIRA, 2011).

A maior diversidade de plantas espontâneas significa também maior abundância

de insetos polinizadores e de organismos para o controle biológico (CRUZ et al., 2013;

LETOURNEAU e ALTIERI, 1999). Estas plantas podem oferecer alimentos para insetos

ou servir de habitat para os predadores (REZENDE et al., 2014; REZENDE, 2010;

ALTIERI, 1993). Muitos cientistas já sinalizam o potencial de redução do uso de

herbicidas nas lavouras a partir do manejo das plantas espontâneas (NASCIMENTO,

2015).

Maiores investimentos em pesquisas sobre as interações entre plantas espontâneas

e demais organismos do agroecossistema são necessários (LETOURNEAU et al., 2001).

O que elas indicam? Como se comportam? Como contribuem? O que prejudicam?

Integrar o saber científico com o conhecimento dos agricultores pode ser de grande valia

para apontar caminhos a seguir, já que essas plantas são etnoindicadores importantes.

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É preciso ir além da diversidade, e conhecer as espécies presentes dentro dessa

diversidade, pois elas podem indicar saúde ou degradação dos solos. A Tabela 4 apresenta

as plantas espontâneas utilizadas pelos agricultores de Araponga e Muriaé como

indicadoras de qualidade do solo.

Tabela 4 - Plantas espontâneas utilizadas pelos agricultores como indicadoras de qualidade do solo, em Araponga e Muriaé, MG. Nome comum Família Nome científico Araponga Muriaé

TERRA FORTE Caruru de porco Amarantaceae Amaranthus viridis X X João Leite Asclepiadaceae Asclepias curassavica L. X Almeirão de cabrito Asteraceae Hypochaeris sp. X Assa peixe Vernonia polyantes X X Cambará Vernonia sp X X Capiçoba Erechtites valerianifolius X X Mentrasto Ageratum conyzoides X X Picão Bidens pilosa X X Falsa Serralha Emilia coccínea X X Voadeira Conyza bonariensis X Mentruz Brassicaceae Coronopus didymus X Capoeraba/trapoeraba Commelinaceae Commelina difusa X X Rebenta pedra Euphorbiaceae Phillanthus sp X Macaé Labiatae Leonurus sibirucus X Cordão de frade Leonotis nepetaefolia X Carrapicho Malvaceae Triumfetta semitriloba X X Vassoura preta Sida acuta X Vassoura mata-purga Sida sp. X Capim gordura roxo Poaceae Melinis minutiflora X X Capim pé de galinha Eleusine indica X Marmelada Brachiaria plantaginea X X Capoeira branca Solanaceae Sollanum mauritianum X Juá Solanum palinacanthum X Mal-me-quer Verbenaceae Lantana camara X

TERRA FRACA Aroeira Anacardiaceae Schinus terebinthifolius X Alecrim Asteraceae Baccharis dracunculifolia X Candeia branca Gochinatia polimorpha X Carrapichinho Galinsoga sp. X Carrapichinho carneiro Acanthospermum australe X Meloso n.i. Asteraceae X Carrapichinho Fabaceae Desmodium sp. Cipó de são João Bignoniaceae Pyrostegia venusta X Canela de velho Malvaceae Sida sp. X Vassoura branca Sida glaziovii X X Capim cabelo de sapo Poaceae Dactyloctenium aegyptium X Capim seda Cynodon dactylon X Grama de burro Paspalum notatum X Mulambo Rhynchelytrum repens X Rabo de burro Andropogon bicornis X X Raposa Setaria viridis X Sapé Imperata brasiliensis X X Samambaia Pteridaceae Pteridium aquilinum X X Fruta de lobo Solanaceae Solanum grandiflorum X Fel da terra Verbenaceae Verbena sp. X Anil - n.i. X Capim mumbeca - n.i. X Lavoredo - n.i. X n.i. – Não identificado botanicamente

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Muitos autores, ao estudarem as plantas espontâneas, apenas realizam

levantamentos fitossociológicos, muitas vezes com o interesse de “controlar” essas

plantas e não ressaltam o papel das mesmas como bioindicador (FERREIRA et al., 2014).

Outros as identificam e até as relacionam com o saber dos agricultores, mas não se

aprofundam. A pesquisa aqui realizada foi além e relacionou as plantas utilizadas como

etnoindicadores com o ambiente de ocorrência das mesmas, quantificando-as e

relacionando-as às análises de solo. Na Tabela 5 encontra-se a frequência relativa das

espécies de plantas espontâneas indicadoras de qualidade do solo.

Tabela 5 - Frequência relativa, em percentagem, de plantas indicadoras de qualidade do solo presentes nas unidades de paisagem de Araponga e Muriaé. Planta indicadora Frequência relativa Planta indicadora Frequência relativa

TERRA FORTE ARAPONGA MURIAÉ

Ageratum conyzoides 23,8 Ageratum conyzoides 55,2 Phillanthus sp 17,6 Commelina sp 17,0 Leonorus sibirucus 14,8 Emilia sp 7,5 Melinis multiflora 14,6 Bidens pilosa 7,0 Bidens pilosa 8,1 Phillantus sp 6,9 Emilia sp 5,6 Melinis minutiflora 3,2 Commelina difusa 3,4 Sida sp(2) 2,1 Sida acuta 3,6 Sida acuta 1,4 Brachiaria plantaginea 2,2 Hypochaeris sp 0,6 Triumfetta semitriloba 1,7 Conyza bonariensis 0,2 Asclepias curassavica L. 1,1 Vernonia polyantes 0,2 Sonchus oleraceus 0,9 Brachiaria plantaginea 0,1 Hypochaeris sp. 0,6 Eleusine indica 0,1 Lantana camara 0,6 Vernonia polyantes 0,6 Coronopus didymus 0,4 Solanum palinacanthum 0,4 Eleusine indica 0,2

TERRA FRACA ARAPONGA MURIAÉ

Imperata brasiliensis 37,8 Pteridum aquilinun 57,2 Rhynchelytrum repens 24,9 Rhynchelytrum repens 12,4 Sida glaziovii 10,1 Andropogon bicornis 10,3 Acanthospermum australe 9,9 Sida sp 7,1 Pteridium aquilinum 8,6 n.i. Asteraceae 6,5 Setaris viridis 2,7 Sida glaziovii 5,0 Andropogon bicornis 1,9 Vernonia chamaedrys 0,6 Sida rhombifolia 1,8 Acanthospermum australe 0,3 n.i. (meloso) 1,2 Desmodium adscendens 0,3 n.i. (anil) 0,9 Verbena sp 0,3 n.i.(mumbeca) 0,1 Paspalum notatum 0,1

Algumas espécies levantadas em Araponga e Muriaé (Tabela 4) foram também

identificadas como indicadoras de qualidade do solo por diversos autores em outros locais

(PRIMAVESI, 2011; MAIRURA et al., 2007; BARRIOS et al., 2006), o que sugere um

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caráter de certa forma cosmopolita dessas plantas e do saber local a elas relacionados,

uma vez que foram citadas por agricultores de diversas regiões do Brasil e do mundo.

A espécie mais abundante indicadora de solo de melhor qualidade (terra forte) foi

Ageratum conyzoides (mentrasto), que é considerada uma das principais plantas

espontâneas em cultivos anuais e perenes (EKELEME et al, 2005). Em trabalho realizado

com agricultores no Quênia, Mairura et al. (2007) encontraram Ageratum conyzoides,

Emilia sp. (falsa serralha), Rhychelitrum repens (capim mulambo) e Pteridium aquilinum

(samambaia) apontados como etnoindicadores de baixa fertilidade, e Commelina difusa

(capoeraba) e Bidens pilosa (picão) como indicadores de solo com qualidade. As

informações prestadas pelos agricultores de Araponga e Muriaé divergiram das

observações apresentadas por Mairura et al. (2007) no que se refere a A. conyzoides e

Emilia sp., mas convergiram com as informações de Barrios e Trejo, (2003) e Barrios et

al. (2006) em pesquisa com agricultores da América Latina e África.

Em Araponga, a planta indicadora de solo de qualidade inferior de maior

abundância foi Imperata brasiliensis (sapé) e em Muriaé foi P. aquilinum. I. brasiliensis

é característico de terras ácidas (LORENZI, 1991) e era muito utilizado para cobertura de

construções, devido à consistência de suas folhas (BRIGHENTI e OLIVEIRA, 2011). O

aumento dessa planta tem preocupado agricultores africanos estudados por Wezel (2000),

pois indica a perda de qualidade de seus solos.

Rhynchelitrum repens e Andropogon bicornis (capim rabo-de-burro) também são

abundantes em solos ácidos (Primavesi, 2011), portanto a alta incidência dessas plantas

indica acidez dos solos das áreas pesquisadas, e também elevados teores de alumínio, já

que ambientes ácidos tendem a apresentar maiores teores de alumínio tóxico, o que

justifica a incidência de P. aquilinium, que indica elevados teores de alumínio

(PRIMAVESI, 1992). As plantas indicadoras de acidez possuem mecanismos de

adaptação ou preferência pelas condições que o pH baixo propicia, como a

disponibilização de íons tóxicos às plantas (Mn2+, Fe2+ e Al3+) (FURTINI NETO et al.,

2001) e também o deslocamento do cálcio pelo H+. A abundância de Acanthospermum

australe (carrapichinho carneiro), indica deficiência de cálcio no solo (PRIMAVESI,

2011).

Segundo Filipov e Slonovshi (2007) plantas do mesmo gênero podem ter

comportamentos diferentes e se adaptam a solos diferentes. Por exemplo, nesta pesquisa,

Sida acuta (vassoura preta) indica solo de melhor qualidade e Sida glaziovii (vassoura

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branca) de qualidade inferior, o que justifica a identificação em nível de espécie das

plantas indicadoras.

As plantas espontâneas muitas vezes são indesejadas pelos agricultores

convencionais. Por exemplo, o picão (B. pilosa) é indesejado no manejo convencional,

de reduzida agrobiodiversidade, pela sua grande facilidade de dispersão e por ser

hospedeiro de nematoides do gênero Meloydogine (FONTES e SCHIRATSUCHI, 2005),

responsáveis por galhas e podridões nas raízes das plantas, prejudicando seu

desenvolvimento (AGRIOS, 1997). Por outro lado, é uma planta cuja presença agrada os

agricultores familiares que participaram dessa pesquisa, por indicar a qualidade de suas

terras. Durante a pesquisa um agricultor, procurando animar o outro que estava no início

do manejo de sua área e procurando controlar a samambaia em seu terreno, disse: “ano

que vem isso aqui é puro picão”, em uma referência clara à planta como indicadora de

recuperação dos solos. Essa planta possui grande potencial para absorção e ciclagem de

macronutrientes (MELO et al., 2015) e se bem manejada não compete com as culturas de

interesse.

B. pilosa também é bastante eficiente em extrair água do solo, devido à sua baixa

relação parte aérea/raiz na fase inicial de desenvolvimento da planta, que faz com que

desenvolva raízes fortes, capazes de explorar o solo a procura de água (PROCÓPIO et

al., 2004), o que leva a inferir que manter as plantas espontâneas por meio de manejo

adequado pode ser uma estratégia para aumentar a resiliência dos agroecossistemas à

seca, fenômeno que recentemente passou a ser motivo de preocupação dos agricultores

da região de estudo.

Além de indicadoras de qualidade do solo, as plantas espontâneas encontradas

podem também ser fontes opcionais de vitaminas e sais minerais, enriquecendo o cardápio

dos agricultores, e também utilizadas como plantas medicinais, devido aos seus princípios

ativos. Emilia sp é considerada hortaliça não-convencional (LORENZI, 2014), e B.

pilosa, Vernonia polyanthes (assa´peixe) e Phillantus sp (quebra-pedra) são utilizadas na

medicina popular. S. glaziovii e V. polyanthes apresentam também potencial melífero

(BRIGHENTI e OLIVEIRA, 2011).

Manter a diversidade de plantas é também manter todo o conhecimento existente

sobre seus usos e manejo, que constituem complexos biológico-culturais, construídos a

partir da interação entre as sociedades humanas e a natureza (ALTIERI, 1993; TOLEDO

e BARRERA-BASSOLS, 2015). A distribuição das plantas indicadoras (Figuras 1 e 2)

apresentou diferença conforme os ambientes estratificados pelos agricultores.

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Em Araponga (Figura 1), a maior parte dos ambientes apresentou frequência de

plantas indicadoras de solo com melhor qualidade abaixo de 50% o que pode indicar baixa

fertilidade desses solos. A área que apresentou maior frequência de plantas espontâneas

indicadoras de solo com qualidade foi A-BS (98,2%), área de terraço, considerado um

ambiente conservador, capaz de reter maior umidade e nutrientes (CORRÊA, 1984) e a

que apresentou maior frequência de plantas indicadoras de “terra fraca” foi A-EUC, área

bastante declivosa, ocupada por pastagem abandonada e eucaliptal. Na região é comum

áreas de baixa fertilidade serem destinadas ao cultivo de eucalipto, sendo comum a frase

“não serve pra nada, só pra eucalipto”, que é uma cultura menos exigente em nutrientes,

e que se adapta a solos ácidos e com altos teores de alumínio trocável (RIBEIRO et al.,

1999). Tem-se também entre os agricultores a desconfiança de que o eucalipto degrada o

solo e seca as águas, o que faz com que seu cultivo seja realizado em áreas marginais,

para que áreas de melhor qualidade não sejam degradadas por essa cultura.

O ambiente A-TID, terço inferior de uma encosta, em descanso, apresentou 56,7%

de plantas indicadoras de solo de qualidade inferior enquanto o ambiente similar que está

sendo cultivado com milho (A-TIM) apresentou 82,6%. Mesmo A-TID tendo apresentado

maior diversidade de espécies, essas espécies são indicadoras de solo de qualidade

inferior, talvez decorrente da aração, realizada na área pouco tempo antes da amostragem,

já que esta prática altera o teor de umidade, aeração e temperatura do solo (KLADVIKO,

2001), o que pode interferir na dinâmica das plantas espontâneas.

Figura 1 - Distribuição das plantas indicadoras de qualidade do solo nos diversos ambientes do Sítio Oito de Março em Araponga, MG.

Em Muriaé (Figura 2), os ambientes apresentaram frequência de plantas

indicadoras de terra forte superior a 50%. As áreas que apresentaram maior frequência de

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plantas indicadoras de terra forte foram M-BU e M-VCS (100%), áreas de baixada úmida

e vertente côncava, ambas áreas de acúmulo de água e potencialmente de nutrientes

(CORRÊA, 1984; REZENDE, 2007), e M-TSC (1) (97,55%) e M-TIC (97,3%). Desses

ambientes, apenas M-VCS, ravina anfiteátrica, não é área de cultivo, mas de pastagem.

Portanto, a alta incidência de plantas indicadoras de solo de qualidade reflete a boa

fertilidade natural dessa área, considerada área de acúmulo de água e nutrientes

(CORRÊA, 1984). A frequência de plantas indicadoras de solo com qualidade nas demais

áreas que estão sendo utilizadas com café e arroz também indica um bom manejo feito

pelos agricultores.

Figura 2 - Distribuição das plantas indicadoras de qualidade do solo nos diversos ambientes da Associação Bonsucesso, Muriaé, MG.

As áreas M-TIP, M-EUC e M-TSP são utilizadas com pastagem, normalmente

degradadas, o que pode ser confirmado pela incidência de plantas indicadoras de solo de

qualidade inferior. A M-BS apresentou 100% das plantas indicadoras de terra fraca. Esta

é uma área de baixa fertilidade natural, devido ao processo de desferrificação sofrido, e

também é utilizada para pastagem. Espécies como S. glaziovii, A. australe e D.

adscendens, encontradas nessas áreas também foram encontradas em pastagens

degradadas no leste de Minas Gerais (FERREIRA et al., 2014).

Os dados dessa pesquisa permitem inferir que o manejo do solo interfere

diretamente na dinâmica das plantas espontâneas. O tipo de manejo empregado pode levar

à ocorrência de plantas indicadora de solos com maior qualidade ou com alguma limitação

(acidez, compactação, etc.), uma vez que ambientes com características semelhantes

apresentaram valores diferentes de distribuição das plantas (Figuras 1 e 2).

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A mudança nas práticas culturais altera as características físico-químicas do solo,

então espécies menos adaptadas a essas novas características tendem a desaparecer, dando

lugar a outras, mais adaptadas à nova situação (BRIGHENTI e OLIVEIRA, 2011).

Práticas como a aração alteram a temperatura e a umidade do solo, que alteram a

população das plantas espontâneas, como o Amaranthus sp, planta indicadora de solo de

boa qualidade, que é prejudicado ela aração e favorecido por práticas de plantio direto

(ORYOKOT et al., 1997). Portanto, se esse levantamento for realizado novamente os

dados provavelmente serão outros, devido ao manejo empregado nas áreas.

Silva et al. (2006) avaliaram que áreas sombreadas apresentavam maior

frequência de plantas aqui consideradas indicadoras de solo de melhor qualidade, como

B. pilosa, Amaranthus sp, Commelina sp., do que áreas a pleno sol, que apresentavam

maior frequência de monocotiledôneas, como R. repens, aqui considerada indicadora de

solos de menor qualidade.

A tentativa de suprimir por completo as plantas espontâneas tem tomado bastante

tempo e recursos dos agricultores (WEZEL, 2000). Tendo em vista seu potencial como

etnoindicadores e para contribuir para a melhoria dos solos, é interessante se pensar em

uma gestão integrada dessas plantas, ao invés de eliminá-las, que pode ser feita por meio

de roçada seletiva ao invés de capina, por exemplo. Essas soluções devem ser construídas

com os agricultores para facilitar o manejo dos agroecossistemas e aproveitar o potencial

das plantas espontâneas para incrementar os teores de nutrientes, prevenir a erosão,

auxiliar no controle de organismos prejudiciais aos cultivos, dentre outros benefícios.

3.2 Diversidade de macrofauna e densidade de organismos indicadores

Em Araponga foram registrados 12 grupos taxonômicos, com densidade média de

1.440,4 indivíduos/m² e em Muriaé foram registrados 14 níveis taxonômicos, com

densidade média de 1.062,2 indivíduos/m². O número de grupos encontrados está em

consonância com os registrados por diversos autores para áreas agrícolas localizadas no

bioma Mata Atlântica (AQUINO et al., 2008; CORREIA et al., 2003; PIMENTEL et al.,

2006).

Nas duas áreas estudadas o nível taxonômico mais abundante foi a ordem Isoptera

(cupins), seguido por Annelideae/Oligochaeta (minhocas) e Hymenoptera/Formicidae

(formigas). Resultado semelhante foi encontrado em estudos para analisar densidade de

macrofauna edáfica sob diferentes tipos de manejo do solo (AQUINO et al., 2006; LIMA

et al., 2010). Essas três ordens são denominadas por Lavelle et al. (1997) de “engenheiros

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do ecossistema”, pois sua intensa atividade auxilia na construção da estrutura do solo.

Também são utilizadas pelos agricultores como indicadores de qualidade (Cap. 1).

O hábito de cupins e formigas de formar colônias interfere na abundância relativa

de suas ordens, pois uma única colônia de cupins, por exemplo, pode conter centenas de

indivíduos, localizados em uma única amostra. Por isso, utilizar índices que associem

riqueza de espécies (S), número de indivíduos (N), diversidade (H’) e equabilidade (J’) é

importante, pois a biodiversidade tem mais relevância que a abundância de uma única

espécie (BARRIOS et al., 2007). A Tabela 6 traz os índices de diversidade para a

macrofauna edáfica em Araponga e Muriaé.

Tabela 6 - Índices ecológicos relativos à macrofauna do solo na profundidade de 20 cm, em diferentes ambientes dos assentamentos em Araponga e Muriaé.

Ambiente S N H’ J’ ARAPONGA

N >1000 A-VCS 8 1827 0,45 0,22 N 500 a 1000 A-VCU 7 613 1,01 0,52 N 100 a 500 A-EUC 8 329 1,23 0,59 A-TSC 8 235 0,94 0,45 A-BU 8 232 0,95 0,46 A-TMN 5 195 0,69 0,43 A-BS 5 164 0,44 0,27 A-TSN 8 158 0,99 0,48 A-TIC 6 143 0,72 0,40 A-CAS 6 140 0,55 0,31 A-TMD 5 129 1,03 0,64 N< 100 A-POE 5 99 0,86 0,53 A-TIM 5 60 0,64 0,40 A-TID 6 17 1,50 0,83 MURIAÉ N>1000 M-TMP 5 1069 0,85 0,52 N 500 A 1000 M-TSN 7 803 0,20 0,10 N 100 A 500 M-TIP 5 473 0,79 0,49 M-EUC 6 456 1,16 0,65 M-MC2 8 343 0,96 0,46 M-TSC2 4 311 0,54 0,39 M-VCS 5 305 0,81 0,50 M-TSP 9 282 1,18 0,54 M-VCU 9 269 0,98 0,45 M-TIC 7 190 1,35 0,69 M-MC1 9 183 1,21 0,55 M-BS 5 117 0,94 0,58 N<100 M-TSC1 7 99 1,10 0,56 M-BAU 2 47 0,29 0,42 M-BU 3 12 0,72 0,66

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115

O índice de Shannon variou de 0,20 a 1,5 e o de Pielou de 0,10 a 0,83. A maioria

dos índices de diversidade está abaixo de 1,0 e os de equabilidade abaixo de 0,5. Mesmo

em áreas com alto número de indivíduos os índices são baixos, sugerindo a dominância

de uma espécie sobre as outras. Esses dados são semelhantes aos obtidos por Klenk,

(2010) em áreas de pastagem, nas quais o índice de Shannon variou de 0,78 a 1,1 e o de

Pielou ficou em torno de 0,4 a 0,5 ao longo do ano e os de Menezes et al. (2009), que

avaliaram áreas de pastagem e de vegetação florestal em diferentes estágios de

regeneração.

A época de coleta também pode interferir na diversidade e na composição da

macrofauna edáfica, entretanto não há consenso se maiores diversidades ocorrem em

épocas secas ou chuvosas. Menezes et al. (2009) encontraram maiores diversidades e

densidades em épocas mais secas enquanto para Lima et al, (2010) maiores densidades

ocorreram em época chuvosa. Estudos apontam que a densidade e a diversidade da

macrofauna respondem à biomassa e tipo de cobertura vegetal (LAOSSI et al., 2008).

A diversidade da macrofauna edáfica é importante para garantir o equilíbrio do

agroecossistema, visto que cada táxon desempenha um papel específico para o

funcionamento do solo (AQUINO, 2006). Os índices de diversidade devem ser utilizados

com cautela, uma vez que por atribuírem maior peso à riqueza de espécies podem

mascarar a abundância de organismos, que é importante para a dinâmica do solo. Por

exemplo, os ambientes A-VCS (vertente côncava seca, sob descanso) e A-EUC (vertente

convexa com pastagem e eucalipto cortado) apresentaram 8 espécies cada, mas A-EUC,

com 327 indivíduos, obteve índice de Shannon igual a 1,23, enquanto A-VCS, com 1800

indivíduos, obteve 0,47. Esse índice deve ser relacionado também às espécies que

ocorrem no local, se são indicadoras de solos de boa ou má qualidade.

É importante conhecer quais grupos estão presentes na macrofauna, pois cada um

desempenha um papel dentro do solo e podem ser indicadores de sua qualidade

(JOUQUET et al., 2006). Agricultores apontaram as minhocas como indicadoras de solo

de melhor qualidade e cupins e formigas como indicadores de solo de pior qualidade

(Cap. 1). Esses grupos atendem aos critérios para bioindicadores, pois ocupam nichos

especializados, ocorrem em altos números, são de fácil amostragem e apresentam adultos

facilmente identificáveis (LOUZADA e ZANETTI, 2013). A tabela 7 apresenta os dados

referentes a esses três grupos taxonômicos nas diferentes unidades de paisagem em

Araponga e Muriaé.

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Houve maior quantidade de cupins em 34,5% dos ambientes, entretanto não houve

diferença significativa da densidade de cupins entre as áreas. Isso pode ter acontecido

porque os cupins de solo formam colônias e pode acontecer de uma única amostra coletar

essa colônia com centenas de indivíduos, mas que não representa a totalidade da área,

manifestando efeito de aleatoriedade. Os dados de densidade encontrados para cupins

estão de acordo com os encontrados por Correia et al., (2003) em áreas em descanso.

Acredita-se que os cupins considerados pelos agricultores como indicadores de

terra fraca pertençam ao grupo de cupins de montículo, que aparecem em solos mais

degradados, especialmente em pastagens (AQUINO et al., 2008; VALÉRIO, 2006). Os

cupins aqui levantados constroem ninhos crípticos subterrâneos e degradam a matéria

orgânica do solo (CONSTANTINO, 1998). A identificação das espécies de cupins, que

não foi realizada nesta pesquisa, é importante ao se utilizar cupins como bioindicadores

(VASCONCELLOS, 2010).

Em relação à diversidade de formigas não foi possível estabelecer um padrão de

distribuição entre as unidades da paisagem. Isto pode ter acontecido pelo mesmo motivo

de aleatoriedade que ocorreu com os cupins, ou também porque as formigas podem

indicar solos de boa ou má qualidade, depende da sua dominância, que ocorreu em

ambientes como MUR-EUC.

Tabela 7 - Densidade (indivíduos/m²) de cupins, formigas e minhocas nos diferentes ambientes dos assentamentos estudados em Araponga e Muriaé.

Unidade Cupins Formigas Minhocas ARAPONGA

A-BU 28,8a 124,8b 534,4a A-BS 0a 41,6b 467,2a A-VCU 1.216,0a 281,6a 425,6a A-VCS 5.209,6a 300,8a 288,0a A-CAS 44,8a 384,0a 6,4c A-EUC 502,4a 316,8a 172,8b A-POE 3,2a 35,2b 227,2a A-TIM 0a 0b 160,0b A-TID 6,4a 6,4b 25,6c A-TIC 374,4a 25,6b 35,2c A-TSN 348,8a 44,8b 83,2b A-TSC 544,0a 86,4b 86,4b A-TMN 492,8a 16,0b 96,0b A-TMD 172,8a 28,8b 198,4a

MURIAÉ M-BU 0a 0b 28,8b M-BS 48a 28,8b 265,6a M-MC1 227,2a 19,2b 268,8a M-MC2 713,6a 38,4b 291,2a M-VCS 0a 12,8b 348,8a M-VCU 57,6a 73,6a 620,8a M-TSP 524,8a 217,6b 96b M-EUC 489,6a 636,8b 297,6a M-TMP 2505,6a 483,2b 332,8a

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M-TSN 2.486,4a 25,6b 19,2b M-TSC1 6,4a 137,3b 147,2b M-TSC2 796,8a 0 188,8b M-TIC 92,8a 246,4a 214,4b M-TIP 1.001,6a 54,4b 454,4a M-BAU 0a 12,8b 137,6b

As médias seguidas pela mesma letra na vertical não diferem estatisticamente entre si. Foi aplicado o Teste de Scott-Knott ao nível de 5% de probabilidade. Em relação à densidade de minhocas, no geral as áreas que apresentaram maiores

densidades estão entre as áreas consideradas de boa qualidade pelos agricultores, como

as vertentes côncavas e as baixadas (Cap. 2). Uma área que é exceção é a MUR-EUC,

denominada localmente de “Terra fraca”, mas que durante a pesquisa de campo um

agricultor se surpreendeu com a quantidade de minhocas na área, afirmando que: “ sabe

que essa terra até que não tá tão fraca nada? Tá dando isca pra daná” (S.R.A., 38 anos,

masc.), se referindo às minhocas encontradas. Os valores de densidade de minhocas são

na maioria superiores aos encontrados por Souza (2010) em diferentes sistemas de manejo

de solos na região durante período de chuvas.

Dos ambientes estudados, 58,6% apresentaram maior quantidade de minhocas em

comparação a cupins e formigas. Isso é bastante positivo, já que as minhocas são

consideradas indicadoras de boa qualidade do solo por agricultores em diversas partes do

mundo (LIMA et al., 2010; ZUÑIGA et al., 2013; Cap. 1) e exercem funções importantes,

como a aeração do solo e transformação da matéria orgânica, contribuindo para o

crescimento das plantas e para a diversidade da comunidade do solo (DECAËNS et al.,

2003; FIUZA et al., 2012; MENEZES et al., 2009). A umidade pode ser um fator que

explique a maior densidade nesses ambientes, já que as minhocas se adaptam bem em

lugares mais úmidos. Outro fator a ser levado em conta é o teor de matéria orgânica,

elevado na maioria dos ambientes estudados.

Os dois ambientes em Muriaé com menor densidade de minhocas foram a área de

mata MUR-TSN, provavelmente devido ao alto teor de alumínio, e a baixada úmida

MUR-BU, porque a coleta ocorreu após uma intensa chuva, que deixou os poros do solo

alagados, afastando as minhocas da superfície.

Os ambientes MUR-VCS e MUR-EUC estão cobertos com pastagem de

braquiária e apresentaram elevadas densidades de minhoca, superior às áreas cultivadas

com lavoura. Esse fato corrobora com a afirmação de Silva et al. (2006), de que pode

haver de 3 a 4 vezes mais minhocas em pastagens do que em lavouras, devido ao aporte

de matéria orgânica e manutenção da cobertura do solo (MENEZES et al., 2009), uma

vez que as minhocas se relacionam positivamente com a umidade do solo e o total de

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carbono orgânico (ZAGATTO, 2014). Esse fato deve ser observado com cautela, pois por

mais que a pastagem de braquiária seja positiva para a população de minhocas, quando

mal manejada contribui negativamente para outros indicadores de qualidade, como

compactação, retenção de umidade e travamento do solo, como observado no capítulo 2.

A integração entre o conhecimento científico e o saber local sobre a macrofauna

edáfica pode ser importante para elaborar programas de manejo da biodiversidade que

ajudem a diminuir os impactos negativos da agricultura sobre o solo (BARRERA-

BASSOLS et al., 2008; SANDOR e FURBEE, 1996; ZUNIGA et al., 2013). Muitas vezes

os agricultores só percebem a macrofauna edáfica no momento de preparar o solo para

cultivo, e ainda há poucos estudos etnopedológicos sobre os processos que ocorrem

abaixo do solo (ORTIZ et al., 1999), pouca importância ainda é dada ao conhecimento

dos agricultores sobre os animais do solo e suas funções e muito menos sobre a

conservação dessa biodiversidade (GROSSMAN, 2003; BIRANG et al., 2003).

Entretanto, as percepções locais podem ser o ponto de partida para estudos da

macrofauna edáfica, conjugado com o conhecimento científico especializado, para

construir atitudes positivas em relação ao papel desempenhado por esses organismos em

processos e funções do solo, e estratégias de manejo de agroecossistemas que beneficiem

esses organismos.

3.3 Fertilidade e textura

Os solos das duas áreas estudadas foram classificados na análise textural como

argilosos ou muito argilosos. As análises químicas (Tabela 8) indicam que os solos

estudados possuem as características típicas dos solos tropicais, que são solos com baixo

teor de P disponível, lixiviados, ácidos, e com altos teores de alumínio. Sanchez e Logan

(1992) afirmam que 25 % dos solos tropicais e subtropicais possuem baixo teor de fósforo

disponível, sendo que nos trópicos úmidos, 64% dos solos tem baixa reserva de nutrientes,

56% apresentam toxidez por alumínio; 18% elevada acidez sem toxidez; 37% alta fixação

de fósforo por óxidos de ferro e 11% baixa CTC. Mas é preciso ressignificar o

entendimento das características dos solos tropicais, que são sempre subvalorizadas, pois

são avaliadas sob a ótica utilizada para solos de regiões temperadas (CARDOSO et al.,

s.d.; PRIMAVESI, 2002).

Em Araponga os solos se apresentaram em geral com elevada acidez (93,3 % com

pH baixo ou muito baixo); 40 % com saturação por alumínio de alta a muito alta, o que

indica haver problemas com toxidez por alumínio; 100% apresentaram teor de fósforo de

baixo a muito baixo; 60 % soma de bases de baixo a muito baixo; CTC efetiva 40% baixo

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e 60 % médio, mas elevada CTC potencial (100% bom a muito bom); 100% apresentaram

saturação por bases baixo ou muito baixo e 100% apresentaram matéria orgânica de bom

a muito bom.

Os solos de Muriaé apresentaram pH baixo a muito baixo (86,7%); 73,3%

saturação por alumínio de alta a muito alta; 100% com fósforo baixo a muito baixo; 80%

com soma de bases baixo a muito baixo; 66,7% CTC efetiva baixa; CTC potencial 86,7%

de bom a muito bom; 93,3% apresentaram saturação por bases de baixo a muito baixo, e

80% apresentaram teor de matéria orgânica de bom a muito bom.

Tabela 8 – Resultados da análise química das amostras de solos coletadas nas unidades de paisagem em Araponga e Muriaé Unidade pH Al 3+ H+Al m MO P SB t T V cmolc/dm3 % dag/kg mg/dm3 cmolc/dm3 %

ARAPONGA

A-BU 4,87 0,8 7,4 36,4 7,68 1,4 1,4 2,2 8,8 15,9 A-BS 5,24 0,4 7,9 9,9 6,4 2,0 3,64 4,04 11,54 31,5 A-VCU 4,66 1,3 10,4 56,5 5,76 1,3 1 2,3 11,4 8,8 A-VCS 4,99 1,3 10,4 48 4,8 1,4 1,41 2,71 11,81 11,9 A-CAS 5,31 0,3 8,9 9,5 5,12 1,7 2,87 3,17 11,77 24,4 A-EUC 4,76 1,3 10,9 80,7 7,04 1,2 0,31 1,61 11,21 2,8 A-POE 4,8 1,3 12,2 56,8 7,36 3,4 0,99 2,29 13,19 7,5 A-TID 5,51 0,7 8,7 17,9 5,44 1,3 3,21 3,91 11,91 27 A-TIM 4,46 1,7 10,6 67,2 5,44 2,1 0,83 2,53 11,43 7,3 A-TIC 5,31 1,1 9,1 59,1 5,44 1,3 0,76 1,86 9,86 7,7 A-TSN 4,83 1,0 12,5 32,8 7,04 1,8 2,05 3,05 14,55 14,1 A-TSC 5,17 0,4 9,6 19,6 7,16 1,9 1,64 2,04 11,24 14,6 A-TMN 4,17 2,1 16,8 80,5 11,83 1,9 0,51 2,61 17,31 2,9 A-TMD 5,25 1,1 10,7 27,4 7,36 1,3 2,91 4,01 13,61 21,4

MURIAE M-BU 4,79 1,2 6,3 56,9 3,71 3,4 0,91 2,11 7,21 12,6 M-BS 4,97 1,3 7,4 75,6 3,97 2,5 0,42 1,72 7,82 5,4 M-MC1 4,05 1,9 9,9 79,8 5,63 2,2 0,48 2,38 10,38 4,6 M-MC2 4,34 1,6 14,4 71,1 13,43 6,8 0,65 2,25 15,05 4,3 M-VCS 4,23 0,9 7,9 48,9 4,86 3,5 0,94 1,84 8,84 10,6 M-VCU 4,97 1,1 8,9 53,7 12,15 5 0,95 2,05 9,85 9,6 M-TSP 4,47 0,9 8,4 77,6 4,48 2,5 0,26 1,16 8,66 3 M-EUC 4,4 0,9 8,4 69,8 4,73 1,9 0,39 1,29 8,79 4,4 M-TMP 4,48 0,9 8,4 64,7 4,86 2,2 0,49 1,39 8,89 5,5 M-TSN 4,24 2,1 14,2 86,4 7,04 3,2 0,33 2,43 14,53 2,3 M-TSC 1 5,71 0 3,8 0 4,09 3,6 5,42 5,42 9,22 58,8 M-TSC 2 4,65 1,3 8,7 69,5 4,61 2,8 0,57 1,87 9,27 6,1 M-TIP 4,64 1,3 8,1 69,1 4,86 5,7 0,58 1,88 8,68 6,7 M-TIC 4,86 0,4 5,9 15,4 3,84 2,3 2,2 2,6 8,1 27,2 M-BAU 5,67 0,1 7,9 2,1 6,72 4,5 4,73 4,83 12,63 37,5

O elevado teor de alumínio, presente em boa parte dos solos analisados, é

considerado um fator limitante para a agricultura, pois afeta o crescimento das raízes das

plantas, pois pode causar toxidez, prejudicando a absorção de nutrientes e água, e é mais

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preocupante em culturas anuais (FERREIRA et al., 2006). De qualquer forma, neste caso,

práticas vegetativas para ciclagem de nutrientes e manejo da matéria orgânica devem ser

incentivadas com o objetivo de diminuir o teor de alumínio trocável e até mesmo a

calagem pode ser recomendada. Há estudos que apontam que o uso de adubação verde

com feijão guandu (Cajanus cajan) pode reduzir o teor de alumínio trocável no solo

(MELOTTO, 2011), sendo uma alternativa interessante para essas áreas. Os agricultores

realizam calagem nessas áreas para neutralizar o alumínio.

O ambiente M-TSN, coberto por vegetação nativa, apresentou elevada saturação

por alumínio, o que foi justificado pelos agricultores pelo fato de que essa foi uma área

de prospecção de bauxita, que inverte os horizontes do solo e expõe o alumínio.

Entretanto, ambientes de mata podem sim apresentar naturalmente altos teores de

alumínio trocável (BARRETO et al., 2006; FEITOSA, 2004).

Os ambientes de mata das áreas de estudo estão em regeneração. São ambientes

que sofreram muita influência antrópica (cultivos, pastagem, extração de minério, fogo,

etc.) portanto não podem servir de “testemunhas”, pois há áreas cultivadas, com melhores

resultados de fertilidade do que as áreas de mata. Um exemplo é M-TSC (1) e M-BAU,

que também foram áreas de prospecção de bauxita, mas foram manejadas para o cultivo

de café, com realização de calagem recente, de acordo com o proprietário da área, tanto

que apresentaram teores de alumínio 0 e 0,1, contrastando com os teores elevados das

outras áreas.

É preciso compreender que a análise química é um elemento para avaliar as

condições de um solo, mas não o único nem o mais importante (PETERSEN e

ALMEIDA, 2006). Integrado ao conhecimento local, ela pode sinalizar mudanças a serem

realizadas no manejo dos agroecossistemas. Exemplo disso é que não houve grandes

diferenças nas análises químicas das áreas, porém os agricultores as diferenciaram

utilizando uma análise mais detalhada e refinada, considerando diferentes atributos do

solo. Isso demonstra que esses parâmetros químicos são limitados para expressar a

potencialidade desses solos.

Os valores das análises químicas são relativos e podem ser modificados pelos

agricultores. Esse tipo de análise de solos possui limitações em expressar realmente o

ambiente de maneira que seja útil ao agricultor. Pode ser útil como uma avaliação inicial,

mas é limitado para acompanhar a evolução dos cultivos.

Os dados de fertilidade apontam para a necessidade de estratégias de manejo que

elevem o pH e reduzam os teores de alumínio, para que os solos atinjam seu pleno

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potencial produtivo, já que os dados de CTC potencial se apresentaram elevados.

Entretanto, pela avaliação feita pelos agricultores, muitos dos solos considerados de má

qualidade pela análise química foram considerados de boa qualidade por eles. A Tabela

9 traz uma síntese dos dados das análises dos indicadores técnicos juntamente com as

notas atribuídas pelos agricultores aos diferentes ambientes (Cap. 2). Foram escolhidos

para compor essa tabela os indicadores plantas indicadoras de solo de boa qualidade (%),

diversidade de plantas espontâneas (H’), equabilidade da macrofauna (J’), densidade de

minhocas, acidez potencial (Al3+) e CTC efetiva (t).

Tabela 9 - Indicadores de qualidade do solo e notas atribuídas aos ambientes pelos agricultores de Araponga e Muriaé.

Unidade Plantas indicadoras

H’ J’ Densidade de

Minhocas

Al 3+ t Notas dos agricultores

ARAPONGA A-BU 30,0 2,17 0,46 Alta Médio Baixo 6,3 A-BS 98,2 2,29 0,27 Alta Baixo Médio 6,8 A-VCU 17,3 2,30 0,52 Alta Alto Baixo 8,4 A-VCS 34,4 2,49 0,22 Alta Baixo Médio 6,3 A-CAS 50,0 2,13 0,31 Baixa Baixo Médio 5,9 A-EUC 10,4 1,78 0,59 Média Alto Baixo 4,2 A-POE 21,9 2,11 0,53 Alta Alto Baixo 4,0 A-TID 43,3 1,86 0,83 Baixa Alto Médio 4,7 A-TIM 17,4 2,49 0,40 Média Médio Médio 4,7 A-TIC 59,0 2,19 0,40 Baixa Alto Baixo 8,6 A-TSN n.a. n.a. 0,48 Média Médio Médio 8,4 A-TSC 15,7 1,8 0,45 Média M.alto Baixo 6,8 A-TMN n.a. n.a. 0,43 Média M.alto Médio 7,8 A-TMD 22,9 2,10 0,64 Alta Alto Médio 5,6

MURIAÉ M-BU 100 1,49 0,66 Média Alto Baixo 7,9 M-BS 0 0,58 0,58 Alta Alto Baixo 7,9 M-MC1 n.a. n.a. 0,55 Alta Alto Médio 8,0 M-MC2 n.a. n.a. 0,46 Alta Alto Baixo 8,3 M-VCS 100 1,26 0,5 Alta Médio Baixo 8,1 M-VCU 37,5 1,64 0,45 Alta Alto Baixo 8,3 M-TSP 3,17 1,45 0,54 Média Médio Baixo 8,1 M-EUC 12,13 1,45 0,65 Alta Médio Baixo 7,3 M-TMP 51,85 1,53 0,52 Alta Médio Baixo 6,4 M-TSN n.a. n.a. 0,10 Média M.alto Médio 9,1 M-TSC 1 97,55 1,32 0,56 Média M.baixo Bom 7,3 M-TSC 2 85,71 2,0 0,39 Média Alto Baixo 8,2 M-TIP 26,47 1,56 0,49 Média Alto Baixo 7,9 M-TIC 97,3 2,01 0,69 Alta Baixo Médio 7,4 M-BAU 48,39 1,19 0,42 Média Baixo Bom 6,9

n.a. não avaliado

Pode-se observar que não há um padrão de avaliação entre os indicadores. Para a

mesma unidade de paisagem, alguns indicam solo de boa qualidade, outros solos de baixa

qualidade. É interessante analisar diversos indicadores, para se ampliar ao máximo a

compreensão da qualidade dos solos, e é primordial que essa avaliação seja feita mais

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122

localmente, devido à diversidade dos solos tropicais, e isso só será possível com a

integração entre cientistas do solo e agricultores.

3.4 Estratégias de manejo

Boas estratégias de manejo agrícola são essenciais para garantir a qualidade do

solo. O Box 1 apresenta as práticas de manejo que os agricultores apontaram como

prejudiciais ou benéficas para o solo.

Box 1 – Práticas de manejo prejudiciais e benéficas ao solo, de acordo com os agricultores de Araponga e Muriaé.

O que leva a perda de qualidade do solo (deixa a terra fraca)?

O que aumenta a qualidade do solo (deixa a terra forte)?

Máquinas e trator Usar fogo Capinar o mato Usar veneno (agrotóxico) Desmatar Falta de cobertura Adubo químico em excesso Monocultura Erosão Excesso de calcário Aração Plantio de eucalipto próximo a outras culturas Muito vento Drenar a várzea Falta de árvore

Esterco (animal e vegetal) Plantar leguminosa Cobertura vegetal Incorporar matéria orgânica (esterco vegetal e animal) Plantar árvores Adubação verde utilizando leguminosas e a vegetação espontânea Caixa de contenção para água Curva de nível Calcário Urina de vaca Super magro Uso de microrganismos eficientes (EM) Não usar agrotóxico Húmus

É possível observar que as práticas que os agricultores apontaram como

prejudiciais ao solo são na sua maioria práticas do manejo convencional, como uso de

máquinas, agrotóxicos, monocultura e excesso de adubos químicos (GLIESSMAN, 2009)

e que as práticas que beneficiam os solos são as práticas estimuladas pela proposta de

manejo agroecológico dos solos, que busca otimizar o uso dos recursos locais disponíveis,

minimizar as perdas nos agroecossistemas, otimizar as condições do solo, diversificar as

espécies dentro dos agroecossistemas, buscando favorecer as interações biológicas

benéficas e sinergias entre os componentes da agrobiodiversidade (ALTIERI, 2012;

BARRIOS et al., 2011).

Isso mostra que os agricultores possuem consciência do que deve ser feito para

manter ou melhorar a qualidade do solo. Entretanto, muitos ainda realizam práticas

consideradas prejudiciais, como a capina do terreno em excesso. Isto talvez tenha origem

no processo de modernização da agricultura que introduziu no campo a falsa ideia de que

as plantas espontâneas são inimigas e devem ser exterminadas, assim como os organismos

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da macrofauna do solo e também insetos, considerados pragas perigosas priorizando a

uniformidade dos agroecossistemas (KHATOUNIAN, 2001). Mas um aspecto positivo é

que a maioria dos agricultores que participaram da pesquisa são contra o uso de

herbicidas, por considerarem perigoso para sua saúde e do ambiente, dizendo que “o

roundup que a a gente usa é a enxada” (S.J.A., 38 anos, masc).

Tradicionalmente os sistemas agrícolas possuem elevado grau de biodiversidade

e os agricultores ainda possuem muito dos conhecimentos do manejo e da dinâmica destes

agroecossistemas, como foi observado nessa pesquisa, e estes devem ser identificados,

reconhecidos e valorizados, para contribuir na construção de estratégias de manejo do

solo adaptadas à realidade ecológica e socioeconômica dos agricultores (ALTIERI,

1993). Para que a transição agroecológica aconteça é necessário romper a dualidade entre

saber local e saber cientifico, valorizando a diversidade de saberes (GREEN, 2008).

Além disso, técnicas e tecnologias reconhecidas como agroecológicas podem ser

incentivadas e socializadas com os agricultores, como sistemas agroflorestais,

compostagem, produção e uso de biofertilizantes e o manejo da vegetação espontânea.

As plantas espontâneas ciclam nutrientes, protegem os solos, contribuem para o controle

biológico e para a polinização (FÁVERO, 2000). Portanto, os agricultores podem ser

estimulados a roçar e deixar os nutrientes incorporarem no solo, utilizando as plantas a

seu favor.

Há diversos trabalhos que apontam os benefícios do manejo agroecológico para o

agroecossistema, sem perdas de produtividade, como alegam os defensores do manejo

convencional. Para obter esses benefícios, agricultores devem priorizar práticas que

aumentem a quantidade e a diversidade de organismos acima e dentro do solo, através da

melhoria da biodiversidade funcional nos agroecossistemas, promovendo sinergias para

fortalecer os processos agrícolas, já que inimigos naturais não se desenvolvem bem em

monoculturas (LETOURNEAU e ALTIERI, 1999; NICHOLS e ALTIERI, 2007),

reconstruindo habitats para artrópodes benéficos, que prestam serviços ambientais,

utilizando plantas nativas que promovam essa interação (ISAACS, et al., 2009).

Agroecossistemas orgânicos apresentam melhores indicadores (C org, N total, pH,

densidade, capacidade de retenção de água), devido à diversidade de cultivos (espacial e

temporal), uso de fertilizantes orgânicos, menor uso de aração, etc. (LIEBIG e DORAN,

1999; MARINARI et al., 2005), o que indica uma possibilidade de manejos dos solos

mais sustentável.

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4 CONCLUSÕES

A avaliação dos solos realizada pelos agricultores utilizando etnoindicadores

mostrou-se mais detalhada que a avaliação feita pelos cientistas.

Os agricultores reconhecem, na maioria das vezes, a importância dos

etnoindicadores para avaliação da qualidade do solo, mas na hora de decidir sobre o tipo

de manejo a ser feito, tomam como referência principalmente os indicadores técnicos, em

especial aqueles constantes da análise química de rotina do solo. Isto leva a adoção de

estratégias de manejo convencionais, como por exemplo, a adubação química. A

sistematização e o reconhecimento dos etnoindicadores contribuíram para restabelecer a

confinça dos agricultores em seus próprios conhecimentos, e espera-se que isto reverta

em tomadas de decisão e avaliação as estratégias de manejo que apontem para a melhoria

da qualidade dos agroecossistemas.

Mais estudos precisam ser realizados para se compreender a lógica dos

etnoindicadores de qualidade do solo à luz da metodologia científica. Esse processo tende

a agregar valor ao conhecimento gerado pela Ciência do Solo, em especial se esses

estudos forem realizados em parceria com os agricultores, atribuindo ao conhecimento

científico maior aplicação prática.

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CAPÍTULO IV

DESVENDANDO OS SEGREDOS DA ANÁLISE DE SOLO: TROCA DE

EXPERIÊNCIAS COM AGRICULTORES FAMILIARES

RESUMO

A análise química de rotina é um instrumento unanimemente utilizado por técnicos para

avaliar a qualidade dos solos. Entretanto, os agricultores, principais interessados em seus

resultados, na maior parte das vezes não compreendem seu conteúdo, apenas seguem as

recomendações técnicas. O objetivo deste capítulo foi identificar e aprofundar a

percepção dos agricultores sobre a análise química como um indicador de qualidade do

solo. Para isto procurou-se articular o conhecimento científico sobre análise química com

o saber local sobre fertilidade dos solos. A atividade foi realizada com dois grupos de

agricultores familiares da Zona da Mata de Minas Gerais. A análise química foi o ponto

de partida para uma discussão sobre formação de solo e manejo integrado da fertilidade,

com ênfase nas práticas agroecológicas de manejo do solo, que compreendem a fertilidade

do solo de forma holística e não apenas como um balanço de nutrientes presentes no solo.

O processo de troca de conhecimentos entre técnicos e agricultores foi imensamente rico,

com todos aprendendo e ensinando e contribuiu para ressignificar a análise do solo, a

partir da realidade local.

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1 INTRODUÇÃO

A análise química de rotina é a forma mais utilizada por técnicos para diagnosticar

a fertilidade de determinado solo. Frequentemente o técnico solicita ao agricultor que

colete amostras de solos e envie a um laboratório. Em muitos casos o próprio técnico

encaminha as amostras. De posse do resultado, o técnico recomenda os corretivos e

fertilizantes, a serem comprados pelo agricultor. Este procedimento, obrigatório para que

agricultores acessem políticas públicas como o PRONAF, não contribui para o

entendimento da fertilidade do solo pelos agricultores.

Ao contrário, este entendimento pode ser melhorado se a análise de solo for

compreendida pelos agricultores familiares, a partir da compreensão dos fatores e

processos de formação de solos, dos nutrientes necessários às plantas e do manejo

integrado da fertilidade dos solos, e os cientistas podem contribuir com esse entendimento

(TITONELL et al., 2008). Desvelar as informações contidas em uma análise química de

solos foi uma demanda dos próprios agricultores envolvidos nesta pesquisa, pois para eles

é importante conhecer melhor o solo para melhor manejá-lo, e eles acreditam que a análise

química pode ser uma importante ferramenta para isso. Essa crença advém da relação que

têm com agrônomos e técnicos agrícolas, que utilizam a análise química como única

forma de avaliar os solos.

É preciso fazer conjuntamente, agricultores e cientistas, a reflexão de que a análise

química traz indicadores de qualidade do solo, mas não pode ser o único instrumento a

ser utilizado na avaliação da qualidade dos solos (PETERSEN e ALMEIDA, 2006). O

objetivo desta pesquisa foi identificar e aprofundar a percepção dos agricultores sobre a

análise química como um indicador de qualidade do solo. Para isto procurou-se articular

o conhecimento científico sobre análise química com o saber local sobre fertilidade dos

solos.

2 METODOLOGIA

A atividade foi realizada com dois grupos de agricultores familiares da Zona da

Mata de Minas Gerais. O primeiro grupo é composto por 21 famílias de agricultores que

estão envolvidos em um processo de aquisição de terra pelo Programa Nacional de

Crédito Fundiário no município de Araponga. O segundo grupo também é beneficiário

do programa, mas os agricultores (oito famílias) já detêm a posse da terra há quatro anos,

no município de Muriaé. Ambos os grupos têm como principal atividade produtiva o

plantio de café.

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O primeiro passo foi explicar técnica de se coletar o solo para análise em campo

(MONTE SERRAT e OLIVEIRA, 2006). Foram abordados aspectos como a

profundidade da coleta, número de amostras simples para montar uma amostra composta,

homogeneidade das áreas de coleta, embalagem correta para armazenar a amostra, etc. e

foi realizada uma atividade prática de coleta de amostras de solo com os agricultores

(Figura 1).

Figura 1 - Prática de coleta de amostras de solo, realizada junto com agricultores.

Para ampliar as informações e percepções dos agricultores sobre os processos de

formação dos solos, realizou-se uma pequena exposição de rochas e horizontes de solo

derivados dessas rochas; plantas que atuam como adubos verdes, como capoeira branca

(Solanum mauritianum), margaridão (Tithonia diversifolia), papagaio (Aegiplhila

selowiana), fedegoso (Senna macranthera), ingá (Inga subnuda), guandu (Cajanus

cajan), mucuna preta (Stizolobium aterrimum), feijão de porco (Canavalia ensiformis),

crotalária (Crotalaria spp), Lab-Lab (Dolichos lablab), cratília (Cratylia argentea),

tremoço (Lupinus sp), amendoim forrageiro (Arachis sp). Estes materiais foram expostos

no centro de um círculo formado pelos participantes. Expôs-se também exemplares do

informativo “Nossa Roça”, produzido pelo CTA-ZM, sobre experiências com uso e

manejo dos solos de outros agricultores, procurando demonstrar a importância das

pessoas e do conhecimento dos agricultores no uso e manejo dos solos (Figura 2).

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Figura 2 - Exposição de materiais para ampliar as informações e percepções dos agricultores sobre os processos de formação dos solos. Para iniciar o diálogo sobre a análise química propriamente dita, foram feitas aos

participantes algumas perguntas (Box 1). As falas dos agricultores foram anotadas pelos

membros da equipe de pesquisa e posteriormente sistematizadas.

Box 1 – Perguntas utilizadas para iniciar o diálogo com os agricultores sobre análise química de solos.

Para que serve a análise química do solo? Ela é a única maneira de se conhecer os solos? O que tem no solo que garante sua qualidade? Quais adubos vocês usam? Tudo o que tem no saco de adubo ou na planta tem no solo?

A partir das composições dos adubos listados pelos agricultores discutiu-se os

nutrientes presentes no solo. Em seguida os agricultores foram divididos em grupos de

três ou quatro pessoas, com o acompanhamento de pelo menos um membro da equipe de

pesquisadores. Cada grupo recebeu o resultado de uma análise química do solo e uma

tabela de referência adaptada de Ribeiro et al. (1999) (Figura 3) para auxiliar na

interpretação dos resultados presentes na análise (CTA-ZM, 2004). Com o auxílio dos

pesquisadores, os agricultores foram entendendo as siglas e os significados dos números

presentes no resultado da análise.

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Tabela 1 - Referências utilizadas para auxiliar os agricultores na interpretação dos resultados de uma análise química de solos. Adaptada de Ribeiro et al., (1999).

Muito é bom. A planta gosta! Nutrientes: aquilo que a planta precisa: P = fósforo. Muito é bom. A planta gosta! K = potássio. Muito é bom. A planta gosta! Ca = cálcio. Muito é bom. A planta gosta! Mg = magnésio. Muito é bom. A planta gosta! N = não vem na análise. A matéria orgânica dá uma ideia sobre ele. MO: Matéria orgânica – esterco da terra. Muito é bom. A planta gosta. Só analisa se pedir. É mais cara. Na Matéria Orgânica encontra-se o Nitrogênio.

BAIXO MÉDIO BOM

K (Potássio) Menor que 40,0 41,0 – 70,0 Maior que 70,0

P (Fósforo) Menor que 8,00 8,10 – 12,0 Maior que 12,1

Ca2+ (Cálcio) Menor que 1,20 1,21 – 2,40 Maior que 2,41

Mg2+ (Magnésio) Menor que 0,45 0,46 – 0,90 Maior que 0,91

M.O. (Matéria orgânica) Menor que 2,00 2,01 – 4,00 Maior que 4,01

Pouco é bom. A planta não gosta! O pH indica acidez. Pouca acidez é bom. A planta não gosta de muita acidez! pH baixo indica que a terra está ácida. Pode ser ruim para as plantas. Mas o mais importante é o Alumínio.

Muito baixo Baixo Médio Alto Muito alto

Acidez (pH) Menor que 4,5 4,5 – 5,4 5,5 – 6,0 6,1 – 7,0 Maior que 7,0

Al = alumínio tóxico. Pouco é bom. A planta não gosta!

BAIXO MÉDIO ALTO MUITO ALTO

Al3+ (Alumínio) Menor que 0,5 0,51 – 1,00 1,01 – 2,00 Maior que 2,01

Micronutrientes são os nutrientes que a planta usa menos. Os micronutrientes não podem faltar. Mas também não podem estar em excesso porque podem intoxicar as plantas. Pode analisar os micronutrientes, mas a análise fica mais cara. Cu = cobre Zn = zinco B = boro Fe = ferro Mn = manganês S = enxofre

Mo = Molibdênio e Cl = cloro: Não vem na análise

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo os agricultores as análises de solos:

“é para colocar no solo o que ele precisa” (S.J.A., 38 anos, masc.).

“é para não gastar muito dinheiro com adubo”(C. A. F.; 51 anos, masc.).

“a análise serve para falar se vai pôr mais ou menos adubo” (E. R. A., 36 anos,

masc.).

Todas as respostas tiveram relação direta com a adubação, evidenciando que a

análise de solo é para o agricultor um instrumento para recomendação de corretivos e

fertilizantes, em consonância com a percepção geral do manejo da fertilidade do solo com

foco exclusivamente químico, no qual o solo funcionaria como um banco de reserva de

nutrientes, de onde o que é retirado pelas plantas é preciso ser reposto na forma de adubo

químico (PETERSEN e ALMEIDA, 2006).

Os adubos citados pelos agricultores foram: N-P-K com suas diversas formulações

(20-05-20; 4-14-8; 20-00-20; 6-30-06; 20-10-20) – os agricultores utilizam apenas os

nomes das formulações), cama de galinha, matéria orgânica da terra (folha); esterco de

boi; supersimples, sulfato de amônio, ureia, calcário, micro total (micronutrientes rico em

zinco, boro e manganês), adubos foliares, supermagro, calda sufocálcica, urina de vaca,

calda bordalesa, palha de café, húmus.

A partir do conhecimento dos agricultores, discutiu-se sobre os nutrientes

presentes nos adubos utilizados e/ou conhecidos por eles, esclarecendo, por exemplo, que

o 20-05-20 traz as porcentagens de 20% de nitrogênio, 5% de fósforo e 20% de potássio.

Algumas dúvidas foram esclarecidas, como “o P não é de potássio?”, “por que se usa P

para representar o fósforo e K para representar o potássio?”. Vê-se que uma coisa

relativamente simples para os cientistas do solo se torna uma limitação para o agricultor,

já que as análises de solos apresentam as letras referentes aos elementos, o que não é

familiar a eles.

Aspectos envolvidos na fabricação das formulações química citadas pelos

agricultores foram apresentados, procurando refletir sobre a sustentabilidade econômica

e ambiental do uso destas formulações. Por exemplo, o fósforo possui reservas esgotáveis

no curto e médio prazo, o que pode comprometer os agroecossistemas dependentes de

fontes externas desse nutriente (CORDELL et al., 2009).

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Os sistemas agroflorestais, onde as árvores são consorciadas com as culturas

principais também foram objetos de reflexão. Os agricultores ainda têm muitas dúvidas

sobre a arborização dos cafezais, não têm opinião formada sobre os benefícios ou

prejuízos em se plantar árvores intercaladas às lavouras de café. A partir de questões como

esta apresentou-se informações científicas de que as árvores contribuem para a

fertilização dos solos ao promover a ciclagem dos nutrientes, pois retiram os mesmos de

profundidades maiores trazendo-os à superfície do solo a partir da queda de folhas,

galhos, flores e frutos; contribuem para a retenção e infiltração de água no solo; possuem

associações com microrganismos (rizóbios, micorrizas) que contribuem para a

fertilização do solo, auxiliando na fixação de nitrogênio e fósforo, por exemplo

(DUARTE, 2011).

A importância dos adubos orgânicos e verdes também foi discutida, em especial

a variedade de nutrientes presentes nos mesmos, muito maior do que nas fontes

industriais, embora em menor concentração; por servirem de alimentos para os

organismos do solo e; em geral por serem de baixo custo para o agricultor (CHANDRA,

2005).

Com base na Tabela 1, de referência, os agricultores interpretaram os resultados

de uma análise química de um solo cultivado com café na região, interpretando os níveis

de matéria orgânica, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, o pH e o teor de alumínio. A

partir da matéria orgânica fez-se inferências sobre os níveis de nitrogênio.

Ao compreender uma análise do solo espera-se que os agricultores possam utilizá-

la como indicadora da qualidade e não apenas como uma ferramenta de recomendação de

adubação e corretivos utilizada pelos técnicos. Sem essa compreensão os agricultores

pagam pela análise e recebem as recomendações de adubação dos técnicos, sem ter o

mínimo entendimento da situação real de suas terras, ficando refém dos técnicos e das

empresas que produzem e comercializam fertilizantes. O conhecimento aumenta a

autonomia dos agricultores em relação aos técnicos e pode diminuir a dependência de

insumos externos, que muitas vezes são utilizados sem necessidade. Essa autonomia é

uma característica marcante da agricultura familiar, sendo um dos pilares para sua

manutenção ao longo do tempo (PLOEG, 2014).

Os agricultores perceberam que alguns aspectos identificados por eles como

importantes para a qualidade do solo (Cap. 1) não estavam presentes na análise, em

especial aqueles relacionados a vida no solo. Com isto, os próprios agricultores

concluíram, como se percebe nas falas, que a análise do solo não é o melhor e nem o

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único instrumento de avaliação da fertilidade do solo, sendo necessário continuar

utilizando os parâmetros por eles conhecidos, como por exemplo as plantas indicadoras.

“A análise de laboratório não traz minhocas, plantas... isso quem sabe é a gente

mesmo” (P.A.L., 50 anos, masc.).

“ Se a gente for fazer análise convencional, a visão é só comprar adubo e jogar.

Fazendo isso aqui a gente se sente capaz. A vida deles é vender, e a nossa? É só

ficar comprando essas coisas ai???” (D.G.M., 35 anos, masc.).

Ficou claro também que para manter a vida no solo é preciso utilizar outras formas

de manejo da fertilidade além da adubação química (para a qual claramente a análise

química se propõe). Aumentou-se também a percepção dos agricultores em relação à

formação dos solos e aos nutrientes presentes no solo, pois muitos agricultores não sabiam

a relação entre rochas e solos e a origem dos nutrientes presentes nos adubos. “Aprendi

muita coisa que não sabia. Era como se o médico passasse uma receita e você fosse lá e

comprasse o remédio, sem entender” (C.A.S.; 28 anos, masc.).

4 CONCLUSÕES

Os agricultores percebem a análise química como um instrumento importante,

utilizado para recomendação correta de fertilizantes e corretivos. A análise química foi

útil para aprofundar a compreensão dos agricultores sobre a formação de solo e manejo

integrado da fertilidade, com ênfase nas práticas agroecológicas de manejo do solo, que

compreendem a fertilidade do solo de forma integrada e não apenas como um balanço de

nutrientes presentes no solo.

A metodologia utilizada permitiu decodificar o discurso científico hermético

sobre os nutrientes do solo, e sobre os resultados das análises químicas, ampliando o

conhecimento dos agricultores sobre essa ferramenta de análise de qualidade do solo cuja

compreensão não pode ser exclusiva dos técnicos e cientistas.

5 REFERÊNCIAS

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM). Solos: a terra tem vida e está viva. Viçosa, 2004. (Cartilha elaborada para o programa de formação de agricultores)

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CHANDRA, K. Organic manures. Regional Centre of Organic Farming. Kottayam, Kerala, 2005. Disponível em: http://ncof.dacnet.nic.in/Training_manuals/Training_manuals_in_English/Organicmanures CORDELL, D.; DRANGERT, J.; WHITE, S. The story of phosphorus: Global food security and food for thought. Global Environmental Change n.19, p. 292–305, 2009. DUARTE, E. M. G. Árvores em sistemas agroflorestais: ciclagem de nutrientes e formação da matéria orgânica do solo. Tese. UFV, 2011. MONTE SERRAT, B; OLIVEIRA, A. C. Amostragem de solo para fins de manejo da fertilidade In: LIMA, M. R. (editor) Diagnóstico e recomendações de manejo do solo: aspectos teóricos e metodológicos. Curitiba: UFPR/Setor de Ciências Agrárias, 2006. p. 65-86 PETERSEN, P.; ALMEIDA, E. Revendo o conceito de fertilidade: conversão ecológica do sistema de manejo de solos da região do contestado. Agriculturas - v. 5 – n 3 - setembro de 2008 PLOEG, J. D. V. Dez qualidades da agricultura familiar. Agriculturas: experiências em agroecologia; cadernos de debate; n.1. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2014. RIBEIRO, A. C.; GUIMARÃES, P. T. G.; ALVAREZ V., V. H. (Ed.). Recomendação para o uso de corretivos e fertilizantes em Minas Gerais: 5. Aproximação. Viçosa: Comissão de Fertilidade do Solo do Estado de Minas Gerais, 1999. 359p. TITONELL, P.; MISIKO, M.; EKISE, I. Falando de ciência do solo com os agricultores. Agriculturas - v. 5 – n. 3 - setembro de 2008.

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CAPÍTULO V

FEIRA DE SOLOS: INTEGRAÇÃO PRÁTICA ENTRE SABER LOCAL E

SABER ACADÊMICO

RESUMO

A devolução dos resultados das pesquisas deve ser um compromisso social e ético

assumido pelo pesquisador, principalmente em pesquisas participantes. A experiência

denominada Feira de Solos objetivou devolver os resultados da pesquisa sobre

indicadores locais de qualidade do solo e, a partir desses resultados, trocar experiências

sobre manejo agroecológico do solo com agricultores e agricultoras participantes da

pesquisa. Organizou-se quatro mesas de acordo com os seguintes temas: i) cor e matéria

orgânica, ii) textura e estrutura, iii) microrganismos e macrofauna e iv) fertilidade dos

solos. Essa experiência permitiu a troca de saberes entre os participantes e ampliou o

entendimento dos mesmos sobre manejo agroecológico do solo.

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1 INTRODUÇÃO

A Zona da Mata de Minas Gerais possui solos bastante intemperizados e relevo

declivoso (CARDOSO et al., 2001). Os solos intemperizados necessitam da atividade

biológica para manter a fertilidade natural, o que é favorecido pelo uso de técnicas

agroecológicas de manejo (PRIMAVESI, 2002). O relevo da região leva à formação de

microambientes distintos, que são cultivados pelos agricultores familiares com arroz,

milho, feijão, café, hortaliças e diversas furtas. Entretanto, a maior parte das terras é

utilizada com a criação de gado em sistema de pastejo extensivo.

O uso de indicadores de qualidade do solo pode contribuir para o entendimento

das potencialidades e desafios destes ambientes distintos. Com o objetivo de identificar e

sistematizar os indicadores locais de qualidade do solo utilizados pelos agricultores e

agricultoras familiares foi realizada uma pesquisa participante em dois assentamentos de

crédito fundiário dos municípios de Araponga (Sítio Oito de Março) e Muriaé

(Associação Bonsucesso), Zona da Mata de Minas Gerais. O trabalho objetivou também

ampliar o nível de informação a respeito dos solos da região, a partir da interação do saber

local com o conhecimento científico.

Como parte da devolução dos dados desta pesquisa organizou-se a “Feira de

solos”. A devolução dos dados de pesquisa deve ser um compromisso social do

pesquisador, principalmente em pesquisas participantes. Deve-se aproveitar esse espaço

para dialogar com os sujeitos da pesquisa para, além de validar os dados obtidos, ampliar

a compreensão de todos os envolvidos sobre o tema estudado, o que contribui para o

empoderamento dos grupos envolvidos (DEMO, 2004; BRANDÃO e BORGES, 2007).

No caso da presente pesquisa, espera-se que o conhecimento construído possa ser

revertido em estratégias de manejo agroecológico dos solos na produção de bens e

serviços dos agroecossistemas familiares.

A Feira de Solos foi organizada na sede do Parque Estadual da Serra do

Brigadeiro, área de conservação de proteção integral, em cuja zona de amortecimento

encontram-se os dois assentamentos participantes deste estudo. Além da devolução dos

dados da pesquisa, a feira objetivou também dialogar com agricultores e agricultoras

participantes da sobre manejo agroecológico do solo para ampliar a compreensão dos

atributos físicos, químicos e biológicos do solo, utilizando métodos demonstrativos

simples e de baixo custo.

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2 METODOLOGIA

A metodologia da Feira de Solos foi inspirada na proposta de Barrios et al. (2011),

e adaptada à realidade local. Realizou-se uma mística de abertura, buscando motivar e

sensibilizar os participantes para a importância do solo para nossas vidas. Os participantes

foram “batizados” com lama, simbolizando a ligação do ser humano com o solo, com a

Mãe Terra (Figura 1). Espaços de mística contemplam um dos pilares da Etnopedologia

denominado de kosmus, que valoriza as crenças das comunidades, e como elas se

relacionam com seu sistema de conhecimentos (corpus) e com suas práticas (praxis),

formando um complexo k-c-p (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2015).

Figura 1 – Mística de batizar os participantes com lama, simbolizando a ligação do ser humano com o solo.

Em seguida, realizou-se uma retrospectiva das etapas da pesquisa e uma

apresentação dos resultados, buscando o entendimento e a confirmação ou não dos

resultados pelos agricultores. Para isto, organizou-se quatro mesas temáticas: 1) cor e

matéria orgânica; 2) textura e estrutura; 3) vida do solo e 4) fertilidade. As mesas foram

elaboradas com experiências práticas, materiais para visualização e banners com

resultados. Os trabalhos foram conduzidos por estudantes do Curso Técnico Integrado de

Agroecologia, dos cursos superiores de Agronomia e Biologia e do Mestrado e Doutorado

em Solos e Nutrição de Plantas da UFV. Os participantes foram organizados em quatro

grupos e cada grupo ocupava a mesa por cerca de 30 minutos, de forma que todos os

participantes passassem por todas as mesas.

2.1 Cor e Matéria Orgânica

Esta mesa teve como objetivo discutir a importância da matéria orgânica e da cor

como importantes indicadores de qualidade do solo. Foram expostos na mesa solos de

diversas cores, alguns deles levados pelos próprios agricultores. Foram apresentados

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diferentes tipos de rochas e horizontes de solos originados dessas rochas, para ilustrar a

formação dos solos. Ainda nesta mesa, utilizou-se um simulador de erosão (CAPECHE,

2009) para dialogar sobre a importância da cobertura vegetal para a conservação do solo

(Figura 2).

Figura 2 – Mesa temática sobre cor e matéria orgânica do solo.

2.2 Textura e Estrutura

Solos com diferentes texturas (argiloso, siltoso e arenoso) foram colocados em

potes para que os agricultores pudessem ver e sentir pelo tato as diferentes texturas. Foi

avaliada a retenção e infiltração de água fazendo passar água por solos de diferentes

texturas (UFPR, 2014). Torrões de solos com diferentes estruturas foram amarrados em

um barbante e inseridos em água, observando o tempo para desfazer os torrões de

diferentes estruturas (Figura 3).

Figura 3 – Mesa temática sobre textura e estrutura do solo.

2.3 Vida do solo: microrganismos e macrofauna

Nessa mesa foram abordados os microrganismos e a macrofauna edáfica. Para

apresentar a importância dos microrganismos para o solo, foi confeccionado, na presença

dos agricultores, um preparado de Microrganismos Eficientes (EM), explicando o passo-

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a-passo de preparação desta tecnologia utilizada para potencializar a vida do solo

(ANDRADE, 2011). Para ilustrar a importância da macrofauna foi construído um

minhocário campeiro (SCHIEDECK et al., 2007), de baixo custo e simples de ser

replicado pelos agricultores. Foi também apresentada fezes de boi retirada de uma

pastagem, com evidências, no solo presente na parte inferior, do trabalho de um besouro

“rolabosta” (Scarabeidae), inseto que contribui com a decomposição das fezes, a

ciclagem de nutrientes, o controle da mosca-de-chifres, entre outros benefícios (Figura

4).

Figura 4 – Mesa temática sobre vida do solo. Ao fundo, à esquerda, minhocário campeiro.

2.4 Fertilidade do solo

Os agricultores levaram diferentes plantas espontâneas indicadoras de qualidade

do solo, que foram expostas na mesa (Figura 5). Os dados de fertilidade química das

análises realizadas das áreas dos assentamentos foram apresentados em forma de mapas

de fertilidade, facilitando a compreensão dos agricultores. Para demonstrar as cargas da

argila e seu papel na retenção ou lixiviação de nutrientes do solo, utilizou-se dois fios de

cobre ligados aos polos positivo e negativo de uma bateria, que foram inseridos em uma

solução com solo argiloso, que foi atraído pelo polo positivo da bateria, por ter a argila

carga predominantemente negativa (UFPR, 2014).

Figura 5 – Mesa temática sobre fertilidade do solo.

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146

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram da experiência 58 pessoas, sendo 38 agricultores, 02 professores de

ensino técnico, 12 estudantes (mestrado, graduação e técnico) e 06 técnicos.

Na mesa temática sobre cor e matéria orgânica muitos agricultores se utilizaram

de conceitos apreendidos durante a pesquisa, ressaltando que a cor depende do tipo de

rocha de origem, da matéria orgânica e do clima, sendo que o horizonte A é mais escuro

por causa da matéria orgânica e o vermelho é devido a presença do ferro (óxidos). Os

agricultores fizeram também diversas observações sobre a cor como indicador de

qualidade do solo.

“Essa terra branca é utilizada para passar barro no fogão, mas se plantar nela,

ela não produz”. (N.A.S., 52 anos, masc.)

“Depende da cultura que você usar nela. A terra vermelha é melhor pra café, a

amarela é melhor pra lavoura branca, como o milho, pra banana...” (N.A.S., 52

anos, masc.)

Durante a experiência com o simulador de erosão hídrica os agricultores

ressaltaram que práticas como queimadas e uso de herbicidas deixam a “terra pelada”,

assim como capinar em excesso. Manter o solo coberto aumenta a matéria orgânica, que

alimenta macro e microrganismos (PRIMAVESI, 2002), indicadores de qualidade de

solo.

“Quando eu vejo uma queimada eu sinto até uma tristeza”. (A.C.R.A.; 62 anos,

masc.)

“Importante é fazer parceria com a natureza”. (R.J.M., 43 anos, masc.)

Na mesa temática sobre textura e estrutura os agricultores puderam fazer análise

sensorial da textura e discutir a interferência da textura do solo na permeabilidade de água

e trabalhabilidade do solo, bem como a importância de um solo bem estruturado para o

desenvolvimento das culturas.

Na mesa temática sobre vida no solo foi enfatizado o conceito de solo como

organismo vivo (PRIMAVESI, 2002) e a importância da diversidade de organismos para

o funcionamento do solo (macro e microfauna), bem como os danos causados por esses

organismos em agroecossistemas desequilibrados.

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Ao ouvir sobre a importância do besouro “rola-bosta”, uma agricultora exclamou

que “então a gente nem pode matar esse bichinho?”, mostrando que ainda há a ideia de

que todos os organismos são praga para as culturas ou causam danos ao ser humano,

embora muitos agricultores tenham a noção de que a macrofauna contribui para a

melhoria da qualidade do solo.

Dentre esses organismos benéficos estão as minhocas, que contribuem para

melhorar a aeração e estrutura do solo e agem na transformação da matéria orgânica

(NGO et al., 2012). Os agricultores podem potencializar o trabalho das minhocas

incorporando matéria orgânica ao solo. Outra alternativa é criá-las em minhocários, como

o modelo apresentado nessa mesa temática, para se utilizar o húmus, adubo produzido

por elas (SOUZA et al., 2015).

Durante o processo de elaboração do EM, os agricultores que já utilizavam esse

produto (alguns inclusive aprenderam a prepará-lo em uma das etapas desta pesquisa)

falaram de sua experiência. Outros agricultores ficaram animados com a possibilidade de

utilização, com baixo custo e sem risco ambiental e para a saúde, ao contrário dos

agrotóxicos recomendados por técnicos.

“ Vou usar na minha taioba, tá dando um caramujinho... se for falar com o

agrônomo a primeira coisa que ele vai falar pra usar é veneno...” (A.S.R.A., 56

anos, fem.).

“Na cochonilha do café o técnico me mandou jogar um veneno que custa

cinquenta conto...se esquecer a área que usou o veneno, não pode entrar na

lavoura... minha saúde não tem preço” (N.A.S., 52 anos, masc.).

Ao discutir fertilidade do solo, os agricultores deram as seguintes definições:

“É a qualidade, se ele está bom, regular, ruim ou ótimo” (E. R. A., 35 anos,

masc.).

“É um lugar que produz muito” (G. R. A., 30 anos, fem.).

Sobre cargas do solo discutiu-se que elas são, no caso dos solos da região,

majoritariamente negativas, o que é importante para atrair cátions, muitos deles nutrientes

para as plantas (FURTINI NETO et al., 2001). Tais cargas são oriundas das argilas e da

matéria orgânica. Além da demonstração das cargas, demonstrou-se também que as

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cargas negativas atraem cargas positivas. Caso não houvesse tais cargas os nutrientes

cátions seriam todos lixiviados pela ação da chuva. Como as argilas dos solos da região

possuem baixa CTC (capacidade troca catiônica), procurou-se demonstrar a importância

da matéria orgânica para a formação de cargas negativas e aumento da CTC.

A relação das plantas indicadoras de qualidade do solo levadas pelos agricultores

encontra-se na Tabela 1. Os agricultores levaram também algumas plantas medicinais

(picão, arnica, levante, guiné, erva de santa maria, carqueja, boldo), algumas delas

também etnoindicadores de qualidade do solo.

“Lá no nosso terreno tem muito desse ai (marmelada)” (R.A.J., 32 anos, fem.).

“As plantas de terra forte geralmente são mais macias...” (E.R.A., 35 anos,

masc.).

“Já tá dando desse carrapicho lá? Então o terreno tá melhorando, uai...”

(A.J.S.A., 63 anos, masc.).

Tabela 1 - Plantas indicadoras de qualidade do solo levadas pelos agricultores para a Feira de Solos. Terra Forte Terra Fraca Marmelada Erva canudo Arnica1 Picão1 Carrapicho Capiçoba Quebra pedra1 Caruru de porco Mentrasto

Sapé Cabelo de sapo/barba de cigano Carqueja1 Capim amargoso

1 planta utilizada também como medicinal

Os dados sobre a análise química de rotina dos solos das áreas dos agricultores

participantes foram apresentados por meio de um mapa de fertilidade. Dois destes mapas,

um sobre CTC efetiva e outro sobre CTC potencial (pH 7) encontram-se na Figura 6.

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A B

Figura 6 - Mapa da CTC efetiva (A) e potencial (B), sítio 8 de Março. As áreas em vermelho representam CTC baixa, em amarelo CTC média e em verde CTC alta.

No geral, as áreas apresentaram baixos teores de pH e fósforo, situação comum

para os solos da região. Apresentaram matéria orgânica boa, CTC efetiva de média a

baixa, mas elevada CTC potencial. A CTC potencial mostra que a área tem um potencial

produtivo muito bom com a elevação do pH e neutralização dos teores de alumínio

trocável. Os agricultores ficaram animados ao ver os dados da CTC efetiva, concluíram

que, “Se eu subir o pH, vai ficar tudo verde”.

“Acidez (pH) da terra eu não sei o que acontece... pode fazer análise de solo todo

ano, que todo ano aquilo tá atrapalhado... parece que é igual pressão de gente”

(S.R.A.; 38 anos, masc.).

4 CONCLUSÕES

A abordagem metodológica participativa e prática contribuiu para a interação e

participação dos presentes, para a compreensão dos temas abordados. A feira de solos

permitiu à pesquisadora cumprir o compromisso social da devolução dos dados da

pesquisa. As atividades permitiram ressignificar os dados, pois a partir da interlocução

com os sujeitos da pesquisa, informações novas foram adquiridas e outras foram

reafirmadas.

A devolução dos dados foi também um importante momento para ampliar, a partir

do diálogo, o conhecimento dos agricultores, estudantes, técnicos e professores sobre

indicadores de qualidade do solo.

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5 REFERÊNCIAS

ANDRADE, F. M. C. Caderno de microrganismos eficientes (EM). Viçosa: UFV, 2009. BARRIOS E., COUTINHO H.L.C., MEDEIROS C. A. B. InPaC-S: Integração Participativa de Conhecimentos sobre Indicadores de Qualidade do Solo – Guia Metodológico. World Agroforestry Centre (ICRAF), Embrapa, CIAT. Nairobi, 2011. CAPECHE, C. L. Confecção de um simulador de erosão portátil para fins de educação ambiental. Rio de janeiro: Embrapa Solos, 2009. (Embrapa Solos. Documentos, 116). CARDOSO, I. M., et al. Continual learning for agroforestry system design: university, NGO and farmer partnership in Minas Gerais, Brazil. Agricultural Systems. v. 60, p. 235-257, 2001. DEMO, P. Pesquisa Participante - Saber pensar e intervir juntos. LiberLivro, Brasília/2004. FURTINI NETO, A. E. et al. Fertilidade do solo. Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão, Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2001. NGO, P.T. et al. The effect of earthworms on carbon storage and soil organic matter composition in tropical soil amended with compost and vermicompost. Soil Biology & Biochemistry, v. 50, p. 214-220, 2012. PRIMAVESI, A. Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais. São Paulo: Nobel, 2002. SCHIEDECK, G. et al. Minhocário campeiro de baixo custo para a agricultura familiar. Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2007. 4p. (Embrapa Clima Temperado. Circular Técnica, 171). SOUZA, M. E. P. et al. Vermicompostagem: potencializando as funções das minhocas. Agriculturas, v. 12 - n. 1, março 2015. TOLEDO, V. M.; BARRERA-BASSOLS, N. A memória biocultural : a importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo: Expressão Popular, 2015. 272 p. UFPR. Projeto Solo na Escola. http://www.escola.agrarias.ufpr.br Acesso em 02/11/2014.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa foi realizada com o objetivo de construir uma base integrada

de conhecimento sobre indicadores de qualidade do solo, aliando o saber local ao

conhecimento científico, considerados conhecimentos complementares. Para isso,

seguiu-se os princípios teórico-metodológicos da Etnopedologia e da pesquisa

participante, realizada de forma interdisciplinar, utilizando-se metodologias das ciências

agrárias, ambientais e sociais.

Durante a pesquisa levantaram-se vinte e dois etnoindicadores de qualidade do

solo, sete deles referentes a aspectos biológicos, dois a atributos químicos, sete aos

aspectos físicos e seis indicadores visuais. Os etnoindicadores de qualidade do solo

demonstraram a riqueza de conhecimentos dos agricultores sobre o solo e sobre as

diversas interações que ocorrem em seus agroecossistemas e alguns foram semelhantes a

indicadores identificados por outros autores em outros países, mostrando assim que os

saberes dos agricultores em alguns casos não são tão específicos como apontam alguns

autores.

O uso de etnoindicadores de qualidade dos solos é especialmente importante para

construir estratégias de manejo e uso dos solos em regiões de paisagens heterogêneas

como a Zona da Mata mineira, pois os diferentes ambientes necessitam de manejo

específicos para manter e melhorar sua qualidade.

Os etnoindicadores são úteis também para estratificar as diferentes unidades da

paisagem em conjunto com os agricultores. Em especial os etnopedoindicadores são

importantes, já que o solo é um compoenten ambiental estratificador por excelência, pois

alterações no solo representam alterações em todo o agro e ecossistema, e compreender a

dinâmica do solo contribui para o melhor entendimento da paisagem local. Na pesquisa

aqui apresentada foram estratificadas diversas unidades de paisagem, sendo encostas e

baixadas as duas unidades de hierarquia superior. A partir delas, as demais, unidades

foram estratificadas.

A estratificação de unidades de paisagem realizada a partir dos etnoindicadores é

similar às classificações científicas no que diz respeito às pedoformas, mas foi mais

detalhada, pois incorporou atributos do solo (como estrutura, pedregosidade, retenção de

umidade e exposição à radiação solar), apenas possíveis de incorporação em escalas

maiores e são difíceis de serem incorporadas em estratificações científicas que utilizam

escalas menores e não incorporam o conhecimento dos agricultores.

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A diversidade e o nível de detalhes dos etnoindicadores encontrados, aliados à

estratificação ambiental extremamente detalhada, demonstraram o quanto os agricultores

conhecem sobre seus solos e sobre as diversas interações que ocorrem em seus

agroecossistemas. Este conhecimento é dinâmico, está em constante transformação, pois

a medida que vão interagindo com a natureza e manejando suas áreas novos aprendizados

são adquiridos e podem ser utilizados para avaliar, reavaliar e monitorar seus

agroecossistemas. Entretanto, esse saber precisa ser reconhecido e ressignificado,

restaurando a confiança do agricultor em seu conhecimento na hora de manejar seu

agroecossistema, pois observou-se que muitas vezes, mesmo tendo os etnoindicadores

como importantes, a tomada de decisão sobre o manejo a ser realizado é baseada apenas

em indicadores técnicos, em especial aqueles indicados pela a análise química de rotina

dos solos.

Para aprofundar a avaliação dos ambientes e para instrumentalizar os agricultores

para avaliações futuras utilizou-se uma metodologia simples, realizada a campo e baseada

nos etnoindicadores apontados por eles. Os agricultores poderão, com base nos novos

conhecimentos, utilizar tal metodologia, com suas adaptações, para monitorar e avaliar

seus ambientes. Isto poderá contribuir para melhorar o manejo dos agroecossistemas.

Dentre os etnoindicadores presentes em tal metodologia, encontram-se as plantas

espontâneas e a macrofauna. Estes já são indicadores utilizados por muitos agricultores,

mas a metodologia permitiu um maior aprofundamento e ressignificar algumas de suas

informações. Por exemplo, muitos organismos do solo são vistos como inimigos, mas a

partir do entendimento dos mesmos como indicadores, os mesmos passam a ser vistos

como colaboradores, que alertam para a situação dos solos dos agroecossistemas.

Em muitos casos os etnoindicadores foram similares aos indicadores técnicos de

qualidade do solo. Entretanto, pôde-se observar que a avaliação dos agricultores foi mais

detalhada que a avaliação feita pelos cientistas. A análise química, por exemplo, não

indicou diferença entre alguns ambientes, enquanto os etnoindicadores indicaram. Por

isto, na avaliação da qualidade do solo, não se deve utilizar apenas indicadores técnicos,

mas também etnoindicadores, o que exige que as avaliações sejam feitas em parceria com

os agricultores, que são os responsáveis por manter a qualidade do solo através do manejo

que realizam.

A análise química dos solos é considerada por muitos como um instrumento

inquestionável de avaliação da fertilidade do solo, mas que possui muitas limitações e é

principalmente um instrumento de recomendação de corretivos e fertilizantes sintéticos.

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Além disto, os agricultores não a compreendem e por isto a mesma transforma-se também

em um instrumento de dominação do conhecimento técnico sobre o conhecimento dos

agricultores. Por não compreenderem os resultados dessas análises, agricultores ficam à

mercê das recomendações técnicas. Por isso, compreender a análise é importante para

desmistificá-la como um instrumento apenas dos técnicos. Na pesquisa aqui apresentada,

a partir de metodologias apropriadas os agricultores puderam aprofundar seus

conhecimentos sobre a análise de solos.

Com relação às estratégias de manejo dos agroecossistemas, os agricultores têm

conhecimento sobre práticas benéficas e prejudiciais ao solo, entretanto muitas vezes o

paradigma criado pelo modelo convencional de agricultura, e difundido pela assistência

técnica rural, deixa os agricultores inseguros em relação à priorização de técnicas mais

ecológicas de manejo dos agroecossistemas. Instrumentos como a análise de solo,

precisam ser articulados a uma compreensão mais geral sobre a formação de solo e

manejo integrado da fertilidade e utilizados como mecanismos de diálogo de saberes. Este

diálogo permitirá o incentivo às práticas agroecológicas de manejo do solo, muitas delas

conhecidas pelos agricultores.

Os resultados obtidos na pesquisa aqui apresentados foram socializados com os

participantes na Feria de Solos, que também foi um momento de aprofundamento sobre

o entendimento de todos sobre atributos físicos, químicos e biológicos e sobre o manejo

agroecológico do solo. A realização da Feira de Solos permitiu a pesquisadora honrar o

compromisso social e ético de devolver os resultados de suas pesquisas.

Durante toda a pesquisa procurou-se exercitar o o diálogo entre técnicos e

agricultores, o que contribuiu para o aprendizado coletivo e para ressignificar diversos

aspectos relacionados à compreensão sobre os solos. Todo esse processo, na medida em

que integra saberes e promove a participação de organizações ligadas aos agricultores,

ONGs e instituições de ensino, promove o fortalecimento dos vínculos institucionais,

imprescindível para o avanço dos agroecossistemas à transição agroecológica, entendida

como a alternativa viável e necessária para a manutenção e melhoria da qualidade dos

solos, que promoverá a qualidade dos agroecossistemas da região, e atribui à pesquisa

maior utilidade prática, na medida em que seus resultados são apropriados pelos grupos

de interesse.

Durante a pesquisa surgiram indicações de futuras pesquisas, como a melhor

compreensão do significado de indicadores como “terra travada”, atribuída pelos

agricultores às raízes da braquiária; “exposição ao sol”, relacionado à face da unidade da

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paisagem; “presença de lodo”, relacionado à presença de musgos em áreas degradadas

em descanso e “proximidade de pedra”, referente a áreas com afloramentos rochosos.

Técnicas envolvendo os solos utilizadas pelos agricultores, como uso de terra de

formigueiro para conservar grãos de feijão, também precisam ser melhor analisadas. A

continuidade dos estudos sobre etnoindicadores de qualidade de solo e estratificação

ambiental participativa pode contribuir para aprofundar a construção de estratégicas de

manejo do solo adaptadas à realidade ecológica e socioeconômica dos agricultores e

também para romper com a dualidade entre conhecimento científico e popular.

Um dos maiores desafios desta pesquisa foi não cair na armadilha de querer

legitimar o saber local pelo saber cientifico, pois o saber local existe per si e pode

conduzir a forma de manejo dos agricultores, independente do saber científico. A tentação

de comparar os dois saberes e, a partir da pretensa soberania do científico, considerar o

saber local válido apenas se coincidir com ele, está constante em diversas pesquisas

etnopedológicas, pois os pesquisadores são tradicionalmente formados em instituições de

ensino que possuem essa lógica. Este tipo de estudo deve servir para reconhecer e dar

visibilidade ao conhecimento dos agricultores, e a interação com o conhecimento

científico deve auxiliar em aprofundamentos e compreensão dos processos que sublinham

o conhecimento dos agricultores.

A pesquisa aqui apresentada contribuiu também para ampliar entre os

participantes (agricultores, técnicos, professores e estudantes) a compreensão sobre a

importância e sobre a fragilidade dos solos, e para construir ferramentas para se avaliar e

monitorar a qualidade dos solos nos agroecossistemas, que pode futuramente ser

ampliado para avaliação dos agroecossistemas da região. Para os técnicos pode auxiliar

na construção de estratégias de uma assistência técnica mais dialogada, que respeite o

saber dos agricultores, e não apenas aplique recomendações técnicas.

A pesquisa contribuiu ainda para solidificar a parceria entre os grupos

participantes, que permitirá a realização de ações futuras de integração de saberes visando

à melhoria do manejo dos solos dos agroecossistemas da Zona da Mata mineira.

Para a autora deste trabalho, ficam o fortalecimento das relações pessoais e

profissionais, um grande aprendizado, e a sensação de qua ainda há muito o que se fazer

e aprender na construção do conhecimento para a transição agroecológica, afinal a

agroecologia é “um aprendizado infinito” (agricultor agroecológico de Araponga).

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ANEXOS

ANEXO 1 - Gráficos em forma de radar construídos a partir das notas atribuídas pelos

agricultores de Araponga aos indicadores de qualidade do solo, nos diferentes ambientes

do Sítio Oito de Março. As linhas em vermelho indicam ambientes que estão abaixo do

limite da sustentabilidade (média inferior a 5,0).

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ANEXO 2 - Gráficos em forma de radar construídos a partir das notas atribuídas pelos

agricultores de Muriaé aos indicadores de qualidade do solo, nos diferentes ambientes da

Associação Bonsucesso.

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