De poema em em poema

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BE De poema em poema

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Poemas que podem ser lidos aos alunos na sala de aula ou na Biblioteca Escolar.

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BE

De poema em poema

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Inverno

Velho, velho, velho.Chegou o Inverno. Vem de sobretudo,vem de cachecol,o chão por onde passa parece um lençol. Esqueceu as luvasperto do fogão:quando as procurou,roubara-as o cão.

Com medo do frio,encosta-se a nós:dai-lhe café quentesenão perde a voz. Velho, velho, velho.Chegou o Inverno.

Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras

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Inverno

Olho a medo o céude onde os pássarosfugiam

e onde um negromanto de nuvenscobre a tarde:

vem aíuma carga de mágoa.

João Pedro Mésseder e Francisco Duarte Mangas, Breviário da água

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JanelaNa tarde cinza de Invernojá vês chorar a vidraçaque da chuva te resguarda.

E na salao lume ri-seda tua amiga janela…

João Pedro Mésseder e Francisco Duarte Mangas, Breviário da água

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Canção da chuva

Bate a chuva, tic… tic…

nas vidraças da janela.

Canta a chuva, tic… tic…

Que linda canção aquela!

Tic… tic… tic… tic…

Que linda canção aquela

de meninas ao despique:

- Qual de nós será a mais bela.

Meninas a fazer meiacom as nuvens de novelo,nenhuma delas é feia!

Tic… tic… tic… tic…Tenho um medo que me pelo,que alguma delas me pique.

António de Sousa, in Brincar também é poesia

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Chuva

Cai a chuva, ploc, plocCorre a chuva ploc, ploccomo um cavalo a galope.Enche a rua, plás, plásesconde a lua, plás, pláse leva as folhas atrás.Risca os vidros, truz, truzmolha os gatos, truz, truze até apaga a luz.Parte as flores, plim, plimmaça a gente plim, plimparece não ter mais fim.

Luísa Ducla Soares, A gata Tareca e outros poemas levados da breca

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Rio

As águas vêm de longe,trazem o mundo,os montes a terra as pedrasos bichos e o pólenas folhas e a luza chuva o granizoe a sede dos homenso rumor das noites e dos dias.Rio vivo, quase mudo,cheio de águacheio de terracheio de tudo.

João Pedro Mésseder, Versos com reversos

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a água é tão límpida

que um peixe

bastava para a poluir

Francisco Duarte Mangas, Pequeno livro da terra

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OutonoIráspela ruaverásas folhascair.

Se algumate pousarno ombrohás-de mandá-la emboraporque chegou a horade dormir.

Mário Castrim, in Brincar também é poesia

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O sono é uma casa

Sem portas nem janelas,

É um barco de papel

Irmão das caravelas

Que adormece com o embalo

Que o vento lhe dá nas velas.

José Jorge Letria, Versos de fazer ó-ó

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Pescador da barca bela

Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que é tão bela,Ó pescador? Não vês que a última estrelaNo céu nublado se vela?Colhe a vela,Ó pescador! Deita o lanço com cautela,Que a sereia canta bela…Mas cautela,Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,Que perdido é remo e velaSó de vê-la,Ó pescador! Pescador da barca bela,Inda é tempo, foge dela,Foge dela,Ó pescador! Almeida Garrett, Folhas caídas

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Sargo e pargoParvo, disse o sargoao pargo.Parvo, não. Pargo,emendou o pargo.Mas já a rede o puxavae o levavado mar largopara a costa.Era mesmo parvo,concluiu o sargo.Mas também eleacaboucortado posta a postae congelado.

António Torrado, Como quem diz

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Aperta a mão do mar, diz-lhe bom-dia.

Ele dirá maresia.

Pedro Tamen, Tábua das matérias

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Tenho uma janela que dá para o mar

Tenho uma janelaQue dá para o marBarcos a sairBarcos a entrarTenho uma janelaQue dá para o marSonhos a partirSonhos a chegarTenho uma janelaQue dá para o marUm fio de fumoUma sombra alémUma história antigaUm cantar de velaUm azul de marTenho uma janela

Que seria belaSeria mais belaQue qualquer janelaJanela fosse elaDe lua ou de estrelaOu qualquer janelaDe qualquer escolaSe não fosse aquelePescador já velhoQue anda pela praiaA pedir esmola Barcos a sairBarcos a entrarChego-me à janelaE não vejo o mar.

Mário Castrim, in Palavras de cristal

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Fundo do mar

No fundo do mar há brancos pavores,Onde as plantas são animaisE os animais são flores.Mundo silencioso que não atingeA agitação das ondas.Abrem-se rindo conchas redondas,Baloiça o cavalo-marinho.Um polvo avançaNo desalinhoDos seus mil braços,Uma flor dança,Sem ruído vibram os espaços.Sobre a areia o tempo poisaLeve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisaTem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andersen, Obra poética

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UrgentementeÉ urgente o Amor, É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros, e a luz impura até doer. É urgente o amor, É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade, Poesia e prosa

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As meninas

Arabelaabria a janela.

Carolinaerguia a cortina.

E Mariaolhava e sorria: "Bom dia!“

Arabelafoi sempre a mais bela.

Carolinaa mais sábia menina.

E MariaApenas sorria:"Bom dia!"

Pensaremos em cada meninaque vivia naquela janela;uma que se chamava Arabela,outra que se chamou Carolina.Mas a nossa profunda saudadeé Maria, Maria, Maria,que dizia com voz de amizade:"Bom dia!“

Cecília Meireles, Ou isto ou aquilo

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Canção da lua

É rara a minha luz

a minha lei é velar

velar o sono da noite

os sonhos iluminar

Nuno Higino, O menino que namorava paisagens

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À noiteQuando o sol se vai e é chegada a luaO pai corre fechos, persianas, Vai trancar o portão que dá p’rá a rua.Depois eu adormeço, mas os meus sonhosNão cabem na casa e eu saioPara riscar a noite com um fio de luz,Cavalgar mistérios até de manhã.

À noite, uma simples brisaEscancara portas e janelasE não há chave, fecho ou trancaQue encerre a porta larga dos meus sonhos.

Álvaro Magalhães, O reino perdido

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Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem

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Todas as estrelasTenho as estrelas todasneste fio.Com o olhar apenasas disperso e junto.

Se estou contenteabro os olhos:acendem imediatamente.

Se tenho mágoasfecho os olhose apago-as.

Nuno Higino, O menino que namorava paisagens

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História de uma estrela

De tanto a noite olhar, E de uma sozinha estrelaMais que as outras fixar,Deixou, o menino, de vê-la.

Fez-se pequeno o destino,Fez-se tão pequeno o marQue nos olhos do meninoCaiu uma estrela a brilhar.

Vergílio Alberto Vieira, A cor das vogais