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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 559 ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE NO CPC/2015: UMA INOVAÇÃO POSITIVA? 686 THE STABILIZATION OF THE PRELIMINARY INJUCTION IN NEW BRAZILIAN CIVIL PROCEDURE CODE: A POSITIVE INNOVATION? Kamila Maria Strapasson 687 Resumo O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) inova ao prever a possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente, tornando a cognição exauriente meramente facultativa, desde que preenchidos certos requisitos legais. O instituto busca com que as partes não tenham que obrigatoriamente dar continuidade ao processo, quando já satisfeitas com o resultado obtido em sede de cognição sumária, economizando tempo e recursos, trazendo maior racionalidade a atuação do judiciário. Diante desse quadro, esse artigo tem como objetivo explicitar como é o tratamento das tutelas provisórias no CPC/2015, ressaltar o procedimento e algumas das controvérsias doutrinárias acerca da estabilização da tutela antecipada antecedente, bem como destacar em que situações práticas essa pode vir a ser aplicada. Palavras-chave: Estabilização da tutela antecipada antecedente; controvérsias; vantagens. Abstract The new brazilian civil procedure code innovates when predicting the possibility of stabilization for the preliminary injunction, making the full judicial consideration 686 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017. 687 Graduanda do curso de direito da Universidade Federal do Paraná, email: kamilastrapasson@ gmail.com.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 559

ANAIS DO

SIMPÓSIO BRASILEIRO

DE PROCESSO

CIVIL

A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE NO CPC/2015: UMA INOVAÇÃO POSITIVA?686

THE STABILIZATION OF THE PRELIMINARY INJUCTION IN NEW BRAZILIAN CIVIL PROCEDURE CODE: A POSITIVE INNOVATION?

Kamila Maria Strapasson687

Resumo

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) inova ao prever a possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente, tornando a cognição exauriente meramente facultativa, desde que preenchidos certos requisitos legais. O instituto busca com que as partes não tenham que obrigatoriamente dar continuidade ao processo, quando já satisfeitas com o resultado obtido em sede de cognição sumária, economizando tempo e recursos, trazendo maior racionalidade a atuação do judiciário. Diante desse quadro, esse artigo tem como objetivo explicitar como é o tratamento das tutelas provisórias no CPC/2015, ressaltar o procedimento e algumas das controvérsias doutrinárias acerca da estabilização da tutela antecipada antecedente, bem como destacar em que situações práticas essa pode vir a ser aplicada.

Palavras-chave: Estabilização da tutela antecipada antecedente; controvérsias; vantagens.

Abstract

The new brazilian civil procedure code innovates when predicting the possibility of stabilization for the preliminary injunction, making the full judicial consideration

686 Artigo submetido em 19/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017.

687 Graduanda do curso de direito da Universidade Federal do Paraná, email: [email protected].

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merely optional, as long as some legal requirements are meet. The aim of the institute is that parties are not required to continue the process when satisfied with the result obtained in the summary cognition, saving time, resources and bringing more rationality to the judiciary. On that framework, this article aims to explain how provisional tutelage is treated in the new brazilian civil procedure code, bringing emphasis to the procedure itself and to some of controversies of scholars about the stabilization of the preliminary injunction; as well as highlighting in which practical situations this can be applied.

Keyword: Stabilization of the preliminary injuction; controversies; advantages.

Sumário

1. Introdução. 2. Classificação da tutela provisória no CPC/2015. 3. Controvérsias e vantagens da estabilização da tutela antecipada antecedente. 4. Conclusão. 5. Referências.

1 Introdução

A possibilidade de estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente vem causando grande polêmica entre os juristas, isso porque, há um apego ao exercício de cognição exauriente para resolver os conflitos submetidos ao judiciário. Com o instituto, a cognição exauriente acaba por se tornar meramente eventual e facultativa, desde que tenha havido antecipação de tutela e que o réu não tenha contra ela se insurgido (SICA, 2015, p. 3).

Ocorre que, por mais que tal disposição do código traga de início certo espanto, isso não pode constituir uma barreira a sua análise. O processo civil brasileiro, já passou por inúmeras mudanças significativas, como a implementação da tutela antecipada e a propositura de um modelo diferenciado de ações coletivas, as quais trouxeram inúmeros avanços, garantindo maior efetividade e isonomia nas decisões. A transformação vem agora em relação a ausência de obrigatoriedade da cognição exauriente quando as partes se encontrarem satisfeitas com o resultado da tutela antecipada estabilizada.

O instituto traz uma quebra epistemológica, com a ideia da autonomização da tutela de cognição sumária. No processo brasileiro sempre houve um procedimento apropriado à obtenção da verdade, com diversas formas probatórias, com a possibilidade de exercício do contraditório, em que se realizava o julgamento da causa, de forma a dirimir os conflitos de direito material de forma definitiva, em nome da segurança jurídica. Já as tutelas provisórias, de cognição sumária, ficavam sempre condicionadas à resolução final da demanda, se condicionava a efetividade da liminar à propositura da ação principal, com o prosseguimento do processo até a decisão final (LAMY; LUIZ, 2016, p. 2, 3).

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Nesse aspecto, a técnica da estabilização da tutela antecipada antecedente prevista no CPC/2015 busca desvincular o mecanismo de tutela sumária à decisão final, obtida com a cognição exauriente. Assim, se o provimento provisório cria à parte uma situação fática desejável se coloca fim ao processo, sem a decisão final, economizando tempo e dinheiro. O autor deixa de ter o ônus de dar continuidade ao processo para ver confirmada a tutela concedida, ou seja, dá-se autonomia à tutela sumária que não mais se vincula, obrigatoriamente, a uma posterior validação, revisão ou revogação (LAMY; LUIZ, 2016, p. 2, 3).

Diante de tal inovação processual, o presente artigo busca analisar suas principais controvérsias e vantagens para o direito processual brasileiro.

2 Classificação da tutela provisória no cpc/2015

O tempo já foi visto como algo de pouca importância na vida do processo, com uma separação entre conceitos processuais e o direito material. Tratava-se da ideologia da neutralidade científica e do descompromisso do processo civil com conceitos que não lhe eram próprios. Contudo, a prática demonstrou a necessidade de uma adequada distribuição do ônus do tempo no processo e que a técnica processual só tem sentido se observada a partir da tutela dos direitos, surgindo assim a preocupação com tutelas provisórias (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 195, 196).

A distinção entre as tutelas definitivas e provisórias tem como uma das suas características o fato de que a prestação de uma tutela definitiva se funda na cognição exauriente, enquanto a tutela provisória baseia-se em uma cognição sumária. Conforme ensina Marinoni, Arenhart e Mitidiero, a tutela definitiva fundada em cognição exauriente é prestada por meio de um procedimento em que: a) as partes tiverem a chance de serem ouvidas; b) a decisão se baseia em um quadro probatório tão completo quanto admitido pela natureza do procedimento; c) é idônea a formação da coisa julgada. Um exemplo da cognição exauriente são as sentenças que julgam procedente ou improcedente os pedidos das partes no procedimento comum (art. 485 e seguintes, CPC/2015) (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 47, 48).

Assim, a tutela definitiva garante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, com amplo debate sobre o objeto da decisão. Estando predisposta a produzir coisa julgada, é uma espécie de tutela que prestigia a segurança jurídica (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 561, 562).

Dessa forma, a importância de uma tutela definitiva está na imposição de segurança jurídica e pacificação social. Contudo, as atividades processuais necessárias para obtenção de uma tutela definitiva podem ser demoradas, colocando em risco a própria realização do direito (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 562). Isso porque, por vezes, a dinâmica das relações sociais exige respostas mais rápidas, visto que o tempo das relações sociais é diferente do tempo do processo. Essa crise

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de efetividade dos processos judiciais trouxe essa preocupação com a cognição com caráter sumário, cujo um dos grandes marcos é a Lei nº 8.952, de 1994, que incluiu no CPC de 1973 a tutela antecipada, presente então em seu artigo 273.

É considerada provisória a tutela baseada em uma cognição sumária, prestada mediante um procedimento em que: a) apenas uma parte teve a oportunidade de se manifestar ou; b) as provas ainda são passíveis de complementação ao longo do processo ou de outro processo; c) é caracterizada pela incompletude material da causa; d) são inidôneas a formação da coisa julgada. São exemplos de cognição sumária as tutelas de urgência e evidência (art. 300 e 311, CPC/2015) (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 48).

O CPC 2015 ao tratar das tutelas provisórias extinguiu o processo cautelar como figura processual autônoma como existia no CPC 1973 e propôs uma nova forma de classificação das tutelas provisórias em seu artigo 294. Segundo o artigo, a tutela provisória pode ser de urgência ou de evidência. A tutela de urgência pode ser cautelar ou antecipada, podendo qualquer uma dessas ser antecedente ou incidental. Já a tutela de evidência somente pode ser incidental.

O quadro abaixo evidencia a classificação:

TutelaProvisória

deurgência

deevidência

Cautelar

Antecipada

Incidental

Antecedente

Incidental

Antecedente

Incidental

Fonte: a autora.

Diante de tal classificação, cabe destacar que o presente artigo irá tratar especificamente da estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente. Para isso, inicialmente, irá abordar brevemente, os requisitos para concessão das tutelas de urgência, a distinção entre a tutela cautelar e antecipada, bem como a classificação dessas tutelas como antecedentes ou incidentais.

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Como exposto, o CPC/2015 divide as tutelas provisórias em tutelas de urgência e de evidência. O pressuposto comum das tutelas de urgência é a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300 e seguintes, CPC/2015), em razão da situação de urgência normalmente se exige do magistrado a prolação da decisão fundada em cognição sumária. Já as tutelas de evidência dispensam a demonstração de perigo de dano, neste caso, a cognição também será sumária, contudo, se espera que a probabilidade do direito seja maior (art. 311, CPC/2015) (MEDINA, 2015, p. 455).

Quanto à distinção entre as tutelas de urgência e de evidência afirma Wambier:

A tutela de urgência está precipuamente voltada a afastar o periculum in mora, serve, portanto, para evitar um prejuízo grave ou irreparável enquanto dura o processo (agravamento de dano ou frustração integral de provável decisão favorável), ao passo que a tutela de evidência baseia-se exclusivamente no alto grau de probabilidade do direito invocado, concedendo, desde já, aquilo que muito provavelmente virá ao final (WAMBIER et al., 2015, p. 487).

Um ponto comum entre as tutelas de urgência (tutela cautelar e antecipada) é o fato que essas buscam evitar um dano irreparável ou de difícil reparação, ou seja, só é possível se pensar em uma tutela de urgência quando houver uma situação crítica, de emergência, além da probabilidade do direito. Em outras palavras: para concessão da tutela de urgência cautelar ou da antecipação de tutela exigem-se os mesmos requisitos: fumus boni iuris e periculum in mora. Nesse sentido, o CPC 2015 avançou de forma positiva ao abandonar a gradação que o CPC 1973 pretendia fazer entre os requisitos, sugerindo um fumus mais robusto para a concessão da tutela antecipada (WAMBIER et al., 2015, p. 497, 498). Dessa forma, o CPC 2015 encerra a artificial distinção entre os requisitos para concessão dessas tutelas de urgência, não falando mais em aparência do bom direto para a cautelar e em verossimilhança para a antecipatória (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 73).

Assim, a tutela de urgência está ligada a necessidade da intervenção judicial imediata, havendo a necessidade do perigo da demora e da probabilidade do direito, contudo, os requisitos não servem mais para diferenciar a tutela de urgência cautelar e antecipada porque tanto o perigo da demora como a probabilidade do direito precisam estar presentes em ambas. A diferença está no fato de a tutela antecipada garantir a satisfação de um bem da vida, enquanto a tutela cautelar tem natureza instrumental, viabilizando o resultado útil do processo. Nesse sentido, dispõe o enunciado 143 do FPPC: “A redação do art. 298 (atual art. 300), caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada”.

Cabe aqui uma breve explicação sobre os requisitos da probabilidade do direito e do perigo da demora, essenciais no deferimento das tutelas de urgência. A

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probabilidade do direito diz respeito à plausibilidade de existência desse mesmo direito, cabendo ao magistrado: “avaliar se há ‘elementos que evidenciem’ a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante (art. 300, CPC)” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 595). Para caracterização da probabilidade do direito é necessária a verossimilhança fática, a visualização pelo magistrado de uma verdade provável sobre os fatos, ainda, deve haver uma plausibilidade jurídica, devendo ser analisado pelo magistrado de se é provável a subsunção dos fatos à norma jurídica invocada (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 596).

Além disso, a tutela provisória de urgência pressupõe a existência de elementos que demonstrem o perigo da demora de dano ou risco ao resultado útil do processo. Nesse aspecto, justificaria a tutela provisória de urgência o perigo de dano: a) concreto e não hipotético ou eventual; b) atual, que está na iminência de ocorrer ou esteja acontecendo; c) grave, que venha a prejudicar ou impedir a fruição do direito; d) o dano deve ser irreparável ou de difícil reparação (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 597).

A tutela provisória será requerida ao juiz da causa (art. 299) e, quando antecedentes, ao juiz competente para conhecer do pedido principal (WAMBIER et al., 2015, p. 493). Ademais, no CPC 2015 a tutela cautelar e a tutela antecipada incidentes não demandam ações autônomas, podendo ser requeridas no processo preexistente por petição simples (WAMBIER et al., 2015, p. 488, 489).

Dessa forma, no CPC 2015 as tutelas cautelar e antecipada são espécies do gênero tutela de urgência, com aspectos semelhantes. As duas são caracterizadas pela cognição sumária, por serem revogáveis e provisórias, buscando neutralizar os males do tempo no processo, contudo, fazem isso de formas distintas: enquanto a cautelar tem um caráter conservativo, evitando que o processo trilhe um caminho insatisfatório que o levará a sua inutilidade, a tutela antecipada busca satisfazer o direito, possibilitando à parte desde já a fruição do que provavelmente terá reconhecido ao final do processo (WAMBIER et al., 2015, p. 488). Quanto à distinção entre a tutela cautelar e antecipada dispõe Medina:

(...) A tutela antecipada, assim, tal como a tutela cautelar, é considerada modalidade de tutela de urgência. Há diferenças entre tais figuras, contudo. Afirma-se que, enquanto a tutela antecipada é satisfativa, a cautelar é conservativa. No caso da tutela cautelar praticam-se atos tendentes a garantir a utilidade prática do resultado que se obterá com o acolhimento de outro pedido (de conhecimento ou de execução) (...). A tutela antecipada, por sua vez, permite a fruição imediata dos efeitos do possível acolhimento do pedido. A tutela antecipada, assim, consiste em antecipação dos efeitos do resultado; a tutela cautelar, em segurança para que se possa usufruir de tal resultado (...) (MEDINA, 2015, p. 456).

Assim, se o provimento provisório produz os mesmos efeitos ou efeitos análogos ao do provimento final poderá a tutela ser entendida como antecipatória,

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mas se protege o resultado útil do processo sem adiantar o gozo do direito material poderá ser entendida como cautelar (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 70).

Ademais, é pertinente explicitar que o CPC 2015 extinguiu as cautelares típicas previstas no CPC 1973. Contudo, ao mesmo tempo em que não prevê mais as cautelares típicas, as cita quando menciona no artigo 301 que a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação do bem. Trata-se de rol exemplificativo, de um poder geral de cautela (WAMBIER et al., 2015, p. 502).

Ainda, o parágrafo único do artigo 294 traz a divisão da tutela de urgência em tutela cautelar e tutela antecipada, afirmando que, quanto ao seu procedimento, ambas podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental (WAMBIER et al., 2015, p. 487). Nos dois casos a tutela provisória é requerida dentro do processo em que se pede ou se pretende pedir a tutela definitiva. A tutela provisória incidental é requerida dentro do processo em que se pede ou já se pediu a tutela definitiva, para adiantar seus efeitos, sem o pagamento de custas, é um requerimento contemporâneo ou posterior ao pedido de tutela definitiva. Já a tutela provisória antecedente é um requerimento anterior à formulação do pedido de tutela definitiva e tem por objetivo adiantar seus efeitos; primeiro se pede a tutela provisória e, posteriormente, a definitiva (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 570, 571).

Além disso, o parágrafo 3º do artigo 300 prevê uma limitação, ao afirmar que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. O dispositivo, à primeira vista, aplica-se apenas à tutela de urgência de natureza antecipada, visto que a tutela de urgência cautelar, por ser conservativa, não traz essa potencial irreversibilidade. Trata-se aqui de uma irreversibilidade fática e não jurídica, ou seja, de uma irreversibilidade das consequências da efetivação da tutela de urgência. Contudo, a doutrina e a jurisprudência têm abandonado por vezes a aplicação da norma, porque há situações que, mesmo sendo a medida irreversível, ela há de ser deferida porque pode implicar em uma negativa de tutela jurisdicional, trazendo prejuízos enormes e irreparáveis a parte que pleiteia a liminar. Nesses casos, caberá ao juiz valorar os riscos e escolher o que for causar o menor dos males (WAMBIER et al., 2015, p. 501).

Por fim, cabe destacar que o artigo 302 do CPC/2015 traz a responsabilidade objetiva diante da tutela de urgência cassada, afirmando que independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência vier causar a parte contrária, se: a) a sentença lhe for desfavorável; b) obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 dias; c) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; d) o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor (WAMBIER et al., 2015, p. 503).

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Nesse cenário, delineados os requisitos e as classificações referentes à tutela de urgência, passa-se a análise do procedimento de estabilização da tutela antecipada antecedente e das principais controvérsias e vantagens do instituto.

3 Controvérsias e vantagens da estabilização da tutela antecipada antecedente

A previsão legislativa da técnica de estabilização da tutela se limita somente as hipóteses de tutelas de urgência antecipatórias antecedentes, ou seja, para tutela que: a) exige a presença de a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; b) que produz os mesmos efeitos ou efeitos análogos ao do provimento final e c) com requerimento anterior à formulação do pedido de tutela definitiva. Trata-se de uma técnica na qual em cognição sumária uma decisão não impugnada se torna estável (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 67). As regras de estabilização de tutela não valem para a cautelar, pois essa visa apenas conservar o direito material até que este possa ser satisfeito pelo processo principal (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 88).

Contudo, cabe destacar que o TJPR, no reexame necessário nº 1559377-8 já admitiu a possibilidade de aplicação do instituto em uma tutela antecipada incidental, concedida inaudita altera partes, pela nítida proximidade com a concessão antecedente. O caso envolvia o pedido de matrícula de menor em creche municipal. O réu, intimado a respeito da concessão da tutela, limitou- se a informar que cumpriu a concessão da tutela, matriculando o menor, não havendo interposição de agravo de instrumento nem mesmo de contestação. No caso, por unanimidade, foi mantida a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau, de extinção do feito sem julgamento de mérito, contudo, a extinção passou a ter fundamento no art. 304 do CPC/2015 e não mais na falta de interesse no prosseguimento da demanda (art. 485, VI, CPC/2015) (BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná, 2016).

Assim, o CPC/2015 traz como novidade a possibilidade de estabilização da tutela de urgência sem a necessidade de sequenciamento necessário da cognição plena. O código autonomiza a cognição sumária como modalidade processual hábil a tutelar, por si só, o direito material, sem produzir a coisa julgada (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 64).

Na tutela antecipada em caráter antecedente poderá o autor, na petição inicial: a) requerer a tutela antecipada; b) indicar o pedido de tutela definitiva, que será formulado no prazo legal de aditamento; c) expor a lide, o direto e o perigo da demora; d) indicar o valor da causa; e) explicitar o requerimento de tutela antecipada antecedente. Não concedida a tutela antecipada o juiz determinará a intimação do autor para que emende a inicial no prazo de 5 dias, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito. Na emenda a inicial o autor complementará a causa de pedir, confirmará o pedido e trará a documentação ausente. Sendo concedida a

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tutela provisória o juiz deverá: a) determinar a intimação do autor para que realize o aditamento da inicial (Art. 303, parágrafo 1º), devendo esse ser feito no prazo de 15 dias ou em outro prazo maior fixado pelo juiz, sob pena de indeferimento e extinção do processo sem resolução de mérito; b) determinará a citação e intimação do réu para que cumpra a providência deferida e compareça à audiência de conciliação ou de mediação, conforme o artigo 334 (art. 303, parágrafo 1º, II , CPC/2015), não havendo autocomposição, será contado o prazo de contestação na forma do artigo 335 (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 602, 603).

Assim, caso o réu não impugne a decisão de concessão da tutela de urgência antecipada antecedente (art. 303, CPC/2015), a tutela se torna estável (caput do art. 304, CPC/2015) e o processo é extinto (art. 304, § 1.º, CPC/2015) (REDONDO, 2015, p. 5). Quando o réu recorre da decisão que concede a tutela antecipada o procedimento comum se desenvolve normalmente (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 604).

Há quatro condições cumulativas a serem observadas para aplicação da estabilização, conforme dispõem os artigos 303 e 304 do CPC 2015: a) que o juiz tenha deferido o pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente e autônomo; b) que o autor tenha pedido expressamente a aplicação da técnica: isso porque a técnica é um benefício ao autor que não pode ser aplicada contra sua vontade; c) que a decisão concessiva tenha sido proferida liminarmente, inaudita altera partes: se o juiz indeferiu a providencia e o autor emendou a petição inicial com a formulação do pedido de tutela final resta descaracterizada a possibilidade de estabilização; d) que o réu, após ser comunicado da decisão, não tenha interposto recurso (SICA, 2015, p. 87, 88, 90).

Nesse cenário, pode-se dizer, de forma simplificada, que para que ocorra a estabilização, basta que ambas permaneçam inertes, de forma que o autor não peticione nos autos com o objetivo de dar prosseguimento ao processo e o réu não interponha recurso. De outro lado, para que não ocorra a estabilização, é necessário que o réu interponha recurso da decisão liminar e que o autor realize o aditamento da petição inicial no prazo de 15 dias (ou outro maior que o juiz fixar) (RANGEL, 2016, p. 4, 5).

Assim, o primeiro ato processual após a concessão da liminar será a citação e intimação do réu para eventual interposição de recurso, sob pena de sua inércia acarretar a estabilização dos efeitos da tutela e a extinção do processo (art. 304, caput e § 1.º, CPC/2015). Somente caso o recurso seja interposto tempestivamente é que o autor deverá ser intimado para promover o aditamento da inicial (art. 303, § 1.º, I, CPC/2015), caso em que sua inatividade levará à revogação da liminar e a extinção do processo (art. 303, § 2.º, CPC/2015). Nesse aspecto, o termo inicial do prazo destinado ao aditamento deve ser posterior ao termo final estipulado para o réu

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interpor o recurso previsto no art. 304, caput, como é afirmado pelo Enunciado 581688 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (RANGEL, 2016, p. 6).

Com essas previsões, o código trouxe a possibilidade de estabilização dessa medida antecipatória, como decisão judicial capaz de regular o direito material mesmo após a extinção do processo antecedente e sem o sequenciamento para o processo de cognição exauriente (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 75).

Como o exposto, essa tutela provisória tem aptidão para se estabilizar, desde que o réu não interponha o respectivo recurso, havendo controvérsias sobre a expressão “respectivo recurso”. Há o entendimento doutrinário que o recurso que cabe ao réu interpor é o agravo de instrumento, contudo alguns autores têm feito uma interpretação ampliativa entendendo que a reclamação (que não é recurso) também não deixaria estabilizar a tutela, pois produziria efeito semelhante ao do recuso. Ademais, sendo a decisão proferida em 2º grau de jurisdição haveria que se pensar na interposição do agravo interno contra a decisão monocrática (art. 1.021) ou no recurso especial ou extraordinário em se tratando de decisão colegiada (SICA, 2015, p. 90, 91).

Outros autores sustentam que se deve entender recurso como impugnação em grau recursal, estando incluso também o sucedâneo recursal. Há quem veja recurso como sinônimo de impugnação lato sensu, afirmando que apesar da não interposição de recurso, o simples protocolo de contestação ou reconvenção, no prazo do agravo, já seria capaz de afastar a estabilização (REDONDO, 2015, p. 6).

Ocorre que o autor e o réu tem o direito constitucional de ver definitivamente resolvida a questão posta em juízo e, por isso, depender da interposição de um recurso para o exercício de um direito constitucional parece indevido, sendo inconstitucional a leitura literal da expressão “respectivo recurso” como unicamente o agravo de instrumento (LAMY; LUIZ, 2016, p. 8).

Cabe destacar que, tentando aumentar a aplicação da estabilização e criar maiores obstáculos para o requerido evitar a estabilização da decisão, as comissões, no decorrer do processo legislativo, alteraram a expressão “impugnação” para “respectivo recurso”, a qual foi acolhida pelo legislador. Contudo, o entendimento de que a expressão “respectivo recurso” se referiria apenas ao agravo de instrumento limitaria o exercício do direito de ação, a proteção constitucional que permite a um cidadão a tutela de suas pretensões pelo Judiciário de forma definitiva, protegendo a segurança jurídica. Nesse aspecto, uma leitura constitucionalmente adequada é a de

688 Segundo o Enunciado 581 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “o poder de dilação do prazo, previsto no inciso VI do art. 139 e no inciso I do §1º do art. 303, abrange a fixação do termo final para aditar o pedido inicial posteriormente ao prazo para recorrer da tutela antecipada antecedente”( ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Disponível em: < http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>. Acesso em: 15/02/2017.)

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que não só o agravo de instrumento tem o condão de evitar a estabilização da decisão que concede a tutela antecipada antecedente, mas qualquer forma de impugnação do requerido, apresentada no prazo do recurso, para desconstituir o pronunciamento judicial ou que demonstre o desejo de submeter à cognição exauriente a matéria, para formação da coisa julgada (LAMY; LUIZ, 2016, p. 8, 9).

Além disso, há preocupação da doutrina de que o réu continue sempre a impugnar a medida, mesmo sem fundamentos válidos, visto que não há qualquer sanção para essa apresentação de impugnação vazia. Tal atitude do réu poderia vir a aniquilar o instituto (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 86). Nesse aspecto, conferir força somente à interposição do agravo de instrumento para evitar a estabilização traria ao recurso objeto diferente ao que ele é destinado, pois seu objetivo não seria a revisão ou cassação da decisão que é contrária aos interesses do recorrente, mas sim a possibilidade de se debater a controvérsia de direito material. Dessa forma, o agravo de instrumento se tornaria um mero rito de passagem a todos os litigantes, o que levaria a um aumento da taxa de congestionamento nos tribunais, pois o réu teria de ofertar resposta e também interpor o recurso, para poder exercer seu direito de ação, com um estímulo a propositura de recursos infundados (LAMY; LUIZ, 2016, p. 9).

Ainda, o CPC 2015 coloca à disposição das partes a possibilidade de posterior apresentação de processo de mérito após a estabilização da tutela, o que afasta qualquer argumentação de inconstitucionalidade com base em violação de garantia de defesa ou do acesso à jurisdição. Extinto o procedimento antecedente e estabilizada a tutela deferida, há a possibilidade de apresentação de ação autônoma de cognição exauriente, podendo se colocar novamente em discussão o direito material efetivado na tutela antecipada estabilizada (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 76- 78).

Assim, com a estabilização da tutela e a extinção do processo, para modificação da tutela estabilizada é necessária a propositura de nova ação. A petição inicial da ação de modificação deve ser dirigida, por prevenção, ao juízo em que a tutela antecipada foi concedida. O § 5.º do art. 304 do CPC/ 2015 afirma que o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada extingue-se após 2 anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, enquanto o § 6.º diz que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”. Esse prazo de dois anos previsto para a propositura da ação de modificação é decadencial e começa a correr da intimação das partes sobre a decisão que determina o arquivamento dos autos. Nesse aspecto, a tutela antecipada estabilizada pode ser alterada em qualquer fase da ação de modificação, seja liminarmente ou ao final da mesma, na sentença final, dependendo do momento em que o juiz se convença da existência dos elementos que devem gerar a modificação da tutela estabilizada (REDONDO, 2015, p. 10,11).

Dessa forma, o simples ajuizamento da ação não poderia produzir impacto na execução. Caberia ao réu do primeiro processo o ônus de convencer o juiz, em cognição

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sumária, a antecipar tutela para suspender a execução da decisão estabilizada. Um exemplo, seria o caso em que a autora da tutela antecipada anterior estabilizada, que obteve um provimento que lhe garanta a guarda de seu filho menor, se mostre negligente no exercício da guarda, despertando o interesse do pai (réu na primeira ação) em buscar desestabilizar essa tutela, por meio da ação prevista no § 2.º do art. 304, com o objetivo de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. Nesse caso, o pai poderá buscar uma tutela antecipada antecedente, para que lhe seja conferida a guarda do filho menor (ALVIM, 2016, p. 22). Essa segunda decisão antecipatória também poderia, desde que preenchidos os requisitos, se estabilizar e, após a estabilização, a parte afetada poderia ir a juízo obter outra tutela antecipada que também poderia se estabilizar, repetindo-se o ciclo de forma infinita (SICA, 2015, p. 14).

Nesse aspecto, parte da doutrina critica o instituto afirmando que apesar de buscar a celeridade na prestação jurisdicional, o novo instituto acaba estimulando a interposição de recursos para evitar a estabilização da tutela antecipada satisfativa, bem como o ajuizamento de ação anulatória, para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada (ALVIM, 2016, p.19). Contudo, o fato é que o instituto busca alcançar exatamente as demandas em que as partes estão satisfeitas com o resultado obtido na cognição sumária, ou em que, sabem que a possibilidade de reversão da tutela será muito baixa, não valendo a pena investir seu tempo e dinheiro para obtenção da tutela exauriente. Dessa forma, nesses casos, o instituto não estimularia a interposição de recursos ou o ajuizamento de novas ações.

Outra questão é sobre quais as consequências resultantes do esgotamento do prazo de 2 anos sem a propositura da ação de modificação. Há quem defenda a formação de julgada material e o cabimento exclusivo de ação rescisória. Alguns autores defendem que, encerrado esse prazo de 2 anos, deixa de caber qualquer ação. Outros doutrinadores afirmam que como não há coisa julgada não cabe ação rescisória, sendo possível, porém, a propositura de uma ação destinada a debater o mérito, dentro do prazo prescricional ou decadencial do direito material (REDONDO, 2015, p. 11).

Primeiramente há que se destacar a impossibilidade de ajuizamento de uma ação rescisória, visto que a tutela antecedente se funda em cognição não exauriente e que o § 6.º do art. 304 do CPC/2015 indicaria a impossibilidade de formação de coisa julgada. Nesse sentido, é Enunciado 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis689. Ainda, não faz muito sentido a realização de coisa julgada em relação a este tipo de pronunciamento porque implicaria em sua equiparação com a cognição exauriente, violando a ampla defesa e o contraditório, essenciais nesse tipo e cognição (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 81).

689 O Enunciado 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis já afirmou que “Não cabe ação rescisória nos casos estabilização da tutela antecipada de urgência” (ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Disponível em: <http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>. Acesso em: 15/02/2017)

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Já a segunda corrente defende que após o esgotamento do prazo de 2 anos não haveria formação de coisa julgada, razão pela qual não caberia ação rescisória, sendo também descabida a ação destinada a debater o direito material, pelo prazo prescricional ou decadencial do direito material. O problema aqui é que haveria uma imutabilidade plena da decisão após os 2 anos, a qual não seria “coisa julgada”, mas acabaria sendo mais forte do que ela, pois a decisão estabilizada não poderia ser atacada sequer por ação rescisória e impediria a propositura de ação autônoma para debater o direito material (REDONDO, 2015, p. 12).

Por fim, a terceira corrente defende o descabimento de ação rescisória, tendo em vista a inexistência de coisa julgada material, mas afirma o cabimento de uma ação autônoma destinada ao debate do direito material. Por certo, que o raciocínio possui o inconveniente de esvaziar as regras do art. 304, claras no sentido de que a modificação da tutela estabilizada somente é possível por meio de uma ação de modificação (§§ 2.º, 3.º e 5.º), que deve ser proposta em até 2 anos (§ 6.º) (REDONDO, 2015, p. 12). Contudo, negar que, após o prazo de dois anos, a parte que esteja sofrendo os efeitos da decisão possa ser realizada nova discussão em juízo, afirmando que a decisão anterior estava errada, limitaria o direito de ação e transformaria a tutela antecipada em uma tutela definitiva (NUNES; ANDRADE, 2015, p. 82). Diante desse quadro, essa parece ser a corrente mais acertada.

Nesse cenário, vistas algumas das controvérsias sobre o instituto, se passa a analisar as possíveis utilidades da estabilização da tutela antecipada.

A ideia da estabilização da tutela antecipada é a de que estando as partes satisfeitas com a decisão antecipatória, que tem potencial para resolver a crise de direito material, não há porque obrigá-las a prosseguir o processo, economizando tempo e dinheiro (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 605). Um exemplo de aplicação prática do instituto seria o caso de uma ação envolvendo a concessão de alimentos. Nesse caso, após a liminar satisfativa, o réu era citado e deveria contestar, recorrer, seguir uma série de atividades no processo apenas porque o procedimento exigia que esses atos acontecessem. Com a previsão do artigo 304 se os alimentos se encaixarem em um valor bom e satisfatório para o réu e para o autor, o processo não precisará continuar, podendo a tutela antecipada ser estabilizada.

Assim, uma das vantagens da modificação legislativa é permitir que, sendo de interesse das partes exclusivamente a obtenção de provimento judicial que solucione seu problema de forma imediata, não seja obrigatória a busca por uma cognição exauriente (RANGEL, 2016, p.3).

Cabe ainda destacar que a técnica pode ser muito útil em processos envolvendo relações de consumo. Um exemplo de utilidade da técnica seria para os casos de demandas de urgência de pessoas doentes, que buscam o custeio de tratamentos médico-hospitalares negados pelos planos de saúde. Outro seria o caso

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do consumidor prestes a ter seu nome inserido nos cadastros de inadimplentes ou que queira retirá-lo de lá, por ter satisfeito a obrigação do título levado à negativação. Nessas ações envolvendo o direito do consumidor, a presunção de vulnerabilidade e a interpretação mais favorável de diversas cláusulas contratuais (arts. 4.º, I e 47, CDC) tendencialmente levavam os processos a serem julgados integralmente a favor dos consumidores. Ainda, muitas vezes, quando não havia o acolhimento do pedido, o intervalo decorrido entre a concessão da liminar e a prolação da sentença ou acórdão acabava criando situações fáticas irreversíveis, acarretando no amparo da pretensão autoral com base na “teoria do fato consumado” (RANGEL, 2016, p. 8, 9). Nesse aspecto, a teoria do fato consumado era utilizada para manter de forma definitiva o estado em que se encontra a parte beneficiada pela tutela antecipada, em razão de fundamentos de ordem valorativa, baseados no texto constitucional e decorrentes do sistema processual (OLIVEIRA, 2015, p. 6, 14).

Dessa forma, na prática, esses consumidores, muitas vezes, pretendiam apenas obtenção de uma medida satisfativa, concedida por decisão baseada em cognição sumária, mesmo que não fosse protegida pela coisa julgada material. E, agora, com o CPC/2015, há a possibilidade das partes se darem por satisfeitas com a mera estabilização dos efeitos da tutela antecipada antecedente, o que pode reduzir o número de recursos em tramitação no judiciário brasileiro. Nesses casos, os fornecedores, talvez se vissem desestimulados a prosseguir com a demanda diante da jurisprudência em sentido favorável às pretensões dos consumidores, da ausência de necessidade de aprofundamento no mérito da questão, do custo financeiro exigido para a interposição de recursos, bem como pelo fato da decisão não fazer coisa julgada, não formando precedente obrigatório (RANGEL, 2016, p. 10, 11).

Diante do exposto, conclui-se a estabilização da tutela antecipada trará uma maior racionalização da atuação judiciária, reduzindo a carga de trabalho do Poder Judiciário, com o raciocínio de que se nem o réu atingido pela tutela antecipada a impugnou, é pertinente estabilizá-la, trazendo uma solução prática para a lide (TALAMINI, 2015, p.14).

4 Conclusão

A previsão da estabilização da tutela antecipada antecedente no CPC/2015 representa um rompimento com o sistema até então vigente. Isso porque, no CPC/1973 e a tutela antecipada apenas era concedida em processo em curso, sendo dependente de confirmação por sentença de mérito (art. 273, CPC/1973), podendo apenas a tutela cautelar ser deferida em procedimento autônomo e antecedente (art. 800, CPC/1973) (RANGEL, 2016, p. 3).

Apesar das críticas, o instituto representa uma importante inovação no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o grande número de ações em trâmite no judiciário, bem como a morosidade na resolução dos conflitos. A estabilização

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da tutela antecedente permite com que as partes, satisfeitas com o resultado da decisão proferida em cognição sumária, não tenham que levar adiante o processo em busca de uma cognição exauriente, podendo, por exemplo, ser muito útil em demandas envolvendo a concessão de alimentos, bem como relações de consumo, economizando tempo e recursos.

Contudo, as disposições sobre a estabilização da tutela antecipada antecedente ainda são muito recentes no ordenamento brasileiro, de forma que apenas o tempo e a aplicação do instituto pelos tribunais revelarão como ocorrerá sua aplicação prática para além das controvérsias doutrinárias existentes atualmente sobre o instituto.

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