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II-040 METODOLOGIA DE IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POSSIBILIDADES DE REÚSO DE EFLUENTES DOMÉSTICOS TRATADOS Soraia Giordani (1) Engenheira Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Engenharia Hidráulica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Engenheira Civil da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR). Daniel Costa dos Santos 2 Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). Doutor em Engenharia Civil pela USP. Professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da UFPR. Endereço(1): Rua Francisco Torres, 545 apt. 902 - Centro - Curitiba - Paraná - CEP: 80060- 130 - Brasil - Tel: (41) 330-3550 - Fax: (41) 330-3296 - e-mail: [email protected] RESUMO Este trabalho discorre sobre a prática do reúso de efluentes domésticos tratados e destaca a importância e a necessidade da aplicação desta, através de uma ação planejada e consciente cuja principal finalidade é a melhoria da qualidade ambiental e otimização da utilização hídrica. Esta prática está inserida numa filosofia muito mais ampla de estudos que é a otimização do uso dos recursos naturais, contribuindo com a busca do desenvolvimento sustentável. Assim sendo, primeiramente apresenta-se uma revisão bibliográfica que aborda conceitos sobre reúso da água como definição, classificação, perspectiva histórica. Na seqüência são abordados alguns aspectos institucionais, socioculturais, econômicos e sanitários relativos a esta prática. Posteriormente apresenta-se uma metodologia de identificação e avaliação de possibilidades de reúso de efluentes domésticos tratados, com a intenção de auxiliar os gestores dos recursos hídricos nesta iniciativa. Para expor tal metodologia utiliza-se um fluxograma funcional para auxiliar o gestor a encontrar as melhores possibilidades de reúso em uma determinada bacia. Esta metodologia indica conhecimentos mínimos necessários, dados os a serem coletados, bem como a forma de trabalhar e interpretar os mesmo na busca da identificação e avaliação de possibilidades de reúso dos efluentes domésticos gerados em uma determinada bacia.

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II-040 METODOLOGIA DE IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POSSIBILIDADES DE REÚSO DE EFLUENTES DOMÉSTICOS TRATADOS Soraia Giordani (1) Engenheira Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Engenharia Hidráulica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Engenheira Civil da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR). Daniel Costa dos Santos 2 Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). Doutor em Engenharia Civil pela USP. Professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da UFPR. Endereço(1): Rua Francisco Torres, 545 apt. 902 - Centro - Curitiba - Paraná - CEP: 80060-130 - Brasil - Tel: (41) 330-3550 - Fax: (41) 330-3296 - e-mail: [email protected] RESUMO Este trabalho discorre sobre a prática do reúso de efluentes domésticos tratados e destaca a importância e a necessidade da aplicação desta, através de uma ação planejada e consciente cuja principal finalidade é a melhoria da qualidade ambiental e otimização da utilização hídrica. Esta prática está inserida numa filosofia muito mais ampla de estudos que é a otimização do uso dos recursos naturais, contribuindo com a busca do desenvolvimento sustentável. Assim sendo, primeiramente apresenta-se uma revisão bibliográfica que aborda conceitos sobre reúso da água como definição, classificação, perspectiva histórica. Na seqüência são abordados alguns aspectos institucionais, socioculturais, econômicos e sanitários relativos a esta prática. Posteriormente apresenta-se uma metodologia de identificação e avaliação de possibilidades de reúso de efluentes domésticos tratados, com a intenção de auxiliar os gestores dos recursos hídricos nesta iniciativa. Para expor tal metodologia utiliza-se um fluxograma funcional para auxiliar o gestor a encontrar as melhores possibilidades de reúso em uma determinada bacia. Esta metodologia indica conhecimentos mínimos necessários, dados os a serem coletados, bem como a forma de trabalhar e interpretar os mesmo na busca da identificação e avaliação de possibilidades de reúso dos efluentes domésticos gerados em uma determinada bacia.

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Palavras-chave: Reúso, Efluentes Domésticos, Metodologia, Reutilização, Gerenciamento de Recursos Hídricos, Racionalização do Uso da Água. INTRODUÇÃO De acordo com o LAVRADOR FILHO (1987), o reúso da água pode ser definido como o aproveitamento das águas anteriormente utilizadas, uma ou mais vezes, para suprir demandas de outras atividades, ou de seu uso original. HESPANHOL (2000) cita que o conceito de reúso foi criado em 1958 pela Organização das Nações Unidas (ONU). FELIZZATO (2001) salienta que até 1998 esta palavra não constava na língua portuguesa e até esta data era traduzido literalmente do inglês reuse e escrito de duas formas re-uso e reuso. No entanto, a grafia correta da palavra é reúso com acento agudo, pois se trata de um hiato crescente advindo do verbo reusar. Especialistas em planejamento ambiental apontam o aproveitamento de subprodutos da atividade humana como uma das melhores alternativas no ataque ao problema da poluição, visto que, ao reusar estes subprodutos, diminui-se a pressão sobre o meio ambiente, tanto no sentido da captação quanto no sentido da disposição final destes. A implantação de políticas de gestão visando à reciclagem e ao uso de efluentes é citada dentro das premissas da Agenda 21, carta magna do meio ambiente. Nesta agenda, o capítulo que trata da gestão ambientalmente adequada dos resíduos destina atenção especial à maximização do reúso e da reciclagem, estabelecendo como objetivos básicos a vitalização e ampliação de sistemas de reúso, bem como a disponibilização de tecnologias e instrumentos de gestão apropriados a encorajar e tornar operacionais sistemas de reciclagem e uso de águas residuárias. MUJERIEGO e ASANO (1999) apresentam uma figura que ilustra conceitualmente as mudanças ocorridas na qualidade da água durante sua passagem por uma comunidade. Nesta pode-se observar que a água não poluída, após passar pelo tratamento convencional de potabilização e ser consumida dentro da comunidade, tem sua qualidade degradada bruscamente. A seguir o tratamento convencional de esgotos eleva a qualidade desta, sem atingir, no entanto, qualidade suficiente para novo uso. É neste momento que a recuperação e o reúso surgem como uma forma de repurificar a água e torná-la passível de ser utilizada novamente, retornando à comunidade com qualidade satisfatória. Figura 1 : Alterações na Qualidade da Água Durante o Uso Municipal Fonte: MUJERIEGO e ASANO (1999, p. 3)

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Em muitos lugares do mundo, o reúso de efluentes tratados já é considerado um elemento importante no planejamento hídrico, sendo uma opção viável que auxilia a conservação da água e promove o uso eficiente dos componentes químicos existentes nestes despejos. Em Israel cerca de 70% dos efluentes são utilizados na irrigação. Na Austrália, desde 1897, opera-se um sistema de tratamento por escoamento superficial no solo tratando cerca de 250.000m3/dia em 5.000 ha, permitindo posterior pastagens de rebanhos bovinos e ovinos alimentando cerca de 1600 animais nos campos irrigados. Em locais de extrema escassez de água como é o caso da Arábia Saudita e da Tunísia, as entidades governamentais estabeleceram como meta reutilizar a totalidade de seus efluentes domésticos (CAMPOS et al., 1999). No Vale do Mesquital uma vazão de 80m3/s de águas residuárias geradas na Cidade do México são utilizadas para a irrigação agricultural (HESPANHOL, 1999). Estudos realizados no Brasil, estado do Ceará, demonstram que a reutilização de efluentes domésticos na irrigação de sorgo promoveu um desenvolvimento normal da cultura além de aumentar a fertilidade do solo e melhorar suas características físicas. Na cultura de algodão verificou-se uma melhora nas características genéticas, mostrando um ganho de 48,8% em produção e 72,4% de fibra por hectare (MOTA, 2000). HESPANHOL (1999) comenta que a água que bebemos hoje já pode ter passado pelas vísceras da Cleópatra. MANCUSO (1992) reafirma esta idéia ao comentar que a reutilização não planejada das águas é um fato que sempre ocorre. Este reúso pode contar com a participação do homem ou não, pois ocorre naturalmente através do ciclo hidrológico, ou artificialmente quando ocorre o despejo de esgotos nos corpos d’água que serão posteriormente utilizados. Classificação do Reúso Existem várias formas de classificação do reúso, quanto à forma de utilização o reúso pode ser dividido em reúso direto e indireto. O reúso direto é o uso de águas residuárias recuperadas quando o transporte desta for realizada diretamente da planta de tratamento até seu destino de reúso. O reúso indireto é o uso de águas residuárias recuperadas através da passagem desta por um curso d’água natural, superficial ou subterrâneo (METCALF & EDDY, 1991). O reúso na sua forma indireta sempre ocorre visto que um manancial que serve como receptor de despejos em uma comunidade possivelmente servirá de abastecedor em outra. A este tipo de reúso LAVRADOR FILHO (1987) subdividiu em reúso indireto planejado e não planejado. O reúso indireto não planejado ocorre quando os despejos são realizados de forma não intencional e descontrolada. O reúso indireto planejado acontece quando os despejos são convenientemente tratados e racionalmente diluídos, visando à utilização do corpo receptor como manancial abastecedor à jusante do lançamento. Esta forma de reúso deve contar com a realização de um controle na descarga (a montante), na captação (a jusante) bem como em toda a extensão para que se controle também outras descargas que eventualmente possam ocorrer entre estes dois pontos.

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Levando-se em consideração somente o reúso planejado, a classificação do reúso pode ser subdividida de acordo com sua aplicação em reúso potável e não potável. A existência de uma grande quantidade de patógenos nos esgotos e possibilidade da ocorrência de elementos tóxicos e/ou cancerígenos nestes, classifica o reúso potável, principalmente o direto, como uma alternativa que está associada a riscos muito elevados. Mesmo em países desenvolvidos, tal prática não é de uso corrente, sua implantação já ocorreu, mas é limitada a situações extremas. A OMS, levando em consideração aspectos de saúde pública, não recomenda este tipo de reúso, considerando de alto risco. O reúso para fins não potáveis tem várias aplicações. São elas: a) reúso agrícola - caracterizado pela utilização de efluentes domésticos na irrigação de culturas comestíveis ou não, salientando-se que, no grupo de plantas comestíveis, faz-se uma subdivisão entre as consumidas cruas e cozidas, visto que em cada grupo são definidos os parâmetros de qualidade associados ao risco inerente a cada uso; b) reúso urbano – caracterizado pela utilização de efluentes domésticos tratados para suprir as várias necessidades urbanas que admitem águas com qualidade inferior à potável. Dentre elas cabe citar: prevenção contra incêndio; descarga em aparelho sanitário; lavagem de ruas, ônibus, praças, etc.; irrigação de parques, jardins e campos esportivos. reúso recreacional - ocorrendo quando o efluente é utilizado para abastecer locais destinados à recreação pública. São exemplos: lagos, rios e reservatórios; piscinas públicas. d) reúso industrial - ocorrendo quando os efluentes tratados são utilizados em atividades industriais. São exemplos: torres de resfriamento; lavagem de equipamentos e pátio; águas de processamento. e) aqüicultura - esta forma de reúso fundamenta-se na utilização dos efluentes de ETE’s e seus nutrientes para produção de peixes e plantas aquáticas com vistas à produção de alimentos e/ou energia.

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f) paisagístico - esta forma de reúso é caracterizada pela utilização de efluentes na manutenção de: espelhos d’água; irrigação de parques; chafarizes, etc. Em alguns casos a classificação do reúso fica condicionado à atividade de jusante ao despejo visto que, caso ocorra uma captação para abastecimento público à jusante do descarte dos efluentes, estas formas de reúso passam a ser encaradas como reúso potável indireto. Nesta categoria incluem-se os seguintes casos de reúso: a) manutenção de vazões dos cursos d’água – caracterizando-se pela utilização de efluentes domésticos tratados na manutenção de vazão mínima em tempos de seca, garantindo vazão para diluição de cargas poluidoras, manutenção da vida aquática e/ou condições de navegabilidade durante todo o ano; b) recarga de aqüíferos – caracterizado pela utilização de efluentes domésticos tratados para recarga artificial de aqüíferos. Perspectiva Histórica O reúso possui uma longa e ilustre história como evidenciam os sistemas de esgotamento sanitários elaborados para os antigos palácios e cidades da civilização de Minoam, na ilha de Creta, na Antiga Grécia, onde se indica a utilização de águas residuárias em irrigação cerca de 5000 anos atrás (ANGELAKIS e SPYRIDAKIS, 1996). Sabe-se que chineses, japoneses e indianos utilizavam dejetos humanos como fertilizantes há milhares de anos, sendo que esta prática tornou-se ainda mais difundida em 1840, quando a grande incidência de doenças levou a população a buscar novas tecnologias de tratamento (OUTWATER, 1994). Segundo MARA & CAIRNCROSS (1989), com o advento dos sistemas de coleta de esgoto ocorridos no século XIX, as águas residuárias domésticas coletadas, eram tratadas da forma mais simples possível, a disposição no solo. Desta forma foram criados locais que ficaram conhecidas como "fazendas de esgoto". Embora estas fazendas tivessem como principal finalidade a disposição dos despejos, ocorreram algumas iniciativas isoladas de cultivo agricultural e outros fins, tendo obtido desde aquela época bons resultados. Isto ocorreu no Reino Unido, por volta de 1865, nos Estados Unidos em 1871, na França em 1872, na Alemanha em1876, na Índia em 1877, na Austrália em 1893 e no México em 1904. METCALF & EDDY (1991) comentam que, no ano de 1912 nos EUA, foi implantado o primeiro projeto bem documentado de reúso, utilizando efluentes de fossas sépticas na irrigação e manutenção de lagos ornamentais do Golden Gate Park, em São Francisco. Em 1926, no Grand Canion National Park, a reutilização de efluentes tratados já era uma

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realidade consolidada, o sistema de reúso utilizava efluentes para vasos sanitários, irrigação de gramado e resfriamento de caldeiras. Em 1929, a cidade de Pomona, Califórnia, iniciou um projeto que utilizava esgoto tratado para irrigação de gramados e jardins. No ano de 1960, foi implantado um sistema no Colorado, irrigando campos de golfe, parques, cemitérios e auto-estrada. Uma forma de reaproveitamento urbano semelhante ao supra citado foi realizado em 1977 na cidade de St. Petersburg, na Flórida. Atualmente este sistema ainda existe, sendo as águas residuárias utilizadas na irrigação de parques públicos, campos de golfe, jardins escolares e residenciais. Em verdade, a prática do reúso é uma realidade desde que o mundo é mundo. Recordando Lavoisier "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Aspectos correlatos Quando se pretende realizar o reúso planejado de efluentes domésticos, deve-se levar em consideração que o sucesso da implantação e manutenção de um sistema de reúso vai muito além da existência de um bom projeto de engenharia, é necessário pesquisar e avaliar diversos aspectos correlatos a esta prática. Características socioculturais e religiosas, incluindo práticas de higiene, conscientização, aceitação e sensibilização da população, são fatores que podem conduzir ao fracasso do sistema caso não se inclua o estudo destes aspectos no planejamento de um sistema de reúso. Aspectos culturais e religiosos HESPANHOL (1999) comenta que nos continentes americano, europeu e africano a cultura da população leva a uma forte objeção ao reúso e/ou uso de excretas humanos como fertilizantes. Em contrapartida, na China, no Japão e na Indonésia, esta prática é realizada regularmente, sendo considerada recomendável tanto do ponto de vista econômico quanto do ambiental. Isto ocorre porque a aplicação de dejetos na agricultura e aqüicultura está de acordo com as tradições asiáticas de sobriedade, refletindo o aprecio ecológico e econômico existente entre a fertilidade do solo em relação aos excretas humanos (MARA & CAIRNCROSS, 1990). No intuito de reforçar esta tese, pode-se comentar que não há religião na qual as fezes humanas sejam mais citadas do que no budismo, religião largamente praticada na região asiática. Esta religião prega o processo natural de reciclagem da energia humana: nascimento, crescimento, envelhecimento, morte e ressurreição, sendo que esta última promove o conceito harmonioso de reciclar a energia vital. Observando a questão sobre este prisma, fica fácil entender a pré-disposição cultural dos povos asiáticos à aceitação de excretas humanos como fertilizantes. Nestes locais, pode-se dizer que as fezes são vistas como um recurso, não um refugo. Outro motivo que pode levar as comunidades a aceitarem com maior facilidade o reúso de efluentes domésticos é a necessidade de se promover práticas de cultivo intenso com baixo custo para alimentar grandes contingentes populacionais.

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MOTTA (2000) comenta que na região Nordeste do Brasil a comunidade pobre além de consumir hortaliças irrigadas com esgoto, dá preferência à aquisição destes produtos, dados os baixos valores praticados neste mercado. Deve-se ressaltar, no entanto, que este tipo de iniciativa por parte de alguns agricultores incorre em altos riscos sanitários visto que nenhum controle da qualidade microbiológica do efluente e/ou cultura irrigada é realizado. Segundo HESPANHOL (1999) o reúso de esgotos tratados geralmente é aceito quando há escassez hídrica associada à razões econômicas. Em diversos países Islâmicos, a prática do reúso agrícola é adotada quando são removidas as impurezas (najassa). O livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão, prega que a prática do reúso pode ser aceita quando a água impura é transformada em água pura (tahur) através da auto-purificação, diluição ou remoção por efeitos físicos. SANTOS (1992) ressalta que os levantamentos de opinião pública revelam que os "medos" não são justificados no que concerne à segurança dos sistemas de reúso. Este autor recomenda ainda que, no intuito de reverter esta situação, um trabalho de marketing deve ser realizado. Aspectos econômicos Atualmente pode-se dizer que tecnicamente não existem restrições para o reúso de águas residuárias, pois já existem processos de tratamento com capacidade para preparar água de qualquer despejo para qualquer fim, ou seja, tecnicamente não há restrições de uso. No entanto, sob o ponto de vista econômico, o reúso pode ser considerado viável ou não. O custo de um sistema de reúso deve contemplar gastos com o tratamento adicional requerido, transporte, reservação e aplicação (quando necessário). A avaliação econômica dos sistemas visando o reúso deve basear-se na avaliação dos custos incrementais em relação aos benefícios proporcionados por este sistema. Em diversos países os projetos adotam uma metodologia que é baseada no ajuste dos custos marginais e dos benefícios ao valor presente, a uma taxa real de desconto, projetando o sistema de maneira que seja superior à unidade, a relação benefício/custo. (FORERO,1993). Pode ser notado que, no momento em que se pretende avaliar economicamente a reutilização de esgotos domésticos na agricultura, deve-se levar em consideração o destino final dos investimentos financeiros (aumento na produção de alimentos, no caso de irrigação agrícola) além do retorno social, (melhorias na saúde e mitigação da poluição hídrica). A OMS (1989) comenta que a avaliação da viabilidade econômica considera um projeto viável quando no planejamento financeiro for identificada a forma pela qual os projetos serão pagos. Neste caso é importante comparar a alternativa do reúso com o que seria feito na ausência deste, uma vez que a disposição destes efluentes também incorre em custos. No que diz respeito à avaliação econômica do uso de esgotos em sistemas de aqüicultura, a

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OMS salienta que neste caso a análise é bem mais complexa, visto que alguns dos benefícios são mais difíceis de se quantificar. Quanto ao planejamento financeiro, a OMS (1990) ressalta que uma grande responsabilidade normalmente é acarretada pela distribuição de águas residuárias aos fazendeiros. Além disto, deve-se considerar que um fazendeiro só optará pelo uso e pagamento de águas residuárias para irrigação, caso seu valor seja menor que o da água que ele costuma utilizar somado ao valor dos nutrientes contidos nos esgotos. No caso da aqüicultura e o uso de excretas, o preço é normalmente baseado no custo marginal do tratamento e transporte do esgoto em relação ao valor dos nutrientes neles contidos. Deve-se levar em consideração que a sustentabilidade dos projetos de reúso está intimamente ligada aos critérios tarifários adotados. Neste cenário basear-se na alocação dos custos incrementais relacionados apenas a custos marginais dos sistemas de reúso é um critério razoável aos países em desenvolvimento, visto que nestes locais o reúso é considerado um benefício social (HESPANHOL, 1999). Aspectos institucionais e legais HESPANHOL (1999) comenta que uma política criteriosa de reúso transforma a problemática poluidora e agressiva dos esgotos, em recurso econômico ambientalmente seguro. A institucionalização do reúso objetiva a distribuição eqüitativa das disponibilidades entre usos e usuários, devendo, entretanto, assegurar padrões de qualidade compatíveis com as necessidades dos usuários, minimizando os conflitos administrativos que venham a ocorrer. Em suma, a institucionalização deve promover o gerenciamento e garantir a qualidade dos serviços. De acordo com a OMS (1990), uma metodologia com vistas à avaliação e ao aprimoramento de um sistema institucional de reúso deve levar em consideração alguns aspectos: verificação e análise com os agentes responsáveis pelo processo; estudo das características da comunidade e das agências do ramo; revisão das leis, regulamentos e prescrições; definição do prognóstico, diagnóstico e causas associadas; debates a respeito dos critérios e indicadores; intervenção através da participatividade; constante avaliação.

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A OMS sugere também que na introdução ou promoção de novos projetos de reúso agrícola ou aqüicultural são requeridas ações legislativas, como a criação de novas instituições ou distribuição de novos poderes para as entidades existentes, aproximação das relações entre o governo nacional e local, apropriação e posse de terra destinadas a estes fins, ações que promovam a saúde pública e o desenvolvimento de uma legislação agrícola contemplando padrões de qualidade para os resíduos, restrições sobre a cultivos, métodos de aplicação, higiene no preparo dos alimentos, etc. Segundo HESPANHOL (1999), para que se alcance uma operação adequada dos sistemas de reúso, os seguintes ministérios devem ser integrados: agricultura – atuando no planejamento e coordenação dos projetos, na gestão das terras federais, instalação e operação dos sistemas de irrigação e no controle do mercado; recursos hídricos – atuando na integração do reúso ao planejamento e gestão nacional dos recursos hídricos; fazenda e planejamento – atuando na avaliação dos aspectos econômicos financeiros, no financiamento, critérios para subsídios, etc.; saúde – responsabilizando-se pela fiscalização da qualidade do efluente em relação aos padrões estabelecidos, vigilância e proteção dos grupos de risco , vigilância sanitária, etc.; obras públicas e companhias de água e saneamento – atuando na coleta e tratamento adequado dos esgotos. SETTI (1995) ressalta que a gestão dos recursos hídricos voltada especificamente à prática do reúso possui uma divisão de tarefas que deve ser realizada de forma com que o governo se responsabilize pela institucionalização e implantação, as entidades constituídas por representantes da comunidade sejam responsáveis pela difusão das informações junto à comunidade, as empresas encarreguem-se da orientação e as escolas realizem o desenvolvimento de tecnologias. Nos EUA a Agência de Proteção Ambiental (EPA) divulgou em nível federal critérios e recomendações para reúso da água, mas cada estado que possui sistemas de reúso definiu suas próprias regulamentações. O estado da Califórnia é pioneiro em reúso, tendo desenvolvido suas primeiras regulamentações em 1918. Os critérios seguidos hoje neste estado tiveram sua última revisão no ano de 1978, sofrendo algumas alterações por meio de uma publicação do Departamento de Saúde da Califórnia no ano de 1994 (CROOK, 1996). FELIZATTO (2001) comenta que, no decorrer dos últimos 25 anos, a crescente escassez de água, associada aos benefícios da reutilização, tem incentivado o aumento significativo no número de sistemas e regulamentações, promovendo o reúso em vários países americanos e europeus. Nos EUA a lei que regulamenta o saneamento básico no estado da Califórnia, o Califórnia Water Code (CWD), preconiza que é intenção da legislação que o estado

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empreenda todos os possíveis passos no intuito de promover o desenvolvimento de estações de recuperação da água de forma que esta auxilie a supressão das crescentes demandas por água. Neste mesmo sentido a Comissão de Diretrizes da Comunidade Européia declarou que sempre que seja apropriado deverá ser praticado o reúso das águas residuárias tratadas. As indicações americanas são seguidas pela maior parte dos países industrializados. Já nos países em desenvolvimento existe maior tendência à aceitação dos critérios estabelecidos pela OMS, visto que esta organização dirige suas publicações a este público e indica padrões menos exigentes. Todavia, fugindo à regra, BONTOUX e COURTOIS (1996) relatam que as indicações do ministro da saúde na França determinam a utilização dos critérios preconizados pela OMS para reúso em irrigação neste país. No Brasil não existe legislação e/ou regulamentação para o reúso de águas. Todavia o objetivo a ser alcançado através do reúso é indiretamente preconizado pela constituição brasileira na Lei Nº9.433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SNGRH. Nesta lei preconiza-se que "a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas". A mesma lei diz que "a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável", deve fazer parte dos objetivos governamentais, logo o reúso deve fazer parte dos objetivos governamentais. Nos Planos de Recursos Hídricos, esta mesma lei institui que existem "medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas". Aspectos de saúde pública Vários são os riscos sanitários e de saúde pública, inerentes à reutilização das águas residuárias. A potencialidade de contaminação está intimamente ligada à qualidade sanitária do efluente em relação ao fim pretendido para reúso. As informações disponíveis indicam que quase todos os microorganismos patogênicos sobrevivem no solo e na água em tempo suficiente para representarem um perigo potencial aos envolvidos no processo de reúso. BIRLEY (1998) subdivide as doenças relacionadas aos esgotos em cinco categorias, distinguido-as pelo seu período de latência (intervalo de tempo entre a excreção e a infecção), e persistência (tempo em que um patogênico pode permanecer viável após deixar seu hospedeiro). Estes dois fatores combinados determinam a meia vida do patógeno no esgoto e na planta irrigada. Estas categorias são: doenças não latentes e de baixa persistência; englobando vírus, protozoários e helmintos, as moscas são importantes vetores de transmissão destas doenças, sendo que eventualmente moluscos podem ser transmissores das viroses entéricas. Ex: hepatite e gastroenterite; doenças não latentes e de média persistência; nesta categoria incluem-se as doenças transmitidas por bactérias, sendo os maiores transmissores as moscas. Ex: febre tifóide, gastroenterite e cólera;

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doenças latentes, persistentes e sem hospedeiro intermediário; devido à extensa meia vida, esta é uma das categorias mais perigosas. Ex; ascaris lumbricóides e trichuris; doenças latentes, persistentes e com hospedeiros animal intermediário; doenças latentes, persistentes e com hospedeiro aquático intermediário: esta categoria exige a presença de um hospedeiro intermediário que na maioria das vezes é um caramujo. Ex: esquistossomose e giardíase. As grandes variações observadas nas características físico-químicas e biológicas dos esgotos aliadas às incertezas inerentes à eficiência dos processos de tratamento acarreta um risco que deve ser analisado. A falta desta análise pode levar o projeto ao fracasso caso o número de doenças aumente devido ao reúso. SANTOS (1992) comenta que o risco associado ao processo de reúso será mínimo, caso o projeto seja conduzido de forma segura e se utilizar de tecnologia conveniente. O quadro a seguir, elaborado por LAVRADOR FILHO (1987), apresenta sinteticamente os riscos sanitários dos diversos potenciais de reúso, comentando as formas de mitigá-lo. Quadro 1 : Riscos à Saúde Associados às Formas Possíveis de Reúso FORMAS DE REÚSO RISCOS À SAÚDE MEDIDAS DE MITIGAÇÃO DO RISCO AGRÍCOLA Contaminação de culturas com organismos patogênicos Tratamento adequado; eliminar contato direto do efluente com culturas comestíveis; substituição da cultura Contaminação direta dos trabalhadores Tratamento adequado; educação dos trabalhadores a respeito da necessidade de adequados hábitos de higiene pessoal Contaminação do público por aerossóis Tratamento adequado, fixação de zonas neutras com cercas vivas entre as áreas irrigadas e as zonas residenciais ou vias públicas. Substituição do método de irrigação. Contaminação de animais que se alimentam das pastagens irrigadas

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Tratamento adequado. Contaminação de peixes e lagoas Tratamento adequado e controle de vetores. INDUSTRIAL Conexão cruzada entre os sistemas de água potável e de reúso Adequação diferenciação (código de cores, materiais diferentes, etc.) entre os sistemas. Sinalização adequada. Se usada como água de processo, contaminação de produtos comestíveis Tratamento adequado. RECREACIONAL Doenças de veiculação hídrica, infecção dos olhos, ouvido e nariz Tratamento adequado. Restrição ao contato direto com a água. Ingestão de contaminantes químicos ou irritação dos olhos e mucosas, devido aos efluentes industriais Reduzir ou eliminar descargas industriais. Tratamento adequado. Restrição ao contato direto. RECARGA DE AQÜÍFERO SUBTERRÂNEO Contaminação de aqüíferos como fonte de água potável Tratamento adequado anterior à recarga: o efluente deve percorrer uma certa distância através do solo; adequada diluição com águas naturais do aqüífero; assegurar tempo de detenção mínimo do aqüífero. REÚSO URBANO NÃO POTÁVEL Conexão cruzada entre os sistemas de água potável e de reúso Tratamento adequado; adequada diferenciação entre os sistemas. Sinalização Contato com a água recuperada utilizada na irrigação de parques e jardins ou lavagem de ruas

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Tratamento adequado; irrigação e lavagem em horários de pouco contato com o público; restrição à irrigação com aspersão. REÚSO PARA FINS POTÁVEIS Ingestão de contaminantes biológicos e químicos Tratamento adequado; monitoramento da qualidade da água antes da distribuição e outras medidas. FONTE: LAVRADOR (1987, p. 101) NOTA: Quadro montado a partir de SUVALL, H. I. Health Considerations in Water Renovation and Reuse. In: Water Renovations and Reuse: p. 33-72. Nova Iorque, Academic Press, 1977, e MONTGOMERY, J. Water Treatment: Principles & Design. Washington. James Montgomery, Consulting Engineers, Inc, 1985. GANOULIS e PAPALOPOULOU (1996) comentam que os passos a serem seguidos para que se proceda a uma análise de risco em sistemas de reúso de águas residuárias são: identificação dos riscos; quantificação dos riscos; conseqüências dos riscos; gerenciamento dos riscos. METODOLOGIA DE IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POSSIBILIDADES DE REÚSO A metodologia ora apresentada, foi idealizada por GIORDANI (2002) e apresentada em sua dissertação de mestrado. Para entendimento e utilização da metodologia proposta GIORDANI (2002), considera imprescindível que, o gestor tenha os seguintes conhecimentos mínimos: a) características e formas de tratamento dos esgotos; b) definição e classificação do reúso; c) legislação ambiental vigente; d) exemplos de sistemas de reúso existentes;

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e) características requeridas para água de reúso; f) embasamento teórico de vários aspectos ligados ao reúso, entre eles: - saúde pública; - sócio-culturais; - econômicos. Isto posto, o gestor pode iniciar o estudo de caso utilizando o fluxograma apresentado na Figura 2. Neste fluxograma, o primeiro passo é o levantamento das principais características da bacia em estudo como a disponibilidade e qualidade hídrica, a forma de gerenciamento dos recursos hídricos (distribuição das parcelas de água), identificando os mananciais abastecedores, corpos receptores bem como a existência de entidades reguladoras e/ou agência de bacia. Posteriormente, o estudo pode ser dividido em duas vertentes. A primeira deve realizar averiguações a respeito da oferta de efluentes. Neste sentido, deve-se identificar e localizar o universo de ETE’s, bem como as formas de tratamento realizadas nestas, a origem, a quantidade e a qualidade dos efluentes gerados. A averiguação da disponibilidade de área para expansão do tratamento também é importante para posterior avaliação das possibilidades de implantação de um sistema de tratamento de adequação, quase sempre necessário. A segunda deve levantar dados referentes as demandas passíveis de utilização destes. Neste caso, deve-se proceder à identificação e localização dos possíveis usuários agrícolas, industriais, paisagísticos, recreacionais etc. Para tal, pode-se recorrer a entidades ou pessoas que possam fornecer informações a respeito das principais características das atividades passíveis de reúso, como identificação de usuários, sua localização bem como o levantamento e/ou estimativa das demandas passíveis de uso de efluentes domésticos. Posteriormente pode-se levantar a aceitabilidade destes usuários e a qualidade esperada para a água de reúso. Caso a bacia em estudo possua comitê instituído, grande parte destas informações estarão disponíveis em seu comitê. Existe também a possibilidade de identificação de demandas que podem ser induzidas pela oferta de efluentes tratados. Por exemplo, a disponibilização de água para uso industrial numa certa região, pode atrair a instalação de novas industrias, dados baixos custos da água de reúso quando comparada ao custo da água de uso industrial, que possui o valor mais alto do mercado. De posse destes dados o gestor poderá proceder à locação em mapa das informações adquiridas. Neste mapa as informações mínimas necessárias são localização das ETEs, dos possíveis usuários e suas respectivas vazões de oferta e demanda respectivamente. Em caráter complementar podem constar dados de qualidade das águas, superficiais e subterrâneas, pontos de captação de água, uso e ocupação do solo, etc. Quanto maior for o conhecimento das características da bacia em estudo maior será a capacidade de visão do gestor e melhor será a gestão dos seus recursos hídricos. Esta fase é especialmente

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importante pois com base neste mapa o gestor irá conseguir uma visualização geral da situação de sua bacia e melhor identificar potenciais fins de reúso. Recomenda-se utilizar símbolos distintos para identificação da oferta e demanda por efluentes. Por exemplo, pode-se utilizar um triângulo para oferta e uma circunferência para demandas. No caso de diferentes demandas, pode-se individualizar o tipo de uso através da alternância de cores. Por exemplo, circunferências verde para agricultores irrigantes, circunferências rosa para industriais etc. Após esta análise, o planejador pode realizar a compatibilização ou cruzamento dos dados de oferta em relação à demanda, arbitrando um raio de observação inicial. Para definição do valor deste raio o planejador deve usar de seu bom senso, pois seu valor (extensão) é função das características da área em estudo, principalmente de suas dimensões. Nesta compatibilização as vazões de demanda (Qd) podem ser menores, iguais ou maiores que a oferta de efluentes (Qo). No caso de serem menores ou iguais a oferta o reúso deve ser incentivado, pois trata-se de uma prática que visa à melhoria ambiental. No caso de as demandas serem maiores, propõe-se que o reúso seja incentivado na substituição dos usos menos nobres. Uma vez definidos os possíveis usos e/ou usuários, o planejador pode partir à compatibilização qualitativa das características dos efluentes em relação à qualidade requerida para fim de reúso pretendido. Nesta análise, caso não haja dados de qualidade disponível, pode-se proceder a análises físico-químicas e microbiológicas que tornem possível a caracterização do efluente existene. A qualidade requerida pela água de reúso varia em função do fim pretendido e no Brasil não existem padrões de reúso para serem seguidos. Neste caso, sugeri-se que a determinação da qualidade da água de reúso seja definida juntamente com os usuários. Esta análise é extremamente importante, pois em função dela será avaliada a necessidade ou não de implantação de um sistema que realize o tratamento de adequação do efluente ao uso. Caso o efluente já atenda o padrão de qualidade especificado não será necessário projetar um tratamento de adequação. Caso o efluente tenha qualidade inferior ao esperado pode-se partir à análise de alternativas de tratamento a ser empregada. Esta avaliação pode ser realizada utilizando valores teóricos de eficiência, no entanto, o ideal é a realização de ensaios de tratabilidade para melhor avaliar o desempenho do tratamento proposto. Após a definição do(s) sistema(s) de tratamento que tem possibilidade técnica de adequar o efluente ao uso, pode-se realizar uma análise econômica que avalie os custos de implantação e operação do sistema de tratamento de adequação, transporte do efluente, armazenamento e aplicação (quando necessário). A avaliação dos benefícios do empreendimento é uma fase bastante complexa dada a subjetividade da valoração dos benefícios ambientais e de saúde pública conseguidos pela não disposição destes efluentes na natureza. Em bacias onde já existe a cobrança pelo uso da água os benefícios facilmente mensuráveis são a economia que se obtém com o não pagamento da taxa de captação de água e disposição dos efluentes.

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Desta forma, quando os benefícios (B) são maiores ou iguais aos custos (C) o sistema de reúso é considerado viável. No caso de os benefícios serem menores que os custos, pode-se aumentar o raio de observação e retornar à análise espacial e quantitativa, na intenção de identificar e avaliar a viabilidade de novas possibilidades de reúso. Este retorno deve ser realizado até o momento em que o gestor, usando seu bom censo, perceba que os custos de transporte estão se tornando demasiadamente elevados, pois isto inviabilizará, a partir deste raio, as novas possibilidades. Figura 2 : Fluxograma de auxílio à metodologia de identificação e avaliação de possibilidades de reúso Fonte: GIORDANI (2002) Conclusões Neste trabalho não existem conclusões a serem apresentadas. Entretanto, muitas conclusões poderão ser alcançadas após aplicação da metodologia proposta. Isto feito, certamente, surgirão várias conclusões distintas, uma para cada bacia. Infelizmente o Brasil não tem uma legislação adequada ao reúso, e a população não tem consciência dos problemas hídricos do país. Desta forma, sugere-se que um programa educacional de conscientização ambiental possa esclarecer e/ou remover possíveis oposições da comunidade ou até criar um clima onde seja ela própria quem exija uma distribuição mais justa das parcelas de água. Neste sentido, o gerenciamento de um sistema de reúso necessita de atenção constante no estímulo e na manutenção da aceitabilidade do usuário, objetivo alcançado através da transparência do processo junto aos usuários do efluente, da manutenção de qualidade do efluente e da disseminação de informações precisas sobre as vantagens e os riscos associados. Pode-se considerar ainda que, ao projetar sistemas de tratamento de esgotos, os gestores se preocupem também com o reúso de seus efluentes, dando-lhes um destino mais útil que o simples despejar em rios ou córregos, sem um planejamento sistêmico que avalie outras possibilidades de uso e/ou disposição destes. Neste momento cabe ressaltar que os autores esperam que, ao incentivar iniciativas de reúso, estejam incentivando também a ampliação dos sistemas de coleta de esgoto, uma vez que estes venham a ser encarados como matéria-prima e não rejeito. Por fim, os autores esperam que o governo, tanto na esfera estadual quanto federal, estimule processos de gestão que visem à racionalização do uso da água estabelecendo

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bases políticas, legais e institucionais, uma vez que esta opção é uma solução ambientalmente sustentável, sanitariamente segura e economicamente viável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE NETO, C. O Uso de Esgotos Sanitários e Efluentes Tratados na Irrigação In: CONGRESSO NACIONAL DE IRRIGAÇÃO E DRENAGEM, 9., IX CONIRD-ABID, 1992, São Paulo: Anais... v. 2, 1992. p.1961- 2006. ANGELAKIS, A. N.; SPIRIDAKIS, S. The Status of Water Resources in Minoam Times: a preliminary study. Angelakis, A. N. e A. Issar, Editors, Diachronic Climatic Impacts on Water Resources in Mediterranean Region. Springer-Velag, Heidelberg, Germany, p. 15-19, 1996. ASANO, T.; LEVINE, A. D. Wastewater reclamation recycling and reuse: past, present and future. Water Science and Technology, Grã-Bretanha, v. 33, n. 10 -11, p.1-14, 1996. BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal e altera o artigo 1 da Lei n. 8001, de 13 de março de 1995. Diário Oficial da República Federal do Brasil, Brasília, 9 de janeiro de 1997. CAMPOS, J. R. et al. Tratamento de Esgotos Sanitários por Processo Anaeróbio e Disposição Controlada no Solo, Rio de Janeiro-RJ: ABES Projeto Prosab, 1999, 248p. CONWAY, R.A. Introduction to Environmental risk analysis. In: Enviromental Risk Analysis for Chemicals. New York: van Nostand Reinhold Company, 1982. Chapter 1 p.1-30. FELIZZATTO M. R. ETE Cagif: Projeto Integrado de Tratamento Avançado e Reúso Direto de Águas Residuárias. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL – ABES, n.21, 2001, João Pessoa-PB. FORERO, R. S., Institutional, Economic and Socio-Cultural Considerations, in: WHO/FAO/UNCHS/UNEP Regional Workshop for the Americas on Health, Agriculture and Enviromental Aspects of Wastewater Use, 8-12 Novembro 1993, Instituto Mexicano de Tecnologia de Águas (IMTA), Jiutepec, Mexico, 1993. GIORDANI, S. Averiguações das Possibilidades de Reúso de Efluentes Domésticos Tratados nas Bacias do Alto Iguaçu e Alto Ribeira – Região de Curitiba. Curitiba, 2002, 201f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Hidráulica) – Universidade Federal do Paraná.

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HESPANHOL, I. A urgência do reúso da água. Revista Saneamento Ambiental, n. 71, abr. 2000. p.18-21. Entrevista. HESPANHOL, I. Reúso de Água. In: REBOUÇAS, A. da C.; BRAGA, B.; TUNDISI, J. G. Águas Doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras,1999. p.270 – 303. LAVRADOR FILHO, J. Contribuição para o Entendimento do Reúso Planejado da Água e algumas Considerações Sobre suas Possibilidades no Brasil. São Paulo, 1987. 191 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. MANCUSO, P. C. S. O Reúso da Água e sua Possibilidade na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 1992. 132 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública. MARA, D.; CAIRNCROSS, S. (organizadores). Guidelines for the safe use of wastewater and excreta in agriculture and aquaculture, Genebra, OMS, 1989. METCALF & EDYY. Wastewater Engineering Treatment, Disposal and Reuse. 3 ed, Revised by. TCHOBANOGLOUS, G.; BURTON, F. New York: McGraw-Hill, 1991. MOTA, S. et al. (organizador). Reúso de Águas: a experiência da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE: Imprensa Universitária da UFC, 2000. MUJERIEGO, R.; ASANO, T. The Role of Advanced Treatment in Wastewater Reclamation and Reuse. Water Science Technology, Grã-Bretanha, v. 40, n. 4-5, p.1-9, 1999. OUTWATER, A. B. Reuse of Sludge and minor wastewater residuals. [S. l]. Lewis Publishers, 1994, 179p. SANTOS, C. L. Tecnologia de Reúso Aplicada ao Abastecimento de Água Potável e Industrial da Baixada Santista. São Paulo, 1992. 99 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública.