De ‘terra ignota’ ao latifúndio: O Nordeste sob a ótica de ... · latifundio. It is inferred...

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De ‘terra ignota’ ao latifúndio: O Nordeste sob a ótica de Euclides, Graciliano e João Cabral Nathalia Rodrigues (Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ) 1 . Resumo: Esse trabalho tem como objetivo propor um diálogo entre três grandes obras da literatura brasileira: “Os Sertões” (Euclides da Cunha, 1902), “Vidas Secas”(Graciliano Ramos, 1938) e “Morte e Vida Severina”(João Cabral de Melo Neto, 1955). Partimos da premissa de que ponto unívoco entre as obras é a problematização em torno do Nordeste e do nordestino, e que, assim sendo, fora possível apresentar ao Brasil essa região e seus moradores, marginalizados, até então, da história, literatura e políticas públicas do país. Em Os Sertões o contexto do sertanejo era de um ignoto; em Vidas Secas de um sertanejo diminuto, caricato, à margem não por seu mistério, mas por sua condição social estereotipada; em Morte e Vida vê- se um sertanejo explorado, desterrado e assassinado, não somente pela seca, mas, principalmente pela imposição da hierarquia social do latifúndio. Infere-se que luta de Euclides é contra a ignorância do homem brasileiro em relação ao Brasil do interior, a luta de Graciliano é contra a redução do homem do interior à condição de bicho, a luta de João Cabral é contra a desigualdade social. Consideramos assim que, a literatura, nos três casos, cumpre seu papel de denúncia, sendo, portanto, imprescindível ao debate acadêmico e social. Palavras-chave: Nordeste; Euclides da Cunha; Graciliano Ramos; João Cabral de Melo Neto. Abstract: This work aims to propose a dialogue between three great works of Brazilian literature: "The Sertões" (Euclides da Cunha, 1902), "Vidas Secas" (Graciliano Ramos, 1938) and "Morte e Vida Severina" (João Cabral de Melo Neto, 1955). We start from the premise that the unambiguous point between the works is the problematization around the Northeast and the Northeastern region, and that, in this way, it was possible to present to Brazil this region and its inhabitants, who until then had been marginalized from history, literature and public policies from the country. In Os Sertões the context of the sertanejo was of an unknown; in Dry Lives of a diminutive sertanejo, caricato, on the margins not because of its mystery, but because of its stereotyped social condition; in Death and Life one sees a sertanejo exploited, exiled and murdered, not only by the drought, but, mainly by the imposition of the social hierarchy of the latifundio. It is inferred that Euclid's struggle is against the ignorance of the Brazilian man in relation to the Brazil of the interior, Graciliano's struggle is against the reduction of the man from the interior to the condition of animal, João Cabral's struggle is against social inequality. We consider that, in all three cases, literature fulfills its role of denunciation and is therefore essential to academic and social debate. Keywords: Northeast; Euclides da Cunha; Graciliano Ramos; João Cabral de Melo Neto. 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ; [email protected]

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De ‘terra ignota’ ao latifúndio: O Nordeste sob a ótica de Euclides, Graciliano e João

Cabral

Nathalia Rodrigues

(Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ)1.

Resumo: Esse trabalho tem como objetivo propor um diálogo entre três grandes obras da

literatura brasileira: “Os Sertões” (Euclides da Cunha, 1902), “Vidas Secas”(Graciliano

Ramos, 1938) e “Morte e Vida Severina”(João Cabral de Melo Neto, 1955). Partimos da

premissa de que ponto unívoco entre as obras é a problematização em torno do Nordeste e do

nordestino, e que, assim sendo, fora possível apresentar ao Brasil essa região e seus moradores,

marginalizados, até então, da história, literatura e políticas públicas do país. Em Os Sertões o

contexto do sertanejo era de um ignoto; em Vidas Secas de um sertanejo diminuto, caricato, à

margem não por seu mistério, mas por sua condição social estereotipada; em Morte e Vida vê-

se um sertanejo explorado, desterrado e assassinado, não somente pela seca, mas,

principalmente pela imposição da hierarquia social do latifúndio. Infere-se que luta de Euclides

é contra a ignorância do homem brasileiro em relação ao Brasil do interior, a luta de Graciliano

é contra a redução do homem do interior à condição de bicho, a luta de João Cabral é contra a

desigualdade social. Consideramos assim que, a literatura, nos três casos, cumpre seu papel de

denúncia, sendo, portanto, imprescindível ao debate acadêmico e social.

Palavras-chave: Nordeste; Euclides da Cunha; Graciliano Ramos; João Cabral de Melo Neto.

Abstract: This work aims to propose a dialogue between three great works of Brazilian

literature: "The Sertões" (Euclides da Cunha, 1902), "Vidas Secas" (Graciliano Ramos, 1938)

and "Morte e Vida Severina" (João Cabral de Melo Neto, 1955). We start from the premise that

the unambiguous point between the works is the problematization around the Northeast and

the Northeastern region, and that, in this way, it was possible to present to Brazil this region

and its inhabitants, who until then had been marginalized from history, literature and public

policies from the country. In Os Sertões the context of the sertanejo was of an unknown; in Dry

Lives of a diminutive sertanejo, caricato, on the margins not because of its mystery, but because

of its stereotyped social condition; in Death and Life one sees a sertanejo exploited, exiled and

murdered, not only by the drought, but, mainly by the imposition of the social hierarchy of the

latifundio. It is inferred that Euclid's struggle is against the ignorance of the Brazilian man in

relation to the Brazil of the interior, Graciliano's struggle is against the reduction of the man

from the interior to the condition of animal, João Cabral's struggle is against social inequality.

We consider that, in all three cases, literature fulfills its role of denunciation and is therefore

essential to academic and social debate.

Keywords: Northeast; Euclides da Cunha; Graciliano Ramos; João Cabral de Melo Neto.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

– UERJ; [email protected]

Ao longo da história brasileira, poucas regiões foram tão debatidas como o Nordeste.

Do período colonial à República, da política à literatura, perpassando a geografia, economia,

artes e músicas, o Nordeste e o nordestino foram objetos de atenções diversas. Entretanto, para

Manuel Correia de Andrade, “é o Nordeste uma das regiões geográficas mais discutidas e

menos conhecidas do país.” (ANDRADE, 1980: 35). Isto porque poucos estudiosos de fora da

região dedicaram-se a perlustrar, observando in loco, dialogando com os seus habitantes, ou

ainda porque, em uma historiografia sulista, pouca voz fora dada aos estudiosos locais, acerca

de suas características e problemas regionais. Dessa forma, invariavelmente, o Nordeste fora

retratado por autores externos, que acabaram por construir e reproduzir conceitos, muitas vezes

negativos, e nem sempre verdadeiros.

Soma-se a isso a estereotipação feita no âmbito do senso comum, que, apesar de não

acadêmica contribui para a formação de um pensamento convexo em torno da região. Assim,

retrata-se, constantemente, as festas juninas, humoristas, beatos e beatas, cangaceiros, coronéis,

sotaques carregados de um português arcaico ou de expressões folclóricas e, a todo momento,

a seca e a miséria, quando não associadas à violência. Todas essas referências foram

reproduzidas excessivamente, ao longo dos anos, seja em novelas, filmes, jornais, entre outros.

Quanto a isso, Durval Muniz de Albuquerque Jr. apresenta um questionamento

pertinente: “Podemos, então, (...) [afirmar] que a mídia não vê o Nordeste como ele é?”

(ALBUQUERQUE JR. 1999:30) Considerando as marcas de estereótipos apresentadas acima,

a resposta positiva seria quase que imediata, entretanto, a singularidade do trabalho de

Albuquerque reside em discordar desse ponto, e aprofundar a reflexão. Para o autor, considerar

que a mídia não vê o Nordeste como ele é, “seria pleitear a existência de uma verdade para o

Nordeste, que não existe” (Id.Ibd.) Ou seja, importa considerar que o estereótipo não é apenas

uma fala mentirosa, é também uma fala produtiva, que é internalizada por quem fala e por

quem é estereotipado, “ao criar uma realidade para o que toma como objeto” (Id.Ibd.) E,

fundamentalmente, considerar que essa fala é intrínseca à um sistema de poder, mantendo um

porquê de sua existência.

Portanto, partindo da premissa acima, não temos a pretensão de construir a verdadeira

imagem, ou o verdadeiro nordeste, pois tal pressuposto significaria acreditar na existência de

uma verdade única, o que inexiste nas ciências humanas. Mas considerando a marca do

desconhecimento histórico acerca da região, importa analisar quais interesses estão

relacionados a esse afastamento. E, considerando que os primeiros relatos sobre a região, no

início do século XX, deram-se a partir de literatos, busca-se compreender de que maneira a

literatura contribui para o desvelamento do Nordeste, do povo e dos seus problemas.

Dessa forma, propusemos um diálogo entre três grandes obras da literatura brasileira:

“Os Sertões” (Euclides da Cunha, 1902), “Vidas Secas”(Graciliano Ramos, 1938) e “Morte e

Vida Severina”(João Cabral de Melo Neto, 1955). Partimos da premissa de que ponto unívoco

entre as obras é a problematização em torno do Nordeste e do nordestino, e que, assim sendo,

fora possível apresentar ao Brasil essa região e seus moradores, marginalizados, até então, da

história, literatura e políticas públicas do país.

1. Terra ignota: A construção da terra nordestina em Os Sertões

Em 1896 eclodiu na comunidade de Canudos, interior da Bahia, uma das mais

sangrentas revoltas republicanas. Formada por aproximadamente 20 mil pessoas, a localidade

era liderada pelo beato Antônio Conselheiro, e de acordo com Yara Dulce Ataíde, seus

seguidores eram “insatisfeitos, perseguidos e marginalizados em suas regiões de origem. (...)

Etnicamente esse grupo teria sua origem entre os mestiços que compunham as classes

subalternas – trabalhadores rurais, vaqueiros, pequenos proprietários sem perspectivas” que

estariam dispostos a segui-lo (ATAÍDE, 1994:90). Além desses, a autora destaca ainda a

influência do beato sobre nativos, caboclos, ex-escravos, pardos migrantes. De maneira geral,

pode-se falar de um grupo de pessoas pobres e/ou excluídas dos novos pressupostos

republicanos.

Segundo Jacqueline Hermann, em 1896 os canudenses teriam se envolvido em um

conflito local: “comerciantes de Juazeiro não teriam entregado certa quantidade de madeira

comprada por Conselheiro para o término da igreja nova do arraial, provocando a ira dos

conselheiristas, que teriam partido em bando para ‘assaltar’ Juazeiro” (HERMANN In

FERREIRA e DELGADO, 2008: 142) Com isso, o governo central enviou quatro expedições2

para pôr fim ao grupo de Conselheiro.

2 A primeira Expedição fora enviada em 1896 com três oficiais, 113 praças e dois guias, comandados pelo tenente

Manuel da Silva Pires Ferreira. Foram derrotados pelos conselheiristas: um oficial, sete praças e dois guias

morreram.

No dia 25 de novembro do mesmo ano, com 10 oficiais, 609 praças, dois canhões e três metralhadoras, sob o

comando do major Frebônio de Brito, nova tropa dirigiu-se à Canudos. A segunda expedição também fora

derrotada.

“O inesperado desastre das duas expedições leva à montagem daquela que deveria ser a investida final e sem

chance de erro para o Exército. Foi esse o momento da convocação do coronel Moreira César, que seguiu para o

Na última expedição, em 1897, o Estado de São Paulo, enviou o engenheiro-militar

Euclides da Cunha, como correspondente especial, para registrar o ocorrido. Enquanto esteve

na Bahia, o carioca Euclides escrevera uma série de artigos relatando os momentos finais do

conflito e a dura realidade sertaneja, ao retornar para a capital, publicou em 1902, um livro com

essa temática: “Os Sertões”. No entanto, “Os Sertões” está longe de ser um retrato exclusivo

da guerra. A esse respeito, Euclides faz em seu livro uma nota preliminar explicativa:

Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante, este livro, que

a princípio se resumia à história da Campanha de Canudos, perdeu toda a

atualidade, remorada a sua publicação em virtude das causas que temos por

escusado a apontar. Demos-lhe, por isto, outra feição, tornando apenas

variante de assunto geral o tema, a princípio dominante, que o sugeriu.

(CUNHA, 1990:07).

Seu objetivo tornar-se-ia então, “esboçar (...) ante o olhar de futuros historiadores, os

traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. (CUNHA,1990:07). O título

do livro, por si só, já demonstraria que as mais de 400 páginas escritas por Euclides não

retratariam, apenas, a guerra. Dividido em três partes – a Terra, o Homem e a Luta -, o objeto

do livro, para além da guerra, é o próprio Nordeste, ou mais especificamente, o sertão

nordestino e o sertanejo. Sertão vasto, amplo, influenciado e influenciando o Homem. Por isso,

a Terra de que fala Euclides precisou da pluralidade: “Sertões”.

Outra consideração possível de ser feita ainda na nota preliminar de Euclides, diz

respeito à sua percepção quanto a Campanha que pôs fim à comunidade de Conselheiro:

“Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra,

um crime. Denunciemo-lo. ” (CUNHA,1990:08) O que outrora fora exaltado em A Nossa

Vendéia3, fora, agora, em Os Sertões ressignificado como um crime.

sertão baiano em 7 de fevereiro de 1897, comandando cerca de 1.300 homens, mais o remanescente da segunda

expedição, uma brigada de infantaria, um esquadrão de cavalaria, seis canhões, dois engenheiros militares, 157

praças da polícia militar da Bahia e um comboio”. No decorrer do ataque, no dia 4 de março, o coronel Moreira

César, treze oficiais e 103 praças foram mortos, fora o suficiente para as forças legais abandonarem suas posições

e se retirarem. (HERMANN In FERREIRA, 2008:142-143) 3 Antes de ir a terra de Conselheiro, e presenciar a guerra, Euclides já havia escrito sobre o conflito para o jornal.

“A Nossa Vendéia”, artigo publicado em 14 de março de 1897, expõe uma interpretação primeira do jornalista

acerca dos acontecimentos no Nordeste, que fora formada tendo como base as informações que chegavam até o

Rio de Janeiro. O título do artigo é uma referência à Revolução Francesa (1789). No decorrer da Revolução,

camponeses franceses organizaram uma sublevação de caráter realista e católica, na região de Vendéia.

(VENTURA, 1997:30) A comparação de Canudos com Vendéia é significativa para a compreensão da visão de

Euclides, e dos seus contemporâneos sulistas

Nessa obra, a história da Campanha de Canudos é retomada segundo uma

perspectiva ensaística e historiográfica que, na tentativa de enfocar os fatores

e leis, transforma, em suas palavras, o ‘tema’ em ‘variante de assunto geral’.

Entretanto, mais notável do que a passagem do jornalismo ao ensaísmo

historiográfico é a sua denúncia da campanha como ‘crime’, que o faz

distanciar-se da metáfora da Vendéia e da ideologia liberal-republicana.

(VENTURA, 1997: 131).

Dessa forma, a obra tem relevância não só para a literatura, mas também para a história,

seja pelo conteúdo abordado, seja pela forma adotada. Euclides da Cunha escreve Os Sertões

com uma grande preocupação em descrever a terra. Seu texto, mais do que poético, poderíamos

afirmar, é “geopoético”. Isso porque, a terra assume em Os Sertões um lugar de destaque, não

só porque compreende um terço da divisão do livro, mas porque a terra euclidiana não é um

objeto ou um cenário. Ela é, por si só, um agente do seu livro e da vida nordestina. Com isso,

Euclides apresentou para os sulistas que ainda desconheciam – ou mal conheciam – a terra

nordestina, enquanto um personagem ativo. Para Ronaldes de Melo e Souza, “a terra não se

apresenta como objeto geologicamente investigável nem como fenômeno exterior ao olhar.

Mitopeticamente compreendida na visão em que se vê, a terra se representa como sujeito

dotado de força vital, como personagem em ação.” (SOUZA, 2009:23)

É uma paragem impressionadora.

As condições estruturais da terra lá se vincularam à violência máxima dos

agentes exteriores para o desenho de relevos estupendos. (...)

Dispondo-se em cenários em que ressalta, predominante, o aspecto

atormentado das paisagens.

Porque o que estas denunciam – no enterroado do chão, no desmatelo dos

cerros quase desnudos, no contorcido dos leitos secos dos ribeirões efêmeros,

no constrito das gargantas e no quase convulsivo de uma flora decídua

embaralhada em esgalhos – é de algum modo o martírio da terra, brutalmente

golpeada pelos elementos variáveis, distribuídos por todas as modalidades

climáticas (CUNHA, 20. Grifos nossos).

É que a morfologia da terra viola as leis gerais dos climas. Mas todas as vezes

que o fácies geográfico não as combate de todo, a natureza reage. Em luta

surda, cujos efeitos fogem ao próprio raio dos ciclos históricos, mas

emocionante, para quem consegue lobriga-lo ao través de séculos sem conta,

entorpecida sempre pelos agentes adversos, mas tenaz, incoercível, num

envolver seguro, a terra, como um organismo, se transmuda por intuscepeção,

indiferente aos elementos que lhe tumultuam à face. (CUNHA, 49. Grifos

nossos).

Assim como nas duas citações acima, em todo o livro observamos uma terra que fora

personificada, como um organismo vivo, que luta. O que se revelará em um consórcio entre o

homem e a terra do Nordeste. Ao tratar da natureza, o autor apresenta uma narrativa lenta,

detalhista, que mobiliza constantemente a botânica ou a geologia, porque além de personificada

a terra/natureza fora estetizada. Assim como a própria guerra. Um amálgama entre o homem e

a terra, não permite que seja estudado um sem o outro, por isso afirma:

a seca não o apavora. É um complemento à sua vida tormentosa,

emoldurando-a em cenários tremendos. Enfrenta-a, estoico. Apesar das

dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de terríveis

episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível.

(CUNHA, 1990:105).

Por isso, conclui, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte.” (CUNHA, 1990:92).

Entretanto, para um observador desatento, ou apressado, o sertanejo apresentar-se-ia como o

oposto, visto que sua aparência destoa à sua essência. “É desgracioso, desengonçado, torto. (...)

O andar sem firmeza, sem aprumo. (...) A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao

primeiro umbral ou parede que encontra. (...) É o homem permanentemente fatigado.” (Id.Ibd.)

Mas, como já assinalado, essa aparência mascara a força sertaneja, “basta o aparecimento de

qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem

transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto.”

(Idem. pp.92-93)

A força do sertanejo faz-se pelo seu habitat. Por isso, a terra nordestina configura-se

como essencial na obra de Euclides. Ao comparar alguns tipos regionais, essa configuração é

patente:

O gaúcho do sul, ao encontra-lo [o sertanejo] nesse instante, sobreolhá-lo-ia

comiserado.

O vaqueiro do norte é a sua antítese. Na postura, no gesto, na palavra, na

índole, e nos hábitos não há equipará-los. O primeiro, filho dos plainos sem

fins, afeito às correrias fáceis nos pampas e adaptado a uma natureza

carinhosa que o encantava, tem, certo feição mais cavalheiresca e atraente.

A luta pela vida não lhe assume o caráter selvagem da dos sertões do norte.

Não conhece os horrores da seca e os combates cruentos com a terra árida e

exsicada. Não o entristecem as cenas periódicas da devastação e da miséria,

o quadro assombrador da absoluta pobreza do solo calcinado, exaurido pela

adustão dos sóis bravios do Equador. Não tem, no meio das horas tranquilas

da felicidade, a preocupação do futuro, que é sempre uma ameaça, tornando

aquela instável e fugitiva. (CUNHA, 1990: 94; grifos nossos).

O nordestino euclidiano, de modo geral, “fez-se homem, quase sem ter sido criança”,

porque a seca interrompeu sua infância. É, assim, “um condenado a vida” (CUNHA, 1990:95).

Mas, sua condenação não lhe fez covarde. A secura da terra não lhe fez um desprovido de

forças. Do contrário, “fez-se forte, esperto, resignado e prático” (Id.Ibd.). A aliança entre a

terra e o homem, produziu um homem consciente da inevitabilidade da seca, e que, por isso,

tenta atuar com ela. Recorrendo a preces ou a retiradas, a seca torna-se intrínseca à sua vida.

Por isso, durante a guerra há tanta intimidade entre o sertanejo e a terra. Enquanto,

o forasteiro se assusta e foge ante o flagelo iminente, aquele [sertanejo] segue

feliz nas travessias longas (...) firme na rota como quem conhece a palmo

todos os recantos do imenso lar sem teto. (...) Todas aquelas árvores são para

ele velhas companheiras. Conhece-as todas. Nasceram juntos; cresceram

irmãmente; cresceram através das mesmas dificuldades, lutando com as

mesmas agruras, sócios dos mesmos dias remansados. (CUNHA,1990:191;

grifos nossos.).

Feitas essas considerações pode-se depreender a importância de esmiuçar a terra em

Os Sertões. Primeiro, como já explicitado, pela importância que a terra adquire para o

nordestino. Segundo, porque àquele momento, a obra serviu como retrato de uma parte do

Brasil desconhecida. Mais do que apresentar Canudos ou a guerra aos sulistas, o autor

apresentou o Brasil aos brasileiros. É um primeiro relato, rico em detalhes, sobre a terra e o

homem, ambos, até então, desconhecidos.

O primeiro capítulo do livro, “A Terra”, nos possibilita essa análise, ao intitular o

primeiro item como “A entrada do sertão. Terra ignota”, Euclides leva o leitor a adentrar o

desconhecido, a perlustrar a terra ignota, e mais à frente, tirar do anonimato o homem

nordestino. Os Sertões é assim, uma representação literária da “marcha para o Oeste” brasileira.

No início do século XX, quando da publicação da obra, o sertanejo é o mistério, o desconhecido

social, que Euclides tenta desvendar e revelar ao público, rompendo com a barreira social,

geográfica e política.

Após o conhecimento da região e da população local, em Os Sertões, nos anos de

1930, há de se vivenciar, para o Nordeste e o nordestino, um novo momento. Agora não mais

de desconhecimento, mas de esteriotipação. Se, em Euclides da Cunha o contexto do sertanejo

era de um ignoto, em Graciliano Ramos o contexto é de um sertanejo diminuto, caricato, à

margem não por seu mistério, mas por sua condição social estereotipada. A luta de Euclides

em 1902 é contra a ignorância do homem brasileiro em relação ao Brasil do interior, a luta de

Graciliano em 1938 é contra a redução do homem do interior à condição de bicho.

2. (Des)Esteriotipando o nordestino: A construção do homem em Vidas Secas

O livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, tem como temática uma família de sertanejos

e sua luta pela sobrevivência. Dos treze capítulos do livro, dez foram publicados na imprensa

carioca, antes que a obra viesse a público. Para Alcides Villaça essa “‘estrutura de pequenos

quadros’ é expressão literária da vida à deriva e da impossibilidade de se ver a totalidade numa

sociedade dividida.” (VILLAÇA, 2007:231) Considerando que o livro trata da história de uma

família de nordestinos, que luta para sobreviver em meio à seca, fome, desmandos do patrão e

dos agentes do governo, que desconhece a sua realidade social, política, econômica, e assim

sendo, é, por vezes, fatalista, em um presente contínuo, é possível compreender a análise de

Villaça. A família de Fabiano está à deriva em uma sociedade hierarquizada, desigual e

dividida, não conseguindo compreender a totalidade vivenciada.

Com isso, o que observamos é que Graciliano recorreu a um recurso literário de não

apenas narrar a partir do conteúdo do texto, mas através de sua própria estrutura, que envolve

o leitor na mensagem a ser transmitida. Por isso os capítulos são “desmontáveis” e cíclicos,

porque assim é a vida do sertanejo. De forma semelhante, observa-se esse recurso na narrativa

seca.

Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como uma coisa, para

bem dizer não se diferençava muito da bolandeira de seu Tomás. Agora,

deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira

de seu Tomás?

Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca.

Certamente ia chover.

(RAMOS,2003:15).

Como pode-se observar acima, o texto mantém conjunções quase sempre assindéticas

ou coordenadas, e não subordinadas, o que dá a ideia de ruptura sintética, sem continuidade. A

narrativa é seca, tal como a terra e a vida. Há em Vidas Secas uma isomorfia literária que realiza

uma simbiose entre homem, terra e narrativa.

Outra comprovação desse recurso literário, e ao mesmo tempo, uma demonstração de

preocupação de Graciliano em aproximar a linguagem literária, o máximo possível, da

realidade nordestina, está na ausência de fala dos personagens. Ele não abre o sertanejo à fala,

ele expressa o sentimento do sertanejo, não em discurso direto, mas sim, incorporado ao texto,

em um discurso indireto livre. Não há marcas que diferenciem a fala do personagem e nem do

narrador, havendo assim, uma simbiose na linguagem de ambos, não sendo possível determinar

com exatidão onde começa um e termina outro.

Para Villaça “o silêncio das personagens é recurso literário que registra a fala

amordaçada pela vida Severina”. (VILLAÇA, 2007:231) Sobre essa questão, em entrevista,

Graciliano justificou sua escolha, comparando com outros escritores regionalistas:

Eles [escritores regionalistas] se preocupam apenas com a paisagem, a pintura

do meio, colocando os personagens em situação muito convencional. Não

estudam, propriamente, a alma do sertanejo. Limitam-se a emprestar-lhe

sentimentos e maneiras da gente da cidade, fazendo-os falar uma língua que

não é absolutamente o linguajar desses seres broncos e primários. O estudo

da alma do sertanejo, do Norte ou do Sul, ainda está por fazer em nossa

literatura regionalista. Quem ler os romances regionalistas brasileiros faz uma

ideia muito diversa do que seja o homem do mato. A falsidade e o

convencionalismo são berrantes. Quer que eu os acuse num detalhe apenas?

O sertanejo nordestino aparece na literatura como um tagarela, fazendo

imagens arrevesadas e desmesurando-se numa loquacidade extraordinária.

Pois nada mais postiço: o sertanejo daquelas bandas é de pouquíssimo falar.

Sisudo e macambúzio, ele vive quase sempre fechado consigo mesmo, sendo

difícil arrancar-lhe uma prosa.

(RAMOS, 2014).

Ramos explicita na passagem acima uma das mais expressivas características de seu

livro: a preocupação em romper com a estereotipação do nordestino. Seus personagens não são

falantes, cômicos, místicos, beatos ou cangaceiros, porque assim não são os nordestinos quando

observados in loco. Essas são imagens da estereotipação apresentadas no Sul e Sudeste do

Brasil acerca do nordestino, que são ressignificadas nas relações construídas por Ramos, entre

Fabiano e sua família. Assim, a família de Fabiano é uma família seca em seus diálogos, porque

ocupada na sua luta pela sobrevivência, entretanto, não por isso, menos solidária.

A família de Fabiano é composta por sua esposa Sinha Vitória, seus dois filhos,

“menino mais novo” e “menino mais velho”, e a cachorra Baleia. Apenas a partir da

composição familiar, e dos seus respectivos nomes, pode-se, mais uma vez, observar a seca

dessas vidas. Os filhos de Fabiano não têm nomes, são intitulados pelas suas idades. A

cachorra, descrita como magra, e que também luta para sobreviver na seca, é ironicamente

chamada de Baleia, animal gordo e do mar. Sinha Vitória, descrita como batalhadora e

guerreira, tem seu nome justificado, entretanto, o “Sinha” além de reforçar o respeito por ela,

demonstra o distanciamento afetivo entre ela e seu marido.

Analisando todo o livro, o que se pode observar é que não há grandes expressões de

afeto entre Fabiano e a família, há, muito mais, preocupação com o futuro deles, o que fora

justificado por Graciliano:

Fiz o livrinho sem paisagens, sem diálogos. E sem amor. Nisso, pelo menos,

ele teve alguma originalidade. Ausência de tabaréus bem falantes, queimadas,

cheias e poentes vermelhos, namoros de caboclos. A minha gente, quase

muda, vive numa casa velha de fazenda. As pessoas adultas, preocupadas com

o estômago, não têm tempo de abraçar-se. Até a cachorra é uma criatura

decente, porque na vizinhança não existem galãs caninos. (RAMOS,

1987:129 apud REIS, 2012:192).

Ainda em análise estrutural, cabe destacar o próprio título da obra. Em entrevista,

Graciliano adianta um possível estranhamento que pode haver em torno dele: “Acha o título

um tanto estranho, não? São as vidas dos sertanejos nordestinos, existência miserável de

trabalho, de luta, sob o guante da natureza implacável e da injustiça humana.” (RAMOS, 2014)

O título “Vidas Secas” poderia levar ao leitor uma primeira impressão de fatalismo, já

que à priori, em uma leitura cartesiana, define aqueles personagens como secos em suas

próprias vidas. Entretanto, o título proporciona uma reflexão complexa. Para Zenir Reis, é

“importante notar que, desde o título, temos a palavra ‘vida’, significativamente no plural. O

adjetivo ‘secas’ torna esse um dos títulos mais prolixos de Graciliano Ramos: vidas, no entanto

secas; secas, no entanto vidas.”

Mais uma vez a isomorfia faz-se presente. A seca do Nordeste está introjetada na vida

do nordestino, e, consequentemente, na obra de Graciliano. A secura não é somente da terra.

Há seca nos diálogos, na escrita, por fim, há seca na vida. Na vida sofrida e de penúrias a qual

o sertanejo vivencia, que o torna, por vezes, um ser rude e com pouca expressividade amorosa,

mas que nem por isso, um descrente, entregue às condições climáticas. Por isso, por sua

condição de forte, como definido em Euclides da Cunha, há vida na seca.

Dessa forma, “Vidas Secas não deve ser julgado como ‘romance nordestino’ ou

‘romance proletário’, expressões que não têm sentido, mas como um romance onde palpita a

vida – a vida que é a mesma em todas as classes e todos os climas.” (CÂNDIDO, 2006: 147).

Assim, escrevendo sobre vidas, Graciliano humanizou figuras desconhecidas e outrora

pitorescas, mostrando a “condição humana intangível e presente na criatura mais embrutecida.

Saber descobrir essa riqueza escondida, pôr a nu esse filão, é afinal a grande tarefa do

romancista.” (PEREIRA, 1938 apud CÂNDIDO, 2006: 146).

3. Viver e morrer no Nordeste de Morte e Vida Severina

Morte e Vida Severina é um Auto de Natal, escrito em 1954/55, por João Cabral de

Melo Neto, a pedido de Maria Clara Machado para ser encenada no teatro. Entretanto, para

Maria José Acioly Paz de Moura a obra diverge dos autos de natal tradicionais, porque “estes

apresentam uma visão otimista enquanto aquele [o de João Cabral] ressalta a negatividade, ‘as

coisas do não’, os maus presságios de uma vida severina, embora no final haja a celebração da

vida, mesmo que raquítica, franzina.” (MOURA, 2006:11)

Em outra definição, pode-se dizer que:

É um poema dramático. A “história” que se conta não é narrada, mas

mostrada através de quadros e cenas que se sucedem, procedimento

típico da linguagem teatral. É um poema porque é escrito em forma de

versos e é dramático porque sua apresentação dá-se através de quadros.

(DEZIDERO e TERRA, 2015: 245).

Outra caracterização da obra é de uma epopeia ao contrário. Severino, personagem

principal, é um retirante em busca de melhores condições de vida, partindo da sua terra natal,

“no sertão pernambucano, para o litoral, seguindo o curso do rio Capibaribe, o qual usa como

guia” (SOUZA e MACIEL, 2014: 30). Entretanto, o “herói” dessa obra vê-se ao longo do

trajeto cercado por morte, exclusão e miséria. Por isso, ao contrário de uma epopeia, os

momentos de maior tensão para ele estão presentes no meio e no final da história.

Severino considera-se apenas mais um tentando sobreviver àquela realidade. Um

homem comum, que por isso, precisa de muitas especificações para tentar diferenciar-se:

— O meu nome é Severino,

como não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia,

por causa de um coronel

que se chamou Zacarias

e que foi o mais antigo

senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo

ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino

da Maria do Zacarias,

lá da serra da Costela,

limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:

se ao menos mais cinco havia

com nome de Severino

filhos de tantas Marias

mulheres de outros tantos,

já finados, Zacarias,

vivendo na mesma serra

magra e ossuda em que eu vivia. (MELO NETO, 2007:171).

Entretanto, apesar das especificações, o retirante Severino de tão comum perdeu a

individualidade de seu nome, de um substantivo, teve seu nome transformado em adjetivo:

“vida Severina”

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas

e iguais também porque o sangue,

que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte severina:

que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida). (MELO NETO, 2007:172).

Cabe ressaltar que a própria palavra retirante tem o sentido de movimento, já que

constituída pelo sufixo “ante”, que indica processo inconcluso, ou em desenvolvimento, como

por exemplo: falante, estudante; e pelo radical “retirar”. Retirante é assim, uma palavra

impessoal, que retira do sujeito o seu caráter humanizado. Ele é, apenas, aquele que se retira

de determinada localidade, diferente, por exemplo, do sertanejo que é àquele que pertence ao

sertão, à terra, a uma cultura, o retirante é aquele sem morada, sem história e sem destino.

Dessa forma, temos a palavra “retirante” como algo sem pertencimento, e “Severino”, sem

individualidade, havendo assim uma possibilidade de aproximação entre o leitor/expectador

com o personagem principal, já que todos poderiam ser retirantes severinos vivendo uma vida

severina.

Por outro lado, se há no texto cabralino uma generalização quanto ao a palavra severino,

há uma especificação, em tom de denúncia quanto a essa vida severina. Se, em textos

anteriores, de outros autores, ou mesmo na política brasileira da época, havia a suspeita de que

a culpada pela penúria nordestina era a natureza inóspita, a seca, ao longo da narrativa de Morte

e Vida Severina vê-se que existe algo mais complexo, havendo um sistema explorador, baseado

no latifúndio e na miserabilidade do povo.

- E foi morrida essa morte,

Irmãos das almas,

Essa foi morte morrida

Ou morte matada?

- Até que não foi morrida,

Irmão das as almas

Esta foi morte matada,

Numa emboscada. (MELO NETO, 2007:173).

No trecho acima, observa-se a diferenciação entre os “tipos de morte”, onde um

personagem teve sua morte matada, por emboscada, com uma arma, por ter se envolvido em

uma disputa de terras. Mais a frente, em outra passagem, Severino tenta conseguir emprego em

sua peregrinação e descobre que poucos empregos existem disponíveis para ele, já que

- Com a vinda das usinas

Há poucos engenhos já;

Nada mais o retirante

Aprendeu a fazer lá? (MELO NETO, 2007:180).

Por isso, ressalta-se a presença da denúncia no decorrer do texto, que pode ser

observada nitidamente em uma das passagens mais conhecidas do texto, onde é apontada para

a questão da reforma agrária:

- Essa cova em que estás,

Com palmos medida,

É a conta menor

Que tiraste em vida.

- É de bom tamanho,

Nem largo nem fundo,

É a parte que te cabe

Deste latifúndio.

- Não é cova grande,

É cova medida,

É a terra que querias

Ver dividida. (MELO NETO, 2007: 183. Grifos nossos.)

João Cabral, dessa forma, não só rompe com os estereótipos, mas denuncia os

culpados – “espingarda”, “morte matada”, “a parte que te cabe no latifúndio”, “cova rasa”, etc

- .

Por isso, se em Os Sertões o contexto do sertanejo era de um ignoto; em Vidas Secas

de um sertanejo diminuto, caricato, à margem não por seu mistério, mas por sua condição social

estereotipada; em Morte e Vida vê-se um sertanejo explorado, desterrado e assassinado, não

somente pela seca, mas, principalmente pela imposição da hierarquia social do latifúndio.

Infere-se que luta de Euclides é contra a ignorância do homem brasileiro em relação ao Brasil

do interior, a luta de Graciliano é contra a redução do homem do interior à condição de bicho,

a luta de João Cabral é contra a desigualdade social. Consideramos assim que, a literatura, nos

três casos, cumpre seu papel de denúncia, sendo, portanto, imprescindível ao debate acadêmico

e social e de desvelamento do Nordeste, do nordestino, e das mazelas que o afligem.

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