Decisão 2º grau sobre cobrança pela Brasil Telecom

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Apelação Cível n. 2012.066884-7, da Capital Relator: Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVOS RETIDOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPRESA DE TELEFONIA. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES AOS SERVIÇOS COBRADOS E NÃO SOLICITADOS PELOS CONSUMIDORES. NULIDADE DA COBRANÇA. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA PETITA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE, AINDA QUE APÓS A PROLAÇÃO DE DESPACHO SANEADOR. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA AO DESLINDE DA CELEUMA. SOLICITAÇÃO PRÉVIA DOS SERVIÇOS INDEMONSTRADA. GRAVAÇÕES ORIUNDAS DE CALL CENTERS NÃO COLIGIDAS EM SUA TOTALIDADE. ÔNUS DA DEMANDADA, A TEOR DO ART. 333, II, DO CPC. PROVA EMINENTEMENTE DOCUMENTAL. EQUÍVOCO JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. DEVER DE RESTITUIR EM DOBRO OS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS. APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. INTERFERÊNCIA INDEVIDA DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ANATEL. ALEGAÇÃO RECHAÇADA. INEXISTÊNCIA DE DETERMINAÇÃO LEGAL A LEGITIMAR A PUBLICAÇÃO DA DECISÃO NAS CONTAS TELEFÔNICAS DOS USUÁRIOS E PUBLICAÇÃO EM JORNAIS DE CIRCULAÇÃO ESTADUAL. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. REFORMA DA SENTENÇA APENAS PARA SUPRIMIR UM DOS TÓPICOS REFERENTES À TUTELA INIBITÓRIA, EIS QUE VERIFICADO BIS IN IDEM. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVOS RETIDOS NÃO CONHECIDOS, POR NÃO REITERADOS EM PRELIMINAR DE APELAÇÃO E CONTRA-RAZÕES. "Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide após proferido o despacho saneador, ainda que deferindo a produção de prova pericial, mormente quando não demonstrado, inequivocamente, o prejuízo. Precedentes" (STJ, AgRg no Resp 1359271 / MS, Relatora:

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Apelação Cível n. 2012.066884-7, da CapitalRelator: Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi

APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVOS RETIDOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPRESA DE TELEFONIA. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES AOS SERVIÇOS COBRADOS E NÃO SOLICITADOS PELOS CONSUMIDORES. NULIDADE DA COBRANÇA. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA PETITA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE, AINDA QUE APÓS A PROLAÇÃO DE DESPACHO SANEADOR. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA AO DESLINDE DA CELEUMA. SOLICITAÇÃO PRÉVIA DOS SERVIÇOS INDEMONSTRADA. GRAVAÇÕES ORIUNDAS DE CALL CENTERS NÃO COLIGIDAS EM SUA TOTALIDADE. ÔNUS DA DEMANDADA, A TEOR DO ART. 333, II, DO CPC. PROVA EMINENTEMENTE DOCUMENTAL. EQUÍVOCO JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. DEVER DE RESTITUIR EM DOBRO OS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS. APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. INTERFERÊNCIA INDEVIDA DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ANATEL. ALEGAÇÃO RECHAÇADA. INEXISTÊNCIA DE DETERMINAÇÃO LEGAL A LEGITIMAR A PUBLICAÇÃO DA DECISÃO NAS CONTAS TELEFÔNICAS DOS USUÁRIOS E PUBLICAÇÃO EM JORNAIS DE CIRCULAÇÃO ESTADUAL. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. REFORMA DA SENTENÇA APENAS PARA SUPRIMIR UM DOS TÓPICOS REFERENTES À TUTELA INIBITÓRIA, EIS QUE VERIFICADO BIS IN IDEM. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVOS RETIDOS NÃO CONHECIDOS, POR NÃO REITERADOS EM PRELIMINAR DE APELAÇÃO E CONTRA-RAZÕES.

"Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide após proferido o despacho saneador, ainda que deferindo a produção de prova pericial, mormente quando não demonstrado, inequivocamente, o prejuízo. Precedentes" (STJ, AgRg no Resp 1359271 / MS, Relatora:

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Min.ª Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 20/05/2014)."Não há que se falar em boa-fé quando a concessionária

cobra por serviço não solicitado pelo usuário, de modo que é devida a repetição do valor indevidamente cobrado em dobro, conforme previsto no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor (Ap.Cív. n. 2007.006869-4, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22.5.2007) (Apelação Cível n. 2012.090596-5, de Criciúma, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12-11-2013)" (Apelação Cível n. 2014.026366-7, de Itajaí, Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga, 3ª Câm. Dir. Púb., j. 01/07/2014).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.066884-7, da comarca da Capital (1ª Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Brasil Telecom S/A e são apelados o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e outro:

A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime: a) não conhecer dos agravos retidos, por não reiterados; b) conhecer em parte do recurso de apelação e, na parte conhecida, dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu.

Florianópolis, 21 de outubro de 2014.

Paulo Ricardo BruschiRELATOR

Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi

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RELATÓRIO

A empresa Brasil Telecom S/A, devidamente qualificada nos autos e

inconformada com a decisão proferida, interpôs Recurso de Apelação (fls.

2.017/2.043), objetivando a reforma da respeitável sentença prolatada pelo MM.

Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, da comarca da Capital, na Ação Civil

Pública n. 023.05.025877-2, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa

Catarina, igualmente qualificado, a qual julgou parcialmente procedentes os

pedidos formulados na exordial e, por conseqüência:

a) declarou nulos os serviços prestados pela acionada sem que

houvesse prévia solicitação dos consumidores;

b) condenou a demandada ao ressarcimento em dobro pelos

serviços cobrados sem prévia solicitação do consumidor;

c) determinou que a ré se abstenha de prestar serviços ou fornecer

produtos sem autorização expressa do consumidor, salvo se gratuito e desde que

o consumidor tenha interesse na manutenção, bem como de cobrar pelos

referidos serviços ou produtos sem autorização expressa do consumidor, sob

pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por cada descumprimento;

d) ordenou que a ré: d.1) suspenda todo serviço ou produto

fornecido sem autorização do consumidor, salvo se este tiver interesse em sua

manutenção em razão da gratuidade; d.2) registre e arquive as solicitações e

autorizações de serviços efetuadas pelos consumidores; d.3) comprove nos

autos o ressarcimento aos consumidores, identificando os beneficiados e

informando o valor total creditado na conta telefônica; d.4) informe nas contas de

todos os consumidores o resumo da sentença, no mês subseqüente ao trânsito

em julgado; d.5) publique resumos da sentença em jornais de grande circulação.

Por outro viso, apesar de condenar a ré ao pagamento das custas

processuais, deixou de atribuir-lhe o pagamento dos honorários advocatícios, vez

que a demanda restou ajuizada pelo Ministério Público.

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Na inicial (fls. 02/34), o demandante postulou, de início, a

antecipação dos efeitos da tutela para:

a) condenar a demandada a indenizar os prejuízos ocasionados aos

consumidores que tiveram serviços e produtos prestados sem solicitação prévia,

mediante a compensação dos respectivos valores cobrados indevidamente, em

dobro, a serem creditados nas suas faturas telefônicas;

b) impor obrigações de não fazer à acionada, consubstanciadas em:

b.1) não prestar serviços ou fornecer produtos sem autorização expressa do

consumidor, salvo se gratuito e desde que o consumidor tenha interesse em sua

manutenção; b.2) não cobrar pelos serviços ou produtos prestados sem a

autorização do consumidor;

c) impor obrigações de fazer à ré, consistentes em: c.1) suspender

todo serviço ou produto fornecido sem autorização expressa do consumidor,

salvo se este tiver interesse em sua manutenção em razão da gratuidade; c.2)

registrar e arquivar as solicitações e autorizações de serviços efetuadas pelos

consumidores; c.3) comprovar nos autos o ressarcimento aos consumidores,

identificando os beneficiários e informando o valor total creditado nas faturas

telefônicas; c.4) dar ampla publicidade à decisão liminar, por meio de informação

nas contas de todos os consumidores de um resumo da decisão judicial,

publicação do resumo da decisão judicial em jornais de circulação estadual e

remessa de cópia da decisão a todos os Procons do Estado.

d) cominar multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por cada

consumidor que tiver a liminar desrespeitada, ou outro valor que se mostre

adequado ao cumprimento da decisão.

Por fim, realizou os seguintes pedidos:

a) a confirmação da antecipação dos efeitos da tutela;

b) a inversão do ônus da prova;

c) a condenação da ré ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um

milhão de reais) a título de danos morais difusos, a ser destinado ao Fundo de

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Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina;

d) sucessivamente, na hipótese do pedido de indenização por danos

materiais não ser deferido na forma pleiteada, pugnou pela condenação genérica

da demandada em indenizar todos os prejuízos ocasionados aos consumidores,

com reversão do produto da indenização para o Fundo de Reconstituição dos

Bens Lesados do Estado de Santa Catarina.

Justificou os pedidos fundamentando-os no argumento de que, no

mês de novembro de 2004, foram remetidas ao Parquet informações oriundas do

Procon de Criciúma, as quais versariam sobre reclamações contra a empresa

requerida, concernentes à cobrança de serviços não solicitados ou não

autorizados pelos consumidores, sendo que, segundo suas assertivas, tais fatos

restaram igualmente constatados em outras cidades do Estado, como Joinville,

Balneário Camboriú, Timbó, Concórdia e Palhoça.

Reverberou, em seqüência, que, como subterfúgio às punições

aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor, a ré alegaria não ser

necessária a comprovação da solicitação dos serviços, transferindo tal ônus ao

consumidor, sob a assertiva de que o serviço foi solicitado ou autorizado,

dificultando o respectivo cancelamento.

Alfim, teceu comentários acerca do ato ilícito cometido pela

acionada e do dano moral difuso, buscando evidenciar os postulados

consumeristas e os dispositivos legais pertinentes, razões pelas quais trouxe à

baila excertos doutrinários e jurisprudenciais a alicerçar suas aduções.

No decisum de fls. 36/39, a antecipação dos efeitos da tutela restou

deferida, ressaltando o Magistrado de Primeira Instância que "os valores

cobrados sem prévia solicitação do serviço, ou sem a respectiva prova, o que

traduz única realidade, devem ser restituídos na própria fatura telefônica, no

prazo de seis meses a contar da citação, sob pena de multa de cem vezes o

valor de cada débito retido indevidamente, atualizado monetariamente".

Interpostos embargos declaratórios pelo acionante (fls. 41/42), estes

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foram acolhidos na decisão de fl. 43, para consignar que a restituição seria feita

em dobro.

Regularmente citada, veio a ré aos autos e apresentou resposta na

forma de contestação (fls. 67/72). Em síntese, asseverou que todas as

solicitações para serviços "extraordinários" são realizadas pelo telefone,

mediante conversas gravadas, salientando que, "com a anuência do consumidor,

é tomada sua autorização para o faturamento dos serviços solicitados. Tudo fica

gravado nos registros eletrônicos da Brasil Telecom, não em papel. O contrário,

aliás, seria completamente inviável. São literalmente milhões de consumidores. A

burocracia para tomar-lhes a assinatura no papel, eventualmente reconhecer

firma em cartório, num serviço prestado em massa para milhões de usuários, é

operacionalmente impossível".

Esclareceu, ademais, que na instrução processual apresentaria os

registros contendo as gravações, reforçando a necessidade de produção das

provas necessárias para o deslinde do feito, salientando que elas demonstrarão

que, "ao contrário do que alega o autor da ação, os serviços extraordinários

prestados e cobrados pela ré são objeto de autorização prévia e expressa,

mediante as já mencionadas gravações".

Noutra senda, rechaçou a deliberação do Juízo a quo acerca da

produção dos efeitos da medida liminar em todo o território nacional e, por

derradeiro, de forma sucessiva, enfatizou que, na hipótese de determinação da

restituição dos valores pagos indevidamente pelos consumidores, que seja

procedida de forma simples.

Juntou documentos (fls. 73/98).

Na réplica (fls. 99/103), o acionante rebateu as assertivas da

demandada e repisou os argumentos da exordial.

Juntou documentos (fls. 104/120).

Interposto agravo de instrumento pela requerida contra a decisão

liminar (fls.125/137), a decisão foi mantida por este Sodalício no julgado de n.

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2005.030425-7.

Às fls. 165/170, a Associação de Proteção e Defesa dos

Consumidores do Vale do Rio Tijucas, Costa Esmeralda e Itajaí-Mirim pugnou

pelo ingresso na lide na qualidade de assistente do autor, o que foi deferido no

decisum de fl. 183.

Às fls. 145/161 e 192/782, o Parquet encartou documentos,

objetivando comprovar o descumprimento da decisão liminar por parte da

acionada.

Na decisão de fl. 784, a multa restou majorada para R$ 100.000,00

(cem mil reais) para cada descumprimento da liminar, independentemente do

valor da cobrança.

Interposto agravo de instrumento pela acionada (fls. 791/809), a

decisão foi revista pelo Magistrado de Primeira Instância na decisão de fls.

814/815, o qual saneou o processo e, em seqüência, deferiu a produção de prova

pericial.

Às fls. 810/813, a ré apresentou um CD contendo gravações de

consumidores com operadores de telemarketing da Brasil Telecom S/A.

Às fls. 819/896, o acionante colacionou novos documentos.

Sobrevieram agravos retidos interpostos pela demandada (fls.

908/921) e pela assistente (fls. 925/933).

Às fls. 934/1.289, 1.299/1.369, 1.372/1.375, 1.379/1.389,

1.393/1.396, 1.415/1.630, 1.634/1.665, 1.671/1.988 e 1.991/1.996, o demandante

coligiu novos documentos.

Julgando antecipadamente a lide (fls. 1.998/2.012), o Magistrado a

quo acolheu parcialmente os pedidos formulados na vestibular, nos termos do

relatado supra.

Considerou o insigne sentenciante, ab initio, que seria

desnecessária a elaboração de prova pericial, sob fundamento de que a

contestação não apresentaria qualquer documento apto a guarnecer as

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assertivas da demandada, ônus que lhe competia para a elaboração do almejado

laudo técnico.

Neste viés, salientou que, "no momento em que a instituição ré veio

aos autos contestar os fatos ministrados pelo autor, argumentando que todos os

serviços por ela prestados foram provenientes de prévia requisição ou

autorização do consumidor – mediante contrato oral, por via telefônica –

competia a ela comprovar tais afirmações com a demonstração e colação dos

documentos que reputavam a veracidade dos fatos por ela argumentados, sob

pena de preclusão".

Adiante, obtemperou que, pelas provas amealhadas nos autos – as

quais registram reclamações de centenas de clientes –, restou constatado que a

acionada disponibiliza serviços aos seus clientes sem a prévia autorização,

inclusive com realização de cobranças pela sua prestação, não demonstrando

em momento algum a prévia solicitação dos consumidores.

Por conseguinte, ponderou ser abusiva a prestação e cobrança dos

aludidos serviços, motivo pelo qual entendeu pela necessidade de restituição em

dobro dos valores, em consonância com a disposição encetada no art. 42 do

Código de Defesa do Consumidor, argumentando que "a única hipótese que

isentaria a concessionária ré da devolução em dobro seria o engano justificável,

o que não se verificou no caso em comento, pois segundo a sua defesa, o

serviço foi efetivamente solicitado pelos consumidores".

Outrossim, com base nas mesmas ilações, aplicou à demandada as

obrigações de fazer e não fazer supratranscritas, porém, quanto aos danos

morais difusos, salientou não ser compatível ao dano moral a idéia de

transindividualidade, ou seja, indeterminabilidade do sujeito passivo e da

indivisibilidade da ofensa e da reparação.

Por fim, quanto à eficácia da coisa julgada, destacou que esta será

restrita ao território do Estado onde proferida a decisão.

Irresignada com a prestação jurisdicional efetuada, a demandada

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tempestivamente apresentou recurso a este Colegiado. Em sua apelação (fls.

2.017/2.043), argüiu, preliminarmente: a) a nulidade do feito por ter sido prolatada

sentença extra petita, ao argumento de que não haveria qualquer pretensão do

autor para que fosse declarada a nulidade dos serviços prestados; b)

cerceamento de defesa, sob fundamento de que a produção da prova técnica,

além de ser necessária para comprovação das alegações da recorrente, restou

deferida quando da prolação do despacho saneador, sendo defeso ao Magistrado

revogar tal deliberação sem oportunizar à recorrente o exercício do contraditório.

Referente ao mérito, reeditou, de início, as considerações tecidas na

contestação, enfatizando que, além de todas as solicitações terem sido

previamente realizadas pelos consumidores por telefone, "não há qualquer

obrigação legal que determine aos fornecedores a realização de contrato formal

com seus consumidores".

Asseverou, ainda, que a devolução em dobro somente seria

possível se evidenciada a má-fé da recorrente, o que em nenhum momento

restou demonstrado, além de ter havido dupla condenação pelo mesmo fato no

que pertine às obrigações de não fazer.

Por fim, reforçou que, a partir dos ditames da Lei n. 9.427/97, a

regulamentação dos serviços de telecomunicações seria de competência

exclusiva da ANATEL e, neste sentido, destacou que, "ao penalizar a apelante

sob a alegação de que haveria cobrado indevidamente serviços não solicitados

por seus usuários, o Magistrado a quo invadiu seara alheia na qual não deve

tomar parte, uma vez que os critérios para a contratação dos serviços de

telefonia já foram devidamente definidos pela ANATEL".

No mais, colacionou excertos jurisprudenciais que acredita

conferirem embasamento à tese defendida, pugnando pela reforma da sentença

prolatada, com a conseqüente inversão do ônus sucumbencial.

Contra-arrazoado o recurso (fls. 2.048/2.068), o recorrido enalteceu

os fundamentos da sentença e rechaçou pontualmente as disposições da

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apelação.

Contados e preparados tempestivamente, ascenderam os autos a

esta Corte.

A digna Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do

eminente Procurador Durval da Silva Amorim (fls. 2.073/2.083), manifestou-se

pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.

Recebo os autos conclusos.

Este o relatório.

VOTO

Reqüesta a acionada, em sede de apelação, a reforma da sentença

que acolheu parcialmente os pedidos formulados na vestibular, conforme

consignado na primeira parte do relatório deste aresto.

Antes de adentrar ao cerne da celeuma retratada nos autos,

consigne-se que, embora a demandada Brasil Telecom S/A e a assistente

Associação de Proteção e Defesa dos Consumidores do Vale do Rio Tijucas,

Costa Esmeralda e Itajaí-Mirim tenham interposto agravos retidos da decisão de

fls. 814/815, não houve expresso requerimento de sua apreciação em sede de

apelação e contra-razões, motivo pelo qual não se conhece dos recursos de fls.

908/921 e 925/933, nos moldes do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil.

Ultrapassada tal quaestio, em prelúdio às considerações tecidas no

recurso de apelação interposto pela demandada, convém trazer a lume a lição de

Paulo Hamilton Siqueira Jr. acerca da ação civil pública:

A ação civil pública é o instrumento processual adequado de proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A tutela é coletiva. “Tida como fator de mobilização social, a ação civil pública é a via adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos aos bens coletivamente tutelados”. Tem por objeto os danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso e coletivo.

Para Roberto Senise Lisboa, “a ação civil pública tem por escopo a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em geral, objetivando a desconstituição do ato lesivo e a condenação dos responsáveis à

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reparação do interesse lesado, preferencialmente com o cumprimento específico da condenação”.

A ação civil pública tem fundamento na Constituição Federal, na medida em que o perfil adotado pelo Estado preocupou-se sensivelmente com a tutela coletiva. O art. 129, III, da Constituição Federal dispõe que “são funções institucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. O § 1º do mesmo artigo estabelece a legitimidade concorrente da ação civil pública, ao dispor que “a legitimidade do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”.

“A Constituição da República Federativa do Brasil, confirmando a sua preocupação com a tutela dos direitos de massa, deu dignidade constitucional à denominada ação civil pública, e esse instrumento processual passou a ser também um verdadeiro remédio constitucional de tutela dos interesses e direitos massificados”.

A ação civil pública é um instituto de direito processual constitucional que tem por finalidade a tutela dos direitos massificados, interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. A tutela da ação civil pública possui um viés constitucional. “Com efeito, tendo a ação civil pública dignidade constitucional (art. 129, III) e por ela visar a tutelar quase sempre um interesse ou direito de índole constitucional — tanto que está dentro do que a doutrina denomina direito processual constitucional —, conclui-se que a ação civil pública é um dos instrumentos constitucionais colocados à disposição do Ministério Público e de outros legitimados coletivos arrolados pela lei (art. 5º da Lei n. 7.347/85 e art. 82 da Lei n. 8.078/90), para a tutela jurisdicional de quaisquer direitos ou interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos”.

As ações coletivas têm por finalidade dotar o processo de maior eficácia. “A ação civil pública tem grande relevância para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, diante de sua vocação inata de proteger um número grande de pessoas mediante um único processo. Ela simultaneamente contribui para a eliminação da litigiosidade contida e para o desafogamento da máquina judiciária, mediante a eliminação de inúmeros processos individuais. É ainda um meio de dar efetividade ao princípio da igualdade entre as pessoas, na medida em que evita a loteria judiciária gerada pela diversidade de entendimentos jurisprudenciais sobre a mesma matéria” (in Direito Processual Constitucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).

Feitas tais digressões doutrinárias, cumpre assinalar que, como

supedâneo à pretensão recursal, a insurgente evidenciou as seguintes teses,

cujo teor merecem destaque:

a) a prefacial de nulidade da sentença por ter sido extra petita, vez

que, na concepção da recorrente, não houve, na vestibular, pedido de declaração

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de nulidade dos serviços prestados;

b) a proemial de cerceamento de defesa, fundada na assertiva de

que a prova pericial seria necessária à comprovação dos fatos alegados na

contestação, além de ser inviável ao Magistrado revogar deliberação anterior que

determinou a produção da aludida prova;

c) que todos os serviços prestados foram devidamente solicitados

pelos consumidores, sendo perfeitamente possível a pactuação por meio

telefônico;

d) que não restou demonstrada a má-fé da recorrente a viabilizar a

restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente;

e) que houve dupla condenação da demandada quanto às sanções

estipuladas para o cumprimento das obrigações de não fazer;

f) que os critérios para contratação dos serviços de telefonia são de

competência exclusiva da ANATEL e, neste sentido, não poderia o Magistrado

penalizar a apelante;

g) que inexiste determinação legal que obrigue a acionada a

proceder a inclusão de resumo da decisão nas contas telefônicas dos usuários e

publicação da decisão em jornais de grande circulação.

Prima facie, no que concerne à preliminar de nulidade da sentença

por ser extra petita, dessome-se que tal assertiva é manifestamente insubsistente

e não tem o condão de macular a decisão proferida em Primeira Instância.

Tal fato se justifica porquanto, muito embora a declaração de

nulidade dos serviços prestados de fato não tenha sido expressamente elencada

no rol de pedidos da vestibular, em análise ao referido petitório, é possível se

inferir que a fundamentação tecida pelo digno representante do Parquet é no

sentido de que seja reconhecida expressamente a abusividade do

fornecimento de serviços não solicitados e sua respectiva cobrança, em

consonância com os preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor.

Por conseguinte, o indigitado diploma legal deixa assente, em seu

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art. 39, III e parágrafo único, as seguintes disposições:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...] III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer

produto ou fornecer qualquer serviço;[...]Parágrafo único: Os serviços prestados e os produtos remetidos ou

entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento [destaquei].

Neste contexto, a despeito de não ser tecnicamente adequado o

reconhecimento de nulidade dos serviços, vislumbra-se que tal declaração não

tem efeito prático algum, porquanto tais serviços, ainda que prestados, não

poderão ser cobrados, conforme preceitua o dispositivo legal supracitado,

sendo que, inclusive, tal cobrança igualmente restou vedada nos itens

subseqüentes do dispositivo da sentença.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento pacificado

no sentido de que "não há falar em julgamento extra petita quando o órgão

julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial ou recursal,

tampouco concede providência jurisdicional diversa da requerida, em respeito ao

princípio da congruência. Ademais, os pedidos formulados pelas partes devem

ser analisados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o

magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta em

exame, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido

expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância dos

brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e

iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito)" (Resp 1197476 / BA, Relator:

Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 07/10/2014).

Assim, arreda-se a mencionada proemial.

Noutro norte, no que pertine à prefacial de nulidade da sentença por

cerceamento de defesa, impende destacar que, conquanto a recorrente tenha

assinalado a impossibilidade do Magistrado de Primeira Instância revogar a

decisão que determinou a produção da prova pericial (fls. 814/815) e julgar

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diretamente o feito – sob a alegação de que teria ocorrido preclusão pro judicato

–, vejo de forma distinta.

Isso porque, não configura cerceamento de defesa o julgamento

antecipado da lide após a prolação de despacho saneador, quando

indemonstrada a necessidade da produção da prova pericial ou oral. Aliás,

consoante os excertos jurisprudenciais infratranscritos, o Superior Tribunal de

Justiça, em casos análogos, já manifestou tal entendimento. Confira-se:

1) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE APÓS DESPACHO SANEADOR. PROVA PERICIAL DEFERIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide após proferido o despacho saneador, ainda que deferindo a produção de prova pericial, mormente quando não demonstrado, inequivocamente, o prejuízo. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Resp 1359271 / MS, Relatora: Min.ª Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 20/05/2014 – destaquei).

2) PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REFORMA DO DESPACHO SANEADOR QUE DEFERIU O PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CONTROVÉRSIA ACERCA DA APLICAÇÃO DA TAXA SELIC PARA FINS TRIBUTÁRIOS. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NECESSIDADE. PRESCINDIBILIDADE DA PERÍCIA. PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS.

1. O artigo 131, do CPC, consagra o princípio da persuasão racional, habilitando o magistrado a valer-se do seu convencimento, à luz dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto constantes dos autos. Nada obstante, compete-lhe rejeitar diligências que delonguem desnecessariamente o julgamento, a fim de garantir a observância do princípio da celeridade processual.

2. In casu, a recorrente, em sede de ação consignatória, formulou pedido de que lhe fosse autorizado o depósito de valores referentes a débito fiscal, excluída a multa moratória, bem como a Taxa Selic, "uma vez que esta não se presta para fins tributários".

3. Malgrado a controvérsia gravite em torno de questão eminentemente de direito, o Juízo Singular deferiu o pedido de produção de prova pericial contábil, limitando seu objeto ao esclarecimento de eventual acumulação da Taxa Selic com juros e correção monetária.

4. Entrementes, o artigo 330, do Codex Processual, que trata do julgamento antecipado da lide, dispõe que o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de

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direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência (inciso I).

5. Desta sorte, revela-se escorreito o fundamento da decisão monocrática, que reformou a decisão interlocutória proferida pelo Juízo Singular, no sentido da prescindibilidade da produção de prova pericial na hipótese dos autos, uma vez ausente o "trinômio que justifica a sua feitura (adequação, utilidade e necessidade), porque o conhecimento técnico do perito nada acrescentará para solução da controvérsia, que é puramente jurídica".

6. Deveras, é cediço nesta Corte que inocorre cerceamento de defesa quando desnecessária a produção da prova pretendida (Resp 226064/CE, Rel. Ministro Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 24.06.2003, DJ 29.09.2003 ), impondo-se o julgamento antecipado da lide em que se controverte apenas sobre matéria de direito, em obediência aos princípios da economia e da celeridade processuais (Resp 324.098/RJ, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 21.03.2002, DJ 29.04.2002; e Resp 337.785/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04.12.2001, DJ 25.03.2002).

7. Recurso especial desprovido (Resp 797184 / DF, Relator: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 25/03/2008 – destaquei).

3) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DESNECESSIDADE DE DESPACHO SANEADOR E DE PRODUÇÃO DE PROVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. ACERVO DOCUMENTAL SUFICIENTE. NÃO-OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECEDENTES.

1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a recurso especial.

2. O acórdão a quo, afastando a preliminar de nulidade da sentença por ausência de audiência e de despacho saneador, julgou procedente ação de indenização por danos morais, em face de que, durante aula de ciências na Escola Estadual Vitória Mota Cruz, com a utilização de uma única agulha em diversos alunos, o recorrido fora submetido a exame de tipagem sanguínea, resultando na constatação da presença de vírus das Hepatites “B” e “C” entre três dos alunos que serviram de “cobaias” no referido exame.

3. Quanto à necessidade, ou não, da realização de despacho saneador, o juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, desprezando a realização de audiência para a produção de provas ao constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento. É do seu livre convencimento o deferimento de pedido para a produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide.

4. Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, “a tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de

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defesa pelo julgamento antecipado da lide” e que “o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento” (Resp nº 102303/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 17/05/99)

5. Precedentes no mesmo sentido: MS nº 7834/DF, Rel. Min. Félix Fischer; Resp nº 330209/SP, Rel. Min. Ari Pargendler; Resp nº 66632/SP, Rel. Min. Vicente Leal, AgReg no AG nº 111249/GO, Rel. Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira; Resp nº 39361/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca; Edcl nos Edcl no Resp nº 4329/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Inexistência de cerceamento de defesa diante da ausência de despacho saneador.

6. Agravo regimental não-provido (AgRg no Resp 810124 / RR, Relator: Min. José Delgado, Primeira Turma, j. 20/06/2006 – destaquei).

Ademais, no caso em testilha, inobstante tenha a insurgente

alegado que tal deliberação lhe causou prejuízos – de modo que teria sido

"surpreendida" com o julgamento antecipado da lide, eis que impossibilitou a

produção de novas provas, como a juntada das degravações das ligações dos

consumidores –, tais aduções não convencem.

Isso se justifica uma vez que não havia qualquer óbice à

demandada de coligir as gravações dos consumidores que alegam ter sido

lesados – listados pelo Parquet às fls. 145/161, 192/782, 934/1.289, 1.299/1.369,

1.372/1.375, 1.379/1.389, 1.393/1.396, 1.415/1.630, 1.634/1.665, 1.671/1.988 e

1.991/1.996 –, antes mesmo do julgamento antecipado da lide, objetivando

demonstrar que de fato os serviços restaram solicitados.

Pelo contrário, haure-se da quaestio que a decisão que deferiu a

produção de prova pericial (fls. 814/815) é datada de 30/07/2007, enquanto o

julgamento da lide ocorreu somente em 14/05/2012, ou seja, quase 5 (cinco)

anos depois, não trazendo a demandada qualquer documento a corroborar suas

assertivas.

Ora, se a acionada restou negligente e não trouxe, na contestação

ou em momento posterior, os documentos aptos a guarnecer seus argumentos –

considerando os documentos coligidos pelo Ministério Público evidenciadores da

prática ilícita da acionada –, mesmo possuindo extenso tempo hábil para tanto

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(quase cinco anos), não pode agora alegar cerceio de defesa fundado no frágil

argumento de que teria sido "surpreendida" com a decisão de mérito, pelo

simples fato de que revogou o decisum que determinou a produção de prova

pericial.

A propósito, é pacífico o entendimento de que, "em regra, a

produção da prova documental tem momento próprio, concomitante com a

apresentação, pelas partes, da petição inicial e da resposta (art. 396 do CPC).

Eventualmente, para a comprovação de fato novo, pode-se apresentar

documentos ulteriormente (art. 397 do CPC). Aqui, seja em função de algum

incidente criado no curso do processo – que exige o encaminhamento da

discussão para temas não contemplados inicialmente no conteúdo da demanda

(como, por exemplo, o impedimento ou a suspeição do juízo, a reconvenção,

etc.) –, seja porque fato novo ocorreu quanto ao mérito da ação inicialmente

exposta, será necessário trazer documento novo, capaz de demonstrar ao

magistrado sua efetiva ocorrência, caso em que se admite a produção da prova

documental após o momento inicialmente adequado" (MARINONI, Luiz

Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 7 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 364).

Consigne-se, outrossim, que, embora a requerida tenha coligido

algumas gravações às fls. 810/813, estas demonstram tão somente que alguns

consumidores aleatórios foram questionados acerca dos serviços da empresa.

Ou seja, não demonstram que os consumidores evidenciados nos documentos

amealhados pelo acionante – ou aqueles que integram o inquérito civil que levou

à propositura da demanda, como mencionado pela própria ré às fls. 141/142 – de

fato solicitaram os referidos serviços.

Aliado a isso, é de bom alvitre se assentar, para não restar dúvidas,

que, apesar do demandante ter listado centenas de consumidores lesados, quiçá

milhares, revela-se plenamente possível a juntada de todas as gravações aos

autos, com a simples utilização de um HD externo ou pen drives de grande

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capacidade de armazenamento, mormente considerando que os arquivos

contendo as gravações são pequenos, conforme se pode inferir do CD encartado

à fl. 813.

Nesta perspectiva, exsurgindo correta a decisão proferida pelo culto

Togado de Primeira Instância ao julgar antecipadamente a lide, diante da

indemonstrada necessidade de produção de prova técnica (arts. 130 c/c art. 420,

parágrafo único, I, do CPC), afasta-se a prefacial de cerceamento de defesa.

Tocante ao mérito, urge se registre que, a despeito das

considerações expendidas pela insurgente acerca da prévia solicitação dos

consumidores referente aos serviços prestados, razão não lhe assiste.

Como esposado alhures, a demandada, apesar de evidenciar fato

impeditivo do direito do autor (prévia solicitação dos consumidores), não trouxe

qualquer documento apto a alicerçar suas alegações, sendo este seu ônus, a

teor do artigo 333, II, do Código de Processo Civil.

Por outro vértice, o acionante trouxe uma série de documentos

demonstrando inúmeras reclamações dos consumidores acerca da

cobrança por serviços não solicitados, cumprindo, assim, a disposição

constante no art. 333, I, do mencionado diploma legal.

Neste viés, depreende-se da iterativa jurisprudência desta Corte de

Justiça:

1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA ANTECIPADA. TELEFONIA. COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS PELO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. ÔNUS DO FORNECEDOR. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DANO MORAL. EXISTÊNCIA DE PROVAS DE QUE A AUTORA TENHA SOFRIDO INCÔMODOS DESARRAZOADOS PARA SOLUCIONAR O EQUÍVOCO. ATO QUE GERA O DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

Não há que se falar em boa-fé quando a concessionária cobra por serviço não solicitado pelo usuário, de modo que é devida a repetição do valor indevidamente cobrado em dobro, conforme previsto no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor (Ap.Cív. n. 2007.006869-4, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22.5.2007) (Apelação Cível n. 2012.090596-5, de Criciúma, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12-11-2013).

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"O martírio e o descaso sofridos pelo consumidor, ao ser impingido, mês a mês, ao pagamento de faturas manifestamente irregulares, sem vislumbrar êxito nas reclamações realizadas à operadora e sob a ameaça constante de interrupção dos serviços e de negativação dos seus dados, certamente ultrapassam a esfera da normalidade e da razoabilidade, dando azo ao pleito compensatório" (Apelação Cível n. 2012.012796-3, da Capital - Continente, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 17-12-2013) (Apelação Cível n. 2014.026366-7, de Itajaí, Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga, 3ª Câm. Dir. Púb., j. 01/07/2014 – destaquei).

2) APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. ÔNUS DO FORNECEDOR, CONSOANTE ART. 6º, VIII, DO CDC, E ART. 333, II, DO CPC. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. EXEGESE DO ART. 42 DO CDC. DANO MORAL PLEITEADO. SITUAÇÃO QUE CARACTERIZA MERO ABORRECIMENTO. ABALO MORAL NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Cível n. 2012.053012-2, de Lages, Relator: Des. José Volpato de Souza, 4ª Câm. Dir. Púb., j. 23/08/2012 – destaquei).

3) CIVIL - AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO - BRASIL TELECOM S/A - COBRANÇA INDEVIDA - SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS -

1 A responsabilidade civil das prestadoras de serviço é de natureza objetiva. A cobrança indevida, por serviços não solicitados pelo usuário, é causa efetiva de declaração de inexistência de débito."A relação jurídica havida entre a empresa de telefonia e o usuário submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor e, sendo assim, o onus probandi acerca da contratação de serviços incumbe ao fornecedor" (AC n. 2010.023822-2, Des. Sérgio Baasch Luz).

2 A repetição do indébito e a condenação à restituição em dobro pressupõe a prova da cobrança indevida e do pagamento correlato (Apelação Cível n. 2011.040409-9, de Blumenau, Relator: Des. Luiz César Medeiros, 3ª Câm. Dir. Púb., j. 03/04/2012).

Ressalte-se, aliás, que, na hipótese vertente, não se está aplicando

a inversão do ônus da prova – a teor do art. 6º, VIII, do CDC –, porquanto se trata

de norma ope judicis, que necessita de deliberação do Juízo na fase saneadora

do processo ou na decisão liminar, o que inocorreu no caso em apreço.

Nesta tessitura, restando demonstrados os danos causados aos

consumidores pela cobrança indevida de serviços não solicitados, por evidente,

plenamente configurada a responsabilidade objetiva da fornecedora de serviços,

em conformidade com a disposição encetada no artigo 14 do Código de Defesa

do Consumidor.

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Por sucedâneo, imperiosa a condenação da acionada à restituição

em dobro dos valores que foram indevidamente cobrados, nos termos do art. 42,

parágrafo único, da indigitada Lei, vez que indemonstrado o engano justificável

na prestação de serviços e, portanto, caracterizada a má-fé da concessionária de

serviço público, conforme já deliberou o Tribunal da Cidadania em caso

semelhante:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. SERVIÇO DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. ENGANO JUSTIFICÁVEL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. JUROS DE MORA. OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA. DIES A QUO. CITAÇÃO VÁLIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO.

1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

2. Em memoriais, a agravante insiste na tese de que a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC depende da configuração da má-fé do fornecedor.

3. O STJ firmou a orientação de que tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto na restituição em dobro.

4. Descaracterizado o erro justificável, devem ser restituídos em dobro os valores pagos indevidamente.

5. É entendimento do STJ que, no caso das obrigações ilíquidas, os juros de mora incidem a partir da citação válida; e a correção monetária, desde quando devido o débito.

6. Agravo Regimental não provido (AgRg no Ag 1344906 / MS, Relator: Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 17/02/2011 – destaquei).

Na mesma senda, esta Corte de Justiça possui entendimento

pacificado:

1) AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRESA DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS E NÃO UTILIZADOS. INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. ABALO MORAL CONFIGURADO. MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO NA SENTENÇA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO MONTANTE INDEVIDAMENTE PAGO PELA AUTORA. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Cível n. 2014.028249-2, de Videira, Relator: Des. Cesar Abreu, 3ª Câm. Dir. Púb., 27/05/2014 – destaquei).

2) ADMINISTRATIVO - SERVIÇO CONCEDIDO - TELEFONIA - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS PELA CONSUMIDORA - ÔNUS DA PROVA - DÍVIDA

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QUESTIONADA ADMINISTRATIVAMENTE PELA CONSUMIDORA - OPERADORA QUE NÃO COMPROVOU A REGULARIDADE NA COBRANÇA - COBRANÇAS INDEVIDAS - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO MONTANTE INDEVIDAMENTE PAGO PELA CONSUMIDORA - PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES - DÉBITOS INEXISTENTES.

Se a consumidora alega a inexistência de débito, por se tratar de prova de fato negativo, compete ao fornecedor dos serviços o ônus de provar a licitude da cobrança.

A repetição de indébito prevista no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, com a devolução em dobro da quantia indevidamente paga, demanda a concorrência de dois requisitos: a) que o consumidor pague dívida inexistente; b) que ela seja cobrada pelo fornecedor com má-fé (abuso), ou seja, que não tenha havido engano justificável (Apelação Cível n. 2013.047699-3, de Blumenau, Relator: Des. Jaime Ramos, 4ª Câm. Dir. Púb., j. 08/05/2014 – destaquei).

3) Ação declaratória de inexistência de relação jurídica e de débito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. Telefonia. Cobrança por serviços não solicitados. Repetição do indébito. Devolução em dobro da quantia paga. Possibilidade. Exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Inscrição em cadastro de proteção ao crédito. Dano moral caracterizado. Pessoa jurídica. Indenização devida. Redução do valor indenizatório. Impossibilidade na espécie. Adequação do termo inicial dos juros moratórios. Aplicação da súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça. Recurso desprovido.

É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço (art. 39, III, Código de Defesa do Consumidor).

Não há que se falar em boa-fé quando a concessionária cobra por serviço não solicitado pelo usuário, de modo que é devida a repetição do valor indevidamente cobrado em dobro, conforme previsto no parágrafo único do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor (Ap.Cív. n. 2007.006869-4, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22.5.2007) (Apelação Cível n. 2012.090596-5, de Criciúma, Relator: Des. Pedro Manoel Abreu, 3ª Câm. Dir. Púb., j. 12/11/2013 – destaquei).

4) APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. ATITUDE QUE TRANSCENDE O DISSABOR E TIPIFICA MENOSCABO. DANO MORAL OCORRENTE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. APLICAÇÃO COMO CONSECTÁRIO LÓGICO DO RECONHECIMENTO DA COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. RECURSO DA EMPRESA/RÉ E RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDOS.

I. A cobrança indevida de serviços, aliada ao martírio infligido ao consumidor para cancelá-los, tipifica ilícito gerador de dano moral indenizável, cujo quantum deve assentar-se em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, subsumindo-se em valor que, a um só tempo, não sirva de lucro à vítima, nem tampouco desfalque o patrimônio do lesante.

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II. A repetição de indébito, aplicada como defluência do reconhecimento de ter havido cobrança indevida, sem que se possa cogitar de engano justificável por parte da empresa concessionária de serviço público, é de ser feita em dobro, ex vi do art. 42, p. único, do Código de Defesa do Consumidor, observado, porém, o prazo trienal de prescrição, nos termos do art. 206, § 3º, inc. IV, do Código Civil, afinal "não se tratando de dano causado por fato do serviço, mas de repetição de indébito pelo pagamento por serviço que se alega não prestado, portanto, [de] inadimplência contratual, [aplica-se o] art. 206, § 3º, IV" (TJSC, Apelação Cível n. 2008. 071265-9, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros) (Apelação Cível n. 2013.010954-2, de Tijucas, Relator: Des. João Henrique Blasi, 2ª Câm. Dir. Púb., j. 09/04/2013 – destaquei).

Aliás, no que tange a tal tópico, restou explanado com maestria pelo

digno Togado de Primeira Instância, cujo excerto peço venia para transcrever:

Não resta dúvida que a cobrança indevida de serviços não solicitados pelo consumidor, gera o dever de restituição em dobro das quantias cobradas indevidamente.

A repetição em dobro do indébito encontra amparo nos arts. 876 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Consumo:

"Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; (...)"

"Art. 42. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."

O direito à repetição do indébito decorre da teoria do enriquecimento sem causa, que veda o enriquecimento indevido de uma parte, em detrimento de outra.

Sobre o tema, leciona Arnaldo Rizzardo:"De acordo com sentido jurídico, o pagamento indevido constitui um

pagamento sem causa que se faz a alguém, trazendo-lhe uma vantagem ou o enriquecimento, empobrecendo ou prejudicando, em contrapartida, aquele que paga. É o pagamento que se faz na suposição errônea de que se está devendo, ou da inexistência de uma obrigação pendente de solução" (Contratos de Crédito Bancário, 4ª ed., São Paulo, RT:1999, p. 64).

Ressalte-se que a única hipótese que isentaria a concessionária ré da devolução em dobro seria o engano justificável, o que não se verificou no caso em comento, pois segundo a sua defesa, o serviço foi efetivamente solicitado pelos seus consumidores.

Situações como a presente poderiam ser facilmente evitadas pela Brasil Telecom, bastando oferecer um sistema eficaz de atendimento ao consumidor. Entretanto, enquanto a gigante empresa de telefonia insistir em desprestigiar seus usuários, dificultando a comunicação direta e disponibilizando serviços como bem lhe convém, sem a efetiva solicitação dos usuários, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, outra solução não resta ao Judiciário senão a de aplicar a lei em prol dos consumidores hipossuficientes e

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prejudicados pelas ações da concessionária.Assim, terão os consumidores prejudicados direito à restituição dos

valores cobrados indevidamente, de forma dobrada, segundo os parâmetros consumeristas (CDC, art. 42, parágrafo único)(sic).

Nesta vereda, demonstrada a responsabilidade objetiva da

concessionária de serviços de telefonia pelos danos causados aos consumidores,

a obrigação de restituir em dobro os valores auferidos indevidamente é legal,

razão por que necessária a manutenção da sentença igualmente neste tocante.

Doutro vértice, com relação à tese de dupla penalidade em

decorrência das multas estabelecidas nos itens "c.1" e "c.2" do dispositivo da

sentença, são necessárias algumas ressalvas, eis que os referidos tópicos assim

dispõem:

c.1) prestar serviços ou fornecer produtos sem autorização expressa do consumidor, salvo se gratuito e desde que o consumidor tenha interesse na manutenção, sob pena de multa pecuniária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), por cada descumprimento; e,

c.2) cobrar pelos serviços ou produtos prestados sem autorização expressa do consumidor, sob pena de multa pecuniária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), por cada descumprimento.

Como se vê, neste ponto razão assiste à recorrente em sua

insurgência, porquanto é possível se depreender o ventilado bis in idem, de modo

que, uma vez prestado o serviço sem prévia autorização e mediante cobrança, a

requerida irá incidir em ambas as multas.

Desta forma, imperativa a reforma da sentença neste ponto, para

manter apenas a tutela inibitória estipulada no tópico c.2, vez que é a que

mais se coaduna com a disposição constante no artigo 39, parágrafo único, do

Código Consumerista.

Por outro viso, no que atine à alegação de que o Magistrado a quo

teria promovido usurpação de competência da ANATEL ao penalizar a recorrente

com base nos ditames do Código de Defesa do Consumidor, dessome-se que tal

assertiva é manifestamente insubsistente e não merece guarida, conforme

entendimento já assentado nesta egrégia Câmara, em caso recente envolvendo a

própria demandada:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENDIDA REPARAÇÃO DA REDE DE TELEFONES DE USO PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ. FALTA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. INTERFERÊNCIA INDEVIDA DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ANATEL. ALEGAÇÃO RECHAÇADA. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES PRESERVADO. VIOLAÇÃO À DIREITO DO CONSUMIDOR DEMONSTRADA. VISTORIA DE CONSTATAÇÃO DO PROCON. EVIDENCIA NÃO DERRUÍDA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA ACTION MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO (Apelação Cível n. 2014.025308-2, de Itajaí, Relator: Des. Cesar Abreu, 3ª Câm. Dir. Púb., j. 27/05/2014).

Aliás, destaco, como razão de decidir, parte do referido julgado, eis

que bem elucida a questão ora reiterada:

Por igual, sem muitas delongas, penso que não merece acolhida a alegação de ofensa ao princípio da separação de poderes, uma vez que, por ser da ANATEL a competência para regulamentar e fiscalizar os serviços de telefonia, não poderia o Poder Judiciário determinar punição em decorrência de mera "vistoria" por entidade não competente. Digo isto porque, nada obstante a prerrogativa concedida aos Poderes Legislativo e Executivo de formular e executar políticas públicas, o Estado está submetido, antes de qualquer questão de ordem administrativa, a preceitos constitucionais cuja concretização visa a garantir o mínimo respeito ao direito do cidadão, seja ele de ordem individual ou coletiva.

A propósito, não se pode perder de vista que no sistema de freios e contrapesos o Poder Judiciário, investido como guardião da ordem jurídica constitucional, exerce fundamentalmente uma força política contra-majoritária, notadamente quando suplicado face à insuficiência/inexistência de serviços públicos essenciais. Portanto, é sim sua atribuição o controle judicial com o propósito de afastar possíveis lesões a direitos individuais, coletivos e difusos que eventualmente ocorram por parte do Estado.

Fixadas tais premissas, inarredável que a atuação do Poder Judiciário é, no caso, legítima, porquanto as escolhas do Poder Público, no que tange às políticas de proteção ao consumidor não são discricionárias, mas vinculadas à observância de direitos constitucionalmente sacramentados, não merecendo guarida as omissões administrativas fundadas no juízo de conveniência e oportunidade. Logo, diante da omissão e ineficiência da Agência Reguladora em fiscalizar os serviços prestados pelas concessionárias de telefonia, penso que não só pode, como deve, o Poder Judiciário determinar as medidas judiciais que garantam o cumprimento de obrigações relacionadas aos serviços prestados aos consumidores, sem afronta ou invasão aos limites fixados pela Carta Republicana, eis que se trata de matéria relativa ao direito do consumidor constitucionalmente garantido. Bem se vê, que os serviços prestados pela Apelante, cuja competência fiscalizatória, em tese, é privativa da ANATEL (Lei n. 9.472/97), nada mais é do que um direito que se insere na seara consumerista, eis que visa resguardar e preservar o bom funcionamento dos aparelhos de telefone público para os clientes/consumidores que se utilizam dos serviços

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prestados pela recorrente.Por fim, no tocante às deduções lastradas acerca da inexistência de

determinação legal que obrigue a acionada a proceder a inclusão de resumo da

decisão nas contas telefônicas dos usuários e publicação da decisão em jornais

de circulação estadual, depreende-se que tais assertivas representam questões

que não foram submetidas pela ora recorrente ao crivo do Juízo a quo,

configurando verdadeira inovação recursal, vedada pelo art. 517 do Código de

Ritos.

Isso porque, em análise do processado, é possível se inferir que

não houve qualquer manifestação acerca de tais pontos na contestação, muito

embora tenha havido pedidos neste sentido na vestibular, conforme se pode

extrair dos itens 4.3.4.1 e 4.3.4.2 (fl. 32).

Neste andar, considerando que, quando devidamente oportunizada,

a demandada não atacou as matérias ora apontadas no reclamo, tais questões

não podem ser aqui conhecidas, sob pena de violar os princípios do duplo grau

de jurisdição e da eventualidade.

Acerca da regra da eventualidade, preleciona Fredie Didier Jr.:

A regra da eventualidade (Eventualmaxime) ou da concentração da defesa na contestação significa que cabe ao réu formular toda sua defesa na contestação. Toda defesa deve ser formulada de uma só vez como medida de previsão ad eventum, sob pena de preclusão. O réu tem o ônus de alegar tudo o quanto puder, pois, caso contrário, perderá a oportunidade de fazê-lo (Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010, v. 1, p. 502 – destaquei).

Na mesma trilha este Sodalício já deliberou em diversas

oportunidades:

1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INIBITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO SUBSIDIÁRIO. DISPONIBILIZAÇÃO DE NOTA DE ESCLARECIMENTO NA PRIMEIRA PÁGINA DO SÍTIO DAS REQUERIDAS. INOVAÇÃO RECURSAL. EXEGESE DO ART. 517 DO CPC. NÃO CONHECIMENTO.

As matérias não submetidas ao crivo do juízo de primeiro grau de jurisdição não podem ser conhecidas pelo juízo ad quem, porque configura verdadeira inovação recursal, o que é vedado pelo princípio da eventualidade (Apelação Cível n. 2011.061745-2 de Balneário Camboriú,

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Relator: Des. João Batista Góes Ulysséa, 2ª Câm. Dir. Civ., j. 21/09/2012 – destaquei).

2) RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO. RESPOSTA EM QUE O DEMANDADO MANIFESTA EXPRESSA CONCORDÂNCIA COM OS PEDIDOS. DISCORDÂNCIA DEDUZIDA POSTERIORMENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE OU PRECLUSÃO. EXEGESE DOS ARTIGOS 300 E 302 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Princípio da eventualidade. Por este princípio, o réu deve alegar, na contestação, todas as defesas que tiver contra o pedido do autor, ainda que sejam incompatíveis entre si, pois, na eventualidade de o juiz não acolher uma delas, passa a examinar a outra. Caso o réu não alegue, na contestação, tudo o que poderia, terá havido preclusão consumativa, estando impedido de deduzir qualquer outra matéria de defesa depois da contestação, salvo o disposto no CPC 303. A oportunidade, o evento processual para que ele possa defender-se, é a contestação (Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 592) (Apelação Cível n. 2011.068316-9 da Capital, Relator: Des. Jaime Luiz Vicari, 6ª Câm. Dir. Civ., j. 31/05/2012 – destaquei).

3) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PREFACIAL RECHAÇADA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DANOS PESSOAIS. INVALIDEZ PERMANENTE. TEMÁTICA AVENTADA EM SEDE RECURSAL NÃO DELIBERADA EM PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO EX OFFICIO. RECURSO DESPROVIDO.

Qualquer seguradora que faça parte do consórcio de seguradoras responsáveis pelo pagamento do seguro obrigatório DPVAT detém legitimidade para figurar no polo passivo de ação que objetiva cobrar indenização securitária.

"Conforme o princípio da eventualidade, compete ao réu, na contestação, alegar todas as defesas contra o pedido do autor, sob pena de preclusão. In casu, matéria somente ventilada na apelação, não se tratando de matéria de ordem pública, opera-se a preclusão" (STJ, AgRg no Ag n. 588.571/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina, j. em 21-6-2011) (Apelação Cível n. 2012.013249-0 de Timbó, Relator: Des. Fernando Carioni, 3ª Câm. Dir. Civ., j. 12/04/2012 – destaquei).

Neste compasso, diante das ilações manifestadas neste aresto,

imperiosa a reforma da sentença tão somente para suprimir o item c.1 da parte

dispositiva, mantendo-se incólume o julgado quanto ao restante.

Ante o exposto, vota-se no sentido de: a) não conhecer dos agravos

retidos, por não reiterados; b) conhecer em parte do recurso de apelação e, na

parte conhecida, dar-lhe parcial provimento, apenas para modificar parcialmente

a sentença de Primeiro Grau, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.

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