Declinio e Queda do Império Romano

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DECLNIO E QUEDA DOIMPRIO ROMANO80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 180018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 2EDWARD GIBBONDECLNIO EQUEDA DOIMPRIO ROMANOEdio abreviadaOrganizao e introduoDero A. SaundersPrefcioCharles Alexander Robinson, Jr.Traduo e notas suplementaresJos Paulo Paes1-reimpresso80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 3Copyright 1952 by Viking Press, Inc.Copyright renewed 1980 by Viking Penguin, Inc.Copyright das notas suplementares Jos Paulo PaesTtulo originalDecline and Fall of the Roman Empire The portable GibbonCapaJeff FisherPreparaoCeclia Ramosndice onomsticoJos Muniz Jr.RevisoRenato Potenza RodriguesVivian Miwa Matsushita2008Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ LTDA.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 So Paulo SPTelefone: (11) 3707-3500Fax: (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.brDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Gibbon, Edward, 1737-1794.Declnio e queda do Imprio Romano / Edward Gibbon ; organizao e introduo Dero A. Saunders ; prefcio Charles Alexander Robinson, Jr. ; traduo e notas suplementares Jos Paulo Paes. Ed. abreviada So Paulo : Companhia das Letras, 2005.Ttulo original: Decline and fall of the Roman Empire The portable GibbonISBN 978-85-359-0744-51. Imprio bizantino Histria 2. Roma Histria Imprio, 30 a.C.-476 I. Saunders, Dero II. Robinson, Jr., Charles Alexander. III. Paes, Jos Paulo, IV. Ttulo.05-7885 CDD-937.06ndices para catlogo sistemtico:l. Imprio Romano : Histria, 31 a.C.-476937.062. Roma antiga : Imprio : Histria, 31 a.C.-476937.0680018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 4SUMRIOPrefcioCharles Alexander Robinson, Jr.9Introduo do organizador11(98-180 d.C.) A extenso e o poderio militar do Imprio napoca dos Antoninos32Da unidade e prosperidade interna do Imprio Romano napoca dos Antoninos53Da Constituio do Imprio Romano na poca dos Antoni-nos84(180-248 d.C.) A crueldade, as loucuras e o assassnio de C-modoSeusucessorPertinaxtrucidadopelosguardaspretorianos Venda pblica do Imprio a Ddio Juliano TriunfoecruelreinadodeStimoSeveroAtiraniadeCaracala e as loucuras de Heliogbalo Desassossego ge-ral e rpida sucesso de imperadores Usurpao e jogosseculares de Filipe109(248-285 d.C.) Os imperadores Dcio, Galo, Emiliano, Va-leriano e Galieno Invaso geral dos brbaros Os trin-ta tiranos Reinados e vitrias de Cludio e Aureliano Intervalo de paz aps a morte de Aureliano Reinados deTcito, Probo, Caro e filhos de Caro126(285-313 d.C.) O reinado de Diocleciano e seus trs asso-ciados,Maximiano,GalrioeConstncioRestabeleci-mento da ordem e tranqilidade gerais A guerra persa,vitria e triunfo A nova forma de administrao Ab-dicao e afastamento de Diocleciano e Maximiano1681.2.3.4.5.6.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 5(305-324 d.C.) Perturbaes aps a abdicao de Dioclecia-no Morte de Constncio Elevao de Constantino eMaxncio Seis imperadores ao mesmo tempo MortedeMaximianoeGalrioVitriasdeConstantinosobreMaxncio e Licnio Unio do imprio sob a autoridadede Constantino197O avano da religio crist e os sentimentos, costumes, n-mero e condio dos cristos primitivos Perseguio aoscristos primitivos235(300-500 d.C.) Fundao de Constantinopla Sistema po-ltico de Constantino e de seus sucessores Disciplina mi-litar O palcio As finanas Breve resenha do desti-nodosfilhosesobrinhosdeConstantinoedosresultadosda oficializao da Igreja crist292(312-362 d.C.) Perseguio da heresia O cisma dos do-natistas A controvrsia ariana Atansio Estado deperturbao da Igreja e do Imprio sob Constantino e seusfilhos Tolerncia do paganismo340(360-363d.C.)Julianoproclamadoimperadorpelasle-gies da Glia Sua marcha e triunfo A morte de Cons-tncio Administrao civil de Juliano Sua tentativa derestaurar a idolatria pag Morte de Juliano na campanhapersa Seu sucessor, Joviano, salva o Imprio Romano pormeio de um tratado desonroso384(363-384d.C.)EleiodeValentiniano,queseassociaaotrono de seu irmo Valente e procede diviso final dos Im-prios do Oriente e do Ocidente Revolta de Procpio AdministraocivileeclesisticaGermniaBritnia frica O Oriente O Danbio Morte de Valen-tiniano Seus dois filhos, Graciano e Valentiniano II, so-bem ao trono do Imprio ocidental410(365-398 d.C.) Costumes das naes pastoris Avano doshunosdaChinaataEuropaFugadosgodosElesatravessam o Danbio A guerra gtica Derrota e mor-te de Valente Graciano entrega a Teodsio o Imprio doOrienteCarterexitodeTeodsioPazeassenta-7.8.9.10.11.12.13.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 6mento dos godos Triunfo da ortodoxia e destruio finaldo paganismo As guerras civis e a morte de Teodsio Diviso final do Imprio entre seus filhos445(398-408 d.C.) Revolta dos godos Eles saqueiam a Gr-cia Duas grandes invases da Itlia por Alarico e Rada-gsioSorepelidosporEstlicoOsgermanosinva-dem a Glia Desgraa e morte de Estlico478(408-410 d.C.) Invaso da Itlia por Alarico Costumes doSenado e do povo romano Roma sitiada por trs vezese finalmente pilhada pelos godos Observaes gerais so-bre a queda do Imprio Romano do Ocidente507Excertos da segunda metade da obra original5461. O Imprio do Oriente no sculo VI: I. Retrato de umaimperatriz; II. As faces do Hipdromo5472. Maom e a ascenso do Isl5613. A queda de Constantinopla (1453 d.C.) e a derroca-da final do Imprio do Oriente5724. As runas de Roma no sculo XV e concluso da obratoda592ndice onomstico598Sobre o autor60714.15.16.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 7 F R I C Ario TigreM S I Ario Eufratesr i o R d a n oRIO RENORIODANBIOr i o N i l oHISPNIAGLIAILRIAGTIEOARBIAS R I ABRITNIAARMNIAJERUSALMNICOMDIABIZNCIOMACEDNIAMARADRITICOM A REGE UAQUILIAMILOROMACPUACARTAGOSIRACUSAMARJNICO ESPARTAATENASALEXANDRIAAMIDANISIBISANTIOQUIATNGERITLIAFILIPPOLISLONDRESMauritniaTingitanaMauritnia CesarienseNumdiaCirenaicaSardenhaCrsegaSicliaAcaiaCretaChipreBticaLusitniaTarraconenseNarbonaAquitniaLugdunoBaixaAlemanhaBlgicaAltaAlemanhaRciaMARSELHALYONNricaPanniaDciaMsiaDalmciaTrcia(Constantinopla)BitniaPontoCapadciaCilciaMAREDITERRNEOOIMPRIOROMANONAPOCADOSANTONINOS(SCULOIID.C.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 89PREFCIOAsfrasesmajestosasdeWinstonChurchill,comotodossabemos,foram inspiradas, ao menos em parte, por uma grande familiaridadecom Declnio e queda do Imprio Romano, de Gibbon. Duvido, con-tudo, de que muitos saibam que outro primeiro-ministro da Inglater-ra, Clement R. Attlee, releu Declnio e queda durante o crtico ve-ro de 1949. Nenhuma significao especial, dizem seus admiradores,deve ser atribuda a sua escolha, na ocasio, dessa obra em particular,noticiava o The New York Times.Seja como for, causa certa emoo, assim como traz certo conforto,saber que esses dois grandes lderes da democracia ocidental se embebe-ram da mais terrvel e mais instrutiva das lies da Antiguidade. A his-tria de Roma afinal a histria de uma notvel cidade-Estado que pa-rece ter acumulado xito sobre xito e que, depois de haver conquistado omundo, se enredou na catstrofe, arrastando a civilizao consigo. Aquestodeexatamenteporquetalcatstrofeocorreutemdesdeentoocupado os historiadores, e nenhum mais eloqentemente do que Gibbon.AatualidadeeaimportnciadeGibbon paransaforaseumrito e valor como artista literrio resultam basicamente de umaviso e de uma perspectiva refinadas por um longo avir-se com maisdemilanosdeacidentadahistria.HistoriadorefilsofodosculoXVIII, estava ele muito mais preocupado com o pensamento humano,a criatividade e a corroso moral do que com a economia ou a arqueo-logia, especialidades que surgiram mais tarde; todavia, suas pesquisasdos dados ento disponveis foram assaz minuciosas, ainda que seus ju-zos pecassem por parcialidade. Gibbon interessava-se apaixonadamen-te pela poltica, pela guerra e pela religio. Descrevi, diz ele, o triun-fo da barbrie e da religio; e num momento melanclico acentua quea Histria pouco mais do que o registro dos crimes, loucuras e des-venturas da humanidade.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 9Foi sem dvida a extenso universal da triunfante caminhada deGibbon atravs dos sculos que fez com que muitas pessoas hesitassememacompanh-lonessafrutferaefascinanteviagemdeexplorao.Com sua elegante introduo e seu trabalho de organizar a edio dematerial de to embaraosa abundncia e riqueza, Dero A. Saunderspresta um assinalado servio pblico. Com destreza de jornalista, redu-ziu Gibbon a dimenses razoveis, logrando no obstante preservar-lhea vvida exposio das glrias da civilizao antiga, de sua decadnciae de sua acabrunhadora tragdia final. O ponto principal talvez sejater ele conseguido manter a fluncia do original consagrando a maiorparte do volume a um nico grande perodo o que termina no co-meo do sculo V. Os sculos que conduzem ao colapso do Imprio Ro-mano do Ocidente so os que mais de perto nos interessam e eles cons-tituem, na verdade, metade da obra de Gibbon.Noobstante,osr.Saunders incluiacontecimentosulteriores,deigualmodo,particularmenteahistricacapturadeConstantinoplapelosturcos.Emsuma,elenosfacultouconhecer,juntamentecomosChurchills e Attlees de nosso mundo, um relato impressionante e siste-mtico do maior dos fenmenos da Histria.Charles Alexander Robinson, Jr.Professor de Letras ClssicasBrown University6 de abril de 19521080018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 1011INTRODUO DO ORGANIZADORIOhistoriadordoImprioRomanonasceuemabrilde1737emPutney, condado de Surrey, de uma famlia abastada cuja riqueza ha-via sido granjeada pelo av de Gibbon, um fornecedor do exrcito, ho-memdeespritoobstinado.(Gibbon observaquemesmoasopiniesdele se subordinavam a seu interesse; e eu o encontro em Flandres ves-tindo as tropas do rei Guilherme,* conquanto mais prazerosamente ti-vessepreferido,aindaquenotalvezportarifamenor,serviraoreiJaime.) A famlia estaria mais rica no fosse o envolvimento do avna falncia da Cia. dos Mares do Sul em 1720, quando um irado Par-lamento s deixou de confiscar 10 mil libras esterlinas de uma fortu-na que chegava a 106500 libras esterlinas. Todavia, o astuto anciohavia colocado fora do alcance da lei considerveis propriedades fundi-rias; conseguiu outrossim, antes de sua morte em 1736, recuperar gran-* Trata-se de Guilherme III de Orange (1650-1702), defensor do protestan-tismo, que destronou Jaime II, seu sogro, e foi proclamado rei da Inglaterra, daEsccia e da Irlanda no lugar dele. (N. T.)As notas assinaladas no texto por um asterisco posposto palavra a que se re-ferem e indicadas ao final por (N. T.) visam a esclarecer o sentido de aluses me-nos comuns a personagens, topnimos e fatos histricos, peculiaridades de insti-tuies romanas antigas e bizantinas, acepes especiais de certas palavras etc. queno tenham sido suficientemente esclarecidas no texto de Gibbon ou pelo orga-nizador da presente verso resumida. Foram, tais notas, preparadas pelo tradutorbrasileiro, que com elas buscou poupar ao leitor no especializado o trabalho deconsulta a obras de referncia. Em sua preparao, alm de diversos dicionrios,enciclopdias e fontes historiogrficas, valeu-se o dito tradutor de dois livros mui-to teis, presentemente ao alcance do leitor brasileiro em verses fidedignas: o Di-cionrio Oxford de literatura clssica, traduzido por Mrio da Gama Kury (Rio de Ja-neiro,JorgeZaharEditor,1987),eRomaeosromanos,deH.Bornecque eD.Monet, traduzido por Alceu Dias Lima (So Paulo, EPU/EDUSP, 1976).80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 1112de parte do que lhe tinha sido tomado. Subseqentemente, a fortunada famlia comeou a declinar de modo constante devido m admi-nistrao do amvel mas extravagante pai do historiador. Edward Gibbon agradeceu formalmente no ter nascido escravo,selvagem ou campons, e sim num pas livre e civilizado, na era dacincia e da filosofia, numa famlia de respeitvel condio social, e ra-zoavelmente dotado de bens de fortuna. Mas a prodigalidade da natu-reza teve no seu caso uma medida estrita. Primeiro de sete filhos, foi onicoasobreviver,passadaainfncia.Desadefrgilepermanente-mente enfermo, era arrastado em desespero de um a outro mdico; os tra-tamentos sem xito s lhe trouxeram as cicatrizes que teve de carregarconsigo para a tumba e uma certa resistncia aos cuidados mdicos quetanto contriburam para lev-lo at ela. Os primrdios de sua educaoformal num internato de Kingston-sobre-o-Tmisa foram interrompi-dos, antes de ele completar os dez anos, com a morte de sua me, devidos fadigas e complicaes dos partos freqentes. Anos mais tarde, j bemnutrido pela fama e pelas satisfaes adultas, podia ele se dar ao desfrutede fustigar a cedia e profusa louvao da ventura de nossos anos de me-ninice, que entoada com tanto fingimento pelo mundo afora. Tal ven-tura nunca a conheci, de tais anos nunca senti saudades....Sua prpria sobrevivncia se deveu provavelmente a uma tia bon-dosa, srta. Catherine Porten, por ocasio de cuja morte Gibbon escre-veu uma carta em que combinava ternas lembranas com um impie-doso retrato de sua prpria juventude: Aoscuidadosdeladevo,naprimeirainfncia,apreservaodeminhavidaesade.Eueraumacrianafranzina;minhameno se importava comigo, minha ama me matava de fome, e euno fazia jus a maiores cuidados ou expectativas; sem a vigilnciamaternal de minha tia, ou eu iria direto para o cemitrio ou so-breviveria precariamente como um frgil e enfezado monstro, pe-sado encargo para mim prprio e para os outros. s lies dela devoos primeiros rudimentos de saber, os primeiros exerccios da razoe um gosto pelos livros que at hoje o prazer e a glria de minhavida; embora ela nunca me tivesse ensinado lngua nem cincia, foicertamente a mais til das preceptoras que jamais tive.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 12Uma das recompensas gratas que, com um olho posto na vida doautor, se pode tirar de uma leitura atenta da History of the declineand fall of the Roman Empire [Histria do declnio e queda do Im-prioRomano],descobriraquelaspassagenseloqentesemque,fa-lando de outrem, o historiador inconscientemente descreve a si mesmo.Assim, anota ele a respeito de Maom: A conversao enriquece o en-tendimento, mas a solido a escola do gnio. O garoto franzino sa-bia muito a respeito da solido, que aos poucos foi aprendendo a pr aservio de seus propsitos de desenvolver a confiana em si mesmo. EmKingston-sobre-o-Tmisa, a princpio o fascinaram dois livros, a tra-duo de Homero por Pope (um retrato dotado de todos os mritos me-nos o da parecena com o original) e As mil e uma noites. Durantecerca de nove meses aps a morte da me, ele viveu em casa de seu avmaterno, onde pde regalar-se sem nenhuma restrio na bibliotecaque lhe foi franqueada.Perseguido pela enfermidade peridica, arrastado ou antes man-dado de c para l por um pai ainda inconsolado pela morte da esposa,assistido por este ou aquele tutor ou mdico, conseguiu ele ler no obs-tante,noscincoanossubseqentes,muitacoisadeHorcio,Virglio,Terncio e Ovdio; conhecer a fundo tudo quanto havia disponvel emingls acerca da histria do Oriente; abrir caminho a custo atravs dotremendo latim de livros como o Abulpharagius de Pococke; e meditarto profundamente acerca da geografia e da cronologia antigas a pon-todepermanecerdespertonoitetentandoconciliaracronologiadoVelho Testamento hebraico com a do grego. Chegou ao Magdalen Col-lege de Oxford em abril de 1752, com um cabedal de erudio capazde intrigar um douto, e um grau de ignorncia de que um colegial seenvergonharia.A breve permanncia de Gibbon no Magdalen coincidiu com suabendita libertao dos achaques da meninice; todavia, afora tal acon-tecimentofortuito,eleconsideravaoscatorzemesespassadosemOx-ford os mais ociosos e improfcuos de toda a minha vida. A institui-o estava quela altura no seu pior perodo de declnio, e nem o corpodocente nem o discente contavam com quem quer que fosse desejoso oucapazdeatenderaojovemeprecoceestudante.Aocabodeintensasleituras religiosas e provavelmente influenciado pelo pensador catlico1380018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 13francs Bossuet, Gibbon se converteu ao catolicismo romano e foi con-fidencialmente batizado em Londres no comeo de julho de 1753.Seuultrajadopairespondeuaissoretirando-oprecipitadamentede Oxford e exigindo saber quem o havia convertido; fosse quem fosse,estaria arriscado a uma sumria execuo. (Era tal a ndole da poca,que poucos anos mais tarde uma turba londrina, enfurecida pelas pro-postas de abrandamento das leis penais discriminatrias contra os ca-tlicosromanos,queimoudistritosdacidadeetevedeserreprimidapela fora armada.) Dez dias apenas foram o suficiente para o pai deGibbon fazer os arranjos necessrios e confiar a emenda de seu erradioprimognito a um certo M. Pavillard, ministro calvinista de Lausan-ne, Sua. Gibbon chegou a Lausanne no fim de junho de 1753, umafiguraesguia,debaixaestaturaecabeagrande,assimodescreveuPavillard, alegando e defendendo com grande habilidade os melhoresargumentos jamais usados em favor do papado.Em sua autobiografia, escrita anos depois, Gibbon bendiz sua re-voltainfantilcontraareligiodeminhaprpriaptria;deoutromodo, aqueles cinco maravilhosos anos em Lausanne ele os teria pas-sado encharcado de vinho do Porto e preconceitos, entre os monges deOxford. A bno estava sem dvida bem encoberta poca. Via-senum pas estrangeiro, sem amigos, alvo da censura da famlia, pensio-nista de um homem avarento, mal alimentado e mal alojado pela nomenos sovina esposa de Pavillard, e carente de roupas bem como de di-nheiro para os gastos. Aumentava-lhe o isolamento sua quase total ig-norncia do francs.Felizmente M. Pavillard no era um carcereiro comum. Dando-seconta imediatamente de que seu estranho tutelado no se deixava in-timidar por coisa alguma, falava quando Gibbon sentia desejo de fa-lar, respeitava-lhe o silncio e o encorajava com brandura a descobrirseu prprio caminho de volta ortodoxia protestante. Isso ocorreu nodia de Natal de 1754, quando Gibbon recebeu o sacramento na Igre-ja calvinista de Lausanne. Mas no existe volta completa. A despeito dasseveras acusaes de irreligio que lhe foram assacadas desde o apare-cimento do primeiro volume de Declnio e queda (o irascvel Boswellchamou-o de ttere incru), Gibbon chegou em Lausanne filosofiareligiosadaqualnuncaseafastouumceticismomoderadomuito1480018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 14propenso a aceitar a existncia de uma Deidade, mas sem nenhuma es-tipulao acerca dos mecanismos precisos de atuao da Vontade Divina.O que mais importante, Pavillard, como homem de certa erudi-o e gosto, ensinou o jovem estudante a metodizar seus estudos, semlhe refrear o mbito de interesses. Por exemplo, em 1756, Gibbon de-cidiurecapitulartodos osclssicoslatinoshistoriadores,poetas,oradores e filsofos , desde Plauto e Salstio at o declnio da ln-gua e do Imprio de Roma; em catorze meses completou a empreita-da. Com a ajuda de Pavillard, disps-se a aprender grego, e leu meta-de da Ilada e grande parte da obra de Herdoto e Xenofonte antes dedeixaressatarefadelado,paraconclu-lamaistarde.Suasleiturasnada tinham de superficiais. Tomava notas abundantes, embora con-cordasse com o dr. Johnson em que aquilo que se l duas vezes maisbem lembrado do que aquilo que se copia. Antes de iniciar a leitura deum novo livro, ele avaliava cuidadosamente tudo quanto eu sabia ouacreditavasaberoupensavadoassunto;terminadaaleitura,faziauma espcie de balancete intelectual para calcular seu lucro lquido.Gibbon aprendeu mais do que os clssicos naqueles cinco anos emLausanne. Adquiriu tal fluncia no francs que sua primeira obra pu-blicada foi escrita nesse idioma, assim como o foram suas ltimas pa-lavras no leito de morte. (Para aperfeioar o francs e o latim, ele tra-duzia Ccero para o francs, deixava-o de lado durante algum tempo,traduzia-o de volta para o latim e ento comparava o resultado com ooriginal.) Deu comeo a uma amizade com o homem mais extraordi-nriodapoca,Voltaire;etomou-sedetalgostopeloteatrofrancsque ele talvez moderasse minha idolatria pelo gnio gigantesco de Sha-kespeare, a qual nos inculcada desde a infncia como o primeiro de-verdeumingls.EmLausanneGibbon encontroutambmosdoisamigos mais leais de toda a sua vida: Georges Deyverdun, um jovemsuocomquemmontariaemLausanneumalojamentodesolteirosanos mais tarde; e J. B. Holroyd (o futuro lorde Sheffield), que se tor-nou seu testamenteiro literrio.Foi ento, outrossim, que ficou completamente apaixonado, pelaprimeira e ltima vez. Suzanne Curchod era a formosa e inteligen-te filha de um ministro calvinista da aldeia francesa de Crassy, pr-xima de Lausanne. Dentro de poucos meses os dois jovens, na flor de1580018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 15seus vinte anos, estavam trocando visitas e cartas ardentes; e, quandoGibbon deixouLausanneemabrilde1758pararegressarIngla-terra, seu principal objetivo era obter consentimento do pai para o ca-samento.No era esse porm seu nico propsito. O pai de Gibbon se casarade novo, e o filho tinha vislumbres de uma nova prognie deserdando-o de um patrimnio j minguante. (Significativamente, o pai no lhehaviaescritonadaacercadosegundocasamento.) Masquandosuamadrasta se revelou uma pessoa afetuosa e amvel sem perspecti-vas imediatas de procriar , Gibbon se restringiu questo de mlle.Curchod. Mas o pai se manteve inflexvel, e era ele quem tinha nasmos os cordes da bolsa. Gibbon relata o resultado com envergonhadolaconismo: Suspirei como amante, obedeci como filho. Expulsou parasempre (segundo pensava) Suzanne Curchod de sua vida e tornou-se ocircunspecto solteiro predileto de todas as senhoras, mas ntimo de pou-cas, se tanto.Nos meses seguintes (o psicanalista talvez detectasse aqui uma su-blimao) ele escreveu um pequeno e notvel livro em francs, o Essaisur ltude de la littrature [Ensaio sobre o estudo da literatura]. Aferramenta deve ser sempre mais afiada e mais precisa do que a ope-rao que executa, e o Essai de Gibbon o nico lugar onde ele exibe,ainda que de maneira precoce, as ferramentas de seu ofcio.Para demonstrar que uma apreciao crtica satisfatria dos cls-sicos exige um exaustivo conhecimento da poca em que eles viveram,o surpreendente ensasta de apenas 21 anos de idade sugeria que Vir-glio escreveu suas Gergicas por encomenda de Augusto Csar, parainculcarnosindisciplinadosveteranosdaguerracivilosprimoresdaagricultura. Desse prisma, Virglio no deve mais ser considerado apenas umescritor ocupado em descrever as atividades da vida rural, mas umoutro Orfeu a tanger a lira para apaziguar a ferocidade dos sel-vagens e uni-los pelos vnculos pacficos da vida social. Suas Ger-gicas produziram de fato esse admirvel efeito. Os veteranos desua poca aos poucos se conformaram com uma vida calma e pas-saram sem distrbios os trinta anos que Augusto levou para cons-1680018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 16tituir, no sem grande dificuldade, um fundo militar para pagar-lhes em dinheiro.No tocante compreenso da Histria em geral: Entre a multido de fatos histricos, alguns existem, e so de lon-ge a maioria, que nada mais provam alm de sua condio de fa-tos. H outros que podem ser teis para chegar-se a uma conclu-soparcial,porviadaqualofilsofoficacapacitadoajulgarosmotivos de determinada ao ou algumas das caractersticas par-ticulares de uma personalidade; tais fatos dizem respeito apenas aelos individuais de uma cadeia. Aqueles cuja influncia se estendepelo sistema todo e que esto correlacionados de modo to ntimo aponto de imprimir movimento s molas de ao so muito raros;e ainda mais raro encontrar um gnio que saiba distingui-los emmeio ao vasto caos de acontecimentos a que esto confundidos paraconsider-los em si, desentranhados do restante.Se detectar e avaliar esses fatos so as verdadeiras tarefas do his-toriador crtico, o ponto mais alto de sua arte compreender o irracio-nal da histria humana. Vemosquemesmoosespritosmaisisentosdepreconceitosnosepodem livrar inteiramente deles. Suas idias tm um ar de para-doxos, e percebemos, pelas cadeias rompidas, que eles as desgasta-ram. [...] Devemos, pois, no apenas reconhecer mas sentir a for-a do preconceito; devemos aprender a jamais nos espantar de seuaparente absurdo e a suspeitar com freqncia da verdade daqui-lo que parece dispensar confirmao. Confesso que gosto de ver osraciocnios dos homens assumirem um certo colorido dos preconcei-tos por eles nutridos; de examinar os que se sentem temerosos dededuzir, mesmo de princpios estimados justos, concluses que sa-bem ser logicamente exatas. Gosto de detectar os que detestam numbrbaro aquilo que admirariam num grego, e que mesma his-tria chamariam mpia se escrita por um gentio mas sagrada secomposta por um judeu.1780018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 1718 altura em que saiu publicado o Essai, em 1761 ( foi bem rece-bido no continente, mas uma traduo inglesa passou quase desperce-bida), Gibbon ocupava havia mais de um ano um posto de todo inve-rossmil o de capito da milcia de Hampshire. Pois a Inglaterra seachava ento em guerra e estivera em perigo de ser invadida, perigoquelogodesapareceu.Superficialmente,osanosquevodemaiode1760 a dezembro de 1762 so os menos produtivos da maturidade deGibbon. Mas ele aprendeu muito acerca de homens em ambientes bra-vios, e nada mais pde desvi-lo desde ento de seus estudos. Ademais,observa ele ironicamente que a disciplina e as evolues de um bata-lho moderno me deram uma noo mais clara do que fosse a falangee a legio; e o capito dos granadeiros de Hampshire (o leitor pode sor-rir) no foi intil para o historiador do Imprio Romano.Comorecompensaporseubomcomportamento,opaideGibbonacedeu ao plano acalentado pelo filho de uma longa excurso pela Eu-ropa. Menos de um ms aps a desmobilizao do batalho, estava eleno continente e, ao cabo de breve estada em Paris, continuou viagemat Lausanne onde deu com Suzanne Curchod. Ao que parece, elacontinuavaaentreteresperanasdeque,adespeitodorompimentoformal entre eles, o casamento fosse ainda possvel. Os amigos de Su-zanne ficaram exasperados com a frieza de Gibbon e pediram a Rous-seau que falasse com o rapaz, mas Rousseau no quis interferir, sob aalegao de que ele era frio demais para seu gosto ou para a felicidadede Suzanne. Rousseau estava incomodamente perto da verdade. Pou-co depois Suzanne Curchod se tornou mme. Necker, a esposa do gran-de ministro das finanas da Frana, que convocou a sesso dos EstadosGeraisdeflagradoradaRevoluoFrancesa;esuafilhafoimme.deStal. O que estava faltando a Gibbon era coragem, no gosto.*Mas ele j tinha um outro amor, de que se acercava a passo lento* Havia evidentemente ocasies em que Gibbon aspirava a ambas. Aps vi-sitar os Necker em Paris, alguns anos mais tarde, escreveu ele a seu amigo lor-de Sheffield: Ela me tem afeto, e seu mando se mostra particularmente corts.Poderiam acaso insultar-me de maneira mais cruel? Convidar-me a cear todasas noites; ir para a cama e deixar-me a ss com a esposa que segurana maisimpertinente! tornar inofensivo de todo um velho amante.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 1819e tmido, como que a prolongar os prazeres da antecipao. Demorou-se quase um ano em Lausanne antes de prosseguir at a Itlia e, no in-vernode1764,alcanarfinalmenteRoma.Suaautobiografianarracom eloqncia as fortes emoes que me agitavam o esprito quandopelaprimeiravezmeacerqueidacidadeeternaenelaentrei;alivrios dias de embriaguez foram perdidos ou desfrutados antes de eupoderdedicar-meaumafriaeminuciosainvestigao.Masaindamais persuasiva a carta reservada que endereou ao pai nessa ocasio: Jencontreitalcabedaldeentretenimentoparaumespritoempartepreparadoparaissoporumaconvivnciacomosromanos,quemesintorealmentequasecomoemsonho.Quaisqueridiasque os livros nos possam ter dado da grandeza desse povo, seus rela-tos do mais florescente estado de Roma ficam infinitamente aqumdo espetculo de suas runas. Estou convencido de que nunca exis-tiu antes uma nao assim, e espero, pela felicidade da humanida-de, que nunca volte a existir de novo.Com a preciso que lhe era caracterstica, Gibbon anota o momen-to exato em que nasceu a idia de sua histria: Foi em Roma, a 15 deoutubro de 1764, enquanto eu estava sentado a cismar entre as runasdo Capitlio e os monges descalos cantavam as vsperas no Templo deJpiter, que a idia de relatar o declnio e a queda da cidade pela pri-meira vez me veio mente. Observa ele, contudo, que a idia estavaoriginalmente limitada apenas cidade, e s mais tarde se ampliou atincluir o Imprio no sendo essa a ltima vez em que Declnio equeda teve seu escopo alargado antes de concluir-se.Isto , no todo, demasiado preciso. Edward Gibbon no escreveu suahistria porque lhe aconteceu visitar Roma em 1764 ou porque (con-forme assinala alhures) treze anos antes havia topado com um exem-plar da History of the later Roman Empire [Histria do ImprioRomano em seu perodo final ], de Eachard. Em retrospecto, quase tudoquantoelejamaisfizeraapontavasempreparaumasdireo.Suacarta mais antiga que chegou at ns, escrita na idade de treze anos,registra que depois da Igreja e em nossa volta para casa contempla-mos as runas de um antigo acampamento que me agradaram enor-80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 19memente. Suas leituras vorazes, mesmo durante o perodo do serviomilitar, pareciam voltadas para um nico fim. (Ento, seu exemplarde Horcio estava sempre no meu bolso e amide em minha mo; efoi por essa poca que ultimou seu anterior propsito de estudar grego.)Como D. M. Low observa com muita justeza em sua excelente biogra-fia de Gibbon, um acaso vale tanto quanto outro e, por um ou outrocanal, o rio em cheia deve achar seu caminho at os terrenos que lhecabe inundar e fertilizar.Os cinco anos que se seguiram ao regresso de Gibbon da Itlia, noverode1765,dividiram-seentreLondresePutneyeforamgastosnuma srie de atividades aparentemente sem propsito. Ele principioua escrever uma histria da repblica sua, depois a deixou de lado; au-xiliou seu amigo Deyverdun a compilar um retrospecto da literaturabritnica a ser publicado em francs, no continente; editou anonima-menteumpolmicoebreveensaiointituladoCriticalobservationsonthesixthbookoftheEneida [Observaescrticasacercadolivro sexto da Eneida]. Mas principalmente se agastou com sua conti-nuada dependncia do pai (Gibbon estava ultrapassando os trinta). Mes-mo a morte do pai em fins de 1770 no o libertou de imediato: mais dedois anos foram gastos em pr alguma ordem no emaranhado dos bensda famlia, para que ele pudesse por fim manter-se com relativa esta-bilidade numa casa de sua propriedade no nmero 7 da Bentinck Street,em Londres.O vinho da independncia pessoal produziu o primeiro volume deDeclnio e queda em tempo assaz breve, mas o mundo exterior, que-la altura, via apenas o novo fenmeno de Gibbon, o homem de socie-dade. Ele o era por seus prprios esforos, j que no possua nem a for-tuna nem um nome de famlia capaz de lhe garantir automaticamenteumaposiosocial.Noentanto,conseguiuabrircaminhonoquefoicertamente um dos mais brilhantes crculos literrios da histria inglesa.Sua posio socioliterria adequadamente documentada por suaeleio, mais de um ano antes do aparecimento do primeiro volume deDeclnio e queda, para o famoso Clube Literrio fundado por SamuelJohnson em 1765. Alm de Johnson, durante os anos de participaoativadeGibbon,delefaziamparte: Boswell,inimigodeGibbon;sirJoshua Reynolds, o pintor; Oliver Goldsmith; Edmund Burke; David2080018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 2021Garrick, o ator; o grande estadista da oposio Charles Fox; o poltico-dramaturgoRichardSheridan;oamigodedicadodeGibbon,AdamSmith. Evidentemente, o crculo de relaes sociais e literrias de Gib-bon estendia-se muito alm do clube.UmacadeiranoParlamentoeraumatributodesejadoportodohomem de sociedade; Gibbon conseguiu a sua em 1774, com a ajudadeumprimoabastado,epermaneceucomomembrodoParlamento,sem jamais ter feito um discurso, durante os oito anos mais produtivosde sua vida. De modo geral, apoiou o governo, embora passasse ocasio-nalmente para a oposio no tocante a uma questo crtica como a ame-ricana. (Nos primrdios de 1775 ele estava convencido de que temostanto o direito quanto a fora de nosso lado, mas em fins de 1777 notrepidava em dizer: Que lamentvel papel parece que estamos fazen-do na Amrica!.) Sua insubordinao foi contudo eventualmente de-sencorajada por sua designao para a Junta de Comrcio e Coloniza-o, uma sinecura em que se manteve por cerca de trs anos razo de750 libras esterlinas por ano.*Ao longo de toda a sua vida adulta, Gibbon foi um alvo dolorosa-mente fcil para as zombarias. A maioria das descries pessoais deleremonta a seus ltimos anos, quando a fama lhe permitia cultivar li-vremente suas fraquezas. Todavia, to pronunciadas eram elas que de-vemter-seostensivamenteevidenciadomesmonosprimeirosanosdesua independncia londrina. J comeava ele ento a mostrar o prin-cpio de uma corpulncia que se tornaria obesidade; e num homem deossatura franzina, com provavelmente menos de um metro e meio dealtura, um quilo de peso a mais dava a impresso de vrios. Seu modo* Os versos annimos a seguir, possivelmente escritos por Charles Fox, fo-ram postos a circular quando da nomeao de Gibbon: Nosso rei Jorge, por te-mer/ Que Gibbon fosse descrever/ O declnio do imprio ingls,/ Arranjou-lheuma sinecura/ Para, de maneira segura,/ Lhe calar a pena de vez./ Mas a cautelafoi em vo:/ Deste reinado maldio/ Projeto algum jamais se impor;/ Embo-ra ele nada escrevesse,/ O curso do declnio l-se/ J no exemplo do historia-dor./ Seu livro um quadro sombrio/ Da corrupo que destruiu/ A grandiosaRomaimperial;/Eseugordoestipndioprova/Queacorrupotampouconova/ Em sua Inglaterra natal.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 21devestir-seera,aprincpio,elegante: umobservador,narrandoumencontrodejuventudecomGibbon,recorda-otrajadonumfatodeveludo florido, com bolsa e espada fato esse que parecia um tantoexagerado, talvez, em se considerando sua pessoa.O mesmo observador prossegue dizendo que Gibbon condescendera umaouduasvezes,duranteosero,emfalarcomigo;ograndehistoriador mostrava-se alegre e brincalho, adequando o assuntoda palestra capacidade do rapaz; mas [...], no obstante, seu jei-tomaneirososefazianotarquandotamborilavadelevesobreacaixa de rap e sorria afetadamente; afeioava outrossim suas fra-sescomomesmoardecivilidadequeusariaconversandocomadultos. Sua boca, melflua como a de Plato, era um buraco redon-do quase no centro do rosto.Ou considere-se esta descrio de uma palestra com Gibbon:Nohavianenhumintercmbiodeidias,poisningumtinhaoportunidade de replicar, to volvel, to varivel era seu modo dediscorrer, o qual consistia em agudezas, anedotas e lances epigra-mticos mais ou menos apropositados, e todos agradavelmente ex-pressosdeumamaneiraafrancesadaquelhesdavasaborassazpicante;maseramaomesmotempotosoltosedesconexosque,conquanto cada um separadamente fosse divertido ao extremo, aateno de seus ouvintes por vezes esmorecia antes de ele exaurirtodos os seus recursos.Gibbon parecetersemostradomuitorelutanteemdiscutirsuahistrianaquelesanosemqueeleescreviaoprimeirovolume.Suascartasmuitoraramenteamencionam,eelenocontoumadrastaexatamentedoqueseocupavaantesdeseulivroestarpraticamentepronto para o tipgrafo. Seus conhecidos de Londres talvez soubessemque estava empenhado em algum projeto histrico, mas eram tambmliteratos, ocupados com seus prprios e ambiciosos planos. Antes da pu-blicao do livro, no tinham motivo algum de supor que o homenzi-nhogorduchodecabelosruivos,vozaguda,roupasextravagantese2280018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 22maneiras absurdamente afetadas estivesse escrevendo a maior histriajamais editada em qualquer das lnguas da humanidade.IIUmaanedotapossivelmenteapcrifacontaque,quandoGibbonapresentou o segundo volume de Declnio e queda ao duque de Glou-cester, este exclamou bem-humoradamente: Mais um danado de umlivro grosso e volumoso! Sempre a rabiscar, rabiscar, rabiscar, no, se-nhor Gibbon?. A reao do duque (que tambm a razo desta edi-o) toca inadvertidamente um dos pontos altos da histria de Gibbon seu enorme campo de abrangncia. Ela focaliza no apenas Romadesde os tempos dos primeiros e virtuosos imperadores at a extinodo Imprio do Ocidente. Inclui igualmente o Imprio do Oriente, quesobreviveu por outros mil anos; todos os povos e naes, tanto civilizadosquanto brbaros, que confinavam com o Imprio Romano; o surgimen-todomaometanismo;oSacroImprioRomano;asCruzadasemsuma, toda a histria do Ocidente (bem como do Oriente, onde tivesseafetadosignificativamenteadoOcidente) de100a1500d.C.PoisGibbon corretamente supunha que eram partes de um grande processointerligado. Conquanto tivesse acusado a si mesmo de demonstrar porvezes minuciosa e suprflua diligncia, pode certamente ser perdoadode consagrar 3 mil pginas a 1400 anos de histria ocidental.Os ingleses do o melhor de si ao pr por escrito a palavra falada,e o estilo de Gibbon provm das mesmas nascentes que deram litera-tura inglesa sua mais alta preeminncia no terreno da arte dramticae da poesia. Isso pode parecer estranho em relao a um homem que du-rante oito anos se manteve mudo no recinto do Parlamento. Mas, em-bora admitisse ter redigido trs vezes o primeiro captulo de seu livro,eduasosegundo,seumtodohabitualdecomposioeravazarumlongo pargrafo num nico molde, p-lo prova do ouvido, guard-lona memria, mas suspender qualquer gesto da pena at ter dado mi-nha obra o derradeiro polimento. Da a esplndida sonoridade da fra-se gibboniana, que nos ecoa no ouvido mesmo quando lida em silncio.O prprio Gibbon confessava ter detectado certas variaes de es-2380018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 23tilo entre os seis volumes em que a obra foi originariamente publica-da.Consideravaoprimeiroalgotoscoetrabalhado,osegundoeoterceiro amadurecidos na fluncia [e] correo; nos ltimos trs, po-rm, em sua maior parte escritos em Lausanne, temia ele ter podidoser seduzido pela facilidade de minha pena, e o hbito constante de fa-lar numa lngua e escrever em outra pode ter me infundido certa mis-tura de idiomatismos glicos.E possvel, mas muito a custo, que um leitor meticuloso possa con-cordar com ele. Com apenas pequenas variaes de freqncia, pginas,pargrafos e frases cintilantes so encontrados sistematicamente ao lon-go de toda a obra. No se trata de uma simples questo de estilo. tam-bm uma questo de finura de esprito, de palavras cuidadosamente es-colhidas, de apartes sardnicos, de um ocasional pendor para o picanteque levou Philip Guedalla a observar ter Gibbon vivido a maior par-te de sua vida sexual nas notas de rodap. E acima de tudo uma ques-todeprofundafamiliaridadecomoassuntoedecompletaimersonele: quando Gibbon situa algo alm dos Alpes, quer sempre dizer algoalm dos Alpes desde Roma ou Constantinopla, no desde Londres ouLausanne.No entanto, amplitude de abrangncia e vigor de estilo no lhe te-riam dado um pblico constante em sucessivas geraes de leitores se lhefaltasse a compacta integridade subjacente. Ele se afeioava descriopassionalaspersonalidadesqueretratavaeramaltivas,audazes,matreiras,crdulas,covardesetc.enutriapreconceitosecrenasmuito slidos. Deliciava-se, por exemplo, em revelar as deficincias dealguma figura dbia da Igreja antiga. Mas por trs disso estava o cal-mo historiador ministrando uma boa dose de repreenso a seu impera-dor favorito, Juliano, e louvando, at a beira do panegrico, santo Ata-nsio de Alexandria. Numa poca em que era moda sustentar que afunodohistoriadoreraapontarparaumamoralidadeinstrutiva,Gibbon no se dispunha a provar coisa alguma. Ademais, diferenade certos historiadores cuja estudada imparcialidade parece no passarde uma cortina, suas predilees esto sempre vista. Em Gibbon noh truques escondidos dentro da manga.Raras vezes exerceu um autor to intensa atrao sobre seus inimi-gos, que gastaram anos de paciente erudio esquadrinhando a slida es-2480018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 2425trutura de Declnio e queda. Uma edio muito usada foi a organi-zada e anotada pelo deo Milman, da Catedral de So Paulo, que ca-racterizou a obra como um atrevido e sorrateiro ataque cristandade.Outra edio, talvez a mais largamente lida nos Estados Unidos, pre-parou-a um certo Oliphant Smeaton, um figuro vitoriano que tentamorder os calcanhares de Gibbon ao longo de 3 mil pginas de uma ma-neira que lembra um pequeno e lesto co rateiro num campo de parada.Outro respeitvel vitoriano, que atendia pelo cativante nome de Birk-beck Hill e que organizou um volume das memrias de Gibbon, mos-trou-se chocado com a indecncia de sua linguagem e com sua fria eerudita obscenidade. E o prprio Thomas Bowdler, cujo nome passou aoingls corrente na expresso bowdlerized,* preparou uma edio es-pecial de Declnio e queda expurgada de todo o material religioso.TalvezamaiscompetenteavaliaodarealestaturadeGibbontenha sido feita pelo grande especialista de Cambridge, J. B. Bury, queorganizou a melhor edio de Declnio e queda e escreveu tambmuma hoje clssica History of Greece [Histria da Grcia]. Adverte oprofessor Bury que, no tocante a uma descrio pormenorizada da teo-logia e das instituies crists mais remotas, nem o historiador nem ohomem de letras subscrevero, sem mil reservas, os captulos teolgicosde Declnio e queda; todavia as mais exaustivas investigaes sub-seqentes nem modificaram de modo substancial nem infirmaram oacerto do tema demoradamente desenvolvido por Gibbon, de a des-truio do Imprio Romano se ter constitudo num triunfo conjunto dabarbrie e do cristianismo. As formidveis pesquisas do grande histo-riador alemo Mommsem e de sua escola tornaram um tanto obsoletoo retrato traado por Gibbon dos primrdios do Imprio; mas por ou-tro lado sua admirvel descrio da passagem do principado monar-quia absoluta, e o sistema de Diocleciano e Constantino, continua a serplenamentevlida.EBury quasesesentetentadoarejubilar-sedeGibbon ter-segrandementeapoiadonumafontehojedesacreditadapara sua descrio de Maom e dos primrdios da expanso maometa-* Diz-se, em ingls, de uma obra expurgada de expresses ou trechos con-siderados obscenos. (N. T.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 25na, uma vez que os captulos de Declnio e queda da resultantes bas-tariam por si ss para garantir-lhe perptua fama literria.Mais grave a desdenhosa caracterizao do perodo final do Im-prio do Ocidente como uma invarivel narrativa de fraqueza e mi-sriacondenadaporBury comoumdosjuzosmaisinverdicosemais impressivos jamais pronunciados por um historiador refletido. EGibbon mostrou-se patentemente insatisfatrio em sua descrio dospovos e reinos eslavnicos dentro e fora do Imprio do Oriente. No con-junto, porm, o prprio Gibbon ficaria satisfeito com o veredicto finaldo professor Bury:O fato de Gibbon estar ultrapassado em muitos pormenores, e emcertos setores de importncia, significa apenas que ns e nossos paisno vivemos num mundo de todo incompetente. Mas no principalele ainda nosso mestre, acima e alm de toda ultrapassagem.Seria ocioso insistir nas bvias qualidades que lhe asseguram imu-nidade da sorte comum dos historigrafos tais como a destemi-da e acurada medida de seu avano atravs das pocas histricas;sua viso precisa e seu tato no manejo da perspectiva; suas discre-tasreservasemmatriadejuzoseseuceticismotempestivo;aimortal afetao de seu jeito inimitvel. Em virtude de tais supe-rioridades, ele pode desafiar o perigo com que a atividade de seussucessores ir sempre ameaar as notabilidades do passado.IIIGibbon se tornou imediatamente famoso com a publicao do pri-meiro volume de Declnio e queda em fevereiro de 1776. Contudo,somente aps a compleio total da obra (o segundo e o terceiro vo-lumesapareceramem1781;osltimostrsem1788) recebeueletalvez seus dois mais impressionantes cumprimentos. Foi ento queAdamSmith (cujoAriquezadasnaes haviasidopublicadoem1776) escreveu que, pela universal aquiescncia de todos os homensde gosto e saber que conheo ou com os quais me correspondo, Declnioe queda coloca voc bem frente de toda a tribo literria atualmen-2680018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 26te existente na Europa. E no mais famoso espetculo pblico da po-ca, quando as pessoas pagavam cinqenta guinus para conseguir umlugar de visitante, Richard Sheridan denunciou o mau procedimentodeWarrenHastings nandiadizendoquenadacomparvel,emmatriadecriminalidade,poderserencontradonahistriaantigaou moderna, nos perodos corretos de Tcito ou na pgina luminosa deGibbon. Na verdade, Sheridan sustentou mais tarde talvez paraafligiravaidadedohomenzinhoquehaviaditocopiosa,noluminosa.Masnumacircunstnciatalqueasimplesmenoeraquanto bastava.Declnio e queda suscitou outrossim muito rancor teolgico con-tra Gibbon, especialmente seus famosos captulos 15 e 16 (veja pp. 507e 546), que eram os captulos finais do primeiro volume. (Mais tarde,em1776,Gibbon escreveuasuamadrastaqueestavamuitobem,creioeuinclumeemmeioaumcanhoneiofuriosoquantooquesevoltou contra Washington.) Sua nica reao pblica, em resposta aum panfleto escrito por um certo H. E. Davis, foi publicar A vindica-tionofsomepassagesinthefifteenthandsixteenthchapters[Uma defesa de algumas passagens dos captulos dcimo quinto e dci-mo sexto]; da por diante manteve um discreto e no geral eficaz siln-cio. Mas em sua autobiografia observa que, caso tivesse previsto o efei-to deles sobre o devoto, o tmido e o prudente, poderia ter se sentidotentado a abrandar os captulos em questo.O restante da vida de Gibbon pode ser narrado em poucas pala-vras. A queda do governo de lorde North na primavera de 1782 acar-retou o fim da Junta de Comrcio e, com ela, do estipndio de 750 li-ras esterlinas, que tornava possvel a Gibbon viver em Londres. No anoseguinteeleserecolheuemLausanne,ondepassouapartilharumabela casa com seu amigo Deyverdun; ali vivia suntuosamente, torna-va-se cada vez mais gordo e era afligido com crescente freqncia porseverosataquesdegota;discutiacomDeyverdun acercadequaldosdois deveria casar-se (cada um deles escolhia o outro); continuava sen-doofavoritodasociedadedeLausanne;esefaziaacadadiamaisbrando e mais filosfico. Nunca fui um patriota muito ardoroso, es-creveu a seu amigo lorde Sheffield em 1785, e me torno mais e mais,conforme o tempo passa, um Cidado do Mundo. As competies pelo2780018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 27poder e pelo lucro em Westminster ou St. James, e os nomes de Pitt eFox, me interessam menos que os de Csar e Pompeu.Pois ainda havia estudo e trabalho a fazer para completar a gran-de tarefa. Foi no dia, ou melhor, na noite de 27 de junho de 1787, entre as23 e as 24 horas, que escrevi as ltimas linhas da ltima pgina,num pavilho do meu jardim. Aps depor a pena, dei vrias vol-tasporumberceau oupasseiosombreadodeaccias,deondesetemumavistadocampo,dolagoedasmontanhas.Oarestavatemperado,ocusereno,asguasrefletiamaluaargentinaeanaturezatodaerasilncio.Novouesconderminhasprimeirasemoesdejbilopelareconquistademinhaliberdadee,talvez,pelo estabelecimento da fama. Mas meu orgulho foi logo abatido, euma melancolia sbria se me espalhou pela mente, idia de queeu havia me despedido em definitivo de um velho e agradvel com-panheiro,equequalquerquepudesseserofuturodemeuHis-tory, a vida do historiador tem por fora de ser breve e precria.O trmino de Declnio e queda esvaziou-lhe a vida. Por algumtempo ele parece ter sido sustentado por suas crescentes apreenses comaRevoluoFrancesa.AdvertiulordeSheffield deque,sevocnoresistir ao esprito de inovao logo primeira tentativa, se permitir amnima e mais capciosa mudana em nosso sistema parlamentar, esta-r perdido. E o prazer com que acolheu a publicao de Reflectionson the revolutions in France [Reflexes sobre a revoluo em Fran-a],deBurke,levaram-noaescrever,exultante:Admiro-lheaelo-qncia,aprovo-lheapoltica,adoro-lheocavalheirismoepossoatperdoar-lhe a superstio. Todavia, o respeito do velho historiador pe-los fatos ainda estava presente. Ao passar em 1793 pelas proximidadesde Mainz (Mogncia), onde as foras prussianas e austracas assedia-vam os franceses, observou que os franceses lutam com uma coragemdigna de uma causa melhor e que a artilharia deles era admirvel.Masserobservadordisppticomesmodeumagranderevoluono substituto adequado para o trabalho de todos os dias. Por isso em1793 ele escreveu confidencialmente a lorde Sheffield que estava pen-2880018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 28sando numa srie de esboos biogrficos de ingleses eminentes, a come-ar de Henrique VIII, pelo que gostaria que lorde Sheffield perguntas-se acertolivreirodePallMallseumaobradessetipoescrita,porexemplo, no estilo de Gibbon no poderia ganhar os favores da popu-laridade. Se o livreiro mordesse a isca, continuava Gibbon, ento Shef-field deveria responder-lhe nos seguintes termos: Receio, senhor Ni-chols,vsermuitodifcilconseguirmosquemeuamigosedediqueauma obra de tal magnitude. Gibbon idoso, rico e preguioso. No en-tanto, caso o senhor queira, pode fazer uma tentativa, e se tem idiade escrever para Lausanne (pois no sei quando ele voltar Inglater-ra), eu me encarregarei de fazer a proposta chegar-lhe s mos.A triste verdade no tocante a esse projeto, dizia Gibbon explicati-vamente,eraadequemeushbitosdetrabalhoestodetalmodoprejudicados que reduzi meu tempo de estudo negligente diverso dashoras da manh, cuja repetio acabar por me levar aos poucos ao fimde minha existncia. Por essa mesma razo no ficarei nem um pou-co pesaroso de comprometer-me numa generosa empresa diante da qualno poderei honrosamente recuar. sempre um problema saber qualo mais trgico, malograr ou ser bem-sucedido no realizar uma gran-de ambio.Gibbon morreu em janeiro de 1794, com a idade de 56 anos, emLondres,duranteumavisitamotivadapelofalecimentodaesposadelorde Sheffield. A causa de sua morte foi uma assaz avantajada hidro-cele, ou acumulao de fluido na rea do escroto, possivelmente compli-cada por uma hrnia. Tal condio parece ter se manifestado, em graumenor, ao longo de toda a sua vida adulta, pois aos 24 anos teve de con-sultar-secomumcirurgioporcausadela.OcirurgioinsistiucomGibbon em que voltasse para tratamento, mas ele nunca o fez.IVAoprepararestaversoconcisadeDeclnioequeda,procureidar-lhe um seguimento narrativo usando o mximo possvel dos tijolosde Gibbon e o mnimo possvel de minha prpria argamassa. Do pon-to de vista quantitativo, as pginas que se seguem consistem em cerca2980018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 29de 96% de Gibbon e 4% de Saunders. Mas o leitor tem o direito de sa-ber quais as tcnicas por que se efetuou a condensao. So quatro:1. Todos os captulos desta edio, menos o ltimo, foram tiradosda primeira metade de Declnio e queda grosso modo, da po-ca dos Antoninos at o fim do Imprio do Ocidente. (O ltimo captu-losecompedebrevesexcertosdasegundametade,selecionadosemfuno de seu mrito literrio e do interesse geral.) Isso coincide com adefinio geral do Imprio Romano, e o prprio Gibbon considerou se-riamente a alternativa de terminar sua histria nesse ponto. Somen-te por meio dessa limitao de abrangncia foi possvel sonhar em nosmantermos nos limites de um nico volume em brochura.2. Dentro de tais limites mais estritos, mostrou-se ainda factvelomitir certos captulos em sua totalidade sem causar dano srio, esperoeu, ao fio da narrativa de Gibbon. Alguns desses captulos omitidos (taiscomooscaptulos8e11dotextooriginal,consagradosainformaescomplementares acerca da Prsia e da Germnia, respectivamente) nofazem parte integral da narrativa bsica e podiam ser eliminados, as-sinalando-se com apenas uma nota de rodap a sua omisso. Outros,contendomatriaessencialcompreensodecaptulosulteriores,fo-ram por mim resumidos em passagens em itlico de algumas pginasdeextenso.Nessesresumos,esforcei-me,claroest,porseguirfiel-mente a forma e o esprito do original e procurei guardar-lhes um pou-co do sabor por via de uma generosa asperso de citaes.3. Dentro de captulos que, a no ser por isto, aqui figuram em suatotalidade, breves passagens que vo de um pargrafo a uma pgina fo-ram ocasionalmente julgadas dispensveis. (O prprio Gibbon se deraconta dessa possibilidade ao sugerir que os captulos 15 e 16 poderiamsercondensados,semnenhumaperdadefatosoujuzos.) Ondetaisomisses no afetem a continuidade interna do captulo, elas so assina-ladas apenas por uma nota de rodap, que menciona igualmente a na-tureza do material omitido. Em todos os outros casos, a passagem omi-tida aparece condensada na parte em itlico do texto.4. Quase um quarto do texto original de Declnio e queda con-sisteemnotasderodapquecompropriedadeD.M.Lowchamadeconversa de mesa de jantar de Gibbon. Quase todas elas tiveram deser sacrificadas, mas s mesmo um aficionado de Gibbon compreende-3080018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 30r o pesar causado pela necessidade dessa eliminao, e quo difcil foiescolher as poucas que poderiam ficar. (As notas de rodap so do pr-prio Gibbon, a menos que haja indicao em contrrio.) No posso di-zer que tivesse obedecido a qualquer regra rigorosa ao decidir quais asque ficariam. Algumas pareciam necessrias compreenso dos trechosdo texto a que dizem respeito; outras ilustravam as contnuas queixasdeGibbon contraospreconceitos,ignornciaeestupidezdosantigosautores a que teve de recorrer como fontes; e eu certamente tentei man-ter todas aquelas notas cujo carter picante fosse de molde a desagra-dar a Thomas Bowdler ou Birkbeck Hill.Ademais, tomei a liberdade de revisar a pontuao e a paragra-fao de Gibbon ao longo de todo o texto. Pelos padres de hoje, o leitorteria todo o direito de se queixar de que Gibbon usava pontuao de-mais e pargrafos de menos.Uma ltima palavra. Declnio e queda do Imprio Romanotem sempre algo de especial para cada um de seus leitores, assim comoo teve para mim. Na concluso do segundo captulo, na qual discute aliteratura e a erudio romanas na poca dos Antoninos, observa Gib-bon que uma nuvem de crticos, compiladores e comentadores escure-ciaafacedosaber.Repetidasvezestiveumestremecimentodiantedessas palavras enquanto preparava esta edio, e minha nica justi-ficativademereceroperdodeGibbon residenoqueestoutentandofazer. Este livro visa a dar ao leitor to-s um antegosto de Gibbon, naesperana de que ele saia daqui decidido a tornar-se um gluto.Dero A. SaundersMaro de 19523180018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 31321(98-180 d.C.)A extenso e o poderio militar do Imprio na poca dos AntoninosNO SEGUNDO SCULO DA ERA CRIST, o imprio de Romaabrangia a mais bela parte da terra e o segmento mais civili-zadodahumanidade.Asfronteirasdaquelavastamonarquiaeram guardadas por antigo renome e disciplinada bravura. Ainfluncia branda mas eficaz das leis e dos costumes havia gra-dualmentecimentadoauniodasprovncias.Seuspacficoshabitantes desfrutavam at o ponto de abuso os privilgios daopulnciaedoluxo.Aimagemdeumaconstituiolivreeramantida com decoroso respeito: o Senado romano parecia es-tar investido de autoridade soberana e delegava aos imperado-res romanos todos os poderes executivos de governo. Duranteum ditoso perodo de mais de oitenta anos, a administrao p-blicafoigeridapelaprobidadeeaptidesdeNerva,Trajano,Adriano e os dois Antoninos. propsito deste e dos dois ca-ptulos subseqentes descrever a prosperidade do Imprio sobesses imperadores e posteriormente deduzir, a partir da mortede Marco Antonino, as circunstncias mais importantes do de-clnio e da queda do dito Imprio, uma revoluo que ser parasempre lembrada e cujos efeitos so ainda sentidos pelas naesda terra.As principais conquistas dos romanos foram feitas durantea Repblica; e os imperadores, na maior parte dos casos, con-tentaram-secompreservarosdomniosadquiridosemconse-qncia da poltica do Senado, da ativa emulao dos cnsulese do entusiasmo marcial do povo. Os sete primeiros sculos as-80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 3233sistiram a uma rpida sucesso de triunfos; caberia a Augusto,todavia, pr de lado o ambicioso projeto de dominao do mun-dotodoeintroduzir,nosconselhospblicos,umespritodemoderao. Predisposto paz por seu temperamento e condi-o, foi-lhe fcil descobrir que Roma, na sobranceira posioem que ento se encontrava, tinha muito mais a temer que es-perar de uma aventura armada; e que levar a cabo guerras re-motas se tornava uma empresa a cada dia mais difcil, de xitomaisdoqueduvidoso,almdeapossesedemonstrartantomais precria quanto menos vantajosa. A experincia de Augus-to deu peso a essas sadias reflexes e o convenceu eficazmentede que, pelo prudente vigor de seus juzos, seria fcil obter to-das as concesses que a segurana ou a dignidade de Roma pu-dessem exigir dos brbaros mais temveis. Em vez de expor suaprpria pessoa e suas legies s setas dos partos, conseguiu ele,por via de um honroso tratado, a devoluo dos estandartes edos prisioneiros que haviam sido capturados quando da derro-ta de Crasso.*Nos primrdios de seu reinado, seus generais tentaram aconquista da Etipia e da Arbia Feliz (Imen). Avanaram 1600quilmetros ao sul do trpico, mas o clima trrido no tardouarepelirosinvasoreseaprotegerosnadabelicososnativosdaquelasremotasregies.OspasessetentrionaisdaEuropadificilmente justificavam o dispndio e o esforo de conquis-ta. As florestas e os pntanos da Germnia eram ocupados porumaraadebrbarosanimososquedesprezavamavidaca-rente de liberdade; e, embora parecessem ceder, ao primeiroataque, ante a superioridade do poderio romano, logo conse-guiram,mercdeumextraordinriogestodedesespero,re-cuperar sua independncia e lembrar Augusto das vicissitudes* Marco Licnio Crasso (c. 115-53 a.C.): poltico romano que fez parte doprimeiro triunvirato, ao lado de Pompeu e Jlio Csar; quando governador daSria, combateu os partos, tendo sido derrotado e assassinado por eles. Sobre ospartos, ver nota complementar p. 38. (N. T.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 3334da fortuna.1Quando esse imperador morreu, seu testamento foilido em pblico no Senado. Deixava ele como valioso legado aseus sucessores a recomendao de confinarem o Imprio que-les limites que a Natureza parecia ter-lhe estabelecido como ba-luartes e fronteiras permanentes: a oeste, o oceano Atlntico; oReno e o Danbio ao norte; o Eufrates a leste; e, para o sul, os de-sertos arenosos da Arbia e da frica.Felizmente, para descanso da humanidade, o sistema come-dido recomendado pela sabedoria de Augusto foi adotado pelostemores e vcios de seus sucessores imediatos. Empenhados nabusca do prazer ou no exerccio da tirania, os primeiros Csaresraramentesemostravamstropasousprovncias;tampoucoestavam dispostos a permitir que os triunfos negligenciados porsua indolncia fossem usurpados pelo comando e bravura de seuslugares-tenentes. O renome militar de um sdito era conside-rado insolente usurpao da prerrogativa imperial, pelo que setornava dever, tanto quanto interesse, de todo general romanoguardar as fronteiras confiadas a sua vigilncia sem aspirar a con-quistas que se poderiam demonstrar no menos fatais a ele pr-prio que aos brbaros vencidos.O nico acrscimo que o Imprio Romano recebeu duranteo primeiro sculo da era crist foi a provncia da Britnia. Nessenico caso, os sucessores de Csar e de Augusto foram persuadi-dos a seguir antes o exemplo daquele que o preceito deste. Porestar prxima da costa da Glia, a Britnia era um convite s ar-mas; a prazenteira, conquanto duvidosa atrao de uma pesca deprolas espicaava-lhes a avareza,2e como a Britnia era vista sob1Quando do massacre de Varo* e de suas trs legies, Augusto no recebeu asinfaustas notcias com a firmeza e a serenidade que seriam esperadas de seu car-ter. [As notas de rodap so de Gibbon, a menos que haja indicao em contrrio.]* Pblio Quintlio Varo (m. 9 d.C.): general romano que, derrotado pelosgermanos comandados por Armnio, cometeu suicdio. (N. T.)2O prprio Csar oculta esse motivo ignbil, que no entanto menciona-do por Suetnio. As prolas britnicas revelaram-se porm de pouco valor de-vido a sua cor escura, plmbea.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 34o aspecto de um mundo distinto e insulado, sua conquista mal seconstitua exceo ao sistema geral de medidas continentais. Aocabo de uma guerra de cerca de quarenta anos, empreendida pelomaisobtuso,continuadapelomaisdissolutoeconcludapelomaistmidodetodososimperadores,amaiorpartedailhafoisubmetida ao jugo romano.1As diversas tribos de bretes tinhambravura mas no comando; amor pela liberdade mas no espritode unio. Tomavam armas com selvagem arrebatamento; depu-nham-nas ou voltavam-nas umas contra as outras com selvageminconstncia; e enquanto lutaram separadamente, foram subjuga-das uma aps outra. Nem a coragem de Cartaco,* nem o deses-pero de Boadicia,** nem o fanatismo dos druidas puderam evitara escravizao de seu pas ou resistir ao firme avano dos generaisdo Imprio, que preservavam a glria nacional enquanto o tronoeradesonradopelomaisfracooupelomaiscorruptodosho-mens. Na mesma poca em que, confinado em seu palcio, Do-miciano experimentava terrores iguais aos que inspirava, suas le-gies,sobocomandodovirtuosoAgrcola,***derrotavamasforas coligadas dos calednios**** ao p do monte Grpio; e suaarmada, aventurando-se a explorar uma rota desconhecida e pe-rigosa,ostentavaasarmasromanasportodaavoltadailha.Aconquista da Britnia era dada como j consumada, e Agrcola ti-nha em mira completar e consolidar seu xito submetendo, semmaior dificuldade, a Irlanda, para o que, a seu ver, bastaria umalegioealgumastropasauxiliares.Ailhaocidentalpoderiaserconvertidanumapossessovaliosa,eosbretessuportariamas351Cludio, Nero e Domiciano.* Chefe guerreiro dos bretes que floresceu em 50 d.C.; lutou nove anoscontra os romanos, que acabaram por venc-lo, captur-lo e lev-lo para Roma,onde o imperador Cludio lhe poupou a vida. (N. T.)** Rainha britnica dos icenos, tribo da regio de Norfolk, que chefiou arevolta contra os romanos e se envenenou em 62 d.C., ao saber-se derrotada poreles. (N. T.)*** Cneio Jlio Agrcola (c. 37-93 d.C.): general romano, governador e pa-cificador da Britnia, sogro do grande historiador Tcito. (N. T.)**** Calednia era o antigo nome da Esccia. (N. T.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 3536cadeias com menos relutncia se a esperana e o exemplo da li-berdade lhes fossem tirados de diante dos olhos em toda parte.Todavia, o alto mrito de Agrcola logo fez que o destitus-sem do governo da Britnia, frustrando para sempre esse judi-cioso conquanto vasto plano de conquista. Antes de partir, o pru-dente general havia tomado providncias no sentido de garantira segurana e o domnio da ilha. Observara que ela estava comoquedivididaemduaspartesdesiguaisporgolfosopostos,ou,como so hoje conhecidos, pelos esteiros da Esccia. Ao longodo estreito intervalo de cerca de sessenta quilmetros dispuseraAgrcola uma linha de postos militares, a qual foi posteriormen-tefortificada,noreinadodeAntonino Pio,porumreparodeturfa erguido sobre alicerces de pedra. Esse muro de Antonino,a pequena distncia das modernas cidades de Edimburgo e Glas-gow, ficou estabelecido como o limite da provncia romana. Oscaledonianos nativos mantiveram, na extremidade norte da ilha,sua bravia liberdade, que deviam no menos a sua pobreza quea sua bravura. As incurses que empreendiam eram repelidas ecastigadas,masopasdelesnuncafoidominado.Ossenhoresdos climas mais amenos e mais prsperos do mundo voltavam ascostas com desprezo aos melanclicos outeiros batidos por tor-mentas de inverno, aos lagos ocultos sob uma nvoa azulada e sfriaseermascharnecasondecervosdaflorestaeramcaadospor bandos de brbaros desnudos.Tal era a situao das fronteiras romanas e tais os princ-pios da poltica imperial desde a morte de Augusto at a ascen-so de Trajano. Esse virtuoso e ativo monarca havia recebido aeducao de um soldado e possua o talento de um general. Opacfico sistema de seus predecessores foi interrompido por ce-nas de guerraedeconquista,easlegies,apsumlongoin-tervalo,viramumimperadormilitaracomand-las.Aspri-meirasinvestidasdeTrajano foramcontraosdcios,*omaisbelicosodospovos,queviviamalm-Danbioeque,durante* Ver nota complementar p. 226. (N. T.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 36o reinado de Domiciano, tinham afrontado impunemente a ma-jestade de Roma. A seu vigor e impetuosidade de brbaros acres-centavamumdesprezopelavidaqueadvinhadeumacrenaardente na imortalidade e na transmigrao da alma. Decba-lo,oreidcio,provousereleprprioumadversrionoin-dignodeTrajano;nodesesperoudesuaestrelaedadeseupovoenquantonoexauriu,conformeoreconheceramseusinimigos,todososrecursosdebravuraedehabilidade.Essaguerra memorvel, salvo por uma brevssima suspenso de hos-tilidades,duroucincoanos;comooimperadorpodialanarmo,semrestries,detodoopoderiodoEstado,terminoupela submisso absoluta dos brbaros. A nova provncia da D-cia, que se constitua numa segunda exceo ao preceito de Au-gusto, tinha cerca de 2 mil quilmetros de circunferncia. Suasfronteiras naturais eram o Dniester, o Theiss ou Tibiscus,* oDanbioinferioreomarEuxino(marNegro).Osvestgiosdeumaestradamilitarpodemaindaserrastreadosdesdeasmargens do Danbio at as vizinhanas de Bendery,** uma lo-calidade famosa na histria moderna, e a atual fronteira dos im-prios turco e russo.Trajano ambicionava fama, e enquanto a humanidade con-tinuar a prodigalizar mais aplausos a seus destruidores do que aseus benfeitores, a sede de glria militar continuar a ser sem-pre o vcio das personalidades mais enaltecidas. Os encmios aAlexandre, transmitidos por uma enfiada de poetas e historia-dores, haviam acendido uma perigosa emulao no esprito deTrajano. Tal como ele, o imperador romano levou a cabo umaexpedio contra as naes do Oriente, mas lamentando, suspi-roso,quesuaidadeavanadaquasenolhedesseesperanasde igualar o renome do filho de Filipe. No entanto, o xito deTrajano, embora efmero, foi rpido e ilusrio. Os degenerados37* Atualmente conhecido como Tisza, um rio que nasce nas montanhas dosCrpatos e desgua no Danbio. (N. O.)** Cidade da Moldvia onde Carlos XII, rei da Sucia, foi feito prisioneiropelos turcos em 1713. (N. T.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 37partos,*quebrantadospordiscrdiaintestina,fugiramanteoavano de seus exrcitos. Ele desceu o rio Tigre triunfalmente,desde as montanhas da Armnia at o golfo Prsico. Alcanou ahonra de ser o primeiro, tanto quanto o ltimo, dos generais ro-manos que jamais singraram aquele mar remoto. Seus navios deguerra assolavam as costas da Arbia, e ele se iludia, fatuamen-te, de que se estava aproximando dos confins da ndia. Todo diarecebia o Senado atnito a notcia de que novas tribos e novasnaeslhereconheciamasoberania.Erainformadodequeosreis de Bsforo, Clquida,** Ibria, Albnia, Osroene e mesmooprpriomonarcapartohaviamaceitadoseusdiademasdasmos do imperador; de que as tribos independentes das colinasmedas e carducas lhe haviam implorado a proteo; e de que asricas naes da Armnia, da Mesopotmia e da Assria estavamreduzidas condio de provncias. A morte de Trajano logo veiopormanuviaraesplndidaperspectiva;eeramuitodetemerque tantas naes distantes se livrassem do jugo a que no esta-vam acostumadas logo que no as contivesse mais a mo pode-rosa que o tinha imposto.HaviaumaantigatradiodequequandooCapitliofoifundado por um dos reis romanos, o deus Trmino (que impe-rava sobre as divisas e era representado, de acordo com o costu-me daquela poca, por uma grande pedra) fora a nica das di-vindadesinferioresarecusar-seacederseulugaraoprprioJpiter.Dessaobstinaotiraramosauguresafavorvelinfe-rncia de ela se constituir em seguro pressgio de que as fron-teirasdopoderromanojamaisrecuariam.Aolongodepocassucessivas, a predio, como costuma acontecer, contribuiu para38* Antigo povo oriundo da Ctia, antiga regio do nordeste da Europa, en-tre os rios Danbio e Don, e ao norte do mar Negro; os partos se estabelece-ram ao sul da Hircnia, antiga regio no Nordeste do Ir, onde constituram umreino poderoso, que durou de cerca de 250 a.C. a 224 d.C.; apesar de seus es-foros, o imperador Trajano no os conseguiu submeter. (N. T.)**AntigaregiodasiaMenor,nacostaorientaldoPontoEuxino(marNegro). (N. T.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 38seu prprio cumprimento. Mas conquanto Trmino tivesse re-sistido majestade de Jpiter, submeteu-se autoridade do im-perador Adriano. A renncia a todas as conquistas orientais deTrajano foi a primeira medida de seu reinado. Ele restituiu aospartos o direito de eleger um soberano independente, retirou asguarniesromanasdasprovnciasdaArmnia,daMesopot-mia e da Assria e, em conformidade com o preceito de Augus-to, mais uma vez instituiu o Eufrates como a fronteira do Imp-rio. A censura, que critica os atos pblicos e os motivos privadosdos prncipes, atribuiu inveja uma conduta que se poderia atri-buirprudnciaemoderaodeAdriano.Andolemutveldesse imperador, alternadamente capaz dos mais mesquinhos edos mais generosos sentimentos, poderia tornar algo verossmila suspeita. Dificilmente lograria ele, no entanto, dar maior des-taque superioridade de seu antecessor do que se confessando,dessa maneira, no estar altura da tarefa de defender as con-quistas de Trajano.O esprito marcial e ambicioso deste fazia um contraste de-verassingularcomamoderaodeseusucessor.Aincessanteatividade de Adriano no menos notvel quando comparada branda tranqilidade de Antonino Pio. A vida daquele foi umaquase perptua viagem, e como ele possua os variados talentosdo soldado, do estadista e do erudito satisfazia a curiosidade nodesempenho de seus deveres. Indiferente s mudanas de esta-o e clima, caminhava a p e de cabea descoberta pelas nevesda Calednia e pelas plancies escaldantes do alto Egito; no ha-via provncia do Imprio que, no curso de seu reinado, no ti-vesse sido honrada com a presena do monarca. Mas a vida tran-qila de Antonino Pio decorreu no seio da Itlia, e, durante os23 anos em que dirigiu a administrao pblica, as mais longasjornadas desse prncipe benvolo no excederam a distncia quevai de seu palcio em Roma ao retiro de sua vila lanuvina.No obstante tal diferena de conduta pessoal, o sistema ge-ral de Augusto foi igualmente adotado e uniformemente segui-do por Adriano e pelos dois Antoninos. Eles persistiram no pro-psito de manter a dignidade do Imprio sem tentar alargar-lhe3980018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 39os limites. Recorriam a todo e qualquer expediente honroso paraaliciar a amizade dos brbaros e esforavam-se por convencer ahumanidade de que o poder romano, posto acima da tentao deconquista, era movido to-s pelo amor ordem e justia. Du-rante um longo perodo de 43 anos, os virtuosos esforos delestiveram bom xito e, se excetuarmos algumas ligeiras hostilida-des que serviram para adestrar as legies de fronteira, os reina-dos de Adriano e de Antonino Pio oferecem a clara perspectivade uma paz universal. A fama de Roma merecia acatamento departe das mais remotas naes da terra. Os brbaros mais ferozessubmetiamamidesuasdiferenasaoarbtriodoimperador;eum historiador contemporneo nos informa de que vira ser re-cusada, a embaixadores que a vieram solicitar, a honra de seremadmitidos categoria de sditos.O terror das armas romanas dava peso e dignidade mode-raodosimperadores.Elespreservavamapazmedianteumaconstante preparao para a guerra; e, ao mesmo tempo que re-gulavamsuacondutapelosditamesdajustia,anunciavamsnaes de seus confins que estavam to pouco dispostos a supor-tar quanto a cometer uma injria. A fora que Adriano e o An-tonino maisvelhosehaviamcontentadoemapenasexibirfoiempregada contra os partos e os germanos pelo imperador Mar-co Aurlio. As hostilidades dos brbaros suscitaram o ressenti-mento desse filosfico monarca, e na busca de uma justa repa-raoeleeseusgeneraisalcanarammuitasvitriasnotveistanto no Eufrates quanto no Danbio. A organizao das forasmilitares do Imprio Romano, que de tal modo lhe asseguravamou a tranqilidade ou o xito, vai tornar-se agora o objeto, ade-quado e importante, de nossa ateno.Nas pocas mais singelas da Repblica, o uso das armas fi-cava reservado quelas classes de cidados que tinham um pasparaamar,umapropriedadeadefenderealgumaparticipaona feitura das leis que eram de seu interesse e de sua obrigaomanter. Mas medida que se foi perdendo a liberdade pblicapelo alargamento das conquistas, a guerra se aperfeioou gra-dualmente numa arte e se degradou em negcio. As prprias le-4080018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 40gies, ao tempo em que eram recrutadas nas provncias mais re-motas,deviamsupostamenteconsistiremcidadosromanos.Tal distino, de modo geral, era considerada ou como uma qua-lificaolegaloucomoumarecompensajustaparaosoldado;todavia, maior ateno se dava ao mrito essencial da idade, dovigor fsico e da estatura militar. Em todos os recrutamentos avul-tava uma justificada preferncia pelos climas do norte em rela-o aos do sul; a classe de homens mais adequados para o exer-ccio das armas era antes buscada nos campos que nas cidades, ecom muito boa razo se supunha que as rudes ocupaes de fer-reiro, carpinteiro e caador dariam a seus praticantes mais vigoreintrepidezdoqueosofciossedentriosaserviodoluxo.Apesar de todas as qualificaes de propriedade terem sido dei-xadasdelado,osexrcitosdosimperadoresromanoseramnoobstante comandados, na maior parte dos casos, por oficiais denascimento e educao liberal; os soldados rasos, como as tropasmercenrias da Europa moderna, recrutavam-se contudo entreas camadas mais baixas e com muita freqncia mais crapulosasda sociedade.A virtude pblica conhecida entre os antigos pelo nome depatriotismo advm de uma firme conscincia de nosso interesseprprio na preservao e prosperidade de um governo livre doqual sejamos membros. Um sentimento desses, que havia torna-do quase invencveis as legies da Repblica, s podia causar fra-qussima impresso nos servidores mercenrios de um prncipedesptico, pelo que se tornou necessrio compensar tal defi-cincia com outros motivos de natureza diversa, mas no menosconvincentehonraereligio.Ocamponsouoartficeseimbuadotilpreconceitodequeforapromovidohonrosaprofisso das armas, na qual seu posto e sua reputao depende-riam de seu prprio valor; e conquanto a intrepidez de um sol-dado raso escapasse comumente ateno da fama, seu compor-tamento podia por vezes trazer glria ou desonra companhia, legio ou mesmo ao exrcito a cuja reputao estivesse ligado.Quando de seu ingresso no servio militar, via-se ele obrigado aumjuramentoqueserevestiadetodaasolenidade.Juravaja-4180018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 41maisdesertardeseuestandarte,curvaraprpriavontadesordens de seus chefes e sacrificar a vida pela segurana do im-perador e do Imprio. A lealdade das tropas romanas a seus es-tandartes era inspirada pela influncia conjunta da religio e dahonra. A guia dourada que rebrilhava testa da legio tornava-se objeto de sua mais funda devoo; era considerado to mpioquo ignominioso o abandono dessa insgnia sagrada numa horade perigo. Tais motivos, cuja fora advinha da imaginao, eramreforados por temores e esperanas de natureza mais substan-cial. Soldo regular, donativos ocasionais e uma recompensa fixaaps o devido tempo de servio aliviavam as durezas da vida mi-litar,1ao passo que, de outro lado, era impossvel escapar maissevera das punies por covardia ou desobedincia. Os centu-ries estavam autorizados a castigar com espancamento, os ge-nerais tinham o direito de punir com a morte; era uma mximainflexvel da disciplina romana que um bom soldado tinha mui-to mais a temer de seus oficiais que do inimigo. Por via de taislouvveis recursos, o valor das tropas imperiais alcanou um graude firmeza e docilidade que as paixes impetuosas e irregularesdos brbaros jamais poderiam alcanar.No entanto, os romanos eram to sensveis imperfeio dovalor quando no secundado pela destreza e pela prtica que, emsua lngua, o nome exrcito deriva da palavra usada para de-signar exerccio. Os exerccios militares eram o objeto mais re-levante e contnuo de sua disciplina. Os recrutas e os soldadosnovosrecebiamadestramentoconstantedemanhetarde;nem a idade nem o conhecimento serviam de desculpa para exi-mir os veteranos da repetio diria daquilo que j haviam apren-dido completamente. Grandes telheiros eram erguidos nos quar-tis de inverno das tropas para que suas teis lidas no sofressem421O imperador Domiciano elevou a doze moedas de ouro o estipndio anualdos legionrios, o que, em seu tempo, equivalia a cerca de dez de nossos guinus.Ao fim de vinte anos de servio, o veterano recebia 3 mil denrios (cerca de cemlibras esterlinas) ou uma poro equivalente de terra. A paga e as vantagens dosguardas eram em geral o dobro daquelas das legies.80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 42nenhuma interrupo mesmo na mais tempestuosa das quadras;tinha-seoutrossimocuidadodeprover,paratalimitaodeguerra, armas com o dobro do peso das usadas na ao real. Nopropsitodestaobraentrarnadescriopormenorizadadosexerccios romanos. Diremos apenas que compreendiam quan-topudesseconferirvigoraocorpo,atividadeaosmembrosougraaaosmovimentos.Ossoldadoseramdiligentementeins-trudos a marchar, correr, saltar, nadar, carregar grandes pesos;manejar qualquer espcie de arma que fosse usada para ataqueou defesa, quer no combate distncia, quer na luta corpo a cor-po;fazervariadasevolues;emover-seaosomdeflautasnadana prrica ou marcial. Em tempos de paz, as tropas romanasse familiarizavam com as prticas de guerra, e com propriedadeobserva um antigo historiador que contra elas lutara ser o der-ramamento de sangue a nica circunstncia que diferenciava umcampo de batalha de um campo de exerccios. Os generais maiscapazes, e os prprios imperadores, tinham por norma encora-jar tal preparao militar por sua presena e exemplo; sabemosque Adriano, tanto quanto Trajano, freqentemente condescen-diaeminstruirossoldadosinexperientes,empremiarosdili-gentes e s vezes em disputar com eles torneios de destreza oufora. No reinado desses monarcas, a cincia da ttica foi culti-vada com sucesso, e enquanto o Imprio logrou manter seu vigor,sua instruo militar era respeitada como o modelo mais perfei-to da disciplina romana.*Tentamosexplicaroespritoquemoderoueaforaqueapoiou o poder de Adriano e dos Antoninos. Tentaremos agora,comclarezaepreciso,descreverasprovnciasoutroraunidassob a soberania deles mas atualmente divididas em tantos Esta-dos independentes e hostis.A Hispnia, na extremidade ocidental do Imprio da Euro-pa,edomundoantigo,preservouemtodasaspocasosmes-43* Omitiu-se aqui a precisa descrio feita por Gibbon da composio, doarmamento, das tticas etc. das foras romanas. (N. O.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 43moslimitesnaturais:osmontesPireneus,oMediterrneoeooceano Atlntico. Essa grande pennsula, hoje em dia to desi-gualmente dividida entre dois soberanos, foi repartida por Au-gusto em trs provncias, a lusitana, a btica e a tarragonesa. Oreino de Portugal ora abrange a regio belicosa da Lusitnia, ea perda sofrida por aquela, do lado leste, compensada por umacrscimo de territrio ao norte. Os limites de Granada e An-daluzia correspondem aos da antiga Btica. O restante da His-pnia, Galcia e Astrias, Biscaia e Navarra, Leo e as duas Cas-telas, Mrcia, Valncia, Catalunha e Arago, contriburam todasparaformaroterceiroemaisimportantedosgovernosroma-nos, que recebeu de sua capital o nome de provncia de Tarra-gona. Dos brbaros nativos, os celtberos eram os mais podero-sos, ao passo que os cantbrios e os asturianos se demonstravamos mais obstinados. Confiantes na fortaleza de suas montanhas,foram os ltimos a se curvar s armas de Roma e os primeiros asacudir o jugo rabe.AantigaGlia,queabrangiatodaaregioentreosPire-neus, os Alpes, o Reno e o oceano, tinha extenso maior que adaFranamoderna.Aosdomniosdessapoderosamonarquiadevemos acrescentar os ducados de Savia, os cantes da Sua,os quatro eleitorados do Reno e os territrios de Lige, Luxem-burgo, Hainault, Flandres e Brabante. Quando Augusto outor-gou lei s conquistas de seu pai, introduziu na Glia uma divi-so igualmente adaptada ao avano das legies, ao curso dos riose s principais distines nacionais, que compreendiam outroramais de uma centena de Estados independentes. O litoral do Me-diterrneo,Languedoc,ProvenaeDelfinadoreceberamsuadenominao provincial da colnia de Narbona. O governo daAquitniaestendia-sedosPireneusaoLoire.AregioentreoLoire e o Sena era chamada de Glia Cltica e logo tomou em-prestadaumanovadenominaoclebrecolniadeLugdu-num ou Lyon. A Blgica ficava para alm do Sena e em pocasmais antigas era limitada apenas pelo Reno; todavia, um poucoantes da poca de Csar, os germanos, abusando de sua superio-ridade em matria de bravura, haviam ocupado grande parte do4480018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 44territrio belga. Os conquistadores romanos aproveitaram pres-surosamente circunstncia to lisonjeira, e a fronteira gaulesa doReno,desdeBasiliaatLeiden,recebeuosnomespompososde Alta e Baixa Germnia. Tais eram, no reinado dos Antoninos,as seis provncias da Glia: a narbonense, a aquitnica, a clticaou lionesa, a belga e as duas germnicas.J tivemos ocasio de mencionar a conquista da Britnia efixar os limites da provncia romana naquela ilha. Compreen-diatodaaInglaterra,GaleseasTerrasBaixasdaEscciaatDumbarton e Edimburgo. Antes de ter perdido sua liberdade,a Britnia estava dividida irregularmente entre trinta tribos debrbaros, das quais as mais importantes eram as dos belgas nooeste, os brigantes no norte, os silures na Gales do Sul e os ice-nos em Norfolk e Suffolk. Tanto quanto nos dado rastrear ouatribuir semelhanas de costumes e lngua, a Hispnia, a Gliae a Britnia eram habitadas pela mesma raa animosa de selva-gens. Antes de se submeter s armas romanas, disputaram ami-de o campo de batalha e amide renovaram a porfia. Aps suasubmisso, constituram a diviso ocidental das provncias eu-ropias, que se estendiam das colunas de Hrcules at o murodeAntonino,edafozdoTejoatasnascentesdoRenoedoDanbio.Antes da conquista romana, a regio hoje chamada Lombar-dia no era considerada parte da Itlia. Havia sido ocupada poruma forte colnia de glios que, estabelecendo-se nas ribancei-rasdoP,desdeoPiemonteataRomanha,levaramsuasar-mas e difundiram seu nome dos Alpes aos Apeninos. Os ligu-rianos habitavam a costa rochosa que hoje forma a repblica deGnova. Veneza no havia ainda nascido, mas os territrios des-se Estado que fica a leste do dige eram povoados pelos vene-zianos. A parte mediana da pennsula que ora constitui o duca-dodaToscanaeoEstadoeclesisticoformavamaantigasededos etruscos e mbrios, aos primeiros dos quais deve a Itlia osrudimentos iniciais de vida civilizada. O Tibre corria ao p dassetecolinasdeRomaearegiodossabinos,doslatinosedosvolscos, desde esse rio at as fronteiras de Npoles, era o teatro4580018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 45de suas vitrias incipientes. Nesse cho clebre os primeiros cn-sules fizeram jus a triunfos, seus sucessores o enfeitaram de vilaseaposteridadedeles alierigiuconventos.CpuaeCampniamantinham a posse do territrio contguo a Npoles; o restantedo reino habitavam-no muitas naes guerreiras, os marsos, ossamnitas,osapulianoseoslucanos,tendosidoafaixacosteiracobertadeflorescentescolniasgregas.Cumpre-nosassinalarque quando Augusto dividiu a Itlia em onze regies, anexou apequena provncia de stria sede da soberania romana.AsprovnciaseuropiasdeRomaestavamprotegidaspelocurso do Reno e do Danbio. O ltimo desses pujantes cursosdgua, que nasce distncia de apenas 48 quilmetros do ou-tro, percorre mais de 2 mil quilmetros, em sua maior parte norumosudeste,recolheotributodesessentariosnavegveisepor fim desgua, por seis bocas, no Euxino, que mal parece al-turadetamanhaacessodeguas.AsprovnciasdoDanbiocedo receberam a denominao geral de Ilria, ou fronteira il-rica, sendo consideradas as mais belicosas do Imprio; entretan-to, merecem ser consideradas mais pormenorizadamente sob osnomes de Rcia, Nrica, Pannia, Dalmcia, Dcia, Msia, Tr-cia, Macednia e Grcia.A provncia da Rcia, que logo extinguiu o nome dos vind-licos,estendia-sedotopodosAlpessribasdoDanbio,dasnascentes deste at a confluncia com o Inn. A maior parte daregioplanavassaladoeleitordaBavria;acidadedeAugs-burgo est sob a proteo da Constituio do Imprio Germ-nico; os grises esto a salvo em suas montanhas e a regio doTirol figura entre as numerosas provncias da casa da ustria.A vasta extenso de territrio compreendida entre o Inn, oDanbio e o Sava ustria, Estria, Carntia, Carnola, a bai-xa Hungria e a Eslavnia era conhecida dos antigos pelos no-mes de Nrica e Pannia. Em seu estado original de indepen-dncia,seusferozeshabitantesestavamintimamenteligados.Sobogovernoromanofreqentementeseuniameaindaper-manecem patrimnio de uma nica famlia. Hoje contm a re-sidncia de um prncipe germnico, que se denomina a si pr-4680018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 46prio imperador dos romanos, e forma o centro bem como o ba-luarte do poderio austraco. No ser descabido observar que, seexcetuarmos a Bomia, a Morvia, as fronteiras setentrionais daustria e uma parte da Hungria entre o Theiss e o Danbio, to-dos os demais domnios da casa da ustria esto compreendidosdentro dos limites do Imprio Romano.A Dalmcia, a que melhor caberia o nome de Ilria, era umlongoeestreitotratodeterraqueseestendiaentreoSavaeoAdritico. A parte melhor da costa, que ainda conserva sua anti-ga denominao, uma provncia do Estado veneziano e a sededa pequena repblica de Ragusa. As partes interiores assumiramos nomes eslavnicos de Crocia e Bsnia; aquela obedece ao go-verno austraco, esta a um pax turco; contudo, a regio inteiraest infestada de tribos de brbaros cuja selvagem independnciamarca irregularmente o duvidoso limite entre o poderio cristoe o maometano.Aps ter recebido as guas do Theiss e do Sava, o Danbioadquiriu, pelo menos entre os gregos, o nome de Ister. Ele divi-diaoutroraaMsiadaDcia,estaltimasendo,comovimos,umaconquistadeTrajano eanicaprovnciaalm-rio.Seper-guntarmos do estado atual de tais regies, verificaremos que, namo esquerda do Danbio, Temesvar e Transilvnia foram anexa-das, aps muitas revolues, coroa da Hungria, ao passo que osprincipados da Moldvia e da Valquia reconhecem a supremaciada Porta otomana. mo direita do Danbio, a Msia, que du-rante a Idade Mdia foi dividida nos reinos brbaros da Srvia eda Bulgria, unificou-se de novo sob a escravizao turca.A denominao de Rumlia, ainda atribuda pelos turcos aextensas regies da Trcia, da Macednia e da Grcia, preservaa lembrana de seu antigo Estado sob o Imprio Romano. Notempo dos Antoninos, as regies marciais da Trcia, das monta-nhasdeHemuseRdopeaoBsforoeoHelesponto,haviamassumido a forma de uma provncia. No obstante a mudanade senhores e de religio, a nova cidade de Roma, fundada porConstantino smargensdoBsforo,permaneceusendodesdeento a capital de uma grande monarquia. O reino da Maced-4780018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 47nia, que sob Alexandre ditou leis sia, obteve vantagens maisslidasdapolticadosdoisFilipes,ecomsuasdependnciasdo piro e da Tesslia estendeu-se do mar Egeu ao mar Jni-co. Quando meditamos na fama de Tebas e Argos, de Espartae de Atenas, mal conseguimos nos persuadir de que tantas re-pblicasimortaisdaantigaGrciaseperderamnumanicaprovncia do Imprio Romano, que, dada a superior influnciada liga acaica, era usualmente chamada de provncia de Acaia.Tal era a situao da Europa sob os imperadores romanos.As provncias da sia, sem exceo das transitrias conquistas deTrajano,estotodascompreendidasdentrodoslimitesdodo-mnio turco. Todavia, em vez de aceitar as arbitrrias divises dodespotismo e da ignorncia, ser mais seguro, assim como maisagradvel para ns, observarmos as indelveis caractersticas danatureza. O nome de sia Menor dado, com certa proprieda-de, pennsula que, confinada entre o Euxino e o Mediterrneo,avana desde o Eufrates rumo Europa. Sua regio mais exten-sa e mais florescente, a oeste do monte Tauro e do rio Halys,*foinobilitadapelosromanoscomottuloprivativodesia.Ajurisdio dessa provncia estendia-se s antigas monarquias deTria, Ldia e Frgia, s regies martimas dos panfilienses, l-cios e crios, e s colnias gregas da Jnia, que nas artes, embo-ranonasarmas,rivalizavamemglriacomaptria-me.Osreinos da Bitnia e do Ponto dominavam o lado norte da provn-cia, de Constantinopla a Trebizonda. No lado oposto, a provnciada Cilcia rematava nas montanhas da Sria; a regio interiora-na, separada da sia romana pelo rio Halys, e da Armnia peloEufrates, havia formado outrora o reino independente da Capa-dcia. Aqui devemos observar que a costa setentrional do Euxi-no, alm de Trebizonda na sia e alm do Danbio na Europa,reconhecia a soberania dos imperadores e aceitava das mos de-lesouprncipestributriosouguarniesromanas.Budzak,a48* Conhecido hoje como Kizilirmak, um rio que nasce na Turquia central edesgua no mar Negro. (N. O.)80018 - Declinio e queda (CB)6/24/089:51 AMPage 48Tartria Krim, a Circssia e a Mingrlia so as denominaes mo-dernas desses pases selvticos.Sob os sucessores de Alexandre, a Sria foi a sede dos selu-cidas, que reinaram sob a sia Superior at a revolta bem-suce-dida dos partos ter-lhes confinado os domnios da regio entreo Eufrates e o Mediterrneo. Quando a Sria se tornou vassalados romanos, constituiu-se na fronteira oriental de seu imprio;em sua latitude extrema, essa provncia no conheceu outros li-mites que no as montanhas da Capadcia, ao norte, e ao sul osconfins do Egito e do mar Vermelho. A Fencia e a Palestina es-tiveram ora anexadas jurisdio da Sria, ora separadas dela. Aprimeira era um litoral estreito e rochoso, a ltima um territ-rio pouco superior a Gales, quer em extenso, quer em fertili-dade. No entanto, a Fencia e a Palestina vivero para sempre namemria da humanidade j que a Amrica tanto quanto a Euro-pa receberam o alfabeto de uma e a religio de outra. Um de-serto de areia destitudo de rvores e de gua margeia a incertafronteira da Sria desde o Eufrates at o mar Vermelho. A vidanmadedosrabesestavainseparavelmenteligadaasuainde-pendncia e sempre que, em alguns lugares menos ridos que orestantedopas,aventuravam-seaestabelecerqualquerformade povoamento sedentrio, logo se tornavam sditos do Imp-rio Romano.Os gegrafos da Antiguidade hesitavam com freqncia quan-to poro do globo em que deveriam situar o Egito. Por sualocalizao, esse famoso reino est incluso dentro da imensa pe-nnsula da frica; todavia, s acessvel pelo lado da sia, a cujasrevolues o Egito humildemente obedeceu em quase todos osperodos da Histria. Um prefeito romano sentou-se no espln-didotronodosPtolomeus,eocetrodeferrodosmamelucos*ora est nas mos