DECLIVIDADE ESTRADAS

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Inclinaes das ruas e das estradasPublicado na revista Fsica na Escola, So Paulo, 8(2):16-18, 2007http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol8/Num2/v08n02a04.pdf

Fernando Lang da Silveira - Instituto de Fsica da UFRGS [email protected] Resumo. As inclinaes mximas de ruas e estradas so bem menores do que aquelas imaginadas pela grande maioria dos nossos alunos. Inclinaes em relao horizontal superiores a 5 excepcionalmente so encontradas em rodovias. Ruas com inclinaes prximas de 15 costumam ser raras e normalmente esto interditadas para a subida de caminhes. O limite terico para a inclinao da rampa que um automvel com trao em duas rodas pode galgar situa-se abaixo de 30 com pista seca e abaixo de 20 com pista molhada. I. Introduo H anos temos discutido com nossos alunos sobre as inclinaes das ruas e das estradas de rodagem. Ao lhes inquirir sobre a maior inclinao de ruas ou estradas que conhecem, invariavelmente obtivemos como resposta ngulos com a horizontal superestimados. Por exemplo, em 36 sujeitos (alunos do curso de Fsica que j cursaram as disciplinas de Fsica Geral, alunos do mestrado profissional em ensino de Fsica e inclusive doutores em Fsica) encontramos como resposta ngulos que variaram de 20 a 70, ficando a mdia em 44 (mais de 80% dos respondentes indicaram ngulos maiores do que 30). Ao avanarmos nessa discusso, lhes questionando sobre onde poderiam encontrar inclinaes de 20, a resposta que tal declividade comum em estradas e ruas. Em livros texto de Fsica Geral costumamos encontrar planos inclinados com inclinaes consistentes com as respostas de nossos alunos. As placas de sinalizao em rodovias reforam a idia dos ngulos prximos ou maiores do que 30 em declives acentuados, conforme se observa nas fotografias da figura 1.

Figura 1 Placas sinalizando os declives acentuados em rodovias.

A superestimativa da declividade das rampas est referida na interessante obra de Minnaert (1954), constituindo-se em um problema para a psicologia da percepo. O autor tambm nota que usualmente superavaliamos a elevao dos corpos celestes. O objetivo deste artigo o de demonstrar, por intermdio de algumas medidas realizadas a partir de fotografias, que a inclinao das ruas e das estradas bem menor do que a avaliada pelos nossos alunos. Justificaremos teoricamente as razes pelas quais os aclives ou os declives com a declividade por eles imaginada so impraticveis para automveis e caminhes. II. Medindo a inclinao A medida da inclinao das ruas em uma cidade pode ser realizada sem dificuldade com auxlio de fotografias. Quando h construes no entorno de uma rua, fcil se encontrar nas edificaes linhas indicadoras da vertical e/ou da horizontal. A fotografia da figura 2 mostra uma das ruas muito inclinadas em Porto Alegre (nossos alunos costumam atribuir a esta rua Lucas de Oliveira inclinaes superiores a 30!!).

Figura 2 Nas edificaes no entorno da rua encontramos indicadores da vertical e/ou horizontal. A fotografia da figura 3 mostra outra rua com grande declividade no centro de Porto Alegre, interditada para a subida de caminhes por motivos de segurana. No dia em que a fotografia foi realizada, chovia e constatamos que os automveis que por ali trafegavam costumavam patinar as rodas de trao.

Figura 3 Rua muito inclinada no centro de Porto Alegre, interditada para a subida de caminhes. III. Inclinaes mximas das rampas O Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT, antigo DNER) d recomendaes para as inclinaes mximas em estradas de rodagem (DNER, 1999). Uma maneira mais esclarecedora de referir a inclinao de uma rampa em relao horizontal atravs de sua declividade, isto , da tangente do seu ngulo de inclinao. Na verdade as recomendaes do DNIT para as rodovias so expressas desta forma, ao invs de especificar um ngulo. Uma rampa de 10, por exemplo, referida pela tangente de 10, que aproximadamente 0,18 ou 18%, sendo que na terminologia dos manuais tcnicos esta declividade denomina-se como inclinao percentual. Encontramos a mesma nomenclatura tambm nas especificaes tcnicas para a capacidade mxima de subida de caminhes ou de outros veculos nos manuais dos fabricantes. Em uma rampa inclinada por 10, sobe-se cerca de 18 m para cada 100 m de deslocamento horizontal. Para ngulos pequenos sabe-se que a tangente e o seno do ngulo so aproximadamente iguais. Portanto tambm podemos interpretar esta declividade de 18% como subindo 18 m em cada 100 m de deslocamento sobre a rampa. Dar a informao desta forma auxilia a entender que no usual nas ruas de uma cidade se encontrar rampas com tal declividade, pois implicaria que em uma extenso igual ao comprimento de um campo de futebol houvesse um desnvel de mais de 4 andares! Outro argumento sobre a inexistncia das inclinaes imaginadas pelos alunos diz respeito s escadas. comum que os degraus tenham a altura igual a cerca da metade de sua largura. Se deitarmos uma prancha de madeira sobre a escada, estaremos constituindo uma rampa com declividade de 50% ou inclinao de 27. A simples experincia de tentar subir por essa prancha muito elucidativa, demonstrando que, se alguma rua tivesse essa inclinao, o

passeio para pedestres deveria ser em forma de escada e no de rampa. Nas rampas de acesso para pedestres notria a ocorrncia de inclinaes muito menores do que em escadas. As declividades mximas recomendadas pelo DNIT dependem da classe da estrada de rodagem; em estradas de Classe 0 vias expressas (onde o volume de trfego o mais alto) recomenda-se no mximo inclinaes de 5% (cerca de 3). J nas rodovias de Classe IV (aquelas que possuem o mais baixo volume de trfego) as inclinaes mximas recomendadas so de 9% (cerca de 5). A principal razo subjacente a essas recomendaes est na velocidade que os automveis e, principalmente, os caminhes conseguem manter nos aclives. Rampas com inclinao de 3 no permitem que os caminhes pesados trafeguem com velocidades muito superiores a 20 km/h (vide a seo seguinte). Em situaes excepcionais encontraremos estradas onde essas inclinaes mximas excedem as recomendaes. o caso, por exemplo, da Rodovia SC 438 no trecho que sobe a belssima Serra do Rio do Rastro. Em apenas 8 km a rodovia passa por um desnvel de 670 m, o que significa uma subida com uma inclinao mdia de 5. Em alguns trechos desses 8 km encontram-se rampas excepcionalmente inclinadas. A fotografia da figura 4 mostra um desses trechos, onde ocorre a inclinao inusitada de cerca de 10 ou 18%.

Figura 4 Rampa com inclinao excepcionalmente grande (10 ou 18%) em um trecho da Rodovia SC 480 na Serra do Rio do Rastro.

Na figura 4 o poste foi tomado como indicador da vertical. As fissuras nas escarpas da montanha constituem outras linhas que indicam, aproximadamente, a vertical nesta bela paisagem. No detalhe ampliado do pavimento da estrada, observa-se que constitudo por placas de cimento com estrias. Devido grande inclinao, faz-se necessrio um pavimento antiderrapante, para minimizar a possibilidade de deslizamento dos pneus sobre o cimento, principalmente quando a pista est molhada ou at congelada. Caso os pneus deslizem, perdese em fora atrito pois, como bem sabido, o coeficiente de atrito cintico dos pneus com o pavimento menor do que o coeficiente de atrito esttico. Esta perda em fora de atrito indesejvel tanto na descida quando a fora de atrito utilizada para frear os veculos , quanto na subida neste caso a fora de atrito nas rodas de trao a fora tratora ou motora do veculo. A rua mais inclinada do mundo, segundo a Wikipedia, a Baldwin Street em Dunedin, Nova Zelndia. A sua inclinao 19 ou 35%! IV. Fora de trao e potncia de trao nos veculos em subidas Um veculo com massa M, que se desloque com velocidade constante v, ascendendo por uma rampa com inclinao com a horizontal, necessita que o seu motor desenvolva uma potncia capaz de anular a potncia das foras que resistem ao seu avano. Alm das foras de resistncia exercidas pelo ar e pela pista de rolamento no veculo, a componente do peso do veculo paralela pista (M.g.sen) ope-se ao seu movimento. Portanto, a potncia desenvolvida pelo motor PMotor nas rodas de trao deve satisfazer a seguinte condio: PMotor > M . g . sen . v . (1)

Para um caminho pesado (M = 40000 kg) deslocando-se com velocidade constante de 36 km/h ou 10 m/s por um aclive com inclinao de 3, resulta que a potncia desenvolvida pelo motor tal quePMotor > 40000. 9,8 . sen 3o .10 = 205000 w ,

(2)

ou ainda,PMotor > 205000 cv = 277 cv . 740

(3)

Ora, a potncia mnima referida em (3) comparvel (ou at maior do que a) potncia mxima nominal especificada pelos fabricantes de caminhes pesados e, portanto, a velocidade de 36 km/h suposta acima dificilmente poder ser mantida por um caminho em tal aclive. Desta forma, em aclives com 3 ou 5% de inclinao, um caminho pesado jamais poder se mover na velocidade usual do fluxo do trfego, que de 80 km/h. Outro aspecto importante relativo ao trfego de caminhes pesados diz respeito s descidas. Caso um caminho pesado trafegue descendo por uma rampa com 3 de inclinao, a potncia desenvolvida pela fora gravitacional ser uma potncia motora! Ora, boa parte desta potncia de algumas centenas de cavalos-vapor dever ser dissipada ento pelo sistema de frenagem do veculo (freios convencionais e freio-motor) sob pena da velocidade crescer (uma parte desta potncia ser dissipada pelas foras de resistncia do ar e resistncia ao rolamento). Por isto, junto s placas que sinalizam os declives prolongados h outras advertindo para o uso do freio-motor, sob pena de superaquecimento dos freios convencionais, no apenas nos caminhes mas tambm nos automveis.

A fora que traciona os veculos rampa acima a fora de atrito entre os pneus e o r pavimento nas rodas de trao ( AT ). A figura 5 representa um automvel com trao dianteira r em um aclive. O mdulo de AT deve exceder o mdulo da componente do peso na direo paralela rampa (M.g.sen), para que o veculo trafegue com velocidade constante, pois h ainda outras foras que resistem ao avano do veculo (estas outras foras de resistncia no esto representadas na figura 5), conforme j notado anteriormente.

Figura 5 Veculo subindo a rampa. Portanto, temos:AT > M . g . sen .

(4)

Caso as rodas de trao no deslizem (patinem) sobre a pista, o atrito entre os pneus e o pavimento ser esttico (isto desejvel pois possibilita que a fora tratora seja mxima). Neste caso, sendo e o coeficiente de atrito esttico entre os pneus e o pavimento e N 2 a fora normal exercida pelo pavimento nas rodas de trao, obtm-se:

AT e . N2 .Assim, de (4) e (5), conclumos que M.g.sen < AT e .N2

(5)

(6)

As foras normais ao pavimento exercidas sobre todas as rodas devem anular a componente do peso perpendicular pista de rolamento. Supondo que as rodas de trao estejam sob a ao de fora normal com intensidade semelhante s outras rodas, podemos escrever:

M . g . cos , 2 que, aps substitudo na desigualdade (6), fornece: N2 tan