Dedé Santana-Eu e Meus Amigos Trapalhões

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A trajetória do eterno trapalhão contada de maneira envolvente.A parceria com Renato Aragão(Didi),Mussum,Zacarias.A carreira internacional no cinema,a família,a fama,a iminência da morte,a cura e o encontro com Jesus. Autor: Dedé Santana. Formato:14x21cm.Número de páginas:132.ISBN:85.7459-211-4

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Um Trapalhão

Mal humorado

Apesar do sucesso e da glória de ter divertido milhões depessoas por mais de duas décadas, eu não era propriamente

a imagem da alegria. Todos os que conheciam os Trapalhões naintimidade eram unânimes em afirmar que eu era o mais malhumorado do grupo.

Conta-se que um circo apareceu numa determinadacidade, e sua maior atração era o palhaço. Ele era mesmo ummestre na arte de fazer rir. Niguém resistia as suas pilhérias, esua pantomima era perfeita. O circo tremia literalmente com oriso do público. À saída de cada espetáculo, todos comentavamalegremente o talento do palhaço e sua fama correu a cidade.

Entre os mais entusiasmados espectadores estava umpsiquiatra. Não raro o excelente palhaço virava assunto deconversa com os pacientes, estes tão empolgados quanto omédico. Certo dia, porém, chega ao consultório daquele médico

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um homem que era a própria personificação da tristeza. Tão frus-trado e inconsolável lhe pareceu o homem, que não conseguiuatinar um diagnóstico. Como último recurso, recomendou-lhe:

– Olha, está na cidade um circo que tem um palhaçosensacional. Você já deve ter ouvido falar dele. Duvido que nãose sinta melhor depois de conhecê-lo.

O homem levantou os olhos e encarou o médico,mostrando-se ainda mais desconsolado:

– Eu sou o tal palhaço!

A história do palhaço triste tem algo a ver comigo.“Os Trapalhões” é, sem dúvida, o grupo de maior sucesso dohumor brasileiro. Seu trabalho tem marcado gerações na televi-são, e isto é gratificante. Comovo-me quando um pai se apro-xima de mim, com o filho no colo, e diz:

– Sou seu fã e meu filho também.

É difícil segurar a emoção. E Renato1 sente a mesma coisa.

Mas, apesar do sucesso e da glória de ter divertido milhõesde pessoas por mais de duas décadas, eu não era propriamente aimagem da alegria. Todos os que conheciam os Trapalhões naintimidade eram unânimes em afirmar que eu era o mais malhumorado do grupo.

No começo eu não era assim, mas, com o tempo, o assédiodos fãs acrescido ao excesso de trabalho começou a irritar-me.Tenho viajado muito ao exterior e sei que o brasileiro é poucoeducado neste aspecto. As vezes estava no restaurante, comminha família, e alguém chamava, sem a menor cerimônia:

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1 Antônio Renato Aragão (Sobral, 13 de janeiro de 1936) é ator, diretor, produtor, humorista,

escritor e cantor brasileiro, famoso por liderar a série televisiva “Os Trapalhões”, nas

décadas de 1970 e 1980 e “A Aventuras do Didi” é o seu programa em veiculação.

É também conhecido como Didi Mocó, ou apenas Didi, seu principal personagem. O grupo

“Os Trapalhões” entrou para o Guinness Book, o livro dos recordes, em 1997, como o

humorístico brasileiro que permaneceu por mais tempo em exibição na TV.

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– Dedé, vem cá!

E eu pensava: “Como, vem cá!? Que falta de respeito!”Sentia-me invadido em minha privacidade. Certa vez, estavatomando uma sopa num restaurante. De repente uma pessoachegou por trás de mim, e deu-me tamanho tapa nas costas, quepor pouco não enfio a cara no prato.

Depois de um certo tempo, eu não desejava mais falar compessoa alguma. Onde quer que chegasse para me apresentar,cercava-me de seis seguranças, e não olhava para ninguém.

Renato, Mussum e Zacarias faziam brincadeiras com omeu mal humor. Observava-os, de vez em quando, cochichar ameu respeito. Quando eu chegava irritado na TV ou nas filma-gens, Renato procurava contornar a situação, puxando umabrincadeira qualquer comigo, e eu acabava entrando no clima.Mas às vezes eu chegava realmente aborrecido. Houve umaépoca em que tudo me aborrecia.

Dedé Santana e Renato Aragão

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Dedé Santana e o filho Átila quando bebê

Graças a Deus, nunca fui mal humorado com meus filhos.Mesmo quando os corrigia, o fazia com amor. Sempre os ameidemais, para irritar-me com eles. Devo ter o mesmo sentimentodaquele cantor português que eu e Renato entrevistamos emLisboa. Tinha 15 filhos, e Renato perguntou-lhe se sabia onome de todos eles.

– Sim! – respondeu. – Posso não saber o nome de todas asmães, as mulheres que já tive, mas sei os nomes de todos os meusfilhos.

Descobri que estava mais triste a cada dia, mais vazio. Meucasamento não estava bem e tornava-se cada vez pior, pois euem nada colaborava para melhorá-lo.

Minha própria fisionomia tem algo de triste. Certa vezestávamos conversando eu, Roberto Carlos e a mãe dele, DonaLaura. Íamos fazer um programa juntos. Houve um momento

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em que ela, tapando com as mãos a minha boca e meu nariz,comentou:

– É o que sempre falo pra você, Roberto. O Dedé tem oolhar triste, igual ao seu.

– É verdade – respondeu Roberto.

– Ele tem a cara alegre, mas o olhar é triste.

Mas minha tristeza ia além da expressão natural dos meusolhos. Havia um vazio muito grande dentro de mim. Às vezesentrava no carro e começava a rodar, sem rumo, ouvindomúsica. Fechava-me tanto em minha solidão que, quando davapor mim, encontrava-me em algum ponto desconhecido, numsubúrbio qualquer do Rio de Janeiro ou até mesmo em outracidade.

Algo me machucava. Doíam-me as ingratidões sofridas aolongo de minha trajetória de artista, mais de empresas que decolegas. Esforçava-me ao máximo, fazia bem o meu trabalho enão era valorizado – graças a Deus, não é esta a situação, hoje.Causava-me grande tristeza ver pessoas que não faziam nadareceber homenagens. Exemplo: na década de 60 em Brasíliaaonde eu cheguei dois anos antes da inauguração, com meucirco eu apresentava shows e variedades e também levava showsde artistas famosos, como Luis Gonzaga e etc. Alguém em Brasí-lia deve se lembrar do Circo Revista Real que apresentavadramas e comédias de autores consagrados da dramatologianacional, como Juraci Camargo (Deus lhe Pague é sua obramais famosa).

O que fiz mais em Brasília? Inaugurei o primeiro teatro naAvenida W3 com uma sátira escrita por mim com o título “De

Cabral a JK” e assim lotamos o teatro por várias semanas.Montei também um restaurante com o nome de Bossa Nova.Fui motorista de praça por acaso. Como aconteceu isso?

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Um dia passando com o carro, uma cara me deu sinal.Parei pensando que ele queria falar comigo.

– Plano Piloto?

Respondi:

– Plano Piloto.

E o carro encheu. Chegando lá todos me pagaram. E nova-mente me perguntaram:

– Cidade Livre?

– Cidade Livre. E o carro encheu de novo.

Era um Ford quatro portas do ano de 1937. Fiz umprograma na Rádio Nacional de Brasília até ser convidado paraa inauguração experimental da TV Brasília Canal 3. Cenário:ao fundo mais de 100 carros DKW – o primeiro carro fabricadono Brasil.

Eu e meu irmão Dino Santana na frente. Assim foi a minhacara, a primeira cara feia que o povo de Brasília viu na TV.Segui na TV fazendo com os meus artistas do circo dramas,comédias, shows, etc.

Chegou o grande dia da inauguração oficial da TV. Fize-ram uma grande placa de bronze na frente da televisão ondeapareciam vários nomes de artistas do Rio e de São Paulo quepela primeira vez estavam entrando na TV em Brasília, só nãoentrou o meu nome e o de meu irmão. Fiquei tão triste quelarguei a TV ao ponto de me mudar de Brasília. Voltei para SãoPaulo.2

Os outros tomavam minha glória...

Na minha cabeça eu pensava: “Nunca mais vou fazer tele-visão em minha vida!”

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2 Anos depois Dedé Santana foi chamado em Brasília para uma grande homenagem e

fizeram uma votação para ver quem ganharia o título de cidadão brasiliense. A disputa foi

Dedé e Pelé. Dedé foi o mais votado e hoje é cidadão de Brasília.

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Costumava dizer às pessoas desse vazio que havia dentrode mim, mas muitas não acreditavam. Não era para menos.Estava sempre na televisão, sorrindo, brincando e fazendo rir.Era conhecido no mundo inteiro através das campanhas daUNICEF. Os amigos eram muitos, assim como os bens materi-ais. Eu tinha muitas riquezas. Possuía apartamentos e terras –uma pequena fazenda, que conservo até hoje. Cheguei a ter oitocarros na garagem. No tempo em que poucos artistas tinhamcarro importado, eu tinha dois. Mas o vazio de minha alma nãopodia ser preenchido com carro importado. Eu me queixava emeus amigos não acreditavam.

Comecei a buscar a felicidade por caminhos alternativos.Os mesmos amigos céticos quanto à minha infelicidade reco-mendaram-me uma cartomante. Tentei o kardecismo e, nada!O vazio continuava lá, maior do que antes. Um amigo meu –não vou dizer o nome, porque ele é muito famoso – sugeriu-meum trabalho de macumba, e eu concordei. E, num dia especial,lá fomos nós, eu e o meu vazio.

Ao chegar, deparei-me com uma bacia enorme. Fize-ram-me tirar a roupa e ficar dentro dela. E começaram a despe-jar coisas sobre mim. Deram-me um banho de pipoca, farofa ecachaça. Uma pessoa vestida de branco fumava um charuto ejogava a fumaça na minha cara. Mataram galinhas pretas eoutros pequenos animais, e espirraram o sangue daqueles bichosem mim, deixando-me todo sujo.

No outro dia eu estava pior! Liguei para o amigo que merecomendara o trabalho e reclamei:

– Você disse que na macumba eu me sentiria melhor. Sóque eu acordei muito pior.

Ele me fez uma pergunta estranha:

– Você tomou banho?

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– É claro que tomei banho!

– Mas não podia! Você tinha de dormir com aquilo e nodia seguinte colocar sal grosso no corpo. E banho, só de cabeçapara baixo.

– Botar sal grosso em mim?! Eu não sou churrasco!

Certamente a solução para o vazio da minha alma não eraplantar bananeira debaixo de um chuveiro!

Via as possibilidades se esgotando. Cheguei a pensar emmorar no meio do mato, afastado de tudo e de todos. Noutraocasião, ocorreu-me a ideia de embarcar na minha lancha esumir. E a angústia aumentava na mesma proporção do sucesso.Quanto mais bem sucedido tanto mais desesperado eu ficava.

Quando garoto, costumava assistir a filmes, e ficavasonhando como deveria ser maravilhosa a vida de alguém comoGregory Peck, John Wayne, Cil Farney, Mario Moreno Cantin-flas3 (comediante mexicano). Mas, quando lia alguma coisasobre a vida deles e de outras estrelas de Hollywood e do Brasil,percebia uma realidade muito diferente, por vezes cruel. Nãoimaginava que ia sentir na pele a mesma coisa, nem que era tãoruim.

Não sei dizer se era o mal humor que aumentava o meuvazio, ou se era o vazio que fazia piorar o meu mal humor. Maseu me sentia cada vez pior. Renato reclamava de mim, e comrazão, porque eu não queria mais dar autógrafos nem tinhapaciência para falar com as pessoas.

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3 Mário Moreno, o Cantiflas - Comediante mexicano nascido na Cidade do México (1911),

graças à verborragia disparatada e à divertida gesticulação, tornou-se o comediante mais

popular da América espanhola. A penúria pela qual passava a família levou-o a suspender

os estudos e tornar-se artista ambulante, fazendo sucesso ao dançar e cantar melodias

populares de um jeito gaiato, que alternava com discursos galhofeiros. Sua fama e

popularidade subiram vertiginosamente pela sua interpretação do pelado, o mexicano

humilde, com grande dose de ingenuidade, ternura, picardia e sabedoria popular. Charles

Chaplin, quando interrogado sobre o melhor e maior comediante do mundo respondeu:

Cantiflas. Morreu em 1993.

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Dedé Santana, Roberto Guilherm(Sargento Pincel) e Renato Aragão

A ideia do suicídio começou a tomar corpo. Tinha quecolocar um fim àquela angústia, e estava convencido de queacabar com a vida era a única solução. Mas descobri que nãotinha coragem de me matar.

Certa vez, na Lapa, vi uns caras armados. Aproximei-medo bando suspeito. Rostos mal encarados voltaram-se para mim.Um dos bandidos encarou-me e fez um gesto brusco. “É agora!”,pensei. O bandido chamou a atenção dos companheiros:

– Olha aí o Dedé! Como é que é, meu chapa? Tá preci-sando de alguma coisa?

Um outro marginal abriu um largo sorriso, e acenou paramim:

– Tudo bem, meu irmão?

– Tudo bem! – respondi, decepcionado.

– Aquele carro é seu? – perguntaram.

Minha esperança doentia se reacendeu. “Vão me matarpara ficar com o carro”, suspirei aliviado.

– É meu, sim! – disse muito rápido.

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– Então pode deixar ele aí, aberto, que ninguém vai mexer,não.

– Tá com a gente, tá com Deus, meu irmão.

Era o cúmulo! Eu não tinha coragem para suicidar-me, e asúnicas pessoas que poderiam me matar se ofereciam para cuidardo meu carro e me ajudar!

O que eu não sabia era que, lá no alto, alguém olhava paramim. Alguém que me conhecia, me amava e de vez em quandome mandava um recado. São quatro desses recados que contono próximo capítulo.

Os Trapalhões no Auto da Compadecida – no detalhe a atriz Cláudia Jimenez

Os Trapalhões – Sucesso de audiência na TV

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