Deficiência - pessoacomdeficiencia.gov.br · AMES/BPC Avaliação Médico-Pericial e Social da...
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Maria Aparecida Gugel
Pessoascom Deficincia
Reserva de Cargos e Empregos Pblicos Administrao Pblica Direta e Indireta
e o Direito ao Concurso Pblico
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Maria Aparecida Gugel membro do Ministrio Pblico do Trabalho
desde 1988. A partir de 1993 vem se
dedicando aos direitos humanos nas relaes de
trabalho, evidenciando o carter nefasto da
discriminao contra pessoas com deficincia,
negros, mulheres, indgenas, idosos e LGBT.
Detm considervel produo de artigos e livros
sobre os temas.
A contratao de trabalhadores com deficincia
por empresas em todo o Brasil teve sensvel
alterao e melhora a partir de 1999, com a
unidade de atuao do Ministrio Pblico do
Trabalho. Essa ao foi coordenada pela autora por
meio da Comisso Mista de Estudos, criada com
esse objetivo. Dos trabalhos da Comisso,
produziu-se o Manual de Procedimentos Visando a
Insero da Pessoa Portadora de Deficincia e do
Beneficirio Reabilitado no Trabalho, editados em
2001 e 2002 para utilizao interna do Ministrio
Pblico do Trabalho.
Coordenou a Cmara Tcnica para o Estudo da
Reserva de Vagas para a Pessoa Portadora de
Deficincia em Concurso Pblico promovido pela
CORDE, em novembro de 2002, integrada pelos
Ministrios Pblicos Federal, do Trabalho e dos
Estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Gois. O
resultado dos trabalhos da Cmara Tcnica
inspirou e serviu de subsdio para esta obra, agora
revisada e ampliada.
Desde 1999 vem atuando em diferentes
composies do Conselho Nacional de Direitos
da Pessoa com Deficincia (CONADE), ora
representando o Ministrio Pblico do
Trabalho, ora a Associao Nacional de
Membros do Ministrio Pblico em Defesa
da Pessoa com Deficincia (AMPID), posto
acreditar ser possvel melhorar as polticas
pblicas por meio do controle social exercido pelos
conselhos de direito.
Teve assento junto ao Conselho Nacional de Combate
Discriminao (CNCD), com participao ativa na
implementao do Programa Brasil sem Homofobia
Foi colaboradora do Programa Integrado de
Aes Afirmativas para Negros (Brasil
Afroatitude), do Programa DST/AIDS do
Ministrio da Sade, pois acredita na poltica de
cotas sustentadas.
procuradora jurdica voluntria da Associao de
Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE-DF,
colaborando com o programa de insero de
pessoas com deficincia intelectual no trabalho por
meio do trabalho apoiado e da aprendizagem.
Compe atualmente a diretoria da
Associao Nacional dos Membros do
Ministrio Pblico de Defesa dos Direitos dos
Idosos e Pessoas com Deficincia (AMPID) e
Membro Auxiliar do Ncleo de Atuao
Especial em Acessibilidade do Conselho
Nacional do Ministrio Pblico (NEACE/CNMP) na
coordenao da implantao da acessibilidade
para pessoas com deficincia no mbito
do Ministrio Pblico Brasileiro.
Foto: Cristiano Eduardo
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MARIA APARECIDA GUGEL
PESSOAS COM DEFICINCIA
E O DIREITO AO CONCURSO PBLICO - RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PBLICOS
- ADMINISTRAO PBLICA DIRETA E INDIRETA
GOINIA
2016
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2006 by Maria Aparecida Gugel
Editora da UCG
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Chcara C2, Jardim Novo Mundo
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Reviso
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Normatizao
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Editorao Eletrnica
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Capa
Flix Pdua
Arte Final da Capa
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3 Edio Revisada e Ampliada, 2016
Gugel, Maria Aparecida
Pessoas com deficincia e o direito ao concurso pblico: reserva
de cargos e empregos pblicos, administrao pblica direta e indireta.
/ Maria Aparecida Gugel __ Goinia: Ed. da UCG, 2016.
357p.
ISBN 85-7103-311-0
1. Direitos humanos. 2. Cargos pblicos Pessoas com deficincia. 3. Concurso pblico.
4. Acessibilidade e tratamento diferenciado. I. Ttulo.
CDU 342.722-056.26
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SIGLAS
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas
AMES/BPC Avaliao Mdico-Pericial e Social da Incapacidade para a Vida
Independente e para o Trabalho
BPC Benefcio de Prestao Continuada
CDC Cdigo de Defesa do Consumidor
CDPD Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia
CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade
CID Classificao Internacional de Doenas
CIDID Classificao Internacional de Impedimentos, Deficincias e Incapacidades
CONADE Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficincia
CONTRAN Conselho Nacional de Trnsito
CPC Cdigo de Processo Civil
CORDE Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia
LACP Lei da Ao Civil Pblica
LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais
LBI Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia (Estatuto da Pessoa com
Deficincia)
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
MPS Ministrio da Previdncia Social
OEA Organizao dos Estados Americanos
OIT Organizao Internacional do Trabalho
OMS Organizao Mundial da Sade
ONU Organizao das Naes Unidas
SNPD Secretaria Nacional de Promoo dos Direitos da Pessoa com Deficincia
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
TEA Transtornos do Espectro Autista
TST Tribunal Superior do Trabalho
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APRESENTAO (1 e 2 edies)
As pessoas com deficincia, segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica. Censo Demogrfico 2000. Caractersticas Gerais da
Populao, www.ibge.gov.br/home/estatstica/populacao/censo2000/populacao_censo2
000) para o Censo-2000, somam 14,48% da populao, ou seja, cerca de 24.5 milhes
de brasileiros com algum tipo de deficincia, dos quais, consignam os indicadores,
somente 537 mil esto includos no trabalho para uma comunidade nacional de 26
milhes de trabalhadores ativos. Desses milhares de trabalhadores com deficincia,
desconhecido o nmero de servidores pblicos com deficincia nas esferas federal,
estadual e municipal. O fato que para qualquer estatstica que se olhe, percebe-se
desde logo a ausncia da pessoa com deficincia, resultado significativo a revelar que
esta pessoa no est porque no includa nesse universo social-produtivo. As
razes? Alm daquelas histricas de marginalizao, perpassando pela concepo de
incapacidade para o trabalho ou de ser alvo exclusivo de tratamento caridoso e que
levaram a pessoa com deficincia a ser alvo de discriminao, atualmente a falta de
cumprimento de comandos essenciais, dirigidos a qualquer cidado: ter acesso e ser
mantido na escola, com ensino de qualidade; ter meios de se qualificar
profissionalmente; ter acesso adequado a bens e servios; concorrer em igualdade de
condies para um trabalho digno e produtivo. Sem esquecer que referidos comandos
decorrem do processo evolutivo das leis nacionais que recebem, na sua concepo, a
influncia direta dos Tratados e Declaraes internacionais protagonizados pelos
movimentos organizados visando s mudanas sociais.
A pessoa com deficincia, apta a exercer uma funo pblica de forma a atender
o interesse pblico (o da coletividade), poder ingressar - como todos - na administrao
pblica (direta e indireta) por meio de concurso pblico de provas ou de provas e
ttulos. Querendo, o candidato pode optar pela obrigatria reserva de cargos e empregos
pblicos.
No entanto, a participao de candidato com deficincia em concurso pblico,
desde a inscrio at a nomeao, no raro, conflituosa, sendo que sua participao s
ocorre por imposio de medida judicial. Isto acontece porque, no obstante os
princpios constitucionais de amplo acesso, concurso pblico e reserva de cargos e
http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000
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empregos, a Administrao Pblica em todos os nveis (federal, estadual e municipal)
no est preparada para receber este cidado em seus quadros. Esse despreparo,
intrinsecamente preconceituoso, corporifica-se em editais pouco claros e margem dos
princpios constitucionais e das normas vigentes: no afere o nmero de servidores e
empregados pblicos com deficincia em seus quadros; no estabelece meta para o
cumprimento da reserva de cargos de empregos pblicos; no respeita o direito da
pessoa com deficincia s provas e locais de provas adaptados; no respeita a ordem de
classificao, compatibilizando as listas geral e especial; no disponibiliza todos os
cargos e empregos pblicos para pessoa com deficincia, sob a justificativa de que
exigem aptido plena ou so incompatveis com a deficincia; no concede apoio
especial para o perodo de estgio probatrio. Enfim, no harmoniza os princpios da
razoabilidade e interesse pblico e outros que norteiam a administrao pblica para a
realizao de um certame pblico, com direitos constitucionais previstos, alguns
especficos para as pessoas com deficincia e, com isso, no colabora - impede mesmo -
a incluso dessas pessoas.
O objetivo deste livro demonstrar o caminho legal e adequado para o
cumprimento das regras gerais e especficas de concurso pblico atinente pessoa com
deficincia e que podem ser seguidas pelo administrador pblico de maneira a prevenir
qualquer forma de discriminao.
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APRESENTAO (3 edio revisada e ampliada)
A Conveno sobre os Direitos da Pessoa com Deficincia (CDPD), norma
internacional com natureza constitucional, comanda a sociedade brasileira a
efetivamente aplicar os elementos de acessibilidade e mecanismos de tratamento
diferenciado em todos os domnios da vida da pessoa com deficincia, de forma que ela
possa alcanar autonomia e independncia individual, inclusive a liberdade de fazer as
prprias escolhas.
S ser possvel empreender e implantar a acessibilidade se houver conscincia
entre as pessoas, a sociedade em geral e os rgos pblicos que lhes prestam servios,
de que os deveres e obrigaes so comuns e que, portanto, todos tm a
responsabilidade de se esforar para promover e observar os direitos reconhecidos em
todos os documentos internacionais com carter de direitos humanos, dentre eles a
CDPD, e as leis e regulamentos nacionais nela baseados. Da porque a importncia da
Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia (Estatuto da Pessoa com
Deficincia) (LBI) que retrata os anseios para a construo de uma sociedade que
acolhe a todos.
Assim est pautada a reviso desse livro que contm reflexes e instrues em
como preparar um concurso pblico para todos e que atenda aos comandos
constitucionais e legais.
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PREFCIO
O primeiro fundamento da ordem jurdica o Direito Natural. Direito que
decorre da natureza das coisas. Engloba os direitos humanos fundamentais, ou seja,
aqueles que so condio de existncia da pessoa humana. Segundo S. Toms de
Aquino, so eles passveis de captao experimental a paulatina, ao longo da histria, o
que explica a evoluo no seu reconhecimento, consubstanciando os chamados direitos
de 1, 2 e 3 geraes.
Desde o abstencionismo estatal assecuratrio da liberdade e do direito vida
como bem primrio e condio de todos os demais, passando pela gerao dos direitos
sociais e prestaes concretas em nome da igualdade, chega-se nessa 3 gerao de
direitos fundamentais implementao do ideal de fraternidade, pela preservao da
vida em suas condies mais frgeis: no seu incio (direitos da criana), no seu final
(direitos dos idosos) e com funcionalidade comprometida (direitos das pessoas com
deficincias), requerendo uma proteo especial.
Em relao aos direitos humanos fundamentais, nos quais se incluem aqueles
das pessoas com deficincia, no o Estado que os outorga, mas apenas os reconhece
como nsitos pessoa humana. Assim em relao a esses direitos, no h que falar em
natureza constitutiva do direito de declaraes, como a Declarao dos Direitos do
Homem e do Cidado (1789), formulada na Revoluo Francesa e a declarao
Universal dos Direitos Humanos (1948), formulada pela ONU. Da se percebe a
natureza declaratria desses atos, reconhecendo algo que preexiste ao Estado.
Na Declarao da OIT sobre os princpios e Direitos Fundamentais no Trabalho
(1998), chegou-se a um denominador comum mnimo em relao ao qual no se pode
garantir condies dignas de trabalho (princpios admitidos por todos os pases que so
membros da OIT, ainda que no ratifiquem nenhuma de suas convenes): eliminao
de todas as formas de trabalho forado ou obrigatrio (trabalho escravo); abolio
efetiva do trabalho infantil; liberdade de associao e liberdade sindical, com o
reconhecimento efetivo do direito negociao coletiva; eliminao da discriminao
em matria de emprego e ocupao.
No presente estudos, a Dra. Maria Aparecida Gugel, ilustre Subprocuradora-
Geral do Trabalho e dileta colega de Ministrio Pblico, no qual ingressamos pelo
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mesmo concurso, desenvolve este ltimo aspecto em relao s pessoas com
deficincia. E o faz com profundidade, extenso e competncia, tornando a obra marco
referencial de consulta.
Em recente palestra proferida em Braslia (setembro/2005), o eminente
constitucionalista alemo Peter Hberle (n. 1934) fazia uma releitura, 30 anos depois, de
sua conhecida obra A Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio (1975),
propondo que a exegese constitucional moderna, no contexto de uma sociedade
globalizada, se faa luz do Direito Comunitrio e Internacional.
No campo laboral, o Direito Internacional tem sua fonte nas convenes e
recomendaes da OIT, que, mesmo no ratificadas pelos pases-membros, servem de
inspirao para a interpretao do direito ptrio.
A obra que ora vem a luza tem o mrito, entre tantos outros, de adotar como
marcos tericos para o desenvolvimento hermenutico a insero dos direitos da pessoa
com deficincia no mbito dos direitos humanos fundamentais (conforme as diferentes
declaraes de direitos) e sua anlise luz das normas internacionais do trabalho
(mormente as convenes 111 e 159 da OIT). A par disso, extraindo das normas legais
ptrias lei n 7.853/89 e decreto n 3.298/99) todo o seu contedo normativo, ultrapassa
a questo do direito material, para adentrar nos mecanismos de tutela desses direitos, em
sua feio processual.
Percebe-se na autora a preocupao social e crist como ser humano fragilizado,
que merece uma especial ateno. E essa ateno lhe tem sido concedido pela autora h
vrios anos, frente de Coordenadoria especfica sobre o tema no mbito do Ministrio
Pblico do Trabalho.
Com efeito, a virtude da justia, consubstanciada em dar a cada um o que seu
(Ulpiano), quando vivida friamente, sem se conjugar com a caridade, torna-se inqua:
summum jus, summa inuria, j diziam os latinos. Dar ao trabalhador o estritamente
devido, em viso meramente igualitarista, seria justia fria e desencarnada. Em seu livro
Forja, S. Josemara Escriv, exmio defensor da dignidade do trabalho humano e da
pessoa do trabalhador, escrevia Se se faz justia a seco, possvel que as pessoas se sintam feridas. Portanto, deves agir sempre por amor a Deus, que a essa justia acrescentar o blsamo do amor ao prximo; e que purifica e limpa o amor terreno. Quando Deus est de permeio, tudo se sobrenaturaliza (So Paulo Quadrante 1987, n. 502).
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Com efeito, o trabalhador no pode ser visto apenas como um elemento a mais
no processo produtivo. Todo trabalho tem o homem como ator principal e para ele que
se dirige como um fim. Da que as circunstncias do trabalhador devem ser sempre
consideradas pelo empregador, pois o homem no uma mquina que, quando est
defeituosa, simplesmente, se substitui ou se descarta (alis, quem no tem suas
deficincias?). A mulher gestante, o trabalhador deficiente, o acidentado, so exemplos
de circunstncias de desigualdade circunstancial que no podem ser vistas pelo prisma
exclusivo do rendimento produtivo, sob pena de se gerar uma sociedade desumanizada.
Parabenizamos, pois, a Dra. Maria Aparecida Gugel pelo substancioso e feliz
trabalho, que servir de norte para desenvolvimentos futuros dessa vertente especfica
dos direitos humanos fundamentais de terceira gerao, a par de, em sua concretizao
com relao aos concursos pblicos, solver muitas das dvidas e questionamentos que
hoje se colocam ao administrador pblico e aos pretendentes aos cargos pblicos.
Braslia, 7 de outubro de 2005
Ives Gandra da Silva Martins Filho
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho
-
SUMRIO
INTRODUO .............................................................................................................. 18
PRIMEIRA PARTE
CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA
CAPTULO I - A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENO SOBRE OS
DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA (CDPD)22
PROPSITO E DEFINIES .............................................................................................. 25
OS PRINCPIOS E OS EIXOS ............................................................................................. 30
ADOO DE MEDIDAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A REALIZAO
DOS DIREITOS PREVISTOS NA CDPD. CONSULTA S ORGANIZAES
PREPRESENTATIVAS DE PESSOAS COM DEFICINCIA PARTICIPAO SOCIAL ........... 32
A IMPLEMENTAO E O MONITORAMENTO ................................................................. 33 O TRABALHO E EMPREGO .............................................................................................. 34
PROIBIR A DISCRIMINAO BASEADA NA DEFICINCIA .............................................. 36
PROTEGER E ASSEGURAR DIREITOS .............................................................................. 40
SEGUNDA PARTE
QUEM A PESSOA COM DEFICINCIA
CAPTULO II - A EVOLUO DO CONCEITO DE DEFICINCIA NAS
DECLARAES E CONVENES INTERNACIONAIS,
NA CLASSIFICAO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,
INCAPACIDADE E SADE (CIF), NAS LEIS E DECRETOS .................................. 46
CONCEITO DE PESSOA COM DEFICINCIA NA CONVENO E NA LEI BRASILEIRA
DE INCLUSO DA PESSOA COM DEFICINCIA ................................................................ 66
TERCEIRA PARTE
ISONOMIA
-
CAPTULO III - IGUALDADE FORMAL E MATERIAL E A
CONSTITUCIONALIZAAO DA DISCRIMINAAO POSITIVA ........................... 76
CAPTULO IV - NORMAS INTERNACIONAIS E O DIREITO
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
COM DISCRIMINAAO POSITIVA. AO AFIRMATIVA ................................... 86
CONCEITO DE DISCRIMINAO NAS CONVENES INTERNACIONAIS ............................. 88
MODELOS DE AO AFIRMATIVA SEGUNDO AS CONVENES INTERNACIONAIS ....... 91
CAPTULO V - AO AFIRMATIVA NA ADMINISTRAO PBLICA
FEDERAL EM CARGOS EM COMISSO DO GRUPO DE DIREO E
ASSESSORAMENTO SUPERIORES .......................................................................... 98
QUARTA PARTE
ACESSO A CARGOS E EMPREGOS PBLICOS NA ADMINISTRAO
PBLICA DIRETA E INDIRETA
CAPTULO VI - RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PBLICOS.
RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PBLICOS ........................................... 101
RESERVA DE CARGOS PBLICOS NA ADMINISTRAO PBLICA DIRETA,
AUTARQUIAS E FUNDAES. E A RESERVA REAL? ...................................................... 105
FIXAO DAS VAGAS DO CONCURSO PBLICO ........................................................... 108
CAPTULO VII - RESERVA DE EMPREGOS PBLICOS
NA ADMINISTRAO PBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PBLICAS ....................................................... 115
MANUTENO DA RESERVA. CONTRATAO DE TRABALHADOR
EM CONDIO SEMELHANTE ........................................................................................ 119
QUINTA PARTE
CONCURSO PBLICO
CAPTULO VIII - EDITAL DO CONCURSO PBLICO .......................................... 123
-
CAPTULO IX - TRATAMENTO DIFERENCIADO = ACESSIBILIDADE ............ 133
ATRIBUIES COMPATVEIS COM A DEFICINCIA
APTIDO PLENA DO CANDIDATO ........................................................................ 139
CAPTULO X
INSCRIO DE CANDIDATOS COM DEFICINCIA. EXIGNCIAS .................. 147
ACESSIBILIDADE AO CONTEDO DAS PROVAS. ADAPTAO DAS PROVAS
TERICAS E PRTICAS E DO CURSO DE FORMAO .................................................... 149
ACESSIBILIDADE AO CONTEDO DA PROVA. ADAPTAO DE PROVA
PARA PESSOAS COM DEFICINCIA INTELECTUAL ........................................................ 157 LOCAL DE REALIZAO DAS PROVAS .......................................................................... 166
CURSO DE FORMAO DOS CANDIDATOS .................................................................... 168
NOMEAO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL
COM CANDIDATOS COM DEFICINCIA .......................................................................... 171
ESTGIO PROBATRIO .................................................................................................. 182
EQUIPE MULTIPROFISSIONAL. ATRIBUIES ............................................................... 184
INSPEO MDICA ........................................................................................................ 195
SEXTA PARTE
PROTEAO DE DIREITOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS E DIFUSOS DAS
PESSOAS COM DEFICINCIA EM CONCURSO PBLICO
CAPTULO XI - MANDADO DE SEGURANA ...................................................... 198
MANDADO DE SEGURANA COLETIVO ........................................................................ 203
CAPTULO XII - AO CIVIL PBLICA. LEGITIMIDADE DO
MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO ................................................................ 206
ATUAO EXTRAJUDICIAL DO MINISTRIO PBLICO ................................................. 210
ATUAO INTERVENIENTE DO MINISTRIO PBLICO ................................................. 215
CAPTULO XIII - MINISTERIO PBLICO DE CONTAS E O CONTROLE DOS
CONCURSOS PBLICOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS ................................ 216
-
CAPTULO XIV - LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAES PARA
A AO CIVIL PBLICA .......................................................................................... 218
SETIMA PARTE
CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS ESTADUAIS E
MUNICIPAIS DE EMPRESAS DA ADMINISTRAO PBLICA INDIRETA
CAPITULO XVI - COMPETNCIA DA UNIO, DOS ESTADOS, DISTRITO
FEDERAL E MUNICPIOS PARA LEGISLAR SOBRE PESSOA COM
DEFICINCIA E CONCURSO PBLICO E O PRINCPIO DA NO
DISCRIMINAO DA CDPD .................................................................................... 223
CAPITULO XVII - A NORMA MAIS FAVORVEL
(Leis n 7.853/89 e 8.112/90; Decretos n 3.298/99 e 5.296/04) .................................. 228
SOLUO ADMINISTRATIVA ......................................................................................... 228
SOLUO JUDICIAL. APLICAO DA NORMA MAIS FAVORVEL COM
BASE NA TEORIA DO CONGLOBAMENTO ...................................................................... 229
O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS
LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL ...................................................................................... 233
CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEI:
CASOS COHAB/SP, USP/SP E CESP/SP ............................................................................. 236
REFERNCIAS ............................................................................................................ 246
ANEXOS ....................................................................................................................... 252
1. DECLARAO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES
MENTAIS (Resoluo n 2856, de 20/dezembro/1971, ONU ......................... 252
2. DECLARAO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES
(Resoluo n 3447, de 9/dezembro/1975, ONU) ............................................. 253
3. NORMAS GERAIS SOBRE EQUIPARAO DE OPORTUNIDADES
(Resoluo 48/96, de 20/dezembro/1993, ONU) .............................................. 256
4. DECLARAO DE SALAMANCA PRINCPIOS, POLTICA
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E PRTICA EM EDUCAO ESPECIAL (1994) ......................................... 279
5. CARTA PARA O TERCEIRO MILNIO (1999) ............................................ 283
6. DECLARAO DE WASHINGTON (1999) .................................................. 285
7. DECLARAO INTERNACIONAL DE MONTREAL
SOBRE INCLUSO (2001) ............................................................................. 287
8. DECLARAO DE MADRI (2002) ................................................................ 288
9. DECLARAO DE SAPPORO (2002) ........................................................... 298
10. DECLARAO DE CARACAS (2002) .......................................................... 300
11. CONVENO N 111/OIT, DISCRIMINAO EM MATRIA DE
EMPREGO E PROFISSO (Decreto n 62.150, de 19/janeiro/1968) ............. 302
12. CONVENO N 159/OIT, REABILITAO PROFISSIONAL
E EMPREGO DE PESSOAS DEFICIENTES
(Decreto n 129, de 22/maio/1991) .................................................................... 306
13. CONVENO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAO
DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAO CONTRA
AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICINCIA
(Decreto n 3.956, de 8/outubro/2001) .............................................................. 311
14. CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM
DEFICINCIA (Decreto n 6.949, de 25/agosto/2009) .................................... 318
-
Na longnqua Grcia a civilizao amadureceu entre as
muralhas de suas cidades; nas civilizaes modernas, a
cultura tambm foi confinada entre muralhas.
Esta defesa material deixou marca profunda na alma dos
homens, introduzindo na nossa inteligncia a frmula
dividir para reinar, isto , o costume de cercar o terreno
conquistado com muros protetores que o separe do resto
do mundo.
Rabindranath Tagore
-
18
INTRODUAO (1 e 2 edies)
As pessoas com deficincia, segundo os dados do IBGE para o Censo-2000
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Caractersticas Gerais da Populao,
Resultados da
Amostra. www.ibge.gov.br/home/estatstica/populacao/censo2000/populacao_censo200
0), somam 14,48% da populao, ou seja, cerca de 24,5 milhes de brasileiros com
algum tipo de deficincia, dos quais, consignam os indicadores, somente 537 mil esto
includos no trabalho para uma comunidade nacional de 26 milhes de trabalhadores
ativos. Desses milhares de trabalhadores, desconhecido o nmero de servidores
pblicos com deficincia nas esferas federal, estadual e municipal. O fato que para
qualquer estatstica que se olhe, percebe-se a ausncia da pessoa com deficincia,
resultado significativo a revelar que esta pessoa no est contada porque ela no
includa nesse universo social-produtivo. As razes? Alm daquelas histricas de
marginalizao, perpassando pela concepo de incapacidade para o trabalho ou de ser
alvo exclusivo de tratamento caridoso e que as levaram a ser alvo de discriminao,
atualmente a falta de cumprimento de comandos essenciais, dirigidos a qualquer
cidado: ter acesso e ser mantido na escola, com ensino de qualidade; ter meios de se
qualificar profissionalmente; ter acesso adequado a bens e servios; concorrer em
igualdade de condies para um trabalho digno e produtivo. Sem esquecer que referidos
comandos decorrem do processo evolutivo das leis nacionais que recebem, na sua
concepo, a influncia direta dos tratados e declaraes internacionais, em anexo,
protagonizados pelos movimentos organizados visando s mudanas sociais.
A pessoa com deficincia, apta a exercer uma funo pblica de forma a atender
o interesse pblico (da coletividade), poder ingressar, como todos, na administrao
pblica (direta e indireta) por meio de concurso pblico de provas ou de provas e
ttulos. Querendo, o candidato pode optar pela obrigatria reserva de cargos e empregos
pblicos.
No entanto, a participao desse candidato em concurso pblico, desde a
inscrio at a nomeao, no raro, conflituosa, sendo que sua participao s ocorre
por imposio de medida judicial. Isto acontece porque, no obstante os princpios
constitucionais de amplo acesso, concurso pblico e a reserva de cargos e empregos, a
http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000http://www.ibge.gov.br/home/estat%C3%ADstica/populacao/censo2000/populacao_censo2000
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Administrao Pblica em todos os nveis (federal, estadual e municipal) no est
preparada para receber este cidado em seus quadros. Esse despreparo, intrinsecamente
preconceituoso, corporifica-se em editais pouco claros e margem dos princpios
constitucionais e das normas vigentes: no afere o nmero de servidores e empregados
pblicos com deficincia em seus quadros; no estabelece meta para o cumprimento da
reserva de cargos de empregos pblicos; no respeita o direito s provas e locais de
provas adaptados; no respeita a ordem de classificao, compatibilizando as listas geral
e especial; no disponibiliza todos os cargos e empregos pblicos sob a justificativa de
que exigem aptido plena ou so incompatveis com a deficincia; no concede apoio
especial para o perodo de estgio probatrio. Enfim, no harmoniza os princpios da
razoabilidade e interesse pblico e outros que norteiam a administrao pblica para a
realizao de um certame pblico, com direitos constitucionais previstos, alguns
especficos para as pessoas com deficincia e, com isso, no colabora, impede a
incluso dessas pessoas.
O objetivo deste livro demonstrar o caminho legal e adequado para o
cumprimento das regras gerais e especficas de concurso pblico atinentes pessoa com
deficincia e que podem ser seguidas pelo administrador pblico de maneira a prevenir
qualquer forma de discriminao.
INTRODUO (3 edio revisada e ampliada)
Segundo os dados do IBGE h atualmente na sociedade 45,6 milhes (25% do
total da populao) de brasileiros com algum tipo de deficincia e que, devido s
condies de excluso em que ainda vivem, continuam a merecer a medida de ao
afirmativa por meio da reserva de cargos para o ingresso no mundo do trabalho. Isso
porque, persistem os dados demonstrando as poucas (na casa dos milhares) pessoas com
deficincia includas e exercendo um trabalho digno que gere autonomia financeira. Um
nmero mais reduzido ainda o das pessoas com deficincia na condio de servidores
e empregados pblicos que acederam a rgos da Administrao Pblica Direta e
Indireta por meio do concurso pblico nas esferas federal, estadual e municipal.
O advento da Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia
assinada em 2007 e promulgada no Brasil por meio do Decreto n 6.949, 25 de agosto de
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2009, refora ainda mais os antigos argumentos baseados na declarao da ONU, de
1993, sobre as normas gerais sobre equiparao de oportunidades, de que o tratamento
diferenciado, com absoluto respeito a todas as condies de acessibilidade e adaptao
razovel para cada caso, fator primordial para impulsionar o acesso das pessoas com
deficincia aos cargos e empregos pblicos, com iguais oportunidades e sem
discriminao.
Continuamos a persistir na implementao das leis que tratam do tratamento
diferenciado para pessoas com deficincia que resultam na efetiva igualdade de
oportunidades.
Continuamos a insistir sobre a necessidade de leis instituindo a real reserva de
cargos e empregos pblicos no mbito da Administrao Pblica.
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PRIMEIRA PARTE
CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA
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CAPTULO I
A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICINCIA (CDPD)
A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia (CDPD), de 2006,
juntamente com o Protocolo Facultativo, assinada na Organizao das Naes Unidas
(ONU), em Nova York em 30 de maro de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional em
10 de julho de 2008 por meio do Decreto Legislativo n 186 e, finalmente promulgada
em 25 de agosto de 2009 no Decreto n 6.949, consolida vertiginosa mudana de
paradigma nas concepes, atitudes e abordagens em relao s pessoas com
deficincia.
o primeiro tratado internacional de direitos humanos a obedecer o rito do
artigo 5, pargrafo 3 da Constituio da Repblica para a sua aprovao. Segundo esse
rito os tratados e as convenes internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados pelo Senado Federal e pela Cmara dos Deputados, em dois turnos, por trs
quintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendas
constitucionais. Significa que o prprio rito de aprovao da CDPD determina a sua
natureza material constitucional (PIOVESAN, 2006, p. 71-74), equivalendo-se a uma
emenda constitucional e, portanto, emparelhada Constituio da Repblica.
O Supremo Tribunal Federal j se manifestou no sentido da eficcia
constitucional da CDPD:
Supremo Tribunal Federal. Tutela Antecipada no Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana 32.732/DF, relator Ministro Celso de Mello, de 13/maio/2014, publicado no Dirio Justia de 3/junho/2014. ... essa Conveno Internacional, por veicular normas de Direitos Humanos, foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n 186/2008, cuja promulgao observou o procedimento ritual a que alude o art. 5, 3, da Constituio da Repblica, a significar, portanto, que esse importantssimo ato de direito internacional pblico reveste-se, na esfera domstica, de hierarquia e de eficcia constitucionais.
O posicionamento hierrquico de norma constitucional da CDPD, por sua vez,
gera importantes efeitos como, por exemplo: o de revogar as normas
infraconstitucionais, tais como as leis ordinrias e complementares, decretos, medidas
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provisrias, portarias e instrues normativas se com ela estiverem incompatveis;
reformar a prpria Constituio da Repblica se esta for incompatvel, ressalvado os
casos em que os direitos fundamentais previstos na Constituio sejam mais amplos e
benficos; o de impossibilitar a denncia (renncia) dos direitos nela previstos.
Quanto elaborao de normas, cuja atribuio compete ao Poder Legislativo,
os princpios e os direitos concebidos na CDPD comprometem o contedo de novas
propostas legislativas que devero estar com ela coadunada de forma a dar efetividade
aos direitos reconhecidos, conforme indicam as obrigaes gerais do Artigo 4, letra a da
CDPD.
No mbito do Poder Executivo, a Conveno impem a imediata formulao e
reviso (em caso de incompatibilidade) de polticas pblicas e programas de maneira a
promover todos os direitos humanos das pessoas com deficincia. As polticas pblicas
e os programas governamentais devem contemplar, com medidas eficazes a eliminao
da discriminao baseada na deficincia. Nesse contexto, incluem-se todas as decises
administrativas, inclusive aquelas pertinentes ao concurso pblico, no mbito da
Administrao Pblica Direta e Indireta.
A CDPD deve inspirar as decises de juzes e tribunais e, mais que isso, servir
de critrio absoluto a reger a interpretao de aplicao da norma mais favorvel, na
linha da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, em deciso da segunda turma
relatada pelo Ministro Celso de Mello, no Habeas Corpus 93.280/SC:
Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 93.280/SC, relator Ministro Celso de Mello, publicado no Dirio da Justia de 16/maio/2013. Os magistrados e Tribunais, no exerccio de sua atividade interpretativa, especialmente no mbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princpio hermenutico bsico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Conveno americana sobre Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia norma que se revele mais favorvel pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteo jurdica. O Poder Judicirio, nesse processo hermenutico que prestigia o critrio da norma mais favorvel (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no prprio direito interno do Estado), dever extrair a mxima eficcia das declaraes internacionais e das proclamaes constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulnerveis, a sistemas institucionalizados de proteo dos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerncia e o respeito alteridade humana tornarem-se palavras vs.
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Os parmetros da CDPD devem tambm pautar os procedimentos de
fiscalizao das leis pelos rgos de fiscalizao e promoo de direitos, como o
Ministrio Pblico e o Ministrio do Trabalho e Emprego, assim como os demais
operadores de direito, Defensores Pblicos e Advogados, visando a implementar seu
contedo na integralidade.
Ao partir do reconhecimento de que h diversidade de deficincias entre as
pessoas e de que preciso promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas
com deficincia, inclusive daquelas que requerem maior apoio (Prembulo, alneas i e
j), a CDPD cria um novo modelo que reconhece a deficincia como o resultado da
interao da pessoa com deficincia com as barreiras de atitudes e ambientais que
impedem a sua plena e efetiva participao na sociedade, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas (Prembulo, alnea e).
Como se constata, o elemento mais importante da relao entre a pessoa com
deficincia e o lugar onde vive e desempenha suas atividades a barreira (arquitetnica,
atitude, institucional) que, no inutilmente, delineia o prprio conceito de deficincia.
Da porque afirmar-se, desde logo, que a acessibilidade o elemento que se contrape
s barreiras existentes, convertendo-se em direito essencial e fundamental da pessoa
com deficincia.
A pessoa com deficincia o centro da norma internacional e se revela como
titular de uma situao jurdica que reconhece a sua autonomia e independncia para
fazer suas prprias escolhas (Prembulo, alnea n) e, sobretudo o poder-dever de
participao ativa das decises relativas a programas e polticas, sobretudo aos que lhes
dizem respeito diretamente (Prembulo, alnea o). Portanto, indica ao legislador que
opte por garantir a igualdade de oportunidades quando da elaborao de normas gerais e
de ao afirmativa, e ao gestor pblico a obrigao de criao e implementao de
polticas pblicas consistentes para atender ao mesmo princpio de igualdade de
oportunidades.
Lembre-se que os fundamentos da abertura da CDPD ao relembrar, reconhecer,
reafirmar e considerar fatos, situaes e direitos no se constituem em palavras vazias,
mas sim um acumulado de conquistas mundiais das pessoas com deficincia que devem
ser levadas em conta quando do reconhecimento e interpretao dos direitos nela
contidos.
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PROPSITO E DEFINIES
O Artigo 1 da CDPD edifica um novo paradigma em relao s pessoas com
deficincia cuidando, ao mesmo tempo, do propsito do tratado que contm a definio.
O propsito tem como objetivo promover, proteger e assegurar o exerccio pleno e
equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas
com deficincia e, promover o respeito pela sua dignidade inerente.
No que diz respeito definio, tendo anteriormente, no Prembulo, reconhecido
que a deficincia um conceito em evoluo (alnea e), que h diversidade entre as
deficincias (alnea j) e que todas as questes relativas deficincia devem ser trazidas
tona, ao centro das preocupaes da sociedade, integrando-as s polticas e estratgias
para o desenvolvimento sustentvel (alnea g), o Artigo 1 define que pessoas com
deficincia so aquelas que tm impedimentos de longo prazo de natureza fsica,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interao com diversas barreiras, podem
obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade em igualdades de condies com
as demais pessoas.
O conceito contm elementos importantes que caracterizam e particularizam a
pessoa com deficincia em situao de desvantagem social e como destinatria da
norma, quais sejam: i) ter impedimentos de longo prazo; ii) ser a deficincia de natureza
fsica, mental, intelectual e sensorial (auditivo, visual), indicando a existncia de
diversidade na rea da deficincia; iii) o enfoque s questes ambientais, includas as de
atitudes individuais, coletivas e institucionais, como barreiras impeditivas para o livre
exerccio de direitos, pois o ambiente desfavorvel com a existncia de barreiras que
obstrui a participao plena e efetiva da pessoa com deficincia na sociedade.
A natureza da deficincia das pessoas (sua caracterizao ou designao
prprios do modelo mdico anterior) deixa de ter primazia. Em seu lugar se coloca o
ambiente, com seus efeitos sociais, econmicos e culturais, que pode restringir ou
impedir o pleno exerccio e gozo de direitos.
Rosangela Berman Bieler (in Caderno da I Conferncia, 2006, p. 145) ao tratar
sobre desenvolvimento inclusivo (a concepo e implementao de aes e polticas
para o desenvolvimento socioeconmico e humano) avalia o conceito de deficincia
como sendo
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o resultado da interao de deficincias fsicas, sensoriais ou mentais com o ambiente fsico e cultural e com as instituies sociais. Quando uma pessoa tem uma condio que limita alguns aspectos do seu funcionamento, esta se torna uma situao de deficincia somente se ela tiver que enfrentar barreiras de acesso ao ambiente fsico ou social que tem sua volta. Em termos econmicos, a deficincia uma varivel endgena organizao social. Isso quer dizer que a definio de quem tem ou no uma deficincia no depende tanto das caractersticas pessoais dos indivduos, mas tambm, e principalmente, do modo como a sociedade onde vivem, organiza seu entorno para atender populao em geral.
A referida autora, ao analisar a funcionalidade da pessoa em relao ao
ambiente, lana mo de uma frmula matemtica elaborada por Marcelo Medeiros, no
artigo Pobreza, Desenvolvimento e Deficincia, apresentado na Oficina de Alianas
para ao Desenvolvimento Inclusivo, na Nicargua, em 2005, em que demonstra a
relao e o impacto do ambiente e da limitao funcional, quantificando negativa ou
positivamente a deficincia da pessoa.
A frmula de Medeiros (2005) constitui-se em Deficincia = Limitao
Funcional X Ambiente. Assim, se for atribudo valor zero ao ambiente porque
acessvel e no oferece nenhuma barreira, o resultado da equao ser sempre zero,
independentemente do valor atribudo funcionalidade da pessoa. Porm, se o ambiente
tiver valores progressivamente maiores em relao funcionalidade da pessoa elevar o
resultado, que a deficincia.
Nesse ponto, percebe-se a valia dos princpios gerais inscritos no Artigo 3 da
CDPD, sobretudo o da no discriminao (alnea b) e da acessibilidade (alnea f), por
meio dos quais se concebeu e se estruturou toda a Conveno sobre os Direitos das
Pessoas com Deficincia.
Cada palavra, cada pressuposto, contidos na CDPD devem ser considerados para
bem compreender o sentido fundamental e a imprescindibilidade dos elementos de
acessibilidade e de adaptao razovel para os atos da vida diria e para o acesso a todos
os direitos, bens e servios destinados s pessoas com deficincia. A partir das
afirmaes das alneas i e j do Prembulo, de reconhecimento da diversidade das
pessoas com deficincia que levam necessidade de promover e proteger os direitos
humanos de todas as pessoas com deficincia, inclusive daquelas que requerem maior
apoio, fica evidente o grau de importncia de se conceberem ambientes plenamente
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acessveis. Da, mais uma vez, o argumento de que a acessibilidade direito essencial e
fundamental da pessoa com deficincia.
Portanto, no h como dissociar o direito de acesso aos cargos e empregos
pblicos com os princpios de igualdade e de no discriminao consolidados no Artigo
5, e no Artigo 9 que trata sobre a acessibilidade, porque ambos repercutem
integralmente na vida das pessoas com deficincia e diretamente em todo o processo do
concurso pblico, como se ver adiante. No menos toa, a Lei Brasileira de Incluso
da Pessoa com Deficincia (Estatuto da Pessoa com Deficincia), Lei n 13.146/2015,
ou simplesmente LBI, fundamentada na CDPD, ao longo de seus comandos tem na
acessibilidade o mecanismo primordial para a fixao do direito que garante pessoa
com deficincia a viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e
participao social (artigo 53): ao fixar conceitos (artigo 3), no sistema educacional
(artigo 28, inciso XVI), no direito ao trabalho (artigos 34 e 37), no direito ao transporte
(artigo 48), no acesso informao e comunicao (artigo 63), no acesso justia
(artigo 80), no acesso ao direito de votar (artigo 96) e outros.
A CDPD reconhece que para a pessoa com deficincia poder gozar plenamente
de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais vital a existncia de
acessibilidade aos meios fsico, social, econmico, cultural, sade, educao, ao
trabalho, informao e comunicao. Para tanto, esgrima no Artigo 2 definies sobre
a comunicao (nela includa a lngua), a discriminao por motivo de deficincia, a
adaptao razovel e o desenho universal.
O termo comunicao abrange as lnguas, includas as lnguas faladas e de
sinais e outras formas de comunicao no falada; a visualizao de textos; o Braile; a
comunicao ttil; os caracteres ampliados; os dispositivos de multimdia acessvel,
assim como a linguagem simples, escrita e oral; os sistemas auditivos e os meios de voz
digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicao,
inclusive a tecnologia da informao e comunicao acessveis.
Debora Diniz e Lvia Barbosa, ao comentarem as definies do Artigo 2 da
CDPD (in Novos Comentrios, 2014, p. 37), afirmam que Comunicao e lngua se confundem no documento da ONU so formas e mecanismos de transmitir, aprender e conectar pessoas. Aprender pelo texto escrito no o mesmo que ler, por isso os ledores de computador ou o passeio tctil pelos pontos do braille permitem que cegos aprendam com Machado de Assis ou Clarice Lispector.
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Comunicao o conceito-chave para permitir que as pessoas aprendam com o j-dito ou j-escrito no sempre pela escuta padro ou pela leitura ocular. As lnguas so vrias no apenas pelo seu lxico e estrutura, mas pelas modalidades que as pessoas escolhem para se expressar oral ou espao visual. Surdos manualistas preferem os sinais; surdos implantados ensaiam as mos e os sons. Cegos podem ser bilngues: braillistas ou ouvidores, seja dos cassetes do passado, seja das novas tecnologias de informao.
A definio de discriminao por motivo de deficincia significa qualquer
diferenciao, excluso ou restrio baseada em deficincia, com o propsito ou efeito
de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exerccio, em igualdade
de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais nos mbitos poltico, econmico, social, cultural, civil ou qualquer outro.
Abrange todas as formas de discriminao inclusive a recusa de adaptao razovel.
O traado na definio de discriminao por motivo de deficincia evidencia que
discriminar configura violao direta dignidade e valores inerentes da pessoa. Ao
mesmo tempo, permite a identificao de prticas de discriminao (diferenciar, excluir,
restringir) por ao ou omisso e, a busca de sua reparao judicial se for o caso.
A previso de discriminao por motivo de deficincia da CDPD se assemelha a
de outros tratados internacionais de direitos humanos relativos mulher (Eliminao de
Todas as Formas de Discriminao Contra a Mulher, de 1979) e racial (Conveno
Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial, de 1965),
e a Conveno n 111, de 1958, da Organizao Internacional do Trabalho (OIT),
concernente discriminao em matria de emprego e profisso, ratificada pelo Brasil
em 1965. Essa ltima frise-se, foi a primeira a ser formulada no mbito da OIT que
revela a conceituao de discriminao e os mtodos para elimin-la por meio de
medidas de uma poltica nacional de emprego ou de uma ao afirmativa para alcanar a
igualdade de oportunidades e de tratamento em matria de emprego e profisso.
A principal novidade da concepo da CDPD de que a recusa em fazer a
adaptao razovel tambm se caracteriza como discriminao por motivo de
deficincia. E no poderia ser diferente porquanto a adaptao razovel para quem dela
necessitar, em vista de sua particular funcionalidade, instrumento para a pessoa com
deficincia alcanar a autonomia e independncia para a prtica de atos dirios, como
estudar, trabalhar e outros.
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Outras duas definies relacionadas mobilidade e acessibilidade da pessoa
com deficincia, e que contm o cerne para a independncia e autonomia, so a
adaptao razovel e o desenho universal. A primeira tem carter intrnseco e
pessoal, a segunda tem natureza coletiva. Ambas esto atreladas ao direito fundamental
acessibilidade.
Adaptao razovel significa as modificaes e os ajustes necessrios e
adequados que no acarretem nus desproporcional ou indevido, quando requeridos em
cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficincia possam gozar ou exercer,
em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais.
A definio de adaptao razovel integra-se s leis e concepes de
acessibilidade porque com elas compatvel e est repetida ordinariamente nos artigos
3, inciso VI e 4, pargrafo 1 da Lei n 13.146/2015.
A falta [ou recusa] em proceder adaptao razovel implica em ato de
discriminao por motivo de deficincia, podendo ocorrer, por exemplo, durante o
perodo de estgio probatrio do servidor ou do empregado pblico. Nesse caso, o
administrador pblico poder incorrer em crime punvel com recluso de dois a cinco
anos (artigo 8, inciso II e pargrafo 2, da Lei n 7.853/89, com as alteraes da Lei n
13.146/2015).
A relao de razoabilidade e proporcionalidade, presente no conceito de
adaptao razovel, diz respeito aos ajustes necessrios e adequados para cada caso que
no acarretem nus desproporcional. A adaptao razovel deve ocorrer sempre tendo
em vista a necessidade funcional individual da pessoa, e atende a necessidade de uma
deficincia em particular, um caso especfico, aps terem sido procedidas todas as
demais regras de acessibilidade, garantidas nas leis e normas tcnicas, vlidas para
todos. Significa afirmar que a adaptao razovel no dispensa a acessibilidade e vice-
versa (Gugel, in Novos Comentrios, 2014, p. 180).
Ressalte-se que, dado o status de direito constitucional acessibilidade, no
permitido a qualquer pessoa (fsica ou jurdica) recusar-se a fazer as modificaes e os
ajustes necessrios que no acarretem nus desproporcional ou indevido. Isso porque, i)
os dois elementos que consolidam o conceito (modificaes e ajustes; nus
desproporcional ou indevido) so simetricamente razoveis e esto relacionados
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necessidade extraordinria de cada pessoa; ii) o conceito de adaptao razovel no
limita ou exclui o direito da pessoa com deficincia aos elementos comuns de
acessibilidade ao meio fsico, de comunicao, de sistemas, de servios e outros; iii)
relaciona-se diretamente proibio da discriminao por motivo da deficincia que
no permite a diferenciao, excluso ou restrio baseada na deficincia.
Por fim, a definio de desenho universal congrega a concepo de produtos,
ambientes, programas e servios a serem usados, na maior medida possvel, por todas as
pessoas, sem necessidade de adaptao ou projeto especfico, o ideal a ser desfrutado
por toda sociedade, composta de pessoas diferentes umas das outras e que formam a
diversidade humana.
Lembre-se que o desenho universal dever ser tomado como regra geral,
devendo ser incorporado s polticas pblicas desde a sua concepo, segundo o artigo
55, pargrafos 1 e 5 da Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia.
O desenho universal quando existente no ambiente no inibe o direito da pessoa
com deficincia s ajudas tcnicas e adaptao razovel especficas, tendo em vista
que a acessibilidade e todas as medidas necessrias a serem tomadas para que as pessoas
com deficincia possam viver de forma autnoma e independente e participar de todos
os aspectos da vida (Artigo 9, CDPD), bem como a mobilidade pessoal que comporta
elementos de tecnologia assistiva e ajudas tcnicas (Artigo 20, CDPD), so direitos
inalienveis das pessoas com deficincia.
O que se espera para construir uma sociedade mais igualitria que a
acessibilidade, aliada ao desenho universal, deve ser ampliada e perseguida de forma a
se tornarem situao comum, ordinria, corriqueira para todos, segundo prope a
arquiteta Maria Elisabete Lopes (in Deficincia no Brasil, 2007, p. 314).
OS PRINCPIOS E OS EIXOS
A CDPD para garantir um ambiente propcio para a realizao plena dos direitos
das pessoas com deficincia fundamenta-se em oito princpios inscritos no Artigo 3: o
respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer
as prprias escolhas, e a independncia das pessoas; a no discriminao; a plena e
efetiva participao e incluso na sociedade; o respeito pela diferena e pela aceitao
das pessoas com deficincia como parte da diversidade humana e da humanidade; a
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igualdade de oportunidades; a acessibilidade; a igualdade entre o homem e a mulher e o
respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianas com deficincia e pelo
direito das crianas com deficincia de preservar sua identidade.
Reconhecida a importncia da autonomia e independncia individuais das
pessoas com deficincia, inclusive da liberdade para fazer as prprias escolhas, os
princpios fundantes do Artigo 3 da CDPD esto presentes em todos os eixos
relacionados vida da pessoa com deficincia. Assim, alm daqueles concernentes
sade, educao, trabalho, habilitao e reabilitao, acessibilidade, assistncia e outros
direitos de ordem social como cultura, lazer e esporte, a CDPD se posiciona
expressamente sobre:
a) a fragilidade das mulheres e crianas com deficincia a merecer ao imediata e
firme dos Estados visando ao seu empoderamento e, proteo integral,
respectivamente (Artigo 6);
b) a criana com deficincia receber considerao primordial (Artigo 7);
c) a conscientizao da sociedade e famlias sobre os direitos das pessoas com
deficincia, indicando ao Estado a necessidade de reconhecer a capacidade legal
das pessoas com deficincia e, adotar salvaguardas apropriadas para o seu
efetivo exerccio, sendo que qualquer medida restritiva deve ser proporcional e
apropriada s necessidades da pessoa e da situao, bem como seja aplicada pelo
perodo mais curto possvel e com revises peridicas (Artigo 12);
d) a acessibilidade, a um custo mnimo, ao meio fsico, ao transporte, informao
e comunicao, inclusive aos sistemas de tecnologias da informao e
comunicao e outros servios ao pblico, sem esquecer do apoio pessoal (guias,
leitores, intrpretes) ou assistncia de animais, de sistemas (Braile, Libras,
Tadoma, Sistema Pictogrfico), formatos e sinalizaes (Artigo 9);
e) ao acesso efetivo justia, mediante adaptaes processuais e capacitao de
serventurios; a preveno contra a tortura e tratamento desumano ou penas
cruis, explorao, violncia e abuso (Artigo 13);
f) a liberdade de movimentao, vida independente e liberdade de expresso e
opinio (Artigos 18, 19, 20 e 21);
g) ao direito de estabelecer famlia, casamento, concepo e responsabilidade na
criao dos filhos (Artigo 23);
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h) a gerao de estatsticas e coleta de dados tornando as pessoas com deficincia
visveis e, assim, possibilitar a elaborao de polticas pblicas (Artigo 31).
ADOO DE MEDIDAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A REALIZAO DOS DIREITOS PREVISTOS NA CDPD. CONSULTA S ORGANIZAES PREPRESENTATIVAS DE PESSOAS COM DEFICINCIA PARTICIPAO SOCIAL
Ao mesmo tempo em que reconhece a importncia da acessibilidade aos meios
fsico, social, econmico e cultural, sade, educao e informao e comunicao
como forma de gozo e exerccio pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais
(Prembulo, alnea v), a CDPD impe ao Estado a obrigao de adotar medidas
legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessrias para a realizao
dos direitos reconhecidos na Conveno (Artigo 4).
As novas concepes e prticas constantes da CDPD dizem respeito s
obrigaes dos poderes pblicos (executivo, legislativo e judicirio) em todos os nveis
que devem assegurar a realizao dos direitos humanos e liberdades fundamentais das
pessoas com deficincia em todos os programas e polticas (Artigo 4, item 1, alnea c da
CDPD). Na elaborao de qualquer poltica ou programa obrigam-se a fazer a consulta
s organizaes representativas de pessoas com deficincia. Trata-se do princpio
democrtico de participao direta das pessoas com deficincia nos processos de
tomada de decises. Lembre-se que desde 2002, por ocasio da Declarao de Madri
ocasio em que se props o Ano Europeu das Pessoas com Deficincia sob o slogan
Nada sobre pessoas com deficincia sem as pessoas com deficincia, busca-se pela
efetiva participao direta das pessoas com deficincia nas tomadas de decises que lhes
concernem.
A participao das pessoas com deficincia nos processos de tomada de decises
sobre seus direitos que lhes afetem direta e indiretamente, por meio de leis,
regulamentos, polticas pblicas, programas, entre outros, consolida o carter
democrtico e participativo da tomada de decises postos na CDPD. Assim, qualquer
medida, desde a elaborao at a implementao, deve passar por consulta prvia e de
forma direta s organizaes representativas de pessoas com deficincia, inclusive as
crianas com deficincia.
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Cabe s organizaes, por sua vez, estabelecer mecanismos que propiciem a
participao ativa de seus representados/associados s consultas propostas pelo Estado
(Artigo 4, item 3 da CDPD).
O Estado, em consequncia, tem a obrigao de criar e intensificar os
mecanismos de consulta por meio de consultas pblicas e, ao mesmo tempo, fortalecer e
expandir os j existentes conselhos de direitos, decorrentes do comando constitucional
de controle social, com a participao da sociedade, previsto nos artigos 204, inciso II
(assistncia social), 194, inciso VII (seguridade social), 206, inciso VI (educao), 198,
inciso III (sade), todos da Constituio da Repblica.
A IMPLEMENTAO E O MONITORAMENTO
A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia o primeiro tratado
internacional que contm requisitos especficos para o monitoramento de sua
implementao em nvel nacional (Artigo 33 da CDPD). Exige que o Estado tenha um
mecanismo de coordenao na sua estrutura institucional que a coloque em prtica, o
que pode ocorrer por responsabilizar um ou mais rgos com recursos financeiro e de
pessoal. A CDPD trata referido mecanismo de coordenao por ponto focal.
A coordenao constituda ter como atribuies apoiar, orientar e aconselhar
sobre questes relacionadas implementao da CDPD, sobretudo em relao s
polticas e programas governamentais. Lei especfica deve indicar as atribuies da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica por meio da Secretaria
Nacional de Promoo dos Direitos da Pessoa com Deficincia de coordenar, orientar e
acompanhar as medidas de promoo garantia e defesa dos ditames da CDPD, mediante
o desenvolvimento e acompanhamento de polticas pblicas de incluso da pessoa com
deficincia.
O monitoramento por sua vez deve ocorrer por meio de uma estrutura diversa
daquela responsvel pela implementao da Conveno. Essa estrutura pode recair
sobre uma ou mais entidade nacional que comprove ter mecanismos independentes do
Governo, ter composio pluralista, recursos necessrios e estar acessvel s pessoas
com deficincia de maneira a poder exercer o monitoramento de forma eficiente. A
prpria ONU indica que as instituies nacionais de direitos humanos, estabelecidas
com base nos Princpios de Paris, so o ncleo natural da estrutura de monitoramento
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em nvel nacional (ENABLE, 2010). Lembre-se que o Paris Principles so os princpios
relacionados com o status de instituies nacionais de direitos humanos, na forma da
Resoluo n 1992/54, de 3 de maro de 1992, da Comisso de Direitos Humanos da
ONU.
A proposta convencionada de que as estruturas organizadas para a
implementao e monitoramento sejam um canal aberto de comunicao para a
sociedade civil e organizaes representativas de pessoas com deficincia. Essas, por
sua vez, devem ser envolvidas plenamente no processo de monitoramento (Artigo 33,
item 3 da CDPD).
O TRABALHO E EMPREGO
Os princpios que sustentam a Conveno sobre os Direitos das Pessoas com
Deficincia, notoriamente presentes nos vrios eixos dos aspectos da vida (educao,
sade, trabalho, e outros), so a acessibilidade, a no discriminao e a igualdade de
oportunidades, admitindo que medidas especficas possam ser adotadas para acelerar ou
alcanar a efetiva igualdade das pessoas com deficincia. o que consta do Artigo 5:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 5. Igualdade e no discriminao 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas so iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminao, a igual proteo e igual benefcio da lei. 2. Os Estados Partes devero proibir qualquer discriminao por motivo de deficincia e garantir s pessoas com deficincia igual e efetiva proteo legal contra a discriminao por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminao, os Estados Partes devero adotar todos os passos necessrios para assegurar que a adaptao razovel seja provida. 4. Nos termos da presente Conveno, as medidas especficas que forem necessrias para acelerar ou alcanar a efetiva igualdade das pessoas com deficincia no devero ser consideradas discriminatrias.
Para alcanar a igualdade material e assegurar o exerccio pleno e equitativo dos
direitos humanos, a CDPD admite a adoo de medidas de ao afirmativa, definida no
Artigo 5, item 4, de forma a acelerar a real igualdade das pessoas com deficincia. Esse
posicionamento internacional finca-se na evidncia de que as pessoas com deficincia
em todo o globo continuam a enfrentar barreiras para a sua participao como membros
efetivos da sociedade e de que tambm so mantidos excludos das tomadas de decises
em relao a si prprias.
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Relativamente ao trabalho e emprego de pessoas com deficincia, alm de
alcanar a igualdade por meio da acessibilidade, o mecanismo de ao afirmativa pode
ser adotado. A CDPD refora no Artigo 27, item 1, alneas g e h, a necessidade de o
setor pblico empregar pessoas com deficincia e a de promover o emprego no setor
privado, podendo para tanto incluir polticas e medidas prprias com destaque para a
ao afirmativa, incentivos e outras medidas:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e Emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficincia ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. [...] g) Empregar pessoas com deficincia no setor pblico; h) Promover o emprego de pessoas com deficincia no setor privado, mediante polticas e medidas apropriadas, que podero incluir programas de ao afirmativa, incentivos e outras medidas;
O Brasil adota o modelo da ao afirmativa de reserva de cargos (Gugel, 2007).
Portanto, confere-se que o sistema atual de reserva de cargos no mbito das relaes
pblica e privada de emprego e trabalho (artigo 37, inciso VIII da Constituio da
Repblica; Leis n 8.112/90, artigo 5, pargrafo 2 e, 8.213/91, artigo 93,
respectivamente), medida acertada porquanto decorre da constatao de falta de
acesso da pessoa com deficincia, em igualdade de condies s demais pessoas, aos
cargos e empregos pblicos e aos postos de trabalho nas empresas privadas.
A CDPD vai alm do reconhecimento ao direito ao trabalho em igualdade de
oportunidades e especifica que esse direito diz respeito possibilidade de a pessoa com
deficincia se manter com um trabalho da sua livre escolha e aceito no mundo do
trabalho, em ambiente inclusivo e acessvel:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficincia ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitao no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessvel a pessoas com deficincia.
A proposio inserida na segunda parte do item 1, do Artigo 27 do texto
internacional, ou seja, de a pessoa com deficincia se manter com um trabalho da sua
livre escolha e aceito no mundo do trabalho, decorre dos princpios inerentes
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dignidade da pessoa, a autonomia individual, a liberdade de fazer as prprias escolhas e
a independncia que se almeja alcanar por meio de um trabalho digno (as pessoas com
deficincia afirmam que no querem trabalhar s para ocupar seu tempo, mas para
produzir, mostrar sua eficincia e ser economicamente independente).
Para a realizao efetiva do direito ao trabalho necessria a adoo de medidas
apropriadas e a edio de legislao especfica. Essas medidas e regras tm naturezas
diversas que vo desde a proibio (no fazer), passando pela proteo de direitos, at a
promoo de oportunidades, conforme os destaques que seguem.
PROIBIR A DISCRIMINAO BASEADA NA DEFICINCIA
A CDPD probe a discriminao baseada na deficincia em todas as questes
relacionadas s formas de emprego, inclusive quanto s condies de recrutamento,
contratao e admisso, permanncia no emprego, ascenso profissional e condies
seguras e salubres de trabalho, no Artigo 27, item 1, alnea a:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. a) Proibir a discriminao baseada na deficincia com respeito a todas as questes relacionadas com as formas de emprego, inclusive condies de recrutamento, contratao e admisso, permanncia no emprego, ascenso profissional e condies seguras e salubres de trabalho;
A proibio da discriminao baseada na deficincia da alnea a, do item 1, do
Artigo 27, abrange as diferentes etapas de uma possvel relao de trabalho: os
procedimentos de recrutamento; a admisso do trabalhador; as condies previstas no
contrato de trabalho e correspondente remunerao; a permanncia no emprego e
promoo ou ascenso profissional; o ambiente de trabalho com condies seguras e
salubres de trabalho.
As prticas discriminatrias baseadas na deficincia tambm podem ocorrer no
mbito do regime jurdico de servidores pblicos e no regime celetista dos empregados
pblicos com deficincia, cuja forma de ingresso aos cargos e empregos pblicos se d
por meio do concurso pblico para o qual se impe a acessibilidade no que diz respeito
s provas, curso de formao, nomeao, estgio probatrio e ascenso na carreira.
Tendo em vista que o princpio norteador da CDPD a proibio da
discriminao baseada na deficincia (Artigo 5, item 2), no caso de existir
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discriminao baseada na deficincia, configurar-se- violao direta dignidade e
valores inerentes da pessoa. Esse aspecto est mais claramente evidenciado no eixo
dedicado Trabalho e Emprego, sendo que a adoo do princpio permite a possibilidade
de identificao de prticas de discriminao por ao ou omisso, direta e indireta,
especialmente quando se trata de admisso, contratao, remunerao, permanncia no
emprego e ascenso profissional do trabalhador.
A forma direta de discriminao contm determinaes e disposies gerais que
estabelecem distines fundamentadas em critrios proibidos e j definidos em lei,
sendo de fcil caracterizao quando, por exemplo, probe-se a entrada de uma pessoa
em um clube por ser negra. A forma indireta de discriminao, por sua vez, est
relacionada com situaes, regulamentaes ou prticas aparentemente neutras, mas
que, na realidade, criam desigualdades em relao a pessoas que tm as mesmas
caractersticas. Ela poder ser imperceptvel mesmo para quem est sendo discriminado,
como nos casos de processos de seleo para empregos baseada no s no histrico
profissional e de qualificao do candidato, mas, no seu desempenho em entrevista.
nesse momento que se revela o entrevistador preconceituoso ou que detm ideias pr-
concebidas, que tem predisposio a respeito de algum ou de algum grupo.
O princpio da no discriminao baseada na deficincia adere ao j existente
comando constitucional de proibio de qualquer discriminao no tocante a salrio e
critrios de admisso do trabalhador com deficincia (artigo 7, inciso XXXI da
Constituio da Repblica). Ao mesmo tempo, convalida o vanguardismo das regras de
proteo contra a discriminao de trabalhadores aqui includos os trabalhadores com
deficincia - que foram consolidando as leis relativas ao trabalho (a Consolidao das
Leis do Trabalho, CLT) e cujos direitos esto revelados no artigo 461 que trata da igual
remunerao para trabalho de igual valor; no artigo 373-A que trata de vedaes s
prticas de discriminao em relao ao trabalho da mulher, como o acesso a cargos,
promoes, remuneraes, formao profissional e outros; no artigo 1, da Lei n
9.029/95 que veda a discriminao de acesso ao trabalho da mulher, e que foi
recentemente alterado pela lei brasileira de incluso n 13.146/2015, para incluir
expressamente a deficincia como motivo para proibir qualquer pratica discriminatria,
alm de permitir pessoa discriminada optar por ser reintegrada no trabalho com o
ressarcimento integral de todo o perodo de afastamento.
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A Lei n 7.853/89, nos incisos II e III, do artigo 8, traz previso expressa de
conduta de crime ao tipificar e punir com recluso de dois a cinco anos de priso quem,
obstar inscrio em concurso pblico ou acesso de algum a qualquer cargo ou emprego
pblico, e negar ou obstar emprego, trabalho ou promoo pessoa, em razo de sua
deficincia, respectivamente. Sendo que a pena por adoo de critrios subjetivos para o
indeferimento de inscrio, de aprovao e de cumprimento do estgio probatrio em
concurso pblico no exclui a responsabilidade patrimonial pessoal do administrador
pblico pelos danos causados, previso essa introduzida pelo artigo 98 da lei brasileira
de incluso.
Note-se que a ltima das proibies baseadas em deficincia a condio
relacionada no item 1, alnea a, do Artigo 27 da CDPD, correspondente ao meio
ambiente de trabalho seguro e salubre. A proposio da norma internacional por
condies seguras e salubres de trabalho indica uma nica concluso possvel: a
acessibilidade dever estar implementada e somente no se configurar discriminao
baseada na deficincia se o empregador cumprir com todas as regras de acessibilidade,
acrescidas das costumeiras regras de segurana e medicina do trabalho. A nova
concepo internacional, elegendo o ambiente como fator primordial para garantir a
autonomia e independncia do trabalhador com deficincia, est consentnea ao
propsito do Artigo 1 que introduz o ambiente e suas barreiras como fator de limitaes
para a pessoa.
O trabalho em condies seguras e salubres, que no Brasil compreende o meio
ambiente do trabalho, direito tutelado na Constituio da Repblica e assegurado aos
trabalhadores urbanos e rurais, inclusive aos servidores e empregados pblicos
conforme o artigo 39, pargrafo 3, da Constituio da Repblica, por meio de normas
de sade, higiene e segurana. A norma constitucional tambm prev a remunerao
adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e, seguro contra acidentes
de trabalho (artigo 7, incisos XXII, XXIII, XXVIII da Constituio da Repblica).
Constitui-se igualmente em direito fundamental sade, cuja proteo da atribuio
do Sistema nico de Sade (SUS) na dico do artigo 200, incisos II e VIII, da
Constituio da Repblica. Como se refere ao meio ambiente do trabalho, as condies
regem-se pelas previses dos artigos 154 a 200 da CLT, com mecanismos especficos de
preveno e deveres de empregadores e empregados.
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Ora, a existncia de um ambiente de trabalho seguro e salubre para ser completo
necessita ser acessvel do ponto de vista arquitetnico e de eliminao de barreiras
fsicas e de atitudes. Portanto, impe a implementao de regras especficas de
acessibilidade. Para isso h comandos constitucionais que j tratam da acessibilidade
no artigo 227, pargrafo 2, repetido no artigo 244 da Constituio da Repblica,
conferindo lei a disposio de normas de construo dos logradouros e dos edifcios
de uso pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, a fim de garantir o
acesso adequado s pessoas com deficincia. Referidas normas so as leis da
acessibilidade (Leis n 10.048/00 e 10.098), seu regulamento o Decreto n 5.296/04 e as
normas tcnicas da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), todas
aplicveis s relaes de trabalho e seu meio ambiente da mesma forma como todas as
medidas acima referidas de proteo ao meio ambiente de trabalho da CLT (artigos 154
a 200 da CLT) e normas regulamentares decorrentes (Gugel, 2007, p.112).
A lei brasileira de incluso da pessoa com deficincia traz importantes ajustes s
leis de acessibilidade quanto a conceitos e definies, fazendo-os valer para todos os
ambientes de uso coletivo, compreendidos os ambientes de trabalho de qualquer
natureza.
Nesse contexto, e para tornar acessvel todos os aspectos relacionados ao meio
ambiente do trabalho, cabe ao administrador pblico e ao empregador implementarem
medidas de acessibilidade arquitetnica interna e externa do local da empresa e do local
de trabalho; de acessibilidade de comunicao a todas as pessoas com deficincia
(fsica, sensorial (auditiva e visual), intelectual e mental) por meio de tecnologias
assistivas, ajudas tcnicas e apoios adequados a cada necessidade; de acessibilidade nos
procedimentos, mecanismos e tcnicas utilizadas para a realizao das tarefas da
funo, assim como nos instrumentos e utenslios utilizados no trabalho e, de
preparao de todo o corpo de servidores, empregados pblicos e trabalhadores para a
conscientizao sobre a capacidade e contribuies das pessoas com deficincia de
forma a eliminar esteretipos e preconceitos (Artigo 8, item 1, alneas b e c da CDPD).
Reporta-se ao quanto comentado em DEFINIES no item relativo
adaptao razovel para afirmar que a definio (de adaptao razovel) se integra s
leis e concepes de acessibilidade porque com elas compatvel, em razo de sua
razoabilidade, sobretudo na relao modificao/ajuste e nus decorrente e, por
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envolver o direito da pessoa com deficincia aos atributos de acessibilidade, o que est
expressamente previsto no artigo 3, inciso VI da Lei n 13.146/2015.
PROTEGER E ASSEGURAR DIREITOS
Para uma sociedade poder proteger e assegurar os direitos de seus cidados de
forma eficaz h que estar constituda em estado democrtico de direito, com
fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do
trabalho, entre outros, tal como prev o artigo 1 da Constituio da Repblica. Os
rgos de justia (tribunais e juzes) e as instituies essenciais justia (ministrio
pblico, defensoria pblica e advocacia) precisam estar solidamente organizados e
preparados para assegurar o acesso de pessoas com deficincia justia.
Nesse particular o Artigo 13 da CDPD, que trata do Acesso Justia, mais uma
vez ressalta a igualdade de condies de pessoas com deficincia com as demais
pessoas de maneira a alcanar o efetivo acesso justia e os servios dela decorrentes.
Impem-se, nesse aspecto, as necessrias adaptaes processuais sempre que em
processos judiciais as pessoas com deficincia participem direta ou indiretamente, ou
ainda como testemunhas, situao em que lhes sero assegurados todos os recursos de
tecnologia assistiva (artigo 228, pargrafo 2 do Cdigo Civil com as alteraes da Lei
n 13.146/2015).
A concepo de acesso justia abrange tambm os procedimentos de
investigao de atribuio do Ministrio Pblico e da Polcia. Igualmente os processos
administrativos no mbito da Administrao Pblica. As adaptaes devem atender de
forma adequada cada deficincia, idade, gnero ou condio. O pessoal de atendimento
(servidores) dos rgos e instituies deve passar por capacitao apropriada para
assegurar e apoiar o acesso justia.
Pois bem, a CDPD aponta a necessidade de se proteger e assegurar os direitos
das pessoas com deficincia em relao aos contratos de trabalho e ambientes de
trabalho, proporcionando: iguais oportunidades e igual remunerao; condies seguras,
salubres e acessveis; medidas legais de proteo contra assdio no trabalho e reparao
de eventuais danos; efetivo exerccio de todos os direitos trabalhistas e sindicais e,
adaptao razovel nos locais de trabalho. o que consta do Artigo 27, alneas b, c e i
da CDPD e correspondem s formas de proteger e assegurar direitos:
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Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego b) Proteger os direitos das pessoas com deficincia, em condies de igualdade com as demais pessoas, s condies justas e favorveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remunerao por trabalho de igual valor, condies seguras e salubres de trabalho, alm de reparao de injustias e proteo contra o assdio no trabalho; c) Assegurar que as pessoas com deficincia possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condies de igualdade com as demais pessoas; i) Assegurar que adaptaes razoveis sejam feitas para pessoas com deficincia no local de trabalho;
Reporta-se ao j comentado nos itens anteriores sobre iguais oportunidades e
igual remunerao, condies seguras, salubres e acessveis, o conceito de adaptao
razovel nos locais de trabalho e, centra-se nas medidas de proteo contra o assdio. A
norma constitucional prev que so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurando o direito indenizao pelo dano material ou moral
decorrente de sua violao (artigo 5, pargrafo 2 da Constituio da Repblica).
No mbito das relaes de trabalho, desde h muito, a Consolidao das Leis do
Trabalho contm norma especfica, que a jurisprudncia trabalhista aplica conduta de
assdio moral (artigo 483 da CLT), com a possibilidade de resciso do contrato de
trabalho e respectiva indenizao, se caracterizada a exigncia de servios superiores s
foras do trabalhador ou proibidos em lei, contrrios aos bons costumes, ou alheios ao
contrato; se o trabalhador for tratado pelo empregador ou por seus superiores
hierrquicos com rigor excessivo; se o empregador pratica ato lesivo honra e boa
fama, ofensa fsica ou reduz o trabalho de forma a afetar sensivelmente a remunerao
do trabalhador.
Quanto ao assdio sexual ou outros comportamentos baseados em sexo, podendo
incluir comportamentos fsicos, verbais ou no verbais, no desejados pela vtima que
afetam a dignidade da mulher e do homem no trabalho, prevalecendo-se o empregador
ou seu preposto da sua condio de superior hierrquico, cargo ou funo, est
tipificado como crime passvel de pena de deteno de um a dois anos (artigo 216-A do
Cdigo Penal Brasileiro).
A determinao da CDPD de assegurar o exerccio dos direitos sindicais
esperada no contexto de uma conveno internacional que preza a liberdade de
associao profissional ou sindical, devendo ser includo o direito de greve e
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negociao coletiva, como o faz o sistema brasileiro (artigos 8, 9, 7, inciso XXVI da
Constituio da Repblica). Essas liberdades fundamentais propiciam a participao
direta de todos os trabalhadores na determinao das condies de trabalho. Embora
criticada porque em desarmonia com a Conveno n 87/OIT, ainda no ratificada pelo
Brasil, que trata da liberdade sindical e proteo ao direito de sindicalizao, a
legislao nacional dispe sobre os direitos sindicais dos trabalhadores nos artigos 540-
547, da CLT.
Comprometida com os princpios de trabalho digno, a CDPD faz referncia
expressa no item 2 do Artigo 27, quanto obrigao dos Estados Partes de assegurarem
medidas contra o trabalho forado e situaes degradantes de trabalho da pessoa com
deficincia:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 2. Os Estados Partes asseguraro que as pessoas com deficincia no sero mantidas em escravido ou servido e que sero protegidas, em igualdade de condies com as demais pessoas, contra o trabalho forado ou compulsrio.
Embora se tente negar, o trabalho em situao anloga a de escravo continua
presente na sociedade brasileira, com caractersticas por vezes similares s do final do
sculo XIX. No obstante isso, a ordem social no Brasil est definida na liberdade e
dignidade da pessoa humana e tem a ordem econmica fundada em utilizao de
trabalho remunerado. Da a constante preocupao com a criao de polticas pblicas e
programas eficazes para erradicao do trabalho escravo que se configura em infrao
penal (artigos 149, 131, Pargrafo nico, 203 e 207, do Cdigo Penal).
PROMOVER OPORTUNIDADES
No que diz respeito promoo de oportunidades s pessoas com deficincia,
destacam-se: o acesso aos programas de orientao tcnica e profissional, servios de
colocao no trabalho e treinamento profissional e continuado; apoio para a procura,
obteno, manuteno e retorno ao emprego; o trabalho autnomo, empreendedorismo,
as cooperativas e negcio por conta prpria, e a aquisio de experincia de trabalho.
Nenhuma medida de promoo a direito ao trabalho pode ser realmente eficaz
sem antes o Estado providenciar mecanismos estruturais de educao e preparao
profissional para a pessoa com deficincia que possibilitem sua permanncia no mundo
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do trabalho. E no s isso, conforme a prtica est a apontar, os servios de colocao
no trabalho devem avanar e estabelecer critrios para atender a pessoa com deficincia
de forma apoiada, se necessrio em vista do tipo e comprometimento da deficincia. o
que se constata na Conveno ao indicar no Artigo 27, alneas d, e, e j:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. d) Possibilitar s pessoas com deficincia o acesso efetivo a programas de orientao tcnica e profissional e a servios de colocao no trabalho e de treinamento profissional e continuado; e) Promover oportunidades de emprego e ascenso profissional para pessoas com deficincia no mercado de trabalho, bem como assistncia na procura, obteno e manuteno do emprego e no retorno ao emprego; j) Promover a aquisio de experincia de trabalho por pessoas com deficincia no mercado aberto de trabalho;
Destaque particular para a previso de formas outras de trabalho, alm do
contrato formal, que levam emancipao econmica e pessoal da pessoa com
deficincia. Tratam-se das oportunidades de trabalho autnomo, empreendedorismo e
cooperativas, indicadas na alnea f:
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1.f) Promover oportunidades de trabalho autnomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negcio prprio;
No Brasil ainda h pouca iniciativa e incentivo ao empreendedorismo por