DELEUZE, Gilles. Conversações

118
Gilles Deleuze - CONVERSAÇOES Tradução Peter Pál Pelbart editora 34 Por que reunir textos de entrevistas que se este nd em por qua se vinte anos? Certas conversações duram tanto tempo, que não sabemos mais se ainda fazem parre da guerra ou da paz. t ve rdade que a filosofia é inseparável de uma cóle- ra contra a época, mas também de uma serenidade que ela nos assegura. Co ntudo, a fi losof ia não é uma Potência. As re- li giões, os Estados, o capitalismo, a ciência, o direito, a opi- nião, a televisão são potências, mas não a filosofia. A filoso- fia pode ter grandes batalhas interiores (idea li smo - realis- mo, etc.), mas são batalhas risíveis. Não sendo uma potên- cia, a fi losofia não pode empreender uma batalha co ntra as porências; cm compensação, trava contra elas uma gue rra sem batalh a, uma guerra de guerrilha. :io pode falar com elas, nada tem a lhes di zer, nada a comunicar, e apenas ma ntém conversações. Como as potências n:io se contcnrnm cm ser e xte ri ores, mas também passam por cada um de nós, é cada um de s que, graças à filosofia, encontra-se ince santemente em conversações e em guerrilha consigo mesmo. Gilles Deleuze TRANS 65·65490 · 04 ·7 º ll U ] ]U ]U lll J ti UUIJ IJll editora• 34

description

Conversações

Transcript of DELEUZE, Gilles. Conversações

GillesDeleuze -CONVERSAOES Traduo Peter PlPelbart editora34 Por que reunir textos de entrevistas que se estendem por quasevinte anos?Certas conversaes duramtanto tempo, que no sabemos mais se aindafazemparre da guerraou j da paz.t verdade que afilosofia inseparvel de umacle-ra contra apoca,mas tambmdeumaserenidade que ela nos assegura. Contudo, a fi losofiano uma Potncia.As re-ligies, os Estados, o capitalismo, a cincia, odireito, aopi-nio, a televiso so potncias, mas no afilosofia.A filoso-fiapode ter grandes batalhas interiores (idealismo - realis-mo, etc.),massobatalhasrisveis.No sendoumapotn-cia, afi losofianopode empreenderumabatalha contra as porncias; cm compensao, trava contra elas uma guerra sem batalha, uma guerrade guerrilha.:io podefalar com elas, nadatem alhes dizer,nadaa comunicar, e apenas mantm conversaes.Como aspotnciasn:io secontcnrnmcmser exteriores, mas tambmpassampor cada um de ns, cada um de ns que, graas filosofia, encontra-se incesantemente em conversaes e emguerri lhaconsigomesmo. GillesDeleuze TRANS 6565490 04 7 llU]]U]UlllJti UUIJIJlleditora 34 "Um pouco depossvel,seno eusufo-co ... " Com estas palavras, Gilles Deleuze de-finiuo que teria levado Michel Foucault, na ltima faseda sua obra e vida, a selanar de formato inesperadadescobertadospro-cessos desubjetivao. Um grande pensador precisado inesperado como do ar, para res-pirar e viver; o pensamento esclarece Deleuze, jamais foiquesto de teoria, mas devida. A obra de Gilles Deleuze pode ser coloca-da por inteiro sob o signo destes comentrios. Na sua prpriabuscado inesperado eleno parou desurpreender: os filsofos,pela ma-neira audaciosa com que amou e usou os gran-desnomesda tradio (Espinosa, Nietzsche, Bergson); os no filsofos, pelo vigor de seus conceitos prediletos (diferena, multiplicida-de, acontecimento); os psicanalistas, pela irre-verncia com que forjou (em associao com Guattari) a concepo de um inconsciente pro-dutivo; os artistas, pela originalidade com que cruzou apintura, a literatura, o cinema ... Mas em que consiste, afinal, a fora secreta de Gilles Deleuze? Talvez no modo pelo qual enfrentou a questo: o que pode o pensamento contra todas asforasque, ao nos atravessa-rem,nos queremfracos,tristes,servose to-los? Deleuze no cessou de dar a essa pergunta inquietanteumarespostaalegre:criar.Sua obraumaprodigiosa criao erenovao de conceitos, e o conceito, apesar de sua irre-levncia no comrcio do mundo, nada tem de inocente. Inspiranovas maneiras dever, ou-vir e sentir - portanto, de viver. Assim, a filo-sofia nunca abstrata: inventa e implicaum estilo de vida, uma maneira de viver, uma ti-ca; ou, mais radicalmente, uma esttica, est-tica da existncia ou arte de si mesmo. A vida como obra de arte, o filsfo como grande es-tilista do agora. Este volume, que rene entrevistas conce-didas ao longodos ltimos vinte anos, alm de cartas e ensaios recentes sobre poltica, li-16 5 9 4 3 10 6 15 213 118 712 141 EsTELIVRO FOI COMPOSTOEM SABON PELABRACHER &M ALTA,COMFOTOLITOS DOBUREAU 34EIMPRESSO PELA P ROL E DITO-RA GRFICA EMPAPEL P LEN SOFT80 GM2 DA CIA. SuzANO DE PAPEL E C ELULOSE PARAA E DITORA 34, EMMARO DE 2008. teratura e televiso,formaumbelo guiain-trodutrio ao pensamento de Deleuze_ Aces-svel, denso e abrangente, nele o leitor encon-trar a coerncia deumpercurso, mas igual-mente os saltos e crises que Deleuze tanto va-loriza no trajeto deumpensador. Muitomaisdo quesumaintroduo, porm,estamosdiantedeum exercciodo pensamento tomado "ao vivo", com suas ace-leraes bruscas, associaes inusitadas, len-tides,vertigens.Todo ocontrrio deuma impassvel"reflexo sobre" o mundo, seja a partir deuma razo idealizada,deumbom senso ou deum consenso qualquer. Quando fala de psicanlise, de cinema, de filosofia, de poltica, de mdia ou at de espor-tes, Deleuze o faz desde uma visceralidade do pensamento. E nos introduz, no a mundanas conversas desalo, com"opinies"e"con-fisses ntimas"(embora haja referncias sa-borosassobrepaixo eamizade,Foucault, Guattari, maio de 68), mas a negociaes vi-vas, verdadeiras conversaes de paz em meio a guerras surdas (d o ttulo do livro), onde acriao filosficadesafiaaimbecilidade e indigncia a que nos querem ver reduzidos os dipos, os Estados, a mdia, o capitalismo, os sacerdcios, etc. Quando um pensador sai de sua clandesti-nidade especulativa e sepeafalar, preci-so saber que sua voz soar mais rouca e cus-tica do que em suas construes sistemticas, mastambm mais serena, mais trgica, mais alegre. essavozqueaquitemosoprivil-gio de ouvir deperto,num exerccio derara beleza, que nosfazflagraropossvel e o in-tolervel a partir de um pensamento pleno de humor e jamais divorciado davida .. Peter PlPelbart coleo TRANS GillesDeleuze CONVERSAES 1972-1990 Traduo PeterP/Pelbart editora34