DELGADO CARVALHO, J. H., Os Meios de Defesa Do Avalista de Título Em Branco

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Avalista

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    Os meios de defesa do avalista de ttulo em branco: uma diferente perspetiva de anlise no mbito da Lei Uniforme relativa s Letras e Livranas

    1. Procura-se com esta breve e perfunctria reflexo analisar se deve ser

    igual o regime jurdico a aplicar quer a um aval prestado sobre uma livrana

    em branco emitida com dupla subscrio (contendo apenas as assinaturas do

    subscritor avalizado e do avalista) , que posteriormente preenchida pelo

    portador quanto ao montante em dvida e data de vencimento e assim dada

    execuo, quer a um aval prestado sobre um ttulo j preenchido.

    consensual que a obrigao do avalista tem as mesmas caractersticas

    de uma obrigao cambiria a abstrao, a literalidade e a autonomia , as

    quais se encontram, de algum modo refletidas, no regime especfico do aval,

    sobretudo no artigo 32./II da Lei Uniforme relativa s Letras e Livranas

    (LULL). Mas j no lquido que o avalista possa discutir a relao jurdica

    subjacente subscrio do ttulo, nos mesmos termos em que se permite ao

    avalizado.

    Esta (aparente) limitao dos meios de defesa do avalista decorre,

    segundo a doutrina tradicional, da dualidade de posies em que se pode

    encontrar o avalista relativamente ao credor cambirio: tudo depende de estes

    sujeitos participarem, ou no, numa mesma conveno extracartular. Isto

    remete para a ideia de relaes imediatas, no mbito das quais se admite a

    invocao de excees pessoais, mas que so inoponveis ao portador quando,

    em razo de um endosso, este no seja sujeito da mesma conveno executiva

    em que intervm o avalista (que a soluo que decorre do artigo 17. da

    LULL, quando aplicado ao avalista).

    As solues doutrinrias comummente defendidas assentam,

    essencialmente, na anlise de trs situaes:

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    i) assinatura de uma letra ou livrana em branco como avalista, sem que

    este tenha sido envolvido no acordo de preenchimento havido entre o

    portador e o subscritor avalizado;

    ii) subscrio pelo avalista do acordo de preenchimento do ttulo, no

    constando essa conveno do instrumento de contrato que constitui a relao

    fundamental;

    iii) finalmente, assinatura pelo avalista do contrato fundamental, sendo

    uma das clusulas relativas subscrio de livrana em branco com aval e aos

    termos do seu preenchimento se o avalizado incorrer em incumprimento

    daquele contrato.

    No primeiro dos casos, tem-se vindo a entender que, ao assinar uma

    letra ou livrana em branco, o avalista fica automaticamente vinculado ao

    pacto de preenchimento desse ttulo por fora do disposto no artigo 32./I da

    LULL.

    Na hiptese de o avalista ter subscrito aquele acordo, -lhe permitido

    invocar excees e outros meios de defesa que se baseiam nesse pacto de

    preenchimento. Como, de uma forma generalizada, se tem vindo a admitir, o

    avalista pode arguir a exceo de abuso de preenchimento, isto ., pode

    invocar a divergncia entre a vontade por si manifestada no ato da subscrio

    e a declarao que lhe imputada tal como consta do ttulo que veio a ser

    completado pelo credor cambirio, sujeito da mesma conveno executiva.

    Essa divergncia pode consistir na inexistncia de incumprimento da relao

    subjacente, na discordncia do montante aposto no ttulo ou ainda na

    contestao da data do seu preenchimento.

    Na terceira das situaes indicadas aquela em que a conveno de

    preenchimento integra o contedo do contrato fundamental , a

    jurisprudncia, maioritariamente, tem vindo a considerar que a circunstncia

    de o avalista ter assinado aquele contrato no o torna parte da relao

    subjacente emisso do ttulo, limitando-se essa interveno qualidade da

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    sua posio cambiria. Contudo, no acrdo da Relao de Coimbra de

    01.07.2014, proferido no processo n. 712/11.3T2AGD (publicado na CJ,

    2014, tomo III, pg. 38 e ss.) e em que estava em causa a demanda do avalista

    do subscritor de um contrato de crdito ao consumo, considerou-se que,

    tendo o avalista subscrito igualmente o contrato que esteve na base da

    emisso da livrana exequenda, aquele assumia a qualidade de aderente, para

    efeitos do DL n. 446/85, de 25 de outubro, e de consumidor, para efeitos do

    DL n. 359/91, de 21 de setembro. Este aresto enquadra a questo da defesa

    do avalista no plano das relaes imediatas entre o credor cambirio e o

    avalista, dado no haver interposio de outras pessoas em razo do endosso

    do ttulo, tomando como referncia o acordo de preenchimento havido entre

    aquele credor e o subscritor avalizado e que constitui a relao subjacente ao

    aval. Tudo se passa, neste caso, como se a obrigao cambiria deixasse de ser

    literal e abstrata, passando a relevar o contedo da conveno extracartular.

    2. As solues doutrinrias expostas convergem em considerar que a

    responsabilidade cambiria do avalista no diferente da do aceitante da letra

    ou do subscritor da livrana, de tal modo que a sua vinculao como garante

    se mantm, mesmo que seja nula a obrigao cartular garantida por qualquer

    motivo que no seja um vcio de forma (art. 32./II da LULL), a no ser que se

    verifique o pagamento ou qualquer outra causa que liberte o devedor

    avalizado. Por via, ainda, da equiparao da obrigao cartular do avalista s

    demais obrigaes cambirias, sustenta-se a independncia do aval

    relativamente s vicissitudes da obrigao causal, fazendo arrimo nas

    caractersticas da abstrao, literalidade e autonomia.

    Este entendimento faz todo o sentido quando esto em causa ttulos

    cambirios completos. Mas quando o aval prestado sobre um ttulo em

    branco, ser que a Lei Uniforme relativa s Letras e Livranas no impor

    uma soluo diversa?

    http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/806b0b625174a0a780257d250037e9ff?OpenDocument
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    O Estado Portugus no fez reservas Conveno de Genebra de 1930

    que estabelece a Lei Uniforme em matria de Letras e Livranas e que foi

    aprovada pelo DL n. 23721/1934 , designadamente no fez reservas ao

    artigo 10. da LULL, conforme permitia o artigo 3. do Anexo I quela

    Conveno. Significa isto que o artigo 10. da LULL se integra na ordem

    jurdica portuguesa.

    Este artigo o nico normativo da Lei Uniforme que versa sobre os

    ttulos em branco (idntico preceito encontramos no artigo 13. da Lei

    Uniforme relativa ao Cheque) e dispe o seguinte: Se uma letra incompleta no

    momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, no

    pode a inobservncia desses acordos ser motivo de oposio ao portador, salvo se este tiver

    adquirido a letra de m f ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.

    O campo de aplicao deste normativo parece ser o das relaes

    mediatas, ou seja, o daquelas relaes que no so estabelecidas entre sujeitos

    cambirios que so simultaneamente sujeitos em convenes extracartulares,

    verificando-se, antes, a intermediao de outros intervenientes cambirios. A

    justificao para este regime parece residir na ausncia do efeito externo das

    obrigaes, pelo que o portador do ttulo por via dum endosso no pode ser

    afetado por um vnculo jurdico no qual no interveio quanto sua

    constituio.

    Aparentemente, o mesmo normativo tambm aponta para a

    inoponibilidade ao credor cambirio que demanda o avalista dos meios de

    defesa que se baseiam na relao fundamental e que se acham relacionados

    diretamente com o no cumprimento e com o preenchimento da livrana

    avalizada.

    S que esta maneira de ver as coisas ignora, por completo, a vontade

    negocial do avalista, pelo menos nas hipteses em que o ttulo no entrou em

    circulao em razo dum endosso e, por isso, se encontra ainda em poder do

    portador inicial. Aquele s aceitou vincular-se pelo aval no pressuposto de que

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    a sua responsabilidade que s liquidada aquando do preenchimento do

    ttulo igual do subscritor avalizado, pelo menos na sua dimenso

    objetiva, isto , no que se refere quantia que ter de pagar no momento em

    que o avalizado incorra numa situao de incumprimento da relao

    fundamental.

    Podemos encontrar apoio para este entendimento no artigo 32/I da

    LULL, que dispe precisamente sobre a extenso da obrigao do avalista,

    estabelecendo que esta obrigao medida pela responsabilidade da pessoa

    avalizada. De outra parte, com apoio nas regras de interpretao da declarao

    negocial, tambm se alcana o mesmo desiderato no sentido de que o

    avalista apenas se quis obrigar na estrita medida em que o avalizado se

    vinculou perante o exequente (credor cambirio) , pois s pode ser esse o

    sentido que um credor normal, colocado na posio do portador, pode

    deduzir da conduta do avalista (art. 236., n. 1, do CCiv). Qualquer outro

    sentido que o credor pretenda extrair da declarao do avalista, ou tico-

    juridicamente censurvel, ou representa falta grave, pois aquele credor no

    pode desejar obter nem mais nem menos do que sucederia se demandasse o

    subscritor avalizado. H, pois, que fazer arrimo no princpio geral da boa-f

    objetiva consagrado no n. 2 do artigo 762. do CCiv, de modo a evitar

    qualquer tentativa de o credor retirar da declarao do avalista o sentido de

    que este, seja qual for a situao do caso concreto, est imune s vicissitudes

    da relao subjacente emisso do ttulo.

    Com efeito, ao preencher a letra ou a livrana, o credor cambirio, que

    aceitou receber esse ttulo para garantir a satisfao da sua pretenso em caso

    de incumprimento do contrato fundamental, no pode complet-lo,

    ignorando a vontade manifestada pelo avalista, a quem tambm envolveu no

    acordo de preenchimento, pelo que os critrios para considerar a existncia de

    incumprimento, o quantum da responsabilidade que entende ser-lhe devida e a

    verificao da data de vencimento tero de ser os mesmos como se o

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    demandado fosse a pessoa avalizada, critrios que mais no so do que os

    aqueles que acordados entre o credor e o avalizado.

    Por consequncia, no tendo o ttulo em branco entrado em circulao,

    dever ser permitido ao avalista discutir a obrigao subjacente e opor ao

    credor cambirio os meios de defesa que se baseiam no contrato fundamental

    e que estejam relacionados diretamente com o no cumprimento desse

    contrato e com o preenchimento do ttulo avalizado, nos mesmos termos em

    que seria admissvel ao avalizado invoc-los (exemplos: a nulidade do negcio

    jurdico causal por inobservncia da forma legal; a nulidade desse negcio

    decorrente da falta de entrega ao avalista de uma cpia do contrato de crdito

    nulidades que tm como resultado a nulidade da obrigao cartular do

    avalista ; a invocao do no cumprimento dos deveres de comunicao e de

    informao das clusulas contratuais gerais integradas no contrato

    fundamental).

    Nestas situaes, tudo se passa, com apoio no disposto nos artigos 10. e

    32./I da LULL, como se a obrigao cambiria do avalista deixasse de ser

    literal, abstrata e autnoma, pelo que no devem ser aplicados os artigos 17. e

    32./II do mesmo diploma, como tem vindo a ser entendido ao tratar-se de

    modo idntico o regime do aval prestado sobre um ttulo emitido em branco e

    o do aval prestado sobre um ttulo completo.

    A soluo proposta tem a vantagem de permitir a defesa do avalista sem

    estar dependente das especialidades do caso concreto, como seja a de o

    avalista ter, ou no, assinado o contrato subjacente emisso do ttulo ou a de

    o pacto de preenchimento conter, ou no, clusulas gerais.

    No entanto, tambm certo que o avalista no pode prevalecer-se de

    todas as vicissitudes da relao fundamental, qual, por regra, alheio. Assim,

    mantm-se a inoponibilidade ao credor cambirio dos meios de defesa

    emergentes de relaes pessoais do avalista com o avalizado e dos meios de

    defesa pessoais do avalizado, como, por exemplo, a exceo de compensao

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    que este possa fazer valer com a dvida exequenda, salvo se estes meios de

    defesa tiverem sido objeto de contratualizao entre o avalista e o credor que

    o demanda.

    Tero, pois, de ser meios de defesa que se baseiam na relao

    fundamental. A justificao no residir tanto no disposto no artigo 17. da

    LULL, mas antes no princpio res inter alios acta.

    Jos Henrique Delgado de Carvalho (Juiz de Direito)

    Jos Henrique Delgado de Carvalho(Juiz de Direito)