DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA ENTIDADE … · tendo-lhe sido pedido que voltasse no dia 19...
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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde exerce funções de regulação, de
supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades
económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo
5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/036/14;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. A ERS tomou conhecimento em 28 de maio de 2014 de uma notícia veiculada
pelos meios de comunicação social, que dava conta de uma utente da Unidade
de Cuidados de Saúde Personalizados do Lumiar (Centro de Saúde do Lumiar)
que perdeu a sua médica de família, depois de ter apresentado uma
reclamação no livro de reclamações.
2. Ainda de acordo com a dita notícia, a Diretora do Agrupamento de Centros de
Saúde Lisboa Norte (ACES Lisboa Norte) teria afirmado que a médica em
causa se teria sentido ofendida com a reclamação e que a ausência de médico
de família era uma situação temporária.
3. Após análise preliminar no âmbito do processo de avaliação n.º AV/225/14, e
perante a necessidade de uma averiguação mais aprofundada, o então
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Conselho Diretivo da ERS, deliberou, em 25 de junho de 2014, a abertura do
processo de inquérito n.º ERS/036/14.
I.2. Diligências
4. Em sede de apuramento dos factos tal como expostos, realizaram-se as
seguintes diligências de obtenção de prova:
i. pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados
(SRER) da ERS, confirmando-se o registo do Centro de Saúde do
Lumiar, sob o n.º 109853, sito na Alameda das Linhas das Torres, 243,
1750 – 144 Lisboa;
ii. pedidos de informação à Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte
datados de 29 de maio e 10 de julho de 2014, respondidos em 2 de
junho e 28 de julho de 2014.
I.3. Dos elementos recolhidos em sede das diligências instrutórias
5. Na sequência da notícia que deu origem aos presentes autos e por ofício
datado de 29 de maio de 2014, foi solicitado à Diretora Executiva do ACES
Lisboa Norte:
i. Que se pronunciassem, de forma fundamentada e, se possível,
acompanhada de elementos documentais, sobre a situação descrita na
referida notícia;
ii. Explicitasse o motivo que terá determinado as dificuldades de emissão
da receita à utente e, bem assim, se a situação já se encontrava
resolvida;
iii. Enviasse cópia da notificação remetida à utente, através da qual lhe foi
dado conhecimento de que ficaria sem médica de família;
iv. Explicitasse as razões que motivam, em geral, a recusa ou cessação de
atribuição de médico de família aos utentes;
v. Explicitasse quais os motivos para, no caso concreto, ter sido retirada a
médica de família à utente;
vi. Envio de todos os esclarecimentos complementares julgados
necessários e relevantes à análise da situação em presença.
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6. Por ofício remetido à ERS a 2 de junho de 2014, a Diretora Executiva do ACES
veio responder ao referido pedido de informações, alegando, em suma, o
seguinte:
i. "Os Utentes utilizam (e é-lhes proporcionado) o acesso fácil ao Livro de
Reclamações”;
ii. “O Livro de Reclamações também é utilizado com alguma frequência
para comunicar uma dificuldade na utilização dos serviços que
necessite de esclarecimento ou resolução, e nem sempre tem um
conteúdo de reclamação”;
iii. “[…] por vezes verifica-se que o Médico entende que os termos da
Reclamação originam uma quebra de confiança que vai interferir, no
futuro, no bom clima da comunicação Médico-Doente, tão necessária à
prática de Medicina Geral e Familiar.”;
iv. “Pode então acontecer que emita um pedido fundamentado ao Director
Executivo, para transferência desse Utente (ou do seu agregado
familiar) para outro ficheiro médico. O Director deve ponderar a
situação, e decidir”;
v. “Assim, neste caso e devido à dificuldade de recursos médicos mas
também a integração de 2 médicos de família vindos de outra Unidade
a partir de 1 de junho, o que falhou (e para qual foram solicitados
publicamente as nossas desculpas) foi comunicar que essa situação
era transitória e de cerca de um mês de duração”;
vi. “Foi comunicado, conforme texto emanado à Utente, de como
entretanto poderia ser consultada no Centro de Saúde […]”;
vii. “As dificuldades de emissão da receita prenderam-se com a adaptação
à PEM, que não tem sido fácil, prejudicada nessa altura pela
interrupção repetida e intermitente do sistema SINUS/SAM que
perdurou todo o mês de Março e ainda em Abril e Maio, nessa
Unidade.”.
7. Juntamente a este ofício foram anexados cópias dos seguintes elementos:
i. Circular Normativa n.º 2CD, de 10.01.2009 da ARS Lisboa e Vale do
Tejo;
ii. Reclamação n.º 17 e 18, de 21 de março, apresentada pela utente no
livro de reclamações da UCSP Lumiar;
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iii. Cópia de requerimento da médica de família da reclamante, dirigido à
Coordenadora da UCSP Lumiar;
iv. Ofício enviado pelo ACES Lisboa Norte à utente, em 29.04.2014;
8. Já no âmbito do presente ERS/036/14, foi efetuado novo pedido de
informações à Diretora Executiva do ACES, nos termos do qual se solicitava
que:
i. atendendo à Lei – em especial ao Código de Procedimento
Administrativo (CPA) e à Circular Normativa n.º 2CD, de 19/01/2009 da
Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P –
remetesse cópia do procedimento administrativo de alteração de
médico de família à reclamante e ao seu agregado familiar, contendo as
notificações, nos termos e paras os efeitos do disposto no artigo 100º
do CPA, e as respetivas respostas dos interessados;
ii. indicasse, juntando os documentos pertinentes, quais os procedimentos
em vigor no ACES Lisboa Norte para a emissão de receitas médicas,
quer no que respeita à utilização de sistemas informáticos, quer quanto
à emissão manual das referidas receitas, quando não é possível utilizar
os ditos sistemas informáticos;
iii. indicasse, juntando os documentos pertinentes, quais os procedimentos
em vigor no ACES Lisboa Norte para o registo e comunicação de
eventos adversos, incidências ou erros em programas informáticos;
9. Através de ofício remetido à ERS em 28 de julho de 2014, a Diretora Executiva
do ACES veio prestar, designadamente, as seguintes informações:
i. "A utente foi de imediato contactada, após a reclamação, para lhe ser
resolvida a situação da prescrição via eletrónica/informática”;
ii. “Em sede de audição interna, a Médica esclareceu que foi surpreendida
com uma recção não expectável na relação Médico-Utente estabelecida
até essa altura, e para além da justificação para o sucedido, solicitou a
necessidade do Utente ser transferido para novo ficheiro médico”;
iii. “O procedimento habitual da Direcção do ACES Lisboa Norte é a
atribuição de novo Médico de Família. Foi oficiado à Utente que ficaria
em situação de s/ médico e o que efectivamente falhou foi a omissão do
parágrafo que é habitual nestes casos: “Ficará a aguardar a
oportunidade de lhe ser atribuído novo Médico de Família”;
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iv. “Estando os ficheiros médicos completos (em média 1750
Utentes/Médico), a Direcção previa, como ocorreu, a integração na
Unidade, a partir do dia 1 de Junho, de Médicos e tinha conhecimento
que o período de transição “sem médico” seria breve. Mas dado não se
ter transmitido essa informação à Utente, ocorreu realmente uma falha
que originou a reacção da Utente e também o pedido de desculpas da
Direcção em transmissão directa na comunicação social”;
v. “A prescrição de receituário e a utilização da PEM, são assuntos
abordados em todas as reuniões com os Coordenadores das Unidades,
realizadas mensalmente com a Directora Executiva e a Presidente do
Conselho Clínico do ACES Lisboa Norte”;
vi. “As situações de dificuldade de utilização dos sistemas informáticos são
reportadas de imediato pela Responsável Administrativas de cada
Unidade para o Servidesk da ARSLVT em simultâneo com o
conhecimento da Direcção e do Responsável e dos Informáticos da
UAG (unidade de Apoio à Gestão). Essas dificuldades por vezes diárias
e repetidas (e no período em que ocorreu a situação em causa,
particularmente acentuadas na UCSP do Lumiar), são seguidas
atentamente até estarem resolvidas.”.
10. Juntamente a este ofício, foi anexo o Processo Administrativos, com cópias dos
seguintes elementos:
i. Ofício enviado à utente/reclamante em 18 de junho de 2014, com
indicação de nova ficha de identificação e registo de marcação de
consulta da UCSP do Lumiar, referente à utente D(…);
ii. Fichas de identificação das utentes em causa;
iii. Cópias de comunicações eletrónicas internas do ACES Lisboa Norte;
iv. Folha de registo de diligências do Gabinete do Cidadão do ACES
Lisboa Norte;
v. Ofício remetido à reclamante e referente à resposta à sua reclamação
apresentada em 21 de março de 2014;
vi. Pedido da médica de família, datado de 21 de março de 2014 e dirigido
à Coordenadora da UCSP do Lumiar, para que seja atribuído outro
médico de família à reclamante e ao seu agregado familiar;
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vii. Ofício remetido pela médica de família à Coordenadora da UCSP do
Lumiar em 21 de março de 2013, confirmando a prescrição manual da
receita à reclamante, por impossibilidade de prescrição informática;
viii. Nota de serviço n.º 248/2012 do ACES Lisboa Norte, de divulgação de
normas técnicas relativas à prescrição, aprovadas pelo Infarmed e
ACSS;
ix. Nota de serviço n.º 168/2013 do ACES Lisboa Norte, sobre prescrição
eletrónica de medicamentos
II. DOS FACTOS
11. No dia 14 de março de 2014, a utente C(…) deslocou-se ao Centro de Saúde
do Lumiar, para solicitar uma receita médica para a sua mãe, D(…).
12. Por indicação do próprio Centro de Saúde, a utente regressou no dia 18 de
março de 2014 para levantar a dita receita médica, a qual lhe foi entregue.
13. Nesse mesmo dia, a utente dirigiu-se a uma farmácia para adquirir os
medicamentos em causa, mas um deles não estava corretamente definido na
receita médica. Na verdade,
14. Segundo informação prestada à utente pela farmácia, um dos medicamentos
não continha as referências legalmente exigidas para a sua comparticipação.
15. A utente regressou ao Centro de Saúde para solicitar a retificação da receita,
tendo-lhe sido pedido que voltasse no dia 19 de março de 2014, a partir das
13h30.
16. A utente voltou ao Centro de Saúde no dia que lhe foi indicado, mas a receita
médica ainda não estava concluída.
17. A utente aguardou até às 16h10, altura em que teve de se ausentar, por
motivos pessoais, sem que a receita lhe fosse entregue, informando o Centro
de Saúde que voltaria no dia seguinte.
18. No dia 20 de março de 2014, a utente voltou ao Centro de Saúde, tendo sido
recebida pela médica, Dr.ª N(…), que lhe transmitiu que não tinham
conseguido retificar a receita por dificuldades informáticas, que a retificação
teria sido efetuada manualmente, mas que, naquele momento, não
conseguiam localizar as receitas.
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19. A utente regressou ao Centro de Saúde no dia 21 de março de 2014, tendo-lhe
sido entregues as receitas em causa, preenchidas manualmente para
cumprirem os requisitos legais e com a seguinte anotação da Dr.ª N(…): “Não
consegui tirar do computador, pedi ajuda a colegas, fiz como me explicaram,
mas com este novo programa não consegui fazer no computador. Se na
farmácia lhe aceitarem assim tudo bem, se não aceitarem não há nada a
fazer”.
20. Nesse dia, a utente voltou a deslocar-se à farmácia, mas a receita em causa
com os apontamentos inseridos manualmente, não foi aceite.
21. As dificuldades de emissão da receita por via eletrónica, prenderam-se com a
adaptação ao sistema, prejudicada nessa altura por falhas nos sistemas
SINUS/SAM.
22. A prescrição de receituário e a utilização da prescrição eletrónica médica são
temas abordados nas reuniões com os coordenadores das unidades do ACES
Lisboa Norte, realizadas mensalmente com a Diretora Executiva e a Presidente
do Conselho Clínico.
23. A utente regressou o Centro de Saúde nesse dia 21 de março de 2014, onde
apresentou uma reclamação no Livro de Reclamações, registada sob o número
17/18, descrevendo o sucedido, conforme cópia da reclamação anexada aos
presentes autos.
24. No mesmo dia 21 de março de 2014, a médica de família da reclamante,
remeteu à Coordenadora da UCSP do Lumiar, um requerimento, onde solicita
o seguinte:
“Por considerar haver perda de confiança e empatia para com a utente
Sra. C(…) com o n.º (…), solicito que a partir da presente data, lhe seja
atribuído outro M. F., bem como ao restante agregado familiar”.
25. Nestes casos, em função do requerimento apresentado pela médica, o
procedimento habitual da direção do ACES Lisboa Norte é a atribuição de novo
médico de família aos utentes.
26. Ainda nesse dia 21 de março de 2014, a médica de família enviou à
Coordenadora da UCSP Lumiar uma informação, com o seguinte teor:
“Em resposta à reclamação n.º 17 e 18 de 2014-03-21, confirmo que
prescrevi manualmente o receituário da Sr.ª D. D(…), por não ter
conseguido fazê-lo informaticamente”.
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27. No dia 3 de abril de 2014 os serviços administrativos da UCSP Lumiar
contactaram a reclamante, informando-a que poderia recorrer à consulta da
Dr.ª I(…), para a prescrição da receita pretendida.
28. No dia 4 de abril de 2014, a reclamante foi atendida pela Dr.ª I(…) –
Coordenadora da UCSP Lumiar – e a receita foi emitida, por via eletrónica e
em conformidade com a Lei.
29. Através do ofício n.º 115 GC, de 29/04/2014, enviado pela Diretora Executiva
do ACES Lisboa Norte à reclamante, com a referência “assunto: resposta à
reclamação n.º 17 de 21 de Março de 2014 da UCSP Lumiar”, foi esta
informada do seguinte:
“Recebemos a sua exposição registada no Livro de Reclamações da
UCSP Lumiar a 21 de Março, a qual nos mereceu a melhor atenção.
Verificamos, após contacto da parte do Gabinete Local do Cidadão, e
posterior consulta com a Coordenadora Clínica, que a situação ficou
resolvida.
Informamos que, a sua médica considerou ter-se quebrado a relação de
confiança profissional, pelo que o seu agregado familiar actualmente não
tem médico de família atribuído, podendo, no entanto, recorrer a consulta
de recurso sempre que necessitar, assim como à consulta de Diabetes
existente nesta Unidade de Saúde. […]”.
30. De acordo com as orientações da ARS Lisboa e Vale do Tejo para a
funcionalidade da prescrição eletrónica de medicamentos, através do Sistema
de Apoio Médico (SAM), remetidas por mail ao ACES Lisboa Norte em 26 de
agosto de 2013, no caso de algum profissional identificar um problema na
utilização da plataforma, deve proceder de acordo com o circuito de
comunicação estabelecido, reportando a situação aos serviços do ACES
competente.
31. De acordo com a nota de serviço n.º 168/2013 de 27 de agosto de 2013,
emitida pela Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte aos médicos de família
e secretariados administrativos de todas as unidades que o compõem, “[…]
qualquer problema de acesso à PEM deve ser comunicado à Direcção
Executiva ou ao serviço informático, conforme o caso.”
32. No caso do ACES Lisboa Norte, e de acordo com a informação prestada pela
própria Diretora Executiva, “As situações de dificuldade de utilização dos
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sistemas informáticos são reportadas de imediato pela Responsável
Administrativa de cada Unidade para o Servidesk da ARSVLT em simultâneo
com o conhecimento da Direcção e do Responsável e dos Informáticos da
UAG (unidade de Apoio à Gestão).”.
33. Através do ofício n.º 1076, de 18 de junho de 2014, enviado pela Diretora
Executiva do ACES Lisboa Norte à reclamante, com a referência “assunto:
ficha de identificação e registo de marcação de consulta da UCSP do Lumiar”,
foi esta informada do seguinte:
“Tal como tivemos oportunidade de a informar via telefone, junto
enviamos em anexo nova Ficha de identificação de inscrição na nossa
UCSP, bem como registo de marcação de consulta referente à sua
familiar D(…).”.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
34. De acordo com o n.º 1 do artigo 5º dos Estatutos da ERS aprovados pelo
Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS tem por missão a regulação
da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde;
35. E encontram-se sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4º
dos referidos Estatutos, todos os “[...] estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde, do sector público, privado, cooperativo e social,
independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais,
clínicas, centros de saúde, consultórios, laboratórios de análises clínicas,
equipamentos ou unidades de telemedicina, unidades móveis de saúde e
termas”.
36. No que se refere, por outro lado, aos objetivos regulatórios da ERS, compete-
lhe “Assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde,
nos termos da Constituição e da lei” e “garantir os direitos e interesses
legítimos dos utentes” – cfr. alíneas b) e c) do artigo 10º dos Estatutos da ERS.
37. De acordo com estes objetivos regulatórios, compete à ERS:
i. “assegurar o direito de acesso universal e equitativo à prestação de
cuidados de saúde nos serviços e estabelecimentos do Serviço
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Nacional de Saúde (SNS)” – cfr. alínea a) do artigo 12º dos Estatutos da
ERS;
ii. “prevenir e punir as práticas de rejeição e discriminação infundadas de
utentes nos serviços e estabelecimentos do SNS” – cfr. alínea b) do
artigo 12º dos Estatutos da ERS;
iii. “apreciar as queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o
seguimento dado pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde às mesmas” – cfr. alínea a) do artigo 13º dos Estatutos da ERS;
38. Podendo a ERS assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, “no dever de zelar
pela aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às
atividades sujeitas à sua regulação”, e ainda mediante a emissão de “ordens e
instruções, bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que
tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas com os objetivos da
sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de conduta e a
adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e interesses
legítimos dos utentes” – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19º dos Estatutos da ERS.
39. No caso em apreço, importa à ERS aferir duas questões essenciais:
i. Se a decisão de retirar a médica de família à reclamante e ao seu
agregado familiar é legítima e legal e, bem assim, se o direito de
reclamação da utente foi respeitado e assegurado;
ii. Se os procedimentos de prescrição médica estão a ser cumpridos
pelas unidades abrangidas no caso em apreço.
III.2. Do exercício do direito de participação e reclamação
40. O direito de qualquer cidadão a pronunciar-se sobre os serviços de saúde que
lhe são prestados constitui uma expressão de cidadania.
41. É também através esta dimensão de cidadania, que o utente se afirma como
elemento determinante para o desenvolvimento e melhoria contínua da
organização e da qualidade do sistema de saúde.
42. Esta participação possibilita, assim, o exercício do direito previsto no n.º 2 da
Base V da Lei de Bases da Saúde - “Os cidadãos têm direito a que os serviços
públicos de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos
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interesses” – atribuindo ao utente um papel fundamental na construção do
sistema de saúde que o serve.
43. Aliás, a participação ativa dos cidadãos na função administrativa constitui um
princípio basilar da Administração Pública, conforme decorre do artigo 7º do
Código de Procedimento Administrativo, nos termos do qual “Os órgãos da
Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os
particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no
desempenho da função administrativa […]”.
44. Neste sentido, a Lei de Bases da Saúde reconhece aos utentes o direito a
“Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso,
a receber indemnização por prejuízos sofridos” – cfr. alínea g) do n.º 1 da Base
XIV.
45. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 9º da Lei n.º 15/2014, de 21 de
março, “O utente dos serviços de saúde tem direito a reclamar e apresentar
queixa nos estabelecimentos de saúde, nos termos da lei, bem como a receber
indemnização por prejuízos sofridos”.
46. E para assegurar o exercício deste direito de queixa, “Os serviços de saúde, os
fornecedores de bens ou de serviços de saúde e os operadores de saúde são
obrigados a possuir livro de reclamações, que pode ser preenchido por quem o
solicitar” – cfr. n.º 3 do artigo 9º da Lei n.º 15/2014.
47. No caso das unidades públicas de saúde, as regras a observar para a
concretização deste direito de queixa, estão descritas no Decreto-Lei n.º
135/99, de 22 de abril.
48. Nos termos do n.º 1 do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 135/99, “Nos termos do
disposto no artigo 35.º-A, os serviços e organismos da Administração Pública
devem divulgar aos utentes de forma visível a existência de livro de
reclamações nos locais onde seja efetuado atendimento ao público”.
49. Para além desta obrigatoriedade dos serviços públicos disponibilizarem aos
seus utentes o livro de reclamação, exige-se que o exercício deste direito não
seja, por qualquer forma, coarctado, restringido ou condicionado – para este
efeito, o utente deve poder fazer livremente a sua reclamação, sem qualquer
represália e sem ser prejudicado por isso, sob pena de se frustrarem os
objetivos acima identificados e, bem assim, de se violar o referido direito à
reclamação.
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III.3. Do acesso aos cuidados de saúde primários e ao médico de família
50. O acesso aos cuidados de saúde implica a consequente obrigação dos
prestadores de cuidados de saúde assegurarem aos utentes os serviços que
se dirijam à prevenção, à promoção, ao restabelecimento ou à manutenção da
sua saúde, bem como ao diagnóstico, ao tratamento/terapêutica e à sua
reabilitação, e que visem atingir e garantir uma situação de ausência de
doença e/ou um estado de bem-estar físico e mental.
51. O direito constitucional de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde
concretiza-se no direito a proteção à saúde e, nesse sentido, assenta no
respeito pelos princípios fundamentais da universalidade, generalidade e
gratuitidade tendencial, alargando-se a toda a Rede Nacional de Prestação de
Cuidados de Saúde.
52. Neste contexto, todos os cidadãos, sem exceção, devem estar cobertos pelas
políticas de promoção e proteção da saúde e devem poder aceder aos serviços
prestadores de cuidados de saúde.
53. Ademais, a LBS veio consagrar na sua Base II, como uma das diretrizes da
política de saúde, que “é objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos
no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e
onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de
recursos e na utilização de serviços”;
54. Para tanto, e nos termos da alínea d) da mesma Base II, “os serviços de saúde
estruturam-se e funcionam de acordo com o interesse dos utentes e articulam-
se entre si e ainda com os serviços de segurança e bem-estar social”, sendo
que, e de acordo com a alínea e), “a gestão de recursos disponíveis deve ser
conduzida por forma a obter deles o maior proveito socialmente útil e a evitar
desperdício e a utilização indevida dos serviços”.
55. Sendo reconhecido ao cidadão a “liberdade de escolha no acesso à rede
nacional de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes
dos recursos existentes e da organização dos serviços.” – cfr. n.º 5 da Base V;
56. Bem como, o direito de ser “ser tratado pelos meios adequados, humanamente
e com prontidão, correcção, privacidade e respeito” – cfr al. c) da Base XIV -,
para o que deve “observar as regras de organização e funcionamento dos
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serviços e estabelecimentos” e utilizar “os serviços de acordo com as regras
estabelecidas” – cfr. al. b) e d) do n.º 2 da Base XIV, todas da LBS.
57. Neste sentido, e seguindo ainda o mesmo diploma legal, “O sistema de saúde
assenta nos cuidados de saúde primários, que devem situar-se junto das
comunidades” – cfr. n.º 1 da Base XIII - “devendo ser promovida a intensa
circulação entre os vários níveis de cuidados de saúde, reservando a
intervenção dos mais diferenciados para as situações deles carecidas […]” -
cfr. n.º 2 da Base XIII.
58. O legislador assumiu a existência de um sistema de saúde estratificado, no
qual os serviços e unidades de saúde se devem estruturar, funcionar e articular
entre si, em favor dos interesses dos utentes.
59. Por sua vez, o Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de
janeiro, em desenvolvimento das bases gerais contidas no regime jurídico da
saúde, define o SNS como sendo “um conjunto organizado e hierarquizado de
instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde,
funcionando sob a superintendência ou tutela do Ministro da Saúde” – cfr.
artigo 1.º do referido Estatuto.
60. Assim, nos termos do artigo 2.º do referido Estatuto, o SNS “tem como
objectivo a efectivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe
na protecção da saúde individual e colectiva”, através de cada uma das
instituições que o integra, devendo garantir o direito de acesso universal a
todos os cidadãos aos cuidados por si prestados.1
61. Com interesse para a apreciação dos factos em apreço nos presentes autos,
importa atender à evolução que, neste campo, tiveram os Agrupamentos de
Centros de Saúde (ACES).
62. Tais Agrupamentos foram criados pelo Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de
fevereiro, enquanto unidades intermédias entre as ARS e os Centros de
Saúde.
63. Conforme disposto no artigo 2.º do referido diploma, os ACES são serviços de
saúde com autonomia administrativa, sendo que, o centro de saúde,
1 Sobre a evolução da Rede Nacional de Cuidados de Saúde Primários, consultar o “Estudo do
Acesso aos Cuidados de Saúde Primários do SNS – Fevereiro de 2009”, da ERS, publicado em: https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/86/ERS_-_Estudo_do_Acesso_aos_Cuidados_de_Saude_Primarios_-_Relatorio.pdf
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componente dos ACES, é um conjunto de unidades funcionais de prestação de
cuidados de saúde primários, individualizado por localização e denominação
determinadas.
64. Além do mais, são os ACES serviços desconcentrados da respetiva
Administração Regional de Saúde, estando sujeitos ao seu poder de direção –
cfr. n.º 3 do mesmo artigo 2.º.
65. Podem ser constituídos por um ou mais Centros de Saúde, e podem
compreender, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 7.º, diversas unidades
funcionais, de entre as quais as Unidade de Saúde Familiar (USF).
66. Quanto ao seu âmbito de intervenção, prescreve o artigo 5.º do referido
diploma que os ACES têm âmbito comunitário e base populacional, baseiam-se
“na livre escolha do médico de família pelos utentes” e exercem função de
autoridades de saúde, sendo que “para fins de cuidados personalizados, são
utentes de um centro de saúde, todos os cidadãos que nele queiram inscrever-
se, com prioridade, havendo carência de recursos, para os residentes na
respetiva área geográfica.”.
67. Compete ao diretor executivo do ACES “[…] a gestão das atividades, os
recursos humanos, financeiros e de equipamento do ACES […]”, a avaliação
do “[…] desempenho das unidades funcionais e de serviços de apoio e
responsabilizá-los pela utilização dos meios postos à sua disposição e pela
realização dos objetivos ordenados ou acordados […]”, bem como a gestão,
“[…] com rigor e eficiência dos recursos humanos, patrimoniais e tecnológicos
afetos à sua unidade orgânica, otimizando os meios e adotando medidas que
permitam simplificar e acelerar procedimentos e promover a aproximação à
sociedade e a outros serviços públicos.” – cfr. alíneas f) e h) do artigo 20.º.
68. Ademais, compete ao mesmo diretor executivo, a designação, em cada centro
de saúde, de um coordenador de unidade funcional, “[…] quer para contactos
com a comunidade, quer para a gestão quotidiana das instalações e
equipamentos do centro de saúde.” – cfr. n.º 2 da mesma disposição legal.
69. Por seu lado, o conselho clínico é composto por um presidente e três a quatro
vogais, devendo “[…] possuir conhecimentos técnicos em cuidados de saúde
primários, prática em processos de garantia de qualidade dos cuidados e em
processos de auditoria, bem como dominar as técnicas de gestão do risco.” –
cfr. n.º 1 e 7 do artigo 25.º.
15
70. E compete a este mesmo órgão, a governação clínica e de saúde no ACES, de
forma concertada, articulada e participada por todas as unidades funcionais,
devendo, para tanto, designadamente, “[...] assegurar que todos os
profissionais e unidades funcionais do ACES se orientam para a obtenção de
ganhos em saúde, garantindo a adequação, a segurança, efetividade e a
eficiência dos cuidados de saúde prestados, bem como a satisfação dos
utentes e dos profissionais, ainda, orientar as equipas das unidades funcionais
na observância das normas técnicas emitidas pelas entidades competentes e
promover a melhoria contínua dos processos e procedimentos assistenciais e
de saúde” – cfr. alíneas a) a h) do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22
de fevereiro.2
71. Por último, importa efetuar uma breve referência à questão do acesso a médico
de família, atentos os factos em apreço neste processo de inquérito.
72. É de sublinhar que em todas as reformas e alterações acima identificadas, no
que respeita aos cuidados de saúde primários, o legislador manifestou a sua
preocupação com a melhoria da rede de serviços de proximidade, em especial,
no que respeita à acessibilidade dos cidadãos ao médico de família.
73. A título de exemplo, o artigo 5.6 das Grandes Opções do Plano para 2014,
aprovadas pela Lei n.º 83-B/2013, de 31 de dezembro, volta a destacar o
objetivo de “Alargar progressivamente a cobertura dos cuidados de saúde
primários (CSP), assegurando a resolução qualificada dos problemas de saúde
por uma rede de cuidados de proximidade, minimizando as atuais assimetrias
de acesso e cobertura de natureza regional ou social, garantindo, desta forma,
2 Em suma, e tal como a ERS já o afirmou: “Os cuidados de saúde primários representam o
primeiro nível de contacto dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema de saúde e que, em razão do seu custo relativamente baixo e da maior facilidade com que podem ser fornecidos (em comparação com os cuidados de saúde especializados e de internamento), constituem, se estiverem distribuídos adequadamente, a forma mais importante de cuidados de saúde para a manutenção da saúde da população e para a prevenção da progressão de doenças a uma escala ampla. Como tal, sistemas de saúde mais orientados para os cuidados primários, quando são guiados pelos princípios de capacidade de resposta dos cuidados primários às necessidades das pessoas, da orientação para a qualidade, da responsabilidade dos governos, da justiça social, da sustentabilidade, da participação e da transversalidade sectorial, demonstram melhor desempenho que sistemas mais baseados nos cuidados diferenciados hospitalares, ao nível da saúde da população, equidade, acessibilidade, continuidade de cuidados, relação custo-benefício e satisfação dos cidadãos. Adicionalmente, cuidados de saúde primários eficazes são essenciais para a promoção de uma relação entre prestadores e utentes, baseada no respeito pela privacidade, dignidade e confidencialidade.” – cfr. “Estudo do Acesso aos Cuidados de Saúde Primários do SNS – Fevereiro de 2009”, publicado em: https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/86/ERS_-_Estudo_do_Acesso_aos_Cuidados_de_Saude_Primarios_-_Relatorio.pdf
16
um médico de família para cada português, para que todos os utentes tenham
acesso a CSP de qualidade;”.
74. Desta forma, incumbe ao Estado garantir a “cobertura dos cuidados primários,
assegurando o acesso a um médico de família à generalidade dos cidadãos,
minimizando as atuais assimetrias de acesso e cobertura de natureza regional
ou social e apostando na prevenção” – cfr. preambulo do Despacho n.º
13795/2012, de 17 de outubro, publicado no Diário da República 2.ª série, nº
206, de 24 de outubro de 2012, diploma que estabelece os critérios e
procedimentos de organização das listas de utentes nos ACES.
75. Não obstante, certo é que o objetivo de atribuir um médico de família a cada
utente inscrito nas unidades de cuidados de saúde primários ainda não foi
atingido, como recentemente concluiu o Tribunal de Contas no Relatório n.º
17/2014, 2ª secção do Tribunal de Contas, Processo n.º 32/2012 – auditoria ao
desempenho de unidades funcionais de cuidados de saúde primários.3
76. E, tal como conclui o dito Tribunal de Contas, “A mera existência de utentes
sem médico de família traduz uma falta de “igualdade dos cidadãos no acesso
aos cuidados de saúde”, prevista como “objectivo fundamental” da Lei de
Bases da Saúde. De facto, diferentes cidadãos têm diferentes facilidades no
acesso aos cuidados de saúde primários e, consequentemente, aos cuidados
de saúde hospitalares, meramente pela circunstância de constarem, ou não,
das listas de utentes atribuídas a cada médico de família.”4.
77. Assim sendo, e para garantia do citado princípio da universalidade no acesso a
cuidados de saúde, importa que a organização dos cuidados de saúde
primários contemple, como objetivo a prosseguir, o da atribuição de médico de
família a todos os utentes.
78. Nos termos do artigo 3º, n.º 1 do Despacho n.º 13795/2012, “A inscrição de
utente em lista de médico de família realiza-se de acordo com a disponibilidade
3 Conforme vem afirmado no dito Relatório n.º 17/2014 (disponível em
http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2014/2s/audit-dgtc-rel017-2014-2s.pdf), “Continuam a subsistir nos centros de saúde tradicionais (UCSP), a nível nacional, situações de utentes inscritos sem médico de família que, em dezembro de 2012, atingiam 1.657.52639 utentes, apesar da diminuição de 10,21%, face ao ano anterior; Os resultados alcançados com a criação de USF, que se traduziram na atribuição de médico de família a 569.580 utentes, foram insuficientes para compensar a diminuição global do número de médicos de família, pelo que, desde a implementação das USF, após 2006, o número de utentes inscritos sem médico de família cresceu 24% (com exceção do ano de 2012); O registo dos utentes inscritos não se encontra atualizado, continuando a verificar-se que o número de inscritos pode ultrapassar o número de residentes da correspondente área geográfica.” 4 Cfr. Relatório n.º 17/2014 do Tribunal de Contas, pág. 27
17
de vagas na sua área de residência permanente e atendendo, sempre que
possível, à sua preferência.”.
79. Por sua vez, nos termos do n.º 2 do referido artigo 3º, “O registo dos utentes
realiza-se preferencialmente por agregado familiar, devendo os sistemas de
informação conter informação que permita agregar os utentes das famílias que
partilhem a mesma habitação com vista a serem associados ao mesmo médico
de família.”.
80. Ainda de acordo com o regime instituído pelo referido Despacho n.º
13795/2012, o cancelamento da inscrição de um utente em lista de médico de
família pode resultar de dois factos: da vontade manifestada pelo próprio utente
ou ausência de contacto do utente com o ACES nos últimos três anos.
81. Neste quadro normativo, o utente inscrito no centro de saúde e com vaga para
inscrição da lista de médico de família, pode escolher o seu médico de família,
de entre os que aí trabalham.
82. O que a lei não prevê – para além das situações já referidas – é o
cancelamento ou recusa de acesso de um qualquer utente a médico de família.
83. Situação diversa ocorre quando, por motivos de quebra de confiança na
relação estabelecida com o utente, o seu médico de família solicita que este
seja retirado da sua lista.
84. Neste caso em particular, a verificação ou ocorrência de determinados factos
terá perturbado irremediavelmente a normal relação de confiança entre o
médico e o seu utente, ao ponto de impedir ou prejudicar a prestação de
cuidados de saúde.
85. Porém, esta situação não se confunde com aquelas elencadas no Despacho
n.º 13795/2012, de cancelamento da inscrição de um utente em lista de médico
de família.
86. Neste exemplo de quebra de confiança entre o médico e o utente, e para que a
prestação de cuidados de saúde não seja afetada, reconhece-se a
necessidade de cancelar a inscrição do utente na lista do médico em causa,
devendo ser-lhe atribuído outro médico de família.
87. E este pedido de alteração pode ser iniciado quer pelo médico, quer pelo
próprio utente, devendo estar devidamente fundamentado.
88. Estas situações serão, obviamente, exceções ao normal funcionamento de
uma unidade de saúde de cudados primários; porém, verificado o fundamento
18
que motivou o pedido em causa, o mesmo deverá ser deferido e o utente
integrado, de imediato, na lista de outro médico – ao qual, e em princípio, não
se estenderá a quebra de confiança.
89. Sobre esta questão em particular, o artigo 20º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/90
de 6 de março, dispunha o seguinte:
“A personalização das relações do médico de clínica geral com os utentes é
promovida principalmente da seguinte forma:
a) A cada médico é confiada uma população de cerca de 1500
utentes, nominalmente designada em lista;
b) A inscrição em lista obedece ao princípio da livre escolha do
médico pelo utente, devendo privilegiar-se a inscrição familiar;
c) O médico pode recusar ou cancelar a inscrição de qualquer
utente, mediante fundamentação, dirigida ao director do centro de
saúde, o qual decidirá;
d) Quando ocorra mudança de médico, proceder-se-á à troca de
informação médica em condições de sigilo profissional.”.
90. Sucede, porém, que o Decreto-Lei n.º 73/90 de 6 de março foi revogado pelo
Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de Agosto (cfr. alínea a) do artigo 36º).
91. Porém, considerando o quadro normativo em vigor, bem como, os
procedimentos adotados nesta matéria pelas Administrações Regionais de
Saúde – cfr. a título de exemplo, a circular normativa n.º 2 CD, de 19/01/2009
da ARS Lisboa e Vale do Tejo e a circular normativa n.º 2, de 30/03/2010, da
ARS Norte – o mesmo deve respeitar as regras impostas pelo Código de
Procedimento Administrativo.
92. Aliás, cumpre sublinhar que o ACES em causa tinha conhecimento efetivo
destas regras, porque as mesmas constavam da referida circular da ARS
Lisboa e Vale do Tejo.
93. Deste modo, a exclusão do utente a pedido do médico, deve ser decidida pelo
Diretor Executivo do ACES.
94. Para esse efeito, o processo deve iniciar-se com o requerimento do médico
dirigido ao Diretor Executivo, onde sejam explicitados, de forma fundamentada,
os motivos da quebra de confiança (circunstancialismo de tempo, modo e
19
lugar) e, bem assim, da insustentabilidade da relação estabelecida com o
utente e manutenção do mesmo na sua lista/ficheiro médico;
95. Na preparação da decisão, o Diretor Executivo do ACES deve dar cumprimento
ao disposto nos artigos 8º, 59º e 100º do CPA.
96. Assim, e face ao requerimento do médico, deve o Diretor Executivo do ACES
proceder à recolha de todos os elementos que possam contribuir para uma
decisão adequada;
97. Em especial, deve o Diretor Executivo assegurar a participação do utente na
formação da decisão que vier a ser tomada sobre o pedido do médico;
98. E proceder à audiência de todos os intervenientes – em especial, do médico e
do utente – sempre com observância do princípio do contraditório.
99. Nos termos dos art. 59º e 100º do CPA, finda a fase de instrução, os
interessados devem ser notificados do sentido provável da decisão final para
efeitos de audiência prévia.
100. Terminada esta fase, caberá ao Diretor Executivo tomar a decisão final –
sempre fundamentada, nos termos do disposto nos artigos 124º e 125º do CPA
– deferindo ou indeferindo a pretensão do médico.
101. Esta decisão deverá ser notificada ao médico e ao utente, para que estes
possam, querendo, interpor recurso hierárquico e/ou recurso judicial.
102. Por fim, e no caso de deferimento do pedido apresentado pelo médico, a
exclusão do utente da sua lista só deve ser efetuada quando a decisão se
tornar definitiva.
103. E nesse caso, o utente em causa deverá ser imediatamente transferido para
uma lista de outro médico.
III.4. Da prescrição médica
104. Nos termos do n.º 4 do artigo 120º do Decreto-Lei n.º 176/2006 de 30 de
agosto, “A prescrição de medicamentos é feita por via eletrónica ou, em casos
excecionais, por via manual, sendo definidas por portaria do membro do
Governo responsável pela área da saúde as regras de prescrição e modelos de
receita médica, a informação sobre os medicamentos de preço mais baixo
disponíveis no mercado, bem como a indicação da opção por parte do doente,
face a eventual alteração do medicamento a ser vendido na farmácia”.
20
105. Esta norma (que foi alterada pela Lei n.º 11/2012, de 8 de março, a qual
estabeleceu as novas regras de prescrição e dispensa de medicamentos)
define, como regra, a prescrição eletrónica de medicamentos (PEM), relegando
a via manual para casos excecionais.
106. A Portaria n.º 137-A/2012, de 11 de maio (alterada pela Portaria n.º 224-
A/2013, de 9 de julho), estabelece o regime jurídico a que obedecem as regras
de prescrição de medicamentos, os modelos de receita médica e as condições
de dispensa de medicamentos, e define as obrigações de informação a prestar
aos utentes.
107. Com interesse para a apreciação dos factos nos presentes autos, a Portaria
n.º 137-A/2012, no seu artigo 3º, define “Prescrição por via eletrónica”, como “a
prescrição de medicamentos resultante da utilização de soluções ou
equipamentos informáticos” e “Prescrição por via manual” como “a prescrição
de medicamentos efetuada em documento pré-impresso”.
108. Nos termos do n.º 3 do artigo 5º da Portaria n.º 137-A/2012, “A prescrição de
medicamentos é feita por via eletrónica, sem prejuízo de, excecionalmente e
nos casos previstos no artigo 8.º da presente portaria, poder ser feita por via
manual.”.
109. Por sua vez, nos termos do artigo 8º do mesmo diploma legal, “A prescrição
de medicamentos pode, excecionalmente, realizar-se por via manual nas
seguintes situações:
a) Falência do sistema informático;
b) Inadaptação fundamentada do prescritor, previamente confirmada e
validada anualmente pela respetiva Ordem profissional;
c) Prescrição ao domicílio;
d) Outras situações até um máximo de 40 receitas médicas por mês.”
110. Nos termos do n.º 1 do artigo 16º da Portaria em análise, “O INFARMED, I.
P., e a ACSS definem, aprovam conjuntamente e publicam nas respetivas
páginas eletrónicas, as normas técnicas relativas à prescrição, dispensa,
conferência, e identificação do prescritor e do utente, e a calendarização e
especificações técnicas para inclusão faseada da informação prevista nos n.os
1 e 9 do artigo 5.º”.
111. Estas normas foram publicitadas pelo Infarmed e pela ACSS através de
circular informativa conjunta n.º 04/INFARMED/ACSS, de 20/12/2012.
21
112. De acordo com o ponto 2 destas normas, “a prescrição de medicamento
deve ser efectuada de forma eletrónica com objetivo de aumentar a segurança
no processo de prescrição e dispensa, facilitar a comunicação entre
profissionais de saúde de diferentes instituições e agilizar processos”.
113. De acordo com o ponto 7º, a prescrição manual é apenas permitida em
situações excecionais, conforme o disposto no artigo 8º da Portaria n.º 137-
A/2012.
114. Por último, importa referir que, nos termos do n.º 5 do artigo 17º da Portaria
n.º 137-A/2012, “A ocorrência de desconformidades nos sistemas informáticos
deverá ser comunicada aos SPMS, E. P. E., sendo estas publicadas até à
demonstração da sua correção pelo respetivo fornecedor”;
115. E que, de acordo com a nota de serviço n.º 168/2013 emitida pelo ACES
Lisboa Norte, “Qualquer problema de acesso à PEM deve ser comunicado à
Direcção Executiva ou ao serviço informático, conforme o caso”, em
conformidade com as indicações transmitidas pela ARS Lisboa e Vale do Tejo.
116. Em todo o caso, independentemente da forma como a prescrição é efetuada
e como os procedimentos são seguidos nas diferentes unidades de saúde,
certo é que estes procedimentos não podem afetar ou prejudicar os utentes.
III.5. Análise da situação concreta
117. A análise da situação concreta será efetuada, tendo em consideração cada
uma das duas questões acima identificadas:
i. Se a decisão de retirar a médica de família à reclamante e ao seu
agregado familiar é legítima e legal e, bem assim, se o direito de
reclamação da utente foi respeitado e assegurado;
ii. Se os procedimentos de prescrição médica estão a ser cumpridos
pelas unidades abrangidas no caso em apreço.
III.5.1 Acesso a médico de família e direito de reclamação
118. De acordo com os factos apurados em sede de instrução do presente
processo de inquérito, no dia 14 de março de 2014, a utente C(…) deslocou-se
ao Centro de Saúde do Lumiar, para solicitar uma receita médica para a sua
mãe, D(…).
22
119. Uma vez que a receita médica que, então, lhe foi entregue não servia os
propósitos da utente, a mesma regressou ao centro de saúde no dia 18 (e por
duas vezes), 19, 20 e 21 de março de 2014 (neste último dia, também por duas
vezes), sem conseguir obter uma receita médica, que lhe permitisse adquirir na
farmácia os medicamentos necessários para a sua mãe.
120. Esse problema só viria a ser definitivamente resolvido no dia 4 de abril de
2014.
121. Por se ter deslocado sete vezes ao centro de saúde para obter a dita receita e
sem conseguir que o centro de saúde lhe resolvesse o problema, a utente em
causa decidiu apresentar uma reclamação formal no livro de reclamações
próprio ali existente.
122. Importa desde já sublinhar que, independentemente da motivação da utente,
o acesso ao livro de reclamações não pode ser limitado e toda e qualquer
reclamação deve ser devidamente tratada – ou seja, devem ser apurados os
factos descritos e deve ser tomada uma decisão sobre os mesmos.
123. Para além disso, e tal como acima se deixou expresso, o direito de
reclamação deve ser exercido livremente pelo utente, enquanto manifestação
do direito de participação ativa na organização do sistema de saúde, e, nessa
medida, não pode ser limitado – quer no momento do seu exercício, quer numa
fase posterior.
124. Desta forma, não pode ser o utente perturbado, prejudicado ou sancionado
por ter exercido o seu direito à reclamação e participação – a não ser que,
através da reclamação apresentada, o utente tenha violado a Lei e/ou os
direitos e interesses de terceiros (por exemplo, no caso de se servir desse
meio para injuriar ou difamar alguém, ofendendo a sua honra e consideração).
125. No caso em apreço, o teor da reclamação é perfeitamente legítimo,
considerando o histórico que a antecedeu e motivou, e, sobretudo, um
contributo relevante para a resolução do problema detetado com a prescrição
de receitas e para a melhoria da organização do centro de saúde e da
qualidade dos serviços aí prestados.
126. No mesmo dia em que a reclamação foi apresentada - 21 de março de 2014 -
a médica de família da reclamante remeteu um requerimento à Coordenadora
da UCSP do Lumiar, onde solicita o seguinte:
23
“Por considerar haver perda de confiança e empatia para com a
utente Sra. C(…) com o n.º(…), solicito que a partir da presente data,
lhe seja atribuído outro M. F., bem como ao restante agregado
familiar”.
127. Ainda nesse dia, a médica de família remeteu outra informação à
Coordenadora da UCSP Lumiar, com o seguinte teor:
“Em resposta à reclamação n.º 17 e 18 de 2014-03-21, confirmo que
prescrevi manualmente o receituário da Sr.ª D. D(…), por não ter
conseguido fazê-lo informaticamente”.
128. Conforme informação prestada pela Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte
nos presentes autos, sempre que um médico apresenta um pedido para
atribuição de novo médico de família a um utente, o procedimento habitual da
direção do ACES é executar essa transferência.
129. Porém, e tal como acima se referiu, a alteração de médico de família com
base na quebra de confiança entre médico e utente, só se justifica em casos
excecionais – o que não sucedeu no caso em apreço nos presentes autos.
130. O teor da reclamação apresentada pela utente tem fundamento objetivo – de
tal forma que o problema aí descrito e referente à impossibilidade de entrega
de prescrição médica, é confirmado pelo próprio ACES.
131. Razão pela qual, não se exclui a possibilidade de que, e in casu, o
requerimento da médica em causa poderia ter sido liminarmente apreciado e
indeferido.
132. Acresce ainda que a reclamação foi apresentada por uma utente – não por
todos os elementos que constituem o seu agregado familiar.
133. Logo, ainda que houvesse motivo suficiente para fundamentar a alteração de
médico de família, certo é que a quebra de confiança nunca poderia ser
estendida aos restantes elementos do agregado familiar da utente que
apresentou a reclamação.
134. Tendo em consideração estes factos, cumpre ainda afirmar que a utente
exerceu um direito que lhe é reconhecido por Lei: o direito de participação e de
reclamação.
135. E, como vimos acima, o exercício desse direito não pode ser limitado pelo
prestador, nem sancionado por este. Ora,
24
136. Se a reclamação tem um fundamento que a justifica – e que é reconhecido
pelo ACES;
137. Se a reclamação é o meio adequado e previsto na Lei para um utente
apresentar a sua discordância quanto à forma como um determinado serviço
lhe foi prestado;
138. Não só não há qualquer justificação para que tal reclamação possa ser
interpretada como suficiente para motivar uma quebra de confiança na relação
estabelecida entre a utente e a sua médica de família;
139. Como não é aceitável que, após a apresentação da reclamação, a utente seja
confrontada com o facto dela e do seu agregado familiar, ficarem sem médico
de família.
140. É que, efetivamente, foi isso que aconteceu. Na verdade,
141. Através do ofício n.º 115 GC, de 29/04/2014, enviado pela Diretora Executiva
do ACES Lisboa Norte à reclamante, com a referência “assunto: resposta à
reclamação n.º 17 de 21 de Março de 2014 da UCSP Lumiar”, foi esta
informada do seguinte:
“Recebemos a sua exposição registada no Livro de Reclamações da
UCSP Lumiar a 21 de Março, a qual nos mereceu a melhor atenção.
Verificamos, após contacto da parte do Gabinete Local do Cidadão, e
posterior consulta com a Coordenadora Clínica, que a situação ficou
resolvida.
Informamos que, a sua médica considerou ter-se quebrado a relação
de confiança profissional, pelo que o seu agregado familiar
actualmente não tem médico de família atribuído, podendo, no
entanto, recorrer a consulta de recurso sempre que necessitar, assim
como á consulta de Diabetes existente nesta Unidade de Saúde.
[…]”.
142. Esta foi a informação conferida à utente, em função da reclamação
apresentada (cfr. o assunto em referência no dito ofício): atualmente não tem
médico de família atribuído, podendo recorrer a consulta de recurso quando
necessitar.
143. Este comportamento do prestador, de retirar o médico de família à utente e ao
seu agregado familiar, na sequência de uma reclamação (que, repete-se, é
25
perfeitamente legítima), configura uma limitação ao exercício dos direitos de
reclamação e participação da utente.
144. Como é evidente, este comportamento é um potencial fator de inibição para
qualquer utente, que no futuro pretenda expressar-se sobre um determinado
procedimento que considera incorreto por parte daquele prestador.
145. Se a consequência da apresentação de uma reclamação é ficar sem médico
de família, numa altura em que milhares de utentes não têm acesso a médico
de família, tal facto pode inibir um qualquer utente de poder exercer os seus
direitos.
146. Acresce ainda que, para este efeito, o ACES Lisboa Norte nem sequer
cumpriu a Lei.
147. Conforme acima se expôs, o pedido da médica de família deveria estar
suficientemente fundamentado – e não está.
148. Não basta à médica alegar que considera “haver perda de confiança e
empatia” para se justificar a atribuição de outro médico de família.
149. Seria necessário descrever factos concretos que permitissem formular a
conclusão da “perda de confiança e empatia”.
150. E seria necessário que o ACES Lisboa Norte procurasse outros elementos de
prova que pudessem sustentar, ou não, semelhantes conclusões.
151. Nada disto foi feito: depois de ter recebido o requerimento da médica, o ACES
Lisboa Norte não providenciou por nenhum ato instrutório, e nem sequer ouviu
a utente ou o seu agregado familiar, tendo-se limitado a aceitar as conclusões
da médica e deferido o seu pedido.
152. O ACES Lisboa Norte deveria ter procedido à audiência prévia dos
interessados: ou seja, deveria ter notificado a utente, o seu agregado familiar e
a médica em causa, do sentido provável da decisão, conferindo-lhes um prazo
para se pronunciarem sobre esta.
153. Por fim, tomada a decisão definitiva, o ACES Lisboa Norte deveria ter
notificado todos os interessados do teor da mesma, bem como, da
possibilidade que lhes assistia de, querendo, apresentarem o competente
recurso hierárquico ou ação judicial.
154. O ACES Lisboa Norte limitou-se a deferir o pedido da médica, sem apreciar
os seus fundamentos, sem conferir oportunidade à reclamante e ao seu
26
agregado familiar de se pronunciarem, de exercerem o direito ao contraditório e
sem os informar dos direitos que lhes assistiam para impugnar a decisão.
155. O ACES Lisboa Norte não respeitou as normas supra citadas do Código de
Procedimento Administrativo, nem tão pouco a orientação que, a este respeito,
lhe foi dirigida pela ARS de Lisboa e Vale do Tejo.
156. Para além disso, o ACES Lisboa Norte afirma que a sua intenção foi apenas
de deferir o pedido da médica e inscrever a utente e o seu agregado familiar na
lista de outro médico de família, e não a exclusão tout court do acesso a
médico de família.
157. Porém, não foi isso que sucedeu.
158. A utente e o seu agregado familiar ficaram, efetivamente, sem médico de
família até 18 de junho de 2014, data em que o ACES Lisboa Norte enviou
novo ofício à utente, com a informação da sua inscrição na lista de outra
médica de família.
159. Alega o ACES Lisboa Norte que, “devido à dificuldade de recursos médicos
mas também à integração de 2 médicos de família vindos de outra Unidade a
partir de 1 de junho, o que falhou […] foi comunicar que essa situação era
transitória e de cerca de um mês de duração”;
160. Mais refere que, no ofício n.º 115 GC, de 29/04/2014 enviado à utente, foi
omitido um parágrafo que é normalmente utilizado em casos semelhantes –
“Ficará a aguardar a oportunidade de lhe ser atribuído novo Médico de
Família”.
161. Não obstante, e mesmo que estas justificações fossem verdadeiras, certo é
que, ainda assim, o comportamento do prestador é inaceitável.
162. É que, ainda que houvesse fundamento para o deferimento do pedido da
médica de família, o mesmo só deveria produzir efeitos quando estivessem
reunidas as condições para que a reclamante e o seu agregado familiar
pudessem integrar a lista de outro médico de família.
163. O que nunca poderia ter acontecido era a reclamante e o seu agregado
familiar ficarem sem médico de família, mesmo que tal situação fosse
meramente provisória.
164. Por último, não se percebe a razão pela qual o agregado familiar da utente
também é afetado pela decisão proferida pelo ACES Lisboa Norte.
27
165. Se o que fundamenta a alegada quebra de confiança é o comportamento da
utente que apresentou a reclamação, não há motivo algum para que o seu
agregado familiar também seja afetado por essa quebra de confiança.
166. Tratou-se, pois, de uma decisão desproporcionada e que não se encontra
minimamente fundamentada, mas que produz efeitos nefastos no que respeita
ao exercício, livre, do direito de participação e reclamação dos utentes, bem
como, do direito de acesso à saúde.
167. Pelo exposto o ACES Lisboa Norte não respeitou o direito de acesso à saúde
da utente e o seu agregado familiar, bem como, o direito de participação e
reclamação daquela, nos termos acima expostos.
III.5.2 Procedimentos de prescrição médica
168. Conforme acima descrito, no dia 14 de março de 2014, a utente C(…)
deslocou-se ao Centro de Saúde do Lumiar, para solicitar uma receita médica
para a sua mãe, D(…).
169. Nessa data conseguiu obter a desejada receita, mas a mesma não serviu os
seus propósitos quando a utente se deslocou à farmácia.
170. Assim, e para tentar corrigir a dita receita, a utente regressou mais seis
vezes ao centro de saúde (no dia 18, e por duas vezes, 19, 20 e 21 de março
de 2014, neste último dia, também por duas vezes) sem conseguir obter uma
receita médica, que lhe permitisse adquirir na farmácia os medicamentos
necessários para a sua mãe.
171. Esse problema só viria a ser definitivamente resolvido no dia 4 de abril de
2014, e já depois da utente ter apresentado uma reclamação no livro de
reclamações do centro de saúde (e de, como vimos, ter ficado sem médico de
família).
172. Conforme informações prestadas nos presentes autos pelo ACES Lisboa
Norte, as dificuldades de emissão da receita eletrónica deveram-se a
problemas nas plataformas informáticas utilizadas pelos profissionais de saúde.
173. De acordo com as orientações da ARS Lisboa e Vale do Tejo para a
funcionalidade da prescrição eletrónica de medicamentos, através do Sistema
de Apoio Médico (SAM), remetidas por mail ao ACES Lisboa Norte em 26 de
agosto de 2013, no caso de algum profissional identificar um problema na
utilização da plataforma, deve proceder de acordo com o circuito de
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comunicação estabelecido, reportando a situação aos serviços do ACES
competente.
174. De acordo com a nota de serviço n.º 168/2013 de 27 de agosto de 2013,
emitida pela Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte aos médicos de família
e secretariados administrativos de todas as unidades que o compõem, “[…]
qualquer problema de acesso à PEM deve ser comunicado à Direcção
Executiva ou ao serviço informático, conforme o caso.”
175. No caso do ACES Lisboa Norte, e de acordo com a informação prestada pela
própria Diretora Executiva, “As situações de dificuldade de utilização dos
sistemas informáticos são reportadas de imediato pela Responsável
Administrativa de cada Unidade para o Servidesk da ARSLVT em simultâneo
com o conhecimento da Direcção e do Responsável e dos Informáticos da
UAG (unidade de Apoio à Gestão).”.
176. Considerando este contexto, existindo dificuldades no acesso à plataforma
informática e não sendo possível a emissão da prescrição necessária, o centro
de saúde e os seus profissionais, deveriam ter procedido em conformidade
com as regras em vigor – reportar imediatamente a dificuldade às entidades
competentes (Direção Executiva do ACES Lisboa Norte, Servidesk da ARS de
Lisboa e Vale do Tejo, Unidade de Apoio à Gestão e SPMS, EPE).
177. Porém, essa comunicação não foi feita quando o problema informático que
impedia a prescrição eletrónica foi verificado.
178. Acresce ainda que, como vimos acima, embora a regra seja a de prescrição
eletrónica de medicamentos, a mesma pode realizar-se por via manual no caso
de falência do sistema informático.
179. Esta regra prevista na lei visa acautelar os interesses dos utentes – se o
sistema informático não funcionar, e para que aqueles não sejam prejudicados,
as receitas necessárias poderão ser preenchidas manualmente.
180. Deste modo, não se vislumbra qualquer motivo minimamente razoável para
justificar o facto da utente em causa se ter dirigido por sete vezes ao centro de
saúde, para obter uma receita com as finalidades acima identificadas, sem o
ter conseguido.
181. Qualquer problema que se verificasse ao nível informático no centro de
saúde, deveria ser resolvido internamente e/ou reportado às entidades
competentes.
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182. Mas a utente não poderia, nunca, ser prejudicada por essa falha.
183. E também no que respeita a estes factos, importa concluir que os mesmos
impactaram com o direito de acesso aos cuidados de saúde, neste caso, da
mãe da reclamante, o que, para futuro, deve ser evitado.
IV. AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
184. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados,
nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 101.º do Código do
Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 24.º dos Estatutos da
ERS, tendo para o efeito sido chamados a pronunciar-se, relativamente ao
projeto de deliberação da ERS, as utentes, a Unidade de Cuidados de Saúde
Personalizados do Lumiar, o ACES Lisboa Norte e a ARS Lisboa e Vale do
Tejo.
185. Decorrido o prazo concedido para a referida pronúncia, a ERS rececionou a
pronúncia da ARS Lisboa e Vale do Tejo, em 21 de outubro de 2014, e a
pronúncia do ACES Lisboa Norte, em 29 de outubro de 2014.
186. Relativamente às utentes e à Unidade de Cuidados de Saúde
Personalizados do Lumiar, a ERS não foi notificada de qualquer pronúncia,
seja no decurso do prazo legal para o efeito, seja até o presente momento,
desconhecendo-se qualquer tomada de posição das mesmas sobre a matéria.
187. Conforme resulta do teor da pronúncia da ARS Lisboa e Vale do Tejo, esta
entidade veio apenas manifestar a sua preocupação com o objeto dos
presentes autos, informando que está a ser preparada uma atualização da
Circular Normativa 2CD/2009, “a qual incorporará, para além das inovações
introduzidas nos processos e na organização neste lapso temporal,
recomendações de índole ética profissional e organizacional, ouvida a
Comissão de Ética da ARSLVT, IP”.
188. Mais afirma que estará a “tratar de integrar uma avaliação dos
procedimentos mencionados na supra mencionada circular – com as devidas
atualizações – numa auditoria que em preparação pelo Gabinete de Auditoria
Interna desta ARS sob o tema do Sistema de Controlo Interno dos ACES.”.
189. Conforme resulta do teor desta a pronúncia, é afirmado que o ACES Lisboa
Norte e a USCP Lumiar “asseguram sempre e sem qualquer dúvida, o acesso
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a todos os meios de participação e de queixa (em que está incluído o acesso à
utilização do Livro de Reclamações);
190. Mais se afirma que “O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar nunca
limitaram qualquer exercício dos direitos de participação e reclamação dos
Utentes”.
191. Para além disso, o ACES Lisboa Norte vem indicar alterações no que
respeita a procedimentos internos, relativamente a futuros pedidos de
alteração/exclusão de utentes de listas de médicos de família, afirmando que
“quando, no futuro, um profissional de saúde alegar quebra de confiança na
relação estabelecida com um Utente, neste caso, um Médico de Família em
relação a um Utente inscrito no seu ficheiro, vai passar a ser dado
conhecimento ao utente e solicitado o contraditório. Da decisão definitiva será
informado o Utente que lhe assiste o recurso hierárquico e judicial, para
impugnação da decisão administrativa assim proferida”.
192. Mais afirma que as perturbações eletrónicas que se fizeram sentir no
SINUS/SAM, na altura em que ocorreu o evento em discussão nos autos, foi
participada ao servidesk da ARSLVT;
193. Também nessa altura aposentaram-se, em simultâneo, 3 assistentes
técnicas na UCSP do Lumiar, “que a deixaram depauperada e com apoio
administrativo inexperiente (não havendo qualquer possibilidade de colmatar
essas insuficiências por dificuldades idênticas nas restantes Unidades).
194. Para além disso, afirma ainda o ACES Lisboa Norte que a prescrição
eletrónica de medicamentos acarretou enormes dificuldades de implementação
“por motivos alheios ao ACES”.
195. Por fim, e depois de aceitar o teor do projeto de deliberação que lhe foi
notificado, o ACES Lisboa Norte remete aos presentes autos, cópia da minuta
de carta a ser enviada aos utentes, nos casos em que os respetivos médicos
de família solicitem a respetiva exclusão das suas listas de utentes, com o
seguinte texto:
“Informamos que foi solicitado pelo V. actual Médico de Família, a exclusão do
V. agregado Familiar, do respectivo ficheiro médico.
Dado que lhe será garantida a inscrição em novo Médico de Família na mesma
Unidade, queira V. Exa. proferir o contraditório que entender, ao referido
pedido.
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Da V. comunicação (em contraditório) e do pedido do V. actual Médico de
Família será ponderada a decisão final pela Direcção Executiva do ACES.
Dessa decisão ser-lhe-á dada o devido conhecimento, podendo ainda recorrer
a nível hierárquico ou judicial. […]”
196. A este propósito, cumpre apenas referir que o texto em causa cumpre,
efetivamente, as normas em vigor, bem como, os direitos do utente, tal como
exposto no projeto de deliberação que foi notificado ao ACES Lisboa Norte.
197. Visto o alegado em audiência dos interessados, não resulta contudo
eliminada a necessidade de adequação do comportamento dos prestadores,
porquanto não foram trazidos ao conhecimento da ERS quaisquer factos
capazes de infirmar ou alterar o sentido do projeto de deliberação da ERS, pelo
que deve o seu conteúdo ser mantido na íntegra.
V. DECISÃO
198. Tudo visto e ponderado, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos
termos e para os efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 19º dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto,
emitir uma instrução ao ACES Lisboa Norte e à UCSP do Lumiar, nos
seguintes termos:
(i) O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem assegurar o
cumprimento de todos os procedimentos necessários para que os
utentes possam exercer livremente o seu direito de participação e
queixa;
(ii) O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar não podem limitar ou
sancionar o exercício dos direitos de participação e reclamação dos
utentes;
(iii) Sempre que um profissional de saúde alegar quebra de confiança na
relação estabelecida com um utente e, com esse fundamento, solicitar a
exclusão do referido utente da sua lista, o ACES Lisboa Norte e a
UCSP do Lumiar devem garantir a aplicação, respeito e cumprimento
de todas as regras e princípios legalmente estabelecidos, em especial,
garantir o princípio do contraditório do utente, bem como, depois de
emitir a decisão definitiva sobre aquele pedido, informar os interessados
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dos direitos que lhes assistem de recurso hierárquico e judicial, para
impugnação da decisão administrativa assim proferida;
(iv) Caso seja confirmada a quebra de confiança na relação estabelecida
entre o profissional de saúde e o utente, o ACES Lisboa Norte e a
UCSP do Lumiar só podem aplicar e tornar efetiva a decisão de
exclusão do utente da lista daquele médico, quando providenciarem
pela transferência do utente para a lista de outro médico de família,
sendo certo que em caso algum os utentes podem ficar sem médico de
família, ainda que temporariamente.
(v) O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem cumprir todos os
procedimentos e regras em vigor no que respeita à prescrição
eletrónica de medicamentos;
(vi) Sempre que o sistema informático não permitir a utilização da
prescrição eletrónica de medicamentos ou revelar qualquer falha, o
ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem garantir que são
cumpridos todos os procedimentos de comunicação imediata às
entidades competentes, para resolução rápida e eficaz do problema;
(vii) Se um utente necessitar de uma prescrição médica e, por qualquer
motivo, não for possível nesse momento recorrer à prescrição
eletrónica, o ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem garantir
que todos os profissionais cumpram a Lei e, bem assim, recorram de
imediato à prescrição manual, por forma a que os utentes não sejam
prejudicados.
(viii) O ACES Lisboa Norte e a UCSP Lumiar devem garantir o
cumprimento imediato da presente instrução e, no prazo máximo de 30
dias após a notificação desta deliberação, devem dar conhecimento à
ERS dos procedimentos adotados para o efeito.
199. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º
1 do artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto, configura como contraordenação punível, in casu
com coima de 1000,00 EUR a 44 891,81 EUR, “[….] o desrespeito de norma ou
de decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes regulamentares, de
supervisão ou sancionatórios, determinem qualquer obrigação ou proibição,
previstos nos artigos 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 22º e 23º.”.
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200. Mais delibera o Conselho de Administração da ERS, nos termos e para os
efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 19º e na alínea a) do artigo 24º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto, emitir uma recomendação à Administração Regional de Saúde de
Lisboa e Vale do Tejo, IP, para que, à luz das regras aplicáveis nesta matéria,
seja considerada a (eventual) necessidade de avaliação dos procedimentos da
Circular supra referenciada e que os mesmos sejam divulgados pelos ACES e
Centros de Saúde da sua área de referência.
201. Será dado conhecimento da presente deliberação à Ordem dos Médicos.
202. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio
oficial da Entidade Reguladora da Saúde na Internet.
O Conselho de Administração