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1 DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL) Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social; Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; Visto o processo registado sob o n.º ERS/036/14; I. DO PROCESSO I.1. Origem do processo 1. A ERS tomou conhecimento em 28 de maio de 2014 de uma notícia veiculada pelos meios de comunicação social, que dava conta de uma utente da Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados do Lumiar (Centro de Saúde do Lumiar) que perdeu a sua médica de família, depois de ter apresentado uma reclamação no livro de reclamações. 2. Ainda de acordo com a dita notícia, a Diretora do Agrupamento de Centros de Saúde Lisboa Norte (ACES Lisboa Norte) teria afirmado que a médica em causa se teria sentido ofendida com a reclamação e que a ausência de médico de família era uma situação temporária. 3. Após análise preliminar no âmbito do processo de avaliação n.º AV/225/14, e perante a necessidade de uma averiguação mais aprofundada, o então

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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA

ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE

(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)

Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde exerce funções de regulação, de

supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades

económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social;

Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo

5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;

Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde

estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º

126/2014, de 22 de agosto;

Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde

estabelecidos no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º

126/2014, de 22 de agosto;

Visto o processo registado sob o n.º ERS/036/14;

I. DO PROCESSO

I.1. Origem do processo

1. A ERS tomou conhecimento em 28 de maio de 2014 de uma notícia veiculada

pelos meios de comunicação social, que dava conta de uma utente da Unidade

de Cuidados de Saúde Personalizados do Lumiar (Centro de Saúde do Lumiar)

que perdeu a sua médica de família, depois de ter apresentado uma

reclamação no livro de reclamações.

2. Ainda de acordo com a dita notícia, a Diretora do Agrupamento de Centros de

Saúde Lisboa Norte (ACES Lisboa Norte) teria afirmado que a médica em

causa se teria sentido ofendida com a reclamação e que a ausência de médico

de família era uma situação temporária.

3. Após análise preliminar no âmbito do processo de avaliação n.º AV/225/14, e

perante a necessidade de uma averiguação mais aprofundada, o então

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Conselho Diretivo da ERS, deliberou, em 25 de junho de 2014, a abertura do

processo de inquérito n.º ERS/036/14.

I.2. Diligências

4. Em sede de apuramento dos factos tal como expostos, realizaram-se as

seguintes diligências de obtenção de prova:

i. pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados

(SRER) da ERS, confirmando-se o registo do Centro de Saúde do

Lumiar, sob o n.º 109853, sito na Alameda das Linhas das Torres, 243,

1750 – 144 Lisboa;

ii. pedidos de informação à Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte

datados de 29 de maio e 10 de julho de 2014, respondidos em 2 de

junho e 28 de julho de 2014.

I.3. Dos elementos recolhidos em sede das diligências instrutórias

5. Na sequência da notícia que deu origem aos presentes autos e por ofício

datado de 29 de maio de 2014, foi solicitado à Diretora Executiva do ACES

Lisboa Norte:

i. Que se pronunciassem, de forma fundamentada e, se possível,

acompanhada de elementos documentais, sobre a situação descrita na

referida notícia;

ii. Explicitasse o motivo que terá determinado as dificuldades de emissão

da receita à utente e, bem assim, se a situação já se encontrava

resolvida;

iii. Enviasse cópia da notificação remetida à utente, através da qual lhe foi

dado conhecimento de que ficaria sem médica de família;

iv. Explicitasse as razões que motivam, em geral, a recusa ou cessação de

atribuição de médico de família aos utentes;

v. Explicitasse quais os motivos para, no caso concreto, ter sido retirada a

médica de família à utente;

vi. Envio de todos os esclarecimentos complementares julgados

necessários e relevantes à análise da situação em presença.

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6. Por ofício remetido à ERS a 2 de junho de 2014, a Diretora Executiva do ACES

veio responder ao referido pedido de informações, alegando, em suma, o

seguinte:

i. "Os Utentes utilizam (e é-lhes proporcionado) o acesso fácil ao Livro de

Reclamações”;

ii. “O Livro de Reclamações também é utilizado com alguma frequência

para comunicar uma dificuldade na utilização dos serviços que

necessite de esclarecimento ou resolução, e nem sempre tem um

conteúdo de reclamação”;

iii. “[…] por vezes verifica-se que o Médico entende que os termos da

Reclamação originam uma quebra de confiança que vai interferir, no

futuro, no bom clima da comunicação Médico-Doente, tão necessária à

prática de Medicina Geral e Familiar.”;

iv. “Pode então acontecer que emita um pedido fundamentado ao Director

Executivo, para transferência desse Utente (ou do seu agregado

familiar) para outro ficheiro médico. O Director deve ponderar a

situação, e decidir”;

v. “Assim, neste caso e devido à dificuldade de recursos médicos mas

também a integração de 2 médicos de família vindos de outra Unidade

a partir de 1 de junho, o que falhou (e para qual foram solicitados

publicamente as nossas desculpas) foi comunicar que essa situação

era transitória e de cerca de um mês de duração”;

vi. “Foi comunicado, conforme texto emanado à Utente, de como

entretanto poderia ser consultada no Centro de Saúde […]”;

vii. “As dificuldades de emissão da receita prenderam-se com a adaptação

à PEM, que não tem sido fácil, prejudicada nessa altura pela

interrupção repetida e intermitente do sistema SINUS/SAM que

perdurou todo o mês de Março e ainda em Abril e Maio, nessa

Unidade.”.

7. Juntamente a este ofício foram anexados cópias dos seguintes elementos:

i. Circular Normativa n.º 2CD, de 10.01.2009 da ARS Lisboa e Vale do

Tejo;

ii. Reclamação n.º 17 e 18, de 21 de março, apresentada pela utente no

livro de reclamações da UCSP Lumiar;

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iii. Cópia de requerimento da médica de família da reclamante, dirigido à

Coordenadora da UCSP Lumiar;

iv. Ofício enviado pelo ACES Lisboa Norte à utente, em 29.04.2014;

8. Já no âmbito do presente ERS/036/14, foi efetuado novo pedido de

informações à Diretora Executiva do ACES, nos termos do qual se solicitava

que:

i. atendendo à Lei – em especial ao Código de Procedimento

Administrativo (CPA) e à Circular Normativa n.º 2CD, de 19/01/2009 da

Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P –

remetesse cópia do procedimento administrativo de alteração de

médico de família à reclamante e ao seu agregado familiar, contendo as

notificações, nos termos e paras os efeitos do disposto no artigo 100º

do CPA, e as respetivas respostas dos interessados;

ii. indicasse, juntando os documentos pertinentes, quais os procedimentos

em vigor no ACES Lisboa Norte para a emissão de receitas médicas,

quer no que respeita à utilização de sistemas informáticos, quer quanto

à emissão manual das referidas receitas, quando não é possível utilizar

os ditos sistemas informáticos;

iii. indicasse, juntando os documentos pertinentes, quais os procedimentos

em vigor no ACES Lisboa Norte para o registo e comunicação de

eventos adversos, incidências ou erros em programas informáticos;

9. Através de ofício remetido à ERS em 28 de julho de 2014, a Diretora Executiva

do ACES veio prestar, designadamente, as seguintes informações:

i. "A utente foi de imediato contactada, após a reclamação, para lhe ser

resolvida a situação da prescrição via eletrónica/informática”;

ii. “Em sede de audição interna, a Médica esclareceu que foi surpreendida

com uma recção não expectável na relação Médico-Utente estabelecida

até essa altura, e para além da justificação para o sucedido, solicitou a

necessidade do Utente ser transferido para novo ficheiro médico”;

iii. “O procedimento habitual da Direcção do ACES Lisboa Norte é a

atribuição de novo Médico de Família. Foi oficiado à Utente que ficaria

em situação de s/ médico e o que efectivamente falhou foi a omissão do

parágrafo que é habitual nestes casos: “Ficará a aguardar a

oportunidade de lhe ser atribuído novo Médico de Família”;

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iv. “Estando os ficheiros médicos completos (em média 1750

Utentes/Médico), a Direcção previa, como ocorreu, a integração na

Unidade, a partir do dia 1 de Junho, de Médicos e tinha conhecimento

que o período de transição “sem médico” seria breve. Mas dado não se

ter transmitido essa informação à Utente, ocorreu realmente uma falha

que originou a reacção da Utente e também o pedido de desculpas da

Direcção em transmissão directa na comunicação social”;

v. “A prescrição de receituário e a utilização da PEM, são assuntos

abordados em todas as reuniões com os Coordenadores das Unidades,

realizadas mensalmente com a Directora Executiva e a Presidente do

Conselho Clínico do ACES Lisboa Norte”;

vi. “As situações de dificuldade de utilização dos sistemas informáticos são

reportadas de imediato pela Responsável Administrativas de cada

Unidade para o Servidesk da ARSLVT em simultâneo com o

conhecimento da Direcção e do Responsável e dos Informáticos da

UAG (unidade de Apoio à Gestão). Essas dificuldades por vezes diárias

e repetidas (e no período em que ocorreu a situação em causa,

particularmente acentuadas na UCSP do Lumiar), são seguidas

atentamente até estarem resolvidas.”.

10. Juntamente a este ofício, foi anexo o Processo Administrativos, com cópias dos

seguintes elementos:

i. Ofício enviado à utente/reclamante em 18 de junho de 2014, com

indicação de nova ficha de identificação e registo de marcação de

consulta da UCSP do Lumiar, referente à utente D(…);

ii. Fichas de identificação das utentes em causa;

iii. Cópias de comunicações eletrónicas internas do ACES Lisboa Norte;

iv. Folha de registo de diligências do Gabinete do Cidadão do ACES

Lisboa Norte;

v. Ofício remetido à reclamante e referente à resposta à sua reclamação

apresentada em 21 de março de 2014;

vi. Pedido da médica de família, datado de 21 de março de 2014 e dirigido

à Coordenadora da UCSP do Lumiar, para que seja atribuído outro

médico de família à reclamante e ao seu agregado familiar;

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vii. Ofício remetido pela médica de família à Coordenadora da UCSP do

Lumiar em 21 de março de 2013, confirmando a prescrição manual da

receita à reclamante, por impossibilidade de prescrição informática;

viii. Nota de serviço n.º 248/2012 do ACES Lisboa Norte, de divulgação de

normas técnicas relativas à prescrição, aprovadas pelo Infarmed e

ACSS;

ix. Nota de serviço n.º 168/2013 do ACES Lisboa Norte, sobre prescrição

eletrónica de medicamentos

II. DOS FACTOS

11. No dia 14 de março de 2014, a utente C(…) deslocou-se ao Centro de Saúde

do Lumiar, para solicitar uma receita médica para a sua mãe, D(…).

12. Por indicação do próprio Centro de Saúde, a utente regressou no dia 18 de

março de 2014 para levantar a dita receita médica, a qual lhe foi entregue.

13. Nesse mesmo dia, a utente dirigiu-se a uma farmácia para adquirir os

medicamentos em causa, mas um deles não estava corretamente definido na

receita médica. Na verdade,

14. Segundo informação prestada à utente pela farmácia, um dos medicamentos

não continha as referências legalmente exigidas para a sua comparticipação.

15. A utente regressou ao Centro de Saúde para solicitar a retificação da receita,

tendo-lhe sido pedido que voltasse no dia 19 de março de 2014, a partir das

13h30.

16. A utente voltou ao Centro de Saúde no dia que lhe foi indicado, mas a receita

médica ainda não estava concluída.

17. A utente aguardou até às 16h10, altura em que teve de se ausentar, por

motivos pessoais, sem que a receita lhe fosse entregue, informando o Centro

de Saúde que voltaria no dia seguinte.

18. No dia 20 de março de 2014, a utente voltou ao Centro de Saúde, tendo sido

recebida pela médica, Dr.ª N(…), que lhe transmitiu que não tinham

conseguido retificar a receita por dificuldades informáticas, que a retificação

teria sido efetuada manualmente, mas que, naquele momento, não

conseguiam localizar as receitas.

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19. A utente regressou ao Centro de Saúde no dia 21 de março de 2014, tendo-lhe

sido entregues as receitas em causa, preenchidas manualmente para

cumprirem os requisitos legais e com a seguinte anotação da Dr.ª N(…): “Não

consegui tirar do computador, pedi ajuda a colegas, fiz como me explicaram,

mas com este novo programa não consegui fazer no computador. Se na

farmácia lhe aceitarem assim tudo bem, se não aceitarem não há nada a

fazer”.

20. Nesse dia, a utente voltou a deslocar-se à farmácia, mas a receita em causa

com os apontamentos inseridos manualmente, não foi aceite.

21. As dificuldades de emissão da receita por via eletrónica, prenderam-se com a

adaptação ao sistema, prejudicada nessa altura por falhas nos sistemas

SINUS/SAM.

22. A prescrição de receituário e a utilização da prescrição eletrónica médica são

temas abordados nas reuniões com os coordenadores das unidades do ACES

Lisboa Norte, realizadas mensalmente com a Diretora Executiva e a Presidente

do Conselho Clínico.

23. A utente regressou o Centro de Saúde nesse dia 21 de março de 2014, onde

apresentou uma reclamação no Livro de Reclamações, registada sob o número

17/18, descrevendo o sucedido, conforme cópia da reclamação anexada aos

presentes autos.

24. No mesmo dia 21 de março de 2014, a médica de família da reclamante,

remeteu à Coordenadora da UCSP do Lumiar, um requerimento, onde solicita

o seguinte:

“Por considerar haver perda de confiança e empatia para com a utente

Sra. C(…) com o n.º (…), solicito que a partir da presente data, lhe seja

atribuído outro M. F., bem como ao restante agregado familiar”.

25. Nestes casos, em função do requerimento apresentado pela médica, o

procedimento habitual da direção do ACES Lisboa Norte é a atribuição de novo

médico de família aos utentes.

26. Ainda nesse dia 21 de março de 2014, a médica de família enviou à

Coordenadora da UCSP Lumiar uma informação, com o seguinte teor:

“Em resposta à reclamação n.º 17 e 18 de 2014-03-21, confirmo que

prescrevi manualmente o receituário da Sr.ª D. D(…), por não ter

conseguido fazê-lo informaticamente”.

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27. No dia 3 de abril de 2014 os serviços administrativos da UCSP Lumiar

contactaram a reclamante, informando-a que poderia recorrer à consulta da

Dr.ª I(…), para a prescrição da receita pretendida.

28. No dia 4 de abril de 2014, a reclamante foi atendida pela Dr.ª I(…) –

Coordenadora da UCSP Lumiar – e a receita foi emitida, por via eletrónica e

em conformidade com a Lei.

29. Através do ofício n.º 115 GC, de 29/04/2014, enviado pela Diretora Executiva

do ACES Lisboa Norte à reclamante, com a referência “assunto: resposta à

reclamação n.º 17 de 21 de Março de 2014 da UCSP Lumiar”, foi esta

informada do seguinte:

“Recebemos a sua exposição registada no Livro de Reclamações da

UCSP Lumiar a 21 de Março, a qual nos mereceu a melhor atenção.

Verificamos, após contacto da parte do Gabinete Local do Cidadão, e

posterior consulta com a Coordenadora Clínica, que a situação ficou

resolvida.

Informamos que, a sua médica considerou ter-se quebrado a relação de

confiança profissional, pelo que o seu agregado familiar actualmente não

tem médico de família atribuído, podendo, no entanto, recorrer a consulta

de recurso sempre que necessitar, assim como à consulta de Diabetes

existente nesta Unidade de Saúde. […]”.

30. De acordo com as orientações da ARS Lisboa e Vale do Tejo para a

funcionalidade da prescrição eletrónica de medicamentos, através do Sistema

de Apoio Médico (SAM), remetidas por mail ao ACES Lisboa Norte em 26 de

agosto de 2013, no caso de algum profissional identificar um problema na

utilização da plataforma, deve proceder de acordo com o circuito de

comunicação estabelecido, reportando a situação aos serviços do ACES

competente.

31. De acordo com a nota de serviço n.º 168/2013 de 27 de agosto de 2013,

emitida pela Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte aos médicos de família

e secretariados administrativos de todas as unidades que o compõem, “[…]

qualquer problema de acesso à PEM deve ser comunicado à Direcção

Executiva ou ao serviço informático, conforme o caso.”

32. No caso do ACES Lisboa Norte, e de acordo com a informação prestada pela

própria Diretora Executiva, “As situações de dificuldade de utilização dos

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sistemas informáticos são reportadas de imediato pela Responsável

Administrativa de cada Unidade para o Servidesk da ARSVLT em simultâneo

com o conhecimento da Direcção e do Responsável e dos Informáticos da

UAG (unidade de Apoio à Gestão).”.

33. Através do ofício n.º 1076, de 18 de junho de 2014, enviado pela Diretora

Executiva do ACES Lisboa Norte à reclamante, com a referência “assunto:

ficha de identificação e registo de marcação de consulta da UCSP do Lumiar”,

foi esta informada do seguinte:

“Tal como tivemos oportunidade de a informar via telefone, junto

enviamos em anexo nova Ficha de identificação de inscrição na nossa

UCSP, bem como registo de marcação de consulta referente à sua

familiar D(…).”.

III. DO DIREITO

III.1. Das atribuições e competências da ERS

34. De acordo com o n.º 1 do artigo 5º dos Estatutos da ERS aprovados pelo

Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS tem por missão a regulação

da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde;

35. E encontram-se sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4º

dos referidos Estatutos, todos os “[...] estabelecimentos prestadores de

cuidados de saúde, do sector público, privado, cooperativo e social,

independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais,

clínicas, centros de saúde, consultórios, laboratórios de análises clínicas,

equipamentos ou unidades de telemedicina, unidades móveis de saúde e

termas”.

36. No que se refere, por outro lado, aos objetivos regulatórios da ERS, compete-

lhe “Assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde,

nos termos da Constituição e da lei” e “garantir os direitos e interesses

legítimos dos utentes” – cfr. alíneas b) e c) do artigo 10º dos Estatutos da ERS.

37. De acordo com estes objetivos regulatórios, compete à ERS:

i. “assegurar o direito de acesso universal e equitativo à prestação de

cuidados de saúde nos serviços e estabelecimentos do Serviço

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Nacional de Saúde (SNS)” – cfr. alínea a) do artigo 12º dos Estatutos da

ERS;

ii. “prevenir e punir as práticas de rejeição e discriminação infundadas de

utentes nos serviços e estabelecimentos do SNS” – cfr. alínea b) do

artigo 12º dos Estatutos da ERS;

iii. “apreciar as queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o

seguimento dado pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de

saúde às mesmas” – cfr. alínea a) do artigo 13º dos Estatutos da ERS;

38. Podendo a ERS assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus

poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, “no dever de zelar

pela aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às

atividades sujeitas à sua regulação”, e ainda mediante a emissão de “ordens e

instruções, bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que

tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas com os objetivos da

sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de conduta e a

adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e interesses

legítimos dos utentes” – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19º dos Estatutos da ERS.

39. No caso em apreço, importa à ERS aferir duas questões essenciais:

i. Se a decisão de retirar a médica de família à reclamante e ao seu

agregado familiar é legítima e legal e, bem assim, se o direito de

reclamação da utente foi respeitado e assegurado;

ii. Se os procedimentos de prescrição médica estão a ser cumpridos

pelas unidades abrangidas no caso em apreço.

III.2. Do exercício do direito de participação e reclamação

40. O direito de qualquer cidadão a pronunciar-se sobre os serviços de saúde que

lhe são prestados constitui uma expressão de cidadania.

41. É também através esta dimensão de cidadania, que o utente se afirma como

elemento determinante para o desenvolvimento e melhoria contínua da

organização e da qualidade do sistema de saúde.

42. Esta participação possibilita, assim, o exercício do direito previsto no n.º 2 da

Base V da Lei de Bases da Saúde - “Os cidadãos têm direito a que os serviços

públicos de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos

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interesses” – atribuindo ao utente um papel fundamental na construção do

sistema de saúde que o serve.

43. Aliás, a participação ativa dos cidadãos na função administrativa constitui um

princípio basilar da Administração Pública, conforme decorre do artigo 7º do

Código de Procedimento Administrativo, nos termos do qual “Os órgãos da

Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os

particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no

desempenho da função administrativa […]”.

44. Neste sentido, a Lei de Bases da Saúde reconhece aos utentes o direito a

“Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso,

a receber indemnização por prejuízos sofridos” – cfr. alínea g) do n.º 1 da Base

XIV.

45. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 9º da Lei n.º 15/2014, de 21 de

março, “O utente dos serviços de saúde tem direito a reclamar e apresentar

queixa nos estabelecimentos de saúde, nos termos da lei, bem como a receber

indemnização por prejuízos sofridos”.

46. E para assegurar o exercício deste direito de queixa, “Os serviços de saúde, os

fornecedores de bens ou de serviços de saúde e os operadores de saúde são

obrigados a possuir livro de reclamações, que pode ser preenchido por quem o

solicitar” – cfr. n.º 3 do artigo 9º da Lei n.º 15/2014.

47. No caso das unidades públicas de saúde, as regras a observar para a

concretização deste direito de queixa, estão descritas no Decreto-Lei n.º

135/99, de 22 de abril.

48. Nos termos do n.º 1 do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 135/99, “Nos termos do

disposto no artigo 35.º-A, os serviços e organismos da Administração Pública

devem divulgar aos utentes de forma visível a existência de livro de

reclamações nos locais onde seja efetuado atendimento ao público”.

49. Para além desta obrigatoriedade dos serviços públicos disponibilizarem aos

seus utentes o livro de reclamação, exige-se que o exercício deste direito não

seja, por qualquer forma, coarctado, restringido ou condicionado – para este

efeito, o utente deve poder fazer livremente a sua reclamação, sem qualquer

represália e sem ser prejudicado por isso, sob pena de se frustrarem os

objetivos acima identificados e, bem assim, de se violar o referido direito à

reclamação.

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III.3. Do acesso aos cuidados de saúde primários e ao médico de família

50. O acesso aos cuidados de saúde implica a consequente obrigação dos

prestadores de cuidados de saúde assegurarem aos utentes os serviços que

se dirijam à prevenção, à promoção, ao restabelecimento ou à manutenção da

sua saúde, bem como ao diagnóstico, ao tratamento/terapêutica e à sua

reabilitação, e que visem atingir e garantir uma situação de ausência de

doença e/ou um estado de bem-estar físico e mental.

51. O direito constitucional de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde

concretiza-se no direito a proteção à saúde e, nesse sentido, assenta no

respeito pelos princípios fundamentais da universalidade, generalidade e

gratuitidade tendencial, alargando-se a toda a Rede Nacional de Prestação de

Cuidados de Saúde.

52. Neste contexto, todos os cidadãos, sem exceção, devem estar cobertos pelas

políticas de promoção e proteção da saúde e devem poder aceder aos serviços

prestadores de cuidados de saúde.

53. Ademais, a LBS veio consagrar na sua Base II, como uma das diretrizes da

política de saúde, que “é objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos

no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e

onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de

recursos e na utilização de serviços”;

54. Para tanto, e nos termos da alínea d) da mesma Base II, “os serviços de saúde

estruturam-se e funcionam de acordo com o interesse dos utentes e articulam-

se entre si e ainda com os serviços de segurança e bem-estar social”, sendo

que, e de acordo com a alínea e), “a gestão de recursos disponíveis deve ser

conduzida por forma a obter deles o maior proveito socialmente útil e a evitar

desperdício e a utilização indevida dos serviços”.

55. Sendo reconhecido ao cidadão a “liberdade de escolha no acesso à rede

nacional de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes

dos recursos existentes e da organização dos serviços.” – cfr. n.º 5 da Base V;

56. Bem como, o direito de ser “ser tratado pelos meios adequados, humanamente

e com prontidão, correcção, privacidade e respeito” – cfr al. c) da Base XIV -,

para o que deve “observar as regras de organização e funcionamento dos

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serviços e estabelecimentos” e utilizar “os serviços de acordo com as regras

estabelecidas” – cfr. al. b) e d) do n.º 2 da Base XIV, todas da LBS.

57. Neste sentido, e seguindo ainda o mesmo diploma legal, “O sistema de saúde

assenta nos cuidados de saúde primários, que devem situar-se junto das

comunidades” – cfr. n.º 1 da Base XIII - “devendo ser promovida a intensa

circulação entre os vários níveis de cuidados de saúde, reservando a

intervenção dos mais diferenciados para as situações deles carecidas […]” -

cfr. n.º 2 da Base XIII.

58. O legislador assumiu a existência de um sistema de saúde estratificado, no

qual os serviços e unidades de saúde se devem estruturar, funcionar e articular

entre si, em favor dos interesses dos utentes.

59. Por sua vez, o Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de

janeiro, em desenvolvimento das bases gerais contidas no regime jurídico da

saúde, define o SNS como sendo “um conjunto organizado e hierarquizado de

instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde,

funcionando sob a superintendência ou tutela do Ministro da Saúde” – cfr.

artigo 1.º do referido Estatuto.

60. Assim, nos termos do artigo 2.º do referido Estatuto, o SNS “tem como

objectivo a efectivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe

na protecção da saúde individual e colectiva”, através de cada uma das

instituições que o integra, devendo garantir o direito de acesso universal a

todos os cidadãos aos cuidados por si prestados.1

61. Com interesse para a apreciação dos factos em apreço nos presentes autos,

importa atender à evolução que, neste campo, tiveram os Agrupamentos de

Centros de Saúde (ACES).

62. Tais Agrupamentos foram criados pelo Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de

fevereiro, enquanto unidades intermédias entre as ARS e os Centros de

Saúde.

63. Conforme disposto no artigo 2.º do referido diploma, os ACES são serviços de

saúde com autonomia administrativa, sendo que, o centro de saúde,

1 Sobre a evolução da Rede Nacional de Cuidados de Saúde Primários, consultar o “Estudo do

Acesso aos Cuidados de Saúde Primários do SNS – Fevereiro de 2009”, da ERS, publicado em: https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/86/ERS_-_Estudo_do_Acesso_aos_Cuidados_de_Saude_Primarios_-_Relatorio.pdf

14

componente dos ACES, é um conjunto de unidades funcionais de prestação de

cuidados de saúde primários, individualizado por localização e denominação

determinadas.

64. Além do mais, são os ACES serviços desconcentrados da respetiva

Administração Regional de Saúde, estando sujeitos ao seu poder de direção –

cfr. n.º 3 do mesmo artigo 2.º.

65. Podem ser constituídos por um ou mais Centros de Saúde, e podem

compreender, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 7.º, diversas unidades

funcionais, de entre as quais as Unidade de Saúde Familiar (USF).

66. Quanto ao seu âmbito de intervenção, prescreve o artigo 5.º do referido

diploma que os ACES têm âmbito comunitário e base populacional, baseiam-se

“na livre escolha do médico de família pelos utentes” e exercem função de

autoridades de saúde, sendo que “para fins de cuidados personalizados, são

utentes de um centro de saúde, todos os cidadãos que nele queiram inscrever-

se, com prioridade, havendo carência de recursos, para os residentes na

respetiva área geográfica.”.

67. Compete ao diretor executivo do ACES “[…] a gestão das atividades, os

recursos humanos, financeiros e de equipamento do ACES […]”, a avaliação

do “[…] desempenho das unidades funcionais e de serviços de apoio e

responsabilizá-los pela utilização dos meios postos à sua disposição e pela

realização dos objetivos ordenados ou acordados […]”, bem como a gestão,

“[…] com rigor e eficiência dos recursos humanos, patrimoniais e tecnológicos

afetos à sua unidade orgânica, otimizando os meios e adotando medidas que

permitam simplificar e acelerar procedimentos e promover a aproximação à

sociedade e a outros serviços públicos.” – cfr. alíneas f) e h) do artigo 20.º.

68. Ademais, compete ao mesmo diretor executivo, a designação, em cada centro

de saúde, de um coordenador de unidade funcional, “[…] quer para contactos

com a comunidade, quer para a gestão quotidiana das instalações e

equipamentos do centro de saúde.” – cfr. n.º 2 da mesma disposição legal.

69. Por seu lado, o conselho clínico é composto por um presidente e três a quatro

vogais, devendo “[…] possuir conhecimentos técnicos em cuidados de saúde

primários, prática em processos de garantia de qualidade dos cuidados e em

processos de auditoria, bem como dominar as técnicas de gestão do risco.” –

cfr. n.º 1 e 7 do artigo 25.º.

15

70. E compete a este mesmo órgão, a governação clínica e de saúde no ACES, de

forma concertada, articulada e participada por todas as unidades funcionais,

devendo, para tanto, designadamente, “[...] assegurar que todos os

profissionais e unidades funcionais do ACES se orientam para a obtenção de

ganhos em saúde, garantindo a adequação, a segurança, efetividade e a

eficiência dos cuidados de saúde prestados, bem como a satisfação dos

utentes e dos profissionais, ainda, orientar as equipas das unidades funcionais

na observância das normas técnicas emitidas pelas entidades competentes e

promover a melhoria contínua dos processos e procedimentos assistenciais e

de saúde” – cfr. alíneas a) a h) do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22

de fevereiro.2

71. Por último, importa efetuar uma breve referência à questão do acesso a médico

de família, atentos os factos em apreço neste processo de inquérito.

72. É de sublinhar que em todas as reformas e alterações acima identificadas, no

que respeita aos cuidados de saúde primários, o legislador manifestou a sua

preocupação com a melhoria da rede de serviços de proximidade, em especial,

no que respeita à acessibilidade dos cidadãos ao médico de família.

73. A título de exemplo, o artigo 5.6 das Grandes Opções do Plano para 2014,

aprovadas pela Lei n.º 83-B/2013, de 31 de dezembro, volta a destacar o

objetivo de “Alargar progressivamente a cobertura dos cuidados de saúde

primários (CSP), assegurando a resolução qualificada dos problemas de saúde

por uma rede de cuidados de proximidade, minimizando as atuais assimetrias

de acesso e cobertura de natureza regional ou social, garantindo, desta forma,

2 Em suma, e tal como a ERS já o afirmou: “Os cuidados de saúde primários representam o

primeiro nível de contacto dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema de saúde e que, em razão do seu custo relativamente baixo e da maior facilidade com que podem ser fornecidos (em comparação com os cuidados de saúde especializados e de internamento), constituem, se estiverem distribuídos adequadamente, a forma mais importante de cuidados de saúde para a manutenção da saúde da população e para a prevenção da progressão de doenças a uma escala ampla. Como tal, sistemas de saúde mais orientados para os cuidados primários, quando são guiados pelos princípios de capacidade de resposta dos cuidados primários às necessidades das pessoas, da orientação para a qualidade, da responsabilidade dos governos, da justiça social, da sustentabilidade, da participação e da transversalidade sectorial, demonstram melhor desempenho que sistemas mais baseados nos cuidados diferenciados hospitalares, ao nível da saúde da população, equidade, acessibilidade, continuidade de cuidados, relação custo-benefício e satisfação dos cidadãos. Adicionalmente, cuidados de saúde primários eficazes são essenciais para a promoção de uma relação entre prestadores e utentes, baseada no respeito pela privacidade, dignidade e confidencialidade.” – cfr. “Estudo do Acesso aos Cuidados de Saúde Primários do SNS – Fevereiro de 2009”, publicado em: https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/86/ERS_-_Estudo_do_Acesso_aos_Cuidados_de_Saude_Primarios_-_Relatorio.pdf

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um médico de família para cada português, para que todos os utentes tenham

acesso a CSP de qualidade;”.

74. Desta forma, incumbe ao Estado garantir a “cobertura dos cuidados primários,

assegurando o acesso a um médico de família à generalidade dos cidadãos,

minimizando as atuais assimetrias de acesso e cobertura de natureza regional

ou social e apostando na prevenção” – cfr. preambulo do Despacho n.º

13795/2012, de 17 de outubro, publicado no Diário da República 2.ª série, nº

206, de 24 de outubro de 2012, diploma que estabelece os critérios e

procedimentos de organização das listas de utentes nos ACES.

75. Não obstante, certo é que o objetivo de atribuir um médico de família a cada

utente inscrito nas unidades de cuidados de saúde primários ainda não foi

atingido, como recentemente concluiu o Tribunal de Contas no Relatório n.º

17/2014, 2ª secção do Tribunal de Contas, Processo n.º 32/2012 – auditoria ao

desempenho de unidades funcionais de cuidados de saúde primários.3

76. E, tal como conclui o dito Tribunal de Contas, “A mera existência de utentes

sem médico de família traduz uma falta de “igualdade dos cidadãos no acesso

aos cuidados de saúde”, prevista como “objectivo fundamental” da Lei de

Bases da Saúde. De facto, diferentes cidadãos têm diferentes facilidades no

acesso aos cuidados de saúde primários e, consequentemente, aos cuidados

de saúde hospitalares, meramente pela circunstância de constarem, ou não,

das listas de utentes atribuídas a cada médico de família.”4.

77. Assim sendo, e para garantia do citado princípio da universalidade no acesso a

cuidados de saúde, importa que a organização dos cuidados de saúde

primários contemple, como objetivo a prosseguir, o da atribuição de médico de

família a todos os utentes.

78. Nos termos do artigo 3º, n.º 1 do Despacho n.º 13795/2012, “A inscrição de

utente em lista de médico de família realiza-se de acordo com a disponibilidade

3 Conforme vem afirmado no dito Relatório n.º 17/2014 (disponível em

http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2014/2s/audit-dgtc-rel017-2014-2s.pdf), “Continuam a subsistir nos centros de saúde tradicionais (UCSP), a nível nacional, situações de utentes inscritos sem médico de família que, em dezembro de 2012, atingiam 1.657.52639 utentes, apesar da diminuição de 10,21%, face ao ano anterior; Os resultados alcançados com a criação de USF, que se traduziram na atribuição de médico de família a 569.580 utentes, foram insuficientes para compensar a diminuição global do número de médicos de família, pelo que, desde a implementação das USF, após 2006, o número de utentes inscritos sem médico de família cresceu 24% (com exceção do ano de 2012); O registo dos utentes inscritos não se encontra atualizado, continuando a verificar-se que o número de inscritos pode ultrapassar o número de residentes da correspondente área geográfica.” 4 Cfr. Relatório n.º 17/2014 do Tribunal de Contas, pág. 27

17

de vagas na sua área de residência permanente e atendendo, sempre que

possível, à sua preferência.”.

79. Por sua vez, nos termos do n.º 2 do referido artigo 3º, “O registo dos utentes

realiza-se preferencialmente por agregado familiar, devendo os sistemas de

informação conter informação que permita agregar os utentes das famílias que

partilhem a mesma habitação com vista a serem associados ao mesmo médico

de família.”.

80. Ainda de acordo com o regime instituído pelo referido Despacho n.º

13795/2012, o cancelamento da inscrição de um utente em lista de médico de

família pode resultar de dois factos: da vontade manifestada pelo próprio utente

ou ausência de contacto do utente com o ACES nos últimos três anos.

81. Neste quadro normativo, o utente inscrito no centro de saúde e com vaga para

inscrição da lista de médico de família, pode escolher o seu médico de família,

de entre os que aí trabalham.

82. O que a lei não prevê – para além das situações já referidas – é o

cancelamento ou recusa de acesso de um qualquer utente a médico de família.

83. Situação diversa ocorre quando, por motivos de quebra de confiança na

relação estabelecida com o utente, o seu médico de família solicita que este

seja retirado da sua lista.

84. Neste caso em particular, a verificação ou ocorrência de determinados factos

terá perturbado irremediavelmente a normal relação de confiança entre o

médico e o seu utente, ao ponto de impedir ou prejudicar a prestação de

cuidados de saúde.

85. Porém, esta situação não se confunde com aquelas elencadas no Despacho

n.º 13795/2012, de cancelamento da inscrição de um utente em lista de médico

de família.

86. Neste exemplo de quebra de confiança entre o médico e o utente, e para que a

prestação de cuidados de saúde não seja afetada, reconhece-se a

necessidade de cancelar a inscrição do utente na lista do médico em causa,

devendo ser-lhe atribuído outro médico de família.

87. E este pedido de alteração pode ser iniciado quer pelo médico, quer pelo

próprio utente, devendo estar devidamente fundamentado.

88. Estas situações serão, obviamente, exceções ao normal funcionamento de

uma unidade de saúde de cudados primários; porém, verificado o fundamento

18

que motivou o pedido em causa, o mesmo deverá ser deferido e o utente

integrado, de imediato, na lista de outro médico – ao qual, e em princípio, não

se estenderá a quebra de confiança.

89. Sobre esta questão em particular, o artigo 20º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/90

de 6 de março, dispunha o seguinte:

“A personalização das relações do médico de clínica geral com os utentes é

promovida principalmente da seguinte forma:

a) A cada médico é confiada uma população de cerca de 1500

utentes, nominalmente designada em lista;

b) A inscrição em lista obedece ao princípio da livre escolha do

médico pelo utente, devendo privilegiar-se a inscrição familiar;

c) O médico pode recusar ou cancelar a inscrição de qualquer

utente, mediante fundamentação, dirigida ao director do centro de

saúde, o qual decidirá;

d) Quando ocorra mudança de médico, proceder-se-á à troca de

informação médica em condições de sigilo profissional.”.

90. Sucede, porém, que o Decreto-Lei n.º 73/90 de 6 de março foi revogado pelo

Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de Agosto (cfr. alínea a) do artigo 36º).

91. Porém, considerando o quadro normativo em vigor, bem como, os

procedimentos adotados nesta matéria pelas Administrações Regionais de

Saúde – cfr. a título de exemplo, a circular normativa n.º 2 CD, de 19/01/2009

da ARS Lisboa e Vale do Tejo e a circular normativa n.º 2, de 30/03/2010, da

ARS Norte – o mesmo deve respeitar as regras impostas pelo Código de

Procedimento Administrativo.

92. Aliás, cumpre sublinhar que o ACES em causa tinha conhecimento efetivo

destas regras, porque as mesmas constavam da referida circular da ARS

Lisboa e Vale do Tejo.

93. Deste modo, a exclusão do utente a pedido do médico, deve ser decidida pelo

Diretor Executivo do ACES.

94. Para esse efeito, o processo deve iniciar-se com o requerimento do médico

dirigido ao Diretor Executivo, onde sejam explicitados, de forma fundamentada,

os motivos da quebra de confiança (circunstancialismo de tempo, modo e

19

lugar) e, bem assim, da insustentabilidade da relação estabelecida com o

utente e manutenção do mesmo na sua lista/ficheiro médico;

95. Na preparação da decisão, o Diretor Executivo do ACES deve dar cumprimento

ao disposto nos artigos 8º, 59º e 100º do CPA.

96. Assim, e face ao requerimento do médico, deve o Diretor Executivo do ACES

proceder à recolha de todos os elementos que possam contribuir para uma

decisão adequada;

97. Em especial, deve o Diretor Executivo assegurar a participação do utente na

formação da decisão que vier a ser tomada sobre o pedido do médico;

98. E proceder à audiência de todos os intervenientes – em especial, do médico e

do utente – sempre com observância do princípio do contraditório.

99. Nos termos dos art. 59º e 100º do CPA, finda a fase de instrução, os

interessados devem ser notificados do sentido provável da decisão final para

efeitos de audiência prévia.

100. Terminada esta fase, caberá ao Diretor Executivo tomar a decisão final –

sempre fundamentada, nos termos do disposto nos artigos 124º e 125º do CPA

– deferindo ou indeferindo a pretensão do médico.

101. Esta decisão deverá ser notificada ao médico e ao utente, para que estes

possam, querendo, interpor recurso hierárquico e/ou recurso judicial.

102. Por fim, e no caso de deferimento do pedido apresentado pelo médico, a

exclusão do utente da sua lista só deve ser efetuada quando a decisão se

tornar definitiva.

103. E nesse caso, o utente em causa deverá ser imediatamente transferido para

uma lista de outro médico.

III.4. Da prescrição médica

104. Nos termos do n.º 4 do artigo 120º do Decreto-Lei n.º 176/2006 de 30 de

agosto, “A prescrição de medicamentos é feita por via eletrónica ou, em casos

excecionais, por via manual, sendo definidas por portaria do membro do

Governo responsável pela área da saúde as regras de prescrição e modelos de

receita médica, a informação sobre os medicamentos de preço mais baixo

disponíveis no mercado, bem como a indicação da opção por parte do doente,

face a eventual alteração do medicamento a ser vendido na farmácia”.

20

105. Esta norma (que foi alterada pela Lei n.º 11/2012, de 8 de março, a qual

estabeleceu as novas regras de prescrição e dispensa de medicamentos)

define, como regra, a prescrição eletrónica de medicamentos (PEM), relegando

a via manual para casos excecionais.

106. A Portaria n.º 137-A/2012, de 11 de maio (alterada pela Portaria n.º 224-

A/2013, de 9 de julho), estabelece o regime jurídico a que obedecem as regras

de prescrição de medicamentos, os modelos de receita médica e as condições

de dispensa de medicamentos, e define as obrigações de informação a prestar

aos utentes.

107. Com interesse para a apreciação dos factos nos presentes autos, a Portaria

n.º 137-A/2012, no seu artigo 3º, define “Prescrição por via eletrónica”, como “a

prescrição de medicamentos resultante da utilização de soluções ou

equipamentos informáticos” e “Prescrição por via manual” como “a prescrição

de medicamentos efetuada em documento pré-impresso”.

108. Nos termos do n.º 3 do artigo 5º da Portaria n.º 137-A/2012, “A prescrição de

medicamentos é feita por via eletrónica, sem prejuízo de, excecionalmente e

nos casos previstos no artigo 8.º da presente portaria, poder ser feita por via

manual.”.

109. Por sua vez, nos termos do artigo 8º do mesmo diploma legal, “A prescrição

de medicamentos pode, excecionalmente, realizar-se por via manual nas

seguintes situações:

a) Falência do sistema informático;

b) Inadaptação fundamentada do prescritor, previamente confirmada e

validada anualmente pela respetiva Ordem profissional;

c) Prescrição ao domicílio;

d) Outras situações até um máximo de 40 receitas médicas por mês.”

110. Nos termos do n.º 1 do artigo 16º da Portaria em análise, “O INFARMED, I.

P., e a ACSS definem, aprovam conjuntamente e publicam nas respetivas

páginas eletrónicas, as normas técnicas relativas à prescrição, dispensa,

conferência, e identificação do prescritor e do utente, e a calendarização e

especificações técnicas para inclusão faseada da informação prevista nos n.os

1 e 9 do artigo 5.º”.

111. Estas normas foram publicitadas pelo Infarmed e pela ACSS através de

circular informativa conjunta n.º 04/INFARMED/ACSS, de 20/12/2012.

21

112. De acordo com o ponto 2 destas normas, “a prescrição de medicamento

deve ser efectuada de forma eletrónica com objetivo de aumentar a segurança

no processo de prescrição e dispensa, facilitar a comunicação entre

profissionais de saúde de diferentes instituições e agilizar processos”.

113. De acordo com o ponto 7º, a prescrição manual é apenas permitida em

situações excecionais, conforme o disposto no artigo 8º da Portaria n.º 137-

A/2012.

114. Por último, importa referir que, nos termos do n.º 5 do artigo 17º da Portaria

n.º 137-A/2012, “A ocorrência de desconformidades nos sistemas informáticos

deverá ser comunicada aos SPMS, E. P. E., sendo estas publicadas até à

demonstração da sua correção pelo respetivo fornecedor”;

115. E que, de acordo com a nota de serviço n.º 168/2013 emitida pelo ACES

Lisboa Norte, “Qualquer problema de acesso à PEM deve ser comunicado à

Direcção Executiva ou ao serviço informático, conforme o caso”, em

conformidade com as indicações transmitidas pela ARS Lisboa e Vale do Tejo.

116. Em todo o caso, independentemente da forma como a prescrição é efetuada

e como os procedimentos são seguidos nas diferentes unidades de saúde,

certo é que estes procedimentos não podem afetar ou prejudicar os utentes.

III.5. Análise da situação concreta

117. A análise da situação concreta será efetuada, tendo em consideração cada

uma das duas questões acima identificadas:

i. Se a decisão de retirar a médica de família à reclamante e ao seu

agregado familiar é legítima e legal e, bem assim, se o direito de

reclamação da utente foi respeitado e assegurado;

ii. Se os procedimentos de prescrição médica estão a ser cumpridos

pelas unidades abrangidas no caso em apreço.

III.5.1 Acesso a médico de família e direito de reclamação

118. De acordo com os factos apurados em sede de instrução do presente

processo de inquérito, no dia 14 de março de 2014, a utente C(…) deslocou-se

ao Centro de Saúde do Lumiar, para solicitar uma receita médica para a sua

mãe, D(…).

22

119. Uma vez que a receita médica que, então, lhe foi entregue não servia os

propósitos da utente, a mesma regressou ao centro de saúde no dia 18 (e por

duas vezes), 19, 20 e 21 de março de 2014 (neste último dia, também por duas

vezes), sem conseguir obter uma receita médica, que lhe permitisse adquirir na

farmácia os medicamentos necessários para a sua mãe.

120. Esse problema só viria a ser definitivamente resolvido no dia 4 de abril de

2014.

121. Por se ter deslocado sete vezes ao centro de saúde para obter a dita receita e

sem conseguir que o centro de saúde lhe resolvesse o problema, a utente em

causa decidiu apresentar uma reclamação formal no livro de reclamações

próprio ali existente.

122. Importa desde já sublinhar que, independentemente da motivação da utente,

o acesso ao livro de reclamações não pode ser limitado e toda e qualquer

reclamação deve ser devidamente tratada – ou seja, devem ser apurados os

factos descritos e deve ser tomada uma decisão sobre os mesmos.

123. Para além disso, e tal como acima se deixou expresso, o direito de

reclamação deve ser exercido livremente pelo utente, enquanto manifestação

do direito de participação ativa na organização do sistema de saúde, e, nessa

medida, não pode ser limitado – quer no momento do seu exercício, quer numa

fase posterior.

124. Desta forma, não pode ser o utente perturbado, prejudicado ou sancionado

por ter exercido o seu direito à reclamação e participação – a não ser que,

através da reclamação apresentada, o utente tenha violado a Lei e/ou os

direitos e interesses de terceiros (por exemplo, no caso de se servir desse

meio para injuriar ou difamar alguém, ofendendo a sua honra e consideração).

125. No caso em apreço, o teor da reclamação é perfeitamente legítimo,

considerando o histórico que a antecedeu e motivou, e, sobretudo, um

contributo relevante para a resolução do problema detetado com a prescrição

de receitas e para a melhoria da organização do centro de saúde e da

qualidade dos serviços aí prestados.

126. No mesmo dia em que a reclamação foi apresentada - 21 de março de 2014 -

a médica de família da reclamante remeteu um requerimento à Coordenadora

da UCSP do Lumiar, onde solicita o seguinte:

23

“Por considerar haver perda de confiança e empatia para com a

utente Sra. C(…) com o n.º(…), solicito que a partir da presente data,

lhe seja atribuído outro M. F., bem como ao restante agregado

familiar”.

127. Ainda nesse dia, a médica de família remeteu outra informação à

Coordenadora da UCSP Lumiar, com o seguinte teor:

“Em resposta à reclamação n.º 17 e 18 de 2014-03-21, confirmo que

prescrevi manualmente o receituário da Sr.ª D. D(…), por não ter

conseguido fazê-lo informaticamente”.

128. Conforme informação prestada pela Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte

nos presentes autos, sempre que um médico apresenta um pedido para

atribuição de novo médico de família a um utente, o procedimento habitual da

direção do ACES é executar essa transferência.

129. Porém, e tal como acima se referiu, a alteração de médico de família com

base na quebra de confiança entre médico e utente, só se justifica em casos

excecionais – o que não sucedeu no caso em apreço nos presentes autos.

130. O teor da reclamação apresentada pela utente tem fundamento objetivo – de

tal forma que o problema aí descrito e referente à impossibilidade de entrega

de prescrição médica, é confirmado pelo próprio ACES.

131. Razão pela qual, não se exclui a possibilidade de que, e in casu, o

requerimento da médica em causa poderia ter sido liminarmente apreciado e

indeferido.

132. Acresce ainda que a reclamação foi apresentada por uma utente – não por

todos os elementos que constituem o seu agregado familiar.

133. Logo, ainda que houvesse motivo suficiente para fundamentar a alteração de

médico de família, certo é que a quebra de confiança nunca poderia ser

estendida aos restantes elementos do agregado familiar da utente que

apresentou a reclamação.

134. Tendo em consideração estes factos, cumpre ainda afirmar que a utente

exerceu um direito que lhe é reconhecido por Lei: o direito de participação e de

reclamação.

135. E, como vimos acima, o exercício desse direito não pode ser limitado pelo

prestador, nem sancionado por este. Ora,

24

136. Se a reclamação tem um fundamento que a justifica – e que é reconhecido

pelo ACES;

137. Se a reclamação é o meio adequado e previsto na Lei para um utente

apresentar a sua discordância quanto à forma como um determinado serviço

lhe foi prestado;

138. Não só não há qualquer justificação para que tal reclamação possa ser

interpretada como suficiente para motivar uma quebra de confiança na relação

estabelecida entre a utente e a sua médica de família;

139. Como não é aceitável que, após a apresentação da reclamação, a utente seja

confrontada com o facto dela e do seu agregado familiar, ficarem sem médico

de família.

140. É que, efetivamente, foi isso que aconteceu. Na verdade,

141. Através do ofício n.º 115 GC, de 29/04/2014, enviado pela Diretora Executiva

do ACES Lisboa Norte à reclamante, com a referência “assunto: resposta à

reclamação n.º 17 de 21 de Março de 2014 da UCSP Lumiar”, foi esta

informada do seguinte:

“Recebemos a sua exposição registada no Livro de Reclamações da

UCSP Lumiar a 21 de Março, a qual nos mereceu a melhor atenção.

Verificamos, após contacto da parte do Gabinete Local do Cidadão, e

posterior consulta com a Coordenadora Clínica, que a situação ficou

resolvida.

Informamos que, a sua médica considerou ter-se quebrado a relação

de confiança profissional, pelo que o seu agregado familiar

actualmente não tem médico de família atribuído, podendo, no

entanto, recorrer a consulta de recurso sempre que necessitar, assim

como á consulta de Diabetes existente nesta Unidade de Saúde.

[…]”.

142. Esta foi a informação conferida à utente, em função da reclamação

apresentada (cfr. o assunto em referência no dito ofício): atualmente não tem

médico de família atribuído, podendo recorrer a consulta de recurso quando

necessitar.

143. Este comportamento do prestador, de retirar o médico de família à utente e ao

seu agregado familiar, na sequência de uma reclamação (que, repete-se, é

25

perfeitamente legítima), configura uma limitação ao exercício dos direitos de

reclamação e participação da utente.

144. Como é evidente, este comportamento é um potencial fator de inibição para

qualquer utente, que no futuro pretenda expressar-se sobre um determinado

procedimento que considera incorreto por parte daquele prestador.

145. Se a consequência da apresentação de uma reclamação é ficar sem médico

de família, numa altura em que milhares de utentes não têm acesso a médico

de família, tal facto pode inibir um qualquer utente de poder exercer os seus

direitos.

146. Acresce ainda que, para este efeito, o ACES Lisboa Norte nem sequer

cumpriu a Lei.

147. Conforme acima se expôs, o pedido da médica de família deveria estar

suficientemente fundamentado – e não está.

148. Não basta à médica alegar que considera “haver perda de confiança e

empatia” para se justificar a atribuição de outro médico de família.

149. Seria necessário descrever factos concretos que permitissem formular a

conclusão da “perda de confiança e empatia”.

150. E seria necessário que o ACES Lisboa Norte procurasse outros elementos de

prova que pudessem sustentar, ou não, semelhantes conclusões.

151. Nada disto foi feito: depois de ter recebido o requerimento da médica, o ACES

Lisboa Norte não providenciou por nenhum ato instrutório, e nem sequer ouviu

a utente ou o seu agregado familiar, tendo-se limitado a aceitar as conclusões

da médica e deferido o seu pedido.

152. O ACES Lisboa Norte deveria ter procedido à audiência prévia dos

interessados: ou seja, deveria ter notificado a utente, o seu agregado familiar e

a médica em causa, do sentido provável da decisão, conferindo-lhes um prazo

para se pronunciarem sobre esta.

153. Por fim, tomada a decisão definitiva, o ACES Lisboa Norte deveria ter

notificado todos os interessados do teor da mesma, bem como, da

possibilidade que lhes assistia de, querendo, apresentarem o competente

recurso hierárquico ou ação judicial.

154. O ACES Lisboa Norte limitou-se a deferir o pedido da médica, sem apreciar

os seus fundamentos, sem conferir oportunidade à reclamante e ao seu

26

agregado familiar de se pronunciarem, de exercerem o direito ao contraditório e

sem os informar dos direitos que lhes assistiam para impugnar a decisão.

155. O ACES Lisboa Norte não respeitou as normas supra citadas do Código de

Procedimento Administrativo, nem tão pouco a orientação que, a este respeito,

lhe foi dirigida pela ARS de Lisboa e Vale do Tejo.

156. Para além disso, o ACES Lisboa Norte afirma que a sua intenção foi apenas

de deferir o pedido da médica e inscrever a utente e o seu agregado familiar na

lista de outro médico de família, e não a exclusão tout court do acesso a

médico de família.

157. Porém, não foi isso que sucedeu.

158. A utente e o seu agregado familiar ficaram, efetivamente, sem médico de

família até 18 de junho de 2014, data em que o ACES Lisboa Norte enviou

novo ofício à utente, com a informação da sua inscrição na lista de outra

médica de família.

159. Alega o ACES Lisboa Norte que, “devido à dificuldade de recursos médicos

mas também à integração de 2 médicos de família vindos de outra Unidade a

partir de 1 de junho, o que falhou […] foi comunicar que essa situação era

transitória e de cerca de um mês de duração”;

160. Mais refere que, no ofício n.º 115 GC, de 29/04/2014 enviado à utente, foi

omitido um parágrafo que é normalmente utilizado em casos semelhantes –

“Ficará a aguardar a oportunidade de lhe ser atribuído novo Médico de

Família”.

161. Não obstante, e mesmo que estas justificações fossem verdadeiras, certo é

que, ainda assim, o comportamento do prestador é inaceitável.

162. É que, ainda que houvesse fundamento para o deferimento do pedido da

médica de família, o mesmo só deveria produzir efeitos quando estivessem

reunidas as condições para que a reclamante e o seu agregado familiar

pudessem integrar a lista de outro médico de família.

163. O que nunca poderia ter acontecido era a reclamante e o seu agregado

familiar ficarem sem médico de família, mesmo que tal situação fosse

meramente provisória.

164. Por último, não se percebe a razão pela qual o agregado familiar da utente

também é afetado pela decisão proferida pelo ACES Lisboa Norte.

27

165. Se o que fundamenta a alegada quebra de confiança é o comportamento da

utente que apresentou a reclamação, não há motivo algum para que o seu

agregado familiar também seja afetado por essa quebra de confiança.

166. Tratou-se, pois, de uma decisão desproporcionada e que não se encontra

minimamente fundamentada, mas que produz efeitos nefastos no que respeita

ao exercício, livre, do direito de participação e reclamação dos utentes, bem

como, do direito de acesso à saúde.

167. Pelo exposto o ACES Lisboa Norte não respeitou o direito de acesso à saúde

da utente e o seu agregado familiar, bem como, o direito de participação e

reclamação daquela, nos termos acima expostos.

III.5.2 Procedimentos de prescrição médica

168. Conforme acima descrito, no dia 14 de março de 2014, a utente C(…)

deslocou-se ao Centro de Saúde do Lumiar, para solicitar uma receita médica

para a sua mãe, D(…).

169. Nessa data conseguiu obter a desejada receita, mas a mesma não serviu os

seus propósitos quando a utente se deslocou à farmácia.

170. Assim, e para tentar corrigir a dita receita, a utente regressou mais seis

vezes ao centro de saúde (no dia 18, e por duas vezes, 19, 20 e 21 de março

de 2014, neste último dia, também por duas vezes) sem conseguir obter uma

receita médica, que lhe permitisse adquirir na farmácia os medicamentos

necessários para a sua mãe.

171. Esse problema só viria a ser definitivamente resolvido no dia 4 de abril de

2014, e já depois da utente ter apresentado uma reclamação no livro de

reclamações do centro de saúde (e de, como vimos, ter ficado sem médico de

família).

172. Conforme informações prestadas nos presentes autos pelo ACES Lisboa

Norte, as dificuldades de emissão da receita eletrónica deveram-se a

problemas nas plataformas informáticas utilizadas pelos profissionais de saúde.

173. De acordo com as orientações da ARS Lisboa e Vale do Tejo para a

funcionalidade da prescrição eletrónica de medicamentos, através do Sistema

de Apoio Médico (SAM), remetidas por mail ao ACES Lisboa Norte em 26 de

agosto de 2013, no caso de algum profissional identificar um problema na

utilização da plataforma, deve proceder de acordo com o circuito de

28

comunicação estabelecido, reportando a situação aos serviços do ACES

competente.

174. De acordo com a nota de serviço n.º 168/2013 de 27 de agosto de 2013,

emitida pela Diretora Executiva do ACES Lisboa Norte aos médicos de família

e secretariados administrativos de todas as unidades que o compõem, “[…]

qualquer problema de acesso à PEM deve ser comunicado à Direcção

Executiva ou ao serviço informático, conforme o caso.”

175. No caso do ACES Lisboa Norte, e de acordo com a informação prestada pela

própria Diretora Executiva, “As situações de dificuldade de utilização dos

sistemas informáticos são reportadas de imediato pela Responsável

Administrativa de cada Unidade para o Servidesk da ARSLVT em simultâneo

com o conhecimento da Direcção e do Responsável e dos Informáticos da

UAG (unidade de Apoio à Gestão).”.

176. Considerando este contexto, existindo dificuldades no acesso à plataforma

informática e não sendo possível a emissão da prescrição necessária, o centro

de saúde e os seus profissionais, deveriam ter procedido em conformidade

com as regras em vigor – reportar imediatamente a dificuldade às entidades

competentes (Direção Executiva do ACES Lisboa Norte, Servidesk da ARS de

Lisboa e Vale do Tejo, Unidade de Apoio à Gestão e SPMS, EPE).

177. Porém, essa comunicação não foi feita quando o problema informático que

impedia a prescrição eletrónica foi verificado.

178. Acresce ainda que, como vimos acima, embora a regra seja a de prescrição

eletrónica de medicamentos, a mesma pode realizar-se por via manual no caso

de falência do sistema informático.

179. Esta regra prevista na lei visa acautelar os interesses dos utentes – se o

sistema informático não funcionar, e para que aqueles não sejam prejudicados,

as receitas necessárias poderão ser preenchidas manualmente.

180. Deste modo, não se vislumbra qualquer motivo minimamente razoável para

justificar o facto da utente em causa se ter dirigido por sete vezes ao centro de

saúde, para obter uma receita com as finalidades acima identificadas, sem o

ter conseguido.

181. Qualquer problema que se verificasse ao nível informático no centro de

saúde, deveria ser resolvido internamente e/ou reportado às entidades

competentes.

29

182. Mas a utente não poderia, nunca, ser prejudicada por essa falha.

183. E também no que respeita a estes factos, importa concluir que os mesmos

impactaram com o direito de acesso aos cuidados de saúde, neste caso, da

mãe da reclamante, o que, para futuro, deve ser evitado.

IV. AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS

184. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados,

nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 101.º do Código do

Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 24.º dos Estatutos da

ERS, tendo para o efeito sido chamados a pronunciar-se, relativamente ao

projeto de deliberação da ERS, as utentes, a Unidade de Cuidados de Saúde

Personalizados do Lumiar, o ACES Lisboa Norte e a ARS Lisboa e Vale do

Tejo.

185. Decorrido o prazo concedido para a referida pronúncia, a ERS rececionou a

pronúncia da ARS Lisboa e Vale do Tejo, em 21 de outubro de 2014, e a

pronúncia do ACES Lisboa Norte, em 29 de outubro de 2014.

186. Relativamente às utentes e à Unidade de Cuidados de Saúde

Personalizados do Lumiar, a ERS não foi notificada de qualquer pronúncia,

seja no decurso do prazo legal para o efeito, seja até o presente momento,

desconhecendo-se qualquer tomada de posição das mesmas sobre a matéria.

187. Conforme resulta do teor da pronúncia da ARS Lisboa e Vale do Tejo, esta

entidade veio apenas manifestar a sua preocupação com o objeto dos

presentes autos, informando que está a ser preparada uma atualização da

Circular Normativa 2CD/2009, “a qual incorporará, para além das inovações

introduzidas nos processos e na organização neste lapso temporal,

recomendações de índole ética profissional e organizacional, ouvida a

Comissão de Ética da ARSLVT, IP”.

188. Mais afirma que estará a “tratar de integrar uma avaliação dos

procedimentos mencionados na supra mencionada circular – com as devidas

atualizações – numa auditoria que em preparação pelo Gabinete de Auditoria

Interna desta ARS sob o tema do Sistema de Controlo Interno dos ACES.”.

189. Conforme resulta do teor desta a pronúncia, é afirmado que o ACES Lisboa

Norte e a USCP Lumiar “asseguram sempre e sem qualquer dúvida, o acesso

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a todos os meios de participação e de queixa (em que está incluído o acesso à

utilização do Livro de Reclamações);

190. Mais se afirma que “O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar nunca

limitaram qualquer exercício dos direitos de participação e reclamação dos

Utentes”.

191. Para além disso, o ACES Lisboa Norte vem indicar alterações no que

respeita a procedimentos internos, relativamente a futuros pedidos de

alteração/exclusão de utentes de listas de médicos de família, afirmando que

“quando, no futuro, um profissional de saúde alegar quebra de confiança na

relação estabelecida com um Utente, neste caso, um Médico de Família em

relação a um Utente inscrito no seu ficheiro, vai passar a ser dado

conhecimento ao utente e solicitado o contraditório. Da decisão definitiva será

informado o Utente que lhe assiste o recurso hierárquico e judicial, para

impugnação da decisão administrativa assim proferida”.

192. Mais afirma que as perturbações eletrónicas que se fizeram sentir no

SINUS/SAM, na altura em que ocorreu o evento em discussão nos autos, foi

participada ao servidesk da ARSLVT;

193. Também nessa altura aposentaram-se, em simultâneo, 3 assistentes

técnicas na UCSP do Lumiar, “que a deixaram depauperada e com apoio

administrativo inexperiente (não havendo qualquer possibilidade de colmatar

essas insuficiências por dificuldades idênticas nas restantes Unidades).

194. Para além disso, afirma ainda o ACES Lisboa Norte que a prescrição

eletrónica de medicamentos acarretou enormes dificuldades de implementação

“por motivos alheios ao ACES”.

195. Por fim, e depois de aceitar o teor do projeto de deliberação que lhe foi

notificado, o ACES Lisboa Norte remete aos presentes autos, cópia da minuta

de carta a ser enviada aos utentes, nos casos em que os respetivos médicos

de família solicitem a respetiva exclusão das suas listas de utentes, com o

seguinte texto:

“Informamos que foi solicitado pelo V. actual Médico de Família, a exclusão do

V. agregado Familiar, do respectivo ficheiro médico.

Dado que lhe será garantida a inscrição em novo Médico de Família na mesma

Unidade, queira V. Exa. proferir o contraditório que entender, ao referido

pedido.

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Da V. comunicação (em contraditório) e do pedido do V. actual Médico de

Família será ponderada a decisão final pela Direcção Executiva do ACES.

Dessa decisão ser-lhe-á dada o devido conhecimento, podendo ainda recorrer

a nível hierárquico ou judicial. […]”

196. A este propósito, cumpre apenas referir que o texto em causa cumpre,

efetivamente, as normas em vigor, bem como, os direitos do utente, tal como

exposto no projeto de deliberação que foi notificado ao ACES Lisboa Norte.

197. Visto o alegado em audiência dos interessados, não resulta contudo

eliminada a necessidade de adequação do comportamento dos prestadores,

porquanto não foram trazidos ao conhecimento da ERS quaisquer factos

capazes de infirmar ou alterar o sentido do projeto de deliberação da ERS, pelo

que deve o seu conteúdo ser mantido na íntegra.

V. DECISÃO

198. Tudo visto e ponderado, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos

termos e para os efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 19º dos

Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto,

emitir uma instrução ao ACES Lisboa Norte e à UCSP do Lumiar, nos

seguintes termos:

(i) O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem assegurar o

cumprimento de todos os procedimentos necessários para que os

utentes possam exercer livremente o seu direito de participação e

queixa;

(ii) O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar não podem limitar ou

sancionar o exercício dos direitos de participação e reclamação dos

utentes;

(iii) Sempre que um profissional de saúde alegar quebra de confiança na

relação estabelecida com um utente e, com esse fundamento, solicitar a

exclusão do referido utente da sua lista, o ACES Lisboa Norte e a

UCSP do Lumiar devem garantir a aplicação, respeito e cumprimento

de todas as regras e princípios legalmente estabelecidos, em especial,

garantir o princípio do contraditório do utente, bem como, depois de

emitir a decisão definitiva sobre aquele pedido, informar os interessados

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dos direitos que lhes assistem de recurso hierárquico e judicial, para

impugnação da decisão administrativa assim proferida;

(iv) Caso seja confirmada a quebra de confiança na relação estabelecida

entre o profissional de saúde e o utente, o ACES Lisboa Norte e a

UCSP do Lumiar só podem aplicar e tornar efetiva a decisão de

exclusão do utente da lista daquele médico, quando providenciarem

pela transferência do utente para a lista de outro médico de família,

sendo certo que em caso algum os utentes podem ficar sem médico de

família, ainda que temporariamente.

(v) O ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem cumprir todos os

procedimentos e regras em vigor no que respeita à prescrição

eletrónica de medicamentos;

(vi) Sempre que o sistema informático não permitir a utilização da

prescrição eletrónica de medicamentos ou revelar qualquer falha, o

ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem garantir que são

cumpridos todos os procedimentos de comunicação imediata às

entidades competentes, para resolução rápida e eficaz do problema;

(vii) Se um utente necessitar de uma prescrição médica e, por qualquer

motivo, não for possível nesse momento recorrer à prescrição

eletrónica, o ACES Lisboa Norte e a UCSP do Lumiar devem garantir

que todos os profissionais cumpram a Lei e, bem assim, recorram de

imediato à prescrição manual, por forma a que os utentes não sejam

prejudicados.

(viii) O ACES Lisboa Norte e a UCSP Lumiar devem garantir o

cumprimento imediato da presente instrução e, no prazo máximo de 30

dias após a notificação desta deliberação, devem dar conhecimento à

ERS dos procedimentos adotados para o efeito.

199. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º

1 do artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º

126/2014, de 22 de agosto, configura como contraordenação punível, in casu

com coima de 1000,00 EUR a 44 891,81 EUR, “[….] o desrespeito de norma ou

de decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes regulamentares, de

supervisão ou sancionatórios, determinem qualquer obrigação ou proibição,

previstos nos artigos 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 22º e 23º.”.

33

200. Mais delibera o Conselho de Administração da ERS, nos termos e para os

efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 19º e na alínea a) do artigo 24º

dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de

agosto, emitir uma recomendação à Administração Regional de Saúde de

Lisboa e Vale do Tejo, IP, para que, à luz das regras aplicáveis nesta matéria,

seja considerada a (eventual) necessidade de avaliação dos procedimentos da

Circular supra referenciada e que os mesmos sejam divulgados pelos ACES e

Centros de Saúde da sua área de referência.

201. Será dado conhecimento da presente deliberação à Ordem dos Médicos.

202. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio

oficial da Entidade Reguladora da Saúde na Internet.

O Conselho de Administração