DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO...

32
127 RESUMO DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO: EXPERIÊNCIAS DE PARTICIPAÇÃO EM PORTO ALEGRE, BELO HORIZONTE, RECIFE E CURITIBA Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 127-157, out. 2012 Recebido em 29 de dezembro de 2011. Aprovado em 14 de maio de 2012. Rodrigo Rossi Horochovski Augusto Junior Clemente O artigo compara instituições participativas orçamentárias de quatro cidades brasileiras: Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Curitiba. As três primeiras contam com orçamentos participativos e, a última, com audiências públicas para apresentação de propostas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA). O objetivo é analisar em que medida as instituições investigadas têm maior ou menor proximidade com os pressupostos normativos da teoria da democracia deliberativa, pelos quais a legitimidade dos processos e decisões políticas resulta de deliberações públicas, livres e com igualdade de condições de participação dos concernidos. Na pesquisa empírica, consideramos as seguintes dimensões de variáveis: (i) desenho institucional: arcabouço institucional e funcionamento, condições de participação, discussão e deliberação; (ii) contexto: grau de associativismo civil de cada cidade e conformação dos grupos políticos que implantaram os esquemas participativos; (iii) política: alcance da representação e participação social e (iv) accountability: transparência e responsividade potencializadas por esses espa- ços públicos, diante da sociedade civil. Entre os principais achados, constatamos que a proximidade dos pressupostos da democracia deliberativa é maior nas experiências construídas a partir das bases da soci- edade civil e implantadas por grupos políticos com objetivo declarado de aumentar a participação social na deliberação pública. A prevalência de uma burocracia técnica na condução do processo participativo age em sentido oposto. PALAVRAS-CHAVE: democracia; deliberação; orçamento participativo; audiência pública. I. INTRODUÇÃO 1 Nas décadas após o regime autoritário de 1964- 1985, o Brasil vivenciou a reconstrução de suas instituições políticas representativas e um crescimento inédito das possibilidades de participação política de seus cidadãos, elementos que consubstanciam a gradativa consolidação democrática do país, malgrado suas ambigüidades, contradições, avanços e recuos. Especificamente no tocante à participação, vêm-se produzindo, desde a abertura política, expressões associativas que acarretam pressões para o aumento da inclusão da sociedade civil, seus movimentos e organizações, no âmbito da sociedade política (BOSCHI, 1987; DOIMO, 1995; GOHN, 2004). Com isso, ao menos em seu arcabouço normativo- institucional, o Estado brasileiro absorve a participação social como um elemento constitutivo dos processos decisórios relacionados às políticas públicas (JACOBI, 1996). A formação de arranjos participativos diversos e com maior ou menor grau 1 Este texto é resultado da consolidação de pesquisas iniciais que foram apresentadas em três eventos: IV Con- gresso Latino Americano de Opinião Pública da WAPOR (World Association for Public Opinion Research), III Se- minário Nacional de Sociologia e Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e IV Seminário Nacional de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Agradecemos, primeiramente, as críticas e su- gestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociolo- gia e Política e aos debatedores dos eventos acima referi- dos: Leonardo Avritzer, Cláudia Feres Faria, Maria Tarcisa Silva Bega, Luiz Belmiro Teixeira, Cesar Beras e Ligia Mori Madeira. Agradecemos também as leituras e comentários do grupo de pesquisa Processos Participativos na Gestão Pública, liderado por Alfredo Alejandro Gugliano. Por fim, somos gratos às interlocuções oferecidas por Ícaro Engler e Rodrigo Mayer.

Transcript of DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO...

Page 1: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

127

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

RESUMO

DEMOCRACIA DELIBERATIVAE ORÇAMENTO PÚBLICO:

EXPERIÊNCIAS DE PARTICIPAÇÃO EM PORTO ALEGRE,BELO HORIZONTE, RECIFE E CURITIBA

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 127-157, out. 2012Recebido em 29 de dezembro de 2011.Aprovado em 14 de maio de 2012.

Rodrigo Rossi Horochovski Augusto Junior Clemente

O artigo compara instituições participativas orçamentárias de quatro cidades brasileiras: Porto Alegre,Belo Horizonte, Recife e Curitiba. As três primeiras contam com orçamentos participativos e, a última, comaudiências públicas para apresentação de propostas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à LeiOrçamentária Anual (LOA). O objetivo é analisar em que medida as instituições investigadas têm maior oumenor proximidade com os pressupostos normativos da teoria da democracia deliberativa, pelos quais alegitimidade dos processos e decisões políticas resulta de deliberações públicas, livres e com igualdade decondições de participação dos concernidos. Na pesquisa empírica, consideramos as seguintes dimensões devariáveis: (i) desenho institucional: arcabouço institucional e funcionamento, condições de participação,discussão e deliberação; (ii) contexto: grau de associativismo civil de cada cidade e conformação dosgrupos políticos que implantaram os esquemas participativos; (iii) política: alcance da representação eparticipação social e (iv) accountability: transparência e responsividade potencializadas por esses espa-ços públicos, diante da sociedade civil. Entre os principais achados, constatamos que a proximidade dospressupostos da democracia deliberativa é maior nas experiências construídas a partir das bases da soci-edade civil e implantadas por grupos políticos com objetivo declarado de aumentar a participação socialna deliberação pública. A prevalência de uma burocracia técnica na condução do processo participativoage em sentido oposto.

PALAVRAS-CHAVE: democracia; deliberação; orçamento participativo; audiência pública.

I. INTRODUÇÃO1

Nas décadas após o regime autoritário de 1964-1985, o Brasil vivenciou a reconstrução de suasinstituições políticas representativas e umcrescimento inédito das possibilidades departicipação política de seus cidadãos, elementosque consubstanciam a gradativa consolidaçãodemocrática do país, malgrado suas ambigüidades,contradições, avanços e recuos. Especificamenteno tocante à participação, vêm-se produzindo,

desde a abertura política, expressões associativasque acarretam pressões para o aumento dainclusão da sociedade civil, seus movimentos eorganizações, no âmbito da sociedade política(BOSCHI, 1987; DOIMO, 1995; GOHN, 2004).Com isso, ao menos em seu arcabouço normativo-institucional, o Estado brasileiro absorve aparticipação social como um elemento constitutivodos processos decisórios relacionados às políticaspúblicas (JACOBI, 1996). A formação de arranjosparticipativos diversos e com maior ou menor grau

1 Este texto é resultado da consolidação de pesquisasiniciais que foram apresentadas em três eventos: IV Con-gresso Latino Americano de Opinião Pública da WAPOR(World Association for Public Opinion Research), III Se-minário Nacional de Sociologia e Política da UniversidadeFederal do Paraná (UFPR) e IV Seminário Nacional deCiência Política da Universidade Federal do Rio Grande doSul (Ufrgs). Agradecemos, primeiramente, as críticas e su-gestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociolo-

gia e Política e aos debatedores dos eventos acima referi-dos: Leonardo Avritzer, Cláudia Feres Faria, Maria TarcisaSilva Bega, Luiz Belmiro Teixeira, Cesar Beras e Ligia MoriMadeira. Agradecemos também as leituras e comentáriosdo grupo de pesquisa Processos Participativos na GestãoPública, liderado por Alfredo Alejandro Gugliano. Por fim,somos gratos às interlocuções oferecidas por Ícaro Engler eRodrigo Mayer.

Page 2: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

128

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

de normatividade legal – fóruns e redes, conselhosgestores, orçamentos participativos, audiênciaspúblicas etc. – exprime essa tendência (SCHERER-WARREN, 1996; AVRITZER, 2002a).

Uma característica importante dos arranjos emapreço é sua constituição temporal em “ondasparticipativas”, para utilizar a expressão de Faria(2006), com que se criam e incrementamestruturas de oportunidade política abertas asegmentos cada vez mais amplos da população.Em um rápido inventário, visualizamos, na segundametade dos anos 1970, movimentos, organizaçõese fóruns relacionados à redemocratização, mastambém a temas do cotidiano (meio ambiente,custo de vida e direitos sociais como moradia,saúde e trabalho), identitários e ligados ao novosindicalismo (SADER, 1995). Ultrapassando aspautas das organizações mobilizadas em torno dacentralidade da luta de classes, sobretudosindicatos e partidos da esquerda tradicional,ganham força ações coletivas em torno de temascomo o feminismo, questões étnicas e relacionadasà sexualidade. Tratava-se, na maioria, de iniciativasinformais, de resistência e organização possívelem face do autoritarismo vigente.

Nos anos 1980, com a abertura política, oEstado brasileiro é premido pelos movimentosretro aduzidos a incorporar, em suas estruturas, aparticipação da sociedade para além dosprocedimentos representativos. As vitórias decoalizões de esquerda em eleições municipais nasegunda metade da década ocasionam aconstrução de uma nova instituição, que, por suasvastas implicações, torna-se objeto privilegiado deanálise: o orçamento participativo (OP), que iriadifundir-se nas décadas seguintes, sobretudo ondeo Partido dos Trabalhadores (PT) conquistou opoder Executivo. Inúmeros estudos apresentambalanços históricos desse processo, podendo-semencionar alguns dos mais significativos, comoos de Navarro (1999), Nylen (2000), Souza(2001), Avritzer (2002b), Wampler (2004), entreoutros.

Pedra angular da institucionalização daparticipação no Brasil, a Constituição Federal de1988 resultou das mencionadas pressões dasociedade civil. Podemos asseverá-lo na medidaem que a carta impõe, em diversos de seusdispositivos, constrangimentos a que todos osentes da federação brasileira promovam aparticipação da população na elaboração, discussão

e deliberação das políticas públicas. Trata-se deum sistema legal híbrido, que combina elementosde representação e participação democráticas(AVRITZER, 2006). Um resultado visível é amultiplicação de conferências e conselhos gestoresde políticas públicas com a presença obrigatóriada sociedade civil e suas organizações.

Para os propósitos deste artigo, a conseqüênciamais significativa é a onda de Audiências Públicas(APs) dos últimos anos, em especial com aregulamentação da carta magna em dispositivoscomo a Lei Federal n. 10 257/2001 – o Estatutoda Cidade, e a Lei Complementar n. 101 – a Lei deResponsabilidade Fiscal (LRF).

No Estatuto da Cidade, há um capítuloespecífico à democratização dos municípios, o 5º,que estabelece a obrigatoriedade, nos artigos 43 e44, de “debates, audiências e consultas públicas”no que diz respeito à gestão orçamentáriamunicipal, em todo o seu ciclo (Plano Plurianual(PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) eLei Orçamentária Anual (LOA)), “como condiçãoobrigatória para sua aprovação pela CâmaraMunicipal”. A LRF trata da transparência na gestãofiscal na Administração Pública. Segundo o Artigo48, a transparência também deve ser assegurada“mediante incentivo à participação popular erealização de audiências públicas durante oprocesso de elaboração e de discussão dos planos,Lei de Diretrizes Orçamentárias e orçamentos”.

As APs converteram-se, portanto, emmecanismos obrigatórios de gestão pública eapresentam-se como um arranjo institucional quese pretende participativo, sendo aplicadas amatérias as mais diversas, como as de impactosocioambiental e as relacionadas a questõesorçamentárias. Essa última modalidade,especificamente com as Audiências Públicasorganizadas pela Prefeitura Municipal de Curitiba,compõe o objeto desta investigação, juntamentecom os OPs de Porto Alegre, Belo Horizonte eRecife. Nosso objetivo é comparar esses quatroesquemas participativos analisando em que medidaeles aproximam-se ou distanciam-se dasprescrições da democracia deliberativa. Emespecial, procuramos aquilatar em que medida asexperiências investigadas oferecem oportunidadespara a participação social, como defende essaperspectiva teórica. (Esquadrinhar o conteúdo e,vale dizer, a qualidade da participação em si dossujeitos foge ao escopo da investigação.)

Page 3: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

129

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

Perpassa nossas análises a avaliação dascongruências e divergências entre as APscuritibanas e os OPs investigados mediante aoperacionalização dos conceitos dessa vertenteteórica a partir das dimensões de variáveispropostas por Faria e Ribeiro (2010): (i) desenhoinstitucional: arcabouço e funcionamento,condições de participação, discussão e deliberação;(ii) contexto: grau de associativismo civil de cadacidade e conformação dos grupos políticos queimplantaram esses esquemas participativos; (iii)política: alcance da representação e participaçãosocial; (iv) accountability: transparência eresponsividade potencializadas por esses espaçospúblicos à Sociedade Civil2.

Escolhemos as quatro cidades por serem elasemblemáticas, para operadores e analistas políticos,de modelos de gestão municipal que oraaproximam-se, ora afastam-se. No decorrer dotexto, aprofundamos algumas de suascaracterísticas. Para o momento, cabe mencionaro aspecto principal de cada uma delas relacionadoà discussão em curso.

Porto alegre representa a cidade na qual a suapopulação já foi considerada como dotada decultura política participativa, realidade que seexprimiria nas múltiplas possibilidades departicipação democrática de que o OP é a insígniamaior (AVRITZER, 2002b). Belo Horizonte járecebeu o epíteto de cidade planejada, mas teveum momento de inflexão nos anos 1970 e 1980,decorrente dos problemas de urbanizaçãoacelerada (PIRES, 2009). Recife, à semelhançade Porto Alegre, destaca-se na região Nordestedo país pelo forte movimento associativo dos anos1970, culminando com o Programa Prefeitura nosBairros (PPB), que mais tarde deu origem ao OPna capital pernambucana (SILVA, 2003). Curitibaé tida como exemplo bem-sucedido deplanejamento técnico-burocrático de viésautoritário, em que praticamente todo processodecisório ao longo de sua história seguiu fluxostop-down (SOUZA, 1999).

Este artigo registra os resultados da pesquisa.

Para sua consecução, realizamos consultas abibliografia e a documentos (sobretudo nos casosde Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife), aliadasa observação etnográfica e entrevistas informais,em Curitiba. As seções a seguir trazem uma breverevisão teórica, uma descrição mais detida dosprocedimentos de pesquisa e os achadosdecorrentes de sua aplicação.

II. DEMOCRACIA DELIBERATIVA

Em seu desenvolvimento, o debate teórico dademocracia constitui uma robusta vertentenormativa em cujo interior destacam-se as teoriasparticipativa e deliberativa3, sendo que esta últimafornece nosso parti pris conceitual. Uma dasprincipais formuladoras da democracia deliberativasintetiza o argumento central dessa teoria nosseguintes termos: “a legitimidade nas sociedadesdemocráticas complexas precisa ser entendidacomo o resultado da deliberação pública livre eisenta de constrangimentos a respeito de tudoaquilo que se relaciona a questões de interessecomum” (BENHABIB, 2009, p. 110).

A formação da democracia deliberativa comocampo teórico remonta à elaboração da teoria doagir comunicativo, por Jürgen Habermas, na viradapara os anos 1960. Naquele momento, o autor empauta reconstrói o processo de formação emodificação da esfera pública burguesa. Estaconstituiu, inicialmente, um espaço razoavelmentelivre onde os participantes, por meio daconvivência em espaços informais (salões e cafés,por exemplo), construiriam preferências eproduziriam consensos racionais mediante odiálogo igualmente livre. Tal dinâmica teriarebatimento na sociedade política, em especial noparlamento, entendido como locus privilegiado àação comunicativa e à deliberação (HABERMAS,2003a; 2003b).

O desenvolvimento das forças produtivas e daorganização burocrática no capitalismo acarretou,porém, a reestruturação do mundo da vida, emgeral, e da esfera pública, em particular, quepassariam a ser colonizados pela razão sistêmicado poder econômico e do poder político,representando, respectivamente, os subsistemasda produção tecnificada e do Estado burocratizado.

2 Fizemos alterações e acréscimos em relação à proposta

das autoras, inicialmente voltada à análise dos ConselhosGestores municipais. Eventuais insuficiências e impreci-sões na aplicação das dimensões são de nossa inteira res-ponsabilidade.

3 O trabalho de Habermas (1995) pode ser uma leitura útilpara o reconhecimento das semelhanças e diferenças entreas duas abordagens.

Page 4: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

130

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

Sobressai, então, uma lógica coercitiva, deracionalidade cognitivo-instrumental, na qual opoder e seus recursos sobrepõem-se à razão que,por sua vez, teria conduzido o projeto modernoiluminista (HABERMAS, 1976; 2000).

A alternativa seria resgatar a lógica que presidiraa esfera pública liberal-burguesa em sua gênese,pela constituição de espaços participativos em quepredomine a razão comunicativa, lugares dediálogo, discussão e deliberação onde osparticipantes teriam equalizadas as diferenças/assimetrias de poder econômico e político queinibem a participação ampliada nas decisões quelhes concernem. Naquilo que Habermas denominasituação ideal de fala, as decisões resultariam dodebate aberto em que prevaleceria o melhorargumento. No que concerne ao arcabouçoinstitucional e ao funcionamento, os própriosprocedimentos decisórios seriam objeto dediscussão e deliberação. O autor pressupõe, emsuma, a possibilidade de uma arena livre e, de certomodo, com conflitos de valor neutros(HABERMAS, 2003a).

Pensando a sociedade em geral, a constituiçãode espaços de deliberação pública traria comoconseqüência o aumento da participação para alémdos procedimentos tradicionais da democraciarepresentativa e, ato contínuo, a democratizaçãodo espaço público e da sociedade, na medida emque, afirma Habermas, a ação comunicativapermearia a esfera do cotidiano – vale dizer, omundo da vida. É importante frisar que asprescrições habermasianas não foramprimordialmente pensadas para espaçosinstitucionais, mormente os da esfera estatal, oque poderia acarretar o risco de não se transformaros espaços de poder. Em face disso, autores comoCohen e Sabel (1998), com a proposta de“poliarquia diretamente deliberativa”, defendem ainstitucionalização dos processos deliberativos paraque eles de fato sejam operacionalizados emdecisões políticas relevantes. De todo modo, arenasdeliberativas que incorporam as referidasprescrições, ao menos em seu desenhoinstitucional, vêm se multiplicando nas últimasdécadas (SANTOS, 2003).

Com a profusão de tais arenas, umaparticipação mais direta da sociedade civil emprocessos decisórios relacionados a interessescoletivos aumenta continuamente, mormente noâmbito do Estado. A questão que se coloca é o

funcionamento dos arranjos participativos vis-à-vis os preceitos normativos estabelecidos pelateoria, o que, no fim das contas, constitui o fulcrodesta pesquisa. Nesse sentido, pari passu àconsolidação do deliberacionismo como campoteórico, assoma uma série de críticas à suaelaboração original, parte das quais trazemos alume4.

Miguel (2005) considera a concepçãohabermasiana de uma esfera pública burguesaaberta e livre, inclusive de conflitos sociais epolíticos, no mínimo, ingênua. Os salões e cafés,referidos por Habermas, eram franqueados apenasa homens burgueses e fechados a outras classese às mulheres, tal qual acontecia com o própriosufrágio, que não era universal, mas censitário.Tal cenário precipita, com efeito, um ambiente dediscussão entre sujeitos homogêneos, facilitandoa obtenção de consensos devido à homologia deagendas e interesses. O próprio parlamento, quepara Habermas é um espaço deliberativoprivilegiado, reproduzia (continua a fazê-lo, é claro)a distribuição desigual do poder político eeconômico. Carecia, em sua formação, até mesmodo simulacro de representatividade que ademocracia de massas e o corporativismo degrupos trariam no século XX.

Em uma perspectiva feminista, Fraser (1992)e Young (2001) argumentam que os pressupostosde validade discursiva calcada na neutralidade ena racionalidade podem encapsular assimetriasprofundas e arraigadas de poder político eeconômico preexistentes. Conforme alerta estaúltima autora, os participantes da deliberação nãodeixam para trás as características sociais, étnicas,econômicas etc. que os posicionam na sociedade.Supor que isso seja possível e que o produto finaldo processo seja resultante do melhor argumentocontém uma armadilha: aspectos tidos comoneutros – tais como gestual, tipo e modulação dafala, temperamento, vestuário e saberes – podemreproduzir disposições esperadas do homem

4 Não nos preocupamos, aqui, com críticas externas à

teoria, que questionam a própria participação mais diretados sujeitos nos assuntos que lhes concernem comoparâmetro de qualidade da democracia. Preferimos, em vezdisso, debater perspectivas que apontam os limites da teo-ria habermasiana em face de seu próprio anelo, qual seja, aconstituição de uma esfera pública que conduza a uma par-ticipação política mais autônoma, igualitária e substantiva.

Page 5: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

131

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

branco ocidental. Sujeitos fora desse perfil entramno jogo em desvantagem, o que não se capturacom a utilização acrítica dos elementosconstitutivos da teoria habermasiana.

A busca por elementos comuns, deconcordância entre os participantes, defendida porHabermas, pode esvaziar o processo devido àpouca relevância do que é deliberado ou, ainda,produzir falsos consensos quando, de fato,prevalece uma determinada visão, atendendo ainteresses específicos, reproduzindo-se a lógicacoercitiva dos subsistemas econômico e político.Em vez desta renhida perseguição do consenso,Young propõe o estabelecimento de princípios que,a seu ver, tornariam a deliberação um processomais efetivo, um dos quais ela denomina“narrativa”. Em sua fórmula original, as normasde deliberação privilegiam o discurso frio,desapaixonado e privilegiam a linguagem “literal”sobre a linguagem figurativa (hipérboles emetáforas, p. ex.). O diálogo requer, no entanto,uma pluralidade de perspectivas e de estilos dediscurso. É preciso explicar a possibilidade decomunicação por meio de grandes diferenças decultura e posição social. Contemplar tais diferençasé o desafio que a incorporação das narrativas dossujeitos, no processo, visa enfrentar.

Fraser, em direção similar, defende o abandonoda noção de esfera pública única concebida porHabermas e a incorporação nos processosdeliberativos dos grupos excluídos com suaslógicas e preocupações, e em seus próprios termos,no que a autora denominou contra-públicossubalternos (subaltern counterpublics). Quandonão são participantes diretos na formulação daspolíticas públicas, os contrapúblicos subalternosconstituem-se, ao menos, como públicosformadores de opinião, capazes de pressionarquem efetivamente toma as decisões políticas,incrementando, desse modo, a própria democraciarepresentativa. Trata-se, enfim, de conceber adeliberação como um processo aberto a públicosheterogêneos, múltiplos, que nele vejam sentido erelevância e que, por isso mesmo, a ele afluam.Quando se trata de instituições participativas, comoas ora analisadas, esse requisito deve estar presentetanto nos elementos constituintes do desenhoinstitucional, quanto nas práticas efetivas quegarantem a ocupação do espaço participativo portodos os afetados pelo que se está deliberando.

Para Benhabib (1992; 2009), insuficiências da

formulação habermasiana original podem sersuperadas pela adoção de um modelodescentralizado de esfera pública. Alicerçado emuma pluralidade de modos de associação, essemodelo comportaria diferentes expressõesorganizativas, desde as mais informais iniciativasdos cidadãos, incluindo movimentos sociais e devizinhança, às mais formais, como organizaçõesnão-governamentais (ONGs), associações semfins lucrativos, fóruns, sindicatos, partidospolíticos etc. Agindo em rede, imbricando-se, oraconfrontando-se ora confluindo, essas expressõesassociativas propiciariam a ebulição de umaconversação pública, eventualmente anônima, comespaço para argumentação, contestação edeliberação; expressões que podem influenciartanto as decisões políticas, tornando-as maistransparentes e responsivas, quanto estimular aformação de espaços formais de deliberação.Aparentemente, terá sido esse o caso do orçamentoparticipativo, como se verá adiante.

No cerne de todos esses apontamentos críticosvislumbramos questões referentes ao alcance dadeliberação em Habermas – ora insuficiente, quantoà absorção de diferentes grupos e suas narrativase inputs societais, ora excessivo, quando se levaem conta até que ponto obtém-se o consenso e,no limite, constrói-se o que se poderia consideraro bem comum. Em um comentário específico aesse ponto, Shapiro (2005) aduz a pertinência depensar-se a realização do bem comum não comorealização de uma vontade geral, à Rousseau, massim como a situação que satisfaz um interessecoletivo de evitar-se a dominação ou de que asdecisões políticas não sejam mero resultado daagregação de preferências, que se poderiadepreender da leitura de Maquiavel. Essa pareceser a perspectiva que a teoria deliberativa vemadotando.

Um possível corolário desse debate é o de quea necessidade de adequar os conceitos da teoriaàs exigências empíricas gera transformações emseu seio. Segundo Faria (2010), a partir de ummovimento rumo à busca de evidências empíricas,a teoria deliberativa passou a propor: (i) formasflexíveis de discursos enfatizando mais osresultados do que o processo de deliberação(WARREN, 2002); (ii) outros tipos de atividadesque funcionem como influência sob a condiçãode conflitos de interesses, como a barganha e anegociação, que passam ao largo da formadeliberativa de democracia (MANSBRIDGE,

Page 6: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

132

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

1999; 2007; MANSBRIDGE et alii, 2010;MOUFFE, 2005); (iii) meios comunicacionais quevão além do discurso racional – a retórica, anarrativa etc. (YOUNG, 2001) – e (iv) umaconcepção pluralista de bem comum. Da mesmaforma, só que de maneira contraposta, partindoda premissa de que as práticas democratizantes,quando confrontadas com a lógica sistêmica, nãonecessariamente precisam sucumbir aos seusimperativos (um dos principais temores deHabermas), outros autores passaram a proporarranjos institucionais intermediários e híbridos, afim de gerar estabilidade a tais práticas,inaugurando outra fase da agenda de pesquisasobre participação social, sem afastar-se doarcabouço deliberacionista (COHEN & ROGERS,1995; AVRITZER, 1996; 2002a; DRYZEK, 2000;DAGNINO, 2002; FUNG & WRIGHT, 2003).

Se, por um lado, esse giro na direção doempírico gerou ganhos metodológicos e aplicaçõesem diversos campos – pode-se conferi-los nobalanço de Chambers (2009) –, por outro, a formacomo ele é sugerido traz conseqüênciasimportantes, pois, a fim de operacionalizar osconceitos deliberativos, a estratégia desses autoresé reintroduzir nos seus modelos noções referentesa autointeresse, conflito etc. Esse movimentoacaba por ter um duplo sentido: aproxima a teoriadeliberativa das abordagens pluralista eneocorporativa e a distancia dos seus conceitosinaugurais: esfera pública e ação comunicativa(FARIA, 2010), podendo-se questionar se essaopção por uma versão supostamente mais realistavai gerar um potencial crítico voltado à própriateoria deliberativa: “a ausência da ideia de esferapública, central na teoria deliberativa ‘clássica’como lócus privilegiado de formação de umaopinião pública reflexiva que envolve mobilização,tematização e interpretações de diferentes temas,perspectivas e interesses, empobrece [...] aproposta supostamente ‘realista’ de deliberaçãodemocrática. Tal esfera, vale lembrar, também fazparte de um sistema maior, caracterizado pordiferentes níveis que comportam diferentes tiposde comunicação e ação” (idem, p. 12).

Os elementos acima sugerem aperfeiçoamentosà teoria deliberativa e abrem a possibilidade demodificações e acréscimos que permitam conciliarseus elementos prescritivos e descritivos,notadamente na análise e aplicação de arranjosparticipativos reais. A democracia deliberativasurgiu com o resgate de uma dimensão pública

das questões sociais e políticas por meio dorevigoramento dos espaços públicos capazes dedefinir os rumos da ação governamental e daspolíticas públicas. A presente pesquisa procuraanalisar os formatos deliberativos sem perder devista a abordagem “clássica”, principalmente noque diz respeito à conexão dos desenhosinstitucionais à esfera pública e à ação comunica-tiva, sem, obviamente, deixar de reconhecer aslimitações dessa abordagem e a possibilidade deincorporar elementos que a tornem mais frutífera.

III. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS E ORÇAMEN-TOS PARTICIPATIVOS: CONGRUÊNCIASE DIVERGÊNCIAS

Em um continuum entre teoria e prática,ambicionamos estabelecer uma régua,assumidamente normativa, que nos permita aferiro quanto cada uma das experiências de participaçãoinvestigadas aproxima-se ou afasta-se dospressupostos da democracia deliberativa, comoteorizamo-la acima. A idéia é avaliar e cotejar osOPs e as APs em exame.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa éum estudo comparativo de quatro cidades e suasinstituições participativas orçamentárias.Priorizamos o exame de instituições implantadaspelos poderes executivos municipais e que fossempresenciais, permitindo a comunicação face a faceentre os participantes. (Portanto, não compõemesta investigação arranjos participativosorganizados por outros atores, p. ex., câmarasmunicipais, ou que operem em ambientes virtuais,a exemplo do OP Digital de Belo Horizonte ou dasconsultas online patrocinadas pela Prefeitura deCuritiba.)

No caso das cidades com orçamentoparticipativo – Porto Alegre, Belo Horizonte eRecife –, alvo de inúmeras pesquisas, oprocedimento consistiu da coleta de dadossecundários em material bibliográfico edocumentos oficiais das prefeituras municipais e,salvo indicação, os dados citados provêm destaúltima fonte. Para Curitiba, em face da carênciade informação, realizamos uma observaçãoetnográfica das audiências públicas, organizadaspelo poder Executivo, durante o ano de 2010.Algumas entrevistas informais, com participantesdas audiências, também foram feitas e nossasafirmações sobre a cidade advêm, praticamenteem sua totalidade, desses dois procedimentos oude documentos oficiais do município.

Page 7: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

133

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

As dimensões que orientaram as análisesformaram um roteiro (Quadro 1). Compuseramcada uma das dimensões duas ou mais variáveis,cuja mensuração deu-se por meio da constatação,em cada uma das instituições participativas, da

presença (fraca ou forte) ou ausência de elementosque, segundo nosso entendimento, sãoconstitutivos da democracia deliberativa. A partirdesse roteiro, construímos as inferências quepropiciaram nossos diversos achados.

QUADRO 1 – ROTEIRO DE ANÁLISE

FONTE: Os autores.

Instituição Participativa-Cidade: __________________________________

DIMENSÃO DESENHO INSTITUCIONAL

Variáveis Ausência (0), Presença Fraca (1), Presença Forte (2) de:

Pontuação

0 1 2 ?

Arcabouço institucional e funcionamento

Formulação das regras pelos cidadãos

Condições de participação Esferas amplas (para toda a sociedade) de participação

Discussão Espaços e fluxos de debates e negociações

Deliberação Delegação efetiva de poder

Subtotal

DIMENSÃO CONTEXTO

Variáveis Ausência (0), Presença Fraca (1), Presença Forte (2) de:

Pontuação

0 1 2 ?

Associativismo Níveis de associativismo que sustentem os desenhos

Conformação dos grupos políticos Processos bottom-up na implantação do desenho

Subtotal

DIMENSÃO POLÍTICA

Variáveis Ausência (0), Presença Fraca (1), Presença Forte (2) de:

Pontuação

0 1 2 ?

Representação Públicos múltiplos

Participação Ocupação efetiva do espaço participativo

Subtotal

DIMENSÃO ACCOUNTABILITY

Variáveis Ausência (0), Presença Fraca (1), Presença Forte (2) de:

Pontuação

0 1 2 ?

Transparência Prestação de contas

Responsividade Correspondência entre inputs e outputs

Subtotal

INDICE DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA

Page 8: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

134

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

O roteiro permitiu quantificar o desempenhodas instituições participativas de cada cidade,mediante a atribuição de pontos para os elementosconstitutivos da democracia deliberativa,constantes da discussão teórica acima. Quandoausente, a pontuação era nula. Para presença“fraca” atribuímos um ponto e, para presença“forte”, dois pontos. Como eram dez as variáveisem exame, construímos um índice, a quedenominamos Índice de Democracia Deliberativa(IDD), composto por uma escala de 20 pontos naqual, quanto mais próxima desse número apontuação atingida, maior a aderência da instituiçãoparticipativa à democracia deliberativa. Para aexposição dos resultados, discutimos odesempenho das quatro cidades em cada uma dasvariáveis. As cidades são apresentadas conformeum critério puramente cronológico, na ordem emque elas adotaram o arranjo participativo analisado.Por esse motivo, aliás, a pesquisa apresentadiferentes recortes temporais. Cada uma dasexperiências participativas foi avaliada desde suaconstituição até o presente e conforme os dadosdisponíveis, razão porque as análises por vezesabrangem períodos distintos, quando não seremetem ao contexto anterior que as engendrou.

III.1. Desenho institucional5

III.1.1. Arcabouço institucional e funcionamento

O Orçamento Participativo de Porto Alegreiniciou-se em 1989, ano da posse do primeiroPrefeito eleito pelo PT, Olívio Dutra, na capitalgaúcha. Atualmente, o OP está estruturado em 17assembléias regionais e seis temáticas (Quadro 2).Até 2008, havia duas rodadas de assembléias emcada uma dessas divisões. A partir de 2009, nagestão de José Fogaça – eleito pelo Partido PopularSocialista (PPS) e depois re-filiado ao Partido doMovimento Democrático Brasileiro (PMDB) –, foisuprimida a segunda rodada de assembléias, coma justificativa de simplificar a dinâmica.

As assembléias são a única instância na qualtodo e qualquer cidadão pode tomar decisões demaneira direta, ainda que sua participação sejamediada por algum nível de organização – é

necessário o participante relacionar-se amovimento social, associação, comitê de bairroetc. O critério de participação é a moradia, no casodas regionais, e o interesse, no caso das temáticas(AVRITZER, 2002b). Nas assembléias, indicam-se as demandas para o orçamento e elegem-sedelegados para o Conselho do OrçamentoParticipativo (COP) e para os fóruns regionais etemáticos, que são, na verdade, instânciasrepresentativas. A discussão do regimento interno(RI) se dá nos fóruns regionais e temáticos, nosmeses de novembro e dezembro no ano anteriorao da construção da peça orçamentária. Se porum lado, isso significa que são os cidadãos, pormeio de delegados, que constroem as regras defuncionamento do OP, por outro lado, essaparticipação não é propriamente direta.

Belo Horizonte conta com três modalidades deOP: OP Regional, OP Digital e OP Habitação.Analisamos aqui somente o Regional, o primeiro aser implantado, em 1993, na gestão de PatrusAnanias (PT). Entre as transformações e“correções” que o seu formato original sofreu, apartir de 1998 o ciclo aumentou de um para doisanos e, em 2003, foi introduzido o critério técnicosobre a determinação das demandas: as ÁreasPrioritárias para inclusão urbano-social (PIRES,2009). A cidade é dividida em nove regiõesadministrativas (Quadro 2), as quais se dividemem sub-regiões, que correspondem a uma ou maisUnidades de Planejamento (UPs).

Os trabalhos começam nas assembléias deapresentação das diretrizes, metodologia,calendário e recursos financeiros aprovados paracada região. A seguir, grupos de no mínimo dezcidadãos promovem discussões e definem asdemandas locais por meio de formulários, os quaisrecebem pareceres de órgãos da PrefeituraMunicipal de Belo Horizonte (PMBH). Se ademanda não for aprovada por razões legais outécnicas, a comunidade deve preencher outroformulário substituindo a solicitação. Na aberturadas assembléias da primeira rodada, o RegimentoInterno (RI) é lido, discutido e aprovado emplenária. Ou seja, os participantes determinam asregras do jogo. A segunda rodada compõe-se dereuniões nas sub-regiões para pré-seleção de 25solicitações (submetidas à avaliação técnica) eeleição dos delegados ao Fórum Regional dePrioridades Orçamentárias, a primeira instânciadecisória. Findas as assembléias, tem início aCaravana de Prioridades, na qual os delegados

5 Salvo indicação, as informações que possibilitaram as

análises desta e das demais dimensões foram retiradas dedocumentos publicados nos sítios das prefeituras munici-pais, respectivamente: Belo Horizonte (2007; 2011),Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010) e Recife (2011).

Page 9: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

135

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

eleitos visitam os investimentos pré-selecionados– condição para votar no Fórum. Neste, sãodiscutidos os 25 empreendimentos pré-selecio-nados para a eleição, dos 14 que comporão o PlanoRegional de Empreendimentos do OrçamentoParticipativo. Nesse momento é eleita a Comissãode Acompanhamento, Fiscalização e Execução doOrçamento Participativo (Comforça) – que super-visiona o encaminhamento das obras escolhidas.

O OP de Recife, iniciado na segunda gestão deJarbas Vasconcelos (1993-1997), atualmente temum ciclo semelhante ao de seu congênere porto-alegrense. Trata-se de um fluxo contínuo, que seinicia em um ano e termina no ano seguinte. Háuma etapa inicial com discussões em pequenosgrupos nas vizinhanças, seguidas de plenáriasregionais e temáticas (Quadro 2), em duas rodadas,quando, além da indicação de prioridades edemandas ao orçamento, elegem-se delegadospara o COP, instância decisória máxima. EmRecife, os novos delegados instalam-se nosfóruns, geralmente realizados no mês de agosto,e na discussão do método, no início do ano,momentos em que, mesmo de maneirarepresentativa, os cidadãos conseguem participarda definição das regras de funcionamento do jogo.

Em Curitiba, as Audiências PúblicasOrçamentárias começaram como ferramentas degestão do poder Executivo municipal com vistasà construção da Lei de Diretrizes Orçamentárias(LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA) – cf.Art. 165 da Constituição Federal (CF). Sãodisposições legais do Art. 48 da Lei deResponsabilidade Fiscal (LRF), e do Art. 44 da

Lei n. 10 257/2001 – Estatuto da Cidade, quedefendem a promoção do debate, a transparênciae a publicidade da gestão pública, bem como oincentivo à participação popular na formulação daagenda orçamentária municipal.

As Regionais (Quadro 2) são o locus dasreuniões nas APs. O processo compõe-se de duasfases de consultas populares. A primeira, visandoà construção da LDO, é cumprida no primeirosemestre de cada ano. Realiza-se uma rodada deAPs nas regionais e bairros da cidade e mais umaAP Geral6 na qual a Prefeitura Municipal de Curitiba(PMC), por meio da Secretaria Municipal dePlanejamento (Seplan), apresenta a LDO àpopulação com sua hierarquia de prioridades,construídas, segundo o poder Executivomunicipal, pela própria população por meio dasAPs. Ao término dessa fase, o poder Executivomunicipal envia a LDO para a Câmara Municipal.Votada pelos vereadores, a LDO retorna ao poderExecutivo para sanção do prefeito. A segunda faseocorre no segundo semestre e visa à confecçãoda LOA. O procedimento é o mesmo, i.e., umarodada de APs em cada Regional e mais uma APgeral na qual a Seplan apresenta a LOA à população,para em seguida enviá-la para a Câmara dosVereadores. A forma de participação dá-se por meiode sugestões registradas em fichas de ConsultaPopular, que são encaminhadas à Seplan. Note-seque, do ponto de vista formal, trata-se de meraconsulta, e, embora não haja um regimento internoque contenha normas de funcionamento, elas sãoestabelecidas e comunicadas pelo corpo técnicoda prefeitura, de modo que os cidadãos tambémnão participam de sua elaboração.

6 “Geral” é o termo dado pelos próprios técnicos da PMC

QUADRO 2 – CONFIGURAÇÃO BÁSICA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS CIDADES E INSTITUIÇÕESPESQUISADAS

CIDADE/ INSTITUIÇÃO

CONFIGURAÇÃO

Page 10: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

136

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

A análise da variável em exame – “arcabouçoinstitucional e funcionamento”, medida pela“formulação das regras pelos cidadãos” – revelaque, nas capitais com OPs, tal formulação estápresente, com intensidade forte em Belo Horizonte

(a despeito da forte mediação da PMBH) e fracaem Porto Alegre e Recife, na medida em que nestasúltimas os procedimentos são decididos eminstâncias representativas, por delegados. EmCuritiba, a ausência de regras escritas e adeterminação de todos os procedimentos pelosrepresentantes do poder Executivo, fazem comque os cidadãos tenham presença nula naelaboração das regras do jogo. As APs da capital

FONTE: os autores, a partir de Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010) eRecife (2011).

para designar essa AP de apresentação e sugestões finais daLDO e LOA.

Page 11: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

137

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

paranaense não atendem, portanto, a um requisitofundamental da democracia deliberativa.

III.1.2. Condições de participação

O OP é um espaço aberto à participação doscidadãos de Porto Alegre, desde que elesorganizem-se em alguma forma de ação coletiva– o que já introduz um limite à participação maisampla quando se considera a baixa taxa de adesãoa organizações associativas, inclusive na capitalgaúcha, como se verá adiante. Todo participantedas assembléias regionais e temáticas é elegívelpara compor as demais instâncias, mas somentenessas assembléias a participação é livre e direta,ou seja, os presentes podem participar dadiscussão e decisão relacionadas a indicardemandas e eleger delegados e conselheiros, parao Fórum do OP e o COP. Para este, por exemplo,cada regional elege dois conselheiros titulares edois suplentes. É o COP quem, no limite, toma asdecisões. Por um lado, isso limita um ciclo maiscompleto de deliberação com participação socialdireta. Por outro lado, seus integrantes foramescolhidos entre cidadãos ativos, quenecessariamente participaram de instânciasdeliberativas mais amplas, do ponto de vista daquantidade de participantes. Nesse sentido,exercem papel mediador, de levar às agendas daarena representativa, os temas – conseqüen-temente, demandas – que circulam desde as esferasinformais de discussão, passando por reuniões eassembléias mais amplas.

O desenho institucional do OP segue, destarte,o modelo piramidal proposto por Macpherson(1982) para a democratização das instituiçõesrepresentativas mediante o alargamento daparticipação. A discussão do RI e dos critérios dehierarquização dos recursos são pontos de partidadentro de um ciclo ininterrupto. Por um lado, alémdo caráter contínuo do fluxo de participação,discussão e decisão, há o fomento ao diálogo entreas instâncias, o que, ao menos formalmente,submete as decisões à sociedade civil, suasorganizações e movimentos. Quebra-se, dessemodo, o monopólio decisório das instituiçõestradicionais localizadas na esfera estatal e abre-sea possibilidade de a racionalidade comunicativaprevalecer. Pode-se mesmo afirmar que osprocedimentos que regem as decisões sãodebatidos e constituídos por meio de um processocoletivo e sob o controle dos sujeitos(LÜCHMANN, 2002). Por outro lado, a maior

parte das reuniões não está aberta à livreparticipação de todos os cidadãos que, após asassembléias regionais e temáticas, não têm mais apossibilidade de autorrepresentar-se.

Em Belo Horizonte, para que uma sub-regiãotenha pelo menos uma obra aprovada, no mínimo0,5% da sua população deve estar presente.Comparecimento menor implica diminuiçãoproporcional dos recursos, sendo estesredistribuídos proporcionalmente às demais sub-regiões que atingirem sua quota de presença. Dessemodo, a participação é aberta a todos nas rodadasdas sub-regiões com incentivos institucionais paraaqueles que participam. A partir daí adota-se ummodelo representativo, com delegados, cujaseleção é efetuada segundo o número deassociações comunitárias preestabelecidas e o depresentes nas assembléias. Os integrantes daComforça, por sua vez, são selecionados entre osdelegados em número proporcional à presença naplenária do Fórum Regional de Prioridades. AComforça resulta de disputa de chapas. Comotodas as sub-regiões devem estar representadasna Comforça eleita, se houver mais de uma chapa,sua composição deverá ser proporcional ao númerode votos recebidos por cada uma.

O OP de Recife faculta a todos participaremdas instâncias decisórias que compõem asprimeiras fases do ciclo, iniciadas pelocredenciamento das prioridades junto à prefeitura.Para tanto, os cidadãos reúnem-se em pequenosgrupos, discutem e elencam os investimentos quedesejam ver realizados, registrando o resultado emformulários próprios. As prioridades credenciadassão, em um segundo momento, submetidas aoescrutínio dos cidadãos em plenárias regionais nasquais também se escolhem os delegados que terãoassento no Fórum do OP. Ainda está-se, portanto,no espaço da participação ampliada e aberta aoconjunto da população, que vota, para definir asprioridades escolhidas nas referidas plenárias pormeio de urnas eletrônicas. As plenárias temáticastambém são abertas a todos. Nas fasesefetivamente deliberativas prevalece, contudo,uma lógica não muito distinta da democraciarepresentativa, ainda que no modelo piramidal deMacpherson (1982).

Curitiba abre suas audiências públicasorçamentárias à participação de todos os cidadãos,tanto os “não organizados” (sem vinculaçãoassociativa) quanto os “organizados”. No entanto,

Page 12: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

138

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

observamos que a maioria dos participantes é deassociações de moradores e demais organizaçõesque pressionam o poder Executivo por melhoriasdos aparelhos urbanos e demandas que passammais por uma dimensão cooperativa com o Estadodo que pela via do conflito político-ideológico(OFFE, 1989). Um aspecto importante é apresença em grande número da burocraciamunicipal (um representante de cada órgão deserviços da prefeitura e demais funcionáriosespalhados no “público”) para sanar dúvidas eresponder as demandas populares.

A dinâmica interna das APs é padronizada. Aforma de manifestação das demandas é a Fichade Consulta Pública, que o cidadão preenche eencaminha à mesa diretiva. No folheto, pergunta-se em que áreas a prefeitura deve investir e quemelhorias devem ser realizadas na região. Antesde preencher suas fichas, os cidadãos têm cercade 20 a 30 minutos para discussão. As fichas sãoseparadas por temas, como saúde, educação,habitação etc., e encaminhadas para os técnicosda prefeitura, que respondem os questionamentose apontamentos dos folhetos. As APs gerais, deapresentação da LDO e da LOA, que ocorrem nocentro da cidade, seguem o mesmo procedimento,distinguindo-se apenas pelo fato de serem maisexpositivas da base legal do orçamento, dosresultados das consultas populares, do planodiretor etc., com uma densa exposição de slides eexplicações técnicas que se assemelham a umaaula sobre como se constrói o orçamento, sempredenotando aquilo que cabe no planejamento degoverno.

Antes de continuar a análise em curso, umabreve digressão é necessária. A democraciadeliberativa reconhece a impossibilidade de umaparticipação direta de todos, a todo o tempo.Admite, portanto, que a representação é inelutável,porém concebe-a para além de seu carátertradicional nas democracias ocidentais,consubstanciado no mandato eleitoral no qual nãoraro é frágil o vínculo entre as preferências dosrepresentados e a atuação dos representantes. Emum balanço teórico da questão, Avritzer (2007)sintetiza as concepções participativas darepresentação propugnando formas que valorizema sociedade civil em suas esferas cotidianas,informais, discursivas, nas quais temas quepoderiam encontrar dificuldades, senão barreirasde entrada nas agendas públicas, em especial nasparlamentares, circulam mais livremente. Uma das

possibilidades é a de atores da sociedade civil, quecomumente lidam com esses temas, exercerempapel mediador, seja vocalizando-os, em umaespécie de advocacy dos grupos sociais, sejamesmo ocupando posições em instituiçõeshíbridas, participativas e representativas, comofóruns, conselhos gestores de políticas públicasou como as analisadas nesta pesquisa.

Considerando então a variável “condições departicipação” – avaliada pela presença de “esferasamplas de participação” – poderíamos, à primeiravista, ponderar que essa presença seria fraca nostrês OPs analisados, mormente se a medirmos pelapossibilidade de todos os cidadãos poderemparticipar de todas as fases de deliberação. Noentanto, é plausível relativizar tal avaliação. Asinstâncias representativas – fóruns do OP, COP,Comforça etc. – compõem-se de cidadãos atuantesna sociedade civil, oriundos das bases e eleitosentre todos os participantes das instâncias maisamplas, aportando temas e demandas específicasdessas mesmas bases. Somemos a isso as formasde controle da participação dos representantes,como, por exemplo, a participação do cidadãocomum, com direito à voz, nos COPs, e tem-seuma configuração que, potencialmente, favoreceum caráter mais substantivo à representação e àprópria participação defendida pela teoria. Emcontraste, Curitiba abre todas as audiênciaspúblicas para todos, indistintamente. Basta chegar,cadastrar-se e participar. O limite reside no alcanceda participação, meramente consultiva.

III.1.3. Discussão

Todas as instâncias do OP da capital gaúchaprevêem uma discussão ampla e livre pelosparticipantes. Para cada instância há umacoordenação que conduz as reuniões, integradapor membros da prefeitura municipal de PortoAlegre e da sociedade civil, com maioria desta.Prevê-se rodízio entre os integrantes nacoordenação das reuniões, o que formalmente (naprática pode ser diferente) reduz possíveis viesesem prol de um ou outro segmento na conduçãodos trabalhos. Há regras para garantir que diversaspessoas falem, como a que limita em dois minutoso tempo para cada intervenção nas reuniões doCOP. As decisões são coletivas, sendo tomadasapós a discussão de cada ponto de pauta, por meiode votação entre os sujeitos com direito a voto. Oproblema é o alcance do que cada uma dasinstâncias delibera. Como as assembléias realizam-

Page 13: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

139

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

se em rodada única, o diálogo fica restrito, assimcomo sua pauta: discute-se a prestação de contasdo exercício anterior e elegem-se as prioridadestemáticas, conselheiros e delegados, todosratificados na Assembléia Municipal, na qual osconselheiros tomam posse e entrega-se ahierarquização das obras e serviços.

Devido ao formato descentralizado em UPs esub-regiões, o debate público dos problemas dacidade de Belo Horizonte possui capilaridade,porém com forte presença da burocracia daPMBH, mediante o Grupo Gerencial do OP,responsável por formulá-lo, implementá-lo,executá-lo e acompanhá-lo. O Grupo reúnemensalmente gestores executivos e técnicos dosórgãos municipais para discutir e encaminhar asquestões e tarefas. Durante a discussão pública eas deliberações, o quadro funcional da prefeituraé reforçado por técnicos contratados para arealização de vistorias e a estimativa de custos dasobras. Destaca-se, entretanto, o papel dasCaravanas das Prioridades: um intenso processode negociações no qual, em muitos casos, osdelegados, após visitarem os investimentos, abremmão de suas próprias demandas para acatarem asde outros em situação mais urgente. A razãocomunicativa é assim imperativa, pois os agentes“colocam-se no lugar do outro”, de seus pares,para compreenderem as necessidades dosempreendimentos solicitados.

Outro elemento a destacar em Belo Horizonteé o mecanismo já mencionado, que condiciona aintegralidade dos investimentos à participação de0,5% da população da sub-região. Isso éimportante porque o desenho institucional fomentaa discussão nas vizinhanças e que os cidadãosconvidem outros cidadãos a discutir suasdemandas e prioridades, inicialmente de maneirainformal, e a levá-las ao espaço participativoformal, aspecto bastante caro à democraciadeliberativa.

As instâncias do OP de Recife possuem regrasde funcionamento que permitem a manifestaçãolivre dos cidadãos, inclusive no Fórum do OP,instância representativa em que todos podem,contudo, falar livremente, desde que se inscrevamna coordenação das reuniões. Restrições ao direitoà fala são encontradas no COP – podem mani-festar-se apenas seus membros, representantesregionais e temáticos. Os demais cidadãos quequeiram exprimir-se nas reuniões do COP

precisam de autorização do conselho. Todavia,prevalecem espaços em que a discussão éamplamente possibilitada. Como ocorre em BeloHorizonte, o desenho institucional incentiva adiscussão em espaços informais, ao obrigar aformação de pequenos grupos nas vizinhanças paraa eleição das prioridades de investimento.

Em todas as APs de Curitiba, os procedimentoscomunicativos dão-se por meio de microfonesmonopolisticamente coordenados pela mesadiretiva. Em algumas poucas ocasiões, hámicrofones sem fio que vão até o público.Vereadores e demais autoridades políticas quetransitam entre uma e outra AP possuemprerrogativa de fala. Os feedbacks dos técnicosquase sempre têm um caráter justificador, tantosobre alguma decisão tomada, quanto sobre apossibilidade de atender ou não uma demanda. Namaioria dos casos o tom discursivo éeminentemente técnico, fato que faz prevalecer osilêncio após as explanações. A comunicação é,portanto, plasmada pelo discurso tecnocrático,prevalecendo uma desconstrução dos argumentosdas demandas sociais e da possibilidade dadeliberação em si, sendo ausentes espaços e fluxosde debates e negociações. Um exemplo: quandoas APs chegam ao horário de término, osadministradores das regionais informam que todasas “sugestões e reivindicações serão encaminhadasà Seplan e serão respondidas via fone ou e-mail”.Caso contrário, “procurem a Rua da Cidadania7”.Fatos como esses indicam um compromisso maiorcom o horário, tempo racionalizado e controlado,do que com o processo discursivo e deliberativo.

Às vezes, os feedbacks do poder Executivomunicipal têm viés de tutela moral e, quando osparticipantes não “se comportam adequadamente”,manifestando contestações, vaias, murmúrios etc.,os administradores não hesitam em enquadrar ossujeitos com respostas secas, diretas e, às vezes,irônicas: “já foi respondido!”, “ok, anotado,colocado seu ponto. Próxima pergunta?”, “esseassunto já foi abordado” etc.. Tentativas de debatee tréplicas ou quando as conversas tornam-se maisríspidas, geram exacerbação dos técnicos pelo

7 Ruas da Cidadania são espaços construídos pela Prefei-tura de Curitiba nos bairros, em geral junto a terminais detransporte coletivo, que concentram serviços públicos que,desse modo, são ofertados de maneira descentralizada.

Page 14: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

140

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

respeito à ordem das intervenções e às “perguntasque foram feitas pelas Fichas de Consultas!”.

A variável “discussão” – aqui mensurada pelapresença de “espaços e fluxos de debates enegociações” – tem comportamento bastantedistinto nos arranjos participativos estudados. NosOPs de Belo Horizonte e Recife eles têm fortepresença, pois além de estruturas formais abertasà fala dos cidadãos, os desenhos institucionais dosOPs dessas cidades propiciam amplos fluxoscomunicativos em espaços informais, o que severifica nas demais cidades de maneira difusa,pouco incentivada pelo desenho em si. Em PortoAlegre, espaços e fluxos de debates e negociaçõesexistem, mas sua presença é fraca, principalmenteapós a supressão da segunda rodada deassembléias regionais e temáticas. Em Curitiba,embora eles até existam, são de tal modo tuteladose limitados pelo poder público que se pode afirmarsua ausência como esferas públicas como aspreconizadas pela democracia deliberativa.

III.1.4. Deliberação

O OP de Porto Alegre é uma instância cujasdecisões têm amplo escopo. No entanto, o corpoburocrático do governo municipal acaba porexercer forte influência, na medida em que aagregação de preferências por meio da escolha ehierarquização das demandas obedece a critérioseminentemente técnicos (LÜCHMANN, 2002).Outro limite ao poder de deliberação é o baixopercentual do orçamento público objeto dediscussão, que nunca ultrapassou 10% doOrçamento Global, principalmente devido a limiteslegais como despesas vinculadas, com pessoal,custeio etc. Trata-se de um aspecto importante,que reduz as possibilidades de os governosinvestirem nas áreas mais pobres da cidade(SOUZA, 2001), gerando “escolhas trágicas”entre demandas prioritárias (LÜCHMANN, 2002).Ademais, como alerta Avritzer (2002b), o OP decidea alocação dos recursos, mas não ataca o pontocrucial da elaboração das próprias políticasmunicipais, totalmente a cargo do poder Executivo,não apenas em Porto Alegre, mas em todas ascapitais estudadas.

Buscando equilibrar planejamento urbano eparticipação, a prefeitura de Belo Horizonte adotougradualmente regras e critérios técnicos formadospor índices, coeficientes e pontuações. Osprincipais exemplos são o Índice de Qualidade deVida Urbana (IQVU) e as Áreas Prioritárias de

inclusão urbano-social – compostos por váriosindicadores de educação, saúde, infraestruturaurbana, habitação etc. Implantados respecti-vamente em 2000 e 2003, permitem identificarprecisamente as regiões que mais necessitam deinfraestrutura. Belo Horizonte coloca, assim,desafios à discussão das experiências participativascomo espaços para a deliberação racional eformação de preferências, pois os efeitosdistributivos do OP não teriam sido alcançadossem a introdução-correção gradual das regras ecritérios técnicos. O formato desse OP sugere quea ampliação da capacidade de execução e eficiênciagerencial foi atingida à custa do recrudescimentodo poder de agenda do poder Executivo municipal(PIRES, 2009). De todo modo, a dinâmicaregistrada em Belo Horizonte permite que oscidadãos afetem as decisões do poder públicosobre o orçamento, com regras e critérios claros,mesmo que esses imponham e favoreçamdeterminadas decisões.

O OP de Recife, assim como os de Porto Alegree Belo Horizonte, é uma estrutura de participaçãocom poder deliberativo, cujas decisões vinculamparte do orçamento público às preferênciasmanifestas dos cidadãos. Vale a ressalva, contudo,de que a parcela do orçamento em relação à qualos cidadãos efetivamente decidem é poucosignificativa. Segundo Costa (2010), até 2004pouco mais de 5% da LOA foram objeto dedeliberação, ainda que esse valor represente aintegralidade dos recursos para investimento,sendo apontadas, para a capital pernambucana,limitações semelhantes às presentes em PortoAlegre.

As APs de Curitiba não têm caráter decisório,apenas consultivo, sem garantias de que elasdirijam as ações da PMC. É certo que asinfluenciam, mas em um grau impossível demedir-se. A decisão sobre a agenda de ações daprefeitura é prerrogativa exclusiva desta, maisespecificamente da Seplan (vinculada diretamenteao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbanode Curitiba (Ippuc)) e da Secretária Municipal deFinanças (SMF). Da mesma forma, a prefeituranão disponibiliza informações claras sobre oquanto do orçamento é destinado para as sugestõesapresentadas nas APs. Em 2010, por exemplo, 8%do total da receita líquida foi prevista para aaplicação de Investimentos do Município, isto é,para as “prioridades estabelecidas no Plano deGoverno 2009-2012 e uma série de proposições

Page 15: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

141

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

apresentadas nas audiências públicas promovidasnas nove administrações regionais” (CURITIBA,2009; sem grifos no original), não havendo,contudo, indicação de quanto exatamente foialocado para atendimento das demandasapresentadas nas APs.

Avaliando o comportamento da variável“deliberação”, mediante a “delegação efetiva depoder”, é possível afirmar que sua presença é fracanos três OPs em apreço, sobretudo porque ospercentuais dos orçamentos sobre os quais se

delibera são bastante tímidos e também porque,no limite, as prefeituras jogam um papeldeterminante nos destinos dos recursos e naprópria construção das políticas. Em Curitiba, nãohá deliberação. Quando muito, pode-se designaro processo de consultivo ou, como prefere umaautora de trabalho recente sobre as APs da cidade,de ouvidoria (AZOLIN, 2011).

A Tabela 1 sintetiza o comportamento dasvariáveis que compõem a dimensão “desenhoinstitucional”.

TABELA 1 – COMPORTAMENTO DAS VARIÁVEIS DA DIMENSÃO “DESENHO INSTITUCIONAL”

FONTE: os autores, a partir de Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010) eRecife (2011).

III.2. Contexto

III.2.1. Grau de associativismo

Associativismo é uma variável de difícilmensuração. Diante da inexistência de umapesquisa nacional que afira o grau de participaçãoassociativa das populações de todos os municípios,pesquisadores procuram estabelecer proxies, comoAvritzer et alii (2007), que utilizaram o cálculo darazão entre o número de associações e a populaçãode uma cidade, em pesquisa, que incluiu Recife,sobre o associativismo civil no Nordeste Brasileiro.Utilizamos o cálculo do referido estudo para asoutras capitais, no presente trabalho, e usandodados das prefeituras, obtivemos os índicesconstantes na Tabela 2.

TABELA 2 – ÍNDICES DE PARTICIPAÇÃO EMASSOCIAÇÕES (IPA) NAS CAPITAIS PESQUISADAS(N° DE PARTICIPANTES POR MIL HAB.)

Esses resultados apontam para um nívelcomparativamente alto de associativismo nascapitais mineira e pernambucana e para umresultado surpreendentemente modesto para PortoAlegre, cujo índice assemelha-se ao de Curitiba.Reconhecemos a fragilidade do indicador, pois ele

FONTE: os autores, a partir de Avritzer et alii (2007),Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011),Porto Alegre (2010), Brasil. Datasus (2011) e Recife(2011).

VARIÁVEL AUSÊNCIA (0), PRESENÇA

FRACA (1), PRESENÇA FORTE (2) DE:

CIDADE

PORTO ALEGRE

BELO HORIZONTE

RECIFE CURITIBA

Arcabouço institucional e funcionamento

Formulação das regras pelos cidadãos

1 2 1 0

Condições de participação

Esferas amplas (para toda a sociedade) de

participação

2 2 2 2

Discussão Espaços e fluxos de debates e negociações

1 2 2 0

Deliberação Delegação efetiva de poder

1 1 1 0

Total de pontos (máximo 8) 5 7 6 2

CIDADE IPA

Porto Alegre 0,51

Belo Horizonte 1,13

Recife 1,50

Curitiba 0,50

Page 16: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

142

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

pouco diz sobre a natureza das associações, seuprocesso de formação e o tipo de relação que elasmantêm com os poderes executivos. Todavia, nafalta de outro índice que efetivamente permitacomparações entre todas as cidades investigadas,utilizamo-lo como pano de fundo de nossasanálises.

Estudos sobre participação política em PortoAlegre apontam a presença de um forte grau deorganização da sociedade civil (SANTOS, 1998;SETZLER, 2000; AVRITZER, 2002b). Os índicesacima assinalam, no entanto, a necessidade derelativizar-se a afirmação dessa cidade como aMeca brasileira da participação e do civismo. Acapital gaúcha registra os mesmos tímidosindicadores de participação política organizadapresentes em outras partes do país, constataçãoreforçada pelos resultados de investigação sobrea capital gaúcha, baseada em survey (VISCARRA,2010). É provável que, na atualidade, a cidadepossua um conjunto relativamente pequeno demilitantes com múltiplas afiliações, que passa umaprimeira impressão de forte ebulição da sociedadecivil, rapidamente dissipada quando se considerao tecido social em sua totalidade.

O índice de participação em associações deBelo Horizonte é mais que o dobro do de PortoAlegre, o que sugeriria um associativismo civilbastante fértil. No entanto, Avritzer (2002b) registradiferenças importantes entre as duas capitais.Enquanto entre participantes do OP da capitalgaúcha a mobilização das comunidades é apontadacomo o principal fator para a obtenção debenefícios materiais, na capital mineira, relaçõespessoais com políticos é o modo mais comumenteapontado para a obtenção desses benefícios. Omotivo residiria no fato de que “Belo Horizontetem uma formação histórica mais conservadora,com menos mobilização e maior presença dosmediadores políticos” (idem, p. 37). De todomodo, havia um forte associativismo comunitárionas duas cidades antes da implantação dosdesenhos. O OP torna-se viável, portanto, porqueas suas assembléias locais herdaram práticas dasassociações de moradores de Belo Horizonte ePorto Alegre desde o final dos anos 1970 (idem),mesmo que uma parcela minoritária de seusmoradores participasse efetivamente dasassociações.

Recife destaca-se pelo alto índice departicipação em associações. No final dos anos

1970, a cidade seguiu uma dinâmica semelhante àdas capitais do Centro-Sul, no bojo do novoassociativismo civil, relacionado a novosmovimentos sociais e à luta pela redemocratização.O período é caracterizado pelo fortalecimento deassociações de moradores que rompem o padrãoclientelista de relação com os governos, clamandopela conquista de direitos de cidadania, processoque culmina com a eleição, em 1985, de JarbasVasconcelos, liderando uma frente de centro-esquerda, nas primeiras eleições para prefeiturasde capitais dos estados após o regime militar. Emseu mandato, iriam desenvolver-se as experiênciasparticipativas que constituirão o futuro OP recifense(SILVA, 2003).

Curitiba é, dentre as cidades investigadas, aque apresenta o menor índice de participação emassociações, com resultado muito próximo ao dePorto Alegre. Some-se isso ao padrão autoritáriode gestão municipal e desvendam-se os porquêsda debilidade em constituir-se um associativismocomunitário independente, que induza experiênciasparticipativas. Na capital paranaense, essas acabampor ser organizadas e implantadas de cima parabaixo, pelo poder Executivo municipal que,ademais, dificilmente aceita movimentos nãoformalizados como interlocutores. Uma hipótesea ser verificada, em trabalhos futuros, é se a cidadepoderá vivenciar uma inflexão na sua dinâmicaassociativa com as APs. Em nossas observações,notamos que as audiências podem estar a fomentarum movimento de vizinhança mais autônomo,menos preso aos ditames do clientelismo emcomparação com um histórico de associaçõestuteladas pelo poder Executivo municipal(CLEMENTE, 2008; 2011).

À luz das análises acima, podemos averiguaro desempenho da variável “associativismo”,aferida pelos “níveis de associativismo quesustentem os desenhos”. Inferimos que Recife eBelo Horizonte são as capitais investigadas ondetais níveis têm forte presença, mesmo com ascaracterísticas clientelísticas mais intensas nacapital mineira. Em Porto Alegre, os níveis sãodébeis. Aparentemente, as expressões associativasfervilharam em décadas passadas e foramimportantes para a constituição, mas não paramanutenção da participação social, o que vemadquirindo contornos dramáticos, como se veráadiante. Curitiba possui, obviamente, um campoassociativo, mas que não sustentou nem sustentaas audiências públicas orçamentárias, isto é, não

Page 17: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

143

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

como esferas públicas de deliberação.

III.2.2. Conformação dos grupos políticos

Para Souza (2001), o OP tem relação diretacom o crescimento dos governos locais deesquerda desde o final dos anos 1980, ainda queexperiências participativas tivessem ocorridodesde o regime militar em cidades administradaspela oposição. Matthaeus (1995) chega a afirmara impossibilidade de sua implantação por partidosque não sejam de esquerda, mesmo queagremiações à direita do espectro político possammanter o OP quando vencem eleições em cidadesonde ele já tenha sido instituído, embora,geralmente, com modificações que reduzem seuescopo.

Nylen (2000) aponta as razões para essaprimazia da esquerda, em face dos objetivos queseus governos colocam-se: (i) inversão deprioridades, no sentido de favorecer os pobres;(ii) o empoderamento, pelo qual os cidadãos tomamconsciência das desigualdades e injustiçasexistentes e enfrentam-nas por meio da açãocoletiva visando alcançar reformas progressivas;(iii) o autogoverno local. O OP depende, portanto,da vontade política do grupo que se encontra nogoverno da cidade e não da obediência aimperativos legais vindos de um ente federativosuperior, como as APs.

Em Porto Alegre, o OP resultou de umafermentação de reivindicações participativas degrupos e tendências progressitas, das basescomunitárias que convergiam na União dasAssociações de Moradores de Porto Alegre(Uampa) fundada em 1983 e profundamenteidentificada com as lutas pela democratização doEstado e a criação de espaços de democracia direta.O momento culminante foi, entretanto, a conquistada prefeitura pelo PT, em 1988, com Olívio Dutraà frente da chapa vencedora (AVRITZER, 2002b).Naquele momento, o PT possuía mais conexõescom as grassroots, levando ao aparatogovernamental algumas de suas características,sendo a discussão aberta e exaustiva uma das maismarcantes. O OP foi, então, implantado no anoseguinte e funciona até o presente. A experiênciaporto-alegrense é, todavia, ilustrativa de como osgrupos que se encontram no poder Executivoafetam diretamente o desenho e o funcionamentoda instituição participativa. Em 2009, José Fogaça,candidato oposicionista eleito no ano anterior,modifica o procedimento deliberativo do OP,

principalmente suprimindo a segunda rodada deassembléias regionais e temáticas. Justificadacomo uma medida simplificadora da participação,o efeito prático foi um esvaziamento do OP, quepode ser constatado pela redução paulatina esignificativa no número de participantes.

Na capital mineira, o PT venceu as eleiçõesem 1992, com Patrus Ananias, e em 1993 colocouem prática o OP. A partir de 1997, a cidade foiadministrada pelo Partido Socialista Brasileiro(PSB) do Prefeito Célio de Castro, que deucontinuidade ao desenho participativo. Narealidade, em 1996, o PT lançara a candidatura deVirgílio Guimarães, contra a vontade de Patrus,que preferia seu vice, Célio de Castro, vencedordo pleito. Ou seja, não houve ruptura de fato.

O PT retorna à PMBH em 2005, mas em 2009o PSB volta à direção da cidade. Houve, assim,uma independência relativa da credibilidade do OPem relação ao PT. Essa credibilidade foi construídana relação entre a administração pública e atoressociais durante a execução do formato (idem).Todavia, a Secretaria Municipal de Planejamentoteve um papel fundamental na concepção e naexecução do OP em Belo Horizonte. O órgão,detentor de grande força política e do controle deimportantes recursos críticos de naturezaorçamentária, criou um engenhoso sistema deplanejamento combinado com participação popular(ver subseção III.4.2, adiante).

A experiência da capital mineira aponta para acompatibilização de diferentes burocracias pormeio de negociações. As atividades de coordenaçãoexercidas pela Secretaria de Planejamentoconcentraram-se nas fronteiras e interfaces dosórgãos e políticas governamentais, parecendocorreto afirmar que antes de abrir a discussão comos setores organizados da sociedade, logrou-sepactuar, internamente à Prefeitura, uma propostaconsensual de OP (PIRES, 2009). Ingredienteadicional à análise em curso é o atual Prefeito,Maurício Lacerda (PSB), ter sido eleito com apoiodo PT e do Partido da Social Democracia Brasileira(PSDB), do ex-Prefeito Fernando Pimentel e doex-Governador Aécio Neves, respectivamente.Pode-se dizer que Belo Horizonte encontra-se naconfluência entre participacionismo egerencialismo, talvez influenciada pelo fato de agovernança do poder Executivo municipal resultarde uma rara aliança entre esses dois partidos emgrandes cidades.

Page 18: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

144

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

A tradição política de Recife, comumentecaracterizada pelo intenso associativismo civil e aexpressiva densidade social e eleitoral de gruposidentificados com a esquerda, também é apontadacomo diferencial e base de instituiçõesparticipativas bem sucedidas, cuja constituiçãoremonta a um período anterior ao golpe militar de1964, fins da década de 1950, início da de 1960,quando a cidade foi governada pela Frente doRecife, tendo, à dianteira, Miguel Arraes ePelópidas da Silveira, ainda que em uma chavepopulista (SILVA, 2003; BRAGA & BRAGA,2008). Em 1985, é eleito o Prefeito JarbasVasconcelos, figura de proa do autodenominado“MDB autêntico”, a ala do partido mais combativaao regime militar e que, com o retorno dopluripartidarismo, migrou, em geral, para partidosde esquerda como o PDT, o PCB, o PC do B, PTe o próprio PSB, sigla que abrigou Jarbas quandoeste não obteve legenda no PMDB8 em 1985.

Resultado de uma coalizão de centro-esquerda(a “Frente Popular do Recife”), o mandatoculminou na implantação do Programa Prefeituranos Bairros (PPB), o qual, superando os canaistradicionais de distribuição dos recursos e decaptura dos inputs societais, viria a ser o embriãodo OP no Recife. Com PPB, o poder Executivomunicipal estabelece uma interlocução direta comas lideranças comunitárias e suas organizações.Em 1993, Jarbas Vasconcelos, já de volta aoPMDB, retorna à prefeitura, agora sustentado, noentanto, por uma coalizão de centro-direita emfunção de mudanças na correlação das forçaspolíticas pernambucanas. Destaca-se, nesseperíodo, a implantação do Orçamento Participativocomo desdobramento do PPB, que temcontinuidade no mandato seguinte (1997-2000),de Roberto Magalhães, do Partido da FrenteLiberal (PFL), apoiado por Jarbas. Porém, comoem outros municípios, a inflexão nos processosparticipativos é a chegada do PT ao poderExecutivo municipal, em 2001, com o PrefeitoJoão Paulo. Há, a partir de então, alterações nodesenho institucional e no funcionamento do OPrecifense, inspiradas em Porto Alegre, ainda que

Olívio Dutra tenha inicialmente se inspirado noPPB do Recife (AZEVEDO & ANASTASIA,2002).

Em Curitiba, o grupo político que manteve suahegemonia até 2004 sobre a administração públicaoriginou-se do próprio Estado Burocrático-Autoritário. “Trata-se de um grupo que funda sualegitimidade, principalmente, ‘no discurso dacompetência’ técnica no planejamento urbano”(SOUZA, 2003, p. 5), vale dizer, da intervençãono reordenamento espacial da cidade com baseem uma argumentação técnico-racional. Houveapenas uma rápida interrupção dessa hegemonia,entre os anos de 1983 e 1988, quando a prefeituramunicipal foi administrada pelo PMDB.

As APs orçamentárias começaram em 2001,no mandato de Cássio Taniguchi (PFL),respondendo aos já discutidos constrangimentosnormativo-institucionais. Todavia, as audiênciassó adquirem importância quando Beto Richa, doPSDB, venceu as eleições municipais de 2004,sobre o candidato do PT, Ângelo Vanhoni. Duranteo período eleitoral, muitos debates foramrealizados em torno da tendência tecnocrática dopoder Executivo municipal e o candidato petistaapresentou a proposta de implantação do OP. Findoo pleito, o Prefeito, mesmo sendo o candidatosituacionista e Vice-Prefeito da gestão que haviaacabado de terminar, procurou realizar uma gestãomais próxima da comunidade, ou seja, Richaprocurou politizar as formas de comunicação einteração com a sociedade civil curitibana. É nessecontexto que desde 2005 as APs ganham destaqueem Curitiba. Trata-se de um requisito legal quepassou a receber forte conotação de teorparticipativo no que diz respeito à construção daagenda orçamentária da cidade. A gestão do PSDBem Curitiba mostra-se emblemática, uma vez queela representa uma forma quase que estratégicade combinação entre um modelo tecnocrático eum modelo voltado à maior participação societária,até devido às pressões provenientes da esferapública. O fato de Beto Richa ser filho de JoséRicha – político ligado aos movimentos daredemocratização – mas também ter sido Vice-Prefeito de Cássio Taniguchi, aponta nessa direçãocombinatória, quase “híbrida”.

Taniguchi é o exemplo acabado de um prefeitotecnocrata em Curitiba, juntamente com seupadrinho político, Jaime Lerner. Arquiteto eurbanista de fama mundial, Lerner participou da

8 Respectivamente: Partido Democrático Trabalhista(PDT), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Co-munista do Brasil (PC do B), Partido dos Trabalhadores(PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido doMovimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Page 19: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

145

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

criação do Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano de Curitiba (Ippuc), na década de 1960.Em 1965, foi responsável pelo Plano Diretor dacidade, que a consagrou como “cidade modelo”.Filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena)em 1971. Nomeado Prefeito de Curitiba por duasvezes e eleito em 1988, já na Nova República, porsufrágio popular pelo PDT, em 1994, venceu aseleições para o governo do Paraná, sendoreconduzido ao cargo em 1998, pelo PFL.

Na gestão de Beto Richa, aglutinaram-se, noscargos de primeiro escalão, tanto nomes quepertenceram ao antigo MDB quanto nomeshistoricamente ligados ao grupo que se formouao redor de Lerner (NAZARENO, 2005). Todaessa constelação de forças teve impacto na formapela qual se formaram as APs, bem como a suadinâmica interna, na qual há a reprodução de umpadrão comportamental, a saber: a legitimação dasdecisões pelo discurso da competência técnica.

Os três OPs, de modo mais ou menos evidente,resultam de pressões advindas das bases sociaisque, especialmente na década de 1980,pressionaram os poderes executivos municipais a

criarem canais mais diretos de comunicação eabsorção de demandas. Tais pressões por si sóseriam, no entanto, insuficientes. O fato de elasencontrarem, à frente dos poderes executivosmunicipais, forças políticas (notadamente o PT)que tinham entre seus objetivos declarados ademocratização da esfera pública mediante aintrodução de desenhos participativos, foi essencialem Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. Aconjugação desses dois fatores – pressões dasociedade civil e prefeituras governadas pordeterminadas vertentes do espectro político-ideológico – permite-nos constatar a presença, nastrês capitais, de processos bottom-up naimplantação do desenho participativo, com quemedimos a variável conformação dos grupospolíticos, ainda que essa presença seja fraca nacapital mineira, em função do papel exercido pelaburocracia municipal. Curitiba apresenta-se comoum caso desviante das referidas cidades, namedida em que tais processos estão ausentes. ATabela 3 sintetiza o comportamento das variáveisque compõem a dimensão “Contexto”.

TABELA 3 – COMPORTAMENTO DAS VARIÁVEIS DA DIMENSÃO “CONTEXTO”

FONTE: os autores, a partir de Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010),Brasil. Datasus (2011) e Recife (2011).

III.3. Política

III.3.1. Representação

Souza (2001), a partir de sua revisão deliteratura sobre o OP de Porto Alegre, afirma queeste possibilita um empoderamento pelo qual oscidadãos, inclusive os mais pobres, têm acessoao processo decisório local, a despeito de suaindução e coordenação pelos governos. Por causada redistribuição de recursos, consubstanciada emincrementos materiais e simbólicos nascomunidades pobres, o OP estaria a promover uma

democracia afirmativa nessa cidade, reduzindotradicionais assimetrias (NAVARRO, 1999).Atendo-nos exclusivamente aos conselheiros,sujeitos com maior poder de decisão entre todosos participantes do ciclo, a composição do COPem 2002 segundo o gênero – 52,5% mulheres e47,5% homens – era praticamente idêntica àcomposição da sociedade brasileira em geral.Quanto à renda familiar, para um salário mínimo(SM) de R$ 200 à época, 21,7% ganhavam menosde dois SM, enquanto 28,3%, entre dois e quatroSM. Ou seja, metade dos conselheiros tinha uma

VARIÁVEL AUSÊNCIA (0), PRESENÇA

FRACA (1), PRESENÇA FORTE (2) DE:

CIDADE

PORTO ALEGRE

BELO HORIZONTE

RECIFE CURITIBA

Associativismo Níveis de associativismo

que sustentam os desenhos

1 2 2 0

Conformação dos grupos políticos

Processos botton-up na implantação do desenho 2 1 2 0

Total de pontos (máximo 4) 3 3 4 0

Page 20: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

146

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

renda familiar mensal de até quatro SM. Outroindicador que destacamos é a escolaridade: a somados que tinham até o Ensino fundamental(incompleto: 27,9%; completo: 11,5%)aproximava-se dos 40% (CIDADE, 2003).

Considerando o poder de deliberação do COPe comparando os números acima com os dequalquer outra instância de decisão sobre alocaçãode recursos (p. ex., câmaras municipais), o OPpromove a inclusão de estratos historicamentemarginalizados das decisões políticas, que neleestão diretamente representados. Ainda há deressaltar-se o corte temático do OP de PortoAlegre, que aumenta a possibilidade de públicosmúltiplos participarem dos processos dedemocratização da gestão pública. Aparecem,contudo, indícios de que o potencial inclusivo doOP pode ter atingido seu limite. Informe do BancoMundial de 2008 apresenta vários problemas nanova fase de execução do OP (a partir do mandatode José Fogaça), como o declínio da participaçãodos muito pobres e a sub-representação dos jovensnestas instâncias (GUGLIANO, 2009).

O OP de Belo Horizonte está focado nadistribuição de recursos e benefícios materiais, nãoapresentando corte temático como os de PortoAlegre e Recife. Áreas como educação, saúde eproteção social são de exclusiva competência daadministração municipal, não sendo contempladaspelo formato participativo da capital mineira,restringindo-se, desse modo, o alcance da suarepresentatividade (AVRITZER, 2002b). Em geral,os participantes são lideranças das comunidades,fato que é reforçado pela própria regra que defineos delegados, pois cada associação comunitárialegalmente estabelecida tem direito a um delegadoe um suplente, tornando a representação bastantehomogênea. Entretanto, não há motivos para crerque não tenha ocorrido, em Belo Horizonte, oaumento da representatividade dos setoreshistoricamente marginalizados, na medida em queo próprio critério das Áreas Prioritárias aponta nadireção de procurar “corrigir” distorções sociaise garantir direitos de cidadania.

No OP do Recife as regras induzem a que váriosgrupos sociais componham as diversas instânciasda instituição participativa. Os dois tipos deplenárias, como na capital gaúcha – regionais etemáticas – atraem sujeitos distintos à medida deseus variados interesses, no primeiro caso,relacionados às necessidades do local de moradia

e, no segundo, a questões mais amplas, que afetamo conjunto dos cidadãos. Noutros termos, odesenho institucional abarca uma multiplicidadede públicos que alarga a possibilidade departicipação de estratos sociais os mais diversose de diferentes status socioeconômicos,cumprindo a propalada função do OP de incluirsegmentos tradicionalmente excluídos das políticaspúblicas em geral e dos processos decisórios emparticular. Prova disso é que as mulheres forammaioria dos participantes do OP, tanto nas plenáriastemáticas quanto regionais, entre 2001 e 2007. Amédia foi de 58% de mulheres e 42% de homens.O problema reside, ainda, nos espaços de poder –delegados-delegadas e conselheiros-conselheirasdo COP – ocupados majoritariamente por homens(SOS CORPO, 2008).

Faltam dados mais precisos para Curitiba, quepermitam avaliar o grau da representatividadealcançada dentro das APs. A carência deinformação sobrevém de dois motivos: primeiro,porque a prefeitura parece não demonstrarpreocupação em identificar e estratificar os sujeitosque ocupam esse espaço público. Isso indica certaprecariedade dos procedimentos, pois a PMC, atéo presente momento, não desenvolveu ou pelomenos não divulgou a existência de instrumentoque permitisse levantar o perfil socioeconômicodo público das APs; segundo, por tratar-se de umfenômeno relativamente recente, existindo nosmoldes atuais desde 2005, são raros os estudossobre esse objeto. Observando as audiências,constatamos a presença de pessoas de grupossociais diversos, ainda que a maioria representeassociações de moradores politicamente ligadas àprefeitura.

Se pessoas de diferentes estratos socioeconô-micos e relacionadas a múltiplas temáticasparticipam de uma instituição participativa, éporque elas encontram condições propícias paraterem suas posições (vale dizer, suas narrativas) edemandas consideradas, enxergando um sentidoem participar e adquirindo um sentimento deeficácia política. São, dessa forma, atendidas emsua necessidade de representatividade eminstâncias decisórias, diretamente ou com amediação de expressões organizadas da sociedadecivil, que fazem sua advocacy, como propõeAvritzer (2007).

Considerando-se a variável “representação”,mediante a presença de “públicos múltiplos”,

Page 21: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

147

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

conclui-se que essa presença é forte em PortoAlegre e Recife, sobretudo em função dasassembléias temáticas. Em Belo Horizonte eCuritiba, uma diversidade de sujeitos comparece,no entanto, sem a mesma possibilidade que aexistente, nas duas outras cidades, de deliberarsobre questões relacionadas às suas identidadesespecíficas, em face do desenho das instituiçõesparticipativas, voltado a critérios geográficos. Detodo modo, é importante ressaltar que nas quatrocidades pesquisadas a existência dos espaços departicipação configura estruturas de oportunidadepolítica para sujeitos historicamente alijados dastomadas de decisão.

III.3.2. Participação

Uma decorrência importante da democratizaçãoda gestão pública são grupos dominadosadquirirem um sentimento de eficácia política, deque sua presença conta e traz benefícios coletivos(seletivos também). Tal fato comprova-se em PortoAlegre pelo significativo aumento de 2 600% nonúmero de participantes nas plenárias entre 1990e 2002 (CIDADE, 2003). No entanto, Gugliano(2009) chama a atenção para a possibilidade de acoalizão político-partidária que assumiu a PMPAem 2005 converter o OP em um espaço dereferendo das políticas elaboradas pelo governo.O autor lembra que o número de presentes nasassembléias do OP foi 1 300 em 1989; 14 267 em1995; 21 805 em 2001; e precisamente a partirdeste último ano, a presença começou a declinar(ainda na gestão petista) e, no ano de 2004, 13200 cidadãos compareceram às assembléias. Nagestão de Fogaça houve uma leve recuperação noprimeiro ano de governo, com 14 376participantes, em 2005. Contudo, novamente onúmero reduziu-se em 2006, com 11 097participantes. A diminuição no afluxo pareceindicar uma perda de fôlego do OP porto-alegrense, em função dos problemas mencionadosanteriormente, relacionados à sub-representaçãode algumas camadas populacionais que se lograraincorporar ao longo do tempo.

Belo Horizonte apresenta uma média departicipação relativamente maior do que a de PortoAlegre. Segundo dados da URB-AL (BELOHORIZONTE, 2007) os números entre os anosde 1994 a 1998 (no período em que o ciclo eraanual) são os seguintes: 1994: 15 216; 1995: 26823; 1996: 38 508; 1997: 33 695; 1998: 20 678.O ápice na capital mineira adveio em 1996,

apresentando uma queda logo em seguida. Para operíodo no qual o ciclo tornou-se bianual, temos:1999-2000: 22 238; 2001-2002: 43 350; 2003-2004: 30 479; 2005-2006: 36 802. Percebe-se quehouve um decréscimo do volume da participaçãoem 1999-2000, mas logo ela voltou a crescer. Háque se assinalar que Belo Horizonte é a maispopulosa das quatro metrópoles estudadas,portanto, espera-se ela apresente númerosabsolutos maiores.

Em Recife, é possível que o OP tenhaencontrado um equilíbrio entre dimensões que, naoperação de instituições participativas, por vezesaparecem contrapostas: participação em grandenúmero versus discussão com deliberação einterações face-a-face, que permitem o agircomunicativo presidir processos decisórios. Dealguma forma, a experiência pernambucana tembuscado contemplar aspectos quali e quantitativosda participação como teorizado nas seçõesanteriores e apresentam números que fariam desseOP, segundo o poder Executivo municipal, o maiordo Brasil, o que de fato é verdade, conforme dizemos números: 2001: 26 257; 2002: 41 891; 2003:42 426; 2004: 33 592; 2005: 46 892; 2006: 38986; 2007: 45 652; 2008: 38 605. Cifras que,inclusive, ultrapassam as quantias de BeloHorizonte, cidade com populaçãosignificativamente maior.

Não existem muitos dados que permitam trazerinformações mais precisas e que sejam capazesde especificar o grau da participação alcançadanas APs de Curitiba. Segundo a PMC (CURITIBA,2011), cerca de 5 000 mil pessoas participaramdas audiências em 2011, número expressivamenteinferior aos das demais cidades pesquisadas.Nossas observações trazem, entretanto, indíciosde que as camadas pobres da cidade participam eocupam esse espaço, ganhando visibilidade pública,justamente aqueles setores que mais forammarginalizados pelas políticas de cunho tecnocratadas décadas anteriores.

Em todas as cidades estudadas, milhares depessoas tomam parte dos arranjos participativos.Os índices de participação variam significati-vamente, no entanto, sendo comparativamentebaixo em Curitiba, um pouco mais alto em PortoAlegre e atingindo os dois dígitos em BeloHorizonte e Recife. Para chegar a essas análises,estabelecemos um índice de particpação (IP),medido pela quantidade de participantes para cada

Page 22: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

148

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

grupo de mil habitantes, no último ano com dadosdisponíveis (Tabela 4). A efetividade da ocupaçãodo espaço público varia bastante de uma cidadepara outra.

Todavia, ao menos para as quatro cidadesestudadas, é possível depreender que osorçamentos participativos têm atraído parcelasmaiores das populações, mesmo com a diminuiçãodos números em Porto Alegre.

TABELA 4 – ÍNDICES DE PARTICIPAÇÃO (IP) NAS INSTITUIÇÕES PARTICIPATIVAS DAS CAPITAISPESQUISADAS (N° DE PARTICIPANTES POR MIL HAB.)

FONTE: os autores, a partir de Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010),Brasil. Datasus (2011) e Recife (2011).

Ao examinar a variável “participação”, pela“ocupação efetiva do espaço participativo”, épossível inferir que esta se faz fortemente presenteem Belo Horizonte e Recife. O desempenhoinferior do OP de Porto Alegre em relação a seuscongêneres pode estar associado às mudanças nodesenho institucional, operadas quando um grupopolítico oposto ao que implantou o arranjoparticipativo conquistou o poder Executivomunicipal. Comparativamente, em Curitiba, parcela

ínfima da população freqüenta as APs. Váriaspodem ser as razões: a experiência curitibana érelativamente recente e, frise-se, não comportauma deliberação efetiva. Suas resultantesaparentemente influenciam o poder público demaneira difusa, de difícil reconhecimento imediatopela população, diferentemente do que ocorre nosOPs. Uma síntese do comportamento das variáveisque compõem a dimensão “Política” pode serencontrada na Tabela 5.

TABELA 5 – COMPORTAMENTO DAS VARIÁVEIS DA DIMENSÃO “POLÍTICA”

III.4. Accountability

III.4.1. Transparência

O OP de Porto Alegre favorece a accountabilityno tocante à transparência dos atos daadministração municipal na medida em que os

FONTE: os autores, a partir de Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010) eRecife (2011).

cidadãos passam a ter direito de tomar decisõessobre tendências gerais e obras públicasespecíficas, acedendo informação técnica efinanceira vital (WAMPLER, 2004). Cria-se aperspectiva de redução da assimetria deinformação e, ato contínuo, a peça orçamentária

CIDADE (INSTITUIÇÃO) POPULAÇÃO PARTICIPANTES IP

Porto Alegre (OP) 1 440 940 11 097 7,70

Belo Horizonte (OP) 2 399 920 36 802 15,33

Recife (OP) 1 549 980 38 605 24,91

Curitiba (AP) 1 746 896 5 000 2,86

VARIÁVEL AUSÊNCIA (0), PRESENÇA FRACA

(1), PRESENÇA FORTE (2) DE:

CIDADE

PORTO

ALEGRE

BELO

HORIZONTE RECIFE CURITIBA

Representação Públicos múltiplos 2 1 2 1

Participação Ocupação efetiva do espaço participativo

1 2 2 0

Total de pontos (máximo 4) 3 3 4 1

Page 23: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

149

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

aproxima-se do efetivamente executado, emcomparação com a verdadeira “caixa preta” quecostuma ser o orçamento público para a sociedadeem geral. O COP, como instrumento de fiscalizaçãoe monitoramento, ganha destaque.

No OP belo-horizontino não é diferente. Sãovários os mecanismos que conferem a ele umaforte transparência, que permitem o exercício docontrole do governo municipal pelos cidadãos. ORI do OP é lido e aprovado nas assembléias daprimeira rodada, bem como a divulgação doencaminhamento das demandas dos OPs dos anosanteriores. Também é público o valor do orçamentoa ser decidido, tanto em termos globais quanto asfrações deste destinado para cada Unidade dePlanejamento. Como em Porto Alegre, há ummecanismo de monitoramento das decisões do OP,a Comforça, que “constitui a resposta política doOP a uma tendência generalizada nasadministrações locais no Brasil de insulamento dasburocracias técnicas. Com o monitoramento, apopulação consegue influenciar na execução desuas decisões” (AVRITZER, 2002b, p. 27).

O OP de Recife oferece, de modo semelhante,ampla divulgação dos resultados, tanto no queconcerne à deliberação quanto no tocante aosinvestimentos nas prioridades elencadas peloscidadãos e na existência do COP, sendo possívelidentificar a correspondência entre o que sedelibera e os investimentos realizados (SILVA,2003).

Em Curitiba, alguma transparência residiria naexplicação pedagógica sobre como se constitui aagenda orçamentária municipal e a forma comoos investimentos dos anos anteriores foramaplicados. Os técnicos da prefeitura nãoeconomizam tempo e nem explicações, que porvezes tornam-se extremamente densas e de difícilcompreensão. Tal fato compromete a própriatransparência, uma vez que a linguagem dosburocratas é, por vezes, ininteligível para o cidadão.Não se percebe preocupação em tornar essaprestação de contas mais clara, sucinta e de fácilentendimento. As falas dos técnicos e documentospublicados no site da PMC repetem mençõesgenéricas a um percentual de cerca de 8% parainvestimentos e que a alocação destes seria frutodas demandas e prioridades identificadas nas APse demais processos de consulta. No entanto, nãohá documentos acessíveis ao cidadão quemostrem o vínculo entre o que foi discutido nas

APs e coletado como preferências dos cidadãos eo que foi realmente executado.

A presença de “prestação de contas”, medidada variável “transparência”, é forte nos três OPspesquisados, dado que os cidadãos têm acesso àprestação de contas relacionadas aos processosparticipativos. Nesse sentido específico, é válidaa afirmação de que uma efetiva prestação de contasestá ausente das APs curitibanas.

III.4.2. Responsividade

Em Porto Alegre a transparência opera em linhacom a responsividade dos agentes político-estatais,em face da submissão de parte, ainda que tímida,das políticas municipais à deliberação dosparticipantes no OP. O seu Regimento Internoprevê dispositivos que obrigam a gestão municipala prestar contas e a honrar as decisões emanadasdaquela instância. À população, torna-sesignificativamente mais fácil entender o métodoorçamentário e, conseqüentemente, formular eapresentar seus inputs societais, possibilitando queestratos populacionais historicamente alijados daspolíticas públicas tenham suas demandasconsideradas e atendidas pelo poder público.

Na capital mineira, os citados IQVU e o critériode Áreas Prioritárias induzem as áreas maisnecessitadas a ter primazia no atendimento dasdemandas eleitas pelos próprios cidadãos. Aintrodução de instrumentos como esses, ainda queinformados pela razão técnica, leva ao incrementoda responsividade dos governos, especialmente notocante às necessidades dos grupos sociais maisvulneráveis (PIRES, 2009).

O OP de Recife tem permitido a absorção dasdemandas societais, ainda que a parcela objeto dedeliberação dos cidadãos represente percentualacanhado do orçamento global. A própria dinâmicade discussão e deliberação, de que participacamada representativa da população, do modocomo ela ocorre, permite ao cidadão comumvocalizar e ter consideradas suas demandas, nãoapenas no âmbito do OP, mas no desenho doconjunto das políticas públicas no que elas têm dediscricionárias. As sucessivas vitórias eleitorais dogrupo à frente do poder Executivo municipal desde2001 sinalizam, ainda, que o OP no Recife temsido utilizado como estratégia bem sucedida deidentificação e atendimento das demandas,tornando a prefeitura municipal e seus agentes maisresponsivos perante população da cidade. O

Page 24: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

150

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

mesmo vale para Porto Alegre e Belo Horizonte.

As APs de Curitiba são freqüentadas pelascamadas carentes da cidade, que de algum modoadquirem visibilidade pública, essencial a seuempoderamento. Possivelmente, esses gruposveem nas audiências uma das poucas senão a únicaoportunidade para investir seus parcos recursospolíticos e obter retornos. Os limites residem naresistência à partilha de poder por parte daprefeitura, fato que se mostra na dinâmica internados encontros. A ausência de uma estruturadecisória compromete a responsividade, uma vezque o controle sobre o Estado torna-se quaseinformal, não havendo mecanismos que vinculeminstitucionalmente o produto das APs à execuçãoefetiva do orçamento.

A análise da variável em apreço revela comnitidez as diferenças entre os OPs e as APs de

Curitiba. Aqueles geram governos com mais“responsividade”, variável ora medida pela“correspondência entre inputs e outputs”,fortemente presente em Porto Alegre, BeloHorizonte e Recife. Essa correspondência nãochega a ausentar-se das APs curitibanas,justamente porque as audiências públicas dealguma forma colocam população e governo frentea frente em uma arena pública, senão deliberativa,ao menos de pressão para que as demandas sejamconsideradas no momento de aplicação dosrecursos orçamentários.

O comportamento das variáveis relacionadasà accountability está resumido na Tabela 6, abaixo.Os índices atingidos pelas cidades com OPpermitem-nos afirmar que essa dimensão é aquelana qual esse arranjo participativo cumpre osrequisitos da democracia deliberativa de maneiraintegral.

TABELA 6 – COMPORTAMENTO DAS VARIÁVEIS DA DIMENSÃO “ACCOUNTABILITY”

FONTE: os autores, a partir de Belo Horizonte (2007; 2011), Curitiba (2009; 2011), Porto Alegre (2010) eRecife (2011).

IV. CONCLUSÕES

Estudos comparativos sobre a participaçãosocial no orçamento público no Brasil confrontam,em geral, diferentes orçamentos participativos.Propusemos aqui um ponto de partida alternativo:cotejar experiências bastante diferenciadas naorigem, estrutura e nos grupos que a implantaram.É o caso dos OPs de Porto Alegre, Belo Horizontee Recife vis-à-vis as APs de Curitiba.

O fulcro das análises são pressupostos centraisda democracia deliberativa, presentes desde a suaelaboração habermasiana original, que podem sersumarizados da seguinte forma: a legitimidade dasdecisões de interesse coletivo resulta daparticipação autônoma dos cidadãos por elasafetados, em esferas públicas ampliadas, comprocessos de deliberação mediados pelo diálogolivre, presidido pela razão comunicativa em vez

da razão instrumental sistêmica, relacionada aopoder econômico e ao poder político. Para a suaoperacionalização, adaptamos as dimensõespropostas por Faria e Ribeiro (2010), avaliadaspela presença-ausência de variáveis que atendemos referidos pressupostos. Nessas consideraçõesfinais, sintetizamos os resultados para cada umadas dimensões.

No tocante à dimensão “desenho institucional”,concluímos que nas audiências públicasorçamentárias de Curitiba os cidadãos não definemas regras de funcionamento, em contraste com oobservado nas outras três cidades. Todas asinstituições, de modo direto ou indireto, acolhemos cidadãos em suas instâncias. As APs curitibanaspreveem, no entanto, participação meramenteconsultiva. Belo Horizonte oferece incentivosevidentes às comunidades que tomam parte do

VARIÁVEL AUSÊNCIA (0), PRESENÇA

FRACA (1), PRESENÇA FORTE (2) DE:

CIDADE

PORTO ALEGRE

BELO HORIZONTE RECIFE CURITIBA

Transparência Prestação de contas 2 2 2 0

Responsividade Correspondência entre inputs e outputs 2 2 2 1

Total de pontos (máximo 4) 4 4 4 1

Page 25: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

151

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

OP e Recife proporciona mais de uma instânciade participação direta da população – o que nãoocorre em Porto Alegre desde 2009.

Quanto às discussões, as possibilidades dedebate aberto, com réplicas e tréplicas, estão maispresentes nos desenhos institucionais dos OPs deBelo Horizonte (destacando-se, aqui, a Caravanadas Prioridades) e Recife. Os cidadãos podem falarnas APs de Curitiba, mas além de o tempo serbastante limitado, não há deliberação,diferentemente do que acontece nos OPs, aindaque a proporção discutida dos orçamentosmunicipais seja diminuta em todas as cidades,nunca excedendo a décima parte. Ademais, opoder decisório é restringido pela dimensãotécnico-burocrática em Belo Horizonte.

Na dimensão “contexto”, Recife e BeloHorizonte destacam-se pelo vigorosoassociativismo, considerando o número deassociações e a população das cidades, devendo-se, no entanto, sopesar o caráter personalista doassociativismo belo-horizontino, indicado porAvritzer (2002b). Porto Alegre apresenta um índicesurpreendentemente modesto quando seusnúmeros são confrontados ao que costumaafirmar a literatura e certo senso comumgeneralizado sobre a organização da sociedade civilna capital gaúcha.

A implantação das APs foi um processonitidamente top down em Curitiba, imposto peloaparato burocrático e obedecendo aconstrangimentos legais. Conseqüentemente,dirigiu-a uma racionalidade instrumental. Recife ePorto Alegre, por seu turno, constituíram seus OPsa partir das bases da sociedade civil, na esteira daredemocratização do país. Belo Horizonteencontra-se no meio do caminho devido a umimportante viés burocrático.

Do ponto de vista da dimensão “política”, todosos desenhos abrigam a representação dos maisdiversos estratos da sociedade, inclusive os maiscarentes. Todavia, Porto Alegre e Recife, porpossuírem assembléias temáticas, aumentam oleque de alternativas, tornando possível a presençade públicos múltiplos e mais heterogêneos em suas

instâncias, mesmo os contrapúblicos subalternosde que fala Fraser (1992). Quanto à participação,é nítido o declínio de Porto Alegre nos últimosanos, em especial após a extinção da segundarodada de assembléias. É necessário ver com certareserva os, à primeira vista, significativos númerosde participantes em Belo Horizonte, devido a seuprocesso ser bianual e sua população, maior. Oscuritibanos aparentemente não “descobriram” asaudiências públicas, pois o percentual departicipantes é, de longe, o menor. O destaquefica para Recife, com seu alto nível de participação,o maior entre as cidades pesquisadas, em termosrelativos e absolutos.

Em relação à dimensão “accountability”, aprestação de contas em Curitiba é obstruída pelosrecursos comunicacionais excessivamentetécnicos, por vezes ininteligíveis, e a ausência dedados públicos que demonstrem a vinculação entreas prioridades e demandas elencadas pelapopulação e a execução orçamentária. Nos demaiscasos, a existência de um mecanismo demonitoramento (Comforça, em Belo Horizonte, eCOPs, em Porto Alegre e Recife) torna a prestaçãode contas mais efetiva devido à fiscalização quese impõe sobre os poderes executivos municipais.Como conseqüência, os OPs geram governos maisresponsivos, inclusive com evidentes inversões deprioridades em direção às áreas mais vulneráveisdas cidades. O fenômeno não é claramenteobservável em Curitiba, mercê da carência dedados e informações que comprovem acorrespondência entre inputs e outputs. É possívelsupor, no entanto, que as camadas mais carentesvêm paulatinamente ganhando visibilidade públicacom as APs, notadamente perante os sujeitos quedecidem o destino dos investimentos na capitalparanaense. Pesquisas futuras poderão demonstrarem que medida isso se converteu em melhoriaspara essas pessoas.

A Tabela 7, abaixo, traz as pontuações obtidaspor cada uma das instituições participativasanalisadas, cuja somatória perfaz seus Índices deDemocracia Deliberativa e, conforme postulamos,sua aderência maior ou menor aos pressupostosda democracia deliberativa.

Page 26: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

152

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

Recife e seu OP apresentam o maior IDD,Curitiba, o menor, e Belo Horizonte e Porto Alegreobtêm médias elevadas, com um desempenholevemente superior da primeira. É importanteressaltar que a escala não representa um tipo idealque existe somente como constructo intelectual apartir de abstrações teóricas. A escala representa,antes, um tipo ideal plausível e possível,construído a partir de experiências concretas departicipação social. É por esse motivo que as trêscapitais com OP apresentaram pontuação maiselevada, e, no caso do Recife, um índice muitopróximo do máximo.

Reconhecendo o caráter arbitrário e tentativoda proposta da pesquisa apresentada neste artigo,concluímos que a experiência da capitalpernambucana tem-se mostrado mais próxima doque preconiza a teoria deliberativa, seja em seusaspectos formais e procedimentais, seja em seufuncionamento concreto com a participação desujeitos de carne e osso.

Foge aos nossos objetivos afirmar que um ououtro desses arranjos seja mais ou menos eficazou eficiente num sentido amplo, especialmenteporque os grupos que os implantaram e suasrespectivas intencionalidades divergiamconsideravelmente, mormente quando se comparao conjunto dos OPs com as APs de Curitiba. Emalguns aspectos todos são, porém, bastantecongruentes, revelando: (i) baixo percentual doorçamento público colocado em deliberação; (ii)predominância do poder Executivo municipal, quetoma a dianteira dos processos; (iii) um métodoassembleísta regional de reuniões públicas; (iv)representatividade e participação dos setores maiscarentes das cidades e (v) responsividade dagestão pública para com a sociedade,incrementando a accountability.

Pouco judicioso seria considerar as APscuritibanas meros espaços de aclamação pública,a despeito de Curitiba ser a cidade a apresentarmenos elementos constitutivos da democraciadeliberativa. Disputas estão presentes e podem serassinaladas como um elemento com alto potencialde contribuição para a qualidade da democraciaem nível local. A par de suas limitações, as APstêm a normatividade de um espaço público quepossibilita pressões externas por parte dapopulação organizada. A sua existência recente jáé em si um complicador do jogo político e, adespeito dos limites, a constituição de uma estruturade oportunidades comportaria deliberações etematizações mais qualificadas sobre a agendapolítica.

Os casos estudados sinalizam, principalmente,a influência, sobre os formatos participativos, dasorientações ideológicas ou de princípiosnormativos dos grupos que implantam e,sobretudo, conduzem os processos. Os dadoscoligidos indicam que experiências nascidas debases comunitárias e inauguradas por grupos deesquerda são mais bem sucedidas em promoveruma participação efetiva e autônoma, porque esteé um objetivo dos sujeitos envolvidos, ao menosem suas declarações públicas, conformandotambém a estratégia eleitoral. É o caso dos OPs.Mais importante ainda é o comprometimentogovernamental e partidário para com oprosseguimento das experiências. Porto Alegreexibiu perda de sua dinâmica participativa quandotrocou o grupo dirigente, uma vez que as alteraçõesnas regras postas em prática não lograram sucessose a meta era aumentar a participação. O Índicede Democracia Deliberativa dessa cidade, inferiorao das duas outras com OP e que tiveramcontinuidade no comando dos poderes executivos,assinala uma tendência.

TABELA 7 – ÍNDICES DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA (IDD)

FONTE: os autores.

DIMENSÃO

CIDADE (INSTITUIÇÃO)

PORTO ALEGRE (OP)

BELO HORIZONTE (OP)

RECIFE (OP)

CURITIBA (APS)

Desenho institucional 5 7 6 2

Contexto 3 3 4 0

Política 3 3 4 1

Accountability 4 4 4 1

IDD 15 17 18 4

Page 27: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

153

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

Seguindo a mesma linha de raciocínio, quandose trata de um processo de cima para baixo,estabelecido por um grupo políticotradicionalmente autoritário e respondendo mais apressões institucionais do que à meta dedemocratizar o espaço público, limites maissensíveis colocam-se, como parece acontecer emCuritiba. Nesse caso, o tímido desempenho emface dos pressupostos da democracia deliberativatalvez não seja um efeito imprevisto e indesejável,mas sim decorrência dos objetivos estratégicosdos sujeitos que hegemonizam o jogo político.

A burocracia técnica tem um grande pesosobre os desenhos participativos, afetando asregras que governam as interações entre osagentes. Curitiba e Belo Horizonte são exemplosclaros. A primeira se sobressai pela colonizaçãoda esfera pública mediante a primazia daracionalidade instrumental sobre a comunicativa.A segunda procura encontrar um equilíbrio entreas duas razões com vistas a corrigir desigualdadesinvertendo prioridades de investimento. Nesseponto, persiste o dilema habermasiano sobre acapacidade dos processos dialógicos por si sógarantirem a formação da vontade e gerar a melhordecisão possível por meio de acordos públicosconsensuais.

Por fim, em qualquer dos casos, pouco preme-ditado é o papel exercido pela população que, taisquais os russos de Garrincha, pode não agirconforme o combinado, rasgando o script, exer-cendo pressão, criticando abertamente a adminis-tração municipal, e de uma forma ou de outra,conseguindo ganhar visibilidade e ter suas deman-das respondidas pelos agentes públicos. O empo-deramento e a ampliação da accountability parecemevidentes em todas as experiências, em umacomprovação de que estruturas de oportunidadepolítica são essenciais para a qualidade dademocracia, considerando os pressupostosnormativos adotados aqui e com todos os limites

apontados por uma vastíssima literatura.

Mais do que conclusões, o presente estágio denossas investigações sugere diversas aberturaspara a sua continuidade. Um exemplo é apossibilidade de incorporar, de maneira maissistemática, os elementos críticos da teoria,perscrutando como os diferentes estratospopulacionais comportam-se durante osprocedimentos, se suas diferenças refletem-se nosresultados obtidos. Trata-se, nesse caso, de umaanálise densa da participação, de seu conteúdo e,principalmente, de sua qualidade em relação àdemocratização da esfera pública.

Outra possibilidade, mais complexa, decorredas próprias barreiras encontradas na realizaçãodesta investigação. Pesquisas empíricas sobredemocracia deliberativa são raras no Brasil, estandoquase ausentes das bases bibliográficas maisconsagradas. Praticamente inexistem dados,sobretudo quantitativos, que permitamcomparações mais precisas entre instituiçõesparticipativas do país à luz da teoria em apreço.Parte significativa da produção sobre o tema sãoestudos de caso, com procedimentos específicos.Depara-se, também, com expressiva dificuldadeem encontrar séries históricas consistentes.Algumas pesquisas bastante interessantes sofreminterrupções, às vezes definitivas. Tal quadrosinaliza a pertinência de que os pesquisadoressobre o tema unam-se para realizar estudos emescala nacional, com procedimentos padronizadose de caráter longitudinal, visando à constituiçãode um repositório robusto para o desenvolvimentode futuras investigações.

Enfrentar esses e outros desafios teóricos epráticos remete à necessidade de aperfeiçoamentodos instrumentos de coleta e análise de dados. Oganho esperado é uma contribuição efetiva para oextenso campo de pesquisa empírica sobre ademocracia e sua ampliação tendo como guia asua vertente deliberativa.

Rodrigo Rossi Horochovski ([email protected]) é Doutor em Sociologia Política pela UniversidadeFederal de Santa Catarina (UFSC) e Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná(UFPR).

Augusto Junior Clemente ([email protected]) é Doutorando em Ciência Política pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Page 28: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

154

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVRITZER , L. 1996. A moralidade dademocracia: ensaios em teoria habermasiana eteoria democrática. Belo Horizonte: UFMG.

_____. 2002a. Democracy and the Public Spacein Latin America. New York: PrincetonUniversity.

_____. 2002b. O orçamento participativo: asexperiências de Porto Alegre e Belo Horizonte.In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil eespaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz eTerra.

_____. 2006. Reforma política e participação noBrasil. In: AVRITZER, L. & ANASTASIA, F.(orgs.). Reforma política no Brasil. BeloHorizonte: UFMG.

_____. 2007. Sociedade civil, instituições partici-pativas e representação: da autorização àlegitimidade da ação. Dados, Rio de Janeiro, v.50, n. 3, p. 443-464. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v50n3/01.pdf.Acesso em: 12.nov.2012.

AVRITZER, L.; MOTA, A. C.; CUNHA, E. S.M.; MESQUITA, E. C.; COELHO, D. B.;TOMAS, M. C.; PIRES, R. R. C. &RAMALHO, T. 2007. Relatório da pesquisaparticipação e distribuição nas políticaspúblicas do Nordeste. Belo Horizonte: ProjetoDemocracia Participativa.

AZEVEDO, S. & ANASTASIA, F. 2002.Governança, “accountability” e responsividade.Revista de Economia Política, São Paulo, v.22, n. 1, p. 79-97, jan.-mar. Disponível em:h t t p : / / w w w. e mp r e e n d e . o r g . b r / p d f /Programas%20e%20Pol%C3%ADticas%2 0Soci a is / Gover na n% C3% A7a , %2 0accountability%20e%20responsividade.pdf.Acesso em: 12.nov.2012.

AZOLIN, A. J. 2011. Participação política e novagestão pública: a gestão da participação noorçamento público de Curitiba. Curitiba.Dissertação (Mestrado em Ciência Política).Universidade Federal do Paraná.

BENHABIB, S. 1992. Situating the Self: Gender,Community and Postmodernism inContemporary Ethics. New York: Routledge.

_____. 2009. Rumo a um modelo deliberativo delegitimidade democrática. In: MARQUES, A.

C. S. (org.). A deliberação pública e suasdimensões sociais, políticas e comunicativas:textos fundamentais. Belo Horizonte: Autêntica.

BOSCHI, R. R. 1987. A arte da associação:política de base e democracia no Brasil. SãoPaulo: Vértice.

BRAGA, M. C. A. & BRAGA, S. H. F. 2008.Gestão democrática no Recife: o uso doorçamento participativo como parâmetro deanálise. Humanae, Recife, v. 1, n. 2, p. 37-54,dez. Disponível em: http://www.humanae.esuda.com.br/index.php/humanae/article/download/57/39. Acesso em: 12.nov.2012.

CHAMBERS, S. 2009. A teoria democráticadeliberativa. In: MARQUES, A. C. S. (org.). Adeliberação pública e suas dimensões sociais,políticas e comunicativas: textos fundamentais.Belo Horizonte: Autêntica.

CLEMENTE, A. J . 2008. Gestão públicadescentralizada e participação política: a relaçãodas associações de moradores do bairro Batele da Vila Pantanal com as administraçõesregionais e audiências públicas realizadas pelaPrefeitura Municipal de Curitiba – 2005-2006.Revista Intersaberes, Curitiba, v. 3, n. 6, p.204-229, jul.-dez.

_____. 2011. Democracia deliberativa e esferapública: a experiência das audiências públicasde Curitiba. Curitiba. Dissertação (Mestradoem Ciência Política). Universidade Federal doParaná.

COHEN, J. & ROGERS, J. 1995. Associationsand Democracy. In: WRIGHT, E. O. (ed.). TheReal Utopias Project. V. 1. New York: Verso.

COHEN, J. & SABEL, C. 1997. Directly-Deliberative Polyarchy. European Law Journal,Oxford, v. 3, n. 4, p. 313-342, Dec.

COSTA, D. M. D. 2010. Vinte anos de orçamentoparticipativo: análise das experiências emmunicípios brasileiros. Cadernos GestãoPública e Cidadania, São Paulo, v. 15, n. 56,p. 8-28. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cgpc/article/view/3190/2093. Acesso em: 12.nov.2012.

DAGNINO, E. 2002. Sociedade civil e espaçospúblicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra.

Page 29: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

155

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

DIAS, M. R. 2000. Na encruzilhada da teoriademocrática: efeitos do orçamentoparticipativo sobre a Câmara Municipal de PortoAlegre. Rio de Janeiro. Tese (Doutorado emCiência Política). Instituto Universitário dePesquisas do Rio de Janeiro.

DOIMO, A. M. 1995. A vez e a voz do popular:movimentos sociais e participação política noBrasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

DRYZEK, J. S. 2000. Deliberative Democracyand Beyond. Oxford: Oxford University.

FARIA, C. F. 2006. Fóruns participativos,controle democrático e a qualidade dademocracia no Rio Grande do Sul: a expe-riência do governo Olívio Dutra (1999-2002).Opinião Pública, v. 12, n. 2, p. 378-406, nov.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/op/v12n2/07.pdf. Acesso em: 12.nov.2012.

_____. 2010. Do ideal ao real: as conseqüênciasdas mudanças conceituais na teoria dademocracia deliberativa. Trabalho apresentadono 7º Encontro Nacional da AssociaçãoBrasileira de Ciência Política, realizado emRecife, de 4 a 7 de agosto. Disponível em:http://cienciapolitica.servicos.ws/abcp2010/arquivos/27_7_2010_14_43_4.pdf. Acesso em:11.nov.2012.

FARIA, C. F. & RIBEIRO, U. C. 2010. Entre olegal e o real: o que dizem as variáveisinstitucionais sobre os Conselhos de PolíticasPúblicas. In: AVRITZER, L. (org.). A dinâmicada participação local no Brasil. São Paulo:Cortez.

FUNG, C. F. & WRIGHT, E. O. 2003. DeepeningDemocracy: Institucional Innovations inEmpowered Participatory Governance. NewYork: Verso.

FRASER, N. 1992. Rethinking the Public Sphere:a contribution to the Critique of ActuallyExisting Democracy. In: CALHOUN, C. (ed.).Habermas and the Public Sphere. Cambridge(MA): MIT.

GOHN, M. G. 2004. Empoderamento eparticipação da comunidade em políticassociais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13,n. 2, p. 20-31, maio-ago. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v13n2/03.pdf.Acesso em: 8.nov.2012.

GUGLIANO, A. A. 2009. A participação popularfechou as portas? Limites da gestãoparticipativa em Porto Alegre. Trabalhoapresentado no 14º Congresso Brasileiro deSociologia, realizado no Rio de Janeiro, de 28a 31 de julho. Disponível em: http://w w w. s b s o c i o l o g i a . c o m. b r / p o r t a l /index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=3246&Itemid=171.Acesso em: 12.nov.2012.

HABERMAS, J. 1976. Técnica e ciência enquanto“ideologia”. Col. “Os pensadores”. São Paulo:Abril Cultural.

_____. 1995. Três modelos normativos de demo-cracia. Lua Nova, São Paulo, n. 36, p. 39-53.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf. Acesso em: 12.nov.2012.

_____. 2000. O discurso filosófico da modernida-de: doze lições. São Paulo: M. Fontes.

_____. 2003a. Consciência moral e agircomunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro.

_____. 2003b. Mudança estrutural da esferapública: investigações quanto a uma categoriada sociedade burguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro.

JACOBI, P. R. 1996. Ampliação da cidadania eparticipação: desafios na democratização darelação poder público-sociedade civil no Brasil.São Paulo. Tese (Livre-Docência emEducação). Universidade de São Paulo.

LÜCHMANN, L. H. H. 2002. Possibilidades elimites da democracia deliberativa: aexperiência do orçamento participativo de PortoAlegre. Campinas. Tese (Doutorado emCiência Política). Universidade Estadual deCampinas.

MACPHERSON, C. B. 1982. La democracialiberal y su época. Madrid: Alianza.

MANSBRIDGE, J. 1999. Everyday Talk in theDeliberative System. In: MACEDO, S. (ed.).Deliberative Politics: Essays on Democracyand Disagreement. New York: OxfordUniversity.

_____. 2007. Deliberative Democracy or Demo-cratic Deliberation? In: ROSENBERG, S. (ed.).Deliberation, Participation and Democracy:

Page 30: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

156

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO

Can the People Govern? Basingstoke: PalgraveMacmillan.

MANSBRIDGE, J .; BOHMAN , J .;CHAMBERS, S.; ESTLUNG, D.;FØLLESDAL, A.; FUNG, A.; LAFONT, C.;MANIN, B. & MARTÍ, J. L. 2010. The Placeof Self-Interest and the Role of Power inDeliberative Democracy. Journal of PoliticalPhilosophy, Oxford, v. 18, n. 1, p. 64-100,Mar.

MATTHAEUS, H. 1995. Urban Management,Participation and the Poor in Porto Alegre/Brazil. Birmingham: Institute of InternationalDevelopment.

MIGUEL, L. F. 2005. Teoria democrática atual:esboço de mapeamento. BIB, São Paulo, n.59, p. 5-42.

MOUFFE, C. 2005. Por um modelo agonísticode democracia. Revista de Sociologia ePolítica, Curitiba, n. 25, p. 11-23, nov. Dispo-nível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n25/31108.pdf. Acesso em: 12.nov.2012.

NAVARRO, Z. 1999. Democracia e controlesocial de fundos públicos: o caso do orçamentoparticipativo de Porto Alegre (Brasil). In:PEREIRA, L. C. B. & GRAU, N. C. (orgs.).O público não estatal na reforma do Estado.Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

NAZARENO, L. 2005. Redes sociais e coalizãode governo em Curitiba 1985-2004. São Paulo.Dissertação (Mestrado em Ciência Política).Universidade de São Paulo.

NYLEN, W. 2000. The Making of LoyalOpposition: the Worker`s Party (PT) and theConsolidation of Democracy in Brazil. In:KINGSTONE, P. & POWER, T. J. (eds.).Democratic Brazil: Actors, Institutions, andProcesses. Pittsburgh: University of Pittsburgh.

OFFE, C. 1989. Capitalismo desorganizado. SãoPaulo: Brasiliense.

PIRES, R. R. C. 2009. Participação cidadã eplanejamento governamental: um equilíbriopossível? Reflexões sobre o orçamentoparticipativo de Belo Horizonte. Pensar BH/Política Social, Belo Horizonte, n. 24, p. 10-13, nov.

SADER, E. 1995. Quando novos personagensentraram em cena: experiências e lutas dos

trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980.2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

SANTOS, B. S. 1998. Participatory Budgeting inPorto Alegre: Toward a RedistributiveDemocracy. Politics & Society, ThousandOaks, v. 26, n. 4, p. 461-510, Dec.

_____. 2003. Democratizar a democracia: oscaminhos da democracia participativa. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira.

SCHERER-WARREN , I. 1996. Redes demovimentos sociais. 2ª ed. São Paulo: Loyola.

SETZLER, M. 2000. Democratizing Urban Brazil:Institutional Legacies and Determinants ofAccountability in Local Elections andLegislatures. Trabalho apresentado no 22ºCongresso Internacional da Latin AmericanStudies Association, realizado em Miami, de16 a 18 de março. Digit.

SHAPIRO, I. 2005. The State of DemocraticTheory. Princeton: Princeton University.

SILVA, T. 2003. Da participação que temos à quequeremos: o processo do orçamentoparticipativo na cidade do Recife. In:AVRITZER, L. & NAVARRO, Z. (orgs.). Ainovação democrática no Brasil: o orçamentoparticipativo. São Paulo: Cortez.

SOUZA, C. 2001. Construção e consolidação deinstituições democráticas: papel do orçamentoparticipativo. São Paulo em Perspectiva, SãoPaulo, v. 15, n. 4, p. 84-97, out.-dez.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10375.pdf. Acesso em: 11.nov.2012.

SOUZA, N. R. 1999. Planejamento urbano, sabere poder: o governo do espaço e da populaçãode Curitiba. São Paulo. Tese (Doutorado emSociologia). Universidade de São Paulo.

_____. 2003. Democracia participativa e políticapública no contexto neoliberal: o caso doConselho da Criança e do Adolescente deCuritiba-BR. Trabalho apresentado no 36ºEncontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais,realizado em Caxambu (MG), de 21 a 25 deoutubro. Digit.

VISCARRA, S. P. 2010. Cultura política,participação e bem-estar no Rio Grande doSul. Trabalho apresentado no 7° Encontro daAssociação Brasileira de Ciência Política,

Page 31: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

157

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 127-157 OUT. 2012

realizado em Recife, de 4 a 7 de agosto.Disponível em: http://cienciapolitica.servicos.ws/abcp2010/arquivos 11_7_2010_22_39_18.pdf. Acesso em: 12.nov.2012.

WAMPLER, B. 2004. Expanding AccountabilityThrough Participatory Institutions: mayors,Citizens, and Budgeting in Three BrazilianMunicipalities. Latin American Politics &Society, Oxford, v. 46, n. 2, p. 73-99, Summer.

WARREN, M. 2002. What Can DemocraticParticipation Mean Today? Political Theory,Thousand Oaks, v. 30, n. 5, p. 677-701, Oct.

YOUNG, I. M. 2001. Comunicação e o Outro:além da democracia deliberativa. In: SOUZA,J. (org.). Democracia hoje: novos desafiospara a teoria democrática. Brasília: UNB.

BELO HORIZONTE. 2007. Manualmetodológico da URB-AL: instrumentos dearticulação entre Planejamento Territorial eOrçamento Participativo. Belo Horizonte:Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

_____. 2011. Orçamento participativo 2011/2012:metodologia e diretrizes. Belo Horizonte:Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

BRASIL. 1988. Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil. Brasília: Senado Federal.

_____. 2000. Lei complementar n. 101, 4.maio.

BRASIL. DATASUS. 2011. Informações de Saúde– demográficas e socioeconômicas. Disponívelem: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/inde x .php? ar ea= 02 06& VO bj= ht t p: / /tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/pop. Acesso em 11 nov. 2011.

CIDADE. 2003. Quem é o público do orçamentoparticipativo – 2002. Porto Alegre: Centro deAssessoria e Estudos Urbanos.

CURITIBA. 2009. Orçamento para 2010 prevêR$ 328 Milhões em investimentos. Agência deNotícias da Prefeitura de Curitiba, 14.set.

_____. 2011. 5 mil pessoas apresentam sugestõesao orçamento. Agência de Notícias daPrefeitura de Curitiba, 22.jul. Disponível em:http://200.140.228.6/noticias/5-mil-pessoas-apresentam-sugestoes-ao-orcamento/23646.Acesso em 12.nov.2012.

PORTO ALEGRE. 2010. Orçamentoparticipativo 2010-2011. Porto Alegre:Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

RECIFE. 2011. Orçamento Participativo. Recife:Prefeitura Municipal de Recife.

SOS CORPO. 2008. Mulheres e orçamentoparticipativo: fortalecendo a participação.Recife: Instituto Feminista para a Democracia.

OUTRAS FONTES

Page 32: DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO · 128 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E ORÇAMENTO PÚBLICO de normatividade legal – fóruns e redes, conselhos gestores, orçamentos participativos,

�����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������