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IX ENCONTRO DA ABCP Teoria Política DEMOCRACIA E DESIGUALDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS BRASILEIRAS - ARTIGOS PUBLICADOS ENTRE 2000 E 2010 Danusa Marques (UnB) Carlos Augusto Mello Machado (UnB) Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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IX ENCONTRO DA ABCP

Teoria Política

DEMOCRACIA E DESIGUALDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS BRASILEIRAS

- ARTIGOS PUBLICADOS ENTRE 2000 E 2010

Danusa Marques (UnB)

Carlos Augusto Mello Machado (UnB)

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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DEMOCRACIA E DESIGUALDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS BRASILEIRAS

- ARTIGOS PUBLICADOS ENTRE 2000 E 2010

Danusa Marques (UnB) Carlos Augusto Mello Machado (UnB)

Resumo: O presente estudo apresenta os resultados preliminares da pesquisa "O conceito de desigualdade nas Ciências Sociais brasileiras", em desenvolvimento pelo Demodê/UnB. O trabalho analisa o tratamento teórico dado ao conceito de desigualdade na academia brasileira, identificando os temas considerados relevantes do ponto de vista das desigualdades sociais e observando as interseções entre tipos de desigualdade e o tratamento do conceito de democracia. O objetivo deste trabalho é realizar um mapeamento da abordagem sobre desigualdade publicados entre 2000 e 2010 em três revistas acadêmicas centrais para as ciências sociais brasileiras (Revista Brasileira de Ciências Sociais, Dados e Lua Nova). O estudo é um esforço de classificação e compreensão sobre o que produzimos, buscando entender quais construções conceituais as ciências sociais brasileiras enunciam.

Palavras-chave: desigualdade, democracia, ciências sociais

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Este paper apresenta a primeira análise de dados do braço empírico da pesquisa

“Desigualdades e democracia: as perspectivas da teoria política”, coordenada pelo prof.

Luis Felipe Miguel. Realizada com pesquisadores de diversas universidades1, a

investigação procura compreender as diversas abordagens sobre o tema da democracia e

das desigualdades, especificamente observando a relação entre estes dois conceitos nas

diversas vertentes da teoria política. A frente empírica da pesquisa busca realizar,

paralelamente aos aprofundamentos teóricos, um mapeamento das discussões sobre

democracia e desigualdades nos artigos acadêmicos publicados no Brasil nas últimas

três décadas.

Esta pesquisa acompanha o recente esforço da ciência política brasileira em

mapear e analisar sua produção, identificando as temáticas mais recorrentes, as

metodologias utilizadas e as características especificas dos debates da área (cf. Marques,

2007; Leite, 2010; Oliveira, 2010).

Considerando que a pesquisa ainda está em andamento, este trabalho busca

sistematizar os dados coletados até o presente, identificando os principais debates sobre

democracia e diversos tipos de desigualdade no campo acadêmico brasileiro.

Apresentamos, portanto, os dados referentes aos artigos publicados entre 2000 e 20122

em três periódicos acadêmicos centrais para as ciências sociais brasileiras, Revista

Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), Dados – Revista de Ciências Sociais e Lua

Nova– Revista de Cultura e Política. Uma vez que a pesquisa ainda encontra-se em

andamento, os artigos da Revista Brasileira de Ciências Sociais foram fichados quase

em sua totalidade3, enquanto as revistas Dados e Lua Nova foram analisadas

parcialmente4. Isso se refere à análise de 831 artigos publicados durante o período.

O objetivo da pesquisa é, deste modo, mapear as discussões sobre democracia e,

principalmente, desigualdades nas ciências sociais brasileiras. Além de uma análise

1 Agradecemos as contribuições valiosas dos demais membros da pesquisa, que trouxeram importantes observações à análise dos dados até agora coletados: Luis Felipe Miguel, Flávia Biroli, Daniel de Mendonça, Ricardo Fabrino Mendonça, Luciana Ballestrin, Adrián Gurza Lavalle, Ricardo Silva e Claudia Feres Faria. Agradecemos também ao grande conjunto de assistentes de pesquisa que coletaram os dados aqui analisados: Nayara Macedo, Illyusha Montezuma, Pedro Paulo de Assis, Ana Júlia França, Talita Maria, Daniela Duarte, Tayla Post, Laísa Cardoso, Júlia Hayes, Humberto Benincasa, Kimberly Anastacio, Ana Carolina Siqueira, Juliana Góes, Tayrine Dias, Maiara Totti, Eduarda Zoghbi, Gustavo José e Lucas Rodrigues. 2 A princípio, analisaríamos somente os dados de revistas publicadas entre 2000 e 2010. No entanto, com os dados de 2011 e 2012 coletados, decidimos incluí-los na análise. 3 Não constam na base de dados duas edições publicadas em 2012. 4 Encontra-se em anexo a listagem das revistas inseridas no banco de dados trabalhado para a produção deste paper.

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geral sobre o que o campo produz, importante para se entender a concentração de

nossos esforços de produção acadêmica e identificar as inevitáveis lacunas nas

pesquisas realizadas, é importante compreender como diferentes elementos de uma

mesma discussão são apresentados nos trabalhos dos pesquisadores e pesquisadoras

brasileiros. Como diferentes desigualdades são relacionadas, quais autores e autoras são

mobilizados na discussão e como essas pesquisas são desenhadas indicam questões

relevantes para se entender como (ou se) as ciências sociais brasileiras articulam um

tema que é central para se pensar os limites ou entraves ao desenvolvimento

democrático.

A compreensão contemporânea sobre o sentido da democracia esbarra recorrente

e invariavelmente no questionamento sobre como harmonizar um projeto político

inclusivo e extenso considerando uma sociedade marcada desigualdades profundas.

Discernir quais diferenças entre indivíduos e grupos podem se traduzir como

desigualdades sociais está no cerne das discussões contemporâneas sobre a

caracterização de dinâmicas democráticas. Isso se refere a uma disputa por significados

quanto ao que se entende por democracia, não apenas como conceito analítico, mas

inclusive do ponto de vista da percepção social mais ampliada, tornando-se parte do

senso comum compartilhado sobre quanto um governo ou sistema político é

democrático.

O ambiente da produção acadêmica ocupa um espaço privilegiado para a

atividade de produção de significados, ao menos enquanto local especializado e

engajado na formulação de conceitos e ideias. Ao mesmo tempo em que a atividade

acadêmico-científica se propõe a explorar o conhecimento e se aproximar da “verdade”,

também é um campo de disputa sobre significados utilizados como referência por

aqueles que partilham da prática científica. O método científico pressupõe não apenas a

sistematização de procedimentos, mas tem como seu componente definidor a

comunidade de pesquisadores e pesquisadoras, que atuam no controle dos achados, na

razoabilidade das proposições apresentadas, bem como na precisão quanto aos

resultados obtidos.

Colocadas essas premissas, o ambiente acadêmico das ciências sociais não

haveria de ser diferente. Contudo, devido à complexidade do seu objeto de pesquisa – as

sociedades humanas – a ênfase recai com bastante frequência na apresentação e

justificativa dos termos e conceitos utilizados. A precisão conceitual opera como um

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balizador para definir a qualidade do estudo. Não obstante, as discussões acadêmicas

sobre as relações humanas costumam aparentar ao leitor leigo um palavrório hermético

e com sentido por demais abstrato.

É necessário reconhecer que todo conhecimento produz poder, visto que conduz

a uma delimitação da interpretação sobre o mundo, da qual decorrem práticas que

podem se enraizar na dinâmica cotidiana e, em caso de suspensão de questionamento

crítico, levar a uma reprodução de práticas e costumes. Apesar do distanciamento

possível de ser constatado entre o mundo dos jargões científicos e o senso comum, há

uma operacionalização do argumento científico para a construção do entendimento do

mundo político. Mesmo que as discussões acadêmicas não atraiam o interesse da maior

parcela da população, deve-se reconhecer que a sociedade, quer como um todo ou

através de grupos específicos, pode utilizar da legitimidade de conceitos produzidos no

contexto acadêmico para apoiar e fundamentar determinadas interpretações acerca do

mundo social.

Nesse sentido, a construção de um argumento acadêmico que desloque o

tratamento da democracia como um conceito desconectado de uma ideia de igualdade

substantiva produz um conhecimento atrelado a um projeto político de sociedade que

não se compromete em tratar dos problemas de inserção política derivados de

desigualdades sociais.

De que tratam as ciências sociais brasileiras, em particular a ciência política, ao

abordar o tema das desigualdades sociais? Os discursos enunciados pelas/os

acadêmicas/os brasileiras/os são aqui analisados com o objetivo de se compreender

quais sentidos estão sendo veiculados no campo acadêmico– admitindo-se que eles se

refletem na sociedade como um todo.

Para tornar a análise mais rica do ponto de vista da coleta de informações e

posterior tratamento dos dados, decidiu-se por não seguir uma classificação dos artigos

acadêmicos a partir da divisão correntes teóricas democráticas: realizaram-se

categorizações de temáticas relacionadas à discussão sobre desigualdade, sob o

entendimento de que o tratamento das diversas correntes da teoria democrática acabam

considerando de forma variada os distintos tipos de desigualdade social.

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Qual é o espaço da discussão sobre democracia e desigualdades no campo

acadêmico brasileiro?

Tanto o tema da democracia quanto o das desigualdades são recorrentes nos

artigos analisados, mas a combinação da abordagem sobre os dois temas também é

recorrente5. Como é possível constatar pela tabela 1, 63% dos artigos trata sobre

democracia e 62% sobre desigualdade, mas o tratamento simultâneo dos temas também

é recorrente, ocorrendo em 45% dos artigos categorizados.

Tabela 1: artigos que abordam democracia e desigualdade

desigualdade TOTAL

sim não

democracia

sim 45,2% 18,1% 63,3%

(376) (150) (526)

não 16,7% 20,0% 36,7%

(139) (166) (305)

TOTAL 62,0% 38,0% 100,0%

(515) (316) (831) Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: debate na ciência política brasileira".

Entretanto, ao se considerar temas específicos sobre a discussão acerca das

desigualdades, apenas uma parcela reduzida dos trabalhos discute de forma mais

exaustiva o assunto, sem tratar do tema como uma mera menção ou mesmo de forma

implícita. É relevante ressaltar que 70% dentre os 227 artigos que discutem alguma

temática de desigualdade também levam em consideração o questionamento sobre a

democracia. Contudo, a interação entre os dois assuntos é mais complexa do que se

poderia esperar e o tratamento de um tema não implica necessariamente a mobilização

do questionamento sobre o segundo. De um total de 526 artigos que tratam sobre

democracia, apenas 45% discutem alguma das temáticas sobre desigualdade.

5 Aqui qualquer menção, ainda que implícita, à discussão sobre democracia e/ou desigualdades é contabilizada. Não é necessário que haja uma longa discussão sobre os temas para que o artigo seja identificado nesta categoria.

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Tabela 2: artigos que abordam democracia e discutem algum tema de desigualdade

discute desigualdade TOTAL

sim não

democracia

sim 70,9% 60,4% 63,3%

(161) (365) (526)

não 29,1% 39,6% 36,7%

(66) (239) (305)

TOTAL 100,0% 100,0% 100,0%

(227) (604) (831) Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: debate na ciência política brasileira".

Ainda em relação à apresentação de uma discussão mais articulada sobre as

questões referentes às desigualdades, é interessante notar que nos últimos anos observa-

se um crescimento acima do padrão observado nos demais anos quanto à tematização

das desigualdades. No entanto, esse cenário não vem acompanhado de um incremento

no número de artigos que efetivamente se engaja na discussão de temáticas ligadas a

desigualdades, como é possível de se constatar pelo gráfico 1.

Fonte: pesquisa “Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira”

Embora a presença da temática da desigualdade esteja muito mais forte

atualmente, ultrapassando 80% dos artigos publicados, o debate específico sobre as

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Gráfico 1: tratamento dos artigos sobre os temas das desigualdades, sobre o número total de artigos

aborda desigualdade discute desigualdade

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desigualdades só aparece em menos da metade desses artigos. Como se vê na tabela 3, a

seguir, este cenário é muito caracterizado pela menção a desigualdades específicas de

classe e renda, ou seja, não há uma dispersão entre diversos tipos de desigualdade, mas

uma concentração nas desigualdades econômicas.

Tabela 3: trabalhos que abordam uma temática específica de desigualdade, sobre o número total de artigos.

tema aborda n

classe 31,0% 258

renda 29,7% 247

regional 18,7% 155

gênero 16,8% 140

raça 15,8% 131

educacional 12,5% 104

etnia 9,4% 78

informacional 7,2% 60

geracional 4,9% 41

sexualidade 2,4% 20

deficiência 0,8% 7 Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

Entre o rol de temáticas trabalhadas da pesquisa, as desigualdades de classe e de

renda apresentam destaque quanto ao número de aparições no debate acadêmico, pois

mais de um quarto dos artigos trata sobre algum desses temas. Desigualdades

relacionadas a gênero6, raça, educação e regional são mobilizadas em mais de 10% dos

artigos. Para além destas distinções, há uma variação quanto à forma como os diversos

temas são abordados, quer de forma implícita, mencionada ou discutida.

6 No desenho da pesquisa optou-se por diferenciar desigualdades de gênero e de sexualidade, conscientemente de que essa divisão estanque não se sustenta teoricamente (estudos de mulheres X estudos sobre sexualidade). No entanto, é um dado relevante identificar como essas questões são trabalhadas pelos autores e autoras do campo das ciências sociais brasileiras. Se gênero fosse considerado um conceito complexo que abarcasse tanto as questões sobre mulheres e homens quanto a construção de identidades de gênero mais complexas, os estudos trabalhariam com ambas as questões, que seriam contabilizadas no fichamento dos artigos. No entanto, o que se observa é que no conjunto de artigos o tratamento de gênero de maneira estrita é muito mais presente do que a discussão sobre sexualidade. Dentre os 140 artigos que tratam sobre gênero, apenas 13 tratam sobre sexualidade (que tem um total de 20 artigos). Vê-se, assim, que os artigos que tratam sobre gênero o fazem majoritariamente em seu sentido estrito (90,7%), enquanto 65% dos artigos que tratam sobre sexualidade tratam também sobre a relação entre mulheres e homens.

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Tabela 4: ênfase dos trabalhos que abordam desigualdade, por temática de desigualdade.

temática implicitamente menciona discute TOTAL

classe 30,2% 31,8% 38,0% 100%

(78) (82) (98) (258)

renda 32,0% 34,8% 33,2% 100%

(79) (86) (82) (247)

regional 29,7% 41,9% 28,4% 100%

(46) (65) (44) (155)

gênero 20,7% 47,9% 31,4% 100%

(29) (67) (44) (140)

raça 22,1% 43,5% 34,4% 100%

(29) (57) (45) (131)

educacional 34,6% 37,5% 27,9% 100%

(36) (39) (29) (104)

etnia 25,6% 39,7% 34,6% 100%

(20) (31) (27) (78)

informacional 40,0% 43,3% 16,7% 100%

(24) (26) (10) (60)

geracional 36,6% 56,1% 7,3% 100%

(15) (23) (3) (41)

sexualidade 30,0% 40,0% 30,0% 100%

(6) (8) (6) (20)

deficiência 14,3% 57,1% 28,6% 100%

(1) (4) (2) (7) Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

Desigualdades ligadas a diferençasdestatus social, como as de gênero, raça e

etnia, são menos recorrentemente apresentadas de forma implícita, o que não implica,

contudo, em um tratamento a partir de uma discussão mais aprofundada, pois quando

esses temas são observados recorrentemente o são a partir da simples menção sobre o

assunto, sem haver um aprofundamento no debate do conceito. O caso ais destacado de

discussão do tema se refere ao tratamento sobre desigualdades de classe social.

Porém, ao se considerar os artigos com participação de autores/as vinculados/as

à ciência política (Tabela 5), o cenário é diferente. Pode-se observar que há uma

discussão mais recorrente não apenas sobre desigualdade de classe, mas também em

relação a desigualdades de renda e regional.

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Tabela 5: ênfase dos trabalhos com participação de cientista política/o que abordam desigualdade, por temática de desigualdade.

temática implicitamente menciona discute TOTAL

renda 23,8% 35,7% 40,5% 100%

20 30 34 84

classe 19,2% 37,2% 43,6% 100%

15 29 34 78

regional 20,4% 40,7% 38,9% 100%

11 22 21 54

gênero 10,5% 57,9% 31,6% 100%

4 22 12 38

raça 5,7% 68,6% 25,7% 100%

2 24 9 35

informacional 38,7% 38,7% 22,6% 100%

12 12 7 31

educacional 31,0% 44,8% 24,1% 100%

9 13 7 29

etnia 10,5% 68,4% 21,1% 100%

2 13 4 19

geracional 27,3% 54,5% 18,2% 100%

3 6 2 11

sexualidade 0,0% 80,0% 20,0% 100%

0 4 1 5

deficiência 0,0% 33,3% 66,7% 100%

0 1 2 3 Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

Comparando-se os dados das tabelas 4 e 5 pode-se observar que o tratamento

implícito das temáticas de desigualdade é mais recorrente no conjunto geral de autores e

autoras. Ainda que o debate mais profundo sobre desigualdade se destaque apenas em

relação às desigualdades de classe, renda e regional7, os dados indicam que o tratamento

implícito de temáticas tão caras à ciência política é menor do que no conjunto geral de

artigos – ou seja, ainda que o tema mencionado não seja de fato o foco do artigo ou

mesmo explorado parcialmente, uma menção explícita é mais recorrente.

Entre os textos que discutem as diversas desigualdades, destaca-se uma maior

quantidade de análises sobre classe que não contam com uma perspectiva empírica

sobre o tema. Apesar de ser possível constatar um predomínio de abordagens não

7 E também em relação a deficiências, mas com um número de casos tão baixo não é possível fazer generalizações.

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empíricas no conjunto geral de artigos analisados, é relevante indicar que ao se

tematizar desigualdades de gênero e educacionais observa-se uma quantidade mais

elevada de estudos empíricos quando comparado aos demais temas.

Tabela 6: abordagem dos trabalhos que abordam desigualdade, por temática de desigualdade.

temática não empírica empírica total

classe 67,3% 32,7% 100,0%

66 32 98

renda 53,7% 46,3% 100,0%

44 38 82

regional 60,0% 40,0% 100,0%

27 18 45

gênero 40,9% 59,1% 100,0%

18 26 44

raça 72,7% 27,3% 100,0%

32 12 44

educacional 41,4% 58,6% 100,0%

12 17 29

etnia 59,3% 40,7% 100,0%

16 11 27

informacional 60,0% 40,0% 100,0%

6 4 10

geracional 33,3% 66,7% 100,0%

2 4 6

sexualidade 66,7% 33,3% 100,0%

2 1 3

deficiência 100,0% 0,0% 100,0%

2 0 2 Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

Com relação aos estudos que buscam algum tipo de tratamento empírico, de

forma geral constata-se um privilégio para abordagens quantitativas, apesar de haver

uma concentração maior deste tipo de empiria ao se tratar sobre desigualdades de renda,

de gênero e educacional.

Tabela 7: tipo de empiria dos trabalhos que abordam desigualdade, por temática de desigualdade.

temática qualitativa quantitativa total

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classe 50,0% 50,0% 100,0%

16 16 32

renda 36,8% 63,2% 100,0%

14 24 38

gênero 30,8% 69,2% 100,0%

8 18 26

regional 50,0% 50,0% 100,0%

9 9 18

raça 41,7% 58,3% 100,0%

5 7 12

educacional 17,6% 82,4% 100,0%

3 14 17

etnia 63,6% 36,4% 100,0%

7 4 11

informacional 25,0% 75,0% 100,0%

1 3 4

geracional 100,0% 0,0% 100,0%

4 0 4

sexualidade 0,0% 100,0% 100,0%

0 1 1

deficiência - - -

0 0 0 Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

Entre os temas referentes à discussão sobre o impacto de desigualdades para a

sociedade, é possível enquadrar temas clássicos à discussão, decorrentes de abordagens

que privilegiam a interpretação sobre as desigualdades a partir das condições materiais

do mundo. O corte entre desigualdades econômicas e desigualdades pós-materiais, para

se usar uma classificação da área, pode ser facilmente identificada nos artigos

analisados. Embora uma parte importante da teoria política contemporânea esteja

trabalhando com questões relacionadas a desigualdades que ultrapassem a visão

exclusivamente material das barreiras ao desenvolvimento democrático – como os

estudos de gênero, étnico-raciais e da teoria do reconhecimento8, são as desigualdades

materiais, mais “tradicionais” na ciência política, os temas que pautam a discussão nos

artigos.

Desse cenário é interessante considerar que o tratamento sobre o que se entende

sobre desigualdade opera a partir de chaves interpretativas distintas. A disputa por

8 O que não significa que estas vertentes teóricas não se dediquem à análise dos aspectos materiais das desigualdades, deve-se ressaltar.

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significados dos componentes das desigualdades a serem combatidas para propiciar a

construção de um contexto democrático é central na orientação sobre o que pode ser

assumido como democrático e o que se distancia desse ideal.

Os dados coletados permitem observar que efetivamente há uma enorme

diversidade em relação às conexões entre diferentes temas sobre desigualdade, mas as

temáticas de classe e renda são aquelas que ocorrem com maior grau combinação.

Entretanto, é importante expressar a inexistência de dependência na tematização de uma

para a observação da outra. Para além da combinação com renda, o tema das

desigualdades de classe aparece recorrentemente com a tematização sobre

desigualdades raciais, enquanto a desigualdade de renda é frequentemente mobilizada

nas discussões específicas sobre desigualdade educacional.

Para as relações de combinação entre os diversos tipos de desigualdade

analisadas nos artigos, optou-se por identificar os casos de abordagem combinada

apenas nos casos de discussão das temáticas. Embora haja uma diversidade de menções

e ocorrências implícitas das variadas desigualdades, o ponto mais importante para se

entender a construção do debate sobre desigualdades se refere aos casos de discussão

explícita das temáticas. Não é possível traçar claras relações entre a maior parte das

desigualdades discutidas nos artigos, porque não apresentam um padrão que permita

verificar uma tematização conjunta que seja estatisticamente significante9.

Priorizando-se, então, os casos significantes de relações mais consistentes entre

as temáticas, com concentração de discussão acima do valor esperado na tabela, é

possível identificar quatro combinações recorrentes:

a. uma forte combinação entre classe e renda, com grande presença da discussão da

desigualdade de classe entre os artigos que discutem desigualdade de renda – 50% das

discussões sobre renda também discutem classe;

9 A significância foi verificada a partir de teste do valor do Qui-quadrado das tabelas cruzadas entre cada uma das variáveis, com significância de 0,01. Além da interpretação quantitativa também foi realizada uma análise sobre quais haviam sido as células do cruzamento com maior efeito no Qui-quadrado para verificar se a relação atribuída pelo indicador era efetivamente relevante. Considerou-se a existência de relação apenas nos casos em que a discussão dos dois temas contribuía positivamente para a composição do Qui-quadrado. Deste modo, não é possível traçar relações entre as discussões das seguintes temáticas: desigualdade de gênero, étnica, regional, informacional, geracional e relacionada a deficiências.

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b. uma combinação forte entre renda e classe, ainda que menor do que o sentido inverso,

com presença importante da discussão da desigualdade de renda entre os artigos que

discutem desigualdade de classe – 41% das discussões de classe também discutem

renda;

c. uma combinação moderada entre raça e classe, com presença da discussão da

desigualdade de classe entre os artigos que discutem desigualdade racial – 44% dos

artigos que discutem raça discutem renda, enquanto 20% dos artigos que discutem renda

discutem raça;

d. e uma combinação moderada entre desigualdade educacional e renda, com presença

da discussão da desigualdade de renda entre os artigos que discutem desigualdade

educacional – 37,9% dos artigos que discutem educação discutem classe, enquanto

11,2% das discussões sobre classe discutem educação.

Há discussões centrais referenciadas no debate sobre desigualdades?

Uma das questões importantes ao se discutir a produção acadêmica de uma área

de conhecimento é a existência de um conjunto teórico que balize os seus debates. Para

isso, é preciso entender quais obras os autores e autoras referenciam para

desenvolverem suas pesquisas. Se estão trabalhando sobre um mesmo tema, a

convergência de citações de algumas obras consideradas centrais da área é relevante

indicador de que os/as pesquisadores/as estão “conversando” entre si – acompanhando-

se ou contrapondo-se.

Na análise aqui elaborada buscou-se comparar os/as principais autores/as

citados/as nas bibliografias dos artigos analisados em geral e na ciência política, para

que sejam observadas as especificidades desta área.

Para o conjunto total de artigos observa-se que não há alta concentração

bibliográfica. Apenas três autores ultrapassam 10% em presença bibliográfica: Pierre

Bourdieu, Max Weber e Jürgen Habermas. Quando observada a lista de autores/as

citados/as dos artigos da ciência politica10 a concentração é bem maior: sete autores/as

10 Em que pelo menos um/a dos/as autores/as do artigo atua nesta área.

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ultrapassam 10% na presença em citações, sendo que Argelina Figueiredo está presente

na bibliografia de mais de 20% dos artigos da artigos da área.

A presença destes específicos autores brasileiros (Figueiredo, Limongi, F.

Santos e Pereira) e brasilianistas (Mainwaring e Ames) da área de instituições políticas

na lista de mais citados em bibliografia (da ciência política e do total de artigos) sugere

que há uma grande disputa sobre o significado do sistema político brasileiro e a leitura

de como este opera.

Pierre Bourdieu, autor mais citado no total de artigos, não aparece na lista dos

mais citados na ciência política.

Tabela 8: autores mais citados em bibliografia.

geral

ciência política

autor/a citado/a n.

citações N = 831

autor/a citado/a n. de citações N = 333

BOURDIEU, Pierre 111 13,4% FIGUEIREDO, Argelina 68 20,4%

WEBER, Max 94 11,3% LIMONGI, Fernando 62 18,6%

HABERMAS, Jürgen 83 10,0% MAINWARING, Scott 58 17,4%

FIGUEIREDO, Argelina 76 9,1% PRZEWORSKI, Adam 43 12,9%

LIMONGI, Fernando 73 8,8% SANTOS, Fabiano 42 12,6%

MAINWARING, Scott 69 8,3% DAHL, Robert 41 12,3%

DAHL, Robert 56 6,7% SARTORI, Giovanni 38 11,4%

PRZEWORSKI, Adam 56 6,7% AMES, Barry 37 11,1%

SANTOS, W. G. dos 52 6,3% HABERMAS, Jürgen 35 10,5%

SARTORI, Giovanni 48 5,8% PEREIRA, Carlos 29 8,7%

SANTOS, Fabiano 46 5,5% WEBER, Max 29 8,7%

AMES, Barry 43 5,2% SANTOS, W. G. dos 28 8,4% Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

É necessário, porém, diferenciar o corpo teórico que baliza as discussões gerais

daquele utilizado como referência para a discussão das desigualdades, tanto em termos

gerais quanto na área de ciência política.

Na Tabela 9, a seguir, pode-se observar que os três principais autores citados nos

artigos que discutem algum tipo de desigualdade são os mesmos do conjunto geral de

artigos: Bourdieu, Habermas e Weber (com inversão de ordenamento entre Weber e

Habermas). Já no conjunto de autores/as citados/as da ciência política há muitas

diferenças: entre os mais citados (presentes em mais de 10% dos artigos) mantêm-se

Robert Dahl (que passa a ser o mais citado, constando na bibliografia de 17,7% dos

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artigos), Jürgen Habermas, Adam Przeworski e Scott Mainwaring. Pierre Bourdieu

aparece como o terceiro autor mais citado (12,7% dos artigos), ao contrário do que

ocorre quando se analisa o conjunto geral da área, citado em apenas 15 artigos (4,5%) e

fora da lista de mais citados/as.

Tabela 9: autores mais citados em bibliografia de artigos que discutem alguma temática de desigualdade.

geral

ciência política

autor/a citado/a n.

citações N = 227

autor/a citado/a n. de citações N = 79

BOURDIEU, Pierre 51 22,5% DAHL, Robert 14 17,7%

HABERMAS, Jürgen 28 12,3% HABERMAS, Jürgen 13 16,5%

WEBER, Max 27 11,9% BOURDIEU, Pierre 10 12,7%

DAHL, Robert 18 7,9% PRZEWORSKI, Adam 10 12,7%

FOUCAULT, Michel 18 7,9% FRASER, Nancy 9 11,4%

FERNANDES, Florestan 17 7,5% MAINWARING, Scott 8 10,1%

BECK, Ulrich 16 7,0% O'DONNELL, Guillermo 8 10,1%

SANTOS, W. G. dos 16 7,0% RAWLS, John 8 10,1%

FRASER, Nancy 15 6,6% ARATO, Andrew 7 8,9%

FREYRE, Gilberto 15 6,6% AVRITZER, Leonardo 7 8,9%

MARX, Karl 14 6,2% FIGUEIREDO, Argelina 7 8,9%

PRZEWORSKI, Adam 14 6,2% MANIN, Bernard 7 8,9%

TAYLOR, Charles 14 6,2% REIS, Fábio Wanderley 7 8,9%

HONNETH, Axel 13 5,7% SANTOS, W. G. dos 7 8,9%

GIDDENS, Anthony 12 5,3% SARTORI, Giovanni 7 8,9%

RAWLS, John 12 5,3% TAYLOR, Charles 7 8,9%

CASTELLS, Manuel 11 4,8% WEBER, Max 7 8,9% Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

Separando as referências bibliográficas pelas temáticas de desigualdade mais

trabalhadas nos artigos analisados (Tabela 10), vê-se que o único autor a aparecer em

todas as listas de mais citado é Jürgen Habermas. Apesar de acontecerem algumas

aproximações, cada conjunto tem uma bibliografia bem delineada e distinta das demais.

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Tabela 10: autores mais citados em bibliografia de artigos que discutem temáticas de desigualdade

Classe N N = 98

Renda n N = 82

Gênero n N = 44

Regional n N = 44

BOURDIEU, Pierre 24 24,5% BOURDIEU, Pierre 20 24,4% BOURDIEU, Pierre 11 25,0% HABERMAS, Jürgen 7 15,9%

WEBER, Max 18 15,3% DAHL, Robert 13 12,2% BECK, Ulrich 5 11,4% BECK, Ulrich 6 11,4%

HABERMAS, Jürgen 13 13,3% RAWLS, John 13 11,0% GIDDENS, Anthony 5 11,4% ARRETCHE, Marta 5 9,1%

MARX, Karl 11 11,2% HABERMAS, Jürgen 9 11,0% HABERMAS, Jürgen 5 9,1% FIGUEIREDO, Argelina 4 9,1%

DAHL, Robert 10 9,2% PRZEWORSKI, Adam 9 9,8% SCALON, Maria Celi 5 9,1%

ANDERSON, Perry 9 9,2% WEBER, Max 9 9,8% SILVA, Nelson do Valle 5 9,1%

FERNANDES, Florestan 9 9,2% MANIN, Bernard 8 8,5% ARAÚJO, Clara 4 9,1%

FRASER, Nancy 9 8,2% SANTOS, W. G. dos 8 8,5% BUTLER, Judith 4 9,1%

OFFE, Claus 9 8,2% SEN, Amartya 8 8,5% DURKHEIM, Émile 4 9,1%

SANTOS, W. G. dos 9 8,2% FRASER, Nancy 7 8,5% FOUCAULT, Michel 4 9,1%

FOUCAULT, Michel 8 8,2% ANDERSON, Perry 6 SANTOS, Boaventura 4 9,1% Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

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Classe e renda, desigualdades mais recorrentes nos artigos, têm convergência

entre seu principal autor (Bourdieu), mas as divergências entre demais autores é

bastante importante: há uma tendência de presença de autores marxistas na discussão

sobre classe, e para os artigos que tratam sobre desigualdade de renda autores do liberal-

pluralismo são mais presentes. Comparando-se os/as mais citados/as entre os artigos

que discutem as desigualdades de classe e renda, vê-se que há muitas diferenças

(convergindo os seguintes nomes: Jürgen Habermas, Robert Dahl, Nancy Fraser e

Wanderley Guilherme dos Santos, em ordens distintas).

Fraser é a única autora feminista que transita nas bibliografias dos artigos que

discutem desigualdades de classe e renda, mas não está na lista de mais citadas entre os

artigos que discutem desigualdade de gênero. Em relação às autoras feministas, é

fundamental observar que não “dominam” a lista de autoras/es citadas/os nem mesmo

selecionando-se os artigos que discutem a desigualdade de gênero. Apesar da maior

presença de autoras feministas neste conjunto (Celi Scalon, Clara Araújo e Judith

Butler), em comparação com os demais autores ainda são minoria.

Considerando a divisão de gênero entre autores e autoras mais citadas por tipo

de desigualdade abordada, o único topo de lista com “paridade de gênero” (de presença,

não de ordem) se dá na bibliografia de desigualdade regional, que é a variável mais

fluida da pesquisa11.Ainda se pensando no possível debate sobre desigualdades entre os

autores e autoras brasileiras, buscamos identificar aproximações entre as bibliografias

utilizadas pelos/as autores/as das instituições que mais publicam, selecionando as

desigualdades mais discutidas nos artigos. Na Tabela 11, abaixo, pode-se identificar a

concentração institucional por desigualdade discutida. Há uma grande concentração

institucional da discussão da desigualdade de classe entre os autores da USP12, o que

não ocorre em relação às demais desigualdades. IUPERJ/IESP é a única instituição com

presença na lista de principais instituições nas quatro temáticas mais discutidas.

11A variável desigualdade regional foi subdividida: “entre regiões de um mesmo país”, “norte/sul global”, “oriente/ocidente” e “campo/cidade”. Como os dados ficaram muito dispersos, optamos por agregá-los, cientes de que indicam significados diversos. 12Esse dado é esperado, visto que outros estudos já mostraram a concentração de publicações de autores/as da USP nas revistas academicas brasileiras (cf. Marques,2007).

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Tabela 11: vinculação institucional de autores que discutem desigualdade, por temática de desigualdade selecionadas*.

Classe USP IUPERJ/IESP UFSCar UFJF UnB UNICAMP

n 18 9 7 6 6 6

Renda UFRJ UnB USP UFF UFJF IUPERJ/IESP

n 8 8 8 6 6 6

Gênero UnB IUPERJ/IESP UERJ UNICAMP

n 7 6 4 4

Regional USP IUPERJ/IESP UFPE UNICAMP

n 8 5 3 3 Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

* Foram selecionadas apenas temáticascom número de casos suficiente para identificar diferença entre as instituições.

Ao serem analisadas as bibliografias de cada instituição, por temática, observou-

se que não é possível fazer aproximações entre as/os autores/as citadas/os. Os dados são

muto dispersos e não é possível verificar concentração de citações nem mesmo no nível

institucional, visto que o número de artigos que efetivamente discutem os temas de

desigualdade é pequeno. A única variável com maior frequência é desigualdade de

classe, cuja distribuição de bibliografia de artigos pode ser analisada na Tabela 12.

Além do destaque das autorreferências, os dados de bibliografia por

desigualdade e instituição indicam que os autores e autoras não estão debatendo entre si.

As referências bibliográficas por instituição não são convergentes e isso indica que o

corpo teórico mobilizado pelos/as autores/as varia muito e é demasiadamente disperso.

O único caso de bibliografia “mais” utilizada que coincide entre as instituições é,

novamente, Pierre Bourdieu, mas somente entre UnB e UFSCar. Se a bibliografia varia

muito, não há pontos de contato para os/as autores/as debaterem entre si –

provavelmente eles seguem suas pesquisas sem se referirem ao corpo teórico dos/as

demais pesquisadores/as da área, o que indica um cenário desolador para o

desenvolvimento de pensamento crítico nas ciências sociais brasileiras.

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USP IUPERJ UFSCar UFJF UnB

MARX, Karl 3 20% WEBER, Max 5 63% BOLTANSKI, Luc 3 50% SANTOS, J. A. Figueiredo 4 67% MACPHERSON, C. B. 4 67%

SKINNER, Quentin 3 20% HABERMAS, Jürgen 4 50% BOURDIEU, Pierre 3 50% WRIGHT, Erik Olin 4 67% MIGUEL, Luis Felipe 4 67%

TOCQUEVILLE 3 DOMINGUES, José M. 3 38% MAIR, Peter 3 50% IBGE 3 50% BOURDIEU, Pierre 3 50%

LUHMANN, Niklas 3 38% WILLIAMS, Karel 3 50% DAHL, Robert 3 50%

ELSTER, Jon 3 50%

FRASER, Nancy 3 50%

GORZ, André 3 50%

OFFE, Claus 3 50%

PHILLIPS, Anne 3 50%

Tabela 12: autores citados em bibliografia de artigo que discute desigualdade de classe, por vinculação institucional

Fonte: pesquisa "Democracia e desigualdades: o debate na ciência política brasileira".

N = 15 N = 8 N = 6 N = 6 N = 6

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Este dado aponta uma agenda de pesquisa a se explorar como uma frente

qualitativa da pesquisa do mapeamento dos artigos acadêmicos brasileiros, com a

análise da construção dos argumentos pelos/as pesquisadores/as da área. A orientação

para a pesquisa deve ser, claramente, de se compreender como as discussões realizadas

sobre desigualdades e sua relação com a democracia são desenvolvidas – se são

construídas isoladamente ou com referência a uma literatura muito específica ou se

buscam realizar intercâmbio crítico com a abordagem de outros/as pesquisadores/as do

campo acadêmico brasileiro.

Considerações finais

As análises realizadas neste paper são a primeira apresentação parcial dos dados

da pesquisa "O conceito de desigualdade nas Ciências Sociais brasileiras",

compreendendo o mapeamento do conceito de desigualdade em artigos acadêmicos no

Brasil. Este é o modelo a ser utilizado para a análise dos dados finais da pesquisa, que

compreendem os artigos publicados na RBCS, Dados, LuaNova, Opinião Pública e

Revista de Sociologia e Política entre 1982 e 2013, que deverá ser finalizado em 2016.

Ainda que com dados parciais, pode-se perceber que o campo acadêmico

brasileiro trata sobre democracia e desigualdade, inclusive abordando ambos os temas

em cerca de 45% do total de 831 artigos. No entanto, 19,4% dos textos realmente

discutem algum tipo de desigualdade e a concentração de discussões se dá entre

desigualdade de classe (11,8%, ou seja, 98 artigos) e de renda (9,8%, ou seja, 82

artigos).

Com relação à bibliografia, nossos achados apontam uma especificidade da área

de ciência política, que não compartilha Bourdieu como seu principal autor entre artigos

em geral, mas que é recuperado na discussão sobre desigualdades. Os dados agregados

de bibliografia sugerem que há um diálogo no campo em torno de determinados

debates. No entanto, quando analisados a bibliografia utilizada pelos/as autores/as das

instituições que mais publicam sobre o tema, vemos que não há um compartilhamento

biliográfico. Isso indica a potencial fragilidade dos debates teóricos da área, porque os

grupos mais especializados nas temáticas não compartilham as mesmas referências e

provavelmente não estão debatendo (ou seja, não constroem conjuntamente a área nem

se criticam entre si).

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Bibliografia

LEITE, Fernando Baptista (2010). Divisões temáticas e teórico-metodológicas na

ciência política brasileira: explicando sua produção acadêmica (2004-2008).

Dissertação de mestrado em Sociologia. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.

MARQUES, Danusa (2007). Democracia e ciências sociais no Brasil (1985-2005).

Dissertação de mestrado em Ciência Política. Brasília: Universidade de Brasília.

OLIVEIRA, Lilian Paula da Costa (2010). A Produção da Ciência Política e da

Sociologia no Brasil: Uma Análise dos Artigos Publicados nas Revistas Dados e

RBCS (1997-2009). Dissertação de mestrado em Sociologia. Rio de Janeiro:

Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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Ano Ano Ano

2012 55/1 55/2 55/3 55/4 2012 78 79 80 2012 85 86 87

2011 54/1 54/2 54/3 54/4 2011 75 76 77 2011 82 83 84

2010 53/1 53/2 53/3 53/4 2010 72 73 74 2010 79 80 81

2009 52/1 52/2 52/3 52/4 2009 69 70 71 2009 76 77 78

2008 51/1 51/2 51/3 51/4 2008 66 67 68 2008 73 74 75

2007 50/1 50/2 50/3 50/4 2007 63 64 65 2007 70 71 72

2006 49/1 49/2 49/3 49/4 2006 60 61 62 2006 66 67 68 69

2005 48/1 48/2 48/3 48/4 2005 57 58 59 2005 64 65

2004 47/1 47/2 47/3 47/4 2004 54 55 56 2004 61 62 63

2003 46/1 46/2 46/3 46/4 2003 51 52 53 2003 58 59 60

2002 45/1 45/2 45/3 45/4 2002 48 49 50 2002 55-56 57

2001 44/1 44/2 44/3 44/4 2001 45 46 47 2001 52 53 54

2000 43/1 43/2 43/3 43/4 2000 42 43 44 2000 49 50 51

Anexo 1: Edições fichadas

Volume/Número Número

Revista Dados RBCS Lua Nova

Número