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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE
CENTRO DE HUMANIDADES - CH CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS - CESA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NO DISCURSO DE CAMPANHA DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA NAS ELEIÇÕES DE
2002
Maria Andréa Luz da Silva
FORTALEZA – CEARÁ 2005
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE HUMANIDADES - CH CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS - CESA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
Democracia, Participação e Cidadania no Discurso de Campanha dos Candidatos à Presidência da República nas
Eleições de 2002
Maria Andréa Luz da Silva
Dissertação apresentada ao Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para obtenção do título de mestre em Políticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Francisco Horácio da Silva Frota.
Fortaleza – Ceará
2005
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S586d Silva, Maria Andréa Luz da Democracia, participação e cidadania no discurso de campanha dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2002/ Maria Andréa Luz da Silva. _____Fortaleza, 2005 175p.; il. Orientador, Prof. Dr. Francisco Horacio da Silva Frota.
Dissertação (M estrado Acadêmico em Políticas Públicas e
Sociedade) Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos
Sociais Aplicados.
1. Política e M ídia 2. Eleições 2002 3. Análise de Discurso. I-
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados. CDD: 324.23
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Dedicatória
Ao meu pai presente em meu coração.
A minha mãe, companheira de todos os momentos.
M inha força, minha luz.
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Agradecimentos
Ao Prof. Horacio Frota, parceiro neste projeto, por
sua amizade e pela oportunidade de trabalhar e
conviver com uma pessoa tão especial.
A FUN CAP por apoiar e acreditar nesse projeto.
Aos meus irmãos pelo incentivo e apoio em todos os
momentos de minha vida.
Aos amigos do N UPES, companheiros nessa jornada.
Aos amigos fiéis que me incentivaram e vibraram
durante todo esse projeto.
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À medida que viaja, o viajante se desenraiza, solta,
liberta. Pode lançar-se pelos caminhos e pela
imaginação, atravessar fronteiras e dissolver
barreiras, inventar diferenças e imaginar
similaridades. A sua imaginação voa longe, defronta-
se com o desconhecido, que pode ser exótico,
surpreendente, maravilhoso, ou insólito, absurdo,
terrificante. Tanto se perde como se encontra, ao
mesmo tempo que se reafirma e modifica. N o curso
da viagem há sempre alguma transfiguração, de tal
modo que aquele que parte não é nunca o mesmo que
regressa.
O ctavio Ianni
De quando deixei escrito nestas páginas se
desprenderão sempre - como nos arvoredos do
outono e como no tempo das videiras – as folhas
amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no
vinho sagrado. M inha vida é uma vida feita de todas
as vidas: as vidas dos poetas.
Pablo N eruda
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RESUMO O presente estudo representa uma avaliação do discurso político dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2002 no Brasil. Uma análise sobre a forma como os conceitos de democracia, participação e cidadania foram trabalhados pelos candidatos em disputa, visto que tais conceitos foram temas centrais na construção de suas políticas públicas. A estrutura das análises, portanto, foram focalizadas nos programas eleitorais gratuitos na televisão que abordaram as propostas de políticas nas áreas de educação, saúde, emprego e renda e segurança pública. Também deram subsidio a esse estudo os planos de governo de cada candidato, bem como as diversas entrevistas nos meios de comunicação de massa e os debates políticos realizados por várias emissoras. Para efetivação de tais análises, estabelecemos os caminhos metodológicos a partir de um referencial de análise qualitativa que nos permitisse a analise de um discurso político “midático”. Trabalhamos, portanto, com os discursos buscando identificar os elementos ideológicos justificadores para em seguida reconstruí-los de forma crítica. Tal estudo nos permitiu entender melhor as diferenças e semelhanças nos discursos dos candidatos. Por serem integrantes ou originários de partidos de esquerda, possuíam retóricas semelhantes, voltadas para o enfrentamento dos problemas sociais e a crítica a política econômica, no entanto, embora sem grandes distinções de conteúdo, podemos perceber a existência de certas diferenças na forma de elaboração das críticas e das soluções apresentadas pelos candidatos em seus programas eleitorais. Isto nos leva a concluir que as diferenças de discursos entre os candidatos era muito mais da forma de apresentação de suas propostas do que de conteúdo político ideológico. Palavras-chave: Política e Mídia; Eleições 2002; Análise de Discurso.
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DEMOCRACY, PARTICIPATION AND CITZENSHIP IN THE SPEECHES OF THE CANDIDATES RUNNING FOR PRESIDENCY IN 2002
Andréa Luz Abstract The present study represents an evaluation of the political speeches of the candidates for Presidency in 2002 elections in Brazil. An analysis on the way the concepts of democracy, participation and citizenship have been dealt with by the candidates running for presidency, due to the fact that these concepts were main themes in the construction of their public policies. The structure of the analysis, therefore, has been focused on the TV programs which have approached the political proposals in the areas of education, health, employment and income and public security. The government plan of each candidate, as well as the several interviews for the media and the debates carried on by the TV channels have also been part of this work. In order to do these analyses we have established methodological ways from a referential qualitative analysis which allowed us to analyze a “midatic” political speech. This way, we worked with the speeches trying to identify the ideological proven elements to reconstruct them later in a critical way. Such a study has allowed us to understand better the differences and similarities in the candidates’ speeches. Because they belonged to or came from the left wing parties, their rhetoric was very similar, focusing the social problems and criticizing the economical policy. However, although there is not much difference in content, we can acknowledge certain differences in the way they criticize and in the solutions presented by the candidates in their electoral programs. For this reason we can conclude that the differences of speeches among the candidates were much more in the way they presented their proposals than in the ideological political content of them. Key words: Politics and media, elections of 2002, discourse analysis.
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1 INTRODUÇÃO
Essa dissertação se propõe analisar de que forma foram trabalhados os conceitos de
democracia, participação e cidadania no decorrer de toda a campanha para a Presidência da
Republica no Brasil em 2002. O estudo aprofunda uma pesquisa desenvolvida com o apoio
do CNPq, do qual a autora era bolsista de Iniciação Científica, e que, entre outras coisas,
ensejou um projeto monográfico denominado Produção simbólica e política Industrial:
análise do discurso do Governo das Mudanças, defendido em novembro de 2001, na
Universidade Estadual do Ceará.
O objetivo do estudo ora estabelecido caminhou no aprofundamento do que já vinha
sendo estudado. Durante os meses da campanha, esteve em pauta a sucessão presidencial e
a mídia teve papel fundamental na divulgação das propostas de cada partido ou candidato.
Desde que a campanha realmente foi efetivada, existiu a oportunidade de se verificar novas
verdades produzidas e difundidas. Nesse contexto, temas como democracia, participação e
cidadania foram reiteradas, no entanto, foi muito importante o seu balizamento, pois,
embora sejam conceitos aparentemente consensuais, tanto na teoria quanto na prática,
chegam até a ser antagônicos. Tornou-se urgente uma reflexão dos processos históricos no
âmbito dos quais tais conceitos foram elaborados.
Durante todo o processo eleitoral de 2002, como nas eleições de 1998, existiu uma
tônica de campanha na qual foi explorada não só a necessidade de um choque ético como
também a importância de uma visão social e ambiental. Os principais males dessa
sociedade, tais como os latifúndios improdutivos e a existência de famílias sem terra para
plantar, o poder financeiro dos bancos e o sistema industrial necessitando de investimentos,
a corrupção política, a violência e os desmandos do Judiciário, foram alvos da crítica de
todos. Os discursos eleitorais referiram-se aos conceitos de democracia, participação e
cidadania, tendo como base uma realidade influenciada pelas mudanças tecnológicas, a
globalização, o agravamento das polarizações econômicas, a reestruturação produtiva,
novas dinâmicas do trabalho e o deslocamento das estruturas tradicionais do poder. O que
necessitou saber, porém, foi se a formulação de tais conceitos ocorreu de forma distinta, ou
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seja: se os aspectos principais das falas dos candidatos acompanharam as atitudes
ideológicas que fundamentam as distintas práticas políticas.
Diante de tal fato, é necessário se estabelecer os caminhos metodológicos
percorridos a partir de um referencial de análise qualitativa. A necessidade de rever o
conceito de ideologia e suas relações com os meios de comunicação foram fundamentados
no estudo J. B. Thompson, teórico da área de comunicação. Nesse sentido, foi buscada,
principalmente, a estratégia argumentativa do autor quando elabora os seus quatro pontos
revendo tal conceito:
1 fazendo uma reconsideração da história do conceito;
2 discutindo a necessidade de elaboração de um material teórico que possibilite
compreender as características distintivas dos meios de comunicação e o curso específico
do seu desenvolvimento;
3 formulando uma concepção especial de ideologia - uma concepção crítica;
4 elaborando um referencial teórico que possa compreender as características
distintivas dos meios de comunicação.
Portanto, foi preciso perceber não só o que foi dito, mas também igualmente o que
não foi expresso. O discurso não é somente o texto, a gramática, mas também a fala, a
imagem, o som, o silêncio. Tudo isso fez parte de um repertório que precisou ser
contextualizado para que se pudesse apreender o que de real todos esses elementos reunidos
querem dizer.
O segundo momento do referencial metodológico foi o da análise formal ou
discursiva. Tal exame foi importante por se considerar que os objetos e expressões que
circulam o campo social também são construções simbólicas. Essas formas simbólicas
fazem parte de construtos produzidos socialmente, com base em regras que possuem
estrutura articulada. Embora não sendo somente isso, pois elas foram algo mais,
constituiram expressões que procuraram dizer alguma coisa sobre algo. As formas
simbólicas se expressaram em diversas maneiras na comunicação, e os textos aliados à
imagem e ao som trouxeram novas possibilidades simbólicas.
Na medida que as formas simbólicas foram produzidas em contextos sociais
específicos, foi muito importante perceber e reconstruir historicamente as condições sociais
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da campanha e em que tais signos foram produzidos, e como ocorreram a sua circulação e a
sua recepção no campo social.
As formas simbólicas foram também especificamente situadas em certos terrenos de
interações, campos que podem ser analisados como um espaço de posições e um conjunto
de trajetórias, os quais, conjuntamente, determinaram algumas das relações entre pessoas e
algumas das oportunidades acessíveis a elas.
Os candidatos possuíam um conjunto de regras e convenções que, apesar de serem
implícitas, constituíam regras da vida cotidiana e eram reproduzidas naturalmente nas
atividades comuns do dia-a-dia da campanha. Essas regras e convenções fizeram parte de
um saber prático, ou popular, pois indivíduos inseridos num âmbito social ensejaram uma
espécie de conhecimento do senso comum, da vida cotidiana.
A nossa maior preocupação foi identificar os elementos justificadores presentes nos
discursos políticos, visto que estes foram produzidos para o convencimento do eleitor.
Portanto foi necessário que tivéssemos em mente alguns procedimentos importantes para
orientação da análise dos elementos coletados.
Em primeiro lugar, foi preciso desconstruir o discurso em busca de uma racionalidade
que se apresentava como uma cadeia de raciocínios que procuravam defender, ou justificar,
um conjunto de relações ou instituições sociais. Importante, também, foi apreender quais
seriam os elementos justificadores da proposta discursiva, identificando a lógica implícita
das propostas apresentadas, procurando nelas os aspectos positivos e negativos da prática
exercida e fazendo a articulação entre essas práticas estudadas.
As categorias utilizadas em tal análise ideológica tomaram por base o que Thompson
apresenta como elemento justificador ideológico:
Universalização - busca globalizar as propostas. A investigação procura identificar
como, no discurso, é explicada a relação entre o que específico e o que é geral, o que é
naturalizado em função da globalidade.
Narrativação - linha explicativa do surgimento da prática política e como, ao longo
do tempo, essa prática se apresenta. Nela são encontrados os elementos constitutivos da
narrativa, que acabam contando o passado como se fosse o presente e tratando esse presente
como fazendo parte de uma tradição eterna.
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Dissimulação - fatos camuflados no discurso ideológico. Através dela, é possível
identificar como as questões centrais são deslocadas, o que se apresenta como
eufeminização do discurso e o que se pode se identificar como tropo (eufemização - se
apresenta como uma forma de valoralização positiva a partir de ações, instituições ou
relações sociais descritas no discurso; tropo - uso da figura de linguagem ou das formas
simbólicas).
Unificação – unificar os indivíduos numa identidade coletiva, independentemente
das diferenças e divisões que possam separá-los. Este indicador será verificado através da
padronização e simbolização da unidade, tentando, através deles, perceber como e em que
nível esta se dando a padronização no discurso.
Fragmentação - quando o discurso não unifica as pessoas numa coletividade, mas
segmenta-as, fazendo uma diferenciação entre grupos e pessoas, para que não possam ser
capazes de se transformar em um desafio real aos grupos dominantes.
Reificação - os processos transitórios são retratados como coisas, fazendo com que
acontecimentos de um tipo quase natural sejam modificados em seu caráter histórico. Na
reificação, utilizam-se recursos gramaticais e sintáticos como forma de nominalização, ou
seja, quando sentenças ou parte delas transformam em nomes descrições de ações ou de
dados dos participantes nelas envolvidos.
A estrutura das análises, portanto, foram focalizadas nos programas que abordaram
as propostas de políticas nas áreas de educação, saúde, emprego e renda e segurança
pública. Também deram subsidio a este estudo os planos de governo de cada candidato,
bem como as diversas entrevistas nos meios de comunicação de massa e os debates
políticos realizados por várias emissoras de rádio.
Como forma de viabilização da análise dos programas e propostas, a campanha foi
monitorada por um grupo de pesquisa composto por bolsistas de Iniciação Científica e do
qual esta autora é uma das coordenadoras. Na primeira fase, os anúncios foram gravados e
catalogados, passando a fazer parte, então, de um banco de dados, e, no momento seguinte
foram realizadas as análises do material que deu sustentação a essa pesquisa.
Para conhecer as bases dos projetos apresentados pelos candidatos à Presidência da
República foram, analisados os discursos pronunciados em distintos momentos: programa
de abertura de campanha pela televisão; programas esclarecedores dos conceitos estudados;
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programa de cada candidatura; debate entre os candidatos; material coletado em várias
entrevistas dos candidatos. Os conceitos de democracia, participação e cidadania foram
estudados com base nas fontes principais de inspiração das diferentes propostas de governo
veiculadas nos referidos instrumentos de campanha política eleitoral.
O monitoramento constou da gravação de entrevistas com os principais
“presidenciáveis” nos diversos canais de televisão.
Outro momento desse monitoramento sucedeu a partir do inicio do programa
eleitoral na tv e no rádio. Para atender a essa fase das eleições, os programas eleitorais
autorizados pelo TRE foram gravados diariamente. As fitas de vídeo dos programas na tv
foram gravadas em arquivos e copiadas em CD mediante de um programa de computador
de captura de imagens, possibilitando, além de melhor organização dos dados, também
melhor qualidade do material a ser analisado.
O percurso teórico que deu base à dissertação ora apresentada está esmiuçada nos
capítulos seguintes. Indispensável para esse estudo é a reconstrução histórica dos conceitos
de democracia, participação e cidadania e um aprofundamento da discussão sobre produção
de sentido, visto que trabalhamos com o discurso, principalmente o midiático. Para efeito
de contextualização do objeto de investigação é que se fez necessário abordar o tom dos
partidos políticos e o contexto eleitoral das eleições de 2002 detendo-nos nos principais
candidatos: Serra, Lula. Ciro e Garotinho.
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2 DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA
A questão principal deste estudo e que nos impulsiona nessa reflexão tem como
ponto de partida a Democracia. Tal conceito por si já insufla grandes discussões, o que nos
leva a crer que o tema não é de longe fácil de se resolver. Também não temos aqui a
pretensão de esgotá-lo, evidentemente, mas apenas contribuir com a discussão, tentando
compreender de que forma esse conceito é utilizado por políticos em seus programas de
governos.
O estudo das diferentes concepções de democracia é um tema central para o
entendimento da nossa realidade. Mais atual do que nunca, haja vista que a Europa,
continente que disseminou idéias como as de liberdade para todo o mundo, ainda é um
projeto democrático inacabado. Teóricos como Gentili (1998) e Boaventura (2002)
observam que projetos antagônicos de sociedade, como conservadorismo e democracia,
transformou-se no decorrer do século XX em união peculiar. Os mecanismos de consenso e
deliberação democráticos que se mostravam historicamente adversos ao conservadorismo,
do ponto de vista teórico e doutrinário, foram sabiamente assimilados por diferentes
correntes de pensamento político. Portanto, são inúmeros os argumentos que apontam para
a atualidade e necessidade de tal reflexão.
Vivemos nas ultimas décadas profundas transformações nas estruturas sociais,
políticas e econômicas. A dinâmica da vida mudou, a vida está sempre em mudança: nada
repousa, tudo pulsa.
Portanto, conceitos como democracia, cidadania e participação refletem tais
mudanças e se transformam tanto quanto as estruturas sociais.
Democracia é um conceito histórico que se amplia e aprofunda em continuidade e
ruptura, em que nem sempre sua finalidade é avançar em políticas públicas que favoreçam
a cidadania, ou incentivem a sociedade organizada a conseguir, cada vez mais e melhor,
controlar a elite e o Estado.
Demo (1995) lembra que uma das conquistas mais importantes do fim do século foi
o reconhecimento de que a cidadania perfaz o componente fundamental do
desenvolvimento. Também sugere que este avanço está na esteira das lutas pelos direitos
humanos e pela emancipação das pessoas e dos povos, bem como reflete o progresso
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democrático possível. A cidadania, porém, nem sempre tem caráter emancipatório,
portanto, muitas vezes, é apenas assistida ou tutelada. Tudo vai depender de como estejam
articulados indicadores que a definam, estabeleçam sua função, constituição e grandeza.
Democracia e cidadania no Brasil seguem um caminho sinuoso, onde a participação
popular esteve sempre limitada e algumas vezes até excluída. Desde a Independência, a
cidadania recebeu uma formulação bastante excludente, com base nas idéias de Benjamin
Constant e em seu liberalismo conservador, cuja noção de voto censitário foi introduzida na
Constituição de 1824. Além da permanência da escravidão, o voto censitário postulava o
argumento de que os indivíduos tivessem tempo e independência para um suposto exercício
racional da cidadania.
No aprofundamento de tal debate, a compreensão teórico-prática dos conceitos de
igualdade e liberdade aponta para um melhor entendimento dos caminhos para a construção
do Estado Moderno. Liberalismo, socialismo, social democracia e nova esquerda são
projetos políticos que resultaram de tal debate e que possuem historicamente amplo lastro
de experiências.
A questão democrática tem que ser observada em seus aspectos históricos,
sociológicos e filosóficos. Como questão sociológica, levam-se em consideração as
instituições democráticas em seus aspectos econômicos e políticos, observando que todo o
caminhar dos últimos tempos com a renovação do pensamento dos projetos políticos há
pouco citados, não conseguiram avançar no pensamento democrático, pois, como considera
Marilena Chauí (2001), democracia significa: igualdade, soberania popular, preenchimento
das exigências constitucionais, reconhecimento da maioria e dos direitos da minoria e
liberdade. Tais critérios não foram respeitados, levando a considerar democracia somente
como um sistema político e não como expressão da sociedade. Seria então necessário
repensar as condições para a democracia.
Nessa perspectiva, as condições sociais da democracia passam por uma
democratização da economia e o fortalecimento do sistema político-partidário. Na esfera
econômica prevaleceria a transformação das relações de classe, do sistema de produção e
de propriedade, e a separação entre trabalho braçal e trabalho intelectual. No âmbito do
sistema político-partidário, a crítica seria focada na fragilidade do sistema pluripartidário,
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que por um lado aceita as divergências e, por outro, como garante da multiplicidade de
posições, não consegue de fato efetivar a democracia.
Concordamos com Chauí, quando ela diz que esse fato ocorre por causa do baixo
nível de qualidade dos partidos políticos que não conseguem dentro da sua estrutura interna
estabelecer os critérios democráticos acima propostos. Internamente eles não respondem a
interrogações básicas tais como: até que ponto as questões sociais são transplantadas para o
interior dos partidos? Efetivamente, tais partidos se realizam no plano político? Assumindo
o poder, mobilizam a sociedade? Possuem um projeto ideológico claro identificado pela
população? Tais questionamentos nos remetem às campanhas políticas eleitorais. Até que
ponto esses critérios são respeitados durante o processo eleitoral? Os políticos estão, de
fato, conseguindo situar nos seus projetos políticos, ou planos de governo, as reais
necessidades sociais? Os seus projetos são claros e bem definidos e de fácil aceso ao
eleitor? Os seus planos de governo atendem a necessidades reais ou são meros projetos
idealizados em época de campanha, mas que se tivessem que ser implementados, na prática,
não funcionariam? Esses pontos serão retomados e aprofundados na análise dos discursos
políticos e dos planos de governos dos candidatos durante a campanha.
No curso da Modernidade, acontece uma mudança radical do chamado pensamento
filosófico para a reflexão política. A política passa a ser pensada não mais nos moldes da
filosofia clássica, mas torna-se uma questão científica1. Dessa transição, nasce o discurso
da filosofia política, e está relacionada não mais com a questão da boa sociedade, mas sim
com a natureza do poder.
Para os antigos, a política tem relação direta com a justiça, pois, como entende
Aristóteles, as cidades se distinguem por suas leis. A justiça nesse caso seria um valor ao
qual a política está agregada. Já com relação ao poder, o pensamento antigo distingue entre
o partilhável o participável, sendo que o primeiro diz respeito aos bens materiais e o
segundo ao poder que não pode ser partilhado, mas participado. Nesse sentido, o valor da
democracia é a liberdade que estabelece condições para que os iguais possam participar do
poder.
1 A boa sociedade e o governo justo e virtuoso é deixado de lado pelo pensamento moderno, que, por meio de dois grandes pensadores, Maquiavel e Espinosa, se voltam para as instituições e práticas necessárias para o bom funcionamento dos regimes políticos.
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Na Modernidade, esses valores mudam e não interessa saber o quanto uma forma
política é mais justa do que a outra, mas o quanto uma é mais livre do que a outra. Nesse
caso, a liberdade é medida pela potência que possui. Espinosa suscita essa discussão,
observando que uma cidade é mais potente e mais livre quando o poder sendo de todos não
possa ser de ninguém. A liberdade, nesse caso, só é possível porque existe a igualdade
política que permite a participação maior na distribuição do poder.
Seguindo Chauí, o seu último enfoque é para o caráter histórico da democracia. A
autora considera que toda sociedade possui conflitos internos incessantemente levados à
discussão. As sociedades são históricas porque nelas existem contradições, dualidades,
lutas de interesses e ideologias. Não podemos é nos deixar levar por concepções que tentam
minimizar essas contradições, camuflando as desigualdades sociais e a dominação política,
como sucede com o capitalismo.
2.1 A elaboração do pensamento democrático
2.1.1 Pensamento dos antigos e modernos
Historicamente, democracia tem raízes no pensamento grego, na sua concepção de
Estado e política, no entanto, para compreender o pensamento dos antigos e sua influência
no debate político atual, é preciso primeiro compreender de que forma se constituía a sua
sociedade.
Para os gregos, o homem se constitui essencialmente como um ser político.Vale
dizer que, entre todas as atividades naturais exercidas pelo homem, duas tinham para os
gregos um valor fundamental: a ação e o discurso. Ambas as atividades ultrapassavam e
excluíam tudo o que era necessário e útil.
Segundo Hannah Arendt (2000), com o surgimento da Cidade-Estado, o homem
grego passou a ter uma espécie de duas vidas2. Na primeira, e ele se realiza como homem
2 Essas duas esferas, ou como diz Arendt, “essas duas vidas”, eram extremamente distintas. A vida familiar ou privada era o ambiente em que os homens viviam juntos por causa das suas necessidades e carências biológicas. A constituição do núcleo familiar se dava a partir essencialmente das necessidades. Os papéis dos agentes eram bem demarcados. O homem comandava a sua família através de um poder coercitivo, pelo qual tanto a mulher, os filhos e os escravos deviam respeito e obediência às normas e às leis impostas pelo senhor. A função maior do homem dentro da família era a da manutenção, tendo ele que trabalhar para suprir as
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social e que exerce atividades puramente privadas. A família grega fazia parte da primeira
vida, em que o homem era, dentro desse núcleo, senhor de tudo. Sua palavra era a ordem
que regia todo esse espaço.
Já na segunda vida, o homem sai de uma esfera privada e cai sobre um campo
público, onde não mais as suas vontades individuais são leis a serem respeitadas. Ele passa
a ocupar esse espaço com outros homens, seus iguais. Com efeito, a ação (práxis)3 e o
discurso (lexis) passam a ser considerados como atividades principais que regerão a esfera
pública.
A polis era, para o homem grego, o romper com esse sistema privado. Enquanto na
esfera familiar ele se sentia um ser aprisionado, no locus público, deslumbrava a
oportunidade de uma liberdade interior. Tinha a chance de estar com outros homens, não
mais exercendo a força, mas estabelecendo outras formas de convivência. Predominarão e
regerão essa esfera, como expresso anteriormente, a ação e o discurso. As pessoas não se
reúnem mais somente para suprir necessidades biológicas, mas para decidir o que era de
interesse coletivo. É o reino da liberdade, onde o homem pode exercer a política e ser
detentor do poder. O poder, nesse caso, não é o poder coercitivo, comum na esfera privada,
mas o poder da argumentação. Na polis, o homem grego deixa de ser o senhor do seu
núcleo familiar e se transforma no cidadão, podendo exercer a sua liberdade mediante a
possibilidade de discursar em um debate público.
Na Antigüidade clássica, eram considerados cidadãos os homens de bem4, ou seja,
aqueles que detinham poder. Todavia, nem todo cidadão possuía as características de
homem de bem capaz de exercer atividade política. Para Aristóteles, o cidadão que tem
condições de exercer a política é o que possui uma virtude diferente da dos outros cidadãos,
virtude essa que o qualifica para a política. Portanto, se em determinado governo houver a
possibilidade de expansão dos grupos que podem ser caracterizados como cidadãos, mesmo
assim, dentre eles haveria de se ter a virtude como critério para a participação na atividade necessidades básicas materiais. Já a mulher ocupava um lugar secundário e, ali, a sua principal importância se mostrou no fato de que seria através dela que se garantiria a sobrevivência da espécie. 3 Para os gregos, viver com outras pessoas não é suficiente. Viver com outro pressupõe ação política, no âmbito da qual as pessoas possam desenvolver suas capacidades para o discurso e a ação. E somente essas duas atividades poderiam ser consideradas exercícios políticos. 4 Na concepção dos antigos, o homem que exerce atividade física, como no caso de servos, não poderia de maneira nenhuma exercer ação política, pois não tinha as qualidades necessárias para tal atividade. O mesmo ocorre com os artesões que, mesmo tendo posses como os homens de bem, não são da mesma forma talhados para a política.
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política. Portanto, Aristóteles considera que a democracia, dentre as formas de governo, é a
que mais amplia o conceito de cidadão, pois, ao considerar que é do povo o poder político,
abre espaço para que os que se encontram excluídos nos outros regimes ganhem status de
cidadão.
Sendo a democracia o governo da maioria, tem como base a ampliação da liberdade
e da igualdade de seus cidadãos. Ocorre uma mudança na concepção da forma de governar.
O poder torna-se distributivo e fica nas mãos de todos, pois, quando se fala de povo, nele
estão incluídos tanto os de posses quanto os que não têm. A virtude, portanto, não é a
determinante para a escolha dos magistrados que guiariam a política, pois, à medida que o
poder passa a ser de todos, esse poder também passa a ser distribuído entre os cidadãos e
entre todas as classes. Essa liberdade, ampliada aos que antes eram excluídos é que vai
garantir a igualdade dos direitos de se fazer política e se beneficiar com ela. 5
Para Noberto Bobbio (2000), a diferença entre esse conceito de democracia dos
clássicos para o de democracia dos modernos é de duas naturezas. Primeiro, para os gregos,
democracia tinha um sentido negativo e não era considerada uma das boas formas de
governo. Esse sentido negativo se explica no fato de que, nesse regime, o poder era dirigido
pelo povo. Já para os modernos, a democracia possui um sentido positivo, pois, se para os
antigos, era imprescindível a participação direta do povo nas decisões, enquanto, para a
Modernidade, essa participação não é mais direta, mas passa a ser representativa.
A segunda é o fato de que, nas sociedades modernas, o individualismo ocupa função
central. O individualismo não vai se constituir somente nas relações sociais modernas, mas
encontrar apoio principalmente nas bases da nova ciência que, ao assumir uma posição de
conceber a sociedade a partir das ações dos indivíduos, leva-os a assumire não mais uma
defesa dos interesses coletivos, como na Antigüidade, mas a buscar a satisfação de
interesses individuais.
O individualismo também se manifesta a partir do segundo modelo, no qual os
indivíduos acabariam se associando a outros; dessa forma, reconciliando-se com a
sociedade e fazendo com que os homens saíssem do estado de guerra e passassem a viver
5 Essa é uma das grandes criticas de Aristóteles com relação ao governo democrático e ao seu processo de igualdade. Se na oligarquia e na monarquia os cidadãos são restritos aos homens de virtude, na democracia, a liberdade possibilita que os artesões, os servos e outros segmentos antes excluídos ascendam e se tornem cidadãos.
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livres, mas, seguindo regras de comum acordo com esse modelo, aporta-se ao que se vai
denominar de individualismo democrático. Esse individualismo clássico vem conferir
novos rumos à sociedade que se vai caracterizar por decisões coletivas tomadas pelos
indivíduos e pelos seus representantes e estará presente também nas idéias dos chamados
contratualistas e jusnaturalistas6. Autores como Hobbes, Locke e Rousseau7 serão
interessados principalmente na concepção de liberdade e igualdade.
A liberdade, entendida por Thomas Hobbes, está no estado de natureza, onde os
indivíduos são de tal modo iguais que podem agir conforme a sua vontade. Sendo o
individuo possuidor de uma natureza agressiva e em constante conflito com os outros
indivíduos, a sua convivência com os outros se torna difícil, daí ele afirmar que, no estado
de natureza, o que predomina é a guerra de todos contra todos.
A única solução para remediar esses conflitos é, para esse autor, a constituição de
um estado forte capaz de manter uma ordem geradora da paz necessária a todos. Portanto,
se tornaria necessário um contrato pelo qual os indivíduos abdicariam de sua liberdade em
favor da vida e depositariam nas mãos de um soberano ou de um representante as suas
liberdades individuais.
O Estado hobbesiano é um estado forte e absoluto que visa exclusivamente à
proteção à vida e os que nele abdicaram da sua liberdade seguem a leis criadas para
preservar a vida que, no Estado de natureza, estaria em eterno perigo.
Na concepção desse autor, nem a democracia e muito menos a cidadania estão
contempladas de forma positiva. O Estado idealizado por Hobbes é aquele capaz de manter
sob controle os ânimos dos indivíduos. Uma democracia não seria capaz de conseguir livrar
os indivíduos de suas paixões que os leva sempre a conflitos. É preciso um poder absoluto e
inquestionável que mantenha a ordem e preserve a paz.
Na base do contrato de Locke também está a legitimação dos interesses burgueses.
O contrato foi, segundo esse autor, uma forma encontrada de preservação da propriedade. 6 Contratualistas porque afirmavam que a origem do Estado e da Sociedade está num contrato, que seria um pacto firmado pelos homens para estabelecer regras para um convívio social. E jusnaturalistas porque acreditavam em um estado de natureza, anterior ao estado civil, onde os homens portavam direitos naturais. 7 O contrato social idealizado pelos pensadores do século XVI é um contrato que busca a legitimidade. O pensamento burguês e o individualismo prevalecem nas idéias desses pensadores. Cada um parte de um ponto para começar a discutir sobre a origem do Estado, mas na realidade o que cada um procura são as formas para legitimá-lo. O contrato foi encontrado por todos eles para justificar a formação desse Estado, apesar de que cada um possui particularidades na concepção desse contrato.
185
Diferentemente de Hobbes, Locke concebia o Estado de natureza como um Estado de
relativa paz e onde os homens já eram dotados de razão. Dentre os direitos naturais desse
homem, estavam, além da vida e da liberdade, a propriedade.
O contrato social seria estabelecido pelo fato de que o estado de natureza não
oferecia garantias de proteção para a propriedade. O Estado lockeano é um pacto de
consentimento em cujo contexto os indivíduos se associam em favor da preservação de um
bem natural que é a propriedade.
Rousseau também procura, mediante o contrato social, compreender a formação do
Estado moderno. Na sua concepção, o contrato social firmado pelos indivíduos não pode
ser um pacto que os prive de sua liberdade em favor de outrem que os vai governar. Não se
pode ceder aquilo que é um valor individual, pois a liberdade é algo que o indivíduo possuí
já no Estado de natureza, é um valor, um bem que não se pode trocar ou mesmo conceder.
Ao afirmar que e o homem nasce livre e por toda parte se encontra aprisionado, ele
concebe a idéia de que a liberdade vivida no estado de natureza foi se perdendo à medida
que os indivíduos se associaram e criaram instituições que limitaram essa liberdade. Sua
maior preocupação foi estabelecer as possibilidades de um pacto legítimo, mediante o qual
os indivíduos possam trocar a sua liberdade natural por outra forma de liberdade, a
liberdade civil.
A liberdade civil é que garantiria a repartição igualitária dos bens públicos. Mediante
o pacto, o povo passa a ser soberano e a participar ativamente das decisões, não alienando a
sua liberdade e muito menos colocando-a nas mãos de terceiros para que, por eles, possa
decidir. O que na realidade ocorre é que o poder está inteiramente nas mãos de quem de
fato é o soberano, ou seja, o povo. Dessa forma, seriam garantidos os direitos a qualquer
cidadão, sendo ele proprietário ou não, de, além de obedecer às leis, também elaborá-las; e
o Estado seria subordinado a esse soberano, que teria uma relação de dependência e
submissão à vontade popular.
Os conceitos de democracia e igualdade também são temas tratados no pensamento
de Alexis de Tocqueville. A democracia, entendida por esse autor, consistia na igualdade de
condições, que vai além da questão econômica, passando também pela igualdade cultural e
política, por isso a sua análise sobre a liberdade na América vai se pautar em três aspectos:
o espaço geográfico, as leis e os hábitos e costumes.
186
Ao considerar a importância de tais aspectos na construção de democracia na
América, Tocqueville se aproxima da Sociologia. As leis seguramente são a melhor forma
de se estabelecer os direitos e as obrigações da sociedade. Ele considera que o caráter
federativo da Constituição dos Estados Unidos possibilitou a melhor circulação de bens,
pessoas e capital, pois as leis encontram mais espaço em um Estado onde existe uma
centralização do poder no corpo legislativo. Ao realizar esse estudo sobre a realidade
americana, Tocqueville concebe um tipo ideal8 de sociedade, onde a democracia poderia ali
encontrar terreno fértil, onde a liberdade estaria garantida por de um sistema representativo
e por meio de associações bem organizadas.
A representatividade também é um aspecto importante para que as leis possam dar
garantias para a liberdade; como o fato de que nos EUA exista uma pluralidade partidária e
cujos partidos não estão imbuídos de ideologias, como acontece na França, mas que
representem os interesses da sociedade.
Outro ponto importante, segundo o autor, é o fato de que nessa sociedade existe uma
participação efetiva da sociedade nas decisões, nos planos municipal, estadual e até mesmo
federal, das coisas públicas. Para ele, é interessante observar como nos EUA as associações
voluntárias se organizam para tentar resolver problemas que dizem respeito diretamente ao
seu cotidiano. Essas organizações dão o caráter participativo na política.9
Quando compara o papel das instituições voluntárias e da religião na sociedade dos
EUA com a organização popular na França, Tocqueville considera que na França a
liberdade encontrou obstáculos na forma como aquela sociedade se organizou para fazer a
revolução. Os franceses eram movidos pela ideologia que, segundo o autor, eram como se a
política do país fosse conduzida por paixões. O sentimento anti-religioso também impedia o
avanço democrático na França. Outro ponto de crítica está no fato de que a revolução punha
por terra todas as instituições do antigo regime, o que na sua opinião era um grande erro,
8 Quando tenta formular um tipo ideal de sociedade onde a democracia poderia ter suas bases e nela se desenvolver, Tocqueville antecipa a metodologia weberiana sobre tipo ideal. 9 O s costumes também influenciam a formação de uma sociedade mais igual, pois conseguem
unir o espírito da religião com o espírito da liberdade. Dessa forma, a religião dá ao povo dos
EUA o sentido de uma liberdade conquistada, construída durante o decorrer da história e que
tem que ser a todo custo preservada. Isto proporciona a essa sociedade que se interesse mais
pelas coisas públicas, intervenha mais nas decisões e seja mais consciente e participativa nas
questões políticas.
187
pois havia no antigo regime instituições sólidas que deveriam ser preservadas para garantir
a igualdade.
Tocqueville, no entanto, tem grande preocupação relativamente às conseqüências de
um Estado democrático que tem nas suas base uma cidadania frágil, de um povo sem
consciência política e pouco participativo nas decisões sobre o que é de interesse público.
Com esse receio, ele considera que devam ser tomadas algumas medidas para que o Estado
democrático não se torne um Estado despótico.
Um dos caminhos apontados por ele para evitar que a democracia se transforme em
despotismo é o fortalecimento das instituições voluntárias. Essas instituições passariam a
ser um espaço de expressão onde as minorias tivessem também a chance de voz e,
conseqüentemente, não fossem esmagadas pela vontade da maioria.10
Outro pensador que também se preocupa muito com a liberdade e o papel das
minorias na construção do Estado democrático é Stuart Mill.
Na medida que Mill aborda a liberdade e faz severas considerações a respeito das
conseqüências da ditadura da maioria, ele abre uma discussão sobre a necessidade de
ampliação da própria cidadania, ou da participação da sociedade nas coisas públicas, como
já havia falado Tocqueville quando defendeu as organizações voluntárias no sistema dos
EUA. Se por um lado Mill, como liberal, defende os interesses da classe burguesa, por
outro lado o seu pensamento se diferencia de outros autores liberais, pois tenta realizar um
diálogo entre o pensamento liberal e as idéias democráticas.
A concepção de liberdade, de Mill, vem do fato de que a sociedade tende a ter
avanços significativos quando os indivíduos nela inseridos são ao mesmo tempo sujeitos e
agentes. Por admitir a diversidade e o conflito entre classes dentro da sociedade é que ele
estabelece a liberdade como um direito de todos e que deve ser preservada a todo custo em
favor da coletividade e não em favor de grupos, sejam eles a maioria ou mesmo a minoria.
10 Essa discussão posta já por Tocqueville sobre a ditadura da maioria é bastante atual. A
democracia como forma de governo traz a perspectiva da igualdade e da liberdade para a
sociedade moderna, ampliando a participação nas coisas públicas, mas, apesar de ser um regime
defendido por muitos, merece cuidados e atenções para que não se transforme em um poder
opressivo e despótico. É justamente por cautela diante de um perigo como esse que se faz
necessária a reflexão sobre o papel das minorias na decisão política.
188
Essa é uma das suas grandes preocupações, pois, ao admitir o conflito de classes, Mill
também aceita o fato de que, mesmo na democracia, quando se tem a vontade da maioria
sobrepujando a vontade da minoria, existe um grande perigo de esse poder concedido à
vontade geral, cair em dois erros: o primeiro é o fato de que, quando se estabelece a
vontade da maioria como vontade geral pressupõe-se que essa vontade seja de fato a
vontade do todo da sociedade e não, como de fato o é, a vontade dos indivíduos que
formam a maioria; o segundo é a idéia de que essa vontade individual se estabelece como
verdade e as outras vontades, das minorias que estão fora da vontade geral, são tidas como
não-verdades. O fato de se ter uma vontade geral, sem levar em consideração a vontade dos
pequenos grupos, causa a busca de um consenso que tenta legitimar aquilo que é
estabelecido pela maioria e, a partir daí, se constitui uma tirania da maioria.
A formação desse consenso dentro da sociedade é a negação das forças contrárias que
nela atuam. Os interesses de classes são a dinâmica desse conflito e desprezá-los é
abandonar a própria natureza da sociedade.
A liberdade, alerta Mill, está sujeita aos caprichos dos interesses de classe, por isso é
necessário um cuidado constante em não fazer que esses interesses coíbam a liberdade, pois
depende dela o desenvolvimento social.
Outra preocupação do autor inglês e que está mais atual do que nunca, nesses tempos
em que a informação11 é o grande condutor da sociedade, é o poder que a opinião tem na
condução da vontade da maioria. Dessa forma, Mill e Tocqueville, ao elaborarem o seu
pensamento, estabelecem a base da corrente liberal.
11 Se na sociedade em que vivemos as relações sociais estão impregnadas de uma simbologia que
nos guia e acaba por nos definir como sujeitos, a preocupação desse e de outros autores,
acerca do poder da opinião da maioria sobre as minorias que não se enquadram na vontade
geral, reflete a nossa preocupação sobre esse poder simbólico que possui forte influência no
que hoje é coletivo.
O s meios de comunicação se tornaram instrumento importante na divulgação do pensamento
ideológico dominante. O avanço tecnológico vem aumentando enormemente o raio de alcance
desse poder e a relação espaço/tempo foi modificada, facilitando a recepção e, em
contrapartida, a absorção dessa ideologia, no entanto, a consciência crítica da nossa sociedade
não atingiu patamares possíveis para se criar condições de filtrar a influência ideológica. Por
outro lado, a fragilidade dessa consciência critica ocorre pelo fato de que a participação dos
agentes sociais é muito débil, quase inexistente.
189
2.1.2 Participação e cidadania como formulação histórica
O que nos parece óbvio dentre as angustias pós-modernas é a contradição da
definição de conceitos históricos. A crise conceitual que nos aflige nos parece bem mais um
problema de sempre do que algo decorrido do momento que vive a humanidade. Nos soa
contraditória a fala de alguns, principalmente os que desfecham um discurso político,
muitas vezes partidário, de que em nossa sociedade os princípios democráticos têm que ser
conservados e ao mesmo tempo revistos.
Ampliando a nossa discussão sobre democracia, podemos assimilar que tal conceito
só faz sentido se falarmos em participação e cidadania. Talvez essa frase seja obvia demais
ou até mesmo tenha algo de redundante, mas o fato é que, para se efetivar, a democracia
precisaria resgatar e fortalecer tais princípios. Se partirmos da definição clássica de que
democracia é o governo da maioria, então, se faz necessário que se tenha um povo
participativo nas decisões políticas em favor da coletividade. Caímos então em outra
armadilha conceitual, pois, para que se tenha uma democracia participativa, é necessário
que se defina o que entendemos por povo.
Na definição clássica ocorreu que a democracia deu ao campesinato o staus de
cidadão (WOOD, 2003). Isto decorreu da própria definição de governo da maioria e pela
ausência da valoração da condição econômica. Os antigos conseguiram quebrar a barreira
entre os governantes e os produtores, fazendo com que os camponeses participassem
também das atividades políticas antes reservadas aos chamados homens de bem. Essa
ampliação do poder de deliberar foi ocasionada pela incorporação da aldeia no Estado, o
que possibilitou que as aldeias constituíssem espaço para discussão e deliberação, bem
diferente do que aconteceu com a democracia moderna.
Com a Modernidade, o conceito de democracia foi revisto, bem como o de
cidadania e participação. Partindo de uma análise crítica, Wood (2003) estabelece algumas
semelhanças e diferenças importantes no conceito de cidadania entre antigos e modernos.
Em primeiro lugar, em ambas as concepções o que possibilitou o avanço democrático foi a
existência de uma cultura democrática preexistente fora do espaço político, ou seja, tanto
em uma como em outra, leva a aspirações igualitárias. Mesmo que a democracia grega
190
tivesse suas restrições quanto aos membros da sociedade que tinham condições de
participar da discussão política, a sua concepção de igualdade entre esses membros
permanecia pura, pois esses não estavam sujeitos a nenhuma pressão econômica. O que vai
diferenciar uma da outra é o fato de que a Modernidade inclui e universaliza a cidadania,
mas, ao contrário da grega, ela fragiliza a participação da massa nas decisões políticas. Da
forma como foi conduzida pela Modernidade, a democracia abandona alguns de seus
princípios fundamentais e incorpora nova concepção de governo do povo. A ampliação do
titulo de cidadania ao mesmo tempo que incluiu, por outro lado contribuiu para uma
exclusão jamais pensada na democracia clássica. Ao mesmo tempo em que se estabelece o
sufrágio universal, aumentando os direitos de estratos sociais antes marginalizados,
ampliando com isso o alcance democrático, a democracia, estabelece um fosso entre os
cidadãos e a esfera política, ensejando com isso uma cidadania passiva. Essa passividade é
estabelecida pela premissa da representatividade que retira do cidadão a condição de
deliberar e joga nas mãos de representantes a responsabilidade política. Exemplo claro é a
Constituição americana, que sufocou a cultura democrática ao implementar o sistema de
representação, transferindo a esfera política do ambiente das discussões locais para as
assembléias representativas.
Em segundo lugar, Wood alerta para a noção de que o capitalismo deslocou a
democracia da sociedade civil, transferindo-a para a economia. De fato o papel da
democracia moderna, pensada pela corrente liberal, conduz ao individualismo político e
econômico. Por uma lado, amplia os direitos civis e políticos e por outro minimiza a
questão política, induzindo os cidadãos, por meio do sistema de representação, a lutarem
por interesses privados, deixando intactas as relações de propriedade e de poder,
contribuindo assim para aprofundar as desigualdades.
A idéia de “democracia liberal” só se tornou pensável – e quero dizer literalmente pensável – com o surgimento das relações sociais capitalistas de propriedade. O capitalismo tornou possível a redefinição de democracia e sua redução ao liberalismo. De um lado, passou a existir uma esfera política separada na qual a condição “extra-economica” – política, jurídica ou militar – não tinha implicações diretas para o poder econômico, poder de apropriação, de exploração e distribuição. Do outro lado, passou a existir uma esfera econômica com suas próprias relações de poder
191
que não dependiam de privilégio político nem jurídico. (W O O D,
2003: 201)
Jürgen Habermas (1984) alerta para as mudanças na esfera pública. Ele faz uma
crítica ao pensamento liberal, quando trabalha a esfera pública burguesa, verificando de que
forma a opinião pública foi impregnada da ideologia burguesa. Em sua análise, considera
que, desde Hobbes, a opinião pública já era levantada, mas que, dependendo de cada
concepção, ela tomou corpo de idéia central. Mesmo os de tradição liberal, como
Tocqueville e Mill, deram importância maior à opinião pública.
Embora esses autores tenham se preocupado com a ampliação da participação social
nas questões políticas, consideravam que deveria existir controle sobre essa opinião para
que não houvesse um poder excessivo que tornasse a opinião pública uma opinião
dominante. A ampliação da esfera pública e a crescente inclusão de novos atores sociais no
poder de decisão política fazem com que a massa crie uma cultura de participação ativa nas
questões políticas. Isto conduz a que se considere que essa massa, ao tomar mais
consciência e ao participar diretamente da vida política, vai se tornar um corpo mais sólido,
passando agora a defender melhor os seus interesses como classe12.
Embora a participação das massas seja defendida por autores liberais, é consenso
entre eles a noção de que essa participação não tenha poder de interferência nas questões
referentes ao Estado e principalmente no que diz respeitos às concepções liberais. A
publicização geraria uma consciência pública mais voltada para os interesses públicos, não
comportando mais a defesa de interesses privados ou dos que possuem a propriedade, pois
as contradições do sistema liberal se tornam mais evidentes à medida que a consciência
crítica é libertada da opinião hegemônica e consegue a partir de suas bases modificar a
esfera pública.
Dessa forma o pensamento liberal encontra na representatividade um caminho para
a desarticulação social, pois, à medida que fortalece as instâncias da representação, fragiliza
as forças sociais. Como assinala Habermas, a massa da população se tornou manipulada e
12 “o público se amplia, primeiro informalmente, através da difusão da imprensa e da propaganda; junto com a sua exclusividade social, perde também o contexto com os institutos da sociabilidade e de um nível relativamente elevado de informação intelectual. Os conflitos, até então contidos na esfera privada, estouram agora na esfera pública; necessidades grupais, que não podem esperar serem satisfeitas por um mercado auto-regulativo, tendem a serem reguladas pelo Estado.” (HABERMAS, 1984:158).
192
excluída da discussão e dos processos decisórios, quando as instituições pelas quais essas
informações são mediadas são, elas mesmas, permeadas por ideologias nas quais o poder
exerce uma dominação na defesa de seus interesses. Por isso, a sociedade na sua
concepção, se torna manipulada. Dessa forma, quanto mais informada e consciente a
sociedade estiver, mais condições terá de controle e mais próxima ficará da democracia,
fugindo dessa manipulação.
Marilena Chauí (2001), assim como Habermas, considera o modelo capitalista como
um reogarnizador da esfera pública. Já no seu inicio, o capitalismo consegue estabelecer
novos critérios para a democracia e mesmo para a participação social nas coisas públicas.
Ele reelabora nova condição social, onde o poder se dissocia da sociedade. Isso implica um
distanciamento entre Estado e sociedade, causado por uma centralização do poder nas mãos
do Estado, que, ao mesmo tempo que unifica, fragmenta e fragiliza as relações sociais.
Para Chauí, no entanto, o Estado não é o único a atuar na esfera pública, pois a
sociedade civil também participa através da opinião pública. O que acontece é que o modo
de produção capitalista, associado ao pensamento liberal, constituíram uma nova maneira
de se entender a esfera pública, a sociedade civil e o Estado. Tais afirmações ficam mais
claras quando, acompanhando o pensamento da autora, reconstruímos o caminhar histórico
do rompimento ora mencionado. Primeiro, segundo a autora, a separação entre sociedade e
política acontece já na Era moderna, quando o poder passa das mãos de Deus para as do rei.
Essa passagem ocorre pela própria necessidade do capitalismo emergente. Os princípios
assumidos durante toda a Idade Média se rompem com o surgimento do mercado e a
necessidade advinda de sua própria essência de ampliar-se. O poder, então, passa a ser
pensado como resultado da ação da própria sociedade, que não precisa mais da orientação
divina. O segundo momento, citado pela autora, viria com o desenvolvimento da teoria
política liberal que formula um contrato social, ou o pacto entre os indivíduos em prol de
um bem comum. O poder deixa às mãos do soberano e passa as mãos do Estado. É nesse
ponto, de fato, que se amplia a dissociação entre sociedade civil e Estado, pois a sociedade
civil, para o pensamento liberal, é o ambiente onde se abrigam os interesses particulares ou
individuais, é um espaço de luta e disputas desiguais. Contrariamente, o Estado, para os
liberais, é o espaço de transição do individual para o geral, ou seja, o ambiente de
unificação acima dos interesses particulares ou de classes.
193
A opinião pública, mesmo exercida pela sociedade civil, não consegue forças
suficientes para atuar politicamente, pois ela se encontra fragmentada, visto que, para o
liberalismo, a política deixa de ser algo de todos e passa a ser matéria de especialistas. Ao
cidadão não cabe mais se preocupar com questões políticas, mesmo porque ele não tem
competência para tais questões e esse papel fica para aqueles que irão representá-los nas
assembléias.
Outro ator importante na construção da esfera pública, sublinha Chauí, são os
movimentos sociais, haja vista que os mesmos construíram uma história social intensa de
lutas por direitos sociais. Muitas das vezes são as ações desses movimentos que causam as
mudanças sentidas em vários momentos de nossa história. Parece que está nos movimentos
sociais um dos caminhos para restabelecer a ação política como prática social, fazendo com
que o sentido de cidadania se desatrele da concepção de eleição e voto e volte a fazer parte
da agenda de toda a sociedade. Ou como anota Chauí,
Esses movimentos sociais-políticos manifestam alguns traços que vale a pena reter: em primeiro lugar, não pretendem falar em nome da sociedade como um todo, mas em nome das diferenças que desejam ver reconhecidas e respeitadas como tais; em segundo lugar, não pretendem estabelecer prioridades quanto ao reconhecimento de sua existência face a outros movimentos, mas cada qual coexiste com os demais, seja de um modo conflituoso, seja de maneira convergente; em terceiro lugar, não pretendem que o reconhecimento de sua existência e de seus direitos tenha como condição a tomada do Estado, mas passam pela reelaboração prática da idéia e do exercício do poder que não é identificado exclusivamente com o do estado. Surgem, pois como um contra-poder social, na expressão de Lefort, que contrapõe ao poder estatal instituído (vertical, burocrático, hierárquico, administrativo, centralizador) uma outra prática, fundada na participação e na busca de algo que podemos, desde já designar como autonomia frente a heteronomia que determina a existência sócio-política instituída. (2001: 284).
O conceito de autonomia é expresso pela autora em confronto direto com o conceito
de representação. Isso porque o sistema representativo imposto pela concepção liberal não
pressupõe em nenhum momento os sujeitos sociais como agentes diretos da construção
política. A autonomia, no entanto, concede a esses agentes sociais inteira liberdade de
194
atuação política, modificando a lógica estabelecida, por uma participação consciente nas
questões públicas.
Portanto a participação surge, no revisar do papel social, como caminho possível
para gerar essa autonomia. A participação nesse sentido não pode ser entendida como uma
dádiva ou concessão, mas como um processo de conquista (DEMO, 1999); conquista
buscada na luta constate com o poder através do que podemos chamar de ampliação da
atuação dos agentes sociais na realidade social e política em que se encontram.
Participação tem, no momento, o desafio de transforma-se e de transformar.
Transformar-se porque deverá deixar os campos teóricos para enfrentar a práxis, ou seja,
realizar na prática o que se define teoricamente. Participação pressupõe uma publicização,
para usar a expressão de Habbemas, ou de seus tradutores, da esfera pública com maior
integração dos agentes sociais e com uma práxis política mais definida e fortalecida na
sociedade. Retomar a sua essência é o que dará à participação a condição de enfrentar o
segundo desafio há pouco mencionado - o de transformar.
Ao recuperar a sua essência, a participação terá condições de estabelecer uma nova
dinâmica social e até mesmo uma nova relação com o poder, pois participação não é a
ausência do poder, mas outra forma de poder (DEMO, 1999) ou de se relacionar com ele.
Essa relação não se identifica pela tutela ou mesmo pela promoção de políticas vindas pelo
processo de imposição, mas será algo gerado por meio da discussão política de todas as
esferas sociais.
Associado a tal debate se encontra o conceito de cidadania, pois, é o ideal da sociedade
a emancipação, que só poderá ocorrer com a participação organizada dos indivíduos que a
compõem, ou seja, os cidadãos; no entanto, como lembra Demo, tal participação é
diferenciada e, dependendo de como seja, pode ser chamada de tutelada, assistida ou
emancipada.
A tutelada reflete as relações nas quais a cidadania se estabelece como concessão de
direitos advindos de um poder extra-social, ou seja, uma política de cima sem a
participação do cidadão na construção política. A cidadania nesse caso só tem peso em
períodos eleitorais em que o voto é o que legitima o cidadão. A exemplo dessa prática estão
as relações clientelistas vivenciadas até os dias atuais em muitas cidades brasileiras,
195
principalmente as distantes dos grandes centros urbanos e onde a educação e as lutas sociais
se encontram fragilizadas.
A assistida é caracterizada ainda pela pobreza política, mesmo que de forma amenizada.
O papel do Estado é o de proteção, estabelecendo políticas de cunho assistencialistas que,
ao invés de diminuir as desigualdades sociais, apenas as ampliam e legitimam.
Emancipada é a cidadania entendida uma construção histórica dos sujeitos sociais, uma
conquista através de uma conscientização política que eleva a competência humana de
fazer-se sujeito. A emancipação pressupõe a ruptura das duas concepções anteriores,
libertando o cidadão dos mecanismos de submissão e manipulação, destruindo com isso a
pobreza política presentes na cidadania tutelada e assistida. Outra característica da
cidadania emancipada é a constatação da importância dos atores sociais na elaboração da
realidade social. A consciência crítica leva a uma reflexão da realidade e uma motivação
para a mudança.
O quadro abaixo reflete melhor as principais características levantadas por Demo, ao
analisar cada uma das formas de cidadania há pouco mencionadas na sua relação com o
Estado e o mercado.
Quadro 1 Indicadores de análise de Cidadania
Cidadania Tutelada Assistida Emancipada
Relações de mercado Mais-valia absoluta;
submissão
Mais-valia relativa;
civilização
Meio, instrumento
Relações de sociais Pobreza econômica e
política
Pobreza política Competência
Papel do mercado Regulador absoluto Regulador final Meio
Pobreza Marginalização das
maiorias
Classes médias
majoritárias no centro
Residual
Estado subserviente Protetor Serviço público
Tamanho do Estado Mínimo Máximo Necessário-legítimo
Direitos Humanos Concessão Assistência/protegida Conquista
Organização popular Reprimida Controlada/protegida Base política
Ética Nenhuma Dos mínimos Eqüidade
Ideologia Liberal Direitos sociais
ampliados;
Desenvolvimento
humano sustentado;
matricial
196
ampliados; humano sustentado;
matricial
Fonte: Adaptação do quadro desenvolvido por Pedro Demo em seu livro Cidadania Tutelada e Cidadania
Assistida, 1995.
Ao analisarmos a distribuição feita pelo autor percebemos que a cidadania está
ligada tanto ao formato do Estado, às relações econômicas e à forma de participação da
sociedade nas decisões políticas que envolve as diferentes esferas de poder. Quanto mais
participação dos cidadãos nas questões políticas, mais próxima a cidadania fica da
emancipação. Não se pode mais falar de democracia sem o sentido de participação e
conscientização dos indivíduos, pois, como anota Demo, a cidadania, principalmente no
Brasil, ainda é uma cidadania na qual os indivíduos não se associam por uma consciência,
mas por uma necessidade de um novo momento do capitalismo. A organização não vem da
base, mas imposta pelas estruturas que sustentam as relações capitalistas.
A discussão de participação como conquista e cidadania como forma de
emancipação remete ao inicio desse capítulo quando abordamos sobre a democracia, pois a
problemática da democracia no âmbito da contra-hegemonia vem ligada ao reconhecimento
de que a democracia não constitui mero acidente ou simples obra de “engenharia
institucional”. Ela é fruto de um processo no interior da sociedade de conscientização e
atuação política. Como diz Boaventura de Sousa Santos, os autores que se filiam a tal
compreensão tratam a democracia como uma nova gramática histórica.
2.2 O pensamento democrático e os desafios da contemporaneidade
As propostas apresentadas para enfrentar o desafio da democracia no movimento
político se apresentam em algumas correntes de pensamentos, tais como o pensamento
liberal, o socialdemocrata e da nova esquerda. O intuito de recuperação de tais correntes é o
entendimento de questões importantes para a democracia, como a concepção de povo,
cidadania e participação, assim como a influência delas nos discursos políticos durante a
campanha de 2002.
197
2.2.1 O pensamento liberal
Revendo a democracia européia, realidade em que esteve inserido durante a sua
juventude, Joseph Schumpeter (1979) se pôs a teorizar um modelo alternativo de
democracia que não se degeneraria por si mesmo como a democracia direta e que também
não colocasse em risco a liberdade individual defendida como direito.
Este modelo, que passou a ser considerado como Democracia Americana ou
Democracia Procedimental, traz ao centro do debate a viabilidade e a sustentabilidade da
democracia direta e propõe como mais realista e menos utópico o sistema de representação,
considerando as transformações sociais, como a formação de grandes centros urbanos e a
defesa dos direitos individuais.
A representação parte do princípio de reconhecimento da liderança, de um líder ou de
um grupo de liderança, considerando que o líder político faz melhor, ou seja, este é o
qualificado para tratar das questões políticas. Sendo assim, o sujeito da democracia liberal é
o povo que tem direitos políticos, ou seja, os cidadãos que têm como função básica a
produção de um governo (diretamente ou através de um corpo intermediário) (1979:339) e
a produção do governo significa, na prática, decidir quem será a pessoa na liderança
(1979:341). Esses sujeitos, no entanto, só conseguem participar mediante a associação,
segundo seus interesses e afinidades, aos partidos políticos que têm o papel de
intermediação política do indivíduo com o Estado. Desta forma, a interação da opinião
pública com o Estado acontece sob um novo ângulo - o da representação.
Com relação ao funcionamento da democracia liberal, o procedimentalismo sintetiza
suas acepções que situa o método democrático como aquele acordo institucional para se
chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de
uma luta competitiva pelos votos da população (SCHUMPETER: 1979, 336). Desta
maneira, o modelo democrático permitiria a maximização da liberdade individual, visto que
a vontade individual está expressa na vontade do Estado do qual ele participa como
cidadão. Com relação à igualdade, esta teria papel secundário e somente teria maior valor
quando garantisse a igualdade de direitos políticos e não de bens material.
Portanto, a finalidade desta proposta é preservar a sociedade contra os riscos da tirania,
atendendo a necessidade prática de atribuir à vontade do indivíduo uma independência e
198
uma qualidade racional (SCHUMPETER: 1979, 317), isto porque o exercício do poder
direto é considerado uma ameaça às liberdades individuais.
Poderíamos, então, sintetizar que nesta proposta a democracia passa a ser um método de
criação da ordem social, constituído de regras. A vontade da maioria representaria as
vontades individuais e a atividade política seria exercida pelos partidos políticos. A
participação do povo seria na escolha dos seus representantes para compor o parlamento
que mediará os seus interesses com o Estado. O fim a ser alcançado pela democracia
procedimental não é o bem comum, pois esse não existe, mas sim a maximização da
liberdade.
O projeto original da socialdemocracia possuía sua fundamentação na via evolucionista
do socialismo, mas, com as transformações ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, esse
viés foi abandonado e em troca idéias liberais foram incorporadas.
2.2.2 Pensamento da socialdemocracia
Ralph Dahrendorf (1981), assim como Bobbio (1999), se preocupou com os conceitos
de liberdade e igualdade, tema permanente entre o pensamento liberal e o pensamento
socialista. Em sua teoria, Dahrendorf não aceita a separação entre a liberdade positiva e a
liberdade negativa, conforme classificam os liberais. Sua tese é de que essas duas
polaridades não seriam excludentes, portanto, propõe novo sentido à concepção de
liberdade, afirmando que A liberdade de coações e limitações, que procedem meramente de
normas sociais, e a liberdade para a auto-realização são o verso e o reverso de uma
mesma idéia. (DAHRENDORF: 1981, 246). Desta maneira, ele acredita que contrapô-las é
um mal-entendido. Portanto, tenta conciliar as duas liberdade em único tempo.
Com relação à igualdade, Dahrendorf se apóia em Aristóteles, apresentando três
possibilidades: igualdade ideal, relativa e absoluta. E reconhece que a igualdade civil é
importante, mas insuficiente e exprime a igualdade social como sendo a igualdade real.
Então, consciente da limitação da igualdade civil, que se assemelha à liberdade liberal,
propõe uma rede de proteção social que incideria numa igualdade social e parte para o
debate em torno das possibilidades. Sua opção se traduz na afirmação,
199
Quem quiser, sobretudo, a liberdade da sociedade, deve fixar o ´status´ básico social do cidadão em um nível antes que baixo, tendo o cuidado, ao mesmo tempo, que o espaço entre o piso elevado da hierarquia do ´status´social e seu ´teto´não seja demasiado estreito (DAHRENDORF, 1981: 256).
O projeto político da socialdemocracia, segundo Dahrendorf, mantém a defesa da
liberdade relativa, ao perpetuar um sistema que permite a manutenção do prestígio e status
social, mas que propõe a proteção social num nível intermediário.
Em seu livro Para além da esquerda e da direita, Anthony Giddens (APUD
ALMEIDA: 2000), um dos teóricos da terceira via, faz uma reflexão sobre a
socialdemocracia até a crise dos anos 1980. No Brasil, suas propostas não obtiveram
repercussão e foram aceitas com certa indiferença tanto pela esquerda quanto pela direita.
Giddens volta a sua discussão para proposta de um novo movimento da
socialdemocracia, de uma democracia a partir das condições atuais. Sua reflexão é no
sentido de tentar entender as conseqüências da dissolução do consenso do Welfare State.
Seu ponto de partida é o entendimento dos projetos pós-socialismo e pós-comunismo.
Segundo esse autor, esses programas não seriam mais viáveis como programas econômicos,
mas, como valores e idéias, deveriam ser preservados de acordo com possibilidade reais.
Sua referência à socialdemocracia tem por base a crise dos anos 1980 e o novo modelo
neoliberal. Dentre as principais características da socialdemocracia estão: o envolvimento
difuso do estado na vida social e econômica; o domínio da sociedade civil pelo Estado; o
coletivismo; a administração keynesiana da demanda somada ao corporativismo; os papéis
restritos para os mercados; o pleno emprego; o igualitarismo forte; o welfare state
abrangente protegendo os cidadãos do berço ao túmulo; a modernização linear; a baixa
consciência ecológica; o internacionalismo e a visão bipolar do mundo.
A nova direita neoliberal segue outros princípios: o governo mínimo; a sociedade civil
autônoma; o fundamentalismo de mercado; o autoritarismo moral, somado ao forte
individualismo econômico; o mercado de trabalho depurável como qualquer outro; a
aceitação da desigualdade; o nacionalismo tradicional; o welfare state como uma rede de
segurança; a modernização linear; a baixa consciência ecológica; a visão realista da ordem
internacional e a adesão a bipolaridade.
200
Giddens compara essas duas correntes e apresenta uma crítica ao neoliberalismo e a sua
estrutura de radicalização do livre-mercado. Propõe, então, uma “nova” socialdemocracia,
que não siga os princípios do neoliberalismo nem o estatismo da velha esquerda. Dentre as
suas propostas estão: aceitar o processo de globalização e discutir sua heterogeneidade,
riscos e oportunidade; refletir sobre os sentidos do individualismo nas sociedades
modernas; enfrentar o debate sobre a superação dos conceitos de esquerda e direita; avaliar
fenômenos que apontam a migração da ação política para fora dos mecanismos ortodoxos
da democracia e; incorporar os problemas ecológicos dentro desta nova política.
Ao propor essa nova concepção de socialdemocracia, Giddens contribui para o debate
sobre a democracia e seus principais desafios.
2.2.3 Pensamento da nova esquerda
A democracia na sociedade da informação, mediada pelos meios de comunicação
social, vive transformações não só de caráter conceitual, mas também de transformações
das estruturas de organizações democráticas. Em estudos recentes, Boaventura de Sousa
Santos (2002) traz para esse debate experiências concretas em várias partes do mundo de
projetos democráticos nos quais as políticas públicas fomentam a participação ampliada da
sociedade nas decisões do Estado. Esta concepção traz à discussão o conceito de
democracia nos moldes tradicionais, propondo a contra-hegemonia, que deverá servir de
esteio para as transformações na sociedade.
A problemática da democracia no âmbito da contra-hegemonia vem ligada ao
reconhecimento de que a democracia não constitui mero acidente ou simples obra de
“engenharia institucional”. Como diz Santos (2002), os autores que se filiam a tal
compreensão tratam a democracia como uma nova gramática histórica.
Habermas (1995) abriu o espaço para que o “procedimentalismo” passasse a ser
pensado como prática social e não como método de constituição de governos.
Reintroduzindo a dimensão social, o autor alemão propõe dois elementos no debate
democrático: uma condição de publicidade, capaz de produzir uma gramática societária, e o
papel dos movimentos sociais na institucionalização das diversidades culturais.
Para Habermas, apenas são válidas aquelas normas- ações que contam com o
assentimento de todos os indivíduos participantes de um discurso racional. Portanto, como
201
diz Santos, o “procedimentalismo” democrático não pode ser, como supõe Bobbio (2000),
um método de autorização de governos. Essa discussão também se encontra em Cohen
(1997), quando ele se refere às formas de exercício coletivo de poder político, cuja base é
um processo livre de apresentação de razões entre os iguais; ou ainda em Castoriadis
(1986), que também critica coerentemente essa teoria hegemônica.
No âmbito do debate sobre a democratização da América Latina, foram inseridos
novos atores na cena política, havendo sido também constituída nova gramática social,
conforme se delineia:
1. foi reposta no debate democrático a relação entre procedimento e participação social ;
2. o aumento da participação social também levou a que se redefinisse a adequação da
solução não participativa e burocrática ao nível local, recolocando o problema da escala
no interior do debate democrático;
3. o problema da relação entre representação e diversidade cultural e social.
Outro conceito estudado no projeto da nova esquerda é o de participação que, por sua
vez, não pode ser esquecido. Trata-se de conquista, portanto, de processo. Em essência, é
autopromoção, não existe como concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário
da política social, mas um dos seus eixos fundamentais. Tal conceito não pode estar
desvinculado da questão da política social, pois a participação alarga sobremaneira o
entendimento da política social, a começar pelo reconhecimento de que nem toda política
social é pública. Em síntese, entender o que é participação significa compreender as três
faces fundamentais da política social: socioeconômica, assistencial e política.
No que toca à democracia participativa, Santos (2002) sintetiza três teses que
fortalecem esse conceito e dão conta da complexidade do conceito de participação na
interseção com o de democracia:
1 o fortalecimento da demodiversidade - implica o reconhecimento de que não existe
nenhum motivo para a democracia assumir uma só forma;
2 fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global - novos
casos nos quais a democracia é fraca; e
3 aplicação do experimentalismo democrático - as novas gramáticas sociais têm
consolidado experiências positivas de participação.
202
Sendo assim, o sujeito desta nova proposta democrática é o próprio sujeito por
intermédio da reconexão entre procedimentalismo e representação, em sua coexistência e
complementaridade. Segundo Wood (2003), Gramsci ressuscitou como princípio
organizador central da teoria socialista o conceito de sociedade civil, embora esse conceito
possa confundir e disfarçar tanto quanto revelar. Isto porque sociedade civil pode ser
entendida como um código ou uma máscara para o capitalismo (WOOD: 2003, 210).
Desta maneira, a esquerda tem se mostrado mais sensível às liberdades civis e aos
perigos da opressão do Estado. exemplo disso é a sua defesa a inúmeras bandeiras, como a
liberdade sexual, a ecologia, entre outros, através da pluralidade das relações e práticas
sociais.
Com a bandeira da diversidade, que não está contemplada no projeto liberal e até
mesmo no socialdemocrata por barreiras historicamente adversas que advêm do
conservadorismo e o impedem de ter uma visão mais totalizadora deste momento, se
expressa a heterogeneidade única da sociedade ´pós-moderna´, sem grau sem precedentes
de diversidade, até mesmo de fragmentação, que exige princípios novos, mais complexos e
pluralistas (WOOD: 2003, 219-220).
A partir destes preceitos, percebemos uma ampliação do conceito de democracia, que
passa de adjetivo para verbo ou substantivo concreto, como ação universal. Esta também
apresenta uma finalidade educativa com o fomento da participação, No entanto, a
apropriação destes conceitos não pode ser vazia de conteúdo, pois eles passam de tática
(socialismo) à estratégia, como ação necessária na luta contra-hegemônica.
2.2.4 Caminhos para a “nova democracia”
O atual momento de crise teórica da história contemporânea implica a existência de
um quadro em que novos paramentos e novas perspectivas se tornam de fundamental
importância para se repensar a elaboração de uma sociedade baseada em preceitos
democráticos.
A crise evidente da democracia liberal aponta para problemas de ordem conceitual
que não atendem mais a realidade social. Isto porque seus princípios não se assentam em
propostas de participação dos sujeitos nos processos políticos, mas na sua restrição como
203
representantes da vontade e do desejo, tendo como critério a diferenciação social dos
sujeitos, concebendo uns mais qualificados que outros para o exercício político,
fomentando e legitimando as desigualdades.
Por outro lado, a democracia proposta pela nova esquerda, mesmo consciente do
recuo político durante o século XX, reconhece a diversidade e as diferenças e propõe uma
ampliação do conceito de sociedade civil, seguida da participação direta destes atores na
sua base e a representação de suas vontades deliberadas diretamente nas esferas mais altas.
Este projeto desenha tanto a reconexão entre procedimentalismo e participação quanto a sua
coexistência e complementaridade.
A proposta da nova esquerda é a absorção dos mecanismos procedimentais da
democracia liberal, dos direitos sociais da socialdemocracia e a sua radicalização na base
com a participação direta dos sujeitos nas decisões13, seguida da sua representação, assim
como a ampliação dos direitos sociais. Isto porque, historicamente, tem sido apresentado
uma oposição irreal entre participação e representação14.
Com respeito à fundamentação da racionalidade, esta é decorrente da capacidade
dos homens de manterem um diálogo através do discurso político exercido nas assembléias.
A essência da concepção da democracia deliberativa, fundamentada em Aristóteles, é a
razão prática, razão essa que é a busca da verdade mediante o do diálogo. A verdade
política seria o saber prático proposto pelo entrechoque das opiniões no espaço público.O
saber prático, portanto, é formulado dentro da esfera pública e possui uma característica
fundamental para que seja considerado como verdade. Essa característica seria a prudência
que norteia a ação correta.
Este debate se expõe nas correntes de pensamento contemporâneas entre a razão
prática e razão teórica (WEBER), mas é na prática que o homem tem possibilidade de
compreender a sua realidade e elaborar suas concepções. É nela também que se podem
estabelecer os caminhos que irão guiar a ação. A pretensa verdade é constitutiva da razão
prática, pois a racionalidade humana é dotada de prudência que leva a se tomar decisões
para alcançar o bem comum. 13 Esta proposta tem origem na democracia grega, que enfatiza a participação direta do cidadão na deliberação das questões públicas. 14 Patrick Viveret (2001: 08-09) contribui para este debate sinalizando esta dicotomia como mais a uma crise de delegação, ou, em termos mais brutais, a um confisco de poder. O autor enfatiza que a deliberação é o momento de tensão, pois trata do interesse geral, esse horizonte da vida democrática indispensável e também inatingível, em termos de perfeição. E é este momento decisivo que é negado no liberalismo.
204
3 DISCURSO E PRODUÇÃO DE SENTIDO
3.1 Representações sociais e esfera pública
Considerando as discussões dos conceitos que nortearam todo o capítulo anterior,
podemos agora nos debruçar no estudo sobre a produção e circulação de sentido. Se
pensarmos que o espaço público é permeado por simbologias, podemos considerar que
conceitos como democracia, participação e cidadania são formulados em uma base
simbólica. Dessa forma, é importante reforçar a discussão atual sobre o papel do indivíduo
na sociedade e na elaboração do espaço público.
O homem é um sujeito da sociedade e da história e, dessa maneira, um sujeito que
interage de forma a produzir e assimilar símbolos. Portanto, não pode ser compreendido a
partir de si mesmo, mas somente pela interação com os outros. Ao se compreender o
indivíduo dessa forma, percebe-se que a interação proporciona a construção de uma
identidade social carregada de significação.
O estudo sobre as representações sociais se faz necessário pela importância dessas
representações na compreensão da realidade social. A realidade social por si é um espaço
de elaboração de significados. Se pensarmos no homem envolto nessa realidade, devemos
pensá-lo como um ser capaz de produzir e decodificar símbolos. Assim, como assinala
Langer (1971), o homem não apenas emprega os símbolos para indicar coisas, mas para
também representá-las. Existe, portanto, uma necessidade de simbolização, que é uma
necessidade básica que leva o homem a se diferenciar dos outros animais e é igualmente
comparada com as outras necessidades, como comer beber e dormir.
Essa característica do homem de simbolizar permite-lhe expressar suas idéias aos
outros homens, ocorrendo dessa forma, uma troca simbólica entre indivíduos. O ambiente
social privilegia essa permuta, fazendo com que as ações individuais passem a ser ações
coletivas e retornem para os indivíduos em forma de novas estruturas simbólicas. O papel
das representações sociais ocorre em razão dessa troca permanente no contexto social.
Portanto, é indispensável para o estudo das representações sociais uma recuperação
histórica sobre a formulação do espaço público, pois é aí que as representações são
205
produzidas. Daí a sua importância, visto que são dinâmicas e conseguem construir e
reconstruir a realidade de forma autônoma e criativa.
Retomando a discussão levantada por Arent (2000) sobre as conexões entre o
público e o privado, podemos destacar que é pela da ação que o discurso se realiza e que se
constitui de fato a experiência humana. Essa é uma experiência dialógica, visto que
depende da presença da multiplicidade contida em perspectivas diferentes.
Ao longo da trajetória humana, porém, ocorreu uma ressignificação do espaço
público e privado. Nas sociedades antigas, não existia a separação entre essas duas esferas
tal como era encontrado nas sociedades européias da Idade Média. A representação pública
medieval estava vinculada à figura do senhor, que representava o poder. Não havia uma
noção de poder público, mas de poder centrado nos atributos pessoais, principalmente dos
advindos da aristocracia.
A divisão entre o público e o privado aconteceu no final do século XIII. Nesse
período o poder sai das mãos da nobreza e passa para as mãos de uma autoridade pública, o
Estado. A burguesia ascendente se dissocia desse Estado e passa a atuar como uma esfera
privada da sociedade. Essa divisão atende as necessidades da nova base social, ou seja,
reponde às transformações que estavam ocorrendo, principalmente nas relações que
surgiram da troca de mercadorias e informações. Esse também é o período do
desenvolvimento da imprensa e da consolidação do capitalismo. Sem conexões com a
esfera pública, o privado desenvolveu-se no âmbito da sociedade civil, que tem como
função primária a oposição entre Estado e sociedade. Portanto, as noções de público e
privado são categorias históricas que ao mesmo tempo que definem são definidas pelas
transformações que ocorrem na divisão social do trabalho e nas reivindicações associadas
ao poder político (JOVCHELOVITCH, 1995).
Também Habermas (1984) alerta para as transformações nas relações entre público
e privado e estabelece algumas características da esfera pública burguesa: a primeira
característica é constituída por indivíduos privados que se reúnem para discutir questões de
interesse público; e é uma esfera que se encontra no desenvolvimento do capitalismo e por
isso envolve a troca de mercadorias e de trabalho social; essas características propiciam
uma independência econômica, uma imprensa livre, discussão em locais públicos,
alfabetização da população, e o estímulo à reflexão crítica através de livros e da literatura.
206
Habermas considera que a nova esfera pública introduz outra concepção de
participação política e de relação entre o Estado e a sociedade que se efetivaria por meio da
racionalidade e de uma prestação de contas. A esfera pública burguesa possibilita que haja
maior discussão sobre questões de interesses privados que seriam levados ao Estado por
canais institucionais e pela imprensa. A publicidade, portanto, é um elemento-chave da
esfera pública de concepção burguesa que ajudou a consolidar essa esfera burguesa. Nesse
aspecto, Habermas destaca a importância dos meios de comunicação de massa como
difusores dos interesses da esfera burguesa.
Seguindo o pensamento de Arent e Habermas, Sandra Jovchelovitch (2000) propõe
um enfoque psicossocial da esfera pública. A autora considera que a esfera pública é um
espaço de subjetividade e pluralidade que se sustenta em função da diversidade humana.
Outro ponto destacado pela autora é que esta é uma esfera de transparência e de prestação
de contas e que encontra sua expressão no diálogo e na ação comunicativa.
Com efeito, a esfera pública é um espaço de pluralidade humana, que introduz a
noção de transparência, no diálogo e na ação comunicativa, portanto, não poderia
abandonar a dialética entre o EU e o Outro (LANGER,1971).
A perspectiva dialética do estudo da subjetividade na esfera pública levanta a
necessidade de se verificar os fenômenos psicossociais nas representações sociais. O
conceito de representações sociais dentro da Sociologia clássica aponta para os estudos de
pensadores como Marx, Weber e Durkheim, que, já em seus estudos sobre a sociedade,
buscaram, cada qual a partir de suas concepções, trabalhar com as relações simbólicas que
permeiam a esfera social. Autores mais contemporâneos também buscam aprofundar e
contribuir com estudos acerca dessa temática, dentre os quais como Moscovici, Berger,
Luckman, Bourdier e comentaristas como Susana Langer, Minayo, Sandra Jovchelovitch e
outros.
Minayo15 (1995) nos lembra que Durkheim foi o primeiro autor a trabalhar o
conceito de representação social. Ao elaborar o conceito de consciência coletiva como uma
consciência que reflete a média das consciências individuais, o autor estabelece, a partir
15 Em seu texto sobre as representações sociais, Maria Cecília Minayo busca identificar o conceito de representações sociais presentes nos estudos de Durkheim, Marx e Weber. O interesse da autora ao elaborar esse artigo é identificar como é trabalhado, por todos esses pensadores, o conceito de representações sociais, tentando compreender as principais divergências e convergências do pensamento de cada um deles.
207
desse ponto, que os indivíduos possuem uma consciência individual, mas que é a média
dessas consciências que determina o modo de pensar, agir e sentir da sociedade. Nesse
mesmo ponto, ele relaciona essa consciência coletiva com o conceito de representações
sociais, pois as representações sociais, na sua concepção, também são representações
coletivas. Elas fazem parte da realidade social onde são criadas.
As representações sociais possuem características similares às dos fatos sociais:
(...) consistem em maneira de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e por meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais.16
Segundo tal definição, elas se caracterizam por uma exterioridade em relação às
consciências individuais, por exercerem ação coercitiva sobre as consciências individuais e
por haver um distanciamento entre sujeito e objeto, garantindo neutralidade e maior
objetividade.
A principal crítica feita a essa concepção vem dos marxistas e é com relação ao
poder coercitivo atribuído à sociedade sobre os indivíduos. Para os marxistas, essa visão
elimina o pluralismo fundamental da realidade social, principalmente no que diz respeito às
lutas de classe.
Se, para Durkheim, é a partir da sociedade que se elaboram as representações
sociais, para Weber, o caminho é inverso. Ele parte da ação cotidiana dos indivíduos para
entender a sociedade e acentua que essa conduta é carregada de significação.
La acción social ( incluyendo tolerancia u omisión) se orienta por las acciones de otros, las cuales pueden ser pasadas, presentes o esperadas como futuras ( venganza por previos ataques, réplicas a ataques presentes,medidas de defensa frente a ataques futuros).(...) Por“relación” social debe entenderse una conducta plural - de varios – que, por el sentido de encierra, se presenta
16 DURKHEIM, Émile – As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Nacional,1968.
208
como recíprocamente referida, orientándose por esa reciprocidad.(...)17
Com sua sociologia compreensiva, Weber diz que o que prevalecer na formulação
dessas representações é a visão de mundo; e que a significação é dada tanto pelas condições
materiais como pela idéias. As idéias para Weber são um juízo de valor que os indivíduos
possuem. Para ele, não são só os interesses materiais que governam diretamente a conduta
do homem, mas as idéias também possuem grande influência na conduta dos indivíduos.
Já para Marx, as representações sociais são determinadas pelo modo de produção
material. Marx trabalha com uma categoria-chave que é a consciência.
La falla fundamental de todo el materialismo precedente (incluyendo el de Ferbach) reside em que solo capta la cosa (Gegenstand), la realidad, lo sensible, bajo la forma del objeto (Objekt) o de la contemplación ,no como actividad humana sensorial, como práctica; no de modo subjetivo.18
As representações, ou seja, as idéias e os pensamentos, fazem parte de uma
consciência determinada pela base material. Segundo Marx, essa é uma relação dialética, na
qual, apesar de se ter uma consciência determinada por pensamento dominante de uma
classe sobre a outra, as contradições fazem com que haja uma reação consciente de classe.
Gramsci, um autor marxista, trabalha com o senso comum, reafirmando a importância da
base material de Marx e acrescentando o caráter transformador das condições sociais.
Lukács também aprofunda o pensamento de Marx, quando estabelece ênfase maior na idéia
de visão de mundo. Segundo esse autor, a visão de mundo é precisamente esse conjunto de
aspirações, de sentimentos e de idéias que reúnem os membros de um grupo (mais
freqüentemente de uma classe social) e as opõem aos outros grupos. Esses dois autores
trabalham principalmente sobre o caráter ideológico das representações sociais.
Gramsci é o primeiro autor, no entanto, a atribuir às instituições da sociedade civil a
função estratégica (função dialética) de conservar e minar as estruturas sociais. Por isso é
chamado o teórico das superestruturas. Contrapondo-se ao pensamento de outros marxistas,
principalmente os da escola de Frankfurt, Gramsci considera que as instituições do Estado
17 WEBER, Max – Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. 18 MARX, K –Tesis sobre Feuerbach , In: La Ideologia Alemana. Montevideo: Ediciones Pueblos Unidos, 1974.
209
possuem duplo aspecto: o de reproduzir a ideologia dominante e o de produzir uma
ideologia contrária à hegemônica. Não satisfeito em entender o Estado apenas como um momento exclusivo da coação e da violência, Gramsci o divide em duas esferas: a
sociedade política, onde se concentra o poder repressivo (governo, polícia, exército etc.); e
a sociedade civil, constituída pelas associações privadas (igrejas, escolas, meios de
comunicação de massa etc.).
A sociedade civil, portanto, assume um sentido novo dissociado da esfera pública.
Nela são difundidos os valores ideológicos hegemônicos que se transformam em senso
comum por do consenso. A função hegemônica se realiza plenamente quando a classe
dominante consegue paralisar a circulação de contra-ideologias, suscitando o consenso e a
colaboração da classe oprimida que vive sua opressão como se fosse a liberdade. Nesse
caso, houve uma interiorização absoluta da normatividade hegemônica. É por essa
característica de circulação de ideologias que a sociedade civil pode se transformar em um
campo fértil para uma contra-hegemonia. Para tanto é preciso que haja uma consciência
crítica da classe oprimida. A contra-ideologia, na forma de uma “pedagogia do oprimido”,
pode apoderar-se das instituições, corroendo-as, refuncionalizando-as, ao mesmo tempo em
que a nova ideologia nela se institucionaliza para divulgar sua nova concepção de mundo.
Bourdieu e Bakhtin também consideram a fala como expressão das condições de
existência. Para Bourdieu, a fala é o símbolo da comunicação porque representa o
pensamento, ou seja, por meio dela, são reveladas as condições estruturais, sistemas de
valores, normas e símbolos, por isso, a considera como um fenômeno ideológico. Nesse
ponto, ele se aproxima do pensamento de Bakhtin, que também aponta a fala como um
instrumento ideológico.
3.2 Mídia e Política
Ao afirmarmos que as representações sociais influenciam os espaços públicos e
privados e por eles são influenciados é que se torna importante avaliar o papel dos meios de
comunicação na elaboração e circulação das mensagens simbólicas; mesmo porque
vivemos em uma espécie de globalização da informação, onde a transmissão e recepção de
mensagens assume um papel novo no processo de interação dos indivíduos. Não mais
210
podemos ignorar a influência dos meios de comunicação de massa na política, na vida
cotidiana, nas relações pessoais, ou seja, tanto na esfera pública quanto na esfera privada.
O poder de alcance desses meios de comunicação de massa ultrapassa hoje todas as
fronteiras físicas possíveis, chegando ao cyber espaço com a utilização da Internet como
veiculo de informação.
O ambiente em que se encontram os meios de comunicação se transformou à medida
que tecnologias foram sendo descobertas e utilizadas para facilitar a transmissão de
mensagens, possibilitando, assim, ampliar sua dimensão simbólica.
A comunicação é um intercâmbio de sinais e símbolos pelos quais os indivíduos estão
na realidade realizando uma troca simbólica. Essa relação é intrinsecamente simbólica, pois
a comunicação é feita a partir de um contexto histórico em que ambos os agentes estão
inseridos. Essa relação também é dialética, pois, ao estabelecerem uma comunicação, os
indivíduos o fazem a partir de uma representação social que, ao ser decodificada, é
reelaborada, pois, como acentua Geertz, o homem é um ser animal suspenso em teias de
significado que ele mesmo teceu.
A comunicação é uma forma de ação e como tal se caracteriza por ser uma relação de
poder, haja vista que as pessoas, ao se comunicarem, estão formulando uma ação
intencional. Essa ação é realizada no que Pierre Bourdier chama de campos de interação.
Nesses campos é que os indivíduos se encontram e podem exercer alguma forma de poder.
Ao realizar um estudo sobre a mídia e a Modernidade, John B. Thompson define o
poder como
(...) um fenômeno social penetrante, característico de diferentes tipos de ação e de encontro, desde as reconhecidamente políticas dos funcionários públicos até os encontros mais prosaicos entre indivíduos na rua (1998: 21).
O poder, então, é exercido em muitas instâncias, em muitos contextos que não só
aqueles institucionalizados. Na rua, no dia-a-dia, o poder está presente e se manifesta de
maneiras diferentes. Thompson trabalha com quatro tipos de poder: o poder econômico,
caracterizado pela atividade produtiva; o poder político, sendo a atividade que algumas
organizações têm de coordenação e regulação; o poder coercitivo, caracterizado pelo uso da
ameaça e da força; e o poder simbólico, relacionado com a atividade de produção,
211
transmissão e recepção das formas simbólicas. Todos esses poderes confluem e estão
presentes em vários contextos sociais ao mesmo tempo.
Os meios de comunicação passam a ser importantes porque é através deles que as
formas simbólicas são produzidas e difundidas nos contextos sociais. O uso desses meios
envolve a produção, a transmissão e a recepção das formas simbólicas por meio de vários
aparatos técnicos. Para Thompson, os meio técnicos constituem a materialização das
formas simbólicas ou o elemento material com que, ou por meio do qual, a informação ou
conteúdo simbólico é fixado e transmitido do produtor para o receptor19. Thompson, então,
distingue alguns atributos dos meios técnicos.
O primeiro desses atributos é a fixação. Dependendo do meio utilizado para a
transmissão da mensagem simbólica, esse tem a capacidade de fazer com que os indivíduos
armazenem as informações, dando certa durabilidade àquilo que foi transmitido.
Outro atributo é a reprodução, ou seja, a capacidade de multiplicar as cópias de uma
forma simbólica, podendo ser reproduzidas em uma velocidade muito grande e
possibilitando uma distribuição maior das mensagens simbólicas. 20
O terceiro atributo é a capacidade de um distanciamento espaço-temporal dos meios
técnicos. As formas simbólicas, quando permutadas, estão distantes dos contextos onde
foram produzidas. Esse afastamento é tanto espacial quanto temporal. Ao serem difundidas,
são transmitidas em contextos diferentes daquele onde foram produzidas.
O último atributo levantado por Thompson é acerca das habilidades, competências e
formas de conhecimento nos usos dos meios técnicos. A essas habilidades o autor
estabelece a competência para a codificação e decodificação das mensagens.
A comunicação de massa se apropria desses meios técnicos e de seus atributos para a
produção, transmissão e fixação de suas mensagens. Para melhor entender o que significa a
expressão comunicação de massa, Thompson aborda cinco características que ajudam a
perceber o sentido que esse conceito, construído historicamente, adquiriu nos tempos de
hoje: a primeira corresponde ao desenvolvimento dos meios técnicos e institucionais de
produção e difusão; a segunda é a mercantilização das formas simbólicas; a terceira diz
19 THOMPSON, John B. (1998). A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ. Vozes. 20 A reprodução é um dos elementos que possibilita a mercantilização das formas simbólicas. Ela está na base da exploração comercial e modifica as formas simbólicas em mercadarias a serem comercializadas.
212
respeito às distorções entre o processo de produção e recepção das formas simbólicas; a
quarta é o prolongamento da disponibilidade dos produtos da mídia no tempo e no espaço;
e por último, a circulação pública das formas simbólicas mediadas, visto que as mensagens
estão disponíveis a públicos distintos.
A comunicação de massa, portanto, se beneficia do avanço das novas tecnologias, ao
permitirem que as informações possam chegar de modo mais rápido em diferentes
contextos sociais, o que possibilita as mensagens poderem ser reproduzidas mais
facilmente, transformando-as em algo que possa ser explorado comercialmente. Na
comunicação de massa, a produção simbólica está dissociada da sua recepção, ou seja,
existe um distanciamento entre o contexto em que as informações foram produzidas e o
âmbito em que vai ocorrer a recepção, ocorrendo, com isso, um intercâmbio restrito, pois
não estabelece um canal direto com os receptores das mensagens, fazendo com que não
ocorra um retorno ou um fluxo de mão dupla, possibilitando uma resposta sobre as
mensagens difundidas.
Outro ponto importante nessa discussão é a nova organização do espaço e do tempo
que o desenvolvimento tecnológico proporcionou, alterando não só a noção de passado e
presente, de longe ou perto, mas também a percepção dos indivíduos sobre as coisas.
Acerca desse aspecto dos meios de comunicação é importante salientar que as formas
simbólicas são produzidas, como já afirmado, em contextos sociais específicos. A recepção
dessas mensagens também ocorre em contextos que, por serem diferentes daqueles onde
ocorreu a produção, fazem com que os receptores não apenas recebam as mensagens, como
também a interpretem e a reelaborem. Essa característica da recepção é que a faz uma
atividade situada e de rotina, impondo habilidades e competências, historicamente
construídas, para a realização especializada21 da decodificação e reinterpretação das
mensagens simbólicas transmitidas.
Essa interação modificada no contexto das comunicações de massa também tomou
formas distintas durante a campanha eleitoral de 2002. A interação face a face, ou seja, a
disputa pelo voto dos candidatos em contato direto com o eleitor, se modifica rapidamente
21 Thompson trabalha com três características da recepção: a recepção como algo não passivo, uma atividade; como uma rotina, sendo parte da atividade cotidiana; e como uma realização especializada para a decodificação das mensagens.
213
com o avanço tecnológico. Com as novas tecnologias, outros tipos de relacionamentos
sociais surgem atendendo as novas necessidades da comunicação.
Três tipos de interações são identificados por Thompson em sua análise e puderam
ser observados no pleito analisado. O primeiro diz respeito à interação face a face, que tem
um caráter dialógico e onde existe um compartilhamento espaçotemporal. Outra
característica dessa forma de interação é a possibilidade de uma troca simbólica direta, em
que os indivíduos usam de vários gestos para transmitir e decodificar mensagens.
Já as interações mediadas22 se utilizam de meios técnicos para a realização da troca
simbólica. Diferentemente da interação face a face, a mediada transmite as informações
para indivíduos situados em espaços distintos, diminuindo as possibilidades da utilização
de gestos na interação. Por outro lado, outras formas de deixas simbólicas 23são utilizadas,
como, por exemplo, na escrita.
A interação quase-mediada é a que se utiliza dos meios de comunicação de massa.
As formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de indivíduos em
contextos espaçotemporais diversos. Por abranger uma infinidade de receptores, a
comunicação simbólica passa a ser de via única, diferente das outras duas formas de
interação que possuem um canal aberto de ida e volta para a comunicação. Na interação
quase-mediada não, pois esse canal é restrito à transmissão da informação, possuindo assim
um caráter monológico.
O quadro abaixo demonstra melhor a classificação, feita por Thompson, dos três tipos
de interação e suas principais características.
Quadro 2.
Tipos de Interação segundo Thompson Características
interativas Interação face a face Interação mediada Interação quase
mediada Espaço-Tempo Contexto de co-
presença; sistema referencial espaço-temporal comum
Separação dos contextos; disponibilidade estendida no tempo e no espaço
Separação dos contextos; disponibilidade estendida no tempo e no espaço
Possibilidade de deixas simbólicas
Multiplicidade de deixas simbólicas
Limitação das possibilidades de deixas simbólicas
Limitação das possibilidades das deixas simbólicas
22 Fazem parte dessa forma de interação meios técnicos como papel, fios elétricos, ondas eletro-magnéticas, etc. 23 A expressão é utilizada por Thompson para identificar os gestos utilizados na interação para a transmissão e decodificação das mensagens.
214
simbólicas deixas simbólicas Orientação da atividade Orienta para outros
específicos Orienta para outros específicos
Orienta para um número indefinido de receptores potenciais
Dialógica/monológica Dialógica Dialógica Monológica Fonte: Quadro extraído do livro A Mídia e a Modernidade: uma teoria social da mídia.
Os três tipos relacionados nesse quadro não esgotam as possibilidades de interação,
mas nos dão forte indicação de como os às relações sociais se modificaram com o avanço
das novas tecnologias e dos meios de comunicação de massa.
No Brasil, por exemplo, podemos observar um avanço tecnológico significativo nas
áreas de telecomunicações e energia elétrica. O País, nos últimos anos, ampliou muito a sua
capacidade de geração e distribuição de energia. Construiu usinas e passou a usar outras
fontes de energia, como a nuclear, o que possibilitou a ampliação da sua rede elétrica.
Difícil, hoje, é encontrar lugares onde não existam um poste e uma lâmpada acesa. Difícil,
também, encontrar lugares que a televisão, o rádio ou telefone não alcance. As novas
tecnologias sem dúvida modificaram a relação espaço e tempo. Não existem mais
distancias intransponíveis. A informação chega a um número maior de lugares em um
espaço de tempo cada vez mais curto, o que significa que, em alguns casos, como o da
televisão, o do rádio e o da Internet, a mensagem possa ser veiculada em tempo real.
A televisão e o rádio continuam sendo os dois maiores veículos de comunicação de
massa do País. Ambos possuem uma tradição histórica e estão na preferência da população.
São eles os responsáveis pela principal fonte de informação e lazer.
A televisão, no entanto, se destaca dos outros meios de comunicação, talvez por
algumas especificidades: a imagem proporciona uma proximidade com o público; a sua
programação é direcionada a públicos específicos; a informação pode ser repassada de
maneiras diferentes por meio das novelas, telejornais e outros programas voltados para
grupos específicos, como é o caso dos jovens etc.
Esses aspectos da mediação, principalmente da eletrônica, influenciam muito o
mundo da política. Existe uma preocupação geral com a visibilidade, com a elaboração e
difusão da imagem política. Desde dos anos 1980, vivemos no Brasil uma revolução na
estruturação das campanhas eleitorais.
A utilização dos meios técnicos possibilitou uma transformação no formato dos
programas eleitorais, veiculados, principalmente, na tv. Não só os programas eleitorais
215
foram afetados, mas, mesmo a discussão política passou a ser influenciada pela mídia.
Ocorreu uma transferência do debate político que deixou o palco do partido para se
estabelecer nos meios de comunicação de massa. As campanhas passam a ser formuladas e
orientadas por pesquisas de opinião pública e por uma agenda estabelecida pela própria
mídia (CHAIA, 2004).
Em um artigo publicado na revista Sociologia Política, denominado Dossiê “Mídia
e Política” , Luis Felipe Miguel (2004) estabelece quatro dimensões da presença da mídia
nas práticas políticas no Brasil: a) a mídia como instrumento de contato entre a política e os
cidadãos; b) o discurso político transformando-se e adaptando-se às formas dos meios de
comunicação de massa; c) a mídia como o principal responsável pela produção da agenda
pública; e d) os candidatos tendo que adotar uma preocupação central com a visibilidade.
O fato de a agenda política estar hoje associada diretamente à pauta da mídia nos
leva a crer que o papel antes exercido pelos partidos políticos foi reduzido nos últimos
tempos, isto porque as estratégias de campanha são focalizadas na figura do candidato e nas
suas propostas, deixando em segundo plano o partido político que ele representa. Muitos
eleitores se acostumaram a votar no candidato, fazendo, com isso, uma escolha pessoal e
não ideológica. Nesse caso, a ajuda da mídia é indiscutível, pois é ela que melhor
estabelece o contato direto do eleitor com o político. Continuam, de fato, sendo adotadas
velhas estruturas de campanha, como no caso dos comícios e visitas a locais de grande
concentração eleitoral e outros artifícios do chamado corpo a corpo, mas o que prevalece
nas atuais estratégias de campanhas é o horário eleitoral na televisão e no rádio, pois tais
estratégias conseguem atingir um público maior do que qualquer comício.
Para que possa ser efetivo, no entanto, o discurso midiático tem que ser absorvido
pelos candidatos. Eles têm que passar por uma adaptação à linguagem midiática, deixando
de lado as formas tradicionais de apresentação política e aderindo ao estilo dos meios de
comunicação de massa. Passam a se preocupar também com a sua visibilidade na mídia. A
aparência ou o visual se tornou moeda forte na atual política, principalmente se esse visual
for compatível com os padrões midiáticos. Exemplo disso foi a candidatura de Fernando
Collor de Melo, que soube usar de forma inigualável os veículos de comunicação de massa.
Explorou ao máximo que pode sua imagem, criando assim condições para que um
candidato, desconhecido em termos nacionais, fosse para o segundo turno com o candidato
216
Lula do PT, derrubando políticos tradicionais como Ulisses Guimarães e Mário Covas e
sendo eleito o primeiro presidente civil do Brasil depois do processo de redemocratização.
De fato a mídia sozinha não garante eleição, como não garantiu a de Collor, mas o
que é importante salientar é o seu papel na construção das representações sociais. Outros
fatores também influenciam, como desde sempre influenciaram, as disputas eleitorais. O
fato, contudo, é que o político de agora tem outra preocupação - a sua adequação ao que
podemos chamar de padrões midiáticos. Sua atitude, sua voz, sua expressão facial, tudo
passa por transformações para uma adaptação melhor ao padrão televisivo. Para tanto,
conta ele com a orientação do profissional de Marketing.
Por mais que a mídia influencie nas disputas eleitorais, porém não é ela que
determina os vencedores. As relações políticas são muito mais complexas e a mídia é
apenas um dos caminhos por onde essas relações podem se orientar. Nada se sustenta
apenas na base da apresentação. O discurso, por mais que seja algo entoado ou escrito
possui uma significação voltada para a realidade. Não adianta elaborar um discurso,
seguindo rigorosamente todos os padrões midiáticos, pois, ao se desconstruir tal discurso,
nele não encontramos a racionalidade condizente com o que está sendo proposto.
3.3 Mídia e democratização da informação
Uma reflexão sobre a democracia nas sociedades contemporâneas impõe uma
necessidade de se estabelecer relações com os mecanismos de comunicação de massa. A
mídia tornou mais acessível a informação, a expôs ao acesso de todos. Por outro lado,
contribuiu para tornar a esfera pública cada vez mais dependente dos meios de
comunicação de massa, pois retirou as discussões do âmbito das instituições políticas, no
caso os partidos políticos.
Algumas inquietações, no entanto, nos são pertinentes: a mídia de fato realiza uma
democratização da informação? Ela se constitui como um poder paralelo às instituições? E
da forma como se apresenta contribui para a construção de uma democracia participativa?
Tais questões não se apresentam como de fáceis respostas. Para respondê-las, é
preciso identificar quais os fenômenos envolvidos em tais problemáticas. Em primeiro
lugar, é preciso identificar o caráter mercantil da mídia. Ela é por si um resultado do avanço
217
do capitalismo no século XIX. São empresas capitalistas, em sua maioria privadas, que têm
na notícia a forma de obtenção do lucro. Estão presentes na esfera pública, embora
representem interesses privados. A notícia é a nova mercadoria que circula e a qual
consumimos nos jornais, revistas, noticiários etc.
Para Francisco Fonseca,
O poder da mídia implica, portanto, num instável equilíbrio entre: a) formar opinião, b) receber as influências de seus consumidores (leitores, ouvintes, telespectadores, internautas, entre outros) e sobretudo de toda a gama de fornecedores e regulatórias), c) auferir lucro e d) atuar como aparelho privado de hegemonia.24
Essa característica mercantil da informação implica diretamente na representação
política. A inclusão de novos atores na escolha de seus representantes não representou o
fortalecimento da cidadania. Ao contrário, esses novos atores ou grupos sociais assimilaram
as práticas e continuam exercendo seus direitos políticos apenas em época de campanha
eleitoral. O que de fato ocorre é um ampliação da cidadania política sem a inclusão no
processo decisório. A cidadania política nos moldes das democracias modernas sofre com a
falta da participação efetiva de seus atores que exercem sua cidadania apenas no ato de
votar.
Outro ponto relevante é a quantidade de informação circulando nos meios de
comunicação de massa. O aumento das mensagens difundidas e a ampliação do acesso a
elas facilitaram a vida do público, mas trouxe outros dilemas. Para que o cidadão possa
optar politicamente precisa estar bem informado sobre quais os projetos em disputa, quem
os apóia, quais interesses eles promovem e quais prejudicam, e também sobre o mundo
social, isto é, quais são os desafios a serem enfrentados, as alternativas possíveis e suas
conseqüências (MIGUEL, 2004). Os veículos de comunicação, principalmente os
jornalísticos, suprem essa necessidade do cidadão moderno de se informar.
(...) o trabalho jornalístico consiste em recolher informações dispersas (através de uma rede de repórteres), “empacotá -las através de determinados processos técnicos (jornal, rádio, televisão) e, enfim, distribuir o produto final a uma audiência diversificada. (MIGUEL, 2004: 02).
24 Artigo Publicado na Revista Sociologia Política Nº 22 em junho de 2004, intitulado “Mídia e democracia: falsas confluências”.
218
É sem dúvida um trabalho especializado. Ele cumpre o papel de fazer circular a
notícia, mas essa especialização tem caráter negativo, pois concentra a mídia nas mãos de
um pequeno grupo de empresas que possuem interesses comuns e monopolizam a
informação.
A quantidade de informação circulando é tanta que fica humanamente impossível
qualquer um acompanhar o ritmo imposto. Ocorre, portanto, uma seleção. Não lemos todas
as revistas publicadas, nem todos os jornais em circulação na cidade. No máximo,
escolhemos os artigos com os quais temos afinidades e interesses. Ampliamos o nosso
espaço de informação saindo do que era divulgado no plano local para adentrarmos global.
O acompanhamento diário de tudo o que é noticiado, porém, passa necessariamente por um
processo de seleção que não inicia com o receptor, mas acaba nele. São os veículos de
comunicação os primeiros a selecionar o que devem ou não ser publicado. O que é de
interesse ou não do público.
A escolha das manchetes e imagens passam necessariamente por essa seleção. As
notícias são divulgadas principalmente pela sua relevância para a opinião pública, o que na
prática significa a opinião privada, visto que são empresas privadas voltadas a um público
restrito, certas camadas sociais que têm acesso aos principais veículos de comunicação,
principal mente os da mídia impressa25.
E, quando se trata de notícias internacionais, os veículos de comunicação brasileiros
se apóiam nas informações das agências de notícias internacionais, principalmente as
americanas, pois os Estados Unidos possuem, atualmente, a maior rede de informação do
mundo. Poucos são os meios de comunicação no Brasil que enviam correspondentes a
outros países. A notícia nesse caso é mais fragmentada ainda, pois é repassada com o
recorte dado por empresas multinacionais de informação. Quando, por exemplo, obtemos
informações sobre a invasão do Iraque pelos Estados Unidos é quase sempre por meio
dessas agencias. As imagens da guerra a que todos assistiram ao vivo só foram possíveis
25 No caso, mídia eletrônica, principalmente rádio e tv, é um pouco diferente, pois esse veiculo atinge um número maior de pessoas em todas as camadas sociais, mas mesmo assim, as matérias por ela divulgadas passam por uma seleção e também recebem as mesmas influencias que a mídia impressa. Já a Internet deixa de fora os que não têm acesso a computadores e à rede.
219
porque a imprensa, principalmente a americana, teve acesso ao local do conflito, muitas
vezes acompanhando os próprios soldados americanos no campo de batalha.
Essas mesmas agências americanas, no entanto, não as únicas a divulgarem tais
informações. Na contramão da mídia americana, diversos outros veículos de comunicações
independentes divulgavam diariamente notícias que muitas vezes ficaram fora da pauta das
agências americanas. As primeiras imagens sobre a tortura de iraqueanos por soldados
americanos na prisão de abrugah foram veiculadas na Internet e só depois os outros meios
de comunicação passaram a abordar tais acontecimentos.
Apesar da mídia estar presente em um evento histórico como esse a sua versão dos
fatos ainda continua valendo. As imagens e matérias produzidas ainda são vinculadas a
interesses. No caso da guerra, destacamos o interesse do governo americano, que queria
mostrar ao mundo a sua força militar, e, no caso das agências, a chamada guerra da
informação, em que os grandes conglomerados disputam espaço por via da manipulação da
notícia.
Dessa forma, o papel do leitor de decodificar a informação se torna cada vez mais
difícil visto que esta chega a ele de forma fragmentada. A velocidade com que as
informações são divulgadas impossibilita que o indivíduo possa acompanhar tudo o que
acontece no mundo, fazendo ele mesmo a seleção.
O papel dos meios de comunicação, de informar as pessoas, tem sua importância na
formação de uma opinião pública. Por isso a sua responsabilidade é com a sociedade e não
com grupos ou conglomerados, mas a forma como os mass medias agem, como uma
instância de poder paralelo, acabam por influenciar de forma direta na decisão do cidadão
comum.
Luis Felipe Miguel estabelece quatro modelos de mídia para uma política justa. A
sua principal discussão é tentar identificar o papel dos méd ia nas principais correntes
democráticas contemporâneas.
O primeiro modelo a ser trabalhado pelo autor é o Liberal Pluralista, presente nos
principais regimes do Ocidente e tem como características básicas a concorrência eleitoral,
a liberdade e direitos formais, a competição entre as elites e a comunicação sendo regida
pelo mercado. O segundo modelo é o lenilista, que busca promover o interesse da parcela
majoritária da população e tem a comunicação como sendo um instrumento de elevação da
220
consciência de classe, de organização política. O terceiro modelo diz respeito à democracia
deliberativa, que tem as características do modelo da esfera pública de Habermas com a
discussão ampla dos assuntos de interesse coletivo. O último modelo é o que o autor
denomina de democratas radicais, que não difere muito do anterior, mas considera
importante a ampliação da capacidade de intervenção política dos grupos marginalizados.
Esse modelo responde as necessidades de um novo projeto para a esquerda.
É interessante observar como o autor procura identificar dentre as principais
características de cada modelo a sua intercessão com os media. Para tanto, ele traça três
linhas divisórias. A primeira contrapõe os modelos que admitem que a transmissão da
informação é feita de forma imparcial (liberal e esfera pública) com os que admitem que a
informação reflete interesses particulares (lenilistas e democratas radicais), a segunda
contrapõe os de características plurais (liberais e democratas radicais); contra aqueles que
minimizam a importância da pluralidade (lenilistas e deliberacionistas); e a terceira linha os
que situam a informação de modo central (democratas radicais e deliberativos), como
podemos observar no quadro:
Quadro 3 Modelos Utópicos de Comunicação de Massa para a Democracia
Liberal
Pluralista
Lenilista Esfera Pública Democrata Radical
Conteúdo da
mídia
Pluralidade
gerada pelo
mercado
“linha justa”
garantida pelo
partido
Discussão
imparcial
Pluralidade
promovida por
mecanismos extra-
mercantis.
Provedores de
informação
Profissionais
imparciais
Profissionais
engajados
O próprio
público
Múltiplos grupos;
redução do peso dos
profissionais.
Papel da
mídia/objetivo
s
Apresentação
objetiva do
mundo real;
orientação da
opinião pública.
Ampliação da
consciência de
classe
Apresentação
objetiva do
mundo real;
Esclarecimento
sobre as
questões de
interesse
público.
“Emponderam ento”
dos diferentes
grupos sociais
221
questões de
interesse
público.
Mecanismos Controle mútuo
inerente à
competição
mercantil
Controle
estatal/partidári
o restrito;
centralismo
democrático.
Depuração
inerente à
discussão
racional
Incentivo estatal a
formas alternativas
da mídia
Financiamento
da mídia
Privado Estatal Privado Múltiplas formas de
financiamento
Fonte: Quadro retirado do Texto Modelos utópicos da comunicação de massa para a
democracia.
O que nos chama a atenção nesse modelo estruturado por Miguel é a forma como
ele estabelece a relação entre diferentes formas de democracia e a mídia. No modelo
Liberal os media estão associados à forma capitalista de competição de mercado e do
controle privado da informação. Nesse modelo, não há como ter autonomia da opinião
pública, pois esta está diretamente influenciada por esses interesses. Já na lenilista, o papel
dos meios de comunicação apesar de também refletirem interesses, não mais os de
mercado, mas os do partido, o modelo considera que a comunicação é um instrumento
importante para a consciência de classe. No modelo da Esfera Pública, ocorre uma
necessidade maior a discussão de assuntos de interesse público para que se possa
estabelecer a democracia. Os media seriam, portanto, esses espaços. É no quarto modelo,
no entanto, o democrata radical, que, segundo o autor, os princípios democráticos estão
bem estabelecidos.
A corrente democrata radical não difere muito da deliberativa, principalmente nas
críticas que faz ao modelo liberal, mas é no âmbito da representação política que ela se
destaca, pois amplia a zona de discussão, abrangendo tanto as desigualdades concretas
quanto as disputas políticas nas sociedades contemporâneas.
(...) entende a centralidade da comunicação nos processos políticos contemporâneos e enfatiza a ampliação da pluralidade efetiva das
222
fontes de informação como medida necessária, ainda que insuficiente, para o emponderamento dos grupos subalternos. O que está em foco, então, é a questão do controle da mídia”. (MIGUEL, 2004: 08)
O importante seria, portanto, estabelecer diversas formas de controle dos media
possibilitando, dessa forma, encontrar caminhos para o que o Thompson chama de um
“pluralismo regulado”, ou seja, formas de garantir a existência de uma pluralidade de
instituições dos media independentes e inseridas nas diferentes esferas da comunicação de
massa (THOMPSON, 1995).
É necessária uma reformulação dos media para que ocorra um aprofundamento da
democracia. É preciso que haja uma conscientização da responsabilidade dos meios de
comunicação de massa na sua função de representação, de mediação; uma dissociação da
produção de informação do controle do poder econômico e do poder político (MIGUEL,
2004).
É preciso, também, acrescentar a esse pluralismo a inclusão de novos atores sociais
à discussão política, diminuindo assim a imensa desvantagem que tais grupos têm ao serem
excluídos dos processos de tomadas de decisões políticas.
3.4 O Marketing na campanha política
Como já citado, nos últimos tempos a política agregou formas para difusão de suas
mensagens. Duas características desse novo momento podem ser claramente percebidas: o
fato de as novas tecnologias possibilitarem a mediação do discurso a um público cada vez
maior; e as transformações ocorridas nos discursos políticos que passaram a absorver
elementos da linguagem midiática. A essas características vêm associados dois elementos
importantes na discussão sobre as campanhas eleitorais nos moldes midiáticos. O primeiro
elemento é a contratação de especialistas do Marketing para construção de toda a imagem
dos partidos políticos, programas e candidatos. O segundo diz respeito à utilização das
pesquisas de opinião na elaboração das estratégias de campanha.
223
Entender essa nova perspectiva da política é um dos dilemas enfrentados por
estudiosos da comunicação. Rejane Vasconcelos26, por exemplo, utiliza o termo
mostrabilidade para compreender a relação entre mídia e política. Para ela, (...) só adquire
sentido político o que entra no campo da notícia, ou seja, o que se coloca em posição de
ser notado publicamente.
A frase apareceu na tv, que se tornou fala popular, reflete bem a importância da
notícia “oficial” produzida pelos media. É como se tudo que for divulgado por ela receba
automaticamente uma significação de verdade. Qualquer fato ocorrido hoje tem o seu
respaldo nas informações divulgadas nos veículos de comunicação, sejam eles de ordem
política, econômica ou social. O privado vai a público de maneira tal, que com ele se
confunde. A televisão nos aproxima dos fatos, mas, mais do que tudo das pessoas públicas.
É o que ocorre com a política. Os media, principalmente os eletrônicos, estabelecem
relações de familiaridade com os personagens políticos, no entanto, os discursos políticos
perdem sua centralidade para dar espaço à figura do político, que deve ter características de
apresentação condizentes ao padrão midiático. Nesse aspecto, os políticos que trabalham a
imagem levam vantagem. Por isso o Marketing se consolidou como estratégia de
apresentação, dos discursos e dos candidatos, nas campanhas eleitorais.
Outros autores trabalham o conceito de espetáculo político27 para estudar o
fenômeno dos media na política. Em um artigo intitulado Espetáculo, Política e Mídia,
Antônio Albino Canelas Rubim28 faz uma reflexão teórica acerca da sociedade midiática,
levando em consideração os estudos sobre o espetáculo e sua relação com o poder e com a
política.
(...) uma reflexão que queira enfrentar verdadeiramente o problema da espetacularização da política em uma contemporaneidade estruturada em rede e ambientada pela mídia não pode deixar de reconhecer que o recurso à emoção, a sensibilidade, à encenação, aos ritos e rituais, aos sentimentos e aos formatos sociais, aos espetáculos. Em suma em tudo aquilo que, em conjunto com o debate e a argumentação racional, conformam a política. (RUBIM,2002:8)
26 CARVALHO, Rejane Vasconcelos A (1999). Transição democrática brasileira e padrão midático publicitário da política. Campinas: Pontes Editores/UFC. 27 Autores como Luis Felipe Miguel, Afonso de Albuquerque e Antônio Albino Canelas Rubim desenvolvem estudos sobre os processos eleitorais no Brasil e o papel dos meios de comunicação de massa. 28 Trabalho apresentado no XI Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPOS), Rio de Janeiro - RJ de 4 a 7 de junho de 2002.
224
Não é de hoje que o espetáculo está associado a relações de poder e até mesmo à
política. Não foi a “midiatização” que colocou o espetáculo do ambiente político.
Albuquerque (1999) nos lembra que os espetáculos e a propaganda foram muito utilizados
por dirigentes políticos como instrumentos de legitimação política já nos séculos XVII e
XVIII. Exemplo claro está nos estudos de Peter Burke, ao analisar a construção da imagem
de Luís XIV. Segundo Burke, nesse período, a propaganda montada para a divulgação da
imagem do monarca abrangeu os órgãos oficiais do governo, bem como os meios técnicos
de reprodução da obra de arte da época.
O espetáculo, portanto, faz parte da vida em sociedade e se assemelha às
encenações, ritos, rituais e representações. Está presente em todas as sociedades e práticas
sociais, dentre elas o poder político e a política (RUBIM, 2002:1).
Outro autor citado por Albino Rubim na sua incursão sobre o conceito de espetáculo
foi Guy Debord. Esse autor define o espetáculo a partir de dois eixos: 1 a relação do
espetáculo com o sistema capitalista, onde sociedade midática se caracteriza por ser uma
forma avançada do capitalismo e; 2 a separação entre real e representação, pois o
espetáculo propicia um distanciamento do mundo material dando destaque a novas formas
de mediação que privilegiam a visão.
As principais criticas às concepções de Debord são de duas ordens: a primeira o fato
de esse autor atribuir ao espetáculo uma conotação negativa reduzindo o espetáculo a um
determinismo econômico associado diretamente ao capitalismo; o segundo é a
contraposição entre o real, que é tratado de forma positiva, e a representação, considera de
forma negativa. Tal contraposição revela uma fragilidade na concepção de Deorad, pois
esta situa a representação como algo inferior e dissociada da realidade, mas Rubim
considera que,
(...) não existe a possibilidade de uma relação direta, não mediada, com a realidade: que a representação não só faz parte da realidade, como aparece como dispositivo imprescindível de sua construção social e que o estatuto da realidade da representação nada fica a dever aquele atribuído ao restante da realidade, aliás, só possibilita através do recurso às mediações. (RUBIM,2002: 18)
225
Tais considerações são importantes do ponto de vista do entendimento da sociedade
midiática, principalmente do seu papel nas relações políticas. O que nos parece quando
verificamos os diversos estudos acerca dessa temática é uma espécie de determinismo do
espetáculo na política contemporânea, o que autores como Rubim refutam. Existe de fato
uma adequação aos padrões midáticos, mas o espetáculo não é a única possibilidade de
realização da política. Não podemos ter uma visão tão simplista de algo que é tão complexo
quanto as relações políticas, principalmente as que se apresentam na atualidade.
A política midiatizada significaria tão somente a política que transita na contemporânea dimensão pública de sociabilidade, buscando adequar-se a este espaço e as linguagens próprias da mídia, sem com isso importar uma tal lógica produtiva que impeça a política de se realizar e buscar suas pretensões. (...)A adequação ao novo ambiente, não resta dúvida, implica em mudanças relevantes da dinâmica política, inclusive com a absorção de novos atores (mídias e peritos de diversas ordens, tais como marqueteiros, publicitários, analistas de sondagens quantitativas e qualitativas, comunicólogos etc); novos instrumentos operativos (a exemplo das sondagens, dos planejamentos estratégicos, dos dispositivos potentes de produção de imagens plásticas e sociais etc.); novas linguagens e modos de comunicar; nova relevância para as imagens plásticas e sociais e novas tensões produtivas, especialmente entre os (antigos) profissionais da política e os (novos) profissionais midiáticos, muitos deles, a rigor, agora também com pertença ao campo político. (RUBIM,2002: 25)
São esses profissionais do Marketing que agora assumem papel
importante nas campanhas eleitorais. As estratégias eleitorais são agora
montadas sob sua supervisão. Sua função principal é “influenciar” a
opinião pública em relação às idéias e propostas de um determinado
candidato ou partido. São na maioria das vezes da área da comunicação
com ampla experiência em publicidade, acostumados ao mundo do
consumo, onde as imagens são de fundamental importância. Trazem essa
experiência para a política, onde por meio de técnicas como as pesquisas
de opinião que eram antes utilizadas para avaliar o mercado a fim de
montar as estratégias de campanha.
226
As pesquisas de opinião, tanto quantitativas quanto qualitativas, são
utilizadas com o intuito de estabelecer os caminhos para as decisões de
campanha. A sondagem eleitoral possibilita uma margem de acerto porque
comporta elementos estatísticos para definição da sua amostra, ou público
a ser entrevistado. Claro que nenhuma pesquisa reflete a realidade mas dá
indícios do comportamento dos agentes que foram entrevistados e
possibilita identificar quais as principais tendências de opinião. Refletem
um determinado momento e é esse momento que interessa aos que
organizam uma campanha.
A utilização de técnicas da publicidade nas campanhas eleitorais acontece
primeiramente nos Estados Unidos no final do século XIX e inicio do século XX, mas foi
entre as décadas de 1930 e 1960 que ocorreu uma maior inserção da publicidade na política.
As eleições presidenciais nos Estados Unidos em 1960, Kennedy versus Nixon, foram um
marco, pois a televisão foi utilizada de modo intensivo durante a campanha. Foi realizada
uma série de debates televisionados que marcaram a história das eleições americanas.
No Brasil, a utilização da publicidade e dos profissionais do
Marketing em campanhas eleitorais se solidificou no final do século vinte
após a redemocratização. Algumas experiências foram marcantes, como a
campanha de 1985, em Fortaleza, para prefeito, onde a candidata do PT
Maria Luiza Fontenele soube aproveitar as técnicas de publicidade nos
programas eleitorais que iam ao ar todos os dias. O resultado foi um
programa mais bem elaborado, mais chamativo, diferente de todos os
outros.
Inúmeros exemplos poderiam ser citados, mas destacamos aqui o
caso mais marcante das eleições de 1989 para a Presidência da República.
Vários fatores favorecem para que essa eleição seja considerada histórica:
a primeira após a redemocratização; a mais ampla porque abrangia um
número muito grande de eleitores; a presença maciça dos meios de
comunicação de massa na cobertura jornalística de todo o período
eleitoral; o candidato Collor soube como nenhum outro político utilizar o
Marketing na elaboração de sua imagem; mas não se pode atribuir a vitória
227
de Collor à propaganda eleitoral na televisão e ao formato desenvolvido
pelos marketeiros, mas o que podemos tirar de significativo para o nosso
estudo é que no Brasil a midiatização da política trilha caminhos firmes e
veio com força e para ficar. A cada nova eleição, mais e mais são utilizadas
as técnicas de Marketing nas campanhas.
Nas eleições de 2002, detectamos isso de forma bem clara. Os
programas estão cada vez mais atraentes, interessantes. A utilização de
videoclipes e dos programas gravados fora dos estúdios dão aos programas
eleitorais na tv um dinamismo; saem daquela coisa parada que eram os
antigos programas. A participação de artistas famosos e de políticos
conhecidos dão um ar de credibilidade. A adaptação dos políticos ao estilo
“midiático” colaboram para melhor aceitação da imagem. Todos esses
elementos associados a outros transformaram a propaganda política em
um espetáculo “midiático” onde políticos podem encenar.
A utilização de meios técnicos dos mais diversos na campanha de 2002 proporcionou
uma série de novas alternativas para difusão da mensagem. Programas em rádios e tv mais
elaborados foram a grande tônica, deixando de lado características comuns de outros
tempos, como a interação face a face. As campanhas anteriores eram marcadas por grandes
comícios, onde os candidatos tinham um encontro mais direto com os seus eleitores. Nas
suas agendas estavam programados comícios em todas as regiões do País. Essas atividades
eram mais empregadas porque valorizavam o carisma do candidato e a capacidade que ele
tinha de reunir multidões. A interação, nesse caso, é direta, pois a mensagem é transmitida
sem a presença de nenhum meio técnico e a recepção é imediata, podendo haver uma
resposta à mensagem transmitida. Muitas eleições eram decididas nesses eventos. Os
programas eleitorais de rádio e tv tinham um papel secundário por não prenderem muito a
atenção do eleitorado. Os programas eram mal elaborados e não acompanhavam o tempo da
campanha.
Nas eleições de 2002 esse quadro foi se modificando. Os comícios perderam espaço
para a televisão, transformaram-se em um evento secundário na formulação de estratégias
eleitorais, devido ao fato de que tal de estratégia eleitoral abrange um público restrito, que
se encerra na cidade ou região onde ocorreu o evento, não podendo ser estendido a todo o
228
País. O discurso não é disseminado nacionalmente, a não ser nas chamadas dos telejornais,
ou nos programas eleitorais gratuitos.
Os comícios, portanto, passaram por reformulações que pudessem atrair o público
eleitor. Alternativas como showmícios que levavam artistas para realização de shows
durante os comícios foram tomadas possibilitando atrair o maior número possíveis de
pessoas aos eventos. Mas apesar perderem espaço na agenda dos candidatos para a
televisão, esses eventos, garantiam imagens importantes para compor o cenário político de
cada candidato. Imagens dos comícios eram inseridas nos programas eleitorais na televisão
dando a entender que a campanha estava nas ruas e ganhava a cada dia a adesão popular.
Nesse ponto, veículos como a televisão levam vantagem. Apesar de não estabelecer
uma interação direta com o receptor, a tv e outros meios conseguem melhor desempenho,
pois alcançam uma quantidade maior de pessoas em contextos espaciais e temporais
diferentes. Outro ponto é o fato de que se tem a possibilidade de trabalhar em tempo real,
ou seja, com as novas tecnologias, os telejornais e a própria emissora como um todo podem
empregar meios técnicos que possibilitam noticiar um fato no momento em que ocorre em
qualquer lugar do País ou do mundo. Essas novas tecnologias deram um novo formato aos
telejornais que se utilizaram delas para elaborar uma agenda capaz de dar conta do
momento eleitoral.
Acompanhando as transformações na cobertura dos media nas eleições, os candidatos
investiram mais nos programas gratuitos em rádio e tv. Foram contratadas equipes
especializadas em Marketing e propaganda e o resultado foram programas mais elaborados
visualmente, explorando vários aspectos dos próprios candidatos, como sua trajetória
política e história de vida, bem como seus programas de governo.
Dentro desse novo formato dos programas eleitorais os conceitos sobre democracia,
participação e cidadania foram introduzidos no debate mediante a da fala dos candidatos e
dos programas de governo. Novos elementos foram incorporados a essa discussão e foram
explorados nos programas de rádio e tv. Todas essas novas informações que as eleições de
2002 trouxeram irão ser aprofundadas em capítulos posteriores.
229
4 OS PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
4.1 Esboço histórico dos partidos políticos no Brasil
A história da democracia brasileira possui capítulos marcantes de ruptura e
retomada da democracia. Desde a sua independência da Coroa portuguesa, o Brasil busca
construir sua identidade política, a qual passa necessariamente pelos caminhos
democráticos. Podemos afirmar, porém, que existe uma contradição presente na realidade
política do País, visto que tais caminhos foram formulados em bases antidemocráticas. A
política de interesses sempre esteve presente na história política brasileira. O autoritarismo
por vezes mostrou a cara em momentos importantes, quando a participação social nas
questões públicas se fortalecia e ameaçava os interesses de classe.
É justo, no entanto, admitirmos que não houve somente pontos negativos em todo o
processo democrático. Mesmo sendo a participação e a cidadania algo a se conquistar,
avanços significativos nesses dois aspectos da democracia já podem ser sentidos na nossa
história recente.
As eleições de 2002 foram realizadas dentro de um clima de fortalecimento dos
instrumentos democráticos. Essa eleição, que foi a quarta após a redemocratização,
confirmou a tendência de que no Brasil o processo democrático vem se consolidando
através de dois fenômenos recentes da nossa política: o fortalecimento dos partidos
políticos e uma participação popular maior nas questões políticas do País.
230
Com o fim do regime autoritário, os partidos políticos brasileiros puderam
estabelecer uma continuidade de suas funções partidárias, o que, no Brasil, é algo recente,
haja vista as várias quebras do processo democrático por que a Nação passou. Os partidos
conseguem trilhar caminhos mais contínuos e ampliar suas bases no plano nacional. O
quadro atual contribui, não só para partidos de maior tradição como também para
agremiações pequenas e com menor tempo de existência. O fato é que essa continuidade do
processo democrático e o fortalecimento dessas instituições vão a cada nova eleição
mudando nosso perfil político.
Outro ponto é o fato de que, durante toda a história do Brasil, a política sempre foi
direito de poucos, o que possibilitou que grupos restritos estivessem sempre no poder. A
grande parte da população brasileira nem mesmo tinha direito ao voto. Aos poucos, os
direitos foram ampliados, refletindo o que hoje são as eleições e de cujo processo a maioria
da população participa. Esse fato não quer dizer, ainda, que a participação ocorre de forma
consciente, ou que toda a população participe ativamente da política, pois o voto não é a
única expressão da participação política nem a eleição se restringe ao ato de votar. Ao
contrário, o conceito de política, e mesmo de participação política, é bem mais amplo,
como afirmado anteriormente. Apesar, porém, da nossa participação ainda ser muito frágil,
o caminho está sendo trilhado e a cada nova eleição essa participação se amplia não só
quantitativa, mas também qualitativamente, por meio do debate político cada vez mais
intenso.
4.2 Os partidos antes e durante a ditadura
A estrutura do sistema partidário brasileiro, pós 1945, tornou-se marcante, pois
estabeleceu dois momentos distintos de realinhamento político para o País: promoveu em
um momento a ampliação e em outro o encolhimento do sistema partidário.
Após 1945 quando se restaura no País o Estado de Direito, com a Constituição de
1946, iniciou-se um pluripartidarismo moderado, no qual partidos puderam se organizar
nacionalmente, embora na prática somente o PSD, a UDN e o PTB alcançassem tal
dimensão. Tais partidos são considerados de grande porte e disputavam a arena política
231
com outros de médio (PSP e PDC) e pequeno porte (PR, PL, PTN, PST, PRT e MTR).
Além destes, os chamados partidos ideológicos (PCB, PRP, PSB e ED) também tiveram
muita importância na elaboração do sistema partidário da época que inicia em 1945 e tem
um novo realinhamento em 1965 com o inicio do regime militar.
Quadro 4: Principais Partidos durante o período de 1945 a 1965
Partidos Principais Características
Partido Social Democrático
(PSP)
• Foi organizado por Getúlio Vargas em 1945. • Teve papel importante em todo o país como organizador e difusor das idéias varguistas. • Teve ampla maioria no congresso Nacional. • Elegeu dois Presidentes da Republica: o general Eurico Dutra (1945) e Juscelino Kubitschek (1955).
União Democrática Nacional
(UDN)
• Foi a herdeira da União democrática Brasileira. • Reuniu as forças de oposição urbanas e rurais a Getulio. • Chegou a Presidência da República em dois momentos: com Café Filho em 1954 e 1961 na gestão de Jânio Quadros. • Foi superada como segundo maior partido do Congresso pelo PTB.
Grande Porte
Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB)
• Assim como o PSP o PTB também foi criado por Getulio com o intuito de atingir a população urbana e os sindicatos. • Apesar de ser concebido para ser um partido de pequeno porte o PTB cresceu tanto a ponto de ser considerado um partido de massas ameaçando o próprio PSP. • Era considerado um partido nacionalista e populista de esquerda.
Médio Porte
Partido Democrata Cristão
(PDC)
• Criado em 1945 em grande parte por pessoas ligadas à Liga Eleitoral Católica. • Sua base era formada principalmente por intelectuais, profissionais liberais, empresários moderados e alas do setor operário e estudantes universitários. • Chegou a ser o quinto maior partido no Congresso. • Aliou-se a Jânio Quadros nas eleições ao Governo de São Paulo e à Presidência da República.
232
Partido Social Progressista
(PSP)
• Era considerado um veículo político do interventor e depois governador Ademar de Barros. • Ajudou a eleger Getulio Vargas. • Era considerado um partido populista de direita.
Partido Comunista Brasileiro
(PCB)
• Foi criado em 1922 e possuiu uma longa história política. • Foi para a clandestinidade em 1948, mantendo destacada atuação política. • A partir de 1950 começou a eleger alguns de seus quadros por outras legendas.
Partido da Representação
Popular (PRP)
• Foi o herdeiro do Integralismo. • Era liderado pó Plínio Salgado. • Sua ideologia se aproximava da ideologia fascista.
Partido Social Brasileiro
(PSB)
• Foi fundado em 1950 e aglutinou forças tanto da Esquerda Democrática quanto da Vanguarda Socialista. • Não foi um partido de expressão política. • Seu quadro era formado principalmente por intelectuais.
Ideológicos
Esquerda Democrática
(ED)
• Foi fundado por dissidentes da UDN antes das eleições de 1945. • Em 1950 reuniu-se com a Vanguarda Socialista para formar o PSB.
Fonte: Quadro produzido pela autora
O legado do período do governo militar pode ser visto em dois aspectos: o primeiro
através das instituições políticas sob as quais o governo militar operava; e o segundo pelo
modelo de desenvolvimento econômico seguido e suas conseqüências.
Em 1966, surge o bipartidarismo, mexendo novamente com o sistema partidário
brasileiro. Apesar do golpe ser instaurado em 1965, o geral Castelo Branco mantém as
eleições diretas para governador marcadas para outubro de 1965. Tal atitude recebeu
inúmeras críticas por parte alguns militares que assumiam o governo e que desejavam um
controle maior dos mecanismos eleitorais, no entanto tais mecanismos foram preservados.
Fleischer (2004) salienta, que ao serem mantidas as eleições durante o regime militar, o
novo governo se diferencia de outros países da América do Sul. Somente no decorrer do
regime é que novas medidas no sistema eleitoral foram tomadas, invialibizando a
participação de partidos pequenos na arena política. Com o bipartidarismo, novas regras
foram implementadas. Dentre elas, podemos destacar o fato de as organizações partidárias
terem que agremiar 120 deputados federais e 20 senadores. Tal imposição tornava difícil a
formação de partidos, o que na prática beneficiou a Aliança Renovadora Nacional –
ARENA ligada ao governo militar. Também o MDB foi atingido diretamente com o novo
233
panorama político e teve dificuldades em reunir os 20 senadores necessários para continuar
na cena política, sendo necessária a filiação temporária de dois senadores.
Maria D’Alva Kinzo29 (2001) segue a mesma linha de analise de Fleischer (2004). Em seu artigo A democratização Brasileira: um balanço do processo político desde a
transição, a autora afirma que o período da ditadura militar era marcado por um paradoxo,
pois, por um lado, existia uma disputa interna de poder, o que levou ao conflito setores
moderados e radicais do governo militar e, por outro, uma estrutura montada pelo regime
militar que permitiu continuar em funcionamento os mecanismos e procedimentos de uma
democracia representativa, embora controladas. Esses dois aspectos foram um diferencial
das outras ditaduras da América Latina nesse período, pois combinavam aspectos de
autoritarismo e democracia.
(...) o Congresso e o Judiciário continuaram em funcionamento, a despeito de terem seus poderes drasticamente reduzidos e de vários de seus membros serem expurgados; manteve-se a alternância na presidência da República; permaneceram as eleições periódicas, embora mantidas sob controles de várias naturezas; e os partidos políticos continuaram em funcionamento, apesar de a atividade partidária ser drasticamente limitada. Em síntese, era um arranjo que combinava traços característicos de um regime militar autoritário com outros típicos de um regime democrático. Este arranjo peculiar foi o responsável, em grande medida, por sucessivas crises políticas que acompanharam o regime, fazendo-o se caracterizar por fases alternadas de repressão e liberalização permeadas por crises políticas resultantes de conflitos dentro do exército e entre estes grupos e a oposição democrática (KINZO, 2001:02).
Tais características do regime militar podem ser apontadas como facilitadoras do
processo de transição democrática no Brasil. A tese defendida por Kinzo é de que a
abertura política e a retomada da democracia foi um processo lento e gradual que começou
a ser materializado em meio ao regime militar e contando com a participação dos próprios
militares. Esses constantes momentos de crises internas do regime, aliadas ao anseio das
massas, levaram a inevitável retomada da democracia. A autora divide esse momento em
três fases: a) período em que a transição estava nas mãos dos militares (1974 a 1982); b)
29 KINZO, MARIA D'ALVA G. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo Perspec. out./dez. 2001, vol.15, no.4, p.3-12. ISSN 0102-8839.
234
período em que atores civis passam a ter um papel importante no processo político (1982 a
1985); c) período no qual os políticos civis e setores organizados da sociedade atuam de
forma intensa no processo de transição democrática (1985 a 1989).
A primeira fase inicia-se com a indicação de Geaisel a Presidência em 1974,
quandomedidas de abertura política começam a ser tomadas como a revogação parcial da
censura à imprensa e a realização de eleições mais livres que culminaram em um melhor
desempenho do MDB, partido de oposição ao regime.30
A intensificação do processo de liberalização democrática se deu a partir de 1978,
quando foi revogado o ato institucional Nº 5. Outro momento importante nesse processo foi
a aprovação, pelo Congresso Nacional, da anistia, depois de um pressão social organizada
por vários setores da sociedade civil. A anistia permitiu o retorno, ao País, de militantes
políticos exilados. A reforma partidária, também, representou um momento importante da
retomada da democracia. Ela possibilitou que vários partidos saíssem da clandestinidade e
pudessem novamente se organizarem e atuarem politicamente.
A segunda fase foi marcada pelas eleições de 1982, que se seguiram a todos os
eventos há pouco citados e teve um caráter diferente, o que demonstra os novos rumos que
o País tomava. Pela primeira vez desde 1965, o povo pôde escolher seus representantes
estaduais. A eleição direta de governadores, senadores e deputados possibilitou ao PMDB,
maior partido de oposição, ampliar o seu quadro de representantes. Nesse período, o partido
conquistou 200 cadeiras na Câmara dos Deputados, o que na época refletia o desejo da
sociedade de mudança na estrutura política do País, mas o governo militar não saía de todo
enfraquecido desse processo. Os militares garantiram a maioria no colégio eleitoral, o que
asseguraria o voto na escolha das regras da sucessão presidencial.
Em 1985, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 25, que restabelecia a
liberdade de atuação dos partidos políticos que viviam na clandestinidade e a formação de
novos partidos. Saíram beneficiados dessa abertura, principalmente, os partidos de esquerda
que atuavam de forma clandestina em partidos como o PMDB.
A sucessão presidencial seria, nesse momento, a batalha mais importante travada
entre governo e oposição. De um lado a sociedade civil e os partidos de esquerda, que
30 Embora desse sinais de uma abertura democrática, o governo Geaisel continuou a tomar medidas de repressão muito em função de manter sob controle a oposição interna e externa ao regime.
235
queriam a eleição direta para presidente da República e de outro os militares que temiam
um governo civil sem nenhum tipo de controle do regime militar e realizavam manobras
para a indicação de um candidato de sua escolha que atendesse aos seus interesses. Para que
as eleições ocorressem a oposição iniciou intensa mobilização social que culminou no
movimento das Diretas Já em todo o País. Durante alguns meses, o País viveu em clima de
discussão política que envolvia todas as esferas sociais; algo que seria marcante para todo o
processo de retomada democrática e que ficará na memória como um movimento político
popular e democrático.
Apesar de toda a sua amplitude, a mobilização em prol das Diretas Já não foi
possível mudar as regras da sucessão presidencial. Prevaleceu a indicação do Colégio
Eleitoral, no entanto, os partidos de esquerda buscaram alternativas para que as mudanças
na estrutura política fossem efetivadas. A primeira delas seria buscar simpatizantes dentro
do próprio governo e a segunda seria via movimento social. Qualquer dos dois caminhos a
seguir era importante para que os partidos de esquerda pudessem se unir em torno de um
consenso que melhor encaminhasse o processo de redemocratização. Era preciso, portanto,
estabelecer linhas de entendimento com partidos como PT, PTB e PDT, que tinham se
posicionado contra a emenda das diretas em troca de cargos no governo.
A terceira fase teria inicio com o governo Sarney, após a eleição e morte repentina
do presidente Tancredo Neves. Dentre as principais características desse novo processo
estariam a intensificação da democratização com a revogação de todas as medidas que
cerceavam a liberdade política e a elaboração de uma nova Carta Magna com a
Constituição31 de 1988.
4.3 Os partidos na redemocratização
A nova Carta Constitucional de 1988 foi o mecanismo final de consolidação da
retomada da democracia e desaparecimento de todo o processo autoritário vivido no País
31 Segundo Kinzo, a Constituinte seria a maior experiência na história constitucional brasileira, pois os seus trabalhos foram organizados de forma descentralizada, por ter sido, toda ela, amplamente divulgado pelos media, o que possibilitou que a opinião pública pudesse acompanhar todo o processo e, por ter se tornado palco de ampla discussão política, fazendo com que tudo fosse amplamente debatido. O resultado dessa Constituinte foi a garantia de todos os mecanismos da democracia representativa.
236
nas ultimas décadas. Uma verdadeira onda de mudanças ocorria na esfera política. As
principais conseqüências dessa carta foram: retomada de eleições diretas em todos os
níveis; ampliação do número de eleitores. Na prática, significou eleições diretas para
presidente em 1989, a primeira desde 1960, e a inclusão dos analfabetos e dos jovens de 18
e 17 anos na escolha direta de seus representantes.
Após as eleições de 1989, novos rumos foram seguidos no panorama político do
País. Políticos descontentes com os rumos do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro – PMDB decidiram se afastar e criar um partido o PSDB - Partido da
Socialdemocracia Brasileira. Tal cisão mexeu com a Casa Lesgislativa e mudaria os rumos
da liderança do PMDB como partido de oposição.
As mudanças também possibilitaram um novo reordenamento. Ocorreu uma
expansão do sistema partidário, fazendo com que, em 1989, fossem habilitados 22 partidos
para que pudessem concorrer às eleições à Presidência daquele ano. Os empecilhos à
organização dos partidos foram retirados facilitando a obtenção do registro provisório no
TSE, no entanto, para que se conseguisse o registro definitivo, o trâmite ficou mais
rigoroso, o que levou a um quadro interessante: aumentou o número de pedidos de registro
provisório para novos partidos, mas o número dos que o conseguiram o registro permanente
era muito inferior à quantidade de pedidos.32
Novas mudanças foram sentidas no sistema partidário. Merecem destaque: a
legalização das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. As doações
devem ser feitas através de bônus e devem ter sua origem e quantia registradas no TSE; a
redução do mandato presidencial de 5 para 4 anos; e as eleições para o Congresso, bem
como, para governadores, passariam a ser realizadas no mesmo período das eleições para
presidente da República;
A Lei 8.713 definiu restrições para que os partidos políticos pudessem lançar
candidaturas em 1994: a filiação partidária teria que ser definida em período determinado
pelo TSE; e somente os partidos de mais de 3% de representação na Câmara dos Deputados
poderiam lançar candidatos a presidente e governador.
32 De 1985 a 1995, foram realizados 68 pedidos de registro junto ao TSE, mas somente 23 conseguiram o registro definitivo.
237
Essa última restrição afetou diretamente as candidaturas de partidos pequenos que
se sentiram lesados. Um desses partidos foi o PSC, que desejava lançar a candidatura de
José Sarney (ainda no PMDB) e foi impedido pelas novas regras. O partido entrou com
recurso junto ao STF que resultou na inconstitucionalidade da segunda restrição, mas
manteve a data para a filiação, o que impossibilitou a ida do Ex-presidente e senador pelo
PMDB – AP para o partido.
Novamente em 1995 o sistema partidário esteve envolto por transformações. Passou
por outro encolhimento, o que possibilitou um realinhamento em 1996. Nesse período o
PPR e o PP realizam uma fusão que geraria depois um novo partido, o PPB - Partido
Progressista Brasileiro. Já eram 16 os de partidos no Congresso Nacional.
Em 1997, outra medida causou impacto nas estruturas políticas do país. O
Congresso Nacional aprovou a emenda da reeleição permitindo que governadores e
presidente pudessem concorrer ao segundo mandato em 1998. Essa medida privilegiou
especialmente o presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994 pelo PSDB.
Todas essas ocorrências no sistema partidário desde a abertura política, configuram
as complexas relações políticas de uma democracia que começa. O País, de fato, se
fortalece democraticamente a cada eleição e aprende, no desenrolar de tantos eventos, que a
democracia é algo conquistado e elaborado no seio de toda a sociedade. Apesar dos
atropelos de um caminhar histórico marcado pelas relações clientelistas, de luta de
interesses e por uma política partidária com apelos populistas o Brasil, sem dúvidas,
consolida-se nos princípios democráticos e avança sem novas ameaças autoritárias.
4.4 Partidos de esquerda e agremiações de novo tipo
A redemocratização permitiu que o quadro político brasileiro se reestruturasse e
novos partidos fossem organizados, perseguindo cada qual suas convicções política-
ideológicas. Políticos de longa trajetória na história se reorganizaram em torno do ideal de
formulação das estruturas democráticas sólidas. Dentre estes, o PMDB, o PT, o PFL e o
PSDB foram os principais protagonistas das eleições de 2002. Em torno desses quatro
partidos, se agruparam outros que também desempenharam papéis importantes durante o
238
processo eleitoral. Para nosso estudo, no entanto, preferimos destacar os que foram
mencionados há pouco pelo fato de que tais partidos polarizaram as discussões,
estabelecendo no decorrer das eleições duas correntes fortes para a disputa eleitoral.
O PFL teve origem no antigo PDS. O partido foi formado basicamente por
dissensões do PDS durante a sucessão do presidente João Batista Figueiredo. O ponto
central das divergências, que levam à cisão no partido, foi a candidatura de Paulo Maluf,
apoiado pelo PDS. Para alguns pedessistas, esse apoio era inaceitável, o que os levou a sair
do partido e fundar o Partido da Frente Liberal, PFL.
O PFL, junto com outros grêmios, formou a Aliança Democrática, que apoiava a
candidatura de Tancredo Neves, governador de Minas Gerais. A campanha foi vitoriosa e
colocou novamente no poder um civil, quebrando anos de ditadura militar.
O seu lançamento oficial como partido político ocorreu em janeiro de 1985 e teve
como base na sua formação políticos do Nordeste. A presença de uma elite nordestina na
formação do partido foi de grande importância, principalmente na sua consolidação como
entidade de penetração nacional e é até hoje a grande garantidora de votos para o partido.
Apesar dessa característica, o PFL se organizou primeiramente no plano nacional,
dando ênfase à política nacional e os cargos federais. Teve participação efetiva em vários
governos com de cargos ministeriais, Câmara Federal e Senado. Posteriormente o partido se
voltou para o fortalecimento de suas bases regionais.
O programa da Frente Liberal foi concebido dentro dos princípios liberais e constam
em seu documento alguns itens, conforme relacionados:
• restauração do regime democrático;
• convocação de uma assembléia nacional constituinte;
• apoio irrestrito ao pluripartidarismo;
• revigoramento da Federação;
• universalização do princípio da representação política; e
• reorganização do Estado;
No decorrer de todos esses anos, o PFL se consolida como portador de concepções
liberais e situando-se à direita. A posição assumida por essa agremiação permite demarcar
um posicionamento de direita, contrário à posição assumida por órgãos partidários de
239
tradição na esquerda. Dessa forma, o partido também se assume como conservador, mas
demonstrou um caráter moderno, ao se aliar com novas concepções, quando apoiou o
governo FHC.
O Partido do Movimento Democrático Brasileiro é um dos mais antigos do País.
Sua fundação ocorreu durante o regime autoritário e teve suas raízes no antigo Movimento
Democrático Brasileiro, o MDB. Desde o seu surgimento, teve caráter oposicionista, o que
possibilitou agregar dentro dele as mais diversas matrizes ideológicas, como o MR8, o PCB
e o PC do B, todos em busca da restauração do processo democrático.
Divergências internas no MDB possibilitaram a criação do PMDB. Os partidários se
dividiam entre os que defendiam uma atitude mais moderada com relação ao regime
autoritário e os que pregavam uma resistência mais agressiva contra o governo e suas
políticas governamentais. Com a reforma partidária de 1979, que restituiu o sistema
pluripartidário, os mais radicais do MDB o reformaram e assumiram a legenda do PMDB.
Apesar dessa reforma, a associação partidária continuou por muito tempo sendo o maior
grêmio político de esquerda do Brasil.
O PMDB também foi um dos articuladores das Diretas, movimento em prol das
eleições diretas a presidente da República, e da campanha de Tancredo Neves à
Presidência. O Partido é, sem dúvida, um dos grandes defensores da democracia no País e
em sua trajetória se destaca pela luta e defesa dos direitos democráticos.
O PMDB, partido de oposição, se confronta com o partido do governo e crescem as
divergências internas. Se durante muito tempo lutou pelo retorno da democracia, quando
isso ocorre, o partido passa a enfrentar novos desafios, fazer parte do governo.
Divergências internas marcaram o período Sarney, quando o partido apresentava um
comportamento ora de governo, ora de oposição. Alguns peemedebistas pregavam sua
independência em relação ao Governo Federal. Essa idéia foi posta em pauta em uma
reunião da Comissão Executiva do Diretório Nacional. Os partidários alegavam não se
sentirem representados pelos companheiros de partido que compunham os cargos federais.
Apesar de no final da reunião a reivindicação ter sido aprovada, o PMDB continuou
apoiando e fazendo parte do governo. Outros fatos ocorreram durante a trajetória do Partido
que levaram em vários momentos a aflorar as divergências internas, o que culminou na sua
cisão e na criação do PSDB.
240
Episódios como esse não se constituem em novidade na trajetória peemedebista, povoada de constantes divergências internas. Contudo, com o fim do regime autoritário e do período de transição, tornou-se mais difícil administrar tais conflitos, ou pelo menos estes adquiriram uma outra dinâmica. Não havia mais o catalisador – representado pela defesa da democratização do país – que viabilizou a convivência das diferentes correntes dentro do partido. (IDEM:157).
Exemplo mais recente dessas divergências ocorreu durante as últimas eleições
presidenciais, quando, mesmo não fazendo um apoio declarado, uma parcela do Partido
apoiava a candidatura de Luis Inácio da Silva, enquanto outra mantinha a mesma posição
daquela praticada durante todo o governo FHC, ao apoiar a candidatura de José Serra.
O PMDB vem, ao longo de todos esses anos, reafirmando sua atitude ideológica,
defendendo idéias de cunho nacionalista e políticas de desenvolvimento para a diminuição
das desigualdades sociais. Em um documento de 1994, intitulado Democracia com
Desenvolvimento: novo programa doutrinários do PMDB, este reafirma os seus princípios
e traça outras diretrizes. Dividido em quatro capítulos, o documento aborda questões de
ordem político-partidária, desenvolvimento econômico e problemas sociais.
Este Novo Programa Doutrinário do PMDB, elaborado de forma concisa e objetiva, identifica na defasagem entre poder político democrático e política econômica efetivamente praticada o grande problema a superar. O desafio está em como construir a saída para a crise e em como superar os problemas estruturais que tornam a situação presente, especialmente em relação a emprego e salário, inaceitável, em face da atrofia do mercado interno, do baixo investimento, da insegurança quanto ao futuro da economia e da inflação. Desenvolvimento é a palavra-síntese para superar este desafio. Desenvolvimento econômico, social, político e cultural. Expandir nossa capacidade produtiva e convertê-la em bem-estar para a maioria da população, com crescente controle popular sob os destinos do País33.
Esse documento revela a preocupação do Partido diante de novos desafios e o seu
posicionamento frente a questões de ordem econômica, política e social.
33 Trecho retirado do documento do Partido, acima referido.
241
Outro partido importante para o nosso estudo é o Partido da Socialdemocracia
Brasileira, PSDB. Fundado em 25 de junho de 1988, constituiu-se politicamente, em
especial, com políticos dissidentes do PMDB. Eram membros do PMDB que, descontentes
com as posições tomadas pelo Partido frente à elaboração da Constituição, e com o rumo
que tomava o governo Sarney, resolveram deixá-lo e fundar outro com características da
socialdemocracia. Nomes importantes para o PMDB, como os dos então senadores
Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, ambos de São Paulo, do ex-governador de São
Paulo, Franco Montoro, e dos então deputados José Serra (SP) e Pimenta da Veiga (MG)
encabeçaram a lista dos dissidentes e, que posteriormente, fizeram parte da cúpula do novo
partido. Todos os nomes ora citados foram atuantes durante todo o processo de
redemocratização.
Logo no seu inicio, o PSDB tornou-se o terceiro maior partido do Congresso
Nacional, com 37 deputados federais e 8 senadores. Na primeira eleição a que concorreu o
partido, este conseguiu eleger 18 prefeitos e 214 vereadores. Também teve participação
importante nas eleições presidenciais de 1989, quando o seu candidato à Presidência, o
senador Mário Covas, obteve o quarto lugar no primeiro turno. Já no segundo turno, o
Partido resolveu apoiar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva.
Nas eleições seguintes, o PSDB já podia ser considerado como partido forte e com
uma base de apoio cada vez mais ampla, contando com a participação de importantes
lideranças nordestinas. Foram eleitos 38 deputados federais, 67 deputados estaduais, 9
senadores e um governador - Ciro Gomes, no Ceará.
Durante o Governo Collor, o PSDB foi por diversas vezes convidado a participar do
governo mas a sua executiva sempre votou contra a essa participação, pois considerava esse
governo contrário aos princípios da socialdemocracia, pelos quais o partido se orientava.
Após o impeachment de Collor e com o governo do presidente Itamar Franco, o partido se
sentiu mais à vontade para participar do quadro executivo do governo. Convergências
políticas possibilitavam essa participação. A grande contribuição se deu na área econômica,
com a elaboração do Plano Real, pelo tucano Fernando Henrique Cardoso e sua equipe.
O Plano Real, além de servir para a estabilização da moeda, foi também vitrine para
a campanha de Fernando Henrique à Presidência da República em 1994. Com uma
trajetória política muito curta como partido político, o PSDB assumiu em 1995 o cargo
242
mais importante do País - o de presidente da República. Conseguiu a sua reeleição em
1998, permanecendo no poder por oito anos.
Marcado também pelas transformações políticas-sociais ocorridas no País nos anos
1970 e 1980, o Partido dos Trabalhadores teve em sua trajetória política o envolvimento
com as lutas sociais. Fundado em outubro de 1979, originou-se dos movimentos sociais que
buscavam o fim do regime autoritário e reivindicavam melhoria das condições de vida para
a população. Lutavam pela ampliação dos direitos trabalhistas, melhorias no setor de saúde
e educação e saneamento básico, necessidades básicas, bem como por direitos políticos.
Considerado como um partido classista, o PT surgiu para organizar os
trabalhadores, dando-lhes representatividade política. Sua base vinha do movimento
sindical que durante toda a década de 1970 foi importante na luta pelos direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais. Bem organizados, esses sindicatos pressionavam o governo
de forma a obter conquistas importantes para os trabalhadores. Destaca-se nesse período o
papel importante dos sindicatos dos metalúrgicos do ABC Paulista, o maior pólo industrial
do País. Esse sindicato obteve fama nacional pelas várias manifestações que promovia e
pelo grau de mobilização que alcançava.
Membros de vários sindicatos de trabalhadores achavam que por si os sindicatos
não conseguiam diminuir as diferenças de classes históricas no País. Era preciso que os
trabalhadores se organizassem melhor, de forma que pudessem defender os seus direitos
não somente no chão da fábrica em negociação direta com os empresários, mas que os seus
direitos fossem levados às esferas governamentais e ampliados para a classe trabalhadora
como um todo. Daí a necessidade de se criar um partido para os trabalhadores com
representatividade procedente dos sindicatos atuantes e outras entidades que lutavam pelos
direitos sociais.
Desde a divulgação dessa idéia, existiu certa divisão de opiniões. Tanto os partidos
de esquerda quanto os de direita, e mesmo o movimento sindical, divergiam sobre a criação
de um partido somente para os trabalhadores, principalmente porque já existia um partido
forte de oposição, o MDB.
(...) o aparecimento e a consolidação do PT contrariou as expectativas de lideranças localizadas à direita, ao centro e a esquerda do espectro político. Pela esquerda e o centro, ele foi visto como um “divisor das oposições” que segundo concebiam, deveriam manter-se unidas num único partido. Para a direita,
243
albergada no interior do Estado autoritário e gestora da reforma político-eleitoral de 1979 – voltada para o enfraquecimento dos movimentos democratizantes e para a obtenção de uma sobrevida do regime – o PT, ainda que aceito enquanto possível “divisor das oposi ções”, aparecia, entretanto, em virtude da postura autonomista e antiinstitucional que adotava, como séria ameaça às pretensões do governo de controle sobre a sociedade civil (César, 2002:51).
Segundo Thomas Skidmore, alguns integrantes dos sindicatos tinham muitas
desconfianças do MDB pelo fato de que esse partido recebia apoio do PCB e do PC do B,
contrários à inserção dos sindicatos nas disputas eleitorais, achando que o papel dos
sindicatos deveria se limitar à organização sindical.
O PCB opunha-se fortemente à criação do PT, alegando que Lula e seus sequazes deviam limitar-se à organização sindical. Mas Lula respondia que os trabalhadores jamais poderiam conquistar influência política enquanto não tivessem um partido que falasse ‘exclusivamente’ por eles. (SKDMORE, 1988:430).
Outro ponto das divergências, principalmente dentro do movimento sindical, era o
fato de que o PT serviria como palco para a atuação individual de Lula. O PT já nasceria
com a sombra de um líder forte que encobriria o brilho das concepções socialistas da
agremiação.
Tais divergências não desanimaram os idealizadores do Partido. Realizaram eventos
nos quais a proposta era debatida e com isso foram conseguindo adesões e apoio para a
criação da Entidade. A fundação do PT contou com a participação de vários lideres
importantes do sindicalismo brasileiro, intelectuais e de outras entidades ligadas aos
movimentos sociais.
Fundou-se nesse momento o PT, articulado a partir de propostas lançadas por algumas das mais expressivas lideranças sindicais do período, majoritariamente operárias, mas congregando também número significativo de adeptos originários de movimentos sociais díspares e de extração social diversificada. Na tentativa de construção de um espaço de atuação política autônoma, as lideranças do “novo sindicalismo brasileiro” agiram, na verdade, como força centrípeta sobre os militantes dos demais “novos movimentos sociais”, atraindo -os para a
244
construção de um novo partido político e, portanto, para o espaço da ação política institucionalizada (CÉSAR, 2002:50).
O programa partidário do Partido dos Trabalhadores se pautou pelas concepções
socialistas, levando em consideração a realidade brasileira e suas especificidades.
Crítico das propostas socialistas existentes e já em crise na época de sua fundação, o PT definiu-se, não obstante estes fatos, como um partido classista que, tendo o socialismo como referência, propunha-se organizar politicamente as massas trabalhadoras no país, com vistas à construção de um socialismo adequado às condições da sociedade brasileira (IDEM: 241).
Desde a sua criação, o PT teve a sua base em São Paulo, pelo fato de lá estar situado
o grande pólo industrial do País, MMs também em seu inicio teve grande apoio nas
principais áreas urbanas como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
Por exigência de uma nova lei eleitoral, o Partido teve que apresentar candidatos em todos
os estados da Federação, o que levou o PT a espalhar os seus militantes para todo o país e
com isso disseminar o Partido e suas propostas.
Ao longo de sua trajetória política o PT foi levado a reformular as suas diretrizes. O
Partido da formação hoje carrega novas bandeiras e se diz renovado. Tais bandeiras foram
se incorporando ao programa do partido em razão das necessidades exigidas no campo
político, o que exigiu do PT abandonar idéias iniciais e repensar o partido e sua estratégia
política. Dessa forma foi que em 1992 foi elaborado o Projeto PT 2000, que tinha como
metas:
• Resgatar a imagem do PT como único partido nacionalmente enraizado na
sociedade, especialmente nas camadas populares, com um ideário definido e
programa concreto de ação para o Brasil até o ano 2000;
• Combater o antipetismo, que cresce na mesma proporção do próprio PT;
• Planejar as atividades do Partido até 1999, com atividades e estruturas
profissionais permanentes, evitando as improvisações das campanhas
eleitorais, em que estamos sempre correndo atrás do prejuízo;
245
• Estimular a participação de todos os setores organizados da sociedade nas
instâncias partidárias, promovendo ampla campanha nacional de filiação e
democratizando as deliberações em todos os níveis;
• Reforçar os esquemas de arrecadação financeira do partido, de forma a
permitir a gradativa profissionalização dos quadros e a multiplicação de
diretórios em todo o território nacional;34
Tais propostas foram elaboradas no momento em que o partido tinha a confiança da
vitória nas eleições de 92. Era preciso assumir posicionamentos firmes que ajudassem o
partido a elaborar sua governabilidade. Portanto, a preocupação em consolidar o PT em
plano nacional e mudar a imagem que as pessoas tinham do partido e dos seus políticos, em
especial de Lula, candidato pela segunda vez à Presidência, Lula, na campanha com Collor,
tinha tido sua imagem, bem como a do partido, atacada de forma enfática.
A concretização dessas idéias veio com as viagens de Lula pelos lugares remotos do
país, intitulada de Caravana da Cidadania, que tinham como principal finalidade fazer
chegar a esses lugares as principais idéias do Projeto PT 2000.
A pesar de não obter êxito nas eleições de 1992 e posteriormente nas de 1998, o PT
continuou com a estratégia estabelecida a partir do relatório de 1992. Ampliou os seus
diretórios, consolidou-se como poder administrativo, realizou projetos importantes como o
orçamento participativo em Porto Alegre, os Agentes de Saúde em Icapuí, dentre outros. O
partido mudou a sua imagem diante da população e se consolidou como grêmio de força
nacional. Um reflexo dessa mudança está na imensa votação que obteve nas eleições de
2002, conseguiu chegar ao cargo mais alto do poder no País e ampliou o número de
deputados e governadores.
O PT hoje possui diretório em todo o Território nacional e vem conseguindo ao
longo de todos esses anos ampliar a sua participação nos planos municipal, estadual e
federal. Participou ativamente das primeiras eleições diretas presidenciais do Brasil depois
da retomada do processo democrático. Teve como candidato o ex-metalurgico, ex-
sindicalista e um dos fundadores do partido, Luis Inácio Lula da Silva. Lula foi candidato a
presidente por quatro eleições (1990, 1994,1998 e 2002). Em todas elas levou a disputa 34 DIMENSTEIN, Gilberto e SOUZA, Josias de. A história Real: trama de uma sucessão. Editora Ática. São Paulo, 1994.
246
eleitoral para o segundo turno e conseguiu reunir vários partidos para compor uma base de
apoio a sua candidatura. Venceu as últimas eleições, concorrendo com o candidato apoiado
pelo presidente Fernando Henrique, o tucano José Serra.
O PPS também é uma partido que tem origem em um partido de esquerda atuante na
história política brasileira. Ele surgiu durante o X Congresso do Partido Comunista
Brasileiro, o PCB, realizado em janeiro de 1992. Nesse período, o PCB passava por uma
renovação interna, reflexo do que ocorria no mundo socialista, queda do muro de Berlim e
a derrocada do “socialismo real” no leste europeu. O P artido decidiu que era o momento de
mudanças internas e desde então alterou sua sigla para Partido Popular Socialista – PPS.
Em um balanço, posterior à troca da sigla, foi constatado que o Partido havia incorporado
milhares de filiados e estava organizado em todo o Brasil.
O PPS continuou com sua tradição de partido de oposição e atuou como tal durante
todo o governo Fernando Henrique. Lançou candidato próprio a presidente nas eleições de
1998 e 2002. O candidato era Ciro Gomes, ex-ministro do governo Itamar Franco e ex-
tucano.
O Partido Social Brasileiro tem origem no movimento chamado Esquerda
Democrática. Esse movimento foi fundado por intelectuais e políticos que buscavam
soluções para os problemas sociais através de uma solução socialista. Em abril de 1947,
durante a Segunda Convenção do Partido Esquerda Democrática, se transformou no Partido
Socialista Brasileiro-PSB.
Desde a sua fundação, o PSB traçou uma linha ideológica pautada na
compatibilização entre socialismo e liberdade, em um socialismo democrático. A
participação política do Partido foi intensa em vários momentos importantes da nossa
história. Em seus mais de cinqüenta anos de existência, passou por momentos críticos,
como o período da ditadura militar, que interrompeu o avanço democrático e posicionou
partidos políticos na ilegalidade. No decorrer desses vários processos históricos, o PSB
sempre defendeu seus ideais e se mostrou presente e atuante. Participou da formação das
ligas camponesas e de vários outros movimentos sociais, como os movimentos sindicais, as
Diretas-já e a retomada do processo democrático.
No âmbito da política atual, o Partido tem mantido a sua linha de oposição. Nas
eleições de 2002, lançou a candidatura de Antony Garotinho, ex-governador do Rio de
247
Janeiro. Com a derrota do seu candidato já no primeiro turno, decidiu compor a aliança que
apoiou o candidato Lula no segundo turno.
Os partidos até aqui comentados foram importantes para o pleito de 2002. O fato de
que uma eleição como essa haver possibilitado que partidos com uma tradição histórica
como o PMDM, PSDB, PFL, PT, PSB e PPS lançassem candidatura própria para a
Presidência do País só reafirma a certeza de que a democracia cada vez mais se fortalece.
Todos esses partidos tiveram papel importante na retomada da democracia e se consolidam
como agremiações partidárias portadoras de propostas democráticas.
5 A CAMPANHA ELEITORAL DE 2002
5.1 O contexto do processo eleitoral
O primeiro de janeiro de 2002 chegou trazendo grandes novidades no cenário
político do País. O governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
passava pela sua pior crise desde que assumiu o poder em 1994. Existia uma insatisfação da
população com: o alto índice de desemprego, o aumento da violência, o baixo valor do
salário mínimo, dentre outros aspectos do governo FHC. O cenário econômico não era mais
tão tranqüilo e as expectativas de uma mudança de governo traziam reações negativas ao
mercado, caracterizado por assumir sempre posição pessimista diante de qualquer ameaça
de mudança. As principais manchetes do País refletiam o nervosismo do mercado interno e
externo com relação à possibilidade de um governo de esquerda no poder.
As indefinições e preocupações relativas à sucessão presidencial repercutiram no
Exterior, passando o Brasil a fazer parte da agenda dos noticiários dos americanos,
europeus e latino-americanos. O mundo olhava com interesse o que se passava no Brasil.
Organismos financeiros como o Fundo Monetário Internacional – FMI, também, por
diversas ocasiões durante o período eleitoral, demonstraram preocupação com os rumos da
política econômica e uma possível troca de orientação política.
Dessa forma, o ano começa em um cenário de extremo nervosismo, alimentado
principalmente pela proximidade da eleição presidencial. De fato, porém, podemos afirmar
que todo o processo que culminaria na escolha do novo presidente teve seu inicio bem antes
248
desse momento. As eleições presidenciais de 2002 começaram a ser gestadas ainda em
1998.
Apesar da derrota dois candidatos saíram do pleito de 98 como candidatos fortes
para as eleições de 2002 - Lula e Ciro - ambos pautaram suas candidaturas pela oposição ao
governo FHC, o que os caracterizava como propostas alternativas frente a um governo que
se dizia socialdemocrata e que nos últimos oito anos implantou no País políticas neoliberais
financiadas principalmente pelo Banco Mundial.
Outra possível candidatura surge como alternativa ao país. Em novembro de 2001, o
Partido da Frente Liberal – PFL exibe em rede nacional seu programa partidário. Nele o
partido dá destaque à então governadora do Maranhão Roseana Sarney como exemplo de
uma administração de sucesso do PFL. A repercussão do programa foi tamanha que logo
em seguida a governadora era apontada pela mídia como possível candidata à sucessão
presidencial com forte tendência a ganhar a eleição. O “fenômeno Roseana”, como foi
chamada a pré-candidata, surpreendeu a todos com o seu carisma e aceitação pelas massas.
Seu próprio partido, o PFL, não tinha a dimensão de que tinha nas mãos a chance de
encabeçar a chapa da sucessão de Fernando Henrique, visto que o PFL sempre foi um dos
partidos da base de apoio do governo do PSDB.
A candidatura de Roseana, no entanto, não consegue sobreviver às denúncias de
corrupções que foram feitas ao seu marido e a pré-candidata abandonou o cenário da
disputa eleitoral, o que ocasiona um racha no apoio político do PFL ao PSDB, que insiste
em candidato próprio.
Mesmo superado o episódio Roseana Sarney, o partido do presidente Fernando
Henrique tem pela frente uma disputa interna para resolver. Quadros importantes do
partido, como o então governador do Ceará, Tasso Jereissati, o ministro da educação Paulo
Renato e o ministro da saúde José Serra, são apontados como nomes possíveis para a
sucessão presidencial. Ocorre, então, uma disputa interna no PSDB para a indicação do
nome que iria concorrer às eleições. Apesar de contar com o apoio de uma parcela
importante do partido, Tasso Jereissati perdeu a disputa interna para José Serra, o que gerou
uma divisão no partido e levou o governador do Ceará e seu grupo a apoiarem a
candidatura de Ciro Gomes.
249
Outro candidato, Antonny Garotinho, governador do Rio de Janeiro, surge também
como alternativa ao atual governo. Sua candidatura ia na contramão até do seu partido, o
PSB, que acreditava em uma aliança com o PT de Lula.
Tal cenário demonstra que as eleições que se aproximavam de nada se
assemelhavam com as eleições de 1994 e 1998. Primeiro pelo fato de que em 94, o então
candidato Fernando Henrique Cardoso dominou a cena política pela implementação do
Real e a possibilidade de uma instabilidade econômica capaz de combater a inflação,
problema grave na visão da saciedade brasileira. Já em 98, o cenário era de reeleição e de
otimismo diante de todos os avanços do primeiro governo FHC. Em 2002 já com o governo
mal avaliado e diante de uma nova crise, este perde força e encontra resistência no anseio
por mudanças vivido pela população.
Os media também têm papel fundamental nas diferenças encontradas entre esses
pleitos. Tanto em 94 quanto 98 o papel dos veículos de comunicação foi muito tímido. A
cobertura feita se restringia a comentários e ao acompanhamento da agenda dos candidatos.
No geral seguiam os rumos da candidatura de Fernando Henrique, dando ênfase em 94 ao
sucesso do Plano Real e em 98 na reeleição de FHC e na estabilidade de uma candidatura
que desse continuidade a tudo o foi sendo conquistado. Em 2002, todavia, a mídia logo
percebera o avanço inevitável das candidaturas de oposição, principalmente a do candidato
do PT, o que levaria a uma mudança radical na política nacional. Tais fatos fizeram com
que os media elaborassem uma cobertura mais intensa de toda a campanha.35
Os media então passam a exercer uma cobertura ampla; os telejornais a exibir, além
da agenda diária, entrevistas com os principais candidatos e matérias sobre o quadro
político e econômico do País. Os jornais destacam seções especiais só sobre as eleições e
passam a acompanhar o dia-a ia dos candidatos. A Internet também é um outro veiculo que
permite a ampliação da informação sobre as eleições.
Albino Rubim (2004) identifica três momentos diferente que marcaram as eleições
de 2002: um pré-eleitoral, um eleitoral anterior ao horário eleitoral gratuito e o último, que
tem inicio com o horário eleitoral gratuito no rádio e televisão. Para o autor, esta divisão
35 Vera Chaia levanta alguns motivos para a cobertura massiva dos media nas eleições de 2002. O primeiro motivo seria o fato de que grande parte da população não tinha conhecimento dos candidatos que se apresentavam como mudança ao governo FHC. A exceção nesse caso seria Lula que disputava a sua quarta campanha. O segundo motivo seria a busca da credibilidade dos media na cobertura de campanhas eleitorais.
250
possibilita-nos identificar melhor o papel dos media durante a campanha e a visibilidade
dada por ela para os candidatos.
O primeiro momento diz respeito ao período em que foram acionados os
mecanismos “midiáticos” através dos profissionais de Marketing que potencializaram o uso
da propaganda partidária com intuito de identificar os atores do jogo político. Também
neste período os media começaram a ser utilizados como veículos de uma disputa prévia da
campanha, ocasionando uma visibilidade da política nunca antes registrada em campanhas.
O segundo momento antecede o programa eleitoral gratuito em rede de televisão e
rádio. Neste período, as candidaturas já estavam consolidadas e os media trabalham dando
mais ênfase ao monitoramento diário dessas candidaturas.
No terceiro período, a propaganda gratuita no rádio e na televisão já foi liberada. Os
media passam, então, para uma outra etapa da cobertura das eleições, sendo realizadas
entrevistas e debates com os candidatos.
A campanha de 2002 pode ser avaliada pelo aprofundamento da relação entre
política e os meios de comunicação de massas. Já no primeiro momento, como aponta
Rubim, os partidos se preparam para o enfrentamento nas urnas, assumindo novas posições
de sedução do eleitorado; “velha” campanha, na qual o embate direto com o eleitor não
causa mais os efeitos os efeitos esperados. É preciso, então, assumir “novas” atitudes,
adaptar-se às novas formas se fazer política que passam pela adoção de mecanismos
utilizados pelos meios de comunicação de massas.
Com a possibilidade da utilização de novas tecnologias de produção e reprodução
de imagens e com ampliação dos meios de comunicação, com as emissoras de televisão
chegando em todas as regiões do País, os programas eleitorais na tv ganharam outro status.
A inclusão dos profissionais do Marketing publicitário nas estratégias das campanhas
políticas possibilitou a mudança do formato dos programas eleitorais veiculados nas redes
de televisão.
No Brasil essas mudanças são percebidas já desde 8636, quando os políticos
começaram a investir em campanhas mais elaboradas, com estratégias definidas por
36 No Ceará essas estratégias foram utilizadas pelo candidato Tasso Jereissati já na sua primeira campanha ao governo do Estado em 1988. Tasso montou uma equipe permanente que incluía cientistas políticos, profissionais do Marketing e estrategistas políticos. Os seus programas eleitorais passavam por uma
251
pesquisas de opinião e a utilização de recursos visuais, slogans e vídeosclipes nos
programas que iriam ao ar no horário eleitoral gratuito.
Um exemplo claro dessa nova maneira de se fazer política é a campanha de 89. Mas
do que ninguém, o então candidato Fernando Collor de Melo soube utilizar a mídia e as
novas tecnologias para promoção de sua campanha. Já no inicio do seu mandato de
governador em Alagoas, Fernando Collor conseguiu promover o seu governo com
reportagens de repercussão nacional, como o Globo Repórter sobre a Caça aos Marajás e
uma reportagem de capa na revista Veja sobre o mesmo tema. Durante a campanha
presidencial, Fernando Collor manteve sua aproximação com os media, não somente
construindo alianças com os grandes conglomerados do no país, mas porque também se
mostrava um homem manipulador de sua imagem. Sabia aproveitar bem dos veículos de
comunicação ao seu dispor. Elaborou a imagem de homem jovem, comprometido com o
futuro e contra as forças do atraso. Encampou uma campanha nacional de combate à
corrupção e fazia um tipo esportivo, corajoso e comprometido com os descamisados.
Vestia-se com estremo cuidado, sempre bem barbeado, usando ternos elegantes ou roupas
esportivas. A sua imagem sempre evocava o homem de negócios, o político corajoso e
esportista.
No transcorrer dos anos, podemos notar que cada vez mais os processos eleitorais
estão submetidos às estratégias polícos-midiáticas. A construção da imagem dos candidatos
em 2002 pôde ser sentida já nas primeiras intervenções partidárias na televisão. Os
programas são cada vez mais elaborados e focalizados para atender as expectativas
predeterminadas em pesquisas de opinião que são muitas vezes realizadas antes, durante e
após as aparições dos programas. Tais pesquisas auxiliam na orientação que é dada pelos
especialistas do Marketing para o encaminhamento da campanha. Cada detalhe é
minimamente checado. Demonstra o fato a figura abaixo, onde o “marketeiro” Duda
Mendonça, contratado pelo PT para comandar a campanha do candidato Lula, examina
pessoalmente todos os detalhes da imagem do candidato.
Imagem 1 Preparação de Lula par o programa eleitoral
sondagem de opinião prévia e iriam ao ar caso aprovados pelos eleitores. Essas estratégias foram seguidas desde então, não somente pelos candidatos majoritários.
252
O formato mais moderno e dinâmico dos programas eleitorais chamam a atenção
não só do eleitorado em geral mais também dos media que passam a acompanhar mais de
perto o processo eleitoral de 2002. Mas Rubim (2004) alerta:
(...) a visibilidade, principalmente aquela ensejada pela cobertura jornalística, não se concentra nos programas dos candidatos, na sua trajetória político-partidária, nas suas realizações ou até mesmo no perfil das coligações partidárias e sociais que sustentam as candidaturas, mas se centrou naquilo que supostamente os candidatos gostariam de expor: desde suspeita de corrupção dos candidatos ou seus partidários até alianças consideradas “imorais”.
Talvez a maior novidade na cobertura da mídia nessas eleições tenha sido a nova
posição da cobertura político-eleitoral adotada pele Rede Globo. Diferentemente das outras
eleições, a maior rede de informação do País elaborou uma estrutura nos seus principais
telejornais para o acompanhamento das eleições. A Globo já tinha realizado uma cobertura
intensa nas eleições de 1989, mas não comparada ao aparato que foi mobilizado para o
momento eleitoral de 2002. O Jornal Nacional, por exemplo, realizou entrevistas ao vivo
com os quatro principais candidatos no primeiro turno e repetiu a dose com Serra e Lula no
segundo turno. Além das entrevistas, o maior telejornal do País apresentou várias
reportagens sobre os principais problemas brasileiros, além de matérias sobre cidadania e
eleições.
A cobertura da emissora não se manteve apenas nos telejornais. Os candidatos
participaram também de entrevistas em programas como o Jô onze e meia, além dos
253
debates, algo inédito na emissora. O dia da eleição ganhou atenções especiais, com
chamadas ao vivo de todo o País, mostrando as pesquisas de boca de urna, o dia de cada
candidato e contando com a participação de analistas políticos. A cobertura, porém, não
findou com o encerramento das urnas e a apresentação do candidato vencedor. No dia
seguinte à eleição, já como presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva vai aos estúdios do
Jornal Nacional na Central Globo de Jornalismo para participar ao vivo de todo o jornal.
Imagem 2 Lula no Jornal Nacional
Tal atitude da Rede Globo ensejou em outros veículos a disputa pela informação.
Além da Rede Bandeirantes, tradicional na exibição dos debates políticos, outras emissoras
aderiram a uma cobertura mais intensa das eleições. Essa exposição excessiva dos
candidatos nos media ajudou e muito o eleitor a conhecer melhor os candidatos, além de
garantir circulação maior da informação.
Imagem 3 Cobertura dos media - Serra
254
Imagem 4
Cobertura dos media - Lula
A atitude dos media diante dessa eleição deve ser analisada tendo como base
algumas questões centrais. O cenário de 2002 não permitia mais o que ocorrera nas eleições
de 94 e 98, quando os veículos de comunicação pouco exerceram o seu papel fundamental
de informar, visto que nesses dois momentos havia uma nítida predileção à candidatura de
Fernando Henrique Cardoso. Tal atitude foi alvo das criticas mais severas aos media e ao
seu comportamento diante de fatos importantes que dizem respeito à Nação. No pleito de
2002, aos media não detiveram mais a exclusividade da imagem política. Os próprios
partidos e candidatos se encarregaram de começar a disputa política. Os programas
partidários exibidos no final de 2001 e início de 2002 revelaram a tônica da nova eleição e
pressionaram os principais veículos de comunicação do País a reverem sua posição diante
255
do novo quadro eleitoral. É fato que o interesse dos media se dava mais em desvendar os
bastidores das candidaturas do que por interesse nas propostas políticas.
Os eleitores também tiveram participação em pressionar os veículos de
comunicação a acompanhar o dia-a-dia da campanha. O eleitor está cada vez mais
interessado nas questões políticas. Exemplo disso são a expressiva audiência dos programas
eleitorais gratuitos, bem como as entrevistas e debates com os candidatos exibidos em
várias emissoras. A campanha ganhou as ruas e o público quer cada vez mais ser
informado, mesmo porque hoje ele tem mais acesso à informação, visto que os veículos de
comunicação se ampliaram e estão mais acessíveis. A concorrência à informação também
ajudou nessa ampliação da cobertura das eleições. Não só mais os jornais impressos e os
telejornais possuem a o caráter hegemônico de informar. As revistas semanais alcançaram
um patamar de assinantes expressivo em todo o País e a Internet entrou com força na
corrente contrária dos media oficiais, onde a notícia não possui censura nem restrições.
Será a democratização da informação? Temos dúvidas de que vivemos uma radicalização
democrática da informação, mas o fato é que a notícia consegue circular mais fácil e
rapidamente na sociedade.
5.2 Os principais candidatos
5.2.1 Serra o candidato da “continuidade”
O candidato do PSDB nas eleições presidenciais de 2002 saía de dentro do governo
FHC; era José Serra, amigo pessoal do presidente Fernando Henrique desde os anos 1970,
quando coordenou a sua campanha ao Senado, e um dos seus principais ministros de
Estado, pois estava à frente do Ministério da Saúde desde 1998. Não foi por acaso que FHC
assumiu a defesa do seu ministro à frente do partido e conseguiu à custa de divergências
internas a indicação de Serra à sucessão presidencial. Era o homem que iria dar
continuidade ao projeto político do PSDB.
Nascido em São Paulo, José Serra começou sua carreira política bem jovem, quando
participou do movimento estudantil na Universidade de São Paulo, onde estudava
Engenharia Civil. Aos 21 anos se tornou presidente da União Nacional dos Estudantes –
256
UNE, sendo depois perseguido e exilado pela ditadura militar. Longe do País, Serra
procurou exílio no Chile e depois nos Estados Unidos, onde estudou Economia. De volta ao
Brasil, deu continuidade a sua carreira política: foi membro da Ação Popular – AP
(organização política com base cristã); secretário de Planejamento do governo Franco
Montoro (83/86); deputado federal constituinte eleito pelo PMDB (87/91); deputado federal
eleito pelo PSDB (91/95); senador eleito pelo PSDB (1995/2003); ministro do
Planejamento e Orçamento (95/96) e da Saúde (98/2002) no governo Fernando Henrique
Cardoso.
Considerado por muitos de temperamento forte e centralizador, Serra tem passagens
interessantes da sua vida política. Sua fama de centralizador começou quando assumiu o
cargo de secretário de Planejamento do governo Franco Montoro, em 1983. Neste período,
sua influência era tanta que era considerado mais poderoso dentro do governo do que o
próprio Governador. Outra passagem interessante de sua vida política foi durante o
lançamento do Plano Real, pelo então ministro da Fazenda do governo Itamar, Fernando
Henrique Cardoso. Na ocasião Fernando Henrique Cardoso reuniu o comando tucano –
Serra, Mário Covas, Tasso Jereissati e Ciro Gomes – para falar que faria o Real. Pedia
então o apoio deles, pois seria um plano ousado e arriscado com chances de não funcionar e
por isso precisava de apoio público irrestrito de todos ali. Dentre os presentes somente o
Serra não apoiou de pronto a proposta do Real, chegando a fazer restrições e críticas.
Com a chegada de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, Serra
teve a sua frente o desafio de ajudar a elaborar o governo que iniciava. Primeiramente
assumiu o ministério do Planejamento e em 1998 foi para o Ministério da Saúde, onde teve
o total apoio político e financeiro do Presidente, para que promovesse mudanças
importantes nas políticas de saúde. Seu desempenho foi tão bom que gerou prêmios
internacionais, como o de melhor ministro da Saúde de todos os países em 2001, por sua
atuação no combate ao desvio e desperdiço de recursos financeiros e a quebra de patentes
de medicamentos para doenças graves, como no caso da aids.
Sua candidatura, no entanto, não foi de pronto aceita por alguns setores do PSDB e
por partidos aliados, apesar de seu bom trabalho à frente do Ministério da Saúde. O
primeiro grande embate se deu com o PFL, pois pretensões de levar adiante candidatura de
Roseana Sarney, que vinha ascendendo nas intenções de votos. A desarticulação da
257
campanha de Roseana com nítida influência do tucano gerou uma fratura na aliança política
em entre PSDB e PFL. Outro embate se deu dentro de seu partido, quando Serra é acusado
de trabalhar contra a candidatura de Tasso Jereissati o que originou um mal-estar entre os
tucanos e uma aproximação do Governador do Ceará à candidatura de Ciro Gomes.
Vencidos os primeiros desafios, o candidato da situação precisaria construir sua
imagem mediante a campanha que se iniciava. Tal momento não foi de modo algum
tranqüilo, pois Serra teria que assumir a defesa de um governo mal avaliado pela população
diante de uma crise econômica e social. A grande dificuldade seria como assumir a defesa,
durante a campanha, de um governo que recebia críticas dos adversários políticos baseados
nos baixos indicadores sociais apresentados durante 8 anos de governo Fernando Henrique
Cardoso. A política econômica não detinha o mesmo brilho das duas campanhas de
Fernando Henrique Cardoso, o que agrava a situação. Para contornar, Serra resolveu não
“assumir” tão claramente nos seus programas de televisão e nos seus pronunciamentos e
entrevistas uma defesa ou mesmo menção ao governo e à figura do Presidente.
Tal estratégia revelou-se frágil diante dos argumentos de seus adversários e diante
até da própria população, que o identificava como sendo o candidato do Planalto. Sua
candidatura passou muito tempo tentando resolver o problema da identidade do candidato
com o governo Fernando Henrique Cardoso. Por isso sofreu inúmeros ataques de seus
adversários, principalmente de Ciro e Garotinho, que o responsabilizavam, assim como o
governo do qual fez parte e que “negava” todos os problemas sociais, econômicos e
políticos que o País estava vivenciando.
Apesar de sua boa base argumentativa, Serra se vê obrigado a partir para o ataque.
Tal estratégia é noticiada pelos media como, por exemplo, a revista Isto É, que traz na capa
a foto do candidato Serra fazendo o V da vitória e com o título: A reação de Serra. O
candidato tucano bate em Ciro Gomes na tevê, cresce nas pesquisas, mas o mercado
continua nervoso. 37
Como noticia a revista, após constantes ataques ao candidato Ciro Gomes em seus
programas eleitorais, Serra apresenta uma reação que se reflete nas pesquisas de intenção
de voto. Em pesquisa realizada pelo IBOPE entre os dias 17 e 19 de agosto de 2002, Serra
detinha 11% das intenções de voto, o que o deixava empatado em terceiro lugar com
37 Capa da revista Isto É de 04 de setembro de 2002.
258
Garotinho. Na pesquisa seguinte38 e após a nova estratégia de ataque, o candidato salta dos
11% anteriores para 17% pontos percentuais, o que significa uma subida expressiva de 05
pontos, o que lhe garante um inicio de reação que o levaria ao segundo turno com o
candidato do PT.
Também Lula é alvo dos ataques políticos de Serra que alardeia o despreparo do seu
principal opositor em questões de gestão pública. Desconfia das intenções e da mudança de
posição política do candidato do PT e de seu partido. Utiliza-se de artistas conhecidos da
grande massa para difundir mensagens como o medo. Caso que teve grande repercussão foi
a utilização da imagem da artista “global” Regina Duarte, com um discurso teatral sobre o
seu sentimento de medo causado pela possibilidade do Lula ganhar as eleições.
Tais jogadas políticas de desqualificação dos opositores não melhoraram a imagem
nem os problemas de identidade do candidato, como analisa Antônio Fausto Neto
(2002:81);
À procura de um perfil, a campanha de Serra não conseguiu criar uma marca para ele, com outro tempo, com outra “sintaxe” (...) Competente no argumento, afeito ao debate parlamentar, Serra é um candidato mais adequado para a dimensão simbólica, diria lingüística, da economia midiática, do que para a “economia do contato”. Sua chegada à candidatura, lhe vale muitas rejeições e este capital teve que ser enfrentado, sem êxitos, somado ao cenário de crise; a bem preparada campanha dos adversários, a sua imagem de um guerreiro perdido, agressivo, diferente do parlamentar convincente, argumentativo de idéias claras, e sempre preparado para o debate. Se quis colocar seus adversários em condição de suspeições, não se livrou, porém com seus ataques, da figura de alguém que passa por cima, sem escrúpulos quando quer chegar em algum lugar.
Serra, como afirma o autor, não conseguiu adequar a sua imagem sisuda a
exigências de uma campanha política pautada nos moldes “midiáticos”. Apesar de trabalhar
com Nizan Guaneas um dos maiores nomes do Marketing político do País, que trabalhou a
imagem de Roseana Sarney pré-candidata, o Marketing não reuniu forças suficientes para
obter nas urnas o resultado esperado. Os programas de Serra foram bem estruturados, com a
38 Pesquisa realizada pelo IBOPE entre os dias 24 a 26 de agosto de 2002.
259
presença constante de atores globais e com a presença quase diária do apresentador
dominical do SBT Gugu Liberato, além de artistas como Chitãozinho e Chororó, Elba
Ramalho e KLB. 39
Imagem 5 Gugu Liberato
Imagem 6 Artistas na campanha de Serra
Dinâmico e com músicas de fácil memorização, o programa era feito em um
formato que permitia um certo escamoteamento das fragilidades da imagem do candidato
em termos “midiáticos”. Apesar do prepa ro para as questões públicas, da polidez da sua
fala, e da competência sempre lembrada e do bem elaborado programa eleitoral, Serra,
dentre os quatro principais candidatos, era o que menos possuía carisma e empatia com o
“público” eleitor.
5.2.2 Lula, a esperança
Luis Inácio Lula da Silva, sem dúvidas era o mais conhecido entre os candidatos
que concorreriam as eleições presidenciais de 2002. Veterano nas disputas eleitorais, Lula,
como é mais conhecido, veio de uma família humilde e imigrante. Nordestino, foi para São
Paulo ainda pequeno. Não estudou muito, logo foi trabalhar, passando por várias profissões
até se tornar metalúrgico. Nesse período, engajou-se na lutas dos operários passando, a ser
membro importante para o sindicalismo nacional. Criou, em conjunto com intelectuais,
sindicalistas e políticos o Partido dos Trabalhadores. 39 Esses artistas são considerados aglutinadores de massa. No que diz respeito a Chitãozinho e Chororó atinge público do interior do País; no caso da Elba, uma classe mais elitizada da sociedade, apesar de fazer um grande sucesso entre o chamado povão. Já o público do KLB está entre os adolescentes.
260
Sua trajetória de luta política o levou a disputar as eleições presidenciais de 1990
com grandes chances de vitória, mas o medo do PT, o receio do socialismo e o temor do
próprio Lula determinaram a tônica da campanha, fazendo com que toda ela fosse voltada
para a desqualificação do candidato. Frases como o comunista amigo de Fidel, o analfabeto,
críticas à sua aparência, barba grande, roupas de operário, fala ofensiva, baixa escolaridade
e idéias pouco convencionais sobre política levantadas com ênfase por seus adversários e
difundidas pelos media levaram uma grande parcela da população a criar um sentimento
anti-Lula e anti-pt.
Imagem 7 O Lula sindicalista
O Partido dos Trabalhadores tinha no seu epicentro um grupo de jovens intelectuais
vindos da luta contra a ditadura, ex-militantes da esquerda perseguida durante o período da
repressão militar, muitos deles vindos do exílio. O próprio Lula, como Presidente do
sindicato dos metalúrgicos foi preso e teve seus direitos políticos caçados.
Com a reabertura política e anistia para os exilados políticos surgem com força
várias manifestações para a redemocratização à realização de eleições diretas para a
presidência da República. Lula atuou diretamente no movimento das Diretas-Já. Foi eleito
deputado em 1986 ajudando a elaborar a nova Constituição.
261
Mesmo com todo seu histórico de luta sindical e sua atuação no processo de
redemocratização do Brasil, Lula e o PT não conseguiram romper com o sentimento de
desconfiança e preconceito. Suas idéias, seu projeto político e sua trajetória de vida
atingiam a classe intelectual, mas a grande massa da população via-se presa à imagem
passada pela classe dominante e durante três eleições seguidas não conseguiu chegar ao
poder.
A experiência ganha nessas três eleições fez com que fossem revistas as diretrizes
do partido. O PT queria chegar ao poder, já tinha conseguido isso em algumas cidades,
assumindo prefeituras. Era preciso, então, combater esse sentimento negativo, essa antipatia
da população brasileira.
Medidas políticas foram tomadas. O PT saiu em campo, realizou caravanas por todo
o País. Preparou debates, seminários e se organizou em lugares até então não acessíveis a
sua militância. A sua imagem como partido também foi trabalhada. A idéia de partido
baderneiro, causador de confusão, comunista, foi retrabalhada para um partido atuante, com
políticos sérios e honestos. As administrações petistas começaram a ter repercussão
nacional, pela seriedade com que tratavam das questões de saúde e educação. O orçamento
participativo em Porto Alegre alcançou resultados positivos e serviu como exemplo para ser
seguido em várias outras cidades.
Mudanças também foram sentidas no formato dos programas do partido para a tv.
Desde a eleição de 94, o partido optou por trabalhar com profissionais do Marketing. Os
resultados dessa adesão foram programas mais elaborados, limpos de imagens e das cores
fortes. A imagem de Lula foi suavizada, ele começou a aparecer com a barba bem feita,
cabelo bem cortado e penteado, e usando ternos; figurino totalmente modificado se
comparado com os tempos do movimento sindical e das greves no ABC paulista. O
vermelho, cor-símbolo do partido, foi mantida, mas de forma menos predominante, sendo
suavizada pelo branco, o verde e o azul. É possível sempre ver Lula vestido em ternos
escuros com gravatas vermelhas, ou mesmo com um discreto botoon do partido.
262
Imagem 8 Lula 2002, o cuidado com a aparência
Em seu artigo intitulado As imagens de Lula Presidente, Antônio Albino Canelas
Rubim enfatiza que as mudanças ocorridas na imagem do candidato Lula nas eleições de
263
2002 não foram mera produção publicitária, mas reflexo das mudanças internas do Partido
dos Trabalhadores.
Tais imagens foram tratadas pelo Marketing de forma a inverter a imagem
produzida até então do Lula e do PT. A reconstrução dessa imagem não foi algo somente
“mídiatico”, uma roupagem pa ra a época de campanha, mas uma necessidade de fazer
visíveis características do homem político utilizadas em outras campanhas de forma
negativa.
Partindo de uma leitura interpretativa do senso comum, podemos atribuir a essas
imagens uma visão de um homem do povo, humilde, semi-analfabeto, feio, obstinado,
radical.
Durante a campanha de 90, todas essas características de Lula foram utilizadas de
modo a desqualificá-lo. Em confronto direto com a imagem do Collor, Lula era o sapo
diante do príncipe, o ignorante diante do culto, o comunista radical diante do homem que
lutava em nome dos descamisados. Numa interpretação da Doxa todas essas características
do candidato Lula levavam à discussão sobre o caráter, a competência e até a capacidade
intelectual do candidato para governar. Foi estabelecida uma relação negativa entre o
homem e sua trajetória política, o que levava a desqualificar a sua atuação nas lutas
sindicais, e na formulação de um partido de esquerda. Os media estiveram presentes na
construção dessa imagem, valendo lembrar a atuação das Organizações Globo e seu apoio
explicito à candidatura de Collor.
Nas duas outras eleições disputadas, em 94 e em 98, Lula também foi alvo das
mesmas investidas desqualificantes, quando concorreu com o sociólogo Fernando Henrique
Cardoso as eleições presidenciais, porém não com o mesmo êxito da campanha contra
Collor. Entre os fatores pelos quais os argumentos não encontraram sustentação está a
mudança conjuntural desde a eleição de 1990 e o fato de que tais argumentos não
condiziam com a realidade. Lula não era mais o semi-analfabeto e sua experiência política
o qualificava para o embate eleitoral e uma possível vitória. Ele teve o cuidado de se
qualificar, estudou, correu o Brasil durante as campanhas e na época das caravanas, indo a
todos os lugares deste País. Também realizou viagens a diversos países da Europa e aos
Estados Unidos, entre outros. Virou personalidade intrigante, alvo das mais duras críticas e
de muita curiosidade. Participou de eventos nacionais e internacionais onde discutia suas
264
idéias sempre com clareza e determinação, mesmo para um público no qual não gerava
nenhuma simpatia ou segurança. A base intelectual que lhe faltou, por não ter freqüentado a
universidade, foi suprida pelo espírito extremamente inteligente e perspicaz do político nato
e do homem humilde acostumado a vencer as adversidades.
Imagem 9 Lula e a mídia
As imagens obtidas em tempos de militância sindical mostram um Lula barbado de
camisa de meia, quase sempre no meio dos trabalhadores nas greves do ABC. Em outras
imagens, vemos o mesmo Lula ao lado de companheiros que formavam a cúpula do PT.
A contraposição dessas duas imagens foi ressaltada na última campanha de forma
positiva. A inversão da polaridade dessas imagens ocorre pela necessidade de mostrar esse
novo Lula, que não é outro, mas que não é mais o mesmo. O papel do Marketing não foi o
de criar uma imagem, mais de resgatá-la e retrabalhá-la, de forma que a história política do
candidato tivesse um sentido simbólico de luta política e compromisso com o povo.
265
A racionalidade desse novo discurso leva em conta as alterações reais vivenciadas
pelo candidato. A justificação de tais mudanças, todavia, utiliza-se de uma argumentação
distinta. A compreensão das mudanças ocorridas varia em função de ser uma mídia a favor
ou contra o candidato. As mudanças políticas e suas implicações frente às alterações em
âmbito internacional passam a ser utilizadas de forma favorável ou desfavorável.
A propaganda do candidato trabalha a imagem de um Lula que prefere o embate de
idéias à desqualificação política. A tônica de seu projeto político e programa eleitoral foi a
da análise da situação brasileira e das formas de superação dos seus grandes problemas;
tudo acompanhado de apresentações musicais e jingles. Outro ponto enfatizado por sua
propaganda era o da competência. O cenário da abertura de seus programas mostrava a
equipe montada para pensar um programa de governo. O processo de unificação buscou
com eficiência associar o nome do candidato ao dos intelectuais apresentados no programa.
A proposta era fazer chegar ao eleitor a competência técnica envolvida em todas as
propostas lançadas durante a campanha; nomes importantes do partido, técnicos de renome
e intelectuais conceituados desfilavam pelo vídeo diariamente.
A construção simbólica do programa eleitoral do candidato Lula, em formato que
foi produzido, rebatia as críticas ora mencionadas e originava novas formas simbólicas com
elementos racionais para o discurso político ali situado.
Quando a revista Isto é diz que Lula não assusta mais, na verdade, trata-se mais de
um processo de desqualificação, discurso de natureza predominantemente ideológica, do
que a tentativa de entender as mudanças e rupturas vivenciadas pelo Partido e pelo
candidato. O embate vivido pelos media do discurso da esperança se contrapondo ao
discurso do medo traduz um embate entre o entendimento das mudanças acontecidas e as
que foram meramente utilizadas ideologicamente.
5.2.3 Ciro, o polêmico
Considerado o candidato mais polêmico das eleições presidenciais de 2002, Ciro
Ferreira Gomes, da coligação Frente Trabalhista (PPS, PDT e PTB) é um político
experiente. No seu currículo estão: a Prefeitura de Fortaleza em 1989; o governo do Estado
do Ceará em 1991; o Ministério da Fazenda, do governo Itamar Franco, em 1994; além de
266
duas tentativas de chegar à Presidência da República, a primeira em 1998 e a segunda nas
eleições aqui analisadas (2002).
De temperamento forte, é considerado um “h omem sem papas na língua”. Várias de
suas frases tornaram-se famosas por caracterizarem ora um momento político ora embates
com adversários. Também sofreu, porém, inúmeras críticas pela sua “língua solta”.
Algumas vezes o que falava se voltava contra ele e prejudicava sua imagem como político.
Orador competente, Ciro sabe lidar com as palavras. Em sua fala, sempre aparenta
tranqüilidade e personalidade quando inquirido. Seu aparente conhecimento de causa nas
questões políticas se dá pelo fato de sua argumentação estar sempre pautada em dados e
números estatísticos. Por vezes arrogante, Ciro foi muitas vezes comparado com Fernando
Collor de Mello. A comparação com o ex-presidente se dava pelo fato de ambos
apresentarem posições radicais ao criticarem seus adversários, serem muito jovens,
possuírem uma tradição política apoiadas por grupos tradicionais em seus estados (Collor
em Alagoas e Ciro no Ceará) e saberem lidar muito bem com sua imagem. Tal comparação
sempre irritou muito o candidato, que não apoiou Collor e sempre foi um crítico do seu
governo.
Dde fato Ciro Gomes, apresenta um caminho político interessante. Descendente de
uma linhagem de políticos começou na carreira política ainda na Faculdade de Direito. Foi
deputado pelo antigo PDS em 1983, ocasião em que conheceu o empresário e então
presidente do Centro Industrial do Ceará, Tasso Jeressati. Começava aí uma amizade que
perdura até os tempos atuais.
Quando governador do Estado do Ceará, Tasso pôde contar com o apoio do
deputado Ciro, já no PMDB, que passou a ser o líder do governo na Assembléia
Legislativa. Em 1986, foi eleito prefeito de Fortaleza com o apoio político de Tasso e logo
em seguida (1990) foi para o governo do Estado como sucessor de Tasso para continuar
promovendo as ações iniciadas pelo chamado “Governo das Mudanças”. Nesse período, já
estava filiado ao PSDB. Assim como na Prefeitura de Fortaleza Ciro não chega ao fim do
mandato. Em 1994 foi indicado pelo presidente Itamar Franco para assumir o Ministério da
Fazenda e tentar resolver a crise política instaurada pelo ministro Rubens Ricupero40, a
40 Em setembro de 1994, o então ministro Rubens Ricupero havia sido flagrado por câmeras e microfones em um programa de TV dizendo que para beneficiar seu candidato, o governo escondia as coisas ruins que
267
quem substituía, e consolidar o Plano Real. O êxito na sua administração no Ministério
ajudou a eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência em 1994.
Em 1997, resolveu ingressar no PPS depois de várias divergências pessoais do
partido, principalmente José Serra e Fernando Henrique Cardoso. No ano seguinte
candidatou-se pela primeira vez à Presidência, acabando a disputa em terceiro lugar com
11% dos votos, o que o encorajou a prosseguir como candidato para as eleições de 2002.
Apesar de ter menos tempo de programa eleitoral no rádio e televisão e de não
contar com o mesmo aparato “midiático” que os candidatos Serra e Lula, Ciro começou
bem a disputa eleitoral de 2002. Soube aproveitar bem os frutos da última disputa eleitoral
onde o seu nome passou a ser melhor conhecido em todo o País, chegando a ficar a frente
do candidato do PT em pesquisa realizada no mês de agosto encomendada pela revista Isto
É41. Na pesquisa, Ciro aparece com 34,3% das intenções de votos contra 33,6% de Lula e
contra 13,8% de Serra. É justo lembrar que tais índices são anteriores ao inicio do horário
eleitoral gratuito, mas que já dão uma indicação de como seria a disputa da imagem.42
O seu programa deveria ter como prioridade exaltar atributos do candidato já
evidentes para a população, como um homem capaz de governar; preparado para o cargo; e
com visão de futuro. Também seria explorada a imagem do intelectual e homem de família,
bem como de sua esposa, a atriz Patrícia Pillar, figura presente em comícios, passeatas e
programas eleitorais. Patrícia iria também a ajudar a amenizar a imagem do homem rude e
grosseiro que por vezes se atribuía ao candidato. Segundo reportagem da revista Isto É, a
história trágica do câncer de patrícia Pillar também ajuda. A idéia de que o marido
“abandonou tudo para ficar ao lado da amada” emociona o eleitor, principalmente num país
onde o público e o privado se confundem até na política.43
aconteciam na economia. Tal evento gerou uma crise no governo, que deveria ser contornada em razão da proximidade das eleições de 1994. 41 A revista Isto É durante a campanha realiza várias pesquisas encomendadas ao Instituto Toledo & Associados. Tal pesquisa foi divulgada no dia 7 de agosto de 2002. 42 Um fato responsável pela queda da preferência eleitoral foi a campanha desqualificante do candidato Serra, destacando as incoerências das falas do candidato. A televisão e o rádio apresentavam a fala atual e logo após sua fala em situações anteriores que negavam a veracidade das mesmas. 43 Reportagem assinada pelos jornalistas Inês Garçoni e Weiller Diniz intitulada Ciro Furacão publicada na isto É no dia 31 de julho de 2002.
268
Imagem 10 Patrícia Pillar na campanha
Polêmico também com a imprensa, o candidato Ciro Gomes foi protagonista de
inúmeros atritos com os meios de comunicação de massa. Lembramos aqui do episódio da
entrevista à revista Época, quando o candidato se dizia perseguido pela revista e em vários
momentos da entrevista deixou bem clara a sua insatisfação com as perguntas feitas pelos
jornalistas. A revista publicou na integra a entrevista, dando ênfase às respostas agressivas
do candidato. Tais fatos justificam a fama do candidato de “pavio curto” e homem
polêmico.
5.2.4 Garotinho, o único com possibilidade de mudar
Encabeçando mais uma candidatura de esquerda estava o governador do Rio de
Janeiro, Anthony William Garotinho Mateheus de Oliveira, pelo PSB. Político astuto, o
candidato se mostrava como a única possibilidade real de mudança, defendendo bandeiras
de cunho nacionalista e populista.
269
Garotinho iniciou sua campanha à Presidência da República ainda em 1999. Na
época, ele tinha 78% da aprovação de sua administração e pousava para a foto de capa da
revista Isto É intitulada “Quero ser presidente”. Tal capa fazia uma associação à foto de
Garotinho no escritório com seu filho brincando no chão e a famosa foto de John Kennedy
e seu filho na sala oval da Casa Branca nos EUA.
Imagem 11 Garotinho na Isto É
Com formação marxista-lenilista, Garotinho inicia sua carreira política no
movimento estudantil. Ajuda a formar o PT no Rio de Janeiro e se torna admirador de Lula.
Em 1983 trocou o PT pelo PDT de Brizola e em 1986 foi eleito o deputado estadual mais
votado do Estado do Rio de Janeiro. Foi eleito duas vezes prefeito da cidade de Campos e
após terminar o primeiro mandato assumiu a Secretaria de Agricultura, Abastecimento e
Pesca do Estado do Rio, a convite do governador Leonel Brizola. Também com o apoio de
270
Brizola, foi eleito governador em 1998 com ampla aliança de esquerda que envolvia o PDT,
o PT, o PSB, o PC do B e o PCB. Já em 2002, disputa a eleição sob nova legenda, o PSB,
depois de constatar a falta de apoio a sua candidatura de partidos como o PDT e o PT.
A administração de Anthony Garotinho à frente do Governo de Estado do Rio foi
marcada por medidas populistas, como os restaurantes populares que vendem refeições a
R$ 1,00 e a distribuição de cheques para complementação de renda para famílias pobres.
Tais medidas, segundo o próprio candidato, revelariam a sua capacidade de colocar as
necessidades do povo como prioridade na sua administração.
Garotinho também sabe muito bem utilizar os veículos de comunicação de massa ao
seu favor. Talvez pelo fato de ter sido durante muito tempo radialista, tenha tanta
intimidade com as câmeras e microfones. 44 Mostrou-se bem à vontade diante de seus
adversários políticos nos debates de que participou, sendo protagonista das mais hilárias
situações quando saía para ao ataque e criava frases de efeito para designar os adversários
ou suas propostas de campanha.
Considerava-se dentro do jogo apesar de ocupar o quarto lugar e se dizia a
alternativa para o País, visto que Serra estava comprometido com o governo FHC, que tinha
promovido o desmonte do estado brasileiro ao entregar o País ao capital estrangeiro; o Ciro
não faria as mudanças necessárias, pois se associara ao PFL de Antonio Carlos Magalhães e
achava; Lula despreparado para o cargo.
Sua imagem era construída em cima da figura do candidato, associando-o a grandes
nomes da política brasileira, como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Sua associação a
tais figuras políticas revela o caráter populista-ideológico de seu discurso que se apropria
da imagem e do que representaram tais políticos para apresentar suas principais propostas
de campanha como, por exemplo, a geração de emprego e renda.
44 Seu apelido de Garotinho vem dessa época.
271
Imagem 12 Garotinho, o político
Imagem 13 Garotinho, o religioso
Também na elaboação da imagem do candidato foram apropriados elementos
religiosos visto que foi utilizada a vinculação de Garotinho e sua família à igreja
evangélica, associando sua imagem à do homem religiosos, pai de família que governaria o
País dentro dos princípios da ética e da moral cristã.
5.3 Os Programas Eleitorais
5.3.1 Programa de Serra
Tempo do Programa:10 minutos
Coligação: PSDB/PMDB
Estrutura
A estrutura dos programas de José Serra era voltada para o enfrentamento à
principal crítica a sua candidatura - a continuidade do governo Fernando Henrique. Com o
estigma do continuísmo, Serra viveu o dilema de se mostrar novo sem que com isso
pudesse abandonar a sua vinculação com o governo que ajudou a formular, e no qual
exerceu papel importante. É possível perceber a estratégia de associação com o governo e
dissociação, quando essa lhe é favorável. A construção simbólica de seus programas está
272
fundada: ora na associação ora na diferenciação com o governo; na apresentação da
imagem de um candidato independente, competente, experiente; e na diferenciação da sua
candidatura com relação às outras.
A associação da candidatura de Serra a ao governo do presidente Fernando
Henrique é explicita, não dá para fugir, mas o candidato tenta deixar claro no seu discurso
que é o candidato da continuidade não do continuísmo. Em uma de suas falas, durante o
horário eleitoral gratuito, o candidato afirma,
Muita gente tem me perguntado qual seria a diferença de um governo meu para o governo do presidente Fernando Henrique. Para ser bem objetivo, a resposta é simples. Há duas áreas onde o meu governo vai ser totalmente diferente do atual governo. Essas áreas são, desemprego e o papel do governo federal no combate a violência. Porque isso? No governo Fernando Henrique quem se ocupava da questão do emprego era o ministério do trabalho. No meu governo além do ministério do todos os outros ministérios vão estar voltados para essa questão, que para mim é a questão central de um governante neste momento da vida brasileira. (...) Na questão da violência eu quero dizer que nós vamos mudar a constituição se for necessário e não vamos mudar apenas porque eu queira, não, mais porque o país quer (...) Esses são os dois grandes exemplos de diferenças entre o meu governo e o governo atual. Governo em que eu servi em duas o ocasiões como ministro, governo em relação ao qual eu me orgulho pelas conquistas que teve colocando 98 % das crianças na escola, eliminando doenças importantes e sobretudo pela instabilidade da nossa moeda o real. Olha, cada governante enfrenta desafios e cumpre as tarefas mais urgentes do seu tempo. Como candidato a ser o primeiro presidente eleito nesse novo século eu digo vocês que me sinto preparado para responder os desafios desse novo tempo.
Em sua argumentação, o candidato estabelece as diferenças de um futuro governo
seu com o atual. Da forma como foram apresentadas tais diferenças, fica evidente a
dualidade entre o novo e o antigo. O novo que busca apoio nas ações positivas do antigo
governo mas que procurará atingir melhoras nas áreas em que o governo Fernando
Henrique não obteve bons resultados. Por isso ele vai pautar as diferenças, entre as
administrações, em duas políticas públicas, geração de emprego e segurança pública. Não
por acaso nessas específicas áreas, pois, nos últimos anos de governo Fernando Henrique, o
desemprego alcançou altos índices, o mesmo ocorrendo com a violência. Também essas
273
duas áreas foram responsáveis pela queda na popularidade do governo e do próprio
presidente. Na fala do candidato, no entanto, não é aprofundada a discussão que envolve
tais questões e sua problemática, não entrando em detalhes sobre a condução do governo no
enfrentamento especificamente dessas duas áreas. Dessa forma o candidato não se
compromete, pois não atribui culpas nem faz críticas, mas apenas percebe o problema do
desemprego e da violência como algo conjuntural e retira do seu campo discursivo as
responsabilidades do governo do qual, como afirma, fez parte.
Em um de seus programas, são utilizadas estratégias para enfrentar a discussão do
desemprego no País, deslocando a problemática para uma questão mundial, ou seja, o
discurso do candidato propõe que o problema do desemprego é globalizado e que todas as
nações estão enfrentando as conseqüências de uma recessão e de um desemprego em
massas. Dessa forma, o discurso unifica o específico ao global, pois o Brasil está inserido,
não foge das conseqüências de uma globalização e se assemelha, ao menos nesse aspecto, a
países como os EUA. Para a difusão dessa mensagem, o candidato Serra exibe um
programa especial sobre o primeiro emprego para os jovens. Nesse programa, é feito um
paralelo entre a eleição brasileira e a americana.
Apresentadora:
Nessa eleição no Brasil o grande tema é o emprego, mas para que você jovem entenda o que está acontecendo da uma olhada em qual é o tema mais discutido nas últimas eleições do país mais rico do mundo, os Estados Unidos.
Após essa fala são exibidos comerciais das eleições americanas: Al Gore falando;
trabalhadores nas fábricas; estatísticas sobre desemprego; as palavras trabalho e recessão
escritas em inglês; filas de desempregados; e manchetes de jornais. Tais imagens indicam
que em um país tão rico como os Estados Unidos o desemprego também é um problema
grave e é a principal pauta das discussões políticas nas eleições locais para a sucessão
presidencial. E o programa continua:
Narrador:
O que você está vendo são comerciais das últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos, a maior economia do mundo. O que eles estão discutindo? Emprego. Agora, comerciais das eleições a prefeito de Nova York a mais importante cidade do
274
mundo. O que eles estão discutindo? Emprego. Texas a terra do petróleo um dos Estados americanos mais ricos. O que os candidatos a governador estão discutindo? Emprego. O problema do emprego hoje é mundial. Jovens do mundo inteiro estão preocupados com o emprego.
Em conjunto com as falas, aparecem imagens de jovens de várias nacionalidades
falando a palavra trabalho em sua língua de origem, o que ajuda a implementar a idéia de
que o desemprego é um problema global. A seqüência das falas e imagens desse programa
dão bem a dissimulação empreendida no discurso do candidato, visto que desloca o
problema do desemprego do local, ou seja, de um problema da administração do governo
Fernando Henrique, e o insere em de uma conjuntura global.
Portanto, o programa do Serra estabelece uma referência positiva ao governo do
presidente Fernando Henrique. Realiza uma associação ao que é considerado ponto positivo
do governo e um distanciamento ou deslocamento do que seria negativo. Exemplo claro é a
utilização da imagem do presidente e do seu depoimento com relação ao candidato:
O Brasil vai escolher um novo presidente depois desses 8 anos. O que está em questão não é o que realizamos ou deixamos de realizar, e eu tenho consciência de que fizemos muito, embora tenhamos por fazer. O que está em jogo é o futuro do Brasil. E a eleição é o momento de escolher quem é o mais preparado para ser o próprio presidente da república. Eu apoio José Serra pela competência, experiência e o equilíbrio que ele demonstrou como ministro da saúde e nada fala melhor sobre o seu desempenho, sobre o que ele pode fazer por você do que José Serra ser escolhido pelo Fórum Mundial em 2001 o melhor ministro da saúde de mundo.
Na fala do Presidente, estão alguns elementos importantes para tentar entender o
discurso que permeia todo o programa eleitoral do candidato Serra. O primeiro confirma a
análise feita anteriormente da aproximação de idéias e projetos, unificando as propostas do
candidato com as ações do governo e um deslocamento do candidato às questões mais
sensíveis e passíveis de críticas. O segundo elemento é a adjetivação do candidato, sendo
em vários momentos levantada a bandeira da competência, da experiência e da seriedade e
luta constante pelos direitos sociais. O terceiro elemento é o da bandeira da mudança com
responsabilidade, que também é utilizada como adjetivo do candidato.
275
A experiência e a competência são vinculadas principalmente à atuação do
candidato enquanto Ministro da Saúde no governo Fernando Henrique e são expressas em
vários momentos durante o programa: na abertura; nos slogans; nas músicas; na fala do
candidato; na fala dos apresentadores, dos entrevistados e dos apoiadores de sua
candidatura.
O programa de Serra tinha a participação de dois apresentadores, Gugu Liberato e
Valéria Monteiro. O primeiro é do apresentador de um programa de grande audiência nas
tardes de domingo a outra é jornalista, que durante muito tempo atuou como âncora de
telejornais na rede globo. A presença desses dois apresentadores tinham um sentido de
utilização da imagem de duas pessoas conhecidas do grande público, dando ao programa
um sentido de credibilidade por se tratarem de figuras conhecidas. Tanto que o
apresentador do domingo legal do SBT costumava terminar suas participações com a
seguinte frase:
Eu posso falar, eu acredito nesse homem porque eu vi o que ele fez. (Gugu Liberato).
Gugu Liberato também era o responsável, além das propostas, pela apresentação do
candidato, da sua vida política e suas ações na área da saúde como ministro. Tais
apresentações eram feitas seguindo o mesmo padrão de quadros do seu programa da
televisão, quando da história de vida dos artistas convidados para seu programa. O tom
emocionado da apresentação contribuía para familiarizar a história de vida do candidato
com o eleitor na tentativa de fazer com que este acabasse por se identificar com a história
do candidato.
Já o papel da jornalista era dar um caráter mais profissional, apresentando os dados
das pesquisas, as suas principais propostas de campanha, as entrevistas com os convidados
e apoiadores do candidato e as ações deste como ministro. Na sua fala, também era corrente
a associação das propostas do candidato com o que ele teria desenvolvido à frente do
Ministério da Saúde:
Para gerar os 8 milhões de empregos que o Brasil precisa o homem que fez o programa dos genéricos, fez o programa saúde da família, o programa saúde da mulher, vai realizar se eleito presidente o projeto segunda feira. (Valéria Monteiro)
276
Os slogans associados, as imagens e as músicas-tema da campanha também fazem
referência à experiência do candidato adquirida durante o período em que foi ministro,
reafirmando a mensagem de competência para realizar o que promete.
Slogans:
Dito e Feito Serra sabe o que fazer Serra vai fazer a mudança de que o Brasil precisa O nome da mudança é emprego e o homem para fazer essa mudança é José Serra
Músicas:
O quero-quero cantou na minha janela. Brasil tem esse direito, o que é melhor pra gente. Se José Serra já fez tanto na saúde. É o mais preparado pra ser nosso presidente. Eu quero quero José Serra. É José Serra pra mudar. Com ele não tem lero-lero. Vão ouvindo, eu quero quero. José Serra eu quero já.
Também foram muito utilizadas as participações de artistas, políticos, empresários e
eleitores de Serra nos programas eleitorais. Tais participações tinham um determinado
sentido, formar uma imagem de credibilidade, confiança e respeito do candidato. Podemos
perceber tais intenções nas falas seguintes.
Apoiadores:
Eu vou votar no Serra porque eu tenho uma família que trabalha toda na área da saúde e realmente a gente viu o empenho dele, as mudanças que ele fez e no momento ele, para mim, é o melhor porque se ele fez na área da saúde com certeza ele vai fazer nas outras áreas.
Eleitora de São Paulo
Todo mundo sabe que eu sou uma pessoa sincera que só faço as coisas com o coração. Então, se eu estou apoiando o Serra é porque eu vi as coisas que ele fez, por isso eu acredito nesse homem.
277
Nana Caymi – Cantora
Eu voto no serra pelo magnífico trabalho que ele fez no ministério da saúde. Por sua coragem na quebra de patentes e particularmente por colocar o Brasil como referência internacional no combate a AIDS. Eu acho que é de um homem assim que agente precisa para governar nosso país.
Lucinha Araújo – Mãe do Cazuza
Tais falas representam amostra significativa de como foram inseridas nos programas
eleitorais pessoas como Lucinha Araújo, mãe do cantor Cazuza, que morreu de AIDS, e
que faz um trabalho nacional ajudando a pessoas portadoras do vírus. A fala dela concede
credibilidade ao discurso da competência, que é associado ao trabalho intenso do ministro
José Serra na quebra das patentes dos remédios e no combate à doença. Também a
competência é reafirmada na fala da eleitora, que diz conhecer bem as ações do Ministério
da Saúde no comando do candidato e no depoimento emocionado de Nana Caymi ao falar
do candidato.
5.3.2 Programa de Lula
Tempo do Programa: 05 minutos no primeiro turno e 10 minutos no segundo turno
Coligação: PT/PL/PC do B/PMN/PCB
Estrutura
O programa de Lula presidente foi marcado por cuidadoso trabalho de Marketing
concebido por uma equipe coordenada por Duda Mendonça. Desde o começo, Duda
preferiu conferir a Lula e sua campanha um tom diferente do que até então tinha sido
trabalhado na imagem do candidato nas três eleições em que haviadisputado.
Alguns desafios deveriam ser enfrentados de imediato: primeiro o desgaste da
imagem de Lula, em razão, segundo o “marketeiro”, de medidas errôneas no formato das
campanhas anteriores que contribuíram para divulgar a imagem de um candidato agressivo,
baderneiro, incompetente e semi-analfabeto; segundo, seria retrabalhar a imagem do
próprio PT, partido do candidato, que também era considerado pela grande maioria da
população um partido radical e com “idéias perigosas” para o País, o que colaborava para a
imagem do candidato. O terceiro grande desafio era enfrentar o próprio PT, principalmente
a chamada ala mais radical, e convencer o partido de que as mudanças na imagem e na
278
linguagem dos programas eleitorais eram necessárias para alcançar a vitória nas urnas. Em
entrevista, Duda considera que retirou do próprio candidato as condições necessárias para
realizar com êxito a campanha:
Eu acho que a minha maior vitória nessa campanha é ter deixado o Lula natural. Incentivar ele ir para a televisão sendo ele mesmo. Ele tinha um peso. Era muito fechado, carrancudo. Hoje ele rir, ele brinca. Talvez muito preso a estrutura política do PT. O PT não se comunicava bem. Também ninguém faz tudo direito. Então agora não. Entrou um esquema de comunicação profissional e hoje ficou muito confortável para o Lula porque (...) o que eu me revoltava antes é que eu não via na televisão o Lula que eu via ao vivo nas outras campanhas. O Lula que rir que chora, o Lula que brinca. Então esse é o Lula que eu tive a oportunidade de participar e incentivar que ele fosse para a televisão nessa campanha assim.45
Nesta perspectiva, o programa do candidato Lula foi conduzido de modo a mudar
radicalmente a imagem do presidenciável, realizando para tanto uma série de estratégias
que iam desde o corte de cabelo ao tom da voz do candidato e ao enquadramento na tela.
No quadro abaixo, verificamos algumas estratégias que auxiliaram para retrabalhar a
imagem durante a campanha de 2002.
Quadro 5 Imagens do candidato Lula
Qualidades exploradas
Imagens associadas Sentidos
Competência e
Preparo
• Apresenta-se sempre de terno e gravata quando fala de suas propostas.
• Estar cercado de especialistas.
• Sua candidatura tem o apoio de intelectuais de renome no cenário nacional e que compõem a equipe que ajudou a construir seu plano de governo.
• Na imagem de um homem que mesmo tendo nascido pobre e não ter tido condições de estudar participou na prática da vida política o que lhe uma experiência única.
Experiência • Cenas do movimento sindical.
• Imagens do candidato com vários chefes de estado.
• Quando retoma sua história política desde as lutas no sindicato, na constituinte, fundação e construção do Partido dos Trabalhadores, nas caravanas da cidadania que percorrem todo o país, nas três eleições disputadas.
45 Entrevista concedida por Duda Mendonça durante a cerimônia de posse do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva em 1 de janeiro de 2003 e exibida no documentário O espetáculo Político: um documentário não autorizado sobre a ascensão do PT ao pode,r produzido pela ONG Mídia Independente.
279
chefes de estado.
que percorrem todo o país, nas três eleições disputadas.
Sensibilidade • Ao lado da esposa. • Quando fala da sua
experiência de metalúrgico ou da morte da primeira esposa.
• Nas cenas de riso e que se tornaram freqüente e deram uma ar mais leve ao candidato.
• Nas cenas em que se emociona ao recordar os momentos difíceis por que passou na vida.
• Quando fala da sua experiência de vida de menino pobre e retirante, de metalúrgico, marido e pai de família.
Carisma • Cenas dos comícios em todo o País.
• Sendo abraçado por onde anda.
• Imagens do candidato sorrindo.
• Mostra as diversas manifestações sindicais aonde Lula fala para milhares de trabalhadores.
• Os vários comícios que atraiam multidões nas três eleições disputadas.
• A adesão de grande boa parte de artistas que manifestam publicamente a sua adesão a candidatura de Lula.
Persistência • Imagens que associam a sua história de vida: emigrantes do nordeste que vão para o sul. O movimento sindical.
• Um homem simples que luta por seus ideais e persiste no caminho que segundo ele não escolheu mais foi escolhido.
Consensualidade • A sua atuação no sindicato.
• Imagens suas em reuniões com empresários e trabalhadores
• Imagens de intelectuais, artistas, empresários, trabalhadores, jovens, velhos e crianças.
• Busca ampliar sua base de apoio e consegue aglutinar forças antagônicas para sua candidatura.
• É o candidato da maioria. • O candidato da mudança.
Fonte: Quadro produzido pela autora.
Em um programa especial podemos perceber bem as estratégias de mudança da
imagem do candidato e do partido. Trata-se de um programa para o reaver a história
política de Lula; a maneira de justificar a sua quarta disputa ao cargo de Presidente da
República e a preferência do eleitorado na sua candidatura. O programa mencionado foge
das características dos outros, pois possui um tom emocional que pretende aflorar a
280
lembrança de quem já era eleitor de Lula desde 89 e despertar o interesse de quem está
indeciso em votar pela primeira vez no candidato do PT.
O programa inicia com a uma apresentadora jovem, que convida os eleitores a fazer
uma viagem no tempo. Ela veste uma blusa branca com uma estrela pequena do partido no
peito. Ao fundo vê-se uma estrela vermelha no canto esquerdo do vídeo, sobreposta a cores
claras.
O dia da eleição está chegando. E nesse momento gostaríamos de convidar você para uma viagem no tempo. Uma volta ao passado. Mais precisamente ao ano de 1989. Depois de mais de 29 anos de ditadura o povo comemorava a volta da democracia plena e o direito de escolher de forma livre e soberana o seu presidente da república. E campanha de Luis Inácio Lula da Silva contagia o país de ponta a ponta.
Essa introdução dá a dimensão do que o programa se propõe trazer à tona as
lembranças da história política de um homem que viveu os momentos difíceis da ditadura
militar, contribuiu para a abertura política e participou como candidato da primeira eleição
presidencial após a redemocratização. Em seguida ouve-se a voz de um locutor que narra a
história das eleições de 1989, enquanto Lula aparece em close. Seu olhar não está
direcionado à câmera parece perdido no tempo, perdido nas próprias lembranças. Surgem,
então, imagens em preto-ebranco de uma multidão carregando Lula. Tais imagens sugerem
um momento de recordação que é ao mesmo tempo do candidato e de seus eleitores que o
acompanharam desde a disputa de 89. Associada às imagens está música-tema daquela
campanha que colabora para criar o clima nostálgico da cena.
Pela primeira vez na história do Brasil um líder verdadeiramente popular e um partido formado por trabalhadores, intelectuais, artistas e profissionais liberais competia em pé de igualdade com as forças tradicionais da política brasileira.
Na seqüência aparecem imagens, já coloridas, dos comícios realizados em 89 em
algumas cidades - São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Também aparecem imagens de
artistas cantando a música da campanha de 89. As imagens dos artistas são mescladas com
imagens das multidões com bandeiras vermelhas e brancas. Em seguida, aparecem Lula e
Collor em cenas do debate da Band. Retornam as imagens dos artistas e das multidões.
281
Durante o refrão Olé, olé, olá, Lula, aparecem os cantores Gilberto Gil, Chico Buarque e
Djavan que cantam em um estúdio, mas que na cena puxam o coro dos artistas e depois das
multidões. E o locutor continua,
Eram milhões de pessoas nas ruas em todas as partes do Brasil. Era o sonho de um Brasil livre, justo e soberano mais alegre e mais feliz que contagiava todos. Depois de tantos anos a alegria derrotava o medo. E o Lula Lá soava como um grito de esperança de um novo Brasil atravessado durante tantos anos na garganta do povo brasileiro.
Outro apresentador dá seqüência à narração, lembrando, agora, que mesmo não
tendo sendo eleito Lula não desistiu. Procurou melhorar seus conhecimentos sobre o Brasil
e o mundo. E salienta que o PT nessa fase também se modificou e passou a exercer cargos e
funções administrativas. Nesse momento, podemos observar que são utilizados os
mecanismos de narrativação para dar a entender ao eleitor que tanto Lula quanto o PT
possuem uma história de lutas políticas e que crescem a cada dia, conseguindo eleger
vereadores, deputados, prefeitos, governadores e senadores. Não é mais só um partido de
propostas mas também de participação e de execução.
Mais a história e o destino tem seus caprichos e por pouco o sonho não se tornou realidade. De lá para cá muita coisa aconteceu. Nas duas eleições seguintes apesar de não ter chegado a presidência o PT na parou de crescer acumulando mais experiência política e administrativa. Lula também não parou mais.
Ao término dessa fala, aparece uma seqüência de imagens, mostrando Lula com
chefes de Estado de vários países que são citados no texto a seguir, além do abraço no Papa
João Paulo II e em Nelson Madela. Mostra também Lula discursando na França para uma
platéia que o aplaudia de pé. Tais imagens revelam uma associação do candidato a grandes
líderes mundiais, colocando-o no mesmo nível destes. Existe uma unificação da imagem do
Lula com esses chefes de Estado, revelando que o candidato já mesmo sem ser eleito é uma
figura respeitada fora do País, que pode representar o País em qualquer lugar e em qualquer
ambiente, refutando as críticas de que não é culto, não sabe falar outras línguas e que não
iria ser bem aceito na comunidade internacional, barreiras essas que são desmistificadas nas
imagens que seguem,
282
Viagens, debates e conferências internacionais na França, Alemanha, Portugal, Cuba, Estados Unidos, Rússia, China e Japão deram a Lula uma outra dimensão. Durante todo esse tempo ele acumulou enorme experiência e notável conhecimento.
O mesmo apresentador passa então a discutir o panorama das eleições de 2002,
considerando que tanto Lula quanto o PT já estão maduros suficientemente para governar
um país como o Brasil. Reporta-se às experiências acumuladas do candidato e das
administrações do partido. A associação entre o passado e o presente dá a dimensão de que
o PT e o Lula galgaram a experiência necessária para governar o Brasil.
Hoje Lula e o PT se encontram em outro patamar e é com maturidade e experiência de quem administra com sucesso 186 prefeituras e 5 governos estaduais que Lula e o PT chegam a essa primeira eleição presidencial do século XXI.
Após a fala do apresentador escuta-se a multidão gritando o refrão Olé, olé, olá
Lula-lá e depois uma imagem de Lula visivelmente emocionado. Tem a partir desse
momento uma seqüência de imagens:
• multidões em Salvador e Recife;
• imagem de Lula e a esposa;
• toda a sua equipe da campanha de 2002 aplaudindo de pé Lula, que segura em
uma das mãos o documento do seu programa de governo;
• o discurso inflamado de um jovem que diz: eu sou brasileiro, amo meu país.
Viva São Paulo, viva o Cristo Redentor, viva a Amazônia e viva Luiz Inácio
Lula da Silva;
• lula falando para trabalhadores;
• discursando para militantes do partido;
• todos do partido em pose para foto tendo atrás uma enorme bandeira do Brasil;
• sendo aplaudido de pé por vários artistas; e
• uma paisagem da cidade do Rio tendo ao fundo o Pão-de-Açúcar, onde estão
reunidos vários artistas, a então governadora do rio Benedita da Silva. Lula está
à frente. Alguns seguram estrelas vermelhas e uma bem mais ao centro na frente
do candidato.
283
A apresentação desse programa tem o intuito claro de mexer com as emoções dos
eleitores, realizando através das imagens o que muitos discursos não conseguem: preparar
pela simbologia do que foi dito e mostrado a sensibilidade do eleitor. Tal estratégia serve
como forma de legitimar e consolidar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva.
A exceção do exemplo ora referido, os programas do candidato Lula seguem o
mesmo estilo. A abertura dos programas se dava sempre da mesma forma. Inicia com a
imagem de um escritório com assessores e colaboradores da campanha de Lula, divididos
em várias equipes como se estivessem discutindo sobre as propostas de governo.
Dependendo da temática a ser abordada, o candidato se aproximava de uma determinada
equipe enquanto um locutor anunciava: Atenção Brasil, começa agora o Programa Lula
Presidente. Então o próprio candidato falava sobre qual tema iriam aborda no programa.
Um locutor dava seqüência ao programa, apresentando os especialistas que foram
indicados para trabalhar junto com o candidato as propostas de cada área do seu programa
de governo. A apresentação era feita sempre mostrando a imagem da pessoa e ao lado eram
escritos o nome e a sua formação. Montada dessa forma, a apresentação da equipe de
profissionais oferece credibilidade por se tratar quase sempre de pessoas ligadas a grandes
universidades brasileiras ou estrangeiras.
Após a apresentação da equipe o candidato aparece para falar do tema proposto. Ele
aparece em foco, seu nome e número e a estrela do PT aparecem logo abaixo sobrepostas
no verde e amarelo, cores da bandeira brasileira. O cenário é o do comitê e o candidato
aparece no primeiro plano enquanto no fundo se nota a movimentação de pessoas
trabalhando.
Já nessa introdução, podemos perceber que o vermelho tradicional do Partido dos
Trabalhadores é suavizado. A medida é adotada por ser o vermelho uma cor muito intensa e
simbolizar luta, paixão, sangue, rebeldia etc; mas o vermelho não foi de todo retirado,
permaneceu intenso mas não agressivo. Estava presente na gravata e na pequena estrela no
peito do candidato. A estrela do partido estava presente em quase todos os momentos do
programa: na abertura do programa; na apresentação da equipe; em algum assessório da
roupa do candidato; nas bandeiras; no cenário dos apresentadores; na apresentação dos
apoiadores da campanha; e em vários efeitos gráficos utilizados nos programas.
284
Geralmente, porém, o vermelho da estrela vinha acompanhado pelo branco, dando um tom
suave na apresentação do símbolo do partido.
Podemos identificar em outros momentos a utilização de estratégias para despertar a
emoção. Desses momentos são as dramatizações para falar dos principais problemas do
País, como, por exemplo, o caso da segurança pública: a dramatização inicia narrando a
história de dois rapazes. O primeiro aparece em um bar bebendo, mexendo em uma arma
posta na cintura. Parece estar numa favela. A imagem escurece e logo aparece o outro
rapaz, feliz com seus pais, recebendo a chave de seu carro. Ele entra em seu carro e aos
poucos tudo escurece novamente e reaparece o primeiro rapaz na rua. Ao ver os carros
pararem no sinal, o primeiro garoto aponta a arma para o segundo e tenta assaltá-lo, mas no
nervosismo ele acaba atirando e sai correndo. Uma arma cai no chão e escutam-se sirenes
de policia. Aos poucos a imagem escurece. Toda a ação ocorre de acordo com a narração
do locutor.
Narrador:
Pedro tem 16 anos, não tem mãe, não estuda, não trabalha e sabe que não tem futuro. Seu pai está desempregado a muitos anos. Hoje, mais uma vez, ele vai à luta. Paulo tem 18 anos, seu pai é um grande empresário, sua mãe advogada. Hoje é seu aniversário, Paulo ganhou um carro de presente. Onze horas da noite, o destino de Pedro e Paulo se cruzam... Pedro mata Paulo. A polícia mata Pedro e o pai de Pedro tão pobre e o pai de Paulo tão rico, por um instante são dois homens iguais que sentem exatamente a mesma dor, a mesma revolta.
A estratégia aqui utilizada introduz a problemática da violência de uma forma a
retratar a realidade vivida hoje nas grandes cidades brasileiras. Ela narra o cotidiano e se
apropria de elementos “midiáticos” para falar das mazelas sociais e atingir em cheio uma
população que vive com medo trancada em suas casas. Prepara também o caminho para as
propostas que o candidato em seguida apresenta. Estabelece uma relação de conhecimento
profundo dos problemas sociais e preparo do candidato para enfrentá-los.
285
Candidato:
Mas afinal, o que será que aconteceu com o Brasil? Qual será a causa desse aumento brutal da violência ? A violência é causada por um conjunto de fatores como o aumento do consumo das drogas, do álcool, do crescimento da miséria, do desemprego, das faltas de oportunidades e agravadas pela impunidade e pela corrupção policial. E o mais triste: pelo descaso das grandes autoridades deste país. Um projeto pra Segurança Pública para dar certo tem que atacar em três frentes:
Outra forma encontrada para trabalhar a emoção do eleitor foi o depoimento de
alguns jovens sobre o processo eleitoral e a oportunidade de mudança, bandeira da
candidatura de Lula. Em um desses depoimentos, um jovem vai à frente de uma platéia e
para falar de sua experiência de vida, de menino pobre que conseguiu com muito esforço
entrar na faculdade. Fala com entusiasmo do seu país e na crença de que tudo pode mudar a
partir da confiança que tem em Lula em seu governo. Fala de si, mas também de milhares
de jovens que vivem sem perspectiva, sem oportunidade; jovens que como ele acreditam no
País, acreditam em si. É uma relação entre o individual e o coletivo, pois nesse depoimento
é apresentada a realidade dos jovens no Brasil.
Eu acabei de entrar na faculdade, não foi fácil, mas eu consegui e agora tenho a oportunidade. Nada nunca foi fácil pra min. Estudei em escola pública, fui criado pela minha mãe, nunca tive pai, nunca tive nada. Minha mãe mal sabe ler, mas confia em Deus e em mim e eu vou realizar seus sonhos custe o que custar. Mas quantos iguais a mim, melhores do que eu, mais inteligentes que eu nunca tiveram oportunidade na vida? Tão nas ruas, nas drogas, no crime. Ninguém nasce mal, ninguém nasce bandido, é tudo uma questão de oportunidade, oportunidade! O jovem da favela também quer ter um tênis novo, uma camisa nova, o direito de sonhar como todo mundo. Esse é um país de todos! Meu nome é João, eu sou brasileiro, amo meu país! Viva o Brasil, viva São Paulo, viva o cristo redentor, viva a Amazônia! Viva Luís Inácio Lula da Silva!
Algumas entrevistas também foram realizadas que abordavam os problemas sociais
do País. Eram realizadas em com pessoas em filas de hospitais, na rua à procura de
emprego etc. Alguns políticos, empresários e sindicalistas também apareceram, expondo
suas opiniões sobre as principais propostas de governo do candidato Lula; mas uma
286
entrevista em especial nos chama atenção, pois é realizada com o próprio Lula para falar da
sua experiência com a precária condição da saúde pública no País. A entrevista é realizada
em tom de conversas entre amigos, quando Lula faz confidencias. Conta de forma
emocionada como foram as condições em que sua primeira mulher e seu filho morreram em
um hospital público em São Paulo. O cenário da conversa oferece uma atmosfera de
casualidade e intimidade que se estabelece entre quem conta sua história e quem escuta,
não só o entrevistador, mas todo o povo brasileiro, que se identifica com sua história.
Enquanto o candidato fala, aparecem as fotos do seu primeiro casamento. A entrevista é
interrompida pela emoção do candidato. Nesse momento, podemos perceber o esforço da
equipe de Marketing de mostrar ao eleitor a outra face do candidato. Não o Lula
carrancudo, briguento, mas o Lula emocionado ao falar de suas experiências pessoais. A
sua senilidade o aproxima das pessoas, deixa-o em igual condição com qualquer outro
brasileiro. Desmistifica a imagem e quebra preconceitos.
5.3.3 Programa do Ciro
Tempo do Programa: 04 minutos
Coligação: Frente Trabalhista (PPS/PDT/PTB)
Estrutura
A campanha de Ciro Gomes à Presidência da República pode ser considerada a
terceira de maior vulto das eleições de 2002. Ciro reuniu uma equipe de intelectuais
renomados para a elaboração de seu programa de governo. Dentre eles estavam: Roberto
Manguabeira Unger, filosofo e professor da universidade de Harvard; Maurício Dias David,
economista um dos fundadores do PSDB; e Mauro Benevides Filho, economista e deputado
federal da bancada do Ceará elo PPS. As suas propostas para governar o País estavam
principalmente baseadas nas idéias de Unger com as quais o candidato desde muito tempo
tinha afinidade, chegando a escrever junto com o filosofo um livro publicado no Brasil
intitulado O próximo passo46 onde propõe uma nova alternativa para o País.
No decorrer do período eleitoral, Ciro chegou a ameaçar a campanha de Lula
quando em agosto de 2002 ultrapassou o petista e alcançou 34,3% das intenções de votos
46 GOMES, Ciro e Unger, Mangabeira (1996). O próximo passo: uma alternativa prática ao neoliberalismo. Rio de Janeiro, Topbooks.
287
contra 33,6% de Lula47; mas apesar do empate técnico, o que Ciro provocou mesmo foi
uma grande dor de cabeça ao tucano José Serra que assumia o terceiro lugar com 13,8%. A
diferença entre os dois candidatos chegava naquele momento a 13 pontos percentuais o que
levou a muitos analistas a considerarem a ida de Ciro ao segundo turno.
A ascensão de Ciro nas pesquisas de intenção de voto pode ser analisada a partir de
algumas variáveis importantes, como, a queda significativa de Lula pela repercussão do
caso da morte do prefeito Celso Daniel e pelas denúncias de propina que envolviam petistas
na Prefeitura de Santo André e a avaliação negativa do governo Fernando Henrique
Cardoso e seu candidato José Serra, em razão do agravamento da crise econômica. A boa
campanha Ciro na televisão no horário eleitoral gratuito também irá se tornar fator positivo
para ampliação das intenções de voto do candidato.
A estrutura de seu programa era pautada principalmente na apresentação das
principais propostas do candidato. Iniciava quase sempre com a bandeira do Brasil
tremulando e no centro da tela a logomarca do candidato com Ciro 23, presidente, enquanto
um locutor falava:
Está começando agora o programa com as propostas para o Brasil
mudar, para melhor.
Podemos destacar que mudar para melhor é o slogan que se encontrava explicito e
implícito em distintos momentos e de várias formas no programa eleitoral. Desde a fala do
próprio candidato, às imagens apresentadas e nas músicas-tema do programa.
Outra mensagem presente no programa de Ciro é o nacionalismo. As cores da
bandeira brasileira e a própria bandeira fazem parte de todos os momentos do programa
desde a abertura até o encerramento, durante a fala do candidato e na apresentação das
propostas. Nas músicas, podemos destacar a universalização que identifica como sendo
eleitor de Ciro aquele que tem o sentimento de orgulho por ser brasileiro e que identifica o
candidato como uma possibilidade de mudança.
47 Pesquisa encomendada pela revista Isto É a Toledos & Associados realizada entre os dias 25 e 27 de julho com uma amostra de 3108 entrevistados e margem de erro 1,8% para mais ou para menos. A pesquisa foi divulgada pela revista em 7 de agosto de 2002.
288
Música 1:
Eu sou brasileiro Com muito orgulho Com muito amor (Bis) Eu sou brasileiro E vou com Ciro Quero mudar meu país (Bis)
Música 2:
A todo mundo eu dou psiu, Ciro, Ciro Pra mudar o meu Brasil, Ciro, Ciro, Ciro Ciro é honesto e competente Experiente é 23 É Ciro Gomes presidente, Ciro, Ciro, Ciro Ele sabe a diferença E sabe como fazer Pra mudar o meu país O que agente quer é ser feliz A todo mundo eu dou psiu, Ciro, Ciro Pra mudar o meu Brasil, Ciro, Ciro, Ciro Ciro é honesto e competente Experiente é 23 Ciro Gomes Presidente, Ciro, Ciro, Ciro48
Também nas imagens que aparecem no decorrer no programa se reportam a
símbolos nacionais como: o maracanã; a urna eletrônica; as favelas; a cidade de Olinda etc.
São utilizadas também personalidade nacionais, políticas ou não, que dão crédito à
candidatura de Ciro Gomes. Dentre elas, podemos destacar: Leonel Brizola, um dos
políticos brasileiros mais consagrados e fundador do PDT, partido da coligação da Frente
Trabalhista; Patrícia Pillar, esposa e atriz global que sem dúvidas contribui com sua
imagem carismática para a campanha; Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado. Tais figuras
ajudam na divulgação da imagem do próprio candidato, pois realizam um processo de
48 A segunda letra é uma versão da música de Luis Gonzaga que é um símbolo da cultura do Nordeste e conhecida em todo o País.
289
narrativação para justificar à candidatura de Ciro a Presidência da República. A
apresentação de Gattai nos chama atenção:
Narrador:
Bahia, terra de Jorge Amado, um lugar que atrai gente de todo o mundo, como a paulista Zélia Gattai, apaixonada pelo Jorge, pela Bahia, e pelo Brasil.
Zélia Gattai:
“Acompanho há muitos anos a trajetória política de Ciro Gomes. Quando ele foi governo do Ceará, Jorge e eu estivemos lá, e pudemos constatar de perto, sentir a força, a seriedade do jovem governador a enfrentar os problemas do seu estado. Hoje, eu voto em Ciro Gomes para a presidência da república sem medo de errar.”
A mulher de Jorge Amado apresenta-se, falando sobre a vida política do candidato
no Ceará, Estado onde foi governador e exalta a seriedade e força com que por ocasião
administrou o Estado. A retomada da história política do candidato no Estado em que
conduziu grande parte de sua carreira política é uma estratégia que visa a relacionar um
passado não tão distante com futuro próximo na mesma linha de Garotinho, quando afirma
que fez no Rio de Janeiro e vai fazer no Brasil. A questão da competência está presente
também em uma passagem interessante presentes em um dos programas.
Narrador:
Nas mãos de quem sabe como fazer nasce um belo jarro, nas mãos de quem sabe como fazer nasce um delicioso bolo, nas mãos de quem sabe como fazer nasce uma bela jóia, nas mãos de quem sabe como fazer o Brasil um grande país. Ciro 23.
As imagens que aparecem junto com a passagem ora referida são de mãos de quem
esculpem um jarro, fazem um bolo e lapidam uma pedra valiosa. Por fim aparece o
candidato sentado à mesa de seu escritório assinando alguns papéis. Tais imagens
associadas ao texto simbolizam a competência de quem com as mãos e com arte fazem
belos objetos, e, no caso, o candidato se apropria da simbologia para reafirmar sua
competência, pois sabe como fazer e seu compromisso de governar o País.
290
Candidato
O candidato é apresentado em seu programa de tv principalmente em dois
momentos distintos. O primeiro é na rua em lugares públicos no corpo-a-corpo da
campanha. As cenas são geralmente dos comícios, carreatas ou em palestras para grupos de
leitores. Nessas ocasiões, ele está geralmente vestido de jeans e camisa de listra, o que
lembra bem a época das campanhas a prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. No
segundo momento as cenas se passam geralmente dentro do estúdio, que lembra um
escritório, com computador, mesa etc. O azul, o verde e o amarelo também estão presentes
nesse ambiente pintados em uma parede. O candidato geralmente usa terno e gravata e fala.
Esse é o momento escolhido para a fala do candidato. Diferente do primeiro momento,
quando o que predomina são as imagens, as músicas e sons das ruas, dos comícios e
passeatas. A fala geralmente acontece para a apresentação dos principais problemas do País
e quais seriam as suas propostas para o enfrentamento desses problemas. 49
Em algumas de suas falas, o candidato segue um roteiro interessante. Primeiro ele
exalta o Brasil e seu povo forte e trabalhador para depois falar das suas mazelas.
Com essa terra maravilhosa que Deus nos deu e com esse povo capaz, trabalhador e honesto como o povo brasileiro é, esse tipo de tragédia não precisava estar se espalhando no campo e na cidade no Brasil. Na verdade essa tragédia tem uma causa, é conseqüência de muita corrupção e de um modelo econômico que se rendeu a uma globalização perversa e desumana que nos é imposta pelos interesses da especulação financeira internacional.(...)
Em seguida, aponta sua candidatura como uma possibilidade possível de mudança.
(...) Isso tem solução e é contra isso se levanta a nossa candidatura e a proposta de um novo e espaçoso projeto nacional de desenvolvimento. Não se trata de promessas mirabolantes. (...)
49 Em alguns programas esse momento também é utilizado para rebater críticas.
291
Utiliza um discurso de desqualificação para identificar os seus adversários.
Distancia o seu próprio discurso, diferenciando-o dos outros candidatos e colocando em sua
candidatura a única possibilidade real de alternativa de mudança.
O Lula promete criar 10 milhões de empregos, talvez pela sua inexperiência. O Serra que estava nesse governo 8 anos e que ajudou a criar esse modelo desumano de globalização, está prometendo criar 8 milhões de empregos. Eu não tenho coragem de fazer isso por respeito a você, brasileiro, mas é claro que sendo Presidente da República vou procurar o máximo de empregos criar, porque já fiz isso na industria no Ceará. (...)
Podemos então concluir que a propaganda eleitoral de Ciro Gomes traz o discurso
da mudança, da competência, da seriedade, no entanto, o seu discurso vai sendo aos poucos
desmontado pelo seu principal opositor, José Serra, que vê em Ciro uma possibilidade de
segundo turno com Lula, ficando o tucano de fora. Os ataques de Serra são constantes, aos
quais Ciro responde. Por ter seu tempo menor do que adversário, Ciro perde muito tempo
do seu horário se defendendo e atacando e perde com isso a oportunidade de dar
continuidade à apresentação de suas propostas. Isso não se reflete somente no horário
eleitoral. Foram constantes as trocas de acusações entre os dois candidatos em programas
de tv, entrevistas em jornais e revistas e debates políticos.
5.3.4 Programa do Garotinho
Tempo do Programa:02 minutos
Coligação: Frente da Opção Popular (PSB/PGT/PTC)
Estrutura
O programa do presidenciável Antony Garotinho tinha uma estrutura simples e bem
definida. Constava de uma parte inicial de apresentação do nome do candidato e do seu
número. Em seguida o narrador apresentava a temática abordada no programa. Vale
ressaltar que a figura do narrador não aparece. Depois da apresentação, vinham algumas
entrevistas ou com populares e ou políticos ou mesmo profissionais das áreas em que o
programa se direcionava. Da mesma forma como no caso do narrador, a figura do
entrevistador não aparecia, sendo o recorte dado diretamente para o entrevistado e para a
292
sua fala. As entrevistas eram quase sempre em lugares públicos de muito movimento,
dando a impressão de que a campanha estava nas ruas e buscava a opinião do povo em
geral.
Após esse primeiro momento, o candidato entrava reforçando a problemática
apresentada e falando quase sempre da sua experiência enquanto governador do estado do
Rio de Janeiro e como tal situação foi enfrentada no Rio, fazendo sempre a referência de
como ele enfrentaria no Brasil.
O programa também se utilizava muito de elementos da imprensa nacional para
reforçar sua argumentação, como, por exemplo, no caso da promessa de aumento do salário
mínimo feita pelo candidato.
Narrador:
O governo de Fernando Henrique e José Serra vai dar aumento de 11 reais no salário mínimo. Garotinho vai aumentar o salário mínimo para 280 reais. Se você quer um mínimo de 211 reais vote no Serra, mas se você quer um salário mínimo de 280 reais vote no Garotinho.
As imagens que acompanham essa passagem são em primeiro lugar a manchete do
jornal o Globo que diz: orçamento prevê mínimo de 211. A manchete é apresentada
destacada do jornal em um plano avançado e logo abaixo acompanhando o andamento da
fala do narrador aparecem no mesmo plano da manchete duas somas:
SERRA: R$ 200 + R$ 11 R$ 211
GAROTINHO: R$ 200 + R$ 80 R$ 281
Tal estratégia, além de fazer referência a sua proposta de aumento do salário
mínimo, faz também uma crítica ao governo do Presidente e ao candidato do governo José
Serra. Ele tenta desta forma mostrar que com Serra não há uma mudança e sim uma
continuação do modelo político e econômico que está no poder.
293
A mesma estratégia de utilização de manchetes de jornais é utilizada quando o
programa demonstra o bom desempenho do candidato nas pesquisas de intenção de voto.
Em determinado programa, são apresentados os dados da pesquisa CNT/Sensus,
confirmando o empate técnico entre os três candidatos, Serra, Ciro e Garotinho, no segundo
lugar.
Narrador:
Pesquisa CNT/Sensus confirma. Embola a eleição entre Garotinho, Serra e Ciro. Garotinho foi quem mais cresceu e quem tem mais chances de ir ao segundo turno. Chegou a vez do Brasil para os brasileiros. Garotinho 40.
Ao final da narração, ouvem-se várias pessoas gritando o nome de Garotinho. O fato
de tais afirmações serem feitas associadas às imagens de jornais concede credibilidade ao
discurso, ou seja, legitima a enunciação mediante a credibilidade de tais veículos de
informação.
Também são presentes ao programa as imagens da campanha nas ruas em comícios
e passeatas. Tais imagens são do candidato abraçando as pessoas, fazendo o V da vitória e
discursando para milhares de pessoas presentes nos comícios. Não existe no seu programa a
participação de artistas ou celebridades, nem musicais. A maioria dos convidados a
participar como apoiadores da campanha é ligada aos partidos da coligação ou pessoas
vinculadas a religião, que afirmam:
Estarei dando meu voto a um candidato cujo compromisso de amor ao próximo é testemunho maior de nossa fé. (Padre Herculano) Voto no Garotinho pelo seu projeto social, porque é competente e tem fé no Brasil. (Pastor e Deputado Federal Mário de Oliveira)
A presença de tantos religiosos no programa revela que a própria candidatura de
Garotinho, que é evangélico, traz a bandeira da religião para a campanha política. Tal
relação, política e religião, concede ao candidato um discurso mais voltado para as formas
tradicionais de política, onde não está presente a racionalidade nas discussões das propostas
294
políticas, mas a indicação das igrejas, que a cada nova eleição ganham mais e mais espaço
político, que levam seus fiéis a abraçarem a candidatura dos que adequam suas propostas
aos interesses da igreja. Exemplo disso é o PFL, que tem relações estreitas com a Igreja
Universal do Reino de Deus e onde uma boa parcela de seus pastores está hoje exercendo
algum mandato parlamentar. São várias as passagens verificadas nos programas que
associam a religiosidade à imagem de Garotinho.50
Não é à toa que a música-tema da campanha tem no seu refrão a palavra fé. Dessa
forma pode-se relacionar o homem de fé em Cristo e o homem político, em que os seus
eleitores podem confiar de que será ele capaz de promover as mudanças e melhorar o País.
Fé no Brasil Fé na vitória Fé no Brasil pra mudar nossa história Garotinho... 40 é PSB è no 40 que eu vou votar Garotinho é o Brasil da gente Garotinho é o Brasil que faz
Abertura
O programa começa sempre com a fala do narrador, referindo-se ao candidato e ao
tema do programa, como no exemplo abaixo:
Narrador
Começa agora o programa de quem vai aumentar o salário mínimo para 280 reais em maio de 2003. Garotinho, Presidente.
As imagens que aparecem nessa passagem também mudam, dependendo das
propostas abordadas, mas as ações são as mesmas. Geralmente é uma criança (menino ou
menina) correndo, se aproximando cada vez mais perto da câmera. Quando fica bem
próximo, ergue a bandeira do Brasil que toma a tela inteira. Logo em seguida aparecem a
50 Podemos destacar: a letra da musica-tema da campanha; as imagens do casal Garotinho em reuniões das igrejas; imagens do candidato rezando etc.
295
logomarca Garotinho Presidente e seu número. A imagem fica congelada por alguns
segundo antes de iniciar a fala do narrador.
Candidato
Apesar de uma carreira pública de mais de vinte anos, o presidenciável Antonny
Garotinho é um dos mais desconhecidos da maioria dos brasileiros. Sua força política
sempre esteve no Estado do Rio, onde foi prefeito da cidade de Campos e governador do
estado. Para resolver tal problema, seu programa foi preparado de modo a informar ao
eleitor quem era o candidato, qual sua trajetória política e suas principais ações como
prefeito e governador. Apesar de todos os programas fazerem referências ao trabalho
desenvolvido por Garotinho como governador, foi preparado um programa especial falando
do homem, do político e do candidato Antony Garotinho.
Narrador
Começa agora o programa de quem vai foi considerado pelo Datafolha o melhor governador do Brasil. Garotinho Presidente.
E continua,
Narrador
Garotinho foi o deputado estadual mais votado no Rio. Duas vezes prefeito de campos e considerado o melhor governador do país. Secretário de agricultura. Governador do rio de janeiro com 88% de aprovação no estado.
Esse inicio já revela que Garotinho foi governador do Rio de Janeiro e que foi um
bom governante pois considerado por um importante instituto de pesquisa o melhor
governador do País. A apresentação feita revela a experiência política do candidato e de
como o seu governo foi bem avaliado. As imagens associadas a essa segunda fala são:
Garotinho despachando em seu gabinete; na rua com crianças; em uma plantação colhendo
296
laranjas; verificando obras com trabalhadores devidamente fardados e com equipamentos
de segurança como capacete e botas. Verificamos que tais imagens são de vários períodos
da vida política do candidato, o que reforça a argumentação de sua experiência política e
legitimam o seu discurso de homem trabalhador. Algumas mostram o candidato muito
jovem, ao lado de trabalhadores e no meio de canteiro de obras.
A fala que segue é a do próprio candidato e reforça o que já havia sido dito:
Garotinho
A minha experiência foi construída ao longo de mais de 20 anos de vida pública. Foi isso que me permitiu governar um estado como o Rio de Janeiro. A segunda economia do Brasil. Maior que o Chile. Quando assumi o estado estava falido, 26 bilhões de reais de dívida coma a União de salários atrasados. Com a minha experiência negociei a dívida pública e coloquei os salários em dias e fiz o maior número de obras e programas sociais que o estado já viu. Fiz um duro combate a violência. Levei várias empresas para o estado. Criei vários empregos e fui o primeiro governador a dar um salário mínimo maior que o governo federal. Se eu merecer o seu voto é com essa experiência que eu quero comandar o Brasil
O discurso do candidato revela claramente uma estratégia argumentativa. Primeiro,
são apresentadas as experiências de administração pública do candidato, o que o
credenciaria para governar o País. Os argumentos mais fortes são pautados principalmente
com relação ao salário mínimo, que é uma das principais reivindicações da classe
trabalhadora, visto que nos últimos anos o salário sofreu perda significativa com relação ao
avanço da inflação. Essa bandeira foi assumida pelo candidato como uma das suas
principais propostas. Daí o fato de ele afirmar ter sido o primeiro governador a ir de
encontro ao aumento concedido pelo Governo federal e aumentou acima do que fora
determinado o salário dos funcionários públicos do Estado.
Outras frases ditas em outros programas no decorrer da campanha continuam na
mesma linha argumentativa, associação com as ações desenvolvidas no Rio de Janeiro e o
que o candidato pode vir a fazer na Presidência se eleito.
Narrador
Quem foi o melhor governador vai ser o melhor presidente. Vote 40. Vote Garotinho
297
Garotinho
Eu fiz no Rio agora vou fazer em todo o Brasil você pode confiar.
Durante, a fala a imagem que se vê é a do candidato. O enquadramento da câmera
está focado do peito para cima, dando a impressão de que o candidato fala no olho do
eleitor. Sua voz é tranqüila e bem pausada. Ao fundo se vê um degradê das cores da
bandeira do Brasil.
Também como forma de reforçar a imagem do candidato, o programa traz o
depoimento da esposa de Garotinho, Rosinha Garotinho, que ressalta, além da figura do
político, a do homem e do marido e pai.
Rosinha Garotinho
Olá, eu sou Rosinha Garotinho, mulher de Garotinho. E nesses 22
anos que eu o conheço e tenho a felicidade de dividir a vida com
um ser humano muito especial. Foi por esse Garotinho que faz
tudo com o coração que eu me apaixonei. Foi com ele que construí
uma família maravilhosa e foi com a foca da nossa união, do nosso
amor e da nossa parceria que juntos criamos nossos nove filhos.
Mas eu quero que você saiba que além dele ser esse bom
administrador ele é um excelente pai e uma pessoa maravilhosa.
No decorrer da fala de Rosinha, aparecem imagens de Garotinho com a família no
jardim e reunida na mesa do café-da-manhã, fazendo uma oração. A fala da esposa de
Garotinho reflete a importância do papel da família na construção da imagem do candidato;
mas Rosinha não representa somente a esposa do candidato. Ela também atua na arena
política. Na campanha de 2002, Rosinha colhia os frutos da administração do marido e era
eleita governadora do Estado. Esse papel influente da mulher na campanha dos
presidenciáveis ajuda os candidatos a atingirem também o público feminino, 50,8% do
eleitorado. Aliás, todos os candidatos em determinados momentos vão explorar essa
mensagem.
298
De um modo geral, o programa de Garotinho limitou-se, até mesmo pelo pouco
tempo disponível, à apresentação do candidato e de algumas de suas propostas. Priorizou a
política salarial e de emprego e renda. Seus programas pouco falaram do problema da
violência talvez por ser essa uma das grandes mazelas que aflige o seu Estado de origem e a
qual ele como governador não conseguiu minimizar.
As mensagens difundidas fizeram sempre a associação com alguns elementos
importantes para análise. Em primeiro lugar, como já foi afirmado, associou sua imagem à
de um administrador competente, reportando-se sempre às ações desenvolvidas por seu
governo no Rio de Janeiro. Em segundo, regatou as imagens de Getúlio Vargas e Juscelino
Kubitschek e se denominou o herdeiro do trabalhismo de Getúlio, o que confirmaria a sua
imagem de homem honesto e trabalhador sensível as demandas sociais e capaz de enfrentar
o desafio de assumir o comando de um país como o Brasil. E em terceiro lugar estaria essa
aliança entre política e religião.
299
6 OS FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA CAMPANHA
Este estudo vem caminhando no sentido de entender como a democracia impulsiona
a reflexão dos principais candidatos desse pleito, ou seja, como eles estão articulando os
desafios democráticos aos conceitos de cidadania e participação. As indagações feitas
anteriormente sobre os óbices para construir uma sociedade com maior participação e
menor desigualdade continuam válidas; identificar os fundamentos políticos da campanha é
tentar responder até que ponto as questões sociais são transplantadas para o interior dos
partidos; saber, efetivamente, se os candidatos estão se propondo enfrentar tais desafios no
plano político; procurar identificar nas falas dos candidatos se, assumindo o poder,
pretendem mobilizam a sociedade; sublinhar no projeto ideológico dos partidos e dos
candidatos a preocupação com a população.
Nesse sentido, vamos nos debruçar sobre as propostas políticas dos principais
candidatos para o enfrentamento de questões como saúde, educação, segurança pública,
emprego e renda. A escolha da análise de tais políticas se faz tanto pela importância do
assunto para a vida da população quanto pela reiteração de tais temas no discurso de todos
os postulantes à Presidência da República.
O Estado brasileiro vem tendo dificuldades de atender os direitos básicos da
sociedade, como o acesso à educação pública e de qualidade, a universalização da saúde,
condições de sustentabilidade e uma distribuição de renda capaz de diminuir ou ao menos
amenizar os indicadores de pobreza.
Conforme já assinalamos, a democracia moderna, pensada pela corrente liberal, tem
conduzido ao individualismo político e econômico; por um lado ampliando os direitos civis
e políticos e por outro minimizando a questão política, induzindo os cidadãos, através do
sistema de representação, a lutarem por interesses privados, deixando intactas as relações
de propriedade e de poder, contribuindo assim para aprofundar as desigualdades. O Brasil
é hoje a 14ª economia do mundo, com o PIB brasileiro atingindo os US$ 604.855 bilhões
300
em 2004, mas, segundo os dados da ONU, apesar do seu crescimento nos últimos anos, não
conseguiu diminuir as desigualdades sociais.51
Embora a participação das massas seja defendida por todos os candidatos, é
importante identificar a percepção que eles possuem do formato do Estado, das relações
econômicas e da forma de participação da sociedade nas decisões políticas que envolvem as
diferentes esferas de poder. Portanto, buscaremos tal leitura na síntese das propostas dos
candidatos apresentadas nos quadros seguintes.
Quadro 6
PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE EDUCAÇÃO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2002
Serra Lula Ciro Garotinho • Valorização do
professor, por meio da formação continuada, de incentivos à carreira e de mudanças nas condições de trabalho.
• Ampliação do acesso das crianças de 4 a 6 anos à pré-escola, com a criação de 4 milhões de vagas.
• Consolidar a universalização já alcançada do ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos.
• Dobrar a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio.
• Aumentar em 50% o número de matrículas na educação profissionalizante.
• Erradicar o analfabetismo dos jovens e adultos com menos de 30 anos nos moldes do programa Alfabetização Solidária.
• Universalizar o ensino do nível pré-escolar até o médio e garantir de acesso à creche.
• Ampliar o FUNDEF para todo o ensino básico e contar com recursos suplementares do governo federal.
• Recuperar a rede pública, tanto no nível fundamental quanto no médio e nas universidades, valorizando principalmente a qualidade.
• Ampliar o número de vagas nas universidades públicas e reformular o sistema de crédito educativo vigente.
• Conceber a educação como um sistema nacional articulado, integrado e gerido em regime de colaboração (União, estados e municípios) e de forma democrática, com a participação da sociedade.
• Reorientar o conteúdo do ensino em todos os níveis para torná-lo mais analítico e capacitador.
• Construção de um ensino público de qualidade, capaz de atrair a classe média, que passaria a ser fiadora dessa qualidade em proveito de todos.
• Construção federal de escolas de segundo grau em todas as áreas do país onde haja necessidade.
• Manter e ampliar o Fundef para fortalecer a participação do governo federal no desenvolvimento da rede de pré-escolas.
• Implantar sistema federal de retreinamento de professores do primeiro e segundo ciclos. Criar um fundo federal de complementação salarial para estimular a qualificação do professorado.
• Restaurar o artigo do Plano Nacional de Educação que prevê um crescimento da receita para a área de educação até atingir 7% do PIB Nacional em 2010.
• Atendimento, em creches de, no mínimo, 25% da faixa etária de 0 a 3 anos de idade.
• Atendimento em pré-escolas de, no mínimo, 50% da faixa etária de 4 a 6 anos de idade.
• Capacitação permanente de todos os professores nos diversos níveis e modalidades de ensino. Universalização do ensino médio gratuito, em três turnos.
• Ampliação do Fundef como Fundeb.
• Descentralização político-administrativa da Educação Fundamental e Infantil (municipalização).
51 Atualmente o Brasil ocupa o 63º lugar no ranking do IDH. Segundo o relatório da ONU publicado em 2005 o Brasil melhorou o seu desempenho em áreas como educação e saúde, mas continua distribuindo mal a sua renda.
301
menos de 30 anos nos moldes do programa Alfabetização Solidária.
• Ampliar o crédito educativo para os estudantes universitários de menor renda.
• Ampliar O Fundef para a educação infantil (de 4 a 6 anos de idade) e para o ensino médio.
(União, estados e municípios) e de forma democrática, com a participação da sociedade.
• Criar programas consistentes para melhorar a qualidade do ensino. Formar, retreinar e remunerar melhor os professores, a partir de critérios de desempenho.
fundo federal de complementação salarial para estimular a qualificação do professorado.
• Acabar com o vestibular. Substituí-lo por provas federais administradas aos alunos em cada um dos três últimos anos do segundo ciclo.
• Organizar sistema universitário hierárquico e descentralizado. Cada universidade federal será uma fundação autônoma.
• Erradicação do analfabetismo vinculado a programas de qualificação profissional.
• Educação pública, gratuita e de qualidade com um adequado funcionamento das Instituições Federais de Ensino Superior.
• Ampliação do programa de crédito educativo.
Quadro 7
PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE SAÚDE DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2002
Serra Lula Ciro Garotinho Reduzir a mortalidade infantil e materna, aumentando os exames e o atendimento pré-natal às gestantes ao longo de toda a gravidez. Criar 30.000 novas equipes para o Programa Saúde da Família e 15.000 para o Programa de Saúde Bucal. Expandir o Sistema Único de Saúde (SUS), ampliar a distribuição gratuita de medicamentos e duplicar os recursos do programa de Assistência Farmacêutica Básica. Aumentar o número de transplantes de 7.200, em 2001, para 11.300, em 2006. Transferir 3 bilhões de reais a fundo perdido para que os municípios possam investir em saneamento básico.
• O projeto prevê a implantação completa do Sistema Único de Saúde (SUS), incorporando modelos da gestão que levem à melhoria da qualidade e à otimização do recursos. Planeja-se ainda garantir acesso aos medicamentos essenciais e de uso continuado, incentivar a produção de genéricos e a políticas de saúde preventiva.
• A proposta é atrair a classe média para o serviço público de saúde e transformá-la em fiadora do sistema em benefício de todos. O programa defende a manutenção dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no sistema público e o controle dos preços dos medicamentos.
• Implantação de uma rede de ouvidoria em todos os níveis do governo e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Maior integração das políticas dos Ministério da Saúde e da Educação para fortalecer a rede de hospitais universitários integrada ao SUS e a criação de hospitais especializados em doenças epidemiológicas.
302
Quadro 8 PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE EMPREGO E RENDA DOS
CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2002 Serra Lula Ciro Garotinho
• O candidato defende a criação de 8 milhões de empregos direitos e indiretos, a flexibilização das leis trabalhistas e o combate à informalidade do mercado de trabalho. Criação do Sistema de Amparo ao Trabalhador, com informações sobre o mercado de trabalho.
• . Lula defende a criação de 10 milhões de postos no próximo mandato. Este resultado seria conseguido por meio de um crescimento médio da economia de 5% ao ano. O PT quer modificar a Constituição para reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais e pretende ampliar o prazo de cobertura do seguro-desemprego, que passaria dos atuais cinco meses para até doze.
• O plano é aumentar as oportunidades de emprego adotando medidas emergenciais como a construção de moradias populares e o incentivo à agricultura. O projeto prevê também o fim dos encargos sobre a folha salarial. As contribuições à previdência incidiriam sobre o faturamento líquido das empresas.
• O projeto é reduzir as taxas de juros, aumentar o crédito ao produtor e promover a reforma tri
Quadro 9
PRINCIPAIS PROPOSTAS SOBRE SEGURANÇA DOS CANDIDATOS ÀPRESIDÊNCIA EM 2002
Serra Lula Ciro Garotinho • Criação do
Ministério da Segurança Pública, que teria como órgãos subordinados a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, para combater o crime organizado. Promover a unificação do registro de ocorrências policiais. Criar uma central de mandados de prisão em âmbito nacional. Implementar uma divisão fardada da Polícia Federal e aumentar o efetivo de 8.000 para 20.000 profissionais. Revisar os Códigos Penal e de Processo Penal.
• Há a proposta da criação da Agência Nacional de Segurança, composta por um colegiado de ministros ligados à presidência. Os Estados poderão ter mais de uma polícia, dividida por áreas de atuação, como capital e interior. E revisão total do código penal e do sistema prisional.
• O governo federal incentivará Estados e municípios a implementarem o policiamento comunitário e deverá aparelhar a Polícia Federal para que possa atuar como polícia de inteligência. Outras propostas: construir uma rede de penitenciárias federais em regiões inóspitas, reformular o processo penal, desarmar a população e estatizar a indústria de armamentos de todos os tipos.
• O plano é triplicar o efetivo da Polícia Federal, que hoje conta com 8.000 homens e criar uma agência nacional de cadastramento de informações criminais subordinada ao Ministério da Justiça. Ainda, extinguir os privilégios penais e acabar com a comercialização de armas de fogo.
303
6.1. Identidade de propostas
a primeira leitura dos quadros expostos nos leva À conclusão de que existe uma
grande aproximação entre todos os quatro candidatos e que, portanto, temos que refletir não
só sobre as razões de tal identidade como também suas implicações eleitorais.
6.1.1 Universalização do Ensino Público do pré-escolar até o médio
Quadro 10
Confluência das propostas sobre Educação Serra Lula Ciro Garotinho
• Valorização do professor, por meio da formação continuada, de incentivos à carreira e de mudanças nas condições de trabalho.
• Ampliação do acesso das crianças de 4 a 6 anos à pré-escola com a criação de 4 milhões de vagas.
• Consolidar a universalização já alcançada do ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos.
• Dobrar a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio.
• Aumentar em 50% o número de matrículas na educação profissionalizante.
• Erradicar o analfabetismo dos jovens e adultos com menos de 30 anos nos moldes do programa Alfabetização Solidária.
• Ampliar o crédito educativo para os estudantes universitários de menor renda.
• Universalizar o ensino do nível pré-escolar até o médio.
• Ampliar o FUNDEF para todo o ensino básico e contar com recursos suplementares do governo federal.
• Construção federal de escolas de segundo grau em todas as áreas do país onde haja necessidade.
• Manter e ampliar o Fundef para fortalecer a participação do governo federal no desenvolvimento da rede de pré-escolas.
• Atendimento, em creches de, no mínimo, 25% da faixa etária de 0 a 3 anos de idade.
• Atendimento em pré-escolas de, no mínimo, 50% da faixa etária de 4 a 6 anos de idade.
• Universalização do ensino médio gratuito, em três turnos.
• Ampliação do Fundef como Fundeb.
304
crédito educativo para os estudantes universitários de menor renda.
• Ampliar Fundef para a educação infantil e para o ensino médio.
A política educacional iniciada com a eleição de Tancredo Neves apresenta uma
grande indefinição de rumos, pois, segundo Kuenzer (1990), há uma busca de caminhos e
uma ausência de clareza no que se refere a políticas e planos. Embora nas intenções haja
uma preocupação com a universalização do ensino básico, a concepção de alternativas
inovadoras para atingir tal objetivo não constitui prioridade.
No governo Collor, não foi diferente, pois sua prioridade nas intervenções no plano
da economia fez com que a política educacional ficasse subestimada. Somente em fevereiro
de 1991, foi lançado o documento Brasil: um projeto de reconstrução nacional, no entanto,
o seu governo já não tinha legitimidade.
A tentativa de retomada de uma política educacional vem acontecer no governo de
Itamar Franco com os debates em torno do Plano Decenal de Educação para Todos (1993)
e a realização da Conferencia Nacional de Educação para Todos (1994). Não obstante, é
no governo seguinte que este movimento vai se explicitar (VIEIRA, 2003).
No governo de Fernando Henrique Cardoso, não há um documento geral ou setorial
para anunciar as ações desenvolvidas, mas um amplo conjunto de medidas que são
deflagradas no sentido de: intervir nos Estados, caso estes não apliquem o mínimo exigido
por lei; rever o dever do Estado na oferta de ensino fundamental para os que a ele não
tiverem acesso em idade própria e de ensino médio; definir as responsabilidades das
diferentes esferas do Poder Público em relação à oferta de ensino; detalhar os recursos
aplicados pela União na erradicação do analfabetismo e na manutenção do ensino
fundamental; e prever a criação de fundo de natureza contábil para a manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do seu magistério (Emenda
Constitucional nª14,1996).
305
Em seguida, são aprovadas duas outras Leis: a de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996) e a que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (1996).
O governo de Fernando Henrique Cardoso põe em prática uma agenda acordada
com o Banco Mundial durante a década de 1990. Para o Banco e diversos economistas
brasileiros, a questão educacional é fundamental para a sustentabilidade do crescimento. O
argumento é de que a elevação do nível educacional da população aumenta, genericamente,
a produtividade da economia. Segundo Pastore, “a taxa de crescimento do capital humano é
hoje muito mais importante que o capital físico”.
Os indicadores demonstram resultados positivos no que se refere à ampliação da
oferta de matrículas, no entanto os seus aspectos qualitativos ficam a desejar. Nesse
sentido, os quatro candidatos à Presidência não contestam o caminho perseguido no
governo anterior e indicam o desejo de melhorar a qualidade do ensino e aprofundar o
ingresso da população do pré-escolar ao nível médio. Em síntese, existe concordância com
a Constituição de 1988, uma adequação ao discurso das agências internacionais (Consenso
de Washington) que destacam a necessidade da educação para o desenvolvimento do País e
as propostas de universalização do ensino, ampliação e melhoria da qualidade,
financiamento para o pré-escolar e o ensino médio.
6.1.2 Defesa do Sistema Único de Saúde - SUS
Quadro 11 Confluência das propostas sobre Saúde
Serra Lula Ciro Garotinho Expandir o Sistema Único de Saúde (SUS).
• Implantação completa do Sistema Único de Saúde (SUS).
• O programa defende a manutenção dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no sistema público e o controle dos preços dos medicamentos.
• Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
As propostas dos candidatos à Presidência sobre saúde estão em torno da
viabilização do SUS – Sistema único de Saúde. Não por acaso os discursos confluem, pois
306
a saúde é um pressuposto básico para a cidadania e a democracia e sua universalização
garantem a inclusão social e o acesso às políticas públicas, deixando de lado as relações
assistencialistas mais atrasadas.
Tal concepção, no entanto, está inserida em uma discussão recente que reorienta o
papel da saúde na sociedade.
A preocupação com o locus da vida humana foi a temática de várias cúpulas
mundiais, haja vista o processo gradativo de inviabilização do meio ambiente
acompanhado de relações sociais desiguais que ameaçam a existência até dos privilegiados
e desafiam soluções das grandes potências. No âmbito específico da saúde, a comunidade
internacional também se reuniu em diversos momentos para repensar o conceito de saúde e
as formas como deve ser esta tratada.52
O debate dentro e fora do País aponta para um novo modelo assistencial
denominado de Vigilância à Saúde: trata-se de uma combinação de práticas sanitárias que
intervêm nos diversos estágios e dimensões do processo saúde/doença, buscando satisfazer
as necessidades individuais, assim como as necessidades coletivas de saúde.
A idéia de produção social da saúde, além de dar conta de um estado de saúde em
permanente transformação, permite a ruptura com a noção de um setor saúde isolado ou
administrativamente definido. A saúde deixa de ser mero resultado de uma intervenção
especializada e isolada sobre fatores e passa a ser vista como produto social resultante de
fatores econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos.
Somente na década de 1980 é que a saúde no Brasil passou a contar com a
participação de novos sujeitos nas discussões das condições de vida da população. O que se
observa desde a origem da organização contemporânea do setor saúde do Brasil é a
separação política, ideológica e institucional da assistência à saúde individual,
eminentemente pelo Estado, em relação às ações dirigidas à saúde coletiva e ao meio
ambiente.
52 Conferência Internacional sobre Cuidados Primários - 1978, Alma-Ata (Declaração de Alma-Ata -
documento fundamental para a melhoria dos níveis de saúde) – Casaquistão/Ex-URSS;
I Conferência Internacional pela Promoção da Saúde-1986, no Canadá e; Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, 1992, em Santa Fé de Bogotá (onde foi definido o significado que deveria ter a promoção da saúde nas Américas) - Colômbia.
307
Esse dualismo se faz presente na base da própria divisão institucional de atribuições,
de um lado o Ministério da Saúde, as secretarias estaduais e as secretarias municipais,
responsáveis pelas atividades de prevenção e promoção, e do outro, o INPS e depois o
INAMPS, responsável pelas atividades curativas, como consultas, exames, hospitalização.
Por essas razões foi chamado de modelo “hospitalocêntrico” por alguns e modelo
medicocêntrico por outros. Esse modelo tradicional concentra sua atenção no doente e não
na pessoa saudável, pressupõe o predomínio quase exclusivo do poder médico, organiza os
serviços colocando como centro dominante o hospital, desenvolve ações verticalizadas
desconhecendo as peculiaridades e autonomias locais, atua predominantemente sobre a
demanda espontânea, desagrega sua atenção para partes do corpo humano e geralmente não
compreende ou não informa sobre os fatores socioeconômicos.
Na década de 1970, com fim da expansão econômica e iniciada a abertura política
lenta e gradual, surgem propostas para a saúde na tentativa de mudanças na sua
configuração e expansão. A proclamação do direito à saúde como um dos direitos
fundamentais da pessoa humana e definidor das linhas básicas da organização do Sistema
Único de Saúde – SUS está presente na Constituição de 1988. A Lei Orgânica da Saúde, nº
8.080, de 19 de setembro de 1990, define os princípios e as diretrizes do SUS, como sendo:
democratização da saúde, universalidade de cobertura de acesso, integralidade da atenção,
igualdade da atenção à saúde, descentralização, integração executiva, conjunção dos
recursos, capacidade de resolução, utilização da epidemiologia, utilização do planejamento
participativo e participação da comunidade. Tais princípios e diretrizes nortearam os
Estados na organização dos seus Sistemas Estaduais de Saúde – SES.
Mesmo após mais de uma década de criação do SUS, no entanto, o sistema de saúde
não conseguiu resolver problemas básicos como estava previsto na lei. Na prática a saúde
está mergulhada em um caos. Os setores primário, secundário e terciário não funcionam de
forma integrada, gerando com isso desordenamento das funções de cada um desses setores.
A população não encontra uma cobertura satisfatória na ponta, postos de saúde,
ambulatório, ocasionando com isso uma sobrecarga nos setores secundário e terciário.
Ao analisarmos as propostas de governo de cada candidato, podemos perceber que
tais propostas procuram dar conta da reestruturação do SUS como forma de viabilizar os
direitos garantidos em lei do acesso a saúde.
308
6.1.3 Desoneração do capital / desenvolvimento / geração de emprego
Quadro 12
Confluência das propostas sobre Emprego e Renda Serra Lula Ciro Garotinho
• Criação de 8 milhões de empregos direitos e indiretos.
• Flexibilização das leis trabalhistas.
• Combate à informalidade do mercado de trabalho. Criação do Sistema de Amparo ao Trabalhador, com informações sobre o mercado de trabalho.
• Criação de 10 milhões de postos no próximo mandato.
• Crescimento médio da economia de 5% ao ano.
• Aumentar as oportunidades de emprego adotando medidas emergenciais.
• Reduzir as taxas de juros, aumentar o crédito ao produtor e promover a reforma tributária.
Na disputa pela Presidência da República não podiam deixar de ser tratadas as
concepções relativas às condições de crescimento, geração de emprego e transição para a
economia liberalizada.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, na cabeça dos criadores do Plano Real
e, parcialmente, no discurso dos candidatos, passou a existir um posicionamento oscilando
entre duas posição:
1 Para os que se identificavam mais com o Plano Real, o discurso tendeu
mais para a defesa da estabilização da economia. O desafio era
apresentado como sendo o de recompor os fundamentos
macroeconômicos como forma de garantir o crescimento, haja vista que
as políticas de estabilidades são para sempre, e estabilização e
viabilização de crescimento são a mesma coisa - a agenda de estabilidade
era apresentada como agenda de crescimento. No discurso dos apoiadores
do Plano, as reformas (política, fiscal, da previdência e trabalhista)
deveriam fazer parte fundamental da agenda política. Nesse sentido,
309
defenderam a abertura e a privatização como caminho para o aumento da
produtividade. A lógica foi que a privatização vem sendo favorável por
seus efeitos fiscais. As empresas privatizadas, nessa compreensão, fazem
investimentos, têm maiores lucros e, portanto, pagam impostos e geram
empregos.
2 Outro discurso foi mais pessimista -não acreditava na possibilidade do
Brasil voltar a crescer de forma sustentada, mantidas as atuais tendências.
O argumento era que a globalização não impedia a existência de uma
política industrial. Portanto, não havia por que abandonar o paradigma
das políticas compensatórias, bastando acrescentar os conceitos de
democracia e estabilidade. Nesse discurso, o que cria emprego é
investimento. Portanto, se tornava necessário um projeto de crescimento
do qual os empregos seriam conseqüência.
As duas posições que estavam subjacentes nos discursos que apresentavam como
proposta a geração de emprego não foram bem discutidas por algumas razões muito
específicas dessa campanha. Os candidatos Serra e Ciro estavam comprometidos com o
Plano Real e buscavam os loiros da estabilização econômica. Portanto, as críticas se faziam
de duas maneiras: Serra dizendo não se curvar aos interesses internacionais e Ciro fazendo
críticas às privatizações. Lula, que se tinha caracterizado nos anos anteriores pela crítica
contundente ao Plano Real, após a Carta aos Brasileiros, também abrandou as críticas a
política econômica anterior e deixou de fazer o combate sistemático ao Consenso de
Washington. Restou Garotinho, que caminhava mais livre, com um discurso afinado com a
segunda posição, contudo, sem ter um projeto real de crescimento.
Nesse sentido, os dois campos de percepção sobre política industrial e
desenvolvimento do País ficaram praticamente limitados a única alternativa. O debate
político ficou empobrecido e os fundamentos do que poderia ser a alternativa para um novo
governo ficaram mais na forma do debate do que propriamente no conteúdo de suas
propostas.
310
6.1.4 Ampliação do efetivo policial / mudanças organizativas / revisão da legislação
Quadro 13 Confluência das propostas sobre Segurança Pública
Serra Lula Ciro Garotinho • Criação do
Ministério da Segurança Pública.
• Aumentar o efetivo de 8.000 para 20.000 profissionais.
• Revisar os Códigos Penal e de Processo Penal, além da Lei de Execuções Penais.
• Criação da Agência Nacional de Segurança.
• Os Estados poderão ter mais de uma polícia, dividida por áreas de atuação, como capital e interior.
• E revisão total do código penal e do sistema prisional.
• Policiamento comunitário.
• Construir uma rede de penitenciárias federais em regiões inóspitas.
• Reformular o processo penal.
• Triplicar o efetivo da Polícia Federal.
• Criar uma agência nacional de cadastramento de informações criminais.
• Extinguir os privilégios penais e acabar com a comercialização de armas de fogo.
Os quatro candidatos tratam com destaque o problema da violência, haja vista ser
essa um fenômeno social nem moderno nem contemporâneo. Ela está encravada na história
da humanidade, desde os seus primórdios, quando os conflitos normalmente eram
resolvidos por meio da força, da agressão, da violência sobre o outro. O processo
civilizatório, que nos ergueu ao patamar em que nos encontramos hoje, consiste, sobretudo,
na substituição da violência, como forma de resolver conflitos de interesses, por ações
regulatórias, e no auto-controle dos instintos e sentimentos de cada um de nós, para que a
convivência social seja possível e agradável para todos.
A idéia de que a violência é inaceitável, e injustificável, é o resultado de um longo
processo civilizatório, que nos alçou à Modernidade: esta representação social de que os
homens são iguais e livres. É ela que nos faz repudiar, no interior de cada um de nós, a
violência como um mal a ser reduzido, senão banido de nossa sociedade.
No entanto, o final do século XX, no entanto, quase todo o mundo assistiu a um
crescimento desmesurado da violência, sobretudo aquela realizada no espaço urbano. O
311
Brasil não ficou isento deste fenômeno. A violência urbana no Brasil cresceu entre o final
do século XX e o início do presente século; particularmente a partir dos anos 1980, quando
o tráfico de armas e de drogas se encontraram; mas não é apenas o crime organizado que
ocupa com destaque as manchetes dos nossos meios de comunicação. Aumentou também a
incidência cotidiana de pequenos furtos, roubo a mão armada e homicídios por motivos
relativamente banais. A violência urbana banalizou-se. Penetrou o cotidiano de cada um de
nós, em especial nas grandes cidades.
Nos últimos 40 anos, o Brasil conheceu um acelerado fenômeno de urbanização,
que resultou numa redução do controle social, e um maior desenvolvimento da escolaridade
e dos meios de comunicação, tendo, entre outras conseqüências, maior percepção da
desigualdade e forte sentimento de injustiça social no âmbito das camadas menos
favorecidas.
Em uma campanha pautada pelo debate dos problemas sociais, os candidatos a
Presidência não poderiam deixar de dar ênfase a tal tema. O problema da violência foi
abordado levando em consideração, não somente as desigualdades sociais, mas envolveu
também as formas organizadas de criminalidade que nos últimos anos colocaram o País na
rota internacional de tráfico de drogas.
É nesse panorama que está inserida toda a proposta sobre a política de segurança na
campanha de 2002. Portanto, são comuns no discurso dos candidatos três aspectos: a
ampliação do efetivo policial; as mudanças organizativas; e a revisão da legislação.
6.2 - Necessidade de ser diferente
Após breve relato de como os candidatos encaminharam suas propostas políticas
nas questões fundamentais estabelecidas nos seus planos de governo, podemos deduzir que
nas propostas para a Saúde, Educação, Segurança e Geração de Trabalho e Renda não
existem diferenças fundamentais que justifiquem a disputa entre os quatro candidatos.
Conforme foi demonstrado, existem apenas algumas ligeiras diferenças, no entanto,
as questões de fundo, de natureza mais ideológica, não fizeram parte da disputa dos
principais candidatos da campanha em estudo.
A defesa do SUS, da escola pública, de uma segurança pública que respeite os
direitos humanos e uma política de desenvolvimento com a garantia da estabilidade foi
312
parte constitutiva do discurso dos quatro candidatos. O que poderia ser um grande divisor
de águas, a luta contra qualquer um desses pontos, não aconteceu. Os defensores abertos da
iniciativa privada nas políticas públicas não estavam entre os principais candidatos à
Presidência da República.
Uma resposta para tal situação pode ser encontrada na origem de tais candidaturas:
todas nasceram de partidos e grupos sociais com grandes afinidades políticas e parceiros de
outras campanhas políticas.
Sendo assim, a diferença para os eleitores tinha que ser demarcada na forma de
apresentar suas propostas, encaminhar sua campanha e se posicionar como defensor ou
crítico do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Nesse sentido pode ser observado como o discurso dos candidatos utilizou-se de
recursos como universalização, narrativação, dissimulação, unificação, fragmentação e
reificação para validar suas candidaturas. No intuito de melhor analisar tal afirmativa, e
evidenciar como a diferenciação entre os candidatos foi sendo buscada, foram elaborados
quadros exemplificativos de tais comportamentos.
Quadro 14 Argumentos utilizados para as distintas políticas
Serra Lula Ciro Garotinho ...)Projeto fundamental de nosso governo é a rede Quero-Quero de creches e pré-escola (...) (...) quando uma pessoa chega na farmácia e compra um remédio genérico gastando menos, quando um idoso volta a enxergar depois que fez a operação de catarata, quando uma mãe ver seu filho nascer com saúde pelo atendimento que teve durante a gravidez, quando alguém doente de AIDS recebe p alívio dos medicamentos adequados. Tudo isso me dá uma sensação muito boa de dever cumprido e junto com ela vem a vontade enorme de continuar trabalhando muito
(...)É verdade que hoje em dia existem mais brasileiros na escola e o PT contribuiu muito com isso. (...)Essa diferença entre a educação dos filhos dos que podem mais e a educação dos filhos dos que podem menos é uma dos mais sérios problemas brasileiros. (...)O sofrimento, a humilhação, e muitas vezes o risco de quem vai a um hospital Público é muito grande. Eu já senti isso na pele. . (...)para sair da crise o Brasil precisa mudar de rumo, se continuar na mesma só iria enfraquecer ainda mais o país e aumentar o sofrimento do povo brasileiro.
(...)O futuro de uma
grande nação como o
Brasil, tem que ser
construído todos os
dias.
(...)Na escola o ensino tem que ter qualidade e preparar para a vida e para o trabalho. (...) A política da saúde terá cinco diretrizes: saneamento básico; complementação alimentar e difusão de práticas de higiene e vacinação; elevar o investimento em saúde; assegurar que a maior parte do dinheiro do SUS fique no sistema público; defender o interesse popular diante dos empresários privados da saúde e da indústria farmacêutica.
poupado para eliminar de nosso panorama social esse flagelo que impede o exercício da cidadania por parte de milhões de brasileiros. (...) Investir em saneamento e em esgotamento sanitário. (...) também se preocupar com a saúde da gestante, do recém-nascido, da criança, do idoso e dos portadores de necessidades especiais, assistindo-os por meio de políticas específicas, cujos resultados serão monitorados e acompanhados pela sociedade.
313
continuar trabalhando muito (...)A diferença é que eu tenho dito claramente onde vou fazer, como vou fazer, detalhadamente.
(...)O Governo José Serra criará o Ministério da Segurança Pública, ao
qual ficarão subordinadas a Polícia
Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
Paralelamente ao enfrentamento imediato do crime organizado, o
Ministério da Segurança Pública, articulado com as autoridades estaduais, proporá e coordenará a execução de uma ampla
reestruturação dos órgãos de segurança.
enfraquecer ainda mais o país e aumentar o sofrimento do povo brasileiro.
(...)Um projeto para Segurança Pública para dar certo tem que atacar
em três frentes: a primeira coisa a fazer é colocar para fora todas
os policiais corruptos de todas as patentes, em
segundo temos que ter uma polícia bem
equipada e em terceiro é fundamental também
criar o projeto d primeiro, investir em
educação, lazer, esporte e cultura.
empresários privados da saúde e da indústria farmacêutica. (...) não abrirei mão do meu dever de presidente para impor o cumprimento das leis contra o crime organizado e a violência.
(...)fiz como governador do Rio de Janeiro. Agora, como Presidente vou fazer em todo o Brasil: criar empregos, construir casas populares, aumentar o salário mínimo. (...) O programa ‘jovens pela paz’ ofereceu bolsas de 250 reais para jovens de 15 a 24 anos que passaram prestar serviço de saúde, educação, esporte e lazer as populações mais carentes.
O candidato Serra apresentou-se sempre como um professor. O seu argumento foi
racional e a tônica foi dizer que sabe fazer acontecer. O centro do seu discurso foi que nos
distintos momentos de sua atuação política soube retirar do papel os projetos e transformá-
los em realidade. A sua atuação como estudante, professor, secretário de governo e ministro
foi sempre utilizada de forma pedagógica. Os projetos como o de combate a AIDS, de
combate ao fumo e da produção de fármacos conhecidos como genéricos serviram para
enfatizar a capacidade de gestão do candidato.
Lula, por sua vez, explorou sempre a emoção e a sua vivência pessoal.
Diferentemente de todos os candidatos, sua história foi a de uma pessoa pobre, nordestina,
trabalhadora, que conheceu os dramas da desigualdade no País e tinha todas as condições
de resgatar o débito social. A competência na gestão e a validação do programa sempre foi
apresentada como resultante de equipes de profissionais do mais alto nível do País.
Ciro apresentou-se como um político que possuía experiência administrativa e
possuía um programa que é resultante do encontro dele com o cientista político Roberto
Mangabeira Unger. Apresentou-se como um crítico do “neoliberalismo compungido e do
discurso mentiroso do tudo pelo social”. O seu perfil como candidato era o de um homem
314
corajoso e disposto a criar a alternativa para acelerar a política transformadora e superar a
divisão do Brasil entre vanguarda e retaguarda. As suas propostas enfatizaram a
necessidade de financiar e construir um Estado capaz de liderar um projeto de
desenvolvimento.
Garotinho utilizou-se também do seu passado: homem público comprometido com o
povo, pai devotado à família e bom cristão. O recorte explorado foi o de um gestor
competente e comprometido com os interesses da maioria do povo. Seus exemplos
procuraram fazer a relação do que fez com o que foi feito por Getúlio e Juscelino. Nesse
sentido, até as críticas de populismo foram rebatidas com o argumento de que as mesmas
acusações eram feitas aos dois presidentes escolhidos como modelo. O importante para o
candidato era afirmar que faria o que estava prometendo, mesmo sem dizer como poderia
chegar a tal resultado.
Os quatro candidatos abordaram a questão democrática como uma necessidade de
participação efetiva da sociedade nas decisões, nos planos de governo e nas coisas públicas.
Contudo, os conceitos de cidadania implícitos nas apresentações, contudo, variaram de uma
cidadania assistida (quando o discurso caminhava para o populismo – como no caso do
Garotinho) para uma cidadania emancipada (como em algumas falas do Lula). A
evidênciancia de tais concepções se fizeram quando os discursos trataram do formato do
Estado, das relações econômicas e das formas de participação da sociedade nas decisões
políticas que envolvem diferentes esferas de poder.
Quadro 15 Depoimento de apoiadores
Serra Lula Ciro Garotinho Rita Camata (vice na chapa de Serra): “Nós mulheres sabemos que tem muita coisa boa que não pode parar de uma hora para outra, Eu acompanho o trabalho de José Serra a muito tempo,
O que está em questão não é o que realizamos ou deixamos de realizar,O que está em jogo é o futuro do Brasil.
Luís Marinho (Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC): Todo projeto que cria mais postos de trabalho será visto com muita simpatia pelos sindicatos. Esse projeto do Lula para o primeiro emprego é um bom exemplo disso. Ivo Rosset ( Presidente da Valiseree): sem dúvida o seu projeto para o primeiro emprego sinaliza o começo de uma nova relação entre governo, empresários e trabalhadores onde todos vão ganhar.
Paulinho (vice na chapa do candidato): Nos enganamos duas vezes. Hoje são mais de 11 milhões e 700 mil desempregados e estão querendo nos enganar de novo.
Zélia Gattai: “Acompanho há muitos anos a trajetória política de Ciro Gomes.
Padre Herculano: “Estarei dando meu voto a um candidato cujo compromisso de amor do próximo é testemunho maior de nossa fé.”
Arleir Bellieny: “Estou com Garotinho por ver nele um homem preparado para ser presidente de todo o povo brasileiro.”
Pastor Silas Malafaia: “Pra presidente da república, Garotinho 40”.
315
jogo é o futuro do Brasil.
Nana Caime – Cantora: se eu estou apoiando o Serra é porque eu vi as coisas que ele fez, por isso eu acredito nesse homem.
Lucinha Araújo – Mãe do Cazuza:Eu voto no serra pelo magnífico trabalho que ele fez no ministério da saúde. Roberto Rodrigues (presidente da Associação Brasileira de Agronegocios): Regina Duarte (atriz): To com medo. Faz tanto tempo que eu não tinha esse sentimento. Porque eu sinto que o Brasil nessa eleição corre o risco de perder toda a estabilidade que foi conquistada..
sinaliza o começo de uma nova relação entre governo, empresários e trabalhadores onde todos vão ganhar.
Hoje, eu voto em Ciro Gomes para a presidência da república sem medo de errar.”
Patrícia Pillar (atriz): Todo mundo sabe que sou a mulher do Ciro. Mas não pense que o meu amor é cego. Se o Ciro não fosse honesto, competente e apaixonado pelo Brasil certamente eu não me envolveria nessa batalha.
Garotinho 40”.
Gisela Mclaren (Vice presidente de um estaleiro): “O Garotinho foi o único governador que na realidade defendeu a construção naval e foi o responsável para que os estaleiros voltassem a empregar o que hoje eles vêm empregando de funcionários .”
Rosinha Garotinho: Olá, eu sou Rozinha Garotinho, mulher de Garotinho. E nesses 22 anos que eu o conheço e tenho a felicidade de dividir a vida com um ser humano muito especial.
A universalização e “narrativação” foram duas formas de abordagem muito
utilizadas pelos apoiadores dos candidatos nos seus depoimentos nos programas eleitorais.
Os apoiadores na quase totalidade dos casos se situaram no âmbito da narrativa, de uma
história contada, de um discurso que narrava uma seqüência de acontecimentos. Embora os
apoiadores tenham variado conforme a estratégia de cada candidato, a sistemática utilizada
foi a mesma.
Serra explorou personalidades políticas, intelectuais e artísticas envolvidas em
projetos oficiais; Lula buscou a intelectualidade e o mundo artístico reconhecido como de
esquerda e de elevada competência; Ciro procurou mais personalidades reconhecidas como
competentes e ligadas ao seu governo ou Ministério; e Garotinho buscou religiosos e
sindicalistas ou lideranças do Rio de Janeiro.
Quadro 16 Exemplos utilizados
316
Serra Lula Ciro Garotinho Serra disse que ia aprovar a lei do genérico. Dito e Feito.. Serra disse que ia ampliar o programa Saúde da Família. Dito e Feito. Serra disse que ia acabar com a longa fila para cirurgia de catarata. Dito e Feito. Serra disse que ia cuidar da saúde das mulheres. Dito e Feito.
(...) O Deputado Eduardo Jorge do PT, o mesmo que criou a lei dos remédios genéricos, me chamou a atenção para um projeto muito interessante que já existia em Pernambuco. Uma rede de farmácias com remédios a preços populares. (...) Marta Suplicy (prefeita de São Paulo): Este é o programa Vai e Volta da prefeitura de São Paulo. Além de garantir transporte de graça para as crianças que moram longe da escola, o programa também dá o uniforme completo e mochila com todo o material básico que a criança precisa para estudar, como caderno, régua, tesoura e lápis de cor.
Patrícia Pillar: Agente sabe que quando o Ciro foi governador do Ceará foi considerado o melhor do Brasil. Patrícia: E um bom governo agente nunca esquece. Quem viveu no Ceará durante o governo do Ciro está com ele. População: Votar no Ciro é vê o Brasil crescer. Votar no Ciro é vê a continuidade do que ele fez no Ceará; Ele fez uma revolução (...) Ele é o presidente do povo (....) (...) Fez muito pelo Ceará e vai fazer muito pelo Brasil;
(...) Garotinho aumentou o salário no Rio de Janeiro para 240 reais. Agora, para chegar aos 280 que Garotinho vai dar em maio de 2003 só falta 40. (...)Quando foi governador, Garotinho trouxe grandes empresas, entre elas a CINTRA , a VÉSPER e a INTELIG. Garotinho criou em todo o estado mais de 180 mil novos empregos. Beneficiária 2: Esse cheque cidadão do Garotinho mudou, sabe. Porque agora eu não preciso mais pedir nada a ninguém. Beneficiária 3: Nem comer comida de latão de lixo com os meus filhos.
Os exemplos utilizados pelas propagandas dos candidatos seguiram a mesma lógica
utilizada nas críticas. Unificar quando era o interesse eleitoral e fragmentar, ou seja, se
distanciar, quando a campanha assim impunha.
Quadro 17 Exemplo de críticas
Serra Lula Ciro Garotinho
“O desemprego é grave em todo o mundo. No Brasil nove em cada 100 pessoas economicamente ativas estão sem emprego. Na Argentina são 21 %, na Venezuela, 16%, na Espanha 11%, na França 9%, na Alemanha 8%. Até nos Estados Unidos são 6 desempregados em cada 100. Tudo isso é reflexo de uma crise mundial que vem afetando todos os países. No Brasil não é diferente a economia brasileira teve crescimento lento nos últimos anos e esse é um dos motivos do desemprego.
O governo conduziu a economia brasileira para ficar dependente do capital externo. Eu acredito que se esqueceu no Brasil uma lição que toda mulher e homem sabe, que agente só vai para frente se trabalhar, se produzir, e o Brasil esqueceu de produzir.
Na verdade essa tragédia tem uma causa, é conseqüência de muita corrupção e de um modelo econômico que se rendeu a uma globalização perversa e desumana que nos é imposta pelos interesses da especulação
Esse modelo econômico que privilegia os banqueiros, deixando a milhões de brasileiros sem emprego especialmente os jovens, sofrem todos os jovens, mas principalmente os das periferia.
317
países. No Brasil não é diferente a economia brasileira teve crescimento lento nos últimos anos e esse é um dos motivos do desemprego.
Agente vê o governo mandar encomendas que poderiam gerar trabalho para o exterior, quando agente poderia está gerando empregos e recuperando a nossa industria naval. O grande problema do Brasil é que algumas autoridades brasileiras não querem conhecer o Brasil. Porque se as nossas autoridades conhecessem ertamente eles iam ver tanta miséria que eles iriam tentar fazer com que o emprego passasse a ser obsessão de todo mundo.
As críticas utilizadas durante a campanha foram pródigas em fragmentar e
unificação do discurso. Dependendo do caso e da necessidade dos candidatos em cada
momento do pleito, um ou outro recurso de tal natureza foi utilizado. Cada candidato,
sabiamente, ou seus marqueteiros, se afastaram de casos ou situações-problema e uniram-
se a outros fatos quando a lógica eleitoral assim recomendava.
Todos os candidatos opositores de Serra se afastaram das iniciativas do governo
Fernando Henrique Cardoso e fizeram tudo para demarcar a situação de opositores. Ciro
teve que fazer crítica à política econômica, sem deixar de dizer que fez parte do grupo que
criou o Plano Real. Lula tinha que defender o financiamento da educação, sem poder fazer
as críticas que fazia anteriormente ao FUNDEFE. Garotinho tinha que ser o novo sem
deixar de responder pelo que foi feito no governo do Rio de Janeiro. Até mesmo o Serra
tinha que defender o governo anterior e dizer que não seria a mesma coisa do governo que
defendia.
Os quatro candidatos não tinham uma história de defensores de uma política
econômica monetarista, vinham de outras experiências; embora teoricamente defendessem
o desenvolvimentismo, as práticas políticas fizeram com que moderassem suas teses. Serra
tinha que compatibilizar suas idéias com as do governo de Fernando Henrique Cardoso,
318
Ciro, como governador, teve que no final do seu governo adequar-se aos paradigmas
internacionais; Lula assinou a “Carta aos Brasileiros” e Garotinho, embora com seu
discurso populista, não podia negar a necessidade de ter adequado seu governo à realidade
econômica do País e do mundo.
No tocante à participação popular, todos os candidatos fizeram promessas e
salientaram a importância da opinião popular no desenvolvendo de seus programas
políticos. O discurso mais próximo de uma visão de cidadania emancipada, todavia, foi o
do Lula: o candidato sempre destacou o saber popular e disse que sua pretensão era se
apoiar em todos e se beneficiar de tal conhecimento; no entanto, seus opositores ficaram
mais próximos de uma defesa de cidadania tutelada, haja vista que falaram de participação
mais como forma pedagógica de administrar as coisas públicas. Serra, Ciro e Garotinho
sempre defenderam a participação popular, todavia o discurso da competência de ambos fez
com que o conceito de cidadania ficasse limitado: o saber e a experiência sempre eram os
dos candidatos.
Nesse sentido, os conceitos de democracia, participação e cidadania nos discursos
do primeiro e segundo turnos não evidenciaram mudanças substanciais. A matriz ideológica
entre os quatro candidatos com maior perspectiva eleitoral e os dois que foram para o
segundo turno transformou a campanha numa disputa muito mais voltada para a conquista
da credibilidade. A luta deixou de ser programática para se voltar para a conquista da
imagem do futuro presidente, ou seja, transformou-se secundariamente numa luta por
projetos governamentais e, prioritariamente, pela confiança do eleitorado na experiência do
candidato, lucidez do próximo presidente, conhecimento dos anseios do povo, honestidade
e compromisso com as reivindicações populares.
A vitória de Lula foi a prevalência da paixão sobre a razão. A conquista pela
emoção, pelos sentimentos de identidade e pela confiança no futuro: a esperança se
sobrepondo ao medo. O que em outras campanhas tinha sido utilizado como ponto negativo
se afirmou como ponto forte na distinção entre os quatro candidatos: Lula era quem vinha
de baixo. Lula se diferenciava de todos porque era o único que tinha vivido o que
denunciava. Todos puderam afirmar e explicar seus programas. Todos, com maior ou
menor capacidade de convencimento, foram bons professores e oradores; todavia, somente
um podia dizer que sabia o que dizia porque tinha vivido o drama de ter nascido no seio de
319
uma família pobre do meio rural nordestino, tinha vivido as dificuldades de quem procura
emprego em São Paulo, de ter sido operário, líder sindical e fundador de um partido com
forte inserção nos movimentos populares.
A distinção dos conceitos estudados não se faz com ênfase nos discursos
programáticos, mas, sobretudo, nas práticas dos respectivos candidatos. O que fez a
diferença foram as histórias de vida. O operário metalúrgico gerou mais confiança do que o
engenheiro que sabe ser professor, o advogado e político desaforado e o político popular.
Os conceitos de democracia, participação e cidadania – para a maioria do eleitorado –
foram entendidos como algo parecido com o que o candidato mostrava familiaridade: o seu
dia-a-dia de líder popular.
320
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entender o discurso dos candidatos à Presidência da República às eleições de 2002
foi para o nosso estudo uma tentativa de esmiuçar e desconstruir sentidos, principalmente
em razão da a alta competitividade de tal pleito, que colocava as esquerdas brasileiras em
confronto direto. Os candidatos que se apresentaram nessa disputa identificavam-se com a
mudança, a ruptura e com a possibilidade de solução para os problemas urgentes do País. A
democracia esteve presente na fala de cada um dos quatro candidatos, embora sem
diferenciação muito clara de tal conceito. Em seus planos de governo, os princípios
democráticos foram a base da definição de suas políticas públicas, levando-nos a questionar
se existiam ou não diferenças fundamentais nos discursos dos candidatos, visto que cada
um procurava delimitar sua diferença do outro.
Para identificar as nuanças que cercam as falas e os discursos propostos, foi preciso
em primeiro lugar reaver os conceitos de democracia, participação e cidadania, visto que
neste estudo tais conceitos nos permitiram entender melhor o sentido condutor da
campanha e do pleito de 2002.
Como afirmamos no primeiro capítulo, democracia é um conceito construído
historicamente que tem seus fundamentos no pensamento grego, que passou mudanças
importantes de definição na Modernidade e está em permanente formulação. Talvez por sua
importância nas sociedades modernas, tal conceito seja sempre revisto, reavaliado e
reestruturado. Nesse sentido é que as correntes ideológicas procuraram nos últimos tempos
adequar os princípios democráticos a formas específicas de exercício do poder. O
pensamento liberal recobra o pensamento democrático modificando a base da deliberação
para dar ênfase ao conceito de representação e delegação. Conduz a sociedade democrática
para um individualismo, distanciando-se do sentido de participação ampla e de uma
cidadania emancipada. A socialdemocracia combina princípios liberais com os
fundamentos do socialismo, conservando a liberdade e a igualdade de direitos. Distancia-se,
no entanto, da concepção de liberdade positiva e negativa dos liberais por considerar a
importância dos direitos sociais. O surgimento do neoliberalismo da década de 1980 induz
a uma reavaliação de princípios e introduz novos elementos ao pensamento
socialdemocrata a partir do que foi determinado no Consenso de Washington. A
321
globalização como fenômeno desse novo modelo intensificou segundo Guiddens, as
relações sociais, realizando, no sentido mais extremo do termo, uma interconexão das
nações, fenômeno esse que encurta as distâncias, revela as diferenças e amplia a
comunicação, levando as sociedades contemporâneas a uma proximidade exacerbada a uma
identidade global; mas, longe de serem consensuais as idéias sobre a positividade das novas
relações globais, os críticos desse novo modelo apontam as divergências internas dos
princípios neoliberais que se espalham com a globalização. Existem interesses antagônicos
no cerne do modelo neoliberal muitas vezes escamoteados pelo discurso global. São
conflitos no campo social, político, econômico e cultural que devem ser analisados para
melhor compreensão do momento histórico que enfrentamos. Por isso a nova esquerda
propõe uma reavaliação de tal ideologia por considerar que tanto o neoliberalismo quanto a
globalização contribuíram para a ampliação das desigualdades sociais, não mais em termos
locais ou nacionais, mas globais. As experiências nacionais tiveram que ser fortalecidas
para com isso estabelecer uma corrente contrária ao discurso neoliberal. É a realização de
uma contra-hegemonia que estabelece novos caminhos para o enfrentamento de problemas
sociais locais, advindos de respostas encontradas para pressões globais.
Nessa perspectiva, se inserem as propostas políticas que permeiam as eleições de
2002. Os candidatos estabelecem suas ideologias com base na consolidação das instituições
democráticas e na proposta de políticas públicas de inclusão.
Isto nos leva a observar que os quatro candidatos em disputa, por serem integrantes
ou originários de partidos de esquerda, possuíam retóricas semelhantes, voltadas para o
enfrentamento dos problemas sociais e a crítica à política econômica. Embora sem grandes
distinções de conteúdo, no entanto, podemos perceber a existência de diferenças na forma
de elaboração das críticas e das soluções apresentadas pelos candidatos em seus programas
eleitorais.
O candidato Serra cumpria o seu papel de difusor do governo Fernando Henrique
Cardoso, apesar de se dizer um candidato independente, com um plano de governo próprio;
contudo preservava aquilo que considerava positivo e modificava o que achava negativo no
governo de que fazia parte e o apoiava. Sua atitude política-ideológica reafirmava que
voltaria seus esforços para realização de ampla rede de proteção social: principalmente
quando destacava as políticas implementadas durante sua gestão no Ministério da Saúde.
322
Assim como Serra, Ciro também possuía parte de sua base política na esquerda
(PPS), fundamentada em princípios que variavam da socialdemocracia para a nova
esquerda. Foi do PMDB e depois ajudou a fundar o PSDB, onde participou ativamente na
estruturação do partido no plano nacional. Ajudou a conceber e implementar o Plano Real.
Nas eleições de 2002 apresentou-se com um discurso crítico ao neoliberalismo e às
políticas implementadas no governo Fernando Henrique Cardoso. Elaborou um programa
de governo alternativo em conjunto com Mangabeira Unger, um dos teóricos da Terceira
Via.
Garotinho, apesar de ter construído sua vida política nos partidos de esquerda,
aparece com um discurso populista. A sua fala está apoiada principalmente na sua atuação
à frente do governo do Estado do Rio de Janeiro e no resgate de símbolos importantes da
política nacional, como Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek. Fez duras críticas ao
neoliberalismo e ao governo socialdemocrata do presidente Fernando Henrique Cardoso e
se apresentava como a alternativa viável para recuperar o desenvolvimento do País. Seu
discurso ressaltava o nacionalismo e utilizava-se do elemento religioso como forma de
demarcar sua conduta ética e política.
O candidato Lula, no entanto, foi, dentre os quatro, o mais próximo da chamada
nova esquerda. Sua história política sempre o aproximou dos movimentos sociais:
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, fundador da Central Única dos
Trabalhadores - CUT e fundador do maior partido de esquerda da América Latina. Lula
chegou às eleições de 2002 como favorito: reconhecidamente era de oposição; vinha de três
tentativas de chegada à Presidência da República – portanto nome conhecido do eleitorado;
o governo de Fernando Henrique Cardoso se encontrava muito mal avaliado pela
população; a conjuntura internacional fazia com que a situação econômica do País piorasse;
o candidato se mostrava como tendo se preparado durante toda a sua militância para superar
os entraves conjunturais do País e contava com o apoio da sociedade civil. O medo das
elites com relação à possibilidade de um processo de “esquerdização” foi respondido
inicialmente com a escolha de um empresário para ser o seu candidato a vice-presidente e,
posteriormente, com a “Carta ao Povo Brasileiro”, o que tornava o seu discurso mais
próximo dos demais candidatos.
323
Para melhor compreendermos o clima político das eleições de 2002, no entanto,
consideramos indispensável analisar a forma como foram tratadas todas as questões
levantas há pouco no ambiente dos programas eleitorais na televisão, visto que os meios de
comunicação de massa foram nesse pleito, como já tinham sido em processos eleitorais
anteriores, um dos grandes responsáveis pelo resultado final das eleições. Sem dúvida, as
mensagens simbólicas foram absorvidas de maneira mais rápida e intensa pelo público
eleitor através dos media, haja vista que a ocorrência de tal fato decorre principalmente da
adequação da política e dos próprios candidatos ao formato midiatico.
Podemos, então, verificar que a utilização dos veículos de comunicação de massa
teve inicio bem antes do processo eleitoral, já no inicio do ano de 2002 (ou até bem antes se
considerarmos a trajetória do Lula), visto que, desde o inicio, o debate eleitoral tomou
conta dos jornais, revistas, telejornais e outros veículos de comunicação, o que possibilitou
ao eleitor maior acesso à informação; no entanto, o debate político nos meios de
comunicação de massa não foi fomentado apenas pelo jornalismo político, mas contou com
o interesse de partidos políticos e dos próprios candidatos ou pré-candidatos. A disputa,
portanto, não era apenas política/eleitoral, mas também de visibilidade, o que ocasionou
uma disputa acirrada pelo controle da agenda política. Também nos programas eleitorais
gratuitos na televisão podemos perceber tal disputa. Todos os candidatos se valeram de
profissionais do Marketing na orientação de seus programas de tv que utilizaram todos os
recursos da publicidade para construção da imagem de seus candidatos. Apesar de não ser a
primeira vez que especialistas da mídia coordenaram campanhas políticas, o pleito de 2002
se caracterizou por ser uma campanha de um Marketing intenso.
As principais propostas políticas dos candidatos estavam pautadas em quatro
principais eixos: educação, saúde, geração de emprego e renda e segurança pública. De
fato, tais temas refletiam as dificuldades enfrentadas pela população e não poderiam deixar
de ser temas centrais no debate político. As criticas e propostas advindas da discussão
desses temas levaram os candidatos a se deterem de forma mais detalhada na elaboração de
propostas de políticas que viessem a enfrentar os desafios em áreas tão complexas. Dessa
forma, podemos perceber as identidades e diferenças nas propostas apresentadas pelos
candidatos, ou seja, em que tais propostas se aproximavam e em que se distanciavam.
324
A identidade das propostas dos candidatos Serra, Ciro, Lula e Garotinho é muito
clara, pois houve não diferenças profundas, não estabeleceu um debate ideológico. Todos
os candidatos defenderam o SUS, o papel da segurança pública no respeito aos diretos
humanos, a universalização do ensino e uma política de desenvolvimento com garanta da
estabilidade do País.
As diferenças, no entanto, foram identificadas na forma de apresentação do
discurso, no posicionamento de cada um, na atitude de defensor ou crítico do Governo
Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos foram utilizados sistematicamente e de forma
competente como forma de legitimação ideológica. Os programas eleitorais difundiram
mensagens que ora universalizaram, dissimularam, unificaram ou fragmentaram as
propostas conforme os interesses. A desconstrução das falas, das imagens e dos sons nos
permitiu concluir que as propostas políticas se aproximaram no seu conteúdo e se
diferenciaram na forma dos candidatos apresentá-las.
A conclusão chegada, contudo, impõe uma reflexão: o pleito de 2002 deixou de
centrar sua campanha nos aspectos programáticos para privilegiar as formas e
possibilidades da tecnologia midiática. Portanto, a fala dos candidatos cedeu lugar aos
Maqueteiros. O político real ficou escondido, ou parcialmente desvelado, no que deveria
ser o fundamental de uma campanha para Presidente da República. Essa constatação
fundamenta uma convicção da necessidade de repensar as campanhas políticas: horário dos
programas, imagens externas, editoração de imagens, depoimentos, manipulação de dados,
tudo que vem sendo priorizado no momento, ou seja, maquiagem dos candidatos.
325
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Exame
A Carta
Isto é
Primeira Leitura
Jornais:
O Povo
Diário do Nordeste
Folha de São Paulo
Jornal do Brasil
Correio Brasiliense
Documentos de Campanha:
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