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DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA – EPUSP PNV-2321 Termodinâmica e Transferência de Calor Primeira Prova – 29/4/2002 – SOLUÇÃO Questão 1 (3 pontos) A Fig. 1 mostra um conjunto cilindro-pistão com área transversal A e altura D. Um pistão adiabático muito fino de massa desprezível separa a câmara em duas regiões. Inicialmente a região superior à pressão atmosférica contém água a 20ºC e a inferior contém um volume V 0 de água com título x 0 . Transfere-se, então, calor à região inferior de modo que o pistão inicia um movimento ascendente que provoca o transbordamento gradual da água da região superior. Este processo continua até que o pistão alcança o topo do cilindro. Determinar o calor transferido bem como o estado final d’água. A pressão atmosférica é p 0 e a aceleração da gravidade é g. Admitir que as propriedades da água são funções conhecidas. Figura 1 – Conjunto cilindro-pistão Solução O calor transferido durante o processo é dado pela 1 a Lei aplicada ao sistema constituído pela água na região inferior do cilindro: Q 01 - W 01 = U 1 - U 0 , onde 0 é o estado inicial da água saturada e 1 é seu estado final, conforme descritos na questão. Precisamos, portanto, determinar a energia interna da água nos dois estados e calcular o trabalho realizado pela água no processo. Uma rápida reflexão sobre os cálculos necessários revela que será preciso conhecer a pressão da água ao longo de todo o processo. Vamos determinar sua expressão geral. Admitindo que o processo seja quasi-estático, a pressão da água é dada pela soma da pressão atmosférica com a pressão hidrostática da coluna d’água. Vamos definir uma coordenada vertical z, positiva para cima, com origem no fundo do cilindro. Em função desta coordenada, a pressão é dada por: p( z) = p 0 + rgD - z ( ) , onde r é a densidade da água na região superior r = r p = p 0 , T 0 = 20 o C ( ) , g é a aceleração da gravidade e D é a altura do cilindro, todas conhecidas e admitidas constantes. Note-se que o valor inicial de z não é zero; ele é determinado pelo volume inicial da água saturada: z 0 = V 0 A . A massa do sistema m s é determinada pelo volume inicial V 0 (dado) e pelo volume específico v 0 = v 0 pz 0 ( ) , x 0 ( ) : m s = V 0 v 0 , onde x 0 é o título inicial do sistema (dado) e pz 0 ( ) = p 0 + rgD - V 0 A ( ) . Estado Inicial A energia interna inicial do sistema é, assim, determinada: U 0 = m s u 0 pz 0 ( ) , x 0 ( ) Estado Final No estado final, a pressão é dada apenas pela pressão atmosférica: p 1 = p 0 (a qual pode ser obtida fazendo z = D na equação geral da pressão). Sendo a massa do sistema constante e seu volume conhecido no estado 1, podemos calcular seu volume específico: v 1 = AD m s . Desta forma, a energia interna final do sistema é determinada: U 1 = m s u 1 p 1 , v 1 ( ) Trabalho Realizado Resta agora calcular o trabalho W 01 realizado pelo sistema ao longo do processo. Admitindo processo lento (quasi-estático), a expansão é totalmente resistida e a força contra a qual o sistema realiza trabalho é dada pelo produto da pressão do sistema ao longo do processo pela área do pistão. O trabalho é o produto desta força pelo deslocamento efetuado: W 01 = pz () A dz z 0 z 1 Ú , ou ainda: W 01 = pV ( ) dV V 0 V 1 Ú

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DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA – EPUSP

PNV-2321 Termodinâmica e Transferência de Calor

Primeira Prova – 29/4/2002 – SOLUÇÃO

Questão 1 (3 pontos)

A Fig. 1 mostra um conjunto cilindro-pistão com áreatransversal A e altura D. Um pistão adiabático muitofino de massa desprezível separa a câmara em duasregiões. Inicialmente a região superior à pressãoatmosférica contém água a 20ºC e a inferior contémum volume V0 de água com título x0. Transfere-se,então, calor à região inferior de modo que o pistãoinicia um movimento ascendente que provoca otransbordamento gradual da água da região superior.Este processo continua até que o pistão alcança otopo do cilindro. Determinar o calor transferido bemcomo o estado final d’água. A pressão atmosférica ép0 e a aceleração da gravidade é g. Admitir que aspropriedades da água são funções conhecidas.

Figura 1 – Conjunto cilindro-pistão

Solução

O calor transferido durante o processo é dado pela 1a

Lei aplicada ao sistema constituído pela água naregião inferior do cilindro:

Q01 -W01 = U1 -U0, onde 0 é o estado inicial daágua saturada e 1 é seu estado final, conformedescritos na questão. Precisamos, portanto,determinar a energia interna da água nos dois estadose calcular o trabalho realizado pela água no processo.

Uma rápida reflexão sobre os cálculos necessáriosrevela que será preciso conhecer a pressão da água aolongo de todo o processo. Vamos determinar suaexpressão geral. Admitindo que o processo seja

quasi-estático, a pressão da água é dada pela soma dapressão atmosférica com a pressão hidrostática dacoluna d’água. Vamos definir uma coordenadavertical z, positiva para cima, com origem no fundodo cilindro. Em função desta coordenada, a pressão édada por:

p(z) = p0 + rg D - z( ) , onde r é a densidade daágua na região superior

r = r p = p0,T0 = 20oC( ) , gé a aceleração da gravidade e D é a altura do cilindro,todas conhecidas e admitidas constantes. Note-se queo valor inicial de z não é zero; ele é determinado pelovolume inicial da água saturada:

z0 = V0 A .

A massa do sistema ms é determinada pelo volumeinicial V 0 (dado) e pelo volume específico

v0 = v0 p z0( ),x0( ) :

ms = V0 v0 , onde x0 é o títuloi n i c i a l d o s i s t e m a ( d a d o ) e

p z0( ) = p0 + rg D -V0 A( ) .

Estado Inicial

A energia interna inicial do sistema é, assim,determinada:

U0 = msu0 p z0( ),x0( )

Estado Final

No estado final, a pressão é dada apenas pela pressãoatmosférica:

p1 = p0 (a qual pode ser obtida fazendo

z = D na equação geral da pressão). Sendo a massado sistema constante e seu volume conhecido noestado 1, podemos calcular seu volume específico:

v1 = AD ms . Desta forma, a energia interna final dosistema é determinada:

U1 = msu1 p1,v1( )

Trabalho Realizado

Resta agora calcular o trabalho W01 realizado pelosistema ao longo do processo. Admitindo processolento (quasi-estático), a expansão é totalmenteresistida e a força contra a qual o sistema realizatrabalho é dada pelo produto da pressão do sistemaao longo do processo pela área do pistão. O trabalhoé o produto desta força pelo deslocamento efetuado:

W01 = p z( )A dzz0

z1

Ú , ou ainda:

W01 = p V( ) dVV0

V1

Ú

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Como a expressão da pressão já está determinada,empregaremos a primeira forma, lembrando que osextremos da integração são:

z0 = V0 A e

z1 = D.

W01 = p0 + rg D - z( )[ ]A dzV0 A

D

Ú

W01 = p0Az + rgA Dz -z2

Ë Á

ˆ

¯ ˜

È

Î Í

˘

˚ ˙

V0 A

D

W01 = p0 AD -V0( ) +12

rgA D -V0

Ë Á

ˆ

¯ ˜

2

Percebe-se claramente que a primeira parcela daequação acima é o trabalho realizado contra a pressãoatmosférica; a segunda parcela representa o trabalhorealizado contra a pressão hidrostática decrescente.

Com U0, U1 e W01 calculados, o calor transferido estádeterminado, conforme a equação já mostrada. Oestado final da água foi determinado ao longo dasolução.

Questão 2 (2 pontos)

Vapor entra em um bocal com uma temperatura de150ºC e pressão de 300 kPa e sai com uma pressãode 150 kPa. Sabendo-se que a vazão de vapor é de 1kg/s, que a área da seção de entrada do bocal é de0,126 m2 e que a velocidade do vapor na saída é de375 m/s, obter a temperatura do vapor na saída dobocal (se ele for superaquecido), ou seu título (se elefor saturado), bem como a área da seção de saída.

Solução

Tomemos um volume de controle (VC) que envolveo bocal. Aplica-se ao problema a 1a Lei em regimepermanente:

˙ Q - ˙ W = ˙ m h2 +V2

2

2- h1 -

V12

Ë Á

ˆ

¯ ˜ , onde já fizemos

uso da equação da continuidade e desprezamosvariações de energia potencial. A vazão em massa

˙ m é dada e o calor trocado e trabalho realizado sãoadmitidos nulos.

Estado na Entrada

De p1 = 300 kPa e T1 = 150 oC, temos, da tabelas devapor: h1 = 2761,0 kJ/kg e v1 = 0,63388 m3/kg. Avelocidade do vapor na entrada fica então

determinada:

V1 =˙ m A

v1 = 5,03 m /s . A entalpia do

vapor na saída é, assim, dada por:

h2 = h1 +V1

2

2-

V22

2= 2690,7 kJ /kg

Uma vez que a pressão na saída é dada, o estado estáagora determinado. Das tabelas de vapor saturado à150 kPa, temos: hlíq = 467,08 kJ/kg e hvap = 2693,5kJ/kg. Logo, o vapor está saturado na saída do bocal(h2 < hvap). O título na saída é dado por:

x2 =h2 - hlíq

hvap - hlíq

= 0,9987

Para o cálculo da área de saída precisaremos dovolume específico do vapor na saída. Este é dado emfunção do título acima e dos volumes específicos dovapor e líquido saturados (das tabelas):vlíq = 0,001053 m3/kg e vvap = 1,1593 m3/kg:

v2 = x2vvap + 1- x2( )vlíq =1,1578 m3 /kg

A área da saída é, portanto, dada por:

A2 =˙ m v2

V2

= 3,09.10-3 m2 .

Questão 3 (3 pontos)

Uma turbina a vapor d’água é alimentada com vaporproveniente de duas caldeiras, conforme o esquemada Fig. 2. As caldeiras 1 e 2 geram vazões de vapor

1m& e 2m& a pressões e temperaturas p 1, p 2 e T 1, T 2,respectivamente. Como p1 > p2, é usada uma válvularedutora para equalizar as pressões. A turbinadescarrega vapor a uma pressão p5 com título x5.Determine as propriedades necessárias em todos ospontos do processo e, admitindo que a turbina sejaadiabática, calcule a potência gerada por ela.

m1, p1, T1

m2, p2, T2

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Fig. 2 – Turbina a vapor

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Solução

Determinação das Propriedades

Os estados 1 e 2 são dados, logo, das tabelas devapor, podemos obter:

h1 = h1 p1,T1( ) e h2 = h2 p2,T2( )

A entalpia h3 é determinada pela 1a Lei e equação dacontinuidade aplicadas a um VC em torno da válvulade expansão (processo de estrangulamento em regimepermanente): h3 = h1.

A entalpia no estado 4 é determinada pela 1a Lei eequação da continuidade aplicadas a um VC em tornodo trocador de calor de mistura:

˙ m 4 = ˙ m 1 + ˙ m 2˙ m 4h4 = ˙ m 1h3 + ˙ m 2h2

h4 =˙ m 1h3 + ˙ m 2h2

˙ m 1 + ˙ m 2

O estado 5 é dado, logo sua entalpia é conhecida:

h5 = h5 p5, x5( ) .

Cálculo da Potência

Em função das propriedades já calculadas, a potênciaproduzida pela turbina em regime permanente é dadapela 1a Lei aplicada a um VC em torno dela:

-WT = ˙ m 1 + ˙ m 2( )h5 - ˙ m 1 + ˙ m 2( )h4

WT = ˙ m 1 + ˙ m 2( ) h4 - h5( )

onde desprezamos trocas de calor (turbina adiabática)e variações de energia potencial.

Questão 4 (2 pontos)

A Fig. 3 mostra o esquema de um motor térmico.Determine, utilizando os valores fornecidos na figura,se esta máquina é reversível, irreversível ouimpossível. Justifique.

TH = 1000 K

TL = 400 K

QH = 325 kJ

QL = 125 kJ

W = 200 kJ

Fig. 3 – Motor térmico

Solução

Do ponto de vista da 1a Lei, o motor apresentadoé possível uma vez que há conservação deenergia:

W = QH - QL . Resta verificar a relaçãoentre este motor e a 2a Lei. De acordo com a 2a

Lei (mais especificamente, um dos Teoremas deCarnot), nenhum motor térmico pode terrendimento superior ao do motor de Carnotoperando entre os mesmos dois reservatóriostérmicos. O rendimento do motor de Carnot entreos reservatórios dados é:

hCarnot =1-TL

TH

= 0,6

O rendimento do motor apresentado é dado por:

h =WQH

= 0,615

Como este rendimento seria maior do que o deCarnot, o motor apresentado é impossível.