DES - UNESP: Câmpus de Bauru - Faculdade de Arquitetura ... · Quando era questionado pelos meus...

40

Transcript of DES - UNESP: Câmpus de Bauru - Faculdade de Arquitetura ... · Quando era questionado pelos meus...

2

DES

A invenção de um des-objeto: Emergência, Arte Naïf e os pássaros.

Núcleo de Pesquisa PIPOLProjetos Integrados de Pesquisa On-Line

Diego MoralesOrientador - Prof. Dr. Dorival Campos Rossi

Junho . 2011

3

DES

. Tudo o que não invento é falso .

Manoel de Barros

4

DES

Agradecimentos

Os meus profundos agradecimentos são, primeiramente, aos meus pais, que sempre me apoiaram e me deixaram disponível para sonhar. Aos meus irmãos, Rodrigo e Vanessa, que mesmo pela distância nesses 4 anos, estiveram sempre tão presentes. A minha namorada, Renata, por me apresentar a poesia e a sensibilidade que agora transbordam minha vida. Obrigado por me fazer menos “parede” e mais “árvore”. E a toda a minha família, por estar sempre ao meu lado em todos os momentos da minha vida.

A todos da minha sala, prefiro fazer isso pessoalmente, do que realizar um raso agradecimento escrito. Por vocês terem me acompanhado e contri-buído, cada um de uma maneira, nessa fase tão transformadora de minhavida. Ao Lucão e o Diogão, pelo companheirismo e ótimos momentos ju-tos. Vou sempre me lembrar do 13B com muita alegria.

Ao Professor e orientador deste trabalho, Dorival Rossi, muito obrigado por me mostrar um Design infinito, instigante e sensível.

Agradecimentos especiais ao amigo e designer (dos melhores que conhe-ço) Luiz Gustavo Ferreira Zanotello, o Uva. Sem seu enorme talento e dis-ponibilidade, este projeto jamais seria possível.

5

DES

SumárioResumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08 Mapa de Conceitos ___________________________________ 10

Manoel de Barros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Despoesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14A primeira lesma ______________________________________ 15O amor pelas latas ____________________________________ 16 (Des)invenção__________________________________________ 17

Por um novo Design . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Des-objeto: conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21O instante ______________________________________________ 22Naïf-se! _________________________________________________ 23A bolha _________________________________________________ 24Por infinitos instantes possíveis ______________________ 26

Des-objeto: a forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28Quando um INPUT se faz essencial___________________ 29Infinitos mapas possíveis _____________________________ 30Entregue-se! ____________________________________________ 30

Transvendo Manoel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31Cores do Background __________________________________ 32Pássaros ________________________________________________ 32Folhas, galhos e pedras ________________________________33Orgãos _________________________________________________ 34Intimidade ____________________________________________ 35Algumas possibilidades ______________________________ 36

Considerações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

6

Resumo

“As coisas que não tem nome são mais pronunciadas por crianças.”

. Manoel de Barros .

DES

7

DES

Este trabalho nasce a partir de um encantamento através da poesia. Des-cobrindo o poeta Manoel de Barros e tendo contato com seus “instantes poéticos”, como ele próprio define a sua obra, repensei meu posiciona-mento sobre o mundo. Manoel, através da suas (des)invenções semânti-cas, treina nosso olhar sobre as coisas simples do mundo. Ao recuperar a nossa capacidade de descobrir poesia nas pequenas coisas, faz-nos crian-ças novamente, aproximando-nos das nossas origens. Todo esse resgate poético tem como princípio a idéia de que a infância tem as suas próprias de pensar e sentir, e que, ao longo da vida, essa percepção se dilui.

Proponho, neste trabalho, a invenção de um des-objeto: a criação de um ambiente poético através de ferramentas do Design Contemporâneo. Este trabalho não tem a intenção de ser algo grandioso e nem de transformar a vida das pessoas, mas, sim, de criar instantes – assim como os infinitos instantes presentes na poesia de Manoel de Barros.

Introdução

“Eu queria avançar para o começo. Chegar ao criançamento das palavras. Lá onde ainda urinam na perna”

. Manoel de Barros .

8

DES

9

DES

O projeto DES nasce, em essência, de uma lembrança da minha infância e do descobrimento, por mim, da sensibilidade presente na poesia. Esse en-cantamento deu-se através da poesia de Manoel de Barros e seus infinitos “instantes poéticos” possíveis.

Desde criança, tenho uma forte relação com os pássaros. Sua capacidade de voar e a sua liberdade sempre me causaram um certo deslumbramen-to. Quando era questionado pelos meus pais sobre o que gostaria de ser quando crescesse, logo dizia: “Quero ser um pássaro!”. O interessante é como após quase vinte anos, esta lembrança é tão clara em minha men-te, fazendo-me questionar sobre nós mesmos: quando foi que perdemos a capacidade poética presente nas crianças? Manoel de Barros mostra o caminho para esse retorno: a poesia.

Descobri Manoel de Barros por meio do documentário “Só dez por cen-to é mentira”, uma “desbiografia” do poeta. Desde então, suas palavras me perseguem. O poeta nos apresenta um olhar para o simples, para as “desimportâncias” da vida e, principalmente, para nossas raízes, a nossa infância. Manoel reinventa suas próprias realidades. Diz ele: “Tudo o que não invento é falso”, e faz isso através de um minucioso trabalho com as palavras, um trabalho de lapidação de significados que procede da comu-nicação do novo, do inesperado. Manoel tem o dom de fazer nascimentos através das palavras, e, assim, cria fluxos em uma “circulação de estados” em sua poesia – cria momentos.

O projeto tem como único objetivo a criação de um ambiente poético através da “invenção” de um “des-objeto” – e o chamo assim por este não ter nenhuma utilidade prática, e sim a intenção de criar um ambiente sensível; isso só se faz possível se tivermos, por essência, o pensamento rizomático como base:

“(...) o rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sem-pre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entra-das e saídas, com suas linhas de fuga”. (DELEUZE).

Pretendo, portanto, projetar uma máquina viva, capaz de receber informa-ções, codificá-las e transformá-las em algo novo. Um sistema que faz cria-ções através de relações simples, mas que seja complexo em termos de re-sultados possíveis. Um sistema a partir do qual seja possível potencializar infinitos instantes e possibilidades de conexões, assim como faz a poesia.

10

DES

Abaixo, temos um mapa relacionando os principais conceitos abordados no projeto. O mapa é um projeto que se constrói por uma infinidade de processos. Processos estes, que se iniciam desde o nosso nascimento e se desenvolvem e se atualizam durante as nossas vidas. Esta é só uma versão de muitas atualizações que virão, já que o mapa, por essência, é sempre “conectável, reversível, modificável.”

Mapa de conceitos

Manoel de Barros

“Há muitas maneiras de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira”

. Manoel de Barros .

11

DES

12

DES

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916. Fez sua infân-cia em Corumbá (MS), no Pantanal sul-mato-grossense, e, em meio às pe-dras, árvores e passarinhos, aprendeu a valorizar as coisas “desúteis” da vida. Essas coisas e suas “desimportâncias” originariam toda a sua obra poética.

Estudou em Campo Grande e, depois, no Rio de Janeiro. Ao ler os livros do padre Antônio Vieira, Manoel descobriu seu amor pela língua: “a frase, para ele, era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a ve-rossimilhança.” Depois disso, teve certeza de que as palavras o queriam. Aprendeu que era possível fazer o verbo “delirar” e que podia fazer as palavras atingirem o “grau de brinquedo”.

Dez anos de internato ensinaram-lhe a disciplina e os clássicos da lite-ratura, mas o sentido total de liberdade veio com o livro “Une Saison en Enfer” de Arthur Rimbaud (1854-1871), logo que deixou o colégio. Foi quando soube que, sendo poeta, podia misturar os sentidos, criar ima-gens verbais: encantou-se.

Engajou-se na política, leu Marx, entrou para a juventude comunista e quase foi preso por pichar “Viva o comunismo” em uma estátua. Quan-do o líder revolucionário Luiz Carlos Prestes foi solto e resolveu apoiar Getulio Vargas, Manoel desistiu definitivamente da política e retornou ao Pantanal. Indeciso sobre seu futuro, decidiu passar um tempo na Bolívia e no Peru, vivendo com os andarilhos.

Depois, morou um ano em Nova York, onde estudou cinema e pintura no Museu de Arte Moderna. Pintores como Picasso, Chagall, Miró, Van Gogh e Braque reforçaram sua concepção de liberdade. Sua poesia já se alimen-tava de imagens, de quadros e de filmes. Chaplin o encantava por sua des-preocupação com a linearidade.

Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos de idade, mas sua encantação poética ocorreu quando tinha 13 anos e ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, cidade onde residiu até ter-minar seu curso de Direito, em 1949.

13

DES

Mais tarde tornou-se fazendeiro e assumiu de vez o Pantanal. Seu pri-meiro livro, “Poemas Concebidos Sem Pecado”, foi publicado no Rio de Janeiro, em 1937. A pequena edição, de 21 exemplares, era totalmente artesanal, e foi confeccionada por amigos do poeta. Desde então, passou a publicar com regularidade.

Embora seja conhecido da mídia atualmente, Manoel de Barros não é tão amplamente divulgado pela mídia quanto outros escritores de sua época. Apesar do pouco prestígio, Manoel conquistou, inúmeros prêmios, entre eles, dois Jabuti, com os livros “O Guardador de Águas”, em 1989 e “O Fa-zedor de Amanhecer”, em 2002. Além disso, teve algumas obras publica-das no exterior, como a edição portuguesa de “O Encantador de Palavras”, organizada pelo escritor Valter Hugo Mãe. Mas nem sempre foi assim. Du-rante muito tempo, seu trabalho permaneceu desconhecido por grande parte do público e da critica literária. O próprio Manoel tem explicação para isso: “Foi por minha culpa mesmo. Sou muito orgulhoso, nunca pro-curei ninguém, nem frequentei rodas, nem mandei um bilhete. Uma vez, pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje”.

O poeta tornou-se conhecido da mídia nos anos oitenta, por intermédio do escritor Millôr Fernandes, que apresentou a poesia de Manoel em suas colunas nas revistas Veja e Isto É, além da divulgação no Jornal do Brasil. Além de Millôr, Fausto Wolff e Antônio Houaiss também ajudaram nesta fase. Hoje, Manoel de Barros é reconhecido nacional e internacionalmen-te como um dos mais originais do século e mais importantes do Brasil, com mais exemplares vendidos no gênero poesia. Guimarães Rosa, que fez a maior revolução na prosa brasileira, comparou os textos de Manoel a um “doce de côco”. Millôr afirmou que a obra do poeta é “’única, inaugural, apogeu do chão”, e o poeta Geraldo Carneiro afirma que “desde Guimarães Rosa, a nossa língua não se submetia a tamanha instabilidade semântica”.

Um exemplo do reconhecimento que Manoel teve da crítica está o “Prê-mio Orlando Dantas” de 1960, conferido pela Academia Brasileira de Le-tras ao livro “Compêndio para uso dos pássaros”, livro publicado naquele mesmo ano. Em 1969, recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática expositiva do chão”, publicado em 1966.

Despoesia

“Prezo insetos mais que aviões.Prezo a velocidade

das tartarugasmais que a dos mísseis.

Tenho em mimesse atraso de nascença.

Eu fui aparelhadopara gostar de passarinhos.

Tenho abundânciade ser feliz por isso.

Meu quintalÉ maior do que o mundo.”

. Manoel de Barros .

14

DES

15

DES

A primeira lesma

Meu primeiro contato com a poesia de Manoel de Barros foi com o livro “A Segunda Infância”, o segundo da série “Memórias Inventadas”. A edição que eu tenho não é um livro, digo, não tem o formato comum de livro, e isso já me deixou curioso para saber o que tinha em mãos. Ele vem em uma caixa do tamanho de um livro fino de mais ou menos 80 páginas. De dentro dela, saem todos os contos em páginas soltas, sem grampos, sem números de páginas, sem capítulos, deixando o leitor livre para ler em qualquer ordem. É um livro para se ler quando se tem vontade, quando o dia está para a poesia.

Para uma pessoa como eu, que não estava acostumado à poesia (até aque-le momento, eu não sabia o que era ler poesia), este formato foi muito interessante: lia quando tinha tempo, pegava uma folha quando me dava na cabeça, sem saber ao certo em que página estava. Ao final de alguns dias, o gosto por Manoel de Barros já estava em mim. Mas sou obrigado a confessar que não foi amor à primeira vista. Li aquilo como se fosse outro poeta qualquer e, no começo, ele não me causou tudo o que causaria de-pois – não revirou a minha vida como o faria mais tarde.

Meu segundo – e fatal – contato com a poesia de Manoel foi no começo deste ano. No natal passado, ganhei de presente da minha namorada um documentário em DVD sobre a obra do poeta. Isso causou uma revira-volta na minha concepção sobre poesia, sobre o sensível e sobre a vida. O documentário, chamado “Só Dez Por Cento é Mentira”, é dirigido por Pedro Cezar, e expõe uma visão grandiosa sobre poesia, captando toda a sensibilidade de Manoel de Barros.

Foi a partir de então que comecei a ler Manoel continuamente. Reli o “li-vro/caixa” que havia ganhado, comprei alguns, emprestei outros. Afun-dei-me verdadeiramente em sua poesia. Assim, percebi algo grandioso naquilo tudo: Manoel me ensinou a ler – ou melhor, ele me “des-ensinou” a ler, já que, segundo o poeta, “poesia não é para entender, é para incor-porar”. Comecei, então, a incorporar suas palavras, seus versos, seus po-emas, seus livros.

16

DES

O amor pelas latas

Manoel é diferente dos outros poetas. Ele tem seu olhar treinado para as coisas “desimportantes”, para as coisas pequenas e para as coisas da na-tureza – e faz isso com a ajuda da ferramenta infância. Tudo isso vem do tempo em que ele era garoto em Corumbá – mais tarde, ele escreveria que morava no fim de um lugar, no que o pai chamava de “lacuna de gente”, “só quase que tem bicho, andorinha e árvore”.

Ao ler a sua poesia, o leitor redescobre o valor das coisas pequenas: lama, latas, árvores, rios, lesmas. Ou seja, tudo que o homem rejeita, tudo aquilo que está a ponto do abandono, do inútil e do esquecido, leva jeito para a poesia. Diz ele no livro “Matéria para Poesia”: “As coisas que não pre-tendem, como por exemplo: pedras que cheiram água, homens que atra-vessam período de árvore, se prestam para poesia (...) Tudo aquilo que não nos leva coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado (...) serve demais para a poesia”.

Contrariando tudo o que a sociedade consumista e megalomaníaca nos impõe, o poeta busca o encantamento nas coisas simples nas quais dei-xamos de reparar quando crescemos. Quando a criança que existe dentro de nós se vai, nosso olhar passa a se voltar para as coisas grandes – ou ao menos que os adultos julgam grandiosas – e perdemos algo chamado “afeto poético”. Olhamos para a cidade, para os prédios, para o céu, mas esquecemos de olhar para o nosso próprio quintal, para a terra em que pisamos e para o pequeno: distanciamo-nos.

A poesia de Manoel de Barros propõe não que só conheçamos nosso pró-prio quintal, mas que tenhamos intimidade com ele. No livro “Memórias Inventadas – A Primeira Infância” ele escreve: “Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. (...) A gente descobre que o tama-nho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas.” Neste momento, Manoel inverte nossos valores, ou melhor, nos faz retornar aos reais valores que são perdidos durante a vida. Conhecer cada formi-gueiro, observar as lagartixas ou conhecer as lesmas que andam pelas pa-redes pode ser um exercício de poesia muito interessante. Ele nos propõe que sejamos as coisas, e não que simplesmente falemos sobre ela. “Como conhecer as coisas, se não sendo-as?”, escreve o poeta no livro “Compêndio Para Uso dos Pássaros”. O “ser,” na poesia de Manoel, me comoveu.

17

DES

(Des)invenção

A poética manoelesca se dá, principalmente, por um minucioso trabalho com as palavras – é a concepção da palavra como fragmento textual, como morada do poético. Manoel dispõe as palavras de forma harmoniosa, criando entre elas relações semânticas inesperadas. Antes disso, existe um trabalho de lapidação de significados. A palavra é “aberta com faca” e, a partir de suas entranhas, ele consegue alcançar seu estado cru, amorfo e até “asignificante”. Manoel faz as palavras virgens novamente, torna-as “palavras sem idioma”, para assim estarem aptas ao novo – aptas, segun-do Manoel, “ao delírio”:

“No descomeço era o verbo.Só depois é que veio o delírio do verbo.O delírio do verbo estava no começo, lá onde acriança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.A criança não sabe que o verbo escutar não funcionapara cor, mas para som.Então, se a criança muda a função de um verbo, eledelira.E pois.Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazernascimentos -O verbo tem que pegar delírio.”(MANOEL DE BARROS)

Manoel, então, sabe muito bem o seu papel. Sua criação poética funda-menta-se no “fazer nascimentos”, fazer as palavras se desdobrarem em imagens que comunicam o novo. Nesse sentido, o discurso é elaborado a partir de um entrelaçamento semântico e metafórico das palavras, com a finalidade de sempre criar o fantástico. Criam-se relações de onde brota o inesperado ou a estranheza. Por fim, criam-se sensações, que é o objetivo máximo da poesia.

A partir dos recursos citados, podemos visualizar melhor a relação de Manoel com a infância. Para ele, ser poeta é ter o lado infantil em seu estado mais inocente e profundo perante às coisas do mundo. Deve-se dar valor ao olhar curioso, destemido e, assim, inventivo. O fazer poético

18

DES

deve ser tal como as atitudes de uma criança: ter sua lógica desconexa, livre para cometer seus “despropósitos” rumo a essa transposição de sentidos que é a poesia.

Em “Memórias Inventadas: A infância”. Manoel se exercita enquanto criança. Ao decidir escrever um livro sobre sua vida, o poeta percebe que em todas suas fases buscava seus anseios nesta fase da vida. Decide, en-tão, escrever a primeira, a segunda e a terceira infância. Neste livro. não temos acontecimentos históricos descritos, mas memórias inventadas, como descreve o título. Manoel convida o leitor a penetrar em sua infân-cia reinventada, apresentando-lhe os elementos com os quais teve con-tato enquanto criança e que, até hoje, permeiam sua poesia. Percebemos neste livro que o seu amor pela invenção e pela criação poética o faz livre e, assim, criativo.

Manoel reinventa suas próprias realidades e isso é claramente visível em sua poesia. Ele mesmo escreve: “Noventa por cento do que escrevo é in-venção. Só dez por cento é mentira.” Aí está outra coisa que ele me ensi-nou: a importância de inventar, na acepção mais pura do verbo. Segundo ele, a invenção serve para “engrandecer o mundo” e todos nós, designers, devemos ter total consciência de nossa responsabilidade quando falamos do novo. Como disse Manoel, “o olho vê, a lembrança revê, e a imagina-ção transvê: é preciso transver o mundo”. Para mim, os poetas, designers e artistas têm que assumir sua postura e responsabilidade: cabe a eles transver o mundo. É preciso criar relações, refazer as coisas, criar a partir do sensível e, assim, renovar o mundo para melhor – o mundo que verda-deiramente somos e em que acreditamos.

19

DES

Por um novo Design

19

DES

“O que eu queria era fazer brinquedo com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o

abandono por dentro e por fora.”

. Manoel de Barros .

20

DES

Entrei na faculdade com uma visão extremamente limitada e antiquada sobre o Design – o que é algo totalmente aceitável, pensando que deci-dimos cursar o ensino superior para estudar e nos aprofundar no que escolhemos fazer para o resto de nossas vidas. O que acontece é que, no começo do curso, somos bombardeados por teorias de todos os tipos – das mais antigas às mais contemporâneas – e cabe, somente a nós, alu-nos, decidir qual o caminho traçar, qual Design exercer. Essa escolha não é uma coisa fácil e exige muito de nós.

Neste trabalho, tão pessoal e especial para mim, me permiti a uma experi-mentação. Tentei me desligar – mas não negar – experiências anteriores eestudar, mais a fundo, as teorias do Design contemporâneo e suas bases conceituais. Todas estas teorias, expostas pelo professor Dorival Rossi, orientador deste trabalho, durante esses quatro anos de faculdade, me comoveram, encantaram e me apresentaram uma nova maneira de pro-jetar.

Então, este projeto podia ser, simplesmente, um trabalho de ilustração e abstração gráfica. Porém, em todos esses anos, o que aprendemos é que não importa “o quê” se projeta, mas, sim, a maneira como se projeta - qual o embasamento teórico/conceitual e quais ferramentas utilizar para isso. Optei pela contemporaneidade. Quando temos como objetivo um novo processo, uma nova abordagem, estas teorias nos mostram um novo ca-minho. Mais do que isso, uma nova metodologia para se chegar a esses novos processos. Este trabalho, então, não é só um manifesto a favor da poesia, mas, sim, um apelo por um novo Design: possível, infinito e, prin-cipalmente, sensível.

Des-objeto: conceito

“...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.

Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”

. Manoel de Barros .

21

DES

22

DES

O instante

Um ponto é certo em minha relação com a poesia: Manoel me fez ver o mundo com outros olhos. Eu, que tinha uma relação tão distante com a literatura até então, nunca pensei que uma poesia, algo aparentemente simples, pudesse mudar a maneira como uma pessoa se relaciona com as coisas e com o mundo a sua volta; como uma simples composição de palavras pode emocionar, inspirar e, ainda mais, transformar. Isto só é possível quando a poesia cria seus “instantes poéticos”.

Manoel tem o dom de criar instantes. Em sua “metapoesia”, ele diz: “Po-esia não é para compreender, mas para incorporar. Entender é parede; procure ser uma árvore.” Como se vê, nada do que ele escreve é cabido de entendimento, mas de sentimento. O instante poético só se potencializa no momento em que a poesia é incorporada, sentida. Poesia se faz em um momento, e somente para aquele exato momento. O instante poético desabrocha naturalmente, e para que isso aconteça o leitor deve ser ár-vore, definitivamente. A única intenção deste trabalho é criar um instante poético, como qualquer um de todos os instantes possíveis na poesia de Manoel. Faço do meu trabalho uma busca por esse instante poético, tendo como ferramenta um objeto sensível, que vou chamar, a partir de agora, de “des-objeto”. Nomeio-o assim porque ele não tem intenção de ter algu-ma utilidade prática, assim como a poesia. Este “des-objeto” é projetado a partir de um sentimento e tem o objetivo de gerar também sentimentos; por isso, é criado do sensível para o sensível. Ele tem em sua essência a intenção de ser simples, pequeno, porém, extremamente complexo, se pensarmos em um âmbito de resultados possíveis. Utilizando algumas ferramentas da arte e do Design contemporâneo, construo, então, um ambiente poético digital. Seguirei este relatório expondo e articulando essas teorias.

23

DES

Naïf-se!

A palavra “naïf” tem origem no termo em francês “naïve”, e pode ser tra-duzido, superficialmente, como “ingênuo”. Se fizermos uma busca rápida pela origem da palavra “naïve”, encontramos sua origem no latim “nati-vus”, que tem por definição “não-artificial, natural, nativo, rústico, inato.” Faço esta busca para conceituar a arte Naïf, presente no meu trabalho e descoberta, também, na poesia de Manoel de Barros.

Definir a arte Naïf, a fim de articulá-la como conceito, não é tarefa das mais fáceis. Muito se fala sobre ela e muitas definições já foram criadas, mas, ao meu ver, ela é, muitas vezes, confundida com outros conceitos. É necessário, portanto, evitar uma anarquia de nomenclaturas, para assim se chegar a um conceito, no mínimo, consolidado.

O primeiro artista reconhecido pela crítica como “artista Naïf” foi o Fran-cês Henri Rousseau, na segunda metade do Séc. XIX. Henri, descoberto por Picasso, foi um autoditada, nunca teve formação em artes. O artista Naïf, essencialmente, não pode pertencer a nenhuma escola de arte. Portanto, não existe um pintor Naïf com formação acadêmica sistemática. Esses ar-tistas criam livres de padrões, livres da obrigação de utilizar técnicas ou abordagens temáticas específicas. Está na essência do pintor Naïf a criação de uma linguagem própria, ou seja, o desenvolvimento do seu próprio es-tilo. Podemos dizer que ele tem a si mesmo como único padrão estilístico.

A pintura, neste caso, nasce sempre da lembrança e da imaginação do artista. O relato visual é sempre construído sobre seu mundo particular, retirado de seu interior. Portanto, podemos chamar Manoel de Barros de poeta Naïf. Suas “invenções”, assim como as pinturas Naïf, se tornam vi-sões extremamente profundas, individuais e únicas, desvencilhadas das imagens externas do mundo. O tempo passa, estilos e tendências são cria-dos, mas o verdadeiro Naïf preza, sempre, pela valorização do seu conteú-do interno. Ser Naïf é ser fiel, somente, a si mesmo, ao seu interior.

Portanto, temos na arte Naïf o estado mais bruto da arte: a arte por ela mesma. Em minha concepção, ela é mais um “estado de espírito” do que propriamente um estilo. É nesse estado de espírito que se deve encon-tra artista e obra, poesia e poeta, projeto e designer. O des-objeto tem a intenção de fazer usuário e máquina se conectarem e, mais do que isso, confundirem-se.

24

DES

A Bolha

É inevitável que o des-objeto seja um sistema vivo, afinal, estamos falando de poesia e de pessoas tentando relacioná-la ao Design. Quanto ao fato de que uma interação deve ocorrer, não temos a menor dúvida, mas, mais do que isso, ela não pode ser superficial. É preciso pensar em uma verdadei-ra imersão do usuário, para que o “estado Naïf” se potencialize na relação homem x máquina. Assim, a interface do sistema deve ser articulada de modo que possa proporcionar essa experiência profunda com o usuário. Perceber relações, criar links e trabalhar a favor de uma interface viva é projetar dentro das linguagens contemporâneas, e isso se faz necessário em qualquer projeto que preze pela atualidade.

Em seu livro “Ontologia Sistêmica e Complexidade”, Jorge Vieira apresen-ta um parâmetro interessante sobre sistemas complexos e suas interfa-ces. No capítulo “Ciência, Arte e o Conceito de Umwelt”, o livro trata os projetos como sistemas vivos, considerando a forma como eles se relacio-nam com o meio externo em que se encontram – suas reações, capacida-des de adaptação e modo de sobrevivência. Assim, é necessário estudar a criação da interface, e, para tanto, Jorge Vieira nos apresenta o conceito do “Umwelt”:

“Um biólogo, Jakob von Uexkull (Uexkull,1992), estudou essas formas de in-teração e imaginou que cada espécie viva sobrevive como que envolvida por uma ‘bolha’ particular, que a acompanha aonde for; que é sua maneira de perceber a realidade e adaptar-se à permanência. Essa interface, essa ‘bo-lha’, que começa em processos puramente físicos (fótons atingindo células materiais) e termina em processos altamente físicos (conceitos, ideias, sis-temas de ideias que são teorias) é o chamado Umvelt (...)” (JORGE VIEIRA)

Todas as espécies, portanto, possuem uma interface que é usada na rela-ção com o meio externo em que se encontra, e é disso que depende para sobreviver. Não precisamos ir longe para exemplificar esse conceito, bas-ta olharmos para o nosso próprio corpo. Nós, seres humanos, temos uma das mais avançadas e complexas interfaces do universo. Nosso corpo é dotado de milhões de dispositivos que trocam informação com o meio. Depois desta troca, tais informações são codificadas pelo nosso cérebro e traduzidas para nós em diversos formatos. Claro que, neste pequeno projeto, não se tem a intenção de criar milhões desses dispositivos, mas,

25

DES

sim, de articular características dessa interface para que o des-objeto se relacione com o usuário que o recebe.

Em meu projeto, o usuário faz mais do que apenas interagir com o meio externo, ele torna-se o meio. Ele é o ponto chave da interação e deve trocar informações com o des-objeto para, só assim, fazer parte do mesmo.

Os usuários, por natureza, diferem-se uns dos outros. Cada um possui um repertório, uma vivência, o que resultará em uma nova maneira de intera-ção. Ainda assim, um link real entre os dois se faz necessário. Para isso, é fundamental um INPUT do usuário, uma colaboração inicial que estimu-le o funcionamento da “máquina” e a existência do des-objeto. Por isso, este não pode ser somente sensível, a ponto de uma simples interação; ao contrário, ele deve guardar informações, codificá-las e transformá-las. So-mente assim teremos um sistema vivo, que tende a permanecer, a sobre-viver a cada novo usuário que o recebe. Um sistema complexo e adaptável.

26

DES

Por infinitos instantes possíveis

No terceiro ano da faculdade, tivemos contato, pela primeira vez, com a teoria da Emergência, proposta por Steven Johnson. No momento em que estudamos as Linguagens Contemporâneas e como projetar através delas, essa teoria/ferramenta se faz clara e essencial. Projetar, nos dias atuais, significa criar relações e links que se somam em direção a uma complexidade. É neste ponto que a Emergência se consolida.

A Emergência extravasa o “natural” dos sistemas, torna-os vivos, faz a “parede” mais “árvore”, como sugeriu Manoel de Barros. Como, então, projetar sobre outros parâmetros que não este? Negar a Emergência é fe-char os olhos perante à natureza, ao mundo em que vivemos e à necessi-dade de um Design complexo, que se pretenda infinito. É preciso criar um Design que se renda ao delírio das coisas, assim como Manoel de Barros deixava livres os verbos para delirar de um sentido ao outro.

Como bem define Steven Johnson, “Emergência é o que acontece quando várias entidades (agentes) simples operam em um ambiente, formando comportamentos complexos no coletivo”. Assim, um exemplo claro de propriedade emergente são as colônias de formigas. Estas criam socieda-des extremamente complexas partindo do individual, isto é, das potencia-lidades de cada formiga. Cada uma exerce sua função, estabelecendo uma colônia eficiente e totalmente autosuficiente. Ou seja, a colônia, como um todo, é muito maior do que a soma de suas partes. É dessa forma que se dá o fluxo de um fenômeno emergente: do simples para o complexo.

Outra característica de sistemas emergentes é a inexistência de um nú-cleo. Em uma colônia, ao contrário do que se pensa, a rainha não tem ou-tra função que não a de reprodução, e esta não exerce qualquer tipo de autoridade sobre as formigas operárias. Cada formiga reage a estímulos químicos deixados pelas outras. Estas, por sua vez, deixam para trás uma trilha química que gera um estímulo para as outras formigas. Neste caso, cada formiga é uma unidade autônoma que reage dependendo apenas das regras genéticas codificadas para a variedade de sua espécie. Visto isso, um sistema emergente deve ser, por obrigação, horizontal e anucleado. Complementando esta teoria, temos o pensamento rizomático, proposto por Deleuze em Mil Platôs, Vol. I:

27

DES

“Contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), de comunicação hierárquica e ligações preestabelecidas, o rizoma é um sistema a-centrado, não hierárquico e não significante, sem General, sem memória organizado-ra ou autômato central, unicamente definido por uma circulação de esta-dos”. (DELEUZE)

“Oposto ao grafismo, ao desenho ou à fotografia, oposto aos decalques, o rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga”. (DELEUZE)

Assim, os processos emergentes e o rizoma se fazem claros quando fa-lamos de poesia. Se a analisarmos por uma visão superficial, podemos defini-la como sendo uma combinação de palavras, um fenômeno aparen-temente simples e linear. Mas se analisarmos a poesia a partir do pensa-mento rizomático, encontramos nela uma “circulação de estados”.

Como já foi dito, poesia é sentimento e seu comportamento não se deve, jamais, se aproximar do pensamento cartesiano. Ela pede distância das linearidades, do pragmático e do estático. Sua essência é ser “reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas”. A poesia se faz de um fluxo de sensibilidade, afeto, e o des-objeto não pode ser projetado de maneira diferente.

A poesia, assim com o des-objeto, se faz de processos. O ato de projetar não pode ter como resultado um produto final, sólido e irreversível. Não podemos pensar no Design sob esse ponto de vista. Os produtos devem ser, apenas, uma atualização de conceitos e “estados”. A poesia é um pro-cesso e o importante são os fluxos potencializados no momento de sua leitura. Sendo assim, ela se torna fenômeno emergente justamente à me-dida em que desperta sensações, retoma lembranças e, ainda mais pro-fundamente, produz afeto e identificação. Cada leitor tem uma percepção nova e adiciona a sua versão para a mesma poesia. O des-objeto deve ter essas mesmas qualidades. Deve produzir encantamentos, ser passível de atualização e ser potência de afeto, para, assim, fazer emergir os infinitos instantes possíveis. Assim, a intenção desse projeto, mais do que instigar interações frias, é, conforme sugeriu o poeta Manoel de Barros, fazer com que o mundo atinja o seu “grau de brinquedo” e que sejamos, cada um de nós, interfaces rendidas ao seu potencial de deslumbre e transformação.

28

DES

Des-objeto: a forma

“Meu fado é de não entender quase tudo.Sobre o nada, eu tenho profundidades.”

. Manoel de Barros .

28

DES

29

DES

Portanto, “o como” está exposto. Conceitualmente falando, a teoria deve falar por si só, mas cabe ao designer dar forma ao conceito, informar.

Como idéia inicial, gostaria de trabalhar com a ilustração. Desde o começo da faculdade, dedico certo tempo a isto – e de uma forma muito pessoal. Éalgo que me dá prazer – experimentar técnicas, desenvolver estilos – im-possível negar isso em um trabalho tão pessoal como este. Decidido isso,o mais importante é a tradução conceitual. Como construir uma ilustra-ção viva, que possa ser alterada pelo usuário, que gere resultados comple-xos, que seja sensível e que traduza as qualidades da poesia de Manoel de Barros? Explico, aqui, como funciona o des-objeto, e como é possível, nele, observar os conceitos apresentados.

O des-objeto só tem início quando o usuário dá o INPUT inicial. Isto é, oferece a colaboração necessária para que a máquina crie vida. Isso se fazessencial, primeiramente, por uma necessidade de variação; cada usuáriodá o INPUT, que é algo totalmente pessoal e reflete sua personalidade e seu humor naquele exato momento. Isto, por si só, gera uma infinita va-riabilidade no sistema. Outro ponto muito importante é que a possibilida-de desta colaboração é a chave da interface de todo o sistema. É a partir disso que se cria uma relação profunda entre máquina e usuário.

Quando um Input se faz essencial

30

DES

Infinitos mapas possíves

O conceito de o des-objeto ser passível de interação já se faz profundo devido ao INPUT do usuário, mas isso não pode terminar neste ponto. A interface, para se tornar viva, deve receber essa informação, interpretá-la, codificá-la e transformá-la. É exatamente isso o que acontece. Simulta-neamente ao INPUT, o sistema faz um rastreamento desta colaboração, transformando-a em um mapa de pontos. Este mapa é adaptável a qual-quer INPUT, sem restrição; qualquer traço que o usuário faça na tela será lido, mapeado e adaptado pelo sistema. Esta é uma relação simples, se pensarmos em termos técnicos, mas que se faz extremamente complexa e infinita em termos de resultados possíveis.

Entregue-se!

O primeiro instante já se foi. Cada ponto criado pelo sistema serve de referência espacial de onde brotam grafismos. São finitas combinações, mas que se tornam infinitas pela quantidade de possibilidades. Tanto o desenho quanto todo o sistema, foram pré-programados, mas ambos são passíveis de interação. Portanto, neste momento, o usuário se torna agente modificador, cabendo a ele encontrar a combinação que mais o agrada. Foram criados controladores na lateral da interface, a partir dos quais é possível que o usuário interaja e modifique a composição inicial. Assim, dá-se a criação de instantes únicos e atualizáveis.

Transvendo Manoel

“O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo. ”

. Manoel de Barros .

31

DES

32

DES

Cores

Pássaros

“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul (…)”

“Aprendi com os passarinhos a liberdade. Eles dominam o mais leve sem precisar ter motor nas costas. (...) E aprendi com eles ser disponível para sonhar.”

Todos os ícones, controladores e grafismos que são recombinados pelo des-objeto foram criados tendo como essência a poesia de Manoel. Disse ele: “as imagens são palavras que nos faltaram”. Portanto, as palavras me faltam e utilizo as de Manoel para “transver o mundo” a minha maneira. Abaixo esta uma breve mostra da parte gráfica do des-objeto.

33

DES

Folhas, Galhos e Pedras

“Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano): / A expressão reta não sonha. / Não use o traço acostumado. / A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro. / Arte não tem pensa: / O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. / É preciso transver o mundo./ Isto seja: / Deus deu a forma. Os artistas desformam. / É preciso desformar o mundo: / Tirar da natureza as naturalidades. / Fazer cavalo verde, por exemplo [...]”

34

DES

Orgãos

“Porquanto, como conhecer as coisas se não sendo-as?”

35

DES

Intimidade

“ (...) A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimi-dade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as

pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade”

36

DES

Algumas possibilidades

Considerações

37

DES

“Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.”

. Manoel de Barros .

38

DES

É muito difícil escrever considerações finais de um projeto que não se finaliza e nem tem a intenção disso. O que foi apresentado agora é uma atualização em forma de des-objeto. Mais do que isso, é a atualização de um mapa conceitual, não traçado somente nestes quatro anos de facul-dade, mas durante toda a minha vida.

O que retiro deste processo é que não é somente possível um Design novodas coisas, mas, sim, necessário. Essa nova maneira de projetar é essen-cial para a construção de uma nova metodologia, de novos meios de co-municar e, mais importante ainda, que dê ao mundo uma nova forma que julgamos necessária. Este trabalho se atualiza como um manisfesto a favor da poesia, do sensível e, com a mesma importância, de um novo Design.

39

DES

BARROS, Manoel de. 2008. Memórias inventadas. As infâncias de Manoel de Barros. São Paulo. Ed. Planeta do Brasil.

______________________2010. Manoel de Barros, poesia completa. São Paulo. Ed. Leya.

BEY, Hakin. 2001. T.A.Z. - Zona Autônoma Temporária. São Paulo. Conrad Editora.

DELEUZE, Gilles e GUATTARRI, Félix. 1995. Mil Platôs Capitalismo e Es-quizofrenia, v. 1 a v.5. São Paulo, Ed. 34.

FLUSSER, Vilém. 1985. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo. Ed. Hucitec.

___________________ 2007. O Mundo Codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo. Ed. Cosac Naif.

JOHNSON, Steven. 2003. Emergência: A vida integrada de formigas, cére-bros, cidades e sotwares. Rio de Janeiro. Ed. Zahar.

LÉVY, Pierre. 1996. O que é o virtual. Rio de Janeiro, Ed. 34.

Bibliografia

40

DES