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Departamento de Ensino Pós-Graduação em Saúde
Departamento de Ensino Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher
Desafios da Humanização no contexto do Cuidado da Enfermagem
Pediátrica de Média e Alta Complexidade
Camila Aloisio Alves
Rio de Janeiro/2009
Livros Grátis
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Departamento de Ensino Pós-Graduação em Saúde
Departamento de Ensino Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher
Desafios da Humanização no contexto do Cuidado da Enfermagem
Pediátrica de Média e Alta Complexidade
Camila Aloisio Alves
Dissertação apresentada à Pós- graduação em Saúde da Criança e da Mulher, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Saúde.
Orientadora: Profª. Dra. Suely Ferreira Deslandes
Co-orientadora: Profª. Dra. Rosa Maria de Araújo Mitre
Rio de Janeiro/2009
A474
FICHA CAT AL OCRA.FICA NA F ONTE INSTIT UTO DE COMUNICA <;:AO E INFORMA< ;:AO
CIENTiFICA E TECNOL OCICA EM SAUDE BIBLIOTEC A DA SAUDE HA MULHER E D A CRIAN<;:A
Alves, Camila Aloisio
Desafios da humanizac;ao no contexto do cuidado da enfermagem pediMrica de media e alta complexidade / Camila Aloisio Alves.-
2009. iv.;89f.
Dissertac;ao ( Mestrado em Saude da Crianc;a e da Mulher ) -
Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro, 2009 .
Orientador : Suely Ferreira Deslandes Co - orientador : Rosa Maria de Araujo Mitre
BibliograJia: f. 84 - 89 .
1. Humanizayao da assistencia .2 . Enfermagem pediatrica . 3.
Acolhimento . 5. Autonomia profissional. L Titulo.
Agradecimentos
A conclusão de um mestrado representa para o aluno a vitória de um
momento muito importante pela enorme dedicação exigida. São muitas noites
mal dormidas, passeios desmarcados, momentos com a família adiados em
prol de um objetivo abraçado por dois anos. E se eu cheguei até aqui, foi
porque tenho ao meu lado pessoas maravilhosas que me impulsionaram,
vibraram e toleraram.
Aos meus pais, José Geraldo e Maria Lucíola, pela vida, pelo amor, pela
base, pelo apoio recebido durante minha existência e por acreditarem que eu
poderia chegar até aqui. Não teria conseguido sem a ajuda de vocês.
Ao meu irmão Felipe por ser meu anjo de luz, me ajudando em casa, me
fazendo rir no meio dos meus estudos e por compreender os momentos de
“fechar o raciocínio”
Ao Gustavo, companheiro, amigo, que soube amar mesmos nos
momentos que mais faltei, me incentivando e me acolhendo em seu ombro.
À Rosa Mitre, pela orientação sempre disponível, competente e otimista.
Sempre com sua voz doce soube me acolher nos momentos de alegria e de
dúvida, até mesmo de choro. Por me mostrar os caminhos, sabendo segurar
em minhas mãos nas horas de fragilidade e me permitindo voar com
impressionante generosidade. Foi muito bom tê-la ao meu lado, sendo o
grande diferencial dessa dissertação.
À Suely Deslandes, pela generosidade em dividir seu conhecimento,
acolhendo os erros e conduzindo com maestria o trabalho.
A toda equipe da Coordenação Geral de Planejamento e Orçamento do
Departamento de Gestão Hospitalar por me aceitarem na equipe, pela chance i
de crescimento, pela compreensão nos meus momentos de ausência e pelo
incentivo sempre diferencial.
À equipe de enfermagem da Enfermaria de Pediatria do Instituto
Fernandes Figueira por abrirem as portas para esse trabalho, auxiliando nas
observações, me mostrando um mundo novo e permitindo que esse trabalho
fosse realizado.
À Banca examinadora, Dra. Martha Cristina Moreira e Claudia Abbês
Baeta Neves, por aceitarem participar desse trabalho desde a qualificação até
a defesa, contribuindo com importantes reflexões, trocando conhecimento e
ajudando nesse caminhar.
À Cynthia Magluta por acreditar em mim desde a residência, por me
incentivar no mestrado, por me acolher em sua casa e na cafeteria me
ajudando a escrever o projeto. Agradeço por tê-la como amiga, mentora, sendo
sua grande admiradora.
À Ana Claudia e Olga Bomfim, amigas do mestrado e de muitos
momentos, pela parceria nos trabalhos, incentivo e apoio. Dividimos dúvidas,
angústias e construímos nossos caminhos. Vocês foram grandes conquistas
dessa jornada.
Aos amigos de Barra Mansa e do Rio de Janeiro por compreender minha
ausência e por serem minha segunda família, meus tesouros.
ii
Resumo Este estudo pretende trabalhar e discutir a atenção em saúde, em especial a atenção pediátrica, com base em princípios presentes na Política Nacional de Humanização (PNH), tanto em relação aos pacientes e acompanhantes quanto aos profissionais de saúde. Buscou-se entender as possibilidades e limites no avanço de um modelo de atenção que se baseie na construção de relações dialógicas entre a equipe de enfermagem, usuários e seus acompanhantes, o acolhimento na assistência, a participação dos atores no cuidado, entendendo- os como protagonistas deste. Seu foco incide nas relações entre a equipe de enfermagem, os usuários e seus acompanhantes numa enfermaria de Pediatria de média e alta complexidade tendo como foco os princípios do acolhimento e autonomia e assumindo como princípios coadjuvantes a co-responsabilidade e o protagonismo. Destacou-se como objetivo geral a análise das relações entre a equipe de enfermagem, os usuários e seus acompanhantes numa enfermaria de Pediatria de média e alta complexidade. Como objetivos específicos estão as análises do cotidiano da prática dos profissionais de enfermagem na relação com os usuários e seus acompanhantes e das situações e contextos que propiciam ou dificultam as relações de acolhimento e autonomia; além da compreensão dos momentos e contextos em que o protagonismo e a co- responsabilidade são expressos. Para tanto, o estudo utilizou a abordagem qualitativa, a partir da perspectiva etnográfica, para que fosse possível a compreensão dos fenômenos sociais elencados. O local de estudo foi a enfermaria de um instituto referência no cuidado da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente situado no Município do Rio de Janeiro. Após um período de três meses de trabalho de campo, os resultados apontam para um processo de trabalho da enfermagem permeado pelo distanciamento entre as especialidades, pela falta de um modelo de gestão que organize esse coletivo, de forma que o mesmo alcance um processo de co-gestão, no qual as diferentes especialidades passem a funcionar articuladas. Além disso, há uma indefinição do que seja um projeto de trabalho pautado pela humanização. Conclui-se que é preciso investir na proposição de um modelo de co-gestão do coletivo analisado para que novas formas de gerenciamento dos processos de trabalho sejam construídas, privilegiando as trocas interdisciplinares e a criatividade, afim de que princípios do sistema de saúde, como a integralidade no atendimento, possam ser reforçados a partir da produção de soluções compartilhadas. Faz-se necessário consolidar as iniciativas individuais pautadas pela humanização já desenvolvidas e permitir que os demais princípios sejam incorporados através de novos territórios com sujeitos implicados e produtores de novas formas de fazer saúde.
Palavras-chave: Humanização, enfermagem pediátrica, processo de trabalho, co-gestão, acolhimento, autonomia, protagonismo e co-responsabilidade.
iii
Abstract: This study focused to work and to argue the attention in health, in special the pediatric attention, thinking based on the principals of the National Politics of Humanization (PNH) as about relation to the patients and companions as the health professionals. The main focus was understand the possibilities and limits in the advance of an attention model that if bases on the construction of relations based on dialogue between the team of nursing, users and its companions, the receptivity in the assistance, the participation of the actors in the care, understanding them as participants of that. Its focus happens in the relations between the team of nursing, the users and its companions in an infirmary of Pediatrics of mid and high complexity having focus on the principles of the receptivity and autonomy and assuming as principles coadjutants the co- responsibility and participation. The analysis of the relations between the team of nursing, the users and its companions in an infirmary of Pediatrics of mid and high complexity is distinguished as objective generality. As specific target there are the analyses of professionals nursing practice’s daily in the relation with the users and its companions and of the situations and contexts that propitiate or make it difficult the relations of receptivity and autonomy; than the
understanding of the moments and contexts where participation and the co- responsibility are express. For in such a way, the study used the qualitative boarding, from the ethnographic perspective, so that the understanding of the chosed social phenomena could be possible. The study place was the infirmary of an institute reference in the care of the Woman, Child and Adolescent Health situated in the Rio de Janeiro city. The observations period was three months in the total and the results bring to a management of the work processes and the infirmary that shows conflicts and non interactions between the professionals, not reaching an integration of the actions, for the lack of a management model that organizes this collective the same reach a co-management process articulated the different specialties. Moreover, there is vagueness of what is a project of guided work by the humanization. One concludes that it’s necessary to invest in the proposal of a co-management model of the analyzed group so that new forms of management of the work processes could be constructed, privileging the interdisciplinary exchanges and the creativity, in order that principles of the health system, as the completeness in the attendance, can be strengthened from the production of shared solutions. One becomes that it’s necessary to consolidate the individual guided initiatives by the humanization already developed and to al ow that the other principles are incorporated through new territories with citizens implied and producing of new forms to make health.
Key words: humanization, pediatric nursing,
work process, co-management, receptivity, autonomy, participation, co-responsibility.
iv
1 – Introdução
Sumário
1.1 – Delimitação Teórica do Estudo.........................................................2
1.2 – Objetivos.........................................................................................10
1.3 – Justificativa.....................................................................................11
1.4 –Estrutura da Dissertação.................................................................12
2 – Metodologia.................................................................................................15
3 - Artigo - O Processo de Trabalho da Enfermagem e a Gestão de uma
Enfermaria Pediátrica de Média e Alta Complexidade......................................21
4 - Artigo - Desafios da Humanização no contexto do Cuidado da Enfermagem
Pediátrica de Média e Alta Complexidade.........................................................50
5 - Conclusão.....................................................................................................80
6 - Referências Bibliográficas............................................................................84
1
Introdução Geral
1.1 – Delimitação Teórica do Estudo
No cenário do Sistema único de Saúde (SUS), a Política Nacional de
Humanização (PNH/Ministério da Saúde, 2003) acena como uma aposta de
valorizar os princípios do SUS e de introduzir valores e diretrizes de trabalho
que alterem a forma de funcionar e organizar as práticas em saúde.
A humanização é uma política transversal, que propõe perpassar as
diferentes esferas de trabalho e ação em saúde, não se limitando a um
programa com um foco específico, mas podendo ser assumida e incorporada
como diretriz das ações, do fazer no sistema de saúde, da atenção básica à
alta complexidade, passando pelas esferas de gestão, promoção, prevenção e
cuidado ao trabalhador.
Segundo Benevides e Passos (2005), a PNH retoma o que está na base
da reforma da saúde que resultou na criação do SUS, pois busca garantir o
caráter instituinte do sistema, impondo mudanças que identifiquem e trabalhem
com os problemas contemporâneos que se dão na relação entre o Estado e as
políticas públicas.1
As diretrizes da PNH incidem na valorização da subjetividade presente
nas práticas de atenção e gestão, através do compromisso e da
responsabilização dos profissionais de saúde com suas ações. Assume o
trabalho em equipe multiprofissional como base para a organização das
equipes, estimulando a transdisciplinaridade e a grupalidade. Fortalecem a
2
atuação em rede do sistema através de trocas solidárias e cooperativas.
Propõe a informação, a comunicação, a educação permanente e os espaços
da gestão como meios para favorecer a construção de autonomia e
protagonismo de sujeitos e coletivos (Ministério da Saúde, 2004).
Além disso, a PNH assume entre seus princípios o acolhimento, a
autonomia, o protagonismo e a co-responsabilidade que podem servir como
base para as mudanças e melhorias na relação entre profissionais de saúde e
usuários.
O acolhimento desponta como um dos principais princípios, sendo
norteador das relações e da possibilidade de fazer com que os demais
princípios se materializem através das práticas de saúde. O acolhimento na
porta de entrada de serviços emergenciais, privilegiando a classificação de
risco como dispositivo para a realização de um atendimento resolutivo e
integral, presente na assistência ao paciente internado e no atendimento
ambulatorial é apresentado como mecanismo para que as relações se iniciem
pautadas por trocas solidárias e que valorizem os diferentes conhecimentos
dos sujeitos (Ministério da Saúde, 2006:7).
A autonomia refere-se à capacidade de decisão dos atores (profissionais
e usuários) baseada em informações, diálogo e valorização da rede de
relações que permeiam os indivíduos (Soares e Camargo Jr., 2007; Fabbro,
1999). Com a estruturação de relações mais simétricas, os atores seriam
capazes de agir de forma fundamentada, esclarecida e em parceria com os
profissionais de saúde, a partir de um espaço de troca solidária. Ao estabelecer
esse tipo de relação poder-se-ia construir parcerias protagonistas, em que cada 3
um exerceria um importante papel na condução do caso, contrárias às relações
de rivalidade do tipo protagonista e antagonista.
A construção de parcerias protagonistas, durante um processo de
internação hospitalar, implica em troca de aprendizado, edificação de novos
saberes, democratização de informações e desenvolvimento de ações em
conjunto (Rabel o, 2002).
No cotidiano de uma enfermaria e entre as relações que são
estabelecidas, um amplo conjunto de fatores envolve os atores presentes,
profissionais, pacientes e seus acompanhantes. Considerar o que os permeia,
enquanto vivência, valores e saberes é o caminho para que a força capaz de
ser usada no cotidiano seja canalizada para a produção de subjetividades
protagonistas e co-responsáveis pelo cuidado.
Co-responsabilização no processo terapêutico implica, portanto, produzir
sentido para as diferentes ações dos diferentes sujeitos, além de proporcionar
através dos espaços coletivos a manifestação do saber do outro, seus medos,
sentimentos e valores (Campos, 2007).
Nesse sentido, a PNH acena como uma política incentivadora do
protagonismo dos sujeitos, da democratização da gestão dos serviços e
ampliação da atenção integral à saúde, promovendo a intersetorialidade
(Ministério da Saúde, 2003).
A humanização se fundamenta em troca e construção de saberes;
diálogo entre os profissionais; trabalho em equipe; consideração às
necessidades, desejos e interesses dos diferentes atores do campo da saúde
(Ministério da Saúde, 2003). 4
As relações na saúde, em geral, baseiam-se no manejo do sintoma em
detrimento da relação dialógica e de construção conjunta dos saberes. Com
isso, a intervenção a ser realizada em prol da saúde do paciente já está
pensada e definida para além dos atores. Esse modo de funcionamento, para
Ayres (2005), gera paralisação e dominação das relações, determinando um
dos lados como possuidor da verdade e o outro como cumpridor da mesma.
A aposta que Aleksandrowicz e Minayo (2005) fazem no contexto da
humanização é de estimular as disciplinas à produção de novos conhecimentos
aliados às descobertas e invenções da ciência para que o melhor do humano
possa se materializar; sua capacidade de autoconhecimento, autodeterminação
e autogestão, libertando os indivíduos do assujeitamento e convocando-os ao
protagonismo e à autonomia. O projeto da humanização tem como foco
resgatar a força emancipatória, protagonista e instituinte do SUS através de um
processo de subjetivação que se inicia a partir dos sujeitos implicados e
produtores de novas normas (Aleksandrowicz e Minayo, 2005).
Ao longo dos anos, desde o seu lançamento no cenário nacional de
saúde como política, a humanização vem ganhando com trabalhos voltados
para a concretização dos seus princípios e diretrizes no sistema. Iniciativas
diferenciadas, e respeitando a diversidade das instituições, estão sendo
empreendidas por grupos comprometidos com a mudança das práticas em
saúde, tais como implementação do acolhimento nas portas de entrada dos
hospitais públicos, cursos de formação para os profissionais de saúde, apoio
técnico às unidades de saúde através de consultores, dentre outros.
Contudo, é possível observar que tanto o termo humanização quanto a
própria PNH ainda carecem de uma compreensão ampla e mais aprofundada
5
das suas propostas e mudanças. Em diversas situações na assistência em
saúde, humanização tornou-se sinônimo apenas de um ambiente reformado e
limpo, em outras, humanização remete à idéia de fazer o bem, a bondade
(Deslandes, 2005; Casate e Correa, 2005).
Procurando analisar o discurso oficial atribuído à humanização,
Deslandes (2004) aponta em seu estudo que há uma grande insatisfação do
usuário na relação com os profissionais da saúde e que a humanização
desponta como uma aposta de produzir uma nova cultura de atendimento,
centrada no diálogo. Além disso, a humanização também esteve associada à
melhoria das condições de trabalho daquele que cuida e como possibilidade de
oferecer um atendimento com qualidade.
Contudo, a autora destaca a necessidade de mudança cultural das
organizações de saúde para ser capaz de valorizar, tanto os saberes dos
usuários, quanto para alterar as condições estruturais de trabalho dos
profissionais. A construção de um olhar ampliado e qualificado para a
assistência à saúde passa pela superação das dicotomias entre o uso de
tecnologia e o fator humano, considerando que a tecnologia possui diferentes
formas de ser utilizada (Deslandes, 2004).
A humanização possui uma área de atuação ampla, permitindo que os
profissionais que abracem suas diretrizes e queiram colocá-las em prática
encontrem campo para o trabalho. Desde a atenção básica até a alta
complexidade o cenário mostra-se carecendo de transformações que
reafirmem os princípios do SUS e de construção de novas práticas, tendo em
vista a proposta da PNH. 6
Um desses âmbitos da saúde é a assistência pediátrica de média e alta
complexidade, o qual tem como público alvo pacientes apresentando doenças
crônicas, neurológicas e de origem genética. Nesse sentido, a humanização
desponta como proposta para o trabalho que pode ampliar a qualidade da
assistência, bem como pode colocar em discussão as práticas de saúde de um
determinado coletivo.
No campo da pediatria, diversos fatores estão envolvidos durante o
processo de internação dos pacientes. A enfermagem, por exemplo, tem um
papel fundamental, pois além de desempenhar assistência 24h, passa a lidar
com a presença constante da figura do acompanhante, incorporado ao espaço
da internação como forma de garantir os direitos das crianças e adolescentes.
A presença do acompanhante implica em, não só incluir mais um ator na
relação terapêutica, mas também colocar em discussão o papel do mesmo e
dos profissionais em saúde nessas relações. A assistência pediátrica coloca
para os profissionais a necessidade de estabelecimento de relações com os
acompanhantes, que carregam consigo suas angústias, conhecimentos e
experiências.
Como resultado dessa configuração do espaço hospitalar, utilizado por
aqueles que cuidam e por aqueles que são cuidados em par com seus
acompanhantes, existe a possibilidade de produção de encontros diversos que
podem tanto afirmar a vida e a solidariedade, como podem ser capazes de
enclausurar, gerar conflitos e dominar as relações.
Além disso, a situação de internação de uma criança ou adolescente
mostra-se delicada para a família a para a própria criança, pois exige
modificação das rotinas de ambas as partes. O hospital passa a ser um
7
símbolo dessa mudança, uma vez que distancia crianças e seus familiares das
rotinas, dos amigos e das demais referências do cotidiano de vida (Mitre,
2006).
Como característica do campo pediátrico de média e alta complexidade,
está também a presença de tecnologias, utilizadas para a manutenção da
qualidade de vida e da sobrevida dos pacientes. Tal fato implica para os
profissionais o desenvolvimento de técnicas para o manuseio adequado e
voltado para a utilização correta e, para os acompanhantes a inclusão de novos
conhecimentos sobre a saúde dos pacientes.
Dessa forma, pode-se compreender que o campo da assistência
pediátrica é repleto de fatores que provocam a reflexão sobre o fazer dos
profissionais, na relação com usuários e acompanhantes. Pensar um trabalho
embasado pelos princípios da humanização envolve colocar em discussão
como os encontros entre os atores são capazes de produzir subjetividades
protagonistas de suas histórias, profissionais e pessoais, valorizando os
diferentes saberes, experiências e procurando lidar com os distanciamentos
culturais e sociais.
Sendo assim, esse estudo assume a importância, no cenário da saúde,
de se debruçar sobre as relações entre equipe de saúde, pacientes e
familiares, pois as mesmas geram encontros que são fontes potenciais de
produção de subjetividades. Ademais, exigem das equipes de saúde um novo
olhar, integralizador e acolhedor, que leve em conta o adoecimento e as
referências de vida destes indivíduos.
Como objeto de estudo dessa dissertação destacam-se as relações
entre a equipe de enfermagem, os usuários e seus acompanhantes numa
8
enfermaria de Pediatria de média e alta complexidade tendo como foco os
princípios do acolhimento e autonomia e assumindo como princípios
coadjuvantes a co-responsabilidade e o protagonismo.
Assume, portanto, como princípios analíticos e norteadores da PNH o
acolhimento, autonomia, co-responsabilidade e protagonismo, além de sua
proposta de mudança no modelo de atenção vigente.
Procurou-se com isso atender aos pressupostos teóricos do estudo, os
quais buscavam entender as possibilidades e limites no avanço de um modelo
de atenção que se baseie na construção de relações dialógicas entre a equipe
de enfermagem, usuários e seus acompanhantes, o acolhimento na assistência
e a participação dos atores no cuidado, entendendo-os como protagonistas
deste. 9
1.2 - Objetivos
Geral:
• Analisar como se dão as relações entre a equipe de enfermagem, os
usuários e seus acompanhantes numa enfermaria de Pediatria de
média e alta complexidade tendo como parâmetro os princípios do
acolhimento e autonomia e assumindo como princípios coadjuvantes
a co-responsabilidade e o protagonismo na produção do cuidado.
Específicos:
• Analisar o cotidiano da prática dos profissionais de enfermagem na
relação com os usuários e seus acompanhantes;
• Analisar as situações e contextos que propiciam ou dificultam as
relações de acolhimento e autonomia;
• Compreender os momentos e contextos em que o protagonismo e a
co-responsabilidade são expressos.
10
1.3 - Justificativa
Esse trabalho procurou dar conta dos anseios da autora que evidenciou
no âmbito do sistema de saúde algumas barreiras que dificultam a
concretização de uma atenção integral e acolhedora na assistência ao usuário
e no funcionamento dos processos de trabalho. Essas evidências foram sendo
construídas durante sua formação como psicóloga e sanitarista, que realizou
uma residência em Saúde Coletiva, exercendo atividades na instituição
escolhida para o desenvolvimento dessa dissertação e com as demais
experiências práticas no serviço público conquistadas ao longo de sua
formação.
Os profissionais de enfermagem, elencados como sujeitos do estudo
junto com pacientes e seus acompanhantes, caracterizam-se por ser uma
categoria profissional privilegiada na relação com os usuários e seus
acompanhantes, pois é delegado a estes profissionais o cuidado, o
monitoramento, a orientação e dedicação cotidiana no universo de uma
enfermaria de pacientes graves e crônicos. A participação dos profissionais de
saúde como aqueles capazes de operar as mudanças nos processos de
trabalho e que podem contribuir para a construção de uma nova forma de
cuidar é de suma importância quando se inclui uma avaliação das deficiências
e capacidades para incorporar princípios da PNH.
A análise das experiências, durante o processo de internação, tanto dos
usuários, quanto dos profissionais, pode contribuir para que o olhar e o
entendimento sobre a questão sejam mais ampliados, abarcando as diversas
questões que envolvem o tema. Além disso, no âmbito da PNH não existem
muitas produções científicas no âmbito de clínicas que tratam de doenças 11
crônicas na infância. Em uma busca pelas principais bases de dados (Scielo e
BVS), entre os meses de agosto a novembro de 2007, foram encontrados 25
artigos que desenvolvíam uma discussão voltada para os objetivos desse
trabalho. Tal fato contribui para sua relevância enquanto produção científica no
campo da Saúde Coletiva, articulada com a experiência concreta no cotidiano
de saúde.
Além disso, esse trabalho foi apresentado, ainda enquanto projeto de
pesquisa, no Congresso Nacional de Pediatria, alcançando a menção honrosa
do evento. Esse foi um primeiro indicativo de que o tema proposto é pertinente
para o campo da saúde, apostando em uma discussão que privilegia
profissionais de saúde, usuários e seus acompanhantes sob os princípios da
humanização. 1.4 – Estrutura da Dissertação
Como forma de apresentação da dissertação foi escolhido o formato de
artigo, pois facilita a publicação dos conhecimentos produzidos após o trabalho
de campo. Para isso, foi desenvolvido um capítulo de metodologia e dois
artigos. O primeiro voltado para o desenvolvimento teórico que contemplou a
análise do cotidiano da gestão do trabalho de enfermagem na enfermaria
pediátrica à luz dos princípios e diretrizes da Política Nacional de
Humanização. O segundo, analisa as situações e contextos que propiciam ou
dificultam as relações de acolhimento e autonomia e compreendendo os
momentos e contextos em que o protagonismo e a co-responsabilidade são
expressos na relação entre enfermagem, usuários e seus acompanhantes. 12
Com relação ao primeiro artigo, sua construção foi baseada no trabalho
de campo, onde se observou que a gestão do processo de trabalho da
enfermagem na enfermaria é uma questão central para a discussão dos
princípios da humanização no coletivo em análise.
Foi desenvolvida uma discussão sobre a construção do processo de
trabalho da enfermagem e sua relação com os demais atores do cenário da
internação. Propõe-se o desenvolvimento de novas práticas e de relações
pautadas por um modelo de co-gestão do coletivo para que novas formas de
gerenciamento dos processos de trabalho sejam construídas, privilegiando as
trocas interdisciplinares e a criatividade, a fim de que princípios do sistema de
saúde, como a integralidade no atendimento, possam ser reforçados a partir da
produção de soluções compartilhadas.
Já o segundo artigo procurou contemplar o segundo e o terceiro
objetivos específicos da dissertação. Por isso, analisou as situações e
contextos que propiciaram ou dificultaram as relações de acolhimento e
autonomia, compreendendo os momentos e contextos em que o protagonismo
e a co-responsabilidade são expressos na relação entre enfermagem, usuários
e seus acompanhantes. São apresentadas as principais análises acerca da
materialização dos princípios da humanização no cenário da enfermaria,
discutindo com base nos autores de referência da área e com a história da
enfermagem pediátrica. Além disso, reflete-se sobre a proposição de um novo
modelo de cuidado. Conclui-se que é preciso consolidar as iniciativas
individuais pautadas pela humanização já desenvolvidas e permitir que os
demais princípios sejam incorporados através de novos territórios com sujeitos
implicados e produtores de novas formas de fazer saúde.
13
Assim, espera-se, com a conclusão deste trabalho, fornecer reflexões
acerca das relações entre a equipe de enfermagem, os usuários e seus
acompanhantes no contexto da Pediatria de média e alta complexidade.
Espera-se que os resultados desse trabalho possam também servir como
referência para a implementação de estratégias voltadas para a concretização
do acolhimento, autonomia, co-responsabilidade e o protagonismo no âmbito
da enfermagem pediátrica. 14
2
Metodologia
Este estudo propõe uma abordagem qualitativa a partir da perspectiva
etnográfica, através da observação participante, na qual pode-se obter uma
primeira aproximação do cotidiano de trabalho, enfocando as relações entre as
equipes, o usuário e os acompanhantes.
A etnografia é uma abordagem originária da antropologia que de forma
integrativa leva em consideração as múltiplas dimensões do ser humano em
sociedade (Laplantine, 2003).
A preocupação de um estudo com enfoque etnográfico incide em definir
como um ethos de determinado grupo ou coletivo se atualiza na prática. O
pesquisador que escolhe esta abordagem espera que através da ampla e
profunda observação do cotidiano do grupo a ser pesquisado se consiga
compreender as características do comportamento, dos costumes e das formas
de vida de um coletivo (Creswel , 1997).
Guardadas as proporções de um trabalho realizado em âmbito hospitalar
e dos limites da observação nesse espaço, procurou-se, a partir da entrada no
cotidiano de trabalho de uma enfermaria, contemplar os objetivos expostos
nessa pesquisa.
Para Laplantine (2003), a pesquisa de campo é o que dá corpo à
etnografia, onde torna-se possível o encontro com o outro, lugar no qual o
pesquisador aprende a compreender suas formas de comunicação e suas
emoções. O trabalho de campo é a própria fonte de pesquisa.
15
O campo escolhido para este trabalho foi a Unidade Pediátrica de
Internação (UPI) de um instituto de referência no cuidado da Saúde da Mulher,
Criança e Adolescente. O perfil desta enfermaria definia-se por atender
usuários entre zero a 18 anos de idade, contendo 22 leitos. Neste local, as
patologias de maior incidência eram as doenças crônicas e neurológicas.
A escolha deste local de análise deveu-se à característica do cuidado,
pois é uma enfermaria que possuía pacientes que apresentavam enfermidades
caracterizadas como de média e alta complexidade e que necessitavam de
cuidados especiais e contínuos, fazendo com que o paciente e sua família.
Todos esses fatores elevavam o tempo médio de permanência, podendo
caracterizada pela intensidade e continuidade do cuidado e da atenção tanto
da família quanto da equipe de saúde com a criança.
Os sujeitos da pesquisa foram tanto os profissionais que compõem a
equipe de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem), quanto os
usuários e seus acompanhantes. Entre os usuários foram incluídas todas as
faixas etárias, excluindo apenas pacientes que apresentavam osteogênese
imperfeita em função da internação programada. Tais pacientes não estavam
em crise do quadro, mas internavam com dia marcado para a realização de
medicação intravenosa, referente a um tratamento inovador na área e,
portanto, caracterizava-se por uma relação diferenciada com os profissionais
da equipe de enfermagem.
A escolha pelos profissionais de enfermagem definiu-se por ser uma
categoria profissional privilegiada na relação com os usuários e seus
acompanhantes, pois é delegado a estes profissionais o cuidado, o 16
monitoramento, a orientação e dedicação cotidiana no universo de uma
enfermaria de pacientes graves e crônicos.
Além disso, a escolha pelas categorias acolhimento, protagonismo,
autonomia e co-responsabilidade possibilitou ao trabalho abarcar uma
multiplicidade de determinantes referentes à saúde e às relações entre
trabalhadores e usuários.
Previamente à entrada no campo, o projeto que embasou a dissertação
foi submetido à aprovação ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto
Fernandes Figueira e aprovado sob o número 0012/028. Logo após a
aprovação, foi realizada uma reunião de apresentação do projeto à enfermeira
chefe da enfermaria de Pediatria para que os objetivos fossem expostos e para
uma primeira aproximação com o coletivo em análise.
O trabalho contou com um período de imersão de três meses no campo,
o qual permitiu apreender os diversos momentos da internação, privilegiando
os diversos plantões, tanto ao longo da semana, quanto aos fins de semana. O
objetivo foi participar as experiências dos sujeitos através da observação
participante, obtendo uma primeira aproximação do cotidiano de trabalho, as
relações entre as equipes, entre os próprios responsáveis, nos momentos de
visita, do banho, alimentação, enfim, de todo o processo de trabalho de uma
enfermaria.
Segundo Laplantine (2003), para alcançar o homem em suas
dimensões, é preciso dedicar-se a observação de fatos sociais cotidiano, que
podem parecer pequenos, mas cuja significação só pode ser encontrada nos
seus papéis assumidos dentro de um coletivo. Para então ser possível acessar 17
os fatos cotidianos e os papéis desempenhados pelos sujeitos da pesquisa foi
desenvolvido um roteiro que norteou a entrada no campo, a saber:
• Rotinas:
-Trocas de plantão; Banho/Higiene; Visitas; Administração de
medicamentos; Procedimentos invasivos ao leito e na sala de
procedimento; Orientações para o acompanhante; Recepção dos
pacientes; Realização de exames fora do leito;
• Relação da equipe de enfermagem com:
- Usuários (com e sem acompanhante/ com ou sem outros
profissionais)
- Acompanhante (com e sem o usuário/ com ou sem outros
profissionais)
Além disso, foram aproveitados os momentos de encontro entre a
equipe de enfermagem para contemplar as discussões coletivas dos
profissionais, bem como para que as questões pertinentes do estudo
pudessem ser discutidas e elucidadas à luz da equipe.
Foi usado como instrumento para a anotação das observações e
vivências o diário de campo, pois estava em estudo o próprio contexto, no qual
se situavam os objetos e sujeitos, suas redes de interações constituídas no
coletivo da enfermaria. Além disso, foram utilizados trechos do diário de campo
com o objetivo de restituir as cenas da vida cotidiana, cada uma com seu
relevo e sua cor, permitindo construir um conhecimento com base na
experiência real do empírico (Laplantine, 2003).
Os procedimentos etnográficos detêm-se à descrição da cultura do
grupo pesquisado, à análise deste material por temas ou perspectivas e à
18
interpretação do mesmo através dos significados das interações sociais e de
contextualizações sobre a vida social. O produto final produz um retrato amplo
do sistema cultural dos atores estudados (aspectos históricos, sociais,
econômicos e políticos), incorporando as visões dos sujeitos pesquisados e a
interpretação do pesquisador sobre as visões dos mesmos (Creswel , 1997).
Para Creswel (1997) uma pesquisa com enfoque etnográfico além de
coletar os dados no campo a partir da observação-participante precisa
descrever, analisar e interpretar essa cultura na qual esteve imerso e o que foi
registrado.
Para tanto, os procedimentos analíticos detiveram-se, primeiro, na
revisão das observações registradas no diário de campo, realizando uma
leitura flutuante e crítica do material. Mediante essa revisão, os dados foram
mapeados a partir das categorias de análise trabalhadas nos artigos
elaborados e que buscaram contemplar os objetivos do estudo.
Com relação ao primeiro artigo, o processo da análise permitiu
desenvolver a classificação a partir da categoria analítica gestão do processo
de trabalho da equipe de enfermagem. A partir da categorização e análise, o
material foi refletido à luz da PNH e dos autores de referência para o estudo. Já
em relação ao segundo artigo, as categorias analíticas respeitaram os
princípios da PNH elencados no estudo - acolhimento, autonomia,
protagonismo e co-responsabilidade.
Após o mapeamento, foi realizada uma caracterização do contexto da
observação seguido de uma reflexão sobre a experiência do campo (Ryan e
Bernard, 2000). 19
Buscou-se assim, articular o que foi observado e mapeado com o
referencial teórico, de modo a ir ao encontro dos pressupostos teóricos desse
estudo, os quais buscavam entender as possibilidades e limites no avanço da
mudança do modelo de cuidado a partir da construção de práticas no cotidiano
de trabalho entre a equipe de enfermagem e os usuários e seus
acompanhantes, baseadas no estabelecimento de relações de acolhimento,
protagonismo, autonomia e co-responsabilidade. 20
3 Artigo
A Gestão do Processo de Trabalho da Enfermagem em uma Enfermaria
Pediátrica de Média e Alta Complexidade: uma discussão sobre co-gestão
e humanização
21
Resumo: O presente artigo analisa o cotidiano da gestão do trabalho de enfermagem numa enfermaria pediátrica de média e alta complexidades à luz dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Humanização. Utiliza a observação participante, apoiada na perspectiva etnográfica, como meio de aproximação com o grupo pesquisado, estabelecendo uma via de diálogo com foco no cotidiano de trabalho, as relações entre as equipes, os usuários e os acompanhantes. O local de estudo foi a enfermaria de Pediatria de um instituto de referência no cuidado da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente. O período de observação foi de três meses e os resultados apontam para uma gestão dos processos de trabalho permeada pela desagregação das equipes, não se alcançando uma integração das ações. Conclui-se que é preciso investir na proposição de um modelo de co-gestão do coletivo analisado para que novas formas de gerenciamento dos processos de trabalho sejam construídas, privilegiando as trocas interdisciplinares e a criatividade, afim de que princípios do sistema de saúde, como a integralidade no atendimento, possam ser reforçados a partir da produção de soluções compartilhadas. Palavras-chave: enfermagem pediátrica, processo de trabalho, co-gestão, humanização.
Abstract: This article examines the daily management of the nursing pediatric work of mid and high complexity in based on the principles and guidelines of the National Policy of Humanization. It uses the participant comment, supported in the etnographic perspective, as half of approach with the searched group, establishing a way of dialogue with focus in the daily one of work, the relations between the teams, the users and the companions. The study place was the infirmary of an institute reference in the care of the Woman, Child and Adolescent Health situated in the Rio de Janeiro city. The observations period was three months in the total. The results point to a management of the work processes not the disaggregation of the teams, not reaching an integration of the actions. One concludes that it’s necessary to invest in the proposal of a co-management model of the analyzed group so that new forms of management of the work processes could be constructed, privileging the interdisciplinary exchanges and the creativity, in order that principles of the health system, as the completeness in the attendance, can be strengthened from the production of shared solutions. Key words: pediatric nursing, process of work, co-management.
22
3.1 – Introdução
Empregar o conceito de processo de trabalho e analisá-lo através de
uma discussão acerca da gestão desse processo envolve, primeiramente,
assumir que todo e qualquer processo de trabalho utiliza técnicas para produzir
um determinado produto/bem/serviço que tem sua importância social
reconhecida (Marx, 1983).
No campo da saúde, Gonçalves (1994) aponta que o processo de
trabalho é uma atividade de produção por envolver valores de uso para aqueles
que utilizam dos serviços de saúde e visa obter determinados efeitos (cura,
reabilitação) alterando um estado de coisas em seu objeto, o corpo humano.
Historicamente, o processo de trabalho em saúde esteve atrelado ao
exercício pedagógico no leito, o qual passou a permitir a ligação entre os
saberes particulares de cada caso e a construção de um sistema de
conhecimentos (Foucault, 1980). No seio dessa compreensão está a
centralidade do saber médico que, através do avanço do modelo cartesiano
nas ciências avançou no estudo classificatório para a constatação anátomo-
clínica dos sinais e dos sintomas (Guedes, Nogueira e Camargo Jr, 2006).
Para autores contemporâneos, como Merhy et. al. (2007: 121), o
trabalho em saúde é considerado vivo, pois seu objeto não é totalmente
estruturado e suas ações se configuram em processos de intervenção em ato,
operando através das relações, de encontros de subjetividades, para além dos
saberes tecnológicos estruturados. As tecnologias que são utilizadas podem
ser consideradas “leve, leve-dura e dura”, compreendendo que a primeira
relaciona-se às produções de vínculo, acolhimento, autonomia e gestão; a 23
segunda refere-se aos saberes estruturados nas diversas especialidades e a
última, considera as tecnologias aplicadas ao campo.
Dessa forma, o processo de trabalho em saúde tem como finalidade a
ação terapêutica voltada para um objeto, indivíduo enfermo ou exposto a
riscos, que através de meios de trabalho, como condutas terapêuticas, uso de
instrumentos e tecnologias, produz o serviço assistencial (Silva apud
Deslandes, 2002). O processo de trabalho em saúde tem a potencialidade de
produzir ações com sentidos e significados distintos para profissionais e
pacientes, que se expressam através das diferentes expectativas sobre o
exercício profissional e sobre a solução do problema apresentado (Merhy et.
al., 2007).
Entre os diversos agentes atuantes no processo de trabalho em saúde,
as(os) enfermeiras(os), destacam-se por ser uma categoria profissional que
assume o cuidado, o monitoramento, a orientação e dedicação cotidiana no
universo da assistência. A participação desta categoria no processo de
produção de cuidados em saúde possui uma trajetória histórica, marcada pela
relação com a medicina.
O presente artigo analisa o cotidiano da gestão do trabalho de
enfermagem numa enfermaria pediátrica de média e alta complexidades à luz
dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Humanização
(PNH/Ministério da Saúde, 2003).
Dessa forma, é importante apresentar as características dessa profissão,
relacionando-as com os avanços científicos promovidos em sua formação e
com o campo concreto de suas práticas na produção do cuidado em saúde. 24
3.2 – Construção do Processo de Trabalho da Enfermagem
A entrada da enfermagem no ambiente hospitalar está, em suas
origens, associada ao plano da caridade e da bondade exercida por
voluntárias. Como uma primeira porta de entrada da mulher ao campo
profissional, a enfermagem ficou por muito tempo marcada pela distinção de
gênero, cabendo única e exclusivamente à mulher os cuidados dos enfermos.
O cuidado tinha como prerrogativas ser permeado pela idoneidade moral,
devoção, desprendimento, submissão e capacidade de gestão do espaço
hospitalar (Moreira, 1999).
Institui-se assim, uma profissão dotada de um imaginário feminino que
somente poderia expressar as características do cuidado abnegado capaz de
organizar o espaço, torná-lo asseado, livre de sujeiras e infecções que
poderiam afetar a recuperação dos pacientes.
Com o avanço das teorias científicas e aperfeiçoamento das técnicas de
trabalho em função das descobertas biológicas, fisiológicas e farmacêuticas, a
enfermagem foi se especializando, tornando uma profissão centrada na
técnica. A maior influência para esta mudança foi feita pela Escola Nightingale
de Treinamento para Enfermeiras, onde uma nova concepção, baseada na
perspectiva científica, foi erigida para a profissão (Carvalho, 2004). Essa nova
concepção centrou-se em princípios que não só mudariam o fazer da categoria
profissional, como também tornou-se um legado para as gerações seguintes.
A ênfase detinha-se na necessidade de construir um corpo
específico de conhecimentos, buscando a autonomia e a delimitação de um
campo de saber com conhecimentos originários da física, biologia e das 25
ciências do comportamento, influenciando, assim, uma determinada forma de
ver e agir sobre o outro (Meyer, 1998).
A partir da ampliação do modelo hospitalocêntrico e, conseqüente
aumento da demanda de trabalho, a enfermagem foi se tornando uma equipe
específica, composta por auxiliares, técnicos e pelos próprios enfermeiros.
Estes últimos comandam a organização do cuidado a ser realizado pela
equipe, além de prover regularmente informações sobre a evolução clínica dos
pacientes e gerenciar insumos, dentre outras atividades (Carvalho, 2006;
Matos e Pires, 2006). A enfermagem elege, então, o trabalho em equipe como
um dos pilares de sua existência e assume, na modernidade, um papel voltado
para o cuidado, mas centrado na racionalização das ações (Moreira, 1999).
A enfermagem incorporou ao seu processo de trabalho o gerenciamento
do dia-a dia das unidades assistenciais e passou a adotar uma forma de
trabalhar verticalizada, formal e legitimada pelo modelo taylorista-fordista. A
crítica ao modelo Nightingale, influenciado pela lógica de organização
capitalista do trabalho, incide na divisão entre trabalho intelectual e manual e a
hierarquização no trabalho da enfermagem (Matos e Pires, 2006).
Como conseqüência da influência da teoria da administração científica
nos serviços de saúde e na enfermagem, destaca-se a ênfase da divisão do
trabalho orientado por manuais de procedimentos, rotinas, normas, escalas
diárias de distribuição de tarefas. Esses fatores implicam em uma organização
interna das equipes e estruturam tanto as relações entre os demais
profissionais que convivem em uma enfermaria, quanto a gestão do próprio
serviço. 26
No que diz respeito ao processo de trabalho da enfermagem pediátrica
de média e alta complexidade, foco deste artigo, pode-se elencar uma
seqüência de atividades voltadas para o atendimento direto de crianças que
apresentam doenças neurológicas, genéticas, respiratórias, orientação aos pais
e suporte aos procedimentos médicos Como exemplo, a enfermagem
pediátrica desempenha funções no momento de admissão da criança, higiene,
preparo de procedimentos dolorosos, orientação dos pais, alimentação por
sonda nasogástrica, enteral e parenteral, hidratação (balanço hídrico),
controles (peso, estatura, perímetro encefálico, freqüência respiratória,
cardíaca, pulso e temperatura, monitorização não invasiva da pressão arterial,
oximetria), administração de medicamentos, inaloterapia, colocação de
cateteres, coleta de amostras, dentre outros (Chaud, Peterlini, Harada e
Pereira, 1999; Whaley e Wong, 1989; Bowden e Greenberg, 2005; Nettina,
2003). 3.3 – Política Nacional de Humanização e Co-gestão de Coletivos
Como estratégia voltada para atuar em todo o contexto do sistema de
saúde, a PNH assume no cenário da saúde uma proposta voltada para o
trabalho coletivo na direção de um sistema acolhedor e resolutivo para
usuários, suas redes sociais, trabalhadores da saúde e gestores.
Seus princípios e diretrizes acenam como caminhos possíveis para
superar a burocratização e verticalização do sistema, que vem se mostrando
despreparado para lidar com a dimensão subjetiva nas práticas de atenção.
Como estratégia de interferência na saúde, a humanização leva em conta os 27
processos de produção, considerando os sujeitos sociais que mobilizados
serão capazes de transformar as realidades. (Ministério da Saúde, 2004).
A PNH destaca-se também como produção teórica voltada para a
compreensão dos impactos e implicações dos processos de trabalho em saúde
para os atores e serviços e, ao mesmo tempo, como conjunto de diretrizes e
princípios sobre a gestão coletiva deste processo de trabalho.
Pensar o processo de trabalho em saúde na perspectiva da PNH implica
considerá-lo como uma produção de subjetividade sempre coletiva, histórica e
determinada por múltiplos vetores, formando uma rede de atores que
estabelecem relações dialógicas, voltadas para o enfrentamento de problemas
e de demandas de um determinado grupo formado por usuários, trabalhadores,
gestores, familiares etc (Ministério da Saúde, 2006; Santos-Filho e Barros de
Barros, 2007).
A gestão de um processo de trabalho compreende adotar mecanismos
para a administração de recursos, conhecimentos, informações e tempo. As
formas que esse gerenciamento assume podem ser mais pragmáticas, detidas
em mecanismos como organogramas verticalizados e departamentais que
procuram manter a organicidade funcional das partes com o todo. Entretanto, o
gerenciamento pode ocorrer baseado nas relações entre os profissionais,
considerando as disputas de poder existentes no cenário (Merhy et. al., 2007).
A proposta de um gerenciamento baseado nas relações aproxima-se da
proposta de co-gestão, que para a PNH representa um modelo centrado no
trabalho em equipe, com construções coletivas do conhecimento, permitindo
que o poder que permeia as relações no campo da saúde seja compartilhado
(Ministério da Saúde, 2007). A co-gestão fala de uma prática que procura
28
potencializar as capacidades criativas e as trocas interdisciplinares, a fim de
que princípios do sistema de saúde, como a integralidade no atendimento,
possam ser reforçados a partir da produção de soluções compartilhadas. A
PNH propõe que sejam conformadas clinicas ampliadas, na medida em que
essa concepção de trabalho responsabiliza todos os profissionais presentes na
linha de cuidado, entendendo que o conhecimento deve ser somado (Ministério
da Saúde, 2004).
Na PNH, a discussão volta-se para a proposição de transformações nos
processos de trabalho em saúde a partir das vertentes da assistência e da
gestão, sendo a primeira voltada para a prestação de serviço à população e, a
segunda, relacionada às relações sociais, que envolvem trabalhadores e
gestores em sua experiência cotidiana de organização e condução de serviços.
Contudo, as duas vertentes são compreendidas como indissociáveis, o que
aponta para a valorização e crescimento dos trabalhadores no momento em
que interagem com seus pares e usuários, resultando em um aprendizado
mútuo e contínuo. Sugere-se também a implementação de instâncias
participativas de decisão, como colegiados gestores e de horizontalização das
relações, valorizando o trabalho em equipe (Ministério da Saúde, 2006; Santos-
Filho, 2006).
Campos (2007) corroborando os princípios da PNH aponta a co-gestão
como a ampliação da “capacidade de direção” entre o conjunto de pessoas de
um coletivo. Dessa forma, a gestão centralizada na figura da cúpula das
chefias não torna democrático o processo e não permite que os outros atores
participem e sejam autorizados a falar. 29
O autor (Campos, 2007) considera que uma reformulação conceitual e
prática do trabalho implica em estimular a construção de um novo conceito de
trabalho capaz de romper com os limites tayloristas de produção,
compreendendo o trabalho como um dos planos essenciais na constituição
subjetiva dos indivíduos. 3.4 - Metodologia
Este estudo escolheu a abordagem qualitativa e, a partir da perspectiva
etnográfica, procurou realizar uma detalhada observação do cotidiano do grupo
a ser pesquisado buscando-se compreender as características do
comportamento, dos costumes e das formas de vida de um coletivo (Creswel ,
1997).
O campo escolhido foi a Unidade Pediátrica de Internação (UPI) de uma
Instituição de referência no Ensino, Pesquisa e Cuidado da Saúde da Mulher,
Criança e Adolescente localizada no Município do Rio de Janeiro. Esta unidade
foi escolhida por ser uma enfermaria de média e alta complexidade e que
atendem pacientes que necessitam de cuidados especiais e contínuos.
O perfil dessa enfermaria define-se por atender usuários entre zero a 18
anos de idade, contendo 22 leitos, com predomínio de pacientes apresentando
doenças crônicas e neurológicas. Os sujeitos escolhidos para a pesquisa deste
artigo foram os profissionais que compõem a equipe de enfermagem
(enfermeiros e técnicos de enfermagem).
Previamente à entrada no campo, foi realizado um encontro com a
chefia de enfermagem para a apresentação do projeto e dos objetivos do
mesmo. A recepção da proposta de trabalho foi positiva, demonstrada através
30
do interesse pelo tema e da perspectiva do mesmo contribuir para o trabalho
na enfermaria.
O trabalho contou com um período de observação de três meses,
realizado entre maio a agosto de 2008, o que permitiu apreender os fenômenos
sociais do processo de internação de forma ampla, privilegiando os diversos
plantões, tanto ao longo da semana, quanto aos finais de semana.
Como principal ferramenta do trabalho, a observação participante
permitiu a aproximação com o grupo pesquisado, estabelecendo uma via de
diálogo com foco no cotidiano de trabalho, as relações entre as equipes, os
usuários e os acompanhantes (Minayo, 2006). A observação participante
viabilizou que a pesquisadora fosse colocada no mundo dos atores,
estruturando relações de troca de conhecimentos e experiências. (Peirano,
1995).
Foi elaborado um roteiro de observação que abarcou as rotinas
desenvolvidas no serviço, tais como: trocas de plantão; banho/higiene; visitas;
administração de medicamentos; procedimentos invasivos ao leito e na sala de
procedimento; orientações para o acompanhante; recepção dos pacientes;
realização de exames fora do leito. Este roteiro teve como instrumento de
registro o diário de campo, no qual foram descritas as observações,
informações, conversas e experiências vividas ao longo do trabalho.
A oportunidade de participar dessas rotinas de trabalho possibilitou
observar as relações existentes entre os atores nos diferentes momentos da
internação. Foram contemplados os encontros entre a equipe de enfermagem
para conhecer as discussões coletivas dos profissionais. 31
Como processo da análise da pesquisa, o diário de campo passou por
uma primeira leitura flutuante do seu conteúdo, o que permitiu o desenvolver a
classificação temática do material. Os temas foram identificados, agrupados e
analisados a partir da categoria teórica - gestão do processo de trabalho da
equipe de enfermagem (Ministério da Saúde, 2003; Campos, 2007)
A partir da categorização e análise, o material foi refletido à luz da PNH
e dos autores de referência para o estudo, permitindo produzir conhecimento
sobre os fenômenos observados. 3.5 – Resultados e discussão
3.5.1 – A entrada no campo
Conhecer o processo de trabalho da enfermagem em uma enfermaria de
Pediatria de média e alta complexidade foi uma tarefa que, inicialmente, exigiu
vencer o estranhamento dos profissionais com alguém que os observava, o
que evocava, inicialmente, o imaginário acerca do controle sobre as tarefas e
sobre o grupo.
Conforme passavam os dias de observação esse estranhamento
diminuía, dando lugar ao acolhimento da pesquisadora pela equipe, uma vez
que a mesma pertencia também ao campo da saúde e por isso, possuía uma
linguagem comum deste campo capaz de aproximar os sujeitos. Além disso,
como o trabalho ocorreu em uma instituição que desenvolve projetos de ensino
e pesquisa, é comum os serviços servirem como campos para trabalhos
científicos.
Através da confiança estabelecida, uma parte da equipe de enfermagem
passou a encontrar na pesquisadora uma possibilidade de dar voz as suas
32
angústias quanto ao processo de trabalho da enfermaria. Tal fato remete à
expectativa dos profissionais de poderem se expressar para uma pesquisadora
que, além de desempenhar este papel, carrega as marcas de sua formação
como psicóloga.
Em relação aos acompanhantes, a relação foi diferenciada. Muitos nem
perguntavam sobre a função da pesquisadora, alguns poucos questionavam de
forma curiosa. O diálogo com essas pessoas foi mais imediato, facilitado pela
freqüência elevada de profissionais diversos na enfermaria que sempre os
aborda afim de obter informações sobre as crianças.
Procurou-se estabelecer um contato harmonioso e com escuta das
diferentes questões que emergiam do cotidiano da enfermaria, mas foi evitado
qualquer tipo de interferência com opiniões e posicionamentos.
Durante o período de observação a entrada no campo aconteceu em
diferentes horários e dias que não estavam fixos, procurou-se privilegiar
horários que contemplassem todo ou quase todas as 12 horas dos plantões.
Com isso, procurou-se observar toda a dinâmica da enfermaria. Também foram
contempladas visitas no final de semana e no período noturno. Na primeira
situação, a enfermaria contava com um número menor da equipe de
enfermagem e apenas médicos plantonistas. Já na segunda, a enfermaria
permaneceu com o quantitativo de enfermagem do plantão noturno e por volta
das 21 horas algumas luzes eram apagadas, procurando respeitar a ordem do
círculo circadiano dos pacientes, delimitando horários para dormir e acordar.
Durante o trabalho de campo, a pesquisa contou com a participação
ativa dos profissionais e acompanhantes das crianças em grande maioria. A 33
observação foi enriquecida pelas histórias dessas crianças, as quais
permeavam as relações entre os acompanhantes e entre a enfermagem. 3.5.2 – Gestão do Processo de Trabalho da Equipe de Enfermagem na
Enfermaria
Durante o período de observação a enfermaria esteve com a totalidade
dos leitos ocupados, sendo a mesma dividida em boxes com dois ou três leitos
em cada e as respectivas cadeiras para os acompanhantes. Em alguns foi
encontrado aparelho de televisão, DVD e som, trazidos pelos responsáveis.
Esse detalhe do arranjo dos boxes implicava que na enfermaria fossem
produzidas diferentes fontes de barulho e ruído, além do som emitido pelos
equipamentos.
Como exemplos, seguem fragmentos do diário de campo, enunciados
por uma profissional e que ilustram o quanto a presença de equipamentos
sonoros incomodava a equipe, que sentia isso como uma sobrecarga ao ritmo
acelerado do trabalho e o excesso de atividades:
“Aqui é sempre muito confuso, são muitas demandas e não
tem tranqüilidade... Já reparou que em muitos boxes têm
DVDs diferentes tocando várias músicas, além dos aparelhos
que apitam?! (Enfermeira A em 09/06/08)
No que diz respeito à gestão do tempo em relação às atividades a serem
desempenhadas, o cenário pode ser descrito da seguinte maneira: por volta
das oito horas a maior parte dos usuários e dos acompanhantes já acordou e
começavam a ser ministrados os primeiros procedimentos da rotina como
banho, medicamento, café da manhã, leitura dos prontuários e a enfermeira
34
chefe fazia a escala do dia. Os médicos começavam a desempenhar suas
tarefas e até às 9 horas a enfermaria estava tomada por diversos profissionais
e com diferentes demandas assistenciais. O excesso de atividades
concentradas pela manhã, somadas ao round dos médicos e os procedimentos
de enfermagem, deixava muitas crianças cansadas ao final do período,
gerando para a enfermagem um re-trabalho de estabilizá-las novamente.
A localização central do posto de enfermagem funcionava como um
ponto de observação da dinâmica da enfermaria, de encontro e de discussão
entre os profissionais, além de concentrar materiais diversos da assistência e
administração do serviço como, telefone, computador, prontuários, quadro de
escala e cadeiras. Foi desse espaço que o diálogo abaixo foi ouvido e que
contribui para caracterizar o excesso de atividades concentradas pela manhã.
“Isso aqui está parecendo o Vietnã!
Que Vietnã!?! Isso aqui está pior, parece o Afeganistão, a faixa de Gaza...
Já deixou de ser o Vietnã há muito tempo...”
(Enfermeira B e Técnica de Enfermagem B em 18/07/08)
Em contraposição, o período da tarde, em geral, mostrou-se mais calmo.
Permaneciam na enfermaria apenas a equipe de enfermagem, poucos médicos
plantonistas e a equipe de um programa interdisciplinar, que utiliza o brincar
como estratégia de intervenção no adoecimento e hospitalização infantil.
Uma forma de gerenciar o tempo entre as atividades exercidas pelas
categorias profissionais foi implementada por esta equipe interdisciplinar, que
utilizava os horários da tarde para realizar a intervenção. Isso conferiu melhor
distribuição das atividades voltadas para o cuidado. Já para os pacientes, esta 35
medida permitiu que os mesmos pudessem ser beneficiados por este trabalho,
minimizando o desgaste gerado no turno da manhã.
A observação da rotina durante um sábado revelou, contudo outra
realidade:
O setor encontrava-se com poucos profissionais, a
enfermaria passava por uma faxina no piso, alguns
acompanhantes retornavam para suas casas,
permanecendo poucos profissionais de enfermagem e os
plantonistas médicos. (diário de campo – 19/07/08)
A menor quantidade de profissionais de outras categorias, diminuição da
variabilidade de problemas e fontes de estresse permitiam que o trabalho fosse
gerido de forma mais harmônica aos finais de semana.
O que permitia exercer uma gestão mais harmônica aos finais de
semana não era a possibilidade de exercer um trabalho interdisciplinar e co-
gerido, mas o fato de reduzir o número de atores e fontes de problemas. Com
isso, a tranqüilidade experimentada aos finais de semana não se mantinha ao
longo da rotina semanal, quando o cenário se mostrava oposto.
Com relação à gestão de pessoas do quadro da enfermagem, ressalta-
se que a equipe de enfermagem encontrava-se reduzida em todos os plantões,
uma vez que a equipe conta com dois enfermeiros diaristas e cinco
plantonistas (entre enfermeiros e técnicos). Já no final de semana, esse
quantitativo diminuía, ficando apenas cinco plantonistas. A carga horária do
plantão é de 12X60 horas. Segundo a Resolução 293/2004 do Conselho
Federal de Enfermagem (COFEN), a composição mínima de uma equipe
voltada para cuidados intermediários é de 33 a 37% de enfermeiros (mínimo de
seis), além dos demais profissionais, como Auxiliares e/ ou Técnicos de
Enfermagem.
36
No interior dessa divisão do trabalho, a redução das equipes implica que
as decisões e o cuidado estivessem concentrados nas mãos de poucos,
acarretando automatismo, rotinas e padronizações diante do aumento da
demanda (Pitta, 2003).
Corroborando com Pitta, Beck et.al. (2007) destacou em seu estudo os
principais obstáculos para a construção de vínculo entre a enfermagem,
usuários e familiares, como a sobrecarga de trabalho, redução do quantitativo
de trabalhadores, falta de tempo e a supremacia dada à rotina do trabalho em
detrimento da relação de interação com o paciente e o familiar.
Uma residente de enfermagem relatou, com base em sua
experiência no hospital, que os outros setores alcançam um
“grau maior de organização”, por se caracterizarem como
serviços fechados, como são as unidades intermediárias e de
terapia intensiva.
Para essa profissional, estes setores exigem dos profissionais outro tipo
de conformação do trabalho multidisciplinar, mais integrado e harmonioso
diante da gravidade dos casos, que se apresentam no limiar entre a vida e a
morte.
Como não foi incluída a observação de outros setores do hospital, não
foi possível chegar a essa conclusão sobre o campo de estudo. Contudo, o
relato da residente serviu como reflexão sobre a forma como os profissionais
compreendem o seu processo de trabalho. Inclusive, uma informante relatou,
que alguns profissionais já solicitaram transferência para outro setor, alegando
condições melhores de trabalho. 37
A falta de articulação, diálogo e integração entre as equipes mostraram-
se marcantes no que se refere à gestão do conhecimento/informação do
coletivo analisado. Em um dos relatos de uma enfermeira destaca-se o caso
ocorrido durante o procedimento de troca de curativo:
A enfermeira, durante o procedimento, observou que a
fisioterapeuta estava aguardando para iniciar suas atividades
com a criança. Ao perceber a presença constante da
fisioterapeuta, a enfermeira sentiu-se pressionada a realizar
mais rapidamente seu serviço para ceder horário à
fisioterapeuta. Como o paciente não havia ainda se
alimentado, o que para sua condição implicava perda de
nutrientes importantes, a enfermeira precisou solicitar à
fisioterapeuta que atendesse outra criança para que pudesse
continuar conduzindo os cuidados ao paciente e ministrar sua
a alimentação. (diário de campo – 09/06/08)
Como recursos para o debate de casos, existem reuniões
interdisciplinares entre a enfermagem (através da chefia como representante) e
a equipe médica. Contudo, a efetividade desse recurso para a equipe de
enfermagem mostrou-se baixa, pois foi possível observar a permanência de
divergências e conflitos entre as categorias. O recurso da enfermagem, na
prática, era remeter o caso para uma outra pessoa da equipe médica,
restringindo a discussão sobre a mudança ou permanência de uma dada
conduta a pequenos grupos, em separado.
No âmbito hospitalar, a prática da enfermagem (e dos demais
profissionais) é ainda e em boa medida, comandada, modelada, conduzida,
orientada pela centralidade do ato médico, que detém o monopólio do
diagnóstico e da terapêutica principal (Cecílio e Merhy, 2007).
38
Segundo Lopes (1998), a influência médica e a tradição de prática
auxiliar marcaram as bases do ensino da enfermagem em todos os níveis. O
ensino teórico é ainda predominantemente de base médica, no qual a doença
tem posição de destaque. Para a concepção nightingaleana a delimitação entre
as duas áreas – Medicina e Enfermagem – está marcada pelas diferentes
funções, cabendo a primeira remover o problema que acomete a saúde do
indivíduo através de procedimentos cirúrgicos e tratamento clínico e, a segunda
se responsabilizaria por manter a pessoa nas melhores condições de vida, uma
vez que desempenha funções como troca de curativos, administração de
medicamentos e alimentação, higiene, dentre outros (Lima, 2005).
Contudo, diante de casos graves com elevado grau de complexidade no
cuidado, a rigidez imposta por um modelo hierárquico repercute em problemas
na condução do trabalho, já que o mesmo demanda um atendimento
interdisciplinar pautado pelo diálogo para tomada de decisões.
Em dois casos de pacientes graves, a equipe médica alterou a conduta e
a pessoa que assumiu ser porta-voz da decisão para a equipe de enfermagem
foi a enfermeira chefe, que desempenhava tanto um papel hierárquico entre a
enfermagem, quanto na relação desta com a equipe médica. Em um desses
casos, a enfermeira responsável por um dos plantões colocou-se contra a
conduta médica, uma vez que o caso envolvia questões éticas importantes.
O caso era de uma criança que fazia um quadro de apnéia
provocado pelo sistema nervoso central, no qual nada poderia
ser feito em termos de manobras respiratórias. A própria
criança voltava a respirar espontaneamente. Contudo, a cada
parada respiratória da criança a equipe de enfermagem se
alarmava com medo da criança vir a falecer, precisando 39
também conter o choro da mãe que ficava muito nervosa.
(diário de campo – 27/06/08)
Para uma parcela da equipe, não utilizar os equipamentos e recursos do
serviço, apoiando apenas a mãe representava uma situação que envolvia a
ética profissional pela ausência do agir técnico, gerando angústia e conflito.
Acolher a mãe em sua angústia poderia ter sido encarado como uma tarefa
significativa, levando em consideração o arsenal de técnicas não associado à
tecnologia. Porém, não houve uma construção compartilhada do conhecimento,
a partir do aproveitamento das características mais importantes de cada
categoria e valorizando os diferentes saberes na condução do caso.
Diante do impasse entre a conduta médica, fundamentada tecnicamente,
e a experiência da enfermagem na linha de frente do cuidado, um abismo foi
estabelecido em função da falta de diálogo e construção interdisciplinar do
conhecimento.
A partir desse conflito e de uma atitude da enfermeira que discordou da
equipe médica foi realizada uma reunião entre essa equipe e a enfermeira, na
qual a mesma pôde se explicar. Entretanto, não houve, novamente, construção
coletiva de um novo fazer, a conduta médica alterou-se, mas sem pactuações
entre as equipes.
Nesse sentido, em um universo em que o conflito da decisão técnica é
permeado pela ausência de espaços de diálogo, o cuidado passa a estar
parcelado em pequenos núcleos de saber que não interagem.
Como influência sobre a forma de refletir sobre o agravo do outro e
sobre a conduta a ser desenvolvida, a formação acadêmica e a capacitação
dos profissionais estão centradas na aquisição de conhecimentos estruturados
sobre as doenças. O manejo da doença e do agravo sob certos procedimentos 40
estruturados à luz da ciência pode contribuir para adiar o estabelecimento de
uma relação dialógica, cabendo aos profissionais, individualmente,
desenvolverem ou não suas formas de lidar com a angústia do outro (Silva Jr,
Merhy e Carvalho, 2007).
Durante a passagem de um catéter intravenoso profundo,
procedimento invasivo e feito na sala de procedimentos, a
criança estava extremamente assustada e com muito medo. A
enfermagem conduziu o processo, mas em nenhum momento
foi explicado para a paciente, que já tinha 12 anos, o motivo
do procedimento. Quando foi preciso fazer um ajuste do
cateter, a paciente novamente ficou amedrontada. (diário de
campo – 27/06/08 e 02/07/08)
Diante dessa situação foi perguntado se haviam conversado com a
criança. Foi respondido afirmativamente e ressaltado que situações como o
primeiro momento do procedimento (colocação do catéter), o qual a equipe
médica prescreveu e não conversou com o paciente e o acompanhante e, a
enfermagem escalada para realizar o procedimento também não conversou
são comuns, gerando o distanciamento entre os diferentes sujeitos.
Questões conflituosas às vezes foram discutidas entre as equipes em
ambientes abertos, expondo os profissionais. Foi observada, por exemplo, uma
discussão em voz alta entre um membro da equipe médica e a enfermeira, na
frente dos pais da criança sobre uma divergência quanto ao cuidado. O
problema agravou e, novamente, a enfermeira chefe foi chamada para resolver
e mediar a situação entre as equipes.
Ao acompanhar a residente de enfermagem durante uma visita aos
boxes, outra situação evidenciou a reduzida comunicação e troca de
experiências entre os profissionais.
41
Uma das mães visitada estava muito aflita, pois sua filha não
estava conseguindo se alimentar e estava muito
congestionada. Indignada, ela dizia que já tinha feito o mesmo
relato para a fisioterapeuta e que os médicos não foram
comunicados. Queixou-se de ter que fazer também para a
enfermagem e não encontrar resolutividade. Indagou se não
era possível que houvesse uma integração entre os
profissionais para que os problemas fossem prontamente
resolvidos, diminuindo o desgaste de todos. (diário de campo
– 21/07/08)
A comunicação apresentou falhas até mesmo no registro da prescrição
médica, em que foi observada dúvida quanto à legibilidade da letra, gerando
insegurança ao ministrar a dose de medicação.
Com relação aos acompanhantes, os problemas evidenciados incidem
sobre o cuidado dos pacientes. As mães mais antigas na instituição
aprenderam a ministrar cuidados aos seus filhos e fiscalizam os cuidados da
enfermagem, julgando se estão “certos ou errados” de acordo com o que
aprenderam. Ao mesmo tempo foi destacado por uma enfermeira que, com a
equipe reduzida, tornou-se comum a enfermagem preocupar-se menos com
aqueles pacientes que têm suas mães treinadas pelo tempo de instituição. O
banho de muitas crianças era dado pelas mães sem a supervisão de técnicos
que, em reduzido número, voltavam-se para os cuidados de crianças mais
graves ou que estavam há pouco tempo no hospital.
Ao exercer seu papel de cuidado da criança, a mãe tem sua função
permeada de sentidos do universo da enfermagem, ao passo que a
enfermagem fica, nesses casos, em um lugar não demarcado por limites claros
na prestação de cuidados aos pacientes. Essa situação confusa e ambígua
gera conflitos e desencontros de saberes e informação. Dever-se-ia considerar 42
que nem todos os dias essas mães estão dispostas a realizar atividades que
não são necessariamente suas.
Para finalizar, a gestão de materiais na enfermaria, tarefa dominada pela
enfermagem, não mostrou problemas no abastecimento de insumos e na oferta
dos mesmos aos acompanhantes e usuários. Contudo, para toda a equipe a
disposição física das caixas e dos materiais incomodava, alocada, grande
parte, no posto de enfermagem de forma aparente e amontoada. Foi relatado
que há uma obra que melhorará as condições de armazenamento dos
materiais. 3.5.3 - Gestão do trabalho e a PNH
Compreende-se que a enfermagem assume a função de um veículo
para a materialização do cuidado, podendo tornar os encontros com o outro,
momentos potenciais que contribuem para a melhoria do quadro de saúde dos
indivíduos.
Entretanto, a gestão do processo de trabalho da enfermagem na
enfermaria mostrou-se permeada pelos distanciamentos entre as
especialidades, pela falta de um modelo de gestão que organize esse coletivo,
de forma que o mesmo alcance um processo de co-gestão.
A atual organização dos serviços não privilegia que sejam
compartilhados objetivos gerenciais em comum, o que também não garante
que as práticas se complementem ou que haja solidariedade na assistência.
Em última instância, isso tem acarretado falta de motivação dos profissionais e
de incentivo ao envolvimento dos usuários (Ministério da Saúde, 2007). 43
As heranças - cientificidade, centralidade da doença, uso de tecnologia,
parcelização do trabalho a partir das especialidades - oriundas do modelo
biomédico, caracterizaram o trabalho assistencial com traços tayloristas, ou
seja, subdividindo-o em pequenos núcleos que não se relacionam entre si.
Diante desse universo de questões, faz-se necessário discutir a
proposição de novas vias para a reconfiguração do trabalho da enfermagem e
a articulação entre as equipes. Nesse cenário, a PNH (2007) acena através da
gestão participativa uma possibilidade instrumental na construção dessa
mudança, podendo contribuir para tornar o atendimento mais eficaz/efetivo e
motivador para as equipes de trabalho.
A função histórica da enfermagem, orientada pela centralidade médica,
é convocada a se ressignificar na linha de cuidado, exigindo a produção de
novas formas de fazer no cotidiano de trabalho. Da alienação à gestão
democrática o caminho é composto de informações acessíveis, da abertura de
espaços de diálogo e da estruturação de relações mais horizontais entre os
sujeitos, os quais passam a tomar parte em discussões e nas decisões do
coletivo.
É preciso trabalhar sobre o distanciamento entre os trabalhadores, que
produz grupos apartados da possibilidade de produzir e alcançar resultados
que tenham impacto sobre a gestão e a assistência. O rompimento incide sobre
a prática da comunicação entre chefias que, em geral, produz decisões
unilaterais, que não representam o coletivo (Campos, 2007).
O modelo de gestão proposto pela PNH pode ser assim descrito:
“centrado no trabalho em equipe, na construção coletiva do
conhecimento e da gestão através de em colegiados que
44
garantam que o poder seja de fato compartilhado, por meio de
análises, decisões e avaliações construídas coletivamente. Os
usuários e seus familiares, e os profissionais e suas equipes
também têm propostas que serão apreciadas pelo colegiado e
resolvidas de comum acordo (2007; 9).
No contexto da enfermaria de Pediatria analisado nesse trabalho, a
capacidade analítica e reflexiva está presente em muitos dos profissionais que
foram acompanhados durante a pesquisa de campo. Entretanto, falas, idéias
inovadoras e sugestões construtivas estão cerceadas pelos lugares
institucionalmente construídos e engessados.
Para uma enfermeira, as equipes deveriam instituir um round interdisciplinar a
ser realizado duas vezes na semana, passando caso a caso, melhorando a
relação entre os profissionais e melhor atendendo os pacientes (diário de
campo – 21/07/08).
O desafio do coletivo, aqui em análise, é recompor distintos desejos e
interesses dos grupos de forma que se construa outra sociabilidade, mais
democrática e solidária.
Com relação a um projeto de humanização, uma enfermeira relatou que a
grande parte dos profissionais não sabe como colocar em prática. Destacou
apenas as iniciativas individuais e isoladas, mas acredita que é preciso investir
nessa discussão com todos os profissionais (diário de campo – 15/07/08)
A promoção da co-gestão considera as subjetividades e as diferentes
construções de ser na sociedade. Ao campo da medicina não se pode furtar de
considerar sua construção histórica e os valores que envolvem os indivíduos
que a exercem. O mesmo serve para a enfermagem e demais especialidades.
Como linhas de intervenção voltadas para a mudança de quadro estão:
o estímulo à edificação de um novo conceito de trabalho que abarque o
45
significado do mesmo enquanto função social e inserção do indivíduo na
sociedade, abertura aos diferentes instrumentais de trabalho, implementação
da mecanismos de gestão participativa (colegiados), produção de valores de
uso que serão compartilhados pelos sujeitos que compõem o coletivo, apoio a
recomposição dos postos de trabalho e o incentivo à multiplicação desse
processo, repercutindo institucionalmente na inovação da gestão (Campos,
2007; Merhy, 2007).
Não existem receitas previamente elaboradas, as saídas se constroem e
se planejam entre os atores, num movimento participativo, pois estão em jogo
diferentes interesses, graus de investimento e de desejo (Merhy, 2007). Os que
estão sendo expostos nessas linhas de intervenção são os diferentes planos e
regiões de expressão da subjetividade e do fazer humano, em que o trabalho
tem papel integrante e fundamental e ao qual não se pode fugir, tendo em vista
o impacto nos projetos de vida de cada sujeito que compõe o coletivo.
Para finalizar esse tópico, cabe fazer alusão às contribuições de Merhy
(2007), que destaca a precípua necessidade de encarar a mudança como uma
tarefa coletiva do conjunto dos trabalhadores para ser capaz de ter potência
para alterar as práticas cotidianas. Do contrário, todo e qualquer esforço sem
essa motivação primária não alcançará resultados profícuos. 3.6 - Conclusão
A gestão do processo de trabalho da equipe de enfermagem na
enfermaria pode ser caracterizada como centrada no paciente, no qual incidem
todas as técnicas e programas existentes na instituição. O impacto dessa forma
de gerenciar o processo de trabalho implica em desagregação das equipes,
46
desmobilização para o trabalho, desgastes físicos e mentais, impossibilitando a
estruturação de parcerias de trabalho.
A aposta no gerenciamento co-responsável do processo de trabalho
mostra-se como um caminho possível para demandas antigas, pois pode
ampliar a participação dos trabalhadores nas decisões assistenciais, diminuir
os distanciamentos entre as especialidades, estruturar linhas de cuidado que
integre e responsabilize os profissionais, possibilitando ao conjunto de atores
reconstruir o fazer na enfermaria. Referências Bibliográficas
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49
4 Artigo
Desafios da Humanização no contexto do Cuidado da Enfermagem
Pediátrica de Média e Alta Complexidade
50
Resumo: O presente artigo analisa as situações e contextos que propiciam ou dificultam as relações de acolhimento e autonomia e compreendendo os momentos e contextos em que o protagonismo e a co-responsabilidade são expressos na relação entre enfermagem, usuários e seus acompanhantes. Utilizou-se da abordagem qualitativa, através da perspectiva etnográfica como meio para conseguir apreender os fenômenos elencados. O local de estudo foi a enfermaria de Pediatria de um instituto de referência no cuidado da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente. O período de observação foi de três meses e os resultados encontrados apontam para uma indefinição do que seja um projeto de trabalho pautado pela humanização. Conclui-se que é preciso consolidar as iniciativas individuais pautadas pela humanização já desenvolvidas e permitir que os demais princípios sejam incorporados através de novos territórios com sujeitos implicados e produtores de novas formas de fazer saúde. Palavras-chave: Humanização, acolhimento, autonomia, protagonismo e co- responsabilidade.
Abstract: The present work analyzes the situations and contexts that propitiate or make it difficult the relations of shelter and autonomy and understanding the moments and contexts where participation and the co-responsibility are express in the relation between nursing, users and its companions. It was used of the qualitative boarding, through the etnographic perspective as half to obtain to apprehend the elencados phenomena. For in such a way, the study used the qualitative boarding, from the ethnographic perspective, so that the understanding of the chosed social phenomena could be possible. The study place was the infirmary of an institute reference in the care of the Woman, Child and Adolescent Health situated in the Rio de Janeiro city. The results there are vagueness of what is a project of guided work by the humanization. One concludes that it’s necessary to consolidate the individual guided initiatives by the humanization already developed and to al ow that the other principles are incorporated through new territories with citizens implied and producing of new forms to make health. Key words: humanization, shelter, autonomy, participation, co-responsibility.
51
4.1 - Introdução
Enquanto estratégia voltada para atuar em todo o contexto do SUS, a
Política Nacional de Humanização (PNH/Ministério da Saúde, 2003) assume
uma proposta voltada para uma nova relação entre usuários, suas redes
sociais, trabalhadores da saúde e gestores, apostando no trabalho coletivo na
direção de um SUS acolhedor e resolutivo.
A PNH possui alguns de seus princípios norteadores o acolhimento, a
autonomia, o protagonismo e a co-responsabilidade que devem servir como
base para as mudanças e melhorias na relação entre profissionais de saúde e
usuários. É uma política que coloca em questão as práticas em saúde,
construídas a partir do modelo biomédico, principal referencial epistemológico
para a formação dos profissionais do campo da saúde (Ministério da Saúde,
2003).
A crítica não está em apontar um modelo desumanizado, mas considerar
que ao longo do avanço científico as práticas e as formas de reflexão super
especializaram cada parte do corpo humano, cindindo com a unidade dos
sujeitos.
No âmbito da assistência Pediátrica de média e alta complexidade, a
cronicidade e gravidade dos casos colocam os profissionais de frente à
necessidade de desenvolver um fazer que considere o uso de tecnologias de
ponta, incorporação constante de novos conhecimentos sobre doenças raras,
limitações do desenvolvimento e maturação dos pacientes, além da relação
com usuários e acompanhantes.
Como compromisso, a humanização assume a necessidade de
promover, através de reflexões e proposições sobre novas formas de agir,
52
relações mais simétricas entre os sujeitos, através das quais o saber formal e
científico, as experiências e saberes de pacientes e acompanhantes
contribuem com a produção de conhecimento.
Considerar esse compromisso no âmbito dos princípios da humanização
e no contexto da assistência pediátrica de média e alta complexidade é o
desafio assumido por esse trabalho. Para tanto, o presente trabalho analisa as
situações e contextos que propiciam ou dificultam as relações de acolhimento e
autonomia e compreendendo os momentos e contextos em que o
protagonismo e a co-responsabilidade são expressos na relação entre
enfermagem, usuários e seus acompanhantes. 4.2 - Acolhimento, Co-responsabilidade, Autonomia e Protagonismo
Retomando os princípios da PNH, que são norteadores desse trabalho,
cabe destacar a importância dos mesmos para a construção de novos sentidos
para as práticas em saúde.
O acolhimento é uma das diretrizes de maior relevância para a PNH e
através dele pode-se entender e articular os demais princípios. Volta-se para o
reconhecimento do outro em suas diferenças a partir de um compromisso de
responsabilização no encontro terapêutico (Ministério da Saúde, 2006).
O acolhimento reacende a capacidade de alteração das práticas em
saúde, na medida em que convoca à análise e à revisão cotidiana das mesmas
no âmbito do sistema de saúde, provocando incômodo ao salientar que
promover saúde e cuidar são atos de co-responsabilidade entre os sujeitos.
Co-responsabilidade para Campos (2003) refere-se à construção de
parcerias entre profissionais de saúde e usuários antes não imaginadas, de
53
descobrir alternativas para a condução de um caminho e considerar valores
culturais dos diferentes coletivos.
A co-responsabilização implica produzir sentido para as diferentes ações
dos sujeitos, além de proporcionar através dos espaços coletivos a
manifestação do saber do outro, seus medos, sentimentos e valores.
Considerar as redes de relações que envolvem os sujeitos e os valores que os
permeiam é uma das reflexões que não só impacta na construção de uma
responsabilização compartilhada, como também permite entender que o ser
humano é um ser dependente de suas redes.
No cotidiano de uma enfermaria, um amplo conjunto de fatores envolve
os profissionais, pacientes e acompanhantes. Considerar o que os permeia é o
caminho para canalizar força para a produção de subjetividades protagonistas
e responsáveis pelo cuidado. Valorizar o fortalecimento das redes de relações
entre pacientes e profissionais da saúde, entre pacientes e seus familiares, é
entender que essas redes de autonomia/dependência são importantes para o
cuidado e para a saúde (Soares e Camargo Jr., 2007).
A autonomia refere-se à capacidade de decisão dos atores baseada em
informações, diálogo e valorização da rede de relações que permeiam os
indivíduos. É um valor que se constitui de forma relativa, relacional e
inseparável da dependência entre os sujeitos. Fortalecer a autonomia dos
mesmos requer incentivo à rede de relações que os sustentam e os apóiam.
(Soares e Camargo Jr., 2007; Fabbro, 1999).
Ofertar e construir uma via de diálogo em que a autonomia possa ser
exercida passa pelo conhecimento dos limites e das alternativas em jogo e
requer pensar o indivíduo como dependente do coletivo. Para Soares e
54
Camargo Jr,, “ser humano autônomo é aquele que reconhece sua necessidade
do outro em todos os planos – afetivo, intelectual, emocional” (2007:75).
O exercício da autonomia também está diretamente relacionado com o
grau e qualidade de informação disponibilizada durante o encontro terapêutico.
É na medida em que paciente e acompanhante disponibilizam e compreendem
o contexto em que estão inseridos, que a autonomia de ambos pode ser
exercida de forma mais plena, através de seu maior grau de capacidade de
escolha e decisão sobre o processo terapêutico.
Compartilhar informações necessárias que envolvem o tratamento,
permite estabelecer uma participação construtiva no processo terapêutico,
possibilitando aos sujeitos a manifestação de sua capacidade protagonista. O
protagonismo é um princípio que implica troca de aprendizados, construção de
novos saberes, democratização de informações e desenvolvimento de ações
em parceria (Rabel o, 2002).
O ser protagonista, no cenário da assistência à saúde, refere-se à ação
baseada nos conhecimentos existentes e naqueles que são aprendidos no
contexto da internação/assistência, atuando de forma construtiva e
compartilhada nas relações entre usuários e profissionais de saúde.
Nesse sentido, o acolhimento como princípio base e que possibilita a
construção de relações mais dialógicas, pode facilitar a produção de vínculos,
entendendo o usuário como capaz de exercer sua autonomia e sua capacidade
protagonista, compartilhando a responsabilidade pelo cuidado. É desconstruída
a noção de que o usuário é paciente (no sentido de passivo) das intervenções
e do saberes dos profissionais de saúde e constrói-se a noção de ator capaz 55
de contribuir e trazer à luz conteúdos importantes e necessários para a
produção de saúde. 4.3 – Metodologia
O presente trabalho elegeu a perspectiva etnográfica como meio para
apreender os fenômenos elencados no estudo, já que permitiu a entrada no
universo de diferentes sujeitos a partir de suas rotinas de trabalho e de cuidado
(Creswel , 1997; Peirano, 1995).
O local de estudo foi Unidade Pediátrica de Internação (UPI) de uma
instituição de referência no cuidado, ensino e pesquisa da Saúde da Criança,
Adolescente e da Mulher no Município do Rio de Janeiro, que possui 22 leitos
para atender crianças e jovens entre as idades de zero a 18 anos.
Como sujeitos participantes de estudo, foram escolhidos: a equipe de
enfermagem (técnicos e enfermeiros), pacientes e acompanhantes. Destaca-se
a exclusão dos pacientes com osteogênese imperfeita que internam para a
realização de um tratamento inovador na área com medicação intravenosa, o
que exige uma preparação da equipe para receber esses pacientes. É uma
internação programada, o que estabelece uma relação diferenciada com os
profissionais da equipe de enfermagem.
A escolha pela enfermagem, como elemento central do grupo de
sujeitos, partiu da compreensão de que a mesma mantém uma relação mais
intensa e contínua com os pacientes e acompanhantes.
A entrada no campo foi, previamente, preparada através de um encontro
com a chefia de enfermagem. A recepção foi positiva, demonstrando 56
entusiasmo e apostando na perspectiva de contribuição para o trabalho
desenvolvido na enfermaria.
O período de observação foi de três meses, contemplando diferentes
horários dos plantões de trabalho, bem como as diferentes equipes e a
movimentação de admissão e alta dos pacientes.
Mediante o estabelecimento de um roteiro de trabalho, que enfocou as
rotinas de trabalho da enfermagem, o diário de campo foi utilizado como
instrumento para o registro das observações, experiências e reflexões do
estudo.
Após o período de imersão no campo, a maior riqueza de um trabalho
etnográfico está relacionada à análise mais refinada dos dados iniciais, através
da qual poderão ser verificados a ocorrência de novos indícios, de dados que
ampliarão a capacidade de reflexão e que permitirão uma abordagem diversa.
Através deste processo de análise alcança-se uma melhor adequação e
qualidade da etnografia (Peirano, 1995).
Sendo assim, primeiro foram revistas as observações registradas no
diário de campo, depois estas foram mapeadas segundo as categorias de
análise, respeitando os princípios da humanização e os objetivos desse
trabalho. Para tanto, no item de análise e discussão, será apresentado o
material analisado segundo as categorias elencadas no estudo, oriundas dos
princípios da humanização e trechos do diário de campo serão descritos com o
objetivo de validar as interpretações. Além disso, será desenvolvida uma
caracterização da enfermaria com objetivo de ilustrar o campo de estudo.
57
4.4 - Caracterização da Enfermaria
A enfermaria, em que o estudo foi desenvolvido, possui 11 boxes,
contendo dois ou três leitos, além das cadeiras dos acompanhantes. Estão
presentes também os pertences dos pacientes, como roupas e brinquedos,
além de televisão e aparelho de DVD.
A enfermagem compõe equipes que contam, durante a semana, com
dois enfermeiros diaristas e cinco plantonistas (entre enfermeiros e técnicos de
enfermagem). Aos finais de semana, o quantitativo diminui para cinco
plantonistas, sendo a carga horária do plantão de 12X60 horas.
O contato com os três grupos de sujeitos da pesquisa ocorreu a partir da
observação das rotinas de trabalho da enfermagem, tais como banho, limpeza
e troca de curativos. Na parte da manhã as rotinas estavam concentradas nos
procedimentos médicos e de enfermagem e nas atividades dos demais
profissionais, como fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e
voluntários do Projeto da Biblioteca Viva1.
No horário do almoço havia uma divisão da equipe de enfermagem para
suprir o cuidado na enfermaria e os acompanhantes desciam para se alimentar
no refeitório. Por essa dinâmica da rotina de trabalho dos profissionais, a parte
da tarde contava com um ambiente mais tranqüilo, em que a enfermagem
conseguia estar mais próxima dos pacientes e acompanhantes. Na parte da
manhã a seqüência de procedimentos (banho, medicação, limpeza de
curativos, etc.) era automatizada para conseguir ser realizada dentro do tempo
1 Projeto que tem como objetivo promover um espaço de estímulo à criatividade e organização do pensamento das crianças internadas ou em atendimento ambulatorial. Os espaços de leitura são compostos por livros de literatura infantil e juvenil, com a mediação de leitura para bebês, crianças, jovens e seus acompanhantes, respeitando as restrições de contato e cuidados especiais. http://www.iff.fiocruz.br/textos/prog_bibiviva.htm
58
hábil. Com relação ao período noturno, a tranqüilidade era maior ainda, apenas
a equipe de enfermagem ficava completa e os médicos eram representados
por seus plantonistas.
Durante a pesquisa as mães dos pacientes representaram a maioria dos
acompanhantes, a minoria era de parentes da família e amigos. Os pais
freqüentavam mais a enfermaria em momentos de visita. Apenas o pai de uma
paciente mantinha uma relação de maior permanência na enfermaria,
substituindo a mãe em alguns dias. Com relação ao horário de visitas, logo
após o início do estudo, foram ampliados para todos os dias da semana.
As mães que estavam há mais tempo na enfermaria, apresentavam
diferentes vínculos com as equipes e com as outras mães, formando grupos
entre elas. Cabe destacar a existência do grupo de mães, que propicia a
integração e a troca de experiências através de encontros semanais. Os
assuntos do cotidiano e das suas vidas eram compartilhados e divididos
através dessas relações estabelecidas. Contudo, conflitos também foram
observados, principalmente, em relação à atenção dada pelos profissionais
para seus filhos. Foram essas mesmas mães que apresentaram maiores
conhecimento sobre a instituição e sobre os cuidados dos filhos, exercendo-os
quase de forma autônoma durante a rotina de trabalho.
Já em relação aos pacientes internados a maior parte era representada
por bebês e crianças de até três anos. Em segundo lugar, estavam as crianças
com idades entre cinco a dez anos. Ao todo, apenas três adolescentes
passaram pela internação no período. Todos os pacientes internados e
observados no período apresentavam patologias graves e crônicas, como as
neurológicas e de origem genética.
59
4.5 - Análise e Discussão
Observar a materialização de princípios presentes e defendidos pela
PNH no contexto de uma enfermaria de Pediatria de média e alta complexidade
foi uma tarefa que exigiu um olhar diferenciado para a rotina de trabalho da
enfermagem e uma compreensão que procurasse entender mais
detalhadamente os meandros existentes nas relações entre esta equipe, os
pacientes e seus acompanhantes. Para tanto, a análise será construída a partir
do detalhamento de cada um dos princípios da humanização elencados no
estudo. 4.5.1 - Acolhimento
Comparativamente com os demais princípios da humanização, o
acolhimento foi o princípio que mais facilmente foi observado nas relações
entre enfermagem, pacientes e acompanhantes, bem como o seu inverso, ou
seja, as situações de não acolhimento.
Foi possível observar situações em que os profissionais procuraram
desenvolver um cuidado diferenciado para as crianças, respeitando o cuidado
da mãe e mantendo uma interação com a criança durante o banho, a troca de
curativos e a administração de dietas. Para cada criança existia sempre a
preocupação em atender, guardando as especificidades de cada caso, e
procurando preservar a integridade dos pacientes, não os expondo a
constrangimentos.
Ao final de uma manhã de observação foi realizada uma visita
no leito de uma paciente que apresentava muitas feridas
espalhadas pelo corpo devido a sua enfermidade. Conforme
os curativos foram sendo tirados, a criança chorava e gritava
60
muito. Diante do desconforto da paciente, a reação da
enfermeira foi cobri-la novamente, num movimento de
compreensão do constrangimento, ainda que a paciente não
verbalizasse uma só palavra. (diário de campo – 09/06/08)
A situação de internação de uma criança ou adolescente, em geral, é um
momento delicado para a família e que requer reconfiguração da rotina de vida
e assimilação do processo de adoecimento.
O momento da hospitalização é uma experiência marcada pela ruptura,
para o paciente pediátrico, com o cotidiano da escola, dos amigos, da família,
dos colegas e das brincadeiras. “A atividade e a liberdade características da
infância são substituídas pela passividade, deixando-se poucas opções para
que a criança faça escolhas” (Mitre, 2006; 286).
Essa modificação produz um estranhamento da experiência de
hospitalização que diferirá entre os pacientes e seus familiares. As referências
do contexto de vida da criança e do adolescente são substituídas pelas
paredes claras, pelos procedimentos invasivos, medicamentos, maquinários,
novos termos e palavras e sensação de dor e sofrimento, modificando a rotina
de vida destes pacientes (Mitre, 2006).
Nos casos de pacientes pediátricos crônicos e agudos a relação com o
adoecimento se modifica e novos conhecimentos são aprendidos pela criança.
Muitas cresceram convivendo com situações de vida limitantes e aprendendo a
incorporar o espaço hospitalar ao seu cotidiano.
Destaca-se a diferença existente entre a apropriação do espaço
hospitalar pelos pacientes internados há mais tempo em detrimento daqueles
que estavam recém-admitidos. Entre os primeiros, puderam ser observadas
relações de parceria, amizade e carinho que tornavam o cotidiano menos
61
hostil. Entretanto, para os segundos a recente experiência gerava expressões
de medo e insegurança diante do desconhecido mundo hospitalar.
Como veículo que propicia o acesso aos saberes de pacientes e
acompanhantes, o diálogo e as orientações foram observados em diversas
situações na prestação da assistência. Ainda que os pedidos de mães e
acompanhantes não tenham sido respondidos prontamente em função da
rotina extenuante e do excesso de trabalho para uma equipe reduzida, elas
foram atendidas na totalidade dos casos, seja fornecendo algum insumo, seja
para auxílio à beira do leito, como na troca de curativos e orientações gerais.
Segundo Coa e Pettengil (2006), o papel da enfermeira em Pediatria é
de defensora e educadora da criança, sendo de sua responsabilidade prepará-
la e informá-la sobre o procedimento ao qual será submetida. Ainda que haja
discordâncias entre a definição desse papel e perfil, sabe-se que na relação
com a criança internada vários fatores envolvem a condução do caso,
passando pela rede de relacionamentos que se estabelece. Despontando no
primeiro nível de relacionamento estão os acompanhantes, na grande maioria
representada pela figura da mãe, que passam a desempenhar um papel
fundamental para a recuperação do paciente.
A experiência das mães na assistência aos filhos é permeada pela
dinâmica das atividades do cuidado. Muitas delas, principalmente aquelas que
estavam há mais tempo com seus filhos internados, já adquiriram
conhecimentos sobre os cuidados, desde o banho até a troca de curativos e
monitoramento de equipamentos.
Contudo, como esse cuidado não é técnico e especializado, ocorreram
problemas que precisaram de correções e ajustes segundo a avaliação da
62
enfermagem. Em muitos casos, o diálogo prevaleceu como instrumento de
contato para esclarecimentos, reduzir fontes de problema e minimizar os
conflitos.
Durante uma conversa entre uma mãe de um paciente
internado e a enfermeira foram solucionados problemas
referentes ao curativo que a mãe fizera. Foi explicada à mãe a
seqüência dos passos para a realização do curativo, e a
mesma tanto se posicionou crítica ao conhecimento, quanto
parceira da enfermeira. (diário de campo – 30/08/08)
O desenvolvimento do cuidado dos acompanhantes não partia de uma
opção dos mesmos, eles foram sendo inseridos na rotina, aprendendo e
atuando. Não existia um projeto terapêutico que integrasse os saberes e
delimitasse os graus de atuação dentro de cada esfera do cuidado.
A mudança de postura dos profissionais englobando a família e/ou o
acompanhante no universo da internação, é apontada por Col et e Rocha
(2004) como uma modificação do foco antes centrado apenas na criança e sua
patologia para aquele centrado na família. A assistência pediátrica passou a ter
como meta a família, considerada a unidade primária do cuidado, não
desconsiderando os avanços tecnológicos conquistados, mas agregando valor
ao incluí-la na perspectiva do cuidado, cabendo a enfermagem entender o
indivíduo e prestar assistência.
O primeiro reflexo dessa mudança refere-se à organização do trabalho
que precisa ter um novo arranjo tanto em âmbito teórico, quanto prático. A
permanência dos pais vem imprimindo uma outra dinâmica no processo
assistencial, pois se abre a oportunidade para que aprendam algumas
habilidades técnicas e ampliem o conhecimento sobre o funcionamento do
hospital e da terapêutica (Lima, Rocha e Scochi, 1999). 63
A presença do familiar no contexto da internação da criança e do
adolescente representou um avanço para as relações entre os usuários com o
espaço do hospital, mas como iniciativa isolada não dá conta da necessidade
de se compreender a dinâmica que envolve o processo de adoecimento da
criança e do adolescente. A presença do acompanhante precisa ser seguida de
um projeto terapêutico de integração do cuidado, pois esse acompanhante está
atrelado à assistência e tem seu sentido relacionado à doença do paciente.
Nesse momento entram em jogo as habilidades e capacidades de
comunicação, diálogo, acolhimento de diversas demandas e oportunidades de
expressão da autonomia de familiares e acompanhantes. No contexto
observado e analisado, essas habilidades e capacidades estavam sujeitas à
sensibilidade individual dos profissionais, o que tornou o encontro entre estes e
os acompanhantes sujeito à sorte das características como afinidade, paciência
e tolerância de ambas as partes.
A enfermagem como equipe diretamente ligada a essa relação, para
qual é delegada as funções de informar e conduzir o cotidiano da assistência,
vivencia, em muito casos, momentos de dúvida e de nebulosidade na definição
de papéis dentro da enfermaria. Para Col et e Rocha,
“...Tudo fica subentendido nessa relação. A partir do momento
que a mãe adentra no mundo do hospital, não tem claro qual a
natureza ou extensão de sua participação no cuidado, vai
descobrindo no cotidiano da assistência. Existe cooperação na
assistência, contudo, fica caracterizada uma relação entre
enfermagem e mães mais de dominação-subordinação do que 64
de colaboração, de co-participação no cuidado à criança
hospitalizada” (2004: 194).
Compartilhar os cuidados com a mãe é desejado para a enfermagem,
mas isso é feito sem uma co-participação materna, estabelecendo relações de
mando. O diálogo nem sempre faz parte dos instrumentos da enfermagem para
negociar os cuidados com a mãe e para acolher as demandas do serviço
(Col et e Rocha, 2004).
Durante uma consulta ambulatorial, mãe e filha foram
encaminhadas para a internação, dado a gravidade do caso
da menina. Ao subirem para o andar da enfermaria, ficaram
seis horas esperando, sem receber qualquer tipo de
informação e alimentação. (diário de campo – 16/06/08)
Ao admitir a paciente, observou-se o relato da mãe que dizia ter tentado
contato com profissionais e nenhuma resposta ou encaminhamento recebera.
O diálogo falhou também em situações de dúvidas sobre a condução do
caso pelas equipes médica e de enfermagem. Uma das mães, com pouco
tempo de internação e em busca pelo diagnóstico da filha, não conseguiu saber
informações mais claras sobre o que estava acontecendo. Por não encontrar
uma via clara de diálogo entre a equipe médica e de enfermagem optou por
não verbalizar suas dúvidas. Tempos depois, essa mesma mãe conseguiu se
sentir mais habilitada para emitir questionamentos à equipe.
Ao final de um dia de trabalho, durante a passagem de
plantão, o pai de uma criança recém internada adentrou a
enfermaria, muito nervoso, em busca de informação sobre o
caso da filha. O técnico de enfermagem ao presenciar a
situação disse: “o senhor aguarda lá fora, até o procedimento
da sua filha acabar”.. e foi encaminhando-o para fora da
65
enfermaria em meio aos prantos paternos. (diário de campo –
16/06/08)
Como situação emblemática, a observação destaca não só a falta de
diálogo como a falta de uma recepção acolhedora que conseguisse acalmar o
pai.
Para Sabatés e Borba (2005) é um dever da enfermeira fornecer
informação completa, apurada, correta e clara sobre as condições e as reações
à doença, tratamento da criança e verificar como os pais compreendem a
situação. As autoras apontam que há um descompasso entre a satisfação dos
pais pela informação recebida e a percepção das enfermeiras acerca do
entendimento dos pais sobre o fornecimento das informações.
Para além da informação clara e objetiva está a necessidade de
estabelecer um espaço de diálogo, que habilite os diferentes atores a
expressarem suas dúvidas e sentimentos. Esse espaço não pode estar
atrelado ao tempo de internação, mas instituído como forma de gestão do
cotidiano do serviço.
Ter um espaço de diálogo representa uma forma de acolher o outro e
sua demanda.
Em internações prévias, uma acompanhante sofreu uma
queda da cadeira. Como sofria de dores nas costas, pediu que
alguém trocasse a cadeira antiga que encontrou ao reinternar
seu sobrinho. Diante da solicitação uma enfermagem falou:
“se ela tem problemas, melhor não ficar por aqui”. (diário de
campo – 16/06/08)
A troca ocorreu dias depois, pois a equipe colocava como problema ter
que transferir uma cadeira de outro box, o que poderia danificá-la. Até a
transferência da cadeira se efetivar, sucederam-se dias de um relacionamento
66
distante entre a enfermagem e a acompanhante, que julgava ser simples a
resolução de seu problema. 4.5.2 - Autonomia
Passando para o princípio da autonomia, as situações que mais o
caracterizou foram as referentes aos cuidados das mães em relação aos seus
filhos, as conversas com as equipes através da apropriação do espaço e do
processo de tratamento. As mães que estavam há mais tempo na enfermaria
conseguiram exercer um maior grau de autonomia no exercício do cuidado por
terem adquirido conhecimentos sobre a assistência em detrimento daquelas
com pouco tempo de internação.
Durante o movimento inicial da manhã, no horário de banho
das crianças, muitos acompanhantes, prontamente,
encaminhavam-se para o banheiro ou realizavam a higiene do
paciente ao leito. (diário de campo – 25/05/08).
Ao chegar a alimentação dos pacientes, alguns
acompanhantes de crianças dependentes de alimentação
enteral, iniciavam os procedimentos necessários como lavar
as mãos, e ir passando a alimentação, observando o
andamento da absorção dos pacientes. (diário de campo –
29/05/08).
Ao finalizar a higiene da criança, uma das acompanhantes
conduziu a troca do curativo. Houve extravasamento do
líquido abdominal e diante da dificuldade de resolver o
problema, dirigiu-se à enfermeira solicitando ajuda: “já tentei
limpar o curativo, mas continua a sair aquele líquido, não sei o
que fazer... e ela (paciente) está chorando muito” (diário de
campo – 27/06/08)
Para os pacientes, o cuidado pode ser ofertado por vários atores que os
envolvem durante a assistência e, a ação de um não minimiza os efeitos do
67
outro, mas congregam e agregam valor e benefícios. Para os pacientes a
presença dos pais, dos profissionais da saúde, profissionais do hospital, de
visitas e de companheiros de quarto, pode ser traduzida como fontes de cuidar
e de sentir-se cuidado (Gonzaga e Arruda, 1998).
Contudo, as fontes do não cuidar remetem às atitudes de desinteresse
manifestadas pelos profissionais, tais como deixar de executar procedimentos
para aliviar a dor ou executar os procedimentos de forma fria, mecânica, sem
respeito e compreensão. Todas essas ações contribuem para o aumento da
angústia e estresse que o paciente está vivenciando no momento da
hospitalização (Gonzaga e Arruda, 1998). 4.5.3 - Protagonismo
O protagonismo também esteve atrelado ao tempo de internação. Como
exemplo, destaca-se a capacidade de negociação de uma paciente de 15 anos,
com várias internações recorrentes desde o início de sua vida.
Para a internação de uma criança e enfermeira solicitou a uma
colega que pegasse um saturímetro. A colega encontrou um
aparelho disponível com a paciente de 15 anos e solicitou que
emprestasse para outra criança. A adolescente disse: “não me
importo de emprestar, desde que ele volte para mim a noite...
Não posso dormir sem o saturímetro” (diário de campo –
02/07/08).
Em outro caso, a mãe utilizou seus conhecimentos sobre as reações da
filha para solicitar à fisioterapeuta que trocasse o horário do atendimento,
atuando como mediadora entre a técnica e a filha. A proposta de trabalho da
fisioterapia comprometia o estado de saúde da sua filha, pois iria ser feita antes
da passagem da dieta, afetando a disposição da criança para o cuidado.
68
Uma outra forma de denúncia de desarticulação entre as equipes fez de
uma mãe protagonista do cuidado de sua filha, na medida em que utilizou do
seu conhecimento sobre o funcionamento do serviço para solicitar maior
atenção ao quadro da paciente, exigindo, criticamente, integração da equipe.
A capacidade de exercer o protagonismo nas relações no contexto
observado passa também por uma “habilitação” da expressão e da fala
conquistada através do maior tempo de permanência no serviço. Além disso, o
protagonismo exercido pelas mães não vem acompanhado de outra relação
protagonista da enfermagem. Como as definições de papéis e lugares não
estão claras a capacidade protagonista, tanto da mãe, quanto da enfermagem
não se manifestam com a mesma facilidade. O que mais facilmente foi
observado foi uma relação de protagonismo da enfermagem versus um
posicionamento antagonista da mãe.
Entretanto, os momentos de maior protagonismo vivenciado pelas
crianças internadas estavam relacionados à entrada da equipe do Programa
Saúde Brincar2. Nesse momento, a expressão das crianças mudava e era dada
a chance de outro tipo de comunicação através da expressão lúdica do
universo infantil. O ambiente hospitalar, o desconforto dos procedimentos e as
experiências advindas dos mesmos encontravam outro canal de comunicação. 4.5.4 - Co-responsabilidade
Já em relação à co-responsabilidade, o mesmo foi observado em
relação ao cuidado dos pacientes desenvolvido somente pela 2 Programa interdisciplinar, que utiliza o brincar como estratégia de intervenção no adoecimento e hospitalização infantil, através da criação de espaços lúdicos dentro das enfermarias pediátricas e junto aos ambulatórios, visando as crianças, suas relações com os acompanhantes e equipe de saúde. Funciona regularmente há 14 anos, duas vezes por semana na enfermaria de Pediatria.
69
mãe/acompanhante ou enfermagem e em parceria entre os dois atores,
demonstrando que a prestação do cuidado ao paciente é central e todas as
relações giram ao redor das práticas assistenciais. Através do exercício da
técnica, acompanhantes e enfermagem vivenciaram situações de proximidade
e de distanciamento em suas relações.
Transmitir conhecimentos técnicos aos acompanhantes gerou
problemas a serem gerenciados pelas equipes, pois abriram caminho para a
ocorrência de erros e colocaram a enfermagem em alerta diante dos fatores
que envolviam o paciente. Existia, como norma entre a equipe, a obrigação
técnica dos profissionais, e somente eles, de fornecer os cuidados aos
pacientes. Contudo, diante do acúmulo de trabalho da enfermagem, contar com
alguém que conseguisse ministrá-los, como os acompanhantes, produzia uma
situação paradoxal de ajuda.
Entretanto, para as acompanhantes as ações do cuidado não eram
vistas como obrigação, pois existiam dias em que se queria fazer tudo e outros
dias que nada se queria fazer. A confluência dessas duas situações gerava
ambigüidade no trabalho e conflito nas relações, comprometendo o andamento
das rotinas para a enfermagem.
O investimento na relação entre a enfermagem, usuários e seus
acompanhantes a partir de fatores como o acolhimento pautado pelo diálogo, o
conhecimento que se adquire e os papéis que são assumidos no contexto da
internação, poderá incentivar o protagonismo e a autonomia das crianças e dos
seus acompanhantes.
Nesse sentido, Castro (2001) traz à luz um novo conceito sobre a
infância através de sua teoria da ação, a qual enfatiza a importância de
70
legitimar a criança como um ser capaz de exercer seus direitos mediante sua
capacidade de ação no mundo e de compreensão do mesmo. “Adultos e
crianças, como diferentes categorias sócio-etárias e com diferentes inserções
nos espaços de convivência têm possibilidades distintas de intervir no mundo e
construí-lo” (Castro, 2001).
Com isso, a autora questiona a visão desenvolvimentista sobre a criança
como um ser em processo de formação e que, portanto, necessita de normas
para que o débito social e cultural possa ser saldado através de ações
educativas. Como um ser incompleto e desprotegido, a criança teria na figura
do adulto um porta-voz de seus desejos e direitos.
A valorização do saber dos pacientes pediátricos sobre seu processo de
adoecimento e sobre as relações experienciadas no contexto de internação são
tão importantes quanto a experiência dos familiares e acompanhantes. O
direito de expressão destas crianças pode fornecer valiosos subsídios para que
as práticas em saúde possam ser repensadas em prol de uma assistência mais
integral e acolhedora. Entre as crianças observadas ficou clara a existência de
possibilidades de graus de expressão, do corpo e da fala, daquilo que estava
sendo experienciado, demonstrando os diferentes canais de comunicação.
Durante a aspiração de secreções de uma paciente portadora
de uma síndrome grave, que a impossibilitava de falar, suas
expressões faciais manifestavam o desconforto da situação.
Essa mesma paciente também expressava contentamento ao
ver a mãe e profissionais voltados para seu cuidado. (diário de
campo – 29/05/08).
A partir dessa compreensão é possível construir relações em saúde que
não sejam pautadas pelo assujeitamento e pelo controle, mas que se possa
apostar na capacidade do paciente, em especial do paciente pediátrico, 71
expressar, criar e reinventar normas que possibilitem a administração de forma
autônoma da sua margem de risco na vida, ampliando as capacidades de
enfrentamento da doença junto das relações que lhe são mais importantes.
O reconhecimento, por parte da equipe de saúde, das condições nas
quais se encontra o corpo, a subjetividade do paciente é o passo inicial para a
incorporação de uma nova forma de compreensão do acolhimento,
considerando os fatores que envolvem a vida do paciente.
Assume-se como proposta tomar o cuidado como valor (Pinheiro, 2007),
apreendendo-o como uma ação integral que tem significados e sentidos
voltados para a compreensão da saúde como direito ao tratamento médico e
das demais especialidades, possibilitando ao paciente participar ativamente
das decisões sobre a condução de seu próprio caso.
O cuidado começa quando se inicia uma relação dialógica entre paciente
e profissional de saúde que transcenda o simples jogo de perguntas ativas do
médico e respostas passivas do paciente em direção à construção de um
campo de trocas, em que ao saber do médico incorporam-se as experiências e
vivências do indivíduo. Com isso, é possível estabelecer relações pautadas
pela parceria de pessoas que têm como objetivo encontrar o caminho mais
curto que os levem ao restabelecimento da saúde.
Caprara e Franco (1999) salientam a necessidade de superar o modelo
informativo que repassa a informação e o modelo paternalista que protege o
paciente da sua própria doença para um modelo de comunicação que inclua
outros atores importantes na vida dos pacientes. É uma superação que requer
mudança de atitude e de compreensão sobre o processo de cuidado e sobre o
lugar do outro nesta relação.
72
Para Deslandes (2004a), as possibilidades comunicacionais estão
relacionadas à posição social que os indivíduos ocupam. Na relação entre
médicos e pacientes existe, historicamente, uma diferenciação entre o lugar e
valor de suas falas.
Contudo, a construção de um agir comunicativo inicia-se através do
reconhecimento do lugar do paciente como sujeito na relação. Segundo
Deslandes (2004b), o movimento necessário para mudar essa lógica da
atenção em saúde não passa só pela incorporação de um novo entendimento
acerca dos pacientes e de suas vivências, mas de uma mudança que trabalhe
também com vistas para a cultura organizacional, a qual concentra as relações
de saber-poder, de gênero e status social. São esses fatores presentes na
cultura organizacional que são capazes de alimentar determinadas formas de
relacionamento entre os atores nas instituições.
O cuidado assumido como valor (Pinheiro, 2007) propõe que se
reconheça o ethos do ser cuidado e do cuidador, o que requer incluir na
relação a dimensão da vida individual com seus hábitos e costumes e a vida
em comunidade, sendo ambas dimensões promotoras de marcas e identidade
dos sujeitos. É ser capaz de incorporar o ethos do outro, num processo de
alargamento de si mesmo e fazendo daquele momento terapêutico um
momento único de contato e diálogo.
Para tanto, destacam-se duas situações que servem como analisadoras
da condição de abertura à proposta de humanização desse coletivo. Uma delas
é de uma paciente que, com poucos meses de vida, foi internado no instituto
apresentando uma doença genética rara e que compromete todo seu
desenvolvimento, pois é completamente dependente de equipamentos. A mãe
73
de origem nordestina vinha tentando sua transferência já algum tempo e,
durante o trabalho de campo, verbalizou esse desejo de estar com a filha perto
do restante da família. A dificuldade estava em conseguir um transporte
aeroviário que fosse habilitado à transferência de paciente com seus
equipamentos. Meses se passaram até que fosse viabilizado o transporte
através da Força Aérea Brasileira. Para tanto, a equipe do Departamento de
Pediatria, incluindo médicos, enfermeiros e demais profissionais, mobilizou-se
para promover essa transferência da maneira mais segura e acolhedora
possível.
O segundo caso traz o falecimento de uma paciente cuidada pelo
serviço por muitos anos que, depois de uma cirurgia cardíaca, voltou
dependente de equipamentos e com pouca capacidade de interação com as
outras pessoas, inclusive com a mãe. Sua história era permeada pelo afeto e
carinho que os profissionais já possuíam pela menina. Ao final do trabalho de
campo ocorreu seu falecimento e a forma como médicos e enfermeiros
conduziram o processo do luto da equipe e da mãe merece destaque.
Primeiramente, ao perceberem que a paciente estava falecendo conseguiram
acolher a mãe e conduziram os cuidados clínicos, além de terem procurado
manter a calma do setor para que os demais acompanhantes não ficassem
abalados. Com a comprovação do óbito, reintegraram a mãe ao box, onde
estava o leito da filha, mantendo uma postura de acolhimento à dor materna.
Ao final, apesar da dor de todos os presentes, profissionais e a mãe, apoiaram-
se e abriram-se à sensibilidade de cada um dos sujeitos.
Diante desses casos, pode-se compreender que o coletivo observado
não está anestesiado da chance de reverter os distanciamentos existentes
74
entre as categorias profissionais e os acompanhantes e que existe
possibilidade de construção de um trabalho voltado para os princípios da
humanização.
É através do processo de trabalho que se pode experienciar uma ética
definidora de práticas em saúde (Deslandes, 2007), na qual se articula os
conhecimentos adquiridos ao longo do tempo de formação profissional com
posturas e atitudes em relação ao outro, a si mesmo e a própria relação
terapêutica.
O diferencial entre tornar essa conversa um meio de apenas informar,
questionar e responder está em tornar o acolhimento do outro a mola-mestra
da lógica tecnoassistencial, a partir da sua potência em conectar uma conversa
à outra (Teixeira, 2007).
Nesse sentido, o acolhimento serve como dispositivo de aproximar os
sujeitos que, envolvidos por suas próprias experiências, passam a ser capazes
de agregar valores para a melhoria do quadro de saúde. O acolhimento como
elemento central dessa discussão implica assumir para a proposição de
reformulação do modelo de cuidado um caráter de produção de mudanças.
Estas podem ser pensadas na medida em que antes do manejo específico da
técnica, exame ou procedimento, tem algo que modula a relação que está
vinculado ao contato, à escuta sincera e aberta, a valoração do saber do outro,
da sua forma de compreender a doença.
4.6 - Conclusão
Pode-se concluir que não há uma definição do que seja um projeto de
trabalho pautado pela humanização para o serviço. Os níveis de autonomia,
protagonismo e co-responsabilidade estiveram atrelados à capacidade de 75
estabelecer relações com os profissionais desenvolvida com o tempo de
internação. Ou seja, quanto maior o tempo de internação do paciente, mais
estreitos eram os laços com a enfermagem e maior era a aquisição de
conhecimentos sobre os cuidados com as crianças.
Existem lacunas na compreensão da proposta de um projeto de
humanização para o serviço, que contemple sua gestão e as relações entre
pacientes e seus acompanhantes. O imaginário da humanização que permeia a
equipe é de prestar uma atenção de qualidade sem discussão do como a
mesma será prestada e sem refletir sobre os obstáculos, limites e
possibilidades de mudança das práticas.
A atuação de um projeto de Educação Continuada que integrasse os
conhecimentos de acompanhantes, profissionais e os preparasse para a
construção coletiva das práticas na enfermaria poderia contribuir como um das
possibilidades de trabalho para o estabelecimento de relações mais simétricas.
Como princípio norteador e propiciador de outras mudanças
significativas na assistência, o acolhimento é o primeiro degrau para a
manifestação da autonomia, do protagonista e da co-responsabilidade do
paciente, pois uma vez acolhido ele será capaz de sentir-se seguro para agir e
decidir, atuando positivamente no tratamento e pactuando com o profissional
de saúde a responsabilidade pelo avanço em direção à melhoria do quadro de
saúde.
Nesse sentido, é preciso consolidar as iniciativas individuais de
acolhimento já desenvolvidas nesse coletivo, enquanto um projeto de gestão
da assistência, mas também permitir que os demais princípios sejam 76
incorporados através de novas relações, com sujeitos implicados e produtores
de saúde. Referências Bibliográficas
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79
4 Conclusão
A experiência de vivenciar uma pesquisa baseada na perspectiva
etnográfica permitiu a abertura de horizontes mais diversificados do que
poderia ter sido imaginado previamente ao trabalho de campo. Desde o
momento de embasamento teórico, no qual foi sedimentada uma superfície de
conceitos e de conhecimentos, até a conclusão das análises e discussões,
passando pela etapa do trabalho de campo, experiências diversas marcaram
meu amadurecimento na relação com os sujeitos de estudo.
Inicialmente, a entrada no campo foi marcada pelo desconforto de estar
em um ambiente novo, com sujeitos ainda desconhecidos e em parte
desconfiados acerca da presença do pesquisador. Coube ao diário de campo
servir de guia, espaço onde foram travados relatos extensos sobre os olhares
que foram se constituindo, formando um mosaico de sentidos.
Após o estabelecimento de parcerias com os profissionais, pacientes e
acompanhantes, o estranhamento foi dando lugar ao afeto, à entrega e à
descoberta de um território novo e repleto de experiências significativas. Estar
em contato com pacientes tão novos, iniciando suas vidas sob condições
limitantes, dependentes de tecnologias e com acompanhantes que passam a
incluir a rotina hospitalar no cotidiano de vida repercutiu em toda minha
bagagem como profissional e como pessoa.
Além disso, deslocar-se da formação de outra área da saúde para
adentrar na esfera do fazer da enfermagem permitiu debruçar sobre essa
80
profissão, aprendendo conteúdos até então desconhecidos e entendendo como
tais profissionais transitam nesse espaço do cuidado onde as relações são tão
potentes e vivas.
A enfermaria mostrou-se potente na capacidade de produzir o novo, de
transmutar-se em novas saídas e de permitir novos olhares, demonstrado
através do esforço promovido pelos profissionais para encontrar soluções para
os problemas cotidianos da assistência. Contudo também pode gerar clausura,
diminuindo as apostas criativas dos sujeitos, observado através dos
distanciamentos entre as categorias profissionais.
Ainda que muitos pacientes permanecessem internados por longos dias,
às vezes anos, cada dia representava mais um passo em suas vidas e, como
no ambiente externo, eram marcados pela diversidade de experiências.
O encontro com cada um dos pacientes promoveu alterações na
percepção sobre esses sujeitos, colocando em questão para mim a capacidade
de encontrar saídas e de achar soluções para problemas, que numa primeira
análise, pareciam impossíveis de serem resolvidos.
De fato, a compreensão das possibilidades de produção de um projeto
de vida foi alterada através de cada sorriso e de cada olhar que demonstravam
a crença na possibilidade de vencer as limitações. A bagagem que foi
conquistada após o trabalho de campo carrega o sorriso e o olhar de cada uma
das crianças que produziram novos territórios existenciais, dobras na produção
de uma subjetividade completamente afetada pela nova experiência.
Sem dúvida, considerar os princípios da humanização nesse contexto,
passou pela abertura à possibilidade de afetar e ser afetado por cada um dos 81
sujeitos presentes, assumindo um compromisso de contribuir para que o
coletivo usufrua o produto gerado após o trabalho de campo.
Em relação aos profissionais da equipe de enfermagem, as observações
mostraram que eles formam um coletivo potente em sua capacidade de novas
produções de subjetividade e aberto aos encontros que geram parcerias e que
constroem caminhos compartilhados.
Ainda que existam obstáculos a serem ultrapassados como foi discutido
nos artigos que compõem essa dissertação, são profissionais que se
mostraram abertos a busca de saídas para as dificuldades na gestão do
trabalho e para a proposição de um projeto de cuidado integrado com os
demais profissionais e acompanhantes.
Existe potência para alterar as situações que geram desgastes,
polarizações do cuidado e dicotomias do conhecimento. A capacidade de união
desse coletivo em prol de um objetivo construído de forma compartilhada está
latente e pode encontrar vias de expressão não só em situações
extraordinárias, como também no cotidiano ordinário.
São necessárias alterações na dinâmica do processo de trabalho,
partindo da proposição de um modelo de gestão compartilhado e construído de
forma coletiva entre os profissionais para que seja possível romper com os
distanciamentos entre as equipes e valorizar a capacidade de união do
coletivo.
Além disso, a capacidade de tornar os princípios da humanização a base
para um novo caminho está presente entre os profissionais, na medida em que
existe a preocupação com a prestação de uma assistência acolhedora,
respeitando os direitos dos pacientes e valorizando o trabalho dos
82
profissionais. Essa capacidade latente abre a possibilidade de apostar na
consolidação de projetos de trabalho que rompam com os valores do modelo
biomédico que parcelam o cuidado em direção à afirmação dos princípios do
SUS.
A gestão do processo de trabalho da enfermagem e a materialização
dos princípios da humanização são temas de estudo que estão intimamente
relacionados no coletivo analisado. Ou seja, como veículo pelo qual as pessoas
se relacionam, o processo de trabalho mostrou-se como fio condutor para a
proposição de um projeto de humanização, tanto por evidenciar os pontos de
conflito, quanto por se mostrar passível de transformação.
Como lacunas a serem preenchidas por estudos futuros deve-se
aprofundar a discussão de estratégias que materializem projetos de co-gestão
pautados pelos princípios da humanização, bem como avaliar os resultados
alcançados.
Espera-se que os produtos desse trabalho possam retornar para os
sujeitos da pesquisa com a mesma potência de afeto e de produção de
subjetividades criativas como foi para a pesquisadora abraçar essa proposta de
construção de conhecimentos. Além disso, espera-se que os obstáculos
vivenciados pelos sujeitos representem focos potenciais para a transformação
das práticas, englobando os princípios da humanização a um novo modelo de
cuidado.
83
5
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