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PESQUISA Research Volume 22 Número 2 Páginas 181-188 2018 ISSN 1415-2177 Revista Brasileira de Ciências da Saúde Desafios da Regulação Assistencial na Organização do Sistema Único de Saúde Challenges for Managed Care Regulations in the Organization of the Brazilian Healthcare System RONALD PEREIRA CAVALCANTI 1 DANILSON FERREIRA DA CRUZ 1 WILTON WILNEY NASCIMENTO PADILHA 2 Professor do Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco, Vitória de Santo Antão. Pernambuco. Brasil. Professor do Departamento de Odontologia Clínica e Social da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa. Paraíba. Brasil. 1 2 RESUMO Introdução: a regulação assistencial é um local de observação e ordenamento da rede de serviços e de gerenciamento do fluxo do usuário. Os constantes incrementos de novos procedimentos especializados devido às evoluções em ciência e tecnologias, e ao mercado de serviços em saúde requerem um planejamento dinâmico e uma gestão focada em melhorias de eficiência e eficácia. A identificação de problemas comuns às regulações pode colaborar para a prática dos gestores desta atividade. Objetivo: descrever os principais desafios enfrentados pela regulação assistencial. Materiais e Métodos: trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura com consulta a base SciELO scielo. Utilizou-se os assuntos “regulação de redes e sistemas de saúde”, “regulação de serviços de saúde” e “regulação em saúde” sem definição de filtros, e com a opção AND entre as palavras dos assuntos. Após leitura dos títulos fez-se um segundo filtro com leitura de resumos. Resultados: foram categorizados os seguintes desafios: 1. limitada oferta de consultas e exames na rede assistencial. 2. precariedade da referência e contrarreferência. 3. dificuldades na organização das atividades de regulação. 4. baixa utilização / inexistência de protocolos para encaminhamentos. 5. precariedade de sistemas de informação e comunicação. 6. significativa influência política na gestão das unidades de saúde. 7. desorganização da rede de serviços. Conclusão: os desafios elencados sintetizam uma agenda estratégica de gestão, podendo auxiliar os gestores na tomada de decisão, no monitoramento e avaliação. DESCRITORES Regulação.Continuidade da Assistência ao Paciente. Integralidade em Saúde. ABSTRACT Introduction: Managed care regulation is a strategy for observation and ordering of the service network and user flow management. The steady increase in new specialized procedures due to developments in science and technology and the health services market, require dynamic planning and management focused on efficiency and effectiveness improvements. The identification of problems common to regulations can contribute to the practice of managers involved with this activity. Objective: to describe the main challenges faced by health care regulation. Material and Methods: This was an integrative review of the literature based on searches in SciELO databases. The topics “regulation of health systems and networks”, “regulation of health services” and “regulation of health” without definition of filters, and with the option “AND” between the words of the subjects, were used. After reading the titles, a second screening was performed by reading the abstracts. Results: The following challenges were categorized: 1. limited offer of appointments and examinations in the care network. 2. Precariousness of reference and counter-reference. 3. difficulties in the organization of regulatory activities. 4. low usage / lack of protocols for referrals. 5. precariousness of information and communication systems. 6. significant political influence in the management of facilities. 7. disorganization of the service network. Conclusion: The challenges listed synthesize a strategic management agenda, which can assist managers in decision-making, monitoring and evaluation. DESCRIPTORS Regulation.Continuity of Patient Care.Integrality in Health. http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs DOI:10.4034/RBCS.2018.22.02.12

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PESQUISA

Research Volume 22 Número 2 Páginas 181-188 2018 ISSN 1415-2177

Revista Brasileira de Ciências da Saúde

Desafios da Regulação Assistencial naOrganização do Sistema Único de Saúde

Challenges for Managed Care Regulations in the Organizationof the Brazilian Healthcare System

RONALD PEREIRA CAVALCANTI1DANILSON FERREIRA DA CRUZ1

WILTON WILNEY NASCIMENTO PADILHA2

Professor do Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco, Vitória de Santo Antão. Pernambuco. Brasil.Professor do Departamento de Odontologia Clínica e Social da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa. Paraíba. Brasil.

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RESUMOIntrodução: a regulação assistencial é um local de observaçãoe ordenamento da rede de serviços e de gerenciamento dofluxo do usuário. Os constantes incrementos de novosprocedimentos especializados devido às evoluções emciência e tecnologias, e ao mercado de serviços em saúderequerem um planejamento dinâmico e uma gestão focadaem melhorias de eficiência e eficácia. A identificação deproblemas comuns às regulações pode colaborar para aprática dos gestores desta atividade. Objetivo: descreveros principais desafios enfrentados pela regulaçãoassistencial. Materiais e Métodos: trata-se de um estudo derevisão integrativa da literatura com consulta a base SciELOscielo. Utilizou-se os assuntos “regulação de redes esistemas de saúde”, “regulação de serviços de saúde” e“regulação em saúde” sem definição de filtros, e com a opçãoAND entre as palavras dos assuntos. Após leitura dos títulosfez-se um segundo filtro com leitura de resumos. Resultados:foram categorizados os seguintes desafios: 1. limitada ofertade consultas e exames na rede assistencial. 2. precariedadeda referência e contrarreferência. 3. dificuldades naorganização das atividades de regulação. 4. baixa utilização/ inexistência de protocolos para encaminhamentos. 5.precariedade de sistemas de informação e comunicação. 6.significativa influência política na gestão das unidades desaúde. 7. desorganização da rede de serviços. Conclusão:os desafios elencados sintetizam uma agenda estratégicade gestão, podendo auxiliar os gestores na tomada dedecisão, no monitoramento e avaliação.

DESCRITORESRegulação.Continuidade da Assistência ao Paciente.Integralidade em Saúde.

ABSTRACTIntroduction: Managed care regulation is a strategy forobservation and ordering of the service network and userflow management. The steady increase in new specializedprocedures due to developments in science and technologyand the health services market, require dynamic planningand management focused on efficiency and effectivenessimprovements. The identification of problems common toregulations can contribute to the practice of managersinvolved with this activity. Objective: to describe the mainchallenges faced by health care regulation. Material andMethods: This was an integrative review of the literaturebased on searches in SciELO databases. The topics“regulation of health systems and networks”, “regulation ofhealth services” and “regulation of health” without definitionof filters, and with the option “AND” between the words ofthe subjects, were used. After reading the titles, a secondscreening was performed by reading the abstracts. Results:The following challenges were categorized: 1. limited offerof appointments and examinations in the care network. 2.Precariousness of reference and counter-reference. 3.difficulties in the organization of regulatory activities. 4. lowusage / lack of protocols for referrals. 5. precariousness ofinformation and communication systems. 6. significant politicalinfluence in the management of facilities. 7. disorganizationof the service network. Conclusion: The challenges listedsynthesize a strategic management agenda, which can assistmanagers in decision-making, monitoring and evaluation.

DESCRIPTORSRegulation.Continuity of Patient Care.Integrality in Health.

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DOI:10.4034/RBCS.2018.22.02.12

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Durante a primeira década de criação doSistema Único de Saúde (SUS) em 1990até o ano de 2004, aproximadamente,

ocorreu um intenso processo de descentralizaçãode serviços de saúde, saindo da União paraimplantação nos estados e municípios. Tratava-sede um momento de efetivação de políticas públicasoriundas da nova Constituição de 1988.

Entretanto, a municipalização produziuisolamento e fragmentação dos serviços, precarizouas políticas de pessoal e produziu inadequação dasestratégias de gestão. Em parte, isto ocorreuporque o município se via sozinho para organizarum sistema que ele mesmo nem sempre conhecia,em especial sua forma organizativa constitucional.Acresce-se ainda as dificuldades decorrentes dadiluição das responsabilidades do Estado e daUnião, os quais deveriam estar atentos para aadequação e organização das regiões de saúde.Esse padrão de simplificação, de estratégia daprecariedade, estendeu-se também para ainfraestrutura, os equipamentos e o modelo deatenção e de cuidado¹.

Diante deste cenário de fragmentação dosistema de saúde, com a fragilidade do sistemalocal e quase ausência de sistemas regionais, aregulação do sistema de saúde assume importantepapel com potencial de produzir ganhos deeficiência e integralidade do cuidado.

Na literatura regulação é um termopolissêmico. Para o propósito deste trabalho seráadotado o seguinte conceito:

(…) é uma função da gestão, a qualcontempla uma atuação sobre os sistemasde saúde, sobre a produção direta de açõesde saúde nos diversos níveis decomplexidade (básica, média e alta)ambulatorial/hospitalar e sobre o acesso dosusuários a assistência nestes níveis ².

E em complemento² , acresce que …a regulação assistencial é concebida comomecanismo de acessibil idade

organizacional e expressa o intento (e asatividades) [grifo nosso] de uma gestão emestabelecer um canal de comunicação e deconciliação entre as unidades assistenciaispara promover o acesso dos usuários aosserviços de saúde

No Brasil, a regulação tem sido discutidadevido principalmente à dificuldade de acesso aosserviços. Do ponto de vista institucional, o debatemais aprofundado em relação ao conceito, práticase finalidades da regulação, controle, avaliação eauditoria em saúde iniciou-se a partir de 2001-2002com as Normas Operacionais de Assistência àSaúde (NOAS) 01/2001 e 01/2002³.

Foi a partir da NOAS que se institucionalizoua seguinte classificação de regulação ainda hojevigente.

Este novo papel da gestão do sistema desaúde visou estimular a incorporação de uma culturaavaliativa e do foco da qualidade no âmbito dossistemas e dos serviços².

Na atual Política Nacional de Regulação doSUS4 esta classificação está assim conceituada:

I - Regulação de Sistemas de Saúde: temcomo objeto os sistemas municipais,estaduais e nacional de saúde, e comosujeitos seus respectivos gestores públicos,definindo a partir dos princípios e diretrizesdo SUS macrodiretrizes para a Regulaçãoda Atenção à Saúde e executando ações demonitoramento, controle, avaliação, auditoriae vigilância desses sistemas;II - Regulação da Atenção à Saúde: exercidapelas Secretarias Estaduais e Municipais deSaúde, conforme pactuação estabelecida noTermo de Compromisso de Gestão do Pactopela Saúde. Tem como objetivo garantir aadequada prestação de serviços à populaçãoe seu objeto é a produção das ações diretase finais de atenção à saúde, estando, portanto,dirigida aos prestadores públicos e privados.Os sujeitos são seus respectivos gestorespúblicos, definindo estratégias e

Figura 1. Classificação da regulação em saúdeno Brasil. Fonte: OPAS, 2006.

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macrodiretrizes para a regulação do acessoà assistência (também denominada deRegulação Assistencial) e controle da ofertade serviços executando ações demonitoramento, controle, avaliação, auditoriae vigilância da atenção e da assistência àsaúde no âmbito do SUS; eIII - Regulação do Acesso à Assistência:também denominada regulação do acessoou regulação assistencial, tem como objetosa organização, o controle, o gerenciamentoe a priorização do acesso e dos fluxosassistenciais no âmbito do SUS, e comosujeitos seus respectivos gestores públicos,sendo estabelecida pelo complexo reguladore suas unidades operacionais. Estadimensão abrange a regulação médica,exercendo autoridade sanitária para agarantia do acesso baseada em protocolos,classificação de risco e demais critérios depriorização.

Mesmo assim, a NOAS 2002 apresentavauma concepção limitada de resolubilidade de rede,dirigida apenas à média e à alta complexidade, nãoincluindo, portanto, a Atenção Básica (AB) comocomponente central do processo. A AB estavadesarticulada das ações de controle, o que temcontribuído para a manutenção da baixa eficácia.

Com o Pacto pela Saúde (2006) ampliou-seeste conceito que passou a considerar a AB comoelemento da regulação da atenção, articulando-secom as atividades de contratação, controle,avaliação e auditoria assistencial no âmbito dosprestadores públicos e privados5.

Embora a regulação assistencial apresenteescassez de mecanismos que assegurem umaefetiva conexão entre a oferta de serviços e ademanda, o que tem contribuído para a manutençãoda baixa eficácia do sistema brasileiro de saúde5,avanços normativos tem ocorrido na política setorialcom a publicação da Política Nacional de Regulação– PNR do SUS4 e da Política Nacional de AtençãoBásica - PNAB6. Sendo que esta última deu novossignificados às redes e à regionalização,estabelecendo novos instrumentos para a suaefetivação, o que interfere diretamente na regulação.

Na PNR destaca-se a estruturação daregulação do acesso, que deve conter um sistemade informação do fluxo, o que possibilita oincremento de informações em modelos de decisãopara a conformação de redes regionais de saúde,facilitando ganhos de economia de escala e aintegralidade do cuidado.

Outro elemento normativo que colaborou para

a organização das atividades foi a publicação dodocumento “Critérios e parâmetros para oplanejamento e programação de ações e serviçosde saúde no âmbito do SUS”7, o que possibilitoumonitorar ações de regulação em saúde baseadosem indicadores de efetividade. Esses critériossugerem parâmetros que se baseiam em dados deprodução do Sistema de Informação Ambulatorial(SIA), Sistema de Informações Hospitalares (SIH)e epidemiológicos de pesquisas de campo.

Porém, para avançar no princípio daintegralidade e da equidade, há necessidade dearranjos que articulem a regulação com a efetivaprodução da rede de cuidados. Isto é, dispositivosque atuem na articulação e coordenação da redeque está em constante movimento e transformação,devendo ser considerados não apenas os valoresquantitativos, mas também os qualitativos esubjetivos, como os interesses dos atoresenvolvidos³.

Na Espanha, buscando de maiortransparência nas atividades de regulaçãoassistencial, a publicação da Lei 16/2003, deCoesão e Qualidade do Sistema Nacional de Saúde(SNS) definiu um catálogo de ofertas comuns deserviços e a fixação de tempos máximos nas filasde espera para consultas e exames. Além disso osistema de saúde espanhol assumiu ocompromisso de dar publicidade individual da filade espera na internet, embora essa publicidade nãotenha ocorrido de fato em todo o país e a agendados especialistas estejam ocultas e sob controledos hospitais8. Após a crise econômica de 2009 esobretudo a partir de 2012, sob governo de direita,iniciativas têm sido tomadas para privatização departe do sistema e instituição de copagamentos9.

No Brasil não há lei semelhante à espanholacom definição de tempo máximo de fila de esperaaceitável e da publicidade da agenda de trabalhodos especialistas; além disso, pouca importânciaé dada à AB no planejamento da regulaçãoassistencial. Evidencia-se a necessidade depolíticas e investimentos para valorização dostrabalhadores e do cuidado prestado, promovendomaior contato pessoal e de relações diretas entreprofissionais, com vistas à criação de uma culturade colaboração. Essas iniciativas são consideradasmais exitosas para a integração entre AB e atençãoespecializada10,11.

Outro aspecto do contexto da regulaçãoassistencial é a participação do nível estratégicoda secretaria de saúde (majoritariamente político)na tomada de decisões. Quando envolve-se

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decisões políticas como mudanças ou manutençãode modelos de contratualização, acompanhamento,fiscalização e prestação de contas, é atribuída aosecretário de saúde e seu grupo de assessoramentodireto, ficando relegada à gestão da regulação asdecisões e encaminhamentos predominantementetécnicos5.

Apesar das dificuldades na integração entreAB e atenção especializada, a implantação decentrais informatizadas de regulação e marcaçãode procedimentos especializados (SISREG) nasunidades de saúde da família tem sido uma iniciativapositiva. Mesmo que em fases distintas deimplantação entre os casos, os sistemasinformatizados vêm permitindo aos gestoresconhecer o tamanho real das filas de espera,monitorá-las, definir prioridades clínicas, conhecero índice de absenteísmo de consultas e exames,além de garantir maior imparcialidade etransparência no controle das agendas10.

As centrais produzem dados que podem serdiscutidos com as equipes de saúde da família,que por sua vez, têm atuação que impactam nagestão do absenteísmo de consultasespecializadas11.

O absenteísmo de consultas especializadasé um problema relevante e que acarreta aumentoda fila de espera e de custos, sendo um fenômenomulticausal, onde as relações de causa e efeitoperpassam todos os atores envolvidos: trabalhador,gestão e usuário11.

O presente artigo tem como objetivosintetizar e descrever os problemas enfrentadospela regulação assistencial, de modo a colaborarcom estudos empíricos sobre o assunto.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo de revisão integrativada literatura. De acordo com o objetivo do estudobuscou-se na base de dados SciELO os assuntos“Regulação de redes e sistemas de saúde”,“regulação de serviços de saúde” e “Regulação emsaúde” sem definição de filtros, e com a opção ANDentre as palavras dos assuntos.

A coleta de dados ocorreu no mês denovembro de 2016 e todos os documentos foramobtidos, na íntegra, via rede mundial decomputadores.

Para excluir aqueles trabalhos que estavamem desacordo com o objetivo, foi procedido em umprimeiro momento a leitura dos títulos e resumos,e num segundo, a leitura integral dos artigos.

Na sistematização foi criado um quadro noqual se definiu o escopo de desafios para aregulação assistencial.

A análise dos resultados foi descritiva. Paratanto, os desafios foram classificados em diretos eindiretos:- diretos: possibilita a definição e acompanhamentopor parte da regulação assistencial de indicadoresde utilização dos serviços ofertados, demandareprimida e agendamentos de consultas e examescancelados. Perfil predominantemente técnico.- indiretos: possibilita a definição eacompanhamento por parte da regulaçãoassistencial de política de ordenação de redeassistencial para garantir a integralidade e aequidade. Perfil predominantemente político.

Na interpretação dos resultados buscou-seelucidar as inconformidades entre os achados e anormativa atual da regulação dos sistemas, daatenção e da assistência à saúde2,4,6,7.

RESULTADOS

Foram encontrados 1.117 artigos de acordocom os assuntos selecionados. Excluídos osestudos clínicos, a maior parte da literatura coletadareferiu-se ao mercado da saúde ou saúdesuplementar, sendo escassos os estudos relativosao SUS.

Após leitura dos resumos foram excluídostodos os trabalhos que abordavam temas clínicos,regulação de mercado de serviços de saúde, segurosaúde e a regulação enquanto papel do Estado,restando 53 artigos.

No segundo filtro selecionaram-se 15estudos empíricos e 1 de opinião. Foram aindaacrescentados 3 documentos do Ministério daSaúde e 1 da Organização Panamericana da Saúdecomo normativas oficiais sobre o tema.

Com a sistematização dos resultados,elaborou-se um escopo de desafios colocados àregulação assistencial, conforme Quadro 1.Os desafios identificados apresentaram a seguintequantidade de citação na literatura: limitada ofertade consultas e exames na rede assistencial (9),precariedade da referência e contrarreferência dehistória clínica (8), precariedade de sistemas deinformação e comunicação (8), dificuldades naorganização das atividades de regulação (6), baixautilização / inexistência de protocolos paraencaminhamentos (6), significativa influência políticana gestão das unidades de saúde (3) edesorganização da rede de serviços (3).

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DISCUSSÃO

A limitada oferta de consultas e exames narede assistencial é uma ação que está relacionadaa decisões predominantemente de nível político,vinculadas ao secretário. Diz respeito aimplantações / contratações de novos serviços edestratos, enquanto que a equipe da regulaçãoassume uma responsabilidade indireta, subsidiandotecnicamente aquele nível5. Esse foi o desafio maiscomum citado por diversos autores5,8,12-18.

A precariedade da referência e contrar-referência tem se revelado um evento que não éexclusivo do Brasil10. Conflitos envolvendo o envio(referência) e retorno (contrarreferência) de históriaclínica perpassam por disputas de saberes entreespecialistas e generalistas, e desorganização edesarticulação entre os níveis assisten-ciais3,10,12,14,1619.

As dificuldades na organização dasatividades de regulação foram: não monitoramentodas referências dos profissionais da atenção básicapara a especializada; orçamento dos serviçosinsuficientes e não monitorados; cobertura dosserviços imprecisos e dimensionados por critériosaleatórios e desatualizados; frágil disponibilizaçãode indicadores de resultados (contábil, gestão dematerial, de recursos humanos, epidemiológicos eoperacionais); cumprimento de metas negli-genciado; gestão financeira com dificuldades derecursos, controle, avaliação e auditoria;desregulamentação da regulação (marco legal,normas administrativas, estrutura insuficiente);fragmentação da regulação (central estadual,central municipal, SAMU); transparência inexistenteou insuficiente (publicidade de coberturaassistencial, controle e auditoria dos contratos,resultados, não previsão da participação dasociedade nas Comissões de Acompanhamento dosConvênios)3,5,8,12,18,20.

A baixa utilização / inexistência de protocolospara encaminhamentos têm sido observada comoausência de pactuações de fluxos3,10,12-14 motivadospor diversos fatores relacionados, entre outros, àdesorganização da rede de serviços: a grandediversidade na nomenclatura das unidades de saúdecom multiplicidade das grades de oferta, desar-ticulação regional de serviços; desconhecimento daestruturação e fluxo da rede assistencial; ausênciade comunicação e postura colaborativa entreprofissionais da rede; conflito de saberes entre

generalistas e especialistas; e desarticulação entreatenção básica e especializada1,12,17.

A precariedade de sistemas de informaçãoe comunicação apresentou fragilidades nogerenciamento dos referenciamentos, de demandareprimida e do absenteísmo de consultasespecializadas e exames, tais como a ausênciade controles ou controles fragmentados einconsistentes3,8,10-13,18.

Tais fatores apresentam como consequênciaum campo aberto para significativa influência políticana gestão das unidades de saúde, ocasionando autilização de critérios, por exemplo, informais(patrimoniais) e corporativos para a disponibilização/ obtenção de leitos de internamento8,12,13.

O absenteísmo de consultas especializadasvariou de 18%12 a 41,2%10, revelando ser um eventode grande impacto para a ampliação de ofertas emerecendo destaque no gerenciamento. Partedesse absenteísmo e a baixa cobertura da atençãobásica podem estar sendo responsáveis peloacesso direto do usuário aos serviçosespecializados sem passar pela porta de entrada,o que contribuiria para a não diminuição da fila deespera15,21.

Na última década foi implantada a maioriadas centrais de regulação com sistemascomputacionais de informação para a regulação dofluxo e acesso aos serviços do SUS. Entretantoapenas quatro estudos apresentaram dados dessesbancos internos11-13,18. Os estudos relataramdificuldade de acesso a dados sistematizados emrelatórios, ocasionadas por falta de transparência,pela fragmentação em várias centrais (estadual,municipal, SAMU) em uma mesma redeassistencial, e/ou ainda pela pouca cultura avaliativae de colaboração.

Os dados disponíveis no DATA-SUS sobre aprodução ambulatorial e hospitalar, aberto ao públicoem geral, possuem limitações de execução depesquisas relativas aos desafios diretos daregulação assistencial, porque não consta o fluxodo usuário nem a demanda reprimida e as agendascanceladas. Ou seja, os dados de fluxos dosagendamentos especializados (consultas, exames)são corporativos, de acesso restrito ao público,diferente do DATA-SUS.

A utilização de prontuários eletrônicos(história clínica), pode preencher essas lacunasrelativas aos fluxos dos usuários, impactarpositivamente em todos os desafios listados e,

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ainda, possibilitar um novo banco de dados depesquisas e de tomadas de decisões. Os fatorescausais e consequentes de ausência ou incipiênciado prontuário eletrônico, porém, não foramexplorados nos estudos selecionados.

Contraditoriamente à maior quantidade deestudos sobre a limitada oferta de consultas eexames na rede assistencial, que repercutemnegativamente na demanda reprimida, emerge nooposto o desafio menos abordado, o absenteísmode consultas especializadas e exames, o qualpoderia contribuir na ampliação da oferta, reduzindoas listas de espera.

A não estruturação das regulaçõesassistenciais sobretudo na rede complementar,dentre outras implicações, tem levado aquestionamentos dos órgãos de controle externo,sem ainda terem sido observadas alteraçõesconsequentes desses questionamentos5.

A fragmentação na formação das redes deserviços e o isolamento dos municípios, ocorridosno processo de municipalização de serviços semarticulação regional, prejudicou o ordenamento defluxos de acesso e disponibilidades de ofertascompatíveis com as necessidades de umadeterminada região1, configurando também distintasregulações (municipal, estadual, SAMU) compossível sobreposição de serviços.

A integração entre atenção primária e

especializada deve ser encarada como uma medidaestratégica para enfrentar diversos desafios do setorde regulação10, sobretudo por parte de secretáriosde saúde e seu grupo de assessoramento direto,que estão na dimensão política5.

Os desafios indiretos (nível mais político doque técnico) podem ser melhor enfrentados se aregulação apresentar consideráveis avanços nosdesafios diretos (nível mais técnico do que político).Isso vai exigir do setor habilidades no planejamentoe execução de um plano estratégico para subsidiaro nível político com maior precisão.

Isto tem colocado atribuições que extrapolamseus desafios diretos, devendo ser encarados comodesafios indiretos, e, portanto, compartilhados como nível estratégico da secretaria de saúde.

CONCLUSÃO

Os sete desafios discutidos neste artigosubsidiam uma agenda estratégica em que asgestões das regulações devem estar atentas paraagir intra e inter setorialmente, buscando pactuarações que favoreçam uma maior eficiência e eficáciada oferta de procedimentos especializados.

Estudos mistos podem colaborar para acriação de indicadores de gestão diante dessesdesafios.

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