Desafios do café nacional

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Já está à disposição dos pe- cuaristas de todo o Brasil a 9ª edição do Sumário Paint Consolidado, lançado du- rante a reunião anual do Paint, programa de melho- ramento genético da Lagoa da Serra – maior cen- tral de inse- minação ar- tificial do País. O su- mário é identifica- do como o Genetic Positioning Sys- tem (GPS) do Nelore, uma referência ao Global Posi- tioning System (GPS), per- mitindo ao usuário definir os melhores reprodutores para utilização em seu re- banho. O Sumário Paint Consolidado reúne todas as informações existentes nos sumários Paint, Alian- ça, CFM, Embrapa, PMGRN – Nelore Brasil e agora tam- bém IZ (Instituto de Zoo- tecnia, de Sertãozinho). Co- mo nas edições anteriores, a base das diferenças espe- radas de progênie (DEPs) é o reprodutor Gim de Gar- ça, um divisor de águas na história do nelore. Para a versão impressa, o sumá- rio traz a relação de 204 touros com maior atuação no mercado. A totalidade das provas dos 21.431 tou- ros avaliados na 9ª edição pode ser verificada por sis- tema de consulta à disposi- ção no site www.la- goa.com.br. Além das 18 características que já vi- nham sendo apresentadas, entre as novidades do Su- mário 2004 destacam-se as DEPs para temperamento, publicadas pela primeira vez no Brasil, com influên- cia no manejo e nas carac- terísticas do animal, entre elas o peso. Informações: www.lagoa.com.br ou (16) 3945-2299. AGRO PECUÁRIO ESTADO DE MINAS S E G U N D A - F E I R A , 1 3 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 4 2 ARTIGO BIBLIOTECA DO CAMPO Pecuária de corte Desafios do café nacional MARA LUIZA GONÇALVES FREITAS Mestranda em administração pela Universidade Federal de Lavras e especialista em cafeicultura empresarial [email protected] O laissez-faire, proposto pela Revolu- ção Francesa e fundamento econômico da época, favoreceu um importante mo- vimento no processo de evolução da hu- manidade: a revolução industrial. Este movimento teve início na Inglaterra, por volta de 1760 e alastrou-se pelos demais países do mundo. O homem camponês cedeu espaço ao homem industrial. A ter- ra lavrada, organizada em processos pro- dutivos, que remetiam ao modelo feudal, abriu espaço aos núcleos urbanos, aos cortiços, a um novo modelo de trabalho, que envolvia o uso de novas fontes de energia, máquinas para favorecer a pro- dução em escala, pela a divisão e espe- cialização do trabalho, impulsionando ciências importantes como a administra- ção (Frederich W. Taylor, Henry Fayol e Henry Ford) e a economia (Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo). Eles defendiam a crença de que o acúmulo de capital era uma fonte fundamental de crescimento e que, o desenvolvimento no setor agrícola e no industrial era distinto em razão dos métodos de divisão de tra- balho e inovações tecnológicas. Para eles, a indústria tinha vantagem considerável em relação à agricultura, que usa as tendências de crescimento tecno- lógico como forma a possibilitar retorno de investimentos confortáveis, mesmo em períodos de estagnação econômica. Tal perspectiva ainda é auxiliada pela po- lítica de gerenciamento de mão-de-obra, que aumenta em razão da necessidade de atender à demanda de consumo, além do fato de ter seu salário ajustado ao valor fi- xado pelo estado, quando do seu aumen- to, a fim de não reduzir a lucratividade do capital investido. Esse processo de transição também atingiu a atividade cafeeira mundial, até então rural. Conforme Delfim Neto (1979), em 1865, nos Estados Unidos, começou a processar-se uma revolução tecnológica da mais alta importância para a generali- zação do consumo de café. O café até então era vendido cru no país, de modo que o consumidor o torrava a seu gosto em casa. O processo de industrialização proporcionou uma importante evolução mercadológica, que foi a padronização do aroma e sabor do café, já que para a indus- trialização do produto, partia-se do pres- suposto do estabelecimento de mesclas (misturas de grãos), definição de um pon- to específico de torra e conseqüente siste- ma de comercialização em embalagens prontas para o consumo. Embora a oficialização da industriali- zação do café tenha acontecido apenas no século XIX, no ano de 1997, em escavações arqueológicas realizadas próximas a Du- bai (Emirados Árabes) foi encontrado um grão de café torrado datado do século XIII (L’ABCdaire du Café, 1998). Sem a submis- são do grão ao calor do fogo, sem dúvida, o produto não teria prosperado como be- bida, já que os aromas e sabores caracte- rísticos do grão somente se desenvolvem durante o processo de torra. No Brasil, a introdução do café no há- bito alimentar acontece juntamente com a ascensão da cultura, sendo inclusive elemento de inspiração da obra Negras vendedoras de café torrado, de Debret. Ainda assim, percebe-se que a indústria de café brasileira é muito jovem, dado que os registros mais remotos no Brasil, datam de 1902, sendo que as indústrias mais tradicionais em atuação no País são de 1945. Sua juventude não impediu, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), que o setor tenha 1.170 indústrias de café, responda por cerca de 13,7 milhões de sacas de ca- fé consumidas (2003), fature anualmen- te R$ 3,88 bilhões em vendas, realize in- vestimentos de R$ 1,6 bilhão em insu- mos neste mesmo ano e exporte, em 2003, R$ 12,8 bilhões, uma alta de 124% em relação a 2002. E falando em exportação, a inserção brasileira no mercado internacional não parece ser uma das tarefas mais fáceis, em função das barreiras técnicas que os paí- ses consumidores impõem a produtos in- dustrializados, que possam ser mais com- petitivos que os de suas indústrias nacio- nais. Infelizmente, é fato também que não há como elevar a participação brasileira no bolo que gira US$ 60 bilhões por ano, só no segmento agroindustrial do café mundial, com o engessamento da estru- tura industrial nacional pelo estado, que não resolve seu problema de ingerência e quer fazer com que a sociedade arque ca- da dia mais com uma carga tributária escorchante (a novidade agora é a PIS/Co- fins). Enquanto isso, o café, sacro ouro ver- de, continua a ser exportado in natura (graças à Lei Kandir) para compor mesclas com outras origens, que recebem a fama e os dólares, tal como Colômbia e demais países centro-americanos, asiáticos, oceâ- nicos e africanos. O desafio da indústria de café brasilei- ra passa a ser não só as bandeiras da qua- lidade, da elevação do consumo interno e da exportação de produtos com valor agregado. O desafio maior é o de manter as portas abertas, suportando a política ro- mana do “pão, circo e altos tributos” que está governando o País há muitos anos. MAURÍCIO LIMA/AFP O café brasileiro continua a ser exportado in natura, para compor mesclas com outras origens

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Artigo publicado no Jornal O Estado de Minas em 30 de setembro de 2004.

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Já está à disposição dos pe-cuaristas de todo o Brasil a9ª edição do Sumário PaintConsolidado, lançado du-rante a reunião anual doPaint, programa de melho-ramento genético da Lagoada Serra –maior cen-tral de inse-minação ar-tificial doPaís. O su-mário éidentifica-do como oGenetic Positioning Sys-tem (GPS) do Nelore, umareferência ao Global Posi-tioning System (GPS), per-mitindo ao usuário definiros melhores reprodutorespara utilização em seu re-banho. O Sumário PaintConsolidado reúne todasas informações existentesnos sumários Paint, Alian-ça, CFM, Embrapa, PMGRN– Nelore Brasil e agora tam-bém IZ (Instituto de Zoo-tecnia, de Sertãozinho). Co-mo nas edições anteriores,a base das diferenças espe-radas de progênie (DEPs) éo reprodutor Gim de Gar-ça, um divisor de águas nahistória do nelore. Para aversão impressa, o sumá-rio traz a relação de 204touros com maior atuaçãono mercado. A totalidadedas provas dos 21.431 tou-ros avaliados na 9ª ediçãopode ser verificada por sis-tema de consulta à disposi-ção no site www.la-goa.com.br. Além das 18características que já vi-nham sendo apresentadas,entre as novidades do Su-mário 2004 destacam-se asDEPs para temperamento,publicadas pela primeiravez no Brasil, com influên-cia no manejo e nas carac-terísticas do animal, entreelas o peso.

● Informações: www.lagoa.com.br ou(16) 3945-2299.

A G R O P E C U Á R I O

E S T A D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 1 3 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 4

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AARRTTIIGGOO BIBLIOTECADO CAMPO

Pecuáriade corte

Desafios do café nacionalMARA LUIZA GONÇALVES FREITAS

Mestranda em administração pela Universidade Federal

de Lavras e especialista em cafeicultura empresarial

[email protected]

O laissez-faire, proposto pela Revolu-ção Francesa e fundamento econômicoda época, favoreceu um importante mo-vimento no processo de evolução da hu-manidade: a revolução industrial. Estemovimento teve início na Inglaterra, porvolta de 1760 e alastrou-se pelos demaispaíses do mundo. O homem camponêscedeu espaço ao homem industrial. A ter-ra lavrada, organizada em processos pro-dutivos, que remetiam ao modelo feudal,abriu espaço aos núcleos urbanos, aoscortiços, a um novo modelo de trabalho,que envolvia o uso de novas fontes deenergia, máquinas para favorecer a pro-dução em escala, pela a divisão e espe-cialização do trabalho, impulsionandociências importantes como a administra-ção (Frederich W. Taylor, Henry Fayol eHenry Ford) e a economia (Adam Smith,Thomas Malthus e David Ricardo). Elesdefendiam a crença de que o acúmulo decapital era uma fonte fundamental decrescimento e que, o desenvolvimento nosetor agrícola e no industrial era distintoem razão dos métodos de divisão de tra-balho e inovações tecnológicas.

Para eles, a indústria tinha vantagemconsiderável em relação à agricultura, queusa as tendências de crescimento tecno-lógico como forma a possibilitar retornode investimentos confortáveis, mesmoem períodos de estagnação econômica.Tal perspectiva ainda é auxiliada pela po-lítica de gerenciamento de mão-de-obra,que aumenta em razão da necessidade deatender à demanda de consumo, além dofato de ter seu salário ajustado ao valor fi-xado pelo estado, quando do seu aumen-to, a fim de não reduzir a lucratividade docapital investido.

Esse processo de transição tambématingiu a atividade cafeeira mundial, atéentão rural. Conforme Delfim Neto (1979),em 1865, nos Estados Unidos, começou aprocessar-se uma revolução tecnológicada mais alta importância para a generali-zação do consumo de café. O café atéentão era vendido cru no país, de modoque o consumidor o torrava a seu gostoem casa. O processo de industrializaçãoproporcionou uma importante evoluçãomercadológica, que foi a padronização doaroma e sabor do café, já que para a indus-trialização do produto, partia-se do pres-suposto do estabelecimento de mesclas(misturas de grãos), definição de um pon-

to específico de torra e conseqüente siste-ma de comercialização em embalagensprontas para o consumo.

Embora a oficialização da industriali-zação do café tenha acontecido apenas noséculo XIX, no ano de 1997, em escavaçõesarqueológicas realizadas próximas a Du-bai (Emirados Árabes) foi encontrado umgrão de café torrado datado do século XIII(L’ABCdaire du Café, 1998). Sem a submis-são do grão ao calor do fogo, sem dúvida,o produto não teria prosperado como be-bida, já que os aromas e sabores caracte-rísticos do grão somente se desenvolvemdurante o processo de torra.

No Brasil, a introdução do café no há-bito alimentar acontece juntamente coma ascensão da cultura, sendo inclusiveelemento de inspiração da obra Negrasvendedoras de café torrado, de Debret.Ainda assim, percebe-se que a indústriade café brasileira é muito jovem, dadoque os registros mais remotos no Brasil,datam de 1902, sendo que as indústriasmais tradicionais em atuação no País sãode 1945. Sua juventude não impediu,conforme dados da Associação Brasileirada Indústria de Café (Abic), que o setortenha 1.170 indústrias de café, respondapor cerca de 13,7 milhões de sacas de ca-fé consumidas (2003), fature anualmen-te R$ 3,88 bilhões em vendas, realize in-vestimentos de R$ 1,6 bilhão em insu-mos neste mesmo ano e exporte, em

2003, R$ 12,8 bilhões, uma alta de 124%em relação a 2002.

E falando em exportação, a inserçãobrasileira no mercado internacional nãoparece ser uma das tarefas mais fáceis, emfunção das barreiras técnicas que os paí-ses consumidores impõem a produtos in-dustrializados, que possam ser mais com-petitivos que os de suas indústrias nacio-nais. Infelizmente, é fato também que nãohá como elevar a participação brasileirano bolo que gira US$ 60 bilhões por ano,só no segmento agroindustrial do cafémundial, com o engessamento da estru-tura industrial nacional pelo estado, quenão resolve seu problema de ingerência equer fazer com que a sociedade arque ca-da dia mais com uma carga tributáriaescorchante (a novidade agora é a PIS/Co-fins). Enquanto isso, o café, sacro ouro ver-de, continua a ser exportado in natura(graças à Lei Kandir) para compor mesclascom outras origens, que recebem a fama eos dólares, tal como Colômbia e demaispaíses centro-americanos, asiáticos, oceâ-nicos e africanos.

O desafio da indústria de café brasilei-ra passa a ser não só as bandeiras da qua-lidade, da elevação do consumo interno eda exportação de produtos com valoragregado. O desafio maior é o de manteras portas abertas, suportando a política ro-mana do “pão, circo e altos tributos” queestá governando o País há muitos anos.

MAURÍCIO LIMA/AFP

O café brasileiro continua a ser exportado in natura, para compor mesclas com outras origens