Desafios Institucionais Na Implementação Da Segurança Socioeducativa

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1 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE SÃO PAULO Marcela Bauer Desafios institucionais na implementação da segurança socioed ucativa MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS São Paulo 2013

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    FUNDAO GETULIO VARGAS

    ESCOLA DE ADMINISTRAO PBLICA DE SO PAULO

    Marcela Bauer

    Desafios institucionais na implementao da segurana socioeducativa

    MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTO E POLTICAS PBLICAS

    So Paulo

    2013

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    Resumo

    A poltica de atendimento s medidas socioeducativas est em transio,

    principalmente no que se refere s medidas mais severas que envolvem a restrio da

    liberdade dos adolescentes que cometeram ato infracional. As diretrizes da nova poltica

    desenvolvem-se no sentido de responsabiliz-los e integr-los sociedade por meio da

    garantia de direitos; ela pretende revogar prticas meramente punitivas e sancionatrias.

    As medidas de internao contemplam o paradoxo de educar em ambiente de

    supresso da liberdade. O desafio da poltica criar uma instituio mais voltada

    educao e menos parecida com as prises e os ambientes de encarceramento. So dois

    os esforos empreendidos na gesto da poltica de atendimento de medidas

    socioeducativas. O primeiro o de equilibrar aspectos sancionatrios e pedaggicos. E

    o outro extinguir a segurana repressiva e punitiva e estabelecer a segurana

    socioeducativa.

    Neste artigo discutimos as dificuldades em implementar a segurana

    socioeducativa a partir da prtica de um dos seus principais agentes implementadores: o

    agente de segurana socioeducativa. Inicialmente identificamos o agente como um

    burocrata de nvel de rua para em seguida verificar quais so os apoios institucionais

    que ele tm para desenvolver complexa atividade profissional. Inicialmente fazemos um

    percurso terico acerca da implementao e formulao de polticas pblicas. Em

    seguida, analisamos o decreto que regula a sua funo e o curso introdutrio que o

    prepara para o exerccio de sua funo. Conclumos que nem o regulamento da funo e

    tampouco o curso introdutrio conseguem equilibrar a dupla lgica da poltica de educar

    e manter a segurana. O cenrio que baseou essa anlise Minas Gerais e a poltica da

    Subsecretaria de Atendimento s Medidas Socioeducativas Suase.

    Palavras-chave: medida socioeducativa; agente de segurana; socioeducativa;

    poltica pblica; implementao de polticas pblicas; SINASE.

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    Introduo1

    O cenrio de investigao deste estudo a medida socioeducativa de internao

    a resposta mais severa ao ato infracional, que priva o adolescente de sua liberdade2.

    Essa medida aplicada s infraes consideradas mais graves e reincidncia de outras

    infraes igualmente graves3. A lei aponta que a internao deve seguir os princpios de

    brevidade, excepcionalidade e respeito condio peculiar de pessoa em

    desenvolvimento (BRASIL, 1990, art. 121).

    Neste artigo refletimos sobre a forma como esse desafio da poltica de

    atendimento socioeducativo implementado. As diretrizes so recentes, pois foram

    estabelecidas em lei em janeiro de 2012 e sua execuo ainda encontra diversas

    dificuldades. Para compreend-las, investigamos o processo de implementaoda

    poltica por meio da anlise do perfil e da prtica de um dos seus principais agentes

    implementadores, o agente de medida socioeducativa (ASSE).

    De acordo com o Sinase4, os socioeducadores so profissionais que atuam junto

    aos adolescentes por meio de contato direto e constante. Eles desenvolvem tarefas

    relativas tanto preservao da integridade fsica e psicolgica dos adolescentes e

    funcionrios como s atividades pedaggicas e constituem o maior nmero de

    profissionais das unidades.

    O ASSE recebe destaque na investigao sobre as dificuldades da

    implementao desta poltica por duas razes. A primeira a sua caracterstica de

    burocrata de nvel de rua em razo do alto grau de discricionariedade e autonomia

    exercida em sua funo e do fato de que sua prtica profissional estabelecida pela

    relao direta com adolescentes que cometeram ato infracional. A segunda que a

    discricionariedade no atendimento ao adolescente faz parte da natureza da prpria

    poltica e no uma prerrogativa exclusiva da atividade do agente.

    1 Esse artigo deria da dissertao de mestrado desenvolvida pela mesma autora intitulada Perfil e prtica do agente de segurana socioeducativa: Recomendaes para a Subsecretaria de Atendimento s Medidas

    Socioeducativas de Minas Gerais, 2013. 2 Lei n. 8.069/90 ECA, art. 103. Segundo o ECA, criana a pessoa at 12 anos incompletos; o

    adolescente tem entre 12 e 18 anos incompletos. 3 Os menores de 12 anos so penalmente irresponsveis. Praticando atos infracionais, ficam sujeitos

    apenas a medidas de proteo, ou seja, no podem ser internados (ECA, art. 105). 4 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), institudo em 2012

    4 pela Lei n. 12.594,

    a diretriz federal que norteia o desenvolvimento do atendimento socioeducativo. Trata-se de um conjunto

    ordenado de princpios, regras e critrios de carter jurdico, poltico, pedaggico, financeiro e

    administrativo que envolve desde o processo de apurao de ato infracional at a execuo de medida

    socioeducativa (BRASIL, 2012).

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    Para contribuir com o entendimento da lacuna entre as diretrizes da poltica e a

    sua implementao, analisamos no apenas a prtica do agente, mas identificamos as

    condies institucionais que baseiam sua atividade. Esse artigo desenvolve-se em duas

    partes. A primeira, terica, identifica a relao entre as fases de formulao e de

    implementao de polticas pblicas para, em seguida, caracterizar o ASSE como um

    agente implementador da poltica. A segunda parte verifica dois importantes aspectos

    institucionais da poltica que influenciam a prtica do agente: o decreto que regula a sua

    atividade profissional e o curso introdutrio que o prepara para o exerccio das

    atividades. Por fim, questiona a possibilidade do exerccio da segurana socioeducativa

    mediante s condies da institucionalidade da poltica.

    Esse artigo fruto de uma pesquisa de mestrado realizada sobre a segurana

    socioeducativa e os agentes de Minas Gerais, assim os contedos da institucionalidade

    da poltica que baseiam o desenvolvimento das idias aqui expostas so fundamentadas

    neste cenrio. A instituio analisada a Suase Subsecretaria de Atendimento s

    Medidas Socioeducativas de Minas Gerais.

    1.1 Anlise de polticas pblicas: a relao entre a formulao e a implementao

    As polticas pblicas tratam do contedo concreto e do contedo simblico de

    decises polticas, alm do processo de construo e atuao dessas decises (SECCHI,

    2010). Considera-se a poltica pblica o Estado em ao, ou seja, a traduo das

    diretrizes definidas para solucionar um problema em aes praticadas dentro do aparato

    da administrao pblica. Couto (2005, p. 96) conceitua poltica pblica como tudo

    aquilo que o Estado gera como um resultado do seu funcionamento.

    Dessa maneira, possvel dizer que o ciclo de polticas pblicas considera todas

    as etapas que envolvem uma poltica; desde a identificao de certa questo como um

    problema social que dever ser solucionado pelo Poder Pblico, passando pela deciso

    de como ele dever ser tratado poltica e administrativamente, at chegar efetivao de

    aes para atuar com o objetivo de enfrentar o problema e transformar a realidade.

    A descrio do desenvolvimento de uma poltica uma simplificao da

    realidade. Os modelos analticos de polticas pblicas buscam esquematizar e classificar

    as aes que envolvem o processo, mas j apontam que as fases da poltica se

    sobrepem umas s outras e que diversos aspectos influenciam a poltica, tais como o

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    sistema poltico, o processo decisrio, as aes e os valores dos atores. O conjunto dos

    processos que compem uma poltica denominado ciclo de polticas pblicas.

    As principais fases que compem o ciclo so: a) agenda; b) formulao; c)

    implementao; e d) avaliao5. Apresentamos, de maneira resumida e simplificada,

    cada um desses conceitos.

    A agenda, segundo Kingdon (2007) o processo que filtra os temas que sero

    alvo de aes prioritrias do governo.A escolha de uma situao que entrar na agenda e

    as especificaes de alternativas para sua soluo so determinadas pela avaliao de

    custos e benefcios das vrias opes da ao, da influncia de atores que advogam pela

    causa e da janela de oportunidades, ou seja, acontecimentos na arena poltica que

    possibilitam a publicizao da situao e a necessidade de interveno.

    A fase de formulao ou planejamento envolve a elaborao dos programas e

    projetos que iro orientar o desenvolvimento das aes que buscaro resultados para

    solucionar o problema. associada etapa de tomada de decises. De acordo com

    Saravia (2007, p. 33) explicita-se a deciso adotada, definindo seus objetivos, marco

    jurdico, administrativo e financeiro.

    A implementao ou execuo, segundo Subirats et al. (2012), fase de

    realizao concreta de uma poltica. nesse momento que pessoas e recursos so

    mobilizados para o desenvolvimento de atividades com a finalidade de atingir os

    objetivos e resultados esperados. Nessa fase ocorrem diversas interaes entre os

    implementadores e o pblico-alvo da poltica e diversos aspectos no contemplados na

    fase de planejamento vm tona, exigindo novas tomadas de deciso, correo de

    rumos e novos planos de ao.

    A avaliao da poltica utilizada no s para a mensurao dos resultados,

    mas, tambm, como forma de acompanhar a poltica e subsidiar o desenvolvimento de

    novas estratgias para alcanar os objetivos. A avaliao se d, ento, tanto durante a

    execuo das atividades como ao final do programa ou projeto.

    5Embora as 4 etapas mencionadas estejam presentes em diversos autores, h diferentes formas de agrupar

    e classificar as fases do ciclo. Secchi (2010) divide as fases em: identificao do problema, formao da

    agenda, formulao de alternativas, tomada de deciso, implementao, avaliao e extino. Saravia

    (2007) divide as etapas da seguinte maneira: agenda, elaborao, formulao, implementao, execuo,

    acompanhamento e avaliao. Oliveira (2013), por sua vez, usa a seguinte classificao: construo de

    agenda, formulao da poltica, processo decisrio, implementao e avaliao. Neste estudo, optamos

    por apontar apenas 4 principais fases do ciclo, j que esses conceitos so explorados apenas para

    contextualizar nosso problema de pesquisa, tido como um dos principais atores do processo de

    implementao.

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    Neste estudo, nos deteremos s fases de formulao e implementao

    investigando quais so as principais dificuldades na implementao da segurana

    socioeducativa.

    H dois modelos recorrentes na anlise da implementao de polticas pblicas:

    um denominado top-down e o outro bottom-up. O primeiro separa o processo de

    formulao da implementao, trata-se do modelo de cima para baixo, ou top-down, e

    considera que as aes dos indivduos ou grupos so direcionadas consecuo de

    objetivos previamente definidos por decises polticas (HILL, 2007).

    O modelo de baixo para cima, ou bottom-up, tem em vista que a fase da

    implementao no simplesmente a execuo ipsis litteris do que foi planejado em

    uma fase anterior. Em decorrncia das complexidades dos problemas sociais, do

    contexto em que se estabelecem e da diversidade das interaes entre os agentes

    implementadores, praticamente impossvel que um plano, mesmo extremamente bem

    elaborado, seja posto em prtica no formato em que foi pensando a princpio, antes do

    enfrentamento do problema em si.

    O modelo de anlise que assume a implementao como mero executar das

    diretrizes da formulao considera que a fase de planejamento isenta de problemas. A

    teoria sobre as polticas pblicas indica que o planejamento no d conta de prever e

    antecipar as singularidades do processo de implementao (SAASA, 2006; SILVA et

    al., 2000).

    A anlise realizada apenas pelo modelo de cima para baixo considera a poltica

    pblica como um processo racional e controlvel: um problema reconhecido, em

    seguida so traadas polticas e, por fim, estas so executadas. Reconhecendo os

    problemas sociais com a lgica da causalidade e imprimindo uma lgica de

    racionalizao dos problemas sociais. A anlise precisa considerar que as polticas so

    incompletas e encontram-se em contnuo processo de transformao. No h

    conhecimento integral das condies para uma escolha racional.

    A principal crtica a esse modelo que ele no leva em considerao os aspectos

    da poltica, ou seja, o campo das disputas e dos conflitos entre os atores (polticos,

    burocratas, cidados e grupos organizados) envolvidos no processo de formulao e,

    tambm, da implementao das polticas. A avaliao que Saasa (2006) faz da

    racionalidade como eixo central de anlise que as variaes do sistema poltico e do

    processo decisrio e as aes e valores dos atores so tidas como agentes neutros,

    incapazes de influenciar o processo. Na prtica, ocorre o contrrio, ou seja, esses

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    componentes do processo de implementao influenciam vigorosamente a poltica.

    A partir dessa crtica, vale a pena apresentar o modelo de anlise denominado de

    baixo para cima, que considera a implementao um processo de interao entre atores

    e rgos. Hill (2007, p. 73) afirma que a anlise por meio desse modelo ocorre perto do

    cho:

    necessrio afastar-se da viso normativa administrativa, ou gerencial, sobre

    como o processo deveria ser e tentar encontrar a conceitualizao que melhor

    reflita a complexidade e a dinmica das interaes entre indivduos e grupos

    que buscam implementar as polticas, aqueles de quem as polticas dependem

    e aqueles cujos interesses so afetados pela proposta de mudana.

    Shipan e Volden (2008 apud OLIVEIRA, 2013, p. 22) indicam que o modelo de

    baixo para cima no se baseia no programa governamental formulado em si. Preocupa-

    se mais em olhar

    [...] para a maneira pela qual os atores percebem o problema e suas

    estratgias para lidar com ele. Dessa forma, o que importa o entendimento

    das estratgias dos atores relativas a um problema de poltica pblica e no a

    poltica per se.

    Apontar que o sistema e seus atores no trazem os resultados esperados pouco

    contribui para melhorar o sistema de atendimento de medidas socioeducativas. O

    desafio mais interessante investigar quais so as particularidades da execuo das

    medidas socioeducativas. De acordo com Rodrigues (2008, p. 119), se ns quisermos

    compreender porque polticas e instituies funcionam ou falham, precisamos penetrar

    no que essas entidades realmente so, no nos limitando a perceber como elas esto

    constitudas formalmente.

    Embora as diretrizes e normativas da poltica sejam decididas em instncias

    diferentes daquelas nas quais se executam e implementam a poltica, devemos ter em

    mente que durante o desenvolvimento das atividades de implementao surgem diversas

    tomadas de deciso inerentes complexidade da poltica. Isso significa que boa parte da

    poltica elaborada e modificada no processo de implementao. Nesse contexto, os

    atores (formuladores e implementadores) tm expectativas e estratgias distintas em

    relao poltica. Subirats et al. (2012, p. 189, traduo nossa) afirmam que h vrios

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    exemplos de polticas e decises implementadas de maneira criativa para adaptar o

    que foi previsto em um nvel mais alto da poltica s condies locais.

    A fim de compreender as condutas e motivaes reais dos atores, a

    perspectiva bottom-up prope que o ponto de partida sejam os atores da

    linha, que esto na ponta, na linha de frente da execuo da poltica. Desta

    maneira, o analista deve se concentrar no comportamento dos atores e nas

    interaes entre eles e o pblico-alvo da poltica. A definio de

    implementao proposta incorpora essa crtica quando entende que os

    formuladores estabelecem basicamente o marco do jogo (as diretrizes), mas

    no marcam rigidamente o processo.

    Estabelecidas as limitaes do processo de formulao de polticas pblicas,

    justifica-se a importncia de direcionar a anlise para o processo e para os atores que

    concretizam a poltica. No contexto desta pesquisa, possvel definir os agentes de

    segurana socioeducativa como agentes de implementao da poltica de atendimento

    de medidas socioeducativas e, dessa forma, a anlise de sua prtica profissional e a

    relao estabelecida com as diretrizes da poltica se qualifica como uma forma de

    compreender a realidade da poltica desenvolvida atualmente.

    1.2 O agente de segurana socioeducativa como implementador da poltica

    Traduzido na literatura nacional como burocratas de nvel de rua, funcionrios

    de base, agentes implementadores etc., o street-level burecaucrat um conceito

    desenvolvido por Lipsky (1980) para caracterizar os agentes pblicos que atuam nas

    pontas dos servios pblicos. Esses profissionais esto em contato direto e constante

    com os cidados-alvo da poltica. So, por exemplo, policiais, professores, agentes de

    sade e de trnsito, assistentes sociais, agentes de fiscalizao, entre outros.

    Lipsky (1980) define os burocratas de nvel de rua (BNR) como os agentes

    pblicos que interagem diretamente com os cidados e que tm considervel grau de

    discricionariedade na execuo de sua atividade profissional. Lotta (2012) afirma que os

    agentes implementadores trabalham regularmente em interao com os cidados e

    exercem grande impacto na vida das pessoas. Eles

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    [...] recebem e transmitem as expectativas dos usurios sobre os servios

    pblicos; determinam a elegibilidade dos cidados para acessar os benefcios

    ou receber as sanes; definem a forma como ser o tratamento aos cidados

    e mediam aspectos da relao institucional dos cidados com o Estado

    (LOTTA, 2012, p. 4).

    De acordo com Lipsky (1980) a burocracia de nvel de rua engendra as

    controvrsias da poltica por duas razes. Em primeiro lugar, ela que lida na ponta

    com as incertezas e com as mudanas da poltica. Em seguida, a atuao profissional

    dos BNR se d na interao com o cidado-alvo da poltica e essa relao tem impacto

    direto na vida das pessoas.

    A ideia de formuladores de polticas utilizada por Lipsky (1980) para consider-

    los no s como implementadores da poltica, mas, tambm, como tomadores de

    deciso. Ademais, as aes individuais dos BNR, quando adotadas em conjunto,

    representam o comportamento da instituio. Como o contexto de trabalho envolve

    situaes no completamente programveis, a discricionariedade uma das principais

    caractersticas da atuao desse profissional.

    Os burocratas de nvel de rua atuam em situaes que frequentemente

    requerem respostas dimenso humana da situao. Eles possuem

    discricionariedade porque as definies aceitas de seu trabalho solicitam

    observaes e julgamento sensveis, que no so redutveis a formatos

    programados (LIPSKY, 1980, p. 15, traduo nossa).

    A questo da discricionariedade no atendimento socioeducativo mostra-se

    relevante j no texto de apresentao do Sinase. Na justificativa da importncia do

    documento, aponta-se a necessidade de se construir parmetros mais objetivos e

    procedimentos mais justos que evitem ou limitem a discricionariedade (BRASIL 2012,

    p. 13). Alm disso:

    A discricionariedade dos funcionrios de base no significa que eles no

    estejam sujeitos a regras e normas, mas que, diante da complexidade do

    trabalho de atendimento e da necessidade de lidar com situaes imprevistas,

    eles acabam seguindo as regras de forma seletiva e interpretada por suas

    prprias convices. Com muitas obrigaes a cumprir e poucos recursos

    para viabiliz-las, os funcionrios tendero a eleger suas prioridades. A

    discricionariedade facilitada, ainda, pelo fato de que a superviso das regras

  • 10

    advindas dos rgos superiores algo muito complicado. At porque estas

    regras costumam ser volumosas e contraditrias, o que faz com que o seu

    cumprimento tenha que ser exigido seletivamente (MENICUCCI, 2010, p.

    49).

    A discricionariedade do agente de segurana socioeducativa est relacionada

    prpria natureza da poltica que, durante o processo de internao dos adolescentes,

    almeja no apenas aplicar a sano para o ato infracional cometido, mas, tambm,

    educar e ressocializar. A Suase indica em um de seus documentos que o agente deve

    utilizar diferentes abordagens, de acordo com as singularidades de cada adolescente:

    Para cada procedimento na medida, a resposta diferente, cada jovem um

    universo diferente e por mais que haja identificao no vestir, no linguajar,

    nos cabelos, e at no comportamento, cada um deles vai exigir dos

    profissionais uma abordagem diferente para um despertar em relao

    medida (MINAS GERAIS, 2011, p. 19).

    A discricionariedade do agente ponto-chave no entendimento da transio da

    poltica. Ela deixa de ser meramente punitiva e passa a ter por objetivo a

    responsabilizao do adolescente quanto s consequncias do ato infracional e sua

    integrao social e garantia de direitos por meio do cumprimento do plano individual de

    atendimento (BRASIL, 2012, art. 1).

    Embora o adolescente perca sua liberdade em decorrncia da sano ao ato

    infracional, ele deixa de ser tratado punitivamente. Passa a ser considerado um

    indivduo singular e, durante sua trajetria, ter um plano individual de atendimento.

    Esse tratamento individual demandado no apenas pela diretriz nacional da poltica,

    mas, ainda, pelas normativas estaduais, contemplam a discricionariedade e a

    necessidade de fazer a poltica por meio da interao entre o agente de segurana

    socioeducativa e o adolescente.

    Barbosa (2008) e Menicucci (2010) afirmam que o atendimento de medidas

    socioeducativas de privao de liberdade contemplam lgicas duais: punio e

    ressocializao ou lgica da segurana e lgica pedaggica.

    Em razo do contexto da poltica ser o de privao da liberdade, estabelecido por

    normas de segurana e de conduta e da poltica ser semelhante ao sistema prisional, a

    discricionariedade necessria poltica gera preocupao no que se refere

  • 11

    segurana.

    Menicucci e Carneiro (2011, p. 536) indicam certa apreenso em relao ao alto

    grau de autonomia ou discricionariedade dos agentes para lidar com os adolescentes; a

    poltica:

    Lida com a possibilidade de reinterpretaes de seus princpios, dado o alto

    grau de discricionariedade e autonomia de seus implementadores. A

    influncia dos street-level bureaucrats, ou funcionrios de ponta, nesse caso

    marcante. Os profissionais responsveis pelo atendimento tm relativa

    liberdade para tomar decises do dia a dia, adaptando suas aes estrutura

    fsica da unidade e ao perfil dos internos, ao mesmo tempo em que tm que

    lidar com uma conformao das regras programadas.

    O regimento do cargo fala, por exemplo, em uso moderado de fora. Durante o

    trabalho de campo desta pesquisa, por meio de entrevistas em profundidade, alguns

    agentes questionaram o conceito de fora moderada. O que significa utilizar a fora

    moderadamente? A fora utilizada para apartar uma briga entre adolescentes, para

    intervir durante um surto, para conter alguma atitude extremada etc. A maneira como a

    fora dosada e como ela exercida em cada caso e por cada agente intangvel.

    A questo do uso moderado da fora complexa e no ser analisada neste

    trabalho; ela foi utilizada apenas como uma ponte para chegarmos ao tema da

    discricionariedade existente na prtica do agente. A discricionariedade contida no

    processo de implementao de polticas de atendimento socioeducativo resultado da

    interao dos agentes que exercem entre seus prprios valores, valores de outros atores

    envolvidos (estatais e sociais), procedimentos, restries, estruturas, incentivos,

    encorajamentos e proibies (LOTTA, 2012, p. 6).

    Nesse sentido, consideramos que a discricionariedade exercida pelos agentes

    implementadores6 no pode ser compreendida sem a anlise do contexto em que as

    medidas socioeducativas se desenvolvem.

    2. Aspectos institucionais da poltica que influenciam a prtica do agente

    6 A poltica de atendimento socioeducativa executada por diversos profissionais na unidade de

    internao (como psiclogos, pedagogos, advogados, profissionais da rea da sade etc.). Este estudo

    limita-se investigao do perfil de apenas um deles, o responsvel pela segurana socioeducativa.

  • 12

    A aprovao da Lei n. 12.594/2012, que instituiu o Sinase, tambm definiu as

    competncias de cada ente da federao. A partir da, entendemos que as diretrizes

    nacionais influenciam diretamente os planos e as aes estaduais, mesmo que os

    Estados tenham a autonomia caracterstica do sistema federativo brasileiro.

    Nesse contexto, as responsabilidades da unio expressam-se por: formular e

    coordenar a execuo da poltica nacional de atendimento socioeducativo; e elaborar o

    Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, em parceria com os Estados, o Distrito

    Federal e os Municpios (BRASIL, 2012, art. 3).

    J as competncias dos estados so:

    [...] formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Estadual de

    Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela

    Unio; elaborar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo em

    conformidade com o Plano Nacional; criar, desenvolver e manter programas

    para a execuo das medidas socioeducativas de semiliberdade e internao

    (BRASIL, 2012, art. 4).

    As polticas estaduais de atendimento s medidas socioeducativas consolidam,

    portanto, a partir de diretrizes nacionais, seus prprios planos e programas, o que

    acarreta diferenas significativas na implementao das polticas. Assim, o objetivo da

    anlise de um dos entes federativos Minas Gerais - identificar o alinhamento entre

    os princpios norteadores e estruturantes da poltica, seja pela tica da socioeducao,

    que conforma as condutas do agente socioeducativo, ou pela viso que o ator tem de si,

    de sua misso institucional e do sistema socioeducativo na unidade de internao em

    meio fechado.

    Para nortear este estudo, consideramos o Sinase e o ECA como as diretrizes da

    poltica nacional, enquanto as polticas estaduais so representadas pelas normativas

    desenvolvidas para a implementao na esfera regional. A seguir, descrevemos,

    sinteticamente, os documentos que expressam cada uma das unidades estaduais.

    Em Minas Gerais, a Subsecretaria de Atendimento s Medidas Socioeducativas do

    Estado de Minas Gerais (Suase) faz parte da Secretaria de Defesa Social (Seds) e abarca

    tanto o sistema prisional como o socioeducativo, embora sejam geridos em

    subsecretarias distintas. O documento que representa a poltica estadual denominado

    Poltica de Atendimento Socioeducativo de Minas Gerais e foi desenvolvido entre 2012

    e 2013.

  • 13

    Na poltica de Minas Gerais h uma seo dedicada definio da segurana

    socioeducativa e sua contextualizao, por meio da legislao. Est explcito, tambm,

    o duplo papel do agente, que, segundo o documento, deve se relacionar tanto com a

    manuteno da ordem e da segurana quanto com a ao desafiadora de educar

    (MINAS GERAIS 2013, p. 57). apresentada a lgica da segurana socioeducativa e o

    desafio de sua implementao.

    2.2 Anlise do regimento da funo de agente de segurana socioeducativa

    A descrio detalhada das atribuies dos ASSE, de acordo com os regimentos

    internos das unidades de internao de Minas Gerais possibilita concluir que, em geral,

    as diretrizes do Sinase foram incorporadas aos programas estaduais de medidas

    socioeducativas. O regimento descreve, em seu incio, a necessidade do agente

    participar de atividades dirias de convivncia e dilogo com os adolescentes, em

    especial na elaborao e no acompanhamento do plano individual de atendimento.

    Por outro lado, evidenciam-se aspectos de transio da poltica, na medida em que

    a maioria das atribuies descritas se referem atividades de segurana, disciplina e

    controle, a fim de garantir a manuteno da ordem e da integridade fsica dos

    adolescentes e dos profissionais da instituio. Os aspectos pedaggicos na atividade do

    agente de segurana socioeducativo mineiro aparece em menor escala.

    Tais caractersticas foram observadas a partir de um classificao elaborou cinco

    categorias que devem ser consideradas tipos ideais um exerccio metodolgico que

    nos apia na observao da realidade, embora no possam ser verificados tal e qual fora

    do exerccio. A categorizao desenvolvida buscou apreender, no quadro normativo dos

    estados, as funes dos agentes socioeducativos que podem ser associadas ao novo

    paradigma da poltica, que prev atividades tanto de segurana como de socioeducao,

    dentre outras necessidades identificadas.

    As categorias de classificao no pretendem esgotar a anlise, mas indicam a

    maneira como a prtica do ASSE definida em lei. Desenvolvemos 4 categorias:

    Prticas de segurana: refere-se s atribuies centradas em aspectos de

    segurana que se inclinam a assegurar o desenvolvimento das atividades e

    atendimentos dentro da unidade, bem como zelar pela ordem e segurana dos

    adolescentes e de todos os profissionais que ali esto. As atividades reunidas

    nessa categoria se associam s aes de conter, zelar, vistoriar, custodiar,

  • 14

    revistar, controlar e conferir;

    Prticas educativas: abrange atividades que tangenciam aspectos mais

    relacionados ao papel de educador do que atribuies de segurana. So

    inclinaes que promovem e estimulam a relao com o adolescente pautada

    na resoluo de problemas luz do respeito aos direitos humanos e

    dignidade. As funes associadas a essa categoria envolvem a promoo de

    dilogo, a participao em atividades de planejamento, o auxlio e a

    orientao;

    Prticas de desenvolvimento profissional: apresentam atividades que

    possibilitem o aprendizado, a troca e o dilogo entre diferentes atores do

    Sistema de Medidas Socioeducativas (SMSE) e o trabalho em equipe. So

    especificaes que promovem seu desenvolvimento pessoal, como participar

    de reunies, seminrios, congressos e cursos.

    Prticas socioeducativas: tangencia funes referentes ao duplo papel a ser

    exercido pelo agente socioeducativo, como preconiza o Sinase. Apresenta

    atribuies que pontuam a necessidade de conduta equilibrada orientada

    conteno e socioeducao. considerada a atribuio central do agente

    socioeducativo.

    O estado de Minas Gerais (2006) apresenta as atribuies dos agentes

    socioeducativos por meio do Decreto n. 44.371. A Tabela 3.1 descreve, na ntegra, as

    funes determinadas no documento, bem como a respectiva classificao atribuda a

    cada funo.

    Tabela 1

    Atribuies dos agentes de Minas Gerais

    Atribuies Categorias

    I atuar com moderao, de forma direta ou indireta, no processo

    socioeducativo dos adolescentes, por meio do dilogo, orientaes e

    mediao de conflitos, sendo utilizada a conteno como ltimo

    recurso.

    Prtica socioeducativa

    II participar de reunies tcnicas e administrativas, quando

    convocado.

    Outros

  • 15

    III participar da elaborao, execuo e avaliao do Plano

    Individual de Atendimento.

    Prtica socioeducativa

    IV registrar as irregularidades e fatos importantes para o atendimento

    tcnico, no livro de ocorrncias, observados na admisso e

    desligamento dos adolescentes da unidade de internao, nas

    movimentaes internas e externas, durante todo o cumprimento da

    medida socioeducativa.

    Prtica de segurana

    V informar ao superior imediato os fatos e ocorrncias descritos no

    inciso IV.

    Prtica de segurana

    VI efetuar e controlar a movimentao interna de adolescentes,

    acompanhando os atendimentos tcnicos, os horrios de lazer, cultura,

    esporte, as atividades escolares e os cursos profissionalizantes.

    Prtica de segurana

    VI, a atuar como um canal de comunicao entre o adolescente e os

    diversos setores de atendimento tcnico do centro.

    Prtica educativa

    VII efetuar a identificao e revista no adolescente e vistoria nos seus

    pertences durante a admisso e desligamento da unidade de internao

    e nas movimentaes internas e externas.

    Prtica de segurana

    VIII vistoriar periodicamente os alojamentos. Prtica de segurana

    IX promover a identificao e revista de visitantes e vistoria em seus

    pertences.

    Prtica de segurana

    X registrar e acompanhar a entrada e sada de visitantes, bem como

    as ocorrncias de irregularidades durante a visitao.

    Prtica de segurana

    XI efetuar a revista em funcionrios e vistoria em seus pertences. Prtica de segurana

    XII vistoriar cargas e veculos que iro ingressar no centro

    (alimentao, materiais diversos).

    Prtica de segurana

    XIII acompanhar as movimentaes internas e os atendimentos aos

    adolescentes em pontos estratgicos.

    Prtica socioeducativa

    XIV planejar, preparar e executar as movimentaes externas junto

    com a equipe tcnica.

    Prtica socioeducativa

    XV acompanhar os adolescentes durante as refeies. Prtica de segurana

    XVI fazer a conferncia diria e identificar a quantidade de

    adolescentes no centro.

    Prtica de segurana

  • 16

    XVII intervir direta ou indiretamente em situaes de emergncia no

    centro, atravs de conteno e primeiros socorros, quando necessrio,

    utilizando-se de intervenes pedaggicas depois de controlada a

    situao.

    Prtica socioeducativa

    XVIII zelar pela ordem, disciplina e segurana no interior dos centros

    de internao.

    Prtica de segurana

    XIX desempenhar outras atividades compatveis com as atribuies

    gerais contempladas no art. 4 da Lei estadual n. 15.302, de 2004.

    Outros

    Fonte: Elaborada pela autora.

    Identifica-se que as prticas de segurana prevalecem em relao s prticas

    socioeducativas em Minas Gerais. Do total de atividades descritas, 12 referem-se

    atividade de segurana e 5 socioeducao. Equivalem a 63% e 26%, respectivamente.

    As prticas educativas tambm se expressam h apenas 1 e no h nenhuma

    atividade que garanta o direito ao desenvolvimento profissional.

    Tabela 3

    Anlise das atribuies dos agentes socioeducativos de Minas Gerais

    Estado Prticas scio-

    educativas

    Prticas de

    segurana

    Prticas

    pedaggicas

    Prticas de

    desenvol-vimento

    profissional

    Outras

    atividades

    Total

    N % N % N % N % N % N %

    MG 5 26 12 63 1 5 0 0 1 5 19 100

    Fonte: Elaborada pela autora.

    Nota-se, assim, que a questo da segurana ainda um grande desafio da poltica,

    j que, na regulamentao da profisso, as prticas de segurana tm grande peso.

    Esclarecer, determinar e institucionalizar atribuies socioeducativas so pendncias

    existentes nas duas normativas estaduais, principalmente na mineira.

    A tipologia criada teve por objetivo analisar como as polticas estaduais

    apresentaram as atribuies dos agentes a partir do princpio de socioeducao, sendo

    aquele que realiza a segurana e tambm a socializao. Portanto, apontamos como o

    arcabouo legal representou indicaes mais ou menos concentradas em atividades que

    contemplam a complexidade e a multiplicidade das funes do agente socioeducativo.

  • 17

    2.3 Anlise dos cursos introdutrios

    A anlise dos cursos introdutrios considerou duas caractersticas. A primeira a

    carga horria quantidade de horas-aula e o perodo de tempo em que ela foi

    trabalhada. A segunda o contedo programtico e, nesse aspecto, consideramos

    pertinente verificar a maneira como o duplo papel do agente trabalhado na formao

    inicial. Para isso, realizamos a classificao das disciplinas ministradas. A anlise que

    precedeu a classificao levou em o contedo detalhado das disciplinas.

    A mesma complexidade encontrada para compreender, associar e, tambm,

    dissociar a segurana e a socioeducao, esteve presente nessa classificao. Dessa

    forma, esclarecemos que, mais do que rotular os temas e disciplinas, almejamos apenas

    sinalizar sua inclinao, socioeducao ou segurana, j que o grande desafio na gesto

    dos agentes aproximar as duas prticas. Isso posto, apresentamos a definio das

    categorias:

    Socioeducao: significa que os contedos tm potencial para informar e

    sensibilizar o agente para as questes que tangenciam mais a socioeducao.

    Por exemplo, contextualizar os temas que aparecem como problemas nas

    unidades tais como drogas, criminalidade, sexualidade uma forma de

    promover o entendimento e a conscientizao sobre eles e, dessa forma, abrir

    caminho para um enfrentamento do problema de maneira mais inclinada ao

    respeito aos direitos humanos e dignidade.

    Segurana: envolve os temas que tangenciam a segurana e que procuram

    estabelecer um ambiente que favorea o desenvolvimento de atividades e

    atendimentos na unidade. Essa categoria contempla dois aspectos. O primeiro,

    denominado procedimentos de segurana, contempla como o nome indica

    os procedimentos operacionais padronizados que estruturam e organizam as

    aes de segurana do cotidiano. Os procedimentos esto descritos nos

    procedimentos operacionais padro (POP). So tpicas aes de um ambiente

    de privao de liberdade. O segundo aspecto, denominado segurana, agrupa

    os temas inclinados estratgia de segurana preventiva. So aes

    desenvolvidas por profissionais de segurana em outras instituies que no as

    exclusivamente de privao de liberdade, tais como mediao de conflitos,

    primeiros socorros e combate a incndio.

  • 18

    Informao sobre a carreira: envolve temas relativos integrao do novo

    profissional. Tambm so informaes e esclarecimento sobre os regimentos

    da atividade.

    Contextualizao sobre a Seds/Suase ou Fase: so temas que servem,

    como o nome sugere, para contextualizar o novo profissional na instituio.

    Desenvolvimento interpessoal e de equipe: aborda temas que tangenciam

    aspectos comportamentais e o desenvolvimento de habilidades para trabalhar

    nas organizaes contemporneas tais como interao social, trabalho em

    equipe, motivao e empatia.

    O contedo programtico, a carga horria e a classificao dos dois cursos so

    apresentados nas tabelas 3 e 4.

    A Tabela 3 refere-se ao curso de 220 horas destinadas aos ASSE concursados.

    Alm das disciplinas que foram desenvolvidas em 6 semanas, houve o estgio

    supervisionado de 1 dia (12 horas) em uma das unidades de internao.

    Tabela 3

    Curso de Formao Profissional de Minas Gerais pblico: concursados

    Carga

    Horria

    Disciplinas Classificao

    36 Aes cotidianas do centro socioeducativo Procedimentos de segurana

    24 Defesa pessoal Segurana

    14 Aspectos jurdicos para a infncia e a juventude Socioeducao

    12 Gesto pedaggica nas unidades de privao e restrio

    de liberdade

    Socioeducao

    12 Primeiros socorros e combate a incndio Segurana

    12 Estgio supervisionado em unidades socioeducativas Estgio

    8 O adolescente na sociedade contempornea Socioeducao

    8 Sade mental e toxicomania Socioeducao

    8 Direitos humanos e cidadania Socioeducao

    8 A carreira de ASSE Informao sobre a carreira

  • 19

    8 Diretrizes do atendimento socioeducativo Socioeducao

    8 Normas de funcionamento dos centros socioeducativos Contextualizao Seds/Suase

    8 Mediao de conflitos Segurana

    6 Sexualidade na adolescncia Socioeducao

    6 Diretrizes gerais da Seds Contextualizao Seds/Suase

    6 Encerramento da medida socioeducativa Procedimentos de segurana

    6 Gerenciamento de crise Segurana

    6 Plano de emergncia Segurana

    4 Sociologia da criminalidade Socioeducao

    4 Desenvolvimento pessoal e profissional do ASSE Informao sobre a carreira

    4 Acolhimento do adolescente Procedimentos de segurana

    2 Avaliao do treinamento Avaliao

    220 Total

    Fonte: Elaborada pela autora.

    A Tabela 4 refere-se ao curso ofertados aos ASSE contratados por tempo

    determinado. A carga horria total de 45 horas e o contedo trabalhado em 1

    semana.

    Tabela 4

    Curso Introdutrio de Minas Gerais pblico: contratados

    Carga

    horria

    Disciplinas Classificao

    19 POP Procedimentos de segurana

    4 Metodologia do atendimento socioeducativo Socioeducao

    3 Fundamentao legal Socioeducao

    3 Procedimentos gerais e administrativos da Suase Contextualizao Seds/Suase

    3 Fundamentos principiolgicos Socioeducao

  • 20

    2 O choque de gesto em Minas Gerais Contextualizao Seds/Suase

    2 Conduta tica Socioeducao

    2 Avaliao

    1 O sistema de defesa social Contextualizao Seds/Suase

    1 Orientaes para ingresso na Seds: Lei do

    Contrato

    Informao sobre a carreira

    1 Desenvolvimento interpessoal e de equipe Desenvolvimento interpessoal e de

    equipe

    1 Apresentao da Suase Contextualizao Seds/Suase

    1 Regimento nico dos centros socioeducativos Contextualizao Seds/Suase

    1 Princpios da segurana socioeducativa Socioeducao

    1 Direitos humanos e cidadania Socioeducao

    45 Total

    Fonte: Elaborada pelas autoras.

    A partir da classificao das disciplinas, foi criado um quadro geral que compara

    os dois cursos introdutrios de Minas Gerais. Ele nos possibilita dizer que os temas

    mais inclinados segurana predominam nas formaes iniciais da Suase tanto na

    formao para os concursados de 2009 como para os contratados.

    Tab

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  • 21

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    Alm de constatarmos que a formao inicial privilegia os aspectos da

    segurana, identificamos grande diferena na formao oferecida aos agentes de acordo

    com a forma de contratao. Os ASSE concursados recebem mais investimento da

    instituio do que os ASSE contratados. Questionamos essa diferenciao posto que

    independente do regime de contratao ambos implementam a poltica e tm o

    desafiador papel de conciliar a educao e a segurana nas unidades. Soma-se a isso a

    escassez de apoio ao desenvolvimento profissional e ao de formao continuada.

    3. Os desafios na implementao da segurana socioeducativa

    Investigamos duas estratgias institucionais da Suase que influenciam a prtica de

  • 22

    dos agentes de segurana socioeducativa. As estratgias analisadas so relativas a um

    problema de poltica pblica que o estabelecimento de novos parmetros para o

    atendimento s medidas socioeducativas.

    Podemos concluir que, embora o agente seja responsvel pela segurana na

    unidade de internao, suas atividades no se restringem manuteno da ordem e

    coero. Os princpios da socioeducao prevem a interao permanente e contnua

    com o adolescente. Essa interao deve ser qualificada e estabelecida por meio de

    prticas educativas. Contudo nem o cursos introdutrios e nem os regulamentos da

    funo do conta de equilibrar o duplo papel do ASSE.

    O ASSE pode ser considerado um burocrata de nvel de rua j que sua atividade

    profissional se desenvolve por meio da interao com os adolescentes que cumprem

    medida socioeducativa em regime de privao de liberdade. Alm do mais, no sistema

    socioeducativo, o ASSE o profissional que mantm contato direto e constante com o

    pblico alvo da poltica. A teoria sobre o burocrata de nvel de rua chama a ateno para

    a discricionariedade do agente, j que a execuo da poltica se d por meio de suas

    aes e interaes. No caso do agente de segurana socioeducativa e do ambiente de

    privao de liberdade, a discricionariedade pode ser tanto positiva como negativa. A

    primeira se d na interao permeada pela educao entre adolescente-agente, para que

    o tratamento ao adolescente seja distinto daquele exercido sobre adultos presos, cabe

    aos atores do sistema promoverem o processo de educao e reinsero dos

    adolescentes. Assim, espera-se que o agente dialogue, interaja e promova atividade

    educativas com os adolescentes.

    A discricionariedade negativa aquela em que ranos da segurana tradicional e

    de punies e sanes se estabelecem por meio das mesmas interaes.

    No decreto que regulamenta a atividade do ASSE predominam atividades de

    segurana. Das 17 atividades listadas, 12 representando 67% do total. A instituio

    possui regulamento para as prticas de segurana, mas no possuem instrumentos que

    orientem as interaes educativas, que se mostram extremamente complexas. O que

    existem so princpios gerais. A parte educativa da segurana se desenvolve em cada

    unidade de maneira diferente. Entendemos que faltam definies institucionalizadas

    objetivas que a orientem. Na condio de burocrata de nvel de rua e por isso detentor

    de autonomia e discricionariedade em suas aes, a atividade do agente demanda no s

    regulamentao que d enfoque atividades educativas mas tambm incentivos da

    instituio para que ela seja implementada. Ademais, a rotina da relao entre

  • 23

    adolescentes que comentaram ato infracional e agentes permeada por situaes

    complexas que tangenciam a criminalidade, violncia, privao de direitos, etc. e

    entendemos que a falta de mediao dessa relao cria significados e padres prprios

    entre atores. A implementao de uma medida socioeducativa que considere o

    adolescente como sujeito em desenvolvimento e detentor de direitos no deve depender

    da pr-disposio de agentes para se consolidar. A instituio que pretende modificar os

    parmetros da segurana deve investir na transformao e na disseminao de valores

    da socioeducao. Uma das formas de realizao o investimento na formao inicial e

    continuada dos atores de implementao.

    Ao analisarmos os contedos da formao inicial, verificamos que h diferenas

    em relao ao tipo de contrato do agente. H mais investimentos nos concursados do

    que nos contratados, embora ambos realizem o mesmo tipo de atividade. Alm disso, o

    contedo programtico dos cursos d mais nfase s questes de segurana que as de

    socioeducao.

    REFERNCIAS

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