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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 DESCENTRAÇÃO COGNITIVA E SUA RELAÇÃO COM A CONSTRUÇÃO DA COOPERAÇÃO FAETI, Pâmela Vicentini(UEM) 1 CALSA, Geiva Carolina(UEM) 2 Agência financiadora: CAPES Introdução Denominado brincar 3 ou jogar, para a criança, o ato lúdico 4 se configura como uma necessidade para sua inserção no meio social, pois é na relação estabelecida durante a brincadeira que ela pode revelar encontrando espaços de interação entre seu eu em construção e a realidade cultural e social que a circunda. Santos (2005 apud BICHARA, 1994; CONTI e SPERB, 2001; KISHIMOTO, 1997) destaca que é por intermédio da brincadeira que a criança vai se apropriando dos elementos imersos em sua realidade e ao se expressar pelo brincar recria situações vivenciadas no cotidiano. Isso oportuniza à criança criar novas possibilidades de pensar e agir, adquirindo para seu repertório de experiências elementos que irão contribuir para sua formação física, cognitiva, afetiva e moral. As teorias a respeito do brincar são unânimes ao destacar os fatores cognitivos e emocionais que são envolvidos no ato lúdico, além da importância dos valores afetivos que são empregados nas relações sociais estabelecidas durante esta atividade. São diversas as teorias que trabalham na tentativa de explicar os comportamentos e fins assumidos no brincar. 1 Pedagoga e mestranda do curso de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Bolsista do CNPq. 2 Doutora em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Líder do Grupo de Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC/CNPq/UEM. Membro do GT sobre Jogo da ANPEPP. 3 Neste texto utilizamos as palavras brincar e jogar como sinônimos. 4 Termo lúdico de acordo com o dicionário Michaels online se refere a jogos e brinquedos ou a jogos públicos dos antigos. Diponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=lúdic o&CP=103430&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50 . Acesso 28/10/2011.

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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DESCENTRAÇÃO COGNITIVA E SUA RELAÇÃO COM A

CONSTRUÇÃO DA COOPERAÇÃO

FAETI, Pâmela Vicentini(UEM)1

CALSA, Geiva Carolina(UEM)2

Agência financiadora: CAPES

Introdução

Denominado brincar3 ou jogar, para a criança, o ato lúdico4 se configura como

uma necessidade para sua inserção no meio social, pois é na relação estabelecida

durante a brincadeira que ela pode revelar encontrando espaços de interação entre seu

eu em construção e a realidade cultural e social que a circunda. Santos (2005 apud

BICHARA, 1994; CONTI e SPERB, 2001; KISHIMOTO, 1997) destaca que é por

intermédio da brincadeira que a criança vai se apropriando dos elementos imersos em

sua realidade e ao se expressar pelo brincar recria situações vivenciadas no cotidiano.

Isso oportuniza à criança criar novas possibilidades de pensar e agir, adquirindo para

seu repertório de experiências elementos que irão contribuir para sua formação física,

cognitiva, afetiva e moral.

As teorias a respeito do brincar são unânimes ao destacar os fatores cognitivos e

emocionais que são envolvidos no ato lúdico, além da importância dos valores afetivos

que são empregados nas relações sociais estabelecidas durante esta atividade. São

diversas as teorias que trabalham na tentativa de explicar os comportamentos e fins

assumidos no brincar.

1 Pedagoga e mestranda do curso de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Bolsista do CNPq. 2 Doutora em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Líder do

Grupo de Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC/CNPq/UEM. Membro do GT sobre Jogo da ANPEPP.

3 Neste texto utilizamos as palavras brincar e jogar como sinônimos. 4 Termo lúdico de acordo com o dicionário Michaels online se refere a jogos e brinquedos ou a jogos

públicos dos antigos. Diponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=lúdico&CP=103430&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50. Acesso 28/10/2011.

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Dentre as teorias sobre o brincar, as denominadas clássicas, a partir de reflexões

filosóficas sobre dados empíricos, buscam o entendimento desta atividade e de seus

propósitos. Entre elas teorias recreacionais e do excesso de energia consideram que a

brincadeira constitui um importante meio de regulação de energia do corpo; enquanto as

teorias de recapitulação e prática tendem a explicar a brincadeira como uma atividade

instintiva (SANTOS, 2005).

Para além das teorias clássicas, as teorias denominadas modernas têm como foco

de investigação não somente a origem do brincar, mas, sobretudo sua importância para

o desenvolvimento infantil. Segundo a autora, para Freud (1969 apud SANTOS, 2005,

s/p.) “o brincar pode ter um efeito catártico, permitindo que a criança se desvencilhe de

sentimentos negativos associados com eventos traumáticos”.

De um ponto de vista próximo destas últimas, Piaget (1994, p. 18 ) em sua obra

O Juízo Moral na criança assinala que a brincadeira é uma forma de consolidar e pôr em

prática aprendizagens recentemente adquiridas.

Através dos processos de assimilação e acomodação, a brincadeira infantil é uma forma de consolidar e pôr em prática comportamentos, conceitos e habilidades previamente aprendidas, ao brincar, a criança não aprende novas habilidades, ela pratica e consolida habilidades recentemente adquiridas. [grifos nossos].

Piaget (1994), ao descrever as brincadeiras, classifica-as e diferencia-as como

jogos de três tipos básicos: 1) jogos de exercícios 2) jogos simbólicos e 3) jogos de

regras. Para o autor, a troca de experiências sociais que ocorre na brincadeira propicia à

criança o desenvolvimento de noções lógicas, do pensamento, da linguagem, da

motricidade, do espaço e do tempo, entre outras aprendizagens.

A brincadeira é uma característica intrínseca à espécie humana, além de sua

importância para o desenvolvimento intelectual, “a curiosidade e a ludicidade seriam

traços herdados filogeneticamente, que impelem a nossa espécie a ‘explorar ativamente

o ambiente buscando situações novas que promovam a aprendizagem’” (BICHARA

apud SEIXAS, 2007, p. 13). Seixas (2007, p. 12) assinala que ao nascer a criança

carrega uma gama de comportamentos que lhe permite a sobrevivência e lhe garante a

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interação e a formação de vínculos sociais. Neste aspecto, a brincadeira surge como um

instrumento que para além do desenvolvimento cognitivo propicia aos indivíduos a

percepção do mundo no qual está imerso e os põe em contato com esse mundo por meio

das relações que são estabelecidas, entre essas as regras.

Apoiando-se em Jonhson, Cristie e Yankey (1999), Santos (2005, s/p) reitera

que a partir da interação da criança com seus cuidadores ela vai adquirindo as

habilidades necessárias para sua inserção no mundo. Ao adquirir tais habilidades

gradativamente sente-se preparada para inserir-se nas brincadeiras sociais, tais como os

jogos de regras.

De acordo com Macedo (1995), o jogo de regra contém um caráter original em

relação aos outros dois tipos (jogos de exercício e jogos simbólicos). Há algo que é original e próprio dessa estrutura de jogos: o seu caráter coletivo. Ou seja, nessa estrutura só se pode jogar em função da jogada do outro, Por exemplo, em uma partida de xadrez, os movimentos da peça de um jogador são feitos em função dos movimentos de seu adversário. Os jogadores, nesse sentido, sempre dependem um do outro (MACEDO, 1995. p. 8).

Nesta perspectiva, em uma primeira pesquisa sobre jogos de regras, buscamos

verificar quais as representações sociais manifestadas pelas crianças no ato de brincar

(Faeti, 2010). Este trabalho foi realizado a partir de uma abordagem qualitativa de

caráter etnográfico. Os dados foram obtidos por meio de observações de crianças entre 9

e 12 anos de ambos os sexos, brincando livremente, bem como de entrevistas

individuais ou em pequenos grupos aleatoriamente organizados nas ruas.

A coleta se deu em comunidades ribeirinhas, na região sul do estado do

Amazonas, às margens do Rio Madeira.5 Para a realização da pesquisa foram

selecionados os dados da região de Humaitá. A coleta de dados foi realizada por meio

de observações diretas do comportamento dos indivíduos em seu ambiente natural. Para

registro das entrevistas utilizaram-se diário de campo e filmagens.

5 Os dados fazem parte do acervo de dados do GEPAC/UEM/CNPQ disponíveis para a análise dos

componentes do grupo.

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As pesquisadoras6 registraram o desenvolvimento dos jogos enquanto as

crianças brincavam e realizavam as entrevistas, a fim de investigar as regras próprias de

cada jogo. Os registros foram realizados durante o dia quando saíamos pelas

comunidades conhecendo as famílias e as crianças. Para a elaboração do trabalho

selecionamos dois dos jogos mais citados pelas crianças entrevistadas e observadas:

Pincha e Cabo de Guerra. Partimos da hipótese de que estes jogos podem manifestar as

relações intersubjetivas ocorridas durante as atividades e, em decorrência disso,

expressar as representações sociais de si e do outro.

Entre as atitudes que pareceram mais frequentes por parte dos jogadores

destacamos a percepção do outro como um “indivíduo igual a si” com as mesmas

possibilidades para pensar e jogar em conjunto, em cooperação. Para que as equipes

conseguissem alcançar seus objetivos foi necessário que se organizassem, planejassem e

executassem as estratégias propostas por todos. A proposta de organização do brincar se

orientava de forma dialogada entre os participantes da equipe, evidenciando a

representação social destas em relação ao outro. Para pensar as melhores estratégias, as

crianças se reuniam e dialogavam sobre as possibilidades de organização da equipe.

Sendo assim, a relação que se estabelecia no grupo parecia se caracterizar por uma

forma de pensar, que implicava em pensar com o outro; todos tinham o direito de falar,

o que demonstrava uma representação do outro como uma possibilidade de diálogo

entre iguais.

No mestrado ao nos voltarmos para o ambiente escolar, verificamos novas

possibilidades de abordagem para os jogos de regras como instrumento para a tomada

de consciência dos diversos papéis assumidos pelos indivíduos na escola, família e

sociedade e sua relação com o Outro, em um movimento que envolve as relações

estabelecidas entre os atores escolares na constituição das representações destes em

relação o mundo. Nesta mesma linha de raciocínio Jovchelovitch (2007) argumenta: A representação emerge como um processo psicossocial complexo e rico, envolvendo atores sociais com identidades e vidas emocionais (que são, na verdade, construídas no ato de representar), que se

6 Com a presença da profa. Geiva Carolina Calsa, orientadora do projeto, e da profa. Regina Mesti -

DTP/UEM.

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engajam em relações com outros (cuja natureza modela o que e como eles vêem a conhecer o mundo), que têm razões para fazer o que fazem e, ao assim agir, põem em prática os propósitos daquilo que fazem. A representação é uma prática que implica relação e comunicação e, deste modo, imprime no núcleo central dos saberes as mesmas estruturas relacionais e comunicativas que, originalmente, os constroem (JOVCHELOVITCH, 2007, p. 174).

Com esse enfoque, destacamos a importância de instrumentalizar os educadores

no sentido de compreender o jogo de regras como um momento de manifestação e

construção da representação dos indivíduos. Nesta perspectiva, o fazer escolar pode se

configurar como uma oportunidade para que os indivíduos constituam uma prática

social que se volte para a construção de relações mais humanas e solidárias, nas quais a

representação social do outro não implique sentimentos de diferença como

desigualdade. Segundo Freire (2007), essa conversão só pode ser vivenciada, a partir do

momento em que cada indivíduo for capaz de compreender criticamente seu papel

social e lutar contra as formas de relacionamento interpessoal não-dialógicas.

Partindo da possibilidade de análise do jogo de regras como instrumento

pedagógico para fins que ultrapassam os limites de recurso para aprendizagem de

conteúdos escolares nesse projeto nos propomos avançar nosso olhar sobre esse objeto.

Se pensarmos que instituições educativas, incluindo a escola, utilizam jogos de regras,

jogos de salão ou esportes, nos perguntamos se o uso deste tipo de jogo com a

contribuição de um processo de discussão sobre os procedimentos e relações

interpessoais ocorridas durante as jogadas podem contribuir para o desenvolvimento da

cooperação dos indivíduos? Como o jogo de regras não-cooperativo colabora no

processo de centração e descentração do aluno no espaço escolar? E, pensando para

além da situação de jogo, para o funcionamento de qualquer outra forma de relação de

grupo?

Para responder a essas indagações, nos propomos inicialmente a pensar os jogos

de regras sob a perspectiva da Teoria dos Jogos relacionando-a aos conceitos de

centração e descentração elaborados por Piaget. No presente texto apresentamos nossas

formulações iniciais sobre este tema.

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Teoria dos jogos e Jogos de regras

Criada na década de 1920 pelo matemático von Neumann e depois reformulada

por Jonh Nash, trabalho que posteriormente lhe rendeu o prêmio Nobel de Economia

em 2006. Nesta ultima teoria, diferentemente da anterior desenvolvida por von

Neumann, matemático e professor em Princenton, Nash criou uma fórmula matemática

para pensar na Teoria dos Jogos de forma que o resultado das estratégias utilizadas

pelos jogadores ocorresse por meio do “equilíbrio”.

Na perspectiva adotada por ele, o jogo seria pensado de forma coletiva

ultrapassando o conceito de minimax elaborado pelo professor Neumann, que previa a

vitória por apenas um dos competidores. A proposta do equilíbrio de Nash está

vinculada a uma espécie de coletivização dos resultados do jogo, ou seja, para formular

suas estratégias, cada jogador deve pensar no coletivo, para que o jogo aconteça e os

ganhos sejam compartilhados entre si. Consideramos relevante estudar estas

questões uma vez que o jogo pode ser pensado como a simulação da própria existência

humana nas relações sociais cotidianas, nas quais a todo momento precisamos tomar

decisões que envolvem aspectos individuais e coletivos. Como é o caso de participação

em grupos sociais. É preciso conhecer e perceber as possibilidades e variáveis que nos

permitirão a escolha de participação ou não nos diversos grupos sociais disponíveis. Em

um primeiro momento essa escolha é individual, ou seja, o sujeito se identifica ou não

com um grupo de pessoas. Esse processo se torna coletivo na medida em que os

interesses são agrupados de forma que se tornam comuns abrindo possibilidades da

construção de estratégias coletivas para a satisfação dos interesses individuais e do

grupo.

Supomos, ainda, que em todas as relações sociais realizamos processos de

negociação e disputa com o Outro, seja em grupos aos quais pertencemos, seja com

grupos diferentes ou mesmo “adversários”, quando nos voltamos para situações de jogo

ou mesmo de disputas mais amplas de caráter social como de classe ou minorias; ou

disputas econômicas e territoriais como as guerras; ou disputas entre sociedade civil e

estado, entre outras.

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Pressupomos que nas relações escolares também ocorre esse processo de

negociação e disputa que refletem ações de um jogo de regras. Toda relação social

envolve necessariamente a busca pela “sobrevivência” de um indivíduo ou grupo para

alcançar o objetivo da vitória, diretamente relacionado a um quantum de poder frente

aos demais. Para pensar as possibilidades de estratégias e acordos e atingir esse

objetivo, os estudantes se põem em um movimento que busca equilibrar interesses

individuais e coletivos do grupo. Cada grupo defende interesses comuns presentes, ao

mesmo tempo, nos indivíduos e no coletivo e se agrupam em nome dos benefícios e

maior probabilidade de vitória que o grupo lhe proporcione frente as situações de

disputa de interesses.

De acordo com (JOVCHELOVITCH, 2007, p. 175) Toda representação está ligada ao esforço de pessoas e comunidades para representar a si mesmos, mesmo quando existe a intenção ativa de retirar e controlar a dimensão subjetiva da representação, como no caso das ciência. As representações aglutinam a identidade, a cultura e a história de um grupo de pessoas. Elas se inscrevem nas memórias sociais e nas narrativas e modelam os sentimentos de pertença que reafirmam a membros individuais sua inserção em um espaço humano.

Pensando essas relações, mas de forma específica nos jogos de regras como uma

manifestação de relações entre indivíduos, é hipótese de nosso projeto de pesquisa que

na medida em que os sujeitos percebam suas estratégias como possibilidade de vencer e

participar, a responsabilidade de pensar o jogo é compartilhada por todos. Como nos

afirma Jovchelovitch (2007, p. 175) “É neste sentido que podemos perceber que os

saberes também buscam representar as pessoas que os possuem e os usam. […] Alguns

sistemas de conhecimento dependem fortemente da identidade dos sujeitos do saber e

desejam, mais do que qualquer outra coisa, projetar sua identidade no campo social”.

Assim é que sentindo-nos parte de um todo (equipe/jogo), podemos decidir por

unir nossos interesses para que, mesmo que nem todos vençam, se beneficiem de

alguma maneira, nem que seja a própria continuidade do jogo e de participação. Para

que a dinâmica do jogo se mantenha torna-se necessário que as diferentes estratégias se

organizem para que se abram concessões de forma que em diferentes momentos as

equipes organizem estratégias que nem sempre a primeira vista serão vitoriosas, mas

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contribuirão para a manutenção da dinâmica do jogo e poderá lhes possibilitar vitória

posterior.

Para pensarmos as relações envolvidas no jogo de regras entre elas a cooperação,

nos voltamos aos conceitos de centração e descentração como características cognitivas

e afetivas que segundo Piaget, possibilitam o sujeito tomar decisões sobre cooperação

ou não-cooperação, nesse caso, em um jogo de regras. Em Marques (2005) encontramos

elementos que nos auxiliam na compreensão da relação entre centração e descentração e

a construção de cooperação entre sujeitos.

Centração, Descentração e Cooperação Intelectual

Partindo das definições descritas por Marques (2005), o sujeito centrado é

aquele que encontra dificuldades para lidar com diferentes possibilidades em relação a

ideias e formas de ver e pensar o mundo. Esse tipo de funcionamento dos sujeitos é

estudado por Piaget em crianças, mas o autor amplia a possibilidade de utilização deste

conceito para diferentes faixas etárias, até mesmo quando escreve sobre relações

diplomáticas entre nações.

Piaget, ao escrever sobre o sujeito centrado (cognitivamente egocêntrico) aponta

significados distintos para a conceituação das características egocêntricas e suas

manifestações.

Piaget diz, as vezes, que egocentrismo se manifesta na 'incapacidade de distinguir' a perspectiva de outrem da perspectiva própria . Outras vezes ele descreve o egocentrismo como sendo a manifestação da 'incapacidade de coordenar' perspectivas já conscientes como sendo distintas. Acho que Piaget, na verdade, fala de dois fenômenos diferentes: existem dois tipos de egocentrismo, um no sentido estrito (segundo o qual a criança não distingue perspectivas diferentes) e um no sentido lato (segundo o qual a criança distingue as perspectivas mas não consegue coordená-las) (MARQUES apud KESSELRING, 1990, p.11).

Seguindo os estudos de Piaget, o desenvolvimento ocupa um papel importante

para a transição da forma de pensamento centrado à construção de um pensamento

descentrado. É com o avanço das estruturas mentais do sujeito que o egocentrismo vai

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aos poucos dando lugar a descentração, em um processo em que capacidade cognitiva e

afetiva dos sujeitos reorganiza-se para partilhar de outras posições disponíveis em seu

universo de convívio, entre esses, familiar, escolar, entre outros (Marques, 2005).

Explicitando a condição de centração, a autora, define-a como uma forma de

“confusão” dos sujeitos entre seu ponto de vista e o de outros, entre “as atividades do

sujeito e as transformações do objeto. Pode-se também definir essa tendência não mais

em termos de lacuna intelectual, mas, mais positivamente, pela existência de uma

centração” (MARQUES, 2005, p. 78).

Pautando-se em Montangero e Maurice-Naville (1988), Marques acrescenta Os autores relacionam a existência do egocentrismo à centração do pensamento em um único aspecto da realidade, fazendo o sujeito acreditar que sua forma de ver o mundo é única e igual para todos. Não se trata assim de atitude que possa ser explicada moralmente, como boa ou má intenção, mas sim de uma dificuldade cognitiva (MARQUES, 2005, p. 79).

Referindo ao conceito de centração cognitiva (egocentrismo) Montangero e

Maurice-Naville nos ajudam a entender que O conceito de egocentrismo7 é o polo oposto à ideia central, no primeiro período da obra de Piaget, de cooperação interindividual. Ora, a cooperação pode definir-se pelo processo de descentração. É graças a esse processo que o estado egocêntrico inicial do conhecimento transforma-se gradualmente em proveito de cooperação, portanto de reciprocidade de pontos de vista (MONTANGERO e MAURIDE-NAVILLE apud MARQUES, 1988, p. 148).

Para definir descentração Marques (2005) argumenta que esta ação se configura

como a capacidade do sujeito deslocar seu pensamento do centro e ser capaz considerar

outras formas de pensamento possíveis. Nesse sentido o sujeito descentrado é aquele

que ao se relacionar com outros, sabe que suas ideias e sua posição frente as ideias que

esta se situa em uma entre outras possíveis. Um sujeito descentrado é capaz de

7 Marques (2005, p. 141) acrescenta que aos poucos Piaget vai deixando o termo egocentrismo para referir-se ao mesmo fenômeno como centração, pelo fato de sua dedicação estar mais ao campo epistemológico. No entanto o termo egocentrismo ainda é mais adequado às relações em que envolve sujeitos, como é o caso das relações escolares.

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coordenar sua forma enxergar os fenômenos à diferentes pontos de vista sem perder-se

nessas relações.

Marques (2005) retirando esse conceitos da obra de Montangero e Maurice-

Naville (1988), acrescenta Adaptar-se ao meio social, como ao meio físico, é construir um conjunto de relações e situar-se a si próprio entre essas relações graças a uma atividade de coordenação implicando a descentração e a reciprocidade de pontos de vista. Em outra obra Piaget afirma que com a descentração “a própria perspectiva situa-se no conjunto de pontos de vista possíveis e desempenha o papel de um elemento móvel entre os outros”. A descentração é com o processo de liberação do egocentrismo inicial […] O processo de coordenação das ações e operações que conduz aos sistemas reversíveis, é o instrumento privilegiado da descentração. Essa coordenação é, ao mesmo tempo, individual e social. Ora a cooperação é precisamente constituída pela pela reciprocidade interindividual das operações de cada um. (MONTANGERO E MAURICE-NAVILLE apud MARQUES, 1988, p. 79). (Grifos nossos)

Outro conceito abordado por Marques (2005) é o de cooperação, que é

apresentado em seu trabalho como contraposição ao egocentrismo. Segundo nos aponta,

cooperação [...] consiste no ajustamento do pensamento próprio ou das ações pessoais ao pensamento e às ações dos outros, o que se faz pondo as perspectivas em relação recíproca. Assim, um controle mútuo das atividades é exercido entre os parceiros que cooperam . Ao estudar a gênese da linguagem, 'Piaget mostra que o verdadeiro diálogo instaura-se quando a criança dá-se conta da perspectiva do outro. A discussão é conduzida pelo desejo de escutar e compreender o interlocutor' (MONTANGERO E MAURICE-NAVILLE apud MARQUES, 1988, p. 80.

Considerações finais

Levando em conta os resultados de nosso primeiro estudo sobre os jogos de

regras Pincha e Cabo de Guerra, os conceitos de centração e descentração e os

pressupostos da Teoria dos Jogos de Nash consideramos que o jogo de regras de rua

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pode ser considerado um jogo não-cooperativo. Apesar disso, implicam relações

necessárias entre interesses individuais e coletivos dos grupos envolvidos no jogo.

Em vista disso, concluímos provisoriamente os jogos de regras, ainda que não-

cooperativos, podem se constituir em instrumentos escolares para a tomada de

consciência das relações necessárias entre interesses individuais e coletivos e, portanto,

da necessidade da cooperação e da dialogicidade para o seu funcionamento.

O projeto, ora proposto, terá prosseguimento por meio da investigação da

centração e descentração como processo de construção de cooperação intelectual por

meio do jogo de regra aplicado à crianças no ambiente escolar cujos dados serão

coletados pela pesquisadora na região me Maringá (PR). Os dados serão obtidos por

meio de observações de crianças entre 9 e 12 anos de ambos os sexos, brincando na

escola em grupos organizados nas aulas de educação física na escola selecionada.

REFERÊNCIAS

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