Desconsideração Inversa Da Personalidade Jurídica E Efetividade Da Tutela Executiva Trabalhista

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Personalidade Jurídica e Efetividade

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Alexandre Oliveira Soares

Desconsideração Inversa da

Personalidade Jurídica e Efetividade

da Tutela Executiva Trabalhista

Mestre em Direito Privado (Direito do Trabalho) pela PUC/MG. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil. Professor do

programa de graduação e pós-graduação em Direito do Centro Universitário Estácio de Sá, Belo Horizonte. Coordenador de Pesquisa do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio de Sá. Advogado.

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Janeiro, 2015

Soares, Alexandre Oliveira

Desconsideração inversa da personalidade jurídica e efetividade da tutela

executiva trabalhista / Alexandre Oliveira Soares. — São Paulo : LTr, 2015.

1. Direito processual 2. Execuções (Direito) 3. Execuções (Direito) —

Brasil I. Título.

14-12422 CDU-347.952:331(81)

1. Brasil : Execução trabalhista : Processo trabalhista 347.952:331(81)

2. Brasil : Processo de execução : Direito do trabalho 347.952:331(81)

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Versão impressa - LTr 5174.2 - ISBN 978-85-361-3207-5Versão digital - LTr 8551.3 - ISBN 978-85-361-3234-1

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Agradecimentos

Aos Professores Doutores Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault, pela orientação segura, competente e pelo acolhimento e incentivo.

Ao Professor Doutor Antônio Gomes de Vasconcelos, pela avaliação crítica e sugestões.

Ao Doutor Adolpho Machado Soares, pelo amor paternal, sábios ensinamentos jurídicos e pelos estímulos constantes.

Ao Doutor Pedro Rocha Olguim, pela leitura atenta do texto original e sugestões.

A Mara Paixão e toda sua equipe, pelo profissionalismo na editoração desta obra.

Dedicatória

A Deus!

À Michelle, minha esposa, pelo amor, dedicação, incentivo e cumplicidade.

Aos meus pais, com carinho e gratidão.

Aos meus familiares pelo apoio.

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Sumário

Prefácio ..............................................................................9

Introdução ....................................................................... 15

1. Ação Judicial e Direito Subjetivo na Óptica Romana ...... 19

1.1. Sistemas das legis actiones, per formulas e cognitio extraordinaria ...............................................................20

2. A Execução no Processo Civil Romano .......................... 29

2.1. A execução no sistema das legis actiones ......................... 30

2.2. A execução no sistema per formulas ................................ 31

2.3. A execução no sistema da cognitio extraordinaria .............. 33

3. Execução na Justiça do Trabalho .................................. 34

3.1. Princípios da execução trabalhista ................................... 37

3.1.1. Princípio da igualdade de tratamento das partes ....... 39

3.1.2. Princípio da primazia do credor trabalhista ............... 42

3.1.3. Princípio da utilidade da execução para o credor ....... 43

3.1.4. Princípio da não prejudicialidade do devedor ............ 44

4. Desconsideração Direta da Personalidade Jurídica ........ 47

4.1. Vitória pírrica nas demandas trabalhistas ......................... 47

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4.2. Responsabilidade patrimonial primária do devedor ............. 51

4.3. Responsabilidade patrimonial secundária do devedor ......... 53

4.4. Desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho ....................................................................... 55

5. Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica ..... 66

5.1. Definição ..................................................................... 66

5.2. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e trans-ferência fraudulenta de bens ........................................... 69

5.3. Omissão legislativa e o papel da jurisprudência e da doutrina 75

5.4. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e execu- ção trabalhista .............................................................. 90

5.5. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e herme- nêutica ...................................................................... 102

5.6. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e direito fundamental a uma tutela executiva efetiva .................... 107

5.7. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e efeti- vidade da tutela jurisdicional trabalhista ........................ 111

5.8. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e reflexos da crise de efetividade da legislação social trabalhista ...... 114

Conclusão ....................................................................... 117

Referências .................................................................... 123

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Prefácio

Algumas pessoas nascem com o dom especial para ensinar e para escrever. Vivem sob o signo de ouro, porque ambos, ensinar e escrever, são virtudes inexcedíveis. Ensino e escrita: vida e luz; sonho e realidade; realização pessoal e amor ao próximo.

A sala de aula e a tela do computador (não mais uma folha de papel em branco) são os espaços do professor e do escritor.

Esses espaços completam-se; intercomunicam-se; são tão pro-fundos quanto vastos; tão desafiadores quanto misteriosos.

Com outras palavras, diria que ensinar e escrever nos afagam, nos acariciam, nos gratificam e nos explicam, se é que a vida tem alguma explicação.

A palavra falada e a palavra escrita são os domínios do mundo da comunicação e do aprendizado. Quem ensina e escreve chega aos limites da liberdade de si próprio, assim como de seus alunos e leitores. Liberdade de si próprio, porque se doou por inteiro; li-berdade alheia, porque ainda que preenchidos alguns vazios, vários outros são deixados, cheios de silêncio, repletos de perguntas sem respostas, para o devaneio, para a reflexão e para o estudo.

Alexandre Oliveira Soares, autor deste livro, intitulado Descon-sideração Inversa da Personalidade Jurídica e Efetividade da Tutela Executiva Trabalhista, é professor e escritor. Por conseguinte, nasceu e vive sob o signo do ouro.

Essas as palavras mais adequadas e pertinentes que, inicial-mente, posso trazer para os leitores a respeito deste interessante, surpreendente e magnífico livro, assim como de seu Autor.

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Entretanto, tenho de acrescentar que o professor Alexandre ensina e escreve como poucos. Ele ensina e escreve encantando, e por meio do encantamento de suas palavras e de seu raciocínio claro e retilíneo, desperta o interesse do aluno e do leitor.

Clarisse Lispector disse uma vez que escrever é uma maldição, mas uma maldição que salva. E explicou que é uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois nada o substitui. E é, simultaneamente, uma salvação, segundo ela, porque salva a alma presa que procura reproduzir o irreproduzível.

Guardadas as devidas e necessárias proporções, inclusive quanto ao gênero do livro, o professor Alexandre Oliveira Soares somente se livrou do compromisso de escrever sobre o tema da efetividade da tutela executiva trabalhista, quando percebeu que nenhum outro o substituiria e, a partir de então, passou a ler, a pesquisar, a ler e reler, e pensar e a repensar, para, finalmente, começar a escrever a respeito do tema, sob a vertente da desconsideração da personali-dade jurídica invertida.

Assim eleito e apegado ao tema central de sua dissertação de mestrado, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sob a segura e inigualável orientação do professor Márcio Túlio Viana, o Autor, depois de delimitar os pontos de imputação e de inflexão jurídica, pôs-se a escrever, lentamente, sem pressa, mas com a ne-cessária segurança de alguém que quer fazer doutrina.

Desde o início, sabia que ira trilhar caminho espinhoso, para ten-tar responder a algo que parecia irrespondível, na seara trabalhista, ou como disse Clarisse Lispector, a reproduzir o irreproduzível, isto é, a inversão da desconsideração da personalidade jurídica como um importante mecanismo para a efetividade da execução trabalhista.

A propósito deste difícil e controvertido tema, pensaria eu, an-tes da leitura deste livro, que seria como que encontrar uma alma dentro da própria alma, ou melhor, encontrar dois eus no espelho em que se olha e neles encontrar o mesmo eu, inibindo a transferência fraudulenta de bens com o fito de inviabilizar a execução.

O Autor deste magnífico livro sobre a desconsideração inversa sabia que teria de enfrentar intrincado paradoxo, ainda não tão comum nas execuções trabalhistas, mas a cada dia mais crescente e que evidencia a esperteza dos devedores, que tentam de todas as formas esconder o seu patrimônio, inclusive com a transferência cruzada ou invertida de bens.

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O professor Alexandre não fugiu deste compromisso inicial de desvendar toda esta intrincada questão processual e nos brindou com um livro inigualável, indispensável a todos os operadores do Direito do Trabalho — professores, estudantes, juízes, advogados e procuradores do trabalho.

Pois bem, que a execução é o gargalo do processo trabalhista, todos sabemos, inclusive os milhões de empregados-credores, que obtiveram êxito em reclamação trabalhista e nada ou pouco rece-beram das empresas devedoras.

As causas desse anacronismo da execução são múltiplas; pos-suem inúmeras variantes e crescem na mesma proporção em que se elevam as execuções frustradas, diariamente, nas centenas de varas do trabalho, país afora.

O Autor deste precioso livro é um professor nato; é um pesqui-sador incansável; é jovem doutrinador maduro e consciente de sua responsabilidade. Disciplinado e dedicado, não se assustou e nem recuou com as dificuldades que logo enxergou. Poderia ter seguido outro caminho. Poderia ter escolhido tema mais confortável. Não quis. Preferiu enfrentar o espinhoso tema da execução trabalhista.

Com o fito de verter para o livro todas as suas pesquisas, estudos e ideias, rebelou-se, inicialmente, com as fissuras da lei. Para ele, não existem lacunas, nem vazios legislativos ou jurisprudenciais que não possam ser preenchidos pela interpretação, que nos levem ao interior dos institutos e das normas jurídicas, apresentando soluções para os mais intrincados problemas.

Partindo desta premissa, ele escreveu com maestria, trazendo para dentro do livro a realidade da vida, com a qual preencheu as ausências normativas, demonstrando, cientificamente a viabilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica, para que se atribua maior efetividade às execuções trabalhistas.

Para a elaboração de sua dissertação de mestrado, em cuja defesa obteve a nota máxima, cem “com láurea”, ora transformada em primoroso livro, o professor Alexandre iniciou os seus escritos, vestido da armadura da sabedoria, a partir do estudo da ação judicial e do direito subjetivo sob a óptica romana. Foi à origem; volveu no tempo e revolveu antigos institutos; ressuscitou, corpo e alma, os sistemas das legis actiones, per formulas e cognitio extraordinaria.

Desbravado esse terreno movediço, empunhou novas armas — leituras e mais leituras; pesquisas e mais pesquisas. Dia e noite; noite e dia. Estudou muito. Refletiu mais ainda. Voltou a escrever.

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Desenterrou as questões mais importantes e relevantes da execução no processo romano, que poderiam contribuir para a com-preensão do tema central deste livro.

Superados eventuais desencontros entre o passado e o presente, e pensando no futuro, o Autor abraçou, sem medos, a realidade da execução trabalhista, no Brasil.

Por inúmeras razões, poderia ter dado de ombros ao grande problema do processo trabalhista, que é a falta de efetividade na fase de execução.

Não agiu dessa forma, isto é, não fugiu da batalha, porque não é do seu feitio, nem de sua índole, ou mesmo de sua postura intelectual.

Por mais ininteligível que seja a disciplina normativa da inversão da desconsideração, por mais impalpável que sejam os instrumentos disponíveis, o Autor quis ir ao fundo das questões mais intrincadas a fim de dar uma verdadeira e efetiva contribuição para a doutrina, pensando que a fase decisiva e cruel da execução pode chegar a bom termo pela via da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Para isso, revirou o fundo do poço das mazelas da fraude contra credores, da fraude à execução, e da fraude de execução, não sem antes passar a limpo os princípios da execução trabalhista.

Especificamente, a propósito da execução no processo do tra-balho, o Autor como que se colocou no lugar do outro. Não foi em poema, porém, em crônica que, salvo engano, o poeta Drummond, criou o neologismo verbal “outrar”, que significa ser capaz de se colo-car no lugar do outro e entendê-lo — ou procurar entendê-lo — como se ele fosse você. Em suma: em parte, é sofrer a dor de outrem.

No Brasil, não sei se apenas por herança de um processo burocrático-cartorário, advindo de um sistema romano-germânico burguês, que o processo é, em grande escala, moroso e ineficaz. Todavia, o que sei é que as partes sofrem muito com o processo ju-dicial; sofrem mais com a sua morosidade; sofrem mais ainda com a sua ineficiência.

O professor Alexandre Oliveira Soares assumiu, em parte, essa dor, como se fosse sua e dela fez uma arte, seguindo à risca o con-selho de Schopenhaeur.

O Autor, ao descortinar o tema da desconsideração da perso-nalidade jurídica, fez menção à vitória pírrica ou vitória de Pirro, utilizada para designar uma vitória obtida a alto preço. Potencial-mente prejudicial ao vencedor, porque poderia não ter valido a pena.

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Utilizando-se dessa metáfora, o Autor procura desviar a óptica da vitória sem vitória, para uma vitória com vitória, pelo menos quando a desconsideração inversa da personalidade jurídica permite a loca-lização de bens para a garantia e pagamento do débito processual trabalhista.

Certamente, como professor, doutrinador, advogado e estudioso do Direito e do Processo do Trabalho, o professor Alexandre também está cansado de ouvir que muitos, incontáveis processos trabalhistas se frustram na fase de execução, deixando de entregar ao empre-gado o que é seu.

Uma das inúmeras e significativas contribuições deste livro está no alentado capítulo que versa especificamente sobre a desconside-ração inversa da personalidade jurídica e a respeito da transferência fraudulenta de bens, sob as mais diversas formas e títulos, assim como sob o prisma do direito fundamental que todos nós temos a uma tutela executiva célere e efetiva.

O professor Alexandre fez ciência com este tema nobre e rele-vante. Seguiu o conselho de Fernando Pessoa, para quem “a ciência descreve as coisas como são; a arte como são sentidas, como se sente que devem ser”.

Eis, em rápidas pinceladas, o teor, o conteúdo, o corpo e o espírito, deste grande livro que o leitor tem em suas mãos, e que pode encher os nossos olhos de cintilante esperança. Leia o livro e descubra, com a sua própria sensibilidade jurídica, por que estou dizendo tudo isso.

Luiz Otávio Linhares Renault Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC-Minas.

Desembargador do TRT/3ª Região.

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Introdução

Desde quando o Estado avocou para si o monopólio da presta-ção jurisdicional, uma preocupação constante e crescente tem sido a de assegurar a efetividade das decisões judiciais. Isso porque o mero reconhecimento judicial de um direito não é suficiente para a composição integral do fenômeno sociojurídico da lide e não é com-patível com as exigências de um Estado Democrático de Direito que prometeu o acesso à justiça.

Com efeito, atualmente, se reconhece que o direito fundamental ao acesso universal a uma ordem jurídica justa não se exaure na sim-ples jurisdição. Torna-se imprescindível também a jurissatisfação, ou seja, a efetiva entrega do bem jurídico pretendido em juízo, porquanto os indivíduos, regra geral tolhidos do exercício da autodefesa, têm a justa expectativa de que o Estado não apenas declare judicialmente um direito, mas, sobretudo, lhe dê efetividade no plano concreto.

A preocupação hodierna com a efetividade dos direitos reco-nhecidos em provimento judicial não é inédita. Já os romanos se debruçaram sobre essa questão. É por isso que se pode verificar a presença no processo civil romano de ações executivas específicas cujo escopo nuclear era assegurar a efetiva satisfação dos direitos subjetivos reconhecidos nas ações cognitivas.

Tal como os romanos, os processualistas atuais em geral, e espe-cialmente aqueles que se dedicam ao estudo do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, têm buscado, incessantemente, ferramentas que permitam assegurar a efetividade das sentenças judiciais trabalhistas, para que se possa entregar ao trabalhador demandante tudo aquilo que lhe assegura o direito material.

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A relevância dessa procura ganha novos contornos quando o Tribunal Superior do Trabalho noticia que atualmente há dois milhões e setecentos mil processos solucionados e transitados em julgado, mas que os trabalhadores ainda não receberam seus créditos reco-nhecidos judicialmente, demonstrando que a fase executiva é um dos maiores obstáculos à efetividade da prestação jurisdicional.

Soluções legislativas e processuais têm sido engendradas para tentar solucionar, ou ao menos mitigar, o óbice multifatorial da ine-fetividade executiva dos processos trabalhistas.

Nessa linha de ação, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado n. 606/2011, elaborado a partir de propostas apresentadas por uma comissão de Ministros do Tribunal Superior do Trabalho e de magistrados trabalhistas de todas as instâncias (BRASIL, 2011).

Referido projeto propõe uma revisão da execução trabalhista e a aplicação de vários dispositivos do Código de Processo Civil no processo laboral, porquanto se entende que os avanços desse Esta-tuto podem aumentar o grau de efetividade da execução trabalhista (BRASIL, 2011).

Enquanto não se aprova o Projeto de Lei do Senado em comento, a execução trabalhista permanece sob a regência do Decreto-Lei n. 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho), da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais) e do Código de Processo Civil (CPC), este último aplicável nos casos de omissão legislativa do texto celetista e desde que haja compatibilidade de suas regras supletivas com o processo judiciário trabalhista.

Em decorrência da não positivação dos avanços legislativos referidos, a Justiça do Trabalho, na busca da efetividade da tutela judicial, tem se valido de mecanismos como a desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional e inversa, na ten-tativa de aumentar a satisfação do crédito trabalhista reconhecido em juízo.

Esta obra dedicar-se-á à investigação científica da desconsi-deração da personalidade jurídica em sua forma inversa. Embora muito aplicada pelos regionais trabalhistas e pelo Tribunal Superior do Trabalho, esse instituto carece de um estudo mais acurado de seus fundamentos. Sobre a desconsideração direta da personalida-de jurídica, tratar-se-á apenas do essencial à compreensão de sua forma inversa.

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Nesse diapasão, serão apresentados argumentos constitucionais, infraconstitucionais, doutrinários e jurisprudenciais que buscarão fundamentar e justificar a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho. Parte-se do fato con-creto de que se vive hoje uma crise de efetividade da tutela executiva trabalhista e da premissa de que esse instituto pode contribuir para a atenuação desse cenário.

Em outras palavras, investigar-se-á a desconsideração inversa da personalidade jurídica no cenário contemporâneo problemático de crise de efetividade dos direitos trabalhistas e da tutela executi-va trabalhista, com o escopo central de se avaliar os fundamentos teóricos desse instituto e de suas possíveis contribuições para a mitigação do déficit de concreção jurídico-normativo da legislação social trabalhista.

O caminho metodológico adotado para a realização da inves-tigação consistirá inicialmente numa avaliação perfunctória do processo civil romano, analisando-se os sistemas das ações da lei (legis aciones), do processo formulário (per formulas) e do processo extraordinário (cognitio extraordinaria), bem como de suas respecti-vas ações executivas específicas, a manus iniectio e a actio iudicati. Com isso, pretende-se evidenciar a preocupação dos romanos com a efetividade das decisões judiciais.

No momento seguinte, será analisada a execução na Justiça do Trabalho sob a perspectiva constitucional do acesso à justiça, do esgotamento da prestação jurisdicional e dos princípios da igualdade de tratamento das partes, da primazia do credor trabalhista, da utili-dade da execução para o credor e da não prejudicialidade do devedor. Nesse ponto, serão debatidos os princípios regentes da execução trabalhista, sua finalidade no contexto processual e a posição de preeminência do credor trabalhista em face do devedor trabalhista.

No instante posterior, a desconsideração da personalidade jurídi-ca será objeto de estudo, tratando-se de sua regência principiológica e legal, de seus fundamentos éticos e jurídicos e dos fundamentos da responsabilidade patrimonial primária e secundária do devedor no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse capítulo, também serão analisados os fundamentos jurídicos, a evolução legislativa da apli-cação desse instituto na Justiça do Trabalho e sua importância para a efetividade dos direitos trabalhistas.

Finalmente, será analisada a desconsideração inversa da perso-nalidade jurídica. Primeiro, serão discutidas questões concernentes à

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sua definição, às suas particularidades em face de outras formas de transferência fraudulenta de bens, à omissão legislativa e ao papel da jurisprudência e da doutrina na concepção e na consolidação desse instituto. Depois, serão apresentados e discutidos vários fundamen-tos de índole constitucional, infraconstitucional e principiológica que buscam legitimar a aplicação desse instituto nos domínios do Direito e Processo do Trabalho.

O objetivo do último capítulo é estabelecer interlocuções entre a desconsideração inversa da personalidade jurídica e os princípios éticos e jurídicos da desconsideração tradicional, bem como com a função social da empresa, com o valor social do trabalho, com a proteção constitucional do trabalho, com a dignidade da pessoa humana, com o direito fundamental a uma tutela executiva efetiva e com a instrumentalidade substancial do processo.

Em tempos de déficit de concreção jurídico-normativo da le-gislação social trabalhista e de crise de efetividade das decisões judiciais, a desconsideração inversa da personalidade jurídica pode ser importante instrumento judicial de resistência a esse quadro que cada vez mais se agrava no cenário jurídico brasileiro.

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Ação Judicial e Direito Subjetivo na Óptica Romana

Se fosse poss ível escolher uma ideia-s íntese que revelasse com maior nitidez a maneira pela qual os romanos compreendiam a relação existente entre o direito subjetivo e a

ação judicial, certamente seria aquela contida na afirmativa de que a existência de um direito subjetivo estava condicionada à existência de uma ação judicial que o tutelasse, caso ele fosse desrespeitado.

Para os romanos, a proteção eficiente do direito material melhor se dava por meio da ação judicial. Essa concepção era tão enraiza-da na cultura jurídica romana que os levou a afirmar que para cada direito subjetivo deveria existir uma ação específica, a qual deveria entrar em movimento ofensivo toda vez que o direito subjetivo fosse violado.

Por isso, se verifica, na organização processual romana, um vasto e específico conjunto de ações (actiones), todas elas voltadas à tutela dos correspondentes direitos subjetivos. Por essa razão, também, é que se pode afirmar que a concepção contemporânea genérica de ação (actio) é muito diferente daquela que fora elaborada pelos romanos, porquanto o seu pragmatismo os conduziu à criação de actiones específicas aptas a tutelar de forma individualizada tal ou qual direito subjetivo vitimado por alguma agressão.

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Essa ideia romana de que para cada direito substantivo deveria corresponder uma ação específica tem a virtude de revelar que o aspecto processual era tão importante para os romanos que os levou a adotar uma tese civilística da ação, segundo a qual a ação nada mais era do que um dos elementos essenciais do direito subjetivo, o qual poderia se colocar em movimento em qualquer momento para tutelar o direito subjetivo violado.

Ao contrário do que se verifica na contemporaneidade, os ro-manos concebiam os direitos mais pelo viés processual do que pelo material, o que denota como esse povo dava às actiones uma su-premacia na ordem jurídica vigente, razão pela qual Alves (1999) afirma que o direito romano pode ser compreendido mais como um sistema de ações do que como um sistema de direitos.

Para que se possa melhor compreender a relação das actiones com o direito subjetivo, importante se faz conhecer algumas ca-racterísticas essenciais dos três sistemas de processo civil romano, quais sejam, legis actiones, per formulas e cognitio extraordinaria.

Essa verificação é relevante porque permitirá que depois se faça uma análise das formas de execução das sentenças dos três siste-mas citados, investigação essa essencial porque permitirá desvelar e melhor compreender não apenas as formas e os meios dos processos executivos romanos, mas, sobretudo, os seus fundamentos teóricos e dogmáticos.

1.1. Sistemas das legis actiones, per formulas e cognitio extraordinaria

O estudo dos sistemas de processo civil romano fica menos difícil quando sua análise é precedida da compreensão da provável gênese do processo civil nos povos primitivos. Isso porque, assim fazendo, fica mais fácil identificar as características do processo civil romano.

A história evolutiva do processo civil revela a gradual transição da justiça privada para a justiça pública. O itinerário evolutivo parte do extremo da justiça exercida pelos próprios particulares em direção ao seu polo oposto, que é a justiça distribuída pelo Estado. Segundo Alves (1999), são quatro as fases desse percurso evolutivo, a saber, a justiça privada, o arbitramento facultativo, o arbitramento obriga-tório e a justiça realizada monopolisticamente pelo Estado.

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Na primeira fase, são os próprios particulares que resolvem os conflitos, mediante o emprego da força individual ou grupal, confor-me a dimensão do litígio. Essa forma de justiça privada, baseada na força e na vingança, é precária, unilateral, aleatória e parcial. Essas características fazem da autodefesa a mais primitiva das formas de resolução de conflitos, porquanto permitem que a vitória seja alcan-çada não necessariamente por aquele que é o real titular do direito subjetivo em disputa, mas pelo mais forte.

A justiça privada teve largo emprego no mundo romano como forma de resolução de conflitos. Sempre lembrada como expressivo exemplo dessa primeira fase no âmbito do processo civil romano é a Lei das XII Tábuas. Muito embora essa lei possa ter representado uma conquista para os plebeus, porquanto permitiu que os julga-mentos dos seus litígios com os patrícios realizados por juízes que, via de regra, pertenciam a essa classe, tivessem menor variação, o fato é que ela preconizava a pena de talião, a vingança privada do olho por olho, dente por dente.

As regras três e quatro da Tábua Segunda, que tratam dos julgamentos e dos furtos, bem como as disposições seis e nove da Tábua Terceira, que versam sobre os direitos de créditos, evidenciam os fortes traços e características da justiça privada, presente na Lei das XII Tábuas:

(...)

3. Se alguém cometer furto à noite e for morto em flagrante, o que matou não será punido.

4. Se o furto ocorrer durante o dia e o ladrão for flagrado, que seja fustigado e entregue como escravo à vítima. Se for escravo, que seja fustigado e precipitado do alto da rocha Tarpeia.

(...)

6. Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor.

(...)

9. Se são muitos os credores, será permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores

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preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre. (ROSSI, 2010)

Considerando o estágio social, cultural e jurídico em que se encontra o mundo contemporâneo, as regras acima transcritas são repugnantes e inaceitáveis, não só no Brasil, mas também em inú-meros países de tradição democrática.

O arbitramento facultativo caracteriza a segunda fase do proces-so evolutivo do processo civil. Por meio dele, as partes abriam mão da vingança privada como forma resolutiva do conflito e ajustavam que ele seria equacionado por meio do pagamento de uma indeni-zação, a ser estipulada por elas ou por um terceiro — sacerdote, ancião ou outra pessoa pelas partes escolhida, sem a interferência estatal — que fixaria o quantum indenizatório.

Como a própria expressão evidencia, as partes não eram obri-gadas a valer-se dessa forma de resolução dos conflitos, sendo ela apenas facultativa, de modo que a sua não compulsoriedade tinha por consequência favorecer o largo emprego da ainda mais primitiva forma de resolução dos conflitos, a autodefesa.

O arbitramento facultativo também esteve muito presente ao longo de toda a evolução do processo civil romano, porquanto os ár-bitros gozavam de boa reputação no mundo romano, visto que eram tidos como pessoas dotadas de certos predicados que as qualificavam a solucionar os conflitos, como pontua Alves (1999).

A terceira fase surge da necessidade de se tornar a arbitragem facultativa em arbitragem obrigatória, pois a sua não obrigatoriedade dava ensejo ao largo emprego da vingança privada, sendo que essa prática contribuía para o acirramento dos atritos sociais, o que não era desejável.

Assim, o Estado passou a intervir de forma direta nos conflitos, no sentido de obrigar os conflitantes a escolher um árbitro que pu-desse pôr fim aos embates, mediante a fixação de uma indenização por esse terceiro. Em caso de descumprimento da sentença fixada pelo árbitro, o Estado coagia as partes a observar a decisão fixada por ele, ou seja, o Estado passou a garantir a execução da decisão arbitral.

A arbitragem obrigatória pode ser observada no processo civil romano nos sistemas legis actiones e per formulas. Tais siste-mas, inseridos no universo da justiça privada, eram regidos pela

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ordo iudiciorum privatorum, segundo o qual as partes atribuíam a um terceiro (árbitro), que não o Estado, o poder de resolver o conflito.

No sistema da ordo iudiciorum privatorum, havia duas fases: a in iure e a apud iudicem. A primeira se desenvolvia perante o magistrado, no Tribunal, enquanto a segunda, diante do iudex (juiz particular), que não era funcionário do Estado.

As legis actiones ou ações da lei (século VIII ao século V a.C.), como já informado, regiam-se pela ordo iudiciorum privatorum, isso porque se desenvolviam, primeiramente, diante do magistrado (in iure), que era um servidor público, e, posteriormente, diante do juiz popular (apud iudicem), que era um árbitro leigo livremente escolhido pelas partes. O sistema das ações da lei era muito rígido e foi muito empregado ao longo da Realeza romana. Tais ações eram orais e tinham como principal característica o grande formalismo, de tal modo exacerbado, que o autor poderia perder a demanda se não empregasse no processo, de forma adequada, uma palavra ou um gesto.

Clássico nesse sentido é o exemplo lembrado por Alves (1999), segundo o qual uma pessoa que tivesse ajuizada uma ação relativa a árvores cortadas poderia ter seu pedido julgado improcedente pelo simples fato de ter empregado ao invés da palavra apropriada, no caso árvore (arbor), o termo videira (vites), como prescrevia a Lei das XII Tábuas. Isso poderia ocorrer ainda que a demanda versas-se efetivamente sobre árvore. Como se vê, havia um formalismo exacerbado nas ações das leis, sendo que um pequeno equívoco no emprego de algumas palavras seria suficiente para impedir a efeti-vidade de um direito subjetivo.

Importante destacar que o sistema das legis actiones era cer-cado pelo emprego de fórmulas pelos demandantes, tais como a pronúncia de palavras imutáveis e gestos rituais, os quais, quando minimamente desrespeitados, acarretavam a derrota em eventual litígio, tudo por causa de um rigoroso formalismo.

Segundo Rosemiro Pereira Leal, três eram as características das legis actiones, quais sejam, judicial, legal e formalista. Segundo esse processualista, “a judicial porque se iniciava perante o magistrado (in jure), e, em seguida, perante o árbitro particular (apud judicem); legal, porque previsto em regras do magistrado, e formalista por se vincular a formas e palavras sacramentais (verba certa)” (LEAL, 2012, p. 20).

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Ressalte-se que no sistema das legis actiones, as condenações não eram apenas pecuniárias e o juiz popular não exercia papel ativo no julgamento da demanda, porquanto sua atuação quase se res-tringia a fiscalizar se as partes, ao proferirem oralmente as fórmulas e ao fazerem os gestos rituais perante ele, cometiam algum deslize no que dizia respeito à observância intransigente das formalidades.

A per formulas ou processo formulário (século V a.C.) surgiu em decorrência dos malefícios causados pelo exagerado formalismo das ações da lei, no período da República romana. Também esse novo sistema submetia-se à ordo iudiciorum privatorum, bem como se desenvolvia em duas fases, perante o magistrado (in iure) e, depois, perante o juiz popular (apud iudicem).

Nessa fase, a função de árbitro passou a ser exercida pelos ju-risconsultos (árbitros, juízes particulares, peritos com notório saber jurídico), sendo que o pretor (magistrado nomeado pelo governo), a partir de um édito (regras de aplicação do direito, árbitro esco-lhido pelos litigantes), elaborava uma fórmula (limites objetivos e subjetivos da demanda) a ser aplicada pelo iudex para solucionar a controvérsia.

Importante ressaltar que, no sistema das legis actiones, o árbitro (juiz particular) era leigo, de modo que a arbitragem era eminente-mente privada.

Os litigantes e o jurisconsulto assumiam o compromisso de obedecer à fórmula elaborada pelo pretor para solucionar o litígio, bem como os demandantes se comprometiam a cumprir a decisão do jurisconsulto.

Informa Leal (2012) que, ao lado da mediação facultativa da legis actiones, passou a coexistir uma arbitragem oficial, também composta por suas fases, in jure (pretor) e apud judicem (juriscon-sulto), a qual foi paulatinamente substituindo a arbitragem privada dos peritos leigos das ações da lei pela arbitragem pública. Com a publicização, informa ainda esse jurista, encerrou-se o período ar-caico do direito romano.

São características marcantes do processo formulário, segundo Alves (1999), o menor formalismo — quando comparado com o sis-tema das legis actiones —, maior celeridade, escrito (em decorrência das fórmulas) e a condenação na forma exclusivamente pecuniária, diferentemente do que ocorria no sistema anterior. Importante des-tacar que, nesse processo, o magistrado adotava uma conduta mais ativa na sua condução.

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Característica marcante do processo formulário era a presença da fórmula, a qual se distinguia do iudicium. Nesse sentido:

a fórmula é o esquema abstrato existente no Edito dos magistrados judiciários, o qual servia de modelo para que, num caso concreto, com as adaptações e as modificações que se fizessem necessárias, se redigisse o documento em que se fixava o objeto da demanda a ser julgado pelo juiz popular. Já o iudicium é esse documento que, num caso concreto, se redige tomando por modelo a fórmula. (ALVES, 1999, p. 209)

Redigido o iudicium, a partir do esquema abstrato contido na fórmula, restava, delimitado pelo magistrado (in iure), o objeto da demanda, para que em seguida pudesse ele ser submetido ao jul-gamento do juiz popular (iudex). O fim da fase iure ocorria com a litis contestatio, que:

segundo a opinião dominante, era um contrato judicial, pelo qual o autor e o réu concordavam em submeter o litígio, nos termos da fórmula, ao julgamento de um juiz popular, e acordo esse que se manifestava com a leitura (edere iudi-cium) da fórmula pelo autor ao réu, que a aceitava. (ALVES, 1999, p. 219)

Releva destacar que o sistema per formulas teve sua incidência não somente no direito romano arcaico (a partir do século V a.C.), cujo encerramento, como acima já noticiado, deu-se com a proemi-nência da publicização da arbitragem. Espraiou-se também no direito romano clássico, a partir da Leges Aebutia e Leges Iulia, quando o pretor passou, ele mesmo, e não os litigantes, a nomear o árbitro e a instruí-lo com a fórmula que deveria ser aplicada ao litígio.

Segundo Rosemiro Pereira Leal, o ciclo da justiça privada encer-rou-se no período clássico do direito romano:

Essa fase é a do período clássico do direito romano, que vai do século II a.C. ao século III d.C., e que marcou o en-cerramento do que se chama ciclo da justiça privada ou período formular (ordo judiciorum privatorum) no qual a arbitragem já assume feições de instituto jurídico público e cogente com impositividade governamental na escolha do juiz de fato (árbitro) pelo pretor. (LEAL, 2012, p. 21)

A última fase do percurso evolutivo do processo civil teve como grande característica a inviabilização do emprego da justiça priva-

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da para a resolução dos conflitos, pois o Estado avocava a si essa função, que deveria ser executada por seus funcionários.

Vale destacar que a atuação estatal nessa quadra evolutiva do cenário geral do processo civil não era monopolística, porquanto, como afirma Alves (1999), as partes poderiam ainda assim eleger árbitro para dirimir o conflito existente.

Essa última fase da evolução do processo civil, respeitadas as diferenças que serão oportunamente apresentadas, pode ser identifi-cada no processo civil romano no sistema da cognitio extraordinaria, que inicialmente foi concebida para dar conta dos litígios não sujeitos à jurisdição cível.

Os litígios cíveis eram solucionados pelos juízes privados segundo a sistemática da ordo iudiciorum privatorum. Para a resolução dos litígios de natureza administrativa ou policial, porém, os magistrados não estavam jungidos às regras do referido sistema, podendo eles mesmos, sem a necessidade dos juízes populares, decidir os confli-tos, sem o emprego e sem o apego às fórmulas, podendo, inclusive, valer-se de métodos coercitivos.

Essa nova maneira de resolução dos conflitos inaugurou a fase da cognitio extraordinaria (período pós-clássico, século III a século VI d.C.), a qual dispensava a nomeação e a atuação do juiz particular, pois o processo, nos conflitos oriundos de controvérsia administrativa ou policial, era conduzido exclusivamente pelo magistrado (“funcio-nário público”).

Ordinariamente, os conflitos cíveis eram resolvidos pelo juiz particular e, para isso, já existia a sistemática da ordo iudiciorum privatorum. As demandas administrativas e policiais, porém, por causa de suas particularidades, exigiam tratamento e sistemática diferenciados, ou seja, uma extra ordinem iudiciorum privatorum.

Como observado por Alves (1999), a aplicação da cognitio ex-traordinaria para além dos conflitos administrativos e policiais não tardou, sendo ele empregado também para dirimir conflitos cíveis, tais como os decorrentes de fideicomisso, a obrigações alimentares, delitos com repercussões patrimoniais, bem como aqueles que co-locavam em risco a ordem social.

A crescente preferência dos romanos pelo emprego da cognitio extraordinaria, que levaria à extinção do processo formulário no século III d.C., segundo Alves (1999), encontrou justificativa nas suas atraentes características para os litigantes.

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A primeira delas era a celeridade. Isso porque na cognitio extraordinaria não havia a divisão da instância em in jure (“funcio-nário do Estado”) e apud iudicem (juiz particular), tal como ocorria no processo formulário. Desse modo, como o litígio era conhecido e julgado somente pelo magistrado, sua resolução era mais célere, sendo a prestação jurisdicional entregue mais rápido.

As outras características são um corolário da primeira, sendo elas a publicização do processo, o desaparecimento das fórmulas, a recorribilidade das decisões, a execução forçada das decisões e a aplicação e o julgamento das demandas, conforme o direito objetivo.

Com a supressão da instância apud iudicem, o processo passou a ser regido pelo direito público, porquanto desapareceu a figura do juiz particular (árbitro) escolhido pelas partes em conflito, o qual arbitrava, segundo a sistemática do processo formulário, a solução da controvérsia.

Como já se teve oportunidade de afirmar, no processo formu-lário, as fórmulas consistiam em verdadeiros cânones, esquemas abstratos a partir dos quais se elaborava o iudicium. No processo extraordinário, desapareceram esses institutos, o que contribuiu para a celeridade processual e para o abandono do emprego do direito privado nas relações de índole processual.

A recorribilidade é outra importante característica do processo extraordinário. Enquanto no processo formulário a possibilidade de revisão da decisão do árbitro era praticamente impossível, pela ine-xistência de instância revisora superior, na cognitio extraordinaria a situação era oposta. Isso porque o magistrado, sendo funcionário do Estado romano, estava sujeito a uma escala hierárquica, de modo que sua decisão poderia ser revista por seu superior, que poderia confirmá-la ou rejeitá-la. Essa real possibilidade de reexame da de-cisão vinha ao encontro dos anseios de justiça dos que sucumbiam nas demandas.

Os romanos tinham plena consciência de que a tutela dos direitos subjetivos não se esgotava na elaboração do iudicium a partir do modelo abstrato formular. Sabiam também que a sentença do juiz particular (árbitro), quando descumprida, precisava ser executada, e que essa tarefa ficava seriamente comprometida quando tinha que ser realizada pelo demandante vitorioso.

A cognição extraordinária possibilitou superar esse grande óbice à efetividade do direito subjetivo quando conferiu ao Estado o dever de executar suas próprias sentenças, podendo se valer, inclusive, da

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força pública. Essa possibilidade fez reduzir, e muito, o receio que acompanhava os demandantes no processo formulário que, por vezes, viam seus direitos reconhecidos, mas não satisfeitos, aumentando o prestígio do processo extraordinário.

A regência do processo de acordo com o direito público na cognição extraordinária favoreceu de forma mais direta a última característica de que se cuida nesse instante, a aplicação e o julga-mento das demandas conforme o direito objetivo.

Com efeito, enquanto no processo formular os magistrados ti-nham liberdade para criar actiones a fim de tutelar direitos ainda não amparados pelo direito objetivo, mas que constavam do iudicium ou da fórmula, na cognitio extraordinaria, ele apenas poderia valer-se das actiones para tutelar os direitos subjetivos garantidos pelo direito objetivo. Essa mudança de perspectiva, é claro, muito contribuía para a segurança jurídica e para a previsibilidade das decisões judiciais.

Importante destacar que razões políticas também justificavam a cognitio extraordinaria. Isso porque ela foi fruto da necessidade de o enfraquecido Império Romano, no período do Principado, “[...] se impor aos particulares e recuperar a unidade nacional [...]” (LEAL, 2012, p. 21).

Com o sistema da cognitio extraordinaria, oficialmente extin-guiu-se a arbitragem facultativa no direito romano, passando a ser permitida somente a arbitragem estatal obrigatória, reservando-se ao Estado, monopolisticamente, a atividade de dizer o direito (ju-risdição).

No fechamento deste capítulo, é relevante não deixar passar despercebida a observação feita por Alves (1999) de que a siste-mática do processo moderno aproxima-se mais da sistemática da cognição extraordinária do que da do processo das ações e do pro-cesso formular. Isso, segundo ele, porque o processo moderno tem sua gênese ligada ao direito canônico, que, por sua vez, tem sua fonte inspiradora na cognitio extraordinaria.

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A Execução no Processo Civil Romano

A execução no processo civil romano apresentava características diferentes a depender do sistema processual adotado. Assim, a manus iniectio era a principal ação executória das legis actio-

nes, ao passo que a actio iudicati era a ação executiva por excelência dos sistemas per formulas e cognitio extraordinaria.

A história evolutiva da execução no processo civil romano também transita da utilização de meios mais primitivos e rudes de satisfação do crédito, em suas origens, para a adoção de mecanismos mais humanizados.

O fio condutor dessa evolução é a compreensão dos romanos de que a busca da efetividade da tutela dos direitos subjetivos deveria se harmonizar com o reconhecimento de que o devedor também era titular de direitos subjetivos, de modo que a satisfa-ção do crédito reconhecido na decisão judicial não poderia se dar a qualquer preço.

Adiante serão apresentadas as principais características da ma-nus iniectio e da actio iudicati, esta com particularidades no processo formulário e no processo extraordinário.

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2.1. A execução no sistema das legis actiones

A manus iniectio era uma ação executiva primitiva largamente empregada no sistema das ações da lei. A sua utilização na época da Lei das XII Tábuas e mesmo depois apresenta especificidades que merecem algumas considerações.

Na época da Lei das XII Tábuas, a manus iniectio era um meio processual executivo utilizado em duas situações específicas: contra o indivíduo que tinha sido condenado a pagar quantia certa ou que tivesse confessado ao magistrado o não cumprimento da decisão judicial condenatória, estando, portanto, inadimplente.

Tinha o devedor, uma vez condenado ou confessado seu débito, o prazo de trinta dias para adimpli-lo. Não o fazendo, era ele conduzido voluntariamente ou à força pelo credor até a presença do magistra-do, perante quem o exequente proferia a seguinte fórmula solene: “Porque tu me deves por julgamento (ou por condenação) dez mil sestércios, e não pagaste, lanço sobre ti a mão por causa dos dez mil sestércios”(1). José Carlos Moreira Alves foi quem traduziu essa expressão (ALVES, 1999, p. 202).

Duas eram as alternativas para o devedor livrar-se da ação exe-cutiva: ou pagava o débito ou apresentava um amigo ou parente que alegasse que a sentença condenatória era nula ou que o devedor já havia adimplido a dívida. Destaque-se que não podia o devedor, por si só, suscitar a nulidade da sentença ou o pagamento da dívida, estando essa defesa (exceção) restrita ao amigo ou parente.

Obviamente, se o devedor pagasse a dívida a manus iniectio perdia seu objeto e se extinguia. Contudo, se algum parente ou amigo do devedor suscitasse a ilegitimidade do pedido condenatório do autor, caso demonstrada a inverdade de sua alegação, contra ele se voltaria a execução, com o agravante de que teria a obrigação de pagar o valor dobrado da dívida originária.

A face mais primitiva da manus iniectio no período da Lei das XII Tábuas se revelava quando o devedor não pagava a dívida nem algum parente ou amigo vinha em seu socorro apresentar uma exce-ção. Nessa situação, era o devedor adjudicado ao credor e conduzido até a casa do exequente, nela permanecendo atado a cadeias com pesos, em regime de prisão privada. Durante esse período, credor e devedor poderiam firmar acordo.

(1) “Quod tu mihi iudicatus (siue dammatus) es sestertium X milia, quandoc non soluist ob eam rem eg tibi sestertium X milium iudicati manum inicio.”

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Não sendo a supressão da liberdade do devedor suficiente para coagi-lo a celebrar acordo com o seu credor ou a pagar a sua dívida, a manus iniectio autorizava o credor a vender o devedor como escravo no estrangeiro ou a matá-lo. Sendo vários os credores, a Lei das XII Tábuas permitia também o esquartejamento do cadáver do devedor.

Matar, esquartejar ou vender como escravo o devedor foram me-didas executivas que rapidamente receberam o repúdio dos juristas romanos por causa do seu primitivismo e da sua rudeza. Por essa razão, após a Lei das XII Tábuas, a manus iniectio sofreu algumas alterações tendentes a não impingir ao devedor consequências tão desumanas, abrandando, portanto, seus efeitos.

Assim sendo, evoluiu a manus iniectio para autorizar que o pró-prio devedor, e não mais um amigo ou parente, alegasse a nulidade da sentença condenatória ou o pagamento da dívida.

É de se notar, porém, que o maior avanço dessa medida execu-tiva foi a que retirou do credor o direito de matar ou vender como escravo o devedor que não pagava sua dívida ou não se defendia. Do final do período da República romana em diante, a manus iniectio autorizava o credor tão somente a conduzir para sua casa o devedor para que ele, por meio de seu trabalho, adimplisse sua dívida.

2.2. A execução no sistema per formulas

Prolatada a sentença condenatória, o devedor, assim como no sistema da legis actiones, tinha o prazo de trinta dias para cumpri-la. Não o fazendo, poderia o credor intentar contra ele a actio iudicati.

Ajuizada a actio iudicati, o devedor, perante o magistrado, ti-nha duas alternativas. A primeira, confessar o não cumprimento da sentença. Nessa situação, ou ele pagava a dívida, extinguindo-se a actio iudicati, ou não a adimplia, hipótese esta em que o julgador, por meio de um decreto, determinava a imediata execução da sentença.

A segunda alternativa do devedor consistia em negar a existência do débito, sustentando a inexistência ou a nulidade da sentença que reconheceu o débito. Nessas circunstâncias, o magistrado (instância in iure) designava um juiz popular (instância apud iudicem) para analisar a procedência, ou não, das alegações do devedor.

Importante destacar que para o exercício da segunda alternativa, o devedor deveria garantir o juízo, ou seja, deveria oferecer bens

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para que, caso não fossem acolhidas suas alegações de inexistência ou nulidade da sentença, tivesse condições de pagar o dobro do valor da dívida originária.

A actio iudicati autorizava que a execução do débito se desse sobre a pessoa do devedor ou sobre seus bens. Na primeira hipótese, o credor poderia conduzir até sua casa o devedor, para que este, com seu trabalho, pagasse integralmente sua dívida. Durante esse período, o devedor ficava em prisão privada.

Importante ressaltar que não mais se tolerava que o credor matasse o devedor ou que o esquartejasse, bem como não mais se admitia que o credor vendesse como escravo no estrangeiro o devedor, tal como ocorria na manus iniectio.

Na actio iudicati, o devedor poderia se eximir da execução pes-soal de sua dívida, deixando de se sujeitar à condição semelhante de escravo para adimplir com seu trabalho seu débito. Para tanto, bastaria que cedesse ao credor todos os seus bens, instituto esse denominado pelos romanos de cessio bonorum.

A execução sobre os bens do devedor inicialmente foi aceita contra o devedor devidamente condenado que não cumpriu es-pontaneamente a sentença. Depois, foi aplicada também no caso de devedor confesso de dívida certa em dinheiro e, por último, na hipótese de devedor que não se defendeu suficientemente.

Alves (1999), na tentativa de explicar a execução sobre os bens no processo formulário, descreve quatro etapas do seu procedimen-to na hipótese de execução intentada por vários exequentes, que sumariamente seriam as seguintes:

Na primeira, por meio de um decreto, o juiz autorizava a imissão, a título provisório e para fins de conservação, na posse de um bem do devedor pelo credor requerente. Nomeado o administrador, por meio de editais, outros cre-dores eram chamados a ingressar na execução, bem como se abria oportunidade para amigos do devedor solverem a dívida em seu nome.

Na segunda, transcorrido o prazo para adimplemento da dívi-da, quinze dias se morto ou trinta dias se vivo o devedor, por meio de outro decreto, autorizava-se a reunião e a escolha do credor que procederia à venda do bem, em leilão. Na terceira, passado o prazo de dez ou cinco dias, se vivo ou morto o devedor, respectiva-mente, o credor escolhido realizava em leilão a venda do bem. Na

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derradeira etapa, vendido o bem, o produto era dividido entre os credores, pagando-se em primeiro lugar os créditos privilegiados e por último os quirografários.

2.3. A execução no sistema da cognitio extraordinaria

Tal como sucedia no processo formulário, se o réu não cumpris-se espontaneamente a sentença, poderia o credor intentar a actio iudicati em desfavor do devedor no processo extraordinário.

O devedor poderia confessar que não cumpriu a sentença, ale-gar nulidade ou inexistência da sentença ou sustentar o pagamento do débito. Nessas três hipóteses, prosseguia a actio iudicati até o final, em que sentença irrecorrível poderia acolher ou não as razões do devedor.

Por meio de decreto, o magistrado autorizava a execução contra a pessoa do devedor ou contra seus bens, em caso de ser ele confesso ou na hipótese de improcedência de suas alegações na actio iudicati.

Embora ontologicamente a actio iudicati no processo formulá-rio e no processo extraordinário sejam semelhantes, o fato é que a forma do manejo dessa medida executiva é que vai variar em um sistema ou no outro.

Diferentemente do que ocorria no processo formulário, no pro-cesso extraordinário, a execução sobre os bens do devedor tinha primazia, ao passo que a execução sobre a pessoa era secundária.

Por outro lado, enquanto no processo formulário as prisões pri-vadas eram largamente autorizadas pelo decreto do magistrado, no processo extraordinário, imperadores romanos a proibiram ao legis-larem que essa prática constituía crime de lesa-majestade. Nesse sentido, afirma o romanista José Carlos Moreira Alves que:

os Imperadores Teodósio, Valentiniano e Arcádio, em 388 d.C., suprimiram as prisões privadas e estabeleceram que o executado deveria ser preso em cadeia pública, praticando crime de lesa-majestade o exequente que, em sua casa, mantivesse preso o executado. (ALVES, 1999, p. 253)

No processo extraordinário, também poderia o devedor valer-se da cessio bonorum, para eximir-se da execução sobre a sua pessoa, como ocorria no processo formulário.

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Execução na Justiça do Trabalho

O exaurimento do exercício da atividade estatal jurisdicional de conhecer, processar e julgar as pretensões judiciais deduzidas em juízo, decorrentes dos conflitos intersubjetivos de interes-

ses, não se dá com a simples prolação de um provimento judicial declaratório, constitutivo ou condenatório.

O acesso universal a uma ordem jurídica justa(2), prometido pela Constituição da República de 1988, garante ao jurisdicionado, então, o direito fundamental ao esgotamento da atividade jurisdicional, que no plano concreto se traduz na efetiva satisfação do direito.

Tem o cidadão direito fundamental, portanto, não apenas à prestação jurisdicional, mas à tutela jurisdicional(3), desde que sua pretensão tenha respaldo no direito. Ao dispor a Lei Maior que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e ao criminalizar o Código Penal o exercício arbitrário das

3

(2) Trata-se do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988, que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988).(3) A distinção é de Alexandre Freitas Câmara, para quem o que caracteriza a tutela jurisdicional é a proteção efetiva de um direito subjetivo ou de uma posição jurídica de vantagem, ou seja, a entrega efetiva do bem da vida objeto da disputa judicial (CÂMARA, 2008, p. 81).

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próprias razões(4), atraiu o Estado para si o dever de esgotar (ou ao menos tentar esgotar) a tutela jurisdicional, que tem seu apogeu na entrega efetiva do bem da vida objeto da disputa judicial(5).

A lide é um conflito de interesses ontologicamente jurídico e sociológico. Ao aplicar o direito ao dissídio que lhe é submetido, o Poder Judiciário torna o conflito irrelevante do ponto de vista jurídico, porquanto lhe apresenta uma resposta definitiva. Contudo, a solução jurídica não traz a reboque, necessariamente, a solução sociológica, isso porque mesmo depois do provimento judicial, o conflito socio-lógico pode perdurar.

Entre tantos outros motivos, muito se tem valorizado a con-ciliação judicial ou extrajudicial porque esse método de resolução de conflito, além de resolver juridicamente o dissídio, tem enorme potencial de resolver o conflito do ponto de vista sociológico, por-quanto as partes se reconhecem mais na solução negociada por elas dialogicamente construída.

Se a decisão judicial devidamente cumprida pelo demandado não constitui de per si garantia da resolução do conflito do ponto de vista sociológico, que se dirá então do provimento judicial desrespeitado. Considerando a promessa constitucional do acesso universal à justiça, que se traduz na necessidade da integralidade da tutela jurisdicional, a decisão judicial não cumprida não resolve a lide nem do ponto de vista jurídico, nem do ponto de vista sociológico.

Com efeito, à sociedade em geral e ao demandante em especial interessam não apenas a solução jurídica da lide e a subsunção dia-lética consubstanciada no provimento judicial, mas o apossamento definitivo do bem da vida pretendido em juízo, ainda que isso se dê de forma não espontânea, por via executiva.

Ao executar seus julgados, afirma Cândido Rangel Dinamarco que o Estado aproxima-se do esgotamento do seu dever de pacificador social, porquanto não apenas prolatou um provimento declaratório, condenatório ou constitutivo, mas porque permitiu ao jurisdicionado o apossar-se do bem objeto de sua pretensão resistida. Em suas palavras:

(4) Art. 345 do Código Penal, que dispõe que “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena — detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência” (BRASIL, 1940).(5) Não se ignora a possibilidade de resolução dos litígios se darem por meio do instituto da arbitragem nos casos e hipóteses previstos na Lei n. 9.307, de 23.9.1996 (BRASIL, 1996).

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Grande parte dos conflitos que envolvem as pessoas expressa-se pela pretensão de um sujeito ao apossamento de um bem, resistida pelo outro sujeito. Conflitos dessa ordem só estarão eliminados, e talvez pacificados os sujei-tos, quando o primeiro obtiver efetivamente o bem a que almeja, ou quando definitivamente ficar declarado que não tem direito a ele. (DINAMARCO, 2002, p. 103)

Em uma sociedade política juridicamente organizada pelo direito, não interessa a perpetuação dos conflitos sociais decorrentes das lides. É por isso que o não cumprimento espontâneo da decisão judi-cial autoriza a atuação estatal substitutiva da vontade do executado, justamente para que seja entregue o bem objeto do provimento judicial, já que, na linha de entendimento de Dinamarco, essa é a maneira de eliminar o conflito e quiçá pacificá-lo.

Nos primeiros apontamentos desta obra, mostrou-se que a execução nos sistemas das ações da lei, do processo formulário e do processo extraordinário, especialmente em seus primórdios, era excessivamente rude, porquanto a regra da execução pessoal auto-rizava a escravização do devedor e até mesmo sua morte, por causa do débito inadimplido.

Apresentou-se também que, na sucessão dos sistemas exe-cutivos romanos, há um progressivo processo de humanização da execução, o que vai ocorrer pela gradual substituição dos métodos de execução pessoal pelos mecanismos de execução patrimonial do executado. Ao invés de responder com sua vida ou liberdade, o devedor passou a responder com seu patrimônio pelo débito.

Se já em sua longínqua época os juristas romanos perceberam que o cumprimento das decisões dos pretores e a entrega do bem ao credor não poderiam se dar por meio de práticas desumanas porque o executado também era titular de direitos subjetivos, por mais for-te razão, o direito contemporâneo repudia práticas executivas que possam colocar em risco a dignidade humana do devedor.

Nesse paradigma protetivo da dignidade humana não apenas do credor, mas também do devedor, os princípios regentes da execução em geral cumprem papel de destacada importância na processua-lística civil e trabalhista. Por isso, se pode afirmar que o princípio da humanização da execução, cuja gênese remonta à Lex Poetelia, encontra plena acolhida e exponenciação axiológica no direito bra-sileiro, sob o influxo da Constituição da República de 1988.

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3.1. Princípios da execução trabalhista

Não se pode, hoje, deixar de reconhecer a importância do papel desempenhado pelos princípios no direito brasileiro. Depois dos es-tudos de Ronald Dworkin (2005; 2007; 2010) e Robert Alexy (2011) sobre essa temática, a relevância dos princípios no paradigma pós--positivista exponenciou-se, ganhando relevância não somente no Brasil, mas em países de tradição democrática.

Se antes os princípios eram compreendidos como fontes me-ramente supletivas do direito, aplicáveis diante da ausência de lei específica para reger determinado caso concreto, hoje eles cumprem funções informativa, normativa subsidiária e normativa concorrente, segundo Delgado (2011, p. 183-186).

A função informativa é recurso de apoio à interpretação jurídica. Destina-se ao legislador e aos aplicadores da lei. A interpretação e a aplicação da lei devem se inspirar e se orientar pela diretriz teleo-lógica contida no princípio. A atividade legiferante e aplicativa da lei deve ser um esforço de reafirmação do valor contido no princípio.

A função normativa supletiva consiste na aplicação dos princípios para colmatar lacunas normativas. É, portanto, recurso de integração jurídica, utilizado a fim de suprir a ausência de regras jurídicas para casos concretos específicos.

A função normativa concorrente dos princípios é aquela que melhor retrata o grau de importância alcançado pelos princípios no estágio hodierno do direito brasileiro. Partindo do reconhecimento da dimensão fundante dos princípios da ordem jurídica, essa função reconhece a plena força normativa dos princípios, os quais podem ser aplicados não apenas em situações de lacunas normativas.

Conquanto os princípios tenham menor densidade normativa do que as regras, inquestionável é a importância da função desem-penhada por eles na ordem jurídica atual. Isso porque os valores históricos e culturalmente concebidos e tidos como importantes por uma determinada sociedade política são recepcionados pelos prin-cípios, os quais, por sua vez, devem ser densificados por meio das regras.

Nessa linha de raciocínio, se os princípios consubstanciam os valores de uma sociedade, a regra refratária ao princípio não é legí-tima, porquanto contraria as aspirações axiológicas dos elaboradores (diretos ou indiretos) e também destinatários da regra de conduta.

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Talvez seja por isso que Celso Antônio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre a importância dos princípios, tenha afirmado que violar um princípio é muito mais grave que violar uma regra, pois ao se desrespeitar um princípio, agride-se e coloca-se em perigo todo um edifício normativo (MELLO, 2009, p. 630).

Em razão do reconhecimento dos princípios, alguns doutrinadores (TARTUCE, 2006, p. 48-49) têm afirmado que as regras “na ausência de lei o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, costumes ou princípios gerais de direito”(6) e “o juiz não se eximirá de sentenciar alegando ausência da lei, nesta hipótese devendo aplicar a analo-gia, costumes ou princípios gerais de direito”(7), foram revogadas tacitamente.

Esse entendimento mostra muito bem que a hermenêutica contemporânea tem sinalizado para a necessidade de se conjugar as funções interpretativa, normativa, informativa e supletiva dos princípios. O destaque que se tem dado à função normativa exi-ge parcimônia por causa dos perigos da principiolatria, que pode configurar grave violação ao importante princípio constitucional da legalidade e comprometer a necessidade de razoável estabilidade e segurança das relações jurídicas.

Feitas essas considerações, passa-se, agora, a analisar alguns princípios da execução trabalhista que estejam, de alguma forma, relacionados com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Não serão analisados todos os princípios, senão os direta-mente ligados ao objeto pesquisado. Optou-se por esse método em razão dos limites impostos pelo recorte epistemológico da obra.

Antes, porém, vale a pena registrar que há um sem-número de definições de princípio. Américo Plá Rodriguez, já na segunda metade do século XX, em seu livro sobre princípios(8), já apontava para essa realidade e para a dificuldade de se apresentar uma definição. Para ele, uma das mais felizes definições de princípio foi a formulada por Alonso García, para quem os princípios seriam:

Aquelas linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas e configuram a regulamen-tação das relações de trabalho, conforme critérios distintos

(6) Trata-se do art. 4º do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (BRASIL, 1942).(7) Vedação ao non liquet, contida no art. 126 do Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 1973).(8) Trata-se do seu livro Princípios de direito do trabalho, cuja edição de 1978 foi publicada com a colabo-ração da Universidade de São Paulo (USP), com tradução de Wagner D. Giglio.

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dos que podem encontrar-se em outros ramos do direito. (RODRIGUEZ, 1978, p. 15)

Depois de analisar as definições de outros autores(9), Américo Plá Rodriguez apresenta sua definição de princípio, que segundo ele são:

linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que po-dem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos. (RODRIGUEZ, 1978, p. 15)

Essa definição de princípio, elaborada pelo jurista uruguaio, concebida para definir os princípios especiais do direito material do trabalho, pode ser empregada também para os princípios do direito processual do trabalho e de outros ramos do direito, tendo em vista sua generalidade.

3.1.1. Princípio da igualdade de tratamento das partes

A Constituição da República de 1988 preceitua no caput do seu art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. (BRASIL, 1988)

Ao assim dispor, a Carta Política declarou como direito funda-mental a igualdade de tratamento.

Pacífico na doutrina constitucional que a igualdade proclamada e almejada pelo texto constitucional é a igualdade material, e não apenas a formal. Em nome e em benefício da primeira, até mesmo se autoriza a discriminação positiva, porquanto a sua finalidade é justamente condensar a tese aristotélica de que os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente, na proporção de suas desigualdades.

Evidentemente que o texto seguinte à proclamação da igualdade, “sem distinção de qualquer natureza”(10), dever ser interpretado cum

(9) Américo Plá Rodriguez, em sua mencionada obra Princípios do direito de trabalho cita também as defi-nições de Frederico de Castro (Derecho civil de España. 2. ed. Madrid, p. 419-420) e de Eduardo J. Couture (Vocabulário jurídico. Montevidéu, 1960. p. 489).(10) Art. 125, caput, inciso I, do Código de Processo Civil: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I — assegurar às partes igualdade de tratamento” (BRASIL, 1973).

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granus salis. A não ser assim, ter-se-ia uma igualdade meramente formal, de superfície, uma igualdade perante a lei que esconderia em suas entranhas uma “injustiça”, que se é difícil de ser definida, por causa da carga de subjetividade que o termo comporta, é muito fácil de ser sentida.

É claro que o direito-garantia da igualdade de tratamento espraia-se para as esferas do direito material, processual e para todos os quadrantes do direito, em virtude da força normativa dos princípios e das regras contidos na Constituição.

Ao dispor o Código de Processo Civil em vigor que cumpre ao juiz “assegurar às partes igualdade de tratamento”(11), ele expressa o ideal constitucional da igualdade, que perpassa várias Constitui-ções brasileiras.

Manoel Antônio Teixeira Filho, ao analisar o princípio da igualda-de, afirma que ele é relativizado na execução, em virtude da posição ocupada pelo credor e pelo devedor na relação processual.

Torna-se necessário ponderar que, na execução, esse tra-tamento igualitário é ministrado em termos, pois, como sabemos, a posição do credor, aí, é de superioridade; convém rememorar que na Exposição de Motivos do anteprojeto do código já se deixou dito que o credor se en-contra em um estado de preeminência, ao passo que o do devedor de sujeição (ao comando do preceito sancionató-rio, que se irradia do título exequendo). (TEIXEIRA FILHO, 1995, p. 106)

Louvando-se nos ensinamentos de Enrico Tullio Liebman, para quem o princípio do contraditório era essencial somente no processo de conhecimento, por força da condição de igualdade dos litigantes, Teixeira Filho sustenta que não há o exercício do contraditório no processo de execução, por causa do desequilíbrio existente entre as partes.

No processo de execução, ao contrário, “não há mais equi-líbrio entre as partes, não há contraditório; uma exige que se proceda, a outra não o pode impedir e deve suportar o que se faz em seu prejuízo, podendo pretender, unicamente, que, no cumprimento dessa atividade, seja observada a lei”. (TEIXEIRA FILHO, 1995, p. 106)

(11) Art. 125, caput, inciso I, do Código de Processo Civil: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I — assegurar às partes igualdade de tratamento” (BRASIL, 1973).

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Passados dezoito anos da citada obra, a doutrina encampa entendimento contrário ao do citado autor, ou seja, mesmo na exe-cução, não obstante a situação de preeminência do credor em face do devedor, ainda assim é garantido ao executado o contraditório, por ser um direito fundamental assegurado pela Constituição da Re-pública de 1988, conforme o art. 5º, LV: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

Contudo, o contraditório exercido no procedimento executivo não tem a mesma amplitude daquele exercido no procedimento cognitivo. Por isso, Mauro Schiavi entende que o contraditório na execução não tem a mesma força, sendo limitado.

O contraditório na execução é limitado (mitigado), pois a obrigação já está constituída no título e deve ser cumpri-da: ou de forma espontânea pelo devedor ou mediante a atuação coativa do Estado, que se materializa no processo. (SCHIAVI, 2011, p. 872)

Perfilhando a mesma linha de raciocínio de Schiavi (2011), Abelha (2008) posiciona-se no sentido de que o contraditório existen-te no procedimento executivo é diferente daquele do procedimento cognitivo. Isso porque neste há uma res dubia que exige tratamento igualitário das partes e amplo contraditório para que o magistrado, no exercício da persuasão racional, tenha melhor condição de con-frontar as teses e provas e fazer o acertamento do direito.

Antes de declarar com quem está a razão no procedimento cognitivo, deve o magistrado tratar isonomicamente autor e réu, assegurando-lhes amplo contraditório, porquanto entre eles não há relação de poder ou sujeição, já que ocupam a mesma posição jurídica na relação processual.

Superado esse estágio, definido com que está o direito, adentra--se no módulo executivo, cuja finalidade é garantir a satisfação do direito reconhecido no procedimento cognitivo. Aqui os litigantes não ostentam a mesma posição jurídica, porquanto a preeminência do credor sobre o devedor assegura-lhe uma superioridade emergente do título executivo judicial. Já não se trata de saber quem tem ou não a razão, mas de se fazer cumprir o comando decisório, espon-tânea ou coativamente.

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Se no procedimento cognitivo o procedural due process of law(12) tem como desdobramento lógico e necessário a garantia do amplo exercício do contraditório participativo e cooperativo, a ser exercido em sua plenitude nesse módulo processual, o mesmo não ocorre no procedimento executivo.

Conquanto não se possa mais hoje acolher a tese negativista de Liebman e Teixeira Filho, o fato é que há, sim, exercício do con-traditório nessa fase processual. Ele será, porém, mitigado, pois se restringirá ao direito do devedor de ser ouvido e de contraditar questões atinentes à aplicação da norma jurídica concreta.

O princípio em análise tem importância destacada nesta obra, porquanto o instituto da desconsideração da personalidade jurídica está diretamente imbricado com a questão da igualdade das partes na relação processual executiva, com o direito fundamental ao con-traditório e à tutela dos direitos sociais fundamentais, à situação de preeminência do credor e de sujeição do devedor ao preceito san-cionatório emergente do título exequendo.

3.1.2. Princípio da primazia do credor trabalhista

A execução no processo civil ou no processo do trabalho realiza--se no interesse do credor. Esse importante princípio da execução do processo comum está contido no art. 612 do Código de Processo Civil(13), o qual se aplica subsidiariamente(14) ao processo do trabalho, já que a Consolidação das Leis do Trabalho é omissa a esse respeito e ele é plenamente compatível com o processo trabalhista.

Esse princípio ganha muita importância no processo do trabalho porque o crédito que se procura satisfazer no procedimento executivo trabalhista tem, via de regra, natureza alimentar. Assim, por mais forte razão, o magistrado trabalhista deve orientar a prática dos atos executivos no sentido de buscar ao máximo a satisfação do crédito do trabalhador.

(12) Art. 5º, LIV, Constituição da República de 1988: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988).(13) Art. 612 do Código de Processo Civil: “Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados” (BRASIL, 1973).(14) Art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título” (BRASIL, 1943).

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Evidentemente, a execução sempre acarretará um prejuízo material ao devedor, porquanto os atos executivos importarão numa redução do seu patrimônio. A regra(15) do ordenamento jurídico é a da responsabilização patrimonial, de sorte que o devedor responde com seus bens presentes e futuros pelas obrigações civis e traba-lhistas assumidas.

De acordo com o texto constitucional(16), somente o responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentí-cia e o depositário infiel poderão ser presos em decorrência da dívida civil. Importante destacar que, em decorrência do Pacto de São José da Costa Rica(17), o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já consolidaram o entendimento da impossibilidade da prisão civil do depositário infiel(18).

3.1.3. Princípio da utilidade da execução para o credor

A execução naturalmente importa em danos patrimoniais ao devedor. Isso porque para adimplir seu débito consubstanciado no título executivo judicial, sofrerá o executado uma redução do seu patrimônio. Esse prejuízo legal decorre da aplicação do princípio da responsabilidade patrimonial, que não mais admite nos tempos atuais a responsabilidade pessoal do devedor, tal como sucedia em priscas eras.

A redução do patrimônio a que se sujeita o devedor, contudo, atende a uma finalidade jurídica bem específica, qual seja, a satisfa-ção do crédito do exequente. A afetação do seu patrimônio somente será lícita quando ela for suficientemente útil para assegurar a efe-tividade da decisão judicial, ou seja, quando ela for apta a entregar ao credor o bem jurídico objeto da demanda ou o seu equivalente em dinheiro.

(15) Art. 591 do Código de Processo Civil: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei” (BRASIL, 1973).(16) Trata-se do art. 5º, LXVII, da Constituição da República (BRASIL, 1988).(17) A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) foi celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e promulgada pelo Decreto n. 678, em 6 de novem-bro de 1992 (BRASIL, 1992). (18) Súmula Vinculante n. 25 do STF (“É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a moda-lidade do depósito”) (BRASIL, 2009a) e Súmula n. 419 do STJ (“Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”) (BRASIL, 2010a).

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O critério, portanto, é o da utilidade da execução para o credor, vale dizer, a afetação e expropriação do patrimônio do de-vedor somente será lícita quando se traduzir em real possibilidade de satisfação do credor, quando os bens constritos judicialmente puderem ser adjudicados ou alienados e seu produto revertido em benefício do credor.

Aplicação prática do princípio em comento é lembrada por Teixeira Filho (1995), quando invoca a regra relativa à penhora con-tida no § 2º do art. 659 do Código de Processo Civil, segundo a qual “não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução”.

No estágio atual da Teoria Geral do Processo, o processo não é mais visto somente como um instrumento técnico a serviço do Estado-Juiz para assegurar a composição do fenômeno sociojurídico da lide. Muito mais do que isso, considerada a instrumentalidade positiva ou substancial do processo(19), ele é importante instrumento ético a serviço da garantia dos direitos fundamentais e da construção do Estado Democrático de Direito brasileiro.

E é justamente a dimensão ética do processo que mais impede a expropriação do patrimônio do devedor quando ela não for útil à satisfação do débito exequendo, como sucede na penhora de bens cujo produto da alienação somente será suficiente ao pa-gamento das custas, pois nessa hipótese ela será útil somente ao Poder Público.

O princípio da utilidade da execução para o credor informa não somente o processo civil, mas também o processo do trabalho. Isso porque a diretriz nele contida está em perfeita sintonia com a teleo-logia e com a principiologia do processo laboral, porquanto esse ramo não se afasta do imperativo de assegurar ao devedor trabalhista um devido e justo processo legal.

3.1.4. Princípio da não prejudicialidade do devedor

A dimensão ética do processo tratada no princípio anterior se traduz no plano prático no dever do credor de não se valer de sua

(19) A ideia da instrumentalidade positiva ou substancial do processo é comentada na obra Teoria geral do processo (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2011).

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condição de preeminência na relação processual em face do devedor trabalhista para lhe causar prejuízos desarrazoados.

Isso significa que se o credor dispõe de um acervo de medidas executivas que podem assegurar a satisfação do seu crédito, deve ele se valer daquela que seja menos prejudicial ao devedor, de sorte que o inevitável prejuízo decorrente da redução patrimonial seja o menor possível.

Foi por isso que Teixeira Filho (1995) afirmou que a condição de sujeição do executado em relação ao exequente no processo execu-tivo não é um permissivo para que ele pratique atos que coloquem em risco o devido e justo processo legal, cujas garantias também se estendem ao devedor.

Lembra Teixeira Filho (1995) regra contida no Código de Pro-cesso Civil que acolhe a diretriz do princípio da não prejudicialidade do devedor. De acordo com o art. 620, “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

A tentativa da regra em condensar o valor contido no princípio que ora se analisa é evidente. A satisfação do credor exige que ela se dê do modo menos lesivo ao devedor. Se por vários caminhos se pode chegar ao mesmo destino, ao mesmo resultado, imperativos de ordem legal e ética exigem que o credor eleja aquele que menores danos causem ao patrimônio do devedor.

Não se pode olvidar também que a condição de devedor não retira do executado, de modo algum, sua condição de destinatário de regras que visam assegurar a sua dignidade humana, impedindo até mesmo o seu aviltamento. O não aviltamento do devedor pode ser considerado desdobramento do princípio da não prejudicialidade do devedor.

Nesse sentido, vale lembrar a Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, que versa sobre a impenhorabilidade dos bens de família, segundo a qual o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é, salvo nas hipóteses legais, impenhorável, não respon-dendo por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários (BRASIL, 1990a).

Segundo dispõe a lei em comento, de acordo com o art. 3º, incisos I a VII, da Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990 (BRASIL, 1990a), a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de

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execução, salvo se ela foi intentada, exemplificativamente, em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias, pelo credor de pensão alimentícia e para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribui-ções devidas em função do imóvel familiar.

Teixeira Filho (1995) critica veementemente a incidência da lei de impenhorabilidade dos bens de família na seara trabalhista, por entender que, ao deferir privilégios ao devedor, ela acaba impedin-do a satisfação do crédito alimentar trabalhista, o que contraria os princípios históricos irrenunciáveis do direito laboral.

A crítica de Teixeira Filho (1995) advém do notório fato de que o instituto da impenhorabilidade dos bens de família tem dado ensejo a que maus devedores o utilizem estrategicamente para frustrar a efetividade da legislação social trabalhista e a satisfação dos créditos trabalhistas.

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Desconsideração Direta da Personalidade Jurídica

4.1. Vitória pírrica nas demandas trabalhistas(20)

Vitória pírrica ou vitória de Pirro é uma expressão metafórica utilizada para designar uma vitória obtida a alto preço, poten-cialmente prejudicial ao vencedor, porquanto todo o esforço

por ele despendido poderá não ter valido a pena.

A expressão recebeu o nome do rei Pirro do Épiro, cujo exérci-to havia sofrido grandes perdas depois de derrotar os romanos na Batalha de Heracleia, em 280 a.C., e na Batalha de Ásculo, em 279 a.C., durante a Guerra Pírrica. Afirma-se que Pirro, após presenciar a demonstração de alegria de um indivíduo pelo êxito na segunda batalha, teria dito a ele que outra vitória como aquela o levaria à ruína. Isso porque as vitórias lhe trouxeram grandes prejuízos.

É bem possível que o trabalhador experimente sensação seme-lhante à de Pirro ao cabo de uma longa e morosa ação trabalhista, na qual lhe tenham sido reconhecidos os direitos trabalhistas pleiteados, os quais, porém, não foram efetivados por causa da ausência de bens

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(20) A ideia de vitória pírrica introduziu também o artigo “Responsabilidade civil da sociedade empresária e o direito do trabalhador” (SOARES; ALMEIDA, 2013).

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do empregador pessoa jurídica, que se beneficiou dos seus serviços e que, em virtude deles, obteve ganhos patrimoniais.

Essa situação não é incomum no âmbito da Justiça do Trabalho.

O número de demandas trabalhistas é assustador. Segundo dados demonstrativos da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do Tribunal Superior do Trabalho, disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho (BRASIL, 2013b), em 2012, as Varas do Trabalho receberam 2.264.540 (dois milhões duzentos e ses-senta e quatro mil quinhentos e quarenta) casos novos, dos quais 2.175.710 (dois milhões cento e setenta e cinco mil setecentos e dez) foram julgados.

Dos milhares de processos julgados, nos quais foram reconhe-cidos os direitos trabalhistas do trabalhador, muitos desses direitos não serão efetivados pela insuficiência patrimonial do empregador, desenhando um quadro que hoje constitui um dos maiores desafios da Justiça do Trabalho, as execuções frustradas.

Segundo notícia veiculada pelo Tribunal Superior do Trabalho (GIMENES; FEIJÓ, 2013), a Justiça do Trabalho tem atualmente 2.700.000 (dois milhões e setecentos mil) processos julgados e tran-sitados em julgado, sendo que os trabalhadores ainda não receberam as importâncias reconhecidas judicialmente.

Para enfrentar esse grande desafio da Justiça do Trabalho que reside na fase da execução trabalhista, uma comissão, formada por ministros do Tribunal Superior do Trabalho, por desembargadores e por juízes trabalhistas, forneceu elementos para que o senador Ro-mero Jucá apresentasse, em 28 de setembro de 2011, o Projeto de Lei do Senado n. 606/2011, o qual altera e acrescenta dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho para disciplinar o cumprimento das sentenças e a execução de títulos extrajudiciais na Justiça do Trabalho (JUCÁ, 2011a).

Segundo mencionado senador, de cada cem reclamantes que logram sucesso nas queixas trabalhistas, apenas trinta e um con-seguem obter a satisfação integral e efetiva do direito reconhecido na sentença.

Fazendo-se uma simples conta, para os 2.175.710 (dois milhões cento e setenta e cinco mil setecentos e dez) demandas julgadas, 1.501.239 (um milhão quinhentos e um mil duzentos e trinta e nove) trabalhadores não terão os seus créditos efetivamente satisfeitos, embora reconhecidos na decisão judicial.

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O objetivo do PLS n. 606/2011 é assegurar maior efetividade à execução trabalhista, que atualmente padece de grave crise. Para tanto, inclui também, no rol de títulos executivos extrajudiciais, os compromissos firmados com a fiscalização do trabalho, os acordos firmados perante o sindicato, os cheques, os títulos, os termos de rescisão de contrato de trabalho, enfim, todo e qualquer documento que de forma inequívoca reconheça ou corresponda a verbas traba-lhistas (JUCÁ, 2011a).

Além disso, o PLS n. 606/2011 sugere a revisão dos trâmites da execução trabalhista, especialmente para conciliá-la com as regras do direito processual civil, aceitando a incidência desse estatuto não apenas em caso de omissão do texto celetista, tendo em vista que as regras do processo comum revelam-se hoje mais eficientes à satisfação do crédito do trabalhador(21).

A execução trabalhista é disciplinada atualmente pela Consoli-dação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943), pela Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980) e pelo Códi-go de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), este último aplicado somente em caso de lacuna normativa e desde que haja compatibilidade das regras do processo comum com os vetores que informam o processo trabalhista.

Há forte e crescente movimento doutrinário e jurisprudencial sustentando que a obsolescência de algumas regras do texto celetista e as várias reformas pelas quais passaram as regras executivas do processo civil autorizam a aplicação do processo comum não apenas em caso de lacuna normativa, mas também em situação de lacunas axiológicas e ontológicas, em nome da superação da crise de efeti-vidade da tutela jurisdicional trabalhista.

Apesar dessa mudança de mentalidade que aos poucos vai ganhando corpo e força, o fato é que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho ainda é robusta no sentido de que a existência de regras específicas da Consolidação das Leis do Trabalho impede a aplicação das regras do processo civil que disciplinam a mesma matéria.

Como muitos magistrados trabalhistas de primeiro e segundo graus têm encampado a tese da interpretação evolutiva do art. 769

(21) A literalidade do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho admite a aplicação apenas supletiva do processo comum e desde que não haja conflito com as regras e os princípios justrabalhisas: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título” (BRASIL, 1943).

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da Consolidação das Leis do Trabalho, admitindo a incidência das regras do processo civil não apenas em caso de lacuna normativa, suas decisões têm dado ensejo a recursos que levam a questão à apreciação do Tribunal Superior do Trabalho, atrasando ainda mais a prestação jurisdicional trabalhista.

A aprovação e a conversão do PLS n. 606/2011 em lei reveste-se, portanto, de grande importância, porquanto permitirá a aplicação dos eficazes mecanismos da execução do processo civil nos domínios da execução trabalhista, contribuindo decisivamente para a efetividade das decisões trabalhistas e da tutela jurisdicional trabalhista.

Interessante destacar que os avanços propostos pelo PLS n. 606/2011 não olvidam as garantias constitucionais do acesso univer-sal à justiça, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da razoável duração do processo, asseguradas tanto para o credor trabalhista, quanto para o devedor trabalhista.

Há dois projetos de lei do Senado que tramitam conjuntamen-te com o PLS n. 606/2011, são eles os PLS ns. 92/2012 (AMORIM, 2012) e 351/2012 (FARIAS, 2012).

O PLS n. 92, de autoria do senador Eduardo Amorim, foi apre-sentado em 11 de abril de 2012, cuja proposta é acrescentar o § 8º ao art. 899 da Consolidação das Leis do Trabalho para dispensar os microempreendedores individuais (MEI), as microempresas e as empresas de pequeno porte do depósito recursal para a interposição de agravo de instrumento na Justiça do Trabalho (AMORIM, 2012).

Já o PLS n. 351/2012 foi apresentado em 25 de setembro de 2012 pelo senador Lindbergh Farias, tendo por proposta acrescentar o art. 879-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para revogar o art. 39 da Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991 (BRASIL, 1991).

O art. 39 da mencionada lei dispõe que “Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épo-cas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento” (FARIAS, 2012).

Por decisão plenária, os PLS ns. 606/2011, 92/2012 e 351/2012 tramitam conjuntamente, estando os três na Comissão de Constitui-ção, Justiça e Cidadania, finalizados para a pauta dessa Comissão(22).

(22) Conforme informação constante na página do Senado Federal (JUCÁ, 2011b).

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Ocorre que os projetos de lei são apenas projetos, sem qualquer força jurídica vinculante, devendo exaurir todo o devido processo legislativo para alcançar o status de lei. Nesse interregno, não pode a Justiça do Trabalho quedar-se inerte e ociosa em sua busca da efetividade da tutela trabalhista.

Nesse horizonte, enquanto os bons ventos das mudanças legis-lativas não chegam, a Justiça Especializada deve, portanto, valer-se de outros mecanismos jurídicos para elevar o grau de efetividade das decisões judiciais trabalhistas.

Assim, na tentativa de impedir que a vitória na batalha proces-sual do trabalhador numa demanda trabalhista se transforme numa vitória de Pirro, a Justiça do Trabalho tem se valido de institutos de outros ramos do direito, com as devidas adequações, como ocorre com a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade ju-rídica na execução trabalhista.

Já de início é de bom alvitre destacar que a aplicação dessa teoria nos domínios da Justiça Especializada laboral tem duas finalidades bem claras e definidas, quais sejam, permitir a efetivação dos direitos materiais trabalhistas e assegurar o resultado útil do processo. São estes os dois vetores centrais que orientam os magistrados traba-lhistas na aplicação da Disregard Doctrine.

4.2. Responsabilidade patrimonial primária do devedor

Ao contrário do que sucedia no direito romano, no direito con-temporâneo, não se admite a responsabilidade pessoal do devedor. Isso equivale a dizer que, de ordinário, a garantia do adimplemento das obrigações encontra-se no patrimônio do devedor, não recaindo sobre sua pessoa.

Como já dito nesta obra, no arcaico e cruel sistema executivo romano da manus iniectio, o devedor poderia ser encarcerado, vendido ao estrangeiro como escravo e até mesmo morto e esquarte-jado, caso não adimplisse sua dívida. O progressivo reconhecimento da dignidade humana do devedor conduziu à mitigação da respon-sabilidade pessoal, cedendo espaço à responsabilidade patrimonial, felizmente.

O modelo de responsabilidade patrimonial ou executiva está expressamente previsto no art. 591 do Código de Processo Civil bra-sileiro, que dispõe que “o devedor responde, para o cumprimento de

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suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei” (BRASIL, 1973).

Embora a regra seja a da responsabilidade real do devedor, a pessoal é efetivamente tolerada no ordenamento jurídico pátrio, quando a lei expressamente a preveja. Nesse sentido, vale recor-dar novamente que a Constituição da República de 1988, em seu art. 5º, LXVII, tolera a prisão civil por dívida do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel.

Muito embora não tenha sido extirpada da Constituição a pre-visão da prisão do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça sumularam, como já dito, a sua im-possibilidade jurídica, em razão de ser o Brasil signatário do Pacto de São José da Costa Rica, o qual somente autoriza a prisão civil do devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, conforme já afirmado.

Valendo-se dos estudos de Rosenberg, Teixeira Filho (1995) afirma que o patrimônio do devedor é composto por todos os bens e direitos que têm valor pecuniário, estejam eles em sua posse ou na dos seus herdeiros ou sucessores. Nessa situação, é bom ressaltar, o espólio responderá pelas dívidas do falecido tão somente nos limites das forças da herança.

Interessante registrar que, segundo Teixeira Filho (1995), ten-do em vista a responsabilidade real do devedor, a execução terá dois objetos, um imediato e outro mediato. O primeiro refere-se às medidas imperativas e coercitivas tendentes a dar efetividade ao comando condenatório, enquanto o segundo diz respeito ao conjunto dos bens presentes e futuros sobre os quais recairá a ação estatal expropriatória.

A responsabilidade patrimonial pela dívida é, de ordinário, primá-ria. Isso significa que, via de regra, os bens integrantes do patrimônio do devedor principal é que responderão pela dívida. Sucede, porém, que a lei em determinadas circunstâncias atribui responsabilidade patrimonial a pessoas que não figuravam no título judicial executi-vo, fenômeno processual este denominado por parte da doutrina de responsabilidade patrimonial secundária.

A esse respeito, a Consolidação das Leis do Trabalho é omissa, motivo pelo qual a Justiça do Trabalho tem aplicado a essa situação a regra contida no art. 592 do Código de Processo Civil, que autori-za que bens dos sucessores, dos sócios, do devedor e do cônjuge,

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bem como os alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução, respondam pelas dívidas sociais, não obstante seus nomes não constarem no título executivo judicial (BRASIL, 1973).

Nos domínios do direito processual do trabalho, a responsa-bilidade patrimonial secundária fica muito evidente nos casos de sucessão trabalhista, hipóteses em que há sucessão de empresas ou empregadores, e os sucessores, embora não sejam os devedores originários, respondem pelos débitos trabalhistas dos sucedidos.

Segundo esse instituto, que é informado pelos princípios da continuidade do contrato de trabalho, da despersonalização do em-pregador e da inalterabilidade contratual lesiva, eventuais alterações na estrutura jurídica da empresa, na propriedade ou na estrutura jurídica não afetarão os direitos adquiridos por seus empregados e os seus respectivos contratos de trabalho(23).

A responsabilidade patrimonial do sócio pelos débitos contraídos pela pessoa jurídica é outra hipótese de responsabilidade patrimonial secundária. Dela se cuidará com mais vagar, por estar diretamente relacionada ao objeto desta obra.

4.3. Responsabilidade patrimonial secundária do devedor

Nos tipos societários com separação patrimonial, de acordo com a lei, “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade”(24).

O dispositivo em destaque consagra o princípio da autonomia patrimonial, segundo o qual o patrimônio empresarial não se con-funde com o patrimônio dos sócios. Por força desse princípio, os bens particulares dos sócios não podem ser alcançados para solver dívida social.

É evidente que a regra geral da autonomia patrimonial comporta exceções. Nesse diapasão, ainda que não constem do título execu-

(23) Tais regras encontram-se nos arts. 10 e 448 da CLT, os quais disciplinam, respectivamente, que “Qual-quer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados” e “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados” (BRASIL, 1943).(24) Trata-se do art. 596 do CPC (BRASIL, 1973).

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tivo judicial, a lei em determinadas hipóteses permitirá que os bens particulares dos sócios sejam excutidos para responder pelas dívidas da pessoa jurídica.

Isso acontecerá, por exemplo, quando a sociedade empresária não possuir bens suficientes para solver suas obrigações, quando houver desvio de sua finalidade social com vista a fraudar terceiros e também quando houver confusão patrimonial. Nessas e em outras situações que serão adiante comentadas, a lei autoriza que a perso-nalidade jurídica empresária seja desconsiderada e que o princípio da autonomia patrimonial seja relativizado para que se possa atingir o patrimônio particular dos sócios.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, origi-nária do direito anglo-saxão, foi introduzida no Brasil por Rubens Requião(25). Essa teoria consagra a ideia de que o princípio da auto-nomia patrimonial pode ser relativizado, isto é, o patrimônio pessoal dos sócios da sociedade pode eventualmente responder pelas dívidas da pessoa jurídica.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica recebeu outras denominações, tais como disregard doctrine, disregard of legal entity, lifting the corporate veil. Ela foi originariamente con-cebida pelo direito anglo-saxão com o claro objetivo de enfrentar problemas societários, notadamente para proteger o patrimônio da pessoa jurídica dos atos exorbitantes, ilegais e contrários ao estatuto dos seus sócios. Para preservar o patrimônio da sociedade, passou o patrimônio particular destes a responder por tais condutas.

Interessante observar que o escopo originário da disregard doc-trine sofreu no Brasil importante mutação, claramente perceptível nas searas do Direito do Trabalho e do Direito do Consumidor. Isso porque o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é empregado em outros ramos do direito, e especialmente nesses dois, menos com o objetivo de proteger o patrimônio patrimonial da pessoa jurídica, mas mais com a finalidade de assegurar crédito de terceiros.

A razão dessa mudança teleológica repousa no fato de que al-guns empresários e sócios de sociedades empresárias passaram a ocultar-se sob o véu da pessoa jurídica para, valendo-se da regra da autonomia patrimonial, deliberadamente, causarem prejuízos a terceiros, como a trabalhadores e consumidores, que, via de regra,

(25) Trata-se do artigo de Rubens Requião intitulado “Abuso e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine)” (REQUIÃO, 1969).

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encontram-se em situação de vulnerabilidade em face do fornecedor ou empregador.

Assim, enquanto no direito anglo-saxão a conduta ilícita dos sócios colocava em risco o patrimônio empresarial, justificando a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização secundária dos sócios, para se proteger os bens da sociedade, no direito brasileiro, a conduta de alguns sócios coloca em risco não o patrimônio empresarial, mas o crédito de terceiros, o que também autoriza a incidência da disregard of legal entity.

A desconsideração da personalidade jurídica é largamente em-pregada na Justiça do Trabalho, porquanto, muitas vezes, a pessoa jurídica tem sua relevante função social desprezada, deixando de ser instrumento de geração de riquezas e emprego, de crescimento e desenvolvimento econômico, para se transformar em instrumento de desrespeito à legislação social trabalhista.

Muitas vezes, o empresário se esconde atrás do véu da per-sonalidade jurídica com o claro propósito de praticar atos lesivos a terceiros, sejam eles trabalhadores, consumidores ou outras espécies de credores.

4.4. Desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho

A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurí-dica na Justiça do Trabalho teve amparo, inicialmente, no Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, o qual regulamentou a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Segundo a redação originária do seu art. 10:

os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não res-pondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei. (BRASIL, 1919)

Interessante destacar que o dispositivo citado consagra a regra geral da responsabilidade primária, em que o patrimônio dos sócios, especialmente dos sócios administradores, não responde pelos dé-bitos da sociedade, contudo, admite a responsabilidade patrimonial

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secundária solidária e ilimitada dos sócios com a sociedade quando estes praticarem atos exorbitantes e contrários à lei e ao contrato social.

Em momento posterior ao Decreto n. 3.708/1919, o Código Tri-butário Nacional, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, também disciplinou a desconsideração direta da personalidade jurídica ao admitir a possibilidade de responsabilização pessoal pelas obrigações tributárias de diretores, gerentes ou representantes de pessoas ju-rídicas de direito privado quando, no exercício de suas atribuições, praticassem atos com excesso de poderes ou que violassem a lei, o contrato social e os estatutos (BRASIL, 1966).

Nesse exato sentido, é a regra do art. 135, III, do Código Tri-butário Nacional:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspon-dentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I — as pessoas referidas no artigo anterior; II — os mandatários, pre-postos e empregados; III — os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (BRASIL, 1966)

O art. 4º da Lei n. 9.605/1998 e o art. 18 da Lei n. 8.884/1994, bem como outros dois diplomas normativos brasileiros trataram também da desconsideração da personalidade jurídica, quais sejam, o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 23 de setembro de 1990, e o Código Civil, Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002).

O Código de Defesa do Consumidor autoriza a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em três hipóteses: a primeira quando seus sócios praticarem condutas ilegais e ilícitas — abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social — prejudiciais aos consumidores; a segunda, em caso de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração e, a última, quando a personalidade jurídica constituir-se em obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor (BRASIL, 1990b).

Nesse sentido, são as regras do art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, segundo as quais:

o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quan-do, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos

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ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (BRASIL, 1990b)

Fábio Ulhoa Coelho (1999) sustenta que o Código de Defesa do Consumidor consagrou em seu citado art. 28 a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Para ele, essa teoria é menos consistente do que a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil, sobre a qual se tecerá alguns comentários.

Para a Teoria Menor, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser levada a efeito quando verificada a insatisfação do crédito do consumidor e se constatar a ausência de bens empresariais que possam solver a dívida, mas que existam bens dos sócios capazes de satisfazer a obrigação social.

O Código Civil disciplina a desconsideração da personalidade jurídica. Segundo Fábio Ulhoa Coelho (1999), esse Código consagrou a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, consi-derada por ele mais abstrata, mais elaborada e mais consistente, se comparada com a Teoria Menor adotada pelo Estatuto Consumerista.

Para a Teoria Maior, não é suficiente a simples insatisfação do crédito para autorizar a relativização momentaneamente da regra da autonomia patrimonial. Necessário se faz demonstrar que houve a manipulação fraudulenta e abusiva da personalidade jurídica para que o magistrado decida pela afetação dos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Esta é a diretriz normativa contida no art. 50 do Código Civil, segundo a qual:

em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo des-vio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administra-dores ou sócios da pessoa jurídica. (BRASIL, 1973)

Outros doutrinadores emprestam outra classificação à teoria da desconsideração da personalidade jurídica. É o caso de Mauro Schiavi (2011), para quem ela pode ser objetiva ou subjetiva.

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Para ele (SCHIAVI, 2011), de acordo com a teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, os sócios poderão ter responsabilidade patrimonial secundária quando a pessoa jurídica não tiver bens suficientes para solver sua dívida social, na linha di-retiva do Código de Defesa do Consumidor, que encampa a Teoria Menor.

Já, de acordo com a teoria subjetiva da desconsideração da personalidade jurídica, poderão os bens particulares dos sócios res-ponder pela dívida social quando se constatar que eles praticaram atos com excesso de mandato ou quando se verificar que houve des-vio de finalidade, confusão patrimonial, má-fé, dolo ou fraude. Essa teoria está em sintonia com o Código Civil, que se baseia na Teoria Maior.

A Justiça do Trabalho, baseada na doutrina e na jurisprudência dominantes, tem aplicado a Teoria Menor (ou objetiva) da Desconsi-deração da Personalidade Jurídica. Três são os argumentos centrais que justificam a aplicação dessa teoria, em detrimento da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

O primeiro repousa na ordinária hipossuficiência do trabalhador, fato esse que justifica, no plano do direito material, um tratamento jurídico diferenciado em favor do trabalhador para compensar a di-ferença socioeconômica entre ele e seu empregador. Essa orientação está em sintonia com a ideia de que se compensa uma desigual-dade com outra desigualdade. No caso do trabalhador, ocorre uma desigualdade jurídica em seu favor para compensar a desigualdade socioeconômica em relação ao empregador.

O segundo está na constatação fático-jurídica de que seria muito difícil para o trabalhador provar que os sócios da sociedade praticaram atos com excesso de mandato ou que houve desvio de finalidade, confusão patrimonial, má-fé, dolo ou fraude. Exigir essa prova do trabalhador seria desprezar a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, largamente aplicada nos domínios do Direito Processual do Trabalho. Segundo essa teoria, a comprovação do fato constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito recai sobre aquele que tem maior aptidão probatória.

O terceiro argumento está no fato de que o crédito pretendido pelo trabalhador tem natureza alimentícia, ou seja, é essencial para garantir ao trabalhador o mínimo existencial, sem o qual haveria inaceitável agressão aos direitos fundamentais garantidos pela Cons-tituição da República.

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Além dos dispositivos legais mencionados, há também outros comandos legais que autorizam a aplicação da teoria da desconsi-deração da personalidade jurídica.

A Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, que disciplina a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, em seu art. 4º, inciso V, revela que os bens dos responsáveis, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, poderão responder por dívidas de qualquer na-tureza (BRASIL, 1980).

É o seguinte o teor da mencionada regra: “Art. 4º A execução fiscal poderá ser promovida contra: I — o devedor; II — o fiador; III — o espólio; IV — a massa; V — o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado” (BRASIL, 1980).

O Código de Processo Civil, em seus arts. 592, II, e 596, tam-bém, claramente, prescrevem que os bens particulares dos sócios se sujeitam à execução, nos termos seguintes:

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: II — do sócio, nos ter-mos da lei.

Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. (BRASIL, 1973)

Os vários dispositivos legais das diversas leis acima citadas revelam que, do ponto de vista da legalidade, a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica está robustamente amparada.

A respeito da aplicação da referida teoria no Processo do Tra-balho, oportunas são as palavras de Hermelino de Oliveira Santos contidas em sua monografia sobre o tema, as quais revelam a im-portância e a evolução do instituto:

a inserção da doutrina da desconsideração no direito bra-sileiro ocorreu naturalmente em decorrência de questões envolvendo direito societário, inclusive a levar Rubens Re-quião à significativa conferência sobre o tema, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, prota-gonizando a inserção em nosso direito positivo (art. 28 do CDC e art. 50 do CC/2002). Haveria hipóteses de aplicação dessa doutrina nos casos em que sócios e administradores da sociedade, não obstante agirem aparentemente em

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conformidade com a lei e seus estatutos, incorressem em utilização da pessoa jurídica, mas em prejuízo desta ou de terceiros, ou ainda dos demais sócios. O que nos parece mui-to claro é que a invocação da doutrina da desconsideração prescinde da análise do específico caso concreto naquelas hipóteses em que o direito positivo ainda não a disciplina. (SANTOS, 2003, p. 42)

A desconsideração da personalidade jurídica no Processo do Trabalho prescinde de requerimento da parte interessada. Com base no art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho, que preceitua que a execução poderá ser promovida por qualquer interessado ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, a Jus-tiça do Trabalho, por meio de decisão interlocutória, tem determinado a desconsideração com base na teoria objetiva (BRASIL, 1943).

Algumas observações adicionais são importantes nesse momen-to. A primeira é que deve ser assegurado aos sócios, cujos bens sejam objeto de constrição judicial em decorrência da desconsideração, amplo exercício do contraditório participativo e cooperativo e da am-pla defesa, sob pena de frontal agressão ao devido e justo processo legal, o que tornaria a atuação oficiosa do magistrado agressora da ordem jurídico-constitucional.

A segunda é que a decisão interlocutória que determina a desconsideração da personalidade jurídica deve ser devida e su-ficientemente fundamentada, sob pena de nulidade absoluta, nos exatos termos do que dispõe o inciso IX do art. 93 da Constituição da República(26).

A terceira observação decorre da regra contida no art. 596, § 1º, do Código de Processo Civil(27), a qual assegura aos sócios o benefício de ordem, a responsabilidade subsidiária, ou seja, o di-reito de primeiro serem excutidos os bens da pessoa jurídica cujo quadro societário integra. Para o exercício desse direito, terão eles que indicar bens livres e desembargados da sociedade, localizados

(26) Art. 93, IX, da Constituição da República de 1988: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judi-ciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (BRASIL, 1988).(27) “Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. § 1º Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito” (BRASIL, 1973).

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na comarca em que tramita a demanda, suficientes a fazer face ao débito exequendo.

Relevante registrar que doutrina e jurisprudência têm entendido que a responsabilidade dos sócios entre si é solidária, de modo que cada qual responde integralmente pelo débito, assegurado o direito de regresso entre eles na esfera civil.

O fundamento invocado para essa compreensão é a maior proba-bilidade da satisfação do crédito trabalhista. Por todos, nessa direção, é o entendimento esposado por Mauro Schiavi acerca do citado art. 596, § 1º, do Código de Processo Civil, para quem:

o dispositivo acima consagra a responsabilidade subsidiária do sócio, pois prevê a faculdade deste invocar o benefício de ordem. Desse modo, a responsabilidade do sócio é sub-sidiária em face da pessoa jurídica, entretanto, a fim de dar maior garantia e solvabilidade ao crédito trabalhista, têm a doutrina e a jurisprudência, acertadamente, entendido que a responsabilidade dos sócios entre si é solidária. Sendo assim, se a pessoa tiver mais de um sócio, cada um deles responderá pela integralidade da dívida, independentemente do montante das cotas de cada um na participação societá-ria. Aquele que pagou a dívida integralmente, pode se voltar regressivamente em face dos demais sócios. (SCHIAVI, 2011, p. 907)

A principal crítica que se faz à imputação de responsabilidade solidária nessa situação é que ela estaria em conflito com a regra contida no art. 265 do Código Civil, segundo a qual a solidariedade não pode ser presumida, devendo resultar de lei ou de ato volitivo das partes.

No que tange às sociedades anônimas, a doutrina, com base no art. 158 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que disciplina as sociedades por ações, tem entendido que os diretores administra-dores respondem com seus bens particulares pelos atos lesivos de gestão irregulares, dolosos ou culposos, praticados dentro de suas atribuições ou poderes, bem como por aqueles que violarem a lei ou o estatuto (BRASIL, 1976).

Nesse sentido, a literalidade do artigo citado:

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obri-gações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar,

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quando proceder: I — dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II — com violação da lei ou do estatuto. (BRASIL, 1976)

Os acionistas não têm responsabilidade patrimonial primária ou secundária, porquanto não exercem atos de gestão e/ou adminis-tração da sociedade anônima.

Uma última questão a respeito da teoria da desconsideração da personalidade jurídica precisa ser objeto de reflexão: a da necessi-dade ou não de intimação do sócio cujos bens serão alcançados em virtude da aplicação dessa teoria.

Parte da doutrina e parte da jurisprudência afirmam ser neces-sária a prévia intimação do sócio ou dos sócios para que eles tomem conhecimento de que a execução lhe foi direcionada em virtude da desconsideração da personalidade jurídica.

A finalidade dessa intimação seria assegurar aos sócios o amplo exercício do direito de defesa e a possibilidade de indicarem, em 48 (quarenta e oito) horas(28), seus bens livres e desembaraçados. A ausência de intimação acarretaria a nulidade do processo por causa do aviltamento dos direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A respeito dessa questão, tem prevalecido, porém, entendimen-to oposto, no sentido de que não é necessária prévia intimação dos sócios acerca da desconsideração da personalidade jurídica que os fez ser incluídos no polo passivo da demanda. Três são os argumen-tos: o primeiro é o de que eles não precisam ser intimados já que são legalmente responsáveis patrimoniais secundários, ou seja, a lei expressamente dispõe que seus bens respondem pelas obrigações sociais da sociedade(29).

O segundo argumento é de que a decisão que lhes inclui no polo passivo é uma decisão interlocutória, irrecorrível de imediato, razão pela qual não haveria prejuízo. Por último, de que é assegurado ao sócios o direito ao amplo exercício ao contraditório e à ampla defesa, já que, uma vez penhorados seus bens, poderão eles opor embar-gos à execução ou, então, invocar o benefício de ordem, nomeando

(28) Art. 880 da CLT: “Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora” (BRASIL, 1943). (29) Por aplicação do art. 592, II, CPC, segundo o qual ficam sujeitos à execução os bens do sócio, nos termos da lei (BRASIL, 1973).

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bens livres e desembargados da sociedade localizados na comarca em que tramita a demanda.

Toda a sistemática legal da desconsideração da personalidade jurídica acima exposta revela que ela se constitui em importante ins-trumento assecuratório do crédito de terceiros. Especialmente, nos domínios do Processo do Trabalho, a sua aplicação tem extremada relevância, porquanto, às vezes, ela é o único ou o último mecanis-mo que permite que o trabalhador receba seus créditos alimentares, evitando uma vitória pírrica.

Algumas vozes afirmam que certas decisões da Justiça do Tra-balho aplicam a disregard doctrine de forma abusiva porque estende seus efeitos a sócio que nunca administrou uma empresa.

Por causa disso, os civilistas aprovaram dois enunciados nas jornadas de Direito Civil realizadas pelo Conselho da Justiça Federal.

O enunciado sete, aprovado na I Jornada do Conselho da Justiça Federal, dispõe o seguinte: “Art. 50. Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido” (AGUIAR JÚNIOR, 2012).

Em complemento ao enunciado sete, e sem nenhum prejuízo ao seu conteúdo, foi aprovado, na III Jornada do Conselho da Justiça Federal, o Enunciado n. 146, cujo teor é o seguinte: “Art. 50. Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de des-consideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial)”.

Com o objetivo de disciplinar a declaração da desconsideração da personalidade jurídica, foi apresentado o Projeto de Lei n. 2.426-A/2003, de autoria do deputado Ricardo Fiuza, o qual, entre tantos outros artigos, continha os seguintes:

Art. 2º A parte que se julgar prejudicada pela ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial praticados com abuso da persona-lidade jurídica indicará, necessária e objetivamente, em requerimento específico, quais os atos abusivos praticados e os administradores ou sócios deles beneficiados, o mesmo devendo fazer o Ministério Público nos casos em que lhe couber intervir na lide.

Art. 4º É vedada a extensão dos efeitos de obrigações da pessoa ju-rídica aos bens particulares de sócio e ou de administrador que não tenha praticado ato abusivo da personalidade, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, em detrimento dos credores da pessoa jurídica ou em proveito próprio.

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Art. 5º O disposto no art. 28 da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, somente se aplica às relações de consumo, obedecidos os preceitos desta lei, sendo vedada a sua aplicação a quaisquer outras relações jurídicas. (FIUZA, 2003)

Leitura atenta dos arts. 2º, 4º e 5º do projeto de lei revelam a sua total incompatibilidade com os princípios e com a teleologia do Direito e do Processo do Trabalho.

Exigir do credor trabalhista a indicação objetiva e, naturalmente, a prova dos atos abusivos dos sócios ou administradores é imputar a ele ônus do qual não pode se desincumbir. Isso porque os atos frau-dulentos de abuso de personalidade não são facilmente identificáveis e prováveis. Por aplicação do princípio da maior aptidão probatória, caberá aos sócios, e não ao trabalhador, de ordinário hipossuficiente, provar a inexistência de confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

Por outro lado, limitar os efeitos da desconsideração da perso-nalidade jurídica apenas aos sócios que comprovadamente tenham praticado ato abusivo, tal como pretendem o projeto e o Enunciado n. 7 da I Jornada, é fazer recair, sobre os ombros do obreiro, con-sequências negativas repudiadas pelo direito laboral, subvertendo a lógica trabalhista de que os riscos do empreendimento são dos sócios e de que são eles que têm o dever da mútua fiscalização. Não se pode transferir ao trabalhador os riscos do empreendimento ou os efeitos nefastos da falta de diligência e de fiscalização dos sócios.

Também a regra de que a Teoria Menor prevista no Código de Defesa do Consumidor somente se aplica ao âmbito das relações de consumo é tese jurídica repudiada em decorrência do princípio da proteção, cuja vocação é justamente proteger a parte vulne-rável, quer da relação de consumo, quer da relação trabalhista. A desconsideração com base nessa teoria é muito mais favorável ao trabalhador e melhor atende aos escopos da disregard no campo das relações laborais.

O Projeto de Lei n. 2.426-A/2003 foi arquivado nos termos do art. 105 do Regimento Interno. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles [...] (FIUZA, 2003), em decorrência do fim da legislatura, conforme publicação realizada no Diário da Câmara dos Deputados do dia 1º de janeiro de 2007(30).

(30) Consulta realizada no site da Câmara dos Deputados (FIUZA, 2003).

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De forma inequívoca, não fosse a aplicação da disregard doctrine com base no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, o percentual de execuções frustradas na Justiça do Trabalho seria ainda muito maior do que aquele informado pelo senador Romero Jucá nas justificativas do Projeto de Lei n. 606/2011.

A desconsideração da personalidade jurídica preconizada pelos vários dispositivos legais comentados trata da desconsideração direta da personalidade jurídica, isto é, daquela em que se desconsidera o patrimônio societário para se atingir o patrimônio particular dos sócios. Ela é direta porque a responsabilidade patrimonial dos sócios é subsidiária, sendo este o itinerário estabelecido pelo direito positivo.

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Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica

5.1. Definição

O instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica pode ser definido como o mecanismo jurídico segundo o qual o magistrado desconsidera o princípio da autonomia patrimonial

para que os bens da empresa ou da sociedade possam ser alcançados para solver as dívidas particulares de seus sócios.

A especial característica do referido instituto é, portanto, a des-consideração da autonomia patrimonial da sociedade ou empresa para que seu patrimônio social possa ser afetado pelas obrigações contraídas por seus sócios, no afã de combater e coibir a utilização fraudulenta do ente societário pelos integrantes da pessoa jurídica.

Interessante destacar a particularidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica em relação à tradicional desconsi-deração da personalidade jurídica, apesar de ser a mesma lógica ou sopro jurídico que as anima.

Com efeito, na desconsideração direta, o magistrado descon-sidera o princípio da autonomia patrimonial, nas hipóteses legais, para que os bens particulares dos sócios possam responder pelas dívidas sociais do ente societário. Nessa circunstância, a proteção

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ao patrimônio particular, assegurada pela autonomia patrimonial, é afastada, atingindo-se o patrimônio dos sócios.

Contrariamente, na desconsideração inversa, embora a sua apli-cação tenha também o escopo de coibir fraudes, nela o juiz olvida o princípio da autonomia patrimonial para afetar os bens da socie-dade ou da empresa, para que estes respondam pelas obrigações particulares dos sócios. Nessa situação, a blindagem do patrimônio societário, igualmente protegida pela autonomia patrimonial, é afas-tada, alcançando-se o patrimônio da pessoa jurídica.

Acerca do instituto em comento, Fábio Ulhoa Coelho assim o define:

Trata-se de responsabilizar a sociedade por dívidas do sócio, caso este, para perpetrar fraudes a seus próprios credores, transfere seus bens para a empresa, continuando a fruí--los livremente [...]. A desconsideração inversa pode vir a ser medida de extrema utilidade em matéria de Direito de Família, considerando a possibilidade de um dos cônjuges transferir bens de valor para a empresa que integre, com o escopo de fraudar futura partilha.

A aplicação da desconsideração inversa, da mesma forma que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não visa a anulação da personalidade jurídica, mas apenas a declaração da ineficácia para determinado ato. (COELHO, 1999, p. 45)

Convém tecer algumas considerações acerca da ratio da des-consideração inversa da personalidade jurídica, a qual se identifica com a mesma da desconsideração tradicional, disciplinada pelo or-denamento jurídico brasileiro.

As pessoas jurídicas são entes abstratos concebidos em razão da imperiosa necessidade dos seres humanos somarem seus esforços para o alcance de fins comuns maiores. Nesse sentido, a sempre lembrada lição de Caio Mário, para quem:

a complexidade da vida civil e a necessidade da conjuga-ção de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao Direito equiparar à própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir perso-

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nalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. (PEREIRA, 2001, p. 185)

As pessoas jurídicas cumprem relevante papel nas sociedades, porquanto favorecem o crescimento e o desenvolvimento econômi-co e social. Desnecessário dizer o potencial e a força geradora de postos de trabalho dessas entidades, de arrecadação de tributos, de distribuição de renda, de circulação de bens e serviços, enfim, de um amplo espectro de atuação do qual a sociedade hodierna, sobretudo, não pode prescindir.

Importante destacar que o princípio da função social da empresa foi expressamente referenciado no parágrafo único do art. 116 da Lei das Sociedades Anônimas n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Para estimular a criação de pessoas jurídicas, o direito teve que encontrar uma forma de afastar dos empreendedores o receio de que tal empreitada pudesse colocar em risco sua tranquilidade, ou seja, que seus bens pessoais pudessem ser alcançados pelas obri-gações sociais.

Nesse cenário é que surgiu o já comentado princípio da auto-nomia patrimonial, blindando o patrimônio pessoal dos sócios das dívidas da pessoa jurídica. Por óbvio, esse justo princípio encorajou, e muito, a constituição de novas pessoas jurídicas, o que seria, em antes de tudo, sem dúvida, muito benéfico para a sociedade.

Ocorre que, se por um lado, o incentivo à criação de pessoas jurídicas trouxe muitos benefícios socioeconômicos, por outro, teve consequências sociais indesejáveis. Isso porque alguns sócios e em-presários começaram a se esconder atrás do véu da pessoa jurídica, utilizando-a para praticar atos abusivos contrários às suas relevantes finalidades jurídicas, sociais e econômicas.

Assim, para combater essas práticas ilícitas, como já informado, o direito anglo-saxão concebeu o instituto da desconsideração da personalidade jurídica para proteger o patrimônio empresarial dos atos exorbitantes dos sócios. O patrimônio particular dos sócios é que responderia, então, pelos seus atos desvirtuados, protegendo-se o patrimônio da pessoa jurídica.

Em momento ulterior, a desconsideração da personalidade ju-rídica passou a ser empregada também para proteger direitos de terceiros. Isso porque algumas entidades jurídicas passaram a se valer de sua estrutura legal e de sua organização com o propósito incivil de lesar tais pessoas. Tal fato desenhava o quadro fático em que

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sócios ostentavam polpudo patrimônio e a empresa que integravam, ao contrário, encontrava-se em situação de bancarrota econômica. Sem patrimônio empresarial, as dívidas sociais ficavam inadimplidas, apesar da opulência patrimonial dos sócios.

Atualmente, para além dessas duas situações, verifica-se que, muitas vezes, os sócios pulverizam seus bens, integralizando-os no patrimônio patrimonial de uma ou mais empresas, também com o objetivo de lesar terceiros. Nessa situação, o patrimônio particular é deficitário porque o sócio integralizou seus bens no patrimônio em-presarial, como forma de protegê-los de eventual excussão judicial que tenha por escopo assegurar direito de credores.

5.2. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e transferência fraudulenta de bens

A integralização dos bens particulares dos sócios no patrimônio empresarial pode ser vista como conduta configuradora de fraude, instituto jurídico que apresenta requisitos distintos da desconside-ração da personalidade jurídica.

A fraude pode ser contra credores, à execução ou de execução.

A fraude contra credores é instituto de direito material e está prevista nos arts. 158 a 165 do Código Civil. Ocorre quando o devedor insolvente, ou em estado de insolvência, pratica atos de transmissão gratuita, onerosa ou remissão de dívidas capazes de lesar direitos do credor. São, portanto, atos que maculam o negócio jurídico, por-quanto visam prejudicar direitos creditórios de terceiros.

Em obra coordenada por Ricardo Fiuza, Maria Helena Diniz afir-ma que “a fraude contra credores constitui prática maliciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de colocá--lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios” (FIUZA, 2006, p. 138).

A caracterização da fraude contra credores exige que o ato prati-cado pelo devedor tenha sido realizado em estado de insolvência, ou que o leve a essa condição, e que essa conduta possa afetar direitos creditórios alheios.

Além disso, cumulativamente, exige-se que o ato esteja macu-lado pela má-fé, ou seja, que o devedor tenha praticado, sozinho ou em conluio com terceiros, ato com o propósito de prejudicar direito

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creditício alheio. A doutrina chama esses requisitos de eventus damni (ato prejudicial ao credor) e consilium fraudis (má-fé).

Em sede de definição, pode-se afirmar, então, que a fraude contra credores consubstancia atos praticados pelo devedor insolvente, ain-da não acionado judicialmente, visando lesar o credor futuramente, mediante a alienação de seus bens ou direitos.

Ao comentarem a fraude contra credores, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que “a fraude pauliana ocorre quando houver ato de liberalidade, alienação ou oneração de bens ou direitos, capaz de levar o devedor à insolvência” (NERY JUNIOR; NERY, 2006, p. 849).

Para esses autores, a configuração da fraude contra credores exige a satisfação cumulativa dos seguintes requisitos: credor qui-rografário, anterioridade do crédito, ocorrência de dano ao credor e insolvência do devedor por meio de ato de alienação ou oneração. A ciência da consequência do ato e o conluio entre devedor e adquirente são desnecessários para a existência do instituto de que se cuida.

O negócio jurídico celebrado com o escopo de lesar direitos do credor padece de vício e é passível de anulabilidade mediante o manejo de ação pauliana ou de ação revocatória, a ser ajuizada pelo credor quirografário (sem garantias), titular de crédito anterior à alienação ou à oneração.

Com efeito, poderão ser anulados, pelos credores quirografários, os negócios jurídicos de transmissão gratuita ou onerosa de bens realizados por devedores insolventes ou que os reduzam à tal con-dição, ainda que o ignorem, por meio da ação pauliana, a qual visa provimento judicial declaratório positivo que reconheça a existência de vício do negócio jurídico (nulidade relativa), impedindo a consu-mação da fraude contra o credor quirografário(31).

Importante destacar que a ação pauliana pode ser ajuizada apenas pelo demandante que já era credor ao tempo da alienação fraudulenta lesiva, sendo certo que ela não visa à satisfação direta do crédito, mas tão somente restabelecer a garantia patrimonial, impedindo o total esvaziamento patrimonial do devedor, de modo

(31) Conforme arts. 158, 159 e 171, II, do Código Civil, respectivamente: “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insol-vência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”; “Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante” e “por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores” (BRASIL, 1973).

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que o credor possa lograr êxito em eventual e futura execução, já que haverá bens a serem excutidos.

A ação pauliana poderá ser ajuizada em desfavor do devedor insolvente, da pessoa com quem ele celebrou a estipulação conside-rada fraudulenta ou dos terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (art. 161 do Código Civil) (BRASIL, 1973).

Os credores que tiverem seus créditos garantidos por penhor, hipoteca e anticrese não poderão ajuizar ação pauliana, porquanto eles já tem na garantia real a expectativa de receberem seus créditos.

A ação pauliana deverá ser proposta no prazo decadencial de quatro anos, contado do dia em que foi realizado o negócio jurídico fraudulento lesivo ao credor.

Com escopo semelhante ao da ação pauliana, tem-se a ação revocatória, prevista na Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária (BRASIL, 2005).

Os atos praticados contra a massa falida, independentemente do conhecimento ou desconhecimento do devedor, bem como da sua intenção ou não em fraudar credores, serão ineficazes. A ine-ficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo (BRASIL, 2005).

Segundo a Lei de Falências, têm legitimidade ativa ad causam para ajuizar a ação revocatória, cuja pretensão é o provimento judicial declaratório da ineficácia do ato lesivo à massa falida, o administrador judicial, o Ministério Público e qualquer credor. Para tanto, deverão, obrigatoriamente, provar o conluio entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e a ocorrência de efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.

Neste sentido, disciplina o art. 130 da Lei n. 11.101/2005, se-gundo o qual “São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o de-vedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida” (BRASIL, 2005).

Já os legitimados passivos da ação revocatória são todos aqueles que figuraram no ato ou que por efeito dele foram pagos, garantidos ou beneficiados; os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimen-to, ao se criar o direito, da intenção do devedor de prejudicar os

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credores, e herdeiros e legatários das pessoas citadas nas duas hipóteses anteriores, conforme previsão contida no art. 133 da mes-ma lei (BRASIL, 2005).

A ação revocatória deverá ser proposta pelos legitimados ativos no prazo de três anos contados da decretação da falência, sendo que ela tramitará sob o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil perante o juízo de falência.

Importante salientar que segundo a lei em comento, serão eficazes, em relação à massa falida, os atos adiante discriminados, desde que tenham sido previamente previstos e realizados na forma definida no plano de recuperação judicial, de acordo com os arts. 129 e 131 (BRASIL, 2005):

a) o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;

b) o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;

c) a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, den-tro do termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada;

d) a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consen-timento expresso ou sem o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicial-mente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos.

A procedência da pretensão formulada na ação revocatória, pre-vista na Lei n. 11.101/2005, implicará o retorno dos bens à massa falida em espécie, com todos os acessórios, ou o valor de mercado, acrescido das perdas e danos (BRASIL, 2005).

Em relação à fraude contra credores, impende destacar que, de acordo com a Súmula n. 195 do Superior Tribunal de Justiça, os embargos de terceiro não são o meio processual idôneo para se anular ato jurídico lesivo aos credores(32).

(32) Súmula n. 195 do STJ: Embargos de Terceiro — Anulação de Ato Jurídico — Fraude contra Credores. Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico por fraude contra credores (BRASIL, 1997).

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A fraude de execução é ato mais grave que a fraude contra credores. Isso porque enquanto esta fraude lesa o credor quiro-grafário, aquela atinge o Estado-Juiz no exercício de sua função jurisdicional. A fraude de execução é, portanto, um ato atentatório à dignidade da Justiça e à sua administração, com previsão normativa no art. 600, I, do Código de Processo Civil(33).

O legislador ordinário, reconhecendo a gravidade da fraude de execução, imputa àquele que pratica essa conduta multa de até 20% (vinte por cento), sem prejuízos de serem aplicadas penalidades de natureza processual e material, nos exatos termos do art. 601 do Código de Processo Civil(34).

Ao contrário da fraude contra credores, cujo negócio jurídico é anulável por meio de ação pauliana ou revocatória, o negócio jurídico que materializa uma fraude de execução, em razão de sua gravidade e potencial lesivo, é ineficaz.

O negócio jurídico fraudulento de execução padece de ineficácia, a qual poderá ser declarada pelo juiz a requerimento da parte, por simples petição noticiadora da fraude, ou mesmo ex officio, tendo em vista haver interesse público na reprimenda desse tipo de con-duta antijurídica.

Assim, havendo a alienação do bem a terceiros, embora este permaneça em sua posse ou propriedade, o bem poderá ser objeto de constrição judicial para satisfazer o direito do credor.

Em caso de fraude de execução, não se aplica a restrição da Súmula n. 195 do Superior Tribunal de Justiça, de modo que ela pode ser alegada e reconhecida na contestação dos embargos de terceiro(35), conforme reconhece Nery (NERY JUNIOR; NERY, 2006).

A alienação ou a oneração de bens sobre os quais pender ação fundada em direito real ou a realização desses atos quando o devedor for réu em demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, entre outras

(33) Art. 600. Considera-se ato atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: I — frauda a execução (BRASIL, 1973).(34) Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução (BRASIL, 1973).(35) Art. 1.046 do CPC. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos (BRASIL, 1973).

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hipóteses legais, caracteriza a fraude à execução, segundo dispõe o Código de Processo Civil(36).

A fraude à execução ocorre, portanto, quando o devedor alie-na, desvia, destrói ou danifica bens, simula dívida para fraudar a execução ou pratica atos de falência, frustrando direitos do credor. Constitui crime previsto no Código Penal reprimido com pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa(37).

A fraude à execução é instituto do direito processual, assim como a fraude de execução, sendo que os atos praticados sob essa incivil inspiração são ineficazes, podendo ser declarados incidentalmente, ex officio ou a requerimento da parte, por simples petição, prescindindo, portanto, de ação declaratória ou constitutiva específica.

Os requisitos para a configuração da fraude à execução são o conhecimento judicial ou extrajudicial do devedor de que seus bens encontram-se na iminência de sofrerem constrição judicial, a exis-tência de intenção direta de lesar e causar prejuízos ao devedor e a ausência ou diminuição do ativo ou aumento do passivo, ainda que de forma artificiosa ou simulada (NERY JUNIOR; NERY, 2006).

Importante destacar que segundo o Superior Tribunal de Justiça, o registro da penhora do bem alienado ou a prova da má-fé do ter-ceiro adquirente devem ser demonstrados para que seja reconhecida judicialmente a fraude à execução(38).

Foram tecidas essas considerações sumárias acerca da fraude contra credores, fraude de execução e fraude à execução para se evidenciar que a moldura fática desses institutos tem particularidades que as distinguem do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, na sua forma tradicional (direta) ou inversa (indireta).

Embora haja certa intercessão decorrente do intuito fraudulento que tangencia todos os institutos, o fato é que os requisitos da des-consideração da personalidade jurídica guardam suas especificidades que precisam ser levadas em consideração.

(36) Art. 593 do CPC: Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I — quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II — quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III — nos demais casos expressos em lei (BRASIL, 1973).(37) Art. 179 do CP: “Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulan-do dívidas: Pena — detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Parágrafo único — Somente se procede mediante queixa” (BRASIL, 1940).(38) Súmula n. 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (BRASIL, 2009b).

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Destarte, distintas as molduras fáticas e diversos os contornos jurídicos, não se pode acolher a tese de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica seja um atalho, uma via preguiçosa, para se alcançar o mesmo fim da ação pauliana da fraude contra credores.

Não custa pontuar que a ação pauliana da fraude contra credores é ação autônoma cujo legitimado ativo é o credor quirografário, sem garantia real, ao passo que o trabalhador titular de créditos deriva-dos da legislação do trabalho inferiores a cento e cinquenta salários mínimos, inclusive, e os decorrentes de acidentes de trabalho, é credor privilegiado, e não quirografário por causa da classificação dos créditos contida na Lei n. 11.101/2005(39).

Sob essa perspectiva, então, quer se analise a questão sob o ângulo das molduras fáticas dos institutos, quer se reflita a partir dos seus requisitos distintos, o instituto da desconsideração inver-sa da personalidade jurídica é instituto jurídico distinto das várias espécies de fraudes acima tratadas, especialmente a fraude contra credores, não podendo ser considerada, portanto, um atalho para a ação pauliana.

5.3. Omissão legislativa e o papel da jurisprudência e da doutrina

A desconsideração inversa da personalidade jurídica ainda não foi objeto de regramento legislativo. Sua aplicação é obra da juris-prudência e da doutrina.

Esse silêncio legislativo quase foi superado. Isso porque a comis-são de juristas instituída pelo ato do presidente do Senado Federal n. 379/2009, destinada a elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, fez incluir em seu art. 63, parágrafo único, o insti-tuto da desconsideração inversa da personalidade jurídica (BRASIL, 2009c).

No Capítulo II do referido anteprojeto, intitulado incidente de desconsideração de personalidade jurídica, havia a previsão do ins-tituto da desconsideração direta e inversa da personalidade jurídica.

O art. 62 do anteprojeto disciplinava a desconsideração tradi-cional da personalidade jurídica, ao dispor que:

(39) Art. 83 da Lei n. 11.101/2005: A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I — os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho (BRASIL, 2005).

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em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obriga-ções sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica. (BRASIL, 2009c)

Já o parágrafo único do art. 63 do anteprojeto, como afirmado, trazia regra acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, ao prescrever que:

Art. 63. A desconsideração da personalidade jurídica obedecerá ao procedimento previsto nesta Seção.

Parágrafo único. O procedimento desta Seção é aplicável também nos casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito por parte do sócio. (BRASIL, 2009c)

Ocorre que o transcrito parágrafo único do art. 63 do anteprojeto, bem como seu caput, foram suprimidos(40), não constando mais no Projeto de Lei do Senado n. 166/2010.

Depois das alterações apresentadas pelo senador Valter Pereira no relatório geral do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, este contempla apenas regras concernentes à desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional, quais sejam:

Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.

Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:

I — pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;

II — é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.

(40) Conforme consulta realizada em 13 de novembro de 2013 no site do Senado Federal brasileiro (SARNEY, 2010).

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Art. 78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis. (SARNEY, 2010)

Diante do silêncio do legislador, a jurisprudência, ladeada pela doutrina, tem se valido da já comentada regra do art. 50 do Código Civil, que autoriza, em caso de abuso da personalidade jurídica, a desconsideração da personalidade jurídica em sua forma tradicio-nal, para fundamentar também a aplicação desse instituto em sua modalidade inversa.

Com efeito, a utilização da pessoa jurídica, com o escopo de frustrar credores mediante a estratégia da integralização dos bens particulares dos sócios no acervo social, configura confusão patri-monial que, por sua vez, caracteriza o abuso de personalidade de que trata a teoria maior do art. 50 do Código Civil.

A regra basilar, de que já se cuidou, é a de que o patrimônio social é distinto do patrimônio individual, de modo que, por força do princípio da autonomia patrimonial, apenas os bens da pessoa jurídica respondem por suas dívidas sociais e somente os bens particulares dos sócios respondem por suas dívidas particulares.

Há uma incomunicabilidade patrimonial decorrente do princípio da autonomia patrimonial que blinda os patrimônios social e indivi-dual, de sorte que os bens particulares não podem ser alcançados pelas dívidas sociais e os bens sociais não podem ser afetados pelas dívidas particulares.

Há regras jurídicas, já citadas nesta obra, que autorizam a re-lativização dessa blindagem. Especialmente o Código Civil, em seu art. 50, vai permitir que isso ocorra em caso de desvio de finalidade da personalidade jurídica e de confusão patrimonial dos bens sociais e individuais.

Sobretudo nessa segunda hipótese, confusão patrimonial, re-pousa o substrato fático no qual se tem louvado jurisprudência e doutrina para admitir a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Antes de se trazer os apontamentos da jurisprudência e da dou-trina, faz-se necessário informar que algumas vozes afirmam que não existem duas espécies de desconsideração da personalidade jurídica: a desconsideração tradicional (direta) da personalidade jurídica e a desconsideração inversa (indireta) da personalidade jurídica.

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Nesse sentido, afirma Isabela Campos Vidigal que:

[...] a teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste em instrumento voltado ao combate de todos os abusos decorrentes da má utilização da estrutura formal da pessoa jurídica. Desse modo, os efeitos decorrentes da aplicação da desconsideração podem gerar tanto a responsa-bilidade dos sócios quanto da sociedade, o que irá depender da espécie de abuso combatido in casu. (VIDIGAL, 2012, p. 27)

Mais adiante, afirma ainda a citada autora, taxativamente, que:

destarte, conclui-se que, em verdade, a teoria da descon-sideração é única, e, dependendo da espécie do abuso, produzirá efeitos no que diz respeito aos sócios ou à pessoa jurídica, podendo, portanto, ser considerada como uma via de mão única, como parece identificar o douto Rolf Mada-leno. (VIDIGAL, 2012, p. 27)

Rolf Madaleno, citado por Vidigal, pontua acerca dessa questão que:

assim visto, em conclusão narrativa, sociedade e sócios po-dem responder pelo uso abusivo, fraudulento ou simulado da sociedade, direta e inversamente, ora atingindo os bens sociais, ora responsabilizando os sócios e até a sociedade, quando se tratar de utilizá-la abusivamente, no maldoso afã de fugir escancaradamente ao dever pessoal de alimentação. (VIDIGAL, 2012, p. 27)

Analisando-se as ponderações dos dois autores, verifica-se que para eles não há uma dualidade do instituto da desconsideração da personalidade, uma desconsideração direta e uma desconsideração inversa, mas tão somente um único instituto que pode direcionar os efeitos da relativização da autonomia patrimonial para o patrimônio social ou para o patrimônio particular.

Não obstante os posicionamentos acima, doutrina e jurispru-dência majoritárias entendem pela existência da desconsideração da personalidade jurídica em suas formas direta (tradicional) e inversa. Isso ficará evidente nas informações que serão trazidas adiante.

Outra questão importante que precisa ficar esclarecida é que o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica tem sido aplicado largamente nas demandas civis, especialmente nas

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relativas ao direito de família. Ao que tudo indica, foi nesse segmento jurídico que pioneiramente aplicou-se a disregard doctrine em sua vertente inversa.

Aliás, é bom destacar, a decisão paradigmática em matéria de des-consideração inversa da personalidade jurídica é da lavra da ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, no Recurso Especial n. 948.117, sobre a qual depois serão tecidos alguns comentários, cuja matéria controvertida é de natureza civil (BRASIL, 2010b).

Isabela Campos Vidigal assim se pronuncia sobre esse campo de incidência da desconsideração inversa da personalidade jurídica:

Referida teoria tem especial aptidão para incidir sobre o Direito de Família, no qual a mais variada gama de expe-dientes ardilosos envolvendo a pessoa jurídica é empregada com vistas a fraudar a meação do cônjuge ou convivente e a minorar, artificialmente, a obrigação de prestar alimentos. Os exemplos mais comuns de aplicação da desconsideração inversa são as hipóteses de aquisição de bens próprios do casamento em nome da empresa, da transferência ardilosa dos bens matrimoniais para o acervo patrimonial da so-ciedade e da instituição de pró-labore em valores ínfimos. (VIDIGAL, 2012, p. 26)

Há incontáveis decisões judiciais que reconhecem a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica no âmbito do direito civil. Pela importância paradigmática, serão tecidos comen-tários acerca da já referida decisão proferida pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Recurso Especial n. 948.117-MS (BRASIL, 2010b).

Segundo revela o relatório exarado pela ministra em seu voto, Francisco Alves Corrêa Neto ajuizou ação de cobrança em face de Carlos Alberto Tavares da Silva, deduzindo pretensão de recebimen-to de R$ 18.990,00 (dezoito mil novecentos e noventa reais), em valores de 30 de março de 1995.

Julgado procedente o pedido condenatório, diante do não cum-primento espontâneo da decisão, Carlos Alberto iniciou execução do título executivo judicial(41). Em decorrência do não recebimento do

(41) À época do ajuizamento da demanda de cobrança e da exigência do cumprimento forçado da decisão condenatória, o processo de execução de título executivo judicial ainda era um processo autônomo. Com o advento da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, o cumprimento de sentença passou a ser uma fase do processo sincrético.

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valor devido e da inexistência de bens penhoráveis do executado, por meio de decisão interlocutória, o juízo monocrático determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes Ltda.

Carlos Alberto Tavares da Silva e sua esposa faziam parte do quadro societário da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes Ltda., dela participando por meio de capital integralizado por quantia de cinco mil reais e mais veículo de alto valor comercial, o qual era utilizado pelos executados apenas para fins particulares.

Diante do conjunto fático probatório, especialmente da alegada insuficiência financeira dos executados que contrastava claramente com o veículo de alto valor econômico de uso apenas particular dos executados, bem como da lesão dos direitos creditórios do exequente aliada à ausência de bens penhoráveis dos devedores, o juízo concluiu que a personalidade jurídica estava sendo usada de forma abusiva.

A confusão patrimonial, ou seja, a integralização dos bens particulares de Carlos Alberto Tavares da Silva e de sua esposa no patrimônio da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio de Carnes Ltda. — no caso o veículo de alto valor comercial — autorizaram a relativização da autonomia patrimonial para que os bens sociais res-pondessem pela dívida particular consubstanciada no título judicial exequendo.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica foi, então, a medida jurídica adequada utilizada pelo juízo singular para impedir o abuso da personalidade jurídica caracterizada pela confusão patrimo-nial, de modo que o veículo de alto valor comercial, aparentemente de propriedade da sociedade, pudesse ser penhorado e alienado para fins de satisfação do crédito reconhecido no título exequendo em favor de Francisco Alves.

Insatisfeito com a decisão interlocutória, Carlos Alberto interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob o argumento da admissibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica quando o deve-dor utilizar a empresa ou sociedade à qual integra para ocultar seus bens, os quais seriam devidamente penhorados caso estivessem em seu patrimônio particular.

Contra a decisão proferida no bojo do agravo de instrumento, foram opostos embargos de declaração, os quais foram improvidos. Em seguida, foi interposto o recurso especial, oportunidade em que

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Carlos Alberto declinou suas razões contrárias à desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O recorrente apresentou várias teses jurídicas em seu recurso, especialmente a de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica carece de normatização jurídica, não podendo ser deduzida, por meio de interpretação extensiva, do art. 50 do Código Civil, como fez o juízo singular.

À unanimidade, foi negado provimento ao recurso especial. A ministra relatora Nancy Andrighi afirmou em seu voto que a contro-vérsia limitava-se em se saber se o art. 50 do Código Civil autorizava ou não a aplicação do instituto da desconsideração inversa da per-sonalidade jurídica.

Importante de início apresentar a definição de desconsideração inversa da personalidade jurídica contida no voto da ministra, bem como evidenciar a finalidade jurídica que ela vislumbra na desconsi-deração da personalidade, quer em sua forma tradicional, quer em sua feição inversa:

de início, impende ressaltar que a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.

Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da perso-nalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para comba-ter a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a excussão de seu patrimônio pessoal. (BRASIL, 2010b)

Depois de apresentar a definição, ratio e consequências da des-consideração inversa da personalidade jurídica, a ministra avança para enfrentar a principal tese jurídica do recorrente, de que inexiste previsão normativa a amparar a desconsideração inversa da perso-nalidade jurídica e que ela não pode ser deduzida a partir de uma interpretação extensiva do art. 50 do Código Civil.

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Nancy Andrighi inicia suas razões decisórias argumentando que descabe uma interpretação meramente literal do art. 50 do Código Civil para se extrair desse preceito regra que autoriza a desconsi-deração da personalidade jurídica apenas em sua forma tradicional.

Segundo a ministra, há que se fazer uma interpretação teleo-lógica do art. 50 do Código Civil, porquanto essa exegese está em sintonia com a telos da disregard doctrine que, como já discorreu, é impedir o abuso da personalidade jurídica instrumentalizado por meio da confusão patrimonial ou do desvio de finalidade.

Restringir-se a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica apenas à hipótese de esvaziamento do patrimônio da empre-sa ou da sociedade — desconsideração direta — é olvidar o espírito que a anima e desprezar seu conteúdo e alcance ético e axiológico.

O entendimento lançado pela ministra Nancy Andrighi em seu voto acerca da admissibilidade da desconsideração da personalida-de jurídica na forma inversa no ordenamento jurídico brasileiro, por aplicação teleológica do art. 50 do Código Civil, passou a ser adotado em incontáveis julgados por todo o Brasil.

Segundo a ministra, o instituto da desconsideração inversa encontra assento nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos a esse instituto, bem como em seu telos e ratio. Em suas palavras:

Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard doctrine, contida no referido preceito legal, é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. A utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros.

Feitas essas considerações, tem-se que a interpretação teleo-lógica do art. 50 do CC/2002 legitima a inferência de ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio con-trolador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.

Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/2002 sob a ótica de uma interpretação teleológica, entendo que a aplica-ção da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua

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modalidade inversa encontra justificativa nos princípios éticos e jurí-dicos intrínsecos a própria disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra credores. Outro não era o fundamento usado pelos nossos Tribunais para justificar a desconsideração da personalida-de jurídica propriamente dita, quando, antes do advento do CC/2002, não podiam se valer da regra contida no art. 50 do diploma atual [...]. (BRASIL, 2010b)

Não se pode negar que o Código Civil de 2002, chamado por alguns civilistas de Código Reale, trouxe uma pauta axiológica de despatrimonialização, de socialização e de solidarização do direito. Nesse novo horizonte hermenêutico, cumprem papel de destaque os princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude.

Uma interpretação literal do art. 50 do Código Civil que nega a admissibilidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em sua forma inversa representa indesejável desprezo aos novos vetores e princípios fundantes do Código Civil de 2002.

Fábio Konder Comparato foi quem primeiro se debruçou sobre a admissibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica com supedâneo no art. 50 do Código Civil.

Comparato, citado por Nancy Andrighi, informa que:

Aliás, a desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a socie-dade formalmente parte do negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de fato. (BRASIL, 2010b)

Por ter adotado a teoria maior da desconsideração da per-sonalidade jurídica, em sua forma tradicional ou inversa, consubstanciada no art. 50 do Código Civil, a ministra dei-xou registrado em seu voto que a sua incidência é medida excepcional, tendo sua aplicação condicionada à satisfação dos requisitos legais.

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Por conseguinte, da análise do art. 50 do CC/2002, depreen-de-se que o ordenamento jurídico pátrio adotou a chamada Teoria Maior da Desconsideração, segundo a qual se exige, para além da prova de insolvência, a demonstração ou de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconside-ração) [...].

Dessa forma, em ambas as modalidades, a desconsideração da personalidade jurídica configura-se sempre como medi-da excepcional. O Juiz somente está autorizado a “levantar o véu” da personalidade jurídica quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/2002. (BRASIL, 2010b)

O desfecho do voto condutor foi no sentido de que foram preen-chidos os pressupostos autorizativos da desconsideração inversa da personalidade jurídica, dados os contornos fáticos do caso concreto, alcançando-se o patrimônio social da empresa TZ Leilões Rurais e Comércio Ltda. para solver a dívida particular contraída por seu sócio Carlos Alberto Tavares da Silva.

No seu voto, a ministra enfrentou ainda duas críticas recorrentes à desconsideração inversa da personalidade jurídica. A primeira é a de que ela não pode ser realizada no bojo do processo de execução ou falimentar, devendo ser efetivada por meio de ação própria. A segunda é a de que ela ofende o devido processo legal, o contradi-tório e a ampla defesa, porquanto retira do executado, ou mitiga, a possibilidade de defesa dos seus direitos no módulo executivo.

No tocante à primeira crítica, Nancy Andrighi informa que já se encontra sedimentada no Superior Tribunal de Justiça a descon-sideração da personalidade jurídica independente de ação própria, podendo ser efetivada no bojo do processo de execução ou falimen-tar. Essa possibilidade, informa, decorre da própria lógica da teoria da desconsideração.

Em reforço de tese, a ministra invoca vários julgados:

destaca-se, por oportuno, que, a par de divergências doutri-nárias, este Tribunal sedimentou o entendimento no sentido de ser possível a desconstituição da personalidade jurídica no bojo do processo de execução ou falimentar, indepen-dentemente de ação própria (REsp 1.036.398/RS, 3ª Turma, minha relatoria, DJe 3.2.2009; EDcl no REsp 228.357/SP, 3ª

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Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 2.5.2005; REsp 1.071.643/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 13.4.2009; REsp 331.478/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 20.11.2006). Esse entendimento exsurge da própria lógica conceitual inerente à formulação da Doctrine of Disregard of Legal Entity (Teoria de Desconsideração da Pessoa Jurídica). (BRASIL, 2010b)

O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luís Felipe Salomão, reconhece, assim como Nancy Andrighi, que há doutrinadores que defendem a tese de que a desconsideração da personalidade jurídica requer ação própria.

Lembra o ministro o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho:

no mérito, ressalto que a discussão acerca dos limites e das possibilidades para a desconsideração da personalidade jurídica, de fato, tem-se avolumado no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Doutrina de renome, por exemplo, aponta para a necessidade de ação judicial própria para o levan-tamento do véu da pessoa jurídica, mercê do cânone de índole supralegal relativo ao contraditório e à ampla defesa. (BRASIL, 2012b)

O entendimento assentado acerca da necessidade ou não de ação própria para a desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional ou inversa, é de que, por se tratar de incidente processual, e não de processo incidente, desnecessária se faz ação própria.

Elucidativo acerca desse tema é o entendimento esposado pelo ministro Luís Felipe Salomão em ementa de seu voto, abaixo trans-crita, a qual deixa claro que as condutas antijurídicas da empresa, sociedade ou sócios — má-fé, abuso de personalidade jurídica e confusão patrimonial — exigem uma ação jurisdicional diligente para que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica possa cumprir seus escopos éticos e jurídicos, e isso é possível se ela for realizada no bojo do próprio processo de execução.

Nas palavras do citado ministro:

1. A desconsideração da personalidade jurídica é instrumen-to afeito a situações limítrofes, nas quais a má-fé, o abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial estão revelados, circunstâncias que reclamam, a toda evidência, providência expedita por parte do Judiciário. Com efeito, exi-gir o amplo e prévio contraditório em ação de conhecimento

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própria para tal mister, no mais das vezes, redundaria em esvaziamento do instituto nobre.

2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dis-pensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apre-sentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade.

3. Assim, não prospera a tese segundo a qual não seria cabível, em sede de impugnação ao cumprimento de sen-tença, a discussão acerca da validade da desconsideração da personalidade jurídica. Em realidade, se no caso concreto e no campo do direito material fosse descabida a aplicação da Disregard Doctrine, estar-se-ia diante de ilegitimidade passiva para responder pelo débito, insurgência apreciável na via da impugnação, consoante art. 475-L, inciso IV. Ainda que assim não fosse, poder-se-ia cogitar de oposição de ex-ceção de pré-executividade, a qual, segundo entendimento de doutrina autorizada, não só foi mantida, como ganhou mais relevo a partir da Lei n. 11.232/2005.

4. Portanto, não se havendo falar em prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, em razão da ausência de citação ou de intimação para o pagamento da dívida (art. 475-J do CPC), e sob pena de tornar-se infrutuosa a desconsideração da personalidade jurídica, afigura-se bastante — quando, no âmbito do direito material, forem detectados os pressupos-tos autorizadores da medida — a intimação superveniente da penhora dos bens dos ex-sócios, providência que, em concreto, foi realizada.

5. No caso, percebe-se que a fundamentação para a des-consideração da pessoa jurídica está ancorada em “abuso da personalidade” e na “ausência de bens passíveis de penhora”, remetendo o voto condutor às provas e aos documentos carreados aos autos. Nessa circunstância, o entendimento a que chegou o Tribunal a quo, além de ostentar fundamen-tação consentânea com a jurisprudência da Casa, não pode ser revisto por força da Súmula n. 7 do STJ.

6. Não fosse por isso, cuidando-se de vínculo de índole consumerista, admite-se, a título de exceção, a utilização

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da chamada “teoria menor” da desconsideração da per-sonalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”, mercê da parte final do caput do art. 28 e seu § 5º do Código de Defesa do Consumidor [...]. (BRASIL, 2012b)

A inexigibilidade de ação própria encontra assento na ideia contemporânea de processo de resultado, na concepção de que o processo não pode ser um obstáculo à efetividade do direito material. A exigência de nova demanda para a realização da desconsideração da personalidade jurídica representaria sério comprometimento da efeti-vidade do art. 50 do Código Civil, do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, entre outros que disciplinam a disregard doctrine, bem como dos princípios éticos e jurídicos que informam esse instituto.

Nesse sentido, preceitua o já comentado art. 77 do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil que, em seu parágrafo único, dis-põe que a desconsideração da personalidade jurídica é um incidente processual e, em seu segundo inciso, que ela é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título extrajudicial.

A segunda crítica à desconsideração da personalidade jurídica diz respeito à sua suposta ofensa ao devido processo legal, ao con-traditório e à ampla defesa.

De início, é bom destacar que a desnecessidade de ação pró-pria para a desconsideração da personalidade jurídica não é fruto prematuro do fetiche da celeridade processual. A sua inexigibilidade não representa desprezo a um dos pilares do Estado Democrático de Direito, o devido processo legal.

Em tese de doutorado que investigou o Devido Processo Legal e a Desconsideração da Personalidade Jurídica, Jaubert Carneiro Jaques apresentou relevante questionamento crítico acerca da cons-trição judicial de bens individuais decorrente da desconsideração da personalidade jurídica e da necessidade de prévio procedimento assecuratório de direito de participação efetiva:

em outras palavras, ou sob a ótica da comunidade jurisdicio-nada, nacional ou estrangeira, a indagação é a seguinte: na medida em que assumo os riscos de um empreendimento, poderei ter meus bens particulares constritos independen-

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temente da instauração prévia de um procedimento em que poderei efetivamente participar?

Sob os fundamentos do Devido Processo Legal, enquanto garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, tal questionamento ocasiona até perplexidade, conquanto uma medida de natureza e consequência tão extremas não encontra, no âmbito da segurança de uma comunidade democraticamente constitucionalizada, qualquer guarida, caso não haja aquela participação. (JAQUES, 2007, p. 50)

A exigência de prévio e amplo contraditório em processo de conhecimento como condição legitimadora da desconsideração da personalidade jurídica é tese jurídica tão indesejável quanto aquela que suprime o exercício desse direito fundamental por completo nesse procedimento. São dois extremos que não se harmonizam com as expressões substantiva e processual do devido processo legal.

Tendo em conta os princípios éticos e jurídicos que regem a disregard doctrine, em sua forma tradicional e inversa, bem como as exigências de um processo que permita a efetividade da tutela jurisdicional e dos direitos fundamentais, a opção pela não dualidade é a mais recomendada no cenário jurídico brasileiro contemporâneo.

Nesse sentido, a excepcionalidade da desconsideração tradicional e inversa da personalidade jurídica não pode ficar alheia ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, sob pena de con-denável violação ao direito fundamental de propriedade, previsto no art. 5º, inciso XXII, da Constituição da República.

É juridicamente recomendável que a decretação da desconside-ração da personalidade jurídica não implique no sacrifício absoluto do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, cuja fruição deve ser assegurada, ainda que não seja com a mesma am-plitude do módulo cognitivo, que a exige por causa da res dubia.

O art. 78 do Projeto do Novo Código de Processo Civil tenta apaziguar tormentoso dissenso jurisprudencial e doutrinário ao dis-por que sócio, terceiro ou pessoa jurídica deverá ser citado para se manifestar em 15 dias sobre o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica, bem como para, no mesmo prazo, requerer as provas cabíveis.

Importante reafirmar que a desconsideração da personalidade jurídica, segundo o art. 77 do citado projeto, poderá ser realizada em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título extrajudicial.

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O Projeto do Novo Código de Processo Civil, ao que tudo indi-ca, tenta conciliar as exigências de se assegurar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa sem desprezar a lógica e os princípios éticos e jurídicos da disregard doctrine.

Enquanto não é aprovado do Novo Código de Processo Civil, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça, conforme revela a ementa do voto do ministro Luís Felipe Salomão, tem se firmado no sentido de que a desconsideração é apenas um incidente processual que dispensa a citação dos sócios, de modo que eles pode-rão exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa não no bojo de ação cognitiva, não previamente, mas apenas posteriormente, mediante o manejo de embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade.

Por evidente, há algumas decisões em sentido contrário, até mesmo no Superior Tribunal de Justiça, as quais sustentam a impres-cindibilidade da citação dos sócios para responder ao requerimento de desconsideração da personalidade jurídica.

Por todas elas, pode-se citar a proferida nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.274.658/MG, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, sendo agravante a empresa Magne-con Telecomunicações e Empreendimentos Ltda. e agravado Navitec Serviços de Telecomunicações Ltda.:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. ART. 50 DO CC. VIOLAÇÃO. CITAÇÃO. NECESSIDA-DE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ART. 5º, LIV, DA CF/1988. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 126 DO STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. Se o acórdão estadual fundamenta a necessidade de citação dos sócios para responder ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica no princípio do devido processo legal, invocando expressamente o art. 5º, LIV, da CF/1988, e a parte não interpõe recurso extraordinário, é inafas-tável a incidência do Enunciado n. 126 da Súmula. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2012a)

A ministra Nancy Andrighi, perfilhando o entendimento majo-ritário de que desconsideração tradicional ou inversa não ofende o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, assim se pronunciou:

Ademais, diante da desconsideração inversa da personali-dade jurídica, com a consequente irradiação de seus efeitos ao patrimônio do ente societário, este possui legitimidade para defesa de seus direitos, mediante a interposição dos recursos tidos por cabíveis, sem ofensa ao contraditório, à

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ampla defesa e ao devido processo legal (RMS 12.872/SP, 3ª Turma, minha relatoria, DJ 16.12.2002). (BRASIL, 2010b)

Pelas razões acima expostas, não obstante o dissenso jurisprudencial e doutrinário, em matéria de desconsideração direta ou inversa da personalidade jurídica, têm prevalecido os seguintes entendimentos: a aplicação desse instituto exige a satisfação dos requisitos legais, a inexigibilidade da citação e a incidência no bojo de processo de execução ou falimentar.

Destaque-se que, acerca da disregard doctrine, têm prevalecido os entendimentos da inexistência de ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório ou da ampla defesa, bem como ao direito de propriedade, porquanto os alcançados por esse instituto têm a oportunidade processual de impugná-lo por meios processuais idôneos, quais sejam, recursos, embargos, impugnação ao cumpri-mento de sentença e exceção de pré-executividade.

São inúmeras as decisões judiciais sobre a desconsideração tra-dicional e inversa da personalidade jurídica. Para não se fazer deste trabalho uma compilação de julgados, optou-se por apresentar alguns que revelam as polêmicas e as tendências atuais que tangenciam esse instituto.

5.4. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e execução trabalhista

O Código Civil de 2002 apresentou uma pauta axiológica de despatrimonialização, socialização e solidarização do direito. Bali-zam essas diretrizes os princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude.

Energizado pelo princípio da socialidade, o imperativo da função social da empresa alcançou maior densidade normativa no âmbito do Código Civil em vigor. Por meio de suas cláusulas gerais, o Estatuto Civilista imantou seus institutos jurídicos, tais como os contratos, a propriedade, a empresa, entre outros, ao vetor legitimante da função social.

A delimitação jurídico-semântica do que se convencionou chamar de função social não é pacífica no Direito. Para uma linha argumen-tativa, a função social da empresa pode ser deduzida, basicamente, a partir da função social da propriedade privada, mantendo com

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esta, portanto, uma relação de dependência. Já para outra corrente reflexiva, a função social da empresa apresenta autonomia lógico--legal, sendo, desse modo, princípio independente, dedutível de outras regras e princípios constitucionais.

É inegável o reconhecimento do Constituinte Originário da rele-vância social, jurídica e econômica da empresa. Tanto isso é verdade que a livre-iniciativa é princípio fundante do Estado Democrático de Direito, prevista no art. 1º, inciso IV, da Constituição da República de 1988, ladeado por outro que se encontra no mesmo endereço legislativo, o dos valores sociais do trabalho.

Interpretação mais restritiva pode conduzir à exegese de que a função social da empresa é extraível pura e simplesmente da função social da propriedade privada. Nada obstante a inegável força desse fundamento, a sua densidade normativa é, contudo, mais rarefeita. Isso se percebe mais facilmente quando se almeja extrair dessa in-terpretação balizas argumentativas atinentes à desconsideração da personalidade jurídica, na sua forma inversa ou direta.

Sob outra perspectiva hermenêutica mais expansiva, pode-se, porém, colher em vários outros dispositivos constitucionais elemen-tos que desvelam o imperativo jurídico da função social da empresa. Para tanto, necessário se faz deitar com mais vagar e circunspeção o olhar sobre o Texto Constitucional, para dele colher novos elementos argumentativos. Assim procedendo, as raízes da função social da em-presa ganham maior robustez, profundidade e consistência jurídica.

Nessa linha de raciocínio, a delimitação semântica da função social da empresa passa, então, pela exigência de respeito e defe-rência a um complexo de valores, princípios e regras constitucionais. Essa visão, como se nota, está para além da tese jurídica de que a função social da empresa pode ser suficientemente compreendida a partir de uma simples dedução da propriedade privada.

Por evidente que, sob a segunda óptica, a ideia-síntese de função social da empresa torna-se mais complexa e a identificação de seu sentido, alcance e fronteiras vai exigir do intérprete e aplicador do Direito maior esforço hermenêutico.

Segundo essa nova ordem de ideias, pode-se afirmar, assim, que a função social da empresa estará sendo efetivada quando a empresa, na realização de seu objeto social, com boa-fé objetiva respeitar e considerar que (BRASIL, 1988):

1) a dignidade da pessoa humana é fundamento republi-cano do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III,

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da Constituição da República de 1988). Esse fundamento é a ideia-força e o núcleo axiológico da Constituição que não pode ser olvidado pelas empresas em suas relações com terceiros, inclusive e, sobretudo, com os trabalhadores, sob pena de violação a direitos e garantias fundamentais;

2) a solidariedade é objetivo da República brasileira (art. 3º, inciso I, da Constituição da República de 1988). Assim, o exercício de suas atividades empresariais não poderá re-presentar obstáculo a que o Brasil construa uma sociedade livre, justa e solidária. Ao contrário, o ente empresário deve contribuir e cooperar para o atingimento desse objetivo republicano;

3) a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa (art. 170, caput, da Constituição da República de 1988). Por causa da dignidade da pessoa humana, fundamento da República brasileira, a valorização do trabalho humano tem primazia na ordem econômica. O trabalho humano é, portanto, fundamento da ordem eco-nômica brasileira, e não o oposto;

4) o fim da ordem econômica é assegurar a todos existên-cia digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, caput, da Constituição da República de 1988). Assim, o exercício da atividade econômica, fruto da livre iniciativa, não pode levar apenas ao crescimento econômico (produ-ção, geração e concentração de riquezas), mas também ao desenvolvimento econômico (distribuição e descentralização de riquezas). A ideia de justiça social passa pela promoção de uma existência digna, o que é possível quando a atividade empresarial assegura o crescimento e o desenvolvimento econômico, concomitantemente;

5) a livre-iniciativa ostenta relevância jurídica, social e eco-nômica inquestionáveis, tendo em vista que seu exercício propicia a geração de postos de trabalhos, arrecadação de impostos, produção e circulação de bens e serviços, distribui-ção de riquezas, entre outros. Contudo, o trabalho humano também é fundamento da ordem econômica, e não apenas a livre-iniciativa, não podendo aquele ser colocado em se-gundo plano, sobretudo por causa da dignidade da pessoa humana, fundamento axiológico do ordenamento jurídico (art. 1º, inciso IV e art. 170, caput, todos da Constituição da República de 1988);

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6) a busca do pleno emprego é princípio da ordem econô-mica (art. 170, inciso VIII, da Constituição da República de 1988). Assim, é necessária a criação de novos postos de trabalho que permitam a inserção de cidadãos no mercado de trabalho, para que eles possam ter acesso a bens e ser-viços essenciais. A busca do pleno emprego traduz-se não apenas na garantia do acesso, mas também na manutenção dos postos de trabalho, o que é possível pelo respeito à le-gislação social trabalhista autônoma e heterônoma e pelas boas práticas que melhorem as condições de trabalho;

7) o exercício da atividade empresarial deve contribuir para a redução das desigualdades sociais (art. 170, inciso VII, da Constituição da República de 1988) e não para fomentá--las, o que ocorre quando o crescimento econômico não é acompanhado pelo desenvolvimento econômico;

8) o trabalho ostenta valor social (art. 1º, inciso IV, da Cons-tituição da República de 1988). O trabalho é uma expressão objetiva da dignidade da pessoa humana cuja relevância transcende, e muito, os aspectos meramente econômicos. É fator de cidadania, de pertencimento social e de saúde física, psíquica e espiritual;

9) a saúde do trabalhador e o meio ambiente do trabalho são direitos sociais que devem ser respeitados e promovidos pela empresa e pela sociedade empresária. Ao se fazer uma interpretação sistemática do Texto Constitucional (arts. 6º, 7º, XXII, 196 a 200 e art. 225, § 1º, V), constata-se que es-ses direitos têm envergadura de direito social fundamental. Importante ressaltar que a saúde é direito fundamental do homem e que Estado, empresas, sociedade e família devem prover condições para o seu pleno exercício (art. 2º e § 2º da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990) (BRASIL, 1990c);

10) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, devendo a empresa controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e subs-tância que impliquem riscos para o meio ambiente e para a vida (art. 225, caput, § 1º, inciso V, da Constituição da República). Padecem de nulidade absoluta as cláusulas de fornecimento de produtos e serviços que infrinjam ou favo-reçam a violação de normas ambientais (art. 51, inciso XIV, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990). (BRASIL, 1990b)

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Ao se meditar sobre os elementos dessa lista exemplificativa, percebe-se que a concepção de função social da empresa é complexa e abrangente para a segunda vertente. Para que seja reconhecido e efetivado o cumprimento de sua função social, as empresas não podem se descurar da observância dos balizamentos constitucionais e infraconstitucionais mencionados.

Quando a empresa deixa de se guiar pelos princípios da boa-fé objetiva, da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concre-tude, como sucede nas condutas de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimo-nial, que importam em lesão e prejuízos ao credor trabalhista, ela despreza o imperativo da função social, autorizando a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma tradicional ou inversa.

Os argumentos favoráveis à aplicação da desconsideração direta da personalidade jurídica já foram declinados em outra oportunida-de. Tratar-se-á, doravante, do cabimento de sua forma inversa na execução trabalhista.

Antes de tudo, é importante ressaltar que não existe dispositivo legal expresso acerca da desconsideração inversa na personalidade jurídica, ao contrário da desconsideração da personalidade jurídica, cujos balizamentos normativos básicos são o art. 50 do Código Ci-vil (Teoria Maior) e o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Teoria Menor).

Assim sendo, a lacuna normativa na fase de execução trabalhis-ta autoriza a aplicação subsidiária da Lei de Execução Fiscal, Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, conforme regra contida no art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo a qual:

Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal. (BRASIL, 1980)

Omissa a Lei de Execução Fiscal, poderá ser aplicado, então, como fonte subsidiária, o Código de Processo Civil. A aplicação desse Código ou da Lei de Execução Fiscal exige a ocorrência con-comitante de lacuna normativa (omissão) e de compatibilidade das regras com os princípios, com as regras e com os fins do processo trabalhista.

Interessante destacar que autores há(42) que sustentam que deve ser observada a seguinte ordem em caso de omissão legislativa em

(42) Nesse sentido, é o entendimento de Leone Pereira, 2011, p. 649.

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matéria de execução trabalhista: primeiro deve se buscar, na Lei de Execução Fiscal, as regras supletivas. Sendo essa lei omissa, dever--se-á, em seguida, procurar no Código de Processo Civil as regras supletórias.

A Lei de Execução Fiscal ou o Código de Processo Civil serão aplicados em decorrência da inequívoca omissão da Consolidação das Leis do Trabalho acerca da matéria.

Neste momento, em razão do recorte epistemológico desta obra e da existência de lacuna normativa no Texto Consolidado, se faz prescindível e desnecessária, aqui, a discussão aprofundada sobre a interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como se sabe, há correntes de pensamentos que defendem que devem ser aplicadas regras de outros estatutos jurídicos, não apenas em caso de lacuna normativa da Consolidação das Leis do Trabalho, mas também em situações de lacunas axiológicas e ontológicas.

O argumento central dessa importante linha de raciocínio re-pousa na tese jurídica de que o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho foi concebido, originalmente, em 1943, ano de publicação dessa lei, apenas como cláusula de contenção.

A mens legis do art. 769 do Texto Consolidado era impedir a aplicação indiscriminada das regras contidas no então vigente Có-digo de Processo Civil de 1939, as quais, de ordinário, eram menos benéficas aos trabalhadores do que as regras celetistas.

Em razão da vedação ao non liquet, que proíbe o magistrado de não decidir alegando ausência de lei, o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho autorizou o julgador a se socorrer das regras do Código de Processo Civil de 1939 somente quando omisso o Texto Consolidado. Interessante observar que já houve ocasião em que o processo romano autorizava o non liquet diante da ausência de regra.

Contudo, contemporânea interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho acolhe a tese de que, ainda que não omissa essa lei, poderá o julgador se valer de regras de outros diplomas legais, sobretudo do Código de Processo Civil, quando sua incidência propiciar maior efetividade da legislação social trabalhista, constitucional ou infraconstitucional.

Hoje, afirmam os favoráveis a essa linha de pensamento que o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho não pode ser mais visto como cláusula de contenção, porquanto, se antes as regras do revogado Código de Processo Civil eram de ordinário desfavoráveis

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aos trabalhadores, as do Código em vigor, de 1973, por causa das ondas reformistas pelas quais passaram, se mostram em várias si-tuações mais aptas a assegurar uma tutela jurisdicional trabalhista, cognitiva ou executiva, mais efetivas.

Há dissenso jurisprudencial e doutrinário acerca do acolhimento dessa tese, havendo uma bifurcação hermenêutica:

De um lado, alguns admitem a aplicação de regras alheias à Consolidação das Leis do Trabalho apenas em caso de lacuna normativa, sendo esta uma interpretação literal do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

De outro lado, outros admitem a incidência de regras estranhas ao Texto Consolidado, não apenas em situação de lacuna normativa, mas também em hipóteses de lacunas axiológica e ontológica, sempre que essa exegese resultar em vantagens ao trabalhador.

Exemplo clássico dessa dualidade hermenêutica é a discussão acerca da admissibilidade, ou não, da aplicação da regra do art. 475-J do Código de Processo Civil(43) nos domínios do processo tra-balhista. Os da primeira corrente não admitem a aplicação da regra, sob o argumento de que a Consolidação das Leis do Trabalho não é omissa quanto à matéria(44), havendo regência normativa própria. Os da segunda acolhem a incidência, alegando que, não obstante a existência de regras celetistas, as do Processo Civil são mais aptas a assegurar a efetividade dos direitos trabalhistas.

Conforme já foi noticiado neste trabalho, o Projeto de Lei n. 606/2011 tenta superar esse impasse, entre outros, ao admitir a incorporação no processo laboral dos avanços do processo civil, tal como sucede com a aplicação de multa semelhante à prevista no art. 475-J desse Estatuto na execução trabalhista (JUCÁ, 2011a).

(43) Art. 475-J do CPC: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação” (BRASIL, 1973).(44) Tratam dos seguintes artigos da CLT: “Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora”. “Art. 882. O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código Processual Civil.” “Art. 883. Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial” (BRASIL, 1943).

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Estas considerações foram tecidas para evidenciar que em matéria de desconsideração da personalidade jurídica, em sua forma direta ou inversa, especialmente esta última, inexiste norma celetista específica que disciplina essa matéria. Portanto, a situação é de la-cuna normativa, descabendo discussão sobre interpretação evolutiva do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Por rigor metodológico, necessário se fez explicar o motivo pelo qual não se adentraria nessa fértil e instigante discussão, fundamen-tação e justificação da aplicação de outros diplomas em situações de lacunas axiológicas e antológicas no caso da disregard doctrine, por ser inaplicável, tendo em conta haver omissão legislativa.

Tangenciada essa questão, a indagação que se impõe é a seguin-te: diante da ausência de regras disciplinadoras da desconsideração inversa da personalidade jurídica na Consolidação das Leis do Tra-balho, há normas (regras e princípios) jurídicas que fundamentam a sua incidência nos domínios do processo executivo trabalhista?

A desconsideração da personalidade jurídica, inversa ou direta, é instituto de natureza material que se instrumentaliza no bojo de uma demanda judicial. Não há regra de direito material ou processual na Consolidação das Leis do Trabalho sobre a disregard doctrine.

Também não há regra na Lei de Execução Fiscal ou no Código de Processo Civil que discipline o instituto material da desconsideração da personalidade jurídica. Como já se comentou alhures, regem esse instituto o art. 50 do Código Civil, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, entre outros dispositivos legais.

O parágrafo único do art. 8º da Consolidação das Leis do Tra-balho autoriza a aplicação subsidiária das regras do direito comum na seara do Direito do Trabalho, desde que elas sejam compatíveis com os princípios desse ramo jurídico.

Sem querer entrar na polêmica do alcance da expressão direito comum, o fato é que na Justiça do Trabalho, como já explicado, adota--se a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, ou seja, ela é realizada quando satisfeitos os requisitos impostos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Assim, de acordo com o art. 28 da Lei n. 8.078, de 11 de se-tembro de 1990, especialmente seu § 5º:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da socie-dade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos

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estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetiva-da quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (BRASIL, 1990b)

Trasladando a regra consumerista para os domínios do direito e processo do trabalho, basta substituir a palavra “consumidor”, contida nos dispositivos citados, para “trabalhador”, para saber em quais situações ela é aplicável em matéria trabalhista.

Já se dissertou acima que a desconsideração da personalidade jurídica em sua forma inversa é aplicada na seara civil com base no art. 50 do Código Civil, que estabelece os cânones da Teoria Maior, os quais são mais rigorosos do que a Teoria Menor.

A realização da desconsideração inversa da personalidade jurídica na execução trabalhista ocorre com fundamento no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Dessa forma, não é incomum, nas relações trabalhistas, o abuso da personalidade jurídica, carac-terizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, ou a sua utilização como mecanismo de dificultar o adimplemento das verbas trabalhistas, causando sérios prejuízos ao trabalhador.

Inexiste lei que discipline expressamente a aplicação da descon-sideração da personalidade jurídica em sua forma inversa na Justiça do Trabalho. Assim, os princípios que autorizam a incidência da dis-regard doctrine em sua forma tradicional na execução trabalhista são também os mesmos que informam a sua aplicação na forma inversa na seara trabalhista.

Destarte, toda a argumentação acima apresentada que buscou justificar a aplicação da desconsideração da personalidade em sua forma tradicional na execução trabalhista aplica-se integralmente à desconsideração em sua forma inversa, a qual não será repisada para evitar repetição desnecessária. Serão apresentados, porém, argumentos novos que se somam aos já declinados, especialmente aqueles ligados à tese jurídica do direito fundamental a uma execu-ção trabalhista efetiva.

A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em sua forma inversa, assim como a tradicional, tem alcançado cada vez mais relevância nas lides trabalhistas por causa da criatividade negativa de alguns empregadores que insistem em se ocultar atrás do véu da personalidade jurídica com o afã de lesar credores trabalhistas.

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Nesse sentido, entre tantas outras práticas incivis, podem ser citadas aquelas em que o empregador sócio controlador transfere bens do seu patrimônio particular para a pessoa jurídica ou quando o empregador sócio administrador transfere bens do patrimônio social da empresa executada para outra empresa beneficiada direta ou indiretamente pela prestação dos serviços, integrante ou não formalmente integrante do mesmo grupo econômico, com o intuito de frustrar a satisfação de crédito trabalhista no bojo do processo de execução.

A conduta do sócio que integraliza seu patrimônio particular no patrimônio social ou que transfere os bens de uma empresa para outra, pertencente ou não ao grupo econômico, com o intuito de lesar o credor trabalhista, é prática que caracteriza desvio de finalidade da personalidade jurídica, ofensiva à boa-fé objetiva e à função social da empresa.

Os atos materializados com essa inspiração padecem de nulidade absoluta, porquanto violam todo um arcabouço constitucional defi-nidor da função social da empresa, tais como a dignidade da pessoa humana do trabalhador, a solidariedade, a valorização do trabalho, o fim da ordem econômica, a justiça social, a busca do pleno emprego, a redução das desigualdades sociais e o valor social do trabalho.

Por outro lado, as condutas de que se cuidam representam gran-de desrespeito e desprezo aos princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude, os quais trouxeram uma pauta de socialização e de solidarização do direito para todos os institutos do direito civil, incluindo, por óbvio, a personalidade jurídica.

Importante destacar que os atos que tenham por objetivo des-virtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação social trabalhista atraem a incidência de regra taxativa da Consolidação das Leis do Trabalho no art. 9º, segundo a qual “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” (BRASIL, 1943).

Ao utilizar a personalidade jurídica para fins diversos e alheios à função social da empresa, a aplicação da teoria da desconsidera-ção inversa da personalidade jurídica é medida jurídica necessária a coibir o ato ilícito lesivo ao trabalhador. A incidência desse instituto encontra amparo no citado art. 9º do Texto Consolidado, no art. 50 do Código Civil e no art. 28, § 5º, do Código de Defesa de Consumi-dor, porquanto tais dispositivos visam coibir a fraude, a simulação,

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o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, tendentes a fraudar os interesses do credor trabalhista.

Oportuno destacar que a desconsideração inversa da personali-dade jurídica, a pretexto da efetividade e da celeridade processuais, não pode, por óbvio, desrespeitar o devido processo legal, o con-traditório e a ampla defesa. Há que se assegurar aos executados o exercício desses direitos e garantias processuais fundamentais.

Por outro lado, a pretexto de se respeitar o devido processo legal e o amplo exercício do contraditório e da ampla defesa dos executados, não se pode negar efetividade à execução trabalhista, sobretudo quando se tem em mente que os sócios praticaram ato ilícito ao utilizarem a personalidade jurídica para além dos limites impostos pelo seu fim econômico, social e pela boa-fé objetiva.

Importante neste aspecto a regra relativa ao abuso de direito, prevista no art. 187 do Código Civil brasileiro: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifesta-mente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 1973).

Considerando a importância constitucional do trabalho, a função social da empresa, os princípios éticos e jurídicos da desconsideração direta e inversa da personalidade jurídica, bem como a principiologia do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, não se pode fazer do processo um instrumento que impeça a efetividade do direito material do trabalho.

Nessa linha argumentativa, não se pode exigir do credor tra-balhista a prova cabal da condição financeira da pessoa jurídica, da prática de atos ilícitos de fraude, a simulação, o desvio de finalidade, a confusão patrimonial ou a prova de que a pessoa jurídica é um obstáculo ao adimplemento das obrigações trabalhistas.

Essa exigência, além de desprezar o jus postulandi e a teoria dinâmica do ônus da prova que se orienta pelo princípio da maior aptidão probatória, seria uma espécie de prova diabólica a premiar a conduta ilícita do sócio que se escondeu atrás do manto da perso-nalidade jurídica para praticar atos ilícitos.

Endossa essa compreensão de viés protetivo ao trabalhador o fragmento do voto do ministro do Tribunal Superior do Trabalho, José Roberto Freire Pimenta, para quem:

O desequilíbrio entre o trabalhador e o empregador carac-teriza e informa o Direito do Trabalho, motivo pelo qual não

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se exige que o empregado busque informações acerca da higidez financeira do empregador, ou da parcela de respon-sabilidade dos sócios que integram a pessoa jurídica. Ao trabalho prestado corresponde a devida contraprestação, estabelecida em lei.

As relações existentes entre os sócios não se comunicam com a responsabilidade trabalhista imputável aos mesmos, já que a lei garante o benefício de ordem (art. 596, § 1º, do CPC), competindo ao sócio com responsabilidade subsidiária exercitá-lo, cumpridas as exigências legais, tudo sob pena de inverter-se a finalidade da execução, que se processa em favor do credor (arts. 568, inciso I, 580, 591 e 646, do CPC), competindo ao devedor opor as exceções dispostas em lei, sob pena de negativa de vigência ao art. 5º, incisos I, II e LIV, da Constituição Federal.

Destarte, basta a verificação de que o sócio integrava o quadro societário da pessoa jurídica por ocasião do contrato de trabalho (o qual vigorou de 11.4.1995 a 5.4.2003, fl. 20) somada à insuficiência patrimonial da empresa (a qual se revela pelo resultado negativo da consulta efetuada por meio do sistema Bacen-Jud., fl. 541, cum-prindo lembrar que a preferência da penhora recai em dinheiro, art. 655 do CPC) ou dos sócios atuais, para que a execução recaia sobre o patrimônio pessoal dos sócios retirantes, que sempre detiveram responsabilidade trabalhista, na forma da lei, responsabilidade esta que permanece latente até a constatação do exaurimento patrimo-nial, ficando autorizada, então, a inclusão imediata dos ex-sócios no polo passivo da execução.

Importante salientar, ainda, a teoria da desconsideração inver-sa da personalidade jurídica, conforme doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, citando Fábio Ulhoa: “Caracteriza-se a desconsideração inversa quando é afastado o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio, [...]”, perfeitamente aplicável ao caso sob apreço.

Com efeito, os atuais acionistas da Gol foram sócios da exe-cutada, de modo que auferiram lucros e aumentaram os próprios patrimônios, os quais, sem sombra de dúvidas, também serviram para a criação e continuidade da agravante, o que autoriza a res-ponsabilização desta, haja vista a obrigação desses mesmos sócios pelo crédito exequendo, como acima salientado.

Quanto à formação de grupo econômico, a subordinação entre as empresas que dele fazem parte é despicienda, sendo suficiente que

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ajam de forma coordenada, o que se mostra cristalino, haja vista os interesses comuns. (BRASIL, 2013a)

Importante destacar que não se pode transferir ao trabalhador os riscos e os prejuízos decorrentes do empreendimento e da fal-ta de diligência dos sócios de se fiscalizarem mutuamente. Se um dos sócios transfere bens pessoais para o patrimônio social ou para outra pessoa jurídica, não pode o credor trabalhista ver seu crédito inadimplido sob a alegação de que deve provar o intuito fraudulento ou de que a pessoa jurídica não pode suportar os ônus decorrentes dos atos ilícitos exorbitantes de seus sócios.

Admitir essas teses jurídicas invocando, entre outros, a neces-sidade de exaurimento absoluto do devido processo legal, seria uma forma de premiar o sócio infrator que descurou da boa-fé objetiva, da função social da empresa e punir o credor trabalhista, negando-lhe o reconhecimento do trabalho como direito social fundamental. Além disso, seria grave violação ao princípio constitucional da legalidade, art. 5º, II (BRASIL, 1988) e ao princípio celetista da alteridade, art. 2º da CLT (BRASIL, 1943), porquanto os riscos do empreendimento são do tomador de serviços.

Nesse diapasão, torna-se muito frágil o argumento de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica não pode ser apli-cada na execução trabalhista porque carece de previsão normativa. Muito antes pelo contrário, como se mostrará no item seguinte. Por meio de interpretação sistemática, são identificados vários argu-mentos jurídicos que justificam sua aplicação no processo executivo trabalhista.

5.5. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e hermenêutica

A afirmativa de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica não pode ser aplicada nos domínios do processo executivo trabalhista, em decorrência da ausência de previsão legal especí-fica, é tese jurídica que não encontra acolhida no estágio atual da hermenêutica jurídica.

Por meio de interpretação sistemática, pode-se colher do orde-namento jurídico inúmeras regras e princípios que fundamentam, à saciedade, a aplicação desse instituto nos domínios da execução trabalhista.

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O primeiro bloco de argumentos jurídicos que justificam a aplicação da desconsideração inversa já foi mencionado pela minis-tra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, em seu acórdão paradigmático. Trata-se dos princípios éticos e jurídicos da disregard doctrine, os quais embasam também a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Isso porque as desconsiderações da personalidade jurídica tra-dicional ou inversa objetivam coibir a fraude, a simulação, a má-fé, o desvio de finalidade da personalidade jurídica e o desrespeito à função social da empresa, mediante a responsabilização dos sócios.

Na desconsideração inversa, a responsabilização ocorre em sentido contrário da tradicional, isto é, o patrimônio social responde pelas dívidas particulares dos sócios. Logo, o art. 50 do Código Civil e o art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, mormente este último, autorizam a aplicação da desconsideração em sua for-ma inversa no bojo do processo executivo trabalhista, porquanto o sopro que anima a desconsideração inversa é o mesmo que insufla a tradicional.

Em matéria trabalhista, o desvio de finalidade, a confusão pa-trimonial, a insuficiência financeira empresarial e as dificuldades impostas pela personalidade jurídica para ressarcir os prejuízos cau-sados aos trabalhadores são fatos e atos jurídicos que configuram desrespeito pela empresa ou pela sociedade empresária à função social e à boa-fé objetiva. Tal contexto fático atrai a aplicação da desconsideração inversa, como forma de assegurar a fruição dos direitos sociais proclamados pela legislação social protetiva consti-tucional e infraconstitucional.

O segundo bloco de argumentos jurídicos que embasam a des-consideração inversa é composto por todos aqueles dez fundamentos de envergadura constitucional, dos quais já se falou anteriormente, que delimitam o sentido e o alcance da função social da empresa. A desconsideração inversa com base neles é uma forma de ao me-nos mitigar os malefícios sociais causados ao trabalhador e a toda sociedade, porquanto pode lhes assegurar a fruição, ainda que ex-temporânea, dos direitos trabalhistas que lhes foram ilicitamente sonegados quando a empresa menosprezou o imperativo da função social.

Dessa forma, o fundamento republicano da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição da República), o objetivo republicano da solidariedade (art. 3º, inciso I, da Constituição da

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República), a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput, da Constituição da República), a justiça social como fim da ordem econômica (art. 170, caput, da Constituição da República), a redução das desigualdades sociais (art. 170, inciso VII, da Constituição da República) e o valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República) podem ser invocados para fundamentar e justificar a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O terceiro bloco de argumentos gravita em torno dos princípios da eticidade e da socialidade, os quais implantaram diretrizes de despatrimonialização, de socialização e de solidarização do direito. O desvio de finalidade da personalidade jurídica despreza esses ve-tores, porquanto impede que o trabalhador usufrua de seus direitos sociais fundamentais.

A reprimenda dessa conduta por meio da desconsideração inver-sa da personalidade jurídica tem dois efeitos. O primeiro, individual, aumenta a possibilidade de recebimento pelo trabalhador de seus créditos trabalhistas, impedindo a consumação integral de todos os males sociais do desrespeito à função social da empresa. O segundo, social, consiste no efeito pedagógico dessa medida, porquanto a ex-cussão do patrimônio social para adimplir dívida do sócio desestimula, de certa forma, o desvio de finalidade da personalidade jurídica.

A ausência de qualquer reprimenda ou consequência, ainda que de natureza exclusivamente patrimonial, certamente estimularia ain-da mais a transgressão, a utilização da personalidade jurídica para fins contrários à função social da empresa, para muito além do que já acontece hoje.

O quarto bloco que autoriza a desconsideração em sua forma inversa gira em torno das balizas impostas pelos princípios da exe-cução trabalhista, especialmente da isonomia de tratamento das partes, da primazia do credor trabalhista, da utilidade da execução para o credor e da não prejudicialidade do devedor.

Como já se disse alhures, embora seja o executado titular de direitos e garantias processuais, existe uma situação de preeminência do credor e de sujeição do devedor ao preceito sancionatório emer-gente do título exequendo, além de a execução no processo civil e no processo do trabalho realizar-se no interesse do credor.

A aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídi-ca no bojo da execução trabalhista tem por escopo dar efetividade ao princípio do acesso universal à justiça, mencionado no art. 5º,

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XXXV, da Constituição da República de 1988: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Como já foi discutido nesta obra, a concepção contemporânea de acesso à justiça está atrelada à efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, não é suficiente o simples reconhecimento judicial do direito no bojo do módulo cognitivo.

Mais do que isso, no Estado Constitucional de Direito brasileiro, sem prejuízo do devido processo legal, deve o Estado-Juiz adotar medidas executivas expeditas aptas a assegurar a fruição concreta pelo demandante trabalhista dos seus direitos declarados no provi-mento judicial. Não se conformando o executado com as constrições judiciais de seu patrimônio, poderá, em nome do contraditório e da ampla defesa, manejar os meios processuais idôneos para afastar a medida.

A aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica tem sido percebida como importante mecanismo assecuratório de direitos e garantias sociais fundamentais dos trabalhadores. Muito oportuno afirmar que a desconsideração inversa da personalidade jurídica tem a vocação de restabelecer o desequilíbrio decorrente da violação dos preceitos definidores de direitos sociais trabalhis-tas, tais como os previstos no art. 7º da Constituição da República e tantos outros disseminados na Consolidação das Leis do Trabalho e em legislações esparsas.

O poder irradiante dos quatro blocos acima referidos tem como força motriz imperativos éticos e jurídicos que não toleram que a fraude, a simulação, o desvio de finalidade, a confusão patrimonial e a insuficiência patrimonial façam recair sobre os ombros do tra-balhador as consequências negativas decorrentes do uso ilícito da personalidade jurídica ou da má gestão, ainda que a pretexto de argumentos de índole do direito material e processual.

A ausência de resposta imediata e efetiva do Poder Judiciário Trabalhista aos procedimentos ilícitos de desvio de finalidade da empresa corresponderia a uma negativa do valor social do trabalho, seria um desprezo ao seu status de direito social fundamental am-plamente reconhecido e protegido pela Constituição da República, enfim, consistiria em um não reconhecimento do trabalho como expressão objetiva da dignidade da pessoa humana.

Além disso, como já se afirmou, seria uma afronta ao princípio constitucional da legalidade, porquanto a não desconsideração in-versa nas situações fáticas de que se cuida implicaria em negar a

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aplicação de duas importantes regras trabalhistas: a primeira, a que declara que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho e, a segunda, a de que os riscos do empreendimento são do empregador.

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, José Roberto Freire Pimenta, estabelece, em decisão de sua lavra, importante relação entre a desconsideração da personalidade jurídica e a tutela dos direitos sociais fundamentais:

[...]

Constatada a existência de fraude à execução, conforme análise no tópico precedente é viável a desconsideração inversa da pessoa jurídica, nos termos do art. 28, § 5º, da Lei n. 8.078/1990, de modo a mitigar a autonomia patrimo-nial da pessoa jurídica para assegurar direitos e garantias fundamentais, insculpidos na Constituição Federal, em con-sonância com o princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, nos termos do art. 1º, III e IV, e 170 da CF.

Logo, não há falar que referido instituto é inaplicável ao processo do trabalho por ausência de previsão legal. (BRA-SIL, 2012c)

Importante destacar que, segundo o ministro, descabe o argu-mento de que é inaplicável o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica por ausência de previsão legal. Por meio de uma interpretação sistemática, como acima se argumentou, é plenamente possível a sua incidência nos domínios da execução trabalhista.

Relevante também colocar em evidência o entendimento de José Roberto de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica visa assegurar direitos e garantias fundamentais, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os valores sociais do trabalho.

Afora a interpretação sistêmica que autoriza largamente a aplicação da desconsideração inversa na execução trabalhista, o argumento da tese contrária de que sua incidência viola o princípio da legalidade invoca ultrapassada concepção desse princípio, de conotação eminentemente positivista clássica.

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A respeito da transformação do sentido do princípio da legalidade no Estado Constitucional brasileiro, assim se pronunciou Luis Guilherme Marinoni:

Por consequência, o princípio da legalidade obviamente não pode mais ser visto como à época do positivismo clássico. Recorde-se que o princípio da legalidade, no Estado Legisla-tivo, implicou na redução do direito à lei, cuja legitimidade dependia apenas da autoridade que a emanava. Atualmente, como se reconhece que a lei é o resultado da coalização das forças dos vários grupos sociais, e que por isso fre-quentemente adquire contornos não só nebulosos, mas também egoísticos, torna-se evidente a necessidade de submeter a produção normativa a um controle que tome em consideração os princípios de justiça. (MARINONI, 2010, p. 45)

A questão, portanto, é analisar se a interpretação sistemática autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se ela passa pelo crivo dos princípios de justiça, os quais são dedutíveis do arcabouço constitucional, e não da vontade solipsista do julgador. A questão não é de voluntarismo, mas de se perquirir qual o valor do trabalho e do trabalhador para o Texto Constitucional.

Em relação à interpretação sistemática, farto é o conjunto norma-tivo que nos planos da justificação e aplicação autorizam a aplicação da desconsideração inversa. Por outro lado, não restam dúvidas de que esse instituto está em sintonia com a importância constitucional do trabalho, porquanto contribui para a realização da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho humano como funda-mento da ordem econômica e dos valores sociais do trabalho.

5.6. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e direito fundamental a uma tutela executiva efetiva

As ondas renovatórias pelas quais passou o processo civil e os direitos fundamentais da razoável duração do processo e da efeti-vidade da tutela jurisdicional permitem inferir que existe um direito fundamental a uma execução efetiva, seja no processo comum, seja no processo trabalhista.

Nesse sentido, afirma Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 36-40) que a processualística civil, sob a influência de Mauro Cappelletti,

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reconhece a existência de três fases — ou de três ondas — do movimento de acesso a uma ordem jurídica justa. São elas: a assistência judiciária, a tutela dos interesses metaindividuais e a satisfação dos jurisdicionados quanto aos serviços jurisdicionais prestados pelo Estado-Juiz.

Por meio da assistência judiciária, procurou-se superar as barrei-ras de ordem econômica que impediam o acesso dos hipossuficientes ao Poder Judiciário. A tutela dos interesses metaindividuais repre-sentou um esforço de criação de mecanismos processuais de tutela dos interesses difusos e coletivos. No que se refere à satisfação dos jurisdicionados, a preocupação foi garantir a fruição dos direitos ilegitimamente negados, por meio da prestação de um serviço ju-risdicional célere, satisfatório e efetivo.

Relevante destacar que a satisfação dos jurisdicionados não se esgota no simples reconhecimento do direito, na fase cognitiva. Ela passa, necessariamente, pela efetividade das decisões judiciais, ou seja, pela entrega pelo Estado-Juiz do bem jurídico perseguido em juízo, como as verbas rescisórias de um contrato de emprego.

Portanto, a efetividade dos direitos fundamentais à razoável duração do processo e à tutela jurisdicional efetiva deve permear todo o itinerário processual, isto é, desde o momento em que o in-divíduo declina sua pretensão até a entrega efetiva do bem da vida perseguido em juízo.

Nessa linha de compreensão, pode-se afirmar que a tutela juris-dicional executiva efetiva, seja no processo comum, seja no processo trabalhista, é um direito fundamental que traduz o coroamento de todo o movimento renovatório consubstanciado nas três ondas re-novatórias de que tratou Mauro Cappelletti.

É bom lembrar que, segundo a doutrina contemporânea, não há mais razão para se admitir a autonomia absoluta do processo de execução em face do processo de conhecimento, tal como preconi-zado originalmente pelo Código de Processo Civil em vigor, de 1973, segundo o qual o processo dividia-se em processo de conhecimento e processo cautelar (não satisfativos) e processo de execução (sa-tisfativo). Hoje, sob o influxo das ondas reformistas, admitem-se processos satisfativos (conhecimento e execução) e não satisfativos (cautelar).

É certo que a inspiração do Código de Processo Civil de Buzaid era a da autonomia dos processos de conhecimento e de execução,

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pela inegável influência das ideias de Liebman. Com a evolução do processo civil, no bojo das citadas ondas renovatórias, muitas pre-missas foram alteradas.

A partir de então, passou-se a admitir o processo sincrético ou misto, no qual se desenvolvem no mesmo processo duas fa-ses distintas, dois módulos: cognitivo e executório. Dessa forma, pode-se afirmar que no processo em que se busca a execução de título executivo extrajudicial, o processo de execução será autô-nomo. Entretanto, nos processos sincréticos, o processo de execução não será autônomo, mas simplesmente uma fase do processo sin-crético.

Portanto, a execução efetiva no processo trabalhista ou no pro-cesso comum constitui direito fundamental do jurisdicionado. Assim, a entrega efetiva do bem da vida pretendido em juízo representa o ápice da concretude dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva, à duração razoável do processo e do acesso a uma ordem jurídica justa, que assegure uma decisão justa, satisfatória, efetiva e de qualidade concreta e prática.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica, assim como a tradicional, permite a tutela efetiva dos direitos trabalhis-tas, porquanto assegura ao trabalhador o direito de efetivamente receber as parcelas que lhe são devidas e que lhe foram sonegadas pelo empregador. Ao lançar mão dessa ferramenta, a Justiça do Tra-balho assegura o direito fundamental do trabalhador a uma tutela executiva efetiva.

Interessante pontuar que a jurisdição deve estar a serviço da realização do direito material, a fim de que os direitos sociais que integram o patrimônio do trabalhador possam ser usufruídos. À luz dessa compreensão, o Judiciário Trabalhista tem o dever-poder de, no exercício de sua função constitucional de pacificação, com justi-ça, lançar mão de institutos que permitam a efetividade de direitos fundamentais.

Apontando a função instrumental da jurisdição em face do direito material, Luis Guilherme Marinoni faz o seguinte apontamento:

isso é mais fácil de evidenciar do que a própria ideia de que a lei deve ser conformada segundo os princípios cons-titucionais de justiça e os direitos fundamentais. É que a tutela — ou a proteção — jurisdicional tem uma óbvia na-tureza instrumental em relação ao direito material. A tutela jurisdicional, além de tomar em conta a Constituição, deve

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considerar o caso e as necessidades do direito material, uma vez que as normas constitucionais devem iluminar a tarefa de tutela jurisdicional dos direitos. (MARINONI, 2010, p. 114)

O instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica é instituto jurídico a serviço, portanto, da jurisdição, para que ela realize seus escopos sociais, políticos e jurídicos e, principalmente, na perspectiva da instrumentalidade substancial, assegure a efetividade dos direitos trabalhistas, em plena conformidade com a dignidade da pessoa humana e com os valores sociais do trabalho.

O direito fundamental a uma tutela executiva efetiva é consectá-rio lógico do direito fundamental do acesso universal à justiça. Assim sendo, a integral satisfação do direito reconhecido no provimento judicial cognitivo é uma exigência republicana do Estado Constitu-cional brasileiro. A desconsideração inversa da personalidade jurídica representa, portanto, um dos instrumentos de que se serve a Justiça Laboral para se desincumbir de seu dever constitucional de guardião dos direitos sociais fundamentais do trabalhador.

A alegação de que descabe a aplicação no processo do trabalho da desconsideração inversa da personalidade em virtude da ausência de previsão legal expressa representa injustificável desprezo às con-tribuições da hermenêutica. Como se teve oportunidade de afirmar, por meio de interpretação sistemática, é possível colher exuberante acervo de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais fundamental à sua incidência nos domínios da execução trabalhista.

Por outro lado, afirmar que a Justiça do Trabalho tem a missão constitucional de proteger, no plano jurisdicional, os direitos sociais fundamentais, de velar pela observância dos valores sociais do tra-balho e de assegurar o respeito e a consideração pela dignidade da pessoa humana do trabalhador, sem lhe oferecer os meios de na-tureza processual ou material suficientes a tais misteres, seria uma violação à teoria dos poderes implícitos.

Como se sabe, em direito constitucional, a atribuição constitucio-nal e legal de deveres e responsabilidades a determinado órgão traz consigo, implicitamente, autorização de manejo dos meios materiais e processuais idôneos à desincumbência das obrigações impostas. Pode e deve a Justiça do Trabalho, portanto, valer-se de interpreta-ção sistemática para manejar instrumentos, como a desconsideração inversa da personalidade jurídica, para permitir a defesa de direitos fundamentais.

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5.7. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e efetividade da tutela jurisdicional trabalhista

A desconsideração inversa e direta da personalidade jurídica é um instituto utilizado na Justiça do Trabalho na fase executiva que permite mitigar o déficit de concreção jurídico-normativo da legislação social trabalhista, permitindo maior efetividade da tutela jurisdicional trabalhista.

A efetividade da tutela jurisdicional está relacionada à ideia de instrumentalidade do processo. Essa visão é fruto do entendimento de que no Estado Democrático de Direito o processo não pode ser compreendido como um fim em si mesmo.

A doutrina identifica dois tipos de instrumentalidade do processo, a negativa e a positiva. Segundo a instrumentalidade negativa, o processo é concebido como instrumento a serviço da efetividade do direito material. Já, de acordo com a instrumentalidade positiva, ele é tido como meio indispensável para que a jurisdição possa atingir seus escopos sociais, políticos e jurídicos.

Nesse sentido, é o entendimento de Alexandre Freitas Câmara que, inspirado nas reflexões de Barbosa Moreira, afirma que:

o processo deve alcançar o fim a que destina, ou seja, o processo deve ser capaz de permitir ao Estado atingir os escopos da jurisdição. Deve-se, pois, lutar pela efetividade do processo. Por efetividade, entende-se a aptidão de um instrumento para alcançar seus objetivos. Assim é que o processo só é efetivo se dispõe de meios capazes de per-mitir ao Estado atingir os escopos da jurisdição. (CÂMARA, 2008, p. 212)

Destarte, pode-se entender que a tutela jurisdicional será efetiva quando o processo conseguir realizar suas funções instrumentais ne-gativa e positiva, ou seja, quando permitir ao trabalhador o exercício prático de suas posições jurídicas de vantagem que lhe são garantidas pelo direito material, bem como assegurar que a jurisdição estatal realize seus escopos.

A necessidade de concretização dos direitos fundamentais so-ciais e da efetividade da tutela jurisdicional trabalhista, bem como do direito fundamental a uma execução efetiva, por si só já seria

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argumento bastante consistente para justificar a aplicação do insti-tuto da desconsideração inversa da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho.

Com efeito, a plena concretização dos direitos sociais funda-mentais e a efetividade da tutela jurisdicional trabalhista constituem ainda um grande desafio para a Justiça do Trabalho. É fato notório que a legislação social trabalhista, constitucional e infraconstitucio-nal é reiteradamente desrespeitada, razão pela qual ela apresenta elevado déficit de concreção jurídico-normativo.

Na obra Capitalismo, Trabalho e Emprego, Mauricio Godinho Delgado faz um preciso diagnóstico desse indesejável cenário de violação dos direitos fundamentais sociais e das normas trabalhistas (DELGADO, 2006).

Mesma análise faz José Roberto Freire Pimenta em seu texto intitulado “A Tutela Metaindividual dos Direitos Trabalhistas: uma exigência Constitucional”, inserido na obra coletiva Tutela Metaindi-vidual Trabalhista, para quem:

há uma distância imensa entre as generosas promessas positivadas em suas Normas Fundamentais e a realidade empírica, na qual os direitos fundamentais individuais, sociais e metaindividuais previstos em seus ordenamentos jurídicos são sistematicamente descumpridos e ainda não são usufruídos por grande parte dos cidadãos. (PIMENTA; BARROS; FERNANDES, 2009, p. 9)

São muitas as razões pelas quais a Justiça Especializada não consegue assegurar, em sua plenitude, a concretização dos direitos fundamentais sociais e a efetividade da tutela jurisdicional trabalhista. Essa situação, não se pode negar, representa agressão ao direito--garantia de acesso a uma ordem jurídica justa.

Entre tantas, pode-se destacar a já tão discutida utilização da personalidade jurídica para fins diversos de sua função social — fraude, simulação, confusão patrimonial, abuso de personalidade — acompanhada do manejo desvirtuado por parte de algumas em-presas dos mecanismos processuais como forma de se esquivar de suas responsabilidades. Nas duas situações, há o exercício abusivo de direitos de conotação material e processual, configurando, portanto, ato ilícito. Contra essas práticas, tem-se a desconsideração inversa e direta da personalidade jurídica.

Contribui também para esse cenário de crise de efetividade o fato de o modelo processual atual ter sido moldado na forma do

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paradigma do Estado liberal, cujos vetores foram, entre outros, o individualismo, o liberalismo e o patrimonialismo. Isso significa que o cânone processual pátrio foi tecnicamente estruturado como um método aparelhado de enfrentamento, pelo Estado-Juiz, dos conflitos essencialmente individuais, na tentativa de efetivar os valores do modelo estatal liberal.

Esse modelo individualista de processo, baseado nas diretrizes do conceitualismo, da legitimidade ordinária e das lides atomizadas, até certa medida, revelou-se, não se pode negar, um avanço no con-texto social, político e econômico do liberalismo econômico, já que permitiu cumprir, num ambiente histórico específico, a sua função instrumental de tutelar os direitos de primeira dimensão, quais sejam, os civis e o político. De fato, esse modelo representou um avanço, tendo em vista o modelo de processo das sociedades arcaicas e da Idade Média, dos quais se falou no início desta obra.

Novos ares trouxeram a reboque novos desafios sociais, políticos e econômicos a exigir inovadoras e criativas formas de enfrentamen-to, por parte do Estado-Juiz, dos conflitos. O declínio do paradigma do Estado Liberal contribuiu para a transição para o modelo de Estado de Bem-Estar Social, posteriormente sucedido pelo atual modelo de Estado Democrático de Direito.

No bojo do Estado do Bem-Estar Social e do Estado Democrá-tico de Direito, emergiram outras dimensões de direitos — sociais, econômicos, culturais, metaindividuais, transindividuais, a exigir do processo, enquanto instrumento substancial de efetividade do direito material, nova estrutura, já que as antigas técnicas e formas revelaram-se inadequadas aos novos fins a ele impostos pelo novo paradigma estatal.

Nesse contexto, as sociedades de massa, a globalização, a relati-vização das noções de tempo e espaço, a explosão demográfica, entre outros fatores, fizeram surgir e ganhar corpo uma nova modalidade de conflito, os conflitos de massa, assinalados pela transcendência dos interesses que não se circunscreviam aos estreitos interesses intersubjetivos individuais das partes.

O modelo tradicional de processo, estruturado para os conflitos individuais em que o titular do direito era quem deveria estar em juízo, por óbvio, revelou-se inepto para essa nova realidade.

A consequência disso é que as técnicas do modelo tradicional do processo — inspiradas no modelo liberal-individual — não fo-ram, e não são hábeis os suficientes para permitir que o processo,

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instrumento técnico e ético, cumpra seus escopos sociais, políticos e jurídicos, segundo os novos parâmetros do Estado Democrático de Direito, que tem por eixo teórico não mais o patrimônio, mas a pessoa e sua dignidade.

Para efetivar essa dignidade e afirmar a centralidade dos direitos fundamentais, é necessário um novo modelo de processo que possa franquear ao cidadão o acesso a uma ordem jurídica justa, a um devido processo legal e a um justo processo legal.

O fato é que a utilização das inadequadas técnicas e tutelas essencialmente individuais e ressarcitórias do modelo tradicional di-ficultam que o Direito Processual do Trabalho e a Justiça do Trabalho cumpram a contento o seu papel primordial de assegurar a efetivida-de dos direitos fundamentais sociais proclamados pela Constituição da República de 1988. Portanto, os conflitos de massas não podem ser suficientemente enfrentados e dirimidos pelo antigo modelo, por absoluta inadequação, instaurando-se a denominada crise de justiça.

A mudança desse cenário exige, assim, a adoção de novas técnicas processuais — como a ação metaindividual e as tutelas jurisdicionais diferenciadas, — que permitam a tutela jurisdicional adequada, célere e eficaz e o enfrentamento satisfatório dos conflitos trabalhistas que transcendem a esfera meramente individual.

As novas técnicas processuais contemporâneas que se inserem no quadro fático da molecularização das demandas trabalhistas são necessários e importantes mecanismos que têm por objetivo cen-tral elevar o grau de efetividade da legislação social trabalhista e da tutela trabalhista.

Ao lado dessas novas técnicas, e para as incontáveis lides indivi-duais, atomizadas, que ainda persistem e se avolumam a cada dia na Justiça do Trabalho, essa Justiça, com o olhar voltado também para o mesmo alvo, socorre-se da desconsideração inversa, e também direta, da personalidade jurídica.

5.8. Desconsideração inversa da personalidade jurídica e reflexos da crise de efetividade da legislação social trabalhista

A incapacidade do direito processual e da Justiça do Trabalho de assegurar a efetividade da legislação social trabalhista tem conse-quências indesejáveis. Além da perturbação social no campo coletivo,

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na seara individual das relações trabalhistas, ela contribui para o esvaziamento do sentido e alcance dos direitos sociais fundamentais instituídos pelas normas constitucionais e infraconstitucionais, ense-jando um déficit de concretude jurídico-normativo desses direitos.

Vale dizer, os direitos sociais, econômicos e culturais proclama-dos, mas não efetivados, fazem nascer o sentimento — para alguns até mesmo a certeza — de que eles não passam de simples promessa demagógica feita às massas, nada mais.

Esse quadro põe em risco a realização dos escopos do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho no Estado Democrático de Direito, cuja última ratio é promover e assegurar a efetividade da dignidade da pessoa humana do trabalhador, por meio da garan-tia de um patamar mínimo de cidadania ao trabalhador, compatível com os parâmetros democráticos de uma sociedade juridicamente organizada pelo Direito.

Esse contexto faz com que os interlocutores sociais das relações trabalhistas tenham elevada descrença na efetividade da legislação trabalhista e no aparato estatal, o que pode dar azo a comporta-mentos desviantes do empregador inidôneo, que se sente tentado a desrespeitar cada vez mais as normas trabalhistas.

Isso porque o déficit de efetividade normativa das normas traba-lhistas aliado à falta de efetividade da tutela jurisdicional trabalhista o seduz à transgressão crescente, ao desprezo da função social da empresa e ao desrespeito e pouca consideração à dignidade do tra-balhador.

Já o trabalhador passa a acreditar que os direitos fundamentais sociais proclamados na Constituição da República não passam de promessas republicanas inexequíveis, demagógicas, eleitoreiras.

Essa frustração é exponenciada quando o obreiro recorre ao Estado-Juiz e percebe que o problema não está somente no desres-peito pelo empregador aos seus direitos trabalhistas, mas também na sua constatação da incapacidade do ente estatal de prestar uma tutela jurisdicional efetiva que impeça a violação de seus direitos fundamentais ou que assegure coercitivamente a sua fruição ilicita-mente sonegada.

O quadro acima descrito, de impunidade, descrença e falta de efetividade, acarreta várias consequências, como: o congestionamen-to da Justiça do Trabalho pelo aumento das reclamações trabalhistas e a celebração de acordos flagrantemente lesivos ao obreiro que,

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premidos por suas necessidades e de seus familiares, não podem suportar a morosidade da tutela jurisdicional.

Além dessas duas, há o aumento da informalidade no traba-lho, cujas consequências espraiam-se para outras searas, como a previdenciária, bem como o aumento em progressão geométrica de execuções trabalhistas frustradas. Esse cenário acaba por desenhar um quadro fático de crise de justiça, catalisador de indesejável de-sestabilização social.

A aplicação com parcimônia de institutos que permitam a mitiga-ção desse quadro, como a desconsideração inversa da personalidade jurídica, é medida necessária num Estado Democrático de Direito que reconhece a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, o primado do trabalho na ordem econômica, a justiça social e que proclama a eficácia imediata dos direitos fundamentais, inclusive os sociais.

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Conclusão

O direito fundamental ao acesso universal à justiça proclama-do pela Constituição da República brasileira de 1988 atraiu para o Estado-Juiz o dever de prestar ao jurisdicionado uma tutela jurisdi-cional integral. Isso significa que a efetividade das decisões judiciais, materializada na entrega do bem jurídico pleiteado em juízo pelo demandante, constitui direito fundamental do cidadão e exigência do Estado Democrático de Direito.

Já, no passado, os romanos tinham grande preocupação com a satisfação dos direitos subjetivos declarados em lei e reconhecidos em provimento judicial. Para eles, a relação entre direito subjetivo e ação judicial era muito intensa, a tal ponto que entendiam que a existência do primeiro estava condicionada à existência da segun-da. Com o escopo de assegurar a fruição dos direitos subjetivos, os romanos conceberam vasto conjunto de actiones e de mecanismos executivos.

A história do processo revela a gradual transição da justiça pri-vada para a justiça pública, sendo fases desse percurso evolutivo a justiça privada, o arbitramento facultativo, o arbitramento obrigatório e a justiça realizada monopolisticamente pelo Estado. No bojo desse itinerário, desenrolaram-se os sistemas processuais romanos das legis actiones, per formulas e cognitio extraordinaria, todos voltados à satisfação efetiva do direito substantivo.

A execução no processo civil romano dependia das características do sistema processual adotado. Suas características transitaram da utilização de meios mais primitivos e rudes de satisfação do crédito à adoção de mecanismos mais humanizados. A manus iniectio era a

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ação executória das legis actiones e a actio iudicati, a ação executiva dos sistemas per formulas e da cognitio extraordinaria.

A evolução do processo romano revela que sempre houve grande preocupação com a tutela e com a realização dos direitos subjetivos reconhecidos nos provimentos judiciais. Tanto que seus sistemas processuais e respectivos métodos executivos evoluíram no sentido de assegurar a realização desses escopos.

Assim como o foi para os romanos, a satisfação integral dos di-reitos subjetivos proclamados pelo direito material ou declarados em provimento judicial também é, para os juristas contemporâneos, uma preocupação constante, razão pela qual se tem buscado com afinco instrumentos que possam auxiliar a realização desse desiderato.

Com efeito, a Constituição da República de 1988, ao proclamar como direito fundamental o acesso universal a uma ordem jurídica justa, assegurou ao jurisdicionado o direito fundamental ao esgo-tamento da atividade jurisdicional, que no plano concreto se traduz na efetiva satisfação do direito, na entrega efetiva do bem objeto da batalha judicial.

Essa promessa constitucional fez nascer para o cidadão o direito de a prestação jurisdicional ir muito além da mera solução jurídica da lide, da simples subsunção dialética contida no provimento ju-risdicional. Quer o demandante um sistema de justiça eficiente que lhe permita o apossamento definitivo do bem da vida pretendido em juízo, ainda que por via forçada.

Quando a Constituição da República de 1988 proclamou a dignidade da pessoa humana como fundamento republicano, a so-lidariedade como objetivo republicano, a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica, a justiça social como fim da ordem econômica, a redução das desigualdades sociais e o valor social do trabalho, ela acabou por estabelecer o imperativo da observância e da satisfação efetiva dos direitos trabalhistas.

Infelizmente, há enorme déficit de concreção jurídico-normativo da legislação social trabalhista. Tal fato implica a violação maciça de direitos trabalhistas, o que acarreta o ajuizamento de inúmeras ações individuais e coletivas. Em 2012, as Varas do Trabalho receberam 2.264.540 (dois milhões duzentos e sessenta e quatro mil quinhentos e quarenta) casos novos, dos quais 2.175.710 (dois milhões cento e setenta e cinco mil setecentos e dez) foram julgados.

Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, a Justiça do Trabalho tem atualmente 2.700.000 (dois milhões e setecentos mil) processos

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julgados e transitados em julgado, sendo que os trabalhadores ainda não receberam as importâncias reconhecidas judicialmente, pois os devedores não cumpriram espontaneamente as sentenças judiciais.

Os sistemas executivos romanos evoluíram no sentido de que o cumprimento das decisões dos pretores e a entrega do bem ao credor não poderia se efetuar por meio de práticas desumanas, por-quanto conceberam que o executado também era titular de direitos subjetivos. Hoje, sob o influxo da Constituição da República, o direito contemporâneo repudia práticas executivas que possam colocar em risco a dignidade humana do devedor. Contudo, os juristas, sobretudo os processualistas, têm se diligenciado para encontrar fórmulas e soluções jurídicas que possam aumentar a efetividade da execução.

Alguns princípios regentes da execução em geral, e da execu-ção trabalhista em particular, informam essa busca, tais como os princípios da igualdade de tratamento das partes, da primazia do credor trabalhista, da utilidade da execução para o credor e da não prejudicialidade do devedor. Eles cumprem papel relevante nessa difícil tarefa.

A satisfação do direito trabalhista no bojo do processo executivo trabalhista é um dos maiores, senão o maior, desafio da Justiça do Trabalho atualmente. Com frequência, inúmeros devedores trabalhis-tas se utilizam de estratagemas para se furtar ao dever de respeito à legislação social trabalhista e ao cumprimento da decisão judicial, tal como sucede com o desvirtuamento finalístico de importantes institutos jurídicos.

Com efeito, a personalidade jurídica tem sido utilizada de forma abusiva por muitos empregadores com o propósito de impedir a frui-ção, pelos trabalhadores, de seus direitos trabalhistas. Desprezando a função social da empresa e a boa-fé, o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão pa-trimonial, e o seu emprego como forma de obstaculizar a satisfação dos créditos dos obreiros têm sido recorrentes.

Para enfrentar essas e outras situações similares, a Justiça do Trabalho passou a empregar nas execuções trabalhistas a desconsi-deração da personalidade jurídica, com base na Teoria Menor, com o propósito de assegurar a efetivação dos direitos materiais trabalhistas e garantir o resultado útil do processo. Na aplicação desse instituto, o magistrado trabalhista desconsidera episodicamente o princípio da autonomia patrimonial para que os bens particulares dos sócios possam responder pelas dívidas sociais.

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A Justiça do Trabalho tem aplicado a Teoria Menor para realizar a desconsideração direta da personalidade jurídica no bojo da execução trabalhista por causa da ordinária hipossuficiência ou vulnerabilidade do trabalhador, da evidência de que seria muito difícil para ele provar que os sócios da sociedade praticaram atos abusivos e fraudulentos, da alteridade e do fato de que o crédito pretendido pelo trabalhador tem natureza alimentícia.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica tem sido aplicada atualmente pelos regionais trabalhistas e pelo Tribunal Superior do Trabalho. Há quem sustente que não há duas espécies de desconsideração, uma direta e uma inversa. Por meio dela, o magistrado desconsidera o princípio da autonomia patrimonial para que os bens sociais possam ser alcançados para solver dívidas par-ticulares de seus sócios, com o escopo de coibir fraudes e abuso de personalidade.

Esse instituto ainda não foi objeto de positivação. Não obstante isso, ele tem sido empregado nas lides civis. Sua aplicação é obra da jurisprudência e da doutrina, as quais têm concebido sua exis-tência jurídica a partir, sobretudo, dos princípios éticos e jurídicos intrínsecos da disregard doctrine.

A Consolidação das Leis do Trabalho não traz nenhuma regra expressa relativa à incidência da desconsideração inversa da perso-nalidade jurídica. Apesar disso, ela tem sido aplicada largamente por vários regionais trabalhistas e pelo Tribunal Superior do Trabalho na fase executiva, por meio de uma interpretação sistemática de regras constitucionais e infraconstitucionais.

De fato, os princípios éticos e jurídicos da disregard doctrine, o imperativo da função social das empresas, os princípios civilistas da eticidade e da socialidade, os princípios da execução trabalhista e o reconhecimento e a proteção social do valor do trabalho justificam a aplicação da desconsideração inversa na execução trabalhista.

Está sedimentada no Superior Tribunal de Justiça a desconsi-deração inversa ou direta da personalidade jurídica, independente de ação própria, podendo ser efetivada no bojo do processo de exe-cução ou falimentar, desde que satisfeitos os requisitos legais. Isso porque a desconsideração trata de um incidente processual, e não de processo incidente.

A inexigibilidade de ação própria, porém, não representa autori-zação para desrespeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, porquanto aos afetados pela desconsideração inversa

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deverá ser assegurada oportunidade processual para impugnar, por meio de instrumentos processuais idôneos, recursos, embargos, im-pugnação ao cumprimento de sentença e medida judicial constritiva.

A aplicação dessa teoria nos domínios da execução trabalhista representa uma tentativa de enfrentar o crescente desrespeito à legislação social trabalhista, que ocorre sempre que a empresa não cumpre sua função social ao praticar condutas fraudulentas lesivas ao credor trabalhista.

A observância dessa função passa pelo reconhecimento e pelo respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador, à solidarieda-de, à valorização do trabalho, ao fim da ordem econômica, à justiça social, à busca do pleno emprego, à redução das desigualdades sociais e ao valor social do trabalho.

A aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho é também uma forma de reafirmar os princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade e da concretude do Código Civil em vigor, os quais trouxeram uma pauta de socialização e de solidarização do direito para todos os institutos do direito civil, inclusive, para a personalidade jurídica.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica constitui, portanto, importante instituto assecuratório de direitos e garantias sociais fundamentais dos trabalhadores, em grande sintonia com o reconhecimento constitucional do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana do trabalhador. Sua vocação é a de restabelecer o desequilíbrio decorrente da violação dos preceitos definidores de direitos sociais trabalhistas previstos na Constituição da República, na Consolidação das Leis do Trabalho e em legislações esparsas.

Finalmente, é bom assentar que a busca da efetividade dos di-reitos trabalhistas, porém, não pode permitir que a desconsideração da personalidade jurídica, direta ou inversa, dê azo ao desrespeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, porquanto o devedor trabalhista, assim como o credor, são titulares dessas garantias.

Dessa forma, há que se assegurar aos executados o exercício desses direitos e garantias processuais fundamentais. Por outro lado, a pretexto de se respeitar o devido processo legal e o amplo exercício do contraditório e da ampla defesa dos executados, não se pode negar efetividade à execução trabalhista, sobretudo num contexto fraudulento.

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Referências

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