Desdisciplinar a Antropologia

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Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 20, n. 41, p. 359-379, jan./jun. 2014 “DESDISCIPLINAR A ANTROPOLOGIA”: DIÁLOGO COM EDUARDO RESTREPO O antropólogo colombiano Eduardo Restrepo vem trilhando uma traje- tória político-intelectual que conjuga o estudo sistemático dos processos cole- tivos protagonizados pelas populações negras de seu país com o exercício da crítica radical ao discurso multiculturalista e ao que ele denomina establish- ment disciplinar da antropologia. Esta última dimensão de seu trabalho se vê refletida nos debates coletivos que ele desencadeou ao lado de Arturo Escobar, Lins Ribeiro, entre outros, em torno da noção de antropologias do mundo. No contexto do evento “Ensaios, críticas e leituras antropológicas sobre o neoliberalismo”, organizado pelos estudantes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS em setembro de 2012, Eduardo Restrepo discorreu sobre questões relacionadas à sua trajetória de formação intelectual, à institucionalização da antropologia na Colômbia e às suas reflexões atuais sobre a emergência e o exercício de “antropologias de outra forma”, antro- pologias orientadas não apenas para desestabilização dos sistemas vigentes de dominação, mas também para o questionamento das práticas acadêmicas e institucionais que condicionam a própria formação dos antropólogos como sujeitos políticos. Doutor em Antropologia pela Universidade da Carolina do Norte- Chapel Hill, Eduardo Restrepo é professor associado do Departamento de Estudos Culturais da Universidad Javeriana de Bogotá, coordenador do gru- po de investigação em estudos culturais da Faculdade de Ciências Sociais e do Instituto Pensar na mesma instituição. Também é membro do Centro de Pensamento Latino-Americano Raíz-AL e da Rede de Antropologias do Mundo. Suas áreas de interesse e estudo contemplam a teoria crítica social e cultural contemporânea, as genealogias da colombianidade, geopolíticas do conhecimento, as populações afrodescendentes e a região do Pacífico colombiano. É autor de numerosos artigos. Seus principais livros são: Intervenciones en teoría cultural; Inflexión decolonial (em coautoria com Axel Rojas), Antropología y estudios culturales; Teorías de la etnicidad. Stuart Hall y Michel Foucault. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832014000100013

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Entrevista com Eduardo Restrepo

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    DESDISCIPLINAR A ANTROPOLOGIA:DILOGO COM EDUARDO RESTREPO

    O antroplogo colombiano Eduardo Restrepo vem trilhando uma traje-tria poltico-intelectual que conjuga o estudo sistemtico dos processos cole-tivos protagonizados pelas populaes negras de seu pas com o exerccio da crtica radical ao discurso multiculturalista e ao que ele denomina establish-ment disciplinar da antropologia. Esta ltima dimenso de seu trabalho se v refl etida nos debates coletivos que ele desencadeou ao lado de Arturo Escobar, Lins Ribeiro, entre outros, em torno da noo de antropologias do mundo. No contexto do evento Ensaios, crticas e leituras antropolgicas sobre o neoliberalismo, organizado pelos estudantes do Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social da UFRGS em setembro de 2012, Eduardo Restrepo discorreu sobre questes relacionadas sua trajetria de formao intelectual, institucionalizao da antropologia na Colmbia e s suas refl exes atuais sobre a emergncia e o exerccio de antropologias de outra forma, antro-pologias orientadas no apenas para desestabilizao dos sistemas vigentes de dominao, mas tambm para o questionamento das prticas acadmicas e institucionais que condicionam a prpria formao dos antroplogos como sujeitos polticos.

    Doutor em Antropologia pela Universidade da Carolina do Norte-Chapel Hill, Eduardo Restrepo professor associado do Departamento de Estudos Culturais da Universidad Javeriana de Bogot, coordenador do gru-po de investigao em estudos culturais da Faculdade de Cincias Sociais e do Instituto Pensar na mesma instituio. Tambm membro do Centro de Pensamento Latino-Americano Raz-AL e da Rede de Antropologias do Mundo. Suas reas de interesse e estudo contemplam a teoria crtica social e cultural contempornea, as genealogias da colombianidade, geopolticas do conhecimento, as populaes afrodescendentes e a regio do Pacfi co colombiano. autor de numerosos artigos. Seus principais livros so: Intervenciones en teora cultural; Infl exin decolonial (em coautoria com Axel Rojas), Antropologa y estudios culturales; Teoras de la etnicidad. Stuart Hall y Michel Foucault.

    http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832014000100013

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    Participantes: Ondina Fachel Leal, Patrice Schuch, Denise Fagundes Jardim, Marcela Velsquez Cuartas, Toms Guzmn Snchez, Alex Martins Moraes, Josep Juan Segarra.

    Traduo: Alex Martins Moraes.

    Ondina Leal: Ns achamos que seria muito interessante compartilhar um panorama do que a antropologia hoje na Colmbia, utilizando as tuas prprias categorias analticas. O que seria aquela antropologia mainstream e o que seria aquela antropologia dissidente? Isso pode permitir que ns entends-semos melhor essa questo no contexto colombiano. Tambm nos interessa conhecer melhor essa antropologia da Colmbia porque ns temos tido uma demanda enorme de alunos colombianos que vm fazer ps-graduao aqui, tanto mestrado quanto doutorado.

    Eduardo Restrepo: Bom, institucionalmente, a antropologia na Colmbia surge nos anos 1940 com a fundao do Instituto Etnolgico Nacional, onde um antroplogo francs, Paul Rivet, tem um papel muito im-portante. Ele foi para a Colmbia depois da Segunda Guerra Mundial, convi-dado pelo ento presidente do pas, um presidente cujo sobrenome Santos, o av do atual presidente. Rivet cria o Instituto Etnolgico Nacional, com o apoio de um antroplogo colombiano que havia estudado com ele na Frana, chamado Gregorio Hernndez de Alba. Esse instituto existe at hoje e se cha-ma Instituto Colombiano de Antropologia e Histria. Temos, ento, uma anco-ragem institucional que vai defi nindo, digamos, a parte mais institucionalizada da antropologia colombiana. Em fi nais dos anos 1960 e princpios dos anos 1970 so criados quatro departamentos de antropologia na Colmbia. Isso ir marcar uma diferena da antropologia colombiana com relao a outras an-tropologias, como a brasileira, porque se tratava cursos de graduao. Ento, desde fi nais dos anos 1960 na Universidade Nacional (que uma universidade pblica em Bogot), na Universidade dos Andes (que uma universidade pri-vada em Bogot), na Universidade de Antioquia e na Universidade do Cauca, em Popayn, so criados esses quatro departamentos. Uma das caractersticas que marca a antropologia na Colmbia que, por mais de 30 anos, foram formados antroplogos a partir dos cursos de graduao, no havia nenhuma ps-graduao. A formao antropolgica da graduao era, portanto, muito

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    importante. Quando eu estudei antropologia no departamento da Universidade de Antioquia, eram cinco anos de formao que incluam um ano de trabalho de campo e uma tese que devia ser defendida publicamente. Dessa forma, toda a aposta da formao antropolgica estava dada nos departamentos de antropologia e em nvel de graduao. Em fi nais dos anos 1990 e incios dos anos 2000 h uma srie de transformaes a reboque das mudanas ocorridas desde o incio dos anos 1990 na Colmbia. Tais mudanas tm a ver com uma transformao das concepes das polticas de cincia e tecnologia e com algumas transformaes nas concepes da prtica acadmica e da prtica profi ssional antropolgica e das cincias sociais e humanas. Essas transforma-es se manifestam, por exemplo, em que, nos anos 2000, criada uma srie de programas: cerca de seis programas de graduao e os primeiros mestrados e doutorados. O primeiro mestrado se organiza na Universidade Nacional. Depois surgem outros na Universidade dos Andes, na Universidade do Cauca e, fi nalmente, na Universidade de Antioquia.

    Ondina Leal: Em que ano isso ocorreu?

    Eduardo Restrepo: Em 1999 ou 2000 na Universidade Nacional.

    Ondina Leal: Muito recente isso

    Eduardo Restrepo: recente. O primeiro doutorado foi organizado na Universidade do Cauca com apoio da Rede de Antropologias do Mundo. Nos ltimos cinco anos foram criados dois doutorados [em antropologia], um na Universidade dos Andes e outro na Universidade Nacional, h dois anos. Uma das razes pelas quais os estudantes vm para o Brasil, ao lado de muitas outras razes, porque a formao de ps-graduaes no est consolidada na Colmbia. No est consolidada porque a aposta foi em uma outra con-cepo de antropologia. Dado que os cursos de graduao so muito bons na Colmbia, neste momento existe uma tendncia de estrag-los, de destru--los, de diminu-los. Ento j existe um discurso, nos ltimos dez anos, que prope que, na graduao, as pessoas j no se formem como antroplogos. Os prprios professores que se formaram como antroplogos nesses cursos de graduao dizem que as pessoas j no se formam como antroplogos e toda a aposta est ligada s ps-graduaes. No entanto, isso se insere no marco

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    de uma mudana de concepo da universidade como entidade de discusso e debate poltico em direo universidade corporativa, ou seja, a universidade como empresa. Tudo isso, por sua vez, produz uma srie de mudanas no que agora signifi ca ser antroplogo, mudanas motivadas pela questo da estan-dardizao de currculos promovida pelo Colcincias, que uma entidade do Estado. Trata-se de uma estandardizao na maneira de julgar e avaliar a pro-dutividade e a qualidade da produo dos antroplogos. Nos ltimos dez ou 15 anos, foram criados outros departamentos de antropologia na graduao e os primeiros programas de ps-graduao, associados uma transformao na poltica de cincia e tecnologia onde a produtividade antropolgica foi es-tandardizada de acordo com certas modalidades ou certas concepes do que um produto e de como um produto de qualidade ou no. Se o artigo est numa revista indexada e se uma revista em ingls, importante; se no est numa revista indexada e se est em um idioma como o espanhol, ento no to importante. Se uma atividade que tem a ver com certa visibilidade, ou certa produo de patentes (isso est ligado a todo o debate sobre a relao entre universidade e empresa), ento algo importante; mas se um trabalho com movimentos sociais, ou com um processo organizativo, ou uma inter-veno artstica, nem sequer conta. Se uma consultoria onde se produz uma estreita relao entre a universidade e as polticas empresariais, muito impor-tante Podemos ver que, em termos da institucionalizao da antropologia na Colmbia, ela comea com o Instituto Etnolgico Nacional, depois h depar-tamentos de antropologia e agora existe uma exploso de vrios programas de graduao (seis novos alm dos quatro que j existiam) e algumas ps-gradua-es. Tudo isso se constituiu a partir de uma concepo do que fazer antropo-logia e do que importante dentro da antropologia, associado a esses modelos do que produtivo, do que qualidade, etc., etc. Eu diria que esse o pano-rama das antropologias normalizadas. Por outro lado, sempre existiu muitas prticas na Colmbia com trajetrias dissidentes. Desde o princpio, quando chega Paul Rivet, ele articula uma concepo da antropologia como cincia. Era a antropologia como uma cincia cujo trabalho consistia em conhecer gru-pos e personagens sociais que estavam desaparecendo. Vocs conhecem esse assunto da etnologia de resgate. Esse era o modelo de antropologia instalado e defendido por Paul Rivet, modelo impulsionado na Universidade dos Andes por um dos seus alunos, chamado Gerardo Reichel Dolmatoff. Por outro lado, Gregorio Hernndez de Alba e outras pessoas, como Antonio Garca, comeam

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    a conformar uma antropologia diferente, a tal ponto que existe uma srie de atritos pessoais onde se produzem rupturas muito fortes e Gregorio Hernndez de Alba decide ir para a Universidade do Cauca. L ele comea a gestionar uma concepo da antropologia fundamentalmente de apoio e de relao com os processos organizativos indgenas. Gregorio Hernndez de Alba escreve, por volta dos anos 1940, um texto em coautoria, modifi cando e problemati-zando as noes e conhecimentos a respeito do que seria fazer antropologia. Essa dimenso da antropologia como cincia neutra que est capturando um conhecimento que vai se perder porque os outros esto desaparecendo mo-difi cada para dar lugar a uma antropologia que se preocupa pelas pessoas, em termos de quais so suas condies de vida concretas. Algumas dessas antro-pologias articularam polticas que levaram constituio de aes de Estado, no marco de uma confi gurao do indigenismo. Outras, por sua vez, levaram avalizao ou ao estmulo de processos organizativos que, nos anos 1960 e 1970, originaram uma das organizaes mais importantes da Colmbia, o CRIC, Conselho Regional Indgena do Cauca. Nos anos 1960 e 1970, quando se constituem os departamentos de antropologia na Colmbia, h uma for-te mobilizao que atravessa a universidade e a sociedade colombiana, o momento do surgimento das guerrilhas atuais, mas tambm o momento do surgimento de uma srie de elaboraes de teoria crtica representadas na so-ciologia, por exemplo, atravs da fi gura de intelectuais como Orlando Fals Borda e tudo o que signifi ca a pesquisa-ao participativa. Estamos falando de toda uma discusso sobre o que signifi ca a sociologia e a cincia na sua relao com as pessoas com as quais est trabalhando. Na antropologia, nesse momento, deram-se muitas articulaes, houve publicaes artesanais (havia uma chamada La Rana [a r]). Uma srie de antroplogos comearam a tra-balhar fora do establishment acadmico, inclusive abandonando a antropolo-gia e se articulando a processos concretos. Um dos mais conhecidos Lus Guillermo Vasco, um antroplogo que, nessa poca, comea a trabalhar com os guambianos1 problematizando, por exemplo, o porqu da escrita. Por que se escreve em antropologia? Na Colmbia (e no somente na Colmbia, imagino que no Brasil tambm), 20 anos antes de que os estadunidenses perguntassem

    1 Os misak, tambm conhecidos como guambianos, constituem uma etnia indgena do departamento do Cauca, localizado no sudoeste colombiano (N. de T.).

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    pelas polticas da representao etnogrfi ca, Guillermo Vasco e outras pesso-as estavam fazendo esse debate. Por isso preciso ter algumas ferramentas tericas e ter algumas perguntas que permitam visibilizar essas antropologias mltiplas, alternativas, antropologias dissidentes que no so vistas em de-corrncia dos cnones estabelecidos. Na Colmbia alguns indagavam sobre o porqu da escrita, comeou-se a falar, inclusive, de uma antropologia do de-bate, uma antropologia crtica. Muitas perguntas que hoje estamos voltando a fazer, indagaes sobre at que ponto modelos tericos como o funcionalismo so relevantes para compreender certas situaes; at que ponto necessrio repensar os modelos tericos com os quais estamos trabalhando; at que ponto o marxismo pode nos ajudar a pensar certas coisas, que tipo de marxismo Ns no podemos confundir Stalin com Gramsci, se algum acredita que o marxismo Stalin ento, obviamente, ir descartar o marxismo por defi nio. Por outro lado, se Gramsci, isso permite abrir outro tipo de questes muito mais densas, muito mais elaboradas. Deram-se, portanto, muitas discusses que na histria da antropologia colombiana esto na oralidade.

    Eu teria mais coisas para dizer, mas, passando diretamente ao momen-to atual: as antropologias dissidentes na Colmbia se articulam a propsito de uma discusso a respeito do establishment antropolgico, entendido como produtividade e como profi ssionalizao. O que isso signifi ca? Signifi ca uma srie de prticas que colocam em questo um discurso a partir do qual se prope a necessidade de internacionalizar a cincia. No se trata de uma inter-nacionalizao em qualquer direo, mas sim de uma internacionalizao en-tendida como dilogo em ingls, com alguns autores e um tipo de antropologia em particular, com um tipo de prticas concretas como publicaes em revistas indexadas, ou seja, uma srie de critrios tendentes a defi nir o que signifi ca e o que vale na antropologia colombiana. Este um assunto que est sendo objeto de mltiplas prticas de dissidncia, algumas refl exivamente articuladas e ou-tras que so prticas de dissidncia nos lugares perifricos e marginais a partir dos quais se esto elaborando essas outras antropologias. Eu falei para vocs, ontem, de um programa de antropologia em uma universidade em Quibd. Quibd, no departamento do Choc, uma regio perifrica dentro da perife-ria, onde 95% da populao negra e h tambm uma populao indgena em condies assustadoras. A est sendo testado um programa de antropologia que, alm do mais, semipresencial, com pessoas que tm uma trajetria em termos de formao escolar muito diferente da de outras pessoas. Aqui eu no

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    estou simplesmente fazendo uma apologia de que isso bonito. importante entender que antropologias dissidentes no so uma apologia, no se apresen-tam como melhores ou epistemicamente superiores. Elas so diferentes. Esto articuladas por relaes de poder e isso precisa ser entendido. Como podemos fazer uma genealogia e uma histria diferente da antropologia na Colmbia quando vemos essas coisas? Ou, como podemos fazer uma genealogia ou uma etnografi a da antropologia na Colmbia quando vemos esse programa [em Quibd]? Posso falar, tambm, de outros programas, como na Universidade de Magdalena, no Caribe colombiano, em Santa Marta, onde se cria um pro-grama em 2001 que presencial. Eles se perguntam, nesse programa, o que fazer antropologia no Caribe. uma antropologia tematicamente distinta, h um locus de enunciao diferencial com relao Bogot, que um centro com certos recursos, certo tipo de elaboraes. Trata-se de fazer antropologia em um lugar de periferia, caribenho, em um pas que negou sua caribianidade, que negou sua negritude, sua oralidade Como fazer antropologia em Santa Marta? Ento, a noo de antropologias dissidentes, ou outras noes que queiramos usar, permitem ver a heterogeneidade, a multiplicidade, os desrit-mos e relaes de poder que articulam um campo antropolgico numa forma-o nacional como a colombiana.

    Eu no cheguei a explicitar os vnculos da antropologia colombiana, pri-meiro com a antropologia francesa e depois com a antropologia estaduniden-se, que foram muito fortes. Esse modelo de produtividade est fortemente associado com a infl uncia da antropologia estadunidense na Colmbia. Eu no sei como aqui, mas na Colmbia o efeito desse modelo de produtivi-dade, de qualidade, do que fazer boa antropologia est muito marcado pela ideia de certo modelo de conhecimento, de certo modelo de universidade que vem dos Estados Unidos. Inclusive, com as reformas que fi zeram na Europa, os europeus tiveram que enfrentar esse modelo. Quero aproveitar para dizer o seguinte: no se trata de um problema enfrentado apenas pela antropologia, eu creio que a noo de antropologias dissidentes uma categoria heurstica que ajuda a pensar no s a antropologia, mas tambm muitas outras coisas.

    Ondina Leal: Em relao ao formato a que tu ests te referindo, h uma conjuntura e um modelo americano em termos de constituio da formao do Ph.D. mas em relao a tradies tericas, a antropologia brasileira tem um aporte talvez muito maior em sua constituio da antropologia francesa e

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    mesmo inglesa do que da antropologia americana. Em termos de constituio terica, o que seria a antropologia, hoje, na Colmbia? A outra pergunta tem a ver com o seguinte: eu conheci a Colmbia atravs de escritos etnogrfi cos de [Michael] Taussig, Didier Fassin, Marc Aug, [Michel] Agier. E esses grandes antroplogos (na verdade trs deles so franceses e o Taussig totalmente dissidente mas, para ns, mainstream), aqui no Brasil, no so, portanto, dissidentes. Eu gostaria de entender um pouco isso no contexto da histria do pensamento, da refl exo, daquilo que vai constituir a antropologia no exata-mente como formato escolar, mas em termos tericos.

    Eduardo Restrepo: Em termos tericos, possvel dizer que a antropo-logia colombiana est cindida em duas grandes correntes. Eu falaria de uma antropologia mais convencional, mais clssica e de uma antropologia mais contempornea. A convencional est muito atravessada pelo modelo lvi--straussiano e por certa concepo da antropologia como indiologia. Ou seja, a antropologia para estudar sociedades diferentes da nossa e uma antropo-logia que se faz para dar conta de alguma totalidade, que pode ser a cultura ou a sociedade, dependendo dos modelos tericos utilizados. Esta antropologia convencional est mais em dilogo com a antropologia francesa, com o es-truturalismo e com a antropologia inglesa no sentido de funcionalismo e fun-cional-estruturalismo. Foi, digamos, uma antropologia dominante, em termos tericos, por volta dos anos 1950. Nos anos 1960 se comea a problematizar com todo esse movimento crtico, que se alimentava mais do marxismo e o fa-zia no atravs de [Maurice] Godelier ou atravs de [Claude] Meillassoux, mas sim atravs da leitura latino-americana do marxismo: [Jos Carlos] Maritegui, por exemplo. Bom, mas as antropologias contemporneas esto muito atraves-sadas pelas novas conceptualizaes (e quando digo novas desde os anos 1980) do mundo anglo-saxo, no somente estadunidense, mas sim do mundo anglo-saxo de uma forma geral. Isso tem a ver com os estudos da subalternida-de, com Joan Rappaport, que uma antroploga que est nos Estados Unidos. Ela poderia ser localizada como expresso desse tipo de dilogo. Tambm exis-te todo o tema da teoria ps-colonial, entendida como Homi Bhabha; toda a dis-cusso dos ingleses e tambm dos indianos, [Dipesh] Chakrabarty, todas essas coisas. Tambm existe a infl uncia dos estudos culturais. Nos ltimos dez anos, os estudos culturais jogaram um papel muito importante na Colmbia, no sen-tido de que introduziram certos debates. Um desses debates com os estudos

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    culturais anglo-saxes, com Stuart Hall. Mas h tambm outra grande linha que so os estudos culturais como reelaborao e recuperao do pensamento crtico latino-americano. Essas antropologias contemporneas so antropolo-gias que se desindianizaram. As sociedades indgenas no so seus nicos re-ferentes empricos. Elas tambm romperam com os essencialismos, ou com os mtodos dessa relao dos antroplogos com certas sociedades em termos mais clssicos. Agora as temticas, discusses e referenciais tericos passam mais pelo dilogo com o mundo anglo-saxo e com o pensamento crtico latino--americano do que com o pensamento francs. Isso ocorre porque existe certo ensimesmamento no pensamento francs e uma espcie de reelaborao do pensamento lvi-straussiano. Eu quero dizer que na antropologia francesa eles so muito cautelosos com a infl uncia anglo-sax, mas s vezes uma espcie de chauvinismo. Eu queria agregar um elemento mais. Nos ltimos cinco anos comearam a chegar estudantes que se formaram no Brasil e creio que isso comeou a gerar outro tipo de referenciais tericos. Por exemplo, o trabalho de Eduardo Viveiros de Castro, ou certas discusses que so muito importantes aqui, como a tenso entre frico intertnica versus perspectivismo.

    Marcela Velsquez: Existe uma discusso sobre como se posiciona a antropologia em nosso contexto de 50 anos de confl ito armado e social. Como se posiciona a antropologia, que postura ela teve e tem nesse contexto to es-pecfi co que, ao mesmo tempo, permite estabelecer conexes e dilogos com outros pases que tambm tiveram esses processos de confl ito armado?

    Toms Guzmn: E como se poderia entender a questo da dissidncia em um pas em confl ito? Como entender uma antropologia que pode ser dissi-dente em um pas no qual existem muitas dissidncias?

    Eduardo Restrepo: Eu gostaria de comear pela parte emprica mais concreta. A Colmbia teve um grande auge, em termos de extenso territo-rial e escalada militar a partir do avano da guerra contra os paramilitares.2

    2 Os grupos paramilitares so atores armados que atuam junto instituio militar e ao mesmo tempo exercem uma ao irregular, desviada das prticas militares. Na Colmbia esses grupos, que manifestam ideologias de extrema-direita, foram apoiados, de maneira ofi ciosa, por sucessivos governos nacionais, instituindo verdadeiras zonas de exceo nas localidades onde operam (N. de T.).

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    A questo dos paramilitares difcil de contar. Isso teve um impacto forte na antropologia. Vocs podem ir ao Amazonas ou podem ir a algum lugar que fi ca a duas horas daqui quando bem quiserem. Contudo, a circulao, num pas em guerra, diferente. Isso faz com que algumas pessoas tenham medo de fazer trabalho de campo, sobretudo quando so pessoas de bem, ou seja, pessoas de classe social alta. Uma das coisas que precisamos ter em conta que a an-tropologia, na Colmbia, sempre foi muito classista e muito elitista. Foram, portanto, as classes sociais poderosas que conseguiram chegar ao setor de elite da antropologia colombiana. Isso tem a ver com o custo da educao na Colmbia e tem a ver com o fato de que, como s havia cursos de graduao, os que podiam acessar ps-graduao iam para a Frana, para os Estados Unidos. preciso ter em mente que o confl ito armado transformou a maneira de fazer trabalho de campo na Colmbia e transformou, tambm, a prpria concepo de como se faz trabalho de campo. No a mesma coisa fazer tra-balho de campo em um lugar onde tu tens atores ilegais e atores estatais que se comportam como no deveriam se comportar. Uma temtica a ser trabalhada o impacto do confl ito armado na forma como se veio fazendo trabalho de cam-po na antropologia colombiana. Outro elemento que, como dizia [Michel] Foucault, o poder no apenas negatividade, tambm produtividade. Uma das linhas mais originais do trabalho antropolgico na Colmbia tem a ver com toda essa elaborao de como entender a violncia ou as violncias e os confl itos. H trabalhos antropolgicos muito bons e muito sugestivos para tentar entender o que signifi cam os confl itos na Colmbia. Existem muitas etnografi as valiosssimas sobre como, na cotidianidade, os paramilitares ope-ram; como os paramilitares, em um povoado, defi nem que uma mulher no pode ter uma tatuagem ou que um homem no pode ter um brinco, ou como praticam todas as tecnologias do terror concretamente. Ento, a outra dimen-so da antropologia do confl ito na Colmbia que se produziram, etnogrfi ca e antropologicamente, concepes e trabalhos que permitem entender de uma maneira mais densa o que signifi ca o confl ito armado no pas. Agora, a terceira coisa, que tem a ver com aquilo que dizia Toms, que na Colmbia a iluso de fazer antropologia como se fosse uma cincia neutra, objetiva, de contribuio ao conhecimento da humanidade, uma iluso difcil de sustentar. Se tu ests em Paris e ests vivendo numa classe, digamos, privilegiada, ou se ests em Nova Iorque e fazes parte de uma classe privilegiada, ento mais fcil sus-tentar a iluso de que a cincia um assunto neutro, um assunto de produo

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    de conhecimento, de aporte para o crescimento da disciplina. Contudo, na Colmbia eu acho que preciso ter muito cinismo para no pensar que a an-tropologia e outros tipos de conhecimento tm a ver com o poltico. preciso ser muito cnico e muito cego para no entender que, na Colmbia, o assunto da produo de conhecimento antropolgico no abstrato e no para a humanidade em geral. A me parece que existe uma srie de apostas polticas e h algumas pessoas que entendem que a antropologia deve instrumentalizar--se diretamente. Por exemplo, o trabalho de Arturo [Escobar]. O trabalho de Arturo uma forma visvel que utilizo como referente, mas tem muito mais gente que trabalha com processos organizativos, o que supe riscos concretos. Para terminar, eu diria que ser marxista, por exemplo, ou ser crtico ao Estado nos Estados Unidos algo que tem um signifi cado especfi co , inclusive, algo que pode incrementar o teu capital simblico. No entanto, falar de Marx para os teus estudantes em Santa Marta, quando alguns deles so paramilitares, uma questo de posio poltica. Ou seja, o signifi cado de conceber certos autores e certas problemticas em lugares onde ser crtico o mesmo que ser guerrilheiro e ser guerrilheiro ser algum que merece a morte, implica outra leitura da prtica poltica a partir da academia.

    Denise Jardim: Eu queria entender melhor uma questo. Falando de produtivismo, de efeitos de algumas dinmicas de poder, gostaria de chamar a ateno para a presena de Jeffrey Lesser aqui entre ns. Ele disse que na l-gica da sua instituio americana seria absurda uma prtica muito comum no Brasil de manter um grupo de pesquisa onde os alunos estudem a mesma coisa que o orientador. Portanto, eu gostaria que tu falasses um pouco mais dessa diviso de trabalho na Colmbia, dessa primeira gerao associada ao estabe-lecimento da antropologia com Paul Rivet. Ns temos uma experincia com a arqueologia aqui no Brasil onde cada arquelogo dono de uma quadrcula, da podemos tirar uma autocrtica de que o antroplogo no pode ser o dono do campo em termos de grupos tnicos, etc. Ento, eu no consigo entender tanto o habitus acadmico da Colmbia para conceber como operam essas foras do produtivismo j instalado dentro de dinmicas muito prprias no meio acadmico, de como vicejam as relaes e quais so as possibilidades de ruptura. Nesse sentido, eu pergunto como foi a tua ruptura. Ao mesmo tempo tu tens a tua formao dentro da Colmbia e em 2008 tu fazes teu doutorado fora, com uma equipe de interlocuo muito potente. Acredito que o Peter

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    Wade esteja dentro dessa grande rea, falando sobre o Pacfi co como o teu trnsito entre uma formao dentro e uma formao fora, que tipo de reper-cusso desorganizou a percepo que tu tinhas a respeito da prpria carreira feita na Colmbia? A segunda questo, que no exatamente uma pergunta, tem a ver com esse cenrio de produtivismo, onde as coisas so categori-zadas como internacionalizadas, online, o que signifi ca isso em termos de hbitos de leitura? Eu te conheci no Journal of Latin American Studies e passando para a outra prateleira da livraria, onde estava a Revista Colombiana de Antropologa, no te encontrei, mas encontrei o Sahlins e outros. Ns, no Brasil, no temos uma grande circulao de livros, mas temos, online, muita coisa escrita. Eu vou a Madri especialmente para ler todas as publicaes sul--americanas, que l esto na prateleira, completas. Ento, quando a gente fala de outros hbitos de leitura online, ser que a telinha est aprisionando os focos de centro e periferia tambm?

    Eduardo Restrepo: Eu me formei em uma universidade de periferia, na Universidade de Antioquia, em fi nais dos anos 1980, incios dos anos 1990. Isto te marca na medida em que ainda existe a universidade pblica em algumas coisas, mas tem um momento onde, precisamente, a universida-de pblica est se perdendo. Eu cheguei a trabalhar no Instituto Colombiano de Antropologia antes de me graduar, com uma antroploga que profun-damente irreverente, chamada Mara Victoria Uribe. Com ela e com outro grupo de amigos, em meados dos anos 1990, introduzimos uma discusso na antropologia colombiana que se chama antropologia na modernidade. Essa discusso tem a ver com o que est sendo feito e o que se entende por antro-pologia nas prticas de formao nas universidades. Ento, antropologia da modernidade ou na modernidade fundamentalmente uma infl exo rumo te-oria crtica ps-estruturalista, onde se comea a entender a antropologia como parte da prpria modernidade e se comea a localizar a antropologia dentro das relaes de poder. Nessa ruptura que eu comeo a me articular com uma srie de pessoas conhecidas, que foram muito importantes para discusses posteriores. Nesse contexto eu conheo Arturo Escobar, no incio dos anos 1990. Arturo estava interessado no Pacfi co e ns fi zemos trabalho de campo juntos algumas vezes. Peter Wade tambm est a, assim como Anne-Marie Losonczy, que uma antroploga francesa que foi muito importante na antro-pologia da Colmbia. Nesse contexto, onde confl ui uma srie de pessoas, ns

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    comeamos a discutir o assunto da relevncia antropolgica das populaes negras para a antropologia enfocada nos temas relativos ao desenvolvimento, modernidade, etc. Foi a que eu tive a oportunidade de entrar em interlocu-o com esses personagens que esto fora da Colmbia e de ver a antropolo-gia colombiana a partir dos estabelecimentos estadunidense, francs e ingls. Com Anne-Marie e com Christian Gros, com Peter Wade e com Arturo, Joan [Rappaport] uma srie de pessoas nos Estados Unidos. Isso mudou minha leitura da antropologia na Colmbia. Quando estou nos Estados Unidos e vejo que se ensina arqueologia mexicana sem citar nenhum mexicano sequer e sem nenhum texto em castelhano, ou quando se ensina uma antropologia na qual a antropologia que eu conhecia e os antroplogos que eu conhecia no existiam. A antropologia era lida de uma forma muito particular. nesse contexto que comeo a conversar com Marisol [de la Cadena], com Arturo [Escobar], com Gustavo [Lins Ribeiro] e comeamos a articular algo que no novo, que de alguma maneira so preocupaes que vm de outros lugares e que tm a ver com a geopoltica do conhecimento. Para mim serviu muito entrar em dilogo com essas redes para ver de outra forma aquilo que ns estvamos fazendo, na medida em que vamos o que no aparecia em tais nveis de discusso. Havia autores que me pareciam maravilhosos, com contribuies impressionantes e alguns deles sequer eram concebidos. Por exemplo, publicar em espanhol era algo que no tinha maior signifi cado nessas redes das quais estou falando. Minha percepo seria muito diferente se eu no tivesse entrado nessas redes de conversao, precisamente pelas ausncias que nelas se percebem e pela naturalizao de certas contingncias. Se eu no tivesse sado da Colmbia, teria continuado pensando que a lingustica, a antropologia social e a antro-pologia fsica eram, por defi nio, antropologia. Bom, e precisamente por esses dilogos que meus textos comeam a aparecer em outros cenrios. Esse texto ao qual te referes, do Journal of Latin American Studies, uma edio de Peter Wade, onde todos so colombianos e eu escrevo em castelhano. A segun-da pergunta que fi zeste muito valiosa, sobre esses hbitos de leitura, como vo nos marcando e como vo defi nindo as coisas. Eu sinto que a falta de cir-culao de ideias entre ns um dos problemas fundamentais, a ele se dirige a noo de antropologias do Sul, de Esteban Krotz. Ns nos, entre ns, nos conhecemos muito pouco e conhecemos muito pouco a nossa prpria histria. Existe uma espcie de cegueira devido a essa falta de circulao no somente de livros, mas tambm de ideias. Por isso eu acho muito valioso esse exerccio

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    de vocs de trazerem professores de diferentes partes da Amrica Latina e dialogar com eles. Essa uma iniciativa muito estranha porque, em geral, ns investimos os recursos em trazer professores da Frana ou dos Estados Unidos, o que tampouco est mal. Mas fazer somente isso nos leva a reforar esse tipo de ato de leitura que posiciona certas pessoas e deixa de posicionar outras. Ento, digamos que na fi ligrana, na microfsica de como operam as antropologias hegemnicas, ou dominantes, ou metropolitanas esto presentes esses atos de leitura, associados a noes de produtividade. Escrevemos para certas revistas, em certos idiomas, para certas pessoas. Mas o que fazemos com esse tipo de antropologia que no leva a um paper e que tem a ver com outro tipo de interveno, de elaborao, de discusso?

    Toms Guzmn: Eduardo, tu fazes uma distino entre o que seria fazer antropologia de e antropologia a partir de. O que signifi caria isso, no mo-mento atual, no mbito da antropologia colombiana? Fazer uma antropologia a partir do Choc no marco de um j no to recente crescimento do interes-se antropolgico sobre a questo afrocolombiana.

    Eduardo Restrepo: Claro Eu pensava um pouco em termos de antro-pologias do Caribe e antropologias a partir do Caribe. Antropologias do Caribe seria quando este objeto do trabalho antropolgico, do estudo antro-polgico. Por outro lado, fazer antropologia a partir do Caribe permitir que o Caribe problematize e atravesse a prtica antropolgica, o Caribe como locus de enunciao, como posio poltica. A questo, portanto, passa a ser entender esse lugar no apenas como um lugar geogrfi co, mas tambm epis-tmico, um lugar poltico. Uma antropologia a partir do Choc no poderia ser uma antropologia como se faz em Bogot. Implicaria um lugar e implicaria uma srie de prticas antropolgicas que teriam a ver com essa especifi cidade histrica que est associada ao racismo, marginalizao. Isso faz com que a escrita e a publicao, para voltar ao tema dos atos de leitura, no se deem nos mesmos termos. Eu no imagino que os egressos do programa de antro-pologia da universidade em Quibd estejam pensando em publicar na Current Anthropology um paper em ingls sobre a discusso terica do funcionalismo ou do estruturalismo. Parece que seus tipos de interveno, suas formas de fazer antropologia no apontam nesse sentido. Se algum o faz, est tudo bem, mas no devemos fazer tudo para que as pessoas atuem nesse sentido.

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    Toms Guzmn: Poderamos entender, tambm, como foi a trajetria dos estudos afro na Colmbia? Como tu vs algo que, inclusive antes de eu me graduar na Universidade Nacional, era sumamente marginal em compa-rao com os estudos indgenas na Colmbia? Como se deu essa exploso de interesse?

    Eduardo Restrepo: Bom, h uma antroploga colombiana que morreu em 1998 chamada Nina S. de Friedemann. Ela, junto com outro antroplogo que estava na Universidade Nacional, chamado Jaime Arocha, entenderam, a partir dos anos 1980, que os estudos feitos sobre populaes negras ou grupos negros, como eram chamados naquele momento, no eram considerados por alguns dos seus colegas como antropologia. Existem vrios artigos de Nina S. de Friedemann onde ela comenta que, para alguns dos seus colegas, estudar negros no antropologia. Isso se entende, no contexto da antropologia co-lombiana, precisamente pela histria que eu narrei para vocs, onde o outro radical s podia ser encarnado por certa representao de indianidade, ou seja, no eram todos os ndios, mas sim uma noo de indgena hiper-real. Isso ocorria em fi nais dos anos 1970 e princpios dos anos 1980. Com as trans-formaes da antropologia em fi nais dos anos 1980 e com o surgimento de antropologia na modernidade, essa equao antropologia igual a outros radicais, ou antropologia igual a diferena, ou antropologia igual a al-teridade problematizada. Fala-se de uma antropologia da modernidade, ou do desenvolvimento, ou do Estado. Com isso, problematiza-se essa noo de antropologia igual ou equivalente alteridade radical. Nesse contexto, o Pacfi co colombiano adquire uma relevncia em decorrncia de processos histricos que no valeria a pena explicar em detalhe agora, mas que guardam relaes com a questo da biodiversidade e do multiculturalismo. Nos anos 1990, a regio do Pacfi co e a negritude comeam a encarnar ambos os dis-cursos e, a partir de ento, confl ui uma srie de recursos materiais, uma srie de atores da antropologia, da histria, da sociologia para procurar entender isso que no havia sido entendido, que fora invisibilizado dentro do trabalho antropolgico. Ento, nos anos 1990, comea a haver uma srie de estudos junto ao movimento social e se articula uma antropologia na qual os estudos afro-colombianos so centrais. Tem a ver, portanto, com transformaes da antropologia em si mesma, com transformaes polticas que conferem certo privilgio e centralidade a uma regio particular do pas.

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    Marcela Velsquez: Quero te perguntar, levando em conta o que j nos relataste, quais so os desafi os deste momento para a antropologia colombiana?

    Eduardo Restrepo: Eu penso que um grande desafi o tem a ver com a possibilidade de a antropologia tornar-se relevante para um momento de ps-confl ito na Colmbia. Qual o lugar poltico da antropologia na confi -gurao de uma sociedade na qual o confl ito no esteja projetado, articulado da forma como est? Uma sociedade ps-confl ito realmente o cu e como o cu no existe, pensemos de que forma a antropologia pode introduzir uma srie de elementos depois dessa guerra especfi ca. Outra questo a seguinte: como possvel articular uma imaginao terica e poltica mais alm do culturalismo? O culturalismo um dos problemas mais fortes que ns temos na Colmbia. No sei como aqui, mas a questo que a cultura despolitiza, a cultura desmarca, a cultura um lugar de interveno do capital, das inds-trias ou da gesto cultural, a cultura um espao de governamentalizao, de governo das populaes. Como a antropologia pode ajudar a desmontar o monstro que ajudou a criar? Como possvel que a linguagem antropolgica, que hoje a linguagem da dominao estatal, possa ser interrompida por uma antropologia capaz de imaginar com outras categorias, imaginar a partir de outras prticas, diferentes das da cultura? Um terceiro desafi o, para concluir, como desdisciplinar a prpria antropologia para crescer em dilogo com outros conhecimentos, outras disciplinas, outros espaos no disciplinares nos quais possa haver descentramentos interessantes e produtivos, no apenas para a construo de conhecimentos que talvez saiam do formato em que estamos pensando, mas tambm para que esses conhecimentos mais convencionais se-jam enriquecidos a partir de leituras e referentes abandonados nestes ltimos anos. Como, por exemplo, podemos repensar o tema da classe social, que, em geral, foi abandonada pelo culturalismo? Como podemos pensar as modalida-des de dominao que esto mais alm do evidente, da coero? Como enten-demos os efeitos estruturantes das subjetividades associadas a certos tipos de dominao, a certas tecnologias de dominao? Eu acredito que deveramos pensar em um processo de desdisciplinao, no sentido de ler outras pessoas sem muito remorso e conversar com outras pessoas na academia e por fora da academia sem muitas travas que impossibilitem tais aberturas, tais linhas de imaginao terica e de poltica distinta. Eu diria que so estes os trs grandes desafi os da antropologia na Colmbia.

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    Denise Jardim: Seguindo um pouco o teu pessimismo, talvez no parta da prpria antropologia uma abertura para outras disciplinas, mas do fato de que, nesse cenrio liberal, ns temos sido convocados como o antroplogo j estereotipado. Ento, na realidade, talvez no seja um esforo de abandono do conceito de cultura, que est muito repensado, mas de como lidar com essas imagens que se impem carreira antropolgica. Eu acho que um desafi o constante na rea de sade, na rea do judicirio, na rea de educao. Tornar desconfortvel esse esteretipo no um problema nosso, um problema tambm daqueles com quem nos relacionamos.

    Eduardo Restrepo: Sim, verdade, no apenas nosso esse problema. Talvez seja necessria uma nfase em nossa prtica que saia um pouco do exerccio estatal. O Estado um espao importante e as polticas pblicas so um espao importante, mas como pensar antropologias que no necessaria-mente passem por a? Eu no quero dizer que todo mundo deva abandonar isso, mas me parece que precisamos explorar prticas antropolgicas que po-nham em circulao uma srie de ferramentas constitudas por ns atravs de elaboraes disciplinares, desmontando, inclusive, nossa autoridade, nossa relao com certos atores. Eu penso que a antropologia precisa ser descen-trada tambm a partir de fora, no apenas de dentro. Na Colmbia os estudos culturais esto desempenhando, atualmente, uma funo desestabilizadora, porque introduzem uma srie de autores e de incomodidades que, dentro das antropologias mais normalizadas, tinham sido esquecidos ou obturados.

    Patrice Schuch: H alguns estudantes aqui da disciplina de Leituras e Escritas Etnogrfi cas. Um dos desafi os da disciplina justamente provocar refl exes, debates e prticas sobre essas tarefas de escrever, de ler e de fazer antropologia. Um das questes que eu gostaria de colocar para ti vai nessa direo de experimentar com outras prticas em novos contextos, onde a antropologia tambm reconfi gurada. Tu poderias abordar um pouco essa questo das novas possibilidades de prticas antropolgicas no mtodo, nas formas e instrumentos de trabalho do antroplogo? Tu falaste que no depar-tamento do Choc, onde 95% so negros, as aulas do curso de antropologia oferecido so semipresenciais. Que tipo de perguntas esses estudantes tra-zem, o que essa experincia to especfi ca traz para podermos pensar em dissidncias?

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    Eduardo Restrepo: Sobre a primeira parte, das metodologias, existem vrias coisas que historicamente vm sendo feitas na antropologia colombia-na a partir dessas antropologias dissidentes. Uma delas algo que se chama mapas falantes, que tem a ver com cartografi as que se fazem para trazer tona, de forma coletiva, uma tradio oral. So diagnosticadas problemticas relevantes para a populao e, a partir disso, podem-se estabelecer interven-es concretas. Essa uma experincia. Outra uma autoridade mltipla nos textos. Eu mencionei Gregorio Hernndez de Alba, mas existe um livro muito mais recente escrito por Luis Guillermo Vasco com dois taitas guambianos sobre a histria de Guamba em termos da lgica e da prpria elaborao do conhecimento guambiano em dilogo com o debate mais antropolgico. Outra estratgia a desenvolvida por Orlando Fals Borda em Historia doble de la costa, uma escrita coletiva ao lado de uma narrativa construda a partir de um discurso mais reconhecvel pela academia. Houve, portanto, mltiplas experincias de apropriao/transformao das ferramentas escriturais, ou das ferramentas de investigao. O que se conhece por pesquisa-ao participa-tiva, por exemplo, toda uma oportunidade de problematizar a noo de ob-servao participante. J no se trata de algum observando os outros, mas sim de um exerccio de auto-observao. H, inclusive, algumas elaboraes antropolgicas que no so escritas, mas sim transformadas em intervenes polticas. Por exemplo, um dos lderes do Processo de Comunidades Negras se chama Carlos Rosero. Rosero antroplogo da Universidade Nacional e o que ele faz como antropologia no uma antropologia em papers, mas sim uma antropologia em lutas com o Estado, com as mineradoras. Trata-se de uma antropologia na prtica poltica de um movimento. Com relao segun-da parte da tua pergunta, sobre o curso de antropologia em Quibd, o que ns fi zemos at agora nesse programa bastante novo, que ainda no tem egressos, desfolclorizar e desculturalizar a leitura ofi cial que circula sobre a cultura das comunidades negras. Os professores esto oferecendo ferramenta crti-cas para que as polticas de representao que constituram a subjetividade daquelas pessoas que se imaginam como comunidade negra deem passagem a outras leituras. Leituras que j no se perguntem pela Festa de San Pacho a partir de uma perspectiva folclrica, mas sim que comecem a entender que a antropologia, ou as cincias sociais, tm ferramentas de releitura da histria, ou de rearticulao da tradio oral, ou de redefi nio da negritude que pas-sam por problematizar as leituras estatalizadas, as leituras mais dominantes

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    do multiculturalismo. At agora o que ns conseguimos , fundamentalmente, comear a interpelar o senso comum a partir do qual o multiculturalismo cons-tituiu os estudos antropolgicos com as populaes negras. Neste momento, as pessoas esto fazendo perguntas a si mesmas, mas teremos que ver os re-sultados concretos dentro de alguns anos. J na Universidade de Magdalena existem resultados, porque se trata de um programa estabelecido h mais tem-po, com vrios egressos. Em termos de temticas, em termos de enfoque, eles fi zeram coisas muito heterogneas e heterodoxas nas quais a tradio oral central, coisas que difi cilmente entrariam nesse nicho de antropologia para uma tese na Universidade do Andes, por exemplo.

    Josep Segarra: Gostaria de fazer uma pergunta mais pessoal. Tu dizias que as antropologias dissidentes no so nem melhores nem piores, mas, ao mesmo tempo, tambm afi rmavas que no gostas de certa antropologia hege-mnica, do establishment antropolgico. Qual , ento, tua proposta pessoal? Algumas coisas j foram explicadas, mas, como antroplogo, quais so tuas apostas?

    Eduardo Restrepo: Eu me imagino como um personagem e represen-tante da antropologia hegemnica colombiana. Eu sou parte do establishment e o sou conscientemente, para no deixar aos outros colegas do establishment, que so mais de direita, ou mais liberais, um cenrio tranquilo. Meu lugar no establishment colombiano o de incomodar, de desestabilizar, de irritar, de questionar colegas que esto muito cmodos com seu lugar no establishment. Ontem, Claudia Fonseca perguntava por que Arturo Escobar, eu e outros es-crevamos em ingls e utilizando a linguagem hegemnica. Trata-se de uma interveno poltica, porque as disputas e os terrenos das lutas polticas so mltiplos. Acredito que existem certas pessoas que, por sua trajetria e por sua histria, esto num lugar que no neutro, nem ingnuo, lugar no qual necessrio produzir determinadas interrupes, determinadas problematiza-es. Eu me imagino dentro do establishment e eu estou no establishment antropolgico, razo pela qual os colegas no podem se dar ao luxo de no me ouvir, eles precisam me ouvir, apesar de que isso os incomode. Essa uma in-terveno poltica, porque a antropologia no deve ser deixada para a direita, nem para os liberais. Eu penso que a antropologia deve ser levada mais alm, em direo a um projeto de interveno e potencializao de outras formas,

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    de outras modalidades de socialidade, outras formas e outras modalidades de politicidade, de subjetividade. Parece-me que a antropologia, em si, consis-te num projeto muito crtico, desnaturalizador e desestabilizador. Devemos ser coerentes com isso. No consigo imaginar algum que desnaturalize uma identidade e, ato contnuo, naturalize sua prpria identidade dentro do esta-blishment para exercer relaes de poder frente a certas conjunturas. Da mi-nha parte, no sou ingnuo, eu estou no establishment, mas no fao apenas isso, porque as pessoas no fazem apenas uma coisa. Eu estou a para incomo-dar. Perguntem para os meus colegas na Colmbia. Esse trabalho eu fao com muita efetividade e acho que se trata de um trabalho necessrio. No penso que todo mundo tenha que fazer isso, tampouco acredito que o establishment seja o grande cenrio da poltica, mas ns sabemos que os efeitos de verdade que ele produz so algo que deve ser disputado. Portanto, minha interveno , digamos, um pouco anarquista no establishment. um oximoro. Eu sou um anarcoestalinista. Precisamente a questo no deixar o campo de luta livre para determinadas pessoas que esto fazendo certas coisas com as quais eu no me identifi co politicamente. Eu no creio que o nico campo de lutas, nem o melhor, mas um campo de lutas.

    Alex Moraes: Eu quero, justamente, retomar um trecho da entrevista que tu deste Tinta Crtica3 h alguns meses. Ali tu mencionas a fala de um colega teu, para ele a antropologia sempre comprometida, o que importa com quem ela est comprometida. A questo : como tu constris as tuas alianas polticas para ingressar em uma disputa concreta por esses lugares a partir dos quais possvel produzir efeitos de verdade no contexto do establishment?

    Eduardo Restrepo: Minha relao com as redes de conversao men-cionadas anteriormente uma relao que autoriza bastante. Conversando com certas pessoas, tendo um doutorado em certo lugar, jogando bem o jogo, posso estabelecer relaes para que esse jogo mude. Esse jogo pode mudar, tambm, por interpelaes que vm de fora. So muito importantes as interpe-laes de fora, mas eu penso que a possibilidade de interromper o jogo a partir das suas prprias regras um trabalho poltico importante. Minha relao com

    3 A Tinta Crtica o informativo bimestral do Grupo de Estudos em Antropologia Crtica (N. de T.).

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    Marisol de la Cadena, com Arturo Escobar, com Alejandro Grimson, etc. tem a ver com a constituio de uma possibilidade de falar e de jogar o jogo para transformar ou, pelo menos, produzir rudos nesse jogo. Este , portanto um dos nveis de ao. Agora, no contexto dessas articulaes, os estudos cultu-rais so uma aliana estratgica, porque consistem em um cenrio ainda por ser defi nido na Colmbia. um cenrio que est sendo inventado, um cenrio que incomoda. Tudo o que incomoda algo que tem a possibilidade de deses-tabilizar, de dessedimentar. Eu adoro incomodar os meus colegas, me deixa feliz que alguns colegas se desestabilizem ou no possam seguir operando to tranquilamente diante de certos cenrios. Da eu tiro alguma felicidade, mas minha razo poltica de ser tem a ver com prticas e relaes com o mundo e com projetos polticos que podem ser muito radicais, que passam, inclu-sive, por cenrios no legais e incluem, tambm, trabalhos com processos organizativos de reivindicao de direitos, como o das comunidades negras. A hermenutica da felicidade, para mim, passa por desestabilizar prticas que me parecem autoritrias e tambm se conecta, como no poderia deixar de ser, com coisas no mundo, em meu pas.