Desenvolvimento do campo e educação na perspectiva popular
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Rev. Desenvolvimento Regional, Ampére, n. 03, p. 01-12, jul./dez. 2012.
DESENVOLVIMENTO DO CAMPO E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA POPULAR
Inácio Baranhuk1
Ana Lúcia dos Santos Lima2
Resumo: A pesquisa pretende refletir sobre a educação do campo como uma ação social que visa à formação de
seres mais humanos, valorizando a produção, transmissão e preservação dos conhecimentos, a cultura que é o
jeito de ser, sentir, pensar e agir de cada povo. Os estudos visam demonstrar que a educação do campo, possui
uma trajetória histórica relevante, que precisa ser mais estudada. Este estudo resulta de um projeto de pesquisa
bibliográfica que busca analisar o desenvolvimento do campo e a educação na vivência e perspectiva dos
movimentos sociais do campo e suas lutas por educação como política pública. Sabemos que as políticas
educacionais possibilitam a recriação de uma nova cultura política nas demandas provenientes dos movimentos
sociais ligados aos trabalhadores rurais, bem como outra noção de cidadania possível que se encontra em
processo de crescimento. O propósito central é apresentar algumas reflexões oriundas da temática Educação do
Campo dentro de uma abordagem histórica adentrando nas propostas de políticas públicas governamentais e em
algumas discussões traçadas pelos movimentos organizados no Brasil.
Palavras-chave: Movimentos Sociais do Campo; educação do campo; resistência; política pública.
Introdução
A pesquisa visa refletir sobre o desenvolvimento do campo e a educação deste meio
como uma ação social em vista da emancipação humana. Assim, o texto foi organizado em
três seções. Na primeira seção, intitulada “Breve histórico da educação brasileira e a luta
popular”, traz elementos sobre o descaso da educação no Brasil e o papel da mesma para
atender os interesses da classe dominante. Na segunda seção – O MST e a Educação do
Campo – onde o enfoque é para o campo brasileiro, destacando sua diversidade cultural, os
movimentos sociais do campo no Brasil e enfatizando aspectos de sua cultura camponesa,
relacionada à luta e à organização. Na terceira seção – Os Movimentos Sociais do Campo
e as conquistas para a Educação do Campo - o olhar se volta para a escola do campo,
buscando entendê-la como um espaço de luta num contexto sócio-político-econômico-
cultural. Com as “Conclusões” encerramos o texto.
Breve histórico da educação brasileira e a luta popular
1 Pós-Graduando do Curso de Especialização em Latu Sensu em Educação do Campo.
2 Especialista em Educação Especial, Mestre em Educação.
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No Brasil a dominação através das diferentes políticas, principalmente através da
violência, sempre se apresentou necessária para a produção, o desenvolvimento e a
manutenção da ‘ordem social’. Assim, podemos dizer que a história de nosso país é uma
história de perdas, exclusões e da garantia de privilégios para as assim chamadas minorias da
população. A educação também carrega todas essas marcas, uma vez que a história da
educação brasileira está atrelada ao sistema de opressão e ao mercado.
Assim, podemos afirmar com toda convicção de que no nosso país a educação nunca
foi prioridade. Para nos certificarmos dessa afirmação basta ver os valores dos recursos
destinados à educação em toda a história do país. A educação é pensada e passa a ser
prioridade somente para atender a um tipo de desenvolvimento que se resume em formar
mão-de-obra barata. Essa valorização interessada da educação está relacionada, como explica
Brandão (2001), ao que ocorreu na “revolução de 1930”. Para o autor, essa década é marcada
pela “industrialização e a aglomeração nas cidades, havendo a necessidade da qualificação da
mão-de-obra” (IBIDEM, p.50). É nesse momento que a classe dominante começa a pensar em
uma educação para a classe dominada, que até então não tinha acesso a ela, passando, a partir
daí, a travar lutas para defender seus direitos negados.
Assim, a Educação Popular nasce da luta do povo silenciado e tem como horizonte a
humanização, uma humanização que consiste em um novo jeito de viver, de se relacionar com
as outras pessoas, com a natureza e com o mundo. Como parte dessa educação e fruto de
diversas experiências que originaram o movimento libertário presente nas primeiras décadas
do século passado, surge a concepção freiriana de educação e, principalmente, a concepção de
alfabetização libertadora, que começou a se difundir a partir do final dos anos 1950 e se
fortaleceu nos anos 1960 através dos “Círculos de Cultura”, pensados pelo mestre Paulo
Freire.
A educação na concepção freiriana está centrada na problematização que acontece por
meio do diálogo, na necessidade de forjar seres pensantes e reflexivos, bem como seres da
ação. Na perspectiva freiriana a educação precisa estar a serviço da libertação, da
emancipação humana e da transformação social.
Um outro movimento importante para o avanço da Educação Popular foi o Movimento
Eclesial de Base – MEB, surgido em 1961. Brandão (2001, p. 52) considera-o “como mais um
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elo na corrente de resistência e luta pela transformação social”. Associado à concepção de
educação como ferramenta para a transformação social também se fez presente, nas lutas da
década de 60, o movimento estudantil organizado. Esse movimento contribuiu muito “no
campo da educação e nos movimentos sociais e políticos, transgredindo os muros da
Universidade com canais próprios de atuação”. (IBIDEM, p. 52)
Porém, para os dominantes, essa forma de fazer educação foi encarada como perigosa,
pois colocava em jogo o seu poder de dominação. Assim, o golpe militar de 64 se fez
necessário para a manutenção da ‘ordem’ e o silenciamento dos que estavam ousando falar e
questionar a sociedade excludente em que viviam. Brandão (IBIDEM, p. 53) afirma que: “O
golpe militar de 64 veio como um vulcão ameaçador sobre estes movimentos sociais. Foram
interrompidos os programas de Educação Popular, presos e/ou exilados seus adeptos e
intelectuais”.
Buscando substituir a educação que vinha sendo realizada pelos movimentos sociais, o
governo militar instituiu o MOBRAL e, em 1971, “a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de nº 5692, de 11 de agosto de 71, forjada nos gabinetes da ditadura” (IBIDEM, p.
55) Com esta lei, o Ensino Supletivo foi regulamentado.
No final dos anos 70, inicia um reascenso da luta da classe trabalhadora em repúdio a
opressão. É neste período que os sem-terra realizam as primeiras ocupações de terras e que
dessas várias iniciativas isoladas surge em 1984, o MST.
Na década de 90, temos no Brasil, a criação da LDB – Nº 9.394/96 que traz pela
primeira vez um artigo específico para a educação do campo, o artigo 28 que diz:
Art. 28. Na oferta da Educação Básica para a população rural, os sistemas de
Ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I- conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural; II- organização escolar própria, incluindo
adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições
climáticas; III- adequação à natureza do trabalho na zona rural.
O MST e a Educação do Campo
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Em toda a história deste nosso país e agora reforçado na conjuntura contemporânea
com a implementação do agronegócio, o campo tem sido visto como um lugar que apenas
produz alimentos e matéria-prima para as cidades. Passa assim, a ser considerado como
simplesmente um espaço de produção, visando lucros e por isso associado ao poder.
A partir desse olhar predominante, é possível perceber que os pequenos agricultores
tendem, na grande maioria, a permanecer no limite mínimo de reprodução de seus meios de
vida e de trabalho, ou ainda, a negarem a si mesmos, através do abandono da terra e da busca
desesperada de uma vida melhor nas cidades, onde uma grande parcela acaba vivendo nas
favelas.
No entanto, muitas são as iniciativas de resistência a essa situação, vindas das camadas
da população menos favorecidas que vivem no campo. Os diferentes grupos, através de
diferentes organizações, teimam em viver no campo e têm buscado resistir a todas as
investidas do capital monopolista hegemônico. Cada qual no seu meio, na sua cultura, com as
suas formas de luta busca defender seus direitos, inclusive os direitos de viver na terra e
preservar sua cultura. Essas organizações populares têm buscado, ainda, discutir e construir
coletivamente um novo jeito de olhar para o campo e para a sua forma de desenvolvimento,
afirmando que, ao contrário do que os grupos hegemônicos pensam e do modo com que
dirigem a produção do campo, esse é um lugar de vida.
Uma dessa organizações que surgiu no Brasil, como já foi dito é o MST. No início, a
luta dos Sem Terra era voltada para a democratização da terra. Porém, neste processo de
tomada de consciência do direito a terra, também tomam consciência do direito a outros
direitos como, por exemplo, o direito à educação. Portanto, a educação do MST nasce ligada à
luta pela terra, que na sua essência é a luta pelo direito de ser e viver humanamente.
É para resolver o problema da falta de escola ou mesmo da discriminação sofrida pelas
crianças acampadas que o Movimento Sem Terra começa a lutar por educação. Desde então,
as reflexões em torno da educação e da escola estão mais presentes. Ocupar a escola para o
MST significa ter mais uma instância para fortalecer a luta e ocupar o latifúndio da educação
significa avançar no processo da formação humana em todas as suas dimensões. Por isso,
podemos dizer que a educação do MST tem caráter de um processo pedagógico que se assume
político, ou seja, que se vincula organicamente com os processos sociais que visam a
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transformação da sociedade atual, e a construção, desde já, de uma nova ordem social, cujos
pilares principais sejam, a justiça social, a radicalidade democrática, e melhor qualidade de
vida para a população.
Esse entendimento cunhado pelos Sem Terra em relação à educação nos possibilita
afirmar que a educação também é marcada por relações de poder. E é por isso, que os Sem
Terra lutam, buscando democratizar também a educação. Em um trecho de uma canção de Zé
Pinto está explicitado esse jeito de pensar: “...E o latifúndio da educação vamos ocupar.”
É possível perceber que além de buscar a democratização da educação, os Sem Terra,
também buscam reconstruí-la para que contribua no desenvolvimento integral das pessoas e
na necessária afirmação da cultura de resistência na terra. Assim, para o MST (2005) , a
educação precisa efetivar o seu papel no
desenvolvimento contínuo da pessoa humana como um todo, criando condições
para que as mesmas reflitam e teorizem sobre sua prática no dia-a-dia do trabalho,
do relacionamento social, da vida em família, na comunidade, etc. também para
que as pessoas conheçam e transformem a realidade onde vivem.
O MST considera a educação como fundamental na relação com a cultura do campo,
buscando tê-la como referência para a construção de uma vida digna para as famílias
camponesas, respeitando as diferenças que se apresentam, além de dar respaldo ao direito de o
camponês ser sujeito de sua história, valorizando e afirmando o campo como lugar de vida,
produção de cultura e espaço de resistência.
A educação, para o MST, não pode ficar limitada à escola por ser uma prática social.
Caldart (2004, p. 31), trazendo reflexões sobre o processo de formação do Sem Terra, diz que
o MST precisa ser olhado “como espaço de formação do Sem Terra brasileiro”. A autora
ainda chama a atenção para a educação que acontece no interior do Movimento, ou seja, fora
da escola e que está presente nas diferentes vivências, em diferentes momentos e espaços
ocupados pelos Sem Terra.
A escola também é importante para o MST. Mesmo ela sendo uma instituição,
também é parte do projeto de vida das famílias. No entanto, para ser projeto de vida a escola
precisa sair de suas paredes e se fazer presente no mundo da vida dos trabalhadores e das
trabalhadoras Sem Terra.
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Na concepção do MST, a escola deve ser uma escola em movimento; uma escola que
tem a sua história e o seu fazer pedagógico atrelado à história de luta, à cultura e às vivências
dos valores vividos pelos Sem Terra acampados ou assentados; uma escola que tem uma
função importante a cumprir no exercício de os camponeses e de a sociedade repensarem o
desenvolvimento do campo. Enfim, uma escola que se dispõe a repensar a cultura camponesa.
Portanto, faz-se necessário que as escolas estejam abertas e sejam espaço para a
formação integral de seus participantes e da comunidade em que estão inseridos, contribuindo
para o amplo processo de reflexão “no sentido da inserção do campo no conjunto da
sociedade para quebrar o fetiche que coloca o camponês como algo à parte, fora do comum,
fora da totalidade definida pela representação urbana.” (ENERA, 1998) A escola, para ter as
condições de atender aos anseios dos camponeses Sem Terra, precisa ser gestada, pensada e
construída com a participação deles próprios, para assim, manter-se em movimento.
Partindo das experiências de resistência travadas pelos diferentes povos que vivem,
ainda que com muita dificuldade, no meio rural, bem como da forte investida dos grupos
hegemônicos da sociedade contra o campo, onde o desenvolvimento se dá através de
“pacotes”, e considerando o acentuado êxodo rural é que se define como desafio pensar a
educação pública e o desenvolvimento do campo a partir do mundo do campo. Essa definição
foi tomada no I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), que
aconteceu em julho de 1997, em Brasília. Este Encontro foi promovido pelo MST em parceria
com a UnB, o Unicef, a Unesco e a CNBB e trouxe presente o anseio dos trabalhadores em
mudar o rumo dado até então à educação do campo, que sempre foi pensada a partir do
mundo urbano, sem levar em conta as especificidades do campo e sempre atendendo aos
interesses do capital internacional, que anda na contramão das necessidades básicas de
sobrevivência da classe trabalhadora.
Uma das falas realizadas neste encontro pelo professor Miguel Arroyo, ilustra um
pouco do que foram as reflexões realizadas:
Se o Brasil não tem podido ficar surdo ao movimento social do campo pelo que
incomoda, questiona e afirma - o direito à terra, ao trabalho, à dignidade, à cultura,
à educação -, também os educadores e os pesquisadores e as políticas públicas, os
currículos, a gestão escolar e a formação de professores não poderão mais ficar
surdos ao conjunto de práticas inovadoras, sérias que emergem coladas ao
movimento social e cultural do campo. A educação rural ignorada e marginalizada
está mostrando seu rosto, o verdadeiro, não a caricatura tão repetida: reduzir a
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educação à escolinha rural, à professora desqualificada, às massas de analfabetos.
Uma visão preconceituosa que os educadores rurais vão desconstruindo
(ARROYO, apud KOLLING, 1999, p. 08).
Os Movimentos Sociais do Campo e as conquistas para a Educação do Campo
A partir do I ENERA, que também contou com a participação de alguns representantes
de outros movimentos organizados do campo, aconteceram em 1998 as primeiras
conferências estaduais realizadas por estas organizações que atuam no campo. Estas
conferências estaduais culminaram na Conferência Nacional, gerando assim, o Movimento
“Por Uma Educação Básica do Campo”. Desde então, os diferentes grupos que vivem no
campo e suas organizações, que têm a luta como ferramenta para continuar vivendo nesse
espaço, começaram partilhar suas experiências de educação e a discutir um outro modelo de
desenvolvimento para o campo. Entre as principais bandeiras de luta, é possível destacar:
mobilização dos povos do campo para a construção de políticas públicas de educação;
contribuição na reflexão político-pedagógica das escolas partindo das experiências já
existentes; construção de uma pedagogia e organização escolar ligada às identidades culturais
e aos tempos e espaços dos modos de vida do campo; ligar as políticas públicas sobre
educação com outras questões do desenvolvimento social do campo.
Ainda em 1998, a partir das lutas e negociações o MST conquista o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA com vista à escolarização formal
para os trabalhadores rurais assentados, desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão
em diferentes áreas do conhecimento, qualificação de pessoas para atuar no desenvolvimento
sustentável dos assentamentos e a fomentação de parcerias com universidades públicas e
escolas técnicas para a formação em diferentes áreas.
Os movimentos sociais camponeses comungam de um mesmo olhar para o campo.
Denunciam que as dificuldades enfrentadas para implementar uma educação pensada a partir
das especificidades existentes no campo estão arraigadas às políticas governamentais. Essas
políticas são todas ditadas pelas políticas neoliberais que excluem o campo do
desenvolvimento do país.
Assim, estas organizações do campo associam a educação ao desenvolvimento,
afirmando que as políticas educacionais pensadas ‘para’ o campo são co-intencionadas para
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atender ao modelo de desenvolvimento determinado pelas elites. Defendem, por isso, uma
educação diferente; uma educação para o campo que não seja pensada por alguns
especialistas, mas uma educação dos povos sujeitos do campo; uma educação carregada de
vida, associada aos sentimentos, à simbologia, ao jeito de viver, à luta, à resistência, ao sonho,
enfim, associada a uma vida digna. Daí decorre a idéia de que a educação seja no e do campo,
como explica Caldart (2002, p. 26) “No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive;
Do: o povo tem o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação,
vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais”.
Assim, a luta pelo direito à educação se apresenta como fruto das experiências dos
movimentos sociais que, agora unificados, lutam pelo direito a uma educação que lhes
pertença. Esta luta pelo direito a uma educação no e do campo é um traço que marca o
movimento “Por Uma Educação do Campo”. Podemos aqui dizer que esse traço representa a
identidade construída para diferenciar a Educação do Campo da Educação Rural. A primeira
se identifica com a luta, com a resistência e a organização dos trabalhadores. No entanto, é
impossível alguém defender ou mesmo simpatizar com as propostas do movimento “Por Uma
Educação do Campo” se não entender a dimensão pedagógica existente nas lutas travadas
pelos movimentos sociais camponeses em defesa de seus direitos.
Em 2001, acontece um outro momento importante na história da Educação Brasileira e
principalmente da Educação do Campo: a aprovação do Plano Nacional de Educação, por
meio da Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001, que prevê formas mais flexíveis de organização
escolar para a zona rural e uma formação de professores adequada às especificidades dos
alunos do campo e das exigências do meio.
Em 2002, é criado um Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo no
MEC (Ministério de Educação e Cultura). Este grupo foi formado tendo a participação de
pessoas representando a Articulação Nacional “Por Uma Educação do Campo”. A partir de
vários debates, enfim se reconhece como povos do campo os pequenos agricultores, os sem-
terra, os povos da floresta, os extrativistas, os quilombolas, os ribeirinhos, os indígenas e os
assalariados rurais.
As “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”, criadas
através da Resolução nº 1/2002 – 03 de abril de 2002, do CNE/CEB que reconhece o “modo
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próprio de vida social e de utilização do campo como fundamentais, em sua diversidade, para
a constituição da população rural e de sua inserção cidadã na definição dos rumos da
sociedade brasileira”. As diretrizes se tornam “Processo inovador de construção de política
pública na relação do Governo Federal com os governos estaduais e municipais, com a
sociedade civil organizada e com os povos organizados do campo”. (MEC/SECAD – 2004)
As diretrizes representam a primeira grande conquista dos movimentos sociais do
campo a nível federal e ensina a sociedade de que a luta garante conquistas. Para MUNARIN
(2005):
[...] As diretrizes operacionais significam um ponto de inflexão na relação Estado-
Sociedade na medida em que consolidam e materializam direitos. A resolução faz
indicações concretas de responsabilidade dos entes estatais e de como se deve
cumprir o direito à educação em se tratando de populações socialmente desiguais e
culturalmente diversas. Mais que um eventual ponto de encontro entre Estado e
Sociedade, que neste caso implicaria uma visão dicotômica dessa relação, as
diretrizes operacionais têm o significado do Estado como espaço, por excelência, da
política (MUNARIM, 2005, p.03).
Em 2004 realizou-se a II Conferência Nacional de Educação do Campo, sendo mais
um espaço de debate sobre as diferentes experiências realizadas pelos sujeitos que atuam com
a educação do Campo. Estiveram reunidos nessa ocasião 1.100 participantes e entre suas
principais proposições estão a defesa de uma educação de valorização da agricultura familiar;
a superação da dicotomia urbano-rural; a implantação de políticas públicas que garantam os
direitos humanos e um projeto de educação que vá ao encontro das especificidades do campo.
Segundo Dias Pinheiro (2007):
Nesse momento ampliaram os grupos organizados, as universidades, e as
representações governamentais, bem como a concepção de educação. E como
proposições definiram afirmação da articulação nacional para encampar o
movimento de educação do campo, não mais pensando apenas na educação
"básica" (1ª a 4ª séries), mas, na luta para inserir os filhos dos trabalhadores do
campo, em toda educação básica (educação infantil, fundamental e médio), e nas
universidades públicas brasileiras, de graduações e pós-graduações; uma vez que, o
campo também necessita de diversos profissionais qualificados para atuarem nessa
realidade. (DIAS PINHEIRO, 2007):
Na Conferência, os participantes representantes dos movimentos do campo, reafirmam
que a luta continuaria pela reafirmação de um campo visto como espaço de vida e por
políticas públicas específicas para a população que nele vive. Conforme o documento
elaborado na Conferência, esta reafirmação é expressa da seguinte forma:
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Lutamos por um projeto de Sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que
contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se
contraponha ao latifúndio e ao agronegócio. [...] lutamos por um projeto de
desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no
processo de sua construção e implementação (DOC. II CONFERÊNCIA
NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004, p.02).
A defesa pela garantia de um olhar específico à Educação do Campo é cada vez mais
incisiva e pautada em dois argumentos: o primeiro trata da importância da inclusão da
população do campo na política educacional brasileira como condição de construção de um
projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento de sociedade, com caráter
nacional, soberano e justo. O segundo, pauta sobre a diversidade dos processos produtivos e
culturais que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo, sendo estes,
necessários na construção do Projeto da Educação do Campo. Não é possível pensar e fazer
educação do campo sem reconhecer as matrizes formativas e culturais desse contexto; sem
olhar para as práticas que estão sendo vivenciadas e que por meio de seus sujeitos vêm
realizando significativas conquistas.
Nos anos que se seguem, a atuação dos movimentos sociais do campo, dos
Movimentos Nacional e Estaduais “Por Uma Educação do Campo” têm pautado eventos,
audiências,agendas públicas e outras ações ligadas à formação de professores do campo
através de parcerias com várias universidade públicas do país, pois muitos professores que
atuam nas escolas do campo não receberam uma formação para lidar com as peculiaridades
do campo, além de terem dificuldades de se inserirem em processos de formação continuada.
Conclusão
Ao finalizar esta pesquisa, vale ressaltar que a Educação do Campo tem suas
raízes essencialmente ligadas à Educação Popular e ao Projeto Popular de sociedade.
Podemos afirmar que ela nasce atrelada às lutas por mudanças. O horizonte dessa educação é
a construção de uma nova sociedade; uma sociedade onde a exclusão, a dominação e as
inúmeras injustiças sofridas pelos trabalhadores sejam apenas lembranças, com a finalidade
única de fortalecer a vivência dos valores humanistas que são os pilares de sustentação de
uma vida nova, de uma sociedade nova.
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O projeto de construção da Educação e das escolas do campo está diretamente ligado à
essência dos movimentos sociais organizados no campo e que se apresentam para a sociedade
como movimentos de luta em defesa dos direitos garantidos nas leis brasileiras. As diretrizes
representam a primeira grande conquista dos movimentos sociais do campo a nível federal e
ensina a sociedade de que a luta garante conquistas.
No entanto, a vivência da cultura camponesa no cotidiano das escolas do campo,
metodologias diferenciadas, conteúdos curriculares que atendam as especificidades da
comunidade onde a escola está inserida e a efetivação de um quadro fixo de educadores, bem
como formação continuada, poderão garantir a continuidade e o aprimoramento de um
trabalho pedagógico que dê centralidade à cultura camponesa.
Assim, a valorização da cultura camponesa no processo de ensino-aprendizagem é
uma das dimensões importantes da pedagogia defendida pelos povos do campo. Essa
valorização apóia-se no entendimento de que as experiências de vida da comunidade têm
repercussões na escola, bem como o que a escola trabalha e desenvolve produz efeitos na
comunidade.
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