Desenvolvimento do campo e educação na perspectiva popular

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Rev. Desenvolvimento Regional, Ampére, n. 03, p. 01-12, jul./dez. 2012. DESENVOLVIMENTO DO CAMPO E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA POPULAR Inácio Baranhuk 1 Ana Lúcia dos Santos Lima 2 Resumo: A pesquisa pretende refletir sobre a educação do campo como uma ação social que visa à formação de seres mais humanos, valorizando a produção, transmissão e preservação dos conhecimentos, a cultura que é o jeito de ser, sentir, pensar e agir de cada povo. Os estudos visam demonstrar que a educação do campo, possui uma trajetória histórica relevante, que precisa ser mais estudada. Este estudo resulta de um projeto de pesquisa bibliográfica que busca analisar o desenvolvimento do campo e a educação na vivência e perspectiva dos movimentos sociais do campo e suas lutas por educação como política pública. Sabemos que as políticas educacionais possibilitam a recriação de uma nova cultura política nas demandas provenientes dos movimentos sociais ligados aos trabalhadores rurais, bem como outra noção de cidadania possível que se encontra em processo de crescimento. O propósito central é apresentar algumas reflexões oriundas da temática Educação do Campo dentro de uma abordagem histórica adentrando nas propostas de políticas públicas governamentais e em algumas discussões traçadas pelos movimentos organizados no Brasil. Palavras-chave: Movimentos Sociais do Campo; educação do campo; resistência; política pública. Introdução A pesquisa visa refletir sobre o desenvolvimento do campo e a educação deste meio como uma ação social em vista da emancipação humana. Assim, o texto foi organizado em três seções. Na primeira seção, intitulada “Breve histórico da educação brasileira e a luta popular”, traz elementos sobre o descaso da educação no Brasil e o papel da mesma para atender os interesses da classe dominante. Na segunda seção O MST e a Educação do Campo onde o enfoque é para o campo brasileiro, destacando sua diversidade cultural, os movimentos sociais do campo no Brasil e enfatizando aspectos de sua cultura camponesa, relacionada à luta e à organização. Na terceira seção Os Movimentos Sociais do Campo e as conquistas para a Educação do Campo - o olhar se volta para a escola do campo, buscando entendê-la como um espaço de luta num contexto sócio-político-econômico- cultural. Com as “Conclusões” encerramos o texto. Breve histórico da educação brasileira e a luta popular 1 Pós-Graduando do Curso de Especialização em Latu Sensu em Educação do Campo. 2 Especialista em Educação Especial, Mestre em Educação.

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Rev. Desenvolvimento Regional, Ampére, n. 03, p. 01-12, jul./dez. 2012.

DESENVOLVIMENTO DO CAMPO E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA POPULAR

Inácio Baranhuk1

Ana Lúcia dos Santos Lima2

Resumo: A pesquisa pretende refletir sobre a educação do campo como uma ação social que visa à formação de

seres mais humanos, valorizando a produção, transmissão e preservação dos conhecimentos, a cultura que é o

jeito de ser, sentir, pensar e agir de cada povo. Os estudos visam demonstrar que a educação do campo, possui

uma trajetória histórica relevante, que precisa ser mais estudada. Este estudo resulta de um projeto de pesquisa

bibliográfica que busca analisar o desenvolvimento do campo e a educação na vivência e perspectiva dos

movimentos sociais do campo e suas lutas por educação como política pública. Sabemos que as políticas

educacionais possibilitam a recriação de uma nova cultura política nas demandas provenientes dos movimentos

sociais ligados aos trabalhadores rurais, bem como outra noção de cidadania possível que se encontra em

processo de crescimento. O propósito central é apresentar algumas reflexões oriundas da temática Educação do

Campo dentro de uma abordagem histórica adentrando nas propostas de políticas públicas governamentais e em

algumas discussões traçadas pelos movimentos organizados no Brasil.

Palavras-chave: Movimentos Sociais do Campo; educação do campo; resistência; política pública.

Introdução

A pesquisa visa refletir sobre o desenvolvimento do campo e a educação deste meio

como uma ação social em vista da emancipação humana. Assim, o texto foi organizado em

três seções. Na primeira seção, intitulada “Breve histórico da educação brasileira e a luta

popular”, traz elementos sobre o descaso da educação no Brasil e o papel da mesma para

atender os interesses da classe dominante. Na segunda seção – O MST e a Educação do

Campo – onde o enfoque é para o campo brasileiro, destacando sua diversidade cultural, os

movimentos sociais do campo no Brasil e enfatizando aspectos de sua cultura camponesa,

relacionada à luta e à organização. Na terceira seção – Os Movimentos Sociais do Campo

e as conquistas para a Educação do Campo - o olhar se volta para a escola do campo,

buscando entendê-la como um espaço de luta num contexto sócio-político-econômico-

cultural. Com as “Conclusões” encerramos o texto.

Breve histórico da educação brasileira e a luta popular

1 Pós-Graduando do Curso de Especialização em Latu Sensu em Educação do Campo.

2 Especialista em Educação Especial, Mestre em Educação.

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No Brasil a dominação através das diferentes políticas, principalmente através da

violência, sempre se apresentou necessária para a produção, o desenvolvimento e a

manutenção da ‘ordem social’. Assim, podemos dizer que a história de nosso país é uma

história de perdas, exclusões e da garantia de privilégios para as assim chamadas minorias da

população. A educação também carrega todas essas marcas, uma vez que a história da

educação brasileira está atrelada ao sistema de opressão e ao mercado.

Assim, podemos afirmar com toda convicção de que no nosso país a educação nunca

foi prioridade. Para nos certificarmos dessa afirmação basta ver os valores dos recursos

destinados à educação em toda a história do país. A educação é pensada e passa a ser

prioridade somente para atender a um tipo de desenvolvimento que se resume em formar

mão-de-obra barata. Essa valorização interessada da educação está relacionada, como explica

Brandão (2001), ao que ocorreu na “revolução de 1930”. Para o autor, essa década é marcada

pela “industrialização e a aglomeração nas cidades, havendo a necessidade da qualificação da

mão-de-obra” (IBIDEM, p.50). É nesse momento que a classe dominante começa a pensar em

uma educação para a classe dominada, que até então não tinha acesso a ela, passando, a partir

daí, a travar lutas para defender seus direitos negados.

Assim, a Educação Popular nasce da luta do povo silenciado e tem como horizonte a

humanização, uma humanização que consiste em um novo jeito de viver, de se relacionar com

as outras pessoas, com a natureza e com o mundo. Como parte dessa educação e fruto de

diversas experiências que originaram o movimento libertário presente nas primeiras décadas

do século passado, surge a concepção freiriana de educação e, principalmente, a concepção de

alfabetização libertadora, que começou a se difundir a partir do final dos anos 1950 e se

fortaleceu nos anos 1960 através dos “Círculos de Cultura”, pensados pelo mestre Paulo

Freire.

A educação na concepção freiriana está centrada na problematização que acontece por

meio do diálogo, na necessidade de forjar seres pensantes e reflexivos, bem como seres da

ação. Na perspectiva freiriana a educação precisa estar a serviço da libertação, da

emancipação humana e da transformação social.

Um outro movimento importante para o avanço da Educação Popular foi o Movimento

Eclesial de Base – MEB, surgido em 1961. Brandão (2001, p. 52) considera-o “como mais um

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elo na corrente de resistência e luta pela transformação social”. Associado à concepção de

educação como ferramenta para a transformação social também se fez presente, nas lutas da

década de 60, o movimento estudantil organizado. Esse movimento contribuiu muito “no

campo da educação e nos movimentos sociais e políticos, transgredindo os muros da

Universidade com canais próprios de atuação”. (IBIDEM, p. 52)

Porém, para os dominantes, essa forma de fazer educação foi encarada como perigosa,

pois colocava em jogo o seu poder de dominação. Assim, o golpe militar de 64 se fez

necessário para a manutenção da ‘ordem’ e o silenciamento dos que estavam ousando falar e

questionar a sociedade excludente em que viviam. Brandão (IBIDEM, p. 53) afirma que: “O

golpe militar de 64 veio como um vulcão ameaçador sobre estes movimentos sociais. Foram

interrompidos os programas de Educação Popular, presos e/ou exilados seus adeptos e

intelectuais”.

Buscando substituir a educação que vinha sendo realizada pelos movimentos sociais, o

governo militar instituiu o MOBRAL e, em 1971, “a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional de nº 5692, de 11 de agosto de 71, forjada nos gabinetes da ditadura” (IBIDEM, p.

55) Com esta lei, o Ensino Supletivo foi regulamentado.

No final dos anos 70, inicia um reascenso da luta da classe trabalhadora em repúdio a

opressão. É neste período que os sem-terra realizam as primeiras ocupações de terras e que

dessas várias iniciativas isoladas surge em 1984, o MST.

Na década de 90, temos no Brasil, a criação da LDB – Nº 9.394/96 que traz pela

primeira vez um artigo específico para a educação do campo, o artigo 28 que diz:

Art. 28. Na oferta da Educação Básica para a população rural, os sistemas de

Ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às

peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I- conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural; II- organização escolar própria, incluindo

adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições

climáticas; III- adequação à natureza do trabalho na zona rural.

O MST e a Educação do Campo

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Em toda a história deste nosso país e agora reforçado na conjuntura contemporânea

com a implementação do agronegócio, o campo tem sido visto como um lugar que apenas

produz alimentos e matéria-prima para as cidades. Passa assim, a ser considerado como

simplesmente um espaço de produção, visando lucros e por isso associado ao poder.

A partir desse olhar predominante, é possível perceber que os pequenos agricultores

tendem, na grande maioria, a permanecer no limite mínimo de reprodução de seus meios de

vida e de trabalho, ou ainda, a negarem a si mesmos, através do abandono da terra e da busca

desesperada de uma vida melhor nas cidades, onde uma grande parcela acaba vivendo nas

favelas.

No entanto, muitas são as iniciativas de resistência a essa situação, vindas das camadas

da população menos favorecidas que vivem no campo. Os diferentes grupos, através de

diferentes organizações, teimam em viver no campo e têm buscado resistir a todas as

investidas do capital monopolista hegemônico. Cada qual no seu meio, na sua cultura, com as

suas formas de luta busca defender seus direitos, inclusive os direitos de viver na terra e

preservar sua cultura. Essas organizações populares têm buscado, ainda, discutir e construir

coletivamente um novo jeito de olhar para o campo e para a sua forma de desenvolvimento,

afirmando que, ao contrário do que os grupos hegemônicos pensam e do modo com que

dirigem a produção do campo, esse é um lugar de vida.

Uma dessa organizações que surgiu no Brasil, como já foi dito é o MST. No início, a

luta dos Sem Terra era voltada para a democratização da terra. Porém, neste processo de

tomada de consciência do direito a terra, também tomam consciência do direito a outros

direitos como, por exemplo, o direito à educação. Portanto, a educação do MST nasce ligada à

luta pela terra, que na sua essência é a luta pelo direito de ser e viver humanamente.

É para resolver o problema da falta de escola ou mesmo da discriminação sofrida pelas

crianças acampadas que o Movimento Sem Terra começa a lutar por educação. Desde então,

as reflexões em torno da educação e da escola estão mais presentes. Ocupar a escola para o

MST significa ter mais uma instância para fortalecer a luta e ocupar o latifúndio da educação

significa avançar no processo da formação humana em todas as suas dimensões. Por isso,

podemos dizer que a educação do MST tem caráter de um processo pedagógico que se assume

político, ou seja, que se vincula organicamente com os processos sociais que visam a

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transformação da sociedade atual, e a construção, desde já, de uma nova ordem social, cujos

pilares principais sejam, a justiça social, a radicalidade democrática, e melhor qualidade de

vida para a população.

Esse entendimento cunhado pelos Sem Terra em relação à educação nos possibilita

afirmar que a educação também é marcada por relações de poder. E é por isso, que os Sem

Terra lutam, buscando democratizar também a educação. Em um trecho de uma canção de Zé

Pinto está explicitado esse jeito de pensar: “...E o latifúndio da educação vamos ocupar.”

É possível perceber que além de buscar a democratização da educação, os Sem Terra,

também buscam reconstruí-la para que contribua no desenvolvimento integral das pessoas e

na necessária afirmação da cultura de resistência na terra. Assim, para o MST (2005) , a

educação precisa efetivar o seu papel no

desenvolvimento contínuo da pessoa humana como um todo, criando condições

para que as mesmas reflitam e teorizem sobre sua prática no dia-a-dia do trabalho,

do relacionamento social, da vida em família, na comunidade, etc. também para

que as pessoas conheçam e transformem a realidade onde vivem.

O MST considera a educação como fundamental na relação com a cultura do campo,

buscando tê-la como referência para a construção de uma vida digna para as famílias

camponesas, respeitando as diferenças que se apresentam, além de dar respaldo ao direito de o

camponês ser sujeito de sua história, valorizando e afirmando o campo como lugar de vida,

produção de cultura e espaço de resistência.

A educação, para o MST, não pode ficar limitada à escola por ser uma prática social.

Caldart (2004, p. 31), trazendo reflexões sobre o processo de formação do Sem Terra, diz que

o MST precisa ser olhado “como espaço de formação do Sem Terra brasileiro”. A autora

ainda chama a atenção para a educação que acontece no interior do Movimento, ou seja, fora

da escola e que está presente nas diferentes vivências, em diferentes momentos e espaços

ocupados pelos Sem Terra.

A escola também é importante para o MST. Mesmo ela sendo uma instituição,

também é parte do projeto de vida das famílias. No entanto, para ser projeto de vida a escola

precisa sair de suas paredes e se fazer presente no mundo da vida dos trabalhadores e das

trabalhadoras Sem Terra.

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Na concepção do MST, a escola deve ser uma escola em movimento; uma escola que

tem a sua história e o seu fazer pedagógico atrelado à história de luta, à cultura e às vivências

dos valores vividos pelos Sem Terra acampados ou assentados; uma escola que tem uma

função importante a cumprir no exercício de os camponeses e de a sociedade repensarem o

desenvolvimento do campo. Enfim, uma escola que se dispõe a repensar a cultura camponesa.

Portanto, faz-se necessário que as escolas estejam abertas e sejam espaço para a

formação integral de seus participantes e da comunidade em que estão inseridos, contribuindo

para o amplo processo de reflexão “no sentido da inserção do campo no conjunto da

sociedade para quebrar o fetiche que coloca o camponês como algo à parte, fora do comum,

fora da totalidade definida pela representação urbana.” (ENERA, 1998) A escola, para ter as

condições de atender aos anseios dos camponeses Sem Terra, precisa ser gestada, pensada e

construída com a participação deles próprios, para assim, manter-se em movimento.

Partindo das experiências de resistência travadas pelos diferentes povos que vivem,

ainda que com muita dificuldade, no meio rural, bem como da forte investida dos grupos

hegemônicos da sociedade contra o campo, onde o desenvolvimento se dá através de

“pacotes”, e considerando o acentuado êxodo rural é que se define como desafio pensar a

educação pública e o desenvolvimento do campo a partir do mundo do campo. Essa definição

foi tomada no I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), que

aconteceu em julho de 1997, em Brasília. Este Encontro foi promovido pelo MST em parceria

com a UnB, o Unicef, a Unesco e a CNBB e trouxe presente o anseio dos trabalhadores em

mudar o rumo dado até então à educação do campo, que sempre foi pensada a partir do

mundo urbano, sem levar em conta as especificidades do campo e sempre atendendo aos

interesses do capital internacional, que anda na contramão das necessidades básicas de

sobrevivência da classe trabalhadora.

Uma das falas realizadas neste encontro pelo professor Miguel Arroyo, ilustra um

pouco do que foram as reflexões realizadas:

Se o Brasil não tem podido ficar surdo ao movimento social do campo pelo que

incomoda, questiona e afirma - o direito à terra, ao trabalho, à dignidade, à cultura,

à educação -, também os educadores e os pesquisadores e as políticas públicas, os

currículos, a gestão escolar e a formação de professores não poderão mais ficar

surdos ao conjunto de práticas inovadoras, sérias que emergem coladas ao

movimento social e cultural do campo. A educação rural ignorada e marginalizada

está mostrando seu rosto, o verdadeiro, não a caricatura tão repetida: reduzir a

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educação à escolinha rural, à professora desqualificada, às massas de analfabetos.

Uma visão preconceituosa que os educadores rurais vão desconstruindo

(ARROYO, apud KOLLING, 1999, p. 08).

Os Movimentos Sociais do Campo e as conquistas para a Educação do Campo

A partir do I ENERA, que também contou com a participação de alguns representantes

de outros movimentos organizados do campo, aconteceram em 1998 as primeiras

conferências estaduais realizadas por estas organizações que atuam no campo. Estas

conferências estaduais culminaram na Conferência Nacional, gerando assim, o Movimento

“Por Uma Educação Básica do Campo”. Desde então, os diferentes grupos que vivem no

campo e suas organizações, que têm a luta como ferramenta para continuar vivendo nesse

espaço, começaram partilhar suas experiências de educação e a discutir um outro modelo de

desenvolvimento para o campo. Entre as principais bandeiras de luta, é possível destacar:

mobilização dos povos do campo para a construção de políticas públicas de educação;

contribuição na reflexão político-pedagógica das escolas partindo das experiências já

existentes; construção de uma pedagogia e organização escolar ligada às identidades culturais

e aos tempos e espaços dos modos de vida do campo; ligar as políticas públicas sobre

educação com outras questões do desenvolvimento social do campo.

Ainda em 1998, a partir das lutas e negociações o MST conquista o Programa

Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA com vista à escolarização formal

para os trabalhadores rurais assentados, desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão

em diferentes áreas do conhecimento, qualificação de pessoas para atuar no desenvolvimento

sustentável dos assentamentos e a fomentação de parcerias com universidades públicas e

escolas técnicas para a formação em diferentes áreas.

Os movimentos sociais camponeses comungam de um mesmo olhar para o campo.

Denunciam que as dificuldades enfrentadas para implementar uma educação pensada a partir

das especificidades existentes no campo estão arraigadas às políticas governamentais. Essas

políticas são todas ditadas pelas políticas neoliberais que excluem o campo do

desenvolvimento do país.

Assim, estas organizações do campo associam a educação ao desenvolvimento,

afirmando que as políticas educacionais pensadas ‘para’ o campo são co-intencionadas para

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atender ao modelo de desenvolvimento determinado pelas elites. Defendem, por isso, uma

educação diferente; uma educação para o campo que não seja pensada por alguns

especialistas, mas uma educação dos povos sujeitos do campo; uma educação carregada de

vida, associada aos sentimentos, à simbologia, ao jeito de viver, à luta, à resistência, ao sonho,

enfim, associada a uma vida digna. Daí decorre a idéia de que a educação seja no e do campo,

como explica Caldart (2002, p. 26) “No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive;

Do: o povo tem o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação,

vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais”.

Assim, a luta pelo direito à educação se apresenta como fruto das experiências dos

movimentos sociais que, agora unificados, lutam pelo direito a uma educação que lhes

pertença. Esta luta pelo direito a uma educação no e do campo é um traço que marca o

movimento “Por Uma Educação do Campo”. Podemos aqui dizer que esse traço representa a

identidade construída para diferenciar a Educação do Campo da Educação Rural. A primeira

se identifica com a luta, com a resistência e a organização dos trabalhadores. No entanto, é

impossível alguém defender ou mesmo simpatizar com as propostas do movimento “Por Uma

Educação do Campo” se não entender a dimensão pedagógica existente nas lutas travadas

pelos movimentos sociais camponeses em defesa de seus direitos.

Em 2001, acontece um outro momento importante na história da Educação Brasileira e

principalmente da Educação do Campo: a aprovação do Plano Nacional de Educação, por

meio da Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001, que prevê formas mais flexíveis de organização

escolar para a zona rural e uma formação de professores adequada às especificidades dos

alunos do campo e das exigências do meio.

Em 2002, é criado um Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo no

MEC (Ministério de Educação e Cultura). Este grupo foi formado tendo a participação de

pessoas representando a Articulação Nacional “Por Uma Educação do Campo”. A partir de

vários debates, enfim se reconhece como povos do campo os pequenos agricultores, os sem-

terra, os povos da floresta, os extrativistas, os quilombolas, os ribeirinhos, os indígenas e os

assalariados rurais.

As “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”, criadas

através da Resolução nº 1/2002 – 03 de abril de 2002, do CNE/CEB que reconhece o “modo

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próprio de vida social e de utilização do campo como fundamentais, em sua diversidade, para

a constituição da população rural e de sua inserção cidadã na definição dos rumos da

sociedade brasileira”. As diretrizes se tornam “Processo inovador de construção de política

pública na relação do Governo Federal com os governos estaduais e municipais, com a

sociedade civil organizada e com os povos organizados do campo”. (MEC/SECAD – 2004)

As diretrizes representam a primeira grande conquista dos movimentos sociais do

campo a nível federal e ensina a sociedade de que a luta garante conquistas. Para MUNARIN

(2005):

[...] As diretrizes operacionais significam um ponto de inflexão na relação Estado-

Sociedade na medida em que consolidam e materializam direitos. A resolução faz

indicações concretas de responsabilidade dos entes estatais e de como se deve

cumprir o direito à educação em se tratando de populações socialmente desiguais e

culturalmente diversas. Mais que um eventual ponto de encontro entre Estado e

Sociedade, que neste caso implicaria uma visão dicotômica dessa relação, as

diretrizes operacionais têm o significado do Estado como espaço, por excelência, da

política (MUNARIM, 2005, p.03).

Em 2004 realizou-se a II Conferência Nacional de Educação do Campo, sendo mais

um espaço de debate sobre as diferentes experiências realizadas pelos sujeitos que atuam com

a educação do Campo. Estiveram reunidos nessa ocasião 1.100 participantes e entre suas

principais proposições estão a defesa de uma educação de valorização da agricultura familiar;

a superação da dicotomia urbano-rural; a implantação de políticas públicas que garantam os

direitos humanos e um projeto de educação que vá ao encontro das especificidades do campo.

Segundo Dias Pinheiro (2007):

Nesse momento ampliaram os grupos organizados, as universidades, e as

representações governamentais, bem como a concepção de educação. E como

proposições definiram afirmação da articulação nacional para encampar o

movimento de educação do campo, não mais pensando apenas na educação

"básica" (1ª a 4ª séries), mas, na luta para inserir os filhos dos trabalhadores do

campo, em toda educação básica (educação infantil, fundamental e médio), e nas

universidades públicas brasileiras, de graduações e pós-graduações; uma vez que, o

campo também necessita de diversos profissionais qualificados para atuarem nessa

realidade. (DIAS PINHEIRO, 2007):

Na Conferência, os participantes representantes dos movimentos do campo, reafirmam

que a luta continuaria pela reafirmação de um campo visto como espaço de vida e por

políticas públicas específicas para a população que nele vive. Conforme o documento

elaborado na Conferência, esta reafirmação é expressa da seguinte forma:

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Lutamos por um projeto de Sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que

contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se

contraponha ao latifúndio e ao agronegócio. [...] lutamos por um projeto de

desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no

processo de sua construção e implementação (DOC. II CONFERÊNCIA

NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004, p.02).

A defesa pela garantia de um olhar específico à Educação do Campo é cada vez mais

incisiva e pautada em dois argumentos: o primeiro trata da importância da inclusão da

população do campo na política educacional brasileira como condição de construção de um

projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento de sociedade, com caráter

nacional, soberano e justo. O segundo, pauta sobre a diversidade dos processos produtivos e

culturais que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo, sendo estes,

necessários na construção do Projeto da Educação do Campo. Não é possível pensar e fazer

educação do campo sem reconhecer as matrizes formativas e culturais desse contexto; sem

olhar para as práticas que estão sendo vivenciadas e que por meio de seus sujeitos vêm

realizando significativas conquistas.

Nos anos que se seguem, a atuação dos movimentos sociais do campo, dos

Movimentos Nacional e Estaduais “Por Uma Educação do Campo” têm pautado eventos,

audiências,agendas públicas e outras ações ligadas à formação de professores do campo

através de parcerias com várias universidade públicas do país, pois muitos professores que

atuam nas escolas do campo não receberam uma formação para lidar com as peculiaridades

do campo, além de terem dificuldades de se inserirem em processos de formação continuada.

Conclusão

Ao finalizar esta pesquisa, vale ressaltar que a Educação do Campo tem suas

raízes essencialmente ligadas à Educação Popular e ao Projeto Popular de sociedade.

Podemos afirmar que ela nasce atrelada às lutas por mudanças. O horizonte dessa educação é

a construção de uma nova sociedade; uma sociedade onde a exclusão, a dominação e as

inúmeras injustiças sofridas pelos trabalhadores sejam apenas lembranças, com a finalidade

única de fortalecer a vivência dos valores humanistas que são os pilares de sustentação de

uma vida nova, de uma sociedade nova.

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O projeto de construção da Educação e das escolas do campo está diretamente ligado à

essência dos movimentos sociais organizados no campo e que se apresentam para a sociedade

como movimentos de luta em defesa dos direitos garantidos nas leis brasileiras. As diretrizes

representam a primeira grande conquista dos movimentos sociais do campo a nível federal e

ensina a sociedade de que a luta garante conquistas.

No entanto, a vivência da cultura camponesa no cotidiano das escolas do campo,

metodologias diferenciadas, conteúdos curriculares que atendam as especificidades da

comunidade onde a escola está inserida e a efetivação de um quadro fixo de educadores, bem

como formação continuada, poderão garantir a continuidade e o aprimoramento de um

trabalho pedagógico que dê centralidade à cultura camponesa.

Assim, a valorização da cultura camponesa no processo de ensino-aprendizagem é

uma das dimensões importantes da pedagogia defendida pelos povos do campo. Essa

valorização apóia-se no entendimento de que as experiências de vida da comunidade têm

repercussões na escola, bem como o que a escola trabalha e desenvolve produz efeitos na

comunidade.

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