Desenvolvimento do Conceito de Difus~ao: De Fourier ao ... · felicidade literalmente mora ao lado....

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING ´ A DEPARTAMENTO DE F ´ ISICA Disserta¸c˜ ao de Mestrado Desenvolvimento do Conceito de Difus˜ ao: De Fourier ao Modelo de Pente Angel Akio Tateishi Orientador: Prof. Dr. Ervin Kaminski Lenzi Maring´ a, Setembro de 2010.

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGA

    DEPARTAMENTO DE FISICA

    Dissertacao de Mestrado

    Desenvolvimento do Conceito de Difusao:

    De Fourier ao Modelo de Pente

    Angel Akio Tateishi

    Orientador: Prof. Dr. Ervin Kaminski Lenzi

    Maringa, Setembro de 2010.

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGA

    DEPARTAMENTO DE FISICA

    Dissertacao de Mestrado

    Desenvolvimento do Conceito de Difusao:

    De Fourier ao Modelo de Pente

    Angel Akio Tateishi

    Dissertacao de Mestrado

    submetida ao Departamento de

    Fsica da Universidade Estadual

    de Maringa.

    Orientador: Prof. Dr. Ervin Kaminski Lenzi

    Maringa, Setembro de 2010.

  • SOLA SCRIPTURA,

    SOLA GRATIA,

    SOLA FIDE.

  • Fusao, difusao, confusao...

    (Captulo LXXIX do livro Esau e Jaco de Machado de Assis)

    Era um espetaculo misterioso, vago, obscuro, em que as figuras

    visveis se faziam impalpaveis, o dobrado ficava unico, o unico

    desdobrado, uma fusao, uma confusao, uma difusao...

  • Agradecimentos

    Agradeco aos meus pais, Joanita e Aldo, a minha irma Adriana e aos demais familiares

    por tudo o que sempre fizeram por mim e pelos meus estudos.

    Agradeco aos meus amigos: Alessandro Motter, Alexandre Bandeira, Andre Pasqual,

    Eduardo Chielle, Glaydson Freire, Klaus Kowalski, Jean C. Castanho, Joshua Morales

    Ullion, Maike Krauser, Miguel Moralles Ullion Junior, Thalisson Piccinato, Thiago Ca-

    valcanti, Thiago Sepp, Rafael Baez e Roberto M. Marinho, pela amizade e pelos tempos

    de ocio criativo.

    Agradeco ao professor Ervin pela oportunidade, paciencia e tempo dedicado para a

    orientacao deste trabalho. Agradeco tambem os professores Malacarne, Perseu, Renato e

    especialmente o professor Renio, para o qual estudo e diversao sao sempre sinonimos.

    Agradeco aos meus inicialmente colegas e agora amigos Roberto Rossato e Rodolfo T.

    de Souza pela companhia nos estudos. Em especial agradeco ao meu amigo Haroldo V.

    Ribeiro que sempre me motivou a continuar estudando fsica.

    Grato sou a Karin Schmidt pela paciencia, companheirismo e por me mostrar que a

    felicidade literalmente mora ao lado.

    Agradeco o suporte financeiro provido pela Capes e ao Departamento de Fsica da

    Universidade Estadual de Maringa por tornar este trabalho possvel.

    Por fim, sou muito grato a Deus pela minha vida e por sempre te-la guiado atraves de

    seus caminhos, nos quais eu sempre encontrei boas pessoas, algumas das quais eu agradeci

    anteriormente.

    3

  • ResumoEste trabalho esta divido em duas partes. A primeira esta focada no estudo dos

    trabalhos seminais que estao relacionados com as origens do conceito de difusao na fsica,

    por exemplo, os trabalhos de Fourier, Einstein, Brown, Rayleigh, entre outros. Na segunda

    parte estudamos as origens e as definicoes da difusao anomala. Tambem mostramos

    alguns metodos matematicos para obter o comportamento difusivo anomalo. Finalmente,

    investigamos as solucoes, utilizando o metodo da funcao de Green, para um sistema

    governado por uma equacao de Fokker-Planck que esta relacionada com o modelo de

    pente. Para este sistema, consideramos um condicao inicial arbitraria, na presenca de

    coeficientes de difusao dependentes do tempo e derivada espacial fracionaria, e analisamos

    a conexao com a difusao anomala.

    4

  • AbstractThe present work is divided into two parts. The first one is focused on the study of

    the seminal works which are related with the origins of the diffusion concept in physics,

    for instance, the works of Fourier, Einstein, Brown, Rayleigh, Fick, among others. In the

    second part we studied the origins and the definitions of the anomalous diffusion. We

    also showed some mathematical approaches to obtain the anomalous diffusive behavior.

    Finally, we investigate solutions, by using the Green function approach, for a system go-

    verned by a non-Markovian Fokker-Planck equation that are related to the comb model.

    For this system, we consider an arbitrary initial condition, in the presence of time depen-

    dent diffusion coefficients and spatial fractional derivative, and analyze the connection to

    the anomalous diffusion.

    5

  • Sumario

    Resumo 4

    Abstract 5

    Introducao 8

    I Um passeio nao aleatorio pela historia da difusao 13

    1 O mundo macroscopico 14

    1.1 O legado de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

    1.2 Thomas Graham - Difusao em gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    1.3 Adolph Eugen Fick - Leis fenomenologicas da difusao . . . . . . . . . . . . 19

    1.4 William Chandler Roberts-Austen - Difusao em solidos . . . . . . . . . . . 21

    2 O mundo probabilstico 24

    2.1 Pierre-Simon de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

    2.2 Thorvald Nicolai Thiele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

    2.3 Lord Rayleigh . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    2.4 Francis Ysidro Edgeworth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

    2.5 Louis Jean-Baptiste Alphonse Bachelier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    2.6 Karl Pearson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    3 O mundo microscopico 34

    3.1 Robert Brown . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    3.2 Albert Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    3.3 Marian Smoluchowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    3.4 Paul Langevin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    3.5 Adriaan Daniel Fokker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    4 Formalismo 49

    4.1 Passeio Aleatorio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

    4.2 Equacao de Fokker-Planck . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

    6

  • II Difusao nao-usual ou difusao anomala 59

    5 Classificacoes da difusao anomala 60

    5.1 Superdifusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    5.2 Subdifusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

    6 Os caminhos da difusao anomala 64

    6.1 O caminho turbulento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

    6.2 O caminho estocastico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

    6.3 O caminho nao extensivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

    6.4 O caminho de ordem real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    7 Modelo de Pente 73

    7.1 O Bebado e a Formiga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

    7.2 A equacao de difusao para o modelo de pente . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    7.3 Generalizacao da equacao de difusao para o modelo de pente . . . . . . . . 79

    Conclusoes 91

    Apendice 93

    Referencias Bibliograficas 95

    7

  • Introducao

    Uma pesquisa etimologica da o vocabulo difusao como originario do latim diffusionem,

    que e a forma acusativa de diffusio, sendo que tais palavras estao associadas ao verbo

    latino diffundere, composto pelo prefixo dif (separar, em todas as direcoes ) + fundere

    (derramar, espalhar). Portanto, difusao remete a ideia de algo que se dispersa, que se

    expande ou que se espalha. Uma vez conhecida esta definicao etimologica da palavra

    difusao, e natural que surjam as seguintes indagacoes: O que e difusao? Para que serve?

    E qual a sua importancia?

    Existem diversas possveis respostas para tais perguntas, entretanto as mais convin-

    centes sao as que estao relacionadas de maneira intrnseca com os seres vivos. Em con-

    cordancia com isso, uma resposta almejada e dada pela fisiologia (ramo da biologia que

    estuda as funcoes e os processos vitais dos organismos vivos ou de suas partes e orgaos), na

    qual o processo de difusao e, de maneira sucinta, definido como o movimento espontaneo

    das moleculas ao longo de um gradiente, que pode ser de concentracao, de potencial

    qumico ou de pressao (por exemplo), isto e, de uma regiao com alta concentracao para

    uma de baixa concentracao com o objetivo de alcancar o equilbrio, sendo que este pro-

    cesso e essencial para o funcionamento e manutencao das celulas vivas. Por exemplo, nas

    plantas vasculares a difusao e usada no fluxo de transpiracao estomatica, que consiste na

    sada do vapor de agua da planta atraves dos estomatos localizados nas folhas, sendo que

    isto ocorre devido a maior concentracao de agua dentro da planta do que no ambiente

    externo com baixa umidade atmosferica. Nas especies de plantas nao vasculares, a res-

    piracao ocorre por meio do processo de difusao de gases. Nos seres humanos e animais

    em geral, o fenomeno da difusao (causado pelas diferencas de concentracao entre CO2 e

    O2) tambem e essencial para que seja possvel ocorrer o processo respiratorio.

    Alem de respirar, e necessario que os diferentes tipos de celulas especializadas (que

    formam os diversos orgaos do corpo humano) saibam especificamente o que fazer e como

    fazer e e devido ao sistema nervoso, atraves dos impulsos nervosos, que as informacoes sao

    conduzidas ate as celulas. O sistema nervoso nao so e responsavel por mandar informacoes,

    como tambem e responsavel por decodificar as informacoes que os orgaos sensoriais rece-

    bem do ambiente. Nesse contexto o fenomeno da difusao tambem desempenha um papel

    muito importante que sera elucidado a seguir. Os neuronios conduzem informacao por

    8

  • meio de um sinal eletrico denominado impulso nervoso (ou potencial de acao), que ocorre

    devido a uma diferenca de potencial eletrico entre o meio intracelular do neuronio e o

    meio extracelular. As celulas neuronais possuem a capacidade de mudar a carga eletrica

    intracelular, assim o potencial de acao e um processo de polarizacao, despolarizacao e

    repolarizacao. Sendo a difusao simples de cations de Na+ essencial para que ocorra a des-

    polarizacao e a repolarizacao do neuronio, e consequentemente para que o sistema nervoso

    funcione de maneira eficaz.

    Ate o momento o conceito de difusao abordado foi relacionado as estruturas que

    compoem os seres humanos, as celulas. No entanto, transitando para o nvel macroscopico,

    tambem existe uma estrutura que as relacoes e interacoes complexas entre as pessoas for-

    mam, denominada de sociedade. Sendo a natureza, as causas e os efeitos dessas relacoes

    e interacoes os objetos de estudo da sociologia, ciencia humana na qual foi desenvolvido o

    conceito de difusao cultural processo, na dinamica cultural, em que os elementos (tracos)

    ou complexos culturais se difundem de uma sociedade para outra. Atualmente o processo

    difusao cultural acontece principalmente devido aos meios de comunicacao. Fazendo uso

    de um jargao, e possvel dizer que hoje nao existem mais fronteiras geograficas para o co-

    nhecimento, resultando assim em outro processo bastante conhecido, a globalizacao. No

    entanto, se hoje a difusao cultural promove a chamada globalizacao, para alguns econo-

    mistas [1, 2] durante o processo historico de formacao das nacoes a capacidade de difundir

    cultura e de assimilar cultura (inovacoes cientficas, tecnologicas, filosoficas, etc.) e res-

    ponsavel pelo surgimento de diferentes tipos de desenvolvimentos economicos, originando

    as nacoes ricas e as nacoes pobres.

    Os exemplos precedentes, apesar de poucos, sao suficientes para demonstrar de forma

    breve o quao importante e o processo de difusao (desde as celulas ate a sociedade) e de

    fato seria possvel discorrer por muitas paginas sobre o conceito de difusao em diferentes

    contextos, contudo, o objetivo deste trabalho e o estudo do desenvolvimento do conceito

    de difusao na fsica, que e a ciencia que faz uso da rigorosidade da linguagem matematica

    para tentar compreender e descrever a natureza. Dentro dessa linguagem matematica

    destacamos as equacoes diferenciais e as palavras de Richard P. Feynman [3] sobre elas:

    There is only one precise way of presenting the laws, and that is by means of diffe-

    rential equations. They have the advantage of being fundamental and, so far as we know,

    precise.

    Consoante a isto, este trabalho versara sobre a equacao diferencial parcial de difusao, com

    um enfoque tanto nas origens historicas quanto nas extensoes/generalizacoes e solucoes

    matematicas, e em relacao a estrutura, este trabalho esta dividido em duas partes.

    Na primeira parte apresentamos um estudo historico direto das fontes originais (sem-

    pre que foi possvel o acesso aos manuscritos) de alguns trabalhos que sao considerados

    9

  • essenciais no desenvolvimento tanto do conceito de difusao quanto das terminologias que

    sao utilizadas atualmente. A motivacao para tal pesquisa e simples: nao e preciso ser

    especialista em construcao civil para saber que quanto maior a edificacao, mais solida e

    profunda dever ser a base sobre a qual esta sera construda; analogamente isto ocorre

    na construcao do conhecimento, pois quanto mais profundo e solido for o nosso

    entendimento sobre os fundamentos de determinado assunto maior sera a possibilidade

    de podermos contribuir de forma significativa no seu desenvolvimento.

    No captulo 1 discorremos sobre a difusao macroscopica, isto e, a difusao na materia.

    Inicialmente abordamos o legado de Fourier (1822), que rigorosamente obteve equacao

    diferencial parcial hiperbolica para descrever a conducao de calor em solidos, alem de

    criar novos metodos matematicos para soluciona-la. Na secao seguinte, relatamos as

    pesquisas pioneiras de Thomas Graham sobre difusao em gases (1833). Em seguida,

    dedicamos uma secao aos trabalhos de Adolph Fick sobre a difusao em lquidos, de onde

    sao oriundas as leis fenomenologicas da difusao (baseadas na analogia com a equacao

    de calor de Fourier), conhecidas como leis de Fick. Por fim, na ultima secao tratamos

    da difusao entre compostos solidos, com destaque para as pesquisas de Roberts-Austen

    (1896).

    A difusao de probabilidade e o assunto do segundo captulo, no qual a secao inicial

    trata dos trabalhos pioneiros de Laplace sobre variaveis aleatorias. Nas secoes posterio-

    res, respectivamente sobre Thiele (1880), Rayleigh (1880), Edgeworth (1883) e Bachelier

    (1900), mostramos como cada um destes notaveis pesquisadores, de maneira totalmente

    independente, obtiveram a equacao de difusao de probabilidade, que e analoga a equacao

    da conducao de calor de Fourier. Na secao final dedicamos alguns paragrafos para elucidar

    a origem do termo Random Walk e tambem o motivo pelo qual muitos o relacionam

    com o andar de um bebado.

    O terceiro captulo e dedicado ao mundo microscopico e referente a este tema o

    iniciamos com uma secao sobre o trabalho de Robert Brown, com a finalidade de desmis-

    tificarmos o movimento Browniano, ou seja, demonstrar como se desenvolveu a pesquisa

    deste botanico escoces e por quais motivos esta se tornou importante para a fsica es-

    tatstica. Nas secoes subsequentes tratamos, respectivamente, dos trabalhos de Einstein,

    Smoluchowski e Langevin, mostrando o metodo que cada um propos para explicar o mo-

    vimento Browniano. E valido ressaltar que quando tratamos de sistemas microscopicos,

    compostos por inumeros elementos, nao determinamos especificamente onde se encontra

    uma partcula (por exemplo), mas e possvel determinar a probabilidade de encontra-la

    em um algum lugar. Portanto, saber como a probabilidade de um dado sistema se difunde

    com o tempo, isto e, obter a funcao distribuicao de probabilidade, pode ser muito util

    para compreende-lo.

    Ainda na primeira parte, diferentemente dos captulos precedentes, o quarto captulo

    tem como objetivo uma abordagem matematica mais rigorosa. Assim, na primeira secao

    10

  • demonstramos como e possvel obter a equacao de difusao partindo de um passeio aleatorio

    e na segunda secao obtemos a Equacao de Fokker-Planck partindo da equacao de Chapman-

    Kolmogorov.

    Difusao anomala, este e o tema sobre o qual dedicamos a segunda parte deste trabalho.

    Na primeira parte estudamos as origens da equacao de difusao e e muito frequente que o

    que venha primeiro seja considerado como padrao, como usual, como referencia e isto nao

    ocorre somente nas ciencias exatas, consideremos por exemplo o caso das artes (musica,

    literatura, etc.). Tambem e natural que as coisas que fogem do padrao sejam destacadas,

    muitas vezes criticadas, atraiam a atencao e despertem interesse. Desta forma os processo

    difusivos que nao correspondem ao que e considerado usual, normal foram e sao fontes

    fecundas da investigacao cientfica.

    Assim no quinto captulo abordamos os trabalhos de Richardson (1926), Scher e Mon-

    troll (1975), que foram pioneiros em tratar teoricamente de sistemas cuja a difusao nao

    correspondia a usual e a partir destes definimos formalmente o que e considerado difusao

    normal e consequentemente o que e difusao anomala (e suas classificacoes).

    Uma vez definido o que e normal e o que e anomalo (no caso da difusao) e necessario

    compreender o que causa determinada anomalia no processo difusivo, isto e, devemos sa-

    ber os caminhos da difusao anomala e no sexto captulo de maneira breve apresentamos

    alguns desses caminhos, que normalmente sao extensoes ou generalizacoes dos caminhos

    da difusao usual. Por motivos historicos a secao inicial e dedicada a extensao da equacao

    de difusao proposta para sistemas turbulentos, cujo precursor foi Richardson. Em seguida,

    dedicamos uma secao para o estudo do passeio aleatorio e as possveis modificacoes nas

    distribuicoes do tempo de espera e comprimento dos passos que resultam em processos

    difusivos anomalos. Na secao seguinte mostramos o caminho proposto por Tsallis e Buck-

    man, no qual a difusao anomala surge como consequencia da generalizacao da entropia

    proposta por Tsallis [106, 106]. Na secao que encerra este captulo discorremos sobre a

    equacao de difusao fracionaria, que desde a decada de 1990 tem sido amplamente utilizada

    para descrever fenomenos difusivos nao usuais em distintos sistemas.

    Do primeiro captulo ate o sexto apenas realizamos um estudo de trabalhos que for-

    necem uma boa compreensao do conceito de difusao, tanto usual como da anomala, ou

    seja, ate aqui nao existe nada de novo. Contudo, estes seis captulos iniciais servem de

    base para uma melhor compreensao do ultimo captulo, que consideramos o mais impor-

    tante deste trabalho, pois neste, de fato apresentamos um trabalho proposto e realizado

    por nos, que e a obtencao de solucoes analticas para uma generalizacao da equacao de

    difusao do modelo de pente. Desta forma, o setimo captulo e dedicado ao estudo do

    modelo de pente e a sua respectiva equacao de difusao, sendo este um modelo relacionado

    com o estudo de propriedades de transporte em estruturas nao-homogeneas, para o qual

    e possvel obter solucoes exatas para a equacao de difusao correspondente e tais solucoes

    remetem a difusao anomala. Na primeira secao investigamos as origens deste modelo,

    11

  • que e oriundo dos estudos sobre clusters de percolacao e tambem procuramos definir de

    maneira simples a origem da denominacao modelo de pente, alem de outras nomenclatu-

    ras que lhe sao referentes. Na secao subsequente investigamos de forma detalhada como

    foi proposta a equacao de difusao para o modelo de pente e alem disso realizamos uma

    breve revisao dos trabalhos que abordam tal equacao. Na ultima secao propomos uma

    generalizacao da equacao de difusao para o modelo de pente e obtemos as solucoes exatas

    para tres casos: i) derivadas de ordem inteira, ii) coeficientes dependentes do tempo e iii)

    dependencia temporal dos coeficientes juntamente com a derivada fracionaria no espaco.

    Tais solucoes e as respectivas discussoes sao baseadas nos resultados obtidos em [4], que

    demonstram que a difusao anomala e intrnseca a este modelo, ou seja, tambem e um dos

    caminhos para a difusao anomala. Para finalizar apresentamos nossas conclusoes gerais

    sobre o conteudo aqui pesquisado e tambem as possveis direcoes nas quais pretendemos

    continuar nossas pesquisas.

    12

  • Parte I

    Um passeio nao aleatorio pela

    historia da difusao

    13

  • Captulo 1

    O mundo macroscopico

    1.1 O legado de Fourier

    Figura 1.1: Joseph Fourier por Louis

    Reybaud, Histoire de lexpedition

    francaise en Egypte (Paris 1830-36) v.

    8

    Para iniciar o estudo sobre o desenvolvimento

    do conceito de difusao na fsica o ponto de partida

    escolhido foi a expedicao cientfica de Napoleao Bo-

    naparte ao Egito em 1798. Nesta expedicao cerca de

    cento e cinquenta savants - cientistas, engenheiros e

    estudiosos academicos, acompanharam Bonaparte e

    suas tropas militares. Dentre esses eruditos estava

    o matematico Jean Baptiste Joseph Fourier, que foi

    um dos tres membros da Comissao de Ciencias e Ar-

    tes, comissao responsavel por selecionar os estudio-

    sos que foram ao Egito. Posteriormente, Fourier foi

    nomeado secretario perpetuo do recem formado Ins-

    titut dEgypte1 e segundo Narasimhan [5], no Egito

    Fourier atuou em cargos administrativos e judiciais.

    Em 1799 foi nomeado lder de uma expedicao ci-

    entfica com o intuito de investigar monumentos e

    inscricoes no Alto Egito. Em novembro de 1801, re-

    tornou para a Franca apos a retirada das tropas francesas do Egito sendo entao nomeado

    por Napoleao como prefeito do departamento2 de Isere, proximo a fronteira com a Italia,

    cuja capital e Grenoble.

    Apesar dos encargos burocraticos, durante seu mandato como prefeito Fourier dedicou-

    1Instituto cientfico baseado no Instituto Nacional da Franca, principal sociedade cientfica da Francapos-revolucionaria, da qual Bonaparte era membro.

    2A Republica Francesa e divida em 26 regioes administrativas, sendo estas regioes subdivididas emdepartamentos.

    14

  • se a dois trabalhos academicos completamente distintos. Um estava relacionado com a

    organizacao e publicacao dos resultados da expedicao cientfica ao Egito, resultando em

    varios volumes da obra Description de lEgypte, que viria a se tornar a base para o

    desenvolvimento da egiptologia. E o outro foi um trabalho de muita importancia para o

    desenvolvimento da fsica-matematica, Theorie de la Propagation de la Chaleaur dans les

    Solides (Teoria da Propagacao de Calor em Solidos). Neste trabalho Fourier descreve o

    processo transiente da conducao de calor em termos de uma equacao diferencial parcial

    parabolica, que de acordo com a notacao por ele utilizada, e dada por

    dT

    dt=

    K

    CD

    [d2T

    dx2+d2T

    dy2+d2T

    dz2

    ], (1.1)

    sendo T a temperatura; t o tempo; K a condutividade termica; C o calor especfico;

    D a densidade do solido; e x y e z as coordenadas espaciais. Para resolver tal equacao

    Fourier considerou corpos solidos simetricos com superfcies bem definidas - cubo, cilindro

    e esfera - consequentemente desenvolvendo novos metodos matematicos. O que Fourier

    fez foi aplicar o metodo de separacao de variaveis obtendo solucoes em termos de series

    trigonometricas infinitas. Alem disso, ele tambem gerou solucoes na forma de integrais

    que posteriormente viriam a ser conhecidas como integrais de Fourier.

    O manuscrito deste trabalho foi submetido a Academia Francesa no ano de 1807, sendo

    o comite avaliador composto por Lacroix, Monge, Lagrange e Laplace. O trabalho nao foi

    muito bem recebido, particularmente por Lagrange e Laplace, pois Fourier obteve solucoes

    em termos de series trigonometricas infinitas e a oposicao destes revisores a estes tipos

    de series estava baseada em razoes puramente matematicas: convergencia e periodicidade

    algebrica. Possivelmente influenciado por Laplace, Fourier estendeu seus estudos para

    domnios infinitos, nos quais a difusao estava submetida simplesmente pelas condicoes

    iniciais. Os estudos de Fourier sobre a conducao do calor chegaram ao conhecimento da

    comunidade cientfica somente em 1822, quando publicou a sua grande contribuicao para

    a fsica, Theorie Analytique de la Chaleur [6] (Teoria Analtica do Calor).

    Inicialmente Fourier tentou formular sua teoria para a conducao de calor como um

    problema de n corpos, decorrente da filosofia Laplaciana de acao a distancia entre os

    corpos, ou seja, tentou utilizar a teoria mais em evidencia na epoca, a mecanica racional.

    Entretanto, como ele mesmo diz nos discursos preliminares da obra Theorie Analytique

    de la Chaleur :

    Mais quelle que soit letendue des theories mecaniques, elles ne sappliquent point aux

    effets de chaleur. Ils composent un ordre special de phenomenes que ne peuvent sexpliquer

    par les principes du mouvement et de lequilibre. 3

    3Mas qualquer que seja a extensao das teorias mecanicas, elas nao se aplicam aos efeitos do calor. Elescompoem uma ordem especial de fenomenos que nao podem ser explicados pelos princpios do movimento

    15

  • Desta maneira, Fourier teria que encontrar um novo caminho para formular a teoria da

    conducao do calor e isto conseguiu combinando notaveis conhecimentos em matematica

    pura com observacoes empricas do comportamento macroscopico da materia. Alem de

    propor novos metodos de analise matematica, o trabalho de Fourier elucida muito bem

    o que e fazer fsica e sobre a importancia da observacao dos fenomenos da natureza e a

    descricao matematica destes, ele ressalta:

    Letude approfondie de la nature est la source la plus feconde des decouvertes mathema-

    tiques. Non seulement cette etude, en offrant aux recherches un but determine, a lavantage

    dexclure les questions vagues et les calculs sans issue; elle est encore un moyen assure de

    former lanalyse elle-meme, et den decouvrir les elements quil nous importe le plus de

    connaitre, et que cette science doit toujours conserver: ces elements fondamentaux sont

    ceux qui se reproduisent dans tous les effets naturels. 4

    Por meio da observacao do comportamento do calor em corpos solidos Fourier bus-

    cou distinguir e definir as propriedades basicas que determinam a acao do calor. Apos

    um longo estudo emprico concluiu que para realizar a analise matematica dos variados

    movimentos do calor e suficiente considerar tres observacoes fundamentais, isto e, que os

    corpos possuem as seguintes faculdades:

    conter o calor;

    receber ou transmitir calor atraves de suas superfcies;

    conduzir o calor no interior da materia.

    Entao rompendo com as convencoes da epoca e evitando a discussao sobre a natureza do

    calor, considerou os solidos como meios contnuos nos quais o calor se propaga por meio

    de conducao. Em vez de assumir que a temperatura em algum ponto do solido depende

    de todos os pontos da vizinhanca, Fourier assumiu que a temperatura de um elemento

    infinitesimal depende somente das condicoes dos elementos imediatamente adjacentes a

    ele, ou seja, os seus primeiros vizinhos, por conseguinte formulando o problema da difusao

    do calor no contnuo por meio de uma equacao diferencial parcial e das condicoes iniciais

    e de contorno, conhecida como equacao da conducao de calor transiente. A transcricao,

    a seguir, de um paragrafo do trabalho de Fourier explica de forma simples como ocorre

    e do equilbrio.4O estudo aprofundado da natureza e a fonte mais fecunda das descobertas matematicas. Nao so-

    mente este estudo, que oferece buscas para uma finalidade especfica, tem a vantagem de excluir perguntasvagas e calculos sem fim, e ainda uma maneira certa de formar a propria analise, e para descobrir elemen-tos que nos sao os mais importantes de se conhecer, e que a ciencia deve sempre manter: Os elementosfundamentais sao aqueles que se reproduzem todos os efeitos naturais.

    16

  • processo fsico da propagacao de calor e tambem, deixa claro que se trata do que atual-

    mente e conhecido como problema de contorno:

    Lorsque la chaleur est inegalement distribuee entre les differents points dune masse

    solide, elle tend a se mettre en equilibre, et passe lentement des parties plus echauffees

    dans celles qui sont moins; en meme temps elle se dissipe par la surface, et se perd dans

    le milieu ou dans le vide. Cette tendance a une distribution uniforme, et cette emission

    spontanee qui sopere a la surface des corps, changent continuellement la temperature des

    differents points. La question de la propagation de la chaleur consiste a determiner quelle

    est la temperature de chaque point dun corps a un instant donne, en supposant que les

    temperatures initiales sont connues.5

    Para uma melhor compreensao do trabalho de Fourier, ou seja, os motivos que o influ-

    enciaram a estudar a propagacao do calor, alem de uma bela apologia a fsica-matematica,

    eis as palavras do proprio autor:

    Les effets de la chaleur sont assujetis a des lois constantes que lon ne peut decouvrir

    sans le secours de lanalyse mathematique. La Theorie que nous allons exposer a pour

    objet de demontrer ces lois; elle reduit toutes les recherches physiques, sur la propaga-

    tion de la chaleur, a des questions de calcul integral dont les elemens sont donnes par

    lexperience. Aucun sujet na des rapports plus etendus avec les progres de lindustrie et

    ceux des sciences naturelles; car laction de la chaleur est toujours present, elle penetre

    tous les corps et les espaces, elle influe sur les procedes des arts, et concourt a tous les

    phenomenes de lunivers.6

    A influencia deste trabalho de Fourier ocorreu em dois caminhos distintos segundo [5]:

    Fsicos experimentais em eletricidade, difusao qumica e fluxo de fluidos em materi-ais porosos interpretaram seus experimentos fazendo analogias com a fenomeno da

    conducao de calor.

    5Quando o calor e distribudo de forma desigual entre os diferentes pontos de uma massa solida,ele tende a alcancar o equilbrio, e passa lentamente das partes mais aquecidas para aquelas que saomenos; ao mesmo tempo ele se dissipa pela superfcie, e se perde no meio ou no vacuo. Esta tendenciapara uma distribuicao uniforme, e esta emissao espontanea que ocorre na superfcie do corpo, mudandocontinuamente a temperatura de pontos diferentes. A questao da propagacao do calor e determinar atemperatura de cada ponto de um corpo em um dado momento, assumindo que as temperaturas iniciaissao conhecidas.

    6Os efeitos sao sujeitos a leis constantes que nao podem ser descobertas sem o auxlio da analisematematica. A teoria de que vamos apresentar tem como objetivo demonstrar essas leis, que reduztodos as pesquisas fsicas sobre a propagacao do calor, a questoes de calculo integral, cujos elementossao dados pela experiencia. Nenhum assunto possui relacao mais extensa com o progresso da industriae os interesses da ciencia natural; pois a acao do calor e sempre presente, ele penetra todos os corpos eespacos, influencia os processos das artes, e contribui para todos os fenomenos do universo.

    17

  • Pesquisadores em outros campos tais como mecanica estatstica e teoria da proba-bilidade indiretamente estabeleceram conexoes com a equacao de conducao de calor

    reconhecendo similaridades entre o comportamento de seus sistemas e as solucoes

    matematicas da equacao de conducao de calor.

    De fato, a equacao de calor de Fourier continua constituindo o fundamento conceitual

    no qual se baseia a analise de muitos sistemas fsicos, biologicos e sociais.

    1.2 Thomas Graham - Difusao em gases

    O primeiro estudo sistematico sobre difusao foi realizado pelo qumico Thomas Graham

    (1805-1869). Nasceu em Glasgow na Escocia e e considerado como o principal qumico

    de sua geracao, pois Graham alem de ser o inventor da dialise, que ele definiu como um

    metodo de separacao por difusao atraves de uma membrana (1854), e tambem frequente-

    mente chamado de Pai da qumica coloidal [7]. A sua pesquisa sobre difusao de gases foi

    realizada entre os anos de 1828 e 1833, cujos resultados foram publicados na Philosophical

    Magazine em 1833. No que se refere aos resultados de seus estudos sobre a miscibilidade

    dos gases Graham escreveu [8]:

    Figura 1.2: Thomas GrahamRealizou

    os primeiros estudos sistematicos sobre

    difusao.

    the experimental information we possesson the subject amounts to little more than the

    well established fact, that gases of different na-

    ture, when brought into contact, do not arrange

    themselves according to their density, the hea-

    viest undermost, and the higher uppermost, but

    they spontaneously diffuse, mutually and equally,

    through each other, and so remain in the inti-

    mate state of mixture for any lenght of time.

    Graham demonstrou experimentalmente que a

    taxa na qual cada um dos gases difunde e inversa-

    mente proporcional a raiz quadrada de suas respec-

    tivas densidades. Esta observacao e conhecida como

    lei de Graham. Posteriormente, tambem realizou pesquisas sobre a difusao em lquidos e

    em 1850 apresentou sua Bakerian Lecture7 intitulada On the Diffusion of Liquids, no qual

    7Bakerian Lecture e uma palestra premio devotada as ciencias fsicas. E patrocinada pela RoyalSociety e ocorre desde 1775.

    18

  • expos dados sobre a difusibilidade de uma variedade de solutos e solventes. Apesar da ri-

    queza dos dados coletados, Graham nao tentou obter a partir destes uma lei fundamental

    do processo de difusao em lquidos.

    1.3 Adolph Eugen Fick - Leis fenomenologicas da di-

    fusao

    Figura 1.3: Adolph Fick Propos o

    que conhecemos hoje como leis de Fick

    da difusao.

    Em 1855 o fisiologista alemao Adolf Eugen Fick,

    com 26 anos, publicou seu primeiro artigo nas

    ciencias fsicas. Uber Diffusion [9] foi publicado

    enquanto Fick estava trabalhando com seu orienta-

    dor e amigo Carl Ludwig na Universidade de Zuri-

    que. No entanto, antes de discorrer sobre os detalhes

    deste trabalho - que e um dos pilares do desenvolvi-

    mento do conceito de difusao - e valido dedicarmos

    algumas linhas a este grande cientista. Antes de in-

    gressar na faculdade de medicina em Berlin, cursou

    dois anos de fsica na universidade de Marburg, a

    qual abandonou por influencia do irmao mais velho.

    Devido a este interesse por fsica e matematica nao

    e uma surpresa que o primeiro tratado publicado

    sobre fsica medica, Die medizinische Physik (1856)

    tenha sido escrito por ele. De acordo com Philibert

    [8], nesta obra sao discutidos problemas biofsicos tais como a mistura de ar nos pulmoes,

    o funcionamento do coracao, a economia de calor do corpo humano, os mecanismos da

    contracao muscular, a hidrodinamica da circulacao sangunea, entre outros. Alem disso,

    realizou significantes contribuicoes na fisiologia medica - sendo um nome de referencia na

    historia da cardiologia - e tambem desenvolveu uma serie de dispositivos, incluindo as

    primeiras lentes de contato [10].

    Contudo, na fsica, Fick e memoravel pelas leis que receberam seu nome. O trabalho

    da qual essas leis sao oriundas, Uber Diffusion, possui uma traducao feita pelo proprio

    autor em forma de resumo para a lngua inglesa, On liquid diffusion [11]. Ja na introducao

    Fick elucida como a pesquisa de Graham o influenciou e quais os seus objetivos a partir

    desta:

    A few years ago Graham published an extensive investigation on the diffusion of salts

    in water, in which he more especially compared the diffusibility of differents salts. It appe-

    19

  • ars to me a matter of regret, however, that in such an exceedingly valuable and extensive

    investigation, the development of a fundamental law, for the operation of diffusion in a

    single element of space, was neglected, and I have therefore endeavoured to supply this

    omission.

    E eis, no paragrafo seguinte, a exmia intuicao de fazer a analogia entre a difusao de

    especies qumicas em solucoes aquosas com a conducao de calor ou eletricidade, que Fick

    escreve da seguinte forma:

    It was quite natural to suppose, that this law for the diffusion of a salt in its solvent

    must be identical with that, according to which the diffusion of heat in a conducting body

    takes place; upon this law Fourier founded his celebrated theory of heat, and it is the same

    which Ohm applied with such extraordinary sucess, to the diffusion of electricity in a con-

    ductor. According to this law, the transfer of salt and water occurring in a unit of time,

    between two elements of space filled with differently concentrated solutions of the same

    salt, must be, caeteris paribus,8 directly proportional to the difference of concentration,

    and inversely proportional to the distance of the elements from one another.

    Fick expressou isso matematicamente, desprezando os efeitos da gravidade e conside-

    rando um recipiente vertical de forma arbitraria com solucao salina. Sendo y a concen-

    tracao inicial da solucao salina situada em uma camada entre dois planos horizontais x e

    x+ dx, com y = y(x). A limitacao por ele feita e que a funcao y deve diminuir conforme

    x aumenta, ou seja, cada camada superior deve ser menos concentrada do que todas as

    subjacentes. Entao a partir camada entre x e x + dx (com concentracao y), durante um

    elemento de tempo dt, passara para a camada imediatamente adjacente, x+dx e x+ 2dx,

    (com concentracao y + dydxdx) uma quantidade de sal Qk dy

    dxdt, na qual Q e a superfcie

    atraves da qual ocorre a difusao e k e uma constante que Fick define como sendo depen-

    dente da natureza das substancias. Ele tambem ressalta que e evidente que um volume

    de agua igual ao de sal passa simultaneamente da camada superior para a inferior. Em

    outras palavras, a taxa de difusao para especies qumicos em uma solucao aumenta com a

    diferenca na concentracao entre duas regioes adjacentes. Essa diferenca atua como uma

    forca motriz para o movimento espontaneo das partculas do soluto em direcao da regiao

    de menor concentracao (1a Lei de Fick).

    Exatamente de acordo com o modelo matematico de Fourier desenvolvido para a

    conducao de calor, Fick obteve, a partir desta lei fundamental para a difusao, a seguinte

    equacao diferencial, (segundo a notacao utilizada por Fick em seu artigo)

    8Caeteris paribus e uma expressao em latin usada para indicar a invariabilidade das demais variaveisna explicacao de um modelo teorico ou pratico.

    20

  • y

    t= k

    (2y

    x2+

    1

    Q

    dQ

    dx

    y

    x

    )(2a Lei de Fick), (1.2)

    quando a secao Q do recipiente e uma funcao da altura do mesmo acima do fundo. Quando

    Q e constante (i.e. um recipiente cilndrico ou prismatico), a equacao fica simplificada

    y

    t= k

    2y

    x2. (1.3)

    Fick resolveu a equacao (1.2) considerando (i) um recipiente cilndrico no equilbrio

    dinamico, isto e, dydt

    = 0 e Q constante, e (ii) um recipiente em formato conico tambem no

    equilbrio termico. Na segunda parte de seu artigo Fick descreve os varios experimentos

    que realizou sobre difusao com membranas semipermeaveis e nada melhor a transcricao

    do ultimo paragrafo desse artigo para compreendermos seus resultados:

    The comparison of the experiments adduced above with the hypothesis developed on

    the foundation of the diffusion law, shows, though not absolutely, that the truth of this

    hypothesis may be determined; and it is in fact highly probable that, with or without mo-

    dification, such an hypothesis may serve as the foundation of a subsequent theory of these

    very dark phenomena.

    De acordo com Fick e muito natural supor que a concentracao e analoga a tempe-

    ratura, o fluxo de calor e analogo ao fluxo do soluto e a difusividade termica e analoga

    a difusividade qumica. Se a concentracao na fase aquosa e definido como massa por

    volume, entao a capacidade qumica especfica (analoga ao calor especifico) e igual a

    unidade e a difusidade qumica e igual a condutividade qumica. Desta maneira, suas

    hipoteses alcancaram a expectativa almejada e realmente se tornaram fundamentais para

    a compreensao e desenvolvimento da difusao.

    1.4 William Chandler Roberts-Austen - Difusao em

    solidos

    Atualmente a difusao no estado solido e considerada [12] um processo fundamental na

    industria e na ciencia de materiais, tornando-se assim um topico importante na fsica do

    estado solido, na metalurgia fsica, na ciencia dos materiais e tambem na geologia. Pro-

    cessos difusivos sao relevantes na dinamica de diversas mudancas microestruturais que

    ocorrem durante a preparacao, processamento e tratamento termico de materiais. En-

    tretanto, na epoca de Graham e Fick as pesquisas sobre difusao estavam confinadas aos

    fluidos e ate o final do seculo XIX o paradigma corpora non agunt nisi fluida prevaleceu

    21

  • na comunidade cientfica. De acordo com Barr [13], Robert Boyle (1627 - 1691) talvez

    tenha sido o primeiro a demonstrar uma evidencia experimental da difusao em solidos no

    seu estudo chamado The Porosity of Bodies. Destacam-se ainda os trabalhos de W.

    Spring (1880) - que relata que finas camadas de uma liga composta por dois metais sao for-

    madas por difusao solida - e de Albert Colson (1881) que estudou a difusao do carbono em

    ferro [14] e ainda salientou a profunda analogia entre a difusao nos solidos e nos lquidos.

    Figura 1.4: Roberts-Austen Estudou

    a difusao no estado solido.

    As primeiras medidas quantitativas da difusao

    no estado solido foram realizadas pelo metalur-

    gista britanico William Chandler Roberts-Austen.

    Tendo sido ele assistente pessoal de Thomas

    Graham, nao e nenhuma surpresa o seu in-

    teresse por estudar difusao e isto fica evi-

    dente nas proprias palavras de Roberts-Austen

    [15]:

    ...My long conection with Grahams rese-

    arches made it almost a duty to attempt to

    extend his work on liquid diffusion to me-

    tals.

    Alem disso, analisou suas medidas experimentais

    tendo como base as ideias de Fick:

    It appears probable that the law of diffusion of salts, framed by Fick, would also apply

    to the diffusion of one metal with another.

    Fundamentado nisto Roberts-Austen propos a equacao de difusao unidimensional (notacao

    das derivadas utilizadas pelo autor em seu artigo):

    d

    dt= k

    d2

    dx2, (1.4)

    sendo a concentracao da materia e k o coeficiente de difusao.

    Os seus experimentos sobre difusao foram realizados com metais nobres. Ele estu-

    dou a difusao de ouro, platina e rodio em chumbo lquido, de ouro e prata em estanho

    lquido e de ouro em bismuto. Ainda mais importante foi seu estudo sobre difusao de

    ouro em chumbo solido [16], no qual finas placas de ouro foram fundidas no fundo de

    barras cilndricas de chumbo. As amostras solidas eram cortadas em secoes finas e a con-

    centracoes dos compostos, resultantes do processo de difusao, eram analisadas por meio

    22

  • de pesagens. Para determinar o coeficiente de difusao k, Robert-Austen usou as tabelas

    calculadas por J. Stefan para a difusao de sais, formalmente estudada por Graham. Stefan

    (1835 - 1895) obteve a solucao da equacao de difusao em termos de series trigonometricas

    e tambem em termos da funcao erro complementar. E de acordo com [8] e [17], os valores

    dos coeficientes de difusao obtidos por Roberts-Austen sao proximos aos determinados

    pelas tecnicas modernas.

    Neste captulo mostramos a abordagem Fickiana da difusao, entretanto esta aborda-

    gem pode nao ser adequada para descrever fenomenos como a difusao reversa (que ocorre

    na direcao do gradiente) ou a difusao osmotica (difusao sem gradiente). Sem entrar em

    detalhes, e valido citar que existe outra abordagem para o estudo do transporte difusivo,

    que e o metodo de Maxwell-Stefan [18, 19] para a difusao de multicomponentes, bastante

    utilizado na engenharia qumica [20].

    23

  • Captulo 2

    O mundo probabilstico

    2.1 Pierre-Simon de Laplace

    Figura 2.1: Pierre-Simon de Laplace

    Estudos pioneiros na teoria da proba-

    bilidade.

    Como mencionado anteriormente, Fourier foi um

    homem de confianca de Napoleao Bonaparte, assu-

    mindo diversos cargos importantes durante a era na-

    poleonica. No entanto, se Fourier foi escolhido por

    Napoleao, o fsico e matematico Pierre-Simon de La-

    place enquanto trabalhava no cargo de recrutador

    da artilharia real francesa teve a sorte de exami-

    nar um promissor candidato de 16 anos chamado

    Napoleao Bonaparte [21]. Alem disso, Laplace re-

    cebeu o ttulo de conde em 1806 do entao imperador

    Napoleao Bonaparte. Contudo, o fato de conhecer

    Bonaparte nao era o unico elo que Fourier e La-

    place possuiam. Enquanto um estudava a conducao

    do calor em solidos, o outro dedicava-se a teoria da

    probabilidade.

    Mais especificamente, Laplace estava estudando

    como aplicar a probabilidade para corrigir os erros instrumentais nas observacoes fsicas,

    ou seja, o problema era o seguinte [21]: dada uma serie de medicoes, qual e o melhor pal-

    pite que podemos dar sobre o verdadeiro valor da grandeza medida, e qual a probabilidade

    de que esse palpite esteja proximo do valor real, por mais exigentes que sejamos em

    nossa definicao do valor de proximo? Em uma linguagem mais formal: como inferir a pro-

    babilidade de que a soma de uma quantidade grande de variaveis aleatorias identicamente

    distribudas obtenha um determinado valor?

    Em 1809 Laplace formulou uma equacao diferencial com a mesma forma da equacao

    24

  • de conducao de calor de Fourier, (na notacao de Laplace)

    d2y

    dx2=

    dy

    dx. (2.1)

    Nesta equacao, yxx representa a probabilidade de que a soma de x variaveis aleatorias

    distribudas identicamente obtenha um valor x. Comparada com a equacao de calor, a

    probabilidade y corresponde a temperatura; a magnitude da soma das variaveis aleatorias,

    x, corresponde a distancia; e o numero de variaveis aleatorias, x, corresponde ao tempo.

    Laplace entao demonstrou que

    y =

    ez2

    (x+ 2zx)dz, (2.2)

    sendo uma funcao arbitraria, satisfaz a equacao (2.1) para domnios ilimitados, i.e.,

    < x < . Tambem como dito anteriormente, Fourier provavelmente influenciadopor Laplace estendeu seus estudos sobre conducao de calor para domnios infinitos, e

    mostrou que a equacao (2.2) tambem era uma solucao do problema da conducao de calor

    para tais domnios.

    Nesta epoca Laplace estava mais concentrado [22] em obter uma prova matematica

    para o teorema do limite central. De fundamental importancia na teoria da probabilidade,

    este teorema afirma que a soma de n variaveis aleatorias distribudas independentemente

    e identicamente x1, x2, xn, com valor medio e variancia 2 assintoticamente se apro-ximam de uma distribuicao normal ou Gaussiana1 com valor medio n e variancia n2:

    f(x, n) =1

    2ne(x)

    2/2n2 . (2.3)

    Laplace conseguiu demonstrar a prova para variaveis aleatorias de distribuicoes arbitrarias.

    Fourier, em sua grande obra de 1822, por exemplo, considerou uma linha infinita

    contendo uma certa quantidade de calor distribuda num pequeno segmento localizado

    em x = 0 em t = 0, na qual a temperatura aumenta para um valor f . Em qualquer

    outra regiao a temperatura e zero. Fourier demonstrou que a equacao diferencial para

    este problema e satisfeita por

    T =f4t

    ex2/4, (2.4)

    sendo f e o forca da fonte e = K/CD e a difusividade termica. Se escolhermos f = 1

    na equacao precedente, entao por analogia com a equacao (2.3) com = 1, a difusividade

    1O matematico alemao Karl Friedrich Gauss foi o primeiro a reconhecer que a distribuicao normaldescreve a distribuicao de erros de medicao. Gauss teve essa percepcao, ao menos no que concerne asmedicoes astronomicas, enquanto trabalhava no problema dos movimentos planetarios. Foi Laplace oresponsavel por tirar a distribuicao normal da obscuridade. Ele encontrou o trabalho de Gauss em 1810,pouco depois de apresentar a sua prova do teorema do limite central. Laplace usou o trabalho de Gausspara aperfeicoar o seu teorema.

    25

  • termica e igual a metade da variancia 2.

    Nos estudos de Fourier (conducao de calor) e Laplace (teoria da probabilidade) re-

    pousam as bases para o desenvolvimento dos conceitos de difusao fsica e de difusao

    estocastica2 (difusao de probabilidade), respectivamente. O caminho inicial tracado pela

    difusao fsica ja foi descrito anteriormente, tendo como referencia os estudos de Graham,

    Fick e Roberts-Austen, entao a partir de agora revisaremos como foram dados os primeiros

    passos da teoria do Random Walk (ou caminhada aleatoria).

    2.2 Thorvald Nicolai Thiele

    Figura 2.2: Thorvald Nicolai Thiele

    Estudou a influencia das flutuacoes

    nos erros observacionais.

    Nascido na Dinamarca, o astronomo Thorvald

    Nicolai Thiele foi professor da Universidade de Co-

    penhaga por mais de tres decadas (na qual lecionou

    para Niels Bohr). Durante sua carreira academica

    foi obrigado a renunciar a astronomia observacional,

    devido uma progressiva perda de visao causada pelo

    astigmatismo. Devido a este infortunio dedicou-

    se a matematica e a estatstica, e de acordo com

    [23], contribuiu de forma significativa na teoria de

    interpolacao, analise residual, estimativa de densi-

    dade nao parametrica (via cumulantes empricos) e

    tambem no metodo dos mnimos quadrados, no qual

    foi um verdadeiro virtuoso.

    Em 1880 Thiele publicou um artigo [24] no qual

    propoe um modelo para descrever os erros observa-

    cionais que surgem de uma serie de medicoes obtidas atraves do tempo. Inicialmente

    discute o fato emprico de que tais erros aparecam como se tivessem um componente sis-

    tematico, mas enfatiza que isso e falso uma vez que nenhum procedimento de correcao

    parece remover esse fenomeno. Portanto a explicacao deve ser mais apropriada e Thiele

    atribui esse fenomeno a componente aleatoria de erro que e acumulada atraves do tempo.

    Mais precisamente ele considerou medidas realizadas por um instrumento no qual

    parte dos erros e oriunda da flutuacao na posicao do proprio instrumento. Se x(t) e a

    posicao do instrumento no tempo t, a mais provavel posicao do instrumento no tempo

    t+ t devera ser a posicao imediatamente anterior, que e x(t) e os desvios a partir desta

    devem ser governados pela lei da distribuicao normal. Ele entao conclui que qualquer

    2O termo estocastico foi introduzido na matematica por Henri Poincare, recuperando a palavragrega stochastikos, que designa aquele que acerta bem no alvo, pois stochos e precisamente objetivo oumira.

    26

  • sequencia de posicoes do instrumento x(t), x(t1) x(tn), deve possuir a propriedade deque seus incrementos sao independentes e normalmente distribudos com

    E(x(ti) x(ti1)) = 0 e V (x(ti) x(ti1)) = titi1

    2(u)du = 2i ,

    sendo 2(u) uma funcao que descreve o tamanho do quadrado das flutuacoes no tempo.

    2.3 Lord Rayleigh

    Figura 2.3: Lord Rayleigh

    O fsico ingles John William Strutt - que foi no-

    meado terceiro Barao de Rayleigh em 1873 - durante

    sua vida publicou 446 artigos [25], os quais abran-

    gem areas distintas da fsica que vao desde a analise

    matematica de sistemas vibrantes e opticos ate os

    fundamentos da fsica moderna. Em 1880 publica o

    artigo On the resultant of a large number of vibra-

    tions of the same pitch and of arbitrary phase [26],

    no qual aborda o problema de estimar a amplitude

    e a intensidade da mistura de n vibracoes de mesmo

    perodo e amplitude mas com fases escolhidas ale-

    atoriamente. O problema em questao foi por ele

    resolvido a partir das ideias do teorema de Bernoulli (conhecido tambem como Lei dos

    Grandes numeros), obtendo uma expressao em termos da exponencial de x/2n para aprobabilidade de que a amplitude resultante poderia estar entre x e x+ x, isso apos um

    serie suficientemente grande de realizacoes e ainda reconheceu a similaridade da solucao

    obtida com a equacao de calor de Fourier. Em 1894, Rayleigh no seu livro Theory of

    Sound [27] expoe o mesmo problema, contudo, resolvendo-o por um metodo diferente e

    obtendo os mesmos resultados, assim demonstrando que a mistura aleatoria de fases sa-

    tisfaz a equacao de conducao de calor de Fourier se houver uma quantidade consideravel

    de realizacoes.

    Rayleigh comecou com o simples caso no qual somente duas fases sao possveis, positiva

    e negativa. Neste caso, se todas as n vibracoes tiverem a mesma fase, a intensidade

    resultante seria n2, mas se a metade delas possusse uma fase e a outra metade possusse

    a outra, a intensidade seria 0. Rayleigh investigou a seguinte questao: Qual a expectativa

    de que a amplitude esteja entre x e x+x, quando n e grande? Aqui expectativa significa

    valor medio que pode ser esperado de um numero grande N de tais experimentos, com o

    numero de ondas misturadas em cada caso sendo n. Seja f(n, x) o numero de combinacoes

    nas quais a amplitude resultante e x. Suponha que o numero de ondas misturadas aumente

    27

  • com n+ 1. Qual e o numero de combinacoes cuja a resultante e x? Se a fase esta restrita

    a +1 e 1, o numero de combinacoes que podem ter um valor x apos n + 1 misturasdependera de f(n, x 1) e f(n, x + 1). Realmente, se a escolha e puramente aleatoria,devemos ter,

    f(n+ 1, x) =1

    2f(n, x 1) + 1

    2f(n, x+ 1). (2.5)

    Subtraindo f(x, n) de ambos lados da equacao (2.5), obtem-se

    f(n+ 1, x) f(x, n) = 12f(n, x 1) + 1

    2f(n, x+ 1) f(x, n). (2.6)

    Note que a equacao (2.6) e a forma diferencial finita classica da equacao de difusao.

    Portanto no limite para n grande, a equacao (2.6) torna-se,

    df

    dn=

    1

    2

    d2f

    dx2. (2.7)

    Sobre a equacao obtida Rayleigh escreve:

    The analogy with the conduction of heat is indeed very close; and the methods deve-

    loped by Fourier for the solution of problem in the latter subject are at once applicable.

    A partir dos metodos de Fourier, a solucao para a funcao densidade de probabilidade

    obtida por Rayleigh foi

    f(n, x) =12n

    ex2/2n. (2.8)

    O valor medio da intensidade de um numero grande de realizacoes e dado por

    12n

    x2ex2/2ndx = n. (2.9)

    Rayleigh tambem considera o problema mais geral no qual as n fases sao escolhidas

    aleatoriamente sobre todo o perodo, i.e., de 0 a 2. Usando as devidas transformacoes

    entre coordenadas cartesianas e coordenadas polares, Rayleigh demonstra que a equacao

    (2.9) assume a forma da equacao da conducao de calor de Fourier em duas dimensoes,

    df

    dn=

    1

    4

    [d2f

    dx2+d2f

    dy2

    ]. (2.10)

    2.4 Francis Ysidro Edgeworth

    The constituents of the normally fluctuating average must form a republic, but not

    28

  • necessarily a perfect democracy. [28]

    Figura 2.4: Francis Ysidro Edgeworth

    A lei dos erros.

    A frase acima e uma boa maneira de resumir

    quem foi Francis Ysidro Edgeworth, estas palavras

    foram escritas por este estatstico irlandes para se

    referir as condicoes sob as quais o teorema do limite

    central se sustenta para numeros distribudos nao

    identicamente, utilizando termos polticos. Com

    formacao em ciencias humanas, era um profundo co-

    nhecedor de literatura, filosofia, sociologia e direito

    sendo New and Old Methods of Ethics (1887) a

    sua primeira publicacao. Contudo, seus interesses

    voltaram-se para a matematica e para estatstica, e

    como primeira consequencia dessa simbiose de co-

    nhecimentos distintos em 1881 publicou Mathema-

    tical Psychis: An Essay on the application of Mathe-

    matics to the Moral Sciences. Edgeworth e con-

    siderado [28] como essencial para o desenvolvimento da econometria por incorporar a

    probabilidade e a estatstica na analise de dados socio-economicos.

    O artigo de Edgeworth a ser destacado nesta discussao e The law of error [29], no

    qual ele obtem uma equacao diferencial que governa o comportamento do erro composto,

    tal equacao foi por ele chamada de lei dos erros. Ele comeca assumindo que o erro com-

    posto e uma funcao linear de elementos indefinidamente numerosos, cada elemento sendo

    proveniente de uma funcao (facility function) f(z) assumida como simetrica e possuindo

    somente potencias pares de z, tal que

    f(z2)dz = 1. (2.11)

    Sendo ux,s a funcao que descreve o erro composto, com x representando a amplitude

    (tamanho) do erro e s o numero de elementos. Dada esta definicao de u, Edgeworth

    expressou ux,s+1 em termos de ux,s como,

    ux,s+1 =

    f(z)ux+z,sdz. (2.12)

    O lado esquerdo desta equacao pode ser representado como, u+ du/ds. Por outro lado, o

    lado direito da igualdade pode ser expandido em serie de Taylor. Desta maneira equacao

    (2.11) torna-se

    29

  • u+du

    ds= ux,s

    f(z)dz +dux,sdx

    zf(z)dz +1

    2

    d2ux,sdx2

    z2f(z)dz + . (2.13)

    Os termos mpares da expansao somem devido a hipotese inicial. Neste ponto Edgeworth

    relata que usa o argumento que DeMorgans postulou e que Crofton chamou de usual

    assumption, no qual a media dos erros elementares deve ser finita. Neste caso uma

    solucao aproximada da equacao (2.12) e dada por uma solucao da equacao diferencial

    du

    ds=c2

    4

    d2u

    dx2, (2.14)

    com c2 = 2z2f(z)dz. A equacao (2.14) e conhecida como lei dos erros, que e analoga a

    equacao de conducao de calor de Fourier. Edgeworth reconhece isso e escreve posterior-

    mente:

    If the limits of the elemental errors are finite, the proof of the Law of Errors by way

    of equation (2)3 becomes rigorous - analogous to Fouriers reasoning, Theorie de Chaleur,

    art 377qq.

    2.5 Louis Jean-Baptiste Alphonse Bachelier

    O pai era comerciante de vinhos e vice-consul da Venezuela em Le Havre, a mae era

    filha de banqueiro. Com apenas 19 anos assumiu os negocios da famlia, apos a morte

    de seus pais. Tambem prestou servico militar compulsorio e posteriormente trabalhou na

    Bolsa de valores de Paris enquanto cursava matematica na Universidade Sorbonne. Esses

    acontecimentos ocorreram na vida de Louis Jean-Baptiste Alphonso Bachelier e talvez o

    tenham influenciado na hora de aplicar a teoria da probabilidade para estudar o mercado

    financeiro. Theorie de La Speculation [30] foi a tese defendida por Bachelier em 1900,

    sendo esta considerada [31] uma analise pioneira do mercado financeiro, contendo ideias

    de enorme importancia tanto para o desenvolvimento da matematica financeira quanto

    para a teoria da probabilidade.

    A parte da tese de Bachelier, que e de notavel importancia para o desenvolvimento

    do nosso estudo sobre passeio aleatorio, foi denominada por ele como: Les probabilites

    dans les operations de Bourse (As probabilidades nas operacoes da Bolsa). Nesta parte

    encontra-se uma secao sobre Irradiacao ou difusao de probabilidade, cuja transcricao

    3Equacao (2.14) no nosso texto.

    30

  • (traducao) foi feita uma vez que Bachelier e sucinto e objetivo em sua explicacao.

    Figura 2.5: Louis Jean-Baptiste

    Alphonse Bachelier Pioneiro em apli-

    car a teoria das probabilidades no es-

    tudo da economia.

    Irradiacao da probabilidade - Vou buscar di-

    retamente a expressao da probabilidade P de queo preco x seja alcancado ou ultrapassado no tempo

    t. Vimos precedentemente que dividindo o tempo

    em intervalos muito pequenos t, podemos consi-

    derar, durante um intervalo t, o preco como uma

    variacao de uma quantidade fixa e muito pequena

    x.

    Suponho que, no tempo t, os precos xn2, xn1,

    xn, xn+1, xn+2, difiram entre eles pela quanti-dade x, possuindo as respectivas probabilidades:

    pn2, pn1, pn, pn+1, pn+2, . Conhecendo a distri-buicao de probabilidade no tempo t, deduzimos fa-

    cilmente a distribuicao de probabilidade no tempo

    t + t. Supondo, por exemplo que o preco xn seja

    cotado no tempo t; no tempo t + t serao cotados

    os precos xn+1 ou xn1. A probabilidade pn, de que

    o preco xn seja cotado no tempo t, se decompoe em

    duas probabilidades no tempo t + t; o preco xn1 podera acontecer com probabilidadepn2

    , e o preco xn+1, igualmente, podera acontecer com probabilidadepn2

    .

    Se o preco xn1 e cotado no tempo t + t, entao, no tempo t, os precos xn2 ou xn

    foram cotados; a probabilidade do preco xn1 no tempo t + t e portantopn2+pn

    2; a do

    preco xn e, no mesmo tempo,pn1+pn+1

    2, a do preco xn+1 e

    pn+pn+22

    , etc.

    Durante o tempo t, o preco xn, de alguma maneira, emite em direcao ao preco xn+1

    a probabilidade pn2

    ; o preco xn+1, emite em direcao ao preco xn, a probabilidadepn+1

    2. Se

    pn e maior que pn+1, a troca de probabilidade epnpn+1

    2de xn em direcao a xn+1.

    Portanto, podemos dizer :

    Cada preco x irradia durante um elemento de tempo em direcao ao preco vizinho uma

    quantidade de probabilidade proporcional a diferenca de suas probabilidades.4

    Digo proporcionalmente, pois devemos ter em conta a relacao de x a t.

    A lei acima pode, por analogia com certas teorias fsicas, ser chamada de lei da irra-

    diacao ou de difusao de probabilidade5.

    Considerei a probabilidade P de que o preco x encontre-se no tempo t em um intervalo[x,) e estimei o crescimento dessa probabilidade durante o tempo t.

    4Chaque cours x rayonne lelement de temps vers le cours voisin une quantite de probabilite propor-tionnelle a la difference de leurs probabilites.

    5La loi qui precede la loi du rayonnement ou de diffusion de la probabilite

    31

  • Seja p a probabilidade P do preco x no tempo t, p = dPdx

    . Calculando a probabilidade

    que, durante o tempo t, passe, de alguma maneira, atraves de x; isto e, conforme o que

    foi dito,

    1

    c2

    (p dp

    dx p)

    t = 1c2dp

    dxt =

    1

    c2d2Pdx2

    t, (2.15)

    c representa uma constante.

    Este aumento da probabilidade e tambem representado pela expressao dPdt

    t. Por isso

    c2Pt

    2Px2

    = 0. (2.16)

    Esta e uma equacao de Fourier.

    2.6 Karl Pearson

    Figura 2.6: Karl Pearson Introduziu

    o termo Random Walk.

    O estatstico ingles Karl Pearson publicou mais

    de 300 trabalhos, que nao estavam relaciona-

    dos apenas as ciencias exatas, pois devido a

    sua versatilidade intelectual escreveu tambem so-

    bre religiao, poltica, crtica literaria, biologia,

    historia, evolucao, genetica, socialismo e antropolo-

    gia. Sendo The Grammar of Science (1892) con-

    siderada como a sua grande obra. Apesar desta

    extensa obra, tanto em numeros quanto em diver-

    sidade de areas do conhecimento humano, e em

    uma breve carta de Pearson, publicada na revista

    Nature na edicao de Julio de 1905 [32], que es-

    tamos interessados. Eis entao a transcricao da

    carta:

    The Problem of the Random Walk

    Can any of your reader refer me to a work wherein I should find a solution of the fol-

    lowing problem, or failing the knowledge of any existing solution provide me with original

    one? I should be extremely grateful for aid in the matter.

    A man starts from a point O and walks l yards in a straight; he then turns through

    any angle whatever and walks another l yards in a second straight line. He reports this

    process n times. I require the probability that after n of these stretches he is at a distance

    between r and r + r from his starting point, O.

    32

  • The problem is one of the considerable interest, but I have only suceeded in obtaining

    an integrated solution for two stretches. I think, however, that a solution ought to be

    found, if only in the form of a series of powers of r/n, when n is large.

    KARL PEARSON

    The Gables, East Ilsley, Berks.

    A resposta para o problema de Pearson nao demorou a chegar, ja na edicao seguinte

    da mesma revista (3 de agosto de 1905) Lord Rayleigh escreve:

    The problem of the random walk

    This problem, proposed by Prof. Karl Pearson in the current number of NATURE, is

    the same as that of the composition of n iso-periodic vibrations of the unit amplitude and

    of phases distributed at random, considered in Phil. Mag., x., p.73, 1880; xlvii., p.246,

    1899; (Scientific Papers, i., p. 491, iv, p. 370).

    If n be very great, the probability sought is

    2

    ner

    2/nrdr

    Probably methods similar to those employed in the papers referred to would avail for the

    development of an approximate expression applicable when n is only moderately great.

    RAYLEIGH

    Terling Place, July 29.

    Pearson entao escreveu uma segunda carta para a Nature, na qual agradece a Rayleigh e

    aos demais que o responderam sobre o problema do Random Walk, finalizando a carta da

    seguinte maneira:

    The lesson of Lord Rayleighs solution is that in open country the most probable place

    to find a drunken man who is at all capable of keeping on his feet is somewhere near his

    starting point.

    O interesse de Pearson sobre o problema do Random Walk surgiu da tentativa de

    criar um modelo para descrever migracao aleatoria, tendo como ilustracao concreta o

    caso de mosquitos que invadem regioes desflorestadas. De certa maneira, Person ao fazer

    uma analogia do movimento aleatorio com o caminhar do bebado, sem querer, intro-

    duziu/criou o termo Random Walk, alem de apresentar de maneira simples o problema

    em questao.

    33

  • Captulo 3

    O mundo microscopico

    3.1 Robert Brown

    Figura 3.1: Robert Browm Estu-

    dou o movimento irregular e incessante

    de partculas diminutas suspensas na

    agua.

    Em 1828 o botanico escoces Robert Brown

    publicou uma descricao de suas observacoes mi-

    croscopicas [33] realizadas nos meses de junho, ju-

    lho e agosto de 1827. Brown estava estudando o

    processo de fertilizacao da planta Clarkia pulchella

    e para tal finalidade utilizou um microscopio para

    visualizar os graos de polen desta planta imersos na

    agua. Enquanto observava a forma destas partculas

    na agua, Brown percebeu que muitas delas realiza-

    vam um movimento muito evidente. Apos repetidas

    observacoes percebeu que esses movimentos nao sur-

    gem das correntes no fluido, nem a partir da eva-

    poracao deste, mas pertencem a partcula em si.

    Em seguida pegou os graos de polen desta mesma

    flor apos ela se abrir e ao observa-los encontrou

    partculas menores que as anteriores, aparentemente

    esfericas e que estavam em um movimento oscilatorio rapido. O botanico denominou estas

    partculas de Moleculas (Molecules).

    Brown estendeu as observacoes para plantas da mesma famlia das Onagraceas, e ve-

    rificou a mesma forma geral das partculas, as quais tambem apresentavam movimentos

    similares. Nao satisfeito examinou o polen de diversas especies das famlias das plantas

    Fanerogamas; em todas observou movimentos similares manifestados pelos graos de polen.

    Neste ponto da investigacao Brown escreve:

    34

  • Having found motion in the particles of the pollen of all the living plants which I had

    examined, I was led next to inquire whether this property continued after the death of the

    plants, and for what lenght of time it was retained.

    Plantas secas, imersas no alcool por alguns dias, especies de plantas secas e preserva-

    das em herbarios1 por mais de vinte anos, tambem apresentaram pequenas partculas

    esfericas em movimento evidente, igual ao observado em plantas vivas.

    Nesse estagio da pesquisa Brown achava que esses movimentos eram peculiares dos

    graos de polen2 e para testar essa hipotese examinou plantas da famlia das Cripto-

    gramas, os musgos, que sao plantas de estrutura mais simples. No entanto, observou

    partculas esfericas diminutas em movimento vvido, assim como o observado nas plantas

    Onagraceas. Isso tambem ocorreu com amostras de musgos secos com mais de cem anos.

    Alem disso, Brown triturou todas as partes destas plantas e ao observa-las imersas na

    agua viu que as partculas tambem estavam em movimento. Estas observacoes fizeram

    Brown abandonar a hipotese de que do movimento era uma peculiaridade do orgao mas-

    culino das plantas, e escreve a sua nova hipotese:

    Reflecting on all the facts with which I had now become acquainted, I was disposed

    to believe that the minute spherical particles or Molecules ... were in reality the supposed

    constituent or elementary Molecules of organics bodies...

    Entao Brown examinou varios tecidos animais e vegetais, vivos ou mortos, triturando-os e

    imergido-os na agua, onde observou partculas de tamanho, forma e movimento similares

    aos graos de polen; encontrou estas partculas tambem em resina de latex, em substancias

    de origem vegetal e ate mesmo em carvao. No entanto, ao examinar madeira petrificada

    fossil ou madeira silicificada, tambem encontra partculas diminutas com comportamento

    similar. Devido a isso, outra vez muda de ideia e escreve:

    But hence I inferred that these molecules were not limited to organic bodies, nor even

    to their products.

    Eis alguns dos materiais inorganicos analisados por Robert Brown: vidro; varios tipos

    de solo; metais (nquel, manganes, bismuto, antimonio e arsenio); cada um dos consti-

    tuintes minerais do granito; materiais de origem aquosa e gnea (travertino, estalactites,

    obsidiana, lava, cinzas vulcanicas, meteoritos); minerais de estrutura fibrosa (asbestos,

    actinolite, tremolite, zeolite e esteatite) e ate um fragmento da esfinge. Brown resume

    isso da seguinte maneira:

    1Colecao cientfica de plantas secas.2Responsavel pela formacao dos gametas masculinos (celulas espermaticas)

    35

  • In a word, in every mineral which I could reduce to a powder, sufficiently fine to be

    temporarily suspended in water, I found these molecules more or less copiously.

    Em seguida Brown inquiriu se o calor poderia afetar a existencia destas partculas que

    apresentam movimento incessante. Para verificar queimou madeira, linho, algodao, la,

    seda, cabelo, e estes quando imersos na agua, apresentavam partculas em um movimento

    evidente igual ao das substancias que nao foram queimadas. Brown relata tambem as

    substancia que nao pode examinar: oleo, resina, cera, enxofre, metais que nao conseguiu

    triturar e substancias soluveis em agua. Alem de evitar fazer qualquer conjectura a

    respeito da forma e magnitude absoluta dessas Moleculas, que parecem existir tanto em

    corpos inorganicos como nos organicos, o botanico escoces tambem teve a preocupacao de

    deixar claro que os fatos apresentados a respeito do movimento das partculas de polen

    ja foram observados por outros pesquisadores, citando Needham, Gleichen e Adolphe

    Brongniart.

    Posteriormente, Brown publicou Additional Remarks on Active Molecules [34] para

    explicar e modificar algumas das suas declaracoes, para discutir sobre a veracidade e

    originalidade das observacoes, alem de refutar as causas consideradas como suficientes

    por alguns, para explicar o fenomeno do movimento incessante.

    Inicialmente diz que muito leitores erroneamente afirmaram que ele havia dito que

    as partculas (Moleculas) era animadas, possivelmente porque Brown relata os fatos na

    ordem em que foram ocorrendo acompanhados pelas respectivas hipoteses formuladas.

    Em seguida cita as supostas causas que varias pessoas escreveram para descrever tais

    movimentos: atracao e repulsao entre as partculas; equilbrio instavel do fluido no qual

    as partculas estavam suspensas; acao higrometrica ou capilar das partculas; e tambem

    diminutas bolhas de ar. Brown demostra que essas e demais explicacoes estao erradas

    descrevendo um experimento no qual gotas de agua de tamanho microscopico, contendo

    algumas ou ate mesmo apenas uma partcula de polen, sao imersa em oleo (que possui

    gravidade especfica inferior a da agua). Em todas as gotas o movimento das partculas

    acontecem com atividade incessante, enquanto as principais causas atribudas ao movi-

    mento (evaporacao, atracao e repulsao mutua) sao materialmente reduzidas.

    Brown nunca chegou a nenhuma conclusao em seu trabalho, entretanto sua pesquisa foi

    de extrema importancia ao demonstrar que este movimento irregular e incessante ocorre

    tanto em partculas organicas como tambem nas inorganicas, e ao refutar com um simples

    experimento as possveis explicacoes mecanicas para este fenomeno. Nao e por acaso que

    hoje esse fenomeno e denominado como movimento Browniano.

    36

  • 3.2 Albert Einstein

    Figura 3.2: Albert Einstein Em seu

    ano miraculoso publicou um artigo

    sobre o movimento Browniano.

    A explicacao satisfatoria para o fenomeno de-

    nominado movimento Browniano foi dada somente

    em 1905 no artigo Uber die von der molekular-

    kinetischen Theorie der Warme geforderte Bewe-

    gung von in ruhenden Flussigkeiten Suspendier-

    ten Teilchen [35], cuja autoria e de Albert Eins-

    tein. Neste trabalho Einstein tem como obje-

    tivo mostrar que de acordo com a teoria cinetica-

    molecular do calor, corpos de dimensoes mi-

    croscopicas suspensos em um lquido, por causa

    do movimentos termicos moleculares realizam mo-

    vimentos de tal magnitude que podem ser fa-

    cilmente observados em um microscopio. Alem

    disso, Einstein nao tinha conhecimento do tra-

    balho de Robert Brown e sobre isso escre-

    veu:

    Es ist moglich, da die hier zu behandelnden Bewegungen mit der sogenannten ,,Browns-

    chen Molekularbewegung identisch sind, die mir erreichbaren Angaben uber letztere sind

    jedoch so ungenau, da ich mir hieruber kein Urteil bilden konnte.3

    Na terceira secao do artigo Einstein descreve a sua teoria de difusao de pequenas

    esferas em suspensao. Ele considera partculas irregularmente dispersas em um lquido

    no estado de equilbrio dinamico, sobre as quais atua uma forca K, que depende somente

    da posicao. Por simplicidade Einsten considera o caso unidimensional.

    Sendo o numero de partculas suspensas por unidade de volume; entao na condicao

    de equilbrio dinamico e uma funcao de x na qual a variacao da energia livre desaparece

    para um deslocamento arbitrario x da substancia. Temos, portanto,

    F = E TS = 0.

    Assumindo que o lquido tem uma area unitaria de secao transversal perpendiculares ao

    eixo x e e delimitada pelos planos x = 0 e x = l. Desta maneira, temos

    3E possvel, que os movimento tratado aqui seja identico ao chamado movimento Browniano. Asinformacoes que chegaram a mim sobre este sao tao imprecisas, que eu nao poderia fazer nenhuma notaa respeito.

    37

  • E = l

    0

    Kxdx

    e

    S =

    l0

    R

    N

    x

    xdx = R

    N

    l0

    xxdx.

    A condicao de equilbrio exigida e portanto

    K + RTN

    x= 0 ou K p

    x= 0. (3.1)

    A equacao anterior estabelece que o equilbrio com a forca K e provocado pela forca de

    pressao osmotica.

    A equacao (3.1) pode ser usada para encontrar o coeficiente de difusao da substancia

    suspensa. Podemos olhar para a condicao de equilbrio considerando-o aqui como a su-

    perposicao de processos que ocorrem em direcoes opostas, ou seja:

    1 Um movimento da substancia suspensa sob a influencia da forca K age em cada

    partcula suspensa.

    2 Um processo de difusao, o qual e visto como o resultado do movimento irregular das

    partculas produzido pelo movimento termico molecular.

    Se as partculas possurem forma esferica (de raio P ), e se o lquido possuir um coefi-

    ciente de viscosidade k, entao a forca K causa em uma partcula a velocidade

    K

    6kP(3.2)

    e em uma unidade de area por unidade de tempo passarao

    K

    6kP

    partculas.

    Se, alem disso, D significa o coeficiente de difusao da substancia suspensa, e a

    massa da partcula, como resultado da difusao passarao por uma unidade de area em uma

    unidade de tempo,

    D()x

    gramas ou Dx

    partculas.

    Considerando o estado de equilbrio dinamico, devemos ter

    K

    6kPD

    x= 0. (3.3)

    Podemos calcular o coeficiente de difusao a partir das duas condicoes (3.1) e de (3.3),

    encontrado para o equilbrio dinamico. Obtemos

    38

  • D =RT

    N

    1

    6kP. (3.4)

    Desta maneira Einstein demonstra que o coeficiente de difusao depende (exceto pelas

    constantes universais e da temperatura absoluta) somente do coeficiente de viscosidade

    do lquido e do tamanho das partculas suspensas.

    Na secao seguinte Einstein relaciona o movimento irregular das partculas suspensas

    em um lquido com a difusao, considerando que esses movimentos irregulares surgem do

    movimento termico molecular. Einstein inicialmente assume duas consideracoes funda-

    mentais:

    Cada partcula executa um movimento que e independente do movimento de todasas outras partculas;

    Os movimentos da mesma partcula em intervalos de tempo diferentes sao processosmutualmente independentes (em intervalos de tempo pequenos, mas suficientemente

    grandes para dar margem a observacoes).

    Seja um intervalo de tempo, que e muito pequeno comparado com o intervalo de

    observacao, mas, de tal magnitude que os movimentos executados por uma partcula em

    dois intervalos de tempo consecutivos seja considerados como fenomenos mutualmente

    independentes. Considere que existam n partculas suspensas em um lquido. Em um

    intervalo de tempo a coordenada x de uma partcula aumentara com , possuindo

    valores diferentes (positivo ou negativo) para cada partcula. Para o valor de uma

    certa lei de probabilidade existe; o numero dn de partculas que sofrem no intervalo um

    deslocamento localizado entre e + d, pode ser expresso por uma equacao na forma

    dn = n()d

    sendo

    ()d = 1

    e difere somente de zero para valores muito pequenos de e possui a seguinte condicao

    () = ().

    Einstein a partir de entao investiga como o coeficiente de difusao depende de , consi-

    derando o caso no qual o numero de partculas por unidade de volume depende somente

    de x e t.

    Sendo = f(x, t) o numero de partculas por unidade de volume, a distribuicao das

    partculas no tempo t+ sera calculada a partir da distribuicao no tempo t. A partir da

    definicao da funcao (), e facil obter o numero de partculas que estao localizadas no

    39

  • tempo t+ entre dois planos perpendiculares ao eixo x, com abcissas x e x+ dx. Desta

    maneira, temos

    f(x, t+ )dx = dx

    ==

    f(x+ )()d.

    Agora, desde e muito pequeno, podemos escrever

    f(x, t+ ) = f(x, t) + f

    t.

    Alem disso, podemos expandir f(x+ , t) em potencias de :

    f(x+ , t) = f(x, t) + f(x, t)

    x+

    2

    2!

    2f(x, t)

    x2 .

    Uma vez que somente valores muito pequenos de contribuem, obtemos

    f +f

    t = f

    ()d +f

    x

    ()d +2f

    x2

    2

    2()d + .

    No lado direito da equacao acima o segundo termo, o quarto termo, etc., devem desapa-

    recer, pois (x) = (x); enquanto o primeiro termo, o terceiro terceiro, etc., cada termoseguinte e muito pequeno comparado ao anterior. Tendo em mente que

    ()d = 1,

    tambem assumindo que1

    2

    2()d = D,

    e considerando somente termos ate a segunda ordem de , obtemos

    f

    t= D

    2f

    x2. (3.5)

    Esta e a equacao diferencial para a difusao, e reconhecemos que D e o coeficiente de

    difusao.

    Na sequencia de seu artigo Einstein argumenta que nao e necessario escolher o mesmo

    sistema de coordenadas para todas as partculas, pois os movimentos destas sao mutual-

    mente independentes. Portanto, a funcao f(x, t), devidamente normalizada,

    f(x, t)dx = n, (3.6)

    representa a densidade de partculas cujas posicoes sofreram um acrescimo x entre o

    instante inicial e o tempo t. Einstein tambem aponta que a solucao da equacao de difusao

    (3.5), com condicoes iniciais apropriadas, e dada pela forma Gaussiana

    40

  • f(x, t) =n

    4Dte

    x2

    4Dt . (3.7)

    Da qual Einstein enfatiza que as constantes do termo exponencial estao relacionadas

    com o coeficiente de difusao. Alem disso demonstra que o desvio quadratico medio dos

    deslocamentos e proporcional ao coeficiente de difusao, comportando-se linearmente com

    o tempo, ou seja, 2x = x2 = 2Dt.Por meio deste raciocnio probabilstico Einstein obtem a expressao do percurso quadratico

    medio no movimento irregular das partculas suspensas em um lquido,

    x2 = 2Dt = RTN

    1

    3kPt. (3.8)

    Tal expressao forneceu um caminho para determinar o numero de Avogadro. Segundo [36]

    as experiencias de Jean Perrin e colaboradores consistiram em registrar a observacao, no

    microscopio, do movimento de um conjunto grande de partculas em suspensao, cuja forma

    esferica podia ser muito bem controlada. Nas suspensoes utilizadas, essas experiencias

    verificaram o comportamento ideal da pressao osmotica e a lei de forca de Stokes, ingre-

    dientes importantes na teoria de Einstein. Alem disso produziram uma nova estimativa

    para o numero de Avogadro. Em 1926 Perrin ganhou o premio Nobel de fsica devido

    ao trabalho intitulado Discontinuous Structure of Matter [37] no qual encontram-se as

    medidas do movimento Browniano baseados nos trabalhos de Einstein e Smoluchowski.

    3.3 Marian Smoluchowski

    O fsico teorico polones Marian Smoluchowski, independentemente de Einstein, desen-

    volveu uma teoria para explicar o fenomeno do movimento Browniano. Os trabalhos de

    Smoluchowski publicados em 1906 sobre difusao [38] e o movimento Browniano [39, 40]

    apresentam uma criativa aplicacao da teoria da probabilidade para descricao do fenomeno

    fsico e alem disso, sao de fundamental importancia para a consolidacao da teoria atomica

    da materia. Para compreender a importancia e a influencia dos trabalhos de Smolu-

    chowski, em 1917, no obituario do fsico polones, Sommerfeld escreveu [41]:

    His name will, forever, be associated with the first flowering of atomic theory.

    Alem disso, Chandrasekhar considera Smoluchowski como um dos fundadores da fsica

    dos fenomenos estocasticos [42] e Kac expressa o fato de que [42]

    ...it was Smoluchowski whose work, perhaps more than that to any other man brought

    about the ultimate reconciliantion of the seemingly irreconcilable and victory to the ato-

    41

  • mistic view.

    Figura 3.3: Marian Smoluchowski

    Propos um metodo mais direto para

    explicar o movimento Browniano.

    No seu artigo Zur kinetischen Theorie der

    Brownschen Molekularbewegung und der Suspeni-

    onen [40] Smoluchowski, no primeiro paragrafo,

    cita os trabalhos de Einstein sobre o mo-

    vimento Browniano e diz que os resultados

    de Einstein concordam plenamente com os re-

    sultados obtidos por ele alguns anos atras

    por meio de um linha de pensamento to-

    talmente diferente e que sao um forte argu-

    mento para explicar a natureza cinetica destes

    fenomenos. Smoluchowski ainda relata que origi-

    nalmente pretendia esperar a comprovacao expe-

    rimental, mas que decidiu publicar suas pesqui-

    sas para contribuir para o esclarecimento deste

    assunto interessante e finaliza o paragrafo di-

    zendo:

    ...insbesondere da mir meine Methode direkter,

    einfacher und darum vielleicht auch uberzeugender zu sein scheint als jene Einstein.4

    Smoluchowski ressaltou que nao e possvel estimar a velocidade de uma partcula ao

    observa-la no microscopio e que somente e possvel observar a sequencia das posicoes

    medias da partcula, resultante da soma de uma enorme quantidade de segmentos di-

    minutos e totalmente invisveis, ao longo do qual a partcula realiza movimento termico

    rapido. Tendo resultado visvel o movimento difusivo no espaco da posicao com mudancas

    de direcao, permitindo a descricao em termos de um aparente caminho livre medio. Ou

    seja, o movimento de uma partcula Browniana e resultado da flutuacao no numero de

    colisoes com os atomos do fluido e enquanto Einstein obteve o percurso medio quadratico

    partindo de leis gerais da mecanica estatstica e da difusao, Smoluchowski obteve por

    meio de uma analise detalhada do mecanismo da partcula Browniana.

    Em seus trabalhos posteriores, sobre teoria do movimento Browniano, e da coagulacao,

    na presenca de campos externos [43, 44], foram formuladas as equacoes que receberam o

    nome do fsico teorico polones. Inicialmente Smoluchowski encontrou que a probabilidade

    (condicional) na ausencia de um campo externo, de uma partcula suspensa que comeca

    do ponto x0 alcance o ponto x no tempo t e:

    4particularmente o meu metodo e direto, simples e portanto poderia parecer mais convincente do queo de Einstein.

    42

  • W (x)dx =1

    2Dt

    e(xx0)

    2

    4Dt dx, (3.9)

    sendo D o coeficiente de difusao.

    Em seguida, Smoluchowski encontrou formas explicitas para a probabilidade condici-

    onal do movimento Browniano para alguns casos simples de campos externos (as solucoes

    para os campos gravitacional e centrfugo sao importantes para a teoria da coagulacao).

    Em particular, para uma forca elastica f(x) = x:

    W (x, t|x0, 0) =

    2D(1 e2t)exp

    {

    2D

    (x x0et)2

    1 e2t

    }. (3.10)

    Sendo = kBT/D (T e a temperatura e kB a constante de Boltzmann).

    Smoluchowski percebeu que as expressoes (3.9) e (3.10) podem ser obtidas como

    solucoes da seguinte equacao de difusao:

    W

    t= D

    2W

    t2

    x[Wf(x)], (3.11)

    sendo f(x) relacionada com a forca externa que atua sobre a partcula Browniana. A

    equacao de difusao precedente e tambem conhecida com equacao de Smoluchow