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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, POBREZA E DESMATAMENTO NO BRASIL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS PARA AS REGIÕES SUL E SUDESTE NAS DÉCADAS DE 80 E 90 FERNANDA CABRAL SANTOS matrícula n o 100109059 ORIENTADOR: Prof. Carlos Eduardo Frickmann Young JANEIRO 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, POBREZA E

DESMATAMENTO NO BRASIL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS PARA AS REGIÕES SUL E SUDESTE NAS DÉCADAS DE 80 E 90

FERNANDA CABRAL SANTOS matrícula no 100109059

ORIENTADOR: Prof. Carlos Eduardo Frickmann Young

JANEIRO 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, POBREZA E

DESMATAMENTO NO BRASIL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS PARA AS REGIÕES SUL E SUDESTE NAS DÉCADAS DE 80 E 90

______________________________ FERNANDA CABRAL SANTOS

matrícula no 100109059

ORIENTADOR: Prof. Carlos Eduardo Frickmann Young

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As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade da autora.

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Agradecimentos:

Ao Bruno Ottoni, por me servir de inspiração durante boa parte do curso de graduação.

Ao Leonardo Rangel, também por me servir de inspiração, mas principalmente por

toda sua ajuda diretamente prestada neste trabalho.

À minha grande amiga, Ana Carolina Neves, companheira de trabalho, que tanto me ajudou, principalmente no final, resolvendo inúmeras questões práticas, impossíveis para mim. À minha grande amiga, Debora Duque Estrada, por ter se prestado a me ajudar qualquer que fosse o momento.

À minha também grande amiga, Joana Naritomi, que, apesar de não ter contribuído de forma prática, não se cansou de oferecer ajuda. Ao meu pai, Ricardo, e à minha irmã, Luisa, pela paciência por me enviarem, toda vez que solicitava, inúmeros arquivos essenciais para a conclusão do trabalho. Ao Pedro Nunes, por ter me acalmado nos momentos finais. À Veridiana, minha monitora de Estatística, por se dispor a me ajudar com os dados e tirar as minhas dúvidas. Ao meu orientador, Cadu, por toda sua paciência e seu incentivo.

À minha mãe, Lourdes, simplesmente por ser a minha referência.

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RESUMO

Este trabalho buscou examinar se existe alguma correlação entre o processo de

desmatamento da Mata Atlântica no Brasil e a melhora das condições de vida da população

rural. A análise foi feita a nível municipal, contrastando dados referentes às áreas desmatadas

no período 1985-95 com os índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dos

anos 1991 e 2000.

Num primeiro momento, a análise centrou-se apenas nos casos de municípios

caracterizados como os líderes em desmatamento de seus estados. O que se observou foi que,

de forma geral, o processo de desmatamento não pode ser associado à promoção de melhores

condições de vida à população rural.

Com o intuito de ampliar e sofisticar a análise, optou-se pela regressão de um modelo

linear simples, englobando não só os municípios líderes em desmatamento. Mais uma vez, os

resultados apontaram que o desmatamento não está relacionado com maiores níveis de

desenvolvimento.

Conclui-se, portanto, que não tem suporte estatístico o argumento usualmente

empregado em defesa da redução das áreas de conservação no domínio de Mata Atlântica, a

saber, que o desmatamento é uma pré-condição para o desenvolvimento.

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ÍNDICE

ITEM PÁG

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I - O DESMATAMENTO DA MATA ATLÂNTICA NO BRASIL 12

CAPÍTULO II - DEFINIÇÃO DO OBJETIVO E A BASE DE DADOS 19

CAPÍTULO III - DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO: UM EXERCÍCIO COM OS MUNICÍPIOS LÍDERES EM DESMATAMENTO NO PERÍODO 1985-95

26

CAPÍTULO IV - DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO: UM TESTE ECONOMÉTRICO 35

CONCLUSÕES 39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 41

ANEXO 44

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INTRODUÇÃO

A Mata Atlântica e seus ecossistemas associados cobriam originalmente uma área de

aproximadamente 1.360.000 Km2. Contudo, desde a chegada dos portugueses ao país, tem

ocorrido uma drástica redução de sua cobertura original. Atualmente, de acordo com dados da

Fundação SOS Mata Atlântica, menos de 8% da área original resta preservada. Apesar do

intenso processo de desmatamento a que foi submetida, a Mata Atlântica ainda abriga uma

das mais ricas biodiversidades do planeta.

Um grande problema que surge ao se tratar da Mata Atlântica é que, apesar da grande

importância histórica e econômica deste bioma, ainda são escassos os estudos sobre ele,

principalmente se comparado com a abundante disponibilidade de estudos sobre a Amazônia.

A discussão sobre o papel da Mata Atlântica para o desenvolvimento econômico acaba por

tomar um cunho ideológico e se polariza entre “ruralistas” e “ambientalistas”. Os argumentos

apresentados por ambos os lados são colocados sem qualquer sustentação empírica e alguns

mitos passam a ser aceitos.

Um destes argumentos, defendido pela Bancada Ruralista do Congresso Nacional, é o

de que o desmatamento gera, em contrapartida, melhores condições de vida para as

populações que se beneficiam deste processo. Este argumento foi recorrentemente utilizado

no debate sobre a alteração do Código Florestal Brasileiro que se deu recentemente. Com esta

justificativa, os ruralistas defendiam a redução da área mínima de conservação em

propriedades privadas prevista por lei.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi discutir até que ponto a conversão recente

de áreas florestadas no Domínio da Mata Atlântica tem resultado em melhores condições de

vida para as populações rurais. O estudo seguido neste trabalho se deu a nível municipal.

Buscou-se verificar se o processo de desmatamento ocorrido durante o decênio 1985-95 foi

capaz de promover o desenvolvimento dos municípios analisados. A base de dados contou

com informações contidas no Atlas da Evolução dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas

Associados no Domínio da Mata Atlântica (elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica) e

no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (elaborado pelo IPEA, PNUD e Fundação

João Pinheiro).

No primeiro capítulo, foi feita uma breve apresentação das características das áreas no

Domínio da Mata Atlântica, enfatizando o quão ameaçado o bioma está. Na segunda seção,

ainda deste capítulo, são apresentados alguns aspectos sócio-econômicos da destruição

recente da Mata Atlântica no Brasil, visando mostrar que o processo de desmatamento está

intimamente relacionado à forma como foi estabelecida a economia rural no país, forma esta

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extremamente perversa com o meio ambiente, conhecida por “lavoura de derrubada e

queimada”.

No segundo capítulo, é exposta a hipótese defendida por este trabalho- de que o

processo de desmatamento não está relacionado à promoção de melhores condições de vida à

população rural- fazendo-se referência ao trabalho de pesquisa realizado pelo Grupo de

Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Universidade Federal do

Rio de Janeiro. O presente trabalho teve por objetivo dar continuidade à referida pesquisa, que

mostrou que o desmatamento não é condição necessária ao crescimento econômico. O estudo

aqui apresentado buscou contemplar a questão do desmatamento a partir de um outro enfoque,

enfatizando o nível de desenvolvimento dos municípios.

Pelo fato da análise ter se dado com base no Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (IDHM), ainda na segunda seção do Capítulo 2, é apresentada a metodologia

adotada para a elaboração deste indicador social.

O terceiro capítulo contém um exercício com os dez municípios líderes em

desmatamento nos seis estados analisados- Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São

Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Procurou-se averiguar se estes municípios também

caracterizavam-se por apresentarem sensíveis melhoras em seus indicadores sociais- o IDHM-

o que justificaria uma eventual redução da área mínima de conservação em propriedades

privadas prevista por lei. De modo geral, o que se verifica é que os municípios que mais

desmataram não apresentam melhoras sensíveis no IDHM. Desta forma, a partir desta análise,

o argumento da bancada ruralista não se sustentaria.

O quarto capítulo contou com a extensão da análise contida no capítulo anterior. No

entanto, ao invés de se tomar por base apenas os municípios “críticos” (ie, os líderes em

desmatamento)- o que poderia servir de contra-argumento àqueles que defendem a redução

das áreas mínimas de conservação- optou-se pela regressão de um modelo linear simples,

onde foram englobados todos os municípios das regiões Sul e Sudeste que apresentaram taxa

de desmatamento diferente de zero no período 1985-19951.

Por fim, com base nos resultados obtidos em capítulos anteriores, são apresentadas as

conclusões.

1 Na realidade, houve casos de municípios que, mesmo apresentando taxas de desmatamento positiva no período, foram excluídos da análise. A razão para este procedimento é explicitada no Capítulo II.

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CAPÍTULO I: O DESMATAMENTO DA MATA ATLÂNTICA NO BRASIL

1.1. Mata Atlântica: Bioma Ameaçado

À época do descobrimento do Brasil, a Mata Atlântica e seus ecossistemas associados-

mangues e restingas- cobriam uma área de aproximadamente 1.360.000 Km2, o que

correspondia a cerca de 16% do território brasileiro, distribuídos por dezessete estados: Rio

Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro,

Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do

Norte, Ceará e Piauí. Atualmente, menos de 8% da área do bioma preserva suas características

bióticas originais (MMA 2000a)2.

De acordo com os mais recentes dados divulgados, a área ocupada pelos

remanescentes de Mata Atlântica em 1995 foi estimada em 98.878 Km2, ou seja, 7,3 % da

área original3. Na realidade, mesmo sendo extremamente pequeno, este percentual não reflete

a exata noção de quão destruída foi (e vem sendo) a Mata Atlântica. É provável que, antes da

chegada dos portugueses ao país, o bioma se estendesse por uma área ainda maior do que a

considerada na região Nordeste. Ademais, o percentual de remanescentes inclui não apenas as

escassas formações de florestas primárias, mas também florestas plantadas com espécies

exóticas e florestas secundárias em variados estágios de regeneração (Câmara, 2003).

Levantamentos realizados pela Fundação SOS Mata Atlântica indicaram 2.528

municípios brasileiros totalmente inseridos no Domínio de Mata Atlântica, o que corresponde

a 46% do total de municípios do país. Além destes, 270 municípios têm mais de 70% de seus

territórios inseridos no bioma e 130, mais de 50% de suas áreas.

Apesar da dramaticidade do acelerado processo de desmatamento que vem sofrendo, a

Mata Atlântica ainda apresenta uma das maiores biodiversidades do planeta e, por isso,

recentemente, lhe foi conferido o título de um dos 25 hotspots mundiais para a conservação (o

termo hotspot é utilizado em referência às áreas mais ameaçadas do planeta, porém de rica de

biodiversidade).

2 Esta estimativa está considerando a definição de Mata Atlântica aprovada pela CONAMA em 1992 e o Mapa de Vegetação Brasileira publicado pelo IBGE em 1993.

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Em 1998, em um estudo coordenado pelo Consevation International- uma organização

privada dedicada à conservação e utilização sustentada da biodiversidade, com atuação em

mais de trinta países- sobre os 25 hotspots mundiais, foram listadas as áreas mais ameaçadas

do mundo e a Mata Atlântica acabou ocupando o segundo lugar4. Dos ecossistemas

brasileiros, a Mata Atlântica e o Cerrado são considerados hotspots.

Ainda segundo este mesmo estudo coordenado pela Conservation International, a

Mata Atlântica está entre as cinco regiões que apresentam os maiores índices de endemismo

de plantas vasculares e vertebrados (excluindo peixes). Espécies endêmicas são aquelas

peculiares a uma determinada região. São quase 9000 espécies com esta característica neste

bioma. Ademais, a Mata Atlântica abriga mais de 2100 espécies de vertebrados e cerca de 7%

delas estão ameaçadas de extinção (MMA 2000a). Em certos grupos, a situação é ainda mais

preocupante: o número de espécies de mamíferos ameaçadas de extinção atinge

aproximadamente 14% (ver tabela 1).

Tabela 1: Diversidade, Endemismos e Espécies Ameaçadas da Mata Atlântica

Grupo Taxonômico Total de Espécies Espécies Endêmicas Espécies Ameaçadas

Plantas Vasculares 20.000 8.000

Mamíferos 250 55 35

Aves 1020 188 104

Répteis 197 60 3

Anfíbios 340 90 1

Peixes 350 133 12

Fonte: Relatórios Técnicos Temáticos de Biodiversidade do Subprojeto "Avaliação e Ações Prioritárias para a Conservação dos Biomas Floresta Atlântica e Campos Sulinos", PROBIO/ PRONABIO/ MMA; Myers et al. (2000).

A ameaça de extinção de algumas espécies da Mata Atlântica é conseqüência da

existência de duas fontes de pressão sobre os recursos do bioma. De forma direta, o

extrativismo predatório sobre determinadas espécies de valor econômico foi, e continua

sendo, um dos grandes responsáveis pela delicada situação em que se encontram atualmente

certas espécies da Mata Atlântica. Além disso, a pressão pelos habitats da Mata Atlântica, seja

3 Os remanescentes estão dispostos de modo esparso ao longo da costa brasileira e no interior das regiões Sul e Sudeste, além de fragmentos no sul dos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul e no interior dos estados do Nordeste. 4 Ficou atrás apenas das Florestas de Madagascar, cuja área ocupada pelos remanescentes correspondia, à época do estudo, a aproximadamente 5% da área originalmente coberta.

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pela especulação imobiliária ou pela conversão de terras para uso agropecuário, contribui para

o agravamento do problema (Simões, 2000).

Dean (1996) aponta que, apesar do surpreendente nível de biodiversidade que ainda

resta preservado nas áreas de Domínio da Mata Atlântica, é razoável inferir que muitas

espécies foram extintas antes mesmo de poderem ser descritas pela Ciência.

A destruição da Mata Atlântica tem por conseqüência direta a perda do material

genético dos microorganismos, das plantas e dos animais que a constituem, o que afeta

diversas atividades econômicas geradoras de riqueza, tais como: a indústria farmacêutica, a

agricultura, a biotecnologia moderna, entre outras. As conseqüências desastrosas do

desmatamento da Mata Atlântica não se resumem apenas à perda direta da rica biodiversidade

que ainda resta preservada no bioma. A Mata Atlântica desempenha um papel crucial na

conservação dos mananciais de água e no controle da erosão, bem como na contenção de

deslizamentos de encostas, do assoreamento de rios e de enchentes. Esse papel revela-se ainda

mais importante uma vez que 70% da população brasileira vive nos entornos do bioma (SOS

Mata Atlântica, s.d.).

1.2. Aspectos Sócio-Econômicos do Desmatamento Recente da Mata Atlântica no Brasil

No século XX, a destruição da Mata Atlântica no Brasil acelerou-se exponencialmente

(ver Figura 1). Na primeira metade do século XX, a principal causa da destruição da Mata

Atlântica era o rápido crescimento da população. Entre 1900 e 1950, a população do sudeste

cresceu de sete milhões para vinte e dois milhões (Dean, 1996). Ao mesmo tempo, o país

industrializou-se e uma extensa malha de transporte cortando a Mata Atlântica facilitou a

exploração desordenada de madeira, a expansão do núcleo urbano e a abertura de novas áreas

de cultivo (Câmara, 2003).

Desde o período colonial, a abertura de novas áreas para o cultivo no Brasil é realizada

de uma forma extremamente perversa ao meio ambiente. De modo geral, o que se observa é a

prática de uma agricultura do tipo “lavoura de derrubada e queimada”, que, em seguida, dá

lugar à atividade pecuária. Dean coloca que, na metade do século XX, “não existia mais uma

“frente pioneira” distinta”, ainda que algumas faixas consideráveis de floresta existissem

dispostas de modo esparso. O autor explica que a destruição da floresta fora inevitável, pois a

agricultura, na maioria dos lugares, era praticada como antes, com queimada da floresta

primária seguida, mais cedo ou mais tarde, por pastagem de gado.

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Figura 1: Percentual de cobertura de Mata Atlântica por Estado, 1500/ 1995.

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

100,0

1500

1854

1886

1907

1912

1920

1930

1935

1937

1940

1947

1950

1952

1953

1955

1958

1959

1960

1961

1962

1965

1975

1978

1980

1985

1990

1995

% d

e co

bert

ura

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ata

Atlâ

ntic

a

Espírito SantoRio de JaneiroMinas GeraisSão PauloParanáSanta CatarinaRio Grande do Sul

Fonte: Young (2002)

A pecuária, contudo, caracteriza-se por ser uma atividade tipicamente pouco intensiva

em mão-de-obra, em contraste com as atividades de cultivo, o que implica em sérias

conseqüências do ponto de vista social. Young (2002) caracteriza o sistema de pecuária da

seguinte forma: “baixa produtividade e pouca demanda de mão de obra, com possibilidades

bastante restritas de geração de renda e alteração do status quo social”.

O desmatamento da Mata Atlântica no Brasil está, portanto, profundamente

relacionado à forma como a economia rural foi estabelecida no país. Atualmente, as pastagens

ocupam a maior parte da área economicamente aproveitada dos estabelecimentos agrícolas.

Nas regiões Nordeste e Sudeste do país, as pastagens respondem por mais da metade da área

total aproveitada, enquanto a área dedicada ao cultivo é cerca de metade deste percentual.

Apenas na região Sul, a área dedicada ao cultivo é semelhante àquela dedicada a pastagens

(ver figura.2).

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Figura. 2: Percentual de aproveitamento da área dos estabelecimentos agrícolas

(1995).

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10

20

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40

50

60

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Região Nordeste Região Sudeste Região Sul

Fonte: Young, 2002

Não obstante a pecuária ocupar mais da metade das áreas dos estabelecimentos

agrícolas, a geração de valor nesta atividade é significativamente menor que a da produção

vegetal. A tabela 2 apresenta o valor da produção por atividade nos estados das regiões

Sudeste e Sul- estados estes que concentram a maior parte das áreas de domínio de Mata

Atlântica. O que se vê é que existe uma grande desproporção entre a área ocupada pela

pecuária e sua contribuição para a geração de valor.

Ademais, a concentração fundiária é outro aspecto extremamente relevante para a

análise do desmatamento no Brasil. Esta é uma característica que marcou profundamente a

história econômica brasileira. O problema persiste até os dias de hoje, como apresenta Young

(2002): nas regiões Sudeste e Nordeste, os pequenos estabelecimentos (de até 50 hectares)

ocupam uma área total inferior a dos latifúndios (tamanho maior que 1000 hectares) e, mesmo

na região Sul, caracterizada por apresentar uma distribuição mais equilibrada, os

estabelecimentos de até duzentos hectares não alcançam metade da área total. Entretanto, os

dados referentes à distribuição do pessoal ocupado e ao valor da produção agrícola por

tamanho do estabelecimento, mostram que existe uma grande disparidade entre pequenas

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propriedades e latifúndios. Os estabelecimentos de até 50 hectares são responsáveis por 36 %

do valor da produção total e 76% do pessoal ocupado na agropecuária. Já os

estabelecimentos com mais de 1000 hectares ocupam apenas 3% da mão de obra da

agropecuária e geram 21% do valor, apesar de ocuparem 27% da área total (Young, 2002).

Nota-se então a existência de uma elite rural brasileira que se beneficia às custas da exclusão

de uma grande massa camponesa.

Tabela 2: Valor da produção por atividade, 1996 (R$ mil)

Valor da produção vegetal Valor da produção animal

Estado Valor da produção total

Total Apenas lavouras Total

Apenas animais de

grande porte

Espírito Santo 1.082.501 859.420 695.584 223.081 150.444

Minas Gerais 6.409.086 3.615.838 3.165.234 2.793.248 2.187.061

Rio de Janeiro 630.441 335.481 215.622 294.960 198.232

São Paulo 8.412.369 6.009.674 5.602.112 2.402.695 1.368.702

Paraná 5.562.875 3.724.668 3.438.159 1.838.207 877.738

Rio Grande do

Sul

6.169.907 3.854.115 3.585.874 2.315.792 1.104.976

Santa Catarina 3.270.471 1.601.137 1.379.296 1.669.333 343.603

Fonte: Young, 2002

Recentemente, a Bancada Ruralista, com interesses econômicos contrários à

preservação das florestas e detentores de poderoso lobby político junto ao Congresso

Nacional, iniciou uma campanha pelo abrandamento da legislação. A legislação atual prevê

que um percentual mínimo de floresta deve ser preservado em propriedades privadas. Para a

Mata Atlântica, este percentual é de 20%. Segundo os articuladores da discussão, o

desmatamento poderia ser justificado pelo fato deste processo promover o desenvolvimento

econômico e gerar empregos.

O desmatamento da Mata Atlântica é um processo bastante antigo. Além disso, restam

somente poucas áreas preservadas no bioma. As causas para o desmatamento em áreas com

essas características são distintas daquelas em que este processo é recente e há relativamente

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muito mais áreas preservadas, como é o caso da Amazônia. Young (2002) aponta que essa

diferenciação se reflete também nos indicadores de pressão sócio-econômica:

“(...) nas áreas onde a conversão da área florestada para outros fins é mais antiga e

acentuada, elementos como pressão demográfica e de atividades agrícolas tendem a ser

menos importantes ou mesmo irrelevantes, ao contrário das áreas incorporadas há pouco

tempo à fronteira agrícola.” (YOUNG, 2002: 6)

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CAPÍTULO II: DEFINIÇÃO DO OBJETIVO E A BASE DE DADOS

2.1 Histórico da Pesquisa

Entre 2001 e 2003, o Grupo de Economia Ambiental e Desenvolvimento Sustentável

do Instituto de Economia da UFRJ – o qual fiz parte durante o período como bolsista de

iniciação científica - , em conjunto com a Fundação SOS Mata Atlântica, desenvolveu a

pesquisa “Economia e Desmatamento: Aspectos Sócio-Econômicos da Ocupação da Mata

Atlântica”, com o intuito de examinar as relações teóricas e empíricas entre o contínuo

desmatamento nas áreas de domínio da Mata Atlântica e as características sócio-econômicas

dessas mesmas regiões. A motivação principal do trabalho era discutir até que ponto a

conversão recente de áreas florestadas tem efetivamente resultado em melhoria da qualidade

de vida das populações rurais. A hipótese levantada pela pesquisa era a de que o

desmatamento não é condição necessária para a criação de emprego no campo e/ou geração

de melhores condições de vida à população rural. Buscava-se refutar os argumentos

defendidos pela Bancada Ruralista do Congresso Nacional que justificariam a redução das

áreas mínimas de conservação em propriedades privadas prevista pelo Código Florestal

Brasileiro.

Para que as perseguidas relações fossem percebidas de forma mais clara, o trabalho foi

realizado utilizando-se variáveis a nível municipal. Procurava-se não dar espaço a certos tipos

de contra-argumentos que poderiam vir a surgir caso a análise se desse a nível estadual.

Possíveis contra-argumentos seriam os de que os dados, nesta última forma, estão em um

nível elevado de agregação, o que poderia fazer com que os resultados municipais

apresentassem tendências distintas a encontrada, e/ou de que alguns estados apresentam áreas

que não são de domínio da Mata Atlântica. O trabalho do Grupo destaca-se pelo fato da

análise realizada ter se dado a nível municipal, visto que jamais o tinham feito de tal forma.

No entanto, apesar da possibilidade de se obter informações mais conclusivas e

relevantes, a pesquisa, por basear-se em dados municipais, exigiu um árduo e longo processo

de tratamento dos mesmos, sendo esta a primeira de diversas etapas a serem seguidas. Para

seis estados das Regiões Sul e Sudeste do Brasil- Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,

São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo- foram coletados dados referentes às seguintes

variáveis: desmatamento total entre 1985-95 e indicadores econômicos- pessoal ocupado nos

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estabelecimentos agrícolas, efetivo de bovinos, utilização das terras para lavouras e pastagens-

dos Censos Agropecuários de 1985 e 1995/96.

Pelo fato da análise centrar-se no período 1985-95/6, o que figura um intervalo de dez

anos, muitos municípios foram criados durante o período analisado. A fim de tornar possível a

comparação entre as variáveis de 1985/95, os municípios com esta característica foram

reagreagados para a malha de 1985, ou seja, adotou-se a divisão territorial de 1985. Esta foi

uma importante etapa do trabalho e aquela que prolongou-se por mais tempo.

A etapa seguinte consistiu na organização de dados referentes às variações no período

1985-1995/96 das referidas variáveis. Posteriormente, a partir destes dados, os municípios

foram ordenados de forma decrescente de acordo com as variações observadas em cada uma

das variáveis e elaboraram-se rankings. Ou seja, aquele município que apresentou o maior

aumento, recebeu a primeira posição. Analogamente, ao de menor aumento, foi concedida a

última colocação. A justificativa para este procedimento está na dificuldade de se comparar as

variáveis dos Censos Agropecuários de anos distintos, dadas as mudanças metodológicas

sofridas5. Dessa forma, assumindo-se que tais alterações metodológicas se deram

uniformemente em cada um dos municípios pesquisados, foram tomadas por referências as

posições assumidas por cada um dos municípios nas variações em questão. Nesta etapa, foram

excluídos da análise todos os municípios que apresentaram desmatamento nulo, para se evitar

que municípios que não estivessem de fato em áreas de Domínio da Mata Atlântica fossem

considerados.

A terceira etapa contou com a construção de tabelas com os dez municípios líderes de

cada um dos rankings- desmatamento total, variação do pessoal ocupado, variação do efetivo

de bovino, variação da utilização de terras para a lavoura e pastagens- com suas respectivas

posições no ordenamento das outras variáveis pesquisadas. Os resultados desta etapa

referentes aos estados da Região Sul do país- ou seja, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e

Paraná- estão contidos em YOUNG (2002), “Is deforestation a solution for economic growth

in rural areas? Evidence from the Brazillian Mata Atlantic”, um dos primeiros trabalhos

acadêmico realizados com a base de dados de desmatamento elaborada pelo Grupo de

Pesquisa. Foram elaboradas cinco tabelas para cada um dos estados. Esta forma de

organização dos dados permitiu que importantes conclusões fossem obtidas. Não procurou-se,

contudo, exprimir uma relação de causalidade, partindo-se apenas para uma análise descritiva

dos resultados.

5 Young (2002) ressalta que, em particular, o censo mais recente (1995/96) é problemático visto ter sido executado em época diferente do ano, além de ter havido outras alterações no procedimento da pesquisa em relação aos censos anteriores.

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Constatou-se que, de forma geral, os municípios que mais desmataram também

caracterizaram-se por apresentar baixa performance nos demais indicadores, mostrando que,

no referido período, o desmatamento em tais municípios não foi acompanhado pela criação de

postos de trabalho no campo ou melhora dos outros indicadores econômicos. Esta dissociação

é ainda mais forte quando se trata apenas da questão do emprego rural - dos trinta municípios

analisados, apenas um apresentou variação positiva do número de pessoas empregadas em

atividades agropecuárias. Ou seja, somente neste município houve criação de emprego no

campo. Em relação às demais variáveis, apesar da dissociação ter se dado de forma menos

pronunciada, verificou-se que o processo de desmatamento foi, por muitas vezes,

concomitante a uma piora de tais indicadores. Por outro lado, tomando-se por referência

aqueles municípios que apresentaram as melhores posições relativas nos demais rankings,

notou-se que, mais uma vez de forma geral, os mesmos não apresentam altas taxas de

desmatamento, o que sinaliza que este processo não foi condição necessária para a geração de

emprego no campo ou para o crescimento econômico.

O referido exercício foi, numa fase posterior, estendido para mais três estados da

Região Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. As mesmas tendências foram

encontradas. Ou seja, mais uma vez o desmatamento esteve dissociado de uma melhora na

performance dos indicadores econômicos.

Apesar dos resultados obtidos, até então, claramente apontarem que existia uma

dissociação entre desmatamento e aumento da atividade agropecuária, reconhecia-se que

havia ainda a necessidade da realização de uma análise econométrica mais sofisticada.

Optou-se, entretanto, pela uso da Estatística. Dando continuidade ao trabalho, Andrade (2003)

engajou-se na aplicação de técnicas de Estatística Multivariada, tais como a Análise de

Grupamento e de Discriminante. Mais uma vez, os resultados apontaram para as seguintes

conclusões: o desmatamento foi acompanhado por perda no emprego rural, a pecuária foi a

atividade mais associada à devastação da floresta e que a conversão de áreas para lavoura não

foi muito significativo, enfim, que desmatamento e crescimento econômico caminharam em

lados opostos.

Visando complementar à referida pesquisa, o presente trabalho tem por objetivo

incorporar indicadores sociais à análise, com o intuito de examinar se existe alguma

correlação entre desmatamento e melhoria das condições de vida da população rural. Uma

relação positiva poderia servir de base de argumentação para aqueles que defendem o

desmatamento como sendo necessário para a promoção de melhorias na qualidade de vida da

população que vive no campo.

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Dadas as dificuldades de se trabalhar com indicadores sociais a nível municipal,

optou-se por utilizar a variável Índice de Desenvolvimento Humano Municipal- IDHM-,

contida no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (elaborado pelo Instituto de Pesquisa

em Economia Aplicada, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Fundação

João Pinheiro), para os anos de 1991 e 2000. Apesar de se estar trabalhando com os anos de

1991 e 2000, os dados referentes ao desmatamento continuam sendo tomados para o período

de 1985-95. A justificativa para adoção de tal método está no fato de que parece razoável

pensar que, ao menos no que tange a esfera social, os possíveis resultados do desmatamento

dar-se-iam a médio/ longo prazo. Novamente, fez-se necessária a compatibilização dos dados.

A divisão territorial adotada foi, mais uma vez, a de 1985, excluindo-se da análise todos os

municípios criados entre o período 1985-91.

É importante salientar que se reconhece a existência de uma deficiência nos dados: a

variável Índice de Desenvolvimento Humano Municipal não se restringe apenas às condições

de vida da população rural, já que também são consideradas as condições de vida da

população residente em áreas urbanas para a formulação de tal indicador. A utilização do

IDHM, contudo, revela-se uma proxy bastante significativa, uma vez que seria de se esperar

que um indicador restrito à esfera rural apresentasse comportamento um tanto semelhante, via

efeito multiplicador. Sendo assim, o exercício tomando por base este indicador parece ser

extremamente relevante, já que se mostra capaz de sinalizar se existe ou não a alegada relação

entre desmatamento e melhoria das condições de vida da população rural. Acreditamos que

trabalhos futuros poderão corrigir esta deficiência, concentrando-se apenas nas informações

referentes à população rural dos municípios.

A próxima seção apresenta a metodologia utilizada para a elaboração do Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal, destacando suas principais diferenças em relação à

metodologia adotada para o Índice de Desenvolvimento dos países.

2.2. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)

A criação de um índice sintético - redução de diversos indicadores a um único índice- ,

tal como o Índice de Desenvolvimento Humano, visa solucionar o problema de comparação

de duas comunidades, tais que uma delas apresenta melhor performance em alguns

indicadores básicos, porém pior em outros. Índices sintéticos não são neutros, já que

envolvem, necessariamente, a introdução de algum nível de arbítrio (PNUD, IPEA e FJP,

1998). Para se revelarem úteis para a orientação da tomada de decisões dos agentes públicos e

privados, os índices sintéticos devem ser de fácil compreensão e de produção sistemática.

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Originalmente, o Índice de Desenvolvimento Humano foi criado para medir o nível de

desenvolvimento humano dos países. Os indicadores utilizados são: alfabetização e taxa de

matrícula, referentes à dimensão educação; esperança de vida ao nascer, referente à dimensão

longevidade e PIB per capita, referente à dimensão renda. O índice pode variar de 0, que

equivale a nenhum desenvolvimento humano, até 1, que equivaleria ao desenvolvimento

humano total. Países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo, já

os países com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento

humano, enquanto países com IDH maior que 0,800 têm desenvolvimento humano

considerado alto.

Para aferir o nível de desenvolvimento humano de municípios, as mesmas dimensões

são analisadas- educação, longevidade e renda- entretanto, alguns dos indicadores utilizados

são diferentes. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta no

cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) são mais adequados para

avaliar as condições de núcleos sociais menores (Atlas de Desenvolvimento Humano, ).

São calculados índices específicos de cada uma das três dimensões analisadas: IDHM-

E, para educação; IDHM-L, para longevidade; e IDHM-R, para renda. Os valores de

referência mínimo e máximo de cada categoria são também equivalentes a, respectivamente, 0

e 1 para o cálculo do índice. O IDHM de cada município é obtido através da média aritmética

simples desses três sub-índices, isto é:

3R-IDHM L-IDHM E-IDHMIDHM ++

=

Dimensão Educação

Para a avaliação desta dimensão, o cálculo do IDH municipal considera dois

indicadores:

1. taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade (possui peso dois): o

percentual de pessoas com mais de 15 anos capaz de ler e escrever um bilhete simples6;

2. taxa bruta de freqüência à escola (possui peso um): o somatório de pessoas

(independentemente da idade) que freqüentam os cursos fundamental, secundário e superior

dividido pelo tamanho da população na faixa etária de 7 a 22 anos da localidade. Os alunos de

cursos supletivos de primeiro e de segundo graus, bem como os de classes de aceleração e de

pós-graduação universitária também são incluídos na conta, enquanto que as classes especiais

de alfabetização são descartadas do cálculo7.

6 A idade de 15 anos é tomada como referência para a medição do analfabetismo visto que Ministério da Educação indica que, se a criança não se atrasar na escola, ela irá concluir o ciclo aos 14 anos. 7 Esta faixa etária foi tomada por referência, uma vez que o calendário do Ministério da Educação considera que uma criança deve ingressar na escola aos 7 anos e que, aos 22 anos, o indivíduo conclua o ensino superior.

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Para medir o acesso à educação em grandes sociedades, como um país, a taxa de

matrícula nos diversos níveis do sistema educacional é um indicador suficientemente preciso.

Contudo, quando o foco está em núcleos sociais menores, como municípios, esse indicador

torne-se menos eficaz, já que os estudantes podem morar em uma cidade e estudar em outra,

distorcendo as taxas de matrícula. A freqüência à sala de aula revela-se, portanto, um melhor

indicador para a análise a nível municipal.

Dimensão Longevidade

No que se refere à dimensão longevidade, o IDH municipal considera o mesmo

indicador do IDH de países, ou seja, a esperança de vida ao nascer. Este indicador representa

o número médio de anos que uma pessoa nascida naquela localidade, no ano de referência,

deve viver, sintetizando as condições de saúde e salubridade daquele local. Todas as causas de

morte, tanto aquelas ocorridas em função de doenças, como as provocadas por causas

externas, são contempladas no cálculo ao indicador.

As estatísticas do registro civil revelam-se inadequadas para o cálculo do IDH

municipal. Desta forma, opta-se por técnicas indiretas para se chegar às estimativas de

mortalidade. A base são as perguntas do Censo sobre o número de filhos nascidos vivos e o

número de filhos ainda vivos na data em que o Censo foi feito, o que permite o cálculo de

proporções de óbitos. Uma equação transforma essas proporções em probabilidade. Estas

probabilidades são transformadas em tábuas de vida, de onde se passa a obter a esperança de

vida ao nascer em uma localidade.

Dimensão Renda

Em um município, pode ocorrer que parte da renda gerada se destine à remuneração de

indivíduos não-residentes. Desta forma, a renda gerada não constitui um bom indicador da

renda apropriada pela população local, como é para o caso do IDH. O critério utilizado é a

renda municipal per capita, ou seja, a renda média de cada residente no município: soma-se a

renda de todos os residentes e divide-se o resultado pelo número de pessoas que moram no

município, inclusive crianças ou pessoas com renda igual a zero.

A transformação da renda per capita para um índice exige uma série de cálculos.

Inicialmente, os valores máximo e mínino anuais, expressos em dólar PPC (Paridade Poder de

Compra), são convertidos para valores mensais expressos em reais. Em seguida, são

calculados os logaritmos da renda média municipal per capita e dos limites máximo e mínimo

de referência. O logaritmo é utilizado já que expressa melhor o fato de que um acréscimo de

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renda para os mais pobres é proporcionalmente mais relevante do que um acréscimo de renda

para os mais ricos. A fórmula para a obtenção do índice de renda municipal (IDHM-R) é a

seguinte:

mínimo) referência de(valor log máximo) referência de(valor logmínimo) referência de(valor log capita)per municipal média (renda log RIDH

--

=−

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CAPÍTULO III: DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO: UM EXERCÍCIO COM OS MUNICÍPIOS LÍDERES EM DESMATAMENTO NO PERÍODO 1985-95

Com o intuito de se verificar se o desmatamento da Mata Atlântica tem sido capaz de

melhorar as condições de vida da população, este capítulo apresenta um exercício que tomou

por referência os municípios que mais desmataram no período 1985-95. Da mesma forma que

realizado por YOUNG (2002), quando tratou apenas dos indicadores econômicos, o exercício

se baseou na elaboração de rankings para que, através da comparação da performance dos dez

municípios líderes em desmatamento, possa se constatar se a referida relação é observada ou

não.

3.1. Metodologia do Exercício:

Os exercícios contidos neste e no próximo capítulo foram baseados nos resultados do

Atlas da Evolução dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados no Domínio da

Mata Atlântica (elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica), para os períodos 1985-90 e

1990-95, e do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (elaborado pelo IPEA, PNUD e

Fundação João Pinheiro), para os anos de 1991 e 2000. As variáveis utilizadas estão listadas

no Quadro 1.

Quadro 1. Relação das Variáveis Utilizadas

Evolução dos Remanescentes Florestais de Mata Atlântica

Atlas de Desenvolvimento Humano

• Remanescentes de Mata Atlântica. • Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.

Foram englobados os municípios dos seguintes estados: Rio Grande do Sul, Santa

Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Novamente, houve a

necessidade de compatibilização das malhas municipais, visto que os dados de desmatamento

referem-se ao período 1985-95 e os de índices de desenvolvimento são de 1991 e 2000.

Adotou-se a divisão territorial de 1985 e, aqueles municípios criados entre 1985 e 1991,

foram excluídos da análise. O Quadro 2 apresenta o número total de municípios considerados

em cada um dos seis estados brasileiros.

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Quadro 2. Número de Municípios por Estado

Estado Número Total de Municípios

Rio Grande do Sul 168

Santa Catarina 178

Paraná 248

São Paulo 399

Rio de Janeiro 62

Espírito Santo 56

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal revela que as condições de vida da

população brasileira vêm melhorando substancialmente desde 1970. Neste ano, 91% dos

municípios brasileiros se classificavam como de baixo desenvolvimento humano.

Especificamente em relação aos municípios considerados por este trabalho, constata-se que

todos eles obtiveram índices maiores em 2000 quando comparados com os de 1991. Isto

significa que a totalidade dos municípios das Regiões Sul e Sudeste apresentaram uma

melhora, em termos absolutos, de suas condições de vida.

Desta forma, uma análise descritiva centrada meramente nas variações absolutas

apresentadas pelos municípios não seria válida, já que não se perceberia a verdadeira

magnitude desta variação. A análise seguida neste capítulo, portanto, se deu em termos

relativos, ou seja, comparando-se as posições relativas alcançadas pelos municípios nos dois

anos em questão. Para tal, os municípios foram ordenados de forma decrescente de acordo

com o valor do índice em cada um dos anos em questão. Esta ordenação permitiu a elaboração

de rankings com as classificações dos municípios em cada um dos anos tomados por

referência. Quanto menor o valor do índice obtido pelo município, pior é o seu nível de

desenvolvimento humano e, por conseqüência, sua posição relativa no ranking.

A partir do trabalho realizado por Young (2002), foram selecionados os dez

municípios que mais desmataram em termos absolutos nos estados analisados. Seis tabelas

foram construídas- uma para cada estado- com as informações dos respectivos municípios.

3.2. Análise dos Resultados

Conforme já destacado anteriormente, nesta seção, será feita uma breve análise

descritiva, com o intuito de se verificar se, para os municípios em questão, existe uma relação

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entre desmatamento e melhora das condições de vida da população rural, usando-se como

proxy o comportamento apresentado pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. De

forma geral, havendo uma tendência de melhora das posições relativas ocupadas pelos

municípios entre 1991 e 2000, o argumento de que o desmatamento gera, em contrapartida,

uma melhora das condições de vida da população rural poderia ser sustentado.

3.2.1. Rio Grande do Sul

Os dados referentes ao nível de desenvolvimento humano municipal mostram que, dos

dez municípios que mais desmataram no período 1985-95 no Rio Grande do Sul, apenas um

deles se apresentou melhor colocado em 2000 do que em 1991 (Tabela 3). Foi o município de

Esmeralda, que passou da 145ª posição para a 119ª. Além dele, Caxias do Sul manteve a

mesma colocação nos dois anos em questão. Os outros oito municípios restantes, contudo,

apresentaram piora. Nota-se, portanto, que o desmatamento não esteve associado à geração de

melhores condições de vida à população neste estado, ao menos, nos municípios onde a perda

de área florestal foi mais acentuada..

Tabela 3: Municípios Líderes em Desmatamento, no Rio Grande do Sul, no período 1985-95. 1991 2000

Município IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

Vacaria 0,777 0,807 0,665 0,750 54 0,791 0,883 0,734 0,803 74 São Francisco de Paula 0,678 0,762 0,641 0,694 133 0,733 0,851 0,687 0,757 141 Bom Jesus 0,663 0,758 0,607 0,676 151 0,733 0,853 0,665 0,750 151 Lagoa Vermelha 0,678 0,807 0,623 0,703 124 0,725 0,859 0,699 0,761 137 Nova Prata 0,780 0,855 0,698 0,778 15 0,814 0,935 0,769 0,839 17 Pelotas 0,736 0,868 0,698 0,767 27 0,749 0,922 0,748 0,806 70 Canguçu 0,693 0,709 0,587 0,663 156 0,749 0,813 0,638 0,733 160 São Lourenço do Sul 0,736 0,793 0,650 0,726 95 0,777 0,868 0,685 0,777 121 Esmeralda 0,764 0,729 0,552 0,682 145 0,837 0,853 0,646 0,779 119 Caxias do Sul 0,756 0,858 0,764 0,793 4 0,818 0,945 0,807 0,857 4

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano

Além disso, outro aspecto que merece ser destacado é o fato de que a maioria dos

municípios gaúchos listados assume algumas das colocações mais baixas no IDHM do estado

em 2000. Seis deles situam-se entre os 30% piores colocados no ano: São Francisco de Paula,

Bom Jesus, Lagoa Vermelha, Canguçu, São Lourenço do Sul e Esmeralda.

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3.2.2 Santa Catarina

Em Santa Catarina, dos dez municípios analisados, seis melhoram suas posições

relativas, contudo; o único caso de destaque é Campos Novos, que conseguiu melhorar mais

de quarenta posições - passou da 153ª colocação para a 105ª (Tabela 4). Com o município de

Mafra, ocorreu justamente o contrário: perdeu mais de quarenta posições, passando a ocupar o

81º lugar. Os demais municípios apresentaram mudanças bem menos significativas, não

havendo, portanto, uma tendência de melhora das posições alcançadas pelos municípios

analisados. Sendo assim, mesmo em Santa Catarina, não parece claro que o processo de

desmatamento esteve associado à geração de melhores condições de vida da população.

Salienta-se ainda o fato de que grande parte dos municípios do estado, tanto em 1991

como em 2000, obtiveram alguns dos menores índices do estado. Santa Cecília e Itaiópolis

destacam-se por estarem entre os 10 % de pior classificação.

Tabela 4: Municípios Líderes em Desmatamento, em Santa Catarina, no período 1985-95. 1991 2000

Município IDH

M-L IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

Itaiópolis 0,643 0,753 0,556 0,651 172 0,732 0,867 0,617 0,739 170

Abelardo Luz 0,792 0,709 0,590 0,697 139 0,829 0,822 0,685 0,779 131

Canoinhas 0,673 0,807 0,608 0,696 142 0,749 0,896 0,697 0,781 128

Lages 0,699 0,822 0,671 0,731 67 0,783 0,914 0,743 0,813 58

Santa Cecília 0,693 0,718 0,611 0,674 161 0,768 0,829 0,644 0,747 166

Indaial 0,818 0,826 0,697 0,780 10 0,825 0,921 0,747 0,831 26

Mafra 0,802 0,819 0,623 0,748 37 0,827 0,892 0,693 0,804 81

Campos Novos 0,693 0,746 0,622 0,687 153 0,817 0,872 0,695 0,795 105

Taió 0,722 0,789 0,652 0,721 87 0,813 0,894 0,719 0,809 72

Ibirama 0,808 0,813 0,647 0,756 29 0,850 0,900 0,727 0,826 31

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano

3.2.3 Paraná

Para o estado do Paraná, comparando-se a posição alcançada pelo município no ano de

1991 com a ocupada em 2000, percebe-se, de modo geral, uma relação entre desmatamento e

piora relativa dos indicadores de desenvolvimento (Tabela 5). Os dez municípios que mais

desmataram no Paraná, seis deles se encontram pior classificados quando comparados à sua

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posição relativa em 1991. Destes, três merecem destaque: Quedas do Iguaçu, Castro e

Guarapuava.

Tabela 5: Municípios Líderes em Desmatamento, no Paraná, no período 1985-95. 1991 2000

Município IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

Laranjeiras do Sul 0,609 0,763 0,651 0,675 114 0,737 0,848 0,673 0,753 115

Quedas do Iguaçu 0,724 0,748 0,573 0,682 91 0,737 0,839 0,664 0,747 125

Tibagi 0,603 0,653 0,541 0,599 247 0,668 0,774 0,615 0,685 245

Castro 0,646 0,718 0,661 0,675 113 0,686 0,842 0,681 0,736 155

Guarapuava 0,680 0,780 0,659 0,706 36 0,713 0,886 0,720 0,773 64

Cascavel 0,668 0,817 0,705 0,730 7 0,743 0,937 0,749 0,810 8

Catanduvas 0,627 0,691 0,589 0,636 199 0,703 0,806 0,641 0,717 194

Palmas 0,651 0,743 0,643 0,679 98 0,716 0,806 0,689 0,737 153

Mangueirinha 0,651 0,718 0,529 0,633 206 0,790 0,822 0,651 0,755 105

Teixeira Soares 0,613 0,769 0,583 0,655 158 0,718 0,855 0,641 0,738 150

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano

É importante destacar que, em 2000, a maior parte destes municípios -o que inclui até

mesmo aqueles que tiveram suas posições relativas melhoradas- caracterizam-se por situaram-

se entre os 50% que apresentam os menores índices do estado no ano. Os municípios que mais

desmataram durante o período 1985-95 estão, portanto, dentre aqueles considerados de pior

nível de desenvolvimento do estado do Paraná em 2000, o que sinaliza que a perda de áreas

florestadas no estado não foi suficiente para criar condições para a promoção do

desenvolvimento em tais municípios.

A única importante exceção é o caso do município de Mangueirinha, que foi o nono

que mais desmatou e ainda conseguiu melhorar sua posição relativa de forma bastante

significativa (em 1991, ocupava a 206ª posição e, em 2000, a 105ª). De forma geral, no

entanto, não é possível sustentar como verdadeiro o argumento de que o desmatamento da

Mata Atlântica resulta em uma melhora das condições de vida da população.

3.2.4. São Paulo

O estado de São Paulo talvez seja o maior exemplo de que mais um dos argumentos

defendidos pela Bancada Ruralista do Congresso Nacional - o de que o desmatamento está

associado à geração de melhorias nas condições de vida da população - não se verifica

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empiricamente. Nenhum dos dez municípios que mais perderam áreas de florestas apresentou

melhora na posição relativa em 2000 quando comparada com à ocupada em 1991. Podem ser

destacados casos de municípios que apresentaram uma sensível piora: Registro, Moji das

Cruzes e Sete Barras (Tabela 6).

Tabela 6: Municípios Líderes em Desmatamento, em São Paulo, no período 1985-95.

1991 2000

Município IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

Iguape 0,711 0,767 0,627 0,702 287 0,720 0,864 0,688 0,757 314

Registro 0,695 0,816 0,688 0,733 151 0,743 0,869 0,719 0,777 218

Sete Barras 0,743 0,741 0,630 0,705 273 0,763 0,812 0,619 0,731 375

Teodoro Sampaio 0,695 0,763 0,657 0,705 271 0,739 0,836 0,696 0,757 313

Moji das Cruzes 0,697 0,850 0,737 0,762 58 0,725 0,910 0,767 0,801 111

Barra do Turvo 0,644 0,609 0,532 0,595 398 0,670 0,755 0,563 0,663 398

Juquiá 0,648 0,778 0,615 0,680 351 0,722 0,824 0,679 0,742 358

Eldorado 0,662 0,742 0,644 0,682 345 0,743 0,823 0,633 0,733 374

Ribeira 0,613 0,712 0,542 0,622 394 0,673 0,780 0,580 0,678 397

Jacupiranga 0,695 0,797 0,640 0,711 243 0,743 0,830 0,706 0,759 303

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano

O município de Registro ocupava a 151ª posição em 1991, o que significa dizer que

estava acima da metade superior da classificação no ano. No entanto, em 2000, perdeu 67

posições e passou a representar o 218º lugar do ranking. Moji das Cruzes encontrava-se

colocado acima do quartil superior (58ª posição), contudo, em 2000, após perder 53 colações,

lhe foi concedido o 111º lugar. No caso do município de Sete Barras, a diferença é ainda mais

gritante. O município perdeu mais de 100 posições. Da 273ª colocação ocupada em 1991,

passou a ocupar a 375ª posição em 2000, situando-se entre os 7% municípios piores

colocados no estado neste ano.

Ademais, em 2000, oito dos dez municípios listados situam-se no quartil inferior da

classificação, ou seja, estão entre os 25% de pior classificação do estado para o ano. Grandes

destaques são Barra do Turvo e Ribeira, que obtiveram, respectivamente, a segunda e a

terceira pior classificação do estado em 2000.

2.3.5. Rio de Janeiro

Mais uma vez, o que se percebe ao se analisar os resultados para o estado do Rio de

Janeiro é que, de forma geral, aqueles que mais desmataram apresentam piora em suas

colocações, ou estas não se alteram, quando são comparadas as posições alcançadas em 1991

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com as de 2000. A exceção mais importante é Teresópolis que, de 1991 para 2000, conseguiu

ganhar quinze posições, passando a ser o décimo melhor classificado município do estado em

2000 (Tabela 7).

Assim como ocorrido em outros estados, no Rio de Janeiro, os municípios que mais

desmatam caracterizam-se por apresentarem os mais baixos índices de desenvolvimento

humano do estado. Em 2000, cinco destes municípios encontram-se entre os 30% de pior

classificação.

Tabela 7: Municípios Líderes em Desmatamento, no Rio de Janeiro, no período 1985-95. 1991 2000

Município IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

IDHM-L

IDHM-E

IDHM-R

IDH-M

Classificação na UF

Trajano de Morais 0,719 0,678 0,550 0,649 56 0,749 0,755 0,665 0,723 57 Macaé 0,663 0,806 0,719 0,729 8 0,710 0,889 0,770 0,790 11 Santa Maria Madalena 0,719 0,715 0,558 0,664 49 0,749 0,794 0,660 0,734 51 Nova Friburgo 0,698 0,801 0,707 0,736 7 0,788 0,885 0,758 0,810 4 Campos dos Goytacazes 0,625 0,778 0,648 0,684 33 0,697 0,867 0,693 0,752 40 Bom Jardim 0,644 0,680 0,634 0,652 55 0,722 0,788 0,689 0,733 52 Petrópolis 0,719 0,818 0,716 0,751 5 0,751 0,888 0,773 0,804 7 Sumidouro 0,644 0,597 0,619 0,620 61 0,747 0,717 0,672 0,712 61 Teresópolis 0,649 0,768 0,682 0,700 25 0,751 0,861 0,758 0,790 10 Sapucaia 0,680 0,719 0,609 0,669 44 0,730 0,801 0,694 0,742 44

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano

2.3.6. Espírito Santo

Para o estado do Espírito Santo, não existe uma tendência clara, como em estados

apresentados anteriormente, entre desmatamento e o comportamento relativo dos índices de

desenvolvimento humano. Assim como há casos de melhoras sensíveis, tais como os

municípios de Ibiraçu (da 20ª posição, passou a ocupar a 6ª) e Mimoso do Sul (ganhou

dezesseis posições, passando da 39ª para a 23ª posição), também são observados casos de

municípios onde o contrário ocorreu, como Jaguaré (que passou a ter a oitava pior

classificação do estado). De forma geral, contudo, as posições relativas não se alteraram

muito. Sendo assim, mesmo para o estado do Espírito Santo, o argumento de que o

desmatamento da Mata Atlântica gera, em contrapartida, melhora das condições de vida da

população que dele se beneficia parece não ser aplicável (Tabela 8).

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Tabela 8: Municípios Líderes em Desmatamento, no Espírito Santo, no período 1985-95. 1991 2000

Município IDH

M-L

IDH

M-E

IDH

M-R

IDH-

M

Classificação

na UF

IDH

M-L

IDH

M-E

IDH

M-R

IDH-

M

Classificação

na UF

Linhares 0,656 0,747 0,621 0,675 17 0,719 0,852 0,700 0,757 15 Mimoso do Sul 0,686 0,668 0,543 0,632 39 0,767 0,814 0,645 0,742 23 São Mateus 0,563 0,727 0,634 0,641 33 0,665 0,843 0,680 0,730 30 Colatina 0,724 0,764 0,633 0,707 3 0,762 0,847 0,709 0,773 7 Jaguaré 0,555 0,700 0,625 0,627 41 0,635 0,793 0,644 0,691 48 Ibiraçu 0,630 0,760 0,612 0,667 20 0,760 0,865 0,714 0,780 6 Santa Leopoldina 0,723 0,658 0,528 0,636 37 0,752 0,772 0,609 0,711 40 Ecoporanga 0,602 0,633 0,555 0,597 49 0,681 0,793 0,612 0,695 46 Barra de São Francisco 0,584 0,690 0,552 0,609 47 0,663 0,794 0,645 0,701 45 Santa Teresa 0,746 0,715 0,625 0,696 5 0,831 0,827 0,708 0,789 4

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano

As características dos municípios que integram a lista dos líderes em desmatamento no

Espírito Santo também são variadas. Enquanto três municípios encontram-se muito bem

colocados em termos relativos em 2000- Santa Tereza, com a quarta colocação; Ibiraçu, em

sexto e Colatina, com a sétima posição- outros quatro destacam-se justamente pelo contrário:

Santa Leopoldina, Barra de São Francisco, Ecoporanga e Jaguaré ocupam, respectivamente, a

40ª, 45ª, 46ª e 48ª colocação (estes municípios estão entre os 30% de pior classificação do

estado em 2000).

Ainda que sem uma análise estatística mais profunda, as análises contidas neste

capítulo permitem que se chegue a importantes constatações. De modo geral, em alguns

estados de forma mais clara do que em outros, nota-se que, tomando por base os indicadores

sociais dos municípios que mais desmataram em termos absolutos em cada um dos estados,

existe uma dissociação entre desmatamento e melhoria das condições de vida da população. A

destruição da Mata Atlântica foi, em grande parte, acompanhado por uma piora ou constância

de tais indicadores em termos relativos, o que sinaliza que a perda de floresta não tem sido

suficiente para garantir que a população rural seja contemplada por uma melhora de suas

condições de vida.

Outro aspecto que se mostra extremamente relevante é o fato de que grande parte dos

municípios analisados apresentam, em termos relativos, alguns dos piores índices de

desenvolvimento humano do estado. Isto ocorre tanto para 1991 como para 2000: dos sessenta

municípios estudados, em 1991, trinta e quatro deles concentram-se entre os 50% de pior

classificação e, em 2000, este número sobe para quarenta e sete. Sendo assim, os resultados

parecem apontar que os remanescentes de Mata Atlântica vêm sendo destruídos de forma

mais acentuada justamente em municípios caracterizados por apresentarem baixos níveis de

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desenvolvimento. É bem provável que, nestes municípios, o desmatamento tenha sido visto

como uma saída a esta situação. Todavia, de acordo com os resultados, o processo não foi

capaz de melhorar as condições de vida da população e promover o desenvolvimento. Muitos

foram os casos de municípios que apresentaram piora de sua posição relativa - dos sessenta,

trinta e três municípios se encaixam neste perfil.

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CAPÍTULO IV: DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO: UM TESTE ECONOMÉTRICO

A análise contida no capítulo anterior sinaliza que, de modo geral, para os municípios

que mais desmataram no período 1985-95, o processo de destruição da floresta não resultou

na melhora da posição alcançada pelo município no ranking elaborado para o ano de 2000. Os

resultados são, portanto, contrários aos argumentos utilizados por ruralistas de que o processo

de desmatamento estaria associado à melhora das condições de vida da população rural, o que

justificaria então a redução da área mínima de preservação em propriedades privadas.

Contudo, um possível contra-argumento para os resultados apresentados no capítulo

anterior seria o de que a análise centrou-se exclusivamente nos casos “críticos”, o que poderia

fazer com que, ao se procurar uma relação mais geral, o resultado encontrado fosse distinto.

Além disso, conforme colocado no capítulo anterior, a análise foi realizada de forma

meramente descritiva, o que a deixa sem um tratamento estatístico mais consistente. Dessa

forma, com intuito de sofisticar e ampliar a análise, foi realizado mais um exercício, só que,

desta vez, englobando-se todos os municípios.

3.1. Metodologia O exercício que será apresentado a seguir buscou verificar se o desmatamento da Mata

Atlântica é, de fato, uma condição necessária para a geração de melhores condições de vida

para as populações que se beneficiam deste processo. Para tal, mais uma vez, foram

contrastados dados referentes ao desmatamento ocorrido nos municípios das Regiões Sul e

Sudeste do Brasil no período 1985-95 com os índices de Desenvolvimento Humano obtidos

pelos mesmos nos anos de 1991 e 2000.

Optou-se pela regressão do seguinte modelo linear:

Y = α + β X + ε

Onde:

Y = variação absoluta do índice de desenvolvimento municipal entre os anos 1991 e 2000; X = variação absoluta do desmatamento entre os períodos 1985-90 e 1990-95; β = coeficiente de declividade; α = coeficiente de intercepto; ε = erro aleatório.

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Ou seja, tomando-se o desmatamento como variável explicativa, foi verificado se é

possível atribuir a este processo a melhora dos índices de desenvolvimento humano obtidos

pelos municípios. A obtenção de um estimador com baixo nível de significância corroboraria

a hipótese sustentada por este trabalho, uma vez que não se rejeitaria a hipótese nula (H 0 : β =

0). A não rejeição da hipótese nula sinaliza que não há uma relação de causalidade entre o

desmatamento e o aumento do IDHM.

Optou-se por trabalhar com o modelo apresentado em virtude das características da

base de dados: grande número de observações, número reduzido de variáveis e apenas dois

instantes no tempo. Para a regressão, foram calculadas as variações absolutas do

desmatamento, entre os períodos 1985-90 e 1990-95, e do índice, entre 1991 e 2000. A

questão ficou então colocada da seguinte forma: o aumento do desmatamento no período

1990-95, em comparação com o ocorrido entre 1985 e 1990, explica a melhora do índice de

Desenvolvimento Humano Municipal em 2000?

A regressão foi rodada no programa E-VIEWS® . Os resultados para o teste de

significância de β foram obtidos por estado e estão contidos na tabela 9.

É importante destacar que se reconhece que este modelo é um tanto simplista e que um

tratamento mais apurado dos dados tornaria o trabalho mais preciso.

3.2. Análise dos Resultados

Ao se rodar a regressão no programa E-VIEWS® , os seguintes resultados para o teste de

significância de β foram obtidos (Tabela 9):

Tabela 9: Resultados

Estado Estimativa Estatística- t P-valor R2

Rio Grande do Sul -1.95E-07 -0.119229 0.9052 0.000086

Santa Catarina -1.49E-06 -1.260585 0.2091 0.008948

Paraná 1.14E-06 0.990132 0.3230 0.003830

São Paulo -1.40E-06 -0.762862 0.4460 0.001464

Rio de Janeiro 2.23E-07 0.263338 0.7932 0.001154

Espírito Santo 4.23E-06 1.193540 0.2379 0.025702 Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Atlas de Remanescentes Florestais e do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil

O teste de significância é um procedimento pelo qual os resultados da amostra são

usados para verificar a validade ou a falsidade de uma hipótese nula (H0). A decisão de aceitar

ou não H0 é tomada com base no valor da estatística teste obtida com os dados disponíveis. A

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hipótese nula H0: β = 0, comumente testada em trabalhos empíricos, tem por objetivo verificar

se Y, a variável explicativa, tem realmente uma relação com X, a variável explicada.

Neste trabalho, foi testado se o desmatamento tem relação com a melhora dos índices

de desenvolvimento. Esta hipótese nula é facilmente testada pelas abordagens do intervalo de

confiança ou do teste t, porém esta formalidade pode ser simplificada pela adoção da regra de

significância “2 - t”, enunciada a seguir:

Regra Prática “2 – t”. “ Se o número de graus de liberdade for 20 ou mais, e se α, o

nível de significância, for estabelecido em 0,05, então a hipótese nula β = 0 pode ser

rejeitada se o valor t for maior que 2 em valor absoluto.” 8

A terceira coluna da tabela apresenta os valores encontrados para a estatística t. A

regra enunciada acima pode ser utilizada, uma vez que, para todos os estados, o número de

graus de liberdade é superior a 20. Nota-se, portanto, que não é possível rejeitar a hipótese

nula. Para todos os estados, o valor t encontrado é menor do que 2, o que indica que o

desmatamento não explica a melhora do nível de desenvolvimento dos municípios.

A regra prática “2 – t”, contudo, é baseada no estabelecimento do nível de

significância em 0,05. O p-valor (valor da probabilidade) é definido como o mais baixo nível

de significância com o qual a hipótese nula pode ser rejeitada. Ou seja, o p-valor é a uma

probabilidade que corresponde a duas vezes a área limitada à direita ou à esquerda da

distribuição t- Student, conforme o valor da estatística t se verifique positivo ou negativo. Ao

se realizar um teste bilateral, delimita-se a região crítica através de dois intervalos do tipo ( -∝

, a) e ( b, ∝) e, mentalmente, se verifica o resultado. Julgando-se um nível de significância

razoável, basta compará-lo com o p-valor. Se o valor imaginado para o nível de significância

superar o p-valor, a hipótese nula é rejeitada.

Assumindo-se como razoável o nível de significância de 0,10 (e não mais 0,05, como

na regra prática “2 – t”), observa-se que, pela tabela, a hipótese nula não é rejeitada para

nenhum dos estados. Ou seja, o desmatamento não explica a variação no IDHM. O mais

baixos dos p-valores foi encontrado para Santa Catarina – p-valor igual a 20,91 - porém, ainda

assim, este valor é mais que o dobro daquele que rejeitaria a hipótese nula.

O coeficiente de determinação (R2) mede o grau de ajuste do modelo Sua interpretação

é bastante simples. Valores próximos de zero, indicam que o grau de ajustamento do modelo

não está bom, enquanto valores próximos de um figuram o caso contrário. Um obstáculo para

o emprego desta estatística está no fato de seu critério ser um tanto arbitrário. Entretanto, para

8 Ao examinar a tabela de t, nota-se que, para aproximadamente 20 ou mais graus de liberdade, um valor t que exceder 2 (em termos absolutos) é estatisticamente significante em nível 5%, implicando a rejeição da hipótese nula (Gujarati, p.119)

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todos os estados, os valores obtidos caracterizam-se por serem extremamente pequenos, não

deixando dúvidas quanto ao baixo grau de ajustamento do modelo.

Os resultados deste capítulo mostram, portanto, que o aumento do desmatamento no

período 1990-95, em comparação com o período 1985-90, não é capaz de explicar a melhora

dos índices de Desenvolvimento Humano obtidos pelos municípios em 2000. Em outras

palavras, não há evidência estatística de que a perda de áreas de Mata Atlântica tenha gerado

mais desenvolvimento nos municípios onde ocorreu no período 1985/95.

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CONCLUSÕES

O desmatamento da Mata Atlântica no Brasil está profundamente relacionado à forma

como a economia rural foi estabelecida no país. De modo geral, o que se tem é a prática de

uma agricultura do tipo “lavoura de derrubada e queimada”, que, em seguida, dá lugar à

atividade pecuária. Atualmente, as pastagens ocupam a maior parte da área economicamente

aproveitada dos estabelecimentos agrícolas. No entanto, a pecuária caracteriza-se por ser uma

atividade tipicamente pouco intensiva em mão-de-obra, em contraste com as atividades de

cultivo. A destruição da floresta, portanto, não tem sido capaz de assegurar uma estrutura

social justa no país.

Ademais, a concentração fundiária é gritante no país. De um lado, grandes

proprietários com a maioria das terras, do outro, uma enorme massa de trabalhadores rurais

sem acesso a elas. A elite rural se beneficia às custas da exclusão de uma grande massa

camponesa. Ainda não satisfeitos com tamanha distorção, os “ruralistas” recentemente

iniciaram uma campanha no Congresso Nacional pelo abrandamento da legislação.

Argumentavam que o desmatamento gera, em contrapartida, melhores condições de vida à

população rural e que, sendo assim, dever-se-ia reduzir a área mínima de conservação prevista

por lei.

Este trabalho teve por objetivo verificar se a referida relação é verdadeira ou não. Dois

exercícios foram realizados a partir de dados sobre desmatamento e dos Índices de

Desenvolvimento Humano.

O primeiro exercício, baseado na performance dos dez municípios que mais

desmataram em cada um dos estados, no período 1985-95, revela que a maior parte deles

caracteriza-se por apresentar uma piora ou constância, em termos relativos, de seus níveis de

desenvolvimento. Dessa forma, não se pode dizer que, nos municípios de maior

desmatamento, este processo gerou melhores condições de vida à população rural. O

argumento da Bancada Ruralista não se verificou empiricamente ao se tomar por referência os

municípios que mais desmataram.

Justamente por basear-se apenas na performance dos municípios líderes em

desmatamento, ou seja, em casos “críticos”, o exercício anterior poderia dar espaço a certos

tipos de contra-argumentos, como o de que, se a análise fosse feita de forma mais geral, o

resultado seria distinto. O segundo exercício, que englobou todos os municípios analisados,

visou dar fim a este espaço de contra-argumentação.

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A regressão do modelo linear simples, apesar de um tanto simplista por não utilizar

um indicador social estritamente relacionado à população rural, mostrou que existe uma

dissociação entre o processo de desmatamento e a geração de melhores condições de vida.

Tomando-se o desmatamento como variável explicativa e a melhora no índice de

Desenvolvimento Humano Municipal como variável explicada, verificou-se que não existe

uma relação entre ambos. O aumento do desmatamento no período 1990-95, em comparação

com o período 1985-90, não é capaz de explicar a melhora dos índices de Desenvolvimento

Humano obtidos pelos municípios em 2000.

Dessa forma, o argumento de que o processo de desmatamento acarreta a melhora das

condições de vida da população rural não se mostra cabível, uma vez que não foi

empiricamente constatado. Verificou-se, na realidade, que não existe uma relação de

causalidade entre ambos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MYERS et alli Relatórios Técnicos Temáticos de Biodiversidade do Subprojeto "Avaliação e

Ações Prioritárias para a Conservação dos Biomas Floresta Atlântica e Campos

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Edited by Carlos Galindo-Leal and Ibsen de Gusmão Câmara. Center for Applied

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SIMÕES, L.L., Políticas proativas e processos participativos: necessidades para o bom

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YOUNG, C.E.F., Economia do Extrativismo em áreas de Mata Atlântica. In (eds):

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www.sosmataatlantica.org,br

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ANEXO Resultados obtidos pelo E-VIEWS®: Rio Grande do Sul Dependent Variable: IDH Method: Least Squares Date: 01/14/00 Time: 16:09 Sample: 1 168 Included observations: 168

Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C 0.069047 0.001341 51.50266 0.0000

DESM -1.95E-07 1.64E-06 -0.119229 0.9052R-squared 0.000086 Mean dependent var 0.069056Adjusted R-squared -0.005938 S.D. dependent var 0.017297S.E. of regression 0.017349 Akaike info criterion -5.258759Sum squared resid 0.049963 Schwarz criterion -5.221569Log likelihood 443.7358 F-statistic 0.014216Durbin-Watson stat 1.996897 Prob(F-statistic) 0.905238

Santa Catarina Dependent Variable: IDH Method: Least Squares Date: 01/14/00 Time: 17:53 Sample: 1 178 Included observations: 178

Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C 0.077566 0.001209 64.13785 0.0000

DESM -1.49E-06 1.18E-06 -1.260585 0.2091R-squared 0.008948 Mean dependent var 0.077867Adjusted R-squared 0.003317 S.D. dependent var 0.015843S.E. of regression 0.015817 Akaike info criterion -5.444298Sum squared resid 0.044031 Schwarz criterion -5.408547Log likelihood 486.5425 F-statistic 1.589075Durbin-Watson stat 1.992410 Prob(F-statistic) 0.209127

Paraná Dependent Variable: IDH Method: Least Squares Date: 01/14/00 Time: 16:35 Sample: 1 257 Included observations: 257

Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C 0.079689 0.001101 72.40281 0.0000

DESM 1.14E-06 1.15E-06 0.990132 0.3230R-squared 0.003830 Mean dependent var 0.079441Adjusted R-squared -0.000077 S.D. dependent var 0.017182S.E. of regression 0.017183 Akaike info criterion -5.282081Sum squared resid 0.075287 Schwarz criterion -5.254462Log likelihood 680.7475 F-statistic 0.980361Durbin-Watson stat 2.061454 Prob(F-statistic) 0.323048

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Page 41: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, POBREZA E … · mitos passam a ser aceitos. Um destes argumentos, defendido pela Bancada Ruralista do Congresso Nacional, é o ... Espírito Santo, Bahia,

São Paulo Dependent Variable: IDH Method: Least Squares Date: 01/15/04 Time: 15:24 Sample: 1 399 Included observations: 399 Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C 0.059448 0.000809 73.44765 0.0000 DESM -1.40E-06 1.84E-06 -0.762862 0.4460 R-squared 0.001464 Mean dependent var 0.059442Adjusted R-squared -0.001051 S.D. dependent var 0.016158S.E. of regression 0.016167 Akaike info criterion -5.406720Sum squared resid 0.103761 Schwarz criterion -5.386725Log likelihood 1080.641 F-statistic 0.581959Durbin-Watson stat 2.081983 Prob(F-statistic) 0.445999

Rio de Janeiro Dependent Variable: IDH Method: Least Squares Date: 01/14/00 Time: 18:02 Sample: 1 62 Included observations: 62

Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C 0.073077 0.002543 28.73199 0.0000

DESM 2.23E-07 8.46E-07 0.263338 0.7932R-squared 0.001154 Mean dependent var 0.073490Adjusted R-squared -0.015493 S.D. dependent var 0.015639S.E. of regression 0.015760 Akaike info criterion -5.431008Sum squared resid 0.014902 Schwarz criterion -5.362391Log likelihood 170.3613 F-statistic 0.069347Durbin-Watson stat 1.827829 Prob(F-statistic) 0.793193

Espírito Santo Dependent Variable: IDH Method: Least Squares Date: 01/15/04 Time: 15:18 Sample(adjusted): 1 56 Included observations: 56 after adjusting endpoints Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C 0.082573 0.002583 31.96588 0.0000 DESM 4.23E-06 3.54E-06 1.193540 0.2379 R-squared 0.025702 Mean dependent var 0.083410 Adjusted R-squared 0.007660 S.D. dependent var 0.018676 S.E. of regression 0.018604 Akaike info criterion -5.095777 Sum squared resid 0.018691 Schwarz criterion -5.023443 Log likelihood 144.6817 F-statistic 1.424539 Durbin-Watson stat 1.785493 Prob(F-statistic) 0.237875

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