Desenvolvimento Tecnológico Por Origem De Capital No Brasil ...

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2 GRAZIELA FERRERO ZUCOLOTO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL: P&D, PATENTES E INCENTIVOS PÚBLICOS Tese apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do Título de Doutor. Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Cassiolato RIO DE JANEIRO 2009

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GRAZIELA FERRERO ZUCOLOTO

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL:

P&D, PATENTES E INCENTIVOS PÚBLICOS

Tese apresentada ao Instituto de Economia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do Título de Doutor.

Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Cassiolato

RIO DE JANEIRO

2009

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GRAZIELA FERRERO ZUCOLOTO

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL:

P&D, PATENTES E INCENTIVOS PÚBLICOS

Rio de Janeiro, dezembro de 2009

____________________________________ Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Cassiolato - IE/UFRJ

____________________________________ Profa. Dra. Maria da Graça Derengowski Fonseca- IE/UFRJ

____________________________________ Prof. Dr. Victor Proschnik - IE/UFRJ

____________________________________ Prof. Dr. Mariano Laplane– NEIT/Unicamp

____________________________________ Prof. Dr. Marco Antônio Vargas

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AGRADECIMENTOS

Foram muitos os apoios recebidos ao longo destes anos tão significativos em minha vida.

Anos de aprendizado, de conquistas, de consolidação profissional.

Agradeço inicialmente ao Instituto de Economia da UFRJ, incluindo professores e equipe

administrativa, que consegue unir um ambiente caloroso e acolhedor ao constante estímulo ao

aprendizado e à formação acadêmica. Um ambiente no qual os alunos são estimulados não pelo

medo – tão comum em cursos de doutorado – mas pela curiosidade e desejo de aprofundar a

capacidade intelectual.

Meus sinceros agradecimentos à RedeSist, e a toda sua equipe de colegas-profissionais, que

me proporcionaram apoio financeiro, técnico e afetivo, especialmente nos primeiros anos do

curso.

Ao meu orientador, José Eduardo Cassiolato, a quem eu devo grande parte do que me tornei

profissionalmente. Nossa alta afinidade intelectual - sentida desde o primeiro trabalho -,

associada à imensa confiança que ele deposita em sua equipe, sempre estimulando e acreditando

em nossa capacidade de escrever, opinar, apresentar, colaborar na avaliação de políticas públicas,

me deram a confiança necessária para eu passar de aluna a profissional.

Aos demais professores da UFRJ, em especial a Helena Lastres, Lia Hasenclever, Maria da

Graça D. Fonseca, Victor Prochinik e Ronaldo Fiani, além de Carlos Gadelha, da Fiocruz, que

colaboraram de forma especial em minha formação ao longo destes anos.

Ao CNPq, pelo apoio financeiro.

Entre os trabalhos que realizei ao longo do período, que foram essenciais á minha

especialização, agradeço (por ordem cronológica):

Ao grupo da Diretoria de Inovação, do IPT – Graça, Lu, Polly, Cris, Mari, João, Edilson, Uirá,

Elias, Gilson, Denise -, com quem dividi o projeto de uma Agência de Inovação em São Paulo,

processo que deixou não só publicações e aprendizados, mas fortes laços de amizade.

À oportunidade de trabalhar no MCT/Finep, com Luiz Elias, Cida, Léa, Liz, Joana e toda a

equipe, onde vivi a complementação entre teoria e prática nas políticas públicas. Agradeço

também à equipe da ABDI e do BNDES (em especial Patricia Zendron e Talita Daher) e, pelas

informações e discussões sobre inovação e política industrial. E, nesta frase, ressalto que o termo

“toda a equipe” é de extrema relevância, dadas as diversas pessoas com quem interagi no

processo e que não poderei mencionar diretamente neste espaço.

No IPEA, agradecimento especial ao Marcio Wolhers e Fernanda De Negri, cujo apoio foi

essencial para a finalização deste trabalho. Ressalto também a importância do trabalho de alta

qualidade dos estatísticos da DISET, que são a musculatura desta diretoria: Patrick, Leandro, Eric

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(Rio) e Wesley. E ao Mauro, que conviveu de perto com o (mau) humor de uma doutoranda longe

de casa em reta final de tese.

Não somente os apoios técnicos, mas também os familiares e afetivos são centrais neste

processo.

Neste sentido, agradeço a Sergio Leão, meu amor e companheiro de todas as horas, cujo

apoio emocional foi o elemento central em cada passo descrito acima. O Sérgio acompanhou as

mudanças de emprego, de cidade, o concurso, e todas as dificuldades envolvendo estes processos

simultâneos ao doutorado. Acompanhou também cada passo da elaboração da tese, discutindo

diariamente cada idéia, cada dúvida, cada modelo. Me acalmando em momentos de angústia, me

impulsionando em momentos de cansaço, me ajudando a respirar fundo e seguir em frente, me

dando segurança para suportar a saudade. Todo o tempo, em todos os momentos, ele foi – e é – a

minha referência central.

Agradeço a meu pai, Fernando, e à sua esposa, Ana Raquel, pelo constante apoio e troca

intelectual e pela leitura e revisão deste trabalho. E também à minha mãe, Lucia, seu

companheiro, Irineu, minha avó Nair, e minhas irmãs, Tha e Re, pelo amor, carinho e confiança.

Todos vocês são essenciais na minha vida, são o suporte nesta minha curiosidade pelo mundo,

nesta ânsia pelo aprendizado, pelo novo, pelo desafio.

Por fim, aos colegas que compartilharam este período comigo, em especial Gabi, minha

irmãzinha, Amilton, Marquinhos, Jimmy, Ba, Katha, Ju e Eloah. Ao Fabio, pela demonstração de

confiança em momento de angústia sobre os dados da tese.

Obrigada a todos.

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RESUMO

Esta tese é composta por três ensaios que apresentam como tema central a relação entre

desenvolvimento tecnológico e origem de capital das empresas brasileiras. O objetivo é avaliar a

importância da nacionalidade das firmas no desenvolvimento tecnológico brasileiro, através da

análise de estatísticas de P&D e patentes. Paralelamente, é feita uma discussão sobre o acesso

dessas empresas a incentivos fiscais e financeiros voltados à promoção da inovação tecnológica.

O primeiro ensaio discute os impactos do processo de internacionalização tecnológica na

economia brasileira, com enfoque nas atividades de P&D. Após a revisão de literatura, são

comparadas as atividades produtivas e tecnológicas de empresas nacionais e filiais de

multinacionais atuantes no Brasil. Testes estatísticos foram aplicados com o objetivo de identificar

a importância da origem de capital na realização de P&D no país.

O segundo ensaio analisa as políticas de inovação existentes no Brasil, observando o acesso

de empresas nacionais e subsidiárias de empresas multinacionais aos instrumentos selecionados:

subvenção econômica, financiamento reembolsável e Lei 11.196/05. São discutidos: aspectos

teóricos relacionados ao apoio público à inovação tecnológica; as experiências internacionais; a

evolução das políticas brasileiras de C,T&I, com ênfase no papel das empresas multinacionais; os

instrumentos fiscais-financeiros de incentivo direto à inovação empresarial selecionados; e, por

fim, o acesso de empresas brasileiras a estes instrumentos, por origem de capital.

Por fim, o ensaio III analisa a evolução do desenvolvimento tecnológico no Brasil,

considerando os impactos da atual Lei de Propriedade Industrial na propensão a patentear de

empresas brasileiras. Após discussão sobre a questão da propriedade intelectual em âmbito

internacional e nacional, serão analisadas estatísticas do patenteamento no Brasil, com base na

entrada da atual Lei de Propriedade Industrial e da origem de capital das empresas. Testes

estatísticos serão aplicados com o objetivo de identificar a importância da origem de capital na

propensão a patentear de empresas brasileiras, e como esta propensão foi impactada com a

mudança na legislação de patentes ocorrida em 1996.

Palavras–Chaves: desenvolvimento tecnológico, origem de capital, empresas multinacionais,

internacionalização tecnológica, P&D, patentes, propriedade intelectual, incentivos fiscais,

incentivos financeiros, inovação.

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ABSTRACT

The thesis includes three essays about the relation between technological development and origin of

capital of Brazilian enterprises. The main objective is to evaluate the importance of nationality of firms in

Brazilian technological development, using R&D and patent data. In parallel, it discusses the access of these

enterprises to fiscal and financing incentives to technological innovation.

The first essay discusses the impacts of the technological internationalization process in the Brazilian

economy, based on R&D activities. After a literature review, the paper analyzes technological and

productivity activities of subsidiaries and national firms in Brazilian industry. Statistical models identify

the importance of capital origin in R&D performance in Brazil.

The second essay analyses Brazilian innovation polices, focusing on the access of subsidiaries and

national enterprises to selected public innovation instruments: subvention, credit and Law 11.196/05. It

presents theoretical aspects of government incentives to innovation; international experiences; the evolution

of S&T&I Brazilian policies, emphasizing the role of multinational enterprises; fiscal and financial

instruments related to business innovation and, at least, discuss the access of Brazilian enterprises to these

instruments, by origin of capital.

Finally, the essay III analyzes the evolution of technological development in Brazil, considering the

impacts of the Brazilian Intellectual Property Law, introduced in 1996, in Brazilian enterprises´ patenting.

Firstly, the paper presents the main debates about intellectual property rights. Then, it analyses statistics of

patents fillings in Brazil. Finally, statistical models indentify the importance of the origin of capital in

patentability in Brazil, and how this propensity was affected by legislation change in 1996.

Key–Words: technological development, origin of capital, multinational enterprises, technological

internationalization, R&D, patents, intellectual property rights, fiscal incentives, financing incentives,

innovation.

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ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS, TABELAS E RESULTADOS ESTATÍSTICOS

Ensaio I: Desenvolvimento tecnológico e origem de capital: a experiência brasileira recente Figuras

Figura I: Fases do processo de internacionalização tecnológica 38

Figura II: Empresas multinacionais e transbordamentos 46

Figura III: Principais diferenças entre empresas multinacionais norte-americanas, japonesas e alemãs

55

Figura IV: Participação de subsidiárias de empresas estrangeiras nas atividades em P&D 56

Gráficos

Gráfico I: Mudanças regulatórias relacionadas ao IDE no mundo 28

Gráfico II: General Eletric: Receita total por departamento 43

Gráfico III: Fluxo de IDE mundial 54

Gráfico IV: Gastos em P&D: filiais / matriz 57

Gráfico V: Gastos em P&D / vendas 58

Gráfico VI: Filiais / matriz 59

Gráfico VII: Estoque de IDE / PIB 61

Gráfico VIII: Fluxo de IDE para o Brasil – 1990-2006 62

Gráfico IX: Fluxo de IDE para o Brasil por setor econômico 62

Tabelas

Tabela I: Gastos em P&D/vendas das filiais de empresas norte-americanas 60

Tabela II: Empresas brasileiras de grande porte – por ano e origem de capital 65

Tabela III: Empresas de grande porte brasileiras – relações de cooperação 66

Tabela IV: Empresas brasileiras de grande porte - 2005 68

Tabela V: 150 empresas multinacionais: relação entre filiais brasileiras e padrão mundial – vendas líquidas/empregado e P&D/empregado

70

Tabela VI: 150 empresas multinacionais: relação entre filiais brasileiras e padrão mundial – P&D / vendas

71

Resultados Estatísticos

Estatística I 75

Estatística II 76

Estatística III 77

Estatística IV 79

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ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS E TABELAS Ensaio II: Origem de capital e acesso aos incentivos fiscais e financeiros à inovação no Brasil Figuras

Figura I: Estrutura de Financiamento da FINEP 118

Figura II: Programa Inova Brasil – taxas de operações de crédito por Programa da PDP 119

Gráficos

Gráfico I: Participação do Brasil nos fluxos de IDE para países em desenvolvimento (%) 105

Gráfico II: Fluxos de IDE para o Brasil – 1970-2004 105

Gráfico III: Dispêndio nacional em P&D, por setor, em países selecionados 108

Gráfico IV: Dispêndio em P&D no Brasil - setor público e empresarial 109

Gráfico V: FNDCT – Evolução dos recursos 109

Gráfico VI: Financiamento reembolsável – demanda espontânea concedida pela FINEP 119

Gráfico VII: Subvenção Econômica – projetos aprovados em 2006, por área tecnológica 120

Gráfico VIII: Subvenção Econômica – projetos aprovados em 2007, por área tecnológica 121

Gráfico IX: Subvenção Econômica – projetos aprovados em 2008, por área tecnológica 122

Tabelas

Tabela I : Subvenção e incentivos fiscais ao gasto empresarial em P&D 89

Tabela II: Participação nos gastos em P&D realizados por filiais de empresas norte-americanas

106

Tabela III: Participação nas vendas realizadas por filiais de empresas norte-americanas 106

Tabela IV: Lei do Bem – 2006 117

Tabela V: Lei do Bem – 2007 117

Tabela VI: Subvenção Econômica – caracterização por origem de capital 125

Tabela VII: Financiamento Reembolsável - caracterização por origem de capital 125

Tabela VIII: Lei do Bem – caracterização por origem de capital 126

Tabela IX: Lei do Bem – valor médio por empresa (R$) e % por origem de capital 126

Tabela X: Lei do Bem 2007 – por indústria – isenção fiscal - dispêndios com P&D 128

Tabela XI: Financiamento Reembolsável 2006 – 2009 – por indústria 129

Tabela XII: Subvenção Econômica 2008 – por indústria 130

Tabela XIII: Incentivos Públicos e Patentes 131

Tabela XIV: Empresas beneficiárias da Lei do Bem 2007 analisadas em todas as Pintecs 133

Tabela XV: Gastos internos em P&D – variação média anual 134

Tabela XVI: Empresas beneficiadas pela subvenção econômica que foram analisadas em todas as Pintecs

135

10

ÍNDICE DE GRÁFICOS, TABELAS E RESULTADOS ESTATÍSTICOS Ensaio III: Propriedade intelectual, origem de capital e desenvolvimento tecnológico: a experiência brasileira Gráficos

Gráfico I: Evolução dos depósitos de patentes e DI no INPI 172

Gráfico II: Depósitos brasileiros de patentes e DI 173

Gráfico III: Participação das universidades e “correlatos” nos depósitos brasileiros de patentes e DI

174

Gráfico IV: Depósitos de patentes e DI de empresas brasileiras - Participação por origem de capital

175

Gráfico V: Patentes e registros de DI – INPI – por tipo de depósito - Estrangeiros 177

Gráfico VI: Patentes e registros de DI – INPI – por tipo de depósito – Filiais de Empresas Multinacionais

178

Gráfico VII: Patentes e registros de DI – INPI – por tipo de depósito – Empresas Nacionais 178

Gráfico VIII: Depósitos de patentes e registros de DI no INPI – titularidade por autor 182

Gráfico IX: Empresas depositantes de patentes e registros de DI – Participação por origem de capital

183

Tabelas

Tabela I: Depósitos de patentes e registros de DI no INPI 176

Tabela II: Depósitos de patentes e DI por setor – média, por anos selecionados 180

Tabela III: Depósitos de PI, MU e DI – média anual 1999-2005 181

Tabela IV: Empresas depositantes de patentes e DI no INPI 183

Tabela V: Número de patentes e DI depositados por titularidade e autoria 185

Tabela VI: Entre as patentes e DIs desenvolvidos domesticamente, qual o percentual de titularidade não doméstica?

186

Tabela VII: Entre as patentes e DIs titulados domesticamente, qual o percentual de autores estrangeiros?

187

Tabela VIII: Qual o percentual de patentes e DIs brasileiros desenvolvidos em co-autoria? 187

Resultados Estatísticos

Estatística I 191

Estatística II 193

Efeito Marginal I 194

Efeito Marginal II 195

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LISTA DE SIGLAS

ABDI: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial

ANPEI: Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras

ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APEX: Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

Abifina: Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades

Alanac: Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais

ARVs: Anti-Retrovirais

BACEN: Banco Central do Brasil

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CADE: Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência

C&T: Ciência e Tecnologia

CNAE: Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CSLL: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

DI: Desenho Industrial

DPI: Direito de Propriedade Intelectual

EMNs: Empresas Multinacionais

FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos

IDE: Investimento Direto Estrangeiro

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICTs: Instituições Científicas e Tecnológicas

INPI: Instituto Nacional de Propriedade Intelectual

IRPJ: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica

MCT: Ministério da Ciência e Tecnologia

MU: Modelo de Utilidade

OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PCT: Patent Cooperation Treaty

P&D: Pesquisa e Desenvolvimento

P,D&I: Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

PI: Patente de invenção

PIB: Produto Interno Bruto

PINTEC: Pesquisa de Inovação Tecnológica

PLT – Patent Law Treaty

SPLT - Substantive Patent Law Treaty Unctad: United Nations Conference on Trade and Development

12

TRIPS: Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights.

UNCTAD:

USPTO: United States Patent and Trademark Office

13

ÍNDICE

Introdução 15

Ensaio I

Desenvolvimento tecnológico e origem de capital: a experiência brasileira recente 19

I. Introdução 20

II. O papel das empresas multinacionais no desenvolvimento tecnológico: uma breve revisão da literatura

21

II.1 – Conceitos básicos 21

II.2 – Empresas multinacionais e investimento estrangeiro: evolução do debate teórico

25

II.3 – O processo de internacionalização tecnológica: as razões das empresas 30

II.4 – Internacionalização das atividades tecnológicas: resultados observados no cenário internacional

36

III. Transbordamentos tecnológicos de subsidiárias para empresas domésticas 45

III.1 – Transbordamentos horizontais 50

III.2 – Transbordamentos verticais 51

IV. Investimento Estrangeiro no cenário mundial 53

IV.1 – IDE em P&D 54

IV.1.1 – A experiência das empresas multinacionais norte-americanas 57

V. Investimento estrangeiro no Brasil 60

V.1 – Atividades tecnológicas por origem de capital no Brasil 63

V.1.1 – 150 empresas multinacionais: comparação entre as filiais brasileiras e o desempenho mundial

69

V.2 – Testes estatísticos 71

V.2.1 - Metodologia 17

V.2.2 - Resultados 74

VI. Conclusões

80

Ensaio II

Origem de capital e acesso aos incentivos fiscais e financeiros à inovação no Brasil 84

I. Aspectos teóricos 86

II. Políticas internacionais de apoio à inovação tecnológica: 88

II.1 – A experiência da OCDE 88

II.2 - Políticas de estímulo a investimentos em P&D de empresas multinacionais: o que torna alguns países bem-sucedidos?

91

II.2.1 – Empresas multinacionais e a experiência da OCDE 94

II.2.2 – Países em desenvolvimento: políticas adotadas por China e Índia 95

III. Políticas de apoio à inovação tecnológica no Brasil 98

III.1 - Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Brasil: evolução histórica e o papel das empresas estrangeiras

98

III.2 - Cenário recente: políticas e instrumentos relacionados à C,T&I no Brasil 107

III.2.1 - Políticas industriais e de promoção da inovação recentes: PITCE, PACTI e 110

14

PDP

III.2.2 - Instrumentos de apoio à inovação 114

III.2.2.1 – Incentivos fiscais 114

III.2.2.2 – Incentivos financeiros 117

IV. Políticas de incentivo à inovação tecnológica empresarial no Brasil: acesso das empresas por origem de capital

123

IV.1 - Desempenho tecnológico de empresas que acessaram incentivos públicos 130

V. Conclusões

135

Ensaio III

Propriedade Intelectual, origem de capital e desenvolvimento tecnológico: a experiência brasileira

138

I. Introdução 139

II. Aspectos conceituais e teóricos 139

II.1 - Propriedade industrial e desenvolvimento econômico e tecnológico 142

II.2 - Propriedade industrial e desenvolvimento tecnológico: a contra-argumentação 145

II.3 - DPI e formas de apropriabilidade 148

III. Evolução dos acordos internacionais de propriedade intelectual 149

III.1 – Movimentos recentes 155

III.2 – Críticas ao acordo TRIPS 160

III.3 - Direitos de propriedade intelectual e a indústria farmacêutica 163

IV. Propriedade intelectual no cenário brasileiro atual 165

V. Impactos da Lei de Propriedade Industrial no Brasil 171

V.1. - O patenteamento das empresas brasileiras, por origem de capital 174

V.1.1 - Origem de capital, por patentes depositadas 175

V.1.2 - Origem de capital, por empresa depositante 182

V.1.3 - Estratégias de Cooperação na geração de patentes 184

V.1.3.1 - A metodologia da OCDE 184

V.1.3.2 Cooperação tecnológica no Brasil 185

VI. Análise estatística: impacto da Lei de Propriedade Industrial no patenteamento de empresas brasileiras

188

VI.1 - Metodologia 188

IV.2 – Testes estatísticos e resultados 190

VII Conclusões 194

Conclusões Finais 199

Bibliografia 204

15

INTRODUÇÃO

Este trabalho é composto por três ensaios – independentes, porém relacionados -, que

apresentam como tema central a discussão sobre o papel da origem de capital no

desenvolvimento tecnológico brasileiro.

A presença de empresas multinacionais em países em desenvolvimento é um fenômeno

associado ao acesso a tecnologias desenvolvidas por nações economicamente avançadas.

Facilitando a entrada e estimulando investimentos estrangeiros, países em desenvolvimento se

beneficiariam de suas inovações, elevando a produtividade e qualidade de seus produtos. Não

somente a utilização e aquisição de novas tecnologias seriam incorporadas pelas subsidiárias, mas

também a geração de inovações seria estimulada em nações receptoras de investimentos externos.

Através de suas filiais, empresas multinacionais realizariam atividades de P&D em países

estrangeiros, criando localmente novos produtos. Neste processo, denominado

internacionalização tecnológica, subsidiárias responderiam por uma parcela crescente dos

investimentos em P&D de multinacionais e, entre estas, as filiais de países em desenvolvimento

teriam oportunidade de representar um papel significativo.

Esta tendência está referenciada no relatório da Unctad (2005), o qual demonstra o

fortalecimento do processo de internacionalização das atividades de P&D por empresas

multinacionais. Na mesma linha, alguns autores (Reddy, 2000; Queiroz, 2005) se mostram

entusiasmados com este processo e com os benefícios que podem gerar às nações em

desenvolvimento. Em contrapartida, diversos pesquisadores sugerem que o processo de

internacionalização tecnológica pode, de fato, ser denominado “triadização”, dado que os grandes

receptores de investimentos são Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. Conclusões similares

foram encontradas por Minin (2005), ao verificar que a maior parte das atividades inovadoras

continuava concentrada nos países sede das multinacionais e que, quando internacionalizadas,

estas se direcionam aos países desenvolvidos.

Estatísticas do Bureau of Economic Analysis (BEA), que concentra informações sobre empresas

multinacionais norte-americanas, sugeriram que, entre 1991-2003, não houve crescimento

tendencial nos gastos em P&D das matrizes para suas filiais, nem no esforço em P&D

(P&D/vendas), os quais se situaram, ao longo de todo o período, respectivamente em torno de 2%

e 0,8%. Entretanto, entre as filiais, é possível observar aumento da participação dos países em

desenvolvimento, especialmente asiáticos, como receptores de tais investimentos.

A capacidade de os países em desenvolvimento “atraírem” investimentos em P&D está

relacionada, entre outros fatores, às políticas públicas adotadas. O fortalecimento dos sistemas

nacionais de inovação, com ênfase na formação de recursos humanos qualificados – especialmente

engenheiros e cientistas, e no desenvolvimento de institutos de pesquisa públicos, é apresentado

16

como o principal estímulo às atividades de P&D, seja de empresas multinacionais ou domésticas.

Fatores macroeconômicos, como crescimento do mercado interno e sua capacidade competitiva,

também estão associados ao fenômeno.

Além destes fatores, países como China e Índia estimulam a realização de P&D como

contrapartida aos incentivos oferecidos ao investimento estrangeiro. Na Índia, exigências foram

impostas a investidores locais e estrangeiros para estimular o estabelecimento de instalações de

P&D; na China tais exigências foram impostas como condição de entrada em setores selecionados

nos quais a presença de investimento estrangeiro tende a ser elevada. Estes países têm conseguido

atrair consideráveis montantes de recursos em P&D através da imposição de condições de entrada

aos investidores. O risco da utilização de tais exigências afastar o investimento externo existe, mas

é pequeno no caso de países com forte poder de barganha.

Por fim, incentivos fiscais e financeiros, apesar de considerados residuais no estímulo a

atividades de P&D, são amplamente utilizados pelas nações, sejam desenvolvidas ou em

desenvolvimento, como forma de estímulo a tais atividades. O critério geral adotado é a

disponibilização de tais instrumentos indiscriminadamente entre empresas domésticas e

estrangeiras.

Internacionalmente, o tema da propriedade intelectual (PI) aparece como fator central no

debate relacionado aos incentivos ao desenvolvimento tecnológico, ainda que cercado de

controversas. Envolve não somente questões econômicas, mas também éticas e morais – até que

ponto o direito de propriedade intelectual é intrínseco ao ser humano? Economicamente, avalia-se

a relação entre PI, promoção das inovações, impactos na concorrência e estímulo ao

desenvolvimento econômico e tecnológico. O fortalecimento do sistema de PI é necessário para

estimular o desenvolvimento tecnológico? Se necessário, é suficiente? Pode estimular a realização

de P&D por empresas multinacionais em países em desenvolvimento?

Por um lado, países com direitos de PI bem definidos e estruturados teriam maiores

condições de atrair investimentos tecnológicos, ao garantir que as inovações não seriam copiadas

por concorrentes locais. Considerando que os inovadores são avessos a vender tecnologias a

países que não respeitam estes direitos, a estruturação deste sistema tenderia a facilitar a

transferência de tecnologia entre as fronteiras nacionais. Todavia, diversas experiências sugerem

que a adoção de forte proteção intelectual tende a ser benéfica somente quando o país já

desenvolveu capacitações suficientes para se tornar competitivo no mercado mundial. Até este

momento, a adoção de engenharia reversa seria o melhor caminho para o aprendizado

tecnológico e a geração de competitividade. Nesta linha de argumentação, o fortalecimento dos

sistemas de PI não irá, por si, estimular a inovação doméstica em países que não possuem

capacitações inovativas. Pelo contrário, o fortalecimento desta legislação em nações cujo estágio

17

de desenvolvimento tecnológico se concentra na realização de engenharia reversa pode restringir

seu processo de aprendizado. Países em desenvolvimento podem realizar consideráveis

atividades tecnológicas voltadas a adaptar e aprimorar tecnologias importadas, que não geram

inovações patenteáveis e podem ser fortalecidas na presença de direitos de PI frágeis.

As questões apresentadas serão discutidas, para o caso brasileiro, nos três ensaios que

compõem esta tese.

O ensaio I discute o processo de internacionalização tecnológica, comparando o esforço

tecnológico em P&D de empresas domésticas e multinacionais na indústria brasileira.

Inicialmente serão apresentados os principais conceitos e a evolução do debate teórico, incluindo

as razões que estimulam e limitam as empresas a internacionalizarem suas atividades produtivas

e a avaliação deste processo no cenário mundial. Serão também discutidas questões referentes ao

transbordamento tecnológico de subsidiárias para empresas nacionais. A seguir, será apresentada

a evolução do investimento estrangeiro no mundo e no Brasil. Mais especificamente, serão

comparadas as atividades tecnológicas de empresas nacionais e filiais atuantes no Brasil, com

ênfase nas atividades de P&D. Testes estatísticos procuram, por fim, identificar a importância da

origem de capital na realização de P&D no Brasil.

O ensaio II analisa as atuais políticas de inovação existentes no Brasil, observando o acesso

de empresas nacionais e subsidiárias de empresas multinacionais a instrumentos selecionados.

Tem por objetivo identificar a relevância dos instrumentos existentes para as empresas brasileiras,

segundo sua origem de capital, analisando os diferentes acessos de empresas nacionais e

multinacionais aos recursos disponíveis à inovação. Considerando que grande parte dos recursos

públicos direcionados à inovação no Brasil apresenta viés acadêmico, este trabalho se concentra

na análise de instrumentos voltados diretamente ao desenvolvimento tecnológico do setor

empresarial: subvenção econômica, financiamento reembolsável e Lei do Bem. Em todos eles, os

projetos são definidos pelo setor empresarial, e aprovados pelas instituições responsáveis, sem

necessidade de negociar com institutos de pesquisa os projetos a serem executados.

Na parte I, será realizada uma breve discussão dos aspectos teóricos relacionados ao apoio

público à inovação tecnológica, apresentando a visão de diferentes correntes econômicas no que

tange a este apoio. Na seção II, serão apresentados aspectos da experiência internacional

relacionados aos instrumentos de apoio à inovação tecnológica e, especificamente, medidas

relacionadas ao estímulo a atividades tecnológicas de empresas multinacionais. Esta discussão

está concentrada nos países da OCDE, além da experiência de países em desenvolvimento: China

e Índia. Na parte III, será discutido o caso brasileiro, apresentando a evolução histórica das

políticas industriais e de C,T&I, assim como seu cenário recente, com destaque para as atuais

políticas científica e tecnológica (PACTI) e industrial (PDP) em vigor. Nesta discussão, será

18

destacado o papel das empresas multinacionais ao longo da história brasileira, e os instrumentos

públicos em vigor ao longo da história que estimularam ou limitaram a atuação destas empresas.

Ainda na seção III, são apresentados os principais instrumentos fiscais-financeiros de incentivo

direto à inovação empresarial atualmente em vigor no país – Subvenção Econômica,

Financiamento Reembolsável e Lei do Bem. Na seção IV, será analisado o acesso de empresas

brasileiras a estes instrumentos, por origem de capital, de acordo com suas características

(tamanho, receita) e desempenho tecnológico (P&D e patentes). A seção V encerra este ensaio,

apresentando suas principais conclusões.

O ensaio III tem por objetivo analisar a evolução do desenvolvimento tecnológico no Brasil,

considerando os impactos da atual Lei de Propriedade Industrial na propensão de empresas

brasileiras a patentear. A seção II apresenta uma revisão teórica da discussão sobre direitos de

propriedade intelectual (DPI), patentes e desenvolvimento econômico e tecnológico. A seção III

apresenta a evolução dos acordos internacionais de propriedade industrial, com ênfase no Acordo

TRIPS1. Em IV, a temática da propriedade intelectual será discutida no contexto brasileiro; na

seção V encontra-se análise estatística do patenteamento no Brasil, apresentando a evolução dos

depósitos de patentes no país, suas características setoriais e grau de cooperação internacional,

sempre considerando o impacto da Lei de Propriedade Industrial em empresas nacionais e filiais

de multinacionais. Na seção VI, serão realizados alguns testes estatísticos, com o objetivo de

identificar a propensão de empresas brasileiras a patentear e como esta propensão foi impactada

com a mudança na legislação de patentes ocorrida em 1996. A seção VII apresenta as conclusões

finais.

1 Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights

19

ENSAIO I

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E ORIGEM DE CAPITAL:

A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA RECENTE

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo discutir os impactos do processo de internacionalização

tecnológica na economia brasileira, com enfoque nas atividades de P&D. Além de uma extensa

revisão de literatura, serão comparadas as atividades produtivas e tecnológicas de empresas

nacionais e filiais de multinacionais atuantes no Brasil. Testes estatísticos serão aplicados com o

objetivo de identificar a importância da origem de capital na realização de P&D no país.

Palavras-Chaves: P&D, desenvolvimento tecnológico, origem de capital, empresas

multinacionais, internacionalização tecnológica

ABSTRACT

This paper discusses the impacts of the technological internationalization process in the Brazilian

economy, based on R&D activities. After a literature review, the paper analyzes technological and

productivity activities of subsidiaries and national firms in Brazilian industry. Statistical models will

indentify the importance of capital origin in R&D performance in Brazil.

Key-Words: R&D, technological development, origin of capital, multinational enterprises,

technological internationalization.

20

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E ORIGEM DE CAPITAL:

A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA RECENTE

I. Introdução

O investimento direto estrangeiro é um importante fenômeno relacionado ao processo de

globalização econômica. Atualmente, o estoque de IDE mundial corresponde a aproximadamente

20% do produto global (Baskaran e Muchie, 2006). O forte impulso ao IDE observado

especialmente nos anos 1990s culmina com valor recorde em 2000, quando alcança em torno de

US$ 1,3 trilhão. Após uma redução entre os anos 2000 e 2003, o fluxo de IDE mundial volta a

apresentar crescimento significativo, alcançando sucessivos recordes até o montante de US$ 1,8

trilhão em 2007. Este fluxo, todavia, não se direciona de forma homogênea entre as nações. Em

2007, 68,7% deste fluxo concentrou-se nas nações desenvolvidas, tendência que sofreu pouca

alteração ao longo das décadas. (Unctad, 2008; Cepal, 2008).

As empresas multinacionais (EMNs) - principais condutoras do IDE mundial – intensificaram

sua relevância. Se no início dos anos 1990, havia 37 mil empresas multinacionais, acompanhadas

de 175 mil subsidiárias; em 2007 estes valores alcançaram, respectivamente, 79 mil e 790 mil.

Atualmente, o comércio internacional entre matriz e filiais representam 60% do total mundial. As

empresas multinacionais também dominam grande parte do P&D privado, e produzem e

controlam a maior parte da tecnologia avançada do mundo. (Unctad, 2008; Cepal, 2008).

Aproximadamente 80% das 700 empresas que mais gastam em P&D no mundo são

originárias de cinco países: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido e França. As

atividades tecnológicas das empresas multinacionais ainda estão fortemente concentradas na

matriz. No caso de empresas norte-americanas, os gastos em P&D das filiais correspondem a

aproximadamente 15,9% dos realizados pelas matrizes (2003), e grande parte deste montante

direciona-se às nações desenvolvidas. (Unctad, 2008; Cepal, 2008).

Apesar desta intensiva concentração produtiva e, especialmente, tecnológica, diversos

estudiosos apontam tendência de internacionalização tecnológica em direção aos países em

desenvolvimento, que se beneficiariam de parcerias entre empresas estrangeiras e instituições

locais e, especialmente, pelo fortalecimento das atividades de P&D de filiais de empresas

multinacionais.

Este trabalho tem por objetivo discutir o processo de internacionalização tecnológica, com

enfoque nas atividades de P&D de empresas multinacionais, analisando seus impactos na

indústria brasileira.

21

Inicialmente serão apresentados os principais conceitos e a evolução do debate teórico,

incluindo as razões que estimulam e limitam as empresas a internacionalizarem suas atividades

produtivas e a avaliação deste processo no cenário mundial. Serão também discutidas questões

referentes ao transbordamento tecnológico de subsidiárias para empresas nacionais. A seguir, será

apresentada a evolução do IDE no mundo e no Brasil. Mais especificamente, serão comparadas as

atividades tecnológicas de empresas nacionais e filiais atuantes no Brasil, com ênfase nas

atividades de P&D. Testes estatísticos procuram, por fim, identificar a importância da origem de

capital na realização de P&D no Brasil.

II. O papel das empresas multinacionais no desenvolvimento tecnológico: uma breve

revisão da literatura

II.1 – Conceitos Básicos

O Investimento Direto Estrangeiro (IDE) tem exercido papel central na configuração da

economia mundial atual. Segundo definições do Fundo Monetário Internacional e da OCDE, o

IDE é definido como investimento de longo prazo realizado em uma empresa residente em

economia diferente da que o investidor origina. Os principais componentes do IDE são o capital

social (equity capital), reinvestimento de lucros e empréstimo intra-empresas2 (Baskaran e Muchie,

2006). Na definição apresentada em Corrêa (2007), IDE é o investimento realizado em uma

empresa na qual o investidor estrangeiro tem interesse de longo prazo, ou seja, quando um

investidor baseado em um país adquire um ativo em outro país com a intenção de administrá-lo.

A dimensão desta administração é o que o diferencia de investimentos de portfólio em ações,

títulos e outros instrumentos financeiros. As principais características do IDE estão relacionadas a

um relacionamento de longo prazo entre o investidor direto e a empresa e um grau significativo

de influência na administração da empresa3.

No Brasil, os investimentos externos diretos (IED) têm registro obrigatório no Banco Central

do Brasil determinado pela Lei 4.131, de 3.9.1962, e pela Lei 11.371, de 28.11.2006. Esse registro é

regulamentado no Banco Central pela Circular 2.997, de 15.8.2000. Essa Circular define

investimento externo direto, no artigo segundo, como "as participações, no capital social de

empresas no país, pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede

2 Como os países não coletam dados de todas as modalidades, os valores de IDE não são completamente comparáveis entre os países. Em particular, dados sobre reinvestimentos de lucros são difíceis de serem coletados, dado que dependem de informações fornecidas pelas empresas (Baskaran e Muchie, 2006). 3 A diferenciação entre investimento em portfólio e IDE não é trivial. A complicação surge quando o investidor estrangeiro tem participação minoritária e, mesmo assim, exerce controle sobre a empresa mediante a cessão de uma patente ou de uma marca, ou da propriedade de qualquer outro ativo específico de sua propriedade que permita a competitividade da empresa (Baumann, 2004 apud Corrêa, 2007).

22

no exterior, integralizadas ou adquiridas na forma da legislação em vigor, bem como o capital

destacado de empresas estrangeiras autorizadas a operar no país", excluindo, no artigo 10, "das

disposições desta Circular as participações societárias de investidores não-residentes adquiridas

nos mercados financeiro e de capitais, bem como os rendimentos delas decorrentes, que

constituam investimentos em portfólio regidos por normas específicas, passíveis de registro no

Bacen por meio de procedimentos e transações próprias do SISBACEN".

Alguns conceitos surgem com freqüência na discussão sobre IDE (Baskaran e Muchie, 2006):

- Investimentos greenfield: investimento direto em novas instalações ou expansão das

instalações existentes. Tais investimentos são o principal alvo dos esforços de atração de IDE de

países receptores, dado que geram capacidade produtiva, novos empregos, podem promover

transferência de tecnologia e conhecimento e fortalecer as ligações com o mercado global. Os

efeitos negativos – a serem aprofundados ao longo do texto - estão ligados à possível barreira à

atuação de firmas nacionais (efeito crowding out) e ao envio dos lucros obtidos para os países sede

das matrizes.

- Fusões e aquisições transnacionais: transferência de ativos e operações de firmas locais para

estrangeiras.

- IDE horizontal: investimento na mesma indústria que a firma opera em sua sede.

- IDE vertical: investimento no país receptor em indústrias que atuam como fornecedoras de

insumos ou consumidoras dos bens produzidos pela matriz.

A entrada de investimentos estrangeiros está relacionada a fatores como tamanho do

mercado local; variáveis de política (grau de abertura econômica, qualidade da infra-estrutura,

impostos, taxas de importação); características institucionais (estabilidade governamental, índices

de corrupção, legislações); condições do mercado de trabalho (nível salarial e educacional) e

cadeia global de IDE (Baskaran e Muchie, 2006).

As empresas multinacionais são as principais promotoras do IDE. Pode ser definida como

“uma empresa que controla atividades de adição de valor em mais de um país e realiza

investimentos diretos (Gonçalves, 2005)4. No contexto atual, a empresa multinacional é o principal

lócus de acumulação e poder econômico, a partir de seu controle sobre ativos específicos – capital

tecnologia e capacitação gerencial, organizacional e mercadologia. Gonçalves (2002) ressalta que a

empresa transnacional5 surge como resultado de dois movimentos que ocorreram ao longo do

4 Gonçalves (2005) utiliza o termo transnacional no lugar de multinacional. Para o autor, “ a expressão multinacinal estaria reservada a empresas formadas por associações entre empresas de apíses em desenvolvimento com atuação regional, enquanto a expressão transnacional estaria referenciada ás grandes empresas originárias dos países desenvlvidos com atuação em escala global”. Neste ensaio, esta distinção todavia não é realizada, sendo utilizado, em todos os casos, o termo multinacional. 5 O autor apresenta a diferenciação dos conceitos de empresa multinacional e transnacional. As multinacionais seriam formadas por associações entre empresas de países em desenvolvimento, com

23

desenvolvimento do capitalismo: os processos de concentração e centralização do capital,

identificado por Karl Marx, e de destruição criadora, apresentado por Schumpeter. O primeiro

movimento está relacionado à crescente participação das grandes empresas capitalistas na

estrutura produtiva econômica, enquanto o segundo caracteriza a grande empresa como o

principal agente do processo de inovação tecnológica6.

As empresas multinacionais têm sido tanto aclamadas como agentes do desenvolvimento

quanto condenadas como fontes de exploração. Tais argumentos estão associados, por um lado, à

sua capacidade de gerar e difundir a inovação tecnológica, reduzir custos, treinar mão-de-obra

local, aprimorar a qualidade dos fornecedores e os bens acessíveis aos consumidores e promover a

integração ao comércio internacional mas, por outro, a sua propensão a se apropriar de recursos

naturais de países em desenvolvimento, demandar privilégios relativos ao pagamento de

impostos, impactar negativamente no balanço de pagamentos graças à repatriação de lucros,

interferir na capacidade produtiva e características culturais de comunidades locais e reduzir a

soberania local na elaboração de políticas. (Streenten, 1971; Baskaran e Muchie, 2006).

A atuação das empresas multinacionais ganhou força após o final da II Guerra Mundial. Nos

anos 1950s e 1960, prevalecem as multinacionais norte-americanas; nas décadas seguintes, seu

domínio foi desafiado por empresas européias e japonesas. O fenômeno mais recente são as

empresas multinacionais originárias de países em desenvolvimento. Mas no período 2005-2007,

entre as 100 maiores empresas multinacionais, 76 ainda originavam-se de somente cinco países.

(Unctad, 2008).

O processo de globalização das últimas décadas está relacionado ao significativo

fortalecimento destas empresas. Se, no início dos anos 1990, havia 37 mil empresas

multinacionais, acompanhadas de 175 mil subsidiárias; em 2007 estes valores alcançaram,

respectivamente, 79 mil e 790 mil. Atualmente, o comércio internacional entre matriz e filiais

representam 60% do total mundial. As empresas multinacionais também dominam grande parte

do P&D privado e produzem e controlam a maior parte da tecnologia avançada do mundo.

Conceitualmente, empresas multinacionais são aquelas que controlam ativos – fábricas,

minas, escritórios de vendas - em ao menos dois países (Gonçalves, 2002). Se uma parte de sua

produção é realizada no exterior – fora do país sede, a empresa pode ser classificada como

multinacional, mas se esta exporta e licencia seus produtos exclusivamente a partir de seu país de

origem, este conceito não é aplicável. No Brasil, a Lei 4.390/64 definiu o conceito de empresa

atuação regional, enquanto as transnacionais seriam as grandes empresas originárias de países desenvolvidos com atuação em escala global. Neste ensaio, está diferenciação não é considerada, e ambos os grupos são tratados como empresas multinacionais. 6 Schumpeter (1942)

24

subsidiária como aquela cuja base de participação do capital pertencesse em pelo menos 50% a

empresa estrangeira.

Portanto, as firmas podem explorar suas capacitações em outro país não somente através da

criação de subsidiárias, mas também através de joint ventures7, licenciamento8 e exportação9 de

produtos.

Em quais cenários a firma prefere o IDE às demais opções? Mercados de porte reduzido

tendem a não ser suficientemente atraentes para as empresas estrangeiras direcionarem suas

atividades produtivas, propiciando o licenciamento de tecnologias. A concessão de licenças é, em

geral, preterida por razões relacionadas à valorização do ativo intangível: na existência de

expectativas diferentes relacionadas ao retorno obtido pelo uso desta ativo, as empresas

licenciadora e licenciada podem avaliar diferentemente seus benefícios futuros. Neste caso, a

firma proprietária do ativo a ser licenciado tende a se apropriar diretamente de seus benefícios,

via IDE, ao invés de optar pela concessão da licença. Além disto, a transferência de tecnologia por

meio do licenciamento de produtos envolve risco, exigindo cuidados especiais relativos à

proteção do caráter inovador. A ocupação de espaço em novos mercados, a partir da tecnologia

licenciada, também surge como preocupação da empresa licenciadora – risco que se busca limitar

a partir das restrições às exportações em contratos de transferência de tecnologia. (Gonçalves,

2002).

No caso de joint ventures, esta nem sempre é a primeira opção das empresas multinacionais.

Em alguns casos, países receptores de investimento estimulam a entrada de empresas estrangeiras

através de joint ventures, para facilitar, por exemplo, a absorção de tecnologia estrangeira pela

empresa local. Este procedimento é comum na China, onde os que se dispuserem a transferir

tecnologias de ponta foram recompensados com a localização em áreas mais favoráveis, isenção

de impostos e taxas de exportação e, principalmente, acesso preferencial ao mercado interno

chinês. Incompatibilidades culturais e desacordos sobre a atuação de cada parceiro podem

comprometer a continuidade destes acordos. Na indústria automobilística chinesa, embora as

empresas estrangeiras não tivessem mais que 50% do capital da joint venture, elas controlavam a

tecnologia desenvolvida, fazendo com que os parceiros domésticos necessitassem de sua

aprovação para qualquer aprimoramento tecnológico nos modelos de carros existentes. Como

resultado, as empresas chinesas passaram a atuar nesta indústria, desenvolvendo novos modelos

de carros sem o estabelecimento de parcerias com estrangeiros. (Long, 2002). Na indústria

7 Aliança entre duas ou mais entidades com o fim de partilharem o risco de negócio, os investimentos, as responsabilidades e os lucros associados a determinado projeto. 8 Contrato que autoriza o uso ou a exploração do objeto licenciado para determinado fim e período de tempo, em delimitado espaço geográfico, com todos os direitos mantidos pelo proprietário. 9 Vendas para o exterior.

25

automobilística sul-coreana, Kim (1997) sugeriu que a independência administrativa de uma firma

doméstica (Hyundai) levou a resultados superiores ao estabelecimento de joint-ventures (Daewoo -

General Motors)10.

II.2 – Empresas multinacionais e investimento estrangeiro: evolução do debate teórico

Os estudos iniciais sobre investimento direto estrangeiro surgiram nos anos 1950s. A

primeira contribuição importante sobre o tema, utilizando o enfoque da organização industrial,

foi dada por Penrose em 1956. Neste trabalho, a autora apresentou o IDE com o uma conseqüência

do processo de crescimento da empresa, através da diversificação de produtos e penetração em

novos mercados. Empresas bem sucedidas teriam recursos internos, como capacidade gerencial e

tecnológica, que lhes permitiriam aproveitar as oportunidades de expansão. Portanto, para

realizar investimento externo, uma empresa deveria ter vantagens especiais. (Gonçalves, 2002).

Em seguida – 1960 -, Stephen Hymer também buscou compreender as razões pelas quais as

empresas se engajam na produção transnacional. Sua obra é considerada a primeira com

capacidade de isolar os determinantes do IDE das teorias de comércio vigentes. A partir da teoria

de organização industrial, Hymer sugeriu que uma empresa multinacional que desejasse produzir

em um país diferente de sua origem precisaria possuir algum tipo de ativo específico capaz de

sobrepujar vantagens naturais das empresas domésticas. Tais ativos específicos são associados a

poder de mercado, tamanho e economias de escala, capacitação tecnológica e acesso a fontes mais

baratas de financiamento. As empresas se engajariam em operações externas por possuírem

vantagens inexistentes nas firmas dos países receptores, como tecnologias mais eficientes,

sistemas de distribuição mais eficazes ou patentes de produtos diferenciados. Os custos

associados à operação internacional devem ser compensados por lucros derivados destas

vantagens (Gonçalves, 2002). O autor desenvolveu um modelo no qual as corporações

internacionais dominariam as grandes indústrias em escala global. Algumas questões levantadas

pelo autor continuam atuais, entre elas o papel do IDE como meio de superar barreiras

comerciais; o IDE como determinante da oligopolização do mercado internacional; e seu papel na

redução dos poderes tradicionais dos Estados. (Correa, 2008).

10 Na Daewoo, a assistência técnica era sempre adquirida da GM, gerando uma atitude passiva por parte do receptor. Em contraposição, uma empresa nacional que recebe o pacote de tecnologias e, de forma independente, assume a responsabilidade de organizá-la, é forçada a assimilar tais tecnologias de forma mais rápida e contínua. Como resultado, já em 1975 a Hyundai desenvolveu seu primeiro modelo nacional com 90% de conteúdo local, aprimorando sua qualidade nos anos seguintes. Sua participação no mercado nacional de automóveis de passeio passa de 19% em 1970 para 74% em 1979. Por outro lado a Daewoo tinha que se submeter às metas globais da GM, dependia integralmente de sua tecnologia, empenhando-se pouco para desenvolvimento de capacidade tecnológica e projetos de automóveis próprios. Os investimentos no aperfeiçoamento de produtos e processos feitos pela Daewoo entre 1976 e 1981 correspondem a somente 19% do realizado pela Hyundai, embora sua capacidade de produção representasse 70% daquela. Divergências consecutivas com a GM levaram à separação total da joint venture em 1992.

26

Apesar de explicar como e porque firmas começam a se internacionalizar, a teoria de Hymer

não esclarecia como evoluía a sua produção internacional. Esta limitação de seu trabalho foi

compensada pelo trabalho de Vernon (1966), primeiro teórico a fazer uma relação direta entre

comércio internacional e IDE, através do conceito de “Ciclo de Vida do Produto”. Em texto

clássico, Vernon (1966) introduziu a dimensão locacional no conceito, destacando que ao longo do

tempo, e com a expansão do mercado mundial, as grandes empresas iriam estabelecer atividades

produtivas no exterior ou porque percebem uma oportunidade de reduzir custos (de produção

e/ou distribuição) ou porque existe uma ameaça à sua posição competitiva11. Neste trabalho, o

autor argumentou que os produtos passam por três fases distintas. Os produtos novos têm sua

produção localizada em países desenvolvidos, e sua internacionalização se expressão por meio de

exportações da empresa inovadora a partir de seu país de origem. Os produtos em maturação,

padronizados, exigem economias de escala e redução de custos de produção, e a posição da

empresa inovadora passa a ser ameaçada em decorrência do surgimento de produtos substitutos e

diferenciais de custos estabelecidos por novos entrantes. Com o objetivo de não perder mercado,

as empresas tendem a estabelecer estruturas produtivas no exterior – IDE -, em detrimento das

exportações. Na terceira fase do produto, padronização completa, os custos de produção são a

base principal da concorrência, e o país em que foi criado pode ser tornar seu importador se

concorrentes locais estabelecidos ao redor do mundo o produzirem a preços mais acessíveis.

(Gonçalves, 2002).

Assim, Hymer e Vernon já enfatizavam a questão tecnológica como elemento importante no

processo de internacionalização. Vernon, em particular, enfatizou o caráter eminentemente

adaptativo dos esforços tecnológicos locais: a internacionalização da produção exigiria a

transferência de algumas atividades de P&D relacionadas à adaptação de produtos e processos.

Posteriormente, Dunning tentou integrar linhas explicativas de diferentes abordagens

conceituais – teoria da firma, organização industrial, teoria do comércio internacional e teoria

locacional – para criar a sua teoria da produção internacional. Na visão de Dunning, a empresa

multinacional deveria possuir não apenas vantagens específicas, mas estas vantagens devem ser

tais que a firma optaria em explorá-las por si. Para Dunning, há três tipos de vantagens

relacionadas à internacionalização das atividades das firmas:

i) Vantagens da propriedade: ativos, tangíveis ou intangíveis, que conferem

poder de mercado às empresas multinacionais.

ii) Vantagens de internalização: reflete a capacidade da firma adicionar valor a

seu ativo, internalizando-o, ao invés de vendê-lo no mercado.

11 Em sua versão inicial, a Teoria do ciclo do produto foi resultado de uma análise da experiência de empresas multinacionais norte-americanas do período de pós Segunda Guerra Mundial. (Corrêa, 2007).

27

iii) Vantagens de localização: relacionadas à institucionalidade, políticas

governamentais e estruturas de mercado demandadas pelas multinacionais.

O IDE ocorre quando os benefícios de exploração de tais vantagens em um mercado

estrangeiro são maiores que seus custos. Em outras palavras, a firma deverá internalizar o uso das

suas vantagens específicas.

Dunning também sugeriu a existência de quatro tipos de motivação as quais levariam uma

empresa a se internacionalizar: busca e acesso a mercados, a matérias primas, busca de eficiência e

de ativos estratégicos. As duas primeiras caracterizaram o processo de internacionalização das

empresas norte-americanas a partir do pós-guerra e das congêneres européias que seguiram as

pioneiras. Mais recentemente, o acirramento da concorrência a partir da globalização tem

aumentado a importância estratégica das duas últimas formas de internacionalização.

Segundo Gonçalves (2002), o fenômeno da empresa transnacional é visto, na ótica

microeconômica, como uma resposta às imperfeições de mercado, tanto de bens quanto de

fatores. Tais imperfeições levariam ao desenvolvimento das empresas multinacionais através da

internalização das vantagens específicas à propriedade. O processo de internalização permitiria,

entre outros, melhorar o controle de qualidade dos bens produzidos e, no caso de produtos

intensivos em conhecimento, permitiria evitar os custos da barganha bilateral em decorrência das

diferentes expectativas quanto ao valor do conhecimento. Por outro lado, os custos deste processo

estariam relacionados aos esforços envolvidos na administração dos ativos internalizados. O autor

reforça a percepção que a internalização é “um conceito à procura de uma teoria”, dado que

permanecem dúvidas a respeito da sua capacidade de explicar e prever o comportamento das

empresas multinacionais.

Mais recentemente, a intensificação do processo de globalização associada à difusão do

paradigma da microeletrônica tem levado a um aumento na complexidade das formas de

internacionalização da produção. Em primeiro lugar, observa-se uma intensa diversidade de

arquiteturas organizacionais. As formas através das quais ocorrem os processos de coordenação

das atividades das empresas multinacionais têm se tornado mais complexas e diferenciadas com o

aumento do tamanho, complexidade organizacional e alcance geográfico das atividades. As

diferentes funções – produção, P&D, marketing, vendas – se tornam mais especializadas, e as

ligações mais complexas. Em segundo lugar, e em paralelo, a origem das empresas multinacionais

continua a ser uma característica importante de seu funcionamento, dado que qualquer empresa

está enraizada em contextos sociais, culturais, políticos e institucionais específicos (Hamill, 1993).

Como mencionado, Dunning especificou este tipo de característica ao explicitar a conexão das

vantagens específicas da firma com as características locacionais dos estados nacionais. Tais

ligações explicam as características diversas de empresas multinacionais de diferentes países. Por

28

exemplo, o extenso mercado interno e a sofisticação tecnológica caracterizam as multinacionais

norte-americanas, enquanto a falta de recursos naturais e forte envolvimento do Estado

esclarecem em parte o padrão das multinacionais japonesas.

Todas estas variáveis influenciam o tipo de P&D realizado pelas empresas multinacionais e

seu padrão locacional. A função de P&D é parte da estratégia de competitividade e lucratividade

da empresa em escala global, sendo, portanto, crescentemente relevante, dado o aumento da

importância da busca de novos produtos e processos e das mudanças tecnológicas cada vez mais

constantes e complexas.

O investimento direto estrangeiro transfere um conjunto complexo de fatores produtivos,

como capital, habilidades técnicas e administrativas, conhecimento e uma rede de relacionamento

que permite acesso a fornecedores e mercados internacionais. Do ponto de vista nacional,

assumindo que investimento é algo desejado, a questão é se este pode ser obtido de forma mais

eficiente ao país que não via IDE. (Streenten, 1971).

O investimento estrangeiro é, de forma geral, visto positivamente por variados governos. Na

série histórica elaborada pela Unctad (2008), que analisa as regulamentações relacionadas ao

capital estrangeiro em diversos países, é possível observar que a maioria absoluta das medidas,

ano a ano, são promovidas no sentido de estimular o IDE (gráfico I). Apesar de uma pequena

tendência de queda na proporção de medidas favoráveis ao IDE, de 95% em 2002 para 76% em

2007, ainda há predomínio de regulamentações voltadas à promoção do IDE no mundo.

Gráfico I

Mudanças regulatórias relacionadas ao IDE no mundo

0

50

100

150

200

250

300

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

- Favoráveis - Desfavoráveis Favoráveis / Total (%)

Fonte: Unctad (2008)

Todavia, diversos governos e autores apresentam restrições quanto aos benefícios do IDE ao

desenvolvimento econômico de países receptores. Para Streenten (1971), os conflitos entre

empresas multinacionais e governos locais podem surgir se houver incompatibilidade entre as

29

metas privadas e as metas sociais e nacionais; se o poder de barganha oriundo de empresas

grandes oligopolistas for usado contrariamente aos interesses nacionais; e se os conhecimentos e

práticas trazidos por estas empresas não forem relevantes ou adequados às nações receptoras.

Incompatibilidades envolvem a adoção de tecnologias poupadoras de mão-de-obra, com a

possibilidade de elevação do desemprego, e o envolvimento em atividades que culminem na

destruição de culturas tradicionais ou da agricultura familiar. O autor enfatiza a dificuldade de se

contrapor o interesse destas empresas ao das nações, dado que os indivíduos e agentes possuem,

em cada país, interesses contraditórios. Trabalhadores bem-remunerados versus desempregados,

setores intensivos em tecnologia e em mão-de-obra, cidadãos de renda elevada versus renda baixa

são grupos que podem apresentar interesses divergentes em relação a atuação de EMNs.

Em relação à influência dos governos locais sobre as atividades das subsidiárias, Streeten

(1971) argumentou que, se por um lado os centros de decisão estão localizados na matriz, a

possibilidade de governos locais controlarem ou influenciarem os investimentos das subsidiárias

é reduzido. Por outro, dado que os governos locais são os responsáveis por autorizarem a entrada

destas empresas, podem em tese exercer mais influência sobre suas decisões. Argumenta-se

também que as subsidiárias geralmente possuem menos oportunidade para evasão fiscal ou

desrespeitos à lei, dado que sua contabilidade é publica e acessível. Em contrapartida, por serem

empresas de grande porte e de maior poder que firmas domésticas, são menos dependentes da

boa vontade dos governantes, podendo se deslocar para outras localidades (Streeten, 1971).

Ghosh (2002) defendeu que a competição entre os países para atrair IDE envolve diversos

tipos de concessão que podem ser custosas à economia local no médio e longo prazos. Para a

autora, o IDE pode contribuir para elevar a fragilidade econômica, tornando-a mais suscetível a

crises no balanço de pagamentos, associado a aumento no déficit em conta corrente. Penrose

(1971) destacou que o IDE pode contribuir fortemente com os países em desenvolvimento, mas

não tem a capacidade de substituir os Estados nacionais na promoção do desenvolvimento

econômico. Na mesma linha, Archibuchi e Michie (1997) defenderam que a intensificação do

processo de globalização não pode levar à conclusão de que as nações se tornaram de algum

modo menos importantes. Considerando as significativas diferenças na capacidade inovativa dos

países, não haveria razão para defender que as diferenças nas performances econômicas nacionais

são fato passado. Pelo contrário, na presença de mercados globais, as vantagens competitivas

trarão recompensas ainda maiores, portanto ações governamentais voltadas a elevar a

competitividade das firmas tornam-se, neste contexto, ainda mais relevantes. Na mesma linha,

Lastres et al. (1999) argumentaram que o tecnoglobalismo é interpretado por muitos como

processo capaz de tornar redundante as medidas dos governos nacionais voltadas à promoção do

desenvolvimento tecnológico doméstico. Todavia, o essencial das atividades inovativas continua

30

sendo desenvolvido no país de origem das empresas, e que estas permanecessem essencialmente

nacionais no que se refere à propriedade e controle, fazendo com que as atividades de P&D

continuem sendo fortemente influenciadas por sistemas nacionais de inovação.

Para Baskaran e Muchie (2006), mesmo nos casos em que os benefícios do IDE superem os

custos, tais benefícios não são automáticos, e exigem que o país receptor possua um nível básico

de desenvolvimento para absorvê-los. Para os autores, não somente o volume e a natureza dos

fluxos de IDE variam significativamente entre as nações, mas também sua capacidade de absorver

e se beneficiar deles. Os autores ressaltam que o IDE não é positivo ou negativo a priori, pois seu

impacto nas economias nacionais está diretamente relacionado ao grau de desenvolvimento de

seus sistemas nacionais de inovação. Na mesma linha, Archibuchi e Pietrobelli (2002), ao

questionarem a importância para países em desenvolvimento do aumento dos fluxos produtivos e

tecnológicos nas últimas décadas, defendem que a globalização só oferece novas oportunidades

de desenvolvimento se há esforços deliberados para absorver as inovações através de

aprendizado endógeno. O acesso e aquisição de tecnologia estrangeira não são suficientes para

assegurar desenvolvimento tecnológico e industrial local, dado que este processo exige esforços

tecnológicos orientados à absorção, adaptação e aprimoramento tecnológicos.

II.3 – O processo de internacionalização tecnológica: as razões das empresas

A internacionalização de vendas e produção, através do investimento direto, é um fenômeno

já consolidado; todavia, no caso das atividades tecnológicas, especialmente P&D, este movimento

de internacionalização impulsionado pelas empresas multinacionais tem se destacado mais

recentemente.

Diversas análises sugerem que as empresas multinacionais estão internacionalizando suas

atividades inovativas, direcionando-as inclusive para países em desenvolvimento. De acordo com

a Unctad (2004), dados das subsidiárias de empresas multinacionais da Tríade (Estados Unidos,

Japão e União Européia) revelaram que, entre 1989 e 1999, as atividades de P&D realizadas por

todas as subsidiárias de empresas norte-americanas em países em desenvolvimento cresceram

nove vezes, partindo de US$ 2,4 bilhões e alcançando US$ 18 bilhões. No caso japonês, a

participação das subsidiárias no P&D total das empresas passou de aproximadamente 0,5% em

1986 para 2% em 1995 e 4% em 2002 (Unctad, 2005). Apesar disto, a representatividade das nações

em desenvolvimento ainda é limitada: em 2004, a publicação identificou que estas nações

absorviam em torno de 10% das subsidiárias, sendo 8% na Ásia. Entre os países em

31

desenvolvimento receptores de tais investimentos, segundo a publicação destacam-se Brasil,

China, Hong Kong, Índia, México, Cingapura e África do Sul.12

Com base na observação desta tendência, a literatura vem se debruçando sobre as razões que

levariam as empresas a internacionalizarem tais atividades, em contraposição às razões para

mantê-las centralizadas. O fortalecimento do processo de internacionalização tecnológica estaria

associado ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, que facilitaram o

processo de alocação de tarefas em escala global através de redes de informação intra-

empresariais.

Fatores presentes nos países receptores também influenciam sua capacidade de receber tais

investimentos. A emergência de novas tecnologias baseadas em ciência, como biotecnologia e

novos materiais, criaram oportunidades de catching up para países em desenvolvimento com

reserva de cientistas e engenheiros, ao exigirem menor experiência industrial. (Unctad, 2004).

Alguns fatores locais estão associados à capacidade de atração de P&D estrangeiro, como

ambiente institucional estável; políticas industrial, comercial e de investimentos transparente;

infra-estrutura de qualidade, especialmente relacionada a sistemas de comunicação e informação;

instituições de pesquisa reconhecidas; e presença de cientistas e engenheiros qualificados. A

exigência de realização de atividades de P&D também tem sido usada por vários países para

maximizar os benefícios originários do IDE, especialmente como contrapartida ao recebimento de

incentivos públicos (Unctad, 2004).

Entretanto, as estatísticas revelam que grande parte dos investimentos em P&D ainda é

realizada pela matriz. Esta tendência, histórica, relaciona-se ao fato das empresas multinacionais

tradicionalmente manterem o desenvolvimento tecnológico próximo ao núcleo de elaboração

estratégica da empresa. Tradicionalmente, P&D se caracteriza como uma atividade tácita,

arriscada e não padronizada, portanto difícil de ser localizada longe da administração central das

firmas. Segundo Cassiolato e Lastres (2005), as limitações da internacionalização tecnológica estão

associadas “à natureza estratégica e complexa dos sistemas de inovação e o conseqüente

enraizamento das empresas multinacionais – especialmente atividades de P&D – em seu próprio

ambiente local.” Os autores enfatizam que apenas no caso da ‘exploração’ de tecnologias é

possível falar em globalização, ou seja, no consumo global de bens como máquinas,

equipamentos, insumos industriais e determinados bens de consumo final, como

eletrodomésticos, automóveis e computadores. Mesmo nestes casos, o acesso se concentra nas

12 Doremus (1998) concluiu que os dados de comércio de tecnologia são consistentes com os de P&D: a tecnologia é desenvolvida nos países sede das empresas multinacionais e gradualmente se expande para o exterior. E adicionou que a comercialização ocorre fortemente entre matriz e filiais. Entre as nações, somente Estados Unidos apresentavam balança comercial tecnológica positiva, enquanto nos demais países da OCDE ela era nula, sendo negativa no restante do mundo.

32

camadas sociais de maior poder aquisitivo em países em desenvolvimento. Já a geração e difusão

de conhecimentos se mantêm severamente concentrados, sendo tal concentração um meio de

garantir às grandes firmas dos países desenvolvidos a apropriação dos resultados de seus

investimentos em P&D.

Apesar das facilidades promovidas pelo advento das tecnologias de informação, que facilita a

comunicação entre diferentes localidades geográficas, a realização de P&D fora da sede pode

implicar em altos custos de execução, baixa eficácia dos projetos, risco elevado e dificuldades de

comunicação com as unidades da matriz acarretadas pela distância13 (Von Zedtwitz & Gassmann,

2002). Forças centrípetas estariam relacionadas a questões de controle, coordenação, eficiência na

comunicação e segurança, necessárias às atividades de P&D, assim como às economias de escala

envolvidas no processo. Uma das principais dificuldades estaria relacionada à capacidade de

gestão de atividades tecnológicas dispersas geograficamente. Há limitações na coordenação

eficiente das atividades de P&D realizadas em localidades diversas, o que facilita a existência de

erros e problemas com os resultados obtidos. As tecnologias de informação facilitam este

processo, mas não o solucionam integralmente. Além disto, é difícil atingir um volume razoável

para gerar economias de escala em processos descentralizados. A centralização também tende a

reduzir o tempo de desenvolvimento dos projetos.

Para assegurar sigilo sobre as pesquisas realizadas e resultados associados, as empresas

tendem a manter suas atividades tecnológicas concentradas no país de origem – ao menos os

projetos mais relevantes. Diversos estudos empíricos, ainda consistentes com a visão de Vernon

(1966), argumentam que os gastos em P&D por subsidiárias resultam no máximo em adaptação

de tecnologias e não em novos desenvolvimentos, dado que o papel principal destas empresas

seria somente preservar seu mercado nos países em que atuam e para tanto, pouco P&D precisaria

ser realizado (Bas e Sierra, 2002).

Em suma, por um lado, forças centrífugas dispersariam as atividades de P&D entre regiões

periféricas; por outro, forças centrípetas a concentrariam em uma única locação central. Para

Gammeltoft (2005), inovações radicais, projetos sistêmicos, prevalência de conhecimento tácito e

presença de recursos complementares exigiriam uma atuação centralizada14, enquanto inovações

incrementais, projetos autônomos, prevalência de conhecimento explícito e presença de recursos

redundantes são compatíveis com uma abordagem descentralizada.

13 A disseminação das tecnologias de informação e comunicação é constantemente associada ao processo de internacionalização tecnológica, todavia a OCDE (1998) evidencia a possibilidade de gerar efeito oposto, pois, ao reduzir a importância da proximidade física, encoraja as firmas a utilizarem seu país de origem como base para adaptação de produtos direcionados a terceiros mercados. 14 O conhecimento tácito exige forte relação cooperativa entre os agentes envolvidos, dificultando a coordenação de um processo distribuído de criação de tecnologia.

33

A internacionalização das atividades de P&D – seja intensa ou moderada - fez com que a

literatura se debruçasse sobre as razões das empresas e os determinantes institucionais na

condução deste processo, assim como em seu impacto sobre o desenvolvimento tecnológico dos

países em desenvolvimento. Enquanto na visão tradicional o P&D estrangeiro dedica-se à

adaptação de produtos e processos às preferências dos consumidores e às características dos

mercados de fatores locais, abordagens mais recentes apontam outras razões para a ocorrência

deste processo. As empresas multinacionais estariam internacionalizando P&D também para

monitorar novos desenvolvimentos tecnológicos e gerar novos produtos e processos a partir de

suas locações no exterior. Preocupação com a redução dos custos da pesquisa e busca pelo acesso

a mão-de-obra talentosa em outros países, dada a oferta insuficiente de especialistas no mundo

desenvolvido, são razões associadas a este processo. Arruda, Vermulm e Hollanda (2006)

apontam mais uma razão para o fenômeno: a necessidade de maior flexibilidade em resposta às

rápidas mudanças tecnológicas.

Para Gammeltoft (2005), os motivos relacionados à internacionalização de P&D são:

- Acesso a mercados: exploração dos ativos específicos da empresa em novos ambientes

geográficos, motivada pelo tamanho do mercado local, apoio às vendas e proximidade do

consumidor;

- Proximidade das atividades produtivas: dar suporte às operações manufatureiras;

- Acesso a tecnologias: acesso a novos desenvolvimentos científicos e tecnológicos e

monitoramento da expertise local. A firma investiria em P&D no exterior para obter novas

vantagens ou ativos complementares existentes em outros países que ajudariam a incrementar

suas competências;

- Acesso a inovações: acesso a fluxo mais rápido e variado de novas idéias, produtos e

processos; e capitalização de vantagens específicas através de divisão internacional do trabalho

entre os laboratórios de P&D.

- Redução de custos: exploração de diferenciais de custos, incluindo os de mão-de-obra.

- Determinantes político-institucionais: incentivos ou exigências da regulamentação nacional,

diferenciais de impostos, monitoramento e exploração de padrões técnicos e de

regulamentações15.

Cabe ainda ressaltar que em alguns casos a internacionalização de P&D não foi resultado da

estratégia deliberada da empresa, mas conseqüência da aquisição de firmas estrangeiras que

possuíam departamentos de P&D. Gammeltoft (2005) ressaltou este fato no movimento de fusões

e aquisições dos anos 1990s, em que grande parte dos estabelecimentos de P&D estrangeiros foi

15 Algumas destas razões já haviam sido identificadas por outros autores. Gammeltoft (2005) as apresenta de forma consolidada e completa.

34

adquirida incidentalmente. Esta constatação já havia sido sugerida por Doremus et al. (1998), ao

afirmar que a maior parte dos laboratórios industriais foram estabelecidos por subsidiárias nos

Estados Unidos não através de novos investimentos direcionados à realização de P&D, mas

através de fusões e aquisições de firmas estrangeiras.

As empresas multinacionais, quando internacionalizam suas atividades de P&D, estruturam

unidades globais caracterizadas por Chiesa (2000) apud Galina (2003) como:

- Unidades de suporte ou adaptativas: provê suporte técnico para as funções da subsidiária e,

se necessário, adapta produtos globais aos requisitos nacionais. Seu escopo geográfico é local ou,

quando muito, regional (ex. Mercosul);

- Laboratórios de desenvolvimento: gerencia projetos com duração de um a três anos com o

objetivo de gerar uma inovação, como um novo produto a ser comercializado ou um novo

processo a ser usado. Podem atuar como laboratórios de desenvolvimento global ou local.

- Laboratórios de pesquisa: gerenciam projetos com maior duração (mais que três anos),

objetivando a exploração de novas tecnologias / novos paradigmas ou acumulando conhecimento

num certo campo, não diretamente relacionado a uma única inovação. São globais porque não

servem determinado mercado ou negócio, mas desenvolvem tecnologias a serem exploradas para

atividades de desenvolvimento de novos produtos.

- Unidades de Monitoramento: monitoram localmente o progresso tecnológico e/ou a

evolução de mercados. Embora essas unidades não realizem atividades técnicas, elas fazem parte

da estrutura de P&D internacional e são consideradas relevantes.

De modo similar, Archibuchi e Pietrobelli (2002) apresentaram uma classificação para os

laboratórios globais de P&D de empresas multinacionais, caracterizados em:

- central para global: “cérebro” tecnológico é localizado na matriz, e P&D distribuído ao

longo do globo dedica-se basicamente à adaptação de produtos às necessidades locais;

- local para local: cada subsidiária desenvolve seu próprio conhecimento tecnológico para

atender às suas necessidades locais, havendo fraca interação entre as subsidiárias.

- local para global: empresas multinacionais distribuem suas atividades de P&D em várias

locações, permitindo que a empresa distribua cada parte do processo inovativo para o ambiente

mais adequado.

Os autores argumentam que, no processo de globalização tecnológica, além da geração

internacional de inovações a partir dos laboratórios mencionados, as empresas também podem

apenas explorar internacional de tecnologias desenvolvidas na matriz, através de exportações,

licenciamento, patentes e investimento direto estrangeiro (desde que este não envolva a geração

de conhecimento) ou realizar colaborações tecnológicas com instituições internacionais.

35

Debate mais recente buscou identificar se as firmas internacionalizam P&D para tirar

proveito das capacitações desenvolvidas em sua sede ou para complementá-las. No primeiro caso,

investimentos são realizados para capitalizar as vantagens existentes na matriz, e estão

relacionadas à adaptação local de produtos e processos e à criação de produtos periféricos; no

segundo, os investimentos têm por intuito adicionar novos conhecimentos e habilidades às firmas,

através da criação de produtos e processos relevantes.

Utilizando dados da European Patent Office (EPO) incluindo as maiores multinacionais dos

EUA, Japão e Europa para os períodos 1988-1990 e 1994-1996, Bas e Sierra (2002) concluíram que,

no que se refere à internacionalização tecnológica, duas estratégias tendem a ser seguidas pelas

empresas. Na estratégia mais usual, elas tendem a se internacionalizar tecnologicamente nas

áreas/setores em que possuem uma vantagem tecnológica relativa no país sede e nas quais,

simultaneamente, o país receptor possua uma vantagem similar. Neste caso, o objetivo das

firmas seria complementar as vantagens competitivas que já possui, elevando seu estoque de

conhecimento e capturando as externalidades geradas por instituições e empresas locais. As

firmas também tendem a explorar no exterior as capacitações que já possuem, mas que não

existem de forma relevante no país receptor16.

Considerando estas duas estratégias, de modo geral a primeira tende a ser seguida quando as

firmas internacionalizam suas atividades tecnológicas para outros países desenvolvidos. Quando

se direcionam para nações em desenvolvimento, o mais comum é atuarem em segmentos setoriais

mais dinâmicos, nos quais as instituições destes países não são consideradas competitivas,

realizando prioritariamente adaptação de produtos gerados nos países centrais. Patel (1996)

observou que as subsidiárias tendem a ser tecnologicamente mais ativas em áreas nas quais os

países hospedeiros são relativamente frágeis, ou seja, não existe coincidência entre os setores nos

quais o país hospedeiro possui vantagem tecnológica e a presença significativa de firmas

estrangeiras nos mesmos. Patel e Pavitt (1998) analisaram 220 empresas com maior volume de

patentes desenvolvidas fora da matriz e confirmaram a pouca evidência de que as firmas

internacionalizam suas atividades tecnológicas para compensar suas fragilidades domésticas:

mais de 75% dos casos as firmas localizam tecnologias no exterior em áreas nas quais são fortes na

sede; todavia, o principal aumento nas atividades estrangeiras ocorreu em campos tecnológicos

nas quais havia complementaridades entre as atividades domésticas da empresa e do país

receptor de seus investimentos.

16 Doremus et al. (1998) enfatizaram a importância de entender se o papel do P&D realizado pelas filiais contribui com as competências tecnológicas centrais da matriz ou se direcionam aos processos tecnológicos e adaptação de produtos locais.

36

II.4 - Internacionalização das atividades tecnológicas: resultados observados no cenário

internacional

A literatura sobre o processo de globalização tecnológica é relativamente recente. Tais

estudos se fortaleceram com a percepção que as atividades de P&D realizadas por empresas

multinacionais tem se internacionalizado a partir dos anos 1980s. Alguns autores utilizam o termo

internacionalização, ao invés de globalização, por constatarem que este processo não ocorre em

nível global, beneficiando os mais diversos países, mas é fortemente caracterizado como

“triadização”, dado que grande parte destes investimentos ocorre entre Estados Unidos, Europa

Ocidental e Japão. Patel e Pavitt (1998) reforçaram que menos de 1% das atividades inovativas das

firmas multinacionais são localizadas fora dos países da Tríade. Apesar dos recursos ainda

estarem fortemente concentrados nestas nações, nas últimas décadas a participação dos países em

desenvolvimento nos investimentos em P&D de empresas multinacionais apresenta crescimento,

tendência já identificada e analisada por autores e publicações variadas.

A literatura revela diferenças significativas no processo de internacionalização de P&D,

relacionadas ao país da matriz, países receptores, características setoriais e perfis das próprias

empresas envolvidas. Entre os países da matriz, empresas japonesas parecem ser mais propensas

a realizar P&D na sede, apresentando maior resistência a internacionalizar tais atividades;

seguidas pelas norte-americanas e pelas européias, que possuem maior propensão à

internacionalização das atividades tecnológicas17. Países pequenos e avançados, como Bélgica,

Suécia, Suíça e Holanda, são os líderes na internacionalização de P&D, realizando mais da metade

destas atividades fora do país sede (Gammeltoft, 2005). Com base em revisão de literatura,

Gammeltoft (2005) observou que, setorialmente, observa-se que firmas pertencentes a indústrias

de maior complexidade tecnológica, como instrumentação, informática, aeronáutica e veículos,

tendem a manter suas atividades tecnológicas nos países de origem; enquanto empresas de

setores tradicionais, como alimentos, bebidas e fumo, são mais propensas à internacionalização.

Indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos teriam postura intermediária18.

Em uma detalhada análise deste processo, Reddy (1997) apresentou quatro estágios

relacionados à internacionalização das atividades de P&D. Os anos 1960s representariam o início

deste processo, dominado pela necessidade de adaptação de produtos e processos associado à

entrada em mercados estrangeiros. Envolveu essencialmente as indústrias mecânica, elétrica e

automobilística. Este processo é intensificado nos anos 1970s, relacionado ao aumento da

participação de empresas multinacionais em mercados externos. Neste período, países receptores

17 A elevada internacionalização de P&D das firmas européias é fortemente associada a investimentos intra-europeus (Gammeltoft, 2005). 18 Esta avaliação não é unânime. Gammeltoft (2005) menciona que, para alguns autores, os setores de saúde estão entre os líderes no processo de internacionalização de P&D.

37

teriam intensificado as pressões a empresas multinacionais por transferências de tecnologia,

definindo exigências de conteúdo local e comprometimento com metas de exportação. Galina

(2003) observou que já nesta década era possível observar unidades de P&D em países em

desenvolvimento como Índia e Brasil. As dificuldades para supervisionar atividades

internacionais, presentes até os anos 1970s, foram minimizadas com a introdução de novas

tecnologias de informação e comunicação. O grande salto ocorreu na década de 1980,

impulsionado pelo processo de globalização, aumento da competição internacional, (alguma)

convergência das preferências dos consumidores em âmbito mundial e crescente base científica de

novas tecnologias. Neste cenário, receberam destaque as indústrias de microeletrônica,

farmacêutica, biotecnologia e novos materiais. As novas tecnologias de comunicação e

informação, assim como a crescente flexibilidade de tecnologias baseadas em ciência,

aprimoraram o processo de internacionalização em P&D. A partir dos anos 1990s, este processo

foi especialmente determinado pela crescente demanda por cientistas qualificados: dada a

escassez de pesquisadores nos países sede, especialmente nos campos da eletrônica e

biotecnologia, EMNs fortaleceram a expansão de suas redes estrangeiras de P&D para ter acesso a

talentos geograficamente dispersos. A preocupação com a redução de custos de P&D também

aparece como fator relevante nesta década. Para minimizá-los, empresas passam a realizar tais

atividades, ao menos em parte, em regiões de baixo custo que adquiriram capacitação em C&T.

Tais capacitações não substituem atividades centrais realizadas na matriz e em grandes centros de

pesquisa, mas passam a atuar de forma complementar19. Galina (2003) sintetizou estas quatro

fases na figura apresentada a seguir:

19 A indústria farmacêutica exemplifica este processo de internacionalização das partes menos relevantes das atividades de P&D. Os ensaios clínicos são atividades de P&D que vem sendo internacionalizadas para os países em desenvolvimento, por serem relativamente fáceis de serem transferidas para outras partes do mundo. Dado que são atividades intensivas em trabalho, é possível reduzir custos de P&D transferindo-as para regiões em que a mão-de-obra é mais barata que nos países sede das grandes empresas farmacêuticas.

38

Figura I

Fases do processo de internacionalização tecnológica

Fonte: Galina (2003), adaptado de Reddy (1997)

Reddy (2000) argumenta que as atividades de P&D relacionadas especialmente às novas

tecnologias (biotecnologia, microeletrônica, farmacêutica, química e software) são mais facilmente

internacionalizadas que em setores convencionais. Nas novas tecnologias, as atividades de P&D

podem se dividir em diferentes módulos, que podem ser realizados em lugares diferentes. Esta

possibilidade facilita a divisão entre atividades de P&D centrais (core) e periféricas (no core). As

atividades periféricas passaram a se direcionar para as filiais de nações em desenvolvimento,

onde podem ser realizadas a custos menores, enquanto os investimentos centrais continuaram

concentrados nos países sede. Este movimento seria um dos motores do aumento de

internacionalização tecnológica que estaria beneficiando os países em desenvolvimento20.

Os diagnósticos sobre o processo de internacionalização tecnológica variam de acordo com

sua extensão e natureza. Alguns estudos enfatizam que as empresas multinacionais estão

20 No caso da indústria farmacêutica, empresas também tendem a realizar P&D no exterior para acomodar diferentes práticas e padrões regulatórios nacionais. (Doremus et al., 1998)

39

expandindo suas atividades de P&D centrais a taxas sem precedentes; outros sugerem que P&D

está sendo internacionalizado a taxas significativamente inferiores a outras atividades, como

produção; ainda alguns trabalhos argumentam que as empresas estão respondendo à competição

global mantendo as atividades de P&D centralizadas (Doremus et al., 1998). Estes autores

analisaram dados entre 1982 e 1994 e argumentaram que o P&D empresarial se manteve

relativamente centralizado nos países sede, apesar do volume agregado de P&D externo

realizados por estas empresas ter apresentado crescimento: o P&D total das matrizes de empresas

multinacionais cresceu em média 12% ao ano, enquanto suas filiais apresentaram taxa de 18%aa.

Todavia, até 1994 o montante de P&D realizado por subsidiárias norte-americanas era

relativamente baixo, 12%. Sua participação era mais elevada em receita (30%) e emprego (23%).

Para os autores, a maior parte das empresas multinacionais centralizam suas pesquisas e

desenvolvimento de produtos centrais, enquanto a pesquisa voltada à customização e suporte a

produção estrangeira são conduzidas localmente, dado que as filiais estão se tornando mais

integradas ao mercado mundial (Doremus et al., 1998).

Analisando dados de patentes norte-americanas das 539 maiores firmas mundiais, Patel

(1996) observou que 331 (61,4%) desenvolveram patentes somente no país de origem. O autor

conclui que o aumento do grau de internacionalização das atividades tecnológicas apresenta

evidências fracas, e que as atividades tecnológicas das grandes empresas ainda são

primordialmente determinadas pelo que acontece nos países sede. Apesar de outras variáveis

apresentarem certa relevância, elas não devem reduzir a importância da matriz na determinação

da taxa e direção de suas atividades tecnológicas. Patel e Pavitt (1998) revelaram que no final da

década de 1980, entre 600 firmas estudadas, aproximadamente 60% não realizavam atividade

tecnológica no exterior, 25% as realizavam em no máximo dois países, e somente 15% em mais de

dois. E, entre o início dos anos 1980 e meados dos 1990, as grandes firmas elevaram a proporção

de atividades inovativas realizadas no exterior “em modestos 2,4%”, se mensuradas por patentes

concedidas pelo USPTO.

Archibuchi e Pietrobelli (2002) também confirmaram que os países em desenvolvimento

possuem participação marginal na geração e difusão de novas tecnologias. A produção de novos

conhecimentos está pesadamente concentrada nos países desenvolvidos, se analisada por artigos

científicos e patentes concedidas nos USPTO. Entre as nações em desenvolvimento, apenas um

número muito limitado de países, representado pelos Tigres Asiáticos, ganhou espaço neste

cenário, gerando artigos e patentes comparáveis a países da OCDE. Para os autores, é essencial

que para se aproveitarem dos benefícios oriundos da globalização tecnológica, os países em

desenvolvimento implementem políticas ativas designadas a elevar o aprendizado e o acesso ao

conhecimento.

40

Já Galina (2003) mencionou, com base em revisão de literatura, que o país de origem das

empresas multinacionais é geralmente o local mais importante para o desenvolvimento

tecnológico da empresa e que as unidades de P&D localizadas no exterior são usadas

principalmente para a adaptação de produtos ao mercado local e suporte às unidades. Sugeriu

que “existem poucas firmas com P&D realmente global, ou seja, com distribuição, em diferentes

países, de laboratórios realizando atividades de P&D” (Chiesa, 1995 apud Galina, 2003).

Minin (2005) chega a conclusões similares. Utilizando dados de patentes de USPTO de 182

firmas entre 1981 e 2001 e analisando a nacionalidade dos inventores, o autor verificou que a

maior parte das atividades inovadoras continuava concentrada nos países sede das multinacionais

e que, quando internacionalizadas, estas se direcionam aos países desenvolvidos. Patentes criadas

exclusivamente por inventores cuja nacionalidade é a mesma do país sede passaram de 87% para

82%, enquanto aquelas que envolveram ao menos um inventor estrangeiro cresceram de 13 para

18%. Apesar desta tendência de crescimento, o autor afirma que, para o período de vinte anos,

esta variação pode ser considerada modesta. Ele também observou a crescente

‘internacionalização cruzada’ entre Europa, EUA e Japão, dado que a maioria dos investimentos

em P&D originados em uma destas regiões se direcionou às demais: entre 1999 e 2001,

aproximadamente 97% das patentes da base mencionada possuíam ao menos um inventor

localizado na Europa, EUA ou Japão21.

Em trabalho realizado no Brasil, Araújo (2005) apresentou as principais diferenças relativas

às atividades inovativas e aos esforços em P&D entre firmas domésticas e transnacionais, e os

efeitos de transbordamentos de P&D sobre as firmas domésticas, dado a presença estrangeira na

indústria de transformação brasileira. A partir de dados da PINTEC 2000, o autor concluiu que as

firmas multinacionais tendem a inovar com maior freqüência que as domésticas, mas realizam

esforços em P&D mais baixos. Ainda, os esforços efetuados pelas empresas multinacionais são

mais voltados à adaptação de produtos e processos que à criação de novas soluções tecnológicas.

Em suma, o autor enfatizou que nos países em desenvolvimento existem casos nos quais as

subsidiárias buscam gerar novos produtos e processos, assim como realizar esforços em P&D em

cooperação com universidades e centros de pesquisa locais. Entretanto, estes são minoritários em

comparação aos gastos em P&D voltados a adaptação de produtos e processos a la Vernon (1966).

Em parte como reflexo deste comportamento, as firmas domésticas acabaram se voltando à

21 Setorialmente, o autor demonstrou que indústrias químicas apresentaram o maior grau de internacionalização, enquanto o setor de informática apresentou o menor grau. Para o autor, esta diferença está associada ao tempo de proteção patentária relacionado a cada indústria: enquanto no setor químico as patentes são uma forma tradicional de proteção dos investimentos em P&D, somente nas últimas décadas a indústria de informática se tornou familiarizada com este conceito.

41

criação de produtos e processos similares aos das multinacionais, e não à geração de produtos

tecnologicamente superiores, em uma atitude mais imitativa do que propriamente inovadora.

Para Amsden (2006), as empresas multinacionais tendem a manter seus principais

engenheiros e administradores na matriz para desenvolver produtos e processos não rotineiros,

incluindo atividades inovativas. Atividades de alto valor agregado, como P&D, são mantidas em

casa e, quando internacionalizadas, concentram-se em processos de menor sofisticação. Para a

autora, isto vale também para as experiências da China e Índia, apesar das instalações científicas e

tecnológicas públicas disponibilizadas nestes países. Amsden (2006) enfatizou que os melhores

projetos de P&D são realizados por grandes laboratórios multi-disciplinares, que empregam de

1500 a 3000 pessoas. A título de exemplificação, a autora menciona que o laboratório da empresa

GE, em Bangalore/Índia, emprega somente 600 funcionários, e é direcionado a dar suporte às

operações locais de produção, e não a gerar novos produtos. Em suma, para Amsden (2006), “se

todas as indústrias fossem controladas por empresas estrangeiras, um país em desenvolvimento

jamais desenvolveria habilidades de ponta e teria os trabalhos melhor remunerados das grandes

corporações, e o país jamais absorveria os retornos do empreendedorismo que as tecnologias

tácitas geram”. Ao comparar atividades de P&D realizadas por cinco empresas nacionais e cinco

multinacionais da indústria de telecomunicações coreana, a autora concluiu que o P&D realizado

pelas nacionais era mais diversificado, indo da pesquisa básica ao desenvolvimento avançado.

Conclui não ser possível confiar em firmas estrangeiras para realizar P&D de fronteira.

Amsden (2006) ainda ressalta que o conteúdo local tende a ser mais elevado em empresas

nacionais. As firmas estrangeiras tendem a importar componentes com significativas economias

de escala, enquanto as nacionais tendem a estabelecer localmente cadeias de valor. Além disto,

países desenvolvidos pressionam por suas indústrias: por exemplo, no período 1950-2000, os EUA

insistiram que a maior parte dos insumos utilizados na fabricação de produtos por eles

importados a partir de países em desenvolvimento fossem norte-americanos.

Cabe também ressaltar que mesmo nos casos em que os esforços em P&D são

internacionalizados, não fica claro quais atividades estão de fato sendo realizadas no exterior,

especialmente quando países em desenvolvimento são os receptores de tais investimentos. Reddy

(1997), em pesquisa sobre atividades de P&D na Índia, observou que a maioria das unidades de

P&D privilegiava a adaptação de produtos e processos às condições regionais e desenvolvimento

de produtos ao mercado local, no caso de indústrias convencionais; mas em indústrias ligadas a

novas tecnologias, apenas 25% das firmas se dedicavam a tais atividades, com predomínio de

busca por mão-de-obra qualificada e redução de custos em atividades de P&D. Seus resultados

sugeriram que, em indústrias ligadas a novas tecnologias, os processos de P&D podem estar

42

geograficamente afastados da produção manufatureira, postura não observada em indústrias

tradicionais.

Por outro lado, diversos estudos mostram que grande parte da internacionalização de P&D

ocorre em atividades muito básicas, incapazes de impulsionar as indústrias de nações em

desenvolvimento. Algumas atividades classificadas como P&D são essencialmente atividades de

suporte e pós-vendas, ou seja, treinamento e suporte técnico relacionadas a vendas e processos de

engenharia associados à produção manufatureira (Gammeltoft, 2005). Um exemplo está na

própria indústria farmacêutica, onde grande parte da internacionalização de P&D para países em

desenvolvimento está concentrada na realização de ensaios clínicos da fase III22. Esta

internacionalização possibilita a redução de custos de realização de P&D pelas empresas

multinacionais, entretanto os benefícios para os países receptores destes investimentos ainda são

passiveis de avaliação. No limite, ainda há uma questão em aberto: será que as atividades que

estão sendo internacionalizadas e classificadas como P&D podem realmente ser consideradas

atividades de pesquisa e desenvolvimento?

Sefarti (2008) enfatizou que o fortalecimento dos direitos de propriedade intelectual tem

modificado a natureza da P&D realizada pelas empresas multinacionais, incluindo empresas de

alta tecnologia. Observa-se uma reorientação dos gastos em P&D para projetos de curto prazo,

incluindo despesas direcionadas a reforçar as políticas de propriedade intelectual ao invés de

buscar o desenvolvimento de novos produtos e processos. Para o autor, é questionável que “dois

terços dos gastos farmacêuticos em P&D sejam direcionados à realização de testes clínicos,

enquanto aproximadamente 85% dos gastos automotivos em P&D são direcionados ao

desenvolvimento do modelo do próximo ano”23. Segundo o autor, conjuntamente, testes clínicos e

desenvolvimento da produção automotiva respondem por aproximadamente 45% dos gastos

totais em P&D das 25 principais empresas mundiais.

Em relação às empresas multinacionais, Sefarti (2008) associou o declínio relativo na

importância das atividades produtivas a um crescimento na apropriação de valor a partir de

ativos intangíveis. Este fenômeno pode ser exemplificado pela conduta da empresa General

Eletric, apresentada pela The Economist (2009) apud Cassiolato et al. (2009).

22 Estudos clínicos experimentais 23 Tradução própria.

43

Gráfico II

General Eletric - Receita Total por departamento (%)

37,4%

25,7%

21,2%

9,5%6,1%

Finanças Tecnologia Energia NBC Universal Produção Industrial

Fonte: The Economist (2009) apud Cassiolato et al. (2009)

De acordo com a reportagem, se a GE Capital, o braço financeiro da GE, fosse um banco, seria

um dos maiores da América. Em 2008, era a mais importante divisão da matriz, responsável por

37,4% da receita total da empresa. Além destas, tem se tornado crescentemente importantes as

receitas oriundas de ativos intangíveis que representaram, em 2008, mais de quatro vezes o valor

das atividades industriais da empresa.

Gammeltoft (2005) ressaltou que as atividades de P&D internacionalizadas estão menos

relacionadas à pesquisa e mais concentradas em design, desenvolvimento e engenharia associados

a vendas ou atividades produtivas, confirmando ainda nos dias de hoje a manutenção da

tendência observada por Vernon décadas atrás. Para o autor, apesar do crescimento recente, a real

extensão da internacionalização de P&D continua modesta e pouco intensiva em pesquisa.

Na mesma linha, o trabalho de Von Zedtwitz & Gassmann (2002) analisou separadamente as

atividades de pesquisa e de desenvolvimento realizadas por 81 firmas multinacionais e 1021

unidades de P&D distribuídas em diferentes regiões. Sua conclusão central é que, em nível

internacional, as atividades de pesquisa são significativamente mais concentradas do que aquelas

voltadas ao desenvolvimento. Os autores mostram que 73% da pesquisa realizada por estas

empresas multinacionais se concentram em apenas cinco regiões do mundo: Nordeste dos

Estados Unidos (New Jersey, New York e Massachusetts), Califórnia, Reino Unido, Europa

Ocidental Continental (especialmente Alemanha) e Leste Asiático (Japão e Coréia do Sul). No que

se refere às atividades de desenvolvimento tecnológico, embora os principais centros de

desenvolvimento coincidam com os centros de pesquisa -, o trabalho sugere que eles são melhor

distribuídos, sendo realizado não somente na Europa e EUA, mas também Ásia, Austrália, África

44

e América do Sul. Para os autores, os principais motivos relacionados à internacionalização são o

acesso a capacitações locais de C&T, no que se refere à pesquisa, e a adaptação ao ambiente local

de mercado e produção, no caso de desenvolvimento. Eles concluem que apenas firmas com

recursos elevados para gastar em P&D optam por internacionalizar tanto ‘P’ quanto ‘D’. Tais

resultados indicam que as atividades tecnológicas mais sofisticadas, como pesquisa, não são

realizadas por multinacionais, dependendo, portanto, de instituições e empresas nacionais.

Assim, a característica multi-facetada do que se denomina como P&D aumenta a

complexidade da análise de tais processos. De fato, encapsulados neste conceito estão operações

relativamente diversas, cada uma com necessidades diferenciadas. As atividades de pesquisa (P)

exigem acesso a centros científicos de alta qualificação, como universidades. As atividades de

desenvolvimento (D) requerem trabalho em equipe de escala, com a participação de um pool de

cientistas, engenheiros e técnicos de alta qualidade. Na grande maioria dos casos significam

adaptação de novos produtos às circunstâncias locais.

Em suma, a análise das estatísticas sobre internacionalização de P&D, apesar de sua

relevância, não é suficiente para entender de fato quais atividades estão sendo direcionadas para

países em desenvolvimento. Em relação às estatísticas de P&D, cabe ainda ressaltar os problemas

relacionados à comparabilidade internacional. Existem problemas de mensuração, apesar dos

esforços de padronização em diversos países.

Ressalta-se, por fim, que as medidas tecnológicas tradicionais – P&D, patentes, comércio de

tecnologia, alianças tecnológicas – não são capazes de capturar todo o processo de difusão

tecnológica entre nações, especialmente seus aspectos tácitos. As empresas multinacionais

transferem tecnologia através de mão-de-obra, ativos organizacionais e bens intermediários,

processos difíceis de serem mensurados.

Além das atividades de P&D, existem outras formas relacionadas à internacionalização

tecnológica adotadas por empresas multinacionais, como alianças tecnológicas, joint ventures em

P&D, consórcios em P&D, e relação universidade-empresa para acessar conhecimento estratégico

no exterior. As alianças começaram a apresentar trajetória de crescimento nos anos 1980, sendo

utilizadas pelas firmas para reduzir os crescentes custos de realização de P&D e riscos associados,

melhor monitorar e ter acesso a um gama de desenvolvimentos científicos e tecnológicos, gerar

novas oportunidades de negócios e acesso a mercados estrangeiros. São mais comuns em setores

de alta tecnologia, especialmente tecnologias de informação, biotecnologia e novos materiais. São

especialmente comuns no setor de biotecnologia, dada a divisão de trabalho entre pequenas

firmas especializadas e grandes empresas farmacêuticas e agro-químicas: as grandes são atraídas

pelas capacitações em pesquisa das firmas especializadas em biotecnologia, que são motivadas

pela capacidade financeira e produtiva das grandes empresas mencionadas. As alianças tendem a

45

complementar, e não substituir as atividades de pesquisa interna da firma, sendo geralmente mais

eficientes nos casos em que as firmas envolvidas possuem ativos tecnológicos diferentes, mas

complementares. (Doremus, 1998).

E, como já enfatizado, o processo de internacionalização tecnológica, seja via realização de

P&D pelas subsidiárias ou pelas demais formas descritas, somente pode gerar impactos efetivos

positivos aos países receptores, especialmente países em desenvolvimento, se suas instituições –

especialmente empresas -, tiverem capacitações próprias suficientes para absorver tecnologias

externas. Os benefícios da atração de P&D não são automáticos: podem ser limitados se as

subsidiárias criarem pouca ou nenhuma relação com os atores domésticos.

III. Transbordamentos tecnológicos de subsidiárias para empresas domésticas

Os transbordamentos de IDE são um canal de transferência de conhecimento tecnológico de

subsidiárias estrangeiras para firmas locais. Surgem quando recursos, em especial o

conhecimento, são disseminados sem necessariamente a presença de uma relação contratual

formal entre os agentes envolvidos. Os transbordamentos ocorrem quando as empresas locais

obtêm benefícios (por exemplo, tecnológicos) a partir da relação com as subsidiárias que, ao não

serem capazes de se apropriar integralmente dos valores gerados, acabam repassando-os

parcialmente, e não intencionalmente, às firmas domésticas. Tais transbordamentos têm sido

crescentemente tratados como o mais importante efeito do IDE no desenvolvimento de países

receptores24.

Além dos transbordamentos de IDE, em geral, a literatura também enfoca os

transbordamentos tecnológicos, analisando se o conhecimento gerado por determinada empresa

através das atividades de P&D e patenteamento eleva a produtividade de outras firmas. Os

transbordamentos tecnológicos surgem a partir dos aspectos de bem público da tecnologia, pelo

qual o conhecimento produzido por uma firma pode ser utilizado pelas demais com baixo custo

de apropriação. Os conhecimentos gerados pelas atividades de P&D das firmas podem

transbordar para o restante da indústria através de mecanismos diversos – em muitos casos,

similares ao transbordamento de IDE –, relacionados à movimentação de mão-de-obra e da

capacidade de absorção da firma receptora.

A difusão tecnológica pode ocorre através de transações de mercado formais ou informais,

nas quais o papel das EMNs pode ser ativo ou passivo.

24 Os incentivos públicos a tais investimentos são fortemente baseados na possibilidade de tais transbordamentos. Todavia, ainda restam dúvidas sobre se estes transbordamentos são suficientemente grandes para justificar os subsídios que os governos direcionam para promover o IDE.

46

Figura II – Empresas multinacionais e transbordamentos

Papel das EMNs Tipos de transação Ativo Passivo

Formal joint ventures,

licenciamento comercialização de bens

Informal linkages artigos e trocas cientificas e

comerciais Fonte: adaptado de Fransman (1985), em: Blomström e Kokko (1996)

Os transbordamentos gerados a partir de subsidiárias podem ocorrer através dos seguintes

canais:

1. Efeito demonstração/imitação: aprendizado proporcionado pelas subsidiárias estrangeiras

às firmas domésticas25. Após observar uma inovação em produto, ou uma nova forma de

organização adaptada às condições locais, realizada pela subsidiária, os empreendedores locais

passam a reconhecer sua viabilidade. Até então, tais empreendedores possuíam informações

limitadas sobre os custos e benefícios dos novos métodos, podendo acreditar que o risco de

implementá-lo seria muito elevado. E, dado que os empreendedores locais entram em contato

com usuários, as informações sobre as inovações tecnológicas e as novas técnicas são difundidas,

reduzindo a incerteza e elevando o nível de imitação.

2. Efeito competição: a competição com subsidiárias estrangeiras força as firmas domésticas a

atualizar suas técnicas e tecnologias.

Dada a proximidade entre os efeitos demonstração e competição, alguns estudos tentam

analisá-los conjuntamente. Empiricamente, diferenciá-los não é tarefa trivial. Se por um lado o

aumento de produtividade relacionado a estes efeitos tem potencial elevado em países em

desenvolvimento, dadas as ineficiências iniciais, por outro as firmas locais destes países tendem a

ser frágeis demais para responder competitivamente à entrada estrangeira; já em nações

avançadas, a resposta das empresas locais tem maior potencial de ser positiva. Os

transbordamentos gerados dependerão, entre outros fatores, do impacto da entrada de empresas

multinacionais na concentração e competição de mercado.

3. Efeitos linkage externos (foreign linkage effect): firmas domésticas aprendem a exportar com

subsidiárias estrangeiras.

4. Efeito de treinamento: firmas domésticas absorvem mão-de-obra que trabalhou nas

subsidiárias. As subsidiárias treinam capital humano local, que posteriormente passa a atuar em

firmas domésticas, elevando sua produtividade através do conhecimento tático absorvido.

25 Ressalta-se que este aprendizado não depende somente da presença da firmas estrangeiras, mas da capacidade das empresas domésticas absorvê-las, o que exige investimentos em capacitação própria.

47

Para Amsden (2006), a reputação dada às subsidiárias de empresas multinacionais como

promotoras do desenvolvimento, através de processos de transferência tecnológica, é exagerada.

Horizontalmente, o montante de tecnologia transferida destas empresas para as firmas nacionais

seria “minúsculo”, podendo ser relevante somente no caso de capacitação gerencial. A autora

argumenta que as firmas estrangeiras de fato transferem tecnologia para suas subsidiárias, mas

que esta tecnologia é protegida de seus competidores domésticos, não sendo repassada. Ainda

enfatizou que a realização de P&D por multinacionais nos países mais atrasados é pequena no

montante e modesta em complexidade. Mesmo considerando que as subsidiárias investem em

aprendizado local para adaptar os produtos vendidos domesticamente às preferências dos

consumidores locais, ela ressalta que a realização de pesquisa para a geração completa de um

novo produto ou processo próximo à fronteira mundial é praticamente inexistente (Amsden,

2001).

Os efeitos de transbordamento nem sempre são positivos – podem ser nulos, ou até

negativos. No estudo de Konings (2001), o capital estrangeiro não teve impacto na produtividade

de empresas locais, particularmente no que se refere às chamadas economias em transição (leste

europeu). Já Aitken e Harrison (1991) analisaram a indústria manufatureira venezuelana entre

1976 e 1989, concluindo que o efeito do investimento externo na produtividade de firmas locais

foi, em geral, negativo (Blomström e Kokko, 1996). Analisando dados sobre o Brasil entre 1992 e

1995, Johnson (1998) apud Araújo (2005) constatou que transbordamentos em conhecimento, via

presença de P&D estrangeiro na indústria, tiveram um efeito estatisticamente insignificante no

P&D doméstico e em gastos em tecnologia licenciada, pois se por um lado as firmas brasileiras

foram encorajadas a realizar P&D, por outro os próprios transbordamentos permitiram que cada

firma despendesse menos recursos nesta atividade. Em linha similar, Unctad (2004) enfatizou que

empresas multinacionais podem absorver os escassos recursos locais atuantes em firmas locais e

universidades de pesquisa, em geral a mão-de-obra mais qualificada, limitando que estas se

beneficiem do conhecimento tácito relacionado a esta mão-de-obra.

Amsden (2001) ressaltou que, em mercados competitivos, a origem de capital de uma firma –

o fato de ser nacional ou estrangeira - não geraria impacto diferenciado no desempenho

econômico de sua indústria ou país. Em indústrias com baixos custos de entrada, a atuação das

multinacionais como first movers não constitui uma barreira à entrada de firmas nacionais;

entretanto, em mercados oligopolísticos, origem de capital faz diferença, pois um processo de

industrialização implementado através da atuação de empresas multinacionais pode limitar a

posterior entrada de firmas locais. Dado os limitados investimentos em P&D que comumente são

efetuados por multinacionais fora de sua sede, o domínio setorial por empresas subsidiárias inibe

a realização de P&D domesticamente.

48

Alguns indicadores sugerem que, quanto maior a presença de multinacionais em um

determinado segmento, mais limitado o esforço tecnológico realizado. Amsden (2001) apresentou

coeficientes de correlação negativos entre a participação das firmas estrangeiras na formação de

capital e estoque de investimentos em ciência e tecnologia (C&T), em países em desenvolvimento,

nos anos noventa, considerando diversos tipos de investimento em C&T como P&D (-0,45),

patentes (-0,45), publicações científicas (-0,42) ou cientistas e engenheiros envolvidas em P&D (-

0,22). Portanto, países nos quais o investimento estrangeiro é relativamente limitado tendem a

investir mais em capacitações próprias. A autora enfatiza que em países nos quais as indústrias

são predominantemente controladas por empresas nacionais, como China, Índia e Coréia, os

investimentos agregados em P&D tendem a ser elevados, pois de outro modo tais empresas não

conseguiriam competir e sobreviver no mercado. Em contraste, baixos investimentos agregados

em P&D e elevada incidência de propriedade estrangeira tenderiam a coexistir no Brasil,

Argentina e México.

Na mesma linha, Zucoloto e Toneto Jr (2005) analisaram os setores manufatureiros no Brasil

e mostraram que quanto maior a participação do capital estrangeiro em uma indústria, menor o

esforço tecnológico relativo26 por ela realizado27.

O fato das empresas multinacionais nos países em desenvolvimento atuarem em segmentos

não ocupados por empresas domésticas se explica, entre outros fatores, pela dificuldade destas

sobreviverem à competição direta das estrangeiras. A indústria automobilística latino-americana é

um exemplo. Visando promover a competição nesta indústria, Brasil, Argentina, Chile e México

estimularam a entrada do maior número possível de concorrentes, culminando no predomínio de

empresas estrangeiras. Em contraposição, esta indústria serviu como plataforma para a formação

de empresas de propriedade nacional na Coréia, Tailândia, Taiwan, Indonésia, China, Índia e

Turquia (Amsden, 2006).

Backer e Sleuwaegen (2002) analisaram a entrada e saída de firmas na indústria

manufatureira belga e concluíram que o IDE, assim como as importações, desencoraja a entrada e

estimula a saída de empreendedores domésticos, via efeito crowd out nos mercados de produto e

trabalho. Importações e IDE podem causar redução no número de empreendedores locais por

reduzirem os preços no mercado local a ponto de limitar a participação destes agentes; além disto,

a entrada de investimento estrangeiro também pode absorver mão-de-obra até então direcionada

aos empreendimentos domésticos, limitando duplamente sua atuação. Deste modo, a entrada de

IDE pode reduzir o número de firmas domésticas na economia. Todavia, os autores concluíram

26 Distância entre P&D / valor da produção do Brasil em relação a P&D / valor da produção média dos países da OCDE. 27 A correlação entre estas variáveis, mensurada pelo coeficiente de Spearman, foi de – 0,57, significativo a 5%.

49

que este efeito predomina no curto prazo; no longo prazo, foram encontrados efeitos positivos de

IDE no empreendedorismo doméstico, como resultado de aprendizado, demonstração e efeitos de

redes entre firmas domésticas e estrangeiras, que tendem a minimizar ou até reverter efeitos

negativos. Se no curto prazo, a entrada de IDE em indústrias com forte participação de firmas

domésticas pode ter efeito negativo sobre o empreendedorismo doméstico, no longo prazo podem

se tornar complementares, pelo estabelecimento de linkages, desde que este processo seja

estimulado por programas específicos. Os ganhos de bem-estar de longo prazo estariam

associados à eliminação das empresas domésticas menos eficientes, proporcionada pelo próprio

efeito crowd out de curto prazo.

Complementarmente, alguns estudos revelaram que o empreendedorismo promovido por

antigos funcionários de subsidiárias geram transbordamentos significativos. Katz (1987) revelou

que diversos administradores de firmas locais da América Latina iniciaram suas carreiras em

filiais de empresas multinacionais, enquanto Altenburg (2000) mostrou que empresas eletrônicas

oriundas de spin offs na Malásia mantinham relações de proximidade como fornecedoras de

EMNs (Meyer, 2004). Meyer (2004) concluiu que a movimentação da mão-de-obra pode não ser

elevada em relação ao número de indivíduos envolvidos, mas os que saem das EMNs podem

gerar impacto substantivo como empreendedores.

Grande parte da literatura analisa os transbordamentos originários das subsidiárias em

direção às empresas domésticas, mas pesquisas recentes também buscam verificar o caminho

contrário, com base no argumento que as subsidiárias estrangeiras têm buscado acesso ao

conhecimento criado por firmas locais, mesmo em países em desenvolvimento. Nestes, na

presença de firmas locais tecnologicamente avançadas, a entrada de EMNs pode levar a um

processo de desenvolvimento e competição tecnológica que pode gerar transbordamentos tanto

para as firmas domésticas como para as estrangeiras (Feinberg e Majumdar, 2001). Este cenário

pode ser exemplificado pela indústria farmacêutica indiana, onde a presença de empresas

multinacionais é crescente com objetivo de interagir com as capacitações das empresas nacionais,

as quais investem em P&D e apresentam competitividade internacional. Feinberg e Majumdar

(2001) ressaltam que o acesso ao conhecimento doméstico pelas empresas multinacionais exige

que estas realizem algum P&D localmente, pois os transbordamentos de conhecimento são

geograficamente limitados e, mesmo que possuam estoque considerável de conhecimento

relacionado a suas atividades globais, algum investimento em P&D local é necessário para avaliar

a absorver o conhecimento gerado por firmas domésticas. E, ainda, no caso específico da indústria

farmacêutica, as EMNs mantêm operações de P&D internacionais relevantes devido às políticas

domésticas de aprovação de medicamentos.

50

Análise similar foi realizada por Wang (2006), que avaliou como as filiais de empresas

multinacionais podem se beneficiar de transbordamentos tecnológicos gerados a partir de firmas

locais chinesas. Para apropriar-se do conhecimento gerado localmente, as firmas multinacionais

realizem investimentos em P&D nos países receptores; além disto, competição intensa envolvendo

firmas locais exige que as filiais aumentem sua capacidade de adaptação ao mercado e de

aprendizado.

Mais especificamente, os estudos avaliam os transbordamentos de IDE através de relações

verticais (inter-industriais) ou horizontais (intra-industriais):

III.1 - Transbordamentos horizontais

Transbordamentos horizontais, ou intra-industriais, refletem as relações entre a firma e seus

concorrentes. Rojec (2007) apresentou os principais resultados da literatura de transbordamentos

de IDE, que em sua maioria tem estimado a magnitude dos transbordamentos horizontais na

produtividade doméstica. Os estudos de caso apresentam resultados mistos – positivos, negativos

e neutros -, cujas conclusões não podem ser generalizadas. Já as pesquisas de cunho setorial

apresentam, em geral, uma correlação cross-section positiva entre a presença de subsidiárias

estrangeiras e produtividade setorial, todavia nestes estudos é difícil estabelecer uma relação de

causalidade entre as variáveis, dado que o investimento estrangeiro tende a se localizar em

indústrias de alta produtividade, expulsando as firmas menos produtivas do mercado. Alguns

estudos sugerem que as empresas multinacionais operam em indústrias intensivas em tecnologia,

portanto causalidade reversa entre produtividade e presença de IDE torna-se altamente plausível

(Meyer, 2004).

Análises de dados em painel, no nível da firma, não argumentam a favor da existência de

transbordamentos de IDE em países em desenvolvimento. Estes, quando existem, estão limitados

a determinadas indústrias. Já no caso de países desenvolvidos, resultados positivos são mais

comumente encontrados. Para economias em transição, os resultados são contraditórios: muitos

trabalhos sugerem poucos transbordamentos de IDE intra-industriais, apesar de alguns estudos

mais recentes apresentarem resultados positivos. Entre os estudos, cabe destacar Haddad e

Harrison (1993), que analisaram os transbordamentos na indústria manufatureira de Marrocos

nos anos 1980, e não encontram resultados positivos para todos os setores.

Resumidamente, estudos de caso e cross-section setoriais apresentam resultados

sistematicamente mais positivos entre transbordamentos IDE e produtividade que trabalhos em

painel no nível da firma (Rojec, 2007). A evidência sobre transbordamentos intra-industriais é

fraca, se metodologia em painel é utilizada.

51

Os resultados encontrados ao nível da firma, que indicam transbordamentos nulos ou

negativos do IDE, podem estar relacionados à capacidade efetiva das empresas multinacionais

protegerem suas vantagens tecnológicas, evitando transbordamentos potenciais.

III.2 - Transbordamentos verticais

Os transbordamentos verticais refletem as relações da firma com fornecedores e clientes.

As relações entre subsidiárias e fornecedores locais, identificadas como “encadeamentos para

trás” (backward linkages), ocorrem quando as subsidiárias auxiliam fornecedores a realizarem

novas instalações de produção; demandam produtos confiáveis e de alta qualidade e, ao mesmo

tempo, fornecem assistência técnica ou informações que ajudam a aprimorar os produtos;

promovem treinamento e aprimoramento gerencial e organizacional, colaboram na compra de

materiais e ajudam os fornecedores a encontrar novos clientes, incluindo subsidiárias em outros

países (Lall, 1980 apud Rojec, 2007). Esta relação foi apresentada já em estudos não recentes, como

Lall (1980), ao estudar a indústria de caminhões indianos, Behrman e Wallender (1976), em estudo

sobre as empresas General Motors, ITTe Pfizer, e Reuber et. al. (1973), ao analisar um survey sobre

subsidiárias em países em desenvolvimento (Blomström e Kokko, 1996). Se, por um lado, a

entrada de subsidiárias em um mercado pode elevar a demanda por produtos intermediários e,

conseqüentemente, sua escala de produção, por outro a aquisição de empresas domésticas por

subsidiárias pode culminar na troca de fornecedores locais por estrangeiros, proporcionando

efeito inverso (Smarzynska, 2003 apud Rojec, 2007).

Em relação aos encadeamentos para frente (forward linkages), as firmas locais são os clientes

de subsidiárias estrangeiras, que podem realizar treinamento em técnicas de vendas, ofertar bens

intermediários e máquinas de melhor qualidade e serviços pós vendas aprimorados.

Empiricamente, há menos evidências sobre tais encadeamentos, se comparados aos backward

linkages. Alguns resultados foram encontrados em firmas estudadas por Reuber et al. (1973); na

economia irlandesa, analisada por McAleese e McDonald (1978), e especialmente no estudo de

Aitken e Harrison (1991). (Blomström e Kokko, 1996)

Os transbordamentos verticais baseados em encadeamentos para frente e para trás

apresentam resultados mais consistentes que os horizontais. A dificuldade em se obter evidências

empíricas de transbordamentos verticais está nas limitações de dados sobre as relações insumo-

produto em nível industrial. Entre os estudos realizados, cabe destacar Smarzynska (2002) e

Blalock e Gertler (2003), que encontraram evidências de transbordamento em indústrias

verticalmente relacionadas, mas efeitos não significativos de transbordamentos horizontais.

Belderbos et al. (2001) concluíram que os encadeamentos verticais são mais evidentes nos casos de

subsidiárias mais antigas, tendência já observada por McAleese e McDonald, em 1978, cujo estudo

52

demonstrou que a as compras locais de insumos crescem com o ‘envelhecimento’ das

subsidiárias28. Tais autores sugerem que os transbordamentos se tornam mais comuns ao longo

do tempo, com contato crescente entre firmas domésticas e subsidiárias. Exigências de conteúdo

local também parecem ter um efeito positivo: Reuber et al. (1973) apud Blomström e Kokko (1996)

demonstraram que as filiais na América Latina e Índia compravam proporcionalmente mais de

firmas locais que filiais de outros países em desenvolvimento, como Leste Europeu,

provavelmente devido a exigências de conteúdo local.

Em suma, a literatura sobre transbordamentos verticais parece confirmar seus efeitos

positivos, apesar das limitações metodológicas ainda presentes, e das dificuldades de se

compreender seu efeito através de micro-dados. Algumas características dos países receptores

parecem influenciar tais evidências, como tamanho do mercado, regulação de conteúdo local e

capacitações tecnológicas das firmas locais.

Em geral, os estudos concluem que transbordamentos positivos estão relacionados a:

a) firmas domésticas com elevada capacidade de absorção: as firmas locais não são receptores

passivos dos transbordamentos; suas estratégias e dotação de recursos são cruciais para obterem

benefício da interação com os investidores estrangeiros. Os transbordamentos não afetam as

firmas de forma homogênea. Estudos concluem que IDE pode contribuir para o aumento da

produtividade doméstica se o hiato tecnológico entre firmas estrangeiras e domésticas não for

muito elevado (Haddad e Harrison, 1993; Kokko, 1994) e, especialmente, quando estas

apresentam capacidade de absorção – capacidade da firma doméstica reconhecer o valor do novo

conhecimento, integrá-lo a suas atividades e utilizá-lo produtivamente. A extensão do

transbordamento tecnológico depende, portanto, das ações de ambas as firmas, não se realizando

de forma quase-automática. Empresas tecnologicamente mais avançadas e que realizam maiores

investimentos em P&D tendem a se beneficiar mais da presença de subsidiárias estrangeiras. A

capacidade de absorção é crucial para as firmas locais se beneficiarem, com destaque para seus

ativos intangíveis e investimentos em aprendizado e P&D. A capacidade absortiva está

relacionada à presença de capital humano, tamanho da empresa, infra-estrutura, ambiente

comercial e de negócios, extensão da aglomeração das subsidiárias no país, tamanho da economia

local, entre outros.

b) o papel da matriz e das subsidiárias: além das características específicas das firmas

domésticas, os transbordamentos tecnológicos dependem do posicionamento da matriz e das

subsidiárias. A entrada de subsidiárias via joint ventures tende a resultar em transbordamentos

mais elevados a firmas domésticas que a entrada de investimento integralmente estrangeiro,

facilitando o estabelecimento de redes e parceiros locais (Rojec, 2007). Meyer (2004) ressaltou que

28 Estudos citados em Blomström e Kokko (1996).

53

as aquisições são vistas com ressalvas, dado que os novos proprietários podem reorganizar a

interação com os ofertantes; já Belderbos (2003) enfatizou que investimentos via aquisições são

mais propensos a se engajarem em atividades de P&D que projetos greenfield. De fato, existe uma

ambigüidade nos resultados relacionados aos tipos de entrada, que requerem análises mais

intensas.

Em relação à distribuição dos benefícios oriundos das transações entre subsidiárias e

empresas locais, constatou-se que fornecedores produtores de bens intermediários com

especialização tecnológica e/ou economias de escala possuem algum grau de autonomia; já

fornecedores locais cujos produtos são baseados em baixos custos de trabalho possuem menor

poder de barganha. A contribuição do investimento estrangeiro à economia local depende não

somente da criação local de valor, mas também de quem se apropria economicamente, por sua

vez está relacionada ao poder de barganha dos agentes envolvidos. A hipótese tradicional é que

ambos se beneficiam, dado que entram livremente nesta relação, mas dado que a distribuição dos

benefícios é desigual, precisa ser melhor detalhada na análise dos benefícios do IDE às economias

locais.

c) proximidade geográfica entre subsidiárias e firmas domésticas: firmas domésticas

localizadas próximas a subsidiárias estão mais propensas a se beneficiar de transbordamentos.

Neste sentido, os clusters industriais se destacam como oportunidade de interação direta entre as

firmas, facilitando o transbordamento e a especialização produtiva. A contribuição das

subsidiárias ao desenvolvimento de clusters passa pela transferência de tecnologia aos parceiros

locais, contribuindo e se beneficiando da troca de conhecimento estabelecida.

Os limites de tais avaliações precisam ser ressaltados. Existem problemas metodológicos

relacionados à mensuração dos transbordamentos, tais como a definição da amostra; mensuração

de transbordamentos de produtividade, que podem ser resultados de outros fatores além das

externalidades tecnológicas; amostra com período de tempos suficiente para se identificar os

hiatos temporais; qualidade dos dados e das amostras, nível apropriado de agregação e

problemas de endogeneidade em análises cross-section e painel.

IV. Investimento Estrangeiro no cenário mundial

O investimento direto estrangeiro apresentou forte expansão nas últimas décadas em nível

mundial. Partindo de um montante de aproximadamente US$ 13 bilhões em 1970, alcança US$207

bilhões em 1990. O forte crescimento observado especialmente nos anos 1990s culmina com valor

recorde em 2000, quando o IDE mundial alcança em torno de US$ 1,3 trilhão. Após uma redução

entre os anos 2000 e 2003, o fluxo de IDE mundial volta a apresentar crescimento significativo,

alcançando sucessivos recordes até o montante de US$ 1,8 trilhão em 2007. Este impulso recente é

54

reflexo do crescimento econômico observado em diversas partes do globo antes da crise financeira

mundial de 2008 (Unctad, 2008). Este fluxo, todavia, não se direciona de forma homogênea entre

as nações. Em 2007, 68,7% deste fluxo concentrou-se nas nações desenvolvidas, tendência que

sofreu pouca alteração ao longo das últimas décadas (gráfico II).

Merece destaque a participação dos países em desenvolvimento do continente americano no

total de países em desenvolvimento (PED da América / PED), cujo percentual passa de 49,8%

(média dos anos 1970) para 28,8% (média dos anos 2000). A partir de 1999, esta queda de

participação está especialmente relacionada ao fenômeno do crescimento econômico chinês, que

passa a impulsionar o IDE para a Ásia.

Gráfico III

Fonte: Unctad, elaboração própria

IV.1 – IDE em P&D

Aproximadamente 80% das 700 empresas que mais gastam em P&D no mundo são

originárias de cinco países: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido e França. Os sistemas

de inovação destes países apresentam diferenças substanciais, que impactam diretamente em seus

investimentos estrangeiros e estratégias tecnológicas de suas EMNs. Tais características

representam um elemento do complexo conjunto de fatores estruturais que condicionam o

comportamento das empresas multinacionais. As características do país sede influenciam suas

estruturas de governança, de financiamento, relações com o ambiente científico e tecnológico,

55

exposição à competição e graus de acessos a oportunidades tecnológicas e de mercado. (Doremus

et al., 1998). O contexto nacional, e seus impactos nas diferentes políticas públicas estabelecidas,

são fundamentais na caracterização das empresas originárias de cada país. Portanto, a

possibilidade de uma empresa multinacional realizar P&D em um país estrangeiro, assim como o

tipo de P&D a ser realizado, é significativamente influenciada pelas características nacionais da

matriz.

Neste sentido, a figura III compara as características estruturais e comportamentais das

empresas multinacionais norte-americanas, japonesas e alemãs, sintetizando as diferenças na

governança corporativa, finanças corporativas e comportamento estratégico relativos a P&D, IDE

e comércio intra-firma.

Figura III

Não só as características nacionais da matriz são relevantes, mas também o papel que o

investimento estrangeiro assume nos países receptores. É possível observar diferenças

significativas no que se refere à participação das atividades de P&D de subsidiárias no P&D

privado realizado pelos países receptores, como mostra a figura IV:

56

Figura IV

Participação de subsidiárias de empresas estrangeiras nas atividades em P&D por país,

2003

Fonte: Unctad, in: Arruda, Vermulm e Hollanda (2006)

Em alguns países, a diferença entre o esforço em P&D das subsidiárias e firmas domésticas se

deve à baixa intensidade deste último grupo – caso de Austrália e Irlanda; já países em que as

firmas domésticas apresentam elevado esforço em P&D, o esforço das subsidiárias aparece

proporcionalmente menor – França, Alemanha, Países Baixos e Suécia. (OCDE, 1998).

Comparativamente, destaca-se que o Brasil aparece com um dos percentuais mais elevados de

participação do P&D estrangeiro.

Para se compreender com mais detalhes o processo de internacionalização tecnológica, o

tópico a seguir analisa o comportamento das empresas multinacionais norte-americanas.

57

IV.1.1 - A experiência das empresas multinacionais norte-americanas29

O processo de internacionalização tecnológica das empresas norte-americanas pode ser

analisado com base nas informações disponibilizadas pelo US Bureau of Economic Analysis (BEA),

que concentra estatísticas sobre as matrizes e suas filiais pelo mundo. Esta base de dados pode ser

considerada um bom indicador da performance mundial das empresas multinacionais, pois as

subsidiárias norte-americanas representam aproximadamente 42% do total das filiais mundiais30

[Unctad (2005)]. Ressalva-se que pelo contexto histórico e proximidade geográfica, estas empresas

tenderam a atuar mais intensamente na América Latina, enquanto as firmas japonesas

internacionalizaram-se em direção à Ásia.

Os dados confirmam que as atividades de P&D ainda se concentram fortemente na matriz, e

que esta tendência não está se alterou até o início dos anos 2000. O gráfico IV a seguir demonstra

que a relação entre gastos em P&D realizados pelas filiais e pela matriz sofreu poucas alterações

entre 1991 e 2003, sem que se possa identificar uma tendência de crescimento estrutural31.

Gráfico IV

Gastos em P&D: Filiais / Matriz

15,4%

13,8%14,4%

13,7%

15,8%

13,9%

15,9%

15,1%

12,9%

14,0%

12,9%13,0%

15,0%15,4%

10%

11%

12%

13%

14%

15%

16%

17%

18%

19%

20%

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Fonte: BEA

29 Para maiores detalhes sobre esta discussão, ver Zucoloto e Cassiolato (2006). 30 Considerando as 700 empresas mundiais que mais gastam em P&D. 31 Dados apresentados por Arruda, Vermulm e Hollanda (2006) sugerem quadro mais otimista. Citando a UNCTAD como fonte, os autores revelam que o peso dos investimentos em P&D das subsidiárias (não somente norte-americanas) passou de 10% em 1993 para 16% em 2002. Apesar de confirmarem a pouca mudança observada entre empresas norte-americanas (de 11% para 13%, nos anos citados), revelam o fortalecimento das subsidiárias de multinacionais originárias de outros países: no caso das empresas suecas, a participação das filiais passou de 22% para 43% entre 1995 e 2003.

58

Observando a relação entre gastos em P&D e vendas das filiais de subsidiárias norte-

americanas, apresentada a seguir, conclui-se que esta relação não se alterou ao longo da década de

noventa, partindo de 0,76% em 1991, alcançando 0,74% em 1995 e 0,77% em 2003. Este percentual

é significativamente inferior ao observado na matriz, cujos percentuais superam 2,0% em todos os

anos. O esforço tecnológico32, tanto das filiais como da matriz, não sofreu alterações relevantes no

período. (gráfico V)

Gráfico V

Gastos em P&D / Vendas

2,1%

2,2%

2,1%2,0%2,1%

2,3%2,2%

2,2%

2,0%

2,1%2,2%

2,1%

2,3% 2,3%

0,77%0,84%

0,78%

0,82%0,82%

0,74%

0,74%0,75%

0,74%

0,83%0,86%0,86%

0,76%

0,84%

0,0%

0,5%

1,0%

1,5%

2,0%

2,5%

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Matriz Filiais Fonte: BEA

Ressalta-se que em valores absolutos, o crescimento dos gastos em P&D nas filiais foi

significativo ao longo dos anos 1990s, porém acompanhado de um crescimento proporcional nas

vendas e nos gastos das matrizes, fazendo com que a relação P&D/vendas da matriz e das filiais

não sofresse alteração.

A base de dados também permite comparar a relação entre filiais e matriz não somente no

que se refere à P&D, mas também ao nível de vendas, emprego e salários. Observa-se que as filiais

possuem uma participação mais elevada em vendas e nível de emprego, se comparadas a nível

salarial e P&D33. Tais percentuais sugerem que altos salários, assim como atividades tecnológicas,

estão proporcionalmente mais concentrados na matriz que emprego e venda. Constata-se,

portanto, maior intensidade da internacionalização produtiva em relação à tecnológica. (gráfico

VII).

32 Esforço tecnológico refere-se à relação entre gastos em P&D e vendas. 33 Esta tendência já havia sido sugerida por Patel e Pavitt (1998): firmas estrangeiras, em geral, possuem maior participação na estrutura produtiva que tecnológica (mensurada por patentes e P&D).

59

Gráfico VI

Filiais / Matriz

36,0%

15,4%15,4%

13,8%15,1%14,4%

12,9%13,7%14,0%12,9%13,0%

15,0%15,4%

38,8%

36,7%

39,7%39,7%

37,1%37,5%37,1%39,7%

40,4%41,7%

40,0%

23,6%

23,6%23,0%22,5%

23,1%

24,4%

24,4%24,9%

24,4%22,8%

22,1%

23,4%

30,7%

31,9%

32,3%

32,6%

34,2%33,8%

34,2%36,0%

37,3% 37,3%

29,8%

30,1%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

P&D Vendas Remuneração Emprego

Fonte: BEA

Os indicadores apresentados sugerem que os gastos em P&D realizados por empresas

multinacionais norte-americanas continuam fortemente concentrados na matriz, quadro que não

se alterou ao longo dos anos noventa. Comparativamente, os esforços realizados pela matriz se

mantêm superiores aos realizados pelas filiais em patamares constantes ao longo dos anos

analisados, e a internacionalização ainda impacta mais significativamente os indicadores de

produção e emprego, se comparados a P&D e salários.

Entretanto, é possível observar uma realocação dos gastos entre as filiais receptoras de

investimentos das empresas norte-americanas, no qual países asiáticos como China e Índia vêm

ganhando significativo espaço - sua relação P&D/vendas alcança patamares similares aos

observados nas filiais de países desenvolvidos. Por outro lado, as filiais atuantes na América

Latina não apresentam dinamismo similar. Arruda, Vermulm e Hollanda (2006) revelaram que a

participação de alguns países em desenvolvimento nos esforços em P&D das filiais deve crescer:

pesquisa realizada pela UNCTAD em 2004-2005 apontou que mais da metade das empresas

multinacionais pretendiam investir em P&D em China, Índia e Cingapura, sendo a China o

destino considerado mais atraente pelas empresas para futuros projetos de P&D – Brasil aparece

em 15º lugar34. (tabela I)

34 No continente africano, África, P&D realizado por empresas multinacionais é muito limitado. Algumas atividades são desenvolvidas na África do Sul, Quênia e Marrocos, mas no restante elas praticamente não

60

Tabela I

Gastos em P&D/vendas das filiais de empresas norte-americanas

Tais resultados, associados aos encontrados na revisão de literatura, permitem concordar

com a opinião apresentada por Patel e Pavitt (1998): é possível falar em internacionalização

tecnológica, mas não em globalização; e este processo é gradual, não representando uma ruptura

no padrão internacional das atividades de P&D.

V. Investimento estrangeiro no Brasil

No Brasil, entre os anos 1980 e meados dos 1990s a participação do IDE no PIB oscilou de 7 a

12%. A partir de 1996, impulsionado pelo processo de privatização, desregulamentação e

liberalização econômica, este percentual aumenta significativamente, superando 25% nos anos

2000. (gráfico VII).

existem. Estas limitações estão associadas a frágeis capacitações domésticas em P&D e falta de mecanismos institucionais para gerar incentivos aos investidores. O P&D de EMNs existente está ligado aos recursos naturais – petróleo e agricultura. (Unctad, 2005).

61

Gráfico VII

Estoque de IDE / PIB

Fonte: Unctad, em: Cassiolato et al (2009)

O gráfico VIII mostra o crescimento do fluxo de IDE para o Brasil a partir dos anos 1990s,

alcançando mais de US$ 30 bilhões por ano no final desta década. De 1996 a 1999, este fluxo

atingiu US$ 80 bilhões, montante significativamente superior ao IDE acumulado até 1996, de US$

45 bilhões (Gonçalves, 1999 apud Cassiolato et al., 2009). Este fluxo é reduzido ao longo dos anos

2000, mas ainda situa-se em patamares superiores aos encontrados até meados de 1990s. Em

comparação aos demais países em desenvolvimento, a participação do fluxo de IDE no Brasil,

após o pico atingido em 1998 – em que o país representou 15% do montante recebido por nações

em desenvolvimento, reduz-se ao longo dos anos, alcançando 5% em 2006. Esta redução está

associada, entre outros fatores, ao crescimento chinês como player mundial

62

Gráfico VIII

Fluxo de IDE para o Brasil - 1990-2006

Fonte: Unctad, em: Cassiolato et al (2009)

O gráfico IX demonstra que se em 1998, no auge do processo de privatizações, a entrada de

IDE foi concentrada no setor de serviços, a partir dos anos 2000 este crescimento se deu de forma

mais igualitária entre os setores da economia.

Gráfico IX

Fluxo de IDE no Brasil por setor econômico

Fonte: Unctad, em: Cassiolato et al (2009)

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

IDE total - Brasil IDE Brasil / Mundo

IDE Brasil / Países em desenvolvimento

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

1996 1997 1998 1999** 2000** 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Agricultura e Mineração Manufatura

Serviços

63

V.1 – Atividades tecnológicas por origem de capital no Brasil

A analise a seguir será realizada com base em estatísticas da PINTEC – Pesquisa de Inovação

Tecnológica, divulgada pelo IBGE nos anos 2000, 2003 e 2005, que fornece informações sobre as

atividades de inovação tecnológica das empresas brasileiras. Algumas considerações sobre esta

pesquisa precisam ser mencionadas para melhor compreensão da análise dos dados.

A classificação das empresas por origem de capital seguiu as respostas apresentadas no

questionário da Pintec (características da empresa, questão 1). A empresa foi classificada como

nacional se respondeu que a origem do capital controlador da empresa era nacional; nos demais

casos, - quando respondeu que a origem do capital controlador era estrangeira ou mista, a

empresa foi classificada como multinacional (subsidiária).

A amostra da Pintec é realizada a partir de um estrato certo, onde todas as empresas são

incluídas com probabilidade um, e dois estratos amostrados, diferenciados pelo grau de incerteza

com relação à presença do fenômeno em estudo. No estrato certo, são incluídas todas as empresas

de grande porte (com 500 ou mais pessoas ocupadas na indústria de transformação); as empresas

de menor porte, abaixo de 500 funcionários, não foram necessariamente entrevistadas em todas as

três pesquisas. Em cada pesquisa, estrato amostral foi associado a um fator de expansão,

indicando a representatividade da firma entrevistada. A elaboração do fator de expansão leva em

conta algumas características da firma, mas não sua origem de capital. Se, por exemplo, a firma A

representa outras cinco empresas, é possível afirmar que esta representatividade é válida quanto à

receita líquida de vendas – critério incluído na elaboração do fator de expansão -, mas sem

garantir que as firmas representadas possuem a mesma origem de capital da empresa

selecionada.

Esta limitação distorce a análise das atividades tecnológicas empresariais da indústria

brasileira por origem de capital, inviabilizando a correta utilização do fator de expansão. Portanto,

optou-se por concentrar a análise das atividades tecnológicas por origem de capital nas empresas

brasileiras de grande porte. O universo selecionado é representativo: empresas de grande porte

são responsáveis por 75% dos gastos privados em P&D realizados no país. (Pintec, 2005). Em

alguns casos, a mesma análise realizada para empresas de grande porte foi repetida para

empresas de todos os portes, visando confirmar os resultados obtidos. Nestes casos, é preciso

apenas manter a ressalva quanto às limitações da expansão da amostra.

A análise estatística e econométrica é feita com base em painel não balanceado, ou seja, inclui

empresas que entraram e saíram da amostra ao longo dos anos observados.

A tabela II caracteriza as firmas de grande porte brasileiras por origem de capital. Segundo

dados da Pintec 2005, há 1410 empresas de grande porte no Brasil, sendo 74,8% nacionais e o

restante, subsidiárias. Este percentual sofreu pouca alteração desde o ano 2000, com alguma

64

redução na participação das subsidiárias ao longo dos anos observados. Esta queda da

participação das subsidiárias é observada também em relação ao pessoal ocupado. O predomínio

de empresas nacionais torna-se menos significativo quando é considerado o valor da receita

líquida de vendas (RLV): em 2005, sua participação foi 56%.

As subsidiárias apresentaram, em todos os anos, participação no comércio exterior

significativamente mais elevada que as nacionais, no que se refere tanto a exportações quanto

importações. Se por um lado as exportações elevadas são associadas à capacidade competitiva –

seja competitividade espúria35 ou legítima -, o considerável montante importado celebra dúvidas

relativas ao estabelecimento de parcerias entre estas empresas e fornecedores locais, que

poderiam gerar transbordamentos verticais discutidos anteriormente.

Os dados agregados (tabela II) sugerem que as empresas multinacionais apresentam

indicadores de inovação superiores às nacionais em todos os critérios avaliados: percentual de

firmas inovadoras, atividades internas de P&D, aquisição de P&D e outros conhecimentos

externos, aquisição de máquinas e equipamentos e pessoal ocupado em P&D. Mas entre os

investimentos em atividades inovativas, as empresas nacionais se destacam por direcionar

proporcionalmente mais recursos à realização de P&D. Antes de indicar elevado esforço

tecnológico das empresas multinacionais no Brasil, diversos trabalhos ressaltam que esta

proporção é, antes de tudo, reflexo do limitado investimento em P&D das empresas nacionais

(Arruda, Vermulm e Hollanda, 2006).

35 Ver Fanzylber (2000).

65

TABELA II36

A tabela III apresenta as relações de cooperação estabelecidas entre as empresas avaliadas.

Entre as empresas que cooperam, destaca-se a participação significativa de fornecedores e

clientes/consumidores, em detrimento de concorrentes. Este indicador está na mesma linha das

principais conclusões obtidas por estudos sobre externalidades tecnológicas, os quais sugerem

que, em diversos países e indústrias analisadas, transbordamentos verticais, fruto das relações de

empresas com fornecedores e clientes, são mais significativos que os horizontais. No caso das

subsidiárias, também se destaca a cooperação com “outras empresas do grupo”: considerando

que filiais de multinacionais, especialmente de países em desenvolvimento, a) atuam na

adaptação de produtos e processos ao mercado local, b) respondem por parcela da geração de

produtos desenvolvidos ao longo do globo, e/ou c) utilizam grande parte de tecnologias geradas

no exterior, a cooperação com a matriz torna-se, em todos os casos, de extrema relevância.

36 Valores excluem informações das empresas nacionais do setor de fumo e multinacionais das indústrias de confecções, couro e calçados e petróleo e álcool por respeito ao sigilo exigido pelo IBGE – não identificação setorial no caso da informação envolver menos de três empresas. Lógica similar vale para as informações da tabela III.

66

Tabela III

A significativa concentração de investimentos em P&D em grandes empresas é acompanhada

por uma concentração similar em termos setoriais. (tabela IV). No caso das subsidiárias,

aproximadamente 50% da RLV se concentra em três setores: indústria automobilística, máquinas e

equipamentos e produtos químicos. Entre as nacionais, percentual similar é alcançado pela

participação conjunta das indústrias de petróleo e álcool e de alimentos e bebidas. Em relação aos

investimentos em P&D, esta concentração é ainda mais significativa.

No caso das subsidiárias, a indústria automobilística representa 53,8% dos esforços em P&D.

O perfil tecnológico deste setor no Brasil tem sido destacado por diversas publicações. A Unctad

(2005) sugeriu que a indústria automobilística é uma exceção ao comportamento das subsidiárias

de multinacionais atuantes no Brasil, em que P&D adaptativo é dominante. A publicação

enfatizou que poucas indústrias farmacêuticas estrangeiras fazem P&D no país, apesar da

disponibilidade de laboratórios públicos e capacitações locais. Arruda, Vermulm e Hollanda

(2006) também destacaram a preponderância da “tropicalização” nas atividades tecnológicas de

subsidiárias brasileiras, enfatizando o setor automobilístico como exceção, exemplificado pela

atuação da General Motors brasileira, que compete com outras subsidiárias do grupo pelo direito

de projetar e construir novos veículos e realizar atividades ligadas aos principais projetos da

empresa37. Os autores também ressaltaram que este processo de concentração é também

37 O centro de P&D da General Motors no Brasil foi estabelecido nos anos 1960s como uma pequena unidade voltada à adaptação de autos e peças às condições brasileiras – denominada tropicalização. Tornou-se um grande laboratório na década de 1980, com foco em projetos diretamente voltados ao mercado local. Nos anos 1990s, a subsidiária acumulou capacitação técnica no design de versões locais de modelos da GM. O contínuo aprimoramento da equipe de engenharia de desenvolvimento de produtos,

67

observado em outros países: em 2002, três quartos das atividades de P&D das subsidiárias de

multinacionais na Ásia eram relacionados a indústrias de computadores e eletrônicos; na Índia,

percentual equivalente estava relacionado com o desenvolvimento de software (Arruda, Vermulm

e Hollanda, 2006).

Em relação às empresas nacionais, petróleo e álcool e outros equipamentos de transporte

respondem por 61,6% deste montante. Estas duas indústrias são exemplos constantemente citados

e debatidos de setores construídos em base estatal, cujos investimentos públicos em tecnologia de

ponta foram historicamente essenciais na formação de sistemas setoriais de inovação

internacionalmente competitivos. Mesmo após o processo de liberalização econômica vivenciado

no país, esta histórica construção de capacitações ainda parece se refletir no aprimoramento

tecnológico industrial brasileiro38.

O esforço tecnológico em P&D, mensurado pela relação P&D/vendas, sugere que se no

agregado as empresas multinacionais apresentarem esforço mais elevado que as nacionais,

setorialmente este cenário sofre alterações. Entre os dezoito setores observados, em doze o esforço

realizado por empresas nacionais foi superior. Além disto, em 64% das indústrias, as empresas

nacionais direcionam proporcionalmente mais recursos à realização de P&D comparadas às

demais inovativas.

associado à infra-estrutura local, permitiram que a empresa se envolvesse no projeto que originou o modelo de carro Celta. A seguir, centro de P&D brasileiro deixa de ter foco exclusivamente local e passa e assume responsabilidades em âmbito internacional, como a de projetar um novo veículo a ser comercializado em escala mundial. A publicação enfatiza que o valor das atividades do centro de P&D brasileiro é modesto se comparado às atividades globais de P&D da empresa, mas a tendência tem sido de crescimento das responsabilidades e autonomia. 38 Unctad (2004): algumas aquisições resultam em efeito negativo para a capacitação inovativa local. Este fenômeno foi ilustrado nos anos 1990s pela aquisição por empresas multinacionais de firmas nas indústrias automotiva e de telecomunicações brasileiras, que culminou na redução de atividades de P&D nas firmas adquiridas.

68

TABELA IV39

39 Ver nota de rodapé da tabela II.

69

V.1.1 - 150 empresas multinacionais: comparação entre as filiais brasileiras e o desempenho

mundial

Para complementar a análise, informações sobre empresas multinacionais obtidas na Pintec

2005 foram associadas a dados disponibilizados pelo European Commission 2006, relativos as 2000

empresas mais inovadoras do mundo40. Nesta associação, foram encontradas 150 empresas

multinacionais com filiais no Brasil acima de 500 empregados. Estas empresas respondem por

70% dos gastos em P&D de empresas multinacionais de grande porte no Brasil, sendo portanto

representativas do esforço inovativo das subsidiárias brasileiras. A análise se concentra nas

informações sobre P&D, vendas e número de empregados das 150 empresas selecionadas,

classificadas de acordo com seu setor CNAE. Sua importância está em permitir a comparação do

desempenho destas firmas no Brasil e no mundo.

A tabela V revela que a receita líquida de vendas por empregado das filiais brasileiras é

relativamente próxima ao padrão mundial, em alguns casos superando-o. Já os gastos em P&D

por empregado das filiais brasileiras estão muito aquém. Enquanto a receita média por

empregado das filiais brasileiras representa 76,1% da receita média destas empresas no mundo,

no caso da P&D esta proporção se reduz para 10,4%. A exceção se concentra no setor de minerais

não metálicos, cujo cenário precisa ser melhor avaliado Tais resultados estão de acordo com a

análise das empresas multinacionais norte-americanas, a partir dos dados fornecidos pelo Bureau

of Economic Analysis, os quais sugerem que a internacionalização produtiva ainda é

significativamente mais intensa que a tecnológica.

40 Esta publicação inclui 1000 empresas européias e 1000 não européias. Os dados disponibilizados se referem à atuação destas empresas no mundo, agregando matriz e filiais. Nas informações referentes a 2005, fazem parte desta lista três empresas brasileiras: Petrobras, Vale do Rio Doce e Embraer. Na publicação de 2008 – informações referentes a 2007 – foram adicionadas duas empresas brasileiras: Weg e Brasken.

70

Tabela V

Complementarmente, o esforço tecnológico das filiais analisadas representa somente 13,6%

do realizado por estas empresas em nível mundial: enquanto a relação P&D/vendas destas

empresas situa-se em torno de 5,6% no mundo, no Brasil esta proporção cai para 0,8%. Este

percentual é especialmente baixo nas empresas que compõem os setores de saúde – farmacêutico

e instrumentação – nos quais o esforço em P&D no Brasil atinge, respectivamente, 8,8% e 1,6% do

realizado no mundo. Mesmo no caso do setor automobilístico, a distância entre os esforços das

empresas multinacionais no Brasil (1,3%) e no mundo (4,1%) é significativa. A exceção

novamente se concentra no setor de minerais não metálicos (tabela VI).

71

Tabela VI

Estes indicadores traçam um perfil do comportamento das grandes empresas multinacionais

mundiais no Brasil. Sugerem que o país, apesar de ser um mercado representativo de vendas, no

que se refere às atividades de P&D muito pouco é realizado localmente.

V.2 - Testes estatísticos

V.2.1 Metodologia

Os testes econometricos têm por objetivo identificar a relevância da origem de capital nas

atividades de P&D da indústria brasileira. Para realizar tal avaliação, serão utilizados os modelos

Tobit e Logit, quando a variável dependente assumir, respectivamente, o valor da relação entre os

gastos em P&D/vendas, e valor 1 ou 0 relacionado à realização ou não de P&D pelas empresas

brasileiras. Tais modelos podem ser estimados em cross-section ou em painel. Cross-section

representa um conjunto de dados unidimensionais, envolvendo dados coletados sobre diversos

72

agentes (indivíduos, firmas ou países) em um mesmo ponto no tempo, em geral com o objetivo de

comparar as diferenças entre estes indivíduos. Já o painel envolve informações de diversos

agentes observados em diversos períodos do tempo.

Por razões explicadas ao longo da apresentação de cada modelo, os modelos Tobit e Probit

serão estimados em dados em cross-section para os anos 2000, 2003 e 2005, separadamente.

Quando as informações dos três anos puderem ser estimadas conjuntamente – quando a amostra

envolver grandes empresas presentes no estrato certo da Pintec – a estimação será realizada a

partir de dados em painel.

Modelo Tobit é um modelo regressão normal censurado que descreve a relação entre uma

variável dependente não negativa yi e uma variável independente (ou vetor) xi. O modelo supõe a

existência de uma variável latente (não observável) y*i. Esta variável depende linearmente de xi

através do parâmetro (vetor) β, que determina a relação entre a variável (ou vetor) independente

xi e a variável latente y*i - como no caso de modelos lineares. O erro ui com distribuição normal

captura influências aleatórias nesta relação. A variável observável yi é definida como sendo igual

à variável latente, se esta for maior que zero.

O modelo Tobit é um caso especial de modelo de regressão censurada, dado que a variável

latente y*i não pode ser sempre observada, enquanto a variável independente xi é observável.

Variação comum do modelo Tobit ocorre quando yi é censurado em um valor yL diferente de

zero:

Neste trabalho, a variável dependente é mantida entre:

0 ≤ P&D/vendas ≤ 0,2041

41 Gastos em P&D/vendas acima de 20% foram considerados excepcionalidades ou falha na obtenção de respostas, portanto desconsiderados.

73

O modelo Probit é uma especificação tradicional para um modelo de resposta binária,

usualmente estimado através do procedimento de máxima verossimilhança padrão. Supondo que

uma variável resposta Y seja binária, ou seja, que pode ter apenas dois possíveis resultados,

denotados 1 e 0, e que o vetor de regressores X influencia o resultado Y, o modelo toma a forma:

Onde P é a probabilidade e Φ é a função probit – cdf42 da distribuição normal padrão.

Um conjunto de dados em Painel fornece uma amostra de indivíduos ao longo do tempo, ou

seja, permite observar os mesmo indivíduos em diferentes pontos do tempo. Uma das principais

vantagens da utilização de modelos em painel é a possibilidade de controlar a heterogeneidade

entre os indivíduos. O modelo permite controlar o efeito de variáveis omitidas ou não observadas

pelo pesquisador. Isto ocorre porque, em alguns casos, as verdadeiras razões explicativas para um

determinado efeito encontrado devem-se à omissão, ou não observação, de variáveis

correlacionadas com as variáveis explanatórias. Dependendo da forma como estes efeitos

individuais são tratados, a literatura sugere dois métodos principais para sua estimação: por

efeitos fixos ou por efeitos aleatórios.

Os modelos em painel apresentam duas fontes de variabilidade para as variáveis: entre as

diferentes unidades em um mesmo ano, e em uma mesma unidade para diferentes anos.

Enquanto a estimação com efeitos aleatórios leva ambas em consideração, a estimação com efeitos

fixos considera somente a segunda, captando os efeitos de mudanças temporais no valor de uma

determinada variável sobre a variável dependente. Os efeitos aleatórios não consideram o fato

que efeitos específicos aos indivíduos (αi) podem estar correlacionados com as variáveis

explanatórias do modelo.

Na estimação por efeitos aleatórios, os efeitos individuais são tratados como variáveis

aleatórias: admite-se que os valores que afetam o valor da variável dependente, mas não foram

explicitamente incluídos como variáveis explanatórias, podem ser representados como um

distúrbio aleatório. Por convenção, quando αi é correlacionado a Xit, tem-se um modelo com

efeitos fixos; caso contrário, adota-se modelo com efeitos aleatórios.

Se um painel é formado por z unidades, em n anos, ele é denominado painel balanceado se

todas as z unidades estão presentes em todos os n anos da amostra. Se as unidades não estão

presentes em todos os anos, trata-se de um painel desbalanceado.

Os testes realizados neste estudo utilizam painel não balanceado, e foram estimados somente

por efeito aleatório, dado que a principal variável de interesse – origem de capital – é uma

42 Função distribuição cumulativa inversa

74

característica fixa ou quase fixa da firma, perdendo significância na estimação em painel efeito

fixo.

Um modelo não linear em painel assume em sua forma mais comum a especificação aditiva:

g(αi, xit, β) = αi + g(xit, β)

A especificação em painel do modelo Tobit (aditivo) é43:

Y*it = αi + x´itβ + Єit,

Na qual observamos Yit = Y*it, se Y*it > 0 e Yit = 0 ou missing se Y*it ≤ 0

Neste caso, a estimação em efeito aleatório é mais comumente utilizada dada a inconsistência

dos estimadores de efeito fixo.

V.2.2 Resultados

Os testes realizados se baseiam em uma amostra não balanceada de empresas brasileiras de

grande porte (acima de 500 funcionários), pertencentes à indústria de transformação.

A primeira questão que se busca responder é a importância da origem de capital na

propensão das empresas a investir em P&D. Este teste inicial tem por objetivo avaliar quais

empresas – nacionais ou multinacionais – têm maior propensão a investir em P&D no Brasil44.

Análise inicial das estatísticas descritivas sugere que empresas multinacionais realizam esforços

mais elevados em P&D, com base na relação de gastos em P&D / vendas. Todavia, este olhar

inicial não leva em consideração o porte e características setoriais destas empresas, que podem

realizar atividades de P&D não por serem multinacionais, mas por serem empresas de grande

porte ou por se concentrarem em setores cujas oportunidades tecnológicas são mais elevadas. Os

testes realizados procuram isolar tais fatores, identificando a importância da origem de capital no

esforço em P&D.

A análise foi realizada inicialmente para grandes empresas (acima de 500 empregados),

através dos testes Probit (probabilidade da empresa investir em P&D) e Tobit (gastos em

P&D/vendas), ambos em painel não balanceado, para os anos 2000, 2003 e 2005.

Portanto, no modelo Tobit, a variável dependente, “ped_vend”, representa os gastos em

P&D/vendas das empresas da amostra; no Probit, a variável dependente “esf_ped” assume

valores 1 ou 0 se a firma realizou ou não atividades de P&D. No mais, a especificação dos

modelos é similar, cujos regressores são descritos abaixo:

43 Ver Cameron e Trivedi (2005) e Cameron e Trivedi (2009) 44 Estudo similar foi realizado por Araujo (2005), cujo trabalho foi fortemente inspirador para este artigo.

75

D_EMNs: variável dummy, que assume valor um se a empresa é multinacional

ln (pessoal ocupado): logaritmo do pessoal ocupado

ln (exportação): logaritmo do valor exportado

ln (importação): logaritmo do valor importado

part.mercado: participação de mercado da empresa i, mensurada pela participação de sua receita líquida de vendas na receita líquida de vendas do setor

part.import.setor: importaçõesj / (importações + vendas)j = participação das importações no setor j

D_cooperação: variável dummy que assume valor um se a empresa cooperou

D_outras.ativ.inov.: variável dummy que assume valor um se a empresa realizou outra atividade inovativa que não P&D

Variáveis de controle setoriais (CNAE 2 dígitos) também foram incluídas em ambos os modelos.

Estatística I

Os resultados encontrados para a dummy de origem de capital foram negativos e

estatisticamente significativos em ambos os casos. Portanto, firmas nacionais apresentaram maior

76

probabilidade de investir em P&D (Probit) e seu esforço em P&D (P&D/vendas) é mais elevado

(Tobit)45.

O sinal dos coeficientes encontrados para as variáveis de controle estão de acordo com o

esperado: há uma correlação positiva entre atividades de P&D e tamanho das empresas,

importações, participação de mercado, realização de cooperação e de outras atividades inovativas.

O resultado diferiu do esperado apenas no caso da participação das importações por setor, em

que era esperado sinal negativo, e na ausência de significância na variável relacionada às

exportações.

A seguir, o teste foi realizado considerando empresas de todos os tamanhos46, separadamente

para os anos 2000, 2003 e 2005, utilizando modelo Tobit47. Os resultados foram consistentes com

os encontrados anteriormente: nos três anos, a dummy de origem de capital foi negativa e

significativa. Portanto, empresas nacionais tendem a realizar maior esforço em P&D

(P&D/vendas) que empresas multinacionais. (estatística II).

Variáveis de controle setoriais (CNAE 2 dígitos) também foram incluídas em ambos os modelos.

Estatística II

45 Cabe ressaltar que, neste e nos demais modelos realizados neste trabalho, deve-se observar o sinal do coeficiente de interesse, e não sua magnitude. A magnitude, que indica a significância econômica da variável, deve ser estimada através do efeito marginal, trabalho a ser realizado em aprimoramentos posteriores a este texto. 46 Utilizando fator de expansão, apesar de suas limitações quanto à origem de capital. 47 Testes similares, sem a utilização do fator de expansão, foram realizados, chegando a resultados similares.

77

Ainda com o objetivo de avaliar a importância da origem de capital nos esforços de P&D, o

teste a seguir procura identificar quais empresas brasileiras – nacionais ou multinacionais – estão

tecnologicamente mais próximas do benchmark internacional, cuja proxy são os esforços em P&D

(P&D/vendas) setoriais da OCDE. Dado que a OCDE representa os países desenvolvidos, os

esforços em P&D por estes realizados podem ser considerados uma referência das oportunidades

tecnológicas48 presentes em cada setor49.

Os indicadores da OCDE referem-se ao esforço tecnológico do grupo de empresas

pertencentes a cada setor, e não somente das grandes empresas. Portanto, apesar das limitações

referentes ao fator de expansão, a comparação entre as empresas brasileiras e o benchmark

internacional foi realizada considerando empresas brasileiras de todos os portes, e não somente

grandes empresas.

O modelo inclui as variáveis independentes apresentadas anteriormente, enquanto a variável

dependente assume a forma:

pedi_ocde: (P&D/vendas)ij / (P&D/vendas)OCDEj -> [indica a distância entre P&D/vendas da

empresa i, setor j, em relação ao esforço médio realizado pelo setor j nos países da OCDE]

Também neste caso, variáveis de controle setoriais (CNAE 2 dígitos) também foram incluídas em ambos os modelos.

Estatística III

48 Oportunidades tecnológicas referem-se à probabilidade de ocorrência de uma inovação, dado determinado esforço para que ocorra. (Zucoloto, 2004). 49 Por limitações na obtenção de informações, o esforço tecnológico da OCDE refere-se exclusivamente ao ano 2000, enquanto o brasileiro refere-se aos anos 2000, 2003 e 2005.

78

Para todos os anos analisados, foi encontrada uma relação negativa e significativa para a

dummy de origem de capital; portanto, a distância entre os esforços em P&D das empresas

brasileiras e os esforços em P&D realizados pela OCDE é menor no caso das empresas nacionais,

comparadas às empresas multinacionais atuantes no Brasil50.

Os testes realizados a seguir visam avaliar a relação existente entre o esforço de P&D

realizado pelas empresas nacionais e multinacionais. Relembrando Bas e Sierra (2002), os autores

mencionaram que empresas multinacionais tendem a internacionalizar suas atividades

tecnológicas para países desenvolvidos em áreas nas quais os países sede e receptor dos

investimentos possuem vantagens tecnológicas similares, com o objetivo de complementar suas

capacitações. Quando a internacionalização se direciona a países em desenvolvimento, tendem a

atuar em áreas nas quais as empresas locais não possuem capacitações significativas, com o

objetivo de adaptar os produtos desenvolvidos na matriz para explorar os mercados locais. Na

mesma linha, Patel (1996) observou que as subsidiárias tendem a ser tecnologicamente mais ativas

em áreas nas quais os países hospedeiros são relativamente frágeis, não havendo coincidência

entre os setores nos quais o país hospedeiro possui vantagem tecnológica e a presença

significativa de firmas estrangeiras nos mesmos.

Na tentativa de identificar transbordamentos tecnológicos, é possível avaliar a relação entre

os esforços tecnológicos de subsidiárias e empresas nacionais. O objetivo é, em geral, verificar a

presença de “efeito demonstração” e/ou “efeito competição”, em que firmas domésticas

imitariam os desenvolvimentos tecnológicos implementados pelas subsidiárias, ou seriam

forçadas pela concorrência com empresas estrangeiras a atualizar suas tecnologias.

Com o objetivo de identificar estas características no caso brasileiro, o teste a seguir analisa a

relação entre os esforços em P&D (P&D/vendas) de empresas nacionais e empresas

multinacionais atuantes no mesmo setor. (estatística IV).

ped_vend_Nacij = αi+ β1 ped_vend_EMN j + β2 ln (pessoal ocupado) it + β3 ln (exportação)

it + β4 ln (importação) it + β5 part D_cooperaçãoit + β6 D_outras.ativ.inov. + Єit

Sendo:

Ped_vend_nac ij: (P&D/vendas)ij, i=empresa nacional

Ped_vend_EMN_j: (P&D/vendas) médio das empresas multinacionais no setor j.

50 O teste também foi realizado para empresas brasileiras acima de 500 empregados, utilizando-se Tobit em painel e Tobit separadamente para os anos 2000, 2003 e 2005. O único resultado significativo foi encontrado no ano 2000. A não significância já era esperada, pois o esforço tecnológico médio da OCDE foi elaborado com base em todas as firmas da amostra, enquanto as informações brasileiras se referem somente às empresas de grande porte. Especialmente em setores nos quais pequenas empresas predominam, a relação estabelecida na variável dependente perde o significado.

79

Estatística IV

Este resultado sugere uma correlação positiva entre os esforços setoriais em P&D realizados

por empresas nacionais e multinacionais no Brasil. Qualquer que seja sua origem de capital,

empresas brasileiras tendem a realizar mais P&D/vendas em determinados setores, em

detrimento de outros51. Este resultado contradiz os apresentados por Bas e Sierra (2002) e Pavitt

(1996) para países em desenvolvimento, e merece ser melhor avaliado em estudos posteriores. É

possível levantar algumas hipóteses para a correlação entre as variáveis mencionadas no caso

brasileiro:

- hipótese 1: o efeito de oportunidades tecnológicas setoriais predomina sobre origem de

capital. Comentário: em setores intensivos em tecnologia, nos quais as oportunidades tecnológicas

são maiores, empresas tendem a investir mais em P&D, independentemente de sua origem de

capital. Assim, em média, empresas das indústrias farmacêuticas e eletrônicas realizariam maior

esforço em P&D que empresas dos setores de madeira ou confecções, sendo nacionais ou

multinacionais. As estatísticas descritivas da relação P&D/vendas setoriais por origem de capital

corroboram tal hipótese.

- hipótese 2: empresas multinacionais realizam P&D no Brasil visando, entre outros objetivos,

complementar suas capacitações. Para isto, estabelecem unidades de P&D no país para

acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos realizados por empresas nacionais, ou estabelecer 51 Regressão similar foi realizada invertendo a origem de capital das variáveis independente e dependente de interesse, com resultados similares encontrados. Tais resultados sugerem a existência de correlação setorial nos esforços de P&D/vendas de empresas nacionais e filiais, mas não possibilitam a identificação de causalidade.

80

parcerias com estas. Comentário: as estatísticas descritivas sugerem a baixa importância dos

concorrentes no que se refere à cooperação, o que fragiliza a importância das parcerias entre

empresas do mesmo setor.

- hipótese 3: as empresas nacionais buscam imitar o comportamento de subsidiárias (efeito

imitação), ou são pressionadas a aprimorarem suas capacitações tecnológicas (efeito competição).

Dada a importância dos spillovers apontada pela literatura, alguns trabalhos cometem o equívoco

de considerar, automaticamente, as correlações apresentadas como efeito de transbordamento

tecnológico de subsidiárias para empresas nacionais. Apesar de não descartar esta possibilidade, o

teste realizado não é suficiente para confirmar esta hipótese. Com base nas observações realizadas

ao longo do texto, é possível supor que em alguns casos a presença de empresas multinacionais

limita a atuação das nacionais (efeito crowd out), como na indústria automobilística. Nos setores

em que as nacionais sobreviveram, precisaram investir em P&D para se manter no mercado.

Estas hipóteses necessitam ser analisadas em trabalhos posteriores. Até o momento, o que se

conclui é a existência de correlação positiva e estatisticamente significativa entre esforços de P&D

de empresas nacionais e subsidiárias no Brasil.

VI. Conclusões

Este trabalho discutiu o processo de internacionalização tecnológica, comparando as

atividades de P&D de empresas multinacionais e nacionais na indústria brasileira.

Historicamente, a literatura mostra que este processo se iniciou como conseqüência da

internacionalização produtiva impulsionada por empresas multinacionais: dada a necessidade de

adaptarem produtos e processos às necessidades dos países receptores de investimentos, estas

empresas passavam a direcionar a estas localidades parte de suas atividades de P&D. Mais

recentemente, novos argumentos aparecem associados ao processo de internacionalização

tecnológica, cujo fortalecimento foi possibilitado pelo advento das tecnologias de comunicação e

informação, que facilitaram o processo de alocação de tarefas em escala global através de redes de

informação intra-empresariais. As empresas estariam realizando atividades de P&D no exterior

não somente para adaptar produtos e processos, mas buscando reduzir os custos crescentes

associados a atividades de P&D e monitorar os desenvolvimentos tecnológicos realizados em

outros países.

Apesar destes argumentos, diversos trabalhos e estatísticas ainda demonstram que as

atividades de P&D continuam fortemente concentradas na matriz e, quando internacionalizadas,

direcionam-se primordialmente para países desenvolvidos. Entre as atividades analisadas – P&D,

remuneração, emprego e vendas – P&D é, ainda, a menos internacionalizada. A diferença

observada nos últimos anos está relacionada à pequena, mas crescente, participação das nações

81

em desenvolvimento entre os investimentos em P&D realizados por filiais de multinacionais.

Como enfatizado por Reddy (2000), nas tecnologias desenvolvidas recentemente (como

biotecnologia), é possível compartilhar as atividades de P&D em módulos, que podem ser

realizados em lugares diferentes, facilitando a divisão entre atividades centrais (core) e periféricas

(no core). As atividades de P&D periféricas foram, em parte, direcionadas para as filiais de nações

em desenvolvimento, onde podem ser realizadas a custos menores, enquanto os investimentos

centrais continuaram concentrados nos países sede. Para Gammeltoft (2005), algumas atividades

classificadas como P&D são essencialmente tarefas de suporte e pós-vendas, ou seja, treinamento

e suporte técnico relacionadas a vendas e processos de engenharia associados à produção

manufatureira.

A literatura também discute se as empresas multinacionais internacionalizam suas atividades

em P&D em áreas nas quais os países receptores possuem capacitações tecnológicas relevantes ou,

pelo contrário, em setores nos quais apresentam fragilidades, facilitando o domínio de mercado.

Para Bas e Sierra (2002), o primeiro caso caracteriza a internacionalização para países

desenvolvidos, enquanto o segundo predomina em nações em desenvolvimento. Associadamente,

ganha espaço a literatura sobre transbordamentos tecnológicos, que avalia se as firmas domésticas

se beneficiam da atuação de subsidiárias, ou se são limitadas (efeito crowd out) por elas. De modo

geral, os estudos concluem que transbordamentos positivos predominam na relação de empresas

com fornecedores e clientes (transbordamentos verticais), sendo menos freqüentes entre

concorrentes de um mesmo mercado relevante (transbordamentos horizontais).

No caso brasileiro, a pesquisa de inovação tecnológica identificou 1410 empresas de grande

porte no Brasil, sendo 74,8% nacionais e o restante, subsidiárias. As subsidiárias apresentaram

participação no comércio exterior significativamente mais elevada que as nacionais, no que se

refere tanto a exportações quanto importações.

Os dados agregados sugeriram que as empresas multinacionais apresentam indicadores de

inovação superiores às nacionais em todos os critérios avaliados: percentual de firmas inovadoras,

atividades internas de P&D, aquisição de P&D e outros conhecimentos externos, aquisição de

máquinas e equipamentos e pessoal ocupado em P&D. Mas entre os investimentos em atividades

inovativas, as empresas nacionais se destacam por direcionar proporcionalmente mais recursos à

realização de P&D. Antes de indicar elevado esforço tecnológico das empresas multinacionais no

Brasil, diversos trabalhos ressaltam que esta proporção é, antes de tudo, reflexo do limitado

investimento em P&D das empresas nacionais (Arruda, Vermulm e Hollanda, 2006).

Entre as empresas inovadoras que cooperam, destaca-se a participação significativa da

cooperação entre fornecedores e clientes/consumidores, em detrimento de concorrentes. Este

indicador está na mesma linha das principais conclusões obtidas por estudos sobre externalidades

82

tecnológicas, os quais sugerem que, em diversos países e indústrias analisadas, transbordamentos

verticais, fruto das relações de empresas com fornecedores e clientes, são mais significativos que

os horizontais. No caso das subsidiárias, também se destaca a cooperação com “outras empresas

do grupo”: considerando que filiais de multinacionais, especialmente de países em

desenvolvimento, a) atuam na adaptação de produtos e processos ao mercado local, b) respondem

por parcela da geração de produtos desenvolvidos ao longo do globo, e/ou c) utilizam grande

parte de tecnologias geradas no exterior, a cooperação com a matriz torna-se, em todos os casos,

de extrema relevância.

A significativa concentração de investimentos em P&D em grandes empresas é acompanhada

por uma concentração similar em termos setoriais. No caso das subsidiárias, aproximadamente

50% da RLV se concentra em três setores: indústria automobilística, máquinas e equipamentos e

produtos químicos. Entre as nacionais, percentual similar é alcançado pela participação conjunta

das indústrias de petróleo e álcool e de alimentos e bebidas. Em relação aos investimentos em

P&D, esta concentração é ainda mais significativa. No caso das subsidiárias, a indústria

automobilística representa 53,8% dos esforços em P&D. Em relação às empresas nacionais,

petróleo e álcool e outros equipamentos de transporte respondem por 61,6% deste montante.

O esforço tecnológico em P&D, mensurado pela relação P&D/vendas, sugere que se no

agregado as empresas multinacionais apresentarem esforço mais elevado que as nacionais,

setorialmente este cenário sofre alterações. Entre os dezoito setores observados, em doze o esforço

realizado por empresas nacionais foi superior. Além disto, em 64% das indústrias, as empresas

nacionais direcionam proporcionalmente mais recursos à realização de P&D comparadas às

demais inovativas.

Econometricamente, foi avaliada tanto a probabilidade das empresas realizarem P&D quanto

seu gastos em P&D / vendas, por origem de capital, com base em modelos Probit e Tobit. Os

resultados encontrados para a dummy de origem de capital foram negativos e estatisticamente

significativos em ambos os casos. Portanto, firmas nacionais apresentaram maior probabilidade

de investir em P&D e seu esforço em P&D (P&D/vendas) é mais elevado. Estes resultados foram

confirmados quando se analisou os esforços em P&D/vendas de empresas brasileiras em relação

aos esforços realizados pelos países da OCDE, considerados como referencia. Para todos os anos

analisados, foi encontrada uma relação negativa e significativa para a dummy de origem de

capital; portanto, a distância entre os esforços em P&D das empresas brasileiras e os realizados na

OCDE é menor no caso das empresas nacionais, comparadas às empresas multinacionais atuantes

no Brasil.

Por fim, o modelo final sugeriu uma correlação positiva entre os esforços setoriais em P&D

realizados por empresas nacionais e multinacionais no Brasil. Qualquer que seja sua origem de

83

capital, empresas brasileiras tendem a realizar mais P&D/vendas em determinados setores, em

detrimento de outros. Este resultado contradiz os apresentados por Bas e Sierra (2002) e Pavitt

(1996) para países em desenvolvimento, e merece ser melhor avaliado em estudos posteriores.

Sobre o tema, é válido lembrar, como mensagem final, os argumentos mencionados por

Pavitt ainda em 1971, para quem as tecnologias geradas por empresas multinacionais não eram

voltadas aos problemas de países em desenvolvimento, sendo possível gerá-las somente a partir

de desenvolvimentos locais apoiados pelo governo.

84

ENSAIO II ORIGEM DE CAPITAL E

ACESSO AOS INCENTIVOS FISCAIS E FINANCEIROS À INOVAÇÃO NO BRASIL

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar políticas de apoio à inovação existentes no Brasil,

observando o acesso de empresas nacionais e subsidiárias de empresas multinacionais aos

instrumentos selecionados: subvenção econômica, financiamento reembolsável e Lei do Bem.

Serão discutidos: aspectos teóricos relacionados ao apoio público à inovação tecnológica; as

experiências internacionais; a evolução das políticas brasileiras de C,T&I; os instrumentos fiscais-

financeiros selecionados de incentivo direto à inovação empresarial; e, por fim, o acesso de

empresas brasileiras a estes instrumentos, por origem de capital.

Palavras-Chave: inovação tecnológica, origem de capital, incentivos fiscais, incentivos

financeiros, empresas multinacionais

ABSTRACT

This paper analyses Brazilian innovation polices, focusing on the access of subsidiaries and national

enterprises to selected public innovation instruments: subvention, credit and Law 11.196/05. It presents

theoretical aspects of government incentives to innovation; international experiences; the evolution of

S&T&I Brazilian policies; fiscal and financial instruments related to business innovation and, at least,

discusses the access of Brazilian enterprises to these instruments, by origin of capital.

Key-Words: technological innovation, origin of capital, fiscal incentives, financial incentives,

multinational enterprises.

85

ORIGEM DE CAPITAL E

ACESSO AOS INCENTIVOS FISCAIS E FINANCEIROS À INOVAÇÃO NO BRASIL

Os países desenvolvidos, e um grupo crescente de países em desenvolvimento, têm colocado

a produção de conhecimento e a inovação tecnológica no centro de sua política econômica e

social. Uma característica central da inovação tecnológica nas economias industrializadas é a

crescente incorporação de conhecimento científico cada vez mais complexo. Esta postura é

motivada pela visão de que o conhecimento é o elemento central na promoção do

desenvolvimento das nações e de que a inovação é o principal veículo da transformação do

conhecimento em valor. Os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) trazem

retorno na forma de uma população mais bem qualificada, gerando empregos melhor

remunerados, produção e exportações de maior valor agregado. As inovações são também o

principal determinante do aumento da produtividade e da geração de novas oportunidades de

investimento.

O objetivo principal deste artigo é analisar as atuais políticas de inovação existentes no Brasil,

observando o acesso de empresas nacionais e subsidiárias de empresas multinacionais a

instrumentos selecionados. Pretende-se identificar a relevância dos instrumentos existentes às

empresas brasileiras, segundo sua origem de capital, analisando os diferentes acessos de empresas

nacionais e multinacionais aos recursos disponíveis a inovação. Considerando que grande parte

dos recursos públicos direcionados à inovação no Brasil apresenta viés acadêmico, privilegiando a

agenda de universidades e institutos de pesquisa, este trabalho se concentra na análise de

instrumentos voltados diretamente ao desenvolvimento tecnológico do setor empresarial:

subvenção econômica, financiamento reembolsável e Lei do Bem. Em todos eles, os projetos são

definidos pelo setor empresarial, e aprovados pelas instituições responsáveis, sem necessidade de

negociar com institutos de pesquisa os projetos a serem executados.

Na parte I, será realizada uma breve discussão dos aspectos teóricos relacionados ao apoio

público à inovação tecnológica, apresentando a visão de diferentes correntes econômicas no que

tange a este apoio. Na seção II, serão apresentados aspectos da experiência internacional

relacionados aos instrumentos de apoio à inovação tecnológica e, especificamente, medidas

relacionadas ao estímulo a atividades tecnológicas de empresas multinacionais. Esta discussão

está concentrada nos países da OCDE, além da experiência de países em desenvolvimento: China

e Índia. Na parte III, será discutido o caso brasileiro, apresentando a evolução histórica das

políticas industriais e de C,T&I, assim como seu cenário recente, com destaque para as atuais

políticas científica e tecnológica (PACTI) e industrial (PDP) em vigor. Nesta discussão, será

destacado o papel das empresas multinacionais ao longo da história brasileira, e os instrumentos

86

públicos em vigor ao longo da história que estimularam ou limitaram a atuação destas empresas.

Ainda na seção III, são apresentados os principais instrumentos fiscais-financeiros de incentivo

direto à inovação empresarial atualmente em vigor no país – Subvenção Econômica,

Financiamento Reembolsável e Lei do Bem. Na seção IV, será analisado o acesso de empresas

brasileiras a estes instrumentos, por origem de capital, de acordo com suas características

(tamanho, receita) e desempenho tecnológico (P&D e patentes). A seção V encerra este ensaio,

apresentando suas principais conclusões.

I. Aspectos teóricos52

O apoio público ao desenvolvimento econômico tem sido realizado de forma diferenciada

entre os países ao longo da história, tendo como base diferentes visões sobre o papel do Estado na

economia. Os debates teóricos em torno da questão concentram-se em quanto o Estado deve

intervir na economia e, principalmente, qual tipo de intervenção deve ser realizada. Tal debate

não é recente, tendo em seu marco passado os embates entre Adam Smith, crítico da intervenção

estatal, e Friedrich List, defensor do apoio à indústria nascente, dado que os custos de produção

industriais iniciais são mais elevados, e reduzem-se ao longo do tempo via aprendizagem e

ganhos de escala.

As políticas industriais são caracterizadas por incentivos públicos voltados à promoção do

desenvolvimento industrial. Ferraz, Paula e Kupfer (2002) relatam como as diferentes abordagens

econômicas – neoclássica, desenvolvimentista e neoschumpeteriana – se relacionam com os

instrumentos de apoio à política industrial.

Na abordagem neoclássica, em um cenário de concorrência perfeita, qualquer política

industrial é considerada não somente desnecessária como também indesejável, distorcendo

resultados econômicos e reduzindo o grau de eficiência da economia. Ela só se justifica na

existência de falhas de mercado, em que o uso eficiente de recursos não é promovido pelos

mecanismos de mercado. Externalidades são exemplos de falhas de mercado: efeitos positivos ou

negativos gerados pelas atividades de produção ou consumo exercidas por um agente econômico

e que atingem os demais agentes, sem que estes tenham oportunidade de impedi-los ou a

obrigação de pagá-los. Os investimentos privados em P&D geram externalidades a outros

agentes, dada a incapacidade de seus investidores se apropriarem de forma completa de seus

resultados. Os resultados dos investimentos em P&D serão, em parte, apropriados por outros

agentes que não arcaram com seus custos. Este fenômeno, associado ao alto grau de incerteza de

tais investimentos, culminam na realização de sub-investimentos em P&D pelas firmas privadas,

que resultarão em níveis sub-ótimos de P&D na sociedade. Na presença de externalidades, a

52 Baseado em Ferraz, Paula e Kupfer (2002).

87

intervenção pública passa pela criação de imposto ou subsídio para corrigir os preços ou definição

dos direitos de propriedade (intelectual, no caso).

A ótica desenvolvimentista compreende a atuação do Estado como um elemento ativo, e não

apenas corretivo, do desenvolvimento econômico. Considera que o Estado tem papel relevante na

promoção do crescimento e desenvolvimento econômico e na alteração estrutural da indústria,

estimulando a participação de segmentos de maior intensidade tecnológica. O Estado direciona

os setores, produtos e tecnologias a serem desenvolvidos, mobilizando qualquer instrumento

disponível para acelerar o crescimento e alcançar o padrão produtivo desejado. Todos os

instrumentos de política econômica – cambial, monetária, fiscal, comercial, regulamentação da

concorrência e propriedade – são colocados em função da promoção da industrialização. Neste

sentido, políticas de estímulo à inovação seriam mais uma forma de promover o desenvolvimento

tecnológico e econômico, devendo ser apoiada como política pública.

Já na ótica neo-schumpeteriana, as inovações (não somente tecnológicas) são consideradas o

motor do desenvolvimento econômico. O foco central das políticas se volta ao fortalecimento

inovativo e organizacional das empresas e instituições. Diferentemente do conceito de

concorrência perfeita neoclássica, que equivale à ausência de rivalidade, a concorrência se dá pela

competição entre as empresas, geradas por inovações tecnológicas e aprimoramentos

organizacionais que resultam em padrões diferenciados entre as firmas, responsáveis pela criação

de assimetrias competitivas e diferenciação de produtos para ganhar posições no mercado. Entre

os instrumentos de política industrial presentes na ótica neo-schumpeteriana, destacam-se

subvenção a projetos e setores de alta intensidade tecnológica, incentivos fiscais e financeiros a

P&D empresarial, capital de risco para novos empreendimentos, apoio a institutos de pesquisa,

metrologia e qualidade públicos e formação de recursos humanos.

É possível constatar que os incentivos públicos às atividades de P&D e ao desenvolvimento

tecnológico encontram respaldo em todas as vertentes da teoria econômica analisadas. O apoio

público às atividades de P&D visa reduzir o custo relativo e o risco associados a estas atividades,

através da participação do setor público no financiamento direto às pesquisas realizadas pelas

empresas ou pela concessão de benefícios fiscais que reduzem a carga incidente sobre as

empresas. Tais incentivos também estão entre os instrumentos permitidos pela Organização

Mundial do Comércio, ao lado de políticas voltadas ao desenvolvimento regional e ao meio

ambiente53. Considerando a já constatada importância do desenvolvimento tecnológico às

53 Como resultado da Rodada Uruguai, os subsídios passam a ser classificados pela OMC em: subsídios proibidos, como os destinados à exportação; subsídios não acionáveis, como os voltados ao desenvolvimento regional, à pesquisa e desenvolvimento, e à proteção do meio-ambiente; e, subsídios acionáveis, sujeitos a investigação e passíveis de medidas compensatórias se causarem dano a indústria local. (Guimarães, 2007).

88

econômicas nacionais, os países desenvolvidos – e algumas nações em desenvolvimento – estão

crescentemente direcionando recursos esforços à promoção de atividades inovativas.

II. Políticas internacionais de apoio à inovação tecnológica

II.1 a experiência da OCDE54

O setor produtivo é o principal realizador de atividades de P&D nos países da OCDE, com

participação média nos gastos destes países de 69,3% em 2001, comparada a 17,4% das

universidades, 10,5% do governo e 2,8% de entidades privadas não lucrativas. Esta participação

das empresas nos gastos totais em P&D vem apresentando tendência crescente, passando de

66,2% em 1981 a 68,8% em 1991, ao percentual mencionado em 2001. Os gastos privados em P&D

como proporção do valor agregado também apresenta crescimento, passando de 1,7% a 2,1% e

2,2% nos anos mencionados.

Esta evolução tem sido acompanhada por incentivos variados por parte dos governos destas

nações. As atuais políticas de inovação, em vigor especialmente nos países desenvolvidos, têm

sido formuladas com base nos resultados de diversos estudos empíricos que demonstram uma

relação de causalidade positiva entre gastos em P&D e aumento da produtividade total de fatores.

As atuais políticas de inovação da OCDE articulam-se às políticas industrial e de comércio

exterior. No campo da inovação, seu objetivo central é expandir os recursos públicos à P&D e

demais atividades inovativas, com foco nos setores específicos, como biotecnologia,

nanotecnologia, tecnologias de informação e comunicação, saúde, defesa e meio ambiente.

A maioria dos países da OCDE concede incentivos financeiros e fiscais às atividades de P&D;

subvenções diretas também têm sido usadas para apoiar o gasto privado em P&D. Estima-se que

o valor médio do estímulo concedido corresponda a 13,4% dos gastos privados em P&D, dividido

de forma aproximadamente igual entre os instrumentos: 6,5% como subvenção e 6,9% via

incentivos fiscais (tabela I):

54 Baseado em Guimarães (2006) e Corder (2006).

89

Tabela I

Guimarães (2006) destaca que países que experimentaram, nas últimas décadas, aumentos

mais significativos nos gastos privados em P&D são os que usaram com mais parcimônia os

incentivos ficais e financeiros de apoio às atividades de P&D (Finlândia, Suíça, Suécia e Japão),

enquanto os países que recorreram mais fortemente aos estímulos são aqueles em que as

empresas ainda investem relativamente menos em P&D (Espanha, Itália e Portugal).

A principal vantagem associada ao financiamento público, incluindo subvenção, é a

participação mais efetiva do poder público na orientação do esforço em P&D das empresas,

podendo priorizar áreas como educação, saúde, meio ambiente e defesa. Entre os aspectos

negativos, destacam-se a possibilidade dos recursos públicos não ampliarem os esforços privados

em P&D, mas substitua investimentos que seriam realizados mesmo na ausência do

financiamento governamental. Já os incentivos fiscais têm a vantagem complementar de permitir

que o mercado, e não a autoridade governamental, defina a alocação dos recursos a P&D segundo

projetos de interesse das empresas, mesmo na presença de tratamento diferenciado a algum

segmento produtivo, atividade (por exemplo, pesquisa básica) ou grupo de interesse (como

90

pequenas empresas). Também envolve menor custo de administração, em comparação ao

financiamento direto. Todavia, o instrumento pode ser oneroso pela magnitude da renúncia fiscal

envolvida, e por remunerar projetos que não demandariam incentivos para serem realizados –

neste caso, o incentivo funciona como um prêmio ao empresário que busca a inovação, e não

como instrumento necessário à sua realização. E, se para alguns a seleção via mercado é um

benefício, outros criticam o instrumento por não direcionar os investimentos em P&D para as

áreas de maior rentabilidade social e interesse nacional.

Entre os 24 países da OCDE pesquisados por Guimarães (2007), cinco autorizam a dedução

integral dos gastos com máquinas e equipamentos, sendo que três permitem a dedução integral

imediata de gastos com instalações associadas às atividades de P&D. Além disto, diversos países

prevêem depreciação acelerada das máquinas e equipamentos associados às atividades de P&D.

Os países da OCDE também têm recorrido ao benefício fiscal através de duas modalidades:

1. tax allowance: dedução de um valor superior ao efetivamente despendido pela empresa em

suas atividades de P&D, para efeito de determinação da base de cálculo do imposto de renda

incidente sobre o lucro das empresas. Sua base de cálculo pode não considerar todos os gastos em

P&D, envolvendo apenas pesquisas de alguma natureza (como pesquisa básica) ou apenas

algumas atividades de P&D (excluindo, por exemplo, adaptação de produtos a demandas

específicas). Além das despesas correntes com P&D, podem ser também considerados os gastos

com equipamentos e o dispêndio em instalações. Em relação ao montante, o percentual previsto

pelo tax allowance pode ser inserido sobre o volume de gastos com P&D durante o ano fiscal, seu

incremento em relação a um período prévio considerado como base, ou uma combinação de

ambos.

2. crédito tributário: dedução do imposto a ser pago pela empresa de um valor equivalente a

uma percentagem dos gastos realizados em atividades de P&D. Portanto, diferentemente do tax

allowance, a magnitude do subsídio propiciado pelo crédito tributário independe da alíquota do

imposto incidente sobre os lucros das empresas.

Em geral, há um limite ao montante de crédito tributário do qual pode uma empresa se

beneficiar, adotado por cerca de três quartos dos países que oferecem algum dos incentivos

mencionados. Em 2004, entre os 24 países analisados pelo autor, 12 utilizavam o crédito tributário,

cinco recorriam ao tax allowance e sete não ofereciam nenhum benefício fiscal às atividades de

P&D, além de eventual depreciação acelerada de equipamentos e/ou instalações.

Sobre os incentivos financeiros às atividades de P&D, sua participação experimentou um

declínio constante e significativo nas décadas de 1980 e 1990, reduzindo-se de 22,3% em 1981 para

14,7% em 1991 e 7,1% em 2001. O declínio mais acentuado ocorreu justamente nos países com

maior tradição de financiamento público a estas atividades, relacionados à redução da P&D

91

associado às áreas de defesa e, em menor volume, aos setores primário e energético.

Paralelamente a este declínio, verificou-se o desenvolvimento de novas modalidades de

financiamento, como o apoio ao venture capital e às parcerias público-privadas (PPP) para

inovação. Alguns estudos sugerem que as PPPs para a inovação aparecem como resposta ao

fracasso parcial de outros instrumentos de política tecnológica, surgindo como um mecanismo

para enfrentar a falta de interação entre indústria e as universidades e instituições de pesquisa.

Além dos incentivos mencionados, políticas complementares vêm sendo adotadas pelos

países da OCDE. Em relação à política de recursos humanos, os principais objetivos são apoio a

jovens pesquisadores, fortalecimento de ensino e treinamento em C&T e apoio à participação de

pesquisadores públicos em atividades empresariais. Busca-se também aprimorar a aferição dos

resultados das políticas, com a implementação da avaliação formal das políticas de ciência,

tecnologia e desenvolvimento industrial.

Mais recentemente, políticas de diversos países têm buscado apoiar não somente os

investimentos em P&D de empresas domésticas, mas também a estimular a participação de

empresas multinacionais no desenvolvimento tecnológico local, dadas as possibilidades de

externalidades positivas associadas a tais atividades55.

II.2 Políticas de estímulo a investimentos em P&D de empresas multinacionais: o que torna

alguns países bem-sucedidos?

A decisão de uma empresa multinacional sobre onde investir recursos em P&D depende de

diversos fatores, alguns deles ligados às condições e institucionalidade do país receptor. Pela

abordagem neo-schumpeteriana dos Sistemas Nacionais de Inovação (SNI), o desenvolvimento

tecnológico e capacidade inovativa dos países estão intrinsecamente ligados ao ambiente em que

operam. Um SNI bem estruturado, no qual as instituições de conhecimento estão fortemente

ligadas ao setor produtivo, é considerado o principal fator de estímulo ao estabelecimento de

centros de P&D – incluindo centros de empresas multinacionais -, assim como da obtenção de

transbordamentos obtidos através de investimentos externos. Segundo a Unctad (2005), o

fortalecimento do SNI envolve a construção de um ambiente institucional que estimule a

inovação, com destaque para a formação de recursos humanos, o fortalecimento da pesquisa

pública e aprimoramento das capacitações do setor empresarial, que devem atuar em sintonia

com o ambiente macroeconômico. A cooperação das empresas, entre si e com institutos de

pesquisa, destaca-se no fortalecimento do desenvolvimento produtivo e tecnológico. Todas as

medidas voltadas à promoção das capacitações científicas e tecnológicas de uma economia

colaboram para estimular o investimento em P&D, inclusive de empresas multinacionais.

55 Sobre externalidades, ver ensaio I desta tese

92

Em relação à formação de recursos humanos, os investimentos em P&D de empresas

multinacionais são especialmente sensíveis à presença de engenheiros e cientistas qualificados. As

políticas públicas locais devem estar voltadas tanto à capacitação local de mão-de-obra quanto à

entrada de recursos humanos, especialmente estudantes pós-graduados no exterior. As

instituições públicas têm como papel a realização de pesquisa básica; apoio às engenharias;

fortalecimento de serviços técnicos, como metrologia, padronização, teste e qualidade; e

treinamento dos pesquisadores. Se tais serviços forem bem-estruturados, empresas estrangeiras e

domésticas serão estimuladas a interagir com os institutos através da subcontratação de serviços,

realização de projetos conjuntos e emprego de mão-de-obra capacitada por eles. Na prática, a

relação entre estas instituições e as empresas privadas nem sempre ocorre a contento. Em diversos

países africanos, esta relação é considerada frágil devido à inexistência de uma base institucional

voltada à inovação, escassez de capital humano apropriado e incapacidade de adequar as

atividades dos institutos ao contexto local. Em países latino-americanos, observam-se diversos

institutos de pesquisa públicos de qualidade, mas cuja relação com o setor privado apresenta

limitações que dificultam a promoção de inovações (Unctad, 2005).

Em relação a políticas relacionadas diretamente à promoção de investimento estrangeiro em

P&D, destaca-se o papel de agências de promoção de investimento, que divulgam informações

sobre o país, em missões, seminários e pela internet; colaboram na configuração de parques

científicos; na provisão de incentivos fiscais e subsídios para atividades de P&D, redução de

tarifas de importação para equipamentos em P&D e incentivos para a atração de pesquisadores

estrangeiros. Tais agências atuam especialmente em países desenvolvidos e asiáticos, com

presença pouco significativa na África e América Latina.

Ressalta-se que a P&D estrangeira é, em muitos casos, exigida como contrapartida à entrada

de investimento estrangeiro. Para permitirem a atuação em determinados mercados, alguns

países exigem que empresas multinacionais realizem atividades de P&D em território doméstico,

muitas vezes associadas à transferência de tecnologias e estabelecimento de joint ventures.

Merece também destaque o papel dos incentivos fiscais-financeiros diretos a P&D. A maior

parte dos países desenvolvidos, e parte crescente das nações em desenvolvimento, utiliza alguma

forma de incentivo para estimular atividades de P&D. Atualmente, na maior parte dos casos, os

incentivos tem sido oferecidos a firmas domésticas e estrangeiras de forma similar, sem

discriminação. Apesar disto, evidências empíricas sugerem que outros fatores tendem a ser

determinantes mais importantes na promoção de atividades de P&D. Levantamento da Unctad

(2005) concluiu que os incentivos, apesar de importantes, não são o principal determinante na

locação de P&D de empresas multinacionais. O suporte governamental pode influenciar em favor

de certa localidade/país somente quando demais fatores avaliados são igualmente atraentes.

93

Existem alguns problemas associados à concessão de incentivos a P&D, cabendo destacar:

- Assim como pode ocorrer com outros tipos de incentivos, a competição entre países pode

resultar em perda de recursos públicos, criando um tipo específico de “guerra fiscal” em que o

contribuinte perde sem que o benefício relacionado á locação empresarial seja suficientemente

alterado;

- A definição de “gastos em P&D” apresenta controvérsias, podendo gerar um sistema

desnecessariamente generoso, sem que o aprimoramento tecnológico gerado compense os

recursos despendidos;

- Os custos administrativos para verificar se os incentivos estão, de fato, direcionados a

atividades tecnológicas podem ser elevados. As firmas podem contabilizar como P&D gastos

direcionados a outras atividades mais modestas, para se beneficiarem das isenções

proporcionadas.

- Dificuldade na avaliação dos programas de incentivo a P&D, relacionada à mensuração

entre os benefícios e os custos dos subsídios. De forma relacionada, há o risco de o governo

financiar projetos de P&D que as firmas realizariam por conta própria, mesmo sem apoio56.

Em síntese, em um levantamento sobre as políticas de estímulo a internacionalização de

P&D, a OCDE (2008) destacou que o principal fator relacionado à atração de P&D é a integração e

coerência entre as políticas vigentes em uma nação, envolvendo áreas como educação, ciência e

tecnologia e inovação, além das políticas macroeconômica, comercial, fiscal e concorrencial, em

níveis regional, nacional e internacional. Os investimentos em P&D estão fortemente relacionados

a políticas que afetam a atratividade do investimento estrangeiro em geral. Fatores como

estabilidade política, infra-estrutura pública, tamanho do mercado e desenvolvimento, condições

do mercado de trabalho são centrais à localização de P&D. Mais especificamente, segundo a

publicação, merece destaque a presença de uma base de pesquisa industrial e acadêmica

fortalecida, mão-de-obra treinada e de direitos de propriedade intelectual efetivos. A presença de

parques tecnológicos, incubadoras e centros de transferência de tecnologias também é destacada.

Ainda de acordo com OCDE (2008), as políticas devem apoiar simultaneamente as firmas

domésticas e estrangeiras, de forma não discriminatória. O suporte a P&D também passa por

subsídios e incentivos fiscais consistentes, cujo apoio deve se dar independentemente da

propriedade de capital. Já os esforços específicos para atrair investimento externo devem ser

direcionados a áreas chave, a nichos estratégicos que colaborem com o desenvolvimento do país.

56 Existem técnicas estatísticas para lidar com tais efeitos, mas apesar delas, estas dificuldades não foram eliminadas.

94

II.1.1 A experiência da OCDE57

Nos países da OCDE, onde se encontram grande parte das matrizes de empresas

multinacionais, existe alguma preocupação relacionada ao processo de internacionalização

tecnológica quanto à possibilidade de erosão de P&D doméstico, devido aos processos de

offshoring e outsourcing. Apesar disto, algumas formas de promoção do processo de

internacionalização vêm sendo implementadas. Em uma pesquisa realizada com 13 países

membros, constatou–se que diversas formas de cooperação internacional em ciência e tecnologia

foram resultado de contatos individuais entre pesquisadores, empresas e organizações de

pesquisa, mesmo na ausência de qualquer influência do setor público. Mais recentemente,

algumas destas estratégicas vêm ganhando apoio governamental. Os esforços políticos estão se

direcionando não somente a atrair IDE em P&D, mas a absorver os transbordamentos criados por

investimentos em P&D tanto internos quanto externos.

Na OCDE, a cooperação internacional em P&D entre empresas e institutos de pesquisa

estabeleceu-se, tradicionalmente, sem a intervenção governamental direta. Mais recentemente, as

iniciativas adotadas para estimular atividades tecnológicas de firmas estrangeiras, e fortalecer

suas relações com as nacionais, tem sido em sua maioria não monetárias, concentradas em suporte

administrativo, correspondência entre firmas domésticas e estrangeiras desejosas em cooperar,

provisão de serviços informacionais, consultoria, entre outros. Agências de investimento são

ativas nos processos de recrutamento e propaganda em países como Dinamarca e Finlândia.

Medidas para estimular cooperação internacional entre instituições de C&T em geral cobrem, ao

menos parcialmente, os custos de transação das atividades.

As instituições estrangeiras também passaram a receber permissão para participar de

programas nacionais de C&T. Na maior parte dos países da OCDE, uma postura não

discriminatória ao capital estrangeiro, permitindo livre acesso de recursos nacionais a empresas

estrangeiras atuantes no país, tem sido a tônica dominante.

Ressalta-se que, enquanto incentivos para atrair IDE são relativamente comuns, incentivos

específicos para estimular investimento estrangeiro em P&D são ainda raros. Entre os países

analisados da OCDE, somente a Austrália oferecia suporte financeiro direto para investimento

estrangeiro em P&D. A pesquisa sugere que as políticas para incentivar investimento estrangeiro

em P&D fazem parte do âmbito mais amplo de políticas para estimular tanto o IDE quanto as

atividades tecnológicas domésticas, que inclui promoção das competências nacionais no exterior,

suporte administrativo, fortalecimento da infra-estrutura, recrutamento ativo, suporte financeiro

direto e incentivos fiscais.

57 Baseada em OCDE (2008)

95

II.2 Países em desenvolvimento: políticas adotadas por China e Índia

As nações têm apresentado diferenças importantes quanto à capacidade de incentivar

investimentos em P&D de empresas privadas, especialmente multinacionais. Tais diferenças são

significativas se compararmos nações desenvolvidas e em desenvolvimento, mas se mantém

importantes mesmo entre os países emergentes. Entre os BRICS, enquanto China e Índia vêm

obtendo relativo sucesso como receptores de investimento tecnológico externo, Brasil e África do

Sul apresentam desempenho modesto. O P&D adaptativo – basicamente adaptação de tecnologias

importadas às condições locais - é a forma dominante de atividade realizada por subsidiárias na

América Latina e África, regiões que apresentam sistemas de inovação ainda precários58. Já o P&D

inovativo, característico de algumas filiais atuantes no Sudeste Asiático, vai além da adaptação

tecnológica, visando gerar produtos inovadores que possam ser comercializados inclusive em

escala internacional. (Unctad, 2005).

Entre as principais medidas voltadas ao fortalecimento do Sistema Nacional de Inovação

implementadas por estes países, merecem destaque:

(1) o desenvolvimento de recursos humanos qualificados, especialmente através da formação

de engenheiros e cientistas: uma das razões da atração das firmas multinacionais para Índia e

China, no que se refere à realização de P&D, é o crescimento da formação universitária de suas

populações. Na China, o número de estudantes universitários cresceu aproximadamente 100%

entre os anos 2000 e 2003. A Índia, apesar de apresentar taxas de crescimento da educação

terciária mais modestas, em números absolutos seu desempenho também se mostra relevante.

Ressalta-se que apesar da remuneração aos trabalhadores qualificados ser relativamente baixa em

Índia e China, este não é, em si, considerado um determinante central na atração de investimentos

em P&D. Entretanto, combinada a um sistema educacional desenvolvido, salários modestos

atuam como um ponto a favor destes países [Unctad (2005)];

(2) a atração de recursos humanos do exterior: o retorno de profissionais e cientistas que

saíram de seus países para estudar em nações desenvolvidas é uma fonte de estímulo à

capacidade empreendedora, permitindo a disseminação de conhecimento e facilitando a geração

de inovações59;

(3) o desenvolvimento de institutos de pesquisa públicos, voltados à realização de P&D;

provisão de serviços técnicos para empresas, como metrologia, padronização, testes e qualidade; e

treinamento de pesquisadores. As filiais podem interagir com estes institutos via subcontratação

58 No caso brasileiro, especialmente no setor automobilístico, as atividades de P&D de empresas multinacionais não têm caráter somente adaptativo, mas já envolvem o desenvolvimento de produtos locais. 59 O desenvolvimento do setor empresarial é importante para criar demanda local para universitários, limitando a “fuga de cérebros”.

96

de serviços, realização de projetos de pesquisa conjuntos e emprego de mão-de-obra qualificada

proveniente destes institutos;

No caso da Índia, o principal determinante do interesse das multinacionais tem sido

disponibilidade de cientistas e engenheiros qualificados, seguido pela existência de institutos

nacionais de P&D de reputação internacional. Muitas unidades de P&D das subsidiárias atuantes

no país colaboram com estes institutos. Em indústrias de alta tecnologia, os principais fatores de

atração são a disponibilidade de mão-de-obra qualificada, seguida pela possibilidade de realizar

P&D a baixos custos. Já em indústrias convencionais, a necessidade de atuação no mercado

indiano é considerada o determinante mais significativo. Os incentivos governamentais foram

considerados um fator relativamente pouco importante em todos os casos. [Reddy (2000) apud

Unctad (2005)].

Já a China apresenta como principal atrativo seu grandioso mercado interno. A expectativa

de participação neste mercado é o principal fator que permite ao país exigir dos investidores

internacionais a transferência de tecnologia e o estabelecimento de joint ventures em condições

privilegiadas. O objetivo final das políticas chinesas é utilizar as tecnologias transferidas pelas

multinacionais para aprimorar a base tecnológica de suas empresas domésticas, fortalecendo-as e

permitindo que atuem, futuramente, de modo competitivo em nível mundial60. A principal meta

do país é fazer com que o investimento estrangeiro colabore com o desenvolvimento de suas

próprias empresas61. Além do potencial de mercado, o país possui elevada oferta de mão-de-obra

qualificada, parques de alta tecnologia, incentivos e a possibilidade de redução de custos nos

diversos estágios da cadeia de P&D. A Unctad (2005) ressalta que os laboratórios de P&D das

multinacionais atuantes no país ainda são primordialmente pouco estratégicos, relacionados a

busca por redução de custos. Todavia, apesar da redução de custos ser um fator importante, a

expansão de P&D na China ocorre também por razões estratégicas ligadas ao aproveitamento dos

talentos existentes e à concorrência com competidores presentes no mercado chinês e asiático.

Entre as medidas voltadas diretamente à atuação de empresas multinacionais adotadas por

China e Índia, vale destacar:

60 Diversos exemplos de empresas chinesas bem-sucedidas são observados ao longo dos anos 2000. No setor de computadores, empresas multinacionais como Compaq perderam espaço para firmas locais como Legend, Tontru e Great Wall. A empresa chinesa Lenovo (antiga Legend) conseguiu elevado percentual do mercado chinês de computadores pessoais, anteriormente ocupada pela Dell. Na área de telecomunicações, a Huawei Technologies e a UTStarcom foram reconhecidas em mercados em desenvolvimento e posteriormente a atuar em países desenvolvidos. [Venkitaramanan (2000)]. 61 A vitória da GM sobre a Ford na concorrência pelo estabelecimento de uma fábrica de Xangai, por exemplo, foi determinada essencialmente por sua disposição em estabelecer um grande centro de P&D e transferir tecnologia de última geração.

97

(1) Exigências de performance: empresas multinacionais que desejam atuar nestes mercados

cumprem exigências relacionadas à realização de P&D, transferência tecnológica e parcerias via

joint ventures. Na Índia, exigências foram impostas a investidores locais e estrangeiros para

estimular o estabelecimento de instalações de P&D; na China tais exigências foram impostas como

condição de entrada em setores selecionados nos quais a presença de IDE tende a ser elevada,

como a indústria automobilística. China e Índia são exemplos de países que têm conseguido atrair

consideráveis montantes de recursos em P&D através da imposição de condições de entrada aos

investidores. O risco da utilização de tais exigências afastar o investimento externo existe, mas é

pequeno no caso de países com forte poder de barganha.

(2) Incentivos fiscais e financeiros: apesar de serem amplamente utilizados, estes não são um

fator primordial na escolha da localização dos institutos de P&D pelas multinacionais. Através da

redução de custos, tais incentivos podem induzir as empresas multinacionais a expandirem suas

atividades de P&D, mas se as capacitações necessárias para a realização de tais atividades não

existirem, estas empresas serão somente estimuladas a realizar atividades rotineiras, em alguns

casos reportando-as como P&D. Em geral, países com capacitações científicas adequadas e de

baixo custo podem estimular a realização de P&D sem necessariamente oferecer incentivos. A

Unctad (2005) enfatizou que, parcialmente devido à limitação de recursos, os países em

desenvolvimento tendem a privilegiar incentivos fiscais aos financeiros; também estão presentes

menores tarifas a equipamentos de P&D importados, como promoção de transferência de

tecnologia.

Em contrapartida, nas economias em desenvolvimento, existe um anseio relacionado à P&D

estrangeiro: que este não contribua ao desenvolvimento das capacitações inovativas domésticas

enquanto, por outro lado, absorva uma alta quantidade de recursos humanos qualificados e

recursos financeiros escassos, beneficiando-se de incentivos fiscais e financeiros.

Hiratuka (2005) resume tais argumentos ao ressaltar que, ao contrário do verificado nos

países asiáticos em desenvolvimento, na América Latina não foram criados mecanismos visando

elevar as atividades tecnológicas das filiais. Equivocadamente, estes países optaram por adotar

políticas nas quais a principal preocupação era retirar as restrições existentes ao IDE e à atuação

das empresas estrangeiras. Esta postura pode estar relacionada aos limitados esforços em P&D

implementados por estas empresas.

98

III. Políticas de apoio à inovação tecnológica no Brasil

III.1 Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Brasil: evolução histórica e o papel das

empresas estrangeiras62

As primeiras organizações de ciência e tecnologia (C&T) presentes no Brasil foram criadas

entre o século XIX e início do século XX. Entre estas, cabe destacar o Observatório Nacional (1827),

a Fundação Oswaldo Cruz (1900), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo63 (1899) e a

Universidade de São Paulo (1934). Estas iniciativas ainda não representavam um esforço

consolidado e organizado do setor público de apoio ao desenvolvimento da pesquisa e atividades

científicas, podendo ser caracterizada como iniciativas pontuais.

Políticas públicas voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, de forma explícita,

tiveram início, no Brasil, somente na década de 1950. O estabelecimento de tais políticas foi

influenciado pela postura de diversos países desenvolvidos, como Japão, França, Reino Unido e

Estados Unidos que, especialmente a partir desta década, assumiram o progresso técnico como

força motriz do crescimento econômico e o papel do Estado como agente central a impulsionar

este processo. Estes países implementaram reformas no sistema de ensino, nos programas

públicos de apoio a C&T e no sistema legal voltado a apropriação industrial, e criaram instituições

de pesquisa e programas destinados ao financiamento da pesquisa nas universidades.

O esforço brasileiro resultou na criação de novos instrumentos e instituições públicas, como o

Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq, 1951), cuja missão era coordenar e estimular o

desenvolvimento científico, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES, 1951), voltada à formação de pessoal especializado, e o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico (BNDE, 1952)64, para apoiar empreendimentos na área industrial e

de infra-estrutura, que posteriormente deu origem à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep,

1967). Cabe também destacar a criação da Fapesp, Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de

São Paulo (1960). Já na década de 1970, a criação do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual

(INPI, 1970) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, 1973) refletem a

continuidade da consolidação do Sistema.

Tais instituições tiveram origem no período de substituição de importações, política

dominante no Brasil entre os anos 1930 e 1980. Neste período, em que predomina a ótica

desenvolvimentista, o Estado teve um papel muito além do alocativo, interferindo na economia e

atuando diretamente como produtor em diversos setores (telecomunicações, siderurgia,

petroquímica). A política visava à criação de capacidade produtiva local, mas negligenciou 62 Baseado em Pacheco e Corder (2008). 63 IPT: oriundo do gabinete de resistência dos Materiais da Escola Politécnica de São Paulo. 64 Posteriormente, BNDES.

99

questões associadas à eficiência produtiva. Em conseqüência, o Brasil consolida sua estrutura

industrial, mas é incapaz de internalizar o progresso tecnológico necessário à promoção da

competitividade. (Corrêa, 2007).

Este período foi caracterizado pela intensificação da presença do capital estrangeiro no país.

O IDE recebeu tratamento preferencial, através de empréstimos internos a taxas preferenciais e

isenções fiscais (Corrêa, 2007). O investimento estrangeiro passa a ser estimulado e bem vindo no

Brasil, sendo excluído somente de alguns setores da economia. O controle se concentrou

essencialmente no repatriamento dos recursos, através da promulgação da Lei 9.025/46, que

fixava restrições a remessa de lucros, estipulava prazo mínimo de cinco anos65 para repatriação do

capital e não estimular o reinvestimento de lucros no país. A remessa de lucros foi limitada a 8%

do capital registrado, sendo considerada transferência de capital o que exceder esta porcentagem.

Além disto, as repatriações e remessas de lucros foram classificadas como categoria não

preferencial do sistema de licenciamento de câmbio. Mas sua regulamentação, feita pelo Decreto

30.363/52, durou somente 12 meses. (Corrêa, 2007). Apesar destes dispositivos legais, o regime é,

em geral, voltado ao estímulo à entrada de IDE ao país.

Ao mesmo tempo, a “Lei dos Similares” estimulou a produção nacional e o ingresso de

empresas multinacionais e do IDE. Em vigor a partir de 1949, a Lei foi um instrumento de

restrição às importações de produtos que houvessem substitutos produzidos no país por

empresas nacionais ou subsidiárias de multinacionais. Estimulou empresas estrangeiras a se

instalarem no país, dado que o suprimento ao mercado interno não poderia mais ser realizado

através de importações. (Corrêa, 2007).

Nos anos 50, o Brasil adotou uma política de atração ao capital estrangeiro que o tornou o

país em desenvolvimento mais atraente para o investimento externo ao longo dos anos 1960 e

1970 [Cassiolato e Lastres (2005)]. Robinson (1976) apud Cassiolato et al (1998) observou que entre

15 países em desenvolvimento, incluindo os tigres asiáticos, o Brasil apresentava as menores

restrições relativas a políticas relacionadas a capital, investimento e tecnologias estrangeiras. Em

1953, através da lei 1.807 (“Lei do Mercado Livre”), o regime cambial foi alterado, implicando em

uma liberalização do sistema, que passa a impor restrições e controle cambial apenas para certos

tipos de capital externo. O governo lançou esforços deliberados e coordenados para atrair IDE em

muitos setores da economia, que foram efetivamente fechados à importação por meio de tarifas

elevadas, prêmios cambiais e, em alguns casos, restrições quantitativas. (Corrêa, 2007).

Em conseqüência das medidas mencionadas, entre meados dos anos 1950 até o final dos anos

1970, o Brasil viveu seu primeiro surto de investimento direto estrangeiro, em que o capital

65 Exceto para investimentos em títulos da dívida pública e renda fixa, que podiam ser repatriados em dois anos.

100

estrangeiro se destaca como ator relevante no processo de industrialização substituidora de

importações. O IDE cresceu significativamente, entre outros fatores, em função da implementação

do Plano de Metas (1957-1960) e de incentivos e subsídios que financiaram a indústria

automobilística, naval, química e de bens de capital. A indústria automobilística recebeu a

permissão de importação de componentes e bens de capital, para que as empresas multinacionais

se comprometessem a substituir progressivamente as importações de produtos automotivos. E, ao

serem classificadas como indústrias de base, tornaram-se aptas a receber recursos financeiros do

BNDE. (Corrêa, 2007).

Nos anos sessenta, causa polêmica a publicação da Lei 4.131/62, considerada o novo

“Estatuto do capital estrangeiro”, associada à redução do fluxo de IDE no país. A Lei apresentou

importante distinção das remessas em razão de sua natureza, dividindo-as em lucros, dividendos,

juros, amortizações, royalties e assistência técnica. Também previu a possibilidade de imposição

de restrições às remessas de rendimentos do investimento estrangeiro em caso de grave

desequilíbrio no balanço de pagamentos. E estabeleceu limites quantitativos ao repatriamento de

capital e à remessa de lucros e dividendos: o capital poderia ser retornado ao máximo de 20%,

enquanto a remessa dos rendimentos do capital não poderia exceder 10% do total registrado. Esta

Lei foi o primeiro documento que mencionou as remessas por importação de tecnologia: para

justificá-las, os contratos de transferência de tecnologia deveriam ser registrados no Banco

Central, ficando proibidas as remessas de royalties pelo uso de marcas e patentes das subsidiárias

às matrizes.

Com o golpe militar de 1964, o cenário ao capital estrangeiro sofre alterações. O diagnóstico

do Programa de Ação Econômica do Governo – PAEG - apontou a incapacidade de o país atrair

investimentos em longo prazo, destacando o caráter especulativo da entrada de capital

tradicionalmente vigente. Para estimular a entrada de investimento estrangeiro, o governo

revogou a Lei 4.131/62, eliminando artigos que estabeleciam a limitação quantitativa das

remessas de lucros e repatriações. A promulgação da Lei 4.390/65 suprimiu o artigo 33 da Lei

anterior, eliminando o teto de 10% do capital registrado para remessas de lucros. A nova Lei

modificou substancialmente o conteúdo da anterior, revogando as restrições relativas ao retorno

do capital e à remessa dos rendimentos oriundos dele, assegurando o direito ilimitado ao

repatriamento e de remessa do capital. A restrição quantitativa da remessa foi substituída pelo

imposto suplementar, que passou a ser o principal instrumento de controle do investimento

externo, ao impor um ônus crescente às remessas de rendimentos superiores a 12% do capital

registrado no triênio anterior. O imposto de renda suplementar também tinha como objetivo

estimular os investidores estrangeiros a manter os resultados de seus investimentos – o lucro – no

101

Brasil. Encorajando o reinvestimento de lucros, o governo objetivava promover o

desenvolvimento econômico e garantir reservas estrangeiras.

Além das modificações mencionadas, cabe destacar outras mudanças referentes ao capital

estrangeiro: seu direito de integrar sociedades mineradoras brasileiras, a partir de 1964, e o

processo de desnacionalização econômica, através da venda de empresas nacionais a estrangeiras,

sufocadas pela restrição de crédito em vigor.

Cabe ressaltar que, além destas modificações, a Lei 4.390/64 definiu o conceito de empresa

subsidiária como aquela cuja base de participação do capital pertencesse em pelo menos 50% a

empresa estrangeira.

O crescimento do capital estrangeiro fez com que o país concentrasse em 1980 o maior

estoque de investimento estrangeiro entre os países em desenvolvimento, e o sétimo do mundo

(Cassiolato e Lastres, 2005). A crise em vigor a partir de então fez com que este cenário fosse

alterado. Os anos 1980 foram caracterizados por instabilidade econômica, relacionada ao alto

endividamento estatal e a elevados índices inflacionários, que afetaram investimentos públicos e

privados. A política econômica esteve fortemente centrada na busca pela estabilização de preços,

através de sucessivos planos de estabilização com resultados pouco duradouros. Neste contexto, a

política de C&T também foi afetada: o foco inicial, ampliação da pós-graduação e da P&D, não

conseguiu atingir as metas programadas, graças a significativas perdas orçamentárias para a área.

Em 1984, é lançada a Lei 7.232, primeira Lei de Informática no país, com o intuito de promover

um parque produtor de bens de informática no país. No caso de equipamentos de grande porte,

as empresas multinacionais poderiam atuar; já os equipamentos de médio e pequeno porte eram

reservados às empresas nacionais. O artigo 22 da referida Lei estabelecia as condições

excepcionais em que se autorizava a abertura ao capital estrangeiro.

O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), instituição atualmente responsável pela

formulação e implementação da Política Nacional de C&T, foi criado em 1985, em um cenário de

turbulência econômica, atendendo a uma antiga demanda da comunidade científica. Inicialmente,

o Ministério teve como responsabilidade a coordenação de todo o sistema nacional de C&T,

envolvendo a política de cooperação internacional, a coordenação de políticas setoriais e a política

nacional de pesquisa. Aos poucos, assume a coordenação das políticas de biossegurança, espacial,

nuclear, informática e automação e exportação de bens e serviços sensíveis. Atualmente,

vinculado ao MCT estão entidades como CNPq, Finep, Agência Espacial Brasileira (AEB),

Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e diversos institutos nacionais de pesquisa.

Logo a seguir, a Constituição de 1988 declara, em seu artigo 172, que a “lei disciplinará, com

base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos

e regulará a remessa de lucro”. Cabe destacar que, pelo artigo 171, foi mantido o tratamento

102

diferenciado entre empresa de capital nacional e estrangeiro, e o tratamento privilegiado à

primeira66. O artigo 171 foi revogado em 1995, pela Emenda Constitucional no 6.

A crise dos anos oitenta, associada à perda de dinamismo do mercado interno, quadro

econômico recessivo, processo inflacionário estrutural e instabilidade do cenário internacional,

contribuiu para que o país deixasse de ser o 1o colocado no ranking de investimento estrangeiro

entre os países em desenvolvimento em 1980 e passasse para a 14o posição em 1993. (Cassiolato e

Lastres, 2005). Até o início dos anos 90 as restrições à entrada de capital estrangeiro no Brasil

concentravam-se em exploração, extração e refino de petróleo, aviação doméstica, setor de

comunicação e editorial, e navegação costeira, que eram restritos a empresas domésticas, e

mineração, pesca, energia hidroelétrica, seguros e setor financeiro, nos quais a participação

minoritária era permitida (Cassiolato et al, 1998).

A direção da política industrial brasileira começa a ser alterada no governo Collor, com a

crise final do modelo de substituição de importações. As principais medidas foram o início da

abertura comercial, com eliminação de barreiras e forte elevação das importações, programa de

privatizações, com a venda de empresas siderúrgicas e de fertilizantes; e desregulamentação,

reduzindo o papel do Estado como direcionador do desenvolvimento econômico. A promoção da

competitividade tinha como foco a disseminação de novas técnicas organizacionais, voltadas ao

aumento da produtividade; instrumentos horizontais passam a ser privilegiados, enquanto os de

cunho setorial foram mantidos somente para a indústria de informática67. Em 1990, foi instituída a

PICE (Política Industrial e de Comércio Exterior), responsável por eliminar grande parte das

barreiras não tarifárias, determinando a liberação automática de importação de bens até então

controlados. A reação inicial do setor privado foi a redução do nível de emprego,

66 Artigo 171. São consideradas:

§ 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:

I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País;

II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos:

a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia;

b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.

§ 2º Na aquisição de bens e serviços, o poder público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional

67 A Lei 8.248/91 – nova Lei de Informática – concede incentivos fiscais (isenção de IPI) para empresas nacionais ou estrangeiras comprometidas a respeitar o Processo Produtivo Básico (PPB). É, portanto, abandonada a reserva de mercado às empresas nacionais.

103

desverticalização produtiva, através da terceirização de mão-de-obra e importação de insumos e

componentes, ênfase em inovações organizacionais e acordos com empresas estrangeiras para

atuação no mercado doméstico. A resposta do setor produtivo às mudanças em curso, todavia,

pouco contribuíram para a redução da fragilidade tecnológica nacional.

Especificamente em relação ao capital estrangeiro, a Lei 8.383/91 revogou a impossibilidade

de pagamentos de royalties de patentes, marcas e assistência técnica entre empresas do mesmo

grupo econômico (entre subsidiárias e matriz, por exemplo). Também extinguiu o imposto

suplementar, inclusive para os investimentos já realizados. Portanto, com o objetivo de atrair IDE,

a lei estabeleceu a liberação de reservas sem exigir qualquer tipo de contra-prestação. Em seu

artigo 77, esta Lei reduziu o imposto de renda retido na fonte sobre remessas de lucros e

dividendos de 25% para 15%. Posteriormente, através da lei 9.249/95, esta medida é intensificada

pela revogação da incidência do imposto de renda sobre o envio de lucros e dividendos ao

exterior, que se por um lado objetivava elevar o fluxo de IDE, por outro desestimulava o

reinvestimento de lucro no país. (Correa, 2007).

Em 1991, a liberdade de movimentação de capital também é ampliada no país, através da

autorização da entrada direta de investidores institucionais estrangeiros no mercado acionário

doméstico, através do mercado de cambio comercial, livre de restrições, além da permissão de

operações com moeda nacional por parte dos não-residentes. O processo de liberalização

financeira também contou com a expansão do leque de instrumentos financeiros, facilitando a

entrada de capital estrangeiro no país.

Em 1993, é aprovada a Lei 8.661, que estabelece incentivos a atividades de P&D através do

relançamento do Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial e Agropecuário (PDTI e

PDTA)68. O PDTI/PDTA caracterizava-se como incentivo fiscal à inovação baseado na dedução de

imposto e crédito fiscal, com prazo de concessão de quatro a cinco anos. O programa era

viabilizado através da análise de projetos propostos por empresas, isoladamente ou em parcerias,

avaliados pelo MCT.

A partir de meados dos anos noventa, o processo de liberalização foi aprofundado, com

aumento das importações (viabilizado pela valorização cambial), aprofundamento do processo de

privatizações, incluindo setores de infra-estrutura, telecomunicações e energia elétrica, ampliação

da atuação da política de concorrência, que passa a atuar em atos de concentração e o fim do

monopólio público em alguns setores. O apoio à indústria se limitou a ações pontuais,

relacionadas à elevação de algumas tarifas alfandegárias, estímulo às exportações e

regulamentação de práticas desleais de comércio. As medidas setoriais concentraram-se na

indústria automobilística (redução de tributos e tarifas de importação superiores à média

68 Lançados originalmente em 1988.

104

nacional), e, em âmbito estadual, as políticas se voltaram a isenções fiscais para indústrias

automobilística, têxtil, confecções e calçados no nordeste, iniciando processo de “guerra fiscal”.

As mudanças ocorridas no período fizeram com que segmentos menos preparados não tivessem

tempo de se adaptar, sendo substituídos por importações. Entre as conseqüências, destaca-se o

processo de desnacionalização produtiva, através de transferências, por empresas multinacionais,

de etapas produtivas para o exterior, e o fechamento de unidades locais de P&D. Os impactos

positivos estão relacionados à introdução de programas de qualidade e produtividade, inovações

organizacionais e busca por redução de custos.

Ao longo do governo Cardoso, foram várias as medidas que ampliaram as oportunidades ao

capital estrangeiro e flexibilizaram o controle do Estado sobre tais fluxos. Em relação ao

investimento externo de portfólio, torna-se desnecessário declarar o tipo de aplicação que se

pretendia fazer, permitindo que os investidores transferissem seus recursos entre as aplicações no

país sem restrição. Como mencionado, a Lei 9.249/95 revoga a incidência do imposto de renda

sobre o envio de lucros e dividendos ao exterior, aprofundando a abertura financeira em processo.

Além disto, é permitido ao capital estrangeiro ser repatriado ao seu país de origem sem

necessidade de autorização prévia. Apenas retornos de capital superiores ao registrado serão

considerados ganhos de capital, estando sujeitos ao pagamento de imposto à alíquota de 15%.

Merece destaque a Emenda Constitucional 6/95, que elimina a distinção entre empresas

brasileiras nacionais e estrangeiras estabelecida na Constituição de 1988, através da revogação de

seu artigo 171. Passa a ser, portanto, permitido o financiamento a empresas brasileiras de

qualquer nacionalidade, medida consolidada pelas linhas de crédito do BNDES ao capital

estrangeiro. Outras emendas constitucionais caracterizam a abertura de certos setores da

economia nacional, anteriormente restritos ao capital estrangeiro, como distribuição de gás,

embarcações, empresas jornalísticas e de radiofusão. Cabe destacar que, antes mesmo da

revogação do artigo 171 da CF/88, a Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos

da Administração Pública, impede qualquer restrição à entrada de investimento estrangeiro,

impondo o tratamento não diferenciado entre empresas nacionais e estrangeiras.

Permaneceram como setores da economia nacional restritos à entrada de capital estrangeiro:

recursos minerais e potenciais hídricos, pesca no mar territorial, serviços postais, assistência â

saúde, segurança privada e propriedade de estrangeiros em faixa de fronteira.

As reformas liberalizantes aprofundadas ao longo dos mandatos do governo Cardoso

estimularam a entrada de capital estrangeiro, porém nem sempre sob a forma de investimento

produtivo. O Brasil vive outro surto de atração de investimento estrangeiro, em que o fluxo de

IDE passa de US$ 1,3 bilhões em 1993 para US$32,8 bilhões em 2000, ano em que o Brasil se

apresenta como segundo maior receptor entre os países em desenvolvimento, após a China.

105

Nonnemberg (2003), todavia, enfatiza que entre 1996 e 2000, grande parte dos fluxos de IDE

resultou da aquisição de firmas existentes, enquanto apenas 18% foram para novos investimentos

industriais. Apenas no setor de eletroeletrônicos, observa-se um ingresso significativo de novas

empresas estrangeiras, quase todas ligadas aos avanços na área de telecomunicações. Portanto, a

entrada de IDE no país não representou, em sua maioria, aumento do investimento de caráter

produtivo. O esgotamento das possibilidades de aquisições de empresas com alguma relevância,

associada à estagnação do mercado interno, fez com que os níveis de IDE caíssem

significativamente no período 2001 – 2003 (Cassiolato e Lastres, 2005). (gráficos I e II).

Gráfico I

Participação do Brasil nos fluxos de IDE para países em desenvolvimento (%)

Fonte: UNCTAD, em Cassiolato e Lastres, 2005

Gráfico II

Fluxos de IDE para o Brasil – 1970-2004 (US$ bilhões)

Fonte: UNCTAD em Cassiolato e Lastres, 2005

A adoção de tais políticas teve como base um modelo de pensamento econômico pelo qual as

empresas multinacionais trariam tecnologias mais avançadas, realizariam esforços internos em

P&D e estimulariam as empresas locais a adotarem comportamento similar. Entretanto, as

medidas implementadas não foram suficientes para estimular as atividades inovativas de

empresas estrangeiras em território nacional, se comparadas a outros emergentes como Índia e

China. Observando o comportamento das filiais de empresas multinacionais norte-americanas,

106

nota-se que a participação brasileira nos gastos em P&D representava, em 2003, 1,8%, comparado

a 2,7% no que se refere às vendas. Enquanto a participação brasileira nos gastos em P&D é menor

que sua participação em vendas, comportamento similar ao observado na maior parte dos países

em desenvolvimento, o reverso é observado na China e Índia. (Zucoloto e Cassiolato, 2006).

(tabelas II e III).

Tabela II

Participação nos gastos em P&D realizados por filiais de empresas norte-americanas

Tabela III

Participação nas vendas realizadas por filiais de empresas norte-americanas

107

As mudanças implementadas ao longo dos anos 1990 não foram capazes de elevar a

capacidade inovativa do setor privado brasileiro – tanto de empresas nacionais como filiais de

multinacionais -, fragilidade já diagnosticada como lacuna central da estratégia competitiva

brasileira. O sistema agroindustrial, com relevante papel da Embrapa, de petróleo e gás, com

destaque para Petrobras, e aeroespacial, via Embraer, continuaram sendo os destaques nacionais

em termos tecnológicos, sendo todos estes formados pela parceria entre poder público e empresas

nacionais.

Visando superar estas limitações tecnológicas, em 1999 são criados os Fundos Setoriais,

vinculação de recursos não orçamentários ao financiamento a C,T&I, com o objetivo de elevar e

estabilizar seu fluxo de receitas69. Pretendia-se, também, superar a histórica desarticulação entre

as áreas científica e industrial no país. Além dos fundos de caráter eminentemente setoriais, foram

criados o fundo Verde-Amarelo (interação universidade-empresa) e o fundo de infra-estrutura,

ambos de natureza transversal. Os fundos setoriais tiveram inicialmente sua eficácia minimizada,

devido à baixa execução orçamentária e ao arcabouço legal então vigente, o qual impedia a

aplicação de recursos em projetos empresariais. As receitas dos Fundos são oriundas de

contribuições incidentes sobre o resultado da exploração de recursos naturais pertencentes à

União, parcelas do Imposto sobre Produtos Industrializados de certos setores e de Contribuição

de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) incidente sobre os valores que remuneram o uso

ou aquisição de conhecimentos tecnológicos/transferência de tecnologia do exterior70. Atualmente

existem 16 Fundos Setoriais e, com exceção do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das

Telecomunicações (FUNTTEL), gerido pelo Ministério das Comunicações, os recursos dos demais

Fundos são alocados no FNDCT e administrados pela FINEP, como sua Secretaria Executiva.

III.2 Cenário recente: políticas e instrumentos relacionados à C,T&I no Brasil

A sociedade e o Estado brasileiro empreenderam, historicamente, esforços consideráveis para

a construção de um sistema de Ciência e Tecnologia que se destaca entre os países em

desenvolvimento. Como descrito, um robusto sistema universitário e de pós-graduação e um

conjunto respeitável de instituições de pesquisa, algumas de prestígio internacional, constituem

os elos fortes desse ambiente. Graças aos investimentos sistemáticos na pós-graduação e na

pesquisa, a produção científica brasileira ampliou significativamente sua presença no cenário

69 De fato, a constituição dos fundos setoriais teve início em 1997, com o Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural, e previu a destinação de parcela dos royalties da programação de petróleo e gás natural para o financiamento da pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico da indústria em questão. 70 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 167, a vedação à vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Assim, a criação dos fundos setoriais gerou vinculação de receita específica aos gastos de C&T sem a introdução de uma excepcionalidade no texto constitucional, ao recorrer às receitas da união sobre as quais não incidia vedação de vinculação.

108

internacional, alcançando, em 2007, 2,5% do total mundial de artigos publicados em revistas

internacionais, comparado a 1,5% em 2002. Em determinadas áreas da pesquisa tecnológica –

como a agropecuária, a saúde e a exploração de petróleo –, a acumulação de conhecimento tem

trazido expressivo retorno social e econômico.

No entanto, o Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiro apresenta limitações,

especialmente relacionadas à pequena participação do esforço privado no investimento realizado

em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, da qual resulta a inexpressiva posição brasileira no

patenteamento mundial e a concentração das atividades relacionadas à inovação ainda em poucas

áreas nacionais. A participação do investimento do setor privado brasileiro ainda é tímida, se

comparado com o de países mais avançados.71 (gráfico III).

Gráfico III

Dispêndio nacional em P&D, por setor, em países selecionados

46,3

68,1

75,5

68,2

52,4

40,4

77,1

46,5

63,9

53,7

27,8

23,1

24,1

38,4

48,3

16,2

45,3

28,5

-

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

80,00

90,00

Brasil (2007) Alemanha(2006)

Coréia (2006) Finlândia(2007)

França(2006)

Itália (2006) Japão (2006) México(2005)

Total OECD(2006)

Empresas Governo

em percentual

Fontes: MCT/SEXEC/ASCAV/CGIN; MSTI 2008-2 (OCDE), em MCT (2009)

Estima-se que a parcela privada dos investimentos brasileiros em P&D no ano de 2007 tenha

sido relativamente menor que a registrada em 2006. Essa alteração na composição dos recursos

deve-se, em grande parte, ao expressivo aumento dos investimentos públicos a partir de 200772.

(gráfico IV).

71 Os gastos privados em P&D do Brasil foram estimados utilizando a variação da formação bruta de capital fixo como proxy, dada a forte correlação encontrada entre as duas variáveis. 72 Os incentivos públicos à inovação são computados na estimativa do P&D público, apesar de apoiarem a realização de P&D privado.

109

Gráfico IV

Dispêndio em P&D no Brasil - setor público e empresarial

0,00

2.000,00

4.000,00

6.000,00

8.000,00

10.000,00

12.000,00

14.000,00

16.000,00

18.000,00

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007(1)

Público

Empresarial

em R$ milhões

Fontes: SIAFI, Balanços Gerais dos Estados e Pintec (IBGE), em MCT (2009)

(1) Estimativa

Comparativamente, observa-se que o sistema de C&T brasileiro ainda é altamente

dependente de ações públicas, com limitado envolvimento de recursos privados.

A alta participação dos recursos públicos no financiamento dos investimentos em inovação

está relacionada também ao expressivo crescimento do FNDCT/Fundos Setoriais a partir de 2003,

que correspondem atualmente à principal fonte de recursos para as atividades científicas e

tecnológicas do país73. (gráfico V)

Gráfico V

FNDCT – Evolução dos recursos

Fonte: FINEP/MCT

73 Para maiores detalhes sobre a questão do contingenciamento de recursos, ver Guimarães (2006).

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007

Fundos Setoriais

Ano R$ milhões

2000 220,6

2001 509,8

2002 477,8

2003 597,5

2004 711,4

2005 767,8

2006 1.040,5

2007 1.518,0

2008 2.995,6

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007

Fundos Setoriais

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007

Fundos SetoriaisFundos Setoriais

Ano R$ milhões

2000 220,6

2001 509,8

2002 477,8

2003 597,5

2004 711,4

2005 767,8

2006 1.040,5

2007 1.518,0

2008 2.995,6

110

A partir de 2004, os Fundos Setoriais passam por algumas mudanças, como o

estabelecimento do Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais, criado com o objetivo de

integrar as ações dos diferentes fundos. Dentre as novas medidas implementadas, cabe salientar a

implementação das Ações Transversais, orientadas para os programas estratégicos do MCT, que

utilizam recursos de diversos Fundos para uma mesma ação.

III.2.1 – Políticas industriais e de promoção da inovação recentes: PITCE, PACTI e PDP

O governo Lula retoma de forma explícita a discussão sobre política industrial no Brasil, com

o lançamento da PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), em novembro de

2003. Esta foi, claramente, uma política de caráter neo-schumpeteriano, na medida em que seu

foco central esteve na promoção da inovação, considerando o fortalecimento da capacidade

inovativa da indústria como fonte de promoção da competitividade brasileira.

Após um recesso de política setorial no Brasil, a PITCE explicitou o apoio a setores,

agrupando-os em três eixos: linhas de ação de caráter horizontal, opções estratégicas (bens de

capital, software, semicondutores e fármacos e medicamentos) e atividades portadoras do futuro

(biotecnologia, nanotecnologia, biomassa e energias renováveis), enfatizando, nos dois últimos

eixos, seu enfoque setorial. As medidas horizontais envolviam incentivos à inovação e ao

desenvolvimento tecnológico, às exportações, a promoção de arranjos produtivos locais, com o

objetivo de aprimorar a competitividade de setores diversos simultaneamente.

A PITCE lançou dois novos instrumentos atualmente centrais às políticas de inovação no

Brasil: Lei do Bem e Lei de Inovação.

Com o objetivo de flexibilizar a articulação público-privada, a Lei de Inovação (Lei no

10.973/04) estabeleceu: (a) medidas de incentivo à pesquisa e à inovação, regulando a titularidade

da propriedade intelectual e a participação dos pesquisadores nos ganhos econômicos; (b)

estímulo à cooperação entre instituições públicas e privadas, através da dispensa de licitação para

licenciamento da propriedade intelectual, estímulos para uso de infra-estrutura pública de

pesquisa e maior mobilidade aos pesquisadores; (c) novos mecanismos de suporte do Estado ao

desenvolvimento tecnológico da empresa, envolvendo arranjos público-privados, autorização

para a constituição de sociedades de propósito específico (SPEs) voltadas ao desenvolvimento de

projetos científicos ou tecnológicos, entre outros.

A Lei de Inovação também estabeleceu, em seu Artigo 19, a possibilidade de financiamento

direto de P&D nas empresas, através de uma modalidade específica de subvenção ao setor

privado. A subvenção permite o incentivo direto ao desenvolvimento de produtos e processos

111

inovadores em empresas, através do apoio a atividades de P&D, desde que haja contrapartida da

empresa beneficiada74.

Complementarmente, a Lei 11.196/05, conhecida como Lei do Bem, estabeleceu um conjunto

de incentivos às atividades de P&D, envolvendo a concessão de subvenção pelas agências de

fomento para a remuneração de pesquisadores (mestres ou doutores), empregados em atividades

de inovação tecnológica, correspondente a até 40%75 do valor desta remuneração76.

Atualmente, os mecanismos de incentivo fiscal destinados à inovação tecnológica brasileiros

são baseados em vantagens na dedução de despesas em P&D e na concessão de crédito fiscal. Os

incentivos resultantes das leis mencionadas são complementados por outros instrumentos, tais

como a Lei 11.487/07, que amplia os incentivos da Lei do Bem para dispêndios realizados por

empresas em projetos de P&D realizados por universidades e institutos de pesquisa.

Especificamente em relação às empresas multinacionais, a Agência Brasileira de

Desenvolvimento Industrial (ABDI), juntamente com a Anpei77, a Apex-Brasil78 e a Sala de

Investimentos da Presidência da República, lançaram o Programa de Atração de Centros de P&D

e de Sedes de Negócios, envolvendo mobilização interna nas empresas a partir de suas

subsidiárias no Brasil, localização das decisões nas sedes para atuação junto a eles, comunicação

dirigida, e articulação da “diáspora.net”, rede de brasileiros que trabalham e estudam no interior.

Todavia, resultados concretos ainda não foram divulgados.

Ainda durante a vigência da PITCE, o MCT lançou, em 2007, o Plano de Ação 2007-2010 –

Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI), com o objetivo de

definir as iniciativas, ações e programas de apoio ao sistema de C,T&I no país. Entre seus

objetivos, estão a elevação dos investimentos globais em P&D interno de 1,02% para 1,5% do PIB;

ampliação dos investimentos empresariais em P&D de 0,51% PIB (2006) para 0,65% (2010);

74 Lei de Inovação - Art. 19. A União, as ICT e as agências de fomento promoverão e incentivarão o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infra-estrutura, a serem ajustados em convênios ou contratos específicos, destinados a apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento, para atender às prioridades da política industrial e tecnológica nacional. § 2o A concessão de recursos financeiros, sob a forma de subvenção econômica, financiamento ou participação societária, visando ao desenvolvimento de produtos ou processos inovadores, será precedida de aprovação de projeto pelo órgão ou entidade concedente. 75 60% no caso de empresas com atuação nas áreas da SUDENE (Nordeste) e Sudam (Amazônia). 76 Lei do Bem - Art. 21. A União, por intermédio das agências de fomento de ciências e tecnologia, poderá subvencionar o valor da remuneração de pesquisadores, titulados como mestres ou doutores, empregados em atividades de inovação tecnológica em empresas localizadas no território brasileiro, na forma do regulamento. 77 Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras 78 Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

112

elevação do número de bolsas, com ênfase nas engenharias e áreas relacionadas à política

industrial e fortalecimento da área de C&T para o desenvolvimento social. Por sua amplitude -

investimentos estimados de R$ 41,2 bilhões -, não conta apenas com recursos do MCT e de suas

agências, mas envolve iniciativas conjuntas com outros ministérios, estados da federação,

municípios e com o setor empresarial, além da participação relevante de outras entidades

governamentais, como o BNDES e a Petrobrás.

As prioridades estratégicas do PACTI seguem os quatro eixos identificados a seguir:

I. Expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCT&I):

envolve a consolidação institucional do Sistema Nacional de C,T&I, aprimoramento da

cooperação internacional, apoio à formação de recursos humanos e à infra-estrutura das

instituições científicas e tecnológicas (ICTs) e de institutos de pesquisa tecnológicas (IPTs).

II. Promoção da inovação tecnológica nas empresas: abrange o apoio financeiro a atividades

de P,D&I e a inserção de pesquisadores nas empresas, a cooperação entre empresas e ICTs, a

capacitação de recursos humanos para a inovação e a implementação de centros de P,D&I

empresariais. Envolve também o apoio a empresas intensivas em tecnologia, através do programa

nacional de apoio às incubadoras e aos parques tecnológicos, o apoio à indústria de capital

empreendedor (venture capital) e o uso do poder de compra para estimular o desenvolvimento

tecnológico nas empresas nacionais. Esta prioridade engloba, também, o programa Sibratec

(Sistema Brasileiro de Tecnologia), iniciativa de redes de instituições tecnológicas, formada por

entidades atuantes na promoção da inovação e realização de serviços tecnológicos, que visa

apoiar o desenvolvimento das empresas, a oferta de prestação de serviços tecnológicos e

atividades de extensionismo e de P&D;

III. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em áreas estratégicas: fortalecer a capacidade

científica e tecnológica de áreas estratégicas ao desenvolvimento nacional, como biotecnologia e

nanotecnologia, saúde, tecnologias de informação e comunicação, biocombustível, energias,

aeroespacial, segurança pública e defesa nacional e Amazônia; e

IV. Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social: apresenta, entre seus

focos, a promoção da popularização de C,T&I e melhoria do ensino de ciências, a universalização

do acesso aos bens gerados pela ciência e a difusão de tecnologias para a melhoria das condições

de vida da população.

A linha de ação 4 do PACTI, incluída no eixo II de apoio à inovação tecnológica nas

empresas, apresenta como programa a implementação de centros de P,D&I empresariais, com o

objetivo de estimular a cooperação com centros de pesquisa e com universidades e aumentar a

competitividade das empresas. Conforme documento oficial do PACTI, o programa objetiva:

113

“acelerar o processo de internalização de atividades de P,D&I nas empresas brasileiras, bem como

atrair centros de pesquisa de empresas estrangeiras. Estimular-se-ão as empresas brasileiras que não têm

atividades de P&D e inovação a criar centros ou estruturas com pesquisadores e, eventualmente, com

laboratórios, para adaptar ou adquirir conhecimento novo e para identificar oportunidades em P,D&I,

fazendo a interface e promovendo a interação com grupos de pesquisa em universidades e institutos de

P,D&I para projetos cooperativos.”

Esta parece ser a única medida explicita direcionada às atividades de P&D de empresas

multinacionais e ao fortalecimento da interação entre universidades e centros nacionais e

estrangeiros. Todavia, até meados de 2009, nenhuma prática havia sido implementada para

viabilizar este programa.

Em 2008, a PITCE é substituída pela Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP. Esta

mudança tem por objetivo dar maior abrangência à política industrial, ampliando o foco da

inovação para incluir os demais instrumentos de política que podem auxiliar no desenvolvimento

industrial. Ressalta-se que, diferentemente dos anos 1930-1980, instrumentos macroeconômicos

como as taxas de câmbio e de juros não são mais utilizados para a promoção industrial no Brasil.

Além disto, o reconhecimento da pluralidade setorial brasileira como uma vantagem nacional fez

com que a nova política incluísse setores não beneficiados na PITCE. Dada a diversidade da

estrutura produtiva brasileira, a política amplia os setores a serem apoiados, de acordo com as

necessidades especificas de cada grupo.

A PDP foi lançada em um cenário macroeconômico favorável à retomada do crescimento -

inflação estável, reservas internacionais elevadas, redução do desemprego, aumento do emprego

formal e da massa salarial, mercado de crédito em expansão, grau de investimento – que facilitou

a definição de metas e a busca por seu cumprimento. Entre as macrometas estabelecidas estavam

a ampliação da relação investimento / PIB (17,6% para 21%), exportações / PIB (1,18% para

1,25%), P&D privado / PIB (de 0,51% para 0,65%) e elevação em 10% o número das MPEs

exportadoras, considerando 2007 como base e 2010 como ano-objetivo. A crise econômica de

2008/2009 alterou as expectativas de seus formuladores, tornando algumas metas setoriais menos

ambiciosas.

A PDP está dividida em cinco áreas: ações sistêmicas (beneficiando o conjunto da estrutura

produtiva, através do apoio à infra-estrutura de transporte, energia, logística e C&T; capacitação

de recursos humanos; medidas tributárias; legislações de comércio internacional), destaques

estratégicos (temas relevantes ao desenvolvimento industrial: exportações, relação com África e

América Latina, regionalização, micro e pequenas empresas e produção sustentável) e 25

Programas Estruturantes para sistemas produtivos, subdivididos em três programas: áreas

114

estratégicas (setores intensivos em tecnologia), fortalecer a competitividade (setores menos

competitivos) e consolidar e expandir a liderança (setores líderes).

A política apresenta entre seus méritos a tentativa de articulação com demais políticas

governamentais, especialmente PAC (superação de gargalos em infra-estrutura) e PACTI79.

Setorialmente, atua de forma articulada com a Estratégia Nacional de Defesa, Programa Nuclear

Brasileiro, Política de Desenvolvimento da Biotecnologia e GECIS - grupo executivo do complexo

industrial da saúde. Muitas vezes a PDP é um reflexo das discussões tratadas pelas políticas

setoriais, o que evita duplicação ou dispersão de esforços e recursos, e permite que desafios

similares a vários setores sejam tratados de forma colaborativa e integrada.

Entre os instrumentos da política, destacam-se incentivos à produção e inovação - fiscais,

crédito, subvenção econômica; regulação; apoio técnico, envolvendo certificação, metrologia,

capacitação empresarial, capacitação de recursos humanos; promoção comercial; compras

governamentais para estimular o desenvolvimento produtivo e inovativo. Tais instrumentos

podem ser utilizados de forma integrada, fato exemplificado pela utilização do poder de compra

para estimular empresas que desenvolverem inovações, financiadas pelo setor público, no país. O

governo financia a inovação por um lado e garante a compra por outro. O objetivo da política não

é criar instrumentos novos, mas principalmente consolidar os já existentes, direcionando-os às

metas estabelecidas.

A atração de atividades de P&D de empresas multinacionais aparece explicitamente, como

objeto da política, no Complexo Industrial da Saúde e Nanotecnologia, mas em 2008 não foi

consolidada nenhuma medida específica a este fim. A atração de investimentos estrangeiros (não

somente P&D) aparece no setor de Tecnologias de Informação e Comunicação, em microeletrônica

e displays, em atividades já em andamento. Existem também discussões sobre a exigência de

realização de P&D como contrapartida ao recebimento de incentivos públicos à produção e

investimento, medida não adotada no Brasil, mas realizada em diversas nações. Tais discussões

sugerem que esta exigência não é de todo combatida por agentes públicos nacionais, todavia

nenhuma medida concreta fora desenhada para implementá-la.

III.2.2 – Instrumentos de apoio à inovação

III.2.2.1 Incentivos Fiscais

A Lei 11.196/05 - Lei do Bem - é, atualmente, o mais abrangente incentivo fiscal de estímulo à

inovação. Sua introdução ampliou os mecanismos de apoio até então vigentes. Enquanto os

79 Diversos instrumentos do PACTI buscam interagir para o alcance das metas presentes na PDP, revelando a tentativa de articulação entre política científica, tecnológica e industrial em construção no Brasil.

115

incentivos previstos pela Lei 8.661/93 se destinavam basicamente a empresas que executassem

PDTI ou PDTA, aprovados por instituições governamentais competentes, a Lei do Bem contempla

qualquer empresa engajada na realização de atividades de P&D. Sua introdução está também

associada à substituição do crédito tributário, previsto pela Lei 8.661/93, por tax allowance80.

(Guimarães, 2006).

Em seu capítulo III, a Lei do Bem definiu os incentivos fiscais destinados a incentivar as

atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos realizadas por pessoas jurídicas.

Considerando que as despesas com P&D, classificadas como custos operacionais pela legislação

do IRPJ, já são excluídas normalmente da base de cálculo da CSLL e do IR81, por qualquer

empresa, o real ganho com investimento em pesquisa e desenvolvimento ocorre com a aplicação

dos incentivos:

• relativos ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e à Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido:

� despesas com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica

classificáveis como operacionais pela legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica:

- dedução, para efeito de apuração do lucro líquido e da base de cálculo da CSLL, de valor

correspondente à soma dos dispêndios realizados no período de apuração;

- exclusão do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de

valor corresponde a até sessenta por cento da soma dos dispêndios realizados no período de

apuração (essa exclusão poderá ser de até oitenta por cento dos dispêndios em função do número

de empregados pesquisadores contratados pela pessoa jurídica, na forma a ser definida em

regulamento);

� dispêndios ou pagamentos vinculados à pesquisa tecnológica e desenvolvimento de

inovação tecnológica objeto de patente concedida ou cultivar registrado:

- os incentivos indicados no item anterior;

- exclusão do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, no

período de apuração da concessão da patente ou do registro do cultivar, de valor corresponde a

até 20% da soma dos dispêndios realizados6s

• Incentivos relativos ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica:

� relativo a pagamentos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, a título de

royalties, de assistência técnica ou científica e de serviços especializados, previstos em contratos de

transferência de tecnologia averbados ou registrados nos termos da lei: crédito do imposto sobre a

renda retido na fonte, incidente sobre tais pagamentos: i) de 25%, nos períodos de apuração 80 O crédito tributário foi mantido no que se refere à eliminação do imposto de renda incidente sobre as remessas para o exterior para o registro de marcas, patentes e cultivares. 81 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e Imposto de Renda

116

encerrados a partir de 1º de janeiro de 2006 até 31 de dezembro de 2008, e ii) de 10%,

relativamente aos períodos de apuração encerrados a partir de 1o de janeiro de 2009 até 31 de

dezembro de 2013; condicionado ao compromisso de realizar dispêndios em pesquisa no país, em

montante equivalente a, no mínimo, o dobro do valor desse benefício;

� relativo a remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e manutenção de

marcas, patentes e cultivares: redução a zero da alíquota do imposto de renda retido na fonte

• Incentivos associados a gastos de capital referentes a atividades de P,D&I: redução de 50%

do IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos importados para P&D,

bem como acessórios e ferramentas que acompanham estes bens;

• Incentivos relativos exclusivamente ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ)82: em

relação aos dispêndios incorridos na aquisição de máquinas, equipamentos, aparelhos e

instrumentos novos, destinados a atividades de P&D, a empresa pode optar por depreciação

acelerada ou depreciação integral. No caso de dispêndios relacionados a instalações fixas de

projetos de P&D, metrologia e procedimentos associados e procedimentos relativos à proteção da

propriedade intelectual, permite-se a depreciação integral no período de apuração relacionado à

sua utilização. Em relação à aquisição de bens tangíveis vinculados a atividades de P,D&I, é

permitida amortização acelerada.

• Subvenção econômica relativa à remuneração de pesquisadores, titulados como mestres ou

doutores, empregados em atividades de inovação tecnológica: subvenção, por intermédio das

agências de fomento de ciências e tecnologia, de até quarenta por cento do valor da remuneração

de pesquisadores, titulados como mestres ou doutores, empregados em atividades de inovação

tecnológica em empresas localizadas no território brasileiro; o percentual é de sessenta por cento

no caso das empresas com atuação nas áreas das extintas Sudene e Sudam.

Além destes incentivos, continuam vigentes os estabelecidos pela Lei 10.332/01, relativa à

subvenção econômica83.

Segundo informe do Ministério da Ciência e Tecnologia (2007), no ano fiscal de 2006, foram

recebidos 130 formulários relativos à Lei do Bem, sendo que Sul e Sudeste representaram,

conjuntamente, 125 empresas. A tabela IV a seguir revela os dispêndios em custeio e a redução da

base de cálculo, por região, em 2006:

82 Não se aplica à CSLL 83 Mais detalhes sobre as leis de incentivo à inovação encontra-se em Guimarães (2006).

117

Tabela IV

Lei do Bem - 2006

No ano fiscal de 2007, segundo informe do Ministério da Ciência e Tecnologia (2008), foram

recebidos 332 formulários, sendo que Sul e Sudeste representaram, conjuntamente, 312 empresas.

Após a exclusão de respostas incongruentes, 50 foram avaliados os formulários de 299 empresas.

Dos dados computados identificou-se que as despesas gerais com P&D envolveram recursos da

ordem de R$ 5,10 bilhões, sendo: R$ 0,52 bilhão com investimentos em bens de capital e R$ 4,58

bilhões com despesas operacionais de custeio.

Observando os dispêndios em custeio e a redução da base de cálculo, por região, chegou-se a:

Tabela V

Lei do Bem - 2007

III.2.2.2 Incentivos Financeiros

A principal instituição pública brasileira voltada à promoção financeira da inovação

tecnológica atuantes no Brasil é a Financiadora de Estudo e Projetos - FINEP, empresa pública

vinculada ao MCT. Foi criada em 24 de julho de 1967, para institucionalizar o Fundo de

Financiamento de Estudos de Projetos e Programas, criado em 1965. Posteriormente, a FINEP

substituiu e ampliou o papel até então exercido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento

118

Econômico e Social (BNDES) e seu Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (FUNTEC),

constituído em 1964 com a finalidade de financiar a implantação de programas de pós-graduação

nas universidades brasileiras. Em 31 de julho de 1969, o Governo instituiu o FNDCT - Fundo

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, destinado a financiar a expansão do

sistema brasileiro de C&T, tendo a FINEP como sua Secretaria Executiva a partir de 1971. Nos

anos 1970s, a FINEP financiou a implantação de novos grupos de pesquisa, a criação de

programas temáticos, a expansão da infra-estrutura de C&T e a consolidação institucional da

pesquisa e da pós-graduação no País. Buscou também fortalecer a articulação entre universidades,

centros de pesquisa, empresas de consultoria e contratantes de serviços, produtos e processos,

processo ainda não consolidado no país.

Atualmente, a FINEP atualmente financia diversos estágios do desenvolvimento científico e

tecnológico (figura I):

Figura I

Estrutura de Financiamento da FINEP

A FINEP opera através de quatro grandes linhas de ação: apoio à inovação em empresas;

apoio às Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs); apoio à cooperação entre empresas e ICTs;

e apoio a ações de C&T para o Desenvolvimento Social. Em relação aos incentivos financeiros

executados pela FINEP, este trabalho se concentrará no financiamento reembolsável (crédito) e

subvenção econômica (financiamento não reembolsável), que envolvem financiamento direto à

empresa, sem a exigência de intermediários. Tais instrumentos são apresentados a seguir:

1. Financiamento Reembolsável: crédito concedido a instituições que demonstrem capacidade

de pagamento e condições para desenvolver projetos de P,D&I. Os prazos de carência e

amortização, assim como os encargos financeiros, variam de acordo com as características, da

modalidade de financiamento, do projeto e da instituição tomadora do crédito.

As modalidades de financiamento reembolsável são:

- Financiamento com encargos reduzidos (Inova Brasil): voltados à realização de projetos de

pesquisa, desenvolvimento e inovação de bens, serviços ou para capacitação tecnológica de

empresas brasileiras. Em 2008, o programa combinou crédito com subvenção ao pesquisador, com

119

taxas diferenciadas de acordo com os programas da PDP, direcionadas a médias e grandes

empresas, caracterizando-se:

Figura II

Programa Inova Brasil – taxas de operações de crédito por Programa da PDP - 2008

- Financiamento reembolsável padrão: operações de crédito para projetos com foco na

inovação de produto ou de processo, que contribuam para a melhoria da competitividade da

organização, mas que não estejam enquadradas nas condições do Programa Inova Brasil. Tais

operações são praticadas com encargos financeiros formados pela Taxa de Juros de Longo Prazo

(TJLP), acrescidos de margem (spread) de 5% ao ano. A FINEP financia até 80% do valor total do

projeto nesta modalidade.

- Financiamento com juro real zero: modalidade de financiamento para apoio a projetos

desenvolvidos por micro e/ou pequenas empresas inovadoras, que representem uma inovação

em seu setor de atuação, seja nos aspectos comerciais, de processo ou de produtos/serviços.

Gráfico VI

Financiamento Reembolsável - Demanda Espontânea concedido pela FINEP

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

2004 2005 2006 2007 2008

Fonte: Finep

2. Subvenção Econômica:

O objetivo do Programa de Subvenção Econômica é promover o aumento das atividades de

inovação e da competitividade das empresas por meio da aplicação de recursos públicos não-

120

reembolsáveis diretamente em empresas. O marco regulatório que viabiliza este programa foi

estabelecido a partir da Lei do Bem e da Lei de Inovação, conforme anteriormente mencionado. A

contrapartida das empresas, determinada pelo Decreto que regulamenta a Lei de Inovação, é

estabelecida de acordo com o porte da empresa – definido pelo faturamento global do grupo ao

qual pertence -, variando de 5% do valor solicitado à FINEP/FNDCT, no caso de empresas de

pequeno porte, a 200%, no caso das grandes. Todas as empresas brasileiras, que tenham sede e

administração no país, pode sem candidatar, independentemente de quem seja seu sócio

majoritário.

A Subvenção Econômica, em vigor desde 2006, selecionou projetos em temas prioritários da

PITCE e, atualmente, PDP. Só podem concorrer projetos tecnológicos nas áreas determinadas.

Em 2006, as tecnologias prioritárias foram: semicondutores e software (TV digital-SBTVD,

software código aberto, governo eletrônico, educação e inclusão digital); fármacos e

medicamentos (AIDS e hepatite); bens de capital (cadeia produtiva de biocombustíveis e

combustíveis sólidos); tecnologia para cadeia aeroespacial (controle de atitude, câmara de

imageamento óptico para satélites, sistemas de navegação, controle, guiamento, aerodinâmica e

propulsão de artefatos); nanotecnologia (nanocompósitos, oleds, materiais nanoestruturados,

nanosensores, nanofármacos; biotecnologia (vacinas, enzimas industriais, biopolímeros, proteínas

recombinantes); biomassa/energias alternativas (plantas oleíferas de alta produtividade,

subprodutos biodiesel, etanol); e temas gerais da PITCE. O valor do edital foi R$ 300 milhões, com

demanda de 1.100 projetos, que representaram R$ 1,9 bilhão. O resultado aprovou 147 propostas,

em um total de R$ 273,7 milhões.

Gráfico VII

Subvenção Econômica – projetos aprovados em 2006, por área tecnológica

Em 2007, os setores/tecnologias prioritários começam a ser restringidos: TICs e

Nanotecnologia (TV Digital-SBTVD, circuitos integrados, visualização avançada, identificação

veicular, governo eletrônico e nanotecnologia aplicada); Biodiversidade, Biotecnologia e Saúde

(equipamentos saúde humana, imagens médicas, kits diagnósticos, biomoléculas e fármacos,

121

subst. bioativas biodiversidade brasileira, palmitos e frutos da AM, embalagens inteligentes e

biodegradáveis); Programas Estratégicos (sistemas de navegação, controle satélite AM e artefatos,

fibra de carbono, sist. aéreos autônomos, identificação humana, robôs cargas perigosas, bloqueio

comunicação, software embarcado); Biocombustíveis e Energias (equipamentos colheita e

transporte cana-de-açúcar, etanol, bagaço e palha, armazenamento biodiesel, motores e mini-

usinas, fontes alternativas energia, biomassa); Desenvolvimento Social (equipamentos para

portadores necessidades especiais e atividades esportivas de alto desempenho, habitação de

interesse social, uso racional água e energia, soluções inovadoras acesso internet banda larga de

baixo custo). Neste ano, os números foram mais expressivos: o valor do edital cresceu para R$ 450

milhões, com demanda de 2.567 projetos, que representaram R$ 4,9 bilhão. O resultado aprovou

174 propostas, em um total de R$ 313,7 milhões.

Gráfico VIII

Subvenção Econômica – projetos aprovados em 2007, por área tecnológica

Em 2008, o edital de Subvenção Econômica sofre nova alteração. Restringe sua atuação a

projetos superiores a R$ 1 milhão, definindo a contrapartida em função do porte da empresa.

Ressalta-se que os itens financiados são despesas de custeio, e que a alocação dos recursos prevê o

direcionamento de ao menos 40% para pequenas empresas e ao menos 30% para as regiões Norte,

Nordeste e Centro Oeste.

Foram disponibilizados R$ 80 milhões para as áreas de tecnologias da informação e

comunicação (TICs), biotecnologia, saúde, energia e programas estratégicos (que representou, em

grande parte, produtos de defesa), além de R$ 50 milhões para tecnologias voltadas ao

desenvolvimento social.

Em cada uma, foram selecionados três sub-áreas a serem apoiadas, conforme a seguir: TICs

(software e conteúdo inovador para novas mídias – TV Digital, celulares, Internet, wireless);

Biotecnologia (prod. terapêuticos da biodiversidade brasileira, bioinseticidas, processos e kits

diagnóstico para cadeia agropecuária); Saúde (dispositivos terapêuticos doenças negligenciadas e

122

câncer, desenvolvimento de moléculas prioritárias, equipamentos médicos, telemedicina);

Programas Estratégicos (sistemas de navegação, controle e guiamento, materiais compostos, fibra

de carbono, cerâmicas, monitoramento e controle de comunicações); Energia (equipamentos para

transformação de resíduos na cadeia do etanol, equipamentos extração óleos para biodiesel,

válvulas e torres águas profundas); Desenvolvimento Social (soluções inovadoras acesso internet

banda larga de baixo custo, equipamentos para portadores necessidades especiais, habitação de

interesse social).

Gráfico IX

Subvenção Econômica – projetos aprovados em 2008, por área tecnológica

Subvenção 2008 - Aprovados

26,3%

16,7%

25,9%

2,3%8,6%

20,2%

TIC SAÚDE BIOTEC ENERGIA PROGR. ESTRATÉGICOS DESENV. SOCIAL

Fonte: FINEP

O edital de 2009 apresentou forte similaridade com o do ano anterior. O instrumento

disponibilizou R$ 450 milhões para as áreas de Tecnologias de Informação e Comunicação, Saúde,

Biotecnologia, Defesa Nacional e Segurança Pública, Energia e Desenvolvimento Social, que em

sua maioria fazem parte dos Programas Mobilizadores em Áreas Estratégicas da PDP. A chamada

pública, lançada em janeiro de 2009, recebeu 2.558 propostas, cujo resultado será avaliado até o

final de novembro deste ano84.

Apesar de setores não contemplados demandaram sua inclusão no instrumento de

Subvenção Econômica, pode-se considerar um avanço o aumento do foco e concentração da

modalidade em algumas áreas tecnológicas, observada ao longo dos anos. O instrumento não tem

por objetivo arcar com os investimentos privados de P&D de forma generalizada, mas apoiá-los

em áreas estratégicas, difusoras do progresso técnico, com elevado potencial de gerar

externalidades aos demais segmentos da econômica. Assim, o Brasil se aproxima da tendência

84 Fonte: www.finep.gov.br, acessado em 11.11.2009

123

observada na OCDE de concentrar os recursos desta modalidade em áreas selecionadas com base

nos critérios mencionados.

Atualmente, a atuação da FINEP é atualmente complementada por ações do BNDES. Em

2004, retoma a linha do Fundo Tecnológico (Funtec), que concede financiamento a projetos de

natureza inovativa de instituições tecnológicas, em áreas prioritárias ao governo. Com o Funtec, a

modalidade de financiamento sem retorno voltou a ser oferecida pelo BNDES, e como os recursos

provêm da parcela do lucro líquido do banco, há liberdade integral para definir como aplicá-lo.

Os demais fundos de apoio à inovação são o FUNTELL – Fundo para o Desenvolvimento

Tecnológico das Telecomunicações, e o Programa CRIATEC, fundo de capital semente com o

objetivo de capitalizar micro e pequenas empresas inovadoras85. O BNDES também disponibiliza

linhas de apoio financeiro à inovação de caráter permanente, divididas em “Linha Capital

Inovador”, com foco na empresa, e “Linha Inovação Tecnológica”, com foco no projeto. Além

destas linhas, o Banco disponibiliza programas de apoio financeiro, que possuem dotação de

recursos e/ou prazo de vigência, entre os quais os voltados ao Complexo Industrial da Saúde

(ProFarma) e à indústria de software e serviços de TI (ProSoft).

Ao avaliar as políticas citadas, IPEA (2008) revelou que houve avanços tecnológicos

relevantes na política de inovação tecnológica brasileira a partir de 2003. O trabalho constatou que

os incentivos fiscais induzem ao aumento dos gastos de P&D de empresas brasileiras

participantes em 90% dos casos; e estão relativamente distribuídos por toda a base produtiva,

porém regionalmente concentrados. Conclui também que o financiamento a P&D nas empresas

brasileiras tem impacto positivo sobre a produtividade e crescimento das firmas, apresentando

um “efeito de adicionalidade” – com o apoio, as empresas investiram significativamente mais em

P&D com recursos próprios. Todavia, o alcance dos programas no período 1996-2005 foi

considerado restrito, limitando-se a menos de 900 empresas em 10 anos. A publicação não

contemplou os instrumentos de apoio à inovação mais recentes, como Subvenção Econômica e Lei

do Bem, que ampliaram o alcance dos programas de financiamento a P&D.

IV. Políticas de incentivo à inovação tecnológica empresarial no Brasil: acesso das

empresas por origem de capital

Este trabalho tem por objetivo avaliar o acesso das empresas brasileiras a instrumentos

selecionados de apoio ao desenvolvimento tecnológico atualmente em vigor no Brasil, sendo estes

85 Maiores informações em: www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Inovacao/

124

a Lei do Bem, Subvenção Econômica e Financiamento Reembolsável. O objetivo é caracterizar o

perfil das empresas apoiadas, especialmente no que se refere a sua origem de capital86. Tais

instrumentos foram selecionados por dar suporte fiscal-financeiro direto ao setor empresarial,

sem que a obtenção de recursos envolva parcerias com institutos de pesquisa. Os instrumentos

são avaliados separadamente, pois suas características particulares tornam incongruente uma

análise unificada.

Entre os instrumentos analisados, é possível observar que a participação das empresas

multinacionais é significativa apenas no que se refere à Lei do Bem. Os recursos da Subvenção

Econômica e Financiamento Reembolsável têm sido quase exclusivamente direcionados às

empresas nacionais. Os instrumentos, de forma geral, também se caracterizam pelo predomínio

de empresas de grande porte: com exceção da Subvenção Econômica 2008, os demais

instrumentos e períodos analisados direcionaram recursos para empresas cujo porte médio

superou 500 empregados.

No que se refere à Subvenção Econômica, a quase totalidade de recursos se direcionou a

empresas nacionais. Todavia, se observarmos o valor médio recebido por empresa, o montante

direcionado às multinacionais foi mais elevado nos anos 2007 e 2008, assim como a contrapartida

financeira média. Estas também se destacam pelo porte significativamente maior que o das

empresas nacionais em todos os anos da amostra, revelado pelo pessoal ocupado e renda média.

(tabela VI) 87.

Análise similar é válida no caso do financiamento reembolsável: a grande maioria dos

recursos se direcionou a empresas nacionais. Entretanto, comparando os períodos 2004-2005 e

2006-2009, observa-se expressivo crescimento do recurso acessado por firmas multinacionais. Este

crescimento observado entre os dois períodos é ainda mais intenso quando avaliamos o montante

médio recebido por empresa. (tabela VII).

86 As empresas brasileiras foram classificadas em nacionais e multinacionais de acordo com o Censo de Capitais Estrangeiros do Banco Central do Brasil, ano 2000. Empresas multinacionais são aquelas em que o capital estrangeiro representa 50% ou mais no capital votante da firma. Considerando as possíveis alterações na mudança na estrutura de capital no Brasil ocorridas após o ano 2000, algumas impropriedades na classificação podem existir. 87 Não foi possível ter acesso à demanda das empresas pelos recursos, somente aos projetos e demandas aprovados.

125

Tabela VI

Subvenção Econômica – caracterização por origem de capital

Tabela VII

Financiamento Reembolsável - caracterização por origem de capital

Em relação à Lei do Bem, a participação das empresas multinacionais é significativa e

crescente entre 2006 e 2007, alcançando 34,5% das empresas beneficiadas. Independentemente da

origem de capital, os beneficiários são empresas de grande porte, em sua maioria ativas no

comércio exterior, como exportadoras ou importadoras. O benefício médio das empresas

multinacionais superou o das nacionais. Esta diferença se destaca nos benefícios relacionados a

patentes concedidas e especialmente, remessas ao exterior relacionadas ao registro de marcas,

patentes e cultivares.

126

Tabela VIII

Lei do Bem - caracterização por origem de capital

Tabela IX

Segundo a FINEP88, o reduzido acesso das empresas multinacionais aos instrumentos de

apoio à inovação executados pela instituição – Subvenção Econômica e Reembolsável – reflete o

88 Entrevista realizada em 8.10.2009

127

limitado interesse destas empresas por estes incentivos. Empresas multinacionais não dependem

de recursos da Subvenção para investir em P&D. E, além disto, estes são direcionados a áreas

estratégicas do governo. Também não dependem de financiamento local para realizar P&D, pois

em geral são empresas de grande porte, bem estruturadas, que possuem recursos próprios ou do

exterior a taxas privilegiadas. É importante esclarecer que não existe nenhuma estratégia –

explícita ou implícita – da FINEP voltada à proteção de empresas nacionais: todas as empresas

brasileiras, nacionais ou subsidiárias, são orientadas a ter o mesmo tratamento pela instituição.

Já a isenção recebida através da Lei do Bem pode atuar como um prêmio a inovações que

seriam realizadas mesmo na ausência do incentivo. A partir da Lei, as empresas que já realizam

P&D passam a ter um custo menor para realizá-la, ao descontar do IRPJ percentual do dispêndio

realizado. Cabe ressaltar que este prêmio pode ter impactos positivos, ao elevar os gastos em P&D

de empresas que já realizam tais atividades e nivelar a capacidade brasileira de atração de

investimentos tecnológicos de empresas estrangeiras, no caso de concorrência por estes recursos

com outros países. Entretanto, estes possíveis impactos positivos precisam ser comparados com

alocações alternativas de recursos (ex: construção de laboratórios e parques tecnológicos) para

identificar a real eficiência das diferentes modalidades de investimentos públicos na promoção da

inovação.

Ainda não fica claro se a Lei do Bem, em si, tem a capacidade de estimular o gasto privado

em P&D89. Mas, no caso de empresas multinacionais, os dados setoriais dificilmente sugerem que

a Lei está incentivando novos investimentos em P&D. A tabela X revela que aproximadamente

60% da isenção fiscal relacionada aos dispêndios com P&D de subsidiárias estão concentrados na

indústria automobilística. No caso das empresas nacionais, também se observa forte concentração

destes gastos em setores não industriais (56,3%), sendo que 45,4% respondem à extração de

petróleo e gás natural.

89 Esta análise só seria possível se pudéssemos comparar os gastos em P&D das empresas que utilizaram a Lei do Bem com as demais empresas brasileiras. Todavia, a última estatística nacional de gastos em P&D refere-se ao ano 2005 e, dado que as informações da Lei são para os anos 2006 e 2007, tal comparação não se torna possível.

128

Tabela X

Em relação ao Financiamento Reembolsável, o acesso de empresas multinacionais também

está concentrado em poucos setores, com destaque para produtos elétricos (45,9%) e setores não

industriais (41,7%). Entre os não industriais, predomina o setor de telecomunicações, que

representa 31% dos recursos reembolsáveis disponibilizados a empresas multinacionais entre 2006

e 2009. No caso das empresas nacionais, a dispersão do recurso é mais uniforme (tabela XI).

129

Tabela XI

Em relação à Subvenção 2008, o limitado acesso de empresas multinacionais esteve

concentrado em somente dois setores: produtos elétricos e calçados. Já as empresas nacionais

apresentam maior dispersão setorial, com destaque para produtos de informática, eletrônicos e

ópticos (22,0%) e setores não industriais (42,3%), no qual se destacam empresas de serviços de

tecnologia da informação (11,4%). Cabe destacar que as áreas tecnológicas apoiadas pelo edital de

subvenção apresentam características horizontais que podem ser contempladas por empresas de

diversos setores. Por exemplo, a área de biotecnologia pode absorver projetos de empresas

farmacêuticas e alimentícias; a área de tecnologias de informação e comunicação pode receber

projetos de empresas de eletroeletrônicos, informática e transporte, entre muitos outros. Este fato

é constatado nesta análise setorial, que revela certa dispersão das empresas apoiadas entre vários

setores da economia brasileira. (tabela XII).

130

Tabela XII

IV.1 - Desempenho tecnológico de empresas que acessaram incentivos públicos

O desempenho tecnológico das empresas até aqui analisadas, antes de terem acesso aos

incentivos à inovação, pode ser estimado por indicadores de resultado – patentes – e de esforço

inovativo – gastos em P&D.

Sobre as patentes, as informações observadas referem-se ao ano 2005. Esta análise,

concentrada em apenas um ano, não permite avaliar com profundidade o comportamento

inovador das empresas receptoras de recursos públicos, mas apresenta a fotografia de um

momento no tempo.

A tabela XIII revela que percentual similar de empresas nacionais e multinacionais que

tiveram acesso à Lei do Bem, em 2006 ou 2007, havia depositado patente em 2005. As empresas

nacionais se destacam somente por um número médio de patentes por empresa mais elevado. Em

relação ao Reembolsável, observa-se um comportamento menos inovador entre as empresas

multinacionais, comparadas às nacionais: o percentual de empresas que depositou patentes, em

relação às que receberam recursos reembolsáveis, é maior entre as empresas nacionais, assim

como o número médio de patentes depositadas. No caso da subvenção, apesar da menor

participação das empresas multinacionais nos recursos recebidos, a tendência é oposta: estas

131

empresas foram proporcionalmente mais inovadoras – depositaram mais patentes e apresentam

número médio de patentes mais elevado.

Tabela XIII

Incentivos públicos e patentes

As informações relacionadas aos esforços inovativos empresariais, disponibilizadas pela

Pintec/IBGE, apresentam duas limitações centrais. Primeiramente, a Pintec é realizada com base

em estrato certo90 apenas no caso de empresas acima de 500 empregados; para as demais, utiliza

dados amostrais. Portanto, empresas que receberam incentivos fiscais-financeiros em 2006-2008

não foram necessariamente avaliadas pela pesquisa, não sendo possível identificar se realizaram

algum esforço inovativo. Além disto, a pesquisa foi divulgada nos anos 2000, 2003 e 2005,

portanto não é possível avaliar o esforço das empresas após o acesso aos incentivos, nem

compará-las com empresas que não os acessaram. A exceção parcial ocorre no caso da Lei do Bem,

cujo valor do incentivo está relacionado a todo o P&D realizado pela empresa, que informa o

montante gasto nesta modalidade; já nos demais instrumentos avaliados, o montante é recebido

por projeto aprovado.

Dadas estas limitações, foi realizado um levantamento de empresas que receberam recursos

da Lei do Bem em 2007 e, simultaneamente, foram entrevistadas nos três anos da Pintec. Este é o

caso de 49,5% das empresas nacionais e 55% das empresas multinacionais que acessaram a Lei do

Bem.

Primeiramente, as informações sugerem que, entre as empresas que tiveram acesso à Lei do

Bem e estiveram presentes nas três Pintecs, apenas 5% não haviam realizado atividades internas

de P&D em ao menos um dos anos. Portanto, para estas empresas, o instrumento pode ter

90 Todas as empresas são entrevistadas

132

colaborado para estimular os investimentos de empresas que, em sua maioria – 95% - já

realizavam atividades de P&D.

As empresas nacionais selecionadas são, em média, de maior porte (receita líquida de vendas

media mais elevada), porém realizaram menor esforço tecnológico a partir de 2003 que as

multinacionais, utilizando como comparação P&D/vendas, aquisição de máquinas e

equipamentos/vendas e pessoal ocupado em P&D médio. No caso de empresas nacionais, a

relação P&D/vendas ao longo dos períodos segue o padrão identificado para a indústria

brasileira: redução entre 2003 e 2000, com recuperação incompleta em 2005. No caso das

multinacionais analisadas, há uma queda contínua entre 2000, 2003 e 2005, fazendo com que, no

último ano, o esforço em P&D voltasse a ser similar ao observado pelas empresas nacionais.

O mais interessante é observar o comportamento destas empresas após a Lei do Bem. Ambos

os grupos de empresas apresentam aumento dos gastos em P&D em 2007, comparado a 2005,

entretanto o avanço das empresas multinacionais é mais elevado. A variação anual média dos

gastos em P&D das empresas multinacionais foi de 26,3%, comparado a 12,6% no grupo das

nacionais. Esta simples análise descritiva, com severas limitações nos dados analisados, não nos

permite concluir que o incentivo fiscal foi o responsável por esta alteração, impactando de forma

mais intensa nas empresas multinacionais. Fatores macroeconômicos, conjunturais e setoriais

podem certamente ter influenciado nesta variação. Entretanto, é possível afirmar que, por razões

que podem ou não estar relacionadas à Lei do Bem, as empresas multinacionais avaliadas

incrementaram de forma mais intensa seus gastos em P&D entre 2005 e 2007. (tabelas XIV e XV).

133

Tabela XIV

134

Tabela XV

No caso da Subvenção Econômica, a comparação do esforço tecnológico entre empresas

nacionais e multinacionais torna-se limitada pela significativa diferença de tamanho médio

encontrada. A receita líquida de vendas média sugere que as subsidiárias analisadas apresentam

porte comparativamente mais elevado. Dada a conhecida correlação entre tamanho das empresas

e investimentos em P&D, o esforço em P&D mais elevado das subsidiárias pode estar relacionado

ao seu porte, e não necessariamente à origem de capital91. (tabela XVI)

91 Não foi possível fazer análise similar para o Financiamento Reembolsável por questões relativas ao sigilo dos dados.

135

Tabela XVI

V. Conclusões

A atual política de apoio à inovação atualmente em vigor no Brasil segue as recomendações

internacionais e medidas implementadas pela OCDE. O Plano de Ação – Ciência, Tecnologia e

Inovação 2007 – 2010 (PACTI) tem por objetivo central atender à primeira recomendação

internacional para o fortalecimento das capacidades inovativas: aprimorar o sistema nacional de

inovação (SNI). Apoiadas por recursos variados - como as ações transversais e verticais dos

Fundos Setoriais e os orçamentos de Ministérios diversos – as metas explicitadas pelo Plano

136

visam, entre outros objetivos, fortalecer instituições de pesquisa e apoiar a formação de recursos

humanos, beneficiando de forma sistêmica, a capacidade inovativa do setor privado brasileiro.

Não se pretende, neste espaço, avaliar o desempenho do PACTI, mas apenas relatar a

preocupação da atual política brasileira com a consolidação do SNI.

Especificamente em relação aos instrumentos fiscais-financeiros de apoio à inovação, a

política brasileira também segue o padrão OCDE. Em relação aos incentivos fiscais, adota

medidas similares a diversos países desenvolvidos, como a alocação de recursos na forma de tax

allowance incidente sobre gastos correntes em P&D. Sobre incentivos financeiros, também

disponibiliza recursos à inovação e, de forma específica, subvenção econômica a setores

selecionados. As áreas de biotecnologia, nanotecnologia, defesa, saúde e energia, contempladas na

subvenção brasileira, também são setores destacados no âmbito internacional.

Em relação ao foco deste trabalho – origem de capital das empresas brasileiras – cabe

ressaltar que a política de inovação brasileira mantém as orientações internacionais de não

discriminação do capital estrangeiro, tratando de forma equivalente empresas nacionais e

subsidiárias presentes no país. Se por um lado as política em vigor – PACTI e PDP – apresentam

poucas medidas direcionadas especificamente aos investimentos em P&D de empresas

multinacionais, por outro todos os instrumentos e recursos estão disponíveis, sem diferenciação,

para as empresas independentemente de sua origem de capital. Tal fato não ocorre somente

porque, desde a Emenda Constitucional 6/95, não é permitido diferenciar empresas nacionais e

subsidiárias brasileiras. Mas também porque as diretrizes implícitas das políticas em vigor

primam por esta não diferenciação.

Analisando especificamente os instrumentos selecionados – Subvenção Econômica,

Reembolsável e Lei do Bem -, que incentivam diretamente as empresas, observa-se que as

empresas multinacionais utilizam mais intensivamente a Lei do Bem, enquanto os demais não são

apropriados por estas empresas. Características próprias destes instrumentos podem determinar

o cenário observado. Considerando que as empresas multinacionais têm acesso a recursos

próprios e no exterior, sua demanda por fontes de financiamento internas tende a ser

inexpressiva. Já a Lei do Bem pode ser solicitada por todas as empresas que fazem P&D e

declaram lucro líquido, portanto a princípio todas as empresas de maior porte, independente de

seu capital, têm acesso ao benefício.

Mesmo não utilizando os recursos mencionados, as empresas multinacionais realizam algum

P&D no país. Tais informações sugerem que a realização de P&D por estas empresas praticamente

independe da política de incentivos. Conforme observado na revisão de literatura internacional,

os incentivos fiscais-financeiros atuam como um complemento, um prêmio à realização de P&D.

Como enfatizado no trabalho de Corder (2006), seus entrevistados mencionaram que

137

instrumentos fiscais não alteram a propensão das empresas a investir em inovação. Tais

incentivos funcionariam apenas como um prêmio àqueles que já são inovadores; este prêmio seria

a razão para as empresas diferenciarem suas despesas com inovação das demais, dado que há um

custo para se contabilizar os recursos voltados à inovação da maneira adequada. Serve, portanto,

para que as despesas com inovação sejam contabilizadas da maneira adequada, permitindo que se

tenha uma idéia mais apropriada de P&D e inovação realizados no país, mas não atuariam, por si,

como estímulo a tais processos. Todavia, indicadores de empresas selecionadas sugeriram que,

após a Lei do Bem – mas não necessariamente por sua causa -, as multinacionais apresentaram um

salto em seus esforços tecnológicos, com aumento expressivo dos gastos em P&D/vendas. Apenas

após o lançamento da nova Pintec será possível começar a avaliar, de fato, o impacto dos

incentivos fiscais-financeiros no desempenho tecnológico das empresas.

Até o momento, o fortalecimento do sistema de inovação e do mercado interno parecem ser

fatores mais relevantes ao estímulo de atividades inovativas. Capacitações internas da empresa,

como cultura inovadora, capacidade de desenvolver projetos e trabalhar em parceria com

institutos de pesquisa, também são fatores essenciais, sem os quais a disponibilidade de

incentivos públicos não é capaz de tornar a realização de P&D uma realidade. Como enfatizou a

Unctad (2004): em comparação com disponibilidade e qualidade de mão-de-obra qualificada, a

provisão de incentivos fiscais e financeiros é de relevância limitada para promover investimentos

em P&D. Além disto, lembrando a experiência internacional de países como Índia e China, a

exigência de realização de P&D como contrapartida ao recebimento de incentivos ao investimento

estrangeiro tem sido a maneira mais eficaz de “estimular” subsidiárias a realizar P&D localmente.

Mais que incentivos, a política de estímulo à P&D torna-se relevante quando ocorre como

contrapartida ao recebimento de outros investimentos, fato raramente discutido no cenário

brasileiro. Existem questionamentos sobre a capacidade brasileira de adotar tais medidas e, em

conseqüência, afastar investimentos externos. Vale lembrar que, historicamente, o Brasil

estimulou de diversas maneiras a presença do capital externo como forma de financiar e construir

sua estrutura produtiva, sem que contrapartidas como as mencionadas fossem exigidas.

Entretanto, tais estímulos não foram suficientes para que estas empresas internalizassem

atividades de P&D no Brasil, na proporção que vem sendo feita em outros países do porte

brasileiro.

Em suma, especialmente no que se refere às atividades tecnológicas de subsidiárias de

empresas multinacionais, parece mais válido fortalecer o sistema nacional de inovação, o mercado

interno e as capacitações locais, e romper a barreira relacionada à realização de P&D como

contrapartida a estímulos recebidos, mantendo os incentivos fiscais-finaceiros existentes apenas

como estímulo complementar.

138

ENSAIO III

PROPRIEDADE INTELECTUAL, ORIGEM DE CAPITAL E DESENVOLVIMENTO

TECNOLÓGICO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

RESUMO

Este ensaio tem por objetivo analisar a evolução do desenvolvimento tecnológico no Brasil,

considerando os impactos da atual Lei de Propriedade Industrial na propensão a patentear de

empresas brasileiras. Após discussão sobre a questão da propriedade intelectual em âmbito

internacional e nacional, serão analisadas estatísticas do patenteamento no Brasil, com base na

entrada da atual Lei de Propriedade Industrial e da origem de capital das empresas. Testes

estatísticos serão aplicados com o objetivo de identificar a importância da origem de capital na

propensão a patentear de empresas brasileiras, e como esta propensão foi impactada com a

mudança na legislação de patentes ocorrida em 1996.

Palavras-Chave: propriedade intelectual, origem de capital, patentes, desenvolvimento

tecnológico, empresas multinacionais, internacionalização tecnológica

ABSTRACT

This paper analyzes the evolution of technological development in Brazil, considering the impacts of the

Brazilian Intellectual Property Law, introduced in 1996, in Brazilian enterprises´ patenting. Firstly, the

paper presents the main debates about intellectual property rights. Then, it analyses statistics of patents

fillings in Brazil. Finally, statistical models indentify the importance of the origin of capital in patentability

in Brazil, and how this propensity was affected by legislation change in 1996.

Key-Words: Intellectual Property Rights, origin of capital, patents, technological development,

multinational enterprises, technological internationalization.

139

PROPRIEDADE INTELECTUAL, ORIGEM DE CAPITAL E DESENVOLVIMENTO

TECNOLÓGICO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

I. Introdução

Este ensaio tem por objetivo analisar a evolução do desenvolvimento tecnológico no Brasil,

considerando os impactos da atual Lei de Propriedade Industrial na propensão a patentear de

empresas brasileiras92.

A seção II apresenta uma revisão teórica da discussão sobre direitos de propriedade

intelectual (DPI), patentes e desenvolvimento econômico e tecnológico. A seção III apresenta a

evolução dos acordos internacionais de propriedade industrial, com ênfase no Acordo TRIPS93.

Em IV, a temática da propriedade intelectual será discutida no contexto brasileiro; na seção V

encontra-se análise estatística do patenteamento no Brasil, apresentando a evolução dos depósitos

de patentes no país, suas características setoriais e grau de cooperação internacional, sempre

considerando o impacto da Lei de Propriedade Industrial em empresas nacionais e filiais de

multinacionais. Em VI, serão realizados alguns testes estatísticos, com o objetivo de identificar a

propensão a patentear de empresas brasileiras e como esta propensão foi impactada com a

mudança na legislação de patentes ocorrida em 1996. A seção VII apresenta as conclusões finais.

II. Aspectos conceituais e teóricos

Os sistemas de proteção da propriedade intelectual (PI) envolvem o conjunto de normas,

regulamentos, procedimentos e instituições que regulam a apropriabilidade, a transferência, o

acesso e o direito à utilização do conhecimento e dos ativos intangíveis. Conferem um direito

exclusivo e, em alguns casos, temporal, sobre a utilização e comercialização de tecnologias. Estes

monopólios temporais têm por objetivo equilibrar a tensão entre, por um lado, a necessidade de

garantir a apropriação dos resultados da inovação e, por outro, de favorecer a difusão dos

conhecimentos gerados, dados seus efeitos multiplicadores sobre o sistema econômico. Ao mesmo

tempo em que a garantia de monopólio incentiva a produção de novos conhecimentos, através do

estímulo ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), ele eleva os preços acima do

custo unitário de produção, reduzindo os benefícios dos consumidores. Se, em uma visão estática,

a propriedade intelectual surge como barreira à concorrência ao estabelecer direitos de

monopólio, dinamicamente estimula processos concorrenciais entre empresas, ao incentivar o

surgimento de produtos inovadores.

92 O conceito de empresas brasileiras inclui empresas de capital nacional e filiais de empresas multinacionais. 93 Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights

140

A propriedade intelectual abrange duas grandes áreas: Propriedade Industrial - patentes,

marcas, desenho industrial, indicações geográficas e proteção de cultivares - e Direito Autoral

(obras literárias e artísticas, programas de computador, domínios na Internet e cultura imaterial).

Patentes são direitos concedidos ao criador de um produto ou processo útil, inventivo e novo, que

permite a exclusão de outros agentes em sua produção, utilização, venda ou importação. A

patente permite que seu titular impeça terceiros de fabricar e colocar no mercado o produto ou

processo protegido durante o tempo de sua duração. Conforme definição apresentada pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI):

“Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente. Durante o prazo de vigência da patente, o titular tem o direito de excluir terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização, importação, uso, venda, etc... Proteger esse produto através de uma patente significa prevenir-se de que competidores copiem e vendam esse produto a um preço mais baixo, uma vez que eles não foram onerados com os custos da pesquisa e desenvolvimento do produto. A proteção conferida pela patente é, portanto, um valioso e imprescindível instrumento para que a invenção e a criação industrializável se torne um investimento rentável.”

Existem diversas vantagens na utilização das patentes como indicador da internacionalização

de tecnologia. Apresenta descrição razoavelmente completa da invenção, campo tecnológico,

inventor (nome, localização geográfica), depositante, referências ou citações de patentes anteriores

e artigos científicos com os quais a invenção se relaciona, entre outras características descritivas.

Além disto, as patentes são uma medida relativamente homogênea, presente em âmbito

internacional e disponível para diversos anos. Por outro lado, sua utilização como indicador de

inovação merece algumas críticas. As patentes representam invenções – a criação de algo novo -, e

não necessariamente inovações. A invenção criada pode não chegar ao mercado, tornando-se um

produto comercializado, portanto pode não se consolidar como inovação. Elas refletem um

conhecimento técnico novo, que não tem necessariamente valor econômico. Além disto, as

empresas, assim como os setores econômicos, têm propensões diferenciadas ao patenteamento.

Em diversos setores, as inovações originam-se da aquisição de equipamentos ou de

aprimoramentos incrementais que, apesar de elevarem a qualidade dos produtos e capacidade

competitiva das empresas, não são inovações patenteáveis.

O patenteamento tem se elevado, em nível mundial, desde os anos 1890s em diversos campos

tecnológicos, incluindo as áreas química, eletro-eletrônica, mecânica, transporte, além de setores

não industriais. Este crescimento sofreu pequenas variações, como o período posterior à II Guerra

141

Mundial (Andersen, 2004)94. Os países desenvolvidos, que possuem estruturas produtivas

especializadas em atividades intensivas em conhecimento e tecnologia e investem mais recursos

em P&D são os líderes no ranking internacional de patentes. Estados Unidos, Alemanha e Japão

correspondem, atualmente, a aproximadamente 80% das patentes concedidas no escritório norte-

americano (United States Patent and Trademark Office – USPTO). Ainda que elevada, esta

participação foi mais intensa no passado, quando os três países líderes da amostra respondiam,

nos anos sessenta, por 90% das patentes concedidas. Entre os não residentes, se nos anos sessenta

Alemanha, Inglaterra e França representavam 59% das patentes concedidas no USPTO, em 2003

os principais atores eram Japão, Alemanha e Taiwan, com 67%. Este indicador é resultado da

transformação na estrutura produtiva dos novos ingressantes, através da crescente especialização

em setores intensivos em conhecimento, desenvolvimento tecnológico e esforços em P&D que

levaram à acumulação de capacidades tecnológicas, permitindo a geração de patentes nacionais.

(Cimoli e Primi, 2008).

Sefarti (2008) ressalta que, já a partir de meados dos anos 1980, o número de famílias de

patentes mais que dobrou e, neste processo, as grandes empresas multinacionais dominaram o

processo de patenteamento. Este movimento está associado ao fato da propriedade intelectual ter

se tornado uma significativa fonte de receita que vem se acelerando consideravelmente em nível

mundial. Para o autor, ativos intangíveis, como direitos de PI, são a forma mais recente de

financialization das empresas multinacionais, que vem se tornando “centros financeiros com

atividades industriais” ou “modalidades organizacionais do capital financeiro”. Associado à

intensificação do processo de globalização e às mudanças recentes no regime de propriedade

intelectual, as empresas multinacionais tornaram-se mais orientadas à geração de receitas com

base em direitos de propriedade intelectual e processos financeiros do que através do processo de

produção. Muitas firmas manufatureiras dedicam-se atualmente a diversas atividades que não à

manufatura, como desenho da marca, marketing, logística e administração de serviços financeiros.

Neste contexto, os pagamentos e receitas por licenciamento de tecnologia aceleraram-se

consideravelmente a partir dos anos 1980, após manter-se constante entre as décadas de 1950 e

1980. Nos Estados Unidos, estima-se que as receitas por licenciamento de patentes passaram de

US$ 15 bilhões em 1990 para mais de US$ 100 bilhões em 1998. (Sefarti, 2008).

A propriedade de um grande portfólio de patentes permite que empresas multinacionais

elevem seu poder de mercado e capturem parte do valor criado por outras empresas, em geral de

menor porte. Em mercados oligopolísiticos, os direitos de propriedade intelectual também

94 Peter Drahos (2004) reforça que um dos pilares do significativo crescimento do número de patentes em todo o mundo entre os séculos XIX e XX foi o barateamento do sistema, considerando o custo de obtenção e manutenção da patente.

142

facilitam ‘reconhecimento mútuo’ e ‘coalizão tácita’ entre as firmas líderes. Além disto, a

propriedade industrial também pode ampliar o acesso ao mercado de capitais: enquanto P&D e

propaganda não geram impacto positivo significativo ao acionista, patentes, copyrights, licenças e

marcas já o fazem.

II.1 Propriedade industrial e desenvolvimento econômico e tecnológico

O papel da propriedade intelectual no desenvolvimento das nações, e mesmo na geração de

conhecimentos, é um tema cercado de controvérsias. Esta questão ultrapassa a esfera econômica,

incluindo conceitos relacionados à moral e justiça95.

Para alguns pensadores, a criatividade e invenção humanas seriam um “direito natural” dos

indivíduos, intrínseco à sua existência, sob o qual deveriam fazer uso, e a institucionalização da

propriedade intelectual seria responsável pela preservação de tais direitos. Dentre estes

pensadores, destacou-se John Locke, defensor da teoria de direitos naturais do contrato social.

Para ele, os governos não criariam os direitos de propriedade, apenas os instituiriam, servindo

como seus guardiões, dado que os criadores têm direitos intrínsecos sobre suas invenções. Com

base em argumentos semelhantes, Jean Baptiste Jobard advogava pela proteção patentária

perpétua, dado que o sistema de PI seria a solução contra explorações injustas sobre a criatividade

humana. De acordo com tais teorias, todos teriam um direito natural permanente e inalienável de

dispor com exclusividade de si mesmos e de seus trabalhos.

Contrapondo-se a tais argumentos, Thomas Hobbes defendia não haver nada de natural em

um direito que precisa do governo para fazê-lo cumprir. Para Hobbes, seguindo a teoria positiva

do contrato social, não seria possível ao governo fazer cumprir um direito sem incorporar suas

noções de “certo e errado”, “justo e injusto”, portanto considerar tais direitos como naturais seria

uma contradição em termos.

A principal contestação aos DPI como direitos naturais se apóia no fato que as invenções

tecnológicas são, essencialmente, uma criação social, fruto de trabalho coletivo, cumulativo e

inter-relacionado, em que todos contribuem. Portanto, nenhum indivíduo ou firma poderia

reivindicar sua propriedade96. Atualmente, observa-se que trajetórias tecnológicas se baseiam, de

forma crescente, em amplas bases de conhecimento, e vem se tornando menos concentradas no

sentido que uma gama de diferentes firmas atualmente participa da mesma evolução tecnológica,

sendo difícil identificar com precisão os responsáveis por cada criação. A propriedade das

95 O debate descrito a seguir se baseia em Andersen (2004). 96 Tais argumentos podem ser associados à citação de Thomas Jefferson, 3º presidente dos EUA, para quem as idéias não podiam ser confinadas ou apropriadas com exclusividade, portanto as invenções não poderiam estar sujeitas à propriedade (Chang, 2001)

143

invenções tecnológicas poderia, assim, ser considerada imoral, e até contrária ao princípio dos

direitos naturais, dado que o sistema de DPI limitaria a utilização, pelos inventores, de idéias que

estes ajudaram a criar coletivamente. Nesta linha de argumentação, o sistema de propriedade

intelectual poderia, em média, causar mais perdas que lucros, mesmo aos inventores

recompensados por idéias patenteadas, dado que estes também terão que pagar para utilizar

inovações para as quais contribuíram, mas foram apropriadas, via patentes, por terceiros. Nesta

lógica, qualquer sistema de patentes seria injusto pela impossibilidade de recompensar os

envolvidos na proporção dos esforços conduzidos. Ressalta-se ainda a argumentação de alguns

economistas clássicos, como Pigou, que defendeu os DPIs como supérfluos e desnecessários, dado

que as atividades inventivas surgem em grande parte de forma acidental (Andersen, 2004).

Nesta discussão, o conceito de justiça relaciona-se especialmente aos direitos de remuneração

dos inovadores pelos conhecimentos gerados. Como argumentado pelo filósofo utilitarista Jeremy

Bentham, a sociedade deveria proteger o inventor, assegurando a ele uma porção justa da

remuneração quando explora seus conhecimentos e idéias. Seria imoral, segundo o filósofo, deixar

todos usarem livremente o trabalho dos inventores sem seu consentimento e sem compensá-lo. A

sociedade deveria remunerar os serviços realizados pelos indivíduos na proporção do que custam

e da sua utilidade para a sociedade. Caberia ao Estado somente a responsabilidade pelo

cumprimento desta proteção (Andersen, 2004).

Por outro lado, os aspectos de justiça também são discutidos sob a ótica dos consumidores.

Neste sentido, argumenta-se que consumidores pobres devem pagar menos que os ricos,

especialmente por produtos essenciais, por questões moral, distributiva e humanitária. Nesta

lógica, países subdesenvolvidos deveriam pagar menos por medicamentos que nações avançadas,

havendo uma diferenciação entre os sistemas de propriedade intelectual de acordo com as

condições sócio-econômicas de cada país. Por trás destes argumentos, discute-se se medidas

redistributivas devem ocorrer através de DPI diferenciados ao invés de se darem de forma direta,

via ajuda financeira entre governos. O que seria mais “justo” ou “eficiente”: diferenciar os

sistemas de PI ou redistribuir recursos entre países para aquisição de medicamentos voltados a

populações carentes? No caso de medicamentos, alguns estudos consideram que o impacto às

populações carentes via redução de preços de produtos é significativamente maior que através de

ajuda canalizada pelos governos (Lall e Albaladejo, 2002).

Passando das questões filosóficas às econômicas, diversas correntes de pensadores buscam

analisar o papel da PI no desenvolvimento econômico e tecnológico das nações. Seguindo a

tradição neoclássica, o conhecimento é um bem público, que se inclui entre as falhas de mercado,

não sendo provisionado de forma eficiente pelo setor privado. Como bem público, o custo

marginal para um novo usuário utilizá-lo é zero; portanto, o inovador não poderá auferir lucro a

144

partir do conhecimento por ele produzido. A rápida difusão do conhecimento impede que o

inovador se aproprie dos resultados dos esforços empreendidos, e a vantagem originalmente

obtida rapidamente se dissipa. Deste modo, sob competição perfeita não haveria incentivo da

parte dos agentes privados a investir na criação de novos conhecimentos produtivos.

Para Lall e Albaladejo (2002), a solução ótima passaria pelo apoio público aos inovadores até

que os custos dos subsídios igualassem os benefícios à sociedade; a partir deste ponto, os

governos permitiriam a disseminação do conhecimento ao custo marginal. Mas, na prática, seria

difícil calcular o subsídio ótimo. A garantia de um monopólio temporário, que permita a obtenção

de renda a partir da inovação, aparece assim como solução secundária (second-best solution)97.

Pela perspectiva de Coase, a atribuição e o cumprimento de DPI bem-definidos evitariam a

difusão imediata das inovações. A transformação de um bem público – conhecimento – em um

bem privado – propriedade industrial –, ao garantir as condições de apropriabilidade, geraria os

incentivos necessários à sua produção. Por esta perspectiva, dado que, em um mercado

perfeitamente competitivo, o custo de reprodução da inovação, seu custo marginal, tende a zero, o

valor de uma inovação origina-se a partir de seu monopólio. Os DPI, ao gerarem perspectiva de

receita, incentivariam a invenção e o desenvolvimento de novas idéias. Os DPI, como patentes e

desenhos industriais, seriam a única fonte de valor das inovações tecnológicas, a única forma de

torná-las lucrativas (Dosi, Marengo e Pasquini, 2007) 98. Portanto, a proteção seria o mecanismo de

indução de inovações.99

Para North (1981) apud Andersen (2004), os DPI são a maneira mais barata e efetiva da

sociedade incentivar a geração de inovações. E, mesmo quando o sistema de PI não é o impulso

central deste processo, é um instrumento fundamental na determinação de sua direção,

estimulando a geração de inovações utilizáveis e com forte caráter comercial. Dentre os DPI, as

patentes aparecem como elemento de garantia e referência nos casos em que o inventor necessita

recorrer ao mercado de capitais para obter financiamento (Mazzoleni e Nelson, 1998).

Já Arrow (1962), embora defenda o argumento que o único modo de obter valor de ativos

intangíveis é protegê-lo através de direitos de propriedade, argumenta que tal proteção é

97 Ressalta-se que incentivos financeiros, como taxas de juros subsidiadas à inovação e a subvenção econômica – disponibilização de recursos públicos não reembolsáveis a serem aplicados por agentes privados em projetos inovadores – são políticas que existem no Brasil e no mundo.

98 Plant (1934) enfatizava que os direitos de propriedade sobre idéias não seguem a mesma natureza daqueles relacionados a recursos escassos, como a terra. Os direitos de propriedade não seriam conseqüência da escassez de recursos; pelo contrário, representariam a concepção deliberada de um estatuto que, por si, cria a escassez.

99 Esta argumentação assume que os inventores, indivíduos ou firmas, são agentes racionais cujos comportamentos maximizam o bem estar de si próprios e da sociedade, não considerando efeitos relacionados à interdependência tecnológica, interação estratégica, colaboração em mercados competitivos e relações de poder em situações de barganha .

145

ineficiente para estimular o desenvolvimento tecnológico. Para o autor, mesmo na presença de

legislação de PI, a atividade de pesquisa tende a ser realizada em níveis sub-ótimos, por razões

relacionadas à incerteza e limitações na apropriabilidade. O resultado da invenção é incerto, dado

que o inventor não consegue calcular os riscos envolvidos em sua realização; já problemas de

apropriabilidade estão relacionados à (possível) decisão do inovador de não explorar sua idéia,

devido aos riscos e custos envolvidos, não se apropriando dos retornos a ela relacionados. Para

Arrow, a informação pode fluir mesmo na presença de proteção legal, que serviria apenas como

uma barreira parcial. (Andersen, 2004).

Em teoria, a sociedade obtém diversos benefícios a partir da concessão de monopólios

temporários aos inovadores, como o estímulo à geração não só de invenções, mas de inovações, ao

garantir condições de apropriabilidade aos inovadores; incorporação de novos conhecimentos no

sistema produtivo; disseminação do conhecimento gerado aos demais atores da sociedade;

sinalização de respeito aos DPI ao setor privado, viabilizando a atração de investimentos e

possibilidades de estímulo à transferência de tecnologia para países em desenvolvimento no

longo prazo. Posner (1982) apud Andersen (2004) argumenta que, em um mundo sem DPI, onde

todos são livres para usar, sem custos, as idéias dos demais, a atividade inventiva estaria viesada

a favor de invenções que poderiam ser mantidas em segredo e/ou que exigiriam investimentos

limitados. Dada a impossibilidade de recuperar os gastos com P&D, os agentes não seriam

estimulados a realizar atividades inventivas. Em suma, o argumento prevalecente é que, embora

os DPI criem ineficiências, elas são o preço a pagar pela geração de novas idéias e para que estas

se tornem públicas.

II. 2 Propriedade intelectual e desenvolvimento tecnológico: a contra-argumentação

A concessão de DPI estabelece monopólio temporário durante o qual se observa redução do

excedente do consumidor e geração de peso morto100. Em contrapartida, tais direitos estão

associados à geração de inovações tecnológicas necessárias ao desenvolvimento econômico. É,

portanto, necessário buscar o equilíbrio entre o efeito estático dos ganhos imediatos dos

produtores resultantes da proteção obtida e o ganho dinâmico futuro que sociedade terá em

função da geração de inovações.

Pela abordagem neo-schumpeteriana, Dosi, Marengo e Pasquini (2007) ressaltam as

limitações dos argumentos que defendem os DPI como única forma de apropriação dos

resultados da inovação, e questionam se é necessariamente desejável que a sociedade resguarde

os inovadores da competição, abrigando-os em um monopólio legalmente protegido. Entre os

100 Peso morto concede uma medida de quão pior está uma situação de monopólio, comparada à de concorrência perfeita.

146

diversos contra-exemplos factuais apresentados pelos autores, destacam-se os que envolvem

tecnologias de informação e comunicação (TICs). Neste setor, foram geradas diversas inovações

que produziram significativo valor econômico, mesmo quando não foram patenteadas. As

indústrias de software e telefone móvel são exemplos de novos produtos e tecnologias que

surgiram em um ambiente de PI frágil. Para os autores, tal fragilidade pode ter o sido o fator de

estímulo ao rápido crescimento destes setores, dado que a disseminação do conhecimento

estimulava a geração de inovações, enquanto o fortalecimento do regime de PI a partir dos anos

oitenta deve ter sido conseqüência, e não causa, da expansão do setor de TICs.

Schiff (1978) apud Chang (2001) revela que no século dezenove, embora a Suíça não possuísse

uma lei de PI, o país tornou-se um dos mais inovadores do mundo, inventando máquinas têxteis,

a vapor e processadores de alimentos. A introdução da legislação de PI suíça, em 1907, não

proporcionou um crescimento significativo nas atividades inventivas. O autor conclui que no caso

suíço, a ausência desta legislação colaborou com o desenvolvimento industrial do país. Mais

recentemente, a Suíça realizou um estudo empírico com 350 empresas atuantes na área de

biotecnologia para compreender como propiciar uma posição inovadora no longo prazo. Como

resultado, o país optou por impor limites à proteção de invenções biotecnológicas, com o objetivo

de prevenir que a pesquisa seja bloqueada e impeça o desenvolvimento tecnológico da área. (Li,

2008).

Os autores reforçam que a expectativa de obter lucros através da inovação tem sido, na

história do capitalismo moderno, a condição central para empreendedores investirem recursos e

tempo na busca por inovações. Este sistema tem mostrado incomparável capacidade de promover

tanto o crescimento do conhecimento tecnológico quanto sua transformação em produtos

melhores e mais valiosos e em processos produtivos mais baratos. Todavia, não existem

significativas razões teóricas ou evidências empíricas comprovando que mudanças nos

mecanismos de apropriação da inovação em geral, ou dos DPI em particular, teriam efeito robusto

nos recursos que os agentes privados direcionariam a esta busca ou em sua capacidade de

descobrir novos produtos e processos. Para os autores, mais do que as condições de

apropriabilidade, as taxas de inovação têm como principais determinantes os níveis de

oportunidade tecnológica com que cada indústria se depara. Intra-setorialmente, as significativas

diferenças no grau de desenvolvimento tecnológico encontradas entre as firmas seriam

determinadas por suas características, capacitações e escolhas estratégicas. Em conseqüência, DPI

podem não ser necessários para induzir atividades inventivas, dado que em muitas indústrias, a

liderança na comercialização de um novo produto é suficiente para gerar lucros e, nestes casos, a

propriedade industrial não é necessária pra induzir seu desenvolvimento. Deste modo, a proteção

147

teria, quando muito, um papel secundário no estímulo à inovação (Dosi, Marengo e Pasquini,

2007).

Além disto, os DPI não garantem a apropriação efetiva do bem intangível. O reconhecimento

legal de tais direitos não se traduz automaticamente na geração de monopólios sobre as

inovações, conferindo somente o direito de defender o monopólio através de uma ação legal. A

apropriabilidade efetiva é uma função da possibilidade e vontade do titular exercer seu direito,

influenciada por fatores como a capacidade de monitorar o mercado, os custos dos litígios, a

competência dos advogados e o poder de negociação dos envolvidos. Koen (1991) apud Cimoli e

Primi (2008) revela casos em que pequenas e médias empresas dos Estados Unidos sabiam

quando seus DPI estavam sendo violados, mas a maioria não atuou legalmente devido aos altos

custos envolvidos e tempo das controvérsias legais.

Outra questão referente ao sistema de PI refere-se à sua capacidade de remunerar igualmente

todas as idéias tecnologicamente novas, independente de resultarem de um grande esforço ou de

serem o resultado acidental de uma atividade inventiva.

Além dos mencionados, cabe ressaltar alguns custos sociais envolvidos no processo de

proteção aos DPI, como: i) o custo de oportunidade de investimento em trajetórias tecnológicas

selecionadas (escolha de caminhos inventivos menos produtivos, que não levarão à geração do

melhor produto ou processo inovativo, mas com maior chance de ser patenteado); ii) custos de

administrar e fazer cumprir o sistema de PI; iii) custos relacionados ao depósito de um gama de

produtos e/ou processos inter-relacionados, com o intuito de bloquear o acesso aos demais

concorrentes em determinados espaços tecnológicos; iv) busca excessiva pelo patenteamento,

postura que consome elevados custos financeiros; v) pagamento de royalties como um custo social;

vi) elevação dos preços de produtos importados; vii) elevação dos preços para aquisição e

utilização de novas tecnologias; viii) perda de atividade econômica, pelo limitação de atividades

imitativas, ix) possibilidade de abuso de preços de proprietários de patentes; entre outros.

A principal crítica à causalidade positiva entre estabelecimento de direitos de propriedade

intelectual e geração de inovação tecnológica concentra-se no fato que sem o desenvolvimento de

capacitações científicas e tecnológicas, nenhum sistema de PI será capaz de promover a criação de

novas tecnologias. Para Lall e Albaladejo (2002), DPI fracos podem ajudar firmas em estágios

iniciais de desenvolvimento a construírem tais capacitações tecnológicas, através da imitação e

engenharia reversa. Este fenômeno foi observado em diversos países hoje desenvolvidos, que

utilizaram a frágil proteção à PI em seus estágios iniciais de industrialização para promover seu

desenvolvimento, aumentando a proteção conforme se aproximavam das economias líderes.

Segundo Chang (2001), a experiência histórica de países atualmente avançados revela que

forte proteção aos direitos de propriedade intelectual não foi uma condição essencial ao

148

desenvolvimento econômico. A maioria adotou proteção fraca e incompleta até alcançarem

estágios avançados de desenvolvimento, e muitos violaram os DPI de outros países, via

espionagem industrial e violação de marca registrada. Experiências de países como Alemanha,

Japão e Suíça indicam que um baixo nível de proteção foi um fator central no fortalecimento de

suas capacidades produtivas e de P&D. A Alemanha, ao adotar o sistema de propriedade

intelectual, não permitiu o patenteamento de produtos químicos, apenas de seus processos de

produção. Por trás desta decisão, estava a necessidade de estimular a criatividade industrial,

incentivando a procura por processos mais eficientes relativos ao produto de interesse. Esta

estratégia é considerada um dos pilares do sucesso tecnológico alcançado pela indústria química

alemã a partir do final do século XIX.

Atualmente, diversos autores e policymakers argumentam que países com DPI bem definidos

e estruturados teriam maiores condições de atrair tais investimentos, ao garantir que as inovações

não seriam copiadas por concorrentes locais. Considerando que os inovadores são avessos a

vender tecnologias a países que não respeitam tais direitos, a estruturação deste sistema tenderia a

facilitar a transferência tecnológica entre as fronteiras nacionais. Todavia, diversas experiências

sugerem que a adoção de forte proteção intelectual tende a ser benéfica somente quando o país já

desenvolveu capacitações suficientes para se tornar competitivo no mercado mundial; até este

momento, a adoção de engenharia reversa seria o melhor caminho para o aprendizado

tecnológico e a geração de competitividade. O fortalecimento dos sistemas de PI pode, por si, não

ser o melhor caminho para estimular a inovação doméstica em países que não possuem

capacitações próprias. Pelo contrário, o fortalecimento desta legislação em nações cujo estágio de

desenvolvimento tecnológico se concentra na realização de engenharia reversa pode restringir seu

processo de aprendizado. Países em desenvolvimento podem realizar consideráveis atividades

tecnológicas voltadas a adaptar e aprimorar tecnologias importadas, que não geram inovações

patenteáveis e podem ser fortalecidas na presença de DPI frágeis.

II.3 DPI e formas de apropriabilidade

Os DPI não são o único mecanismo de apropriabilidade das receitas derivadas da inovação.

Estudos empíricos revelam que as taxas de propensão ao patenteamento, e seu papel no estímulo

à realização de P&D, variam entre setores. Em indústrias nas quais é relativamente fácil para uma

firma capacitada copiar novos produtos, como nos casos das indústrias química e farmacêutica, as

patentes são relevantes para sustentar os elevados dispêndios em P&D necessários à inovação. Já

em indústrias nas quais a cópia é um processo difícil e oneroso, sua importância torna-se limitada.

Em determinados cenários, o intervalo de tempo para que a imitação ocorra pode ser longo o

suficiente para garantir o retorno financeiro do inventor; já nos casos em que o produto ou

149

processo desenvolvido é facilmente imitável, a inovação exigiria proteção. Portanto, quanto maior

a velocidade de disseminação do conhecimento, maior a proteção necessária para assegurar o

retorno ao inovador. Ressalta-se que, como a necessidade de sistema de DPI para promover a

inovação e transferência tecnológica não é idêntica entre as atividades setoriais, o regime de PI

ideal dependeria da estrutura das atividades econômicas de cada país.

Mesmo sem utilizar mecanismos formais de apropriação, o inovador pode usufruir de outros

mecanismos de proteção. Entre as demais formas de apropriabilidade, não formais, destacam-se

os segredos industriais, vantagens temporais (relacionadas à inserção da inovação no mercado

com substancial antecipação sobre os competidores e aos custos de absorção dos novos

conhecimentos pelos imitadores) e capacidades complementares (serviços complementares ao

produto, que preservam a vantagem do inovador). Alguns estudos101 sugerem que tais

mecanismos são mais importantes que as patentes como forma de apropriação dos esforços

inovativos. Segundo Cimoli e Primi (2008), o segredo industrial e as vantagens temporais são os

mecanismos de apropriabilidade mais utilizados, enquanto as patentes desempenham um papel

relativamente mais importante nas estratégias das empresas de maior porte. Arundel (2001)

revela que a probabilidade das firmas preferirem segredo a patentes como forma de

apropriabilidade decresce com o aumento no tamanho da firma, no caso de invenções de produto;

os resultados de Scherer et al. (1959), Mansfield (1986), Levin et al. (1987) e Cohen et al. (2000),

apresentados em Andersen (2004), sugerem que os incentivos a patentear na indústria

manufatureira norte-americana dependem da natureza da indústria e estão positivamente

correlacionadas ao tamanho da firma. Chang (2001) argumenta que quando o inventor confia na

possibilidade de manter segredo, ele optará por este mecanismo e não depositará patente; por esta

lógica, a proteção patentária não estimularia a descrição de invenções ocultáveis, atuando

somente sobre invenções que não seriam mantidas em segredo.

III. Evolução dos acordos internacionais de propriedade intelectual

A transformação dos sistemas de propriedade intelectual acompanha as distintas fases de

desenvolvimento das economias modernas. O desenho de um sistema de DPI, a qualquer

momento no tempo, é baseado em um ambiente político particular, e quando as relações de poder

mudam, os argumentos em torno dos DPI passam a ser contestados e sujeitos a mudança.

Momentos determinados na história estão relacionados a acordos de DPI específicos.

A primeira lei de propriedade intelectual remonta à República de Veneza, em 1474 (Cimoli e

Primi, 2008), entretanto, apenas a partir do século XIX, esta legislação ganha força nos estados

europeus. Sua adoção foi, todavia, cercada de controversas. Alguns países a consideraram uma

101 Levin et.al. (1987), Mansfield (1986) apud Chang (2001)

150

medida equivocada, como a Holanda, que criou sua lei de PI em 1817 e a revogou em 1869. A

crise do sistema de PI deste século resultou do choque entre as idéias liberais de livre-comércio e

as correntes protecionistas de pensamento econômico. Neste período, a Europa debateu sobre a

necessidade da manutenção destes sistemas. O movimento anti-patente vigente na Europa em

meados do século dezenove está associado à concepção que os monopólios, por si, eram ruins à

economia. Pensadores liberais argumentavam que, com a queda expressiva das tarifas comerciais

em vigor na Europa, não seria desejável permitir que titulares de patentes se beneficiassem com

uma espécie de tarifa privada. Mas o argumento do protecionismo comercial foi vencedor,

vigorando o crescente comprometimento com tais sistemas.

Inicialmente com regulamentações de alcance nacional, os sistemas de propriedade

intelectual evoluíram para regimes supranacionais. O sistema internacional de propriedade

intelectual foi, em essência, criado com base na Convenção da União de Paris (CUP), de 1883, que

envolveu 11 países, dentre estes o Brasil. Teve como base: a) o princípio de independência das

patentes, pelo qual a patente é um título válido exclusivamente em território nacional; b)

tratamento igual para nacionais e estrangeiros, não permitindo tratamento preferencial ou

discriminatório em favor do nacional e c) garantia, ao requerente de uma patente, o direito de

prioridade, por um prazo de 12 meses contados a partir da data de apresentação do primeiro

pedido, para depósito em outros países signatários.

Em 1886, foi assinada a Convenção da União de Berna (CUB), que trata dos direitos do autor

e da proteção de obras artísticas e literárias. Em 1983, CUP e CUB unificaram-se, criando o

Escritório Unificado Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (BIRPI). Este, em

1970, dá origem à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), sediada em Genebra,

Suíça. A OMPI é uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pela

administração de acordos internacionais relacionados à propriedade intelectual. (Chaves et. al.,

2007).

A partir dos anos 1980s, os sistemas de propriedade intelectual iniciaram um processo de

modificações profundas, reflexo das transformações econômicas e tecnológicas ocorridas em

escala mundial. O período foi marcado pela revolução causada pelas tecnologias de informação e

comunicação, processo que permitiu crescente unificação dos mercados internacionais –

produtivos, tecnológicos e financeiros. Simultaneamente, os Estados Unidos, que se consolidaram

como potência após a II Guerra Mundial, passaram a enfrentar o aumento da concorrência

internacional. Japão e outros países asiáticos começaram não somente a comercializar produtos

manufaturados a preços competitivos, como a apoiar o investimento tecnológico endógeno,

enfraquecendo a liderança econômica norte-americana. Entre os possíveis fatores relacionados a

este ganho de competitividade, menciona-se a fragilidade do sistema de propriedade intelectual

151

até então vigente nestes países, que permitiu a imitação de tecnologias produzidas em nações

avançadas, via engenharia reversa, associada a crescentes esforços em P&D locais.

O declínio relativo da competitividade industrial norte-americana levou a corte dos EUA a

intensificar as retaliações em seus parceiros comerciais, com o objetivo de reforçar os DPI de suas

corporações. Inicialmente, os EUA passam a pressionar seus parceiros a “aprimorar” seus regimes

de propriedade intelectual, através de acordos bilaterais. Já em meados dos anos 1980s, atendendo

aos interesses das indústrias norte-americanas de informática (computadores, softwares,

microeletrônica), produtos químicos, farmacêuticos e biotecnológicos, o país pleiteou que o tema

da propriedade intelectual se tornasse um item da agenda da Rodada Uruguai. Com início em

1986, em Punta del Este, e encerramento em Marrakesh, no Marrocos, em 1994, esta Rodada

culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a assinatura de diversos

acordos multilaterais, dentre os quais o Acordo TRIPS – Trade-Related Aspects of Intellectual

Property Rights102.

O Acordo TRIPS estabelece regras mínimas sobre os direitos de propriedade intelectual que

devem ser cumpridas por todos os países membros da OMC - organização que possui

mecanismos para penalizar os membros que não cumprirem as regras estabelecidas. O acordo

harmoniza regras patentárias básicas nos países membros. Em relação às patentes, seus elementos

centrais são: a) validade em âmbito nacional; b) tempo de duração mínimo de 20 anos103; c)

extensão da matéria patenteável; d) restrições ao licenciamento compulsório, e) alteração do ônus

da prova da infração em um processo patentário, que passa do patenteador para o alegado

infrator.

O Acordo precisa ser internalizado por cada um dos países membros da OMC para que

possa ter vigência em âmbito nacional. Mantém-se a concessão de patentes por escritórios

nacionais e/ou regionais, cujo efeito se dá somente no país ou região em que foi concedida. As

patentes são independentes: se uma patente é concedida ou invalidada em um determinando

país, este fato pode não ter qualquer impacto sobre a mesma patente vigente em outra localidade.

Os defensores de TRIPS advogaram que o fortalecimento à proteção dos direitos de

propriedade intelectual seria essencial para a geração de conhecimento e, conseqüentemente, ao

desenvolvimento econômico. Além de estimular as atividades tecnológicas realizadas em países

em desenvolvimento, o acordo elevaria o acesso a tecnológicas desenvolvidas em regiões

102 Inicialmente, este acordo não estava entre as temáticas centrais da Rodada Uruguai. Houve discussões sobre se o tema pertencia ou não à agenda de liberalização comercial. Segundo Moraes102 (2008), países em desenvolvimento como o Brasil defendiam que a discussão sobre PI se mantivesse na OMPI, enquanto países desenvolvidos apoiaram sua participação na futura OMC. 103 Alguns países autorizam uma extensão da validade da patente para compensar parcialmente o período em que o produto está sob análise regulatória. (Abbott, 2008).

152

avançadas. Nesta linha de argumentação, o acordo TRIPS surge como elemento fundamental ao

fortalecimento das atividades tecnológicas, especialmente por empresas estrangeiras, que se

sentiriam mais seguras a investir no exterior com a garantia que os resultados de suas pesquisas

não seriam apropriados por concorrentes. TRIPS seria elemento essencial para incentivar a

transferência tecnológica entre as nações, caso contrário empresas sediadas em países avançados

estariam menos dispostas a comercializar suas tecnologias. O acordo também estimularia o fluxo

de investimento direto estrangeiro (IDE) e as atividades inventivas de empresas sediadas em

países desenvolvidos que têm como alvo os mercados de nações em desenvolvimento, pois as

firmas ficariam menos preocupadas com a apropriação tecnológica por concorrentes locais

(Chang, 2001).

A patenteabilidade é definida segundo critérios de novidade, atividade inventiva e aplicação

industrial. Entretanto, o acordo TRIPS não apresenta a definição de tais conceitos, deixando seu

significado a critério de cada país. Esta indefinição amplia o poder das legislações nacionais,

permitindo a inserção de conceitos mais amplos ou estreitos dos critérios mencionados, de acordo

com os interesses nacionais.

Com TRIPS, o número total de pedidos de patentes depositados se expandiu fortemente. A

necessidade de patentear em muitos países elevou o custo para as empresas.

Do ponto de vista dos institutos de propriedade industrial, as conseqüências foram o aumento de

tempo entre o exame e a concessão de patentes e a crescente emissão de patentes “fracas”,

passíveis de contestação judicial em função de falhas em seus processos de exame. Nos EUA,

durante os anos 1990, observou-se o crescimento dos litígios judiciais motivados pela concessão

de patentes contestáveis. Similarmente, observou-se o aumento do número de patentes

concedidas em um país que tiveram seus pedidos rejeitados, no todo ou em parte, em outras

nações (OLIVEIRA, 2006).

Cada país também pôde incluir em sua legislação de propriedade intelectual flexibilidades

que permitem proteger os interesses nacionais. Entre estas, cabe destacar (Chaves et al., 2007):

a) tempo de transição: TRIPS estabeleceu prazos diferenciados para que cada membro da

OMC pudesse adequar sua legislação de propriedade intelectual às novas diretrizes estabelecidas,

variantes de acordo com o nível de desenvolvimento do país. Países desenvolvidos tiveram até

um ano (1996) para adaptar suas legislações, enquanto países em desenvolvimento e menos

desenvolvidos tiveram, respectivamente, cinco e 11 anos (2000 e 2006). Também foi estabelecido

que os países em desenvolvimento tivessem cinco anos adicionais (até 2005) para conferir

proteção a campos tecnológicos não protegidos anteriormente, como produtos farmacêuticos.

Posteriormente, a Declaração Ministerial sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública, conhecida como

153

Declaração de Doha, estabeleceu que países menos desenvolvidos, que não reconheciam patentes

para produtos farmacêuticos até então, teriam até 2016 para iniciar a adoção.

Os países tiveram uma postura diferenciada em relação a esta flexibilidade. A Índia utilizou

todo o período de transição para começar a reconhecer as patentes no setor farmacêutico,

aproveitando este espaço para fortalecer seu parque industrial. Já o Brasil, embora tivesse os

mesmos direitos que os demais países em desenvolvimento, adequou sua legislação já em 1996.

b) Importação paralela: permite que um país importe um produto patenteado, desde que o

produto tenha sido colocado no país exportador pelo detentor da patente ou com seu

consentimento. Segue a lógica que, como o detentor da patente já foi remunerado no país

exportador, seus direitos sobre os produtos exportados estão esgotados. Em suma, este

mecanismo permite que o país importe um produto de onde ele esteja sendo vendido a um preço

menor104.

c) Uso experimental: possibilidade de exploração do objeto patenteado para fins de

investigação científica.

d) Exceção Bolar: permite a realização de testes para fins de obtenção do registro de

comercialização em agências reguladoras antes da expiração da patente. Possibilita, por exemplo,

o lançamento de um medicamento genérico imediatamente após a expiração da patente105.

e) Licença compulsória: autorização governamental que permite a exploração por terceiros de

um produto ou processo patenteado sem o consentimento do titular da patente, respeitando as

seguintes condições: falta de exploração da patente em território local, interesse público,

emergência nacional e combate a práticas anticompetitivas.

Segundo Chaves et al. (2007), os Estados Unidos emitiram licenças compulsórias ao longo de

várias décadas, com o objetivo de regular os preços de medicamentos, minimizar os efeito de

monopólios decorrentes de fusões empresariais e em cenários de emergência nacional. Entre os

países em desenvolvimento, os autores mencionam o governo tailandês, que emitiu várias

licenças compulsórias em 2007 sobre produtos farmacêuticos patenteados, como o anti-retroviral

Efavirenz.

104 As empresas farmacêuticas praticam preços diferenciados nos países em que atua, segmentando os mercados de acordo com o a demanda e o poder de compra prevalecente em cada localidade. 105 A Suprema Corte dos Estados Unidos tem defendido que uma empresa pode fazer as pesquisas necessárias envolvendo um medicamento patenteado, de modo que o genérico possa entrar no mercado assim que a patente expira. As empresas também possuem o direito de realizar pesquisas sobre qualquer invenção farmacêutica, mesmo no nível pré-clínico. Abbott (2008) ressalta que esta decisão é resultado de uma batalha entre indústrias com diferentes interesses corporativos, não sendo movida pelos interesses de organizações não-governamentais, pois enquanto alguns setores industriais têm demanda por forte proteção de patentes, outros acreditam que esta postura inibe a concorrência. A Suprema Corte norte-americana está buscando moderar esta tensão.

154

A utilização das flexibilidades previstas em TRIPS tem sido escassa nos países em

desenvolvimento. Em seu lugar, a maior parte dos países tem privilegiado o acesso preferencial a

mercados desenvolvidos, buscando a obtenção de concessões em setores exportadores

tradicionais nos quais possuem vantagens competitivas. Nos países latino-americanos em geral, a

discussão sobre o tema se concentra no desenvolvimento da infra-estrutura legal e institucional

do sistema de propriedade intelectual, deixando em segundo plano as questões relacionadas ao

fortalecimento das capacitações científicas e tecnológicas como condição necessária à geração de

patentes (Cimoli e Primi, 2008)106.

A partir de TRIPS, a propriedade intelectual passa a ser um elemento central nas negociações

comerciais, como parte de uma estratégia de apoio à competitividade das empresas. Apesar da

pouca ênfase recebida inicialmente, este tema é reconhecido como um dos principais pontos de

controvérsia na OMC em anos recentes. O Banco Mundial (2001), em uma publicação sobre o

tema, afirmou que TRIPS alterou as regras do jogo globais em favor dos países desenvolvidos. De

acordo com a publicação, os países em desenvolvimento aderiram ao acordo pela expectativa de

obtenção de maior acesso aos mercados agrícolas mundiais e de aumento nas transferências de

tecnologias oriundas de países desenvolvidos. Todavia, os benefícios de longo prazo continuavam

incertos para muitos países, especialmente os mais pobres, considerando os elevados custos

administrativos do sistema e o aumento dos preços de medicamentos. Ainda segundo o Banco

Mundial (2001), o grau de DPI mais apropriado deveria variar de acordo com o nível de renda das

nações: a promoção da imitação seria a tônica dominante das políticas até os países alcançarem

um patamar em que possuíssem capacidade doméstica para inovar e absorver tecnologias.

Considerando que países menos desenvolvidos não direcionam recursos à geração de inovações,

estes não tem o que proteger, preferindo, deste modo, um sistema de fraca proteção

intelectual”107.

Conforme mencionado, o Acordo TRIPS estabelece padrões mínimos para a proteção da

propriedade intelectual, explicitando no artigo 1º que “os membros poderão, mas não serão

obrigados a prover, em sua legislação, proteções mais amplas que a exigida neste Acordo, desde

que tal proteção não contrarie as disposições deste Acordo no âmbito de seus respectivos sistema

e prática jurídicos” (OMC). Todavia, países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos,

perceberam que as flexibilidades contidas em TRIPS poderiam limitar o interesse comercial de

suas empresas, especialmente em setores de alta tecnologia, com destaque para o farmacêutico e

entretenimento/direitos autorais. Por isto, passaram a perseguir uma agenda ambiciosa de

acordos de livre comércio em nível bilateral. 106 No Brasil, os instrumentos de apoio à inovação tecnológica são amplamente discutidos, considerando sua importância na geração de patentes. 107 Citado em Lall e Albaladejo (2002), com tradução própria.

155

No que diz respeito ao setor farmacêutico, as exigências impostas nestes acordos envolvem:

vigência de patentes acima de 20 anos, prevendo a extensão de prazos de validade para

compensar atrasos regulatórios; vínculo entre duração da patente e aprovação de registro108;

aumento do escopo da proteção, para incluir novos usos de compostos já conhecidos; restrições

para uso de licenças compulsórias e para a revogação de patentes e limitação do escopo das

exceções possíveis à patenteabilidade. Tais exigências passam a ser conhecidas como TRIPS Plus.

Em troca de concessões de acesso privilegiado aos mercados de países avançados, especialmente

ao norte-americano, estes acordos impõem a nações em desenvolvimento cláusulas relativas à

propriedade intelectual ainda mais rígidas do que as contidas em TRIPS (Chaves et al., 2007;

Oliveira e Chamas, 2007)

Estes recentes tratados bilaterais tendem a reduzir os espaços de gestão da propriedade

intelectual nos países em desenvolvimento, fortalecendo a posição dos titulares de patentes. A

tendência é a harmonização dos procedimentos locais relativos à concessão de patentes aos

padrões vigentes nos Estados Unidos. Este país já assinou acordos bilaterais com México, Chile,

América Central, Colômbia, Panamá e Peru (Abbott, 2008).

III.1 Movimentos recentes

Tradicionalmente, os DPI tiveram seu papel relacionado à apropriação dos investimentos em

P&D pelos inovadores e à difusão de novos conhecimentos à sociedade. Mais recentemente,

novos condicionantes vêm sendo somados à lógica da propriedade intelectual, entre os quais cabe

destacar o “mercado da ciência” e as patentes como ativos estratégicos das empresas.

i) “mercado da ciência”: universidades e institutos de pesquisa patenteiam inovações

derivadas de atividades de P&D básicas e experimentais.

A expansão da matéria patenteável e do conjunto de atores candidatos a titulares de patentes,

resultado das modificações nos sistemas de DPI, alterou a tradicional concepção de ciência aberta,

gerando incentivos para a criação de um “mercado de ciência” no qual as universidades tornam-

se titulares de patentes relativas a inovações procedentes de atividades de P&D básicas e

experimentais. Esta tendência tem seu marco na Lei Bay-Dole, adotada nos Estados Unidos em

1981, que regulamenta a concessão e transferência de direitos de patentes a sujeitos que

desenvolveram invenções com apoio de recursos federais, tratando assim de atividades de

pesquisa desenvolvidas principalmente por universidades e centros de pesquisa. Como resultado,

a atividade de patenteamento das universidades norte-americanas intensificou-se, passando de

108 Impossibilidade de produtores de medicamentos genéricos obterem a aprovação de um registro sanitário enquanto o produto estiver protegido pela patente.

156

1% nos anos setenta para 3,5% das patentes concedidas a residentes no USPTO em princípios dos

anos noventa (Cimoli e Primi, 2008).

Até então, os avanços científicos realizados por laboratórios de P&D de universidades

contribuíam para aumentar o acervo de conhecimento disponível aos agentes produtivos. Esta

tendência de patenteamento de inovações originárias de pesquisa básica e experimental,

desenvolvidas por laboratórios públicos e universidades, até então disponibilizadas livremente,

determina novos desafios sobre o papel da ciência e seus potenciais efeitos no desenvolvimento

tecnológico de longo prazo (Cimoli e Primi, 2008). Todavia, o encorajamento do patenteamento

em estágios muito iniciais de uma descoberta limita a continuidade da pesquisa e a descoberta de

diversos caminhos que poderiam possibilitar a criação de produtos e processos diferenciados.

ii) patentes como ativos estratégicos das empresas: o potencial econômico das patentes deixa

de estar relacionado somente aos ganhos obtidos por monopólios temporários da inovação,

passando a fortalecer o poder de negociação das empresas. As razões para o patenteamento se

estendem além da lucratividade obtida diretamente, através de comercialização do produto

inovador, fortalecendo o poder de negociação das firmas detentoras.

A partir dos anos 1980s, é possível observar significativo aumento das transações de bens e

serviços intangíveis, com crescente importância das patentes e da utilização de licenças

tecnológicas relacionadas a aquisições e cross-licensing entre empresas. Tal movimento está

relacionado à mudança na lógica do patenteamento, que vem se desvinculando da incorporação

imediata do conhecimento (intangível) na produção (tangível), gerando mercados nos quais o

valor das patentes torna-se cada vez mais independente de sua incorporação na produção

presente. Seu valor passa a ter maior relação com expectativas futuras de ganhos, em função do

papel que a patente em questão possa ter no reposicionamento hierárquico entre empresas, nos

acordos de transferências tecnológicas, na resolução de controvérsias jurídicas e, no caso das

carteiras de patentes, na sua relação com as demais patentes do conjunto (Cimoli e Primi, 2008).

As empresas podem obter de suas patentes benefícios, monetários ou não, superiores aos

originários da apropriação das rendas provenientes dos esforços inovadores e resultantes da

venda direta do produto ou serviço que incorpore tal tecnologia, ou ainda da comercialização da

tecnologia mediante licenças. As empresas mantêm estratégias de patenteamento defensivo,

construindo carteiras de patentes nas quais a maioria se mantém inativa. O patenteamento tem

por objetivo bloquear a entrada de competidores nos mercados; aumentar o poder de negociação

de seus detentores; reduzir a probabilidade de seus concorrentes reforçarem posição em acordos

de licenciamento cruzado; assegurar a participação em eventuais rendas derivadas de descobertas

posteriores, relacionadas a modificações incrementais da inovação; e proteger a empresa de

julgamentos por violação de direitos de propriedade intelectual. Cimoli e Primi (2008) mencionam

157

uma pesquisa da Comissão Européia em seis países europeus, a qual revela que as patentes

inativas variam entre 18% em pequenas empresas e 40% em grandes empresas e universidades.

As patentes passam a adquirir valor mesmo sem serem incorporadas à produção

empresarial. Constituem-se ativos intercambiáveis entre empresas, sem que necessariamente as

contrapartes tenham capacidade, ou interesse, de incorporar tais inovações à produção. Podem

circular pelo mercado sem ser utilizadas em algum produto ou serviço final. Em geral, existe um

conjunto limitado de patentes relevantes, de elevado valor intrínseco, rodeado por uma série de

patentes cujo valor se dá em função das características descritas acima. Na indústria química, por

exemplo, é comum a estratégia de patentear avanços e inovações incrementais ao redor da patente

que protege a inovação principal, com o objetivo de reduzir a probabilidade dos competidores

atuarem neste espaço. O patenteamento, deste modo, opera atualmente sob incentivos que

favorecem seu crescimento exponencial.

Nas últimas décadas, passou-se a patentear múltiplos atributos de uma mesma molécula, de

forma seqüencial, para prolongar seu tempo de exclusividade no mercado, tornando possível o

patenteamento de um fármaco, de segundos usos do mesmo fármaco, de modificações na forma

cristalina da mesma substância, e assim sucessivamente. Em sua maioria, tais patentes

apresentam inventividade escassa e são supérfluas à produção, mas atuam bloqueando a entrada

de novos concorrentes no mercado (Oliveira, 2009).

O excesso de patenteamento pode se transformar em uma barreira à entrada de novos atores

em determinadas trajetórias tecnológicas. No cenário internacional atual, são observadas

quantidades significativas de patentes de mérito duvidoso concedidas pelo escritório norte-

americano. Tais patentes são questionadas especialmente quanto aos aspectos de novidade, dado

que grande parte se refere a modificações incrementais, voltadas ao segundo uso de um produto

já existente, que por TRIPS não constituiria uma inovação patenteável. A baixa qualidade das

patentes, cobrindo aspectos secundários de invenções já existentes, está no cerne do vertiginoso

crescimento de litígios nos EUA.

Esta questão tornou-se publicamente debatida no caso Novartis contra o governo da Índia. A

lei indiana parte do princípio que pequenas mudanças não devem ser consideradas invenções

patenteáveis, a não ser que o inventor demonstre uma diferença significativa nas novas

propriedades relativamente à eficácia. Portanto, só concede a patente para uma pequena alteração

no composto se esta apresentar, de fato, diferencial. No caso mencionado, a Novartis não obteve a

patente do medicamento Glivec, para tratamento de leucemia, em 1993, porque a lei indiana ainda

não aceitava o patenteamento de medicamentos. Em 1997, a empresa reivindicou uma patente

com o mesmo princípio ativo, mas em uma forma polimórfica diferente da descrita no pedido

158

anterior, alegando tratar-se de uma nova invenção. O pedido foi negado, com o argumento que o

aumento da eficácia era insuficiente para ser patenteado109.

Alguns pesquisadores argumentam que a patente de segundo uso favorece essencialmente a

extensão da duração de patentes já existentes, beneficiando grandes corporações de países

desenvolvidos. Outros argumentam que as indústrias de países em desenvolvimento, como as

brasileiras, poderiam se beneficiar com o patenteamento de novos usos de compostos conhecidos:

considerando que as empresas destes países possuem baixa capacitação tecnológica, só poderiam

gerar pedidos de patentes relacionados a inovações triviais. Para Oliveira (2009), este argumento é

falacioso, pois dada a disparidade no nível tecnológico entre países desenvolvidos e em

desenvolvimento, qualquer que seja o nível de atividade inventiva requerido pela legislação de

um país a proporção de patentes concedidas será sempre favorável às grandes empresas

inovadoras de nações avançadas. E, em uma situação de baixo nível de exigência, as empresas de

países em desenvolvimento encontrarão o mercado coberto por patentes de inventores

estrangeiros que limitarão seu acesso a conhecimentos e técnicas que poderiam estar em domínio

público110. Basso (2008) esclarece que por TRIPS, assim como pela Lei de Propriedade Industrial

brasileira, não há espaço para o patenteamento do segundo uso.

A principal discussão sobre o sistema internacional de propriedade intelectual na atualidade

gira em torno das tentativas de aprofundamento da harmonização dos padrões de patenteamento

em nível internacional. Para Moraes (2008), a harmonização patentária já vem ocorrendo desde a

Convenção de Paris, quando se inicia a busca pela internacionalização do sistema, e com TRIPS,

este processo teria chegado ao grau máximo. A partir de então, a OMPI lança uma agenda para a

adoção de normas de caráter TRIPS Plus, discutidas anteriormente, com foco nas áreas de patentes

e direitos autorais.

Na área de patentes, a Organização busca a harmonização de normas procedimentais e

substantivas. No âmbito procedimental, merece destaque a adoção do PLT111 e o lançamento da

reforma do PCT112, ambos em 2000, que contribuiu para a gradual aproximação das normas de

109 Como resposta, o grupo farmacêutico suíço Novartis ameaçou alterar os planos de investimento no país, pois a posição indiana enfraqueceria os direitos de propriedade intelectual em novos medicamentos. Para a empresa, este posicionamento desestimula os investimentos privados, porque grande parte das inovações farmacêuticas ocorre via pesquisa incremental. 110 Oliveira (2009) também ressalta que a emissão exagerada de patentes de baixa inventividade vem contribuindo para uma diminuição no ritmo de inovações. 111 PLT – Patent Law Treaty é um tratado multilateral de direito patentário concluído em 2000, envolvendo inicialmente 53 países e o escritório de patentes europeu. Seu objetivo foi harmonizar procedimentos formais, como as exigências relacionadas ao depósito de patentes. 112 O Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes - PCT (Patent Cooperation Treaty) foi estabelecido em 1970 com a finalidade de desenvolver o sistema de patentes e de transferência de tecnologia. O PCT só se tornou operacional no Brasil em 1978. Até abril de 2007 existiam 137 países signatários. O PCT tem como objetivo simplificar a solicitação para proteção patentária em vários países. O depósito do pedido

159

patentes entre os países. Adicionalmente, entra em negociação o tratado sobre direito substantivo

de patentes (SPLT - Substantive Patent Law Treaty), cujo objetivo é harmonizar pontos substantivos

da lei de patentes. Ambiciona fazer com que as normas que definem o critério de patenteabilidade

sejam as mesmas nos países envolvidos. Em contraste com o PLT, atualmente em vigor, o SPLT

objetiva ir além das formalidades, harmonizando exigências substantivas relativas aos conceitos

de novidade, atividade inventiva e não óbvia, aplicação industrial e utilidade. O tratado permite

que uma patente concedida em um país seja automaticamente reconhecida nos demais, e assim

requer uma harmonização completa de todos os direitos substantivos de patentes. Como

conseqüência, o SPLT tende a diminuir a margem de flexibilidade que os países possuem com

TRIPS, dado que estes perdem o poder de definir os conceitos relativos à patenteabilidade

mencionados.

Os benefícios da harmonização estariam relacionados ao aumento da semelhança dos

sistemas de propriedade intelectual em nível mundial, elevando a qualidade das concessões, e à

redução dos prejuízos empresariais, ao terem uma patente aceita em determinado país e negada

em outro por questões relacionadas à legislação nacional. Em suma, o SPLT levaria ao aumento da

padronização nos parâmetros de concessão das patentes, diminuindo o custo para seus

detentores113.

Ávila (2008) defendeu o processo de harmonização em curso na OMPI, argumentando que,

por meio dele, poder-se-ia limitar a emissão de patentes fracas. Para ele, um sistema que permite a

aceitação de patentes triviais limita a presença de novos concorrentes, através da imposição de

barreiras à entrada. Este é o cenário em vigor no atual sistema norte-americano, no qual patentes

fracas estão sendo concedidas de forma crescente, elevando as contestações na Suprema Corte do

país. Tais patentes também limitam a concorrência em âmbito internacional, ao atuarem como

barreira não tarifária no comércio entre países. Deste modo, para Ávila (2008) a definição mais

internacional deve ser efetuado em um dos países membros do PCT, tendo efeito simultâneo nos demais países membros. A Busca Internacional prevista é obrigatória e poderá ser realizada por uma das Autoridades Internacionais de Busca. O pedido internacional, junto com o relatório internacional da busca, é publicado após o prazo de dezoito meses contados a partir da data de depósito internacional ou da prioridade, se houver. O Tratado não interfere com as legislações nacionais dos países membros. É importante ressaltar que o pedido internacional não elimina a necessidade quanto à instrução regular do pedido diante dos Escritórios Nacionais designados pelo depositante. Este processamento diante dos Escritórios envolvidos recebe o nome de Fase Nacional do pedido internacional e deverá ser iniciado dentro do prazo de trinta meses, contado da data de depósito internacional, ou da prioridade, se houver. 113 Outra questão relevante no SPLT se refere às exclusões de patenteabilidade. Moraes (2008) recorda que, por TRIPS, os países podem excluir da patenteabilidade métodos terapêuticos, cirúrgicos e diagnósticos; plantas e animais; processos biológicos para a produção de planas e animais, excluindo processos não biológicos ou microbiológicos. Pelo SPLT, estariam excluídos somente “meras descobertas, idéias abstratas, teorias matemáticas e científicas, leis da natureza e criações puramente estéticas”. Portanto, uma quantidade menor de itens não patenteáveis.

160

precisa do conceito de patentes, em âmbito mundial, aprimoraria a qualidade das concessões,

objetivo que poderia ser obtido através do SPLT.

Para Li (2008), toda a harmonização ocorrida até o momento, especialmente após a adoção de

TRIPS, parece ter favorecido os países desenvolvidos, tendo ocorrido um avanço do domínio

privado sob o público, com a diminuição das flexibilidades dos sistemas de proteção. Na mesma

linha, Shah (2008) enfatiza que países em desenvolvimento não precisam do tratado SPLT, mas ter

suas próprias leis desenhadas para não ceder a patentes envolvendo mudanças triviais. O autor

enfatiza:

“Isto não impede as empresas indianas de solicitar patentes nos Estados Unidos para essas invenções

triviais, porque a lei dos Estados Unidos permite isto, mas nos nossos países não precisamos disso”.

A postura indiana segue o exemplo de países como a Alemanha, cujas empresas se

beneficiaram, no passado, tanto de uma proteção mais fraca no próprio país, o que facilitava o

aprendizado e a disseminação do conhecimento, quanto da proteção mais forte nos mercados

externos, nos quais podiam patentear as invenções realizadas. Como resultado, as empresas

alemãs conseguiram patentear em outros países, evitando ao mesmo tempo o controle de

estrangeiros em seu próprio mercado.

Shah (2008) acredita que os países em desenvolvimento, ao aderirem à SPLT, terão que se

adaptar ao padrão norte-americano, elevando fortemente o escopo de produtos patenteáveis. A

busca por patentes de qualidade, através do SPLT, não seria uma realidade. Para estes autores, o

fortalecimento da harmonização das legislações patentárias beneficiaria países e empresas que

atualmente dominam o cenário tecnológico internacional, reduzindo as flexibilidades atualmente

disponíveis às nações em desenvolvimento.

III.2 Críticas ao Acordo TRIPS

Para diversos autores, as promessas estabelecidas em TRIPS aos países em desenvolvimento,

relativas à atração de investimento estrangeiro em P&D e ao aumento das transferências

tecnológicas, não estão se concretizando. Chang (2001) ressalta que se em teoria o fortalecimento

do sistema de propriedade intelectual pode encorajar os países desenvolvidos a transferir

tecnologia para nações em desenvolvimento através de canais formais, a prática revela poucas

ocorrências deste fato. De fato, o acordo TRIPS estaria reduzindo a capacidade destas nações

promoverem catch up através de canais informais, via engenharia reversa, processos de imitação e

adaptação de tecnologias avançadas. Considerando que as transferências informais de

conhecimento podem ser mais importantes que as formais, TRIPS pode reduzir a transferência

tecnológica aos países em desenvolvimento. Estes tendem a ter mais dificuldades em desenvolver

161

suas próprias capacitações, dadas as severas restrições às oportunidades de imitação e realização

de pequenos aprimoramentos.

O autor também argumenta que há pouca evidência da relação entre fortalecimento dos

direitos de propriedade intelectual e promoção do investimento direto estrangeiro. Pelo contrário,

é possível argumentar que os DPI podem ser utilizados como substitutos do IDE: dado que a

empresa tem a garantia que o produto está protegido, a ameaça dos concorrentes locais – que

poderiam copiar o produto e fabricá-lo a menor preço - é minimizada; assim, o mercado pode ser

suprido por importações.

Para Chang (2001), o fortalecimento dos DPI deve beneficiar países fortemente envolvidos em

atividades de P&D, minoria no cenário mundial, portanto seus impactos podem ser prejudiciais

ao desenvolvimento tecnológico e econômico da maior parte dos países. Já Lall e Albaladejo

(2002), em um estudo envolvendo 87 países, encontram uma clara correlação positiva entre DPI,

performance industrial e esforço tecnológico. Os autores ponderam, entretanto, que os DPIs não

estão causalmente relacionados com crescimento e desenvolvimento, pois há uma forte não

linearidade no processo.

As limitações do atual sistema de propriedade intelectual também estão relacionadas à sua

característica one size fits all: exemplificando, a concessão patentária deverá durar ao menos vinte

anos, qualquer que seja o mérito da invenção. Invenções de alta importância são, assim, niveladas

àquelas incrementais/triviais. A análise da atividade inventiva, um dos critérios de definição da

patenteabilidade de uma invenção, só aceita sim ou não como resposta, resultando na concessão,

ou não, da patente (Oliveira, 2009). O sistema não possui capacidade de conceder privilégios de

monopólio diferenciados de acordo com o potencial, os custos envolvidos e a relevância da

inovação gerada. Para Oliveira (2009), “uma invenção que seria feita mesmo na ausência do

incentivo representado pela patente certamente não mereceria o privilégio”.

Chang (2001) enfatiza que os mercados de países em desenvolvimento são usualmente

marginais para as empresas multinacionais inovadoras, portanto os lucros extras obtidos nestes

mercados dificilmente teriam o poder de afetar suas decisões globais de investimento em P&D.

Nesta linha, Bhojwani (2005) argumenta que com a entrada em vigor de um sistema de

propriedade intelectual forte em países em desenvolvimento, a atuação das empresas

multinacionais nestes países tende a ser radicalmente reduzida, dada a menor necessidade de

monitoramento de suas atividades. Com a existência de um forte sistema de proteção intelectual,

a concorrência para as detentoras das patentes – majoritariamente grandes empresas

multinacionais – tornar-se-ía mais fácil, pois a competição com empresas produtoras domésticas

deixa de existir no produto em questão. Isto facilitaria a distribuição mundial da produção,

viabilizando o suprimento dos mercados-alvo via importações.

162

O autor também enfatiza o caso de produtores de países avançados que passam a patentear

substâncias amplamente conhecidas em países em desenvolvimento, por sua capacidade de

reformulá-las em uma forma patenteável não viabilizadas nas localidades de origem (Chang,

2001).

Para o autor, as deficiências do acordo TRIPS não se referem somente aos limitados

benefícios para os países em desenvolvimento, mas estão relacionadas aos custos substanciais que

o acordo exige. Tais custos estão relacionados à necessidade crescente de pagamento de royalties; à

ampliação de preços de monopólio, também viabilizada por frágeis leis antitruste; e à demanda

por recursos humanos e financeiros necessários à implementação de um regime de PI sofisticado,

envolvendo advogados e especialistas altamente preparados. (Chang, 2001).

Chang (2001) considera que, no caso de países em desenvolvimento, nos quais a assimilação

tecnológica é mais relevante que a geração de inovações de ponta, os benefícios de um regime de

propriedade intelectual forte são mínimos. Além da pouca evidência que relaciona o

fortalecimento dos DPI ao aumento de P&D, os custos de oportunidade de estabelecer e processar

um sistema de DPI forte tende a ser considerável em países em desenvolvimento, dada as

limitações em recursos técnicos, administrativos e humanos. Considerando que a maioria absoluta

das patentes mundiais origina de países desenvolvidos, os custos de pagamentos de royalties

podem exceder significativamente os benefícios potenciais.

O autor conclui que os países desenvolvidos deveriam reconhecer que, durante seu processo

de desenvolvimento, aderiram a práticas consideradas ilegais, como a violação dos DPI de nações

estrangeiras. Podem, portanto, ser acusados de estar “chutando” a escada que utilizaram para

promover seu desenvolvimento. Para o autor, está claro que países em desenvolvimento precisam

de regimes de DPI fundamentalmente diferentes das nações já avançadas, algo insuficientemente

contido no acordo TRIPS. Tais diferenças incluiriam duração da patente mais curta, maior

facilidade no licenciamento compulsório, facilidade na importação paralela e pagamentos

reduzidos de licenciamento de royalties. O acordo deveria ser reformado de modo a permitir

transferências de tecnologias de forma mais intensa e rápida e estimular o desenvolvimento de

capacitações tecnológicas de longo prazo em países em desenvolvimento.

Em suma, os impactos de TRIPS estão relacionados aos diferentes níveis de desenvolvimento

dos países envolvidos. E ainda não está claro que a maior parte dos países em desenvolvimento

ganhará, em termos líquidos, com o acordo. Será necessário compreender se o fortalecimento dos

DPI tem estimulado o desenvolvimento tecnológico de algumas nações, ou se tem agido

essencialmente como um instrumento para promover a reserva de mercado de grandes empresas.

163

III.3 Direitos de propriedade intelectual e a indústria farmacêutica114

Os direitos de propriedade intelectual são particularmente relevantes para a indústria

farmacêutica. As patentes se destacam como importante mecanismo de apropriação dos

resultados da inovação, dada a facilidade de imitação de produtos farmacêuticos. Este setor

concentra as principais disputas referentes à propriedade intelectual. Os atores desta disputa se

dividem, por um lado, em empresas multinacionais, detentoras das principais inovações e de

grande parte das patentes mundiais do setor, e por outro, produtoras de genéricos, em ascensão

em alguns países em desenvolvimento, que se posicionam de forma cautelosa ao endurecimento

da legislação de PI em nível internacional115. Também atuam neste ambiente os governos,

responsáveis pela saúde pública e pela aquisição de medicamentos de seus países, organizações

não governamentais, instituições de pesquisa, ciência e tecnologia, institutos de propriedade

intelectual, entre outros atores.

Na relação entre DPI e indústria farmacêutica, merece destaque, na atualidade, o debate

sobre o patenteamento das inovações de segundo uso e a geração de patentes privadas

financiadas por recursos públicos.

a) Inovações de segundo uso:

Apesar dos elevados investimentos em P&D da indústria farmacêutica, o lançamento de

medicamentos efetivamente inovadores, que contém ao mesmo tempo novos ingredientes ativos e

oferecem significativa melhoria clínica, tem se tornado cada vez mais raro. É crescente a

concentração das empresas na geração de pequenas variações de medicamentos já existentes no

mercado, conhecidos como "me-too".

Bastos (2005) enfatiza que apesar do grande número de lançamentos de novos produtos no

mercado norte-americano nos anos 1990s, a inovatividade da indústria parece estar em declínio.

Entre 1989 e 2000, 53,9% dos novos medicamentos aprovados pelo norte-americano Food and Drug

Administration (FDA) foram consideradas modificações incrementais, cujos ingredientes ativos já

estavam disponíveis em outros produtos vendidos; e 65,7% dos novos medicamentos aprovados

foram classificados não prioritários. Tais medicamentos não oferecem melhoria clínica frente aos

produtos disponíveis no mercado, mas apenas ampliam as escolhas para prescrição ou atendem

necessidades de pacientes específicos. Na mesma linha, de 1998 a 2003, entre os 487

medicamentos aprovados pelo FDA, 379 (78%) foram classificados pela agência como "parecendo

ter qualidades terapêuticas semelhantes a um ou mais medicamentos já existentes no mercado," e

333 (68%) não eram novas entidades moleculares, mas apenas novas formulações ou combinações

de velhos medicamentos. Apenas 14% eram novos compostos, considerados melhorias em relação 114 Baseado em Cassiolato et al (2006) 115 Empresas inovadoras estão aumentando sua participação no mercado de genéricos, dado o crescente interesse dos consumidores por estes produtos.

164

aos antigos. Apesar do caráter menos inovador, os produtos lançados no mercado norte-

americano neste período são responsáveis por boa parte do aumento de gastos governamentais

com novos medicamentos.

Esta estratégia está associada ao aumento da demanda da indústria farmacêutica por

patentes de segundo uso, dado que usualmente é menos arriscado e, portanto, menos custoso,

desenvolver um segundo ou terceiro medicamento dentro de uma mesma classe terapêutica.

Como explicitamente apontado pelo Dr. Sharon Levine, diretor do Kaiser Permanente Medical

Group:

If I'm a manufacturer and I can change one molecule and get another twenty years of patent rights,

and convince physicians to prescribe and consumers to demand the next form of Prilosec, or weekly

Prozac instead of daily Prozac, just as my patent expires, then why would I be spending money on a

lot less certain endeavor, which is looking for brand-new drugs? (Angel, 2004)

b) Recursos públicos como fonte de financiamento das inovações do setor farmacêutico:

O Estado arca com parte considerável dos custos envolvidos nas inovações do setor

farmacêutico. De acordo o National Institutes of Health (NIH), as instituições públicas são, em geral,

responsáveis pela pesquisa básica, parte mais arriscada e cara no desenvolvimento de novas

moléculas. Já a maior parte do P&D gasto pelas empresas ocorre após surgirem indícios da

existência de um mercado para a nova descoberta, facilitando a obtenção de lucro pelas empresas.

Além de se concentrar na pesquisa básica, o setor público também é o responsável pelo

investimento nas áreas de pesquisa mais arriscadas, sendo particularmente ativo na geração de

medicamentos inovadores, com menor presença nos produtos incrementais.

Anti-retrovirais (ARVs) como AZT, ddI, ddC e Abacavir foram criados em instituições

públicas norte-americanas. Mesmo nos casos em que as empresas foram as responsáveis pela

geração final dos ARVs, o governo teve contribuição direta nos testes dos medicamentos e no

financiamento e realização da pesquisa básica. Love (2001) destaca:

a) estudo desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) relacionado aos 21

medicamentos mais importantes introduzidos entre 1965 e 1992 demonstrou que a pesquisa

financiada pelo setor público esteve presente na descoberta e desenvolvimento de 14 (67%);

b) The Boston Globe revelou que 45 dos 50 medicamentos mais vendidos entre 1992 e 1997

receberam financiamento público em alguma fase de seu desenvolvimento;

c) estudo do National Institutes of Health (NIH), mostrando que pesquisadores financiados

pelo setor público conduziram 55% dos projetos de pesquisa que levaram a descoberta e

desenvolvimento dos cinco medicamentos mais vendidos em 1995, enquanto instituições

acadêmicas estrangeiras responderam por outros 30%.

165

O autor utiliza estes argumentos para defender a venda de medicamentos a preços razoáveis,

dado que foram criados com recursos dos contribuintes.

Tais informações impactam diretamente no argumento central dos direitos de propriedade

intelectual: que a concessão de patentes tem como intuito remunerar os altos investimentos em

torno da geração de inovações e os riscos elevados relacionados à descoberta de novos produtos.

Se instituições públicas arcam com a parte central de tais iniciativas, o risco envolvido não seria,

de fato, tão significativo para as empresas.

A indústria farmacêutica mundial movimenta atualmente um mercado de aproximadamente

US$ 500 bilhões anuais, sendo que EUA, União Européia e Japão correspondem a 85% deste valor.

Os países menos desenvolvidos, embora representem 80% da população mundial, respondem por

menos de 20% das vendas do setor (Bastos, 2005). Diversos autores, como Shah (2008),

questionam a importância do patenteamento em países em desenvolvimento, dado que estes

representam um percentual pequeno das receitas das grandes empresas, cujas especificidades

dificilmente serão suficientes para estimular o P&D mundial.

IV. Propriedade intelectual no cenário brasileiro atual

O tema da propriedade intelectual, particularmente sua relação com as transformações

econômicas associadas ao dinamismo dos novos setores industriais intensivos em tecnologia e à

nova divisão internacional da produção e do comércio, foi objeto de extensos debates durante a

década de 1990. Durante esse período, a semelhança de outros países em desenvolvimento, o

Brasil foi fortemente pressionado a alterar sua base legal e institucional de proteção aos direitos

de PI. Nesse sentido, o governo brasileiro no bojo das diretrizes para Política Industrial e

Comércio Exterior (PICE), encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 824/91 que,

após longa tramitação, foi aprovado na forma da Lei nº 9279/96.

A atual lei de propriedade industrial (LPI) brasileira foi adotada logo após a oficialização do

acordo TRIPS, ao qual aderiram todos os países membros da então recém criada OMC. Apesar do

período de transição aos países em desenvolvimento permitido pelo acordo, o Brasil abre mão

deste direito, com o argumento de antecipar os benefícios esperados de um sistema de

propriedade intelectual mais austero. Os defensores da adoção de uma institucionalidade mais

rígida de propriedade intelectual, agentes determinantes na caracterização da nova legislação,

argumentavam que sua implementação seria uma oportunidade para o Brasil se modernizar,

fortalecendo os padrões de qualidade e a capacidade competitiva da indústria local, elevando o

fluxo de transferência de tecnologia através de um crescente número de contratos de

licenciamento e estimulando o investimento direto estrangeiro, o patenteamento local e os

investimentos em P&D por empresas estrangeiras. Em suma, o país conseguiria reduzir o hiato

166

tecnológico que nos separa das nações avançadas. Tais argumentos estavam acompanhados de

fortes pressões de países avançados, em especial os Estados Unidos, que incitavam de forma

crescente seus parceiros comerciais a adotarem posturas mais austeras no campo da propriedade

intelectual, sob pena de sofrerem sanções comerciais.

Pela atual legislação brasileira, as patentes são classificadas como:

- patente de invenção (PI): invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade

inventiva e aplicação industrial;

- modelo de utilidade (MU): objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação

industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em

melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.

O desenho industrial (DI) é a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto

ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado

visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação

industrial. Permite a requisição de um registro de desenho industrial, todavia este não é

considerado uma patente. (INPI, 2009).

A patente de invenção vigorará pelo prazo de vinte anos e a de Modelo de Utilidade pelo

prazo de quinze anos contados da data de depósito (Art. 40 da LPI). Já o registro de desenho

industrial vigora por 10 anos contados da data do depósito, prorrogáveis por mais três períodos

sucessivos de cinco anos, até atingir o prazo máximo de 25 anos contados da data do depósito

(Art. 108 da LPI). Segundo Luna e Baessa (2008), as patentes de invenção e os modelos de

utilidade têm maior apelo tecnológico, estando relacionadas a inovações de produto e processo,

enquanto os desenhos industriais têm maior apelo estético.

Cabe destacar que, até a Lei 9.2796/96, os desenhos industriais eram considerados uma

modalidade literal da patente. Para Barbosa (2003), os desenhos industriais ainda estão sujeitos ao

modelo constitucional e aos requisitos da patente, com a única exceção de não estarem mais

sujeito a exame anterior à sua concessão, como ocorria durante a vigência da CPI 1971. Ao

contrário do que ocorre com as patentes, a publicação e a concessão é automática, expedindo-se o

respectivo certificado. Esta é a principal alteração do novo regime de desenhos industriais, o que

igualmente configurou a natureza do exame como de registro e não o típico das demais patentes.

Para o autor, “não é a natureza do exame que define o título, mas seus requisitos, seus efeitos

jurídicos e econômicos, e sua funcionalidade social. Em todos esses requisitos, a proteção do

desenho industrial é uma proteção patentária”.

Barbosa (2003) sintetiza:

“se a criação é técnica, teremos uma hipótese de patente de invenção ou de modelo industrial. Se a criação é puramente estética, sem aplicação a produto industrial, poder-se-á ter a proteção pelo Direito

167

Autoral; tendo-se uma obra de arte aplicada, com a qualificação de poder servir de tipo de fabricação industrial, estamos no domínio do desenho industrial.”

A legislação de propriedade industrial brasileira é considerada mais rigorosa que as

exigências estabelecidas no Acordo TRIPS. Entre as particularidades da lei brasileira, destaca-se o

mecanismo de pipeline - concessão de patentes que tenham sido requeridas no exterior antes da

vigência da nova lei brasileira. Pelo pipeline, são considerados automaticamente válidos em

território nacional procedimentos jurídicos realizados no exterior, segundo legislações

estrangeiras, antes da entrada em vigor de nossa lei116. Outra particularidade da Lei brasileira se

refere à anuência prévia. Os requerimentos de patentes que envolvem produtos e processos

farmacêuticos precisam da análise prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

A Anvisa dá suporte técnico ao INPI na tarefa de verificar se os produtos ou processos

farmacêuticos estão de acordo com os requerimentos do acordo TRIPS e da Lei brasileira,

analisando critérios de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Este mecanismo não

infringe as normas da TRIPS e é compatível com a legislação brasileira.

Segundo Geyer (2008), na época das discussões sobre as mudanças na lei de propriedade

industrial brasileira, as associações representantes de laboratórios nacionais – Abifina117 e

Alanac118 - lutaram para:

“tentar convencer a sociedade e os parlamentares de que o que iriam aprovar, por exigência

principalmente dos Estados Unidos, certamente traria problemas no futuro para nossa

indústria....Tivemos algum sucesso na Câmara dos Deputados, mas quando o projeto foi ao Senado ele

foi completamente modificado atendendo aos interesses das pressões, principalmente as norte-

americanas...o setor coureiro-calçadista, extremamente forte no Brasil, foi ameaçado pelo governo

norte-americano de que não mais importaria os calçados brasileiros”. (Geyer, 2008)

O Brasil manteve em sua legislação algumas flexibilidades permitidas em TRIPS, como a

licença compulsória. Rosenberg e Fragomeni (2008) revelam que a licença compulsória pode ser

concedida em casos de não exploração do objeto patenteado no Brasil, ou se o objeto não for

manufaturado no país, a não ser em casos de inviabilidade econômica, em que as importações são

admitidas, ou se a comercialização for incompatível com as necessidades do mercado. Na prática,

torna-se difícil exercer licença compulsória pela não produção em território nacional. Este cenário

associa as patentes estrangeiras a atuarem no Brasil como reserva de mercado, e não como

promotoras do desenvolvimento tecnológico e produtivo local.

116 Em setembro de 2008, a contestação da patente do contraceptivo Yasmin, da Schering, que havia sido concedida pelo sistema de pipeline, abriu caminho para o INPI rever judicialmente outras patentes concedidas pelo mesmo sistema. (Valor Econômico, 12.09.2008). 117 Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades 118 Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais

168

A licença compulsória também pode ser emitida por razões ligadas à defesa da concorrência.

Se o CADE119 considerar que há abuso de poder de mercado (ex. conduta anticompetitiva) através

de abuso de direito de patente, o proprietário da patente está sujeito a ter seu direito licenciado

compulsoriamente120. Na prática, a licença compulsória de uma patente nunca foi sugerida pelo

CADE como solução de práticas anticompetitivas nem como alternativa em caso de fusões e

aquisições.

Historicamente o governo brasileiro optou pela estratégia de negociação, buscando acordos

com os fabricantes estrangeiros. Ameaças de licenciamento compulsório ocorreram, mas não

foram efetivadas até 2007, quando o país decreta a licença compulsória do anti-retroviral

Efavirenz, patenteado pelo laboratório Merck, declarando interesse público, justificado pela

impossibilidade de acordo em relação ao preço desejado do medicamento.

“A proposta brasileira era que o laboratório praticasse o mesmo preço pago pela Tailândia, de US$ 0,65

por cada comprimido de 600mg, enquanto o Brasil pagava US$ 1,59. A diferença ente os preços

praticados pelo mesmo laboratório para os dois países era de 136%. A empresa propôs uma redução de

apenas 2% recusada pelo governo brasileiro” (Fiocruz, 2009).

Inicialmente, o Brasil optou por importar o medicamento da Índia, onde o produto não é

patenteado, até desenvolver capacidade de produzi-lo no país. No início de 2009, o Brasil viabiliza

a fabricação do medicamento, através de um consórcio formado pelos laboratórios públicos

Farmanguinhos e Lafepe e por um consórcio privado. De acordo com Farmanguinhos, a

fabricação do Efavirenz representará economia de 50% no valor que antes o Ministério da Saúde

conseguia com a compra do medicamento patenteado. (Fiocruz, 2009b).

O Brasil também incorporou em sua lei de patentes as flexibilidades oferecidas pelos artigos

27.2 e 27.3 (“a” e “b”) do TRIPS, quais sejam: (i)proibição de concessão de proteção patentária para

invenções contrárias à ordem pública ou à moralidade, para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou

vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente; (ii) proibição de patenteamento de métodos

diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos; (iii) proibição de patentes sobre plantas e animais, exceto

microorganismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais – excetuando-

se os processos não-biológicos e microbiológicos. Basso e Beas (2006) ressaltam que apesar das

flexibilidades estabelecidas na Lei, na prática, a definição de matérias patenteáveis depende das

diretrizes estabelecidas pelo INPI. Segundo os pesquisadores, tais diretrizes não servem apenas

como instrumento de orientação às disposições estabelecidas na Lei, mas permitem que o Instituto

atue como legislador, criando “regras inclusive contrárias ao disposto e espírito da Lei de Propriedade

119 Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, que tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e da repressão a tais abusos. 120 O CADE pode fazer a recomendação, mas cabe ao INPI impor a penalidade.

169

Intelectual e aos interesses sociais e industriais brasileiros”. Deste modo, o INPI, ao expandir o âmbito

da aplicação da lei, ampliaria o escopo de patentabilidade de produtos farmacêuticos, reduzindo

o domínio público.

Ressalta-se que o INPI, criado pela Lei 5.648/70, tem como finalidade principal executar as

normas que regulam a propriedade industrial. Grou (2009) alerta para a inadequação das

diretrizes atuais, que permitem, por exemplo, patentes de segundo uso de medicamentos e

seqüências de DNA, mesmo não sendo contempladas pela atual legislação. Oliveira (2008)

lamenta a decisão do Instituto de rever as diretrizes de exame de patentes para reconhecer a

patenteabilidade de novas apresentações polimórficas de substâncias antigas. Já o INPI justifica

tal decisão e menciona que121:

“A Lei da Propriedade Industrial Brasileira (Lei nº 9.279/96, de 14 de maio de 1996) apresenta uma lista exaustiva de itens que não são passiveis de patenteamento. O legislador, ao não vedar expressamente a concessão de patente de polimorfos, indica a viabilidade da proteção dessas novas tecnologias. A ausência de restrições ao patenteamento de formas polimórficas está presente, também, na legislação de outros países, que em geral concedem a proteção requerida... A Lei não faculta ao INPI descartar pedido de patente por se tratar de polimorfo ou de segundo uso. Na forma da Lei, a negativa deve decorrer do fato de não haver novidade e atividade inventiva.” Basso e Beas (2006) também relembram que o Brasil faz uso limitado e incompleto dos

espaços legais e recursos jurídicos que poderiam favorecer seu desenvolvimento tecnológico local.

Entre os instrumentos legais não explorados, destaca-se a importação paralela, a qual não existe

qualquer vedação legal no país, valendo a definição que a introdução de produto objeto da

patente em qualquer lugar do mundo (pelo titular ou com o seu consentimento) exaure os direitos

do titular da patente, e ele não mais pode interferir em atos comerciais posteriores.

Breve análise da indústria brasileira permite constatar que a mudança na lei de propriedade

industrial não foi suficiente para alterar, de forma significativa, seu desempenho tecnológico.

Em 2000, o esforço em P&D da indústria brasileira (gastos em atividades internas de

P&D/valor da produção) alcançou 0,67%, comparado a 1,82% da média dos países da OCDE

(Zucoloto e Toneto Jr, 2004). Este percentual foi ainda menor no caso brasileiro em anos

posteriores: 0,53% em 2003 e 0,57% em 2005122.

A observação da indústria farmacêutica, um dos setores mais relevantes no que se refere ao

patenteamento, permite constatar que, no Brasil, seu esforço tecnológico (gastos em P&D/valor

121 Consulta ao site do INPI em 18 de agosto de 2009: http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/discussoes-tecnicas/polimorfismo/index_html/?searchterm=polimorfo. 122 A análise destes resultados sugere que condicionantes macroeconômicos e sistêmicos se revelam um fator central no esforço tecnológico nacional. Em 2003, a conjunção de políticas fiscal e monetária restritivas esteve relacionada às modestas taxas de crescimento da economia (1,1%) e da indústria (1,3%). Em 2005, uma soma de fatores, como taxa básica de juros relativamente mais baixa, inflação declinante, expansão do crédito e permanência de condições externas favoráveis, contribuiu para que a economia brasileira apresentasse um desempenho melhor do que o obtido em 2003. (IBGE, 2005).

170

da produção) correspondeu, no ano 2000, em 0,9%, comparado a 10,0% da média dos países da

OCDE (Zucoloto e Toneto Jr, 2004). O déficit comercial do setor de fármacos e medicamentos, que

em 2007 ultrapassou US$ 3 bilhões, também reflete a falta de capacitação tecnológica e produtiva

nacional e a excessiva dependência de produtos importados. Elias (2004) revelou que, no Brasil, os

depósitos de patentes do setor farmacêutico são originários das matrizes das empresas

multinacionais, enquanto suas subsidiárias apresentam um papel quase nulo. De 1990 a 2001,

entre as 2961 patentes do setor depositadas no INPI no setor, apenas 27 foram depositadas por

residentes, e destas, somente duas foram depositadas por filial de empresa multinacional.

Analisando indicadores da indústria brasileira, observa-se que, assim como sugerido pela

literatura internacional, as patentes não são a principal fonte de apropriabilidade dos resultados

da inovação. Elias (2004) analisou os contratos de transferência de tecnologia entre 1990 a 2001,

revelando que a utilização de marca foi responsável por 78% das transações realizadas. Dados da

pesquisa de inovação tecnológica - PINTEC 2005, realizada pelo IBGE, confirmam que a estratégia

competitiva mais usada na disputa e proteção de mercados é a marca. Seu percentual de uso nas

empresas industriais que realizaram inovações e utilizaram métodos de proteção atinge 23,5%.

Em segundo lugar, com 8,2%, aparece o segredo industrial, mecanismo estratégico que pode

tomar múltiplas formas – desde acordos de sigilo entre fornecedores e clientes até o controle do

“como fazer” nas mãos do proprietário. As patentes surgem em terceiro lugar, com 6,7%, seguidas

por tempo de liderança frente aos competidores (2,0%) e complexidade no desenho (1,6%). Merece

menção também que, em comparação ao período de 2001-2003, não se observa mudança entre os

métodos mais usados pelas empresas industriais para protegerem suas inovações (PINTEC/IBGE,

2005).

Ávila (2008) ressalta que a temática da inovação no Brasil ganha força especialmente a partir

de 2004, com a retomada da política industrial através do lançamento da PITCE e medidas

correlatas, como a Lei de Inovação e Lei do Bem. Esta estratégia tem por objetivo elevar a

importância de produtos de maior valor agregado, em relação aos demais, especialmente

commodities. Neste cenário, a questão da propriedade intelectual ganha um papel de destaque,

pois se a relação entre produtos padronizados e PI é limitada, esta situação se altera quando o país

passa a apostar seus esforços em bens e serviços mais intensivos em tecnologia. Para Ávila (2008),

se o Brasil pretende participar de mercados mais dinâmicos, em que o conhecimento é um

elemento central, é necessário haver um marco regulatório claro e confiável. Portanto, fortalecer o

papel do INPI e o respeito aos DPI torna-se, mais do que nunca, essencial.

Todavia, é importante ressaltar que o lançamento de política tecnológica e industrial,

ancorada em novos instrumentos balizadores, não torna a indústria brasileira inovadora de

imediato. O estímulo ao desenvolvimento de inovações incrementais, não patenteáveis, mas

171

fundamentais para elevar a produtividade e a capacidade competitiva nacional, ainda tendem a

ser mais relevantes que o fortalecimento da propriedade intelectual como instrumento de

desenvolvimento tecnológico nacional.

Em relação às propostas de harmonização internacional da legislação patentária, o INPI tem

apresentado uma visão favorável, enquanto o Ministério das Relações Exteriores tem defendido

TRIPS como o teto das obrigações, não vendo benefícios concretos na proposta aos países em

desenvolvimento. (Ávila, 2007; Moraes, 2007).

V. Impactos da Lei de Propriedade Industrial no Brasil

Esta seção tem por objetivo avaliar a evolução da propriedade industrial no Brasil, com

ênfase na introdução da Lei nº 9279/96. Esta análise terá por base os depósitos de patentes (PI e

MU) e desenho industrial (DI) 123 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), entre os

anos 1991 e 2005, incluindo titulares brasileiros e estrangeiros124.

O depósito de patentes e DI no Brasil vêm apresentando evolução crescente. Como mostra

o gráfico I, entre 1991 e 2004, houve um aumento de 131% na quantidade total de depósitos no

INPI. O gráfico deixa claro o aumento especialmente a partir de 1996, ano da introdução da Lei de

propriedade industrial, especialmente por estrangeiros, cujos depósitos se elevaram em 18,7% ao

ano entre 1996 e 1998. Neste período, o salto de novos depósitos não está correlacionado à maior

geração de inovações, mas representam o patenteamento de tecnologias já desenvolvidas, que até

então tinham dificuldade em ser patenteadas. Este crescimento inicial sugere somente o impacto

dos novos depósitos como reserva de mercado de produtos já desenvolvidos mesmo na ausência

da nova legislação, dado que não houve tempo hábil para impactar na geração de novos

produtos125.

As estatísticas sugerem que entre 1991 e 1995, os depósitos estrangeiros cresceram em

ritmo mais acelerado que os brasileiros: 12,9% e 4,6% ao ano, respectivamente. Já após o

lançamento da nova lei, entre 1999 e 2004, observa-se tendência inversa: crescimento respectivo de

2,8% e 11,0% ao ano. Tais informações sugerem que, a partir da nova lei de propriedade

industrial, o crescimento dos depósitos brasileiros aumentou de forma mais significativa que os

estrangeiros. Se consideramos o depósito de patentes e DI como proxy de desenvolvimento

tecnológico, e também que os depósitos estrangeiros no Brasil refletem a evolução da geração 123 Os desenhos industriais foram analisados juntamente com patentes de invenção e modelos de utilidade a partir da visão de Barbosa (2003) sobre o tema, apresentado na seção IV. 124 Importante: depósitos brasileiros incluem pessoas físicas e jurídicas que possuem, respectivamente, CPF e CNPJ no Brasil; no caso de pessoas jurídicas, inclui empresas nacionais e filiais de multinacionais. Depósitos estrangeiros incluem agentes que não possuem CPF ou CNPJ no país, caracterizando, por exemplo, as matrizes de empresas multinacionais. 125 Na base de dados trabalhada, os depósitos estrangeiros estão atualizados até 2004, enquanto os brasileiros estão atualizados até 2005.

172

mundial de novas tecnologias, pode-se afirmar que, após a introdução da nova legislação, a

geração de novos produtos e/ou processos cresceu mais fortemente entre empresas brasileiras do

que em âmbito mundial.

Gráfico IEvolução dos Depósitos de Patentes e DI* no INPI

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

brasileira estrangeira total

Fonte: INPI, elaboração própria

Média - Var. Anual BRAS. ESTRANG.

91 - 95: 4,6% 12,9% 96 - 98: - 3,8% 18,7%99 - 04: 11,0% 2,8%

*solicitação de registro de desenho industrial

Excluindo os depósitos estrangeiros e observando somente os brasileiros, constata-se que a

maior parte das patentes e DI foram depositados por pessoas físicas, representando 68% da média

entre 1991 e 2005. A participação das pessoas físicas intensificou-se até 1998, tendência em parte

revertida a partir de então. Todavia, sua representatividade permaneceu elevada ao longo de todo

o período analisado126. Albuquerque (1999) encontra relações semelhantes e associa a baixa

participação de pessoas jurídicas no sistema de propriedade intelectual à fragilidade do sistema

de inovação brasileiro.

126 Existe a possibilidade da base de dados superestimar a presença de pessoas físicas. Foram encontrados alguns casos de patentes e DI cujo titular era pessoa jurídica (PJ), mas a identificação apresentada na titulação era o CPF do autor, portanto o depósito era classificado como pessoa física (PF).

173

Gráfico IIDepósitos Brasileiros de Patentes e DI*

INPI - por tipo de depositante

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Pessoa Jurídica (PJ) Pessoa Física (PF)

Fonte: INPI, elaboração própria

PJ = ao menos uma PJ como titular;PF = somente PF entre os titulares

*solicitação de registro de desenho industrial

Parte dos depósitos realizados por pessoas jurídicas é representado por outras entidades

que não empresas, como universidades, faculdades, fundações e centros de pesquisa. Tais

entidades apresentam presença elevada e crescente nos depósitos de PJ no Brasil, com

participação média de 11,3%, entre 1991 e 1995, passando a 14,8% após a introdução da atual lei

de propriedade intelectual, na média de 1999-2005.

A crescente presença destas instituições no patenteamento nacional reforça a idéia que o

sistema nacional de inovação no Brasil continua privilegiando áreas voltadas à ciência, com

menor ênfase no segmento tecnológico-industrial. Enquanto em países desenvolvidos os grandes

responsáveis pelo patenteamento são as empresas privadas, no Brasil ainda se observa o

predomínio de pessoas físicas e crescente participação de instituições públicas, como as

mencionadas.

174

Gráfico IIIParticipação de universidades e instituições de pes quisa

nos depósitos brasileiros de patentes e DI*INPI

0%

5%

10%

15%

20%

25%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

Universidades e correlatos / Total Parcerias

Participação MédiaPeríodo Univers./Total Parcerias/Univ.91-95 11,3% 62,5%96-98 11,0% 45,3%99-05 14,8% 33,7%

Fonte: INPI, elaboração *solicitação de registro de desenho industrial

Parte dos depósitos de patentes realizados por ‘universidades e correlatos’127 foi realizada na

forma de parceria com as demais pessoas jurídicas. Estas parcerias representaram, entre 1998-

2005, 33,7% das patentes depositadas esta categoria. Este percentual apresenta tendência

decrescente, partindo de 62,5% entre 1991-1995 para 45,3%, na média de 1996-1998. Esta tendência

sugere mais uma fragilidade do sistema de inovação brasileiro: o enfraquecimento das parcerias

universidade-empresa. Em suma, a participação de “universidades e correlatos” vem

aumentando sua importância como agente da propriedade industrial nacional, e esta tendência

não é acompanhada por um fortalecimento das parcerias com demais agentes.

V.1. Depósitos de empresas brasileiras, por origem de capital

Esta seção tem por objetivo analisar o comportamento tecnológico das filiais de empresas

multinacionais no Brasil, vis a vis as empresas nacionais, utilizando como referência os depósitos

de patentes e DI no INPI128. Quando oportuno, esta comparação incluirá os depósitos estrangeiros,

mantida a ressalva que, neste caso, não será possível controlar por natureza jurídica.

127 Engloba universidades, faculdades, fundações, institutos, centros de pesquisa e Embrapa 128 As filiais foram classificadas com base no Censo de Capitais Estrangeiros do Banco Central de 1995 e 2000. Empresas que depositaram patentes entre 1991 e 1997 tiveram a origem de capital classificada de acordo com o Censo do BACEN de 1995; quando o depósito ocorreu entre 1998 e 2005, foi utilizado o Censo de 2000. Considerando a significativa mudança na estrutura de capital no Brasil na segunda metade dos anos noventa, assim como alterações ocorridas após 2000, algumas impropriedades na classificação devem

175

V.1.1 Origem de capital, por patentes e registros de DI depositados:

As patentes e registros de DI depositados por empresas brasileiras serão comparadas

segundo a origem de capital da empresa titular, considerando três categorias: empresas nacionais,

filiais de empresas multinacionais e cooperação entre empresas nacionais e filiais129. O gráfico IV

revela que as empresas nacionais detêm maioria significativa das patentes e registros de DI

depositados no Brasil, correspondendo a 87,5% do total em 2005. Entretanto, ao longo do período

analisado – 1991 a 2005 -, a participação dos depósitos de filiais de empresas multinacionais vem

crescendo, tendência oposta à verificada por depósitos de empresas nacionais. Já os depósitos

realizados em cooperação têm representatividade quase nula ao longo do período.

Gráfico IVDEPÓSITO DE PATENTES e DI* de Empresas Brasileiras - INPI

Participação, por Origem de Capital

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

nacional / brasileiras filial / brasileiras cooperação / brasileiras TOTAL: PJ nacionais

Fonte: INPI, elaboração própria*solicitação de registro de desenho industrial

A tabela I apresentada a seguir sugere que a elevação da participação das filiais inicia-se já

entre 1991 e 1995, período em que seus depósitos de patentes e DI cresceram à taxa anual média

de 8,3%, e se intensificam no período em torno do lançamento da nova lei de patentes (1996-1998),

em que o número de depósitos aumentou 20,6% ao ano. Este crescimento pode estar relacionado

ter sido cometidas. Entretanto o Censo de Capitais foi a única forma encontrada para realizar tal classificação. 129 Entre 1991 e 2005, não foi possível classificar, em média, 3,3% das patentes e DI de pessoa jurídica depositados no INPI de acordo com a origem de capital das empresas (nacionais ou filiais), por problemas relacionados à identificação do CNPJ da empresa. Os problemas na base são mais intensos nos anos 2002 e 2003, quando a não identificação alcança, respectivamente, 8,2% e 9,4% da amostra. Depósitos em que não foi possível identificar nenhum titular foram excluídos da amostra.

176

ao depósito de tecnologias já desenvolvidas, mas até então proibidas de serem patenteadas; a

patentes desenvolvidas pela matriz, e por razões próprias à empresa patenteadas pela filial; ou ao

próprio processo de abertura comercial e liberalização econômica pelo qual passava o país, em

que estas empresas aumentaram sua participação e importância na economia nacional.

A partir de 1999, a tendência de crescimento dos depósitos de patentes e registro de DI

torna-se similar entre empresas nacionais e filiais, com percentual médio próximo a 11% ao ano

em ambas. Em relação aos depósitos em cooperação, apesar do crescimento percentual elevado ao

longo dos períodos, os casos ainda são pouco representativos em relação ao total.

Esta estatística descritiva sugere que a nova lei de propriedade industrial está, de fato,

associada ao crescimento dos depósitos no Brasil. Entretanto, não é possível avaliar se este

crescimento está associado ao aumento da geração de novas tecnologias ou simplesmente à maior

propensão das empresas registrarem seus direitos de propriedade industrial. Por um lado, este

crescimento pode representar tecnologias já desenvolvidas no país, mas que não podiam ser

patenteadas até então (por exemplo, área farmacêutica ou software), ou a tecnologias que as

empresas não tinham interesse em depositar, mantendo estratégias informais de apropriabilidade,

como o segredo ou a liderança de mercado. Por outro, pode estar relacionado à geração de

tecnologias, cujo desenvolvimento foi estimulado pela possibilidade de apropriação formal130.

130 Observando os investimentos em P&D /vendas ao longo dos anos 2000, apresentadas no ensaio I, não fica claro que o aumento dos depósitos de patentes e DI está associado a aumento no esforço em atividades de P&D realizado pelas empresas industriais brasileiras. A oscilação dos esforços em P&D não justifica crescimento significativo da geração de novas tecnologias.

177

Fica a questão: a nova LPI está associada ao crescimento de novas tecnologias brasileiras ou à

substituição das formas de apropriabilidade, com maior propensão a depositar patentes e DI das

empresas?

Os gráficos V a VII apresentados a seguir revelam os tipos de patentes e registro de DI por

origem de capital do titular. Comparando os depósitos de estrangeiros, de empresas nacionais e

de filiais de multinacionais, observa-se que as patentes de invenção são significativamente mais

relevantes entre os primeiros, dominando os depósitos analisados, mas sua participação apresenta

pequena queda ao longo dos anos, tendência oposta à observada para o desenho industrial. Já os

modelos de utilidade apresentaram participação constante e quase inexistente. As patentes

depositadas por filiais apresentam uma tendência significativamente diferente das estrangeiras,

com participação reduzida e decrescente de patentes de invenção e presença crescente de desenho

industrial, cuja representatividade passou de 3,2%, em 1991, para 54,5%, em 2005.

Comportamento similar pode ser observado entre as empresas brasileiras.

Em suma, as patentes de empresas brasileiras caracterizam-se atualmente pela limitada

participação de patentes de invenção, cujo potencial inovador é mais elevado, o que pode ser um

indicador da fragilidade tecnológica nacional. Patel e Pavitt (1998) reforçaram que menos de 1%

das atividades inovativas das firmas multinacionais são localizadas fora dos países da Tríade.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Gráfico VPatentes e registros de DI - INPI

por tipo ESTRANGEIROS*

outros DI MU PIFonte: INPI, elaboração própria

178

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

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100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Gráfico VIPatentes e registros de DI - INPI

Por tipo FILIAIS DE EMPRESAS MULTINACIONAIS

outros DI MU PIFonte: INPI, elaboração própria

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Gráfico VIIPatentes e registros de DI - INPI

Por tipoEMPRESAS NACIONAIS

outros DI MU PIFonte: INPI, elaboração própria

179

A tabela II apresentada a seguir analisa os dados de patentes e DI por setor industrial.

Comparando a média dos períodos 1999-2005 e 1991-1995, observa-se que, no caso das empresas

nacionais, o setor que apresentou maior crescimento nos depósitos observados foi o de produtos

farmacêuticos. Este resultado pode refletir as modificações na legislação internacional de patentes,

que culminou no acordo TRIPS e na atual lei de propriedade industrial brasileira, são

consideradas sua principal beneficiária. Além do setor farmacêutico, o aumento dos depósitos de

empresas nacionais ocorreu em setores de baixa intensidade tecnológica, como couro e calçados,

móveis e bebidas. Em relação às filiais, o crescimento dos depósitos de patentes e DI na indústria

de transformação se concentrou em setores de menor intensidade tecnológica, como borracha e

plástico, minerais não metálicos e produtos de metal. Setores intensivos em tecnologia, como

farmacêutico, eletrônicos, instrumentação e informática apresentam um número muito reduzido

de depósitos por filiais. Em especial, os produtos farmacêuticos apresentaram redução no número

médio de depósitos, resultado que pode estar relacionado ao crescente patenteamento através das

matrizes de empresas multinacionais. Como discutido no texto, argumentos sugerem que o

fortalecimento dos direitos de propriedade intelectual permite às empresas inovadoras,

detentoras de patentes – em geral, grandes conglomerados multinacionais – reduzirem suas

atividades em países em desenvolvimento, suprindo estes mercados consumidores com

importações, dado que a legislação reduz a necessidade de monitorar de perto os

desenvolvimentos tecnológicos da concorrência local. Esta análise setorial não é suficiente para

comprovar este fenômeno, mas sugere a importância de estudá-lo mais detalhadamente.

180

Os dados setoriais apresentam diferenças significativas, se analisados por tipo de depósito.

Os depósitos de registro de desenho industrial se concentram em setores menos intensivos em

tecnologia, como couro e calçados, artigos de borracha e plástico, móveis e produtos de metal, nos

quais a forma, ornamentação e originalidade visual do produto apresentam importância

relevante. Já as patentes de invenção são depositadas por empresas dos setores de petróleo e

álcool, produtos químicos – incluindo farmacêuticos, máquinas e equipamentos e indústria

automobilística, os quais apresentam maior intensidade tecnológica. (tabela III).

181

Na relação entre propriedade intelectual e inovatividade, não é trivial constatar se os

depósitos representam somente reserva de mercado, ou estão efetivamente associados à geração

de novas tecnologias em determinado país. Uma das maneiras de realizar tal avaliação é analisar

não somente a titularidade dos registros, mas também sua autoria. Casos em que as patentes e

registros de DI depositados no Brasil, por titulares brasileiros ou estrangeiros, envolvam somente

autores estrangeiros, sugerem que a tecnologia não foi desenvolvida localmente, e o país atua

somente como reserva de mercado. Por outro lado, patentes e DIs desenvolvidos localmente, mas

tituladas por estrangeiros, sugerem que investimentos tecnológicos gerados localmente são

financeiramente apropriados por empresas no exterior131.

131 Os autores são classificados segundo sua nacionalidade, e utilizados como proxy do local onde a tecnologia foi desenvolvida. Entretanto, assim como autores estrangeiros podem atuar no Brasil, desenvolvendo tecnologia local, brasileiros podem trabalhar no exterior, desenvolvendo tecnologias em outros países.

182

O gráfico VIII revela que a grande maioria das patentes e DIs desenvolvidos no Brasil, seja

por empresa nacional ou filial, envolve ao menos um pesquisador brasileiro. Em relação às filiais,

cabe destacar que a forte presença de autores brasileiros no desenvolvimento das patentes e DIs

em todo o período analisado se intensifica ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, os depósitos

estrangeiros são, quase de maneira absoluta, desenvolvidos sem envolver autores brasileiros,

portanto tais tecnologias não são geradas no país. Em suma, patentes e DIs cujos titulares são

brasileiros tendem a desenvolver tecnologia em território local.

Gráfico VIIIDepósitos de patentes e registros de DI no INPI

titularidade por autor

82%

84%

86%

88%

90%

92%

94%

96%

98%

100%

102%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Depósitos Estrangeiros Empresas Nacionais FiliaisFonte: INPI, elaboração própria

Empresas nacionais e filiais: % patentes com ao menos um autor brasileiroDepósitos estrangeiros: % patentes com nenhum autor brasileiro

V.1.2 Origem de capital, por empresa

A análise realizada até o momento teve como base o número de patentes e DIs depositados

no INPI. Parte-se agora para uma caracterização das empresas brasileiras titulares destes

depósitos.

O gráfico IX revela que as empresas nacionais são as principais depositantes de patentes e

DIs, representando, em 2005, 91,7% do total de depósitos por empresas brasileiras. Esta proporção

é similar ao percentual de empresas acima de 100 empregados na RAIS, que alcançou 97,5% e

96,3%, respectivamente, em 1995 e 2000132. Comparando-se o período anterior (1991-1995) e

posterior (1999-2005) à introdução da atual lei de propriedade industrial, observa-se que a

132 Considerando empresas acima de 500 empregados na RAIS, o percentual de empresas nacionais alcançou 95,8% e 93,3%, respectivamente, nos anos 1995 e 2000.

183

participação das empresas nacionais nos depósitos analisados sofreu pequena redução, mas não

significativa a ponto de alterar sua relevância. Já a participação de empresas nacionais e filiais que

depositaram patentes e DIs em cooperação, como sugerido anteriormente é, ao longo de todo o

período, pouco relevante.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Gráfico IXEmpresas depositantes de patentes e registros de DI

Participação por origem de capital

Nacional Filial Cooperação

Fonte: INPI, elaboração própria

Empresas Depositantes de Patentes e Desenhos Industriais

Média, por período Período Nacional Filial Cooperação 91-95 952,2 63,2 22,8 96-98 888,7 67,0 20,3 99-04 1172,5 117,5 21,5

Caracterizando-se empresas nacionais e filiais depositantes, observa-se que as filiais são,

em média, maiores; mais intensivas em comércio exterior - valor médio tanto da exportação

quanto da importação mais elevado -, e apresentam, ao longo dos períodos analisados, um

número maior de depósitos por empresa. Predominam, em todos os casos, empresas de grande

porte (acima de 500 empregados), apesar de, no caso das nacionais, o porte médio ter diminuído

ao longo dos períodos. (tabela IV).

184

V.1.3 Estratégias de Cooperação na geração de patentes

V.1.3.1 - A metodologia da OCDE

Os indicadores analisados até este momento podem ser utilizados para se avaliar o grau de

internacionalização das atividades tecnológicas. Este processo de internacionalização é observado

quando as patentes e DIs são criados e/ou titulados por agentes de países diferentes, refletindo

uma mistura entre estratégias de pesquisa e de propriedade. Segundo a metodologia apresentada

pela OCDE (2008) para mensurar o fenômeno, os seguintes padrões de internacionalização podem

ser encontrados:

1. propriedade doméstica + autoria estrangeira;

2. propriedade doméstica + co-autoria (autor doméstico + estrangeiro);

3. propriedade transfronteiriça (titular doméstico + estrangeiro) + autor doméstico;

4. propriedade transfronteiriça (titular doméstico + estrangeiro) + co-autoria (autor

doméstico + estrangeiro)133;

5. propriedade transfronteiriça (titular doméstico + estrangeiro) + autor estrangeiro;

6. propriedade estrangeira + autor doméstico;

7. propriedade estrangeira + co-autoria (autor doméstico + estrangeiro);

Entre as categorias 1 a 7, a OCDE (2008) revelou que a estratégia de internacionalização

predominante no escritório de patentes europeu - European Patent Office - foi a propriedade_país A

associado a autor_país B (categorias 1+6), responsável por 47% das patentes ‘internacionalizadas’;

seguida por propriedade_país A associado a autor_país A+B (co-autoria), (categorias 2+7), com

29%. As demais categorias foram consideradas menos importantes, e apresentaram participação

decrescente entre 1990-92 e 2000-02.

Com base nestas categorias, a OCDE (2008) sugere a criação de alguns indicadores:

1. indicadores de propriedade transfronteiriça: proprietários e inventores residem em países

diferentes:

1.a) propriedade estrangeira + invenções domésticas: qual o percentual de titulares

estrangeiros em patentes criadas domesticamente?

1.b) propriedade doméstica + invenções estrangeiras: qual o percentual de inventores

estrangeiros em patentes de titulares domésticos?

Na Europa, na maior parte dos casos, patentes com autores estrangeiros estão associadas a

invenções realizadas em laboratórios de pesquisa de filiais de empresas multinacionais, cuja

patente é concedida à matriz da empresa européia, embora em alguns casos as subsidiárias

133 A publicação também classifica, entre a propriedade transfronteiriça, o envolvimento de um autor de um terceiro país, mas nesta análise não vamos considerá-la.

185

podem ser co-proprietárias. A co-propriedade na titularidade, embora seja em sua maioria

representada por patentes tituladas por matrizes e filiais de empresas multinacionais, podem

representar também duas ou mais empresas originárias de países diferentes, sendo estes uma

pequena minoria dos casos.

2. Cooperação internacional em pesquisa (inventores residem em países diferentes): qual o

percentual de patentes originadas em um país com ao menos um autor estrangeiro?

A publicação da OCDE (2008) apresenta a evolução dos depósitos de patentes no Escritório de

Patentes Europeu (EPO)134, entre 1990 e 2002. Neste período, a co-invenção - percentual de patentes

com ao menos dois inventores residindo em países diferentes - mais que dobrou, passando de 3%

em 1990 para 7% em 2002. Já o percentual de patentes com ao menos um inventor residente em

um país diferente do proprietário da patente ficou estável, em torno de 1,5% no período. Ressalta-

se que os inventores localizados em diferentes países freqüentemente pertencem à mesma

empresa multinacional, que pode determinar quem será mencionado como inventor, ou ao menos

como primeiro inventor.

V.1.3.2 Cooperação tecnológica no Brasil

Inspirado na metodologia apresentada pela OCDE, foram identificados os padrões de

internacionalização tecnológica existentes no Brasil. A tabela V apresenta o número de depósitos

anuais, inspirada nas categorias de internacionalização discutidas. Seguindo a lógica apresentada

ao longo do texto, a titularidade foi subdividida em depósitos de empresas nacionais e filiais, e

depósitos estrangeiros135.

Número de patentes e DI depositados por titularidade e autoria

134 European Patent Office 135 Lembrando que, no caso de patentes estrangeiras, não foi possível diferenciar pessoa física e jurídica.

186

Com base nestas informações, foram avaliados os indicadores de internacionalização

tecnológica, conforme sugerido pela OCDE e representados pelas tabelas abaixo:

a) Entre as patentes e DIs desenvolvidos domesticamente (autor brasileiro), qual o percentual de

titularidade não doméstica? (A titularidade de não domésticos foi apresentada de duas formas:

incluindo somente ‘estrangeiros’ e incluindo ‘estrangeiros’ e filiais).

b) Entre as patentes e DIs titulados domesticamente, qual o percentual de autores estrangeiros? (A

titularidade doméstica foi apresentada de duas formas: incluindo somente empresas nacionais e

incluindo nacionais e filiais, conjuntamente).

187

c) Qual o percentual de patentes e DIs brasileiros (titular: brasileiro) desenvolvidas em co-autoria

(por autores nacionais e estrangeiros)? (A titularidade brasileira inclui depósitos de empresas

brasileiras e de filiais).

188

Constata-se que, comparativamente ao padrão europeu, os depósitos brasileiros realizados

sob co-autoria (c) são limitados. Enquanto este percentual situa-se em torno de 0,4% no Brasil, na

Europa alcança 7%. Já as categorias (a) e (b), que refletem medidas de internacionalização, são

comparativamente mais elevadas que o percentual de 1,5% alcançado nos depósitos do European

Patent Office. Se somarmos as categorias “titularidade nacional + autoria estrangeira” e

“titularidade estrangeira + autoria nacional” encontramos, em 2004, 3,8%. Este dado é

principalmente reflexo de tecnologias desenvolvidas por autores brasileiros, mas depositadas no

exterior (provavelmente pela matriz de empresas multinacionais), sendo menos representado pela

situação inversa, na qual tecnologias desenvolvidas no exterior são depositadas por titulares

nacionais.

Exceção fica por conta da relação entre titulares filiais de empresas multinacionais e

autores brasileiros, cuja representatividade é elevada.

Em suma, a cooperação tecnológica internacional ainda pode ser considerada baixa em países

desenvolvidos, como revelam as informações da OCDE. Este cenário não é diferente no caso

brasileiro, em que todas as formas de cooperação mensurada entre atores brasileiros e

estrangeiros mostraram-se limitadas. Merecem destaque o fato de filiais de empresas

multinacionais atuantes no Brasil majoritariamente desenvolverem no país as os depósitos dos

quais são detentoras.

VI. Análise estatística: impacto da Lei de Propriedade Industrial nos depósitos de patentes e

DIs de empresas brasileiras

VI.1 - Metodologia136

A análise das estatísticas descritivas permitiu observarmos o comportamento de empresas

nacionais e multinacionais em relação aos depósitos de propriedade intelectual no Brasil,

considerando a entrada em vigor da atual legislação. Foi possível verificar que, após a introdução

da Lei, os depósitos de empresas nacionais e filiais tiveram evolução similar, apresentando taxas

de crescimento em torno de 11 % ao ano.

Todavia, estatísticas descritivas não permitem constatar até que ponto os depósitos são

influenciados pela origem de capital, ou se são determinados por outras características, como

tamanho ou porte das empresas. Para identificarmos a importância da origem de capital das

empresas brasileiras na propensão a depositar patentes e desenhos industriais, foram estimados

testes estatísticos, utilizando modelos em painel não lineares, entre os anos 1994 e 2005.

136 Ver Cameron e Trivedi (2005).

189

Um conjunto de dados em painel fornece uma amostra de indivíduos ao longo do tempo,

ou seja, permite observar os mesmo indivíduos em diferentes pontos do tempo. Uma das

principais vantagens da utilização de modelos em painel é a possibilidade de controlar o efeito de

variáveis omitidas ou não observadas pelo pesquisador. Isto ocorre porque, em alguns casos, as

verdadeiras razões explicativas para um determinado efeito encontrado devem-se à omissão, ou

não observação, de variáveis correlacionadas com as variáveis explanatórias. Dependendo da

forma como estes efeitos individuais são tratados, a literatura sugere dois métodos principais para

sua estimação: por efeitos fixos ou por efeitos aleatórios.

Os modelos em painel apresentam duas fontes de variabilidade para as variáveis: entre as

diferentes unidades em um mesmo ano, e em uma mesma unidade para diferentes anos.

Enquanto a estimação com efeitos aleatórios leva ambas em consideração, a estimação com efeitos

fixos considera somente a segunda, captando os efeitos de mudanças temporais no valor de uma

determinada variável sobre a variável dependente. Os efeitos aleatórios não consideram o fato

que efeitos específicos aos indivíduos (αi) podem estar correlacionados com as variáveis

explanatórias do modelo.

No caso de efeitos fixos, assume-se que os efeitos individuais, αi, refletem características

especificas dos indivíduos que se mantêm constantes no tempo. Sua fórmula geral é:

Yit = αi + βXit + Єit

Em que Yit é a variável dependente, Xit é a matriz com variáveis explanatórias, αi

representa os efeitos individuais e o termo dos erros Єit representa o efeito das variáveis omitidas,

relacionadas tanto às unidades individuais quanto aos períodos de tempo.

Os efeitos específicos do indivíduo são tratados como variável aleatória não observada que

pode estar correlacionada com os regressores. A estimação conjunta dos efeitos fixos com outros

parâmetros do modelo pode levar à estimação inconsistente de todos os parâmetros.

Na estimação por efeitos aleatórios, os efeitos individuais são tratados como variáveis

aleatórias: admite-se que os valores que afetam a variável dependente, mas não foram

explicitamente incluídos como variáveis explanatórias, podem ser representados como um

distúrbio aleatório.

Por convenção, quando αi é correlacionado a Xit, assume-se um modelo com efeitos fixos;

caso contrário, adota-se modelo com efeitos aleatórios.

Se um painel é formado por z unidades, em n anos, ele é denominado painel balanceado se

todas as z unidades estão presentes em todos os n anos da amostra. Se as unidades não estão

presentes em todos os anos, trata-se de um painel desbalanceado.

190

IV.2 – Testes estatísticos e resultados137

O primeiro teste é estimado através de modelo probit em painel não balanceado. Seu

objetivo é avaliar a importância da origem de capital da empresa e o efeito da implementação da

LPI – variáveis de interesse – na probabilidade da firma depositar patente ou DI. A variável

dependente binária assume valor 1 ou 0, caso a firma tenha ou não feito depósito. Em relação à

origem de capital, a variável dummy assume valor 1 se a empresa é multinacional; em relação aos

períodos da LPI, a dummy “Lei_durante” assume valor 1 para os anos 1996-1998 (durante a

introdução da Lei), e 0 nos demais anos; enquanto a dummy “Lei_depois” assume valor 1 para os

anos 1999-2005 (após a introdução da LPI), e zero nos demais anos138.

As demais variáveis explicativas foram inseridas como variáveis de controle (sinais

esperados entre parênteses): dummy = 1 se empresa é exportadora (+), logaritmo do pessoal

ocupado (+), logaritmo da renda mensal média (+), idade da empresa (+), tempo de escolaridade

média do trabalhador da empresa (+) e dummies setoriais (CNAE 2 dígitos).

Em suma, o modelo é descrito como:

Pr(Y=1) =Φ( αi+ β1 D_empresa.multinacionalit + β2 D_lei.durantet + β3 D_lei.depoist +

β4 ln (pessoal ocupado) it + β5 ln (renda mensal) it + β6 idade.empresa it + β7 tempo.escolaridade

it + β8 CNAEs it )

Onde Φ é a função distribuição acumulada normal

Os testes foram elaborados considerando dois grupos de empresas: exclusivamente

empresas de grande porte (acima de 500 empregados) e empresas de médio e grande porte (acima

de 100 empregados), somente para setores industriais139.

A estimação inicial foi realizada exclusivamente em painel com efeito aleatório, pois uma

das variáveis de interesse a serem mensuradas é uma característica fixa, ou quase fixa, da firma:

sua origem de capital. A análise em efeito fixo eliminaria esta variável de interesse.

137 Bases de dados utilizadas: RAIS (características das firmas brasileiras), INPI (deposito de patentes) e SECEX (comércio exterior). 138 O período anterior à entrada em vigor da LPI é representado pelos anos 1994 e 1995. Não foi possível utilizar informações a partir de 1991, dada a disponibilidade da RAIS somente a partir de 1994. 139 A representatividade das patentes em empresas de menor porte e no setor de serviços é estatisticamente não significativa. Entre as empresas depositantes de patentes, mais de 80% fazem parte da indústria de transformação, independente da origem de capital.

191

Estatística I

Os resultados revelam que em ambos os testes as empresas nacionais apresentam maior

chance de depositar patentes ou DI que as empresas multinacionais. Os coeficientes das dummies

apresentam sinal negativo e significativo nos dois casos. Em relação à LPI, os resultados sugerem

que sua introdução teve impacto positivo na propensão a realizar tais depósitos de empresas

maiores que 100 empregados (médio-grande porte), mas não no caso de empresas de grande

porte (acima de 500 empregados). Em suma, as empresas nacionais apresentam maior propensão

a depositar patentes ou DI que empresas multinacionais, controlando as características

relacionadas a setor, tamanho e correlatos, e a LPI teve impacto positivo e significativo apenas se

consideramos empresas de médio-grande porte, não alterando a propensão de empresas de

grande porte.

Ressalta-se que grande parte das dummies setoriais, utilizadas como controle, apresentou

resultado estatisticamente significativo, sugerindo importantes diferenças setoriais na economia

brasileira. Os sinais das demais variáveis de controle apresentaram, em todos os casos, os sinais

esperados e estatisticamente significativos. A literatura associa empresas com maior propensão a

usufruir de seus direitos de propriedade intelectual a empresas de maior porte (pessoal ocupado),

192

com maior propensão a exportar e mão-de-obra mais qualificada (tempo de estudo) e melhor

remunerada, conforme confirmado pelos resultados apresentados.

O teste apresentado, todavia, não identifica se houve impacto diferenciado na introdução da

LPI em empresas nacionais e multinacionais. Para tanto, o teste a seguir apresenta como variável

de interesse as dummies de interação entre origem de capital e a entrada em vigor da legislação

estudada. O objetivo é verificar se houve diferenciação no comportamento das empresas em

relação à probabilidade de depositar patentes ou DI com a introdução da lei, de acordo com sua

origem de capital. Este teste foi realizado para o mesmo período, porte de empresas e com as

mesmas variáveis de controle apresentadas anteriormente.

Nesta análise, as variáveis de interesse são as dummies “EMNs X Lei_durante”, que assume valor 1

para empresas multinacionais durante a introdução da LPI, e zero nos demais casos; e “EMNs X

Lei_depois”, e de forma análoga para as empresas multinacionais no período posterior à

implementação da lei.

O modelo assume a seguinte forma:

Pr(Y=1) =Λ( αi+ β1 D_empresa.multinacionalit + β2 D_lei.durante t + β3 D_lei.depois t +

β4 ln (pessoal ocupado) it + β5 ln (renda mensal) it + β6 idade.empresa it + β7 tempo.escolaridade

it + β8 CNAEs it + β9 D_EMNs*Lei.durante it + β10 D_EMNs*Lei.depois it)

Onde Λ- é a função distribuição acumulada logística

Ao Probit em painel efeito aleatório realizado anteriormente, serão agora acrescentados testes

logit em painel, efeito fixo140. Para a estimação do efeito fixo, foi utilizado o modelo logit141.

140 Modelos de efeito fixo tratam efeitos específicos do indivíduo (no caso analisado, das firmas) como variável aleatória não observada que pode estar correlacionada com os regressores. A estimação conjunta dos efeitos fixos com outros parâmetros do modelo pode levar à estimação inconsistente de todos os parâmetros. 141 Entre os modelos não lineares, é mais comum utilizar probit,ao invés de logit, em analises econômicas. Entretanto, estimação em painel efeito fixo é possível para modelos logit, mas não para outros modelos binários, como probit. (Cameron e Trivedi, 2005, p. 796)

193

Estatística II

O modelo revela que em todos os casos, com a introdução da LPI, as empresas nacionais

apresentaram maior chance de depositar patentes ou DI que as multinacionais, e esta propensão

aumentou com o tempo, sendo significativa durante a introdução da lei e ainda mais relevante no

período posterior ao seu lançamento. Se a lei foi criada também para estimular o patenteamento

brasileiro, este resultado sugere que as empresas nacionais reagiram mais fortemente a este

objetivo, dada sua maior propensão a depositar patentes ou DIs em comparação às filiais de

multinacionais142.

142 Os mesmos testes foram elaborados considerando, entre as variáveis de controle, a evolução dos depósitos de patentes e DIs estrangeiros no Brasil, como proxy da evolução do desenvolvimento tecnológico internacional. Esta variável é positiva e significativa em todos os testes realizados, mostrando que a probabilidade das empresas brasileiras depositarem patentes/DI está positivamente relacionada à evolução do patenteamento estrangeiro no Brasil. A introdução desta variável não altera os resultados relacionados à origem de capital, confirmando que as empresas nacionais têm maior propensão a depositar no Brasil e que esta tendência se intensificou com a atual LPI. A introdução desta variável altera o resultado das dummies relacionadas ao período durante e após a introdução da Lei na estatística 1, que se tornam não significativas também para empresas de médio-grande porte. Este resultado revela que a probabilidade de patentear das empresas brasileiras segue a tendência observada na evolução das patentes estrangeiras, e a introdução da legislação brasileira não representou um impacto a mais nesta evolução.

194

Os resultados encontrados não apresentam diferenças significativas utilizando efeito fixo e

efeito aleatório em relação às variáveis de interesse, sugerindo que as características não

observadas específicas das firmas não geram viés nos resultados dos testes.

As variáveis de controle apresentam resultados consistentes com o esperado, já discutidos

no teste apresentado anteriormente143. Nos modelos de efeito fixo, algumas destas variáveis

perdem significância, pois dado que características fixas no tempo são controladas, se estas

variáveis apresentam pouca variação ao longo dos anos seus efeitos são captados.

No caso de modelos lineares, os coeficientes representam os próprios efeitos marginais. Já

nos modelos binários, os sinais dos coeficientes estimados indicam a relação – positiva ou

negativa - entre as variáveis independente e dependente, mas não a magnitude desta relação. Esta

magnitude é obtida pelo cálculo das probabilidades marginais oriundas dos coeficientes

mencionados. Tais probabilidades foram calculadas para as variáveis de interesse dos modelos –

origem de capital, introdução da LPI e interação entre ambas, que assumem valores binários (0 ou

1). A estimativa das probabilidades marginais ocorre pelo cálculo da função de densidade de

probabilidade, assumindo o valor médio das variáveis de controle, e comparando as variáveis de

interesse quando estas assumem os valores 0 ou 1.

Nos testes apresentados em Estatística 1, as probabilidades marginais das variáveis de

interesse se comportam conforme tabela a seguir:

Efeito Marginal I

O efeito marginal revela que, para todos os períodos associados à entrada em vigor da LPI,

a probabilidade de empresas nacionais depositarem patentes ou DIs é mais elevada que empresas

multinacionais. Também revela que a probabilidade de patentear, para todos os períodos e ambas

143 Testes complementares foram realizados com o objetivo de analisar a relação entre origem de capital e impacto da lei, incluindo nesta dummy cruzada se a empresa era exportadora. Os resultados encontrados não foram significativos.

195

as origens de capital, é mais elevada no caso de empresas de grande porte que firmas de médio-

grande porte. Exemplificando: após a introdução da Lei, a probabilidade de uma empresa de

grande porte depositar patente ou DI passa de 2,11% para 1,07% se consideramos empresas com

características médias semelhantes (pessoal ocupado, setor, exportação etc) e alterarmos somente

sua origem de capital de nacional para multinacional. No caso de empresas de médio-grande

porte, esta probabilidade passa de 0,45% para 0,24% no mesmo período.

Os testes realizados em Estatística 2 mostraram a interação entre a origem de capital e a

entrada em vigor da LPI, observando que empresas nacionais passaram a depositar mais que

filiais de empresas multinacionais a partir da nova legislação. O efeito marginal é calculado de

forma análoga ao demonstrado anteriormente, gerando as seguintes informações:

Efeito Marginal II

Todavia, neste caso o importante não é observar o efeito da origem de capital e da

legislação separadamente, mas compreender os efeitos da interação entre as duas variáveis,

conforme apresentado no modelo. A partir das informações consolidadas na tabela acima, é

possível observar que, no caso de empresas de grande porte, comparativamente ao período

anterior à entrada em vigor da atual legislação, durante sua entrada em vigor a diferença na

probabilidade de depósitos entre empresas nacionais e filiais de multinacionais aumentou 1,67%.

Este percentual é ainda mais elevado se compararmos tal diferença após a entrada em vigor desta

legislação, 1,91%. Estes percentuais sugerem que as empresas nacionais reagiram mais

intensamente à entrada em vigor da atual legislação, e que esta reação não foi comparativamente

significativa somente durante a introdução o processo de introdução da nova lei, mas se

intensificou após sua consolidação. Análise similar pode ser realizada considerando empresas de

médio-grande porte, com resultados similares: a diferença na propensão a depositar patentes/DI

entre empresas nacionais e multinacionais foi de 0,18% durante a introdução da LPI e 0,21% após

este processo.

196

VII Conclusões

A temática da propriedade intelectual envolve questões cercadas de controvérsias em nível

mundial. A discussão perpassa questões filosóficas de moral e justiça, relacionada aos direitos dos

inovadores e consumidores sobre invenções de produtos e processos criados mundialmente, e

impactam questões especificamente econômicas, relacionadas à concorrência estática e dinâmica e

aos impactos do monopólio das patentes na geração de inovações. A elevada e crescente

lucratividade obtida através das rendas relacionadas à propriedade intelectual torna as empresas

especialmente sensíveis ao tema, em grande parte envolvidas na manutenção e fortalecimento

destes direitos e prorrogação das rendas de monopólio relacionadas. Esta postura é apoiada por

países desenvolvidos, Estados Unidos especialmente, que defendem os interesses de suas

empresas – inovadoras e detentoras majoritárias das patentes mundiais – beneficiando-se dos

elevados recursos envolvidos. Em contrapartida, empresas de segmentos específicos (como

medicamentos genéricos), governos diversos e organizações não governamentais, - representantes

de países consumidores dos produtos protegidos, mas com baixa capacidade de gerar as

inovações necessárias para se beneficiar dos benefícios econômicos da propriedade intelectual -,

atuam no sentido de contrapor os direitos privados à lógica pública. O desenvolvimento

tecnológico e o acesso a produtos essenciais por países menos desenvolvidos são o contraponto e

o limite aos direitos dos detentores de patentes.

O debate internacional em torno da propriedade intelectual – que por um lado concede

direitos monopolistas em troca do estímulo às inovações e aumento da concorrência e bem-estar

futuros – teve seu ponto máximo na elaboração do Acordo Trips, em 1995, que impõe a todos os

países signatários da Organização Mundial de Comércio exigências mínimas relacionadas aos

direitos de propriedade intelectual, incluindo, entre diversas medidas, a exigência de

patenteamento de produtos cujas patentes até então eram proibidas em muitos países, como

medicamentos. Países em desenvolvimento e menos desenvolvidos tiveram um tempo maior para

adaptação às novas regras – mas, para muitos, tempo insuficiente para se beneficiar do Acordo -,

assim como foram concedidas flexibilidades que puderam ser incorporadas nas legislações

nacionais. O debate atual, pós TRIPS, situa-se em torno do aprofundamento dos direitos dos

detentores de patentes, incluindo aumento do número de substâncias patenteáveis e redução do

poder das legislações nacionais definirem, em seus países, quais produtos e processos são

passíveis de ser patenteados, pelos critérios de novidade e atividade inventiva. Em acordos

bilaterais, especialmente capitaneados pelos Estados Unidos, as flexibilidades permitidas em

TRIPS, como a licença compulsória, estão sendo suprimidas, em troca de concessões a países não

desenvolvidos relacionadas à exportação de produtos básicos.

197

No caso brasileiro, apesar do prazo estabelecido no Acordo TRIPS para adaptação de países

em desenvolvimento às novas regras, já em 1996 o país abre mão deste benefício, com o

argumento de antecipar os benefícios esperados de um sistema de propriedade intelectual mais

austero. Os defensores da mudança argumentavam que sua implementação seria uma

oportunidade para o Brasil se modernizar, fortalecendo os padrões de qualidade e a capacidade

competitiva da indústria local, elevando o fluxo de transferência de tecnologia através de um

crescente número de contratos de licenciamento e estimulando o investimento direto estrangeiro,

o patenteamento local e os investimentos em P&D por empresas estrangeiras. Em suma, o país

conseguiria reduzir o hiato tecnológico que nos separa das nações avançadas.

Este trabalho apresentou como objetivo central analisar o impacto da atual Lei de

propriedade industrial no desempenho tecnológico – mensurado pelos depósitos de patentes e

registros de desenhos industriais – de empresas nacionais e filiais de multinacionais no Brasil.

Discutir os impactos da atual legislação na geração de patentes e desempenho tecnológico das

empresas nacionais e estrangeiras torna-se especialmente importante na atualidade, considerando

a discussão em vigor relacionada à TRIPS Plus e mecanismos que podem ser adotados no país. A

análise realizada neste texto permitiu responder algumas questões:

1. A atual Lei de propriedade industrial estimulou os depósitos de patentes e desenhos

industriais de empresas brasileiras? Pode-se afirmar que houve aumento dos depósitos após a

entrada em vigor da Lei, mas não se pode inferir uma relação de causalidade entre ambas.

Outros fatores, associados ao aprimoramento das políticas de inovação nos anos 2000 ou a

variáveis macroeconômicas, podem ter estimulado esta evolução.

2. A atual Lei de propriedade industrial estimulou o desenvolvimento tecnológico brasileiro?

Pode-se afirmar que houve aumento dos depósitos de patentes e DIs após a entrada em vigor

da Lei, mas não é possível identificar se a Lei estimulou o desenvolvimento tecnológico, ou se

elevou a “propensão a depositar” de empresas brasileiras, que passaram a registrar

tecnologias cujo retorno até então seria viabilizado por mecanismos informais de

apropriabilidade, como segredo industrial ou liderança de mercado.

As estatísticas também indicam que o aumento dos depósitos em âmbito nacional não está

ligado à geração de tecnologias de alta inovatividade, dada sua crescente concentração em

registros de desenho industrial, associada à elevada participação de patentes em setores de

baixa intensidade tecnológica.

3. As filiais de empresas multinacionais desenvolvem tecnologia no Brasil, ou apenas

depositam, no país, tecnologias desenvolvidas no exterior? A análise entre titularidade e

autor sugere que as tecnologias registradas, via patentes ou DIs, pelas filiais são

majoritariamente desenvolvidas no Brasil.

198

4. As relações de cooperação foram estimuladas pela Lei de Propriedade Industrial? Não

houve variação significativa nas relações de cooperação após a introdução da atual Lei,

portanto pode-se afirmar que ela não teve impacto no fortalecimento de parcerias entre

agentes nacionais e internacionais.

5. As empresas multinacionais têm maior propensão a depositar patentes ou DIs que as

empresas nacionais? Não. Os testes estatísticos (Estatística I) revelaram o contrário: as

empresas nacionais têm maior propensão a realizar tais depósitos, considerando tanto

empresas de médio-grande porte (acima de 100 empregados) como somente empresas de

grande porte (acima de 500 empregados).

6. A atual Lei de Propriedade Industrial elevou a propensão a depositar patentes ou DIs de

empresas brasileiras? Isto se verifica no caso de empresas de médio-grande porte, mas não

somente no caso de empresas de grande porte. (Estatística II)

7. A entrada em vigor da atual Lei de Propriedade Industrial estimulou os depósitos de

patentes ou DIs de filiais de empresas multinacionais, comparadas às empresas nacionais?

Não. Os testes realizados indicam que as empresas nacionais reagiram mais à atual

legislação, apresentando maior propensão a depositar que as empresas multinacionais

durante e, especialmente após a entrada em vigor da LPI.

Os resultados estatísticos, se por um lado fornecerem algumas respostas, por outro abrem espaço

para diversas perguntas. Algumas questões devem ser melhor exploradas em trabalhos futuros,

entre elas o detalhamento de uma análise separada entre patente de invenção e desenho industrial

e os motivos que levaram empresas de médio porte a reagirem à atual LPI, em comparação às

empresas de grande porte. A partir dos resultados deste trabalho, também é possível questionar:

por que as empresas nacionais têm maior propensão a patentear que as multinacionais? Para

compreender este fenômeno, podemos mais uma vez recorrer à análise de Amsden. Para a autora,

atividades de alto valor agregado, como P&D, são mantidas em casa e, quando

internacionalizadas, concentram-se na parte aplicada de menor valor adicionado. Empresas

multinacionais tendem a manter seus principais engenheiros e administradores na matriz para

desenvolver atividades não rotineiras, incluindo atividades inovativas. Na atualidade, isto valeria

não somente para o Brasil, mas inclusive para os casos da China e Índia, grandes exemplos de

países receptores no processo de internacionalização tecnológica, apesar das instalações científicas

e tecnológicas disponibilizadas nestes países, pois os melhores projetos de P&D são realizados por

grandes laboratórios multi-disciplinares. Para Amsden (2006), “se todas as indústrias fossem

controladas por empresas estrangeiras, um país em desenvolvimento jamais desenvolveria

habilidades de ponta e teria os trabalhos melhor remunerados das grandes corporações, e o país

jamais absorveria os retornos do empreendedorismo que as tecnologias tácitas geram”.

199

CONCLUSÕES FINAIS

Este trabalho teve por objetivo avaliar a relação entre origem de capital e desenvolvimento

tecnológico no Brasil, com base em dados de P&D, patentes e incentivos fiscais-financeiros.

Observações originadas do Bureau of Economic Analysis, referentes às empresas multinacionais

norte-americanas, sugeriram que as atividades de P&D continuam fortemente concentradas na

matriz e, quando internacionalizadas, direcionam-se primordialmente para as filiais de países

desenvolvidos. Entre as variáveis analisadas – P&D, remuneração, emprego e vendas – P&D é,

ainda, a menos internacionalizada.

A diferença observada nos últimos anos está relacionada à pequena, mas crescente,

participação das nações em desenvolvimento entre os investimentos em P&D realizados por filiais

de multinacionais. Como enfatizado por Reddy (2000), as atividades de P&D periféricas foram,

em parte, direcionadas para as filiais de nações em desenvolvimento, onde podem ser realizadas a

custos menores, enquanto os investimentos centrais continuaram concentrados nos países sede.

Para Gammeltoft (2005), algumas atividades classificadas como P&D são essencialmente tarefas

de suporte e pós-vendas, ou seja, treinamento e suporte técnico relacionados a vendas e processos

de engenharia associados à produção manufatureira.

No Brasil, a pesquisa de inovação tecnológica identificou 1410 empresas de grande porte,

sendo 74,8% nacionais e o restante, filiais de multinacionais. As subsidiárias apresentaram

participação no comércio exterior mais expressiva que as nacionais, no que se refere tanto a

exportações quanto importações. Os dados agregados também sugeriram que as subsidiárias

apresentam indicadores de inovação superiores às empresas nacionais em todos os critérios

avaliados: percentual de firmas inovadoras, gastos em atividades internas de P&D, aquisição de

P&D e outros conhecimentos externos, aquisição de máquinas e equipamentos e pessoal ocupado

em P&D. Como enfatizado por Arruda et. al. (2006), antes de indicar elevado esforço tecnológico

das empresas multinacionais no Brasil, esta proporção é, antes de tudo, reflexo do limitado

investimento em P&D das firmas nacionais.

Entre as empresas que realizam atividades tecnológicas em cooperação com outras instituições,

destaca-se a participação significativa da cooperação com fornecedores e clientes/consumidores,

em detrimento de concorrentes. Este indicador corrobora as principais conclusões obtidas por

estudos sobre externalidades tecnológicas, os quais sugerem que, em diversos países e indústrias

analisadas, os transbordamentos verticais, fruto das relações de empresas com fornecedores e

clientes, são mais significativos que os horizontais, realizados entre concorrentes de um mesmo

mercado relevante. No caso das subsidiárias, também se destaca a cooperação com “outras

empresas do grupo”: considerando que filiais de multinacionais, especialmente de países em

desenvolvimento, a) atuam na adaptação de produtos e processos ao mercado local, b) respondem

200

por parcela da geração de produtos desenvolvidos em conjunto em laboratórios de diversos

países, e/ou c) utilizam grande parte de tecnologias geradas no exterior, a cooperação com a

matriz torna-se, em todos os casos, de extrema relevância.

Os investimentos privados brasileiros, além de concentrados em grandes empresas, também

são centralizados em termos setoriais. No caso das subsidiárias, aproximadamente 50% da receita

líquida de vendas se concentram em três setores: indústria automobilística, máquinas e

equipamentos e produtos químicos. Entre as nacionais, percentual similar é alcançado pela

participação conjunta das indústrias de petróleo e álcool e de alimentos e bebidas. Em relação aos

investimentos em P&D, esta concentração é ainda mais significativa. No caso das subsidiárias, a

indústria automobilística representa 53,8% dos esforços em P&D realizados no Brasil. Em relação

às empresas nacionais, petróleo e álcool e outros equipamentos de transporte respondem por

61,6% deste montante.

O esforço tecnológico em P&D, mensurado pela relação P&D/vendas, sugere que, se no

agregado as empresas multinacionais apresentarem esforço mais elevado que as nacionais,

setorialmente este cenário sofre alterações. Entre os dezoito setores observados, em doze o esforço

realizado por empresas nacionais foi superior. Além disto, em 64% das indústrias analisadas, as

empresas nacionais direcionam proporcionalmente mais recursos à realização de P&D

comparadas às demais atividades inovativas.

Econometricamente, o ensaio I avaliou tanto a probabilidade das empresas realizarem P&D

quanto seus gastos em P&D/vendas, por origem de capital, com base em modelos Probit e Tobit.

Os resultados encontrados para a dummy de origem de capital foram negativos e estatisticamente

significativos em ambos os casos. Portanto, firmas nacionais apresentaram maior probabilidade

de investir em P&D e seu esforço em P&D (P&D/vendas) é mais elevado. Estes resultados foram

confirmados em análise complementar, comparando esforços em P&D/vendas de empresas

brasileiras em relação aos realizados pelos países da OCDE, considerados como referência. Para

todos os anos analisados, foi encontrada uma relação negativa e significativa para a dummy de

origem de capital; portanto, a distância entre os esforços em P&D das empresas brasileiras e os

realizados pela OCDE é menor no caso das empresas nacionais, comparadas às empresas

multinacionais atuantes no Brasil. Por fim, o modelo final sugeriu uma correlação positiva entre

os esforços setoriais em P&D realizados por empresas nacionais e multinacionais no Brasil.

Qualquer que seja sua origem de capital, empresas brasileiras tendem a realizar mais

P&D/vendas em determinados setores, em detrimento de outros. Este resultado contradiz os

apresentados por Bas e Sierra (2002) e Pavitt (1996) para países em desenvolvimento, e merece ser

melhor avaliado em estudos posteriores.

201

Em relação aos instrumentos fiscais-financeiros de apoio à inovação, no que se refere à origem

de capital a política brasileira segue o padrão dos países da OCDE. Mantém as orientações

internacionais de não discriminação ao capital estrangeiro, tratando de forma equivalente

empresas nacionais e subsidiárias presentes no país. Se por um lado as políticas em vigor no

Brasil – PACTI e PDP – apresentam poucas medidas direcionadas especificamente aos

investimentos em P&D de empresas multinacionais, por outro, todos os instrumentos e recursos

estão disponíveis para as empresas independentemente de sua origem de capital. Tal fato não

ocorre somente porque, desde a Emenda Constitucional 6/95, não é permitido diferenciar

empresas nacionais e subsidiárias brasileiras. Mas também porque as diretrizes implícitas das

políticas em vigor primam por esta não diferenciação.

Analisando especificamente os instrumentos selecionados – Subvenção Econômica,

Financiamento Reembolsável e Lei do Bem -, que incentivam diretamente o setor privado,

observou-se que as empresas multinacionais utilizam mais intensivamente a Lei do Bem,

enquanto os demais instrumentos não são apropriados por estas empresas. Dado que as empresas

multinacionais têm acesso a recursos próprios e no exterior, sua demanda por fontes de

financiamento internas tende a ser inexpressiva. Já a Lei do Bem pode ser solicitada por todas as

empresas que fazem P&D e declaram lucro líquido, portanto a princípio todas as empresas de

maior porte, independente de seu capital, têm acesso ao benefício. Dado que este abatimento

ocorre ex post à realização da atividade, ele parece atuar mais como um prêmio, e não como

estímulo, à realização de P&D.

Este cenário sugere que a realização de P&D por empresas multinacionais praticamente

independe da política de incentivos. O setor automobilístico, que concentra 59,6% dos recursos da

Lei do Bem, já era o principal setor representante das empresas multinacionais nas atividades de

P&D brasileiras, representando mais de 50% destes gastos nas PINTEC 2003 e 2005, ou seja, antes

da introdução da Lei.

Especialmente no que se refere às atividades tecnológicas de subsidiárias de empresas

multinacionais, parece mais válido fortalecer o sistema nacional de inovação, o mercado interno e

as capacitações locais, e rever o preconceito existente quanto à realização de P&D como

contrapartida aos estímulos direcionados ao investimento estrangeiro, mantendo os incentivos

fiscais-financeiros existentes apenas como medida complementar.

Em relação à propriedade intelectual, abordada no ensaio III, foi analisado o impacto da

entrada em vigor da atual Lei de propriedade industrial (Lei nº 9279/96) no desempenho

tecnológico – mensurado pelos depósitos de patentes – de empresas nacionais e filiais de

multinacionais no Brasil. Foi possível observar o aumento do patenteamento após o advento da

Lei mencionada, mas não se pode inferir uma relação de causalidade entre os fenômenos. Outros

202

fatores, associados ao aprimoramento das políticas de inovação nos anos 2000 ou a variáveis

macroeconômicas, podem ter estimulado a evolução do patenteamento.

Também não é possível confirmar se a Lei estimulou o desenvolvimento tecnológico, ou se

apenas elevou a “propensão a patentear” de empresas brasileiras, que passaram a depositar

patentes de tecnologias cujo retorno até então seria viabilizado por mecanismos informais de

apropriabilidade, como segredo industrial ou liderança de mercado. Associando os resultados da

evolução do patenteamento como as estatísticas sobre os investimentos em P&D /vendas

observadas ao longo dos anos 2000, apresentadas no ensaio I, fica claro o hiato existente entre as

duas realidades. A oscilação dos esforços em P&D não justifica o crescimento significativo da

geração de novas tecnologias, indicado pelas patentes. Portanto, comparando brevemente os dois

indicadores, o crescimento do patenteamento no Brasil parece pouco relacionado ao

fortalecimento das capacitações tecnológicas nacionais.

As estatísticas também sugerem que o aumento do patenteamento no Brasil não está ligado à

geração de tecnologias de alta inovatividade, dada sua crescente concentração em patentes de

desenho industrial, associada à elevada participação de patentes em setores de baixa intensidade

tecnológica, como borracha e plástico, metal e móveis e indústrias diversas.

Em relação ao comportamento das filiais de empresas multinacionais, a análise entre

titularidade e autoria sugere que as tecnologias patenteadas no Brasil são majoritariamente

desenvolvidas localmente. Já a cooperação entre agentes nacionais e internacionais não foi

estimulada pela Lei nº 9279/96, dado que não houve variação significativa nestas relações após

sua introdução.

Os testes estatísticos revelaram que as empresas nacionais têm maior propensão a patentear,

considerando tanto empresas de médio-grande porte (acima de 100 empregados) como somente

empresas de grande porte (acima de 500 empregados). A introdução da atual Lei de PI elevou a

propensão a patentear de empresas brasileiras médio-grande porte, mas não se considerarmos

somente empresas de grande porte.

Também sugerem que as empresas nacionais reagiram mais à entrada em vigor da atual

legislação, apresentando maior propensão a patentear que as empresas multinacionais durante e,

especialmente após a consolidação da Lei nº 9279/96.

Em suma, foi possível observar crescimento do número de patentes no Brasil após a introdução

da atual Lei de PI, apesar da pouca alteração dos investimentos em P&D realizados nos anos 2000.

Por origem de capital, empresas nacionais apresentam maior propensão tanto a realizar P&D

quanto a patentear, comparadas às subsidiárias. Já os incentivos fiscais – financeiros parecem

pouco relacionados às atividades tecnológicas das empresas brasileiras, especialmente no caso de

subsidiárias, que pouco recorreram ao financiamento e à subvenção, e parecem utilizar a Lei do

203

Bem mais como um prêmio às atividades de P&D implementadas do que como instrumento

necessário à sua realização.

Mais do que respostas, as conclusões obtidas neste trabalho abriram espaço para novos

questionamentos. Para trabalhos futuros, sugere-se especialmente avaliar se o aumento do

patenteamento brasileiro reflete maior “propensão a patentear” das empresas nacionais, ou um

real fortalecimento da capacidade inovativa brasileira. Tratamento conjunto das estatísticas de

P&D e patentes, mostrando a interação entre estes indicadores, pode colaborar na busca por este

entendimento, discutindo de forma dinâmica o desenvolvimento tecnológico da indústria

brasileira. Outras questões diretamente relacionadas a este trabalho referem-se à relevância das

patentes como mecanismo de apropriabilidade na indústria brasileira, o impacto dos incentivos

fiscais-financeiros na propensão a realizar P&D das empresas144 e detalhamento dos

transbordamentos tecnológicos entre empresas nacionais e subsidiárias no Brasil.

144 Ainda não possível de ser avaliado pela indisponibilidade de estatísticas sobre P&D após a introdução da Subvenção Econômica e Lei do Bem.

204

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