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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: UMA ANÁLISE DOS COLEGIADOS
TERRITORIAIS DO ESTADO DO TOCANTINS SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO
Jeany Castro dos Santos1
Temis Gomes Parente2
Resumo: A proposta desta pesquisa é investigar as relações de poder3 existentes nas instâncias
deliberativas dos territórios rurais do Estado do Tocantins4. Para tanto, propôs-se estabelecer uma
reflexão crítica sobre as relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre homens e
mulheres, e como a significação destas diferenças estabelecem relações de poder nas instâncias
deliberativas destes territórios. A proposta de promover a discussão sobre as relações de poder no
âmbito dos territórios sob a perspectiva de gênero justifica-se pela contribuição que este estudo
pode trazer ao campo científico, especificamente no que tange aos avanços teóricos que este arranjo
interdisciplinar poderá proporcionar. Neste sentido, busca-se “compreender a natureza recíproca do
gênero e da sociedade das formas particulares, situadas em contextos específicos” (SCOTT, 1990,
p. 23). Ao apresentar as formações colegiadas dos territórios rurais do Estado do Tocantins,
pretende-se contribuir com os estudos sobre gênero em espaço territorial, ainda investigado de
forma incipiente na academia, sendo tratado de forma inédita no âmbito do desenvolvimento
territorial.
Palavras Chave: Desenvolvimento territorial. Gênero. Relações de poder.
Introdução:
O Brasil ao longo das últimas três décadas tem procurado alternativas de governança que possam
dialogar com as políticas públicas voltadas ao combate da pobreza e desigualdade social. Os
territórios rurais é um desses modelos de governança, estruturados a partir de princípios
democráticos, tanto na composição, quanto no modelo de participação, pelo menos é o discurso
presente nesta política.
O estudo busca problematizar questões que envolvem as relações de poder e dominação em
espaços territoriais, especificamente a seguinte: Os papéis de gênero5 nos territórios rurais são
1Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional/Universidade Federal do Tocantins,
Palmas - Brasil. 2 Professara do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional do curso de História da Universidade
Federal do Tocantins - Brasil. 3 Entendido como dominação e subordinação. 4 No Tocantins são 7(sete) territórios rurais homologados pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), são
eles: Bico do Papagaio, Nordeste, Jalapão, sudeste, sul, Apa Cantão e Médio Araguaia. 5 “Papéis de gênero é falar de padrões, regras que uma dada sociedade estabelece para com seus membros. Eles definem
comportamentos e formas de as pessoas se relacionarem. O aprendizado de papéis leva ao conhecimento e à
internalização de modelos daquilo que se considera adequado, ou não, para um homem ou para uma mulher em dada
sociedade. (PARENTE, p. 105, 2007)
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levados em consideração em relação ao desenvolvimento local como interfaces importantes deste
processo?
Para responder a este problema de pesquisa a investigação será realizada mediante
abordagens teóricas que permitem estabelecer um diálogo entre a temática territorial e os papéis de
gênero (PEDRO, 2005) nas relações de poder presentes na política de territórios rurais.
Tendo em vista que as mulheres do meio rural são fortemente afetadas pela desigualdade
social, percebeu-se a necessidade de analisar essa política a partir da perspectiva de Gênero6. Neste
sentido, o objetivo deste trabalho é refletir sobre as relações de poder em espaços territoriais sob a
perspectiva de gênero. A motivação veio com a participação no projeto do Núcleo de Extensão e
Desenvolvimento Territorial (NEDET) no território rural do nordeste do Tocantins entre os anos de
2015 a 2016.
Para tanto o artigo foi estruturado da seguinte forma: na primeira parte será apresentado
como o tema “relações de poder” é abordado em desenvolvimento territorial e gênero. Em seguida
apresenta-se o processo de construção da política de territórios rurais. Na terceira parte, procura-se
empreender uma discussão entre gênero e a política de territórios rurais e por fim apresentam-se
algumas considerações sobre essa política no que se refere aos estudos de gênero.
1. Relações de poder: Desenvolvimento Territorial e Gênero
A discussão sobre relações de poder perpassam tanto os estudos de desenvolvimento territorial
quanto os estudos de gênero. Esses dois referenciais teóricos nortearão as discussões que se
pretende empreender neste artigo. Para tanto, será apresentados como este aspecto do
comportamento social trabalhado pelos autores destes dois campos de estudo.
1.1. Relação de poder na perspectiva do Desenvolvimento Territorial
Para entender as relações de poder a partir dos estudos sobre desenvolvimento territorial recorre-se
primeiro ao pensamento de Michel Foucault, em sua obra “Mocrofísica do poder” visto que os
autores que discutem desenvolvimento territorial tem Foucault como referência.
Para Foucault (1979), o território é uma invenção e funciona como o prolongamento das
ações do Estado para exercer determinada finalidade. O território, portanto, representa uma
6 Perspectiva de gênero aqui entendido como “gênero é um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações
complexas entre diversas formas de interação humana” SCOTT (1990, p. 23).
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instituição jurídico-política que exerce certo tipo de poder. O poder, na perspectiva do autor não
existe, o que existem são relações de poder que são historicamente construídas. De acordo com esta
lógica, o poder está intimamente ligado à resistência, que por sua vez não está localizado num ponto
específico, está sim em diferentes espaços da estrutura social. São relações de força que são
exercidas pelos atores sociais e que perpassam, necessariamente, disputas em que há um ganhador e
um perdedor.
Foucault (1979) considera que existem formas de exercício do poder para além do Estado,
para autor, muitas relações de poder acontecem justamente fora do Estado. O território pode ser
visto como um desses espaços, visto que são projetados, arquitetados e pensando para este fim, ou
seja, o de exercer funções que são do Estado e por sua vez dão sustentação ao próprio Estado.
Apesar de não ter sido explicitamente a intenção de Foucault (1979) apresentar uma
definição para “território”, mas sim de promover reflexões sobre os diferentes espaços em que se
dão as relações sociais, acabou se tornando uma das principais referencias dos autores que
teorizaram sobre as relações de poder em espaços territoriais como Raffestin (1993), Fligstein
(2007) e Soquet (2009 e 2011).
Para Raffestin o poder é multidimensional e ocorre nas relações quotidianas “o poder é a
chave – em toda relação circula poder que não é nem possuído nem adquirido, mas simplesmente
exercido” (RAFFESTIN, 1993, p. 7). Em seu livro “por uma geografia do poder” o autor explica
uma questão que é fundamental para se entender como as relações de poder acontecem nos espaços
territoriais. Primeira coisa que o autor faz é separar “espaço” de “território”, o espaço vem antes,
constitui as relações quotidianas, estabelecidas ao longo dos anos. Neste sentido, as relações de
poder antecedem a criação do território. O território por sua vez é uma criação de um determinado
nível de governo para a realização de um programa específico, nesta perspectiva, o território é um
“espaço onde se projetou um trabalho [...] e que, por consequência, revela relações marcadas pelo
poder. O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si”
(RAFFESTIN, 1993, p. 2).
O desenvolvimento territorial pressupõe a organização entre os atores sociais presentes no
território, neste sentido, pressupõe a existência de uma relação dual entre dominador e dominados,
o poder pode ser entendido tanto como a capacidade geral de agir, de exercer a sua vontade sobre o
outro, quanto como a capacidade de produzir comportamentos específicos, neste sentido, recorre-se
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ao que Fligstein (2007) denominou de “habilidade social” que seria a cooperação entre os
envolvidos.
As relações de forças perpassam o estabelecimento de alianças e conflitos entre os atores
sociais, o pensamento apresentado por Soquet (2009 e 2011) guarda relação com as definições já
apresentadas, ou seja, o poder interfere nas relações, fatos e ações. Para o autor os espaços
territoriais compreendem
[...] relações de poder, econômicas, políticas e culturais, diferenças, identidades e
representações; apropriações, domínios, demarcações e controles; interações e redes;
degradação e preservação ambiental; práticas espaço-temporais e organização política, que
envolvem, evidentemente, as apropriações, as técnicas e tecnologias, a degradação, o
manejo, os pertencimentos etc. Relações, apropriações e práticas construídas-definidas a
partir da síntese unitária existente entre nossa sociabilidade-espiritualidade cotidiana
(SOQUET, 2011, p. 17).
Para Ficher (2000) o poder possui um caráter relacional recíproco, o que não pressupõe
igualdade de condições e sim que existem diferentes papéis a serem exercidos pelos atores. Sugere
desequilíbrio, no momento em que há atores que exercem o poder, enquanto outro a ele se
submetem, sendo que estas posições não são fixas, existem tensões que compreendem avanços e
recuos permanentes, dependem dos interesses a serem negociados, compreendem ganhos e perdas
reais e simbólicas, neste sentido, Ficher (2000, p. 14) apresenta que “o exercício do poder é um jogo
de forças antagônicas em que há uma dominação eventual, mas que supõe uma margem de
liberdade e de possibilidades de ação”. Este aspecto das relações de poder aproxima dos estudos de
gênero visto que considera que considera a relação de poder como não tendo significado definitivo
e que os significados não são fixos como será apresentado a seguir
1.2. Relação de poder na perspectiva de gênero
As relações de poder a partir da perspectiva de gênero pode ser evidenciada no pensamento
de Scott (1990, p. 23) “gênero é um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações
complexas entre diversas formas de interação humana”, neste sentido, fica claro que não se pretende
discutir apenas o papel das mulheres, e sim “compreender a natureza recíproca do gênero e da
sociedade, das formas particulares, situadas em contextos específicos”.
De acordo com Araújo (2000) gênero deixa de ser um conceito meio, para ampliar sua
abrangência, neste sentido, passa a observar a trajetória em torno da qual a dominação foi
estruturada “para tornar-se um conceito totalizador, um modelo próprio e autônomo de análise das
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relações de dominação/subordinação, centrado quase que exclusivamente na construção dos
significados e símbolos das identidades masculinas e femininas” (ARAÚJO, 2000, p. 69).
Os estudos de gênero não se restringem as relações duais de sexo, mas abrange outras
relações em que exista a figura do dominador e do dominado, como é no caso de classe e raça, uma
vez que na divisão de classes e raça estão presentes as relações duais de sexo SCOOT (1990).
Os estudos de gênero são abrangentes e consiste em promover transformações nas
estruturas sociais, o que por sua vez só é possível a partir da diminuição das desigualdades sociais
de sexo, classe e raça. Para Scoot (1990) as categorias de gênero são vazias, o que significa que não
tem significado definitivo e transbordantes, o que implica dizer que não são fixas. Estes dois
elementos confirmam que é possível mudar comportamentos sociais a partir da consciência dos
papeis que são construídos para os homens e para mulheres, num movimento de confronto e
resistência, mas também conciliação e acomodação dos novos pápeis a serem protagonizados nas
estruturas sociais. O movimentar dessas estruturas, promovem modificações nos símbolos culturais,
nos conceitos normativos, na noção de política e na identidade subjetiva (SCOOT, 1990)
Estes elementos extraídos do trabalho de Scoot (1990) são os norteadores desta
investigação, em que se pretende observar gênero nas relações de sexo, classe e raça. Como este
artigo é parte de um trabalho maior, neste trabalho será discutido gênero na política de territórios
rurais no tocante a inclusão do comitê de mulheres a estrutura de governança dos territórios rurais.
2 – Territórios Rurais: Uma política em construção
A criação dos territórios rurais e territórios da cidadania seguem uma prerrogativa
constitucional, em que pese a responsabilidade nacional de combater a pobreza e desigualdade
social. A gestão a partir da divisão territorial7 tem uma preocupação de fundo que é enfrentar as
desigualdades regionais constituídas historicamente no processo de desenvolvimento nacional, sem
deixar de considerar as potencialidades, forças sociais e especificidades econômicas, culturais e
ambientais de cada espaço territorial (SOQUET, 2006).
A política de territórios rurais foi criada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) com a proposta de integrar as ações dos governos federal, estadual e municipal em um
plano único de desenvolvimento. Os territórios Rurais foram criados a partir do Programa Nacional
7 Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (BRASIL, 2010).
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de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), no ano de 2003 e ficou sob a
responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT). De acordo com (BRASIL,
2005), o PRONAT deveria promover a justiça social, viabilizar a reativação da economia local e
impulsionar a gestão sustentável dos recursos naturais. A perspectiva temporal do PRONAT era de
longo prazo e deveria alcançar todos os espaços rurais do Brasil.
O critério utilizado para aprovar a criação de um território rural era possuir características de
estagnação econômica, problemas sociais e riscos ambientais. De acordo com Silva (2013), a
principal fonte de recursos para atuação das ações de desenvolvimento no território é o Programa de
infraestrutura (PROINF) que deixou de ter um caráter municipal e passou a adotar a dinâmica
territorial.
À frente do estabelecimento das diretrizes voltadas ao desenvolvimento rural foi criado o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF)8. O desenvolvimento rural
pensado de forma sustentável tinha como meta principal estimular e favorecer a coesão social e
territorial. Para tanto, foi estabelecido que os territórios rurais sustentáveis deveriam constituir-se
por meio de um colegiado territorial composto por membros da sociedade civil e do poder público.
O mesmo deveria se estruturar, minimamente, a partir das seguintes instâncias: Plenário,
Núcleo Dirigente e Núcleo Técnico, podendo ampliar o processo de ação e participação por meio da
constituição de Câmaras Temáticas, assim como Comitês Setoriais, Temáticos ou Técnicos (MDA,
2013). O colegiado seria uma instância deliberativa, em que se discutem os problemas e
potencialidades que são comuns aos municípios e com isto, buscam-se soluções compartilhadas.
A inclusão das temáticas voltadas à superação das desigualdades de “gênero” como
estratégia de desenvolvimento territorial foi inserida na política territorial em 2008 com o
lançamento do Programa Territórios da Cidadania (PTC) e Programa de Organização Produtiva das
Mulheres Rurais (POPMR), o argumento do governo era a de promover ações que contribuíssem
para a diminuição dos índices de pobreza e desigualdades sociais (SILVA, 2013).
3 - Gênero e a política de territórios rurais
8 O CONDRAF é composto por representantes do poder público, por varias entidades, redes e movimentos sindicais e
sociais, representando a sociedade civil organizada (BRASIL, 2004).
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A temática de gênero foi inserida à política de territórios rurais em 2008 com o Programa de
Organização Produtiva das Mulheres Rurais (POPMR). Cabe aqui uma contextualização histórica
dos acontecimentos que antecederam ao POPMR e consequentemente a inserção da temática de
gênero a essa política.
Foram várias as iniciativas que partiram da sociedade civil para que se alcançassem políticas
voltadas à igualdade de gênero, entre as mais importantes podem-se citar os movimentos de
mulheres rurais e urbanas, movimento feminista e conferência de mulheres municipais estaduais e
nacionais. A criação, em 2003, da Secretaria de Política para Mulheres (SPM) foi sem sombra de
dúvidas uma das mais importantes conquista do feminismo no Brasil (BRASIL, 2013).
Foi por meio da SPM que as conferências de mulheres foram realizadas e dessas
conferências resultaram os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPM) que por sua vez
viabilizou a criação do POPMR. Foi a partir desse programa que as ações voltadas à igualdade de
gênero passam a integrar à política de territórios rurais e da cidadania.
O PNPM compreende um instrumento para reafirmar os princípios orientadores da política
nacional para as mulheres e como tal considerou os seguintes pontos:
autonomia das mulheres em todas as dimensões da vida; busca da igualdade efetiva entre
mulheres e homens, em todos os âmbitos; respeito à diversidade e combate a todas as
formas de discriminação[...] participação ativa das mulheres em todas as fases das políticas
públicas; e transversalidade como princípio orientador de todas as políticas públicas
(BRASIL, 2013)
Os aspectos considerados sinalizam para uma ação de abrangência nacional em que as
diferentes políticas públicas pudessem contemplar ações voltadas para as mulheres, como forma de
diminuir as desigualdades de gênero. O POPMR foi criado para atender algumas dessas diretrizes,
as quais consistem em apoiar a
inserção das mulheres na economia a partir de relações igualitárias. As ações abrangem a
identificação e a caracterização de grupos produtivos de mulheres, a formação, a
capacitação, a promoção de espaços de comercialização específicos para maior visibilidade
da sua presença econômica e a articulação local para visibilizar o acesso das mulheres às
políticas públicas (BRASIL, 2011)
Foi com vistas a efetivação destas ações que em 2014 a política de territórios rurais e da
cidadania foram orientadas a criar em sua estrutura de governança, os comitês de mulheres. Para
tanto contratou, por meio de chamada pública, os Núcleos de Extensão em Desenvolvimento
Territorial (NEDET). O núcleo deveria contar com assessor de gênero com as seguintes atribuições:
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viabilizar a criação do comitê de mulheres; promover a participação de mulheres rurais nos
colegiados territoriais; identificar as políticas públicas com foco em mulheres; participar da
elaboração de projetos que tenham como público-alvo as mulheres rurais e promover ações de
conscientização para as questões de gênero (BRASILIA, 2015).
Ao comparar a proposta do plano nacional de política para as mulheres com o programa de
organização produtiva das mulheres rurais e as orientações elaboradas ao núcleo de extensão em
desenvolvimento territorial, especialmente às destinadas a assessoria de gênero, percebeu-se
algumas perdas são elas:
Entre o PNPM e POPMR, considera-se como principal prejuízo o fato de terem proposto
apenas a criação de um comitê de mulheres ao invés de proporem também paridade de gênero na
instância deliberativa do território que é o colegiado territorial, ao propor apenas a criação de um
comitê de mulheres e não a paridade no colegiado territorial, pouco se fez em relação ao
deslocamento das estruturas de poder constituídas neste modelo de governança (MIRANDA, 2015).
Entre o POPMR e o NEDET, ao que foi possível observar, as ações limitaram-se a capacitar
as mulheres para acessar políticas que são direcionadas exclusivamente as mulheres. O fato de atuar
somente em políticas voltadas exclusivamente às mulheres acaba por limitar a participação das
mulheres em relação às demais políticas, ditas de cunho em geral, como se pudessem separar as
políticas de fomento as mulheres das políticas de fomento aos homens, estabelecendo diferenças
claras de poder.
Resultados e discussões
A análise que será feita da política de territórios se refere à inclusão da temática de gênero
com a ação prática de criar o comitê de mulheres a estrutura de governa dos territórios rurais. Tendo
em vista que as relações de poder em espaços territoriais perpassam as relações de gênero.
A criação do comitê de mulheres, composto basicamente por mulheres, não só reforça as
diferenças entre homens e mulheres, visto que não confronta as relações de poder, como também
torna ineficiente qualquer discussão realizada neste ambiente uma vez que só tem umas das partes
que compõe a relação dual, o que inviabiliza qualquer modificação no comportamento do grupo.
A paridade no colegiado territorial poderia ser o grande diferencial, pois daria uma condição
de igualdade não só nas decisões tomadas pelo colegiado, mas também permitiria que as discussões
empreendidas na câmara de inclusão produtivas, responsável por pensar e elaborar projetos de
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desenvolvimento do território, contasse com a participação equitativa de mulheres e homens nas
discussões e deliberações.
As políticas afirmativas para as mulheres são positivas, no entanto, corre o risco de reforçar
as diferenças sem mexer nas estruturas de poder. As discussões de gênero não se restringe a criação
de ações e políticas voltadas exclusivamente às mulheres e sim a criação de mecanismo que possam
deslocar as estruturas de poder, criando condições para que as mulheres ocupem os espaços que no
momento do deslocamento possam estar vazios, ou ocupados somente por homens.
Tanto a criação do comitê de mulheres quanto às orientações a ele associadas, podem por
um lado potencializar as ações das mulheres em relação ao acesso das políticas voltadas
exclusivamente às mulheres, mas por outro, pode restringir a participação das mulheres nas
políticas de cunho geral, sob o argumento de que já foram contempladas, o que reforça as posições
de poder anteriormente ocupadas, diminuído o potencial emancipador do movimento feminista,
assim como a sua legitimidade (DAHL, 2000)
De acordo com Scott ( 1990, p.21) gênero admite a conexão de duas dimensões “gênero é
um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e
gênero é uma forma de significar as relações de poder” neste sentido, ao analisar as informações
contidas no PNPM, POPMR, percebe-se um distanciamento entre a teoria e a prática, visto que
tanto nos documentos norteares da política, quanto nas ações previstas na política “gênero” é
considerado basicamente no sentido do empoderamento da mulher, ou seja, de dar a mulher
protagonismo social.
Percebeu-se um distanciamento entre as reflexões das questões de gênero e a implantação da
temática na política de territórios rurais, uma vez que “gênero é um lugar de lutas sobre o que conta
como natural e o que conta como social e isto não se divide simplesmente entre as linhas da Direita
e Esquerda” (SCOTT, p. 345, 2012) trás ainda que “é um lugar perpétuo para a contestação política,
um dos locais para a implantação do conhecimento pelos interesses do poder” (SCOTT, p.346,
2012).
Algumas considerações
O estudo buscou problematizar questões que envolvem as relações de poder e dominação em
espaços territoriais, para tanto, percebeu-se que nada ou pouco se fez para que a estrutura de
governança pensada para os territórios rurais pudesse promover modificações nas estruturas de
poder que pudesse contribuir para o desenvolvimento desses espaços territoriais.
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A inclusão da temática de gênero aos territórios rurais ao que foi possível observar,
restringiu-se a criação do comitê de mulheres que tinha como objetivo principal capacitar essas
mulheres ao acesso de recursos federais disponibilizados em políticas destinadas ao público
feminino e não necessariamente que as mulheres pudessem participar dos espaços deliberação, no
caso o colegiado territorial.
No que se refere aos papéis de gênero presentes nos territórios rurais, percebeu-se um
reforço destes, pois os mesmos visto que não é exigido paridade na composição do colegiado
territorial, restringindo a presença das mulheres somente ao comitê de mulheres, não existe
existindo também que não existe mecanismo que estimule a participação das mulheres nos espaços
de deliberação dos colegiados territoriais.
A crítica maior é que a participação das mulheres de forma paritária poderia contribuir para
desenvolvimento territorial, uma fez que as mulheres participam ativamente das atividades
desenvolvidas no meio rural, especialmente na agricultura familiar, prova desta constatação são os
editais destinados ao público feminino.
Como já informado no corpo do texto, discutiu-se gênero na política de territórios rurais
ainda de forma inicial, visto que a proposta é a elaboração de uma tese, o que exigirá um
aprofundamento do referencial teórico, bem como do objeto de pesquisa que são os territórios
rurais.
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TERRITORIAL DEVELOPMENT: an analysis of the collegiate territories of the State of
Tocantins from the perspective of gender
Abstract: The proposal of this research is to investigate the power relations existing in the
deliberative instances of the rural territories of the State of Tocantins. Therefore, it was proposed to
establish a critical reflection on social relations based on the perceived differences between men and
women, and how the significance of these differences establish relations of power in the
deliberative instances of these territories. The proposal to promote the discussion of power relations
within the territories from the perspective of gender is justified by the contribution that this study
can bring to the scientific field, specifically with regard to the theoretical advances that this
interdisciplinary arrangement can provide. In this sense, it is sought "to understand the reciprocal
nature of gender and society in particular forms, situated in specific contexts" (SCOTT, 1990, p.23).
In presenting the collegiate formations of the rural territories of the State of Tocantins, it is intended
to contribute to studies on gender in a territorial space, still investigated in an incipient way in the
academy, being treated unprecedented in the scope of territorial development.
Keywords: territorial development, gender, power relations.