DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

14
DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI- ÁRIDO BRASILEIRO Edneicla Rabelo Cavalcanti Solange Fernandes Soares Coutinho*o Vanice Santiago Fragoso Selva" Considerações iniciais É possível afirmar que, em termos am- bientais, o principal processo relacionado com a degradação das chamadas terras secas, segundo o escopo da CCD, regiões áridas, semi-áridas e subúmidas secas, é o da desertificação. Sua natureza e suas cau- sas são particulares em cada situação es- pecífica e dependem das características do ecossistema natural e da história de usos e manejos dos solos em cada zona. Nessa perspectiva, é importante recorrer à história ambiental para compreender o quanto os problemas de agora foram construidos his- toricamente e como o processo de ocupa- ção socioeconômica foi feito em detrimento da capacidade de resiliência dos ecossiste- mas presentes no semi-árido brasileiro. O tema pode ser considerado novo, mas vem ganhando notoriedade tanto no meio político como acadêmico, assim como junto à população como um todo, mesmo não pos- suindo a repercussão e o espaço dos temas que encabeçam outras duas convenções da Organização das Nações Unidas - ONU -' a saber: Mudanças Climáticas e Diversida- de Biológica. O apelo da temática desertifi- • Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e professora do Núcleo de Gestão Ambiental da Faculdade de ciências da Administração da universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected] Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e professora da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mala da universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected] professora do Deparlamenlo de ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

Transcript of DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

Page 1: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

DESERTIFICAÇÃOE DESASTRES NATURAIS

NA REGIÃO DO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO

Edneicla Rabelo CavalcantiSolange FernandesSoares Coutinho*o

Vanice SantiagoFragoso Selva"

Considerações iniciais

É possível afirmar que, em termos am-bientais, o principal processo relacionadocom a degradação das chamadas terrassecas, segundo o escopo da CCD, regiõesáridas, semi-áridas e subúmidas secas, é oda desertificação. Sua natureza e suas cau-sas são particulares em cada situação es-pecífica e dependem das características doecossistema natural e da história de usos emanejos dos solos em cada zona. Nessaperspectiva, é importante recorrer à históriaambiental para compreender o quanto osproblemas de agora foram construidos his-

toricamente e como o processo de ocupa-ção socioeconômica foi feito em detrimentoda capacidade de resiliência dos ecossiste-mas presentes no semi-árido brasileiro.

O tema pode ser considerado novo, masvem ganhando notoriedade tanto no meiopolítico como acadêmico, assim como juntoà população como um todo, mesmo não pos-suindo a repercussão e o espaço dos temasque encabeçam outras duas convenções daOrganização das Nações Unidas - ONU -'a saber: Mudanças Climáticas e Diversida-de Biológica. O apelo da temática desertifi-

• Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e professorado Núcleo de Gestão Ambiental da Faculdade de ciênciasda Administração da universidade de Pernambuco. E-mail:[email protected]

Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e professorada Faculdade de Formação de Professores de Nazaré daMala da universidade de Pernambuco. E-mail:[email protected]

professora do Deparlamenlo de ciências Geográficas daUniversidade Federal de Pernambuco. E-mail:[email protected]

Page 2: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

cação diz respeito a questões de repercus-são socioeconômica afetando diretamente re-giões pobres do planeta, daí poucas relaçõessão estabelecidas com os próprios países ri-cos e com os temas das outras convençõesjá referidas.

O crescente reconhecimento de que osdesastres naturais não seriam tão devasta-dores se não fosse a influência humana e quea desertificação tem sua origem em comple-xas interações de fatores físicos, biológicos,políticos, sociais, culturais e econômicos, rom-pendo com as interpretações de origem uni-camente climática ou aquelas de fundopuramente tecnológico, embasa o trabalhoem tela que aborda o relacionamento entreas duas temáticas - desertificação e desas-tres naturais. O autor tece considerações te-óricas e metodológicas sobre desertificação,apresenta informações sobre o semi-árido doNordeste do Brasil e a realidade brasileira notocante à desertificação e, por fim, apresentaconsiderações conclusivas e recomendaçõesrelativas à reversão e, em especial, à pre-venção da desertificação baseada na convi-vência com o semi-árido a partir dascaracterísticas socioambientais que lhes sãopróprias.

1. Quadro Conceitua! da Desertificação

Lopez Bermúdez (1988, p51) atribui acriação do termo desertificação a Aubravil-le, que em 1949 o utiliza

para expressar a regressão da selvaequatorial africana pelo corte abusivo, in-cêndios e roças para a transformação emcampos de cultivo e pastiçais, o resulta-do dessa prática não era outro senão aexposição do solo, a erosão hidrica, eó-lica e conversão de terras biologicamenteprodutivas em desertos.

O termo é consagrado durante a Confe-rência das Nações Unidas sobre Desertifi-cação, ocorrida em Nairobi no ano de 1977,que define a desertificação como sendo a"diminuição ou destruição do potencial bio-lógico da terra que pode conduzir, finalmen-te, a condições semelhantes a desertos" (op.Gil,, P. 58)

O fenômeno começa a despertar a aten-ção dos estudiosos quando intensos proces-sos de degradação ocorreram em algumasáreas de clima seco dos Estados Unidos daAmérica; a erosão destruiu os solos de gran-de parte dessas áreas, que já eram conhe-cidas como dust bowsl (bacias de poeira).

Outras ocorrências de degradação emáreas com clima semi-árido passaram a serobservadas, com destaque para a África,principalmente na década de 1960, redun-dando, ao final da grande seca que assolouo Sahel entre 1968 e 1974, no primeiro es-forço internacional para conter a desertifi-cação. O Sahel é hoje uma zona semi-áridade cerca de 5 milhões de quilômetros qua-drados situada ao sul do deserto do Saara.

Muitos estudiosos atribuíram à desertifi-cação ora a processos naturais, principal-mente de ordem climatológica, ora aprocessos induzidos pelos seres humanos.Essas abordagens, longe de se constituíremem simples polêmicas de ordem acadêmi-ca, tiveram, e ainda têm, desdobramentosconcretos, pois influenciam na formulaçãode políticas públicas e na conseqüente des-tinação dos recursos para implementá-las.

Além disso, o entendimento do que vema ser desertificação continua dando margema diversas interpretações e a certos equívo-cos, pncipalmente àquele que relaciona otermo a um processo de criação de deserto.Do ponto de vista formal, no entanto, essapolêmica foi resolvida quando da aprovaçãodo documento da Agenda 21 e da Conven-ção de Combate à Desertificação e aos Efei-tos da Seca pelas Nações Unidas. De acordocom esses documentos, desertificação é:

A degradação da terra nas regiões áridas,semi-áridas e subúmidas secas, resultan-tes de vários fatores, entre eles as varia-ções climáticas e as atividades humanas,sendo que por degradação da terra seentende a degradação dos solos, dos re-cursos hidricos, da vegetação e a redu-ção da qualidade de vida das populaçõesafetadas. (BRASIL, 1996, p. 113)

Alguns aprofundamentos são introduzidosa partir desses entendimentos. Um deles,

Desertlncaçãoe desastresnaturais na regiãodo semi-áridobrasileiro

Ednelda CavalcantiSolange FernandesSoares CoutinhoVanice SantiagoFragoso Selva

20

Page 3: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

como já citado anteriormente, é o que incor-pora a perspectiva socioambiental a partir dainclusão das atividades humanas no univer-so de causas da desertificação, sendo consi-derada como um avanço na compreensão dagênese e agravamento do seu processo e,conseqüentemente, na reversão ou preven-ção de instalação do mesmo.

Mas a definição também dá margem anovos questionamentos, e um deles, segun-do Sampaio (2002, p. 26), é de que "a de-sertificação é um processo dinâmico, comuma cadeia de eventos freqüentemente fe-chada em ciclos viciosos. Assim, algunseventos podem ser a causa inicial do pro-cesso, mas dão lugar a conseqüências quepodem retroalimentar as causas originais".

No que diz respeito aos fatores que po-dem causara desertificação, a maior das con-siderações que vem sendo feita se refere àabrangência que eles carregam. As variaçõesclimáticas se destacam por ser uma causaque não necessariamente tem origem a par-tir de atividades humanas e, também, não setem muito claro que tipos de fatores estariamsendo considerados. De qualquer forma, se-gundo Ribot; Najam; Watson (1992 p. 23).

As conseqüências regionais do aqueci-mento global estimulado por ação antro-pogênica ainda não podem ser previstascom grau satisfatório de confiança. Algunsimpactos, entretanto, são prováveis. Aselevações de temperatura resultarão noaumento da evapotranspiração. Essaselevações térmicas serão particularmen-te significantes nos local onde o clima jáé quente nas condições atuais. Se a pre-cipitação pluvial desses locais irá aumen-tar ou diminuir, ainda constitui questãobastante incerta. Porém, o Painel Inter-governamental de Mudanças Climáticas(ÍPCC, 1990) indica que as regiões semi-áridas encontram-se entre as que maisprovavelmente experimentarão crescen-tes tensões climáticas.

Mesmo diante das incertezas, váriosautores concordam em que a vulnerabilida-de às conseqüências das mudanças climá-ticas já se constitui problema de porte nasregiões áridas, semi-áridas e subúmidas

secas, e vão além, ao afirmarem que casonão haja alterações nas condições climáti-cas atuais os cenários para as próximasdécadas tendem a agravar-se devido à di-minuição da produtividade e do aumento dapopulação sem acesso a opções alternati-vas de meios de renda.

Por sua vez, as concepções que têmcomo foco as atividades humanas, sem quehaja disõernimento entre elas, podem gerarinterpretações vagas, que não traduzamquestões relativas a aspectos fundiários e deacesso aos recursos naturais em última ins-tância e das políticas públicas definidas paraas terras secas- Cabe aqui fazer alusão àperspectiva de responsabilidade comum,porém diferenciada, que constitui certo bali-zamento no tratamento geopolítico das ques-tões ambientais. Significa aceitar que todosdevem ser responsáveis por um meio ambi-ente sadio e, ao mesmo tempo, responsabili-zados pela degradação ambiental que venhaa ser desencadeada, mas levando em contadiferentes situações socioeconõmicas, polí-ticas e culturais dos grupos humanos, dosdiferentes setores da sociedade.

Trata-se de evitar que sejam negligenci-adas as abordagens que tratam, por exem-plo, dos aspectos referentes aos conflitossociais inerentes ao processo de gestãoambiental, ou da questão das desigualda-des e exclusões sociais atreladas às desi-gualdades no acesso aos recursos naturais- Em última instância, é não perder de vistaa vinculação entre o processo de desertif i-cação e a perspectiva dominante de desen-volvimento, que não considera a perspectivada sustentabilidade ambiental. Para Maga-lhães (1995, p 233),

No tocante à questão ambienta!, a conti-nua perda de produtividade da terra, aexaustão de recursos naturais não reno-váveis e diminuição dos depósitos de águasubterrânea são indicadores de insusten-tabilidade. Os processos de desertifica-ção em várias regiões mais vulneráveisrefletem as condições de uso insustentá-vel dos solos, da vegetação, dos recur-sos hídricos e da biodiversidade.

Desertificaçãoe desastres

naturais na regiãodo semi-árido

brasileiro

Edneida CavalcantiSolange Fernandes

Soares CoutinhoVanice Santiago

Fragoso Selva

Page 4: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

Matalio Júnior (2001) chama a atençãopara outro ponto que também evidencia aamplitude conceitual que a definição da CCDsugere: trata-se da idéia de "degradação daterra", enquanto uma idéia complexa, comdiversos e diferentes componentes que re-metem a áreas distintas de conhecimento.Isso leva diretamente à necessidade de de-lineamento do objeto de estudo e da abor-dagem multi disciplinar requerida, que seconstituem, sem dúvida, em desafios ao tra-dicional modelo de conhecimento presentenas instituições de ensino e pesquisa.2. Abordagem Teórico-metodológica daDesertificação

É principalmente a partir da década de70 que a discussão sobre desertificaçãochega ao Brasil, como influência do proces-so preparatório da Conferência de Nairobi.Vasconcelos Sobrinho representou o Brasilno referido evento e passou a focar a temá-tica em seus estudos, Para ele, em publica-ção de 1978, (apudSUERTEGARAY, p. 261)"desertificação é um processo de fragilida-de dos ecossistemas das terras secas emgeral, que em decorrência da pressão ex-cessiva exercida petas populações huma-nas, ou às vezes pela fauna autóctone,perdem sua produtividade e capacidade derecuperar-se".

Ab'Saber concebe como processos par-ciais de desertificação todos aqueles fatospontuais ou areorales, suficientemente radi-cais pra criar degradações irreversíveis dapaisagem e dos tecidos ecológicos naturais.O autor classifica a desertificação como an-trópica e afirma que "as faixas de transiçãoentre regiões úmidas e as regiões secas donordeste, sofrem mais processo de degrada-ção ambiental e 'savanização', em sentidoabrangente, do que a própria área nuclear dasresistentes caatingas - ecologicamente, re-sistentes caatingas" (1977, p. 11).

Nimmer (apudSUERTEGARAY, 1996, p.262), em trabalho de 1988, considera de-sertificação como a "crescente degradaçãoambiental expressa pelo ressecamento eperda da capacidade produtiva dos solos.

Este ressecamento crescente do meio na-tural pode ser uma decorrência da mudan-ça do clima regional e/ou do uso inadequadodos solos pelo homem".

Além da abrangência contida na defini-ção da CCD, Matallo Júnior chama a aten-ção para a dificuldade em distinguir asdiferenças entre desertificação e seca. Se-gundo esse autor (2001, p. 29),

Muitas associações são feitas entre de-sertificação e seca. Alguns pensam queseca e desertificação são um único emesmo fenómeno e que, portanto, seconseguirmos eliminar os efeitos da seca(provendo água) acabará também coma desertificação. Outros imaginam quea desertificação é um processo que podelevara um aumento ou intensificação dassecas e a mudanças climáticas e que,portanto, a única finalidade de combatera desertificação é evitar a mudança doclima. Há aqueles que acreditam que aseca é causa da desertificação e, por-tanto, se gerenciarmos corretamente assecas estará impedindo a desertificação.Finalmente, há aqueles que acham quea desertificação não passa de um mito,originado do processo de expansão tem-porária do Saara, ou mesmo uma inven-ção para captar fundos dos paísesdesenvolvidos.

O mesmo autor alerta que a inobservân-cia desses aspectos leva a dificuldades con-ceituais derivadas de vários fatores, e cita:

J) A seca é um fenômeno reconhecidocomo sendo mais antigo e mais

"visível" do que a desertificação;

li) A desertificação é um processo queocorre durante lapsos de tempo relati-vamente grandes (10 ou mais anos),enquanto a seca é um evento marcadoclaramente no tempo;

iii)As perdas de produtividade e da pro-dução são atribuídas às secas, muitomais visíveis, do que à desertificação;

iv)Em muitos casos o processo de de-sertificação não alcança a "condição dedeserto', o que dificulta sua visualização;

v)Falta de acompanhamento de campo

Desertincaçãoe desastresnaturais na regiãodo semi-ridobrasileiro

Ldneida CavalcantiSolange FernandesSoares Coutir,hoVanice SantiagoFragoso Selva -

22

Page 5: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

do comportamento da produtividade, ero-são, etc. (2001, p. 29)

Todas essas razões convergem paraacentuar as dificuldadés de entendimento evisualização da desertificação, bem comoseu dimensionamento como um problemarealmente importante a ser enfrentado pe-las diferentes instâncias do poder, pelas po-pulações afetadas ou susceptíveis eindividualmente.

Além disso, tem sido bastante discutidaa ausência de métodos de estudos univer-salmente aceitos no trato com a desertifica-ção. O que parece existir é um conjunto deconhecimentos de diferentes áreas que secoloca a serviço da compreensão do pro-blema da desertificação, não se constituin-do em método, no sentido clássico do termo.

De acordo com Matallo Júnior (op. cif,p. 27):

Uma avaliação da produção teórica so-bre desertificação mostra a pluralidadede métodos e sistemas de indicadoresutilizados em todo o mundo, o que reve-la a dificuldade em estabelecer-se umconsenso sobre um sistema básico deinvestigação sobre o fenômeno, que con-sidere a multiplicidade de aspectos neleimbricados.

Dessa dificuldade metodológica derivauma outra, cujos desdobramentos tambémcontribuem para uma falta de clareza sobreo assunto. Trata-se da sobreposição entremétodos de estudos e métodos de identifica-ção de áreas sob processo de desertificaçâo,visto que para cada caso seria necessáriauma abordagem diferenciada; a primeira ob-jetivando identificar causas e apontar cenári-os e a segunda direcionada ao diagnóstico,que também se reverte em ponto de muitaspolêmicas pela descontinuidade de estudose obstáculos na obtenção de dados diretos eatualizados. Essas dificuldades metodológi-cas se ampliam quando se considera a es-pecificidade das diferentes áreas deocorrência da desertificação, tanto no que serefere à identificação de causas que desen-cadeiam o processo, quanto na definição dediagnósticos de cada ambiente, incluindo nele

suas realidades sociais, econômicas, políti-cas e culturais.3. Riscos e Desastres Naturais - umcampo de investigação para os estudosda desertificação

Os desastres naturais passaram a serestudados a partir das primeiras décadas doséculo passado, sendo considerados comosimples decorrência de fenómenos geológi-cos e metereológicos, tendo na sociedadeuma mera receptora indefesa e passiva, des-preparada para fazer frente aos caprichos danatureza. O reconhecimento crescente deque os desastres naturais não seriam tão fre-qüentes e devastadores se não fosse à influ-ência humana, seja pela ocupação de áreascríticas de risco ambiental, seja pelo efeitodas mudanças globais, trouxe, no entanto, umnovo componente à discussão: o caráter so-cial dos desastres naturais.

Essa nova perspectiva salienta que osdesastres naturais são também uma expres-são das relações sociais estabelecidasnuma determinada sociedade, necessitan-do de novos posicionamentos do poder pú-blico, assim como a redefinição do nível derisco culturalmente aceito pela sociedade.De acordo com Mattedi (apud LAYFtAR-GUES, 2000, p111), "caracterizar a socie-dade moderna como sendo de risco implicana superação da clássica imagem de que asociedade seria uma entidade que se repro-duz de forma independente da natureza".Sendo assim, o conceito de risco faz refe-rência à probabilidade de que ocorra algonocivo ou danoso a uma população ou seg-mento da mesma.

Luhmann (apodLAYRARGUES, 2000, p.108) afirma que

uma das características da sociedademoderna é a mudança do significado deperigo para risco na vida cotidiana: as an-tigas sociedades sempre se confrontaramcom perigos naturais, algo que estava fun-damentalmente fora do controle humano,seja como resultado inesperado e impre-visível de uma decorrência de ordem di-vina ou dos caprichos da natureza. Já associedades modernas, que controlaram

Desertlncaçãoe desastres

naturais na regiãodo semi-árido

brasileiro

Edneida CavalcantiSolange Fernandes

Soares CoutinhoVanice Santiago

Fragoso Selva

23

Page 6: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

grande parte destes perigos, acabaramsubstituindo-os pelo risco, algo, portantoesperado e previsível, já que decorre deuma ação humana, provocando situaçõesque podem ser potencialmente danosasao ser humano.

O risco seria, então, resultante da con-jugação de uma ou mais ameaça com a vul-nerabilidade, que também pode terdiferentes causas. O desastre, por sua vez,seria a expressão concreta do risco.

Na sociedade ocidental, o conceito dedesenvolvimento ficou atrelado ao processode modernização que, por sua vez, pressu-põe um processo cultural e histórico apoiadona inovação tecnológica que visa destruir osriscos contingentes proporcionados pelomundo natural que, em última instância, sig-nifica romper com a irracionalidade. Essamodernidade, ao passo que não conseguerealizara promessa de progresso infinito, pre-cisa conviver com uma série de riscos, nãoapenas os advindos do mundo natural, mas,principalmente, aqueles humanamente cria-dos. Brito e Ribeiro (2002) propõem a dis-cussão sobre risco artificial como forma decontribuir para o debate sobre desenvolvi-mento e entender as transformações porquepassa a modernidade. Para os referidos au-tores o risco artificial

foi construído pelo processo de desen-volvimento da ciência, da técnica, peloseu desdobramento na indústria, queaceleram o potencial de poluição, dasguerras high tech, da bomba atómica,etc., e vão compor a 'sociedade de ris-co' como argumentam diversos autores.Pois é a partir do entendimento de que amodernidade se tornou reflexiva - ouseja, confronta-se com os próprios me-canismos criados pela modernizaçãoracionalizada e, ao adquirira consciên-cia do risco, torna-se um problema parasi mesmo - que analisamos as possibili-dades de se retomar uma discussão al-ternativa de desenvolvimento. (BRITO;RIBEIRO, 2002, p. 9)

A construção teórica em torno do riscoartificial reforça a idéia anterior de diferenci-

ação entre perigo e risco, evidenciando opapei desempenhado pelas relações soci-ais. Para Noal (2000, p78),

a problemática socioambiental está arti-culada à gênese do processo de globaliza-ção e também à discussão atual dasociedade de riscos, por sua relação de in-terdependência. ( ... ) Ambos os fenômenosse articulam às questões relacionadas àexclusão social e distribuição dos recursosnaturais no planeta, entre eles: a disponibi-lidade de reservas e mananciais de águapotável, matriz energética de cada nação,camada de ozônio que cobre a atmosfera,metropolização das cidades e seus efeitosdecorrentes, distribuição geográfica e epi-demológica de enfermidades infecto-conta-giosas e degenerativas.

Lima (2002, p138), ao tratar da atualcrise socioambiental, como expressão deuma crise civilizatória pluridimensional, afir-ma que:

vivemos um momento sócio-históricomarcado por uma notável multiplicaçãode riscos naturais e tecnológicos e pelapermanente sombra da incerteza, amboscaracterísticos da modernidade avança-da. A crise ambiental que vivenciamos,mais que 'ecológica', é produto das con-tradições e das crises da razão e dopro-gresso. Compreender um processocrítico dessa magnitude e reagir a elerequer pensamentos e sensibilidadescomplexos, bem como a rejeição a to-das as formas de reducionismos.

Pensar a desertificação à luz dessascategorias de análise é um exercício desa-fiador. Se, por definição, toda região árida,semi-árida e subúmida seca é vulnerável aoprocesso, também verdadeiro que o graude vulnerabilidade varia de acordo com ca-racterísticas socioambientais. Além disso, asameaças que compõem a equação tambémpossuem origens diferenciadas, indo, des-de a ocorrência de uma seca, até, e de ma-neira mais permanente, todo o processo deorganização socioeconômica que repercu-te nos processos produtivos de uso dos re-cursos naturais.

Desertificaçãoe desastresnaturais na regiãodo sem!-áddobrasileiro

[dneida CavalcantiSolange FernandesSoares CoutinhoVanice SantiagoFragoso Selva

24

Page 7: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

4. A Desertificação no Brasil

A ocorrência de desertificação no Brasilse confunde com um recorte regional, já quea área de escopo de aplicação da CCD estáquase que exclusivamente circunscrita àRegião Nordeste, sendo que a maior vulne-rabilidade está associada à porção do Semi-árido brasileiro, devido ao conjunto geral dascaracterísticas do seu quadro natural que li-mitam seu potencial produtivo nos moldescomo vem sendo tradicionalmente utilizado,e ao processo de organização socioeconâ-mica que imprime suas marcas na paisagem.

lêdode Sá (apudBRASlL, 2004), noPro-grama Nacional de Combate à Desertifica-ção - PAN Brasil - indica uma área de20.364.900ha afetada por diferentes níveisde degradação, tomando por base diferen-tes classes de solo. O PAN Brasil 2004, con-siderando diversos estudos anteriores,aponta como sendo de 665.543,00 Km2 aárea afetada pela desertificação em grausde comprometimento que variam de mode-rado a muito grave.

Nas áreas de ocorrências difusas, os da-nos ambientais produzidos resultam em ero-são dos solos, diminuição da diversidadebiológica do Bioma Caatinga - endêmico doBrasil—, e degradação dos recursos hídricos,com efeitos diretos sobre a qualidade de vidada população. Já nas áreas onde os efeitosestão concentrados, os danos ocorrem comprofunda gravidade configurando os chama-dos Núcleos de Desertificação.

O Brasil torna-se signatário da CCD em1997, que aponta a necessidade de cadapaís elaborar o seu Plano de Ação Nacional- PAN -' a partir de processos participati-vos. Em um primeiro momento, sem pos-suir um desenho institucional específico paratrabalhar a temática, o Ministério do MeioAmbiente - MMA -, constitui um grupo paradar início a ações na direção de elaboraçãodo Plano. Daí surge o documento "Diretri-zes Nacionais para o Combate a Desertifi-cação e aos Efeitos da Seca" e, também, ainiciativa de criação da Rede de Documen-tação sobre Desertificação - Redesert —,que

buscava identificar estudos e pesquisas re-lacionados à temática e criar sinergia entreinstituições, além de dar visibilidade ao tema.

A CCD está atualmente vinculada à Se-cretaria de Recursos Hídricos do MMA e oPAN foi lançado em 2004, sendo suas açõesprogramáticas selecionadas com base noprocesso de discussão ocorrido nos diver-sos estados brasileiros, através de oficinas.As ações do PAN-Brasil estão assentadasem quatro eixos temáticos: i) redução dapobreza e da desigualdade; ü) ampliaçãosustentável da capacidade produtiva; iH) pre-servação, conservação e manejo sustentá-vel dos recursos naturais; e iv) gestãodemocrática e fortalecimento institucional.

4J. O semi-árido brasileiroSegundo Cavalcanti (2006, p. 66):

se pensamos na Região do Semi-áridocomo um dado natural, ela existe desde

antes; e como coisa representável, pas-sa a existir nas versões e nas buscas deentendimento da população, de maneirainterativa com as nominações oficiais, ouseja, com o que é produzido pelo conhe-cimento científico e/ou pelo que é criadopelos diferentes contextos políticos.

A definição de aridez deriva da metodo-logia desenvolvida por Thornthwaite, C. W.A fórmula por ele desenvolvida para calcu-lar o índice foi revista com o objetivo de con-tribuir para a elaboração do Mapa Mundialde Distribuição das Regiões Áridas, por parteda Unesco, em 1952. Conforme essa defi-nição, o grau de aridez de uma região de-pende da quantidade de água advinda dachuva (P) e da perda máxima possível deágua através da evaporação e transpiração(ETP), ou a Evapotranspi ração Potencial. Aseguir mostra-se o Índice de Aridez para osvários climas da Terra:

Hiper-Árido: menor que 0,05Árido: entre 0,05 e 0,20Semi-árido: entre 0,21 e 0,50Subúmido seco: entre 0,51 e 0,65Subúmido e úmido: maior que 0,65

Por esse caminho, no Brasil as áreassemi-áridas e subúmidas secas abrangem

Desertificaçãoe desastres

naturais na regiãodo semi-árido

brasileiro

Ednelda CavalcantiSolange Fernandes

Soares CoutinhoVanice Santiago

- Fragoso Selva

25

Page 8: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

Fonte PAN Brasil, 2004.

uma superfície de 1.130.79053 km 2 , dos Nordeste - FNE , destitui a figurado Polígonoquais 62,83% são caracterizados como semi- das Secas, que também sofre variações es-áridos e 37,17% como subúmidos secos. paciais desde sua criação em 1936, e cria aEssa área amplia-se para 1 .338,076,00km 2Região Semi-árida do FNE. Essa compreen-quando incorporada às áreas do entorno, de o espaço inserido "na área de atuação dacategoria proposta pelo PAN Brasil, passan- Superintendência do Desenvolvimento dodo a representar 86,11% da Região Nordes- Nordeste - Sudene -, com precipitação pluvi-te e 15,72% do Brasil. ométhca média anual igualou inferior a 800mm

Contudo, como já comentado antehormen- (oitocentos milímetros), definida em portariate, essa espacialização sofre influências que daquela Autarquia". A superfície do semi-á-vão além de critérios puramente técnicos e, do, por meio desse critério, passa a ser deassim, em 1989, a Lei Federal n 2 7.827 institui 895.254,40 Km 2 e essas diferenciações podemo Fundo Constitucional de Financiamento do ser visualizadas no mapa a seguir.

Mapa das Áreas Semi-áridase Subúmidas Secas e o Semi-árido

do Fundo Constitucional do Nordeste.

Desertifica çãoe desastresnaturais na regiãodo senil-áridobrasileiro

Edneida CavalcantiSolange FernandesSoares CoutinhoVanice SantiagoFragoso Selva

26

Page 9: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

Contudo, trata-se de um espaço que apre-senta diferenciações ecológicas marcantes,formando, no dizer do geógrafo Manuel Cor-reia, 'uma verdadeira colcha de retalhos", nemsempre estudada e considerada na perspecti-va dos processos econômicos, muito menosdas diferentes capacidades de suporte à utili-zação dos recursos naturais que apresenta.

Do ponto de vista hídrico, o semi-árido éconhecido por sua média pluvioméfflca de 800mm por ano, existindo em pequena parceladesse espaço uma média anual inferior a 400mm. Os anos mais secos dificilmente são in-feriores a 200mm, não chegando a existir umano sem chuvas. O que explica o déficit hídri-co é o elevado potencial de perda de água porevapotranspiração (lembrando que o semi-ári-do brasileiro está totalmente situado na zonatropical); má distribuição das chuvas no tem-po e no espaço; a quase inexistência de riosperenes que possam garantir a qualidade e aquantidade da água, sequer minimamente ne-cessáas, para as populações locais; baixo ní-vel de aproveitamento das águas de chuva;opção pela tecnologia dos grandes açudes,com grandes espelhos de água que facilitama evaporação.

Cerca de 50% dos terrenos do semi-ári-do são de origem cristalina, rocha dura quenão favorece a acumulação de água, sendoos outros 50% representado por terrenossedimentares, com boa capacidade de ar-mazenamento de águas subterrâneas. Suasfeições de relevo refletem a dinâmica climá-tica e estrutural mas, apesar de dominargrandes extensões dissecadas, é possívelregistrar significativas áreas ocupadas porserras e vales úmidos. No que diz respeitoà vegetação, a caatinga apresenta-se am-plamente diversificada, tanto na sua fitofisi-onomia, como na composição florística, emfunção da diversidade de ambientes quecompõem o semi-árido brasileiro comanda-da pelas alterações locais dos elementos doclima, especialmente no que se refere àquantidade e à distribuição da chuva. Vári-os autores, reconhecendo essa diversida-de, classificam a caatinga de forma plural

em diferentes subsistemas o que leva a con-cebê-la como o Bioma das Caatingas.

Como se sabe, devido ao avanço no co-nhecimento da diversidade biológica e dadinâmica desse bioma nos últimos anos -apesar de ainda insuficiente -, o mito deque a caatinga é pobre em biodiversidadejá não existe mais. A vegetação desempe-nha um papel importante na economia dapequena produção e como fonte de sub-sistência da população, principalmente nosanos de seca.

De acordo com Campello etal. (1999, p.7), "a lenha representa 60% de toda a ener-gia utilizada para cocção dos alimentos dasfamílias da Região", por outro lado, e aindasegundo os mesmos autores, "a coberturavegetal está reduzida a menos de 50% daárea dos estados - em alguns casos até 35%-, e a taxa anual de desmatamento é de apro-ximadamente meio milhão de hectares".

Nesse espaço, são sobejamente relata-das, nos planos literário, jornalístico e cientí-fico, as constantes secas que não devem serconfundidas com os períodos de estiagemque contrastam com os três a cinco mesesde chuva anual. Trata-se de um fenômenonatural inserido nas características climáticasdo semi-árido, mas cujas conseqüências to-mam proporções de flagelo socioambiental,principalmente onde a vulnerabilidade dapopulação, decorrente da sua sujeição a si-tuações de risco trazidas por diferentes fato-reS, tais como os socioeconõmicos, políticose também os de origem natural, é alta.

Ademais, nela coexistem áreas com la-vouras tradicionais ou estagnadas e áreasde modernização intensa, assim como prá-ticas agrícolas de sequeiro e métodos mo-dernos utilizados nas lavouras irrigadasdestinadas à exportação. Em conseqüência,coexistem, também, a pobreza, a riqueza, amorte pela falta de água e o desperdíciodesse recurso imprescindível à vida.

Castro (1996, p. 297) destaca:

as especificidades do ecossistema semi-árido possibilitaram um modo de ocupa-ção e um sistema de agentes que

Desertiflcaçoe desastres

naturais na regiãodo semi-árido

brasileiro

Edueida CavalcantiSolange Fernandes

Soares CoutinhoVanice Santiago

Fragoso Selva

27

Page 10: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

fizeram, em conjunto, um espaço muitoparticular. Este espaço tem sido apresen-tado historicamente pelo filtro de umaconscientização coletiva das dificuldadesimpostas por este meio, que dependedos azares climáticos. A natureza aí éum ente quase metafísico, é fortementeidealizada e trabalhada nos discursos dae sobre a região, como um obstáculo in-transponível a qualquer progresso oujustiça espacial.

Ao longo de mais de dois séculos, a ocu-pação humana e econômica dos espaçossemi-áridos do Nordeste foi estruturada emtorno do complexo de atividades da pecuá-ri&algodão/lavouras alimentares. Em algunsestados tais atividades foram complemen-tadas pela exploração de recursos mineraisimportantes.

As atividades do referido complexoconstituíram elementos básicos da estru-turação do espaço econômico do semi-ári-do, que vigorou até o começo dos anos de1980, quando teve inicio a desarticulaçãoda economia algodoeira e da economiamineral. Para a crise da economia algodo-eira foi determinante a desorganização pro-vocada pela grande seca de 1979183, aocorrência da praga do bicudo do algodo-eiro e os subsídios á produção, concedi-dos por países como o Paraguai, Rússia eEgito. A crise da economia mineral tradici-onal, explorada no semi-árido, também foiprovocada pelas oscilações dos preços nomercado externo.

Atualmente, a economia da região do semi-ando passa por dificuldades, principalmentepelo fato de permanecer estruturada numaabordagem não sistêmica dos vários elemen-tos que compõem seu meio ambiente. Novasatividades começam a engendrar a estrutura-ção de novos espaços econômicos. E o queocorre com o desenvolvimento de indústriasleves, com as atividades centradas na agricul-tura irrigada, com a pecuária de corte e comas atividades urbanas ensejadas pelo desen-volvimento de pequenos negócios.

É necessário pontuar o fato de que asrelações de trabalho no semi-árido, entre

outros aspectos, submetem-se ao binômiolatifúndio/minifúndio, gerando formas de or-ganização da produção que limitam a inclu-são social da população a processosprodutivos que lhe garanta níveis adequadosde renda e de ocupação e estão baseadasem usos inadequados dos recursos naturais- intensificando a degradação ambiental, emgrande parte porque as alternativas de sub-sistência passam, principalmente nos mo-mentos de estiagem e/ou seca, a ser demaneira mais permanente a exploração ve-getal para venda da tenha, produção e co-mercialização do carvão, ocorrendo, assim,uma sobreexploração das unidades produti-vas por aumento da pressão sobre os recur-sos naturais em momentos de maioresdeficiências hídricas.

Considerando as múltiplas formas de usose ocupação das terras no semi-árido nordes-tino, o processo de desertificação e suas con-seqüências, constatam-se a existência depequenos produtores rurais com dificuldadesde acesso à água e a terra para mediatiza-rem suas produções e que têm cada vez maisincorporado atividades não-agrícolas aosseus sistemas produtivos; grandes, médiose alguns pequenos produtores rurais, compouca ou nenhuma dificuldade de acesso àágua e a terra, conseguem se capitalizar edesenvolver uma agricultura comercial emverdadeiras ilhas de produção viabilizada pelaagricultura irhgada moderna, a exemplo dospólos de fruticultura. E importante destacarque essas áreas de produção estão igualmen-te sujeitas a riscos e desastres relacionadosao processo de desertificação, mas as for-mas de acesso ao conhecimento e a tecno-logias possibilitam que esses riscos edesastres se manifestem de modos diferen-ciados, assim como suas conseqüências paraos produtores.Considerações Finais

O estágio da desertificação na porçãosemi-árida do Brasil requer uma urgente re-flexão a respeito da construção cotidiana doproblema em escala local, uma vez que éatravés do processo de organização socio-

Desertilicaçãoe desastresnaturais na regiãodo semi-áridobrasileiro

Edneida CavalcantiSolange FernandesSoares CoutinhoVanice SantiagoFragoso Selva

28

Page 11: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

espacial dos sistemas produtivos, das rela-ções de produção existentes e da perspecti-va das políticas públicas adotadas quehistoricamente vêm se delineando a degra-dação intensa e contínua desse espaço.

Essa elaboração cotidiana, permeadapelos aspectos políticos, ideológicos e cultu-rais, cria, também, uma forte e diferenciadavulnerabilidade da população às condiçõesnaturais desse espaço. Gera um campo derepresentações construído, pensado e con-cebido no contexto das relações sociais nabusca da sobrevivência. Neste sentido, ousodos recursos é a expressão concreta dessaelaboração, inclusive simbólica, do semi-ári-do e necessita ser encarada para além de

diagnósticos, zoneamentos e componentestécnicos, de forma integrada e continuada.

Os aspectos ambientais, compreendidosnão apenas como naturais, não podem, des-sa forma, ser tratados de maneira isolada,até mesmo pelo fato de que a desertifica-ção tem sua origem em fatores complexose fortemente interdependentes, e por maisque sejam necessários aprofundamentos deestudos em determinados temas, esses nãodevem prescindir da abordagem sistémica- base para o conhecimento e compreen-são da mesma -, assim como do planeja-mento e gestão de ações que, efetivamente,conduzam à reversão do processo instala-do ou, o mais apropriado, à sua prevenção.

Desertiíicaçãoe desastres

naturais na regiãodo semi-árido

brasileiro

Ldneida CavalcantiSolange Feruandes

Soares CoutinhoVanice Santiago

Fragoso Selva

29

Page 12: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

Referência Bibliográfica

AB'SABER, Aziz Nacib. A problemática da de-sertificação e da savanização no BrasilintertropicaLGeomorfologia, Instituto de Geogra-fia, USP, São Paulo, 1977, 53:1-20.

ANDRADE LIMA, Dárdaro de. Um pouco de eco-logia para o Nordeste. 2. ed. Recife: Universida-de Federal de Pernambuco, Editora Universitária,1975.

BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. PAN Bra-sil. Programa Nacional de Combate à Desertifi-cação e Mitigação dos Efeitos da Seca. Brasilia:Ministério do Meio Ambiente: Secretaria de Re-cursos Hídricos, 2004.

_ Diretrizes para a Política Nacional deControle da Desertificação - Projeto BRA 931036Plano Nacional de Combate à Desertificação.Brasília, 1998.

BRASIL, Senado Federal. Conferência das Na-ções Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento. Rio 92. Agenda 21. Brasília: SenadoFederal; Subsecretaria de Edições Técnicas,1998.

BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Desertifi-cação: caracterização eimpactos. Brasilia, 1993.(Projeto BRA 931036 - Elaboração de uma Es-tratégia e do Plano Nacional de Combate à De-sertificação).

CAVALCANTI, Edneida. Educação contextuali-zada e o tema da desertificação. In: LIMA, JoséRoberto de; QUADROS, Ruth Maria Bianchini de.(Orgs.). Combate à desertificação: um desafiopara a escola. Rio de Janeiro: TV Escola; Se-cretaria de Educação a Distância; MEC, 2006.(Meio Digital http://www.mre.gov.br )

CAVALCANTI, Edneida Rabelo; COUTINHO,Solange Fernandes Soares. Desertificação: en-tender para prevenir e combater. Recife: Sect-nia-PE, 2001.

CAVALCANTI, Edneida Rabélo; MORGADO, Te-reza. Desertificação e gênero: uma abordagemnecessária, In: SCHENKEL, Celso Salatino; MA-TALLO JÚNIOR, Heitor(org.). Desertificação, Bra-sília: Unesco, 1999.

COELHO, Jorge. Tecnologia agrícola para osemi-árido brasileiro. Recife: Editora Massanga-na, 1988.

CURAÇÁ, Bahia. Secretaria Municipal Educação.Educação com o pé no chão do Sertão: propos-ta político-pedagógica para as escolas munici-pais de Curaçá. Curaçá: SEME/IRPANDCH III,2000.

DUARTE, Renato. A seca nordestina de 1998-1999: da crise econômica à calamidade social.Recife: Sudene, 1999.

BRITO, Daniel Chaves de; RIBEIRO, Tânia Gui-marães. A modernidade na era das incertezas:crises e desafios da teoria social. Belém, PA: di-gitado, 2002.

CAMPELLO, Francisco Barreto et ai. Diagnósti-co florestal da Região Nordeste. Brasilia: Iba-ma, 1999.

CARVALHO, Otamar de. .4 economia política doNordeste - secas irrigação e desenvolvimento.Rio de Janeiro: Editora Campos, 1988.

CASTRO, má Elias de. Seca versus seca. No-vos interesses, novos territórios, novos discur-sos no Nordeste. ] ri: CASTRO, má Elias de;GOMES, Paulo César da Cosia; CORREA, Ro-berto Lobato (orgs.). Brasil: questões atuais ereorganização do território. Rio de Janeiro: Ber-trand Brasil, 1996.

DUARTE, Renato (org.). O nordeste semi-áridona visão de Dirceu Pessoa. Panorama Econômi-co 1993-1994. Recife: Editora Massangana, 1994.

GOMES, Alfredo Macedo. Imaginário social daseca, suas implicações para a mudança social.Recife: Editora Massangana, 1998.

GOUVEIA, Taciana; CAMURÇA, Silvia. O que égênero. v. 1. Recife: S.O.S. Corpo, Gênero eCidadania, 1999.

LAYRARGUES, Philippe Pomier. Educação am-bienta/ para a gestão ambienta/: a cidadania noenfrentamento político dos conflitos socioambi-entais. In: LOUREIRO, Carlos Frederico B; LA-AYRARGUES, Philippe Pomier; CASTRO,Ronaldo Souza (org.). Sociedade e meio ambi-ente: a educação ambiental em debate. SãoPaulo: Cortez, 2000.

Desertiricaçãoe desastresnaturais na regiãodo semi-áridobrasileiro

Edneida CavalcantiSolange FeraiandesSoares ColarinhoVanice SantiagoFragoso Selva

Page 13: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...

LEPRUM, Jean-Claude. Manejo e conservaçãode solos do Nordeste. Recife: Sudene; Orstom,1998.

LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. Crise ambi-ental, educação e cidadania: os desafios da sus-tentabilidade emancipatória. In: LAYRARGUES,Philippe Pornier; CASTRO, Ronaldo Souza de.Educação Ambiental: repensando o espaço dacidadania. São Paulo: Cortez, 2002.

LOPEZ BERMÚDEZ, E Desertificacion: magni-tud dei problema y estado atual de lãs investiga-ciones. in: GUTIERREZ, M.; PENA, J. L.Perpectivas en Geomorfología. Espanha: Soci-edad EspaioIa de Geomorfología, 1988.

MATALLO JÚNIOR, Heitor. Indicadores de de-sertificação: histórico e perspectiva. Brasilia:Unesco, 2001.

MATALLO JÚNIOR, Heitor. Deserlificação e Sus-tentabifidade no Semi-árido. Revista ECO 21. Riode Janeiro. Mar./Abr., 2000, p. 40-44.

NOAL, Fernando de Oliveira. Os ritmos e os ris-cos: considerações sobre globalização, ecolo-gia econtemporaneidade. In: LOUREIRO, CarlosFrederico B; LAVRARGUES, Philippe Pomier;CASTRO, Ronaldo Souza (org.). Sociedade emeio ambiente: a educação ambiental em deba-te. São Paulo: Coilez, 2000.

PERNAMBUCO. Secretaria de Ciência, Tecno-logia e Meio Ambiente. Plano de desenvolvimentoflorestal e da conservação da biodiversidade dePernambuco. Recife: Sectrna-PE, 2001.

Política Estadual de Controle da Deser-ti!icação. Recife: Sectma-PE, 1999.

REVISTA ECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO.Desertificação: avanço da aridez reduz terrasagrícolas no mundo. a. 5, n, 51. Maio1995.

RIBOT, Jesse C; NAJAM, Adil; WATSON, Gabri-elie. Variação climática, vulnerabilidade e desen-

volvimento sustentável nas regiões semi-áridas.In: Anais da Conferência Internacional sobreImpactos de Variações Climáticas e Desenvolvi-mento Sustentável em Regiões Semi-áridas.Fortaleza: BNB, 1992.

RODRIGUES, Valdemar. Pesquisa dos Estudose Dados sobre Desertificaçãono Brasil. In: BRA-SIL, Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacio-nal de Combate à Desertificação. Brasília:Ministério do Meio Ambiente, 1997.

RODRIGUES, Valdemar et ai. Avaliação do Qua-dro de Desertificação no Nordeste do Brasil: di-agnóstico e perspectiva. In: GOMES, G. M. et.ai. Desenvolvimento Sustentável no Nordeste.Brasília: IPEA, 1995.

SAMPAIO, Everardo; SAMPAIO, Yony. Desertifi-cação: conceitos, causas, conseqüências e men-suração. Recife: Editora da Universitária daUFPE, 2002,

SCHENKEL, Celso Salatino; MATALLO JUNIOR,Heitor (org.). Desertificação. Brasília: Unesco,1999.

SELVA, Vanice Santiago Fragoso. Desertificação:uma leitura dos impactos socioambientais. Re-cite, 2001 (digitado).

SUERTEGARAY, Dirce M. Antuenes. Desertifi-cação: recuperação e desenvolvimento susten-tável. In: GUERRA, Antônio J. Teixeira; CUNHA,Sandra Baptista. Geomorfologia e meio ambien-te. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

VASCONCELOS SOBRINHO, João. Processosde desertificação no Nordeste. Sudene: Recife,1983.

Ogrande deserto brasileiro. Recife: Su-dene, 1974.

. Núcleos de desertificação no polígonodas secas. In: Anais do ICB 1. Recife: Universi-dade Federal de Pernambuco, 1971.

Desertificiçãoe desastres

naturais na regiãodo semi-árido

brasileiro

Edneida CavalcantiSolange Ferniandes

Soares CoutinhoVanice Santiago

Fragoso Selva

31

Page 14: DESERTIFICAÇÃO E DESASTRES NATURAIS NA REGIÃO DO SEMI ...