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Universidade Federal de UberlândiaFaculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design Graduação em Desi
DESIGN AFETIVOEXPERIMENTAÇÕES TANGÍVEIS EMLUMINÁRIAS, ATRAVÉS DARESSIGNIFIGAÇAO DE 0 BJETOS jXK ' ■
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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO - TCC Professor Orientador: LUCAS FARINELLI PANTALEÃO Aluna: MARA LÍGIA PERES PACHECO
! UBERIÂNDIA
Trabalho de Conclusão de Curso - TCC
apresentado ao Curso de Design da Universidade Federal de Uberlândia
DESIGN AFETIVO: EXPERIMENTAÇÕESTANGÍVEIS EM LUMINÁRIAS, ATRAVÉS
DA RESSIGNIFICAÇÃO DEOBJETOS
P rofessor orientador: Lucas Farinelli Pantaleão
RESUMO
Esta pesquisa propõe-se ao estudo de experimentações tácitas com luminárias, com
foco no reaproveitamento e na reutilização de objetos descartados em depósitos de
sucatas, entendendo que o trabalho do design está diretamente relacionado à
investigação, ao olhar panorâmico e multidisciplinar; e, em nome da
sustentabilidade, precisa buscar alternativas aos sérios problemas que afetam o
planeta. Desta forma, buscamos embasamento teórico para entender as dimensões
da sustentabilidade afetiva, do eco design e do design sustentável; compreender a
relação entre sujeitos e objetos na modernidade e estudar a ressignificação de
objetos na contemporaneidade na visão de artistas conceituados. E, por fim, com
foco no processo de Design Proposicional de Walker, com a metodologia de
experimentações tácitas, compreendemos que a aplicação desses conceitos na
elaboração das luminárias, por meio do aproveitamento de sucatas, se apresenta
como uma solução plausível aos problemas ambientais contemporâneos.
Palavras-chave: REESIGNIFICAÇÃO; LUMINÁRIAS; DESIGN PARA SUSTENTABILIDADE
UberlândiaDezembro / 2018
Trabalho de Conclusão de Curso-TCC
apresentado ao Curso de Design da Universidade Federal de Uberlândia
ABSTRACT
This research proposes the study of tacit experimentations with luminaires, with a focus
on the reutilization of discarded objects in scrap yards, understanding that the design
mission is directly related to research, to the panoramic and multidisciplinary vision;
and, in the name of sustainability, needs to seek alternatives to the serious problems
that affect the planet. Thus, we seek theoretical basis to understand the dimensions of
affective sustainability, eco design and sustainable design; to comprehend the relation
between persons and objects in modernity and to study the re-signification of objects in
the contemporary world from the perspective of renowned artists. And, finally, focusing
on Walker's Propositional Design process, with the methodology of tacit
experimentation, we understand that the application of these concepts in the
elaboration of luminaires, through the use of scrap, presents itself as a plausible
solution to contemporary environmental problems.
ÍNDICE GERAL
ÍNDICE GERAL .................................................................................................................................................................07
ÍNDICE DE FIGURAS ....................................................................................................................................................09
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................................11
OBJETIVOS .......................................................................................................................................................................17
Objetivo Geral ............................................................................................................................................................... 17
Objetivos Específicos ..................................................................................................................................................17
JUSTIFICATIVA .................................................................................................................................................................19
CAPíTULO UM
SUSTENTABILIDADE AFETIVA E DESIGN SUSTENTÁVEL 21
1.1 Sustentabilidade Afetiva como Projeto.................................................................................................. 21
1.2 A relação entre sujeito e objeto na modernidade............................................................................28
1.3 Sustentabilidade afetiva como integração holística - Ecofisia e Ecodesign .......................33
CAPÍTULO DOIS
SUSTENTABILIDADE AFETIVA E EFETIVA ..................................................................................................... 39
2.1 Cultura material ................................................................................................................................................ .39
2.2 Ressignificação de objetos na contemporaneidade: O design do estúdio 80 & 8 e a arte de
Vick Muniz ........................................................................................................................................................................40
CAPÍTULO TRÊS
METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DAS LUMINÁRIAS .................................................................49
3.1 Design Proposicional ........................................................................................................................................49
3.2 Iluminação e luminárias...................................................................................................................................52
3.3 Processo de desenvolvimento do projeto ...........................................................................................54
3.4 Croquis e estudos iniciais, formas e encaixes ....................................................................................62
3.5 Montagem das luminárias.............................................................................................................................66
3.5.1 Luminária Samora Pendente...................................................................................................................66
3.5.2 Luminária Samora 1...............................................................................................................68
3.5.3 Luminária Samora 2...............................................................................................................76
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................................81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................85
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 01. Mesa 3 peças. Série “E se o fundo do mar fosse prateado”. 2016.......... 41
Figura 02. Poltrona coleção MOV. 2014 ......................................................................................42
Figura 03. Mesa Série “Palitos” 2013 ...........................................................................................43
Figura 04. Mesa Série “Palitos” 2013 ........................................................................................... 43
Figura 05. Projeto Me Gusta Picolés.. ...........................................................................................44
Figura 06. Luminária do Projeto Me Gusta Picolés. .............................................................. 44
Figura 07. Mãe e Crianças (Suellen) ...............................................................................................46
Figura 08. A Cigana (Magna) ..............................................................................................................46
Figura 09. Marat (Sebastião) ..............................................................................................................47
Figura 10. Pesquisa em Design fundamental baseado na prática....................................50
Figura 11. Processo de Design Proposicional ...............................................................................51
Figura 12. Depósito de sucatas Olavo.............................................................................................. 56
Figura 13. Depósito de sucatas Olavo...............................................................................................56
Figura 14: Sucatas compactadas ...........................................................................................................57
Figura 15: Depósito de sucatas 2000 / Material trazido por caminhões e depositado
no pátio...............................................................................................................................................................58
Figura 16. Depósito de sucatas 2000 / Material depositado no pátio..............................58
Figura 17. Depósito de sucatas 2000 ...............................................................................................59
Figura 18. Depósito de sucatas 2000.................................................................................................. 59
Figura 19. Depósito de sucatas 2000 / Vigas usadas no tripé .............................................60
Figura 20. Depósito de sucatas 2000 / Alça para articulação ............................................. 60
Figura 21. Depósito de sucatas 2000 / Tubos.................................................................................61
Figura 22. Depósito de sucatas 2000 / parte lisa do piso tátil.............................................. 61
Figura 23. Croqui 01.......................................................................................................................................62
Figura 24. Croqui 02 ....................................................................................................................................62
Figura 25. Croqui 03 .................................................................................................................................. 63
Figura 26. Croqui 04 .................................................................................................................................. 63
Figura 27. Croqui 05 ................................................................................................................................... 64
Figura 28. Croqui 06...................................................................................................................................64
Figura 29. Croqui 07...................................................................................................................................65
Figura 30. Croqui 08......................................................................................................................................65
Figura 31. Cúpula............................................................................................................................................66
Figura 32. Cúpula limpa com acetona .............................................................................................. 66
Figura 33. Cúpula com furo superior...................................................................................................67
Figura 34. Pendente com bocal .............................................................................................................67
Figura 35. Luminária montada com fiação pronta......................................................................67
Figura 36. Cotas...............................................................................................................................................68
Figura 37. Cúpula com furos.....................................................................................................................69
Figura 38. Articulação...................................................................................................................................69
Figura 39. Montagem dos parafusos, cúpula e a articulação...............................................70
Figura 40. Cúpula e articulação montados.......................................................................................70
Figura 41. Tubo metálico............................................................................................................................71
Figura 42: Corte das peças do tripé......................................................................................................71
Figura 43: Madeira sendo lixada...........................................................................................................72
Figura 44: Madeira lixada..........................................................................................................................72
Figura 45. Tripé de madeira com furo / Tripé montado.........................................................73
Figura 46. Lampâda com fragmentos de carbono/ bocal / fio rabicho com plugue
e interruptor ....................................................................................................................................................73
Figura 47. Luminária pintada com fiação......................................................................................74
Figura 48. Cota das peças.........................................................................................................................75
Figura 49. Cúpula com furos na lateral...........................................................................................76
Figura 50. Corte de placa tátil...............................................................................................................76
Figura 51. Luminária cortada e soldada.........................................................................................77
Figura 52. Luminária sem pintura com parafusos borboleta..............................................77
Figura 53. Luminária pintada e com fiação..................................................................................78
Figura 54. Lampâda com filamentos de carbono/ bocal / fio rabicho com plugue e
interruptor....................................................................................................................................................78
Figura 55. Cota das peças....................................................................................................................79
INTRODUÇÃO
A produção em massa de mercadorias e a expressão inconsequente do consumo na
atualidade constituem-se como desafios para o profissional que se preocupa com o meio
ambiente e com a sustentabilidade, impondo ao pesquisador da área a busca por
conhecimento e aprofundamento teórico. O conceito de sustentabilidade afetiva presente
neste trabalho pretende resgatar a dimensão transversal, analítica e propositiva do design
enquanto categoria antropológica humana, ao mesmo tempo em que problematiza o
esvaziamento de sentido da atividade do design; concebido na atualidade, como mero revisor
estilístico e/ou produtor de mercadorias. Para nós, o trabalho do design compõe parte
significativa da elaboração estética e funcional da vida em sociedade e está diretamente
relacionado ao caráter holístico e comunicativo enquanto conformador da matéria. De acordo
com Kristina Borjesson (2006), o descarte de materiais não obedece a nenhuma razão simples
e específica, já que o abandono dos objetos também incide sobre aqueles produtos
considerados novos ou em situação de utilidade. Segundo a autora, o descarte dos objetos se
relaciona de maneira complexa e transversal a diversas questões, sobrepostos a elementos
socioculturais e informacionais, tais como: tempo (contexto da produção), tradição (relação
concebida entre sujeito e objeto a partir das referências valorativas da sociedade), estética
(conjunto de referências sobre o que é atrativo e belo) e significado pessoal sobre os
produtos (relação entre conhecimento histórico pessoal, aprofundamento sobre experiência
cotidiana). Borjesson percebe a complexidade das definições de durabilidade e eternidade e
as diversas representações envolvendo a mesma dimensão etimológica. Para Jorge Vieira
(2006), a complexidade dos sentidos pode ser analogamente compreendida como um
sistema, categorias que se relacionam diretamente aos critérios de composição, diversidade,
conectividade, integralidade, estrutura e coesão. Para o autor, a complexidade lida com duas
problemáticas específicas: a distinção entre a complexidade inerente ao observador,
culturalmente e axiologicamente definido e a complexidade ontológica da realidade objetiva,
por vezes, incapaz de ser apreendida, já que o nosso entendimento sobre a realidade
também é conformado através da linguística, dos sentidos previamente interpretados (e
inerente à composição das palavras) e apreendido através de noções discursivas em voga.
Para o autor, a complexidade pode ser por “nós percebida na forma de conhecimento tácito,
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aquele que não pode ser colocado nos discursos falado e escrito”. Da mesma maneira, todo o
nosso conhecimento e fluxo de informação foi adquirido ao longo de um processo longo de
diferenças e diversidade. Como hipótese, Vieira admite que o conhecimento tácito seria.
A estratégia altamente sofisticada de mapear a diversidade em nossos cérebros e mentes: ou seja, o tácito seria um código notavelmente complexo que reflete níveis notavelmente complexos de uma realidade. Nesse sentido, se chegamos a construir planos mentais complexos contendo dimensões axiológicas várias, além de sentimentos e emoções, é porque essas representações representam algo do mundo objetivo, o que é concordante com a semiótica de Pierce e também com sua metafísica ou ontologia (VIEIRA, n-d) .
Dessa forma, a sustentabilidade afetiva deve ser compreendida como uma linha
contígua entre dois sujeitos: o sujeito que projeta os objetos (designer) e o sujeito que os
demanda (possível usuário ). Entrelaçados por um objetivo comum, garantir sustentabilidade
a determinado produto ao longo do tempo, ou utilizar-se das categorias técnicas disponíveis,
para acrescentar longevidade substantiva (no sentido de útil) aos produtos descartados. A
compreensão da existência de duas dimensões cognitivas nesse processo influenciou os
estudos de Borjesson sobre o conceito de durabilidade e eternidade dos produtos. Para a
autora, apenas um arranjo particular valorativo composto pelas dimensões cognitivas,
materiais e culturais seriam capazes de explicar a permanência de determinados produtos em
contextos diferentes daqueles em que foram criados, ou seja, como compreender
profundamente, quais as características que conformariam um objeto durável e de que forma
reproduzi-las em outro projeto (BORJESSON, 2006).
De todo modo, o trabalho de desenvolvimento tecnológico que fundamenta a
produção de mercadorias e produtos na contemporaneidade decorre de um longo processo
de domínio da natureza, elaboração procedimental/técnica e construção de ferramentas, por
parte do ser humano. A produção de soluções técnicas para problemas específicos
acompanhou os processos de organização social, remissão das necessidades básicas
imediatas e a projeção de soluções em perspectiva. As capacidades humanas, associadas ao
domínio da natureza, possuem como pano de fundo a evolução de um “maquinário”
biológico, capaz de produzir ao longo do tempo, interações linguísticas mais elaboradas,
formas de comunicação social que possibilitariam o avanço da vida em sociedade e a
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transformação das técnicas de trabalho e produção. A capacidade de analisar os padrões da
natureza e avaliar a vida em sociedade de acordo com as dimensões quantitativas e
qualitativas possibilitou o surgimento do design como uma atividade humana, essencialmente
social e antropológica.
De acordo com Vera Bungarten, o design “é uma forma de abordagem conceitual, que
perpassa, como uma visão de mundo, várias instâncias da vida do indivíduo e da sociedade”.
(2013, p. 6), ou seja, ultrapassa as barreiras da percepção prática ao relacionar a dimensão
teórica aos instrumentos, permitindo a constituição de atravessamentos entre as diversas
especialidades, dirimindo contornos e fronteiras entre as disciplinas. Para a autora, a própria
palavra Design seria “abrangente e indefinida” e não admitiria correspondência com o
significado da palavra anglófona Gestaltung, “palavra que carrega na sua construção o
sentido de dar forma, configurar, traduzir em plasticidade uma ideia. Denominação
suficientemente precisa e simultaneamente ampla e abrangente” (BUNGARTEN, 2013, p.184,
grifos da autora). Assim, o trabalho do design estaria diretamente relacionado à investigação,
ao olhar panorâmico, multidisciplinar e transversalmente constituído. De acordo com László
Moholy-Nagy apud Burgarten:
Existe design na organização das experiências emocionais, na vida familiar, nas relações laborais, no planejamento urbano, no trabalho conjunto de seres humanos civilizados. [...] é desejável que todos resolvam as suas tarefas específicas com a visão ampla de um verdadeiro “designer”, tendo em mira relações integradas. E também implica a não-existência de hierarquias entre as artes - pintura, fotografia, música, poesia, escultura, arquitetura, ou qualquer outra área, como, por exemplo, o desenho industrial. Todos são pontos de partida válidos, rumo à fusão da função do conteúdo no Design. (MOHOLY-NAGY apud BURGARTEN, 2013, p. 188, grifos do autor).
De acordo com Richard Buckminster Fuller, na introdução do livro de Victor Papanek
Design for The Real World (1971),
O que eu elejo fazer de forma consciente é design objetivo. Quando dizemos “isso é design”, indicamos que determinado intelecto organizou os eventos conceitualmente, considerando os padrões e as regularidades inter- relacionadas. Neve é design, cristais são design, música é design e o espectro eletromagnético no qual são refletidas apenas uma dentre as milhões de escalas de cores do arco-íris é design; planetas, estrelas, galáxias e os seus
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comportamentos, assim como as regularidades periódicas de todos os elementos químicos também são consideradas como design. (FULLER apud PAPANEK, 1971, p. 1, tradução nossa).
A elaboração de equipamentos direcionados para fins específicos altera as formas de
interação entre o homem e o seu trabalho, contribuindo para o aumento das transformações
técnicas e tecnológicas, bem como o uso maciço dos recursos ambientais disponíveis. O
desenvolvimento das ferramentas e das categorias procedimentais funcionaria como
propulsores, desencadeando o surgimento de outros dispositivos e imprimindo determinada
coerência racional ao futuro.
O trabalho do designer passaria a se relacionar, então, à produção de mercadorias
e/ou produção de objetos de determinados grupos sociais, estratificados segundo critérios de
renda e/ou identificação cultural. Apesar da permanência da dimensão técnica, artística e
criativa do trabalho do designer, Gui Bonsiepe (2011) aponta para a “desvirtualização” do
conceito, potencialmente integrado à concepção de mercado. O design teria se distanciado
da ideia de “solução inteligente de problemas” para se aproximar das dimensões superficiais
dos objetos, submetidos aos modismos, à transitoriedade de jogos estéticos e à obsolescência
programada.
A atuação humana na natureza provocou, ao longo do tempo, diversas mudanças no
meio ambiente, impedindo o desenvolvimento de biomas inteiros, ou, a manutenção da flora
e da fauna de diversos ecossistemas. No século XX, questões importantes relacionadas à
degradação do meio ambiente foram pauta de diversos movimentos sociais, os quais ,
culminaram dentre eles na Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente humano (1972),
no relatório da Comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1987 e na realização
da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Cnumad -
em 1992. De acordo com o relatório da ONU, desenvolvimento sustentável se caracteriza
como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de
as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O
MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, apud DIAS, 2012, p.186). As práticas de atuação na
natureza demandam atividades complexas e multidisciplinares e admitem, no âmbito jurídico
institucional, uma interação inconteste entre homem e natureza. Dessa forma, o meio
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ambiente deixaria de ser percebido como uma instância secundária, ou como fonte
inesgotável de recursos e de matérias-primas.
A ideia de sustentabilidade questiona a superprodução de produtos e de mercadorias,
e estimula o surgimento de discussões sobre a reutilização dos objetos, favorecendo o
surgimento de novos conceitos sobre descartes, obsolescência, acúmulo de resíduos sólidos,
poluição ambiental, extinção das espécies, além inter-relações de entre o homem/ natureza e
o homem/máquina. Dessa maneira, a ideia de sustentabilidade lentamente passou a ser
incorporada pelas empresas como um conjunto específico de procedimentos que
comprovariam o caráter “verde” dos produtos, relacionados em grande parte à reutilização e
à reciclagem dos materiais, gestão do descarte, redução de poluentes, construção de
alternativas ecológicas, utilização de materiais 100% ecológicos, aumento da longevidade dos
produtos e foco na funcionalidade/ relevância dos projetos, renovação da energia e
diminuição da produção de lixo, materiais descartáveis. (BORJESSON, 2006). De todo modo, a
incorporação (tímida) da sustentabilidade pelas empresas não impediu o aumento da
produção de resíduos e as alterações climáticas. Segundo o Senado Federal1 “sete bilhões de
seres humanos produzem anualmente, 1,4 bilhão de toneladas de resíduos sólidos urbanos
(RSU) - uma média de 1,2 kg por dia per capita”. (SENADO FEDERAL, 2014). Número que
alcançaria, de acordo com a ONU, a produção de 4 bilhões de toneladas por ano em 2050.
Para Kristina Borjesson (2006), a ideia de sustentabilidade, tal como aplicada nas empresas,
não permite a redução significativa dos produtos em âmbito global, e sequer questiona as
circunstancias econômicas, políticas e sociais que permitem a produção ininterrupta de novas
mercadorias, constituindo-se apenas como um nicho de mercado. Projetos de produtos
afetivamente sustentáveis deveriam problematizar as dimensões materiais e imateriais da
durabilidade dos produtos em relação direta com a perspectiva cultural e cognitiva de quem
os utiliza.
1 http://www.senado.gov.br/noticias/jornal/emdiscussao/residuos-solidos/materia.html?materia=rumo-a-4- bilhoes-de-toneladas-por-ano.html&
A hipótese geral desta pesquisa é a de que a reconstrução e a ressignificação dos
objetos descartados, através da reutilização de sucatas, mesmo que apresente uma baixa
adesão ,por parte dos designers, e pouquíssimo impacto na estrutura capitalista, tende a se
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apresentar para os consumidores como uma solução plausível aos atuais problemas
ambientais.
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OBJETIVOS
Objetivo Geral
O objetivo geral deste trabalho consiste em apresentar uma proposta de reuso,
reconstrução e ressignificação de objetos descartados, através da concepção de uma linha de
luminárias.
Objetivos específicos
Os Objetivos específicos são:
■ Contribuir para o aumento do uso de sucatas na reconstrução de produtos e objetos.
■ Possibilitar a ampliação do conceito de sustentabilidade afetiva e ecodesign ao
demonstrar a enorme variedade de recursos e a versatilidade dos projetos na área de
ressignificação de objetos.
■ Elaborar projeto de produção de luminárias com o uso de sucatas.
17
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JUSTIFICATIVA
O advento da modernidade e da racionalidade instrumental alavancou a produção
técnica/científica contribuindo para a construção de métodos processuais de análise, de
registro e de produção tecnológica, levados ao paroxismo após a Revolução Industrial. A
produção de mercadorias em massa e a indevida associação desses produtos à felicidade
contribuem para o aumento do consumo irresponsável, para a elevada produção de resíduos
sólidos e para a degradação da natureza. Dessa maneira, o caráter funcional e humano do
design, compreendido dentro de uma dimensão totalizante, teria dado lugar a uma
concepção restrita, essencialmente econômica, associada à criação de novos produtos, ao
atendimento de demandas e a nichos específicos de mercado. O trabalho do designer passa a
se relacionar, então, à produção de mercadorias e/ou produção de objetos de determinados
grupos sociais, estratificados segundo critérios de renda e/ou identificação cultural. A ideia de
sustentabilidade questiona a superprodução de produtos e de mercadorias, os descartes, a
obsolescência, o acúmulo de resíduos sólidos, a poluição ambiental, a extinção de espécies e
de habitats naturais, ao passo que estimula discussões sobre a reutilização dos objetos, sobre
reaproveitamento de materiais e a ação do homem junto ao planeta. Para nós, os objetos
ressignificados pelo design passam a ser interpelados por novos valores agregados e revelam
a dimensão da sustentabilidade afetiva enquanto valor cultural, político e ecológico, podendo
inclusive, contribuir para a mudança da estrutura e para o fortalecimento do eco design. O
conceito de reutilização de objetos assinala uma dupla contribuição para a vida em
sociedade: reconfigura os objetos em relação direta com a sua função e localização no
planeta e diminui os resíduos sólidos e o acúmulo de dejetos.
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CAPÍTULO UM
SUSTENTABILIDADE AFETIVA E DESIGN SUSTENTÁVEL
1.1 Sustentabilidade Afetiva como Projeto
A relação entre homem e objeto na contemporaneidade atravessa as noções de
projeto, utilidade, estética, valor e sentido e conectam diversas modalidades de trabalho e
investigação; mas também se relacionam com as categorias econômicas e sociais da
produção de mercadorias e a necessidade dos produtos serem trocados no mercado
(comprado). A função do design está inserida nessa dinâmica complexa, mas deve ser
compreendida como um processo analítico que busca a resolução prática para os problemas
da sociedade. De acordo com Adrian Forty (2007):
Todo produto, para ter êxito, deve incorporar as ideias que o tornarão comercializável, e a tarefa específica do design é provocar a conjunção entre essas ideias e os meios disponíveis de produção. O resultado desse processo é que os bens manufaturados encarnam inumeráveis mitos sobre o mundo, mitos que acabam parecendo tão reais quanto os produtos em que estão encarnados. (FORTY,2007, p. 16).
Gilles Lipovetsky (2015) descreve as características que fundamentaram o surgimento
do design como área técnica e profissional e aponta para a importância das artes e do
artesanato na construção do campo, originalmente concebido para expandir a abrangência da
arte, da beleza e da utilidade aos produtos industriais. A relevância da técnica desaguaria
posteriormente em uma estética racional voltada para as inovações e para a associação entre
a arte e a mecânica (máquina), perpendiculares às exigências procedimentais do período. O
foco estaria na funcionalidade, bem como na valorização dos materiais duráveis e na
simplicidade das formas.
Após o surgimento da esteira produtiva e da produção em massa, os produtos
passaram gradativamente a ser identificados com valores, podendo transmitir aos seus
donos, qualidades superiores, beleza, distinção social ou completude. Influenciados pela ideia
21
de constante inovação criativa dos produtos, pela disposição técnica do trabalho do projetista
e a necessidade de demarcação do design como área profissional específica, o trabalho
multidisciplinar e propositivo do design daria lugar à centralidade do estilo, também como
forma de contornar as exigências da produção global de mercadorias, tal como assinala
Bungarten:
Os conceitos fundamentais da época do pós-guerra até o final dos 60 são, portanto, um funcionalismo e cientificismo exarcebados, e uma priorização do racionalismo em detrimento da estética.Isso muda, porém, nas últimas décadas do séc. XX, mudança que se acentua com a aproximação do final do século, quando se assiste, nos anos 80 e 90, a um progressivo processo de “boutiquisação” do Design. (BURGARTEN, 2013, p. 189)
A partir desse momento, o design se estabelece em correlação aos desígnios do
mercado, “renunciando à sua contribuição social e a um engajamento político, cada vez mais
afastado das propostas de popularização dos bens de consumo” (BURGARTEN, 2013, p. 189).
A ideia de inovação é levada ao paroxismo e a produção de produtos é consideravelmente
ampliada. Para Borjesson a emergência de um novo produto não corresponderia
necessariamente a um avanço na solução de problemas práticos, ou alcance de
desenvolvimento coletivo, desempenharia ao contrário, uma enorme massificação/
simplificação dos objetos e materiais (contribuindo significativamente para a produção de
resíduos sólidos) ao mesmo tempo em que incorporaria em alguns segmentos o foco na
estética e na elegância das formas (BORJESSON, 2006).
A enorme produção de objetos e o aumento descomunal dos resíduos sólidos,
provocados tanto pela “descartabilidade” dos produtos (embalagens, brinquedos, utilização
maciça de produtos plásticos), quanto pela obsolescência programada e tecnologia, levariam
ao questionamento ético das decisões do próprio designer. A inovação tecnológica constitui-
se com uma das formas mais eficazes de se obter lucro; seja pela substituição do capital fixo e
aumento da produtividade dos produtos em relação ao tempo de produção, barateando
consideravelmente as mercadorias, ou ainda, pela criação de novos produtos, voltados para
nichos de mercado específicos e/ou avanço tecnológico. Lançamentos periódicos de
celulares, computadores, máquinas de produção e inovações na área da robótica ilustram
bem essa questão. De acordo com Sônia Mansano:
22
Sem uma reorientação radical dos meios e, sobretudo, das finalidades da produção, é o conjunto da biosfera que ficará desequilibrado e que evoluirá para um estado de incompatibilidade total com a vida humana. (MANSANO, 2016, p. 56 ).
Embora a ideia de sustentabilidade se aplique na maioria das vezes à preservação do
meio ambiente e ao reconhecimento de políticas que permitam a sua continuidade
geracional, Borjesson chama a atenção para os diversos aspectos que balizariam o conceito e
a enorme variedade de modelos de “sustentabilidade” adotados. Para a autora, a
centralização do conceito na regulamentação das fases do processo produtivo e o foco nos
materiais não nos permite compreender a complexidade da ideia de sustentabilidade, além é
claro de não impedir a continuidade da produção de objetos. Nas palavras da autora:
O conceito de sustentabilidade tem muitos outros aspectos além do meio ambiente - por exemplo, social, ético, etc. Mas as preocupações que concernem ao meio ambiente são um lugar para começar, já que eles sempre trazem outros aspectos com eles. (BORJESSON, 2006, p. 35).
A sustentabilidade aparece como um conceito chave (fashion) para se pensar a realidade na
contemporaneidade, mas pouco se discute sobre a sua eficácia de maneira geral. No que diz
respeito ao meio ambiente, a institucionalização dos processos de controle e o uso dos
espaços necessita de fiscalização e medidas mitigatórias eficientes e compensadoras, ou seja,
requere investimentos e vontade política.
Borjesson afirma que a sustentabilidade é majoritariamente percebida pelos designers
através da durabilidade/qualidade dos materiais dos produtos, relacionadas também às
categorias procedimentais que compõe o processo de produção desses objetos. Segundo a
autora, as ações mais comumente relatadas pelos designers são:
■ A reciclagem e a reutilização dos materiais ;
■ Gestão de descartes em prol da redução da produção de resíduos ;
■ A reutilização dos produtos como base para a ressignificação da sua
função/design ;
■ Utilização alternativa para os produtos por meio da criatividade ;
23
■ Produção ecológica com escolha de materiais e formas de produção
que propicie a longevidade dos produtos, que diminua o impacto na
natureza e minimize o uso dos recursos naturais ;
■ Planejamento ecológico e consideração pelo meio ambiente ;
■ Desenvolvimento de novas fontes de energéticas ;
■ Desmaterialização e substituição de produtos físicos por virtuais.
(BORJESSON, 2006).
Segundo a autora, produtos que duram mais teriam a capacidade de reduzir o
consumo e a demanda por novos produtos, mas principalmente de indicar às pessoas ao
longo do tempo, as qualidades imateriais presentes nesses objetos. Borjesson tenta
estabelecer parte importante desta conexão ao problematizar quais características
conformariam um objeto durável e de que forma poderíamos compreender a mentalidade do
indivíduo que não descarta os seus objetos, dando-os um sentido útil ou ainda ressignificando
a relação destes com o mundo em termos práticos e estéticos. Questões políticas que
dependem necessariamente da emergência de uma nova perspectiva epistemológica, podem
contribuir o pensar relacionalmente o intercruzamento entre o homem e a natureza, e entre
o sujeito e o objeto. De acordo com Pantaleão e Pinheiro:
Em qualquer discussão sobre design sustentável, reconhecessem-se as consequências nefastas de nossas atividades atuais de produção e consumo, mas é imprescindível ir além. Não basta simplesmente permear a superficialidade da concepção de (novos/mais) produtos ecologicamente corretos. É preciso desafiar, em profundidade, nossos (pré)conceitos de como nos relacionamos com os produtos, objetos e/ou artefatos. Possivelmente este seja um caminho para reformularmos nossas atuais concepções e reavaliarmos nossas noções de estética e experiência de projeto e planejamento do produto. ( PANTALEÃO; PINHEIRO; 2015, p. 412).
Para Borjesson, o trabalho do design sustentável traça uma linha contígua entre o
projeto e o indivíduo e sinaliza para diversas questões que não se delimitariam à
qualidade/rigidez dos produtos, ou seja, “os aspectos imateriais que influenciam a nossa
experiência com o produto; a estética, o emocional, o significado” (BORJESSON, 2008, p.3,
tradução nossa) . Borjesson observa que muitos designers passaram a dar atenção aos
24
aspectos imateriais que favorecem o apego aos objetos em longo prazo (fora do contexto de
fabricação), dadas as dificuldades de se isolar as características físicas que comporiam a
noção de durabilidade ou eternidade dos objetos. De maneira complexa, produtos
concebidos com material durável e em perfeitas condições de uso também são descartados,
expondo a necessidade de compreendermos mais profundamente as características
cognitivas que determinam o projeto, a aquisição e o uso dos produtos em diferentes
contextos. Ainda embasados por Borjesson,
[...]a maioria dos objetos não são descartados porque estão em situação de desgaste ou porque não funcionam bem. Eles podem, inclusive, não estarem tecnicamente obsoletos ou se apresentarem fisicamente irrelevantes em uma mudança de contexto. Eles se transformam em lixo por inúmeras outras razões. (BORJESSON, 2006, p. 6, tradução nossa) .
Por outro lado, alguns objetos alcançam durabilidade além das próprias condições
físicas, permanecem ao longo de gerações como referências, extrapolam fronteiras nacionais
e culturais. (BORJESSON, 2006). Com efeito, Borjesson percorreu inúmeras disciplinas e
percebeu a existência de diversas abordagens que focavam nas maneiras de viver e nas
maneiras de ser dos humanos, ao mesmo tempo em que delimitava a nível teórico as
características do que poderia realmente ser considerado como “durável”. Como resultado do
trabalho, a autora compreende que a ideia de durabilidade estaria obsoleta, e passa a utilizar
o conceito de sustentabilidade afetiva enquanto preceito holístico. Nas palavras da autora:
A sustentabilidade não pode ser reduzida à ideia de sustentação, mas significa contribuição para superar e continuar o bem estar dos humanos, sem distinções entre o corpo e a mente. (BORJESSON, 2006, p. 10, tradução nossa) .
A autora salienta a especificidade do conceito de sustentabilidade afetiva como um
direcionamento epistemológico e metodológico, considerando as complexidades cognitivas,
culturais, contextuais que definem as escolhas, o que devem se dar em conexão direta com a
ideia de sustentabilidade dos usuários. Ao tentar definir o conceito de sustentabilidade
afetiva, Borjesson percebeu a complexidade de elementos que influenciam na “imanência” de
um design ou objeto, ou seja, a capacidade de alguns produtos manterem os seus significados
25
através do tempo, mesmo após diversas transformações (BORJESSON, 2008). Dessa forma, a
sustentabilidade afetiva enquanto projeto deve, necessariamente, produzir bem estar,
impedindo a produção indiscriminada de novos objetos, mesmo quando os mesmos se
adéquam às dimensões atuais de um “produto verde”.
Como resultado da pesquisa, Borjesson sinaliza para uma compreensão dinâmica e
inteligente de sustentabilidade afetiva, demonstrando o caráter histórico e emocional que
compõe as referências das pessoas, enquanto sujeitos em processo evolutivo. Assim, as
experiências vividas e as características processuais da consciência e inconsciência em
conjunção com as categorias semióticas, comunicacionais e culturais influenciariam os valores
e os gostos pessoais. Essa concepção particular se aproxima da perspectiva de Pierre
Bourdieu sobre o gosto, ao revelar as diferentes camadas de sentido que se sobrepõem às
escolhas, à apreciação estética e valorativa. Para o autor, os gostos variam de acordo com os
segmentos sociais, já que as práticas sociais tendem a ser inculcadas por meio de estruturas
constitutivas “apreendidas empiricamente sob a forma de regularidades associadas a um
meio socialmente estruturado” (BOURDIEU, 1994. p. 60). O gosto, assim como as práticas em
determinado campo, faz parte do que o autor denomina como habitus, disposições duráveis,
estruturas estruturadas e estruturas estruturantes que tendem a orientar a ação, mas na
medida em que é produto das relações sociais que ele tende a assegurar, isso é, gera uma
intenção objetiva sem ser uma intenção explicitamente consciente.
De acordo com Borjesson a compreensão histórica sobre a ideia de sustentabilidade
em um determinado período se expressa em contraposição à ideia de descartável,
atravessadas pelas dimensões culturais, temporais /genealógicas, tradicionais, estéticas e
cognitivas, mais especificadamente:
■ Tempo - relacionado ao contexto particular da produção de objetos
cujos sentidos estariam diretamente associados à percepção histórica
das características desses produtos. Um olhar em perspectiva que
associa os produtos aos diversos processos de transformação histórica
e mudança.
Borjesson discute a perspectiva do tempo sob duas noções específicas,
o tempo enquanto era e o tempo enquanto processo, sobrepostas a
26
outros dois elementos: modos de ser, teoricamente imutáveis ao longo
do tempo e modos de viver, cujas categorias seriam identificadas com
as mudanças. Percepções qualitativas e negativas sobre a mudança
incorporam a noção de tradição e movimento e nem sempre são claras
e específicas nas suas definições; conformariam, na realidade, noções
de durabilidade, mudança, ruptura e processo. Interpretações acerca
do que seria moderno contemporâneo e clássico exemplificariam esse
processo.
■ Tradição- se expressa na relação dialética dos valores em uma linha
histórica e geracional específica. As tradições podem ser definidas
como o conjunto de referências valorativas vigentes em um
determinado período e que continuariam a orientar os indivíduos no
futuro.
Para Borjesson as concepções tradicionais são comumente percebidas
em confronto com o novo, e o moderno, ou ainda interpretadas de
maneira negativa, em contraposição à evolução e à racionalidade. Essa
perspectiva interpela a dimensão cultural como estática, compreende
as tradições como práticas consolidadas e, portanto, irreflexivas, ou
ainda se recusa a aceitar as mudanças em uma linha histórica.
Baseando-se em John Dewey, Borjesson critica essa perspectiva e
argumenta sobre a capacidade humana de memorizar e apreender
através de uma atitude reflexiva /aberta ao entendimento e ao estudo.
■ Estética - apresenta um conjunto específico de referências sobre o que
é atrativo e desejado.
De acordo com Borjesson as noções estéticas estariam associadas a
duas noções dicotômicas: o corpo e a mente; e o social e o natural.
Diversas categorias atravessam essas proposições, tais como, prazer,
experiências sensoriais, simetria, dimensões culturais.
■ Percepção individual sobre os produtos, relação entre o conhecimento
dos indivíduos e as experiências cotidianas que englobam uma
enormidade de assuntos, arte, história, comunicação e tecnologia.
27
Julgamentos sobre beleza, direções cognitivas são percebidas
diversamente entre os indivíduos, além de expressarem um conjunto
referencial estético adquirido em experiências passadas. Ideias criativas
geralmente estão associadas a experiências diversas e à interação
complexa entre representação, memórias e consciência (BORJESSON,
2008).
1.2 A relação entre sujeito e objeto na modernidade
O advento da racionalidade científica inaugura uma nova perspectiva para a explicação
da realidade ao sistematizar um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos de
investigação e catalogação que teriam como objetivo compreender a regularidade e as
diferenças dos diversos fenômenos. A possibilidade de explicar a realidade social através de
uma perspectiva histórica e objetiva também modificaria os sentidos políticos e relacionais da
vida em sociedade, alterando significativamente o conjunto de referências semânticas e
simbólicas responsáveis por dar sentido à vida das pessoas. Nesse período, a religião
compunha grande parte das referências culturais e era responsável por organizar as
concepções simbólicas da realidade, conjugando em uma totalidade interpretativa diversos
elementos: a natureza, a humanidade, as diferenças e o sofrimento através de um sentido
cosmológico e relacional.
A construção do método científico teria contribuído substancialmente para a
fragmentação das explicações religiosas e para o enfraquecimento da igreja como ordem
política, ressignificando a maneira como as pessoas compreenderiam as suas experiências.
Apesar da pouca aderência objetiva e histórica dos fatos religiosos, a capacidade de
aglomerar em um mesmo sentido totalizante diversos aspectos da realidade, permitia o
encadeamento lógico entre a vida humana e a natureza, em relação direta com os
instrumentos e os objetos que permeiam a dinâmica das relações. A aplicação das normas
científicas se fundamentariam na verificação das hipóteses, métodos de observação em
laboratório, sistematização, comparação, análise de dados e premissas e se encarregaria de
provocar diversas rupturas semânticas e epistemológicas no tecido social ao implementarem
28
na vida social e política, respostas que supostamente vinculariam os acontecimentos a
determinadas causas potenciais .
Embora, a racionalidade científica de per se e a utilização inadequada dos métodos
das ciências naturais tenha permitido o surgimento de vários equívocos teóricos nas ciências
humanas, dentre eles, as teorias raciais, o positivismo e o evolucionismo social; a
modernidade também impulsionaria dois importantes processos: a institucionalização do
homem como sujeito de direito, pleno em liberdade, traduzido por meio de um sentido
histórico e materialista; e a separação da religião das instituições políticas e sociais. Em razão
da complexidade desses fenômenos, podemos afirmar que essa dinâmica se constituiu como
premissa histórica para a separação das ciências em diversos campos, capazes de promover,
simultaneamente, aprofundamento, no que diz respeito ao conhecimento do objeto em nível
particular (especialização), e distanciamento holístico da totalidade que compreende e
influencia esse mesmo objeto de investigação (totalidade) ( LATOUR, 1994 ).
Para Bruno Latour em sua obra Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia
simétrica (1994), a modernidade é um projeto falho, incapaz de lidar epistemologicamente
com as complexidades da vida em sociedade e com a relação entre homem e natureza, já que
separa as questões fundamentais em dois polos distintos. Para o autor a relação entre
humanos e não humanos requer agenciamentos técnicos específicos e o reconhecimento da
importância dos objetos. A “natureza” e a complexidade das relações entre os diversos
grupos sociais só pode ser compreendida por meio do intercruzamento entre as redes
sociotécnicas, considerando ao mesmo tempo os atores humanos e os atores não- humanos
(actantes), conformadores de sentido e relevantes para o direcionamento da sociedade (
LATOUR, 1994 ).
Essa concepção aponta para a necessidade de pensarmos a relação entre os homens e
os objetos (sociedade/cultura e não-humanos/natureza) como complementares,
inegavelmente imbricados e intrinsecamente dependentes, como forma de compreender os
impactos dos objetos nas relações sociais bem como a dimensão relacional da atuação do
homem na natureza e a necessidade de politizar essa dinâmica. A compreensão de uma
sustentabilidade afetiva que priorize as categorias holísticas e omnilaterais da vida em
29
sociedade deve necessariamente compreender a linearidade existente entre sujeito e objeto
(ou nem sujeito/nem objeto, tal como compreendido por Latour).
O termo “actante”: “significa tudo aquilo que gera uma ação, que produz movimento e diferença [...] ele é o mediador, o articulador que fará a conexão e montará a rede nele mesmo e fora dele em associação com outros. Ele é o que ‘faz fazer'”. ( LATOUR, 1994 , p. 8-9 ).
Segundo Latour, a modernidade teria criado dualidades epistemológicas inconciliáveis
ao separar mecânica e instrumentalmente os supostos sujeitos do conhecimento dos
supostos objetos de investigação. A sociedade passaria a ser interpelada por dois polos
antagônicos: natureza e cultura, intermediados, respectivamente, por dois conjuntos de
práticas distintas, ou ainda, práticas padronizadas: as normas da ciência e a normas da
sociedade.
Nas palavras do autor, a palavra moderno designa:
[...] dois conjuntos de práticas totalmente diferentes que, para permanecerem eficazes, devem permanecer distintas, mas que recentemente deixaram de sê-lo. O primeiro conjunto de práticas cria, por “tradução”, misturas entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura. O segundo cria por “purificação”, duas zonas ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos, de um lado, e a dos não- humanos, de outro. Sem o primeiro conjunto, as práticas de purificação seriam vazias ou supérfluas. Sem o segundo, o trabalho de tradução seria freado, limitado ou mesmo interditado. O primeiro conjunto corresponde àquilo que chamei de redes, o segundo ao que chamei de crítica. O primeiro, por exemplo, conectaria em uma cadeia contínua a química da alta atmosfera, as estratégias científicas e industriais, as preocupações dos chefes de Estado, as angústias dos ecologistas; o segundo estabeleceria uma partição entre um mundo natural que sempre esteve aqui, uma sociedade com interesses e questões previsíveis e estáveis, e um discurso independente tanto da referência quando da sociedade.Enquanto considerarmos separadamente estas práticas, seremos realmente modernos, ou seja, estaremos aderindo sinceramente ao projeto da purificação crítica, ainda que este se desenvolva somente através da proliferação dos híbridos. ( LATOUR, 1994 , p. 8 ).
As práticas de purificação interrompem o intercruzamento óbvio entre a sociedade e a
natureza e cadencia a emergência de discursos técnicos especializados para cada um dos
30
polos. O registro das práticas analíticas e a experimentação no âmbito da natureza teriam
como objetivo reproduzir a essência dos fenômenos naturais em laboratórios, condicionando
os objetos e os agrupamentos dos não-humanos à reprodução da dinâmica institucional
cientifica. O desenvolvimento do método científico em conjunção com as teorias
contratualistas liberais contribuiu significativamente para a compreensão da natureza como
banco de dados e da sociedade como fruto das relações conscientes humanas. A natureza,
imanente, não dependeria da ação humana, seria antes de tudo, transcendente aos homens,
assim sendo, “não são os homens que fazem a natureza, ela existe desde sempre e sempre
esteve presente, tudo que fazemos é descobrir seus segredos” (LATOUR, 1994, p.17).
Latour se fundamenta na obra Leviathan and The Air-pump (1985) de Steven Shapin e
Simon Schaffer, trabalho em que os autores discutem a relação entre a ciência e a política ao
analisar as produções de Robert Boyle e de Thomas Hobbes, considerados como os porta-
vozes da ciência e da política moderna. Para Latour, a obra de Shapin e Schaffer revela a
complementaridade existente entre a política (dos humanos) e a ciência (da natureza) ao
admitir que foi exatamente essa divisão que permitiu as condições para a prática da política e
da ciência modernas. O mundo da natureza estaria reduzido aos objetos e experimentações e
jamais poderia ser assimilado em si mesmo. Da mesma forma, a política teria sido criada para
manter a existência de uma sociedade concebida pelos e para os humanos (LATOUR, 1994 ).
Com efeito, a suposta existência de um contrato coletivo poderia ser associada à ideia
do pleno exercício do poder político pelos cidadãos, pois “este poder oferece uma garantia
igualmente capital: são os homens e apenas os homens que constroem a sociedade e que
decidem livremente acerca de seu destino” (LATOUR, 1994, p. 17). Essa perspectiva de
liberdade, associada à concepção de sociedade humana seria complementar à
institucionalização da natureza como lugar dos não-humanos e objetos.
A esse respeito Latour afirma:
Mas não é separadamente que devemos considerar estas duas garantias constitucionais, a primeira assegurando a não-humanidade da natureza e a segunda, a humanidade do social. Elas foram criadas juntas. Sustentam-se mutuamente. A primeira e a segunda garantias servem de contrapeso mútuo de checks and balances. Elas são apenas dois ramos do mesmo governo. (LATOUR, 1994, p. 17).
31
A instituição das regras e normativas modernas, cujo conteúdo trata diretamente da
vida em sociedade, desconsidera a existência de uma linha contígua entre homem/natureza e
sujeito/objeto. O homem deixa de ser compreendido enquanto ser vivo em processo,
construído historicamente em conjugação direta com a natureza e a sociedade. As relações
admitidas entre a ciência e a natureza estariam unicamente direcionadas à investigação dos
fatos e à instrumentalização dos paradigmas, “objetos, laboratórios, competências e
mudanças de escalas” (LATOUR, 1994). Assim, o mundo dos homens estaria submetido às leis
e ao poder político, problemática perpendicular à dimensão da cultura, associada
estritamente às práticas de poder, representação, soberania, liberdade e discurso; enquanto
o mundo da natureza e dos objetos se sujeitaria às regras da ciência e da experimentação.
Segmentadas em processos epistemológicos distintos, tanto a sociedade quanto a
natureza se apresentariam, em um primeiro momento, separadas, embora o que realmente
aconteça seja justamente o aumento da proliferação entre os mistos de natureza e cultura. E
Segundo Latour, é essa separação epistemológica que possibilita a autonomia política das
esferas e permite ao mesmo tempo a reprodução dos híbridos, cujo caráter epistêmico se
caracterizaria pela intersecção entre as várias “competências”, isto é, o atravessamento
epistemológico e prático das temáticas e técnicas de natureza e cultura, o aumento do
domínio instrumental da natureza e o esvaziamento do discurso político a esse respeito
(LATOUR, 1994). O primeiro conjunto de práticas, delineadas por Latour, responsáveis pelo
trabalho de “tradução” seria o resultado da separação ontológica entre natureza e cultura, ou
seja, descendem diretamente do segundo conjunto de práticas (purificação), cuja aseparação
que possibilita a mobilização da natureza em larga escala, através da ciência, da utilização da
racionalidade instrumental e da apropriação dos recursos (LATOUR, 1994).
Ao se posicionarem diante da sociedade e da natureza como sujeitos de direito, os
humanos teriam ignorado as redes sociotécnicas que baseiam e mediam a sua existência, ou
seja, o agenciamento técnico e adaptativo pelo qual se dá a relação entre homem/natureza e
a produção e uso de objetos. O sujeito, definido através das garantias constitucionais, se
inclui a existência da natureza e dos objetos, torna-os dispositivos da vida em sociedade,
desconsiderando o caráter orgânico da natureza e a dimensão centralizada e coordenada das
estruturas que a compõe. A natureza seria apreendida majoritariamente como fato e
organismo extrínseco à vida em sociedade (LATOUR, 1994).
32
A articulação entre sujeito e objeto, mediado pela relação entre homem e natureza
compõe grande parte do debate sobre a sustentabilidade e determina diretamente a
constituição de relações simétricas, voltadas para a continuidade e preservação dos
ecossistemas. A construção de uma sociedade sustentável impõe, portanto, um conjunto de
medidas políticas capazes de articular a complexidade das transformações históricas às
necessidades dos agrupamentos humanos e à dos não-humanos, conciliando definitivamente,
sujeito/objeto - natureza/cultura.
1.3 Sustentabilidade afetiva como integração holística - Ecofisica e Ecodesign
Papanek em seu livro Design for The Real World (1971) afirma que “se o design é
ecologicamente responsável, ele é também revolucionário” (PAPANEK, 1971, p. 241). Para o
autor, todos os sistemas produtivos, capitalismo, socialismo ou os de economia mista,
possuem o mesmo compromisso, vender, ou seja, assumem o pressuposto de que
deveríamos comprar mais, gastar mais, descartar mais, colaborando significativamente para a
destruição do planeta. O consumo exacerbado, associado aos projetos de domínio da
natureza (construção de hidrelétricas, testes de armas, utilização indiscriminada dos recursos
naturais) e lucratividade teriam provocado diversas catástrofes, poluições de rios e
interrupção do equilíbrio ecológico por meio da destruição dos biomas e espécies de plantas
e animais. Paralelamente a esse processo diversos estudos apontam para a incapacidade de o
planeta dirimir os efeitos da poluição e do aquecimento global em curto prazo, ou ainda
abstendo-se de mudanças estruturais profundas (PAPANEK, 1971).
Embora diversos designers tenham desenvolvido projetos sustentáveis, muitos ainda
não são considerados lucrativos, visto que antes de se tornarem conhecidos no mercado,
interrompem o ciclo produtivo e a lucratividade de determinado setor. A escolha dos
materiais pelos designers também se mostrou equivocada ao longo do tempo, propiciando
maior acúmulo de resíduos sólidos no planeta e perigo para os usuários. Segundo Papanek ,
seria possível acompanhar os processos de degradação da natureza por meio do aumento dos
desertos, diminuição das espécies, aumento dos descartáveis, diminuição da produção no
âmbito rural e continuidade dos parâmetros de consumo e produção (PAPANEK, 1971 ).
33
Como forma de mudar essa situação, Papanek propõe a criação de instituições
capazes de reunir as associações de design em torno da sustentabilidade. Outra
recomendação do autor aponta para a capacidade política dos mesmos, capazes de promover
através do boicote, mudanças relevantes no âmbito da produção e da utilização dos objetos.
Para o autor, escritórios e escolas deveriam se recusar a trabalhar em projetos
potencialmente danosos ao meio ambiente. Papanek recomenda também a inclusão das
perspectivas de sustentabilidade na educação e o aumento de trabalhos educacionais nos
ambientes naturais (PAPANEK, 1971 ).
Para alcançarmos uma suposta sustentabilidade afetiva, devemos sem dúvida alguma,
considerar os intercruzamentos que percorrem a sociabilidade entre os humanos e os
objetos, natureza e cultura, focando, não apenas no bem estar humano, mas na
autointegração e autorrealização de todos os seres (humanos, não humanos) actantes.
De acordo com Guatarri “é a relação da subjetividade com sua exterioridade - seja ela
social, animal, vegetal, cósmica - que se encontra assim comprometida numa espécie de
movimento geral de implosão e infantilização” (GUATARRI,1990, p. 7).
Sobre a preservação do planeta Mansano e Carvalho apontam que:
A preocupação com o planeta evoca não apenas uma atenção à preservação dos recursos naturais, mas também dos próprios humanos, com seus modos de viver, de sentir e de se relacionar com os outros - sejam esses outros as pessoas, a natureza e o leque diversificado das produções sociais (arte, conhecimento, tecnologia, informações, imagens e valores). (MANSANO e CARVALHO, 2016, n,p).
A ideia de sustentabilidade como sustentação, ou apoio, expressa firmemente a
necessidade política de percebermos as relações sociais em torno da ideia de simetria,
dispostas sob a perspectiva da preservação e responsabilidade ambiental. Para Mansano e
Carvalho a relação entre humano e natureza é mediada por diversos elementos, subjetivos e
afetivos:
E, para além deles, contamos também com componentes econômicos, políticos e tecnológicos que complexificam ainda mais esse campo, multifacetado e dinâmico. O fato é que, neste momento histórico, já não podemos tratar a problemática da sustentabilidade como uma questão irrelevante, uma vez que seus efeitos estão sendo sentidos pela população,
34
que já sofre com a depredação contínua da natureza em sua existência cotidiana. (MANSANO e CARVALHO, 20016, n.p) .
Guatarri desenvolve o conceito de “ecosofia” para pensar três tipos diferentes de
ecologias (a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana). Para o
autor a demanda ecológica faz parte de um contexto de descentramento, em que as
subjetividades devem ser compreendidas como processo (componentes de subjetivação). A
ecosofia se remete às relações da humanidade com os elementos da sua transversalidade, o
social, a psique e a natureza. Para o autor, qualquer análise acerca da natureza e da
sustentabilidade, deve se centrar nas referências eticoestéticas das escolhas que atravessam
as três ecologias e lidar com os poderes políticos das minorias e com a passividade política
das maiorias. Dessa forma, “natureza não pode ser separada da cultura” . (GUATARRI, 1990,
p.12).
...precisamos aprender a pensar “transversalmente” as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universos de referência sociais e individuais. Tanto quanto algas mutantes e monstruosas invadem as águas de Veneza, as telas de televisão estão saturadas de uma população de imagens e de enunciados “degenerados”. Uma outra espécie de alga, desta vez relativa à ecologia social, consiste nessa liberdade de proliferação que é consentida a homens como Donald Trump que se apodera de bairros inteiros de Nova York, de Atlantic City tec, para renová-los, aumentar os aluguéis, e ao mesmo tempo, rechaçar dezenas de milhares de famílias pobres, cuja maior parte é condenada a se tornar homeless, o equivalente dos peixes mortos na ecologia ambiental. (GUATARRI, 1990, p.24)
As três ecologias atravessam as concepções de natureza /sociedade, sujeito /objeto da
modernidade e desafiam qualitativamente a rigidez da epistemologia moderna ao considerar
os diversos aspectos da realidade que contribuiriam para a construção do equilíbrio. Segundo
o autor, em cada uma das ecologias e “práxis” ecológicas se encontram processos específicos
de subjetivação que conformam categorias específicas, ou agenciamentos específicos que nos
levariam à determinada forma de existência (modos de viver). Para Guatarri, a ideia de
sustentabilidade deve, necessariamente, compreender a essência de todos os
valores/agenciamentos, de forma a contribuir para a vetorização de uma sociedade menos
desigual. A subjetividade teria enorme relevância na construção desse processo e na
construção da ecosofia ( GUATARRI, 1990 ).
35
Para o autor, a arte e a filosofia cumpriam o papel de dotar de sentido a existência
humana, diferentemente da contemporaneidade que insiste na produção de bens materiais e
gera vazios subjetivos e contradições absurdas, tal como o fato de que dominamos técnicas
específicas capazes de gerar melhores “resultados” em relação à sustentabilidade, e mesmo
assim, assistimos à incapacidade política, progressista de utilizá-los ( GUATARRI, 1990 ). A
incapacidade de pensar racionalmente nos aproximaria do pensamento infantil, fazendo
inclusive, com que cheguemos a conclusões segregativas e preconceituosas.
O capitalismo pós-industrial que, de minha parte prefiro qualificar como Capitalismo Mundial Integrado (CMI) tende, cada vez mais, a descentrar seus focos de poder das estruturas de produção de bens e de serviços para as estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade, por intermédio, especialmente, do controle que exerce sobre a mídia, a publicidade, as sondagens etc. (GUATARRI, 1990, p. 29-30).
A prática emancipatória contemporânea só poderá ser construída segundo Guatarri ,
através da segmentação de quatro principais regimes semióticos:
a) as semióticas econômicas (instrumentos monetários, financeiros, contábeis, de decisão.....);b) as semióticas jurídicas (título de propriedade, legislação e regulamentações diversas...);c) as semióticas técnico-científicas (planos, diagramas, programas de estudo, pesquisas...);d) as semióticas de subjetivação, das quais algumas coincidem com as que acabam de ser enumeradas mas conviria acrescentar muitas outras, tais como aquelas relativas à arquitetura, ao urbanismo, aos equipamentos coletivos etc. (GUATARRI, 1990, p. 31-32).
Mansano e Carvalho admitem o fato de que a subjetividade pode influenciar
diretamente nas noções de sustentabilidade por meio de práticas microssociais e políticas
que associem o social, a psique e o natural ao mesmo tempo em que desconsideramos “o
modo dominante e antropocêntrico de se relacionar com o meio ambiente e a vida”
(MANSANO e CARVALHO, n.p).
Para nós, o design sustentável e o eco design se inserem nessa perspectiva e pretendem
realizar:
A ressignificação dos objetos, a partir de uma nova função, estética e demanda, e
36
a recolocação desses objetos em outro lugar do planeta, fora do montante que compõe os
resíduos sólidos.
A estética da sustentabilidade e do eco design se caracterizam pela conjunção entre as
formas em associação direta com a substancia para o qual os objetos são feitos, ou seja, a
estética dos produtos estaria submetida ao apelo funcional do requerente/observador. Esse
processo pode se dar em consequência da desmaterialização, mas também pode ser
concebido de maneira geral, como princípio ético dos projetores/designers e da sociedade.
37
38
CAPÍTULO DOIS
SUSTENTABILIDADE AFETIVA E EFETIVA
2.1 Cultura Material
Para compreendermos as categorias que influenciam o consumo e a utilização dos
objetos na atualidade devemos relacioná-lo a um longo processo histórico de consolidação de
determinados valores e ao caráter inovativo da produção capitalista, voltada para a criação de
novas mercadorias e portanto, novas necessidades.
A cultura material de um determinado povo é influenciada pela produção cultural,
artística e literária registrada ao longo do tempo e compõe parte da representação da
dimensão estética e valorativa da sociedade. Apesar da cultura material e imaterial estarem
imbricadas, a cultura material corresponde definitivamente à relação entre a identidade
cultural e os objetos dentro de uma perspectiva histórica. Os objetos produzidos pelos
artesãos deram origem às manufaturas, e logo depois, à indústria por meio da incorporação
da força motriz e da presença da máquina ferramenta.
A relação entre a cultura material e a cultura imaterial de uma determinada sociedade só
pode ser compreendida quando relacionamos a dimensão do trabalho ao desenvolvimento
técnico e as relações sociais de intercambio material e espiritual. A cultura material possui em
grande parte caráter de registro e documentação, podendo agrupar diversas perspectivas
teóricas e acadêmicas a esse respeito. Legislações sobre Patrimônio histórico, tombamento,
preservação, documentação e registro incorporam esse segmento. As categorias que
permeiam a cultura material.
A cultura material atravessa diversos elementos perpendiculares, tais como o caráter
histórico e processual do desenvolvimento, a dimensão cultural e territorial dos processos
valorativos e técnicos, o caráter antropológico das produções, em termos de igualdade e
diferença. Para investigar a cultura material na atualidade devemos compreender o perfil dos
39
compradores em relação direta com a estética admitida, marketing e ideologias sobre o
consumo.
Para Lipowetski a constante produção e estimulo à insatisfação na sociedade capitalista
pretende suprir um vazio existencial, próprio da nossa condição humana ( LIPOVETSKI, 2015).
2.2 Ressignificação de objetos na contemporaneidade.
O eco design pode ser caracterizado por uma visão ampla da sustentabilidade, tal
como a ecosofia. O produto deve ser preferencialmente reconhecido como objeto útil e estar
diretamente relacionado à sua função. A produção irresponsável correlata à inovação formal
dos produtos pela aparência, nichos de mercado ou modismos não corresponderia aos
critérios de preservação do ambiente, desmaterialização e sustentabilidade afetiva, já que
incitam a produção indiscriminada de mais produtos. Apesar da pluralidade de valores e
temas que segmentam a ideia de sustentabilidade afetiva, devemos considerar como
fundamental o confronto com a perenidade dos produtos, seja por meio de novos projetos e,
reformulação da produção, ou ainda por meio da ressignificação e recolocação dos objetos
em situação de descarte no planeta.
Com vistas a ilustrar tais preceitos, apresentamos dois importantes projetos na
atualidade. O estúdio 80 & 8 Design e o artista plástico Vik Muniz, brasileiro que produz obras
de arte a partir de materiais inusitados, dentre eles, o lixo.
O design do estúdio 80 & 8
Segundo a web site da 80 & 8 Design a empresa busca “transformar o modo como as
pessoas interagem e se relacionam com o espaço ao seu redor. “Queremos proporcionar
relações mais íntimas e duradouras” (80 & 8 Design). A palavra íntima poderia ser relacionada
à ideia de simples e a referência ao duradouro ao não perecível. De todo modo, nem todos os
projetos são produzidos com materiais recicláveis, mas em todos eles, a ressignificação dos
objetos e a criatividade ao adaptar os seus diversos usos, ficam evidentes.
A empresa se destaca na produção de ambientes únicos, luminárias, mesas e séries
de objetos de decoração. No site da 80 & 8 Design podemos verificar ambientes inteiros
40
reformulados, produzidos com palitos de sorvete e caixas de frutas, séries que utilizam
alumínio reciclado de latinhas, materiais plásticos, palitos e resinas, canos e torneiras, etc.
Apesar da beleza dos materiais produzidos, o foco do trabalho ainda é a ressignificação e a
disposição criativa desses produtos, através da completa e inesperada inserção desses
objetos “estranhos” e matérias primas diversas, na composição de escritórios, decoração e
mobílias.
Figura 1. Mesa 3 peças. Série “E se o fundo do mar fosse prateado”,2016.
Fonte: 80 & 8 Design
De acordo com o estúdio 80 & 8 design, sobre a coleção “E se o fundo do mar fosse
prateado”:
Essa linha foi o resultado de experimentações em nossa oficina. Construímos uma fundição que derrete até 8 kg de metal. Todas as peças são únicas, numeradas e limitadas. Elas foram produzidas 100% em alumínio, onde 70% do material veio de latinhas. Estudando e colocando em prática as técnicas de fundição, vimos que poderíamos utilizar isopor como modelo para as peças. Durante os primeiros testes, percebemos que as pequenas bolinhas do qual o isopor é formado foram copiadas para o alumínio. A textura que nos remeteu diretamente ao fundo do mar. O nome da linha veio em sequência. (www.80&8.com.br)
A reutilização de materiais usados alcançou muito prestígio ultimamente, inclusive por
meio de tutoriais do estilo “faça você mesmo” nas redes sociais, como forma de resistência
41
aos altos preços do mercado e a descartabilidade dos objetos, utilizando papelão, pallet,
caixas em madeira e outros.
Para os profissionais do design que abraçam essa tendência, o objetivo está
diretamente relacionado à capacidade de gerar mais valor para o produto, permitindo a
categorização das empresas relacionadas a eles como verdes e sustentáveis. A proposta
também incorpora uma dimensão criativa e laboral, ao incrementar no processo de
produção, linhas específicas de trabalho destinadas à higienização, separação e seleção de
materiais. O que se vislumbra aqui é a possibilidade de construir esteticamente um produto
que se assemelhe aos industriais de massa (em termos de atratividade), mas que tenha sido
concebido através da recolocação desses objetos em uma dinâmica de reutilização.
No âmbito do design sustentável, as empresas agregam valor ao optar por um produto
que não tenha sido concebido por materiais novos e processos de produção tradicionais e
redimensiona a sua atuação no sistema ao permitir o crescimento de outras perspectivas de
produção, aquisição e utilização de objetos.
Figura 2. Poltrona coleção MOV. 2014
Fonte: 80 & 8 Design
No que diz respeito ao trabalho do designer, o estúdio 80 & 8 se orienta por dar novo
sentido aos objetos, mas as referências à sustentabilidade como conceito e princípio do
trabalho são poucas; categorias como a criatividade, distinção e exclusividade são mais
presentes. Conforme a descrição da Poltrona Mov:
42
Nos questionamos sobre a padronização e a cultura em massa. Por que a indústria produz milhões de objetos idênticos, para milhões de pessoas diferentes? Por que em um mundo que está em constante movimento, a maioria dos objetos de mobiliário são estáticos? Cada indivíduo é diferente entre si devido a suas características físicas e emocionais. Pensando que nossos corpos estão em constante movimento, não seria interessante um objeto passível de reprodução em série, que respondesse de forma diferente e única a cada indivíduo que o utiliza?
Outra série que intriga em relação ao uso arrojado dos materiais e a possibilidade
sustentável da sua criação é a “Palitos”. Composta respectivamente por mesa e cadeira feitas
em palitos de dente e de fósforo.
Figura 3. Mesa Série “Palitos” 2013.
Fonte: 80 & 8 Design
Figura 4. Cadeira Série “Palitos” 2013.
Fonte: 80 & 8 Design.
43
Os projetos de ambientação também se delineiam sob a mesma perspectiva,
baseando-se na criatividade no uso dos materiais. A utilização de palitos de picolés no projeto
da própria sorveteria exemplifica esse fundamento.
Figura 5. Projeto Me Gusta Picolés.
Fonte: 80 & 8 Design
Figura 6. Luminária do Projeto Me Gusta Picolés feita com palitos de picolés
Fonte: 80 & 8 Design
44
A arte de Vick Muniz
Vik Muniz é um artista plástico brasileiro, radicado nos Estados Unidos, que também
utiliza materiais diversos na composição dos seus trabalhos. No intervalo de 2007 a 2009, o
artista se dedicou a retratar a vida dos catadores de lixo em um dos maiores aterros sanitários
do mundo (Jardim Gramacho), localizado em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Ao idealizar o
projeto, o artista tinha como objetivo, conceber obras a partir do lixo, retratar
especificamente os resíduos sólidos e a sua condição ambiental, ou seja, tinha como foco de
trabalho retratar o descarte de objetos. Entretanto, ao conviver com as pessoas do aterro, Vik
Muniz descobriu o caráter social e humano da vida no lixo. Dessa forma, o artista procurou
dar vazão à dimensão ambiental, social e política da produção do lixo e da necessária
regulamentação política e administrativa dos aterros. A disposição inadequada do lixo e a
desigualdade social contribuíram para que o aterro fosse considerado como lugar de trabalho
e de sustento para milhões de pessoas em todo o mundo. O trabalho de Muniz trouxe bem-
feitorias importantes para a comunidade envolvida e visibilidade mundial à essa
problemática, através do documentário Lixo Extraordinário, o qual foi indicado ao Oscar logo
depois.
As obras de Muniz retratam a beleza da vida humana em meio ao caos e à sujeira, em
meio ao odor e à possibilidade de contaminação, em meio ao lixo produzido por nós e a
incoerente relação de desigualdade vivenciada por aqueles que retiram o seu sustento e
sobrevivência a partir do trabalho no aterro. As telas, produzidas através de lixo reciclado,
elevaram os trabalhadores à condição de protagonistas e foram vendidas e expostas em todo
o mundo.
De certa forma, o trabalho de Vik Muniz contempla, de maneira geral, os critérios de
ressignificação e recolocação dos objetos e ultrapassa a dimensão projetual contemporânea
ao interpelar a problemática dos resíduos sólidos a partir de uma perspectiva política e social,
se aproximando da dimensão de totalidade que deveria fundamentar o trabalho do design. O
artista pretende valorizar a dimensão social e humana presente nos trabalhadores e no lixo,
promovendo ao mesmo tempo a integração entre o que produzimos, descartamos, os seus
efeitos ambientais e sociais. A vida humana, bela e valorizada nas telas, só pode ser
45
compreendida quando associada aos termos e complementos da sua existência, trabalho,
meio ambiente, relações sociais e políticas, cultura e vida econômica, sem as quais a
reprodução humana fica comprometida.
Figura 7. Mãe e Crianças (Suellen)
Fonte: Acervo Vik Muniz disponível em: aquatru.blogspot.com
Figura 8. A Cigana (Magna)
Fonte: Acervo Vik Muniz disponível em: aquatru.blogspot.com
46
Figura 9. Marat (Sebastião)
Fonte: Acervo Vik Muniz disponível em: aquatru.blogspot.com
Pensando nos paradigmas da recolocação dos objetos e materiais no planeta,
acreditamos que o eco design e o design sustentável precisa se orientar para a relação entre
o homem/objeto e homem/resíduos sólidos. Ou seja, não basta apenas ressignificar o uso dos
materiais na construção de novos produtos. O estúdio 80 & 8 Design demonstra extrema
criatividade na elaboração de projetos e materiais, utilizando inclusive, produtos presentes
em abundância no lixo, tais como as latinhas de alumínio e os palitos; entretanto, a empresa
não parece utilizar a ideia de sustentabilidade como princípio para todos os seus projetos. De
todo modo, não devemos minimizar as contribuições, já que a empresa demonstra
claramente o potencial de produtos que são cotidianamente descartados na atualidade.
Dessa maneira, esse trabalho se pautará, especificamente, na reutilização de materiais
descartados e na recolocação dos objetos em torno de alguma nova função e /ou estética. Os
critérios da ecosofia e a tentativa de integração holística entre homem /natureza, sujeito e
objeto também permeiam o nosso projeto.
Embora nas últimas décadas o interesse para as questões ambientais ligadas à
sustentabilidade tenham aumentado, pouca atenção ainda é destinada ao trabalho e
47
possíveis contribuições do designer a esse respeito Walker apud Pantaleão e Pinheiro (2015,
p. 412).
Stuart Walker afirma que a criação de novos produtos é parte do problema e que o
designer que pretende aderir a um projeto de sustentabilidade substancial deve,
necessariamente, questionar os pressupostos do projeto e as diversas fases do processo de
desenvolvimento criativo e procedimental, ou seja, “ as maneiras de projetar, os
fundamentos e suposições feitas, e o próprio design de produto” (WALKER apud PANTALEÃO
e PINHEIRO, 2015, p. 414). Preocupações sociais, econômicas e ambientais também devem
compor o processo de avaliação crítica do design.
Para a realização desse projeto buscamos materiais descartados em sucatas,
baseando-nos na estética sustentável dos produtos e sua ressignificação, tal como
estabelecido por Stuart Walker na metodologia do seu trabalho, denominado “design
proposicional”. Buscamos incorporar diversos materiais e compor uma totalidade funcional,
através da criatividade.
48
CAPÍTULO TRÊS
METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DAS LUMINÁRIAS
3.1 Design Proposicional
A metodologia utilizada deste trabalho chamada Thinking and Doign aplicado ao
design proposicional de autoria do professor e pesquisador inglês Stwart Walker se concentra
nos fundamentos procedimentais dos conceitos de sustentabilidade trabalhados em diversas
teorias e ressalta a importância da atividade reflexiva responsável, nos âmbitos social,
ambiental e econômico. Assim, a concepção de um projeto deve emergir de uma atividade
profunda de reflexão e empatia pelos problemas do mundo.
Para Walker, a originalidade dos projetos impõe a adoção de diversas estratégias de
produção e desenvolvimento, entretanto, alternativas sustentáveis devem se basear na
centralidade das funções e na relevância dos objetos. A atividade reflexiva e empática sobre
os processos de desenvolvimento de produtos possibilita a percepção de valores perduráveis
e condiciona a evolução do design enquanto expressão das necessidades reais da sociedade.
Para tanto, o designer deve estar aberto aos diferentes materiais, ao desconhecido, ou ainda
àquilo tido como estranho. Sobre a abordagem de Walker, Pantaleão e Pinheiro ressaltam
que :
Para promover alternativas verdadeiramente sustentáveis, principalmente no tocante à sensibilidades e valores da atual cultura material, é preciso caminhar em direção à um design cujas responsabilidades econômicas, ambientais e sociais, partilhem de valores mais significativos e duradouros. Antes que os excessos de nossas preocupações consumistas acabem por enterrar-nos vivos no lixo, na poluição e na pura banalidade. (PANTALEÃO e PINHEIRO, 2015, p. 416)
A proposta de Walker tem como objetivo modificar as referências estéticas e culturais
advindas do consumismo e despertar as pessoas para a apreciação do simples, ou seja,
pretende nos libertar “das restrições de projeto proveniente da definição estritamente
comercial dos produtos”. (PANTALEÃO e PINHEIRO, 2015, p. 416). O processo de elaboração de
49
objetos seria auto-fundamentado, auto-reflexivo e crítico, passando da reflexão teórica à
concepção/contemplação introspectiva, continuamente segmentada pela avaliação crítica das
abordagens e verificação das ideias do projeto. Conforme assinala Pantaleão e Pinheiro,
Walker acredita na relevância do conhecimento tácito como proposição para o alcance do
design sustentável, através de proposições tangíveis de artefatos projetados na prática.
Para Walker, os resultados não serão exatamente soluções, mas proposições que nos
levariam a compreender quais direções tomar, modificar as suposições admitidas e
compreender questões fundamentais em análise, encadeando o processo em uma
investigação não comercial e holística, composta por:
Análise racional, conhecimento cognitivo e interpretação com tomada de decisão intuitiva, conhecimento tácito e expressão, teoria e princípios gerais distintos, síntese de casos específicos. (WALKER apud PANTALEÃO e PINHEIRO, 2015, p. 417).
O autor se baseia ainda na disposição prática do design pensar-e-fazer (thinking- and-doing),
definida a seguir:
Figura 10. Pesquisa em Design fundamental baseado na prática
Fonte: Elaborado pela autora com base na pesquisa realizada (WALKER, 2013 apud. PANTALEÃO et. al., 2015).
O processo de teorização se baseia no estudo teórico sobre as premissas do projeto
em confronto com a cultura material e o design sustentável. O processo de design incorpora
50
o uso de materiais, esboços do trabalho, e se fundamenta na articulação entre teoria e
prática. Já a reflexão deve estar presente em todo o processo como forma de avaliação
crítica, retomada dos pressupostos admitidos no processo ou ainda estabelecimento de novas
perspectivas de trabalho.
Para o autor é impossível mensurar definitivamente, quantitativamente, quais os
resultados que serão obtidos em um projeto, devido ao caráter abstrato e individual do
processo de concepção e avaliação crítica. Dessa forma, Walker prefere definir a pesquisa em
design como uma metodologia de experimentação, exploração e aprendizado,
diferentemente da pesquisa aplicada, voltada para suprir determinadas necessidades,
comercialmente orientada ou ainda com base em questionários avaliativos.
Figura11. Processo de Design Proposicional segundo Walker
Fonte: WALKER, 2013 Apud. PANTALEÃO e PINHEIRO, 2015.
Os objetos proposicionais de Walker são híbridos de tecnologia em formatos criativos
“arquétipos” que aludem maior importância à funcionalidade, corroborando para a junção
entre a dimensão espiritual, holística, ao se contraporem à estética industrial, ou seja, a
forma segue o significado.
51
3.2 Iluminação e luminárias
A iluminação artificial constitui parte importante dos ambientes internos e externos na
sociedade contemporânea e é utilizada para imprimir emoções, provocar sensações, compor
ambientes cenográficos e artísticos. A existência de ferramentas e luminárias específicas para
cada tipo de ambiente permite a continuidade da sociabilidade, realização de trabalhos
noturnos e produção industrial no período da noite. O olho humano é uma estrutura
notadamente complexa, composta por uma retina particular, responsável por processar os
sinais do ambiente através da ação dos neurônios. A capacidade de enxergar se deve à
existência de um maquinário biológico especializado, capaz de apreender a luz e registrar a
realidade. À noite, na completa ausência de luz, o olho humano é incapaz de registrar as
informações e só pôde se socializar através da descoberta do fogo e da luz elétrica.
A luz é uma onda eletromagnética, cujo comprimento se inclui num determinado intervalo
dentro do qual o olho humano é a ela sensível. As três grandezas básicas da luz são
intensidade (brilho), freqüência e polarização.Um raio de luz é a trajetória dessa onda
eletromagnética em determinado espaço, e sua representação indica de onde a luz é criada
(fonte) e para onde ela se dirige, numa trajetória retilínea. Em geral, o feixe luminoso
(conjunto de raios de luz) é irradiado em todas as direções a partir de uma fonte. Todavia,
esse feixe pode ser direcionado para locais determinados, utilizando refletores específicos
para a finalidade desejada. A luz revela formas, planos, espaços tridimensionais, mobiliários e
afeta profundamente nossa sensação de bem estar e de motivação. Isto influencia nossa
percepção de todos os outros elementos e evoca diversas sensações.
Para Grandjean (2005), “Iluminância é a quantidade de luz incidindo sobre uma
superfície.” A luz pode vir do sol , luminárias de uma sala, ou de qualquer outra fonte. A
iluminância média de um ambiente interfere na execução de determinadas tarefas, existindo,
portanto parâmetros para a instalação da iluminação. Como foi dito anteriormente, a
Iluminância não é visível, isto é, os raios de luz não são vistos, a menos que sejam refletidos
em uma superfície. No interior de um ambiente, os raios luminosos refletem nas paredes, nos
objetos e nos móveis, transmitindo a sensação de claridade maior ou menor aos olhos do
usuário. Segundo Garrocho (2005, p.26) :
52
o termo iluminância, também conhecido como nível de iluminação, indica a quantidade de luz (lumens - lm) por unidade de área (m2) que chega em um determinado ponto. O nível de iluminação pode ser medido, porém não visto. O que é percebido pelos nossos olhos são as diferenças na reflexão da luz incidente. (GARROCHO, 2005, p. 26)
De certa forma, o nível de iluminação em relação ao espaço também pode provocar
desconforto e diminuição da visibilidade. Essa discrepância é denominada de ofuscamento e
depende do tamanho do ambiente, tamanho da fonte de luz, número de fontes e luminância
a qual os olhos estão adaptados. (GARROCHO, 2005, p. 29). Nas palavras do autor:
ofuscamento é a sensação produzida pela luminância com o campo visual que é suficientemente maior que a luminância a qual os olhos estão adaptados para causar incômodo, desconforto ou perda na performance visual e visibilidade. A magnitude da sensação de ofuscamento depende de alguns fatores como o tamanho, posição e luminância de uma fonte, o número de fontes e a luminância a qual os olhos estão adaptados. (GARROCHO, 2005, p. 29)
De acordo com o Garrocho, duas formas de ofucamento podem gerar incômodos ao
usuário, o ofuscamento direto: quando a fonte está direcionada diretamente para o campo
visual do usuário e o ofuscamento indireto, ou reflexivo, quando reflexão da luz está
direcionada ao campo visual do usuário.
A enorme oferta de luminárias produzidas na atualidade se relacionam diretamente à
necessidade de aumentar a luminância dos ambientes em períodos noturnos, dimininuindo
concomitantemente o ofuscamente e o desconforto. As luminárias podem se constituir como
a principal fonte de luz de um ambiente, embora seja majoritariamente utilizada como
acessório, aumentando o número de fontes de iluminação de um espaço, ou ainda, reduzindo
a intensidade das fontes de luz em horários e condições específicas. Em grandes centros
urbanos, as luminárias são maçicamente utilizadas pelos estudantes e servem ainda para
compor os diversos cenários da vida urbana noturna. A escolha pelas luminárias no nosso
projeto se deve exatamente à esse potencial já que Uberlândia se apresenta como uma
cidade média, segunda maior do Estado e repleta de universidades.
53
3.3 Processo de desenvolvimento do projeto
O projeto de concepção de um produto envolve diversas dimensões, relacionadas em
grande parte à própria definição das características que compõe o objeto, seleção dos
materiais, propriedades físicas disponíveis, dimensão propositiva, expressão da
funcionalidade e estética. O produto é concebido em uma relação complexa que permeia a
capacidade de elaboração criativa e a dimensão da demanda; princípios determinados
também pela cultura e contexto histórico. Para Lia Krucken (2009), a realidade do designer
compreende, inevitavelmente a mudança e a complexidade, e exige, na atualidade global,
“muito mais que simples habilidades projetuais” (MORAES apud KRUCKEN, 2009, p. 9), pois,
espera-se dos mesmos “uma capacidade de gestão da complexidade que se estabeleceu e
ainda se estabelece no cenário atual, caracterizada pela inter-relação recorrente de empresa,
mercado, produto, consumo e cultura” (MORAES apud KRUCKEN, 2009, p. 9).
Parte importante dessa complexidade também se expressa na dimensão local e global
e na existência de diversos paradigmas valorativos, axiologicamente determinados pela
pluralidade étnica e cultural que caracterizam as sociedades contemporâneas. Para Krucken o
designer deve compreender a dimensão territorial da produção e contribuir para que o
desenvolvimento da produção local assegure benefícios reais para as comunidades. Os
processos que unem, de forma transversal, produtores e consumidores devem compor um
modelo de organização específico, capaz de diminuir a opacidade do sistema de produção e
aquisição de produtos, ou seja, fundamentariam as estratégias de elaboração e gestão ao
permitir o reconhecimento das demandas, o potencial dos recursos e a qualidade dos
produtos por ambas as partes, em sinal de correspondência e convergência de
procedimentos. De acordo com a autora:
Produtores e consumidores constituem, conjuntamente, a força motriz para a valorização de produtos baseados em recursos locais. Podemos observar dois movimentos convergentes:
1. Por parte dos produtores (ou das comunidades locais) - relacionado à necessidade de desenvolver estratégias associando “valor de mercado” aos produtos locais, condizente com o valor que esses produtos têm para a comunidade de que provêm;
2. Por parte dos consumidores - relacionado com a busca crescente de produtos saudáveis e autênticos, cuja história seja “rastreável” e
54
apreciável em termos da sustentabilidade socioambiental e econômica. (KRUCKEN, 2009, p. 23).
Em meio aos processos de internacionalização da produção, globalização financeira e
produção em massa, o valor agregado aos produtos locais pode compor uma infinidade de
percepções e dimensões axiológicas, tais como, relações com o patrimônio histórico-cultural,
dimensão socioambiental e diversidades locais, inclusive como forma de incrementar a
produção econômica e o desenvolvimento regional. Para nós, a produção das luminárias
esteve diretamente relacionada à importância das mesmas nos grandes centros urbanos,
utilizadas para compor determinados ambientes, aumentar as fontes de luz para a realização
de determinadas tarefas, foi concebida também como um processo de experimentação e
ressignificação, e expressa uma demanda de produção alternativa com base no princípio da
sustentabilidade e redução da produção de novos objetos. Dessa forma, a escolha dos
materiais teve como critério a possibilidade de transformação dos descartes em objetos úteis,
tais como a viga que virou um tripé, o piso tátil que virou a base para a luminária e a latinha
que após ser furada serviu como cúpula. Os materiais foram adquiridos em dois ferros velhos,
mais especificadamente, o do Olavo e o ferro velho 2000. O ferro velho do Olavo, Av.
Belarmino Cotta Pacheco, 1197 - Santa Mônica, Uberlândia - MG, é mais intimista, familiar e
está localizado em um espaço pequeno. O estabelecimento se caracteriza por uma
abordagem menos comercial, já que o preço dos materiais é avaliado pelo dono no momento
da venda e o proprietário tem um caminhão de verduras, as quais comercializa na frente do
empreendimento. Em contraposição, o ferro velho 2000 , R. Pedro José Samora, 792 - Santa
Mônica, Uberlândia - MG, está localizado em um espaço maior e apresenta uma abordagem
mais comercial e profissional, conta com funcionários, tem duas filiais em Uberlândia,
equipamentos de prensagem de metais e pesagem dos materiais para a estipulação do valor.
O espaço possui enorme potencial já que recebe doações de toda a cidade.
A fase inicial de desenvolvimento do processo de construção das luminárias, objeto
desse trabalho, basicamente, começa com a visita a um local de depósito de sucatas
metálicas. Optamos pelas sucatas metálicas após considerar a durabilidade dos metais, o
tempo de decomposição desse material na natureza, a grande oferta de material nos ferros
velhos e a possibilidade de moldagem ao tipo de peça desejada.
55
Figura 12. Depósito de sucatas Olavo
Fonte: Acervo da autora
Figura 13. Depósito de sucatas Olavo
Fonte: Acervo da autora
56
A busca pelos materiais não obedeceu a um roteiro específico, mas pressupunha
determinado conhecimento sobre os materiais disponíveis (o que exigia tempo) e relativa
capacidade de imaginação e percepção do potencial desses materiais. Em outras palavras,
deveríamos procurar exaustivamente no ferro velho, devido a enorme quantidade de
materiais acumulados e dispostos de maneira arbitrária. Embora tivéssemos determinada
concepção sobre a forma, através do conceito de design propositivo (em que a forma segue o
significado) sabíamos que os primeiros projetos poderiam admitir alterações e imprevistos,
dada a natureza “fragmentada” e reflexiva do processo de criação, experimentação e
construção.
Figura 14: Sucatas compactadas
Fonte: Acervo da autora
57
Figura 15: Depósito de sucatas 2000 /Material trazido por caminhões e depositado no pátio.
Fonte: Acervo da autora
Figura 16. Depósito de sucatas 2000 /Material depositado no pátio.
Fonte: Acervo da autora
58
Figura 17: Depósito de sucatas 2000
Fonte: Acervo da autora
Figura 18: Depósito de sucatas 2000
Fonte: Acervo da autora
59
Figura 19: Depósito de sucatas 2000 / Vigas usadas no tripé
Fonte: Acervo da autora
Os desafios enfrentados dizem respeito ao processo de concepção e experimentação,
eliminação de possíveis materiais inadequados, resolução de problemas de encaixe e
estruturação. Nesse sentido, alteramos o projeto de luminária de piso por luminárias de
mesa, dada a incompatibilidade dos materiais escolhidos no ferro velho para formar a
estrutura da base dos produtos, redimensionamos também o piso tátil para a construção da
base de uma das luminárias de mesa e utilizamos as vigas em madeira para a confecção de
um tripé.
Figura 20: Depósito de sucatas 2000 / Alça para articulação
Fonte: Acervo da autora
60
Figura 21: Depósito de sucatas 2000/ Tubos
Fonte: Acervo da autora
Figura 22: Depósito de sucatas 2000 / parte de lisa do piso tátil
Fonte: Acervo da autora
61
Cada objeto possui uma potencialidade enorme de ressignificação. Tendo em mente o
que quer e o que pode ser criado, escolhe-se as peças potencialmente úteis para o
desenvolvimento do projeto.
3.4 Croquis e estudos iniciais, formas e encaixes
Nesta fase iniciamos o estudo técnico para análise da viabilidade de uso de cada peça,
adequando-a, se necessário, ao projeto.
Figura 23. Croqui 01
IMkBxÃo
Fonte: Elaborado pela autora
Figura 24. Croqui 02
Fonte: Elaborado pela autora
62
Figura 25. Croqui 03
Fonte: Elaborado pela autora
Após o estudo técnico percebemos que a luminária não apresentava ergonomia satisfatória
ao usuário. Iniciamos então novos estudos e readaptamos o projeto. O ponto de partida
foram as tubulações, abundantes nos ferros velhos. Notou-se que com tubos mais finos a
estrutura ficaria mais leve e possibilitaria formas mais dinâmicas. Seria importante também
cúpulas para proteção visual.
Figura 26. Croqui 04
Fonte: Elaborado pela autora
63
Figura 27: Croqui 05
Fonte: Elaborado pela autora
Figura 28: Croqui 06
Fonte: Elaborado pela autora.
64
Durante a montagem da luminaria Samora 2, houve incompatibilidades de materiais, era
prevista uma luminária de chão com pés de madeira e base metálica mas os tubos de
aluminio não podiam ser soldados nem parafusados com o a lata de inox, da cúpula, além
disso ao serem curvados os tubos quebrariam devido sua espeçura. Estudos foram feitos
novamente, imaginando possibibilidades para a lata com furos, da cúpula.
Figura 29: Croqui 07
Fonte: Elaborado pela autora
Figura 30: Croqui 8
Fonte: Elaborado pela autora
65
3.5 Montagem das luminárias
3.5.1 Luminária Samora Pendente
A luminária de teto foi produzida a partir de uma cúpula de inox, encontrada no ferro velho
com manchas de tinta, foi higienizada com acetona, para retirada da tinta, e furada no topo.
A introdução de um pendente com bocal para lâmpada finalizou o processo.
Figura 31. Cúpula
Fonte: Acervo da autora
Figura 32. Cúpula limpa com acetona
Fonte: Acervo da autora
66
Figura 33. Cúpula com furo superior.
Fonte: Acervo da autora
Figura 34. Pendente com bocal.
Fonte: Acervo da autora
Figura 35: Luminária montada com fiação pronta.
Fonte: Acervo da autora
67
Figura 36: Cotas
A escolha da cúpula desta luminária foi o ponto de partida para os dois próximos projetos, o
vasado exibido na peça inspirou as formas que viriam em seguida. A maioria dos materiais nos
ferros velhos, estão com manchas, arranhões, ferrugem, são materiais com história. O que
requer um cuidado e envolvimento para recuperar e/ou lapidar esses itens, como se tratam
de peças únicas, atenção no manuseio e execução são indispensáveis.
A linha de luminárias Samora nasceu da articulação desses materiais, o nome surgiu da rua
onde está situado o ferro velho 2000, Pedro José Samora, 792.
Durante a conclusão da luminária, visamos que a mesma se caracterizasse pela simplicidade.
A possibilidade de incutirmos uma referência estética, voltada para a apreciação do simples,
fundamentou a execução da mesma. Da mesma maneira, a modificação do projeto ao longo
do processo se justifica pela reflexão contínua das práticas e necessidade de conclusão de um
projeto seguro e funcional.
68
3.5.2 Luminária Samora 1
A proposta aqui era conjugar materiais e texturas diferentes. As vigas de madeira
foram redimensionadas e dispostas em formato de base/tripé e o pote foi furado em toda a
sua circunferência. A cúpula foi encaixada ao tripé por meio de um tubo metálico.
Figura 37: Cúpula com furos.
Fonte: Acervo da autora
A peça de articulação desta luminária foi cortada nas laterais, para que a cúpula pudesse se
movimentar. Também foram feitos furos com a finalidade de fixar os parafusos borboleta. A
escolha destes parafusos visa a praticidade do usuário, no sentido de colocar o foco de luz
onde quiser.
Figura 38: Articulação antes do corte.
69
Figura 39: Montagem dos parafusos, cúpula e articulação .
Fonte: Acervo da autora
Figura 40: Cúpula e articulação montados.
Fonte: Acervo da autora
70
Figura 41: Tubo metálico.
A madeira do tripé foi cortada em pequenas tábuas, foram feitos cortes chanfrados nas peças
que viriam a ser os pés, em seguida o material foi lixado e vernizado.
Figura 42: Corte das peças do tripé.
Fonte: Acervo da autora
71
Figura 43: Madeira sendo lixada.
Fonte: Acervo da autora
O chanfro da madeira, no momento desta foto, estava reduzido, posteriormente se fez
necessário um corte mais acentuado.
As pernas foram fixadas num bloco quadrado de madeira, com parafusos e cola. No topo do
bloco produzimos um furo, por onde o tubo metálico passará.
Figura 44: Madeira lixada.
Fonte: Acervo da autora
72
Figura 45: Tripé de madeira com furo / tripé montado
Fonte: Acervo da autora
Figura 46: Lampada com filamentos de carbono / bocal / fio rabicho com plugue e interruptor .
Fonte: Acervo da autora
73
Figura 47: Luminária pintada com fiação.
Fonte: Acervo da autora
74
Figura 48: Cotas das peças.
Fonte: Acervo da autora
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3.5.3 Luminária Samora 2
Para a produção da luminária Samora 2 utilizamos a parte redimensionada do piso tátil
e um recipiente de inox furado. A latinha era um antigo cofrinho, a tampa foi retirada e furos
foram feitos em sua circunferência. O piso foi encontrado em ótimo estado no ferro velho.
Figura 49. : Cúpula com furos na lateral
Fonte: Acervo da autora
Figura 50: corte da placa tátil
Fonte: Acervo da autora
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Figura 51: Luminária cortada e soldada
Fonte: Acervo da autora
Figura 52: Luminária sem pintura com parafusos borboleta
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Fonte: Acervo da autora
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Figura 53: luminária pintada e com fiação
Fonte: Acervo da autora
Figura 54: Lampada com filamentos de carbono / bocal / fio / rabicho com plugue e interruptor.
Fonte: Acervo da autora
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Figura 55. Cotas das peças
Fonte: Acervo da autora
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção de luminárias por meio da experimentação tácita, baseia-se na avaliação
crítica de todo o processo com a finalidade de elaboração de produtos mais duradouros,
substancialmente mais relevantes, voltados para a simplicidade das formas e recolocação de
materiais, objetos e produtos. A criatividade no momento da definição das tarefas, escolha
das peças, desenhos técnicos e o estabelecimento de roteiros investigativos e
procedimentais, garantem a firmeza do projeto, assim como a ideia de sustentabilidade
promove a definição exata dos materiais a serem utilizados e contribui para a persecução do
design proposicional. Consideramos que as luminárias devem possuir um design limpo para
que se permita a justa conexão entre as peças, integração harmoniosa dos materiais e
junções propostos no projeto.
Com o desenvolvimento do projeto, pudemos perceber a importância da reflexividade
durante todas as etapas do processo, bem como as mudanças e adequações impostas em
cada procedimento, alterações e ajustes que perpassam desde a definição do objeto, a
escolha de objetos e materiais, os desenhos, a busca por adequações e a experimentação,
tudo para que o produto final se apresente esteticamente apreciável, ergonomicamente
preciso e funcional.
O trabalho também se ajusta à sustentabilidade afetiva por meio da investigação
teórica, ao considerar os pressupostos culturais, valorativos que define a escolha dos
produtos duráveis. Ao investigarmos a diversidade de noções relacionadas à durabilidade dos
objetos ao longo do tempo, pretendemos projetar objetos que contribuam para a
“desmaterialização” e para a diminuição do consumo irresponsável. Da mesma forma, esses
objetivos só podem ser consolidados através da admissão da relação contigua existente entre
homem natureza e sujeito e objeto, permitindo que os designers reconheçam os objetos
como actantes na natureza e no ambiente, assim como as suas relações simbólicas humanas
em geral.
Essa perspectiva de promoção da qualidade de vida, enquanto direcionamento
epistemológico e metodológico, capaz de considerar as complexidades cognitivas, culturais e
contextuais que definem as escolhas dos indivíduos; só poderá ser alcançada através do
equilíbrio com a natureza, compreendida como estrutura complexa e não apenas como fonte
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de exploração de recursos. Dessa forma, para alcançarmos uma suposta sustentabilidade
afetiva, devemos percorrer os intercruzamentos e as redes de conexões que relacionam
humanos e objetos, natureza e cultura, permitindo não apenas o bem-estar humano, mas a
autointegração e a autorrealização de todos os seres.
Essa compreensão de totalidade converge para as ideias de ecofisia, ecodesign e
design proposicional. No caso da ecofisia, o paradigma da transversalidade pretende resgatar
os diversos elementos que compõem a realidade do sujeito, presente nas três ecologias (a do
meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana), influenciando
significativamente nas escolhas dos materiais, elaboração de projetos e utilização de novos
recursos. O reconhecimento da omnilateralidade humana ressignifica as práticas e processos
de criação ao mesmo tempo em que circunscreve a natureza, as matérias primas, os
produtores e possíveis consumidores em uma nova lógica de pensamento/ semiótica. Para o
ecodesign e o design propositivo a volatilidade estética dos produtos descartáveis e a criação
de nichos de mercado impedem o fortalecimento de uma estética sustentável. Assim, o
produto deve ser caracterizado como um objeto útil e estar diretamente relacionado à sua
função. O design propositivo tem como finalidade modificar as referências estéticas e
culturais que caracterizam a sociedade de consumo e despertar as pessoas para a apreciação
do simples.
Essas referências teóricas nos influenciaram da seguinte maneira:
Definição do projeto enquanto atividade profunda de reflexão e crítica (design
propositivo) que considerou a importância das luminárias no contexto social vigente e o
processo criativo de ressignificação dos objetos por meio do design sustentável,
corroborando para maior alusão estética à funcionalidade.
Escolha de materiais descartados, em que o princípio da sustentabilidade afetiva e da
ressignificação (e recolocação) possibilitariam a transposição desses objetos para outro lugar
do planeta, fora do montante que compõe os resíduos sólidos.
O processo de elaboração das luminárias se fundamentou na experimentação tácita e
na elaboração de diagnósticos e proposições, continuamente segmentado pela avaliação
crítica e verificação das ideias do projeto. A análise reflexiva e a experimentação
possibilitariam a alteração dos rumos do projeto, com base na definição e redefinição dos
problemas e premissas admitidas durante o processo de elaboração das luminárias.
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Para nós os objetos de design sustentável apresentam maior valor agregado, já que
colaboram para a diminuição dos resíduos sólidos e permite a recolocação desses objetos no
ciclo de produção e consumo.
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