DESIGN SOCIAL: A Universidade Engajada - Inicial — UFRGS ... · Papanek (2007), diz: “é a...

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Gramado – RS De 30 de setembro a 2 de outubro de 2014 _________________________________ 1 Este termo vem do escalpo, nome científico do couro cabeludo, no qual é arrancado do crânio. DESIGN SOCIAL: A Universidade Engajada Resumo: O presente artigo expõe a imersão da universidade em um problema de grande relevância social presente na região Norte, o escalpelamento 1 . Estabelecendo uma conexão entre os conhecimentos absorvidos no âmbito acadêmico, dentro da área de design e a realidade da ORVAM – ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor, uma instituição de finalidade pública que presta serviços com destaque à assistência social. Objetiva-se através deste projeto propor soluções relevantes geradas na interação entre a universidade, o design social e a ONG com o intuito de divulgar ORVAM para que esta problemática que é praticamente uma endemia no estado do Pará seja posta em evidencia e mulheres possam viver com uma qualidade de vida melhor. Faz-se uma abordagem da peruca como produto de consumo e como ele pode influenciar no aspecto emocional. Palavras-chave: Design Social, universidade, escalpelamento, peruca. Abstract: This article presents the immersion of the university in an issue of great social relevance in this northern region, the escalpelamento1. Establishing a connection between the knowledge absorbed by academics within the area of design and the reality of ORVAM - NGOs of Riverside Motor Accident Victims, an institution of public purpose that serves especially to social assistance. The purpose is through this project propose relevant solutions generated in the interaction between universities, social design and NGOs in order to promote ORVAM for this problem that is practically an endemic disease in the state of Pará is put in evidence and women can live with a better quality of life. It is an approach to wig as a consumer product and how it can influence the emotional aspect. Key-words: Social Design, university, scalping, wig. 1. INTRODUÇÃO Durante séculos, o homem apresenta uma relação muito forte com os objetos, não somente pela função utilitária, mas também por uma conexão simbólica, as quais satisfazem seus principais desejos e necessidades. Os próprios indivíduos confeccionavam seus produtos, de acordo com a atividade que precisavam realizar.

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Gramado – RS

De 30 de setembro a 2 de outubro de 2014

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1 Este termo vem do escalpo, nome científico do couro cabeludo, no qual é arrancado do crânio.

DESIGN SOCIAL: A Universidade Engajada

Resumo: O presente artigo expõe a imersão da universidade em um problema de grande relevância social presente na região Norte, o escalpelamento1. Estabelecendo uma conexão entre os conhecimentos absorvidos no âmbito acadêmico, dentro da área de design e a realidade da ORVAM – ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor, uma instituição de finalidade pública que presta serviços com destaque à assistência social. Objetiva-se através deste projeto propor soluções relevantes geradas na interação entre a universidade, o design social e a ONG com o intuito de divulgar ORVAM para que esta problemática que é praticamente uma endemia no estado do Pará seja posta em evidencia e mulheres possam viver com uma qualidade de vida melhor. Faz-se uma abordagem da peruca como produto de consumo e como ele pode

influenciar no aspecto emocional.

Palavras-chave: Design Social, universidade, escalpelamento, peruca.

Abstract: This article presents the immersion of the university in an issue of great social relevance in this northern region, the escalpelamento1. Establishing a connection between the knowledge absorbed by academics within the area of design and the reality of ORVAM - NGOs of Riverside Motor Accident Victims, an institution of public purpose that serves especially to social assistance. The purpose is through this project propose relevant solutions generated in the interaction between universities, social design and NGOs in order to promote ORVAM for this problem that is practically an endemic disease in the state of Pará is put in evidence and women can live with a better quality of life. It is an approach to wig as a consumer product and how it can influence the emotional aspect.

Key-words: Social Design, university, scalping, wig.

1. INTRODUÇÃO

Durante séculos, o homem apresenta uma relação muito forte com os objetos, não

somente pela função utilitária, mas também por uma conexão simbólica, as quais satisfazem seus principais desejos e necessidades. Os próprios indivíduos confeccionavam seus produtos, de acordo com a atividade que precisavam realizar.

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Hoje esse processo de criação está inserido na área do Design. Segundo Lobach (2000), “o design industrial é o processo de adaptação dos produtos de uso, fabricados industrialmente, às necessidades físicas e psíquicas dos usuários ou grupos de usuários”. Esta definição se encaixa perfeitamente ao produto aqui analisado, a peruca, a qual satisfaz as expectativas de um grupo específico de mulheres presente na

região Norte, com certos requisitos diferentes de outros grupos usuários do objeto. Segundo uma publicação do site ISTOÉ Dinheiro (2010): “não é de hoje que o

comércio de pelos humanos se tornou um negócio bilionário’’. Diante desta informação, poderíamos nos questionar sobre que outra parte do corpo humano pode se tornar um objeto ou produto de consumo dentro dos padrões éticos e morais de nossa sociedade? Os cabelos são elementos representativos da personalidade humana, além de seu preço (valor monetário), o seu valor simbólico torna-se de extrema importância em alguns casos, especialmente das mulheres vítimas de escalpelamento. Papanek (2007), diz: “é a intenção do designer tanto como o uso intencional do objeto concebido que podem conceder valor espiritual”.

Este artigo faz uma abordagem ao produto peruca, destacando em seu primeiro tópico, a importância de uma imersão da universidade ao design socialmente engajado. Posteriormente, revela a peruca, mostrando sua configuração até os dias atuais e todas as suas formas de utilização. Em seguida, expõe a realidade vivida pelos ribeirinhos e o acidente que transforma completamente a vida dessas mulheres. Revela também o trabalho realizado pela ORVAM, sua missão, seus principais objetivos e a forma de auxílio às vítimas nesse processo de readaptação emocional e social. E principalmente a metodologia utilizada pela universidade, como forma de contribuir na valorização do trabalho das integrantes que confeccionam as perucas e a divulgação da ONG, dos serviços prestados pela mesma, havendo uma troca positiva entre a universidade, a ORVAM e sociedade.

2. O DESIGN SOCIALMENTE ENGAJADO E A IMERSÃO DA UNIVERSIDADE

O design por muitas vezes é visto como uma área de criação de produtos em que

somente o aspecto estético e formal são levados em consideração, porém este exerce a função de propor soluções inteligentes para problemas de uma sociedade, contribuindo para o bem estar do homem e suprindo demandas através de ações estratégicas não dissociadas dos elementos socioculturais, socioambientais e socioeconômicos, desempenhando assim um papel de agente social transformador. Barros (2004), faz uma relação entre a responsabilidade do designer para com a sociedade:

[...] o design social se define como todo trabalho de design que possua como finalidade uma causa social, seja ele uma peça gráfica ou um logotipo. O design de caráter social vem para despertar nos profissionais sua atenção sobre a responsabilidade social de cada um, enquanto cidadãos, questionando o verdadeiro intuito de sua profissão (BARROS, 2004, p.46).

O designer ganha personalidade em sua área a partir do convívio com a universidade, na qual ele absorve os conhecimentos necessários à sua vida tanto pessoal quanto profissional. Dependendo do aprendizado adquirido, ele pode questionar-se sobre o que realmente o interessa enquanto usuário e cidadão de uma sociedade complexa, trazendo em seus projetos propostas que supram as

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necessidades e dificuldades presentes em determinado contexto, para que haja mudanças efetivas diante da realidade. Nesse sentido, Bonsiepe (2011) acrescenta:

Em outras palavras, cabe ao Designer intervir na realidade com atos projetuais, superando as dificuldades e não se contentando apenas com uma postura crítica frente a realidade e persistindo nessa posição, afinal, projetar introduzindo as mudanças necessárias, significa ter a predisposição para mudar a realidade sem se distanciar dela (BONSIEPE, 2011, p.37)

Dentro deste cenário, a universidade desempenha a função de transmitir e gerar conhecimento para a sociedade, esta pode e deve influenciar no contexto social através de incentivos de projetos integrados à pesquisa, ensino e extensão, contribuindo para que problemas como desigualdade social e econômica sejam amenizados. Neste contexto, Soares (2009) defende a ideia do tripé acadêmico:

A Universidade no Brasil deve realizar extensão, segundo o preconizado pela Carta Constitucional de 1988. Portanto, a natureza da Universidade se revela e está fundada nesse tripé acadêmico– o ensino, a pesquisa e a extensão. Enquanto as duas primeiras atividades têm como sujeitos únicos segmentos da própria instituição universitária, os seus docentes, os alunos e os servidores técnico- administrativos, a extensão se realiza com a cooperação e a participação direta de outros sujeitos, estranhos à Universidade, por exemplo, os integrantes de comunidades, de sindicatos, de associações de quaisquer naturezas, enfim, de todos e quaisquer segmentos sociais em favor de quem pode a Universidade estabelecer relações de cooperação na perspectiva de contribuir para o seu bem- estar e a melhoria da sua condição de vida (SOARES et al. apud MOREIRA E PINTO, 2009 p. 3)

Portanto, a universidade exerce um papel de facilitador na comunicação entre os atores sociais, no qual pode proporcionar mudanças reais, para necessidades reais, por meio da disseminação do conhecimento gerado dentro da academia e oferecendo soluções para problemas que afligem a população. É neste contexto que o design apresenta-se como um caminho a ser seguido de comunicação, interação e engajamento já que possibilita soluções efetivas com inovação e criatividade. Mayer e Rosa (2009), expõem o design como ferramenta essencial ao processo produtivo:

O design é importante por viabilizar a concretização da ideia imaginada, facilitando a comunicação das pessoas envolvidas no processo e por acelerar efetivamente a produção e a materialização de ideias benéficas à sociedade. O design não mostra-se relevante apenas no processo de passagem entre ideação e realização, mas também no momento de criação, de recriação e de aperfeiçoamento constante. Apresenta-se, portanto, como um elemento essencial, produtivo, enriquecedor e relevante nas tomadas de decisões em todo e qualquer momento da vida humana.” (MEYER, G e ROSA, S., 2009)

Tendo base o contexto de envolvimento no âmbito social, a universidade e o design

socialmente engajado integram-se e acabam por “falar a mesma língua”. Nesta perspectiva, a universidade em questão toma como tema do semestre abordado no ano de 2014 - Design e Sociedade - identificando um problema que atinge esta pequena parcela da população ribeirinha da região amazônica, o escalpelamento. Este acidente representa um fator de grande relevância social com simples prevenção, mas que devido ao descaso tanto das autoridades locais quanto dos próprios indivíduos, a

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falta de incentivo e também o fato de estar relacionado ao aspecto cultural, ainda é desconhecido por muitos.

Por meio da imersão da universidade, buscou-se propor soluções a esta problemática. Este artigo busca conhecer de perto a realidade vivida pelas vítimas, propondo projetos que tragam benefícios à ORVAM. Estes projetos estão inteiramente ligados aos serviços prestados, os quais contribuirão para uma divulgação mais ampla do trabalho realizado com essas mulheres e principalmente o produto fornecido pela instituição, as perucas de cabelo natural, as quais são confeccionadas pelas próprias integrantes da ONG e que possuem uma enorme importância no acolhimento e tratamento das vítimas. 3. PERUCAS: PRODUTO DE CONSUMO

Os cabelos possuem extrema importância para o ser humano, por estar relacionado à proteção da cabeça, por ser referência nos parâmetros estéticos e principalmente por transmitir a personalidade de um indivíduo. Hoje são várias as formas, texturas, comprimentos e cores de cabelos, também está presente a utilização de perucas feitas de fios naturais e artificiais, usadas por muitas pessoas comuns e celebridades tanto nacionais quanto internacionais não só em seu ambiente de trabalho como no dia a dia, adquirindo assim características únicas e extravagantes. Essa importância está descrita no texto “A história do penteado”, da Universidade do Vale do Itajaí em Santa Catarina, o qual discute sobre o que os cabelos representam durante toda a história:

Ao longo da história, os cabelos representam um elemento fundamental da personalidade humana, sustentáculo da beleza, do fascínio, da sedução, poder e da força, comprovando um profundo valor simbólico. A história influenciou o comportamento das pessoas e não somente a forma delas pensarem e agirem como também a maneira delas se exporem ao mundo, por meio de suas roupas e cabelos (PIZZOL, C.; et al, p. 4).

A preocupação com os cabelos é conhecida desde a antiguidade, os egípcios tinham problemas com a higiene por uma epidemia de piolhos, e por isso raspavam totalmente suas cabeças, recorrendo ao uso de perucas feitas com fibras vegetais, como a folha do papiro, sendo a Cleópatra um ícone de elegância, vaidade e sedução. Outro exemplo é o caso do rei Luís XIV, o qual na época sofreu de um incômodo presente até os dias atuais entre o sexo masculino, a calvície, utilizando então uma peruca feita de crina de cavalo e de bode, passando a ser moda no período e um indicador na diferença entre as classes sociais, utilizá-la era sinônimo de status.

Além do mundo das estrelas e da moda, o uso das perucas é uma realidade no que diz respeito aos tratamentos médicos, como: a calvície, o câncer e casos de acidentes, como por exemplo, o escalpelamento. Diferentemente de outros casos, o acidente de motor, deixa sérias cicatrizes e a pele torna-se muito sensível. As chances de nascer o cabelo novamente são mínimas, dependendo da gravidade do acidente e dos tratamentos médicos executados.

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Figura 3 – Possibilidades no uso das perucas. Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

A utilização da peruca como forma de substituição dos fios originais, possuindo a

função de adorno, proporciona à mulher vários benefícios, como feminilidade,

conforto e especialmente a autoestima. Há dois tipos de perucas mais presentes no

mercado, as feitas de cabelos naturais e as de fios sintéticos. No caso específico da

ORVAM utiliza-se as perucas de cabelo natural por atenderem mais facilmente às

necessidades das usuárias, levando em consideração os traumas provocados pelo

acidente e as condições climáticas do estado.

Hoje, como já mencionado anteriormente, as perucas podem ser confeccionadas de

dois tipos de materiais, os de fios naturais e os de material sintético. As perucas de

cabelo natural são mais duradouras, seu tratamento é similar à situação de uma

pessoa com cabelo normal, a única diferença é que elas precisam ser tratadas após

cada lavagem e são mais caras devido ao material, sendo a melhor opção para pessoas

que necessitam de um uso diário. Já as perucas de material sintético possuem maior

facilidade de tratamento, são mais baratas, com vida útil muito curta e podem ser

usadas por pessoas que queiram apenas mudar o visual ou por diversão. Há vários

processos de montagem de uma peruca, sendo ela de cabelos naturais ou não.

Figura 5 – Exemplo: Processo de montagem de uma peruca. Fonte: http://www.kallicabelos.com.br/industria/

No caso das perucas confeccionadas com cabelos naturais, um exemplo de processo

seria uma triagem dos fios, os quais recebem algum tipo de descoloração na qual são

classificadas e entram em um processo chamado de osmose (movimento da água entre

meios com concentrações diferentes de solutos), no qual ocorre à troca de nutrientes,

deixando os fios mais nutridos e saudáveis. Posteriormente estas vão para a fase da

cardia (processo em que os fios de menor comprimento são retirados), na qual o

cabelo é passado inúmeras vezes por uma espécie de pente feito de madeira e pregos,

ganhando uma maior uniformidade nos fios. E finalmente, chega o processo de

tecetura, onde os fios são costurados e assim gerando as perucas. As naturais são as

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mais indicadas em casos de escalpelamento, por agredirem menos o couro cabeludo

das ribeirinhas.

4. OS RIBEIRINHOS E O ESCALPELAMENTO

Segundo uma matéria publicada no site Amazônia, em março de 2013, a região Norte possui mais de 16 milhões de pessoas e aproximadamente 1 milhão de embarcações, incluindo os pequenos barcos dos ribeirinhos. Diferentemente da população da cidade que tem a rua como um espaço de ir e vir, o ribeirinho faz uso do rio, no qual ele passeia, viaja e trabalha. Essa relação entre o rio e a rua é de extrema importância na vida dessas pessoas, as quais vivem de forma simples e utilizam o barco na realização da maior parte das tarefas diárias, principalmente a venda de mercadorias na capital.

Figura 1 – Embarcação dos Ribeirinhos. Fonte: www.portal.ufpa.br

Visto como um meio de transporte e de sobrevivência, o barco, muitas vezes é

construído de forma artesanal com uma adaptação improvisada do motor, deixando o volante e o eixo de propulsão da hélice visivelmente expostos. O site da ORVAM traz uma breve explicação deste problema, afirmando que é tradição o uso de cabelos longos por mulheres e crianças, e como costume ficam encarregadas de retirar a água que habitualmente entra no casco e se aloja no fundo do barco, durante a navegação. Esta atividade diária e a falta de segurança, cria condições à exposição do perigo, tornando-as vítimas do escalpelamento. Diante disso, Mota (2010) reforça esta explicação:

O escalpelamento, atinge em maior número o sexo feminino, entre 3 e 21 anos, tendo como característica, não somente a estética afetada, mas também o aspecto psicológico. Devido à cultura, costume e religião essas permanecem com os cabelos longos, o que favorece ainda mais o risco do acidente (MOTA, 2000).

Esse brutal acidente ainda é desconhecido na maior parte do Brasil e do mundo, um

drama vividos por inúmeras mulheres, jovens e crianças, causando graves deformações, traumas psicológicos e até a morte. A rotação forte do motor do barco enrola os cabelos em torno do eixo, arrancando o escalpo de forma parcial ou total, além de orelhas, sobrancelhas, uma parte da pele da face e do pescoço. O tratamento

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é extremamente doloroso, passando por uma grande quantidade de procedimentos cirúrgicos.

Figura 2 – Vítimas de Escalpelamento total e parcial.

Fonte: www.revistabrasileiros.com.br

As vítimas encontram dificuldade em receber certos tipos de tratamento na Capital, por

serem considerados de caráter estético. Dentre estes processos, de acordo com a fundação

Santa Casa de Misericórdia do Pará, o mais utilizado é a reposição da pele do crânio por meio

de enxertos retiradas das pernas da própria paciente. Em média esses tratamentos médicos

duram mais de dez anos. Castro (2010), define este acidente como “drama amazônico”:

O escalpelamento é um problema de contexto social e relevante de saúde pública de determinada região do Brasil, sendo considerado como um drama amazônico. Esses acidentes graves e traumáticos estão fora da mídia e acabam passando despercebidos pelo restante do país, e muitas pessoas nem imaginam sua existência (CASTRO, 2010)

Em 2009 foi aprovada a Lei 11/ 970, a qual obriga a utilização da cobertura no volante e eixo das embarcações com motores adaptados. No entanto, por mais que esta cobertura seja fornecida e instalada gratuitamente pelos Bombeiros Militares e a Associação das Mulheres Vítimas de Escalpelamento da Amazônia, os ribeirinhos temem em expor suas embarcações à Marinha e perder seu principal meio de transporte e sustento.

Figura 3 – Eixo propulsor do motor sendo coberto pela Marinha. Fonte: www.mar.mil.br

Há locais na região amazônica que acolhem e fornecem tratamento médico às

vítimas, como a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará e o Espaço Acolher, localizados em Belém. Esse espaço é dedicado a recebê-las, pelo fato de serem

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moradoras do interior e não terem um lugar para ficar durante os procedimentos necessários, considerando que os acidentes ocorrem geralmente no interior do estado, principalmente Santarém, Altamira e Barcarena, muitas dessas mulheres precisam ser levadas à Capital. Mas apesar de todo esse tratamento médico e de acolhimento, elas necessitam de outros tipos de atenção por estarem abaladas física e psicologicamente. A instituição aqui analisada, é a ORVAM, a qual também acolhe vítimas, entregando-lhes além de perucas, a alegria e autoestima de volta. 5. A MISSÃO DA ORVAM

A ORVAM – Organização Não Governamental dos Ribeirinhos Vítimas de Acidentes

de Motor- Fundada em 20 de janeiro de 2011, localiza-se na avenida João Paulo II, no bairro de Souza, em Belém do Pará. A sede foi construída com a ajuda de um programa televisivo, “Programa do Gugu" em parceria com a Prefeitura de Belém. O espaço apresenta 90m² distribuídos entre a recepção, cozinha, banheiros e salas de atendimento. Dentre os serviços prestados estão o atendimento psicológico, atividades lúdicas e oficina de confecção de perucas.

Figura 4 – ORVAM Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

Segundo a assistente social e presidente da ONG, Cristina Santos, a instituição não recebe recurso financeiro de nenhum órgão, e é responsável por sustentar toda essa estrutura. Recebem qualquer tipo de doações, principalmente cabelos naturais, independentemente de tratamentos estéticos sofridos (coloração, alisamento, entre outros). A ONG é vista como referência de perucas no estado do Pará, fornecendo gratuitamente este produto às vítimas de escalpelamento, as quais na maioria são jovens. Também são procurados por muitas mulheres com algum tipo de problema de saúde, como o câncer e lúpus; e outras que sofreram acidentes envolvendo produtos de beleza, só que nestes casos há a comercialização do objeto, contribuindo assim a manter o projeto.

Figura 5 – Membros da ORVAM. Fonte: http://orvam.org.br/site/

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A ORVAM propõe como missão: “estimular a vítima de acidente de motor, ao

recomeço de suas vidas, trabalhando a autoestima, o preconceito e a integração ao mercado de trabalho”. Essas mulheres sofrem preconceito pela falta de cabelo e pelas cicatrizes deixadas, sendo mínimas as chances de integração ao mercado de trabalho. A perda brutal dos cabelos traz sérias consequências, muita destas mulheres encontram dificuldades para retomar seu cotidiano, por fatores biológicos e psicológicos, sofrendo de muitas dores, sentimentos e pensamentos negativos.

O vídeo, Escalpelamento: o dia seguinte – realizado na Amazônia por jornalistas de São Paulo, traz a história dos ribeirinhos e comentários das próprias vítimas, as quais expõem suas emoções. Visto que o cabelo faz parte da identidade e é amplamente apreciado pelo sexo feminino, as vítimas de escalpelamento se encontram em uma situação em que perdem suas identidades e autoestima. Diante disso, a universidade por meio do design social, propõe uma metodologia como forma de reestabelecer suas necessidades pessoais e sociais.

6. METODOLOGIA

Este artigo foi desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas, visualização de vídeos, registros fotográficos, experiências vivenciadas em visitas à instituição da ORVAM, onde foi possível conhecer os membros da ONG e o funcionamento da confecção das perucas fornecidas às vítimas, e também a participação de atividades realizadas no local, como palestras discutindo temáticas sociais. Essas análises foram fundamentais para iniciar a imersão às reais necessidades deste público alvo, sendo expostas à todos os alunos da turma e professores do semestre, os quais juntos discutiram e decidiram os melhores caminhos a serem seguidos, de acordo com as ferramentas da área do Design.

Diante da reformulação pedagógica, houve uma interdisciplinaridade entre as matérias, o que proporcionou ao projeto melhor suporte de construção. Dentre as disciplinas abordadas no semestre, estão: Design de Moda, utilizada como uma ferramenta de caráter estético-publicitário; a Comunicação Visual, como um importante fator comunicacional entre a ONG e a sociedade; Produção Gráfica, com foco na prática na elaboração de futuras propostas; Ergonomia, essencial à análise tanto física-emocional na concepção das perucas quanto à avaliação do site institucional na web; Design de Serviços, com o objetivo de observar as oportunidades que possam trazer benefícios tangíveis e intangíveis à ORVAM e finalmente, a matéria de Projeto, a qual engloba todos essas referências e as materializa na prática. Abaixo, este sistema mostra a relação de uma forma mais clara:

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Figura 6 – Interdisciplinaridade. Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

A inspiração surgiu a partir de um projeto chamado “If only for a second”,

apresentado em um livro com 60 páginas de fotografias elaboradas por Vincent Dixon. Segundo o site da fundação, nele estão contidos 20 participantes com casos de câncer, os quais perderam os cabelos devido ao tratamento quimioterápico e por isso a proposta da utilização de perucas lúdicas, para fazer com que eles esquecessem apenas por um momento sua doença, a dor e o sofrimento. As fotos são acompanhadas por legenda, data, hora e principalmente o segundo em que a pessoa é clicada com a peruca, revelando a reação do olhar-se diferente.

Figura 7 – Projeto “If only for a second”. Fonte: www.mimi-foundation.org

Possuindo como referência o projeto descrito acima, este trabalho está baseado na

elaboração de perucas não convencionais, com o intuito de auxiliar na divulgação da ORVAM e ajudar em uma maior arrecadação de matéria prima (cabelos naturais) para a confecção de perucas, as quais serão doadas para mulheres vítimas de escalpelamento. Tendo a temática do projeto centrada no “lúdico”, serão utilizados materiais alternativos na construção das mesmas. O projeto abordará temas locais, como: ícones, símbolos e personalidades femininas da cultura paraense. Dentre os temas, estão: o círio, o açaí, a manga, a chuva, o carimbó, o ver-o-peso e o “treme”, elementos característicos da culinária, clima, turismo, estilo musical e manifestações culturais. As personalidades estão representadas por 7 mulheres: a Fafá de Belém, Joelma da banda Calypso, Gabi Amarantos, Lia Sophia, Keila Gentil, Dira Paes e Dona Cheirosa, as estrelas locais.

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Figura 8 – Ícones Paraenses. Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

Estas referências regionais serão a base de inspiração para a confecção dos

produtos. A partir do desenvolvimento destas perucas, haverá a realização de um ensaio fotográfico das integrantes da ONG com o novo adorno, o qual irá compor o calendário 2015 da instituição. A ação final consistirá em um desfile das participantes, apresentando as perucas e o calendário como forma de divulgação do trabalho realizado pela ORVAM.

7. RESULTADOS OBTIDOS E ESPERADOS

Esse projeto ainda está em processo de construção, devido ao trabalho em conjunto. Todas as disciplinas estão prosseguindo de acordo com suas metodologias, objetivos e especificidades, mas possuindo a mesma intenção de conscientizar a sociedade paraense do problema enfrentado pelas ribeirinhas, seja pelo fato do acidente ou pelas dificuldades de inserção no meio social. Em relação aos resultados obtidos, já foram elaboradas sugestões para o redesign do site e a criação de cartazes de divulgação. Agora, a expectativa está na finalização dos protótipos das perucas e camisetas para que as propostas de outras disciplinas sejam finalizadas e o objetivo final alcançado.

8. REFERÊNCIAS

Amazônia. Disponível na internet por http em:<amazonia.org.br/2013/03/ainda-o-escalpelamento>. Acesso em 13 de Março. 2014. BARROS, Roberta Coelho. Design Social: uma possibilidade. Trabalho de conclusão do curso de comunicação social, habilitação, publicidade e propaganda. Pelotas: UCPel, 2004. BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011. CASTRO, Roseane de O. Prevalência de sinais e sintomas de desordens temporomandibulares nas vítimas de escalpelamento – Juiz de Fora, 2007. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal de Juiz de Fora –UFJF. Disponível na internet por http em: < http://www.ufjf.br/facfisio/files/2010/09/Roseane-.pdf>. Acesso em 20 de Março. 2014.

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http://www.youtube.com/watch?v=ihM30oLr8uM>. Acesso em 20 de março. 2014. If only for a second. Disponível na internet por http em: <

www.youtube.com/watch?v=pMWU8dEKwXw>. Acesso em 10 de março. 2014. LOBACH, Bernd. Design Industrial: Bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo: Editora Blucher, 2001. MARGOLIN, Victor. MARGOLIN, Sylvia. Um “modelo social” de Design: questões de pratica e pesquisa. Revista Design em foco, julho-dezembro, ano/vol. I, número 001. Universidade do Estado da Bahia, 2004. Disponível em: <

http://designparasustentabilidade.files.wordpress.com/2010/06/um-modelo-social-de-design.pdf>. Acesso em: 15 de Março, 2014. MEYER, Guilherme Corrêa. ROSA, Silvana Bernardes. Design na Escola. Florianópolis, 2009. Disponível na internet por http em: <http://pt.scribd.com/doc/23207410/Design-Na-Escola>. Acesso em 25 de março. 2014. MOREIRA, Emanoel e PINTO, Rosângela. Inserção do Artesanato no Ensino do Design da Universidade do Estado do Pará – UEPA. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Pará, 2009. Disponível na internet por http em:<

http://blogs.anhembi.br/congressodesign/anais/artigos/69428.pdf>. Acesso em 22 de Abril. 2014. MOTA, M. A. A contribuição da fisioterapia no tratamento de vítimas de escalpelamento. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Estadual do Pará, Belém, 2000. 81p. ORVAM – ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor. Disponível na internet por http em: < http://orvam.org.br/site/>. Acesso em 10 de Março. 2014. PAPANEK, Vitor. Arquitectura e Design – Ecologia e Ética. Portugal: Edições 70 Lda, 2007. PIZZOL, C. D.; PSCHEIDT, L.; MOSER, D. K.; MACHADO, M. História do penteado: uma revisão bibliográfica. Universidade do Vale do Itajaí, 2010. Disponível na internet por http em: < siaibib0 .univali.br ... idimara 20 al’ izzol, 20 uciane 20 scheidt.... >. Acesso em: 23 de Março. 2014. Projeto If only for a second. Disponível na internet por http em: <www.mimi-foundation.org/en/ifonlyforasecond.html >. Acesso em 10 de Março. 2014. Revista ISTOÉ Dinheiro. Disponível na internet por http em:

< http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/42278_CACHOS+DE+OURO>. Acesso em 14 de Abril. 2014.