Designer Gráfico - um comunicador multimodal

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7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design O Designer Gráfico: um Comunicador Multimodal Graphic Designer: a Multimodal creator Gutierrez Quintana, Haenz; Dr; Universidade Federal de Santa Catarina [email protected] Resumo O propósito fundamental do designer gráfico é a comunicação visual. Conseqüentemente, ele objetiva a troca de informações, idéias, sentimentos valendo-se das modalidades semióticas que lhe parecem mais apropriadas para a interação num dado momento e lugar. As decisões envolvidas na construção de mensagens visuais não devem ser conseqüência de supostos princípios estéticos universais nem da expressão particular do designer. Os produtos resultantes do design de comunicação visual são constantemente construídos, apropriados e redefinidos socialmente. Esta característica confere ao design gráfico um estatuto “criativo - comunicacional” que difere do destino exclusivamente técnico promulgado por alguns setores da sociedade e do aquilatamento estético proclamado por algumas escolas de artes visuais. Palavras Chave: Design Gráfico, Comunicação Multimodal, Significação. Abstract The fundamental purpose of the graphic designer is visual communication. Consequently, his aim in this job is the information, ideas and feelings exchange; using, for this, the semiotics modalities that seem most appropriate to him for the interaction in given moment and place. The decisions involved in the construction of visual messages should not be the consequence of supposed universal aesthetic principles and neither of the designer particular expression. The resultant products of visual communication design are constantly been built, and socially redefined. This characteristic gives to the graphic design a “creative - communicative” category that differs from the exclusively technical destiny promulgated by some sectors of the society and from the enlarged aesthetic value proclaimed by some visual arts school. Keywords: Graphic Design; Multimodal Communication, Signification.

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O propósito fundamental do designer gráfico é a comunicação visual. Conseqüentemente, ele objetiva a troca de informações, idéias, sentimentos valendo-se das modalidades semióticas que lhe parecem mais apropriadas para a interação num dado momento e lugar.

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7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design

O Designer Gráfico: um Comunicador Multimodal

Graphic Designer: a Multimodal creator

Gutierrez Quintana, Haenz; Dr;Universidade Federal de Santa [email protected]

Resumo

O propósito fundamental do designer gráfico é a comunicação visual. Conseqüentemente, ele objetiva a troca de informações, idéias, sentimentos valendo-se das modalidades semióticas que lhe parecem mais apropriadas para a interação num dado momento e lugar. As decisões envolvidas na construção de mensagens visuais não devem ser conseqüência de supostos princípios estéticos universais nem da expressão particular do designer. Os produtos resultantes do design de comunicação visual são constantemente construídos, apropriados e redefinidos socialmente. Esta característica confere ao design gráfico um estatuto “criativo - comunicacional” que difere do destino exclusivamente técnico promulgado por alguns setores da sociedade e do aquilatamento estético proclamado por algumas escolas de artes visuais.

Palavras Chave: Design Gráfico, Comunicação Multimodal, Significação.

Abstract

The fundamental purpose of the graphic designer is visual communication. Consequently, his aim in this job is the information, ideas and feelings exchange; using, for this, the semiotics modalities that seem most appropriate to him for the interaction in given moment and place. The decisions involved in the construction of visual messages should not be the consequence of supposed universal aesthetic principles and neither of the designer particular expression. The resultant products of visual communication design are constantly been built, and socially redefined. This characteristic gives to the graphic design a “creative - communicative” category that differs from the exclusively technical destiny promulgated by some sectors of the society and from the enlarged aesthetic value proclaimed by some visual arts school.

Keywords: Graphic Design; Multimodal Communication, Signification.

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O Designer Gráfico: um Comunicador Multimodal

1 - O Designer Como Criador da Relação Homem/Meio Ambiente

Abraham Moles, num artigo publicado pela revista Communication et Langages intitulado: Dire le monde et le transcrire,1 escreve que o termo DESIGN acolhe a idéia de adaptar o meio ambiente aos projetos de vida do ser. Deste modo conceitua o DESIGNER como demiurgo2 da relação homem/meio ambiente. Do mesmo modo afirma que o DESIGN GRÁFICO não é outra coisa que a concepção de signos e sua posterior aplicação, sendo o universo do designer gráfico, por excelência, o bidimensional da página em branco. Nesta superfície - como se desprende do texto - o designer ensaiaria aproximações ao seu propósito de aumentar a legibilidade do mundo, meta longínqua reguladora de seu agir. ( Moles 1988: 71ss )

A concepção do designer como demiurgo é uma idéia interessante. Encontramos esta idéia, precedendo o texto de Moles, no ensaio de Barthes sobre Erté, quando diz que este último deveria ser homenageado como fundador de signo, criador de linguagem, à semelhança do logoteta que Platão comparava a deus.3 Com efeito, fora no Crátilo ou das propriedades dos nomes que o filosofo grego proferiu esta concepção. No diálogo, Hermógenes e Crátilo, discípulos de Heráclito, travam discussão sobre a natureza das palavras. O primeiro sustenta que os nomes das coisas são convencionais e que eles poderiam ser transformados a vontade (seguindo o bom gosto); o segundo, pelo contrário, afirma que os nomes correspondem à natureza íntima das coisas que eles designam e que além disso, seria o único meio para alcançar o seu conhecimento. Com a intervenção de Sócrates a discussão chegou a uma questão importante, qual seja: podemos alcançar a natureza íntima das coisas através da linguagem? Contrariando Crátilo, Sócrates demonstrou que os nomes correspondem à imagem que o homem faz das coisas e não por conseqüência das coisas mesmas. Ademais, se os nomes servissem ao conhecimento das coisas, o primeiro que os inventou não poderia valer-se deles como meio de conhecimento uma vez que os inventou ao acaso. Mas, - replica Crátilo no diálogo - se houve um deus criador da linguagem não haveria incertezas nem contradições. Então, para alcançar o conhecimento não é aos nomes que temos que nos dirigir, mas às idéias, porque de outra forma, o conhecimento que teremos será um conhecimento de imagens por conseqüência um conhecimento imperfeito. Assim Sócrates conclui exortando Crátilo a não se cingir às palavras.4

Deixando de lado a importante questão do conhecimento do ser, vamos nos ater ao problema da linguagem, desenvolvendo a idéia do designer gráfico como demiurgo. Certamente, o âmbito em que o Design gráfico ocorre é o da página branca; é nessa superfície que o designer cria um universo arranjando, dispondo a matéria preexistente. Neste ponto teríamos que nos perguntar o que é, a final, Design gráfico? As duas palavras, obviamente, ultrapassam a soma de seus significados individuais e a realidade desta atividade extrapola os termos que a designam. Diante disto, nos dirigiremos às idéias que elas suscitam.

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Segundo Giorgio Antei, o senso comum indicou, por muito tempo, que o Design não era uma atividade criadora e que, portanto, equivalia a uma atividade técnica uma vez que o designer teria sua praxe subordinada ao princípio de realidade conseqüente da identidade entre representação e mimese.5

Com efeito, se representar significa, na perspectiva de Kaczmarek,

“apresentar algo por meio de algo materialmente distinto de acordo com regras exatas, nas quais certas características ou estruturas daquilo representado devem ser expressas, acentuadas e tornadas compreensíveis pelo tipo de apresentação, enquanto outras devem ser conscientemente suprimidas”6,

a relação entre representação e realidade tem um caráter ilusório no sentido de Gombrich7, isto é, apresenta-se como um misto de elementos perceptivos naturais e meios representativos convencionais. Deste modo, o discurso gráfico produziria uma ilusão referencial ou “impressão de realidade” através de operações figurativas convencionais e de articulações do material significante aliadas a atualização psicoperceptiva do espectador.

Entretanto, a experiência perturbadora das vanguardas do início do século XX, converteu-se no salto histórico que mostrou a necessidade de redefinir o conceito de Design, colocando em crise a sua concepção ordinária que o definia como uma atividade exclusivamente técnica. Neste contexto foi fundada a Bauhaus no ano de 1919 em Weimar – Alemanha8. À deturpação dos conceitos da escola devemos a estética racionalista - “estilo Bauhaus” - que norteia, até hoje, de uma ou outra maneira, a praxe do designer. Com efeito, a meta da escola de arte fundada por Gropius não consistia em propagar um “estilo” qualquer, mas pretendia exercer uma influência viva no Design (cf. Gropius 1972:32), influência esta que surgiria da descoberta de uma nova postura - perante a solução de problemas - que visaria o desenvolvimento de uma consciência criadora nos participantes opondo-se, então, à idéia de l’art pour l’art.

A postura teórica de Abraham Moles concebe o designer como um “engenheiro em comunicações” cujo projeto de vida, vale a pena repetir, seria o aumento da legibilidade do mundo, meta que atingiria através da exacerbação codificadora, isto é, mediante a atualização e adequação simbólica dos dados do entorno ao projeto de vida, cingindo-se às regras que a psicologia da percepção e da ação lhe impõem - sobretudo as que ele chama de universais: todas as coisas devem ser iguais. A normalização do signo tipográfico, a padronização das formas dos objetos usuais e a geometrização forçada do mundo industrial seriam, para Moles, provas de seu ponto de vista. De outro lado, ao falar do espaço de ação do designer gráfico, Moles reduz a atividade do designer ao exercício da diagramação que por sua vez restringe-se ao preenchimento de uma superfície plana, com elementos pré-fabricados por outros gráficos especializados (fotógrafos, desenhistas, impressores etc.)9 Deste modo, Moles propõe um tranqüilo destino técnico para o Design, tão positivo como anti-histórico, ou seja, um destino derivado da vontade do autor e não da natureza do

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design. Parece que Moles não enxergou a universal recusa à monotonia ao ‘dar as costas’ a um mundo envolvido pela diversidade e pela criatividade demiúrgica. O demiurgo referido por Moles é um demiurgo tolo, já que seu propósito acolhe a idéia de arruinar o universo, uniformizando a matéria preexistente.

A função última do designer gráfico não deve ser (nem estar) regulada pela legibilidade, uma vez que a qualidade de legível dos caracteres no sistema alfabético de escrita refere-se à velocidade com que cada letra ou palavra pode ser reconhecida que, por sua vez, depende da forma dos caracteres e da perceptividade decorrente dos processos de naturalização cultural dos usuários. Igualmente, do ponto de vista da lingüística, a legibilidade está garantida por uma unidade maior - a palavra - que, por sua vez, subordina-se à ortografia.10 Do mesmo modo, podemos falar numa espécie de ortografia da sinalização, da diagramação, da ilustração etc. que teria, como todo sistema axiológico, um funcionamento canônico de uma flexibilidade temporal e contextual.

A função do designer, pelo contrário, se funda numa intervenção renovadora dos parâmetros psicológicos e culturais da percepção. Se entendermos a representação ampliando os limites da noção para além da idéia de espelho do real estamos reconhecendo a sua capacidade de gerar significados autônomos a respeito dos objetos representados e, conseqüentemente, ‘fissuras’ na sua relação de conformidade, isto é, na correspondência termo a termo com os significados usuais. Estas ‘fissuras’ produziriam, então, uma ruptura na simetria do sentido e, portanto, um transtorno no sistema semântico com que interpretamos o mundo. Neste sentido, o design se insere entre o homem e a natureza assumindo a tarefa de recriar, pelo artifício, o cenário do ambiente vital. Eis, “a problematização permanente de nosso repertório de imagens e experiências, problemática que se expressará, sobretudo, na busca permanente da inovação de nosso universo sígnico”, nas palavras de Maldonado (1977:170), princípio, a nosso ver, da criatividade demiúrgica.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Bob Gill afirma que o Design gráfico é o processo que leva à solução de problemas de comunicação visual e que, a função do designer é a de solucionar problemas com originalidade11. Concordamos com Gill e entendemos que a criatividade demiúrgica comporta a solução de problemas transformando a matéria preexistente. Tal matéria, para o designer gráfico, seria o repertório de signos, num sentido amplo. O demiurgo se vale,então, de uma metodologia multimodal, visto que o seu processo criativo parte do fundamento, da essência do signo original para fundar novas formas de ver. Retomando os diálogos platônicos, teríamos que concordar com Hermógenes quando diz que os nomes das coisas - e por extensão a linguagem - são convencionais e que eles poderiam ser “trans-formados” à vontade. Porém, devemos incorporar a ressalva Socrática e realçar que transformar à vontade significa uma vontade de transformação que contempla o mundo das idéias12 e que está destinada ao enriquecimento da experiência cultural do homem.

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2 -Teoria Multimodal da Comunicação Visual

Vimos que o designer gráfico satisfaz necessidades específicas de comunicação visual mediante a configuração, estruturação e sistematização de mensagens significativas para seu meio social. Do mesmo modo, o designer - como criador e estruturador de produtos e/ou eventos semióticos - materializa sistemas de comunicação gráfica, mediante o desenvolvimento de projetos que abrangem diversos meios nos quais o conceito de multimodalidade se torna fundamental na concepção e apreensão das mensagens.

O conceito de modalidade tem origem na denominação dada pelo cientista alemão Hermann Helmholtz13 para se referir a categorias de qualidades sensoriais (modalidade visual, auditiva, tátil, olfativa, etc.) no seu empenho de explicar fenômenos naturais.

A interação entre pessoas tem um caráter multimodal. Na interação face-a-face, fecunda em indícios para a construção do sentido, as pessoas podem usar simultaneamente diversas modalidades sensoriais para registrar e transmitir informação. Para exprimir negação numa interação face-a-face, por exemplo, podemos concomitantemente pronunciar a palavra “não”, abanar a cabeça sucessivamente da esquerda para a direita e acenar o dedo indicador no mesmo sentido. A redundância reforça e enfatiza a mensagem suprimindo ambigüidades. Conseqüentemente, a comunicação aconteceria sem percalços.

Do ponto de vista das ciências da linguagem, o termo multimodal remete à co-ocorrência de diversos modos semióticos de representação e/ou comunicação que, dentro de um determinado texto, co-ocorrem na construção do sentido. As modalidades podem ser: verbal (oral ou escrita), visual, gestual, tátil, sonora, etc. Assim, podemos afirmar que os produtos do design gráfico são discursos significantes multimodais em que diversos modos semióticos de representação e comunicação juntam-se para fazer sentido.

Kress & Van Leeuwen (2001) desenvolvem uma teoria da comunicação multimodal:

Queremos esboçar uma teoria multimodal da comunicação baseada, não em idéias que expliquem naturalmente as características das modalidades semióticas comparando canais sensórios e modos semióticos, mas em uma análise das especificidades e características comuns das modalidades semióticas considerando sua produção social, cultural e histórica14.

Kress & Van Leeuwen se afastam do conceito Helmholtziano de modalidade, caro às ciências naturais, e posicionam o conceito no campo da semiótica social:

(...) na era da digitalização, as diferentes modalidades tecnicamente se tornaram as mesmas em alguns níveis de representação, e elas podem ser operadas por uma pessoa multi-especialista, usando uma interface, um modo de manipulação

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física, de forma que ela pode se perguntar, em cada ponto: Devo expressar isto com som ou música?, Devo dizer isto; visual ou verbalmente?, e assim por diante. Nossa abordagem toma como ponto de partida este novo desenvolvimento, e busca oferecer o elemento que muito tem faltado na equação: o semiótico em lugar do elemento técnico, a questão de como a possibilidade técnica pode ser feita para funcionar semioticamente15.

Sob a ótica da semiótica social o signo seria o resultado da ação intencionada do seu produtor que se expressa através da seleção de significantes que buscam o sentido desejado. No entanto, a significação como processo ativo de interpretação também confere ‘poderes’ ao leitor em relação ao texto do produtor. O mesmo texto pode gerar diferentes significados para diferentes leitores, uma vez que os signos estão fortemente relacionados com as convenções sociais que o leitor aprende no decurso da sua existência.

Conseqüentemente, Kress & Van Leeuwen conceituam comunicação como um processo em que um produto ou evento semiótico é enunciado ou produzido, interpretado ou usado. Deste modo, eles consideram a produção e o uso de objetos e ambientes projetados como formas de comunicação16. Igualmente, definem multimodalidade como o uso de diversas modalidades semióticas no design de um produto ou evento semióticos, associado à maneira particular com que estas modalidades podem ser combinadas. Segundo os autores, as modalidades podem reforçar umas as outras, isto é, elas podem comunicar o mesmo sentido em modos diferentes17. É o caso, por exemplo, do ato de consentir expresso pela palavra “sim” e, concomitantemente, pelo balanço da cabeça. Também, a combinação de modalidades pode desempenhar um papel complementar, como as legendas nas fotorreportagens, ou podem estar hierarquicamente ordenadas, como nos filmes de ação, onde o enredo é dominante, com a música acrescentando um toque de emoção e o som um toque de realismo.

A teoria da comunicação multimodal de Kress & Van Leeuwen trabalha a questão do sentido em oposição a conceitos procedentes da lingüística tradicional. Com efeito, onde a lingüística tradicional define linguagem como um sistema que funciona pela dupla articulação, em que a mensagem seria uma seqüência de unidades cada qual dotada de uma forma e de um sentido, eles consideram os textos multimodais como produtos ou evento semiótico que geram sentido em articulações múltiplas18.

Os autores esboçam quatro domínios da prática em que o sentido seria produzido preponderantemente. Eles chamam esses domínios de stratas (camadas) cada uma das quais aptas para produzirem suas próprias camadas de significação. Elas seriam: discurso, design, produção e distribuição. Kress & Van Leeuwen assim as conceituam:

Discurso: Os discursos são socialmente instituídos como formas de conhecimento sobre aspectos da realidade. Estes incluem conhecimento dos acontecimentos constitutivos daquela

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realidade (que abrange, o que acontece, onde e quando acontece, e assim por diante) como também um conjunto de avaliações relacionadas, propósitos, interpretações e legitimação.

As pessoas freqüentemente têm vários discursos alternativos disponíveis com respeito a um aspecto particular da realidade. Eles então usarão o que for mais apropriado para os interesses da situação de comunicação em que se encontram envolvidos.

Design: é a conceituação da forma de produtos e eventos semióticos. Três coisas são projetadas simultaneamente: (1) a formulação de um discurso ou combinação de discursos, (2) as características da (inter)ação, em que o discurso é inserido, e (3) o modo particular de combinar modalidades semióticas. O design é separado da produção material real do produto ou evento semiótico, e usa modalidades semióticas como seus recursos. Pode envolver produções intermediárias (partituras de musical, roteiros de jogos, plantas arquitetônicas, etc.) mas a forma que estas tomam não é a forma como o design eventualmente alcança ao público.

Produção: A produção é a enunciação materializada de produtos ou eventos semióticos, quer na forma de um protótipo que está ainda para ser transcodificado em outra forma com propósitos de distribuição (por exemplo um 35 mm telecinado) ou em sua forma final (por exemplo uma fita cassete para distribuição comercial).

A produção não só dá uma forma compreensível aos projetos mas acrescenta significados que fluem diretamente do processo físico de articulação e das qualidades físicas dos materiais usados, por exemplo, a gesticulação envolvida na produção de fala, ou do peso, cor e textura do material usado por um escultor.

Distribuição: A distribuição se refere á re-codificação técnica de produtos e eventos semióticos, para propósitos de gravação (por exemplo gravação de fita, gravação digital) e/ou distribuição (por exemplo rádio e televisão, telefonia).

As tecnologias de distribuição geralmente não são planejadas como tecnologias de produção, mas como de reprodução, e, portanto, não estão destinadas para produzir sentido por elas mesmas. Contudo, elas logo começam a adquirir um potencial semiótico por si próprias, e até fontes do ruído não desejado como os arranhões e descorados de impressões de filme antigas podem se tornar significantes por si próprios. Na era da mídia digital, porém, as funções de produção e distribuição se tornam tecnicamente integradas em maior extensão.19

Os autores também fazem distinção entre modo ou modalidade semiótica que na dicotomia conteúdo/expressão diz respeito ao conteúdo, e médium ou mídia que estaria do lado da expressão. Desta maneira aproximam-se de Negroponte (1995) quando disse que no mundo digital,

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o meio não é a mensagem, mas uma das formas que ela assume:Modo: Modalidades são recursos semióticos que permitem

a realização simultânea de discursos e tipos de (inter)ação. O design, conseqüentemente, usa estes recursos, combinando modalidades semióticas, escolhendo das alternativas disponíveis as que estão de acordo com os interesses de uma situação particular de comunicação. Modalidades podem ser concretizadas em mais de um medium de produção. A narrativa é uma modalidade porque permite que os discursos sejam formulados de uma maneira particular (...), porque ela constitui um tipo particular de interação, e porque pode ser realizada em um leque de mídias diferentes.

Medium: As mídias são os recursos materiais usados na produção de produtos ou eventos semióticos, incluindo as ferramentas e os materiais usados (por exemplo o instrumento musical e o ar; o cinzel e o bloco de madeira). Elas normalmente são produzidas especialmente para este propósito, não só culturalmente, (pintura, máquinas fotográficas, computadores), mas também naturalmente (nosso aparato vocal).20

Qualquer que seja a mensagem visual ela é multimodal porque composta por mais de um modo de representação. Em determinado produto ou evento de comunicação visual, além do código da escrita, podemos encontrar elementos advindos de outros sistemas simbólicos: qualidades dos materiais, diagramação, cores, tipologias, formas e formatos, relações prossêmicas, espaciais e temporais, elementos audiovisuais (sons e imagens em movimento) etc. Estes elementos do design interferem na mensagem contribuindo para a construção de sentido.

A figura acima corresponde à solução gráfica adotada no cartaz francês para o título do segundo longa-metragem do diretor Roman Polanski. Ela exemplifica os diferentes modos de representação que podem compor uma mensagem visual. Em seguida, analisaremos este título considerando sua especificidade multimodal.

Repulsion é um lexema da língua inglesa cuja etimologia latina é compartilhada pelas línguas românicas.21 Formalmente, o título no cartaz francês está composto, do ponto de vista tipográfico, por caracteres redondos da família lapidaria extra bolds em caixa alta.22 As conseqüências desta escolha tornam-se patentes na alta legibilidade do título devido à ausência de serifas e à uniformidade dos caracteres. Estas características são invariantes pertencentes à tipologia. Até aí, o trabalho do designer gráfico limitou-se à eleição da fonte, tarefa realizada possivelmente sem muito esforço, uma vez que a utilização de caracteres da família Lapidária na composição de títulos transformou-se em lugar-comum na editoração, no jornalismo e na publicidade. Onde começa, então, o trabalho criativo

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do designer? O ponto de partida da arte da caligrafia é a letra e, a letra -como diz Barthes:

é o espaço onde convergem todas as abstrações gráficas. Elas, não são outra coisa que a combinação de algumas retas e algumas curvas; mas, por outro lado, é o ponto de partida de um enorme conjunto de imagens, vasto como uma cosmografia; a letra, significa, por um lado, a censura extrema (...) e, por outro lado, o extremo prazer.23

Efetivamente, o designer gráfico está preso a substancia do caractere (a sua arqueforma) da qual não pode escapar sob pena de isolamento. Porém é livre para ‘navegar’ na sua forma, isto é, na recriação da ‘pele’ que recobre uma estrutura imposta (pela lei) e seus interstícios. É o poético enquanto capacidade simbólica de uma forma, nas palavras de Barthes.24

Os inúmeros alfabetos vindos de todos os séculos - com caracteres figurativos ou abstratos - desde os semíticos, que recriam os hieróglifos egípcios, até os inspirados pelas tecnologias de ponta (pensamos nas tipografias digitais de Neville Brody)25 confirmam a mania, o prazer pelo Design. Vejam o magnífico alfabeto ideográfico de Erté - objeto do prazeroso ensaio de Barthes26 - no qual silhuetas femininas e caracteres afeiçoam-se mutuamente ou às unciais do começo dos parágrafos na escrita livresca da Idade Meia, cujos arabescos eram forjados pelo imaginário dos escribas sem outro propósito que iluminar a página e, ainda, os incontáveis logotipos que, desde muito antes da invenção da imprensa, vêm marcando a identidade de pessoas, animais e coisas.

Neste sentido, o trabalho sobre o título do filme Repulsion possui o mérito da sutileza, isto é, parece não ter um peso apreciável. Examinaremos então essa particularidade ressaltando de início a sua concepção sinóptica. Com efeito, o título do filme no cartaz tem uma adequação formal ao sentido do lexema que o constitui por um lado e, por outro, uma adequação ao sentido deste no filme. Portanto, podemos dizer que o designer se (pré)-ocupa do sentido.

Se fixarmos a atenção na disposição dos caracteres que formam a palavra Repulsion no título do filme, notamos que eles estão estreitamente juntos: o R suporta o E que, por sua vez, se funde com o P, o L cópula com o S, etc. Contudo, temos a sensação de que há uma relutância – prossêmica - entre os caracteres. Esta impressão é produzida pelo contorno irregular e pelas arestas sutilmente pontiagudas resultantes do fraturamento das bordas dos caracteres. Vemos assim que através de uma operação disjuntiva (relação de proximidade espacial entre os caracteres versus relutância entre as bordas dos mesmos) atribui-se ao componente lingüístico do título, quer dizer, ao lexema Repulsion, uma certa significação. É tudo? Não. Ainda incidem sobre o título outros elementos que desempenham o papel de prever a significação ocorrencial efetiva do lexema Repulsion na situação fílmica. Nos referimos ao olho no interstício do R (o R “ciclope” cujo olho frontal está unido à idéia de destruição; a (re)-pulsão agressiva,

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da terminologia psicanalítica) ao grafema – masculino - que conforma o ponto do I, e ao grafema – feminino - no interstício do O. Estes elementos funcionam aqui como uma espécie de semantemas que compreendem os traços específicos que distinguem e/ou precisam o sentido da ação Repulsion: (The state of feeling repelled by persons of male sex.) no contexto do filme.

3 - Considerações finais

Em nossa exposição defendemos a idéia de que o Design Gráfico atende aos requerimentos da vida em sociedade que dizem respeito à interação com o ambiente e com as pessoas por meio das linguagens. O propósito fundamental do designer gráfico é a comunicação visual. Conseqüentemente, ele visa estabelecer alguma coisa em comum com seu álter, isto é, objetiva a troca de informações, idéias, sentimentos valendo-se das modalidades semióticas que lhe parecem mais apropriadas para a interação num dado momento e lugar. Assim, as decisões envolvidas na construção de mensagens visuais não devem ser conseqüência de supostos princípios estéticos universais nem da expressão particular do designer. Os produtos e/ou eventos resultantes do design de comunicação visual, são a síntese de múltiplos processos de relacionar, ordenar e significar27. Eles são constantemente construídos, apropriados e redefinidos socialmente. Esta característica confere ao design gráfico um estatuto “criativo - comunicacional” que difere do destino exclusivamente técnico promulgado por Moles e do aquilatamento estético proclamado por algumas escolas de artes visuais.

Sobre o Autor

Haenz Gutierrez Quintana

Currículo

Doutor e Mestre em Multimeios pela Unicamp. Graduado em Design pela Universidade Nacional da Colômbia. Pesquisador associado do Laboratório de Média e Tecnologia da Comunicação – Unicamp. Docente do Curso de design da Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Conselho Editorial da Revista Eletrônica Studium. Atua como pesquisador nas áreas de design, fotografia, cinema, propaganda e marketing.

Dados Gerais

Rua Capitão Romualdo de Barros, n.º 694, A301CarvoeirasCEP: 88040-600Florianópolis, SC – BrasilTel.: (48) 3238-2117

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SANTAELLA & NÖTH. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras. 1998.

NOTAS

1 Cf. Moles (1988), Dire le monde et le transcrire, in, Communication et langages #76, Paris, Retz, p. 68ss.

2 Idéia platônica de um deus que, organizando a matéria preexistente, cria o universo. A palavra tem sua

origem no dialogo Timeu ou da natureza em que se invoca uma divindade artífice que cria o mundo à

semelhança da realidade ideal, utilizando uma matéria informe e preexistente que Platão chama a mãe do

mundo.

3 Cf. Barthes (1990:99). O original francês deste texto é de 1982.

4 Cf. Platão (1931:50ss)

5 Cf. Antei (1982:3)

6 Cf. Kaczmarek. Apud. Santaella & Nöth, (1998:18)

7 Cf. Gombrich (1979)

8 A Bauhaus de Weimar, como se sabe, foi uma escola de arte que surgiu das sementes lançadas pelo trabalho

de William Morris e Henry van de Velde em 1906 nas Deutscher Werkbund que, interrompido pela guerra, foi

posteriormente retomado por Walter Gropius na fundação desta escola. O escopo geral da Bauhaus consistia,

nas próprias palavras de Gropius em: conceber que o Design de nosso mundo-ambiente não depende da

aplicação de uma série de fórmulas estéticas, preestabelecidas, e sim de um processo contínuo de crescimento

interior, que recria constantemente a verdade ao serviço da humanidade. Cf. Gropius (1972:220).

9 Moles 1988:73.

10 Cf. Cagliari (1994:38) O autor afirma que a ortografia associada à noção de palavra, permite que esta se

torne uma referência interpretativa dos caracteres. Segundo ele, a ortografia conseguiu conciliar o individual

e o coletivo (na leitura das diferentes escritas) criando o princípio de categorização gráfica das letras.

11 Cf. Caderno ilustrada do 22 de janeiro de 1991 p. E-10. Gill é um reconhecido designer gráfico

estadunidense que expôs seus trabalhos no MIS de São Paulo.

12 No sentido de S. Tomas de Aquino que, retomando Aristóteles, chegou à abstração das idéias a partir das

coisas.

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13 Ver: Helmholtz, H.L: Handbuch der Physiologischen Optik (Tratado de óptica fisiológica.) Leipzig, 1866

Vol III, Secc 26.

14 Cf., Kress & Van Leeuwen (2001:4)

15 id. Ib. p. 2

16 id. ib. p. 20

17 id. ib. p. 1

18 Cf., Kress & Van Leeuwen (2001:4)

19 id. p. 20

20 id. p. 21

21 Do latim repulsione - ato de afastar (a violência). Repulsion: The state of being or feeling repelled by

something or someone.

22 Para os leigos em tipografia indicamos a leitura do Collaro (1987) sobre todo o capítulo II que versa de

maneira simples as classificações tipográficas segundo o sistema Thibaudeau. Porém, assinalaremos que tal

classificação tem sido contestada por duas reclassificações posteriores, uma formulada por Maximilien Vox

em 1954 e, a outra por Jean Alessandrini em 1980. Ver Nouvelle classification typographique: códex 1980

in Comunications & langages # 43, Paris, Retz, 1979. Neste trabalho optamos pela classificação corriqueira

visando uma economia comunicativa.

23 Cf. Barthes (1990) capítulo I.

24 Esta capacidade, segundo o autor, só tem valor se permite à forma partir para um grande número de

direções e manifestar, assim, potencialmente, o infinito caminho do símbolo. do qual nunca se pode fazer

um significado último e que é, em suma, sempre o significante de um outro significante - razão pela qual o

verdadeiro antônimo do poético não é o prosaico e sim o estereotipado. Barthes. op. sic. p. 113.

25 Muito do aspeto formal de uma letra tem a ver com a técnica empregada para desenhá-la. Assim, por

exemplo, o alfabeto gótico, surgiu da facilidade de se traçarem barras usando penas de ganso. Porém, é a

arte do designer a que lhe confere personalidade ao caractere: confira os alfabetos do Baskerville, Bodoni,

Univers, etc.

26 Cf. Barthes (1990:97)

27 No sentido de Ostrower (1991:9)