Desiguadade Social e a Pobreza

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    A TEORIA DO APEGO E A CONSTRUO DO SELF

    A TEORIA DO APEGO E A CONSTRUO DO SELF

    Mame, eu me vejo nos seus olhos.

    Para uma construo do Self saudvel necessrio que a criana possa ter vivenciado no contatocom o outro, uma base segura a partir da qual o individuo possa explorar o mundo e experimentar outrasrelaes. Winnicott afirma que o primeiro espelho da criatura humana o rosto da me, sobretudo o seuolhar. Ao olhar-se no espelho do rosto materno, o beb v a si mesmo. Quando olho, sou visto, logo existo.Posso agora me permitir olhar e ver.

    Segundo Lowen (1997), as crianas, especialmente os bebs, precisam de amor incondicional paraque possam crescer como adultos saudveis. Na realidade sua prpria sobrevivncia depende de umvnculo amoroso com um adulto.

    A teoria do apego diz: O individuo no existe, s existe no sistema relacional, interpessoal.Na definio de Mary Ainsworth, Apego refere-se a um vnculo afetivo, onde existe a necessidade

    da presena do outro, e um acrscimo na sensao de segurana deste.Bee (1996) faz uma diferena entre apego e vnculo afetivo. O sentimento do beb em relao a

    seus pais um apego, na medida em que ele sente nos pais a base segura para explorar e conhecer o mundoa sua volta. O sentimento dos pais em relao ao filho descrito como vnculo afetivo, j que os pais noexperimentam um aumento em seu senso de segurana na presena do filho e tampouco o filho tem para os

    pais a caracterstica de base segura. O apego seguro vivido na primeira infncia influencia nas relaes doindivduo com a sociedade.

    John Bowlby concluiu, nos estudos que fez sobre o vnculo entre me e filho, que essa ligao era

    parte de um sistema de comportamento que servia proteo da espcie, j que os bebs humanos soindefesos e incapazes de sobreviverem sozinhos por um longo perodo de tempo. Deste modo, o apego dosbebs s suas mes ou cuidadores o que possibilitaria a sobrevivncia da espcie.

    A partir da primeira relao, segundo Bowlby, estabelece-se no indivduo um modo defuncionamento, Modelo Funcional Interno. A criana que tem em sua experincia um modelo seguro deapego vai desenvolver expectativas positivas em relao ao mundo, acreditando na possibilidade desatisfao de suas necessidades. J uma outra com um modelo menos seguro, poder desenvolver emrelao ao mundo expectativas menos positivas.

    A interao me-filho iniciada durante a gestao, permeada por emoes intensas vividas pelame. O nascimento do beb inaugura uma nova etapa nessa relao, agora no mais o filho idealizado oua imagem fantasmtica, mas o beb real que ali est. o inicio da formao de um vnculo entre duas

    pessoas com as caractersticas prprias de cada uma.Nas primeiras fases do desenvolvimento emocional do beb humano, um papel vital desempenhado pelo meio ambiente, que, de fato, o beb ainda no separou de si mesmo. Gradativamente, aseparao entre o eu e o no-eu se efetua, e o ritmo dela varia de acordo com o beb e com o meioambiente (Winnicott,1971).

    Na medida em que a criana cresce ganha autonomia com a sofisticao do sistema de locomoo,o desenvolvimento da fala e o controle dos esfncteres. Inicia seu processo de socializao com a entradana pr escola ampliando suas possibilidades de novos vnculos afetivos.

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    A CONSTRUO DO SELFSegundo Guy Tonella, analista bioenergtico, o Self precisa de dois anos aproximadamente para

    construir suas ligaes, para se integrar. Depois de dois anos se desenvolve o EGO como prolongamentodo SELF.

    O beb ao ser gestado no ventre materno tem experincias que, provavelmente, se integraro na

    maneira como ele experimentar suas vivencias no e com o espao (Safra, 2005).A segurana representada inicialmente pela me substituda por uma sensao de segurana noprprio self e no prprio corpo. Mas a segurana no Self s se desenvolve no grau que a criana se sentesegura em seu vnculo com a me (Lowen-1997).

    Alexander Lowen, criador da Anlise Bioenergtica, acredita que o beb nasce com um Self que um fenmeno biolgico, no psicolgico. O ego, em contrapartida, uma organizao mental que sedesenvolve a medida que a criana cresce. O senso de Self ou a conscincia do Self nasce quando o ego

    passa a estar definido atravs da autoconscincia, da auto-expresso e do autocontrole. O Self, portanto,pode ser definido como um aspecto sensvel do corpo.

    Inicialmente a organizao do Self decorre do registro que se estabelece no encontro do corpo dobeb com o corpo materno. As experincias organizam-se em formas sensoriais: de sons, de calor, de tato,

    de ritmos e de motilidade, entre outras. Esses inmeros registros so fenmenos em que a presena da me o Self da criana. Essa diversidade de sensaes capacita a criana a ter um corpo, no um corpo coisa,mas torna-se um corpo humano. A criana precisa de uma me devotada. A me devotada aquela que no

    perde de vista o ser de seu filho. Para que uma mulher possa dar as condies a fim de que seu beb sejahumano, preciso que ela prpria tenha o amparo necessrio para realizar suas funes maternas. Oambiente provedor tudo o que circunda o beb: sua me, sua famlia, seu pas, seu mundo. A me aflita,apesar de possuir uma ligao bastante intensa com seu beb, acaba por coisifica-lo, na tentativa de aplacarsua prpria ansiedade e aflio. A criana ganha unidade corporal por meio da e na presena do outro,surgindo paulatinamente um corpo psquico (SAFRA,2005).

    O self no pode ser construdo sem os vnculos. E estes vnculos interpessoais no so devidos a umou outro dos protagonistas, mas sim interatividade deles e ao mtuo apego que existe entre eles. Isso seaplica ao vnculo me-beb e ao vnculo terapeuta-cliente, quando o cliente ainda esta buscando seu sensode existncia na prpria subjetividade, segundo Guy Tonella.

    As atuais pesquisas trazem duas poderosas idias:As atividades prprias da criana, e suas capacidades de aprendizado esto profundamente ligadas

    ao prazer que a criana delas usufrui, bem como o prazer que os pais sentem conjuntamente com ela. Este prazer experimentado pela criana possibilita uma reserva narcisista. Trs ncleos que so

    fundamentais para o desenvolvimento do Self vo emergir da:1. Ncleo de segurana do Self (estudo de Mary Ainsworth): exige trs critrios para ser

    estabelecido:Uma me que no se liga ao beb de forma ansiosa

    Uma me receptiva aos sinaisUma me que responde de maneira adequada2.Ncleo de auto-confiana que supe:Uma me que permita que o beb a use quando est buscando um significado para reproduzir algo

    que descobriu, de modo a que tenha xito.Um par me-beb em que as mesmas causas reproduzem as mesmas conseqncias, de modo que

    caractersticas de constncia e permanncia organizam as relaes de troca. Isso possibilita o beb aconstruir um modelo operativo interno (MOI) (Bowlby,1969) ou seja uma referencia interna que

    possibilita a reproduo confivel de seu padro de ao.3.Ncleo de auto-estima: A confirmao feita pela me, de que esta referencia interna adquirida pelo beb eficiente,

    fundamenta o ncleo da auto-estima.

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    Quando a cadeia integrativa (ncleo de auto-seguranancleo de auto-confianancleo de auto-estima) rompida, coloca em perigo os fundamentos bsicos do Self e cria as feridas narcsicas.

    Uma vez ancorados nesta reserva narcsica primria baseada em auto-segurana, auto-confiana eauto-estima, os quatro continuuns de integrao do Self podem emergir e progressivamente vo seorganizando.

    Ainda segundo Guy Tonella, eles correspodem aos quatro nveis de integrao estudados na anlisebioenergtica.Continuuns de Integrao: O Self se constri a partir de quatro continuuns sucessivos, cada um

    deles tem suas prprias funes, e cada um desenvolve seu prprio tipo de vnculo com o ambienteinterpessoal:

    1.O continuum da vitalidade e os vnculos existenciaislida fundamentalmente com a funoenergtica e pulsante descrita por Reich. Esse nvel mobiliza o corao da pessoa em sua regulaofisiolgica bsica, que fornece as sensaes mais ntimas, ainda que primrias, de estar viva. Esta reaintegradora da vitalidade que regula a vida do beb ao nascer, considerando que, durante todo o perodoem que essa vida durar, ela continua sendo a base da sensao de vida atravs de mltiplas experincias deestruturao, de conflitos ou experincias traumticas. Os afetos de vitalidade so experincias de

    despertar, de ativao, ou de modificao dinmica do estado corporal, de formao de impulsos e depreparao para padres de ao. Eles no so percebidos como emoo. O vnculo existencial me-bebest baseado nos processos de ativao do beb pela me e vice-versa. Embora este vnculo existencialseja, sem dvida, criado durante o perodo pr-natal, ele s se expressa a partir do nascimento por meio deintercambio entre me e filho. A me que for constante no ritmo da estimulao do beb, seja pelo toque, ogesto, a voz, etc. permite que a criana reproduza com o passar dos dias, a experincia similar deestimulao, e a experincia similar dos sentimentos de vitalidade. Padres de estimulao vo seorganizando e se estabilizando. Esses pais so, de um lado, criadores de organizao para a criana e, deoutro lado so criadores de vnculos existenciais dos quais elas emergem, e para os quais passam a existir.Quando o beb no consegue desenvolver seu sentimento de existncia, com base num nvel de afetos devitalidade, em sua bi-polaridade sentimentos de ativao/sentimentos de relaxamento. Esta a origem da

    personalidade esquizide. Se este processo integrador de vitalidade e o vinculo existencial so bemformados, os afetos de vitalidade fortalecem as conexes sensrio-motoras que vo emergindo, reflexo queento espontneo. Conduzem a sensaes precisas e percepo do prprio corpo. Contribuem para oaparecimento do prprio corpo, ou melhor, corpo subjetivo que o corpo como primeira organizao

    subjetiva do Self.2.Continuum do corpo subjetivo e o vnculo interpessoal aparece por volta dos 2 a 3 meses de

    idade, organizado pelo desenvolvimento da funo motora voluntria. Antes dos 2 ou 3 meses o tnusmuscular til para os reflexos motores. Depois progressivamente, vai se tornando til para o controlevoluntrio da musculatura. O perodo entre o sexto e o dcimo segundo ms quando ocorre a sntesetnica. A distribuio tnica em todo o organismo, da cabea aos ps, se completa aos 2 anos, e constitui

    ento um envelope tnico, dela provm a sensao de uma delimi tao do Self, o que chamamos muitasvezes em anlise bioenergtica de limite ou fronteira do Self. Organizao da estrutura espao-temporal. Otnus muscular e suas adaptaes permanentes assumem a funo de manter uma coeso bsica do Self egarantem a sensao de viver como uma continuidade de um Self emergente organizado. As sensaes emovimentos vo se organizando em conexes sensrio-motoras. A afetividade est ligada a estasinvariantes sensrio-motoras e participa da construo de padres de ao do Self, isto , dos padres

    personalizados. A construo do corpo subjetivo tanto para o beb como para o adulto exige a presena deum terceiro regulador, fora do Self. O terapeuta atua como um regulador da estimulao do paciente, ou do

    processo energtico.3.Continuum da afetividade e o vnculo intersubjetivo O sentimento forte e claro de quem a

    pessoa , ou seja, a construo ou o reforo do sentimento de identidades subjetivas, nasce do vnculo

    interpessoal, e mais precisamente do intercambio afetivo. O terapeuta agente da integrao afetiva. Apartir de 6 meses, a criana exige intercmbios afetivos. Emerge assim um novo continuum integrador: a

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    expresso emocional est se firmando intencionalmente. A partir do 12 ms, a criana utiliza o sensoemocional desta relao para perceber o seu mundo interior e o mundo exterior. Este o comeo dadiferenciao e de uma dialtica corpo-emoes-pensamentos. A maturao genital aos 3 anos de idadereconhece esse universo existencial e o metaboliza em torno do interesse genital, desejo e fantasia. Aconstruo progressiva do vnculo intersubjetivo, segundo Daniel Stern, subordinada pela sintonia afetiva

    me-filho. Ex: compartilhamento afetivo impossvelme depressiva, sintonia seletiva um dos genitorestenta moldar as experincias afetivas da criana dentro das necessidades parental. M sintonia e regulaesinadequadastentativas implcitas de modificar o comportamento do beb. A falta de sintonia do terapeutamantm erguidas as defesas do paciente, redobra as feridas narcsicas e impede o Self de se desenvolver ede se construir.

    4. Continuum da linguagem verbal e o vnculo discursivo quando se fala, concentra-se nosestados subjetivos, ns os objetivamos por meio da linguagem, e o compartilhamos. Comea a emergirquando o beb chega aos 15 meses. As experincias de corpo subjetivo e as experincias emocionaissubjetivas s podem ser compreendidas parcialmente por meio da linguagem verbal, que um processo deobjetificao.

    Segundo Winnicott, o relacionamento entre o menino ou a menina e suas prprias organizaes

    psquicas internas se modificam de acordo com as expectativas apresentadas pelo pai e pela me e poraqueles que se tornaram importantes na vida externa do indivduo. So o S elf e a vida do Self que,sozinhos, fazem sentido da ao ou do viver desde o ponto de vista do indivduo que cresceu at ali e estcontinuando a crescer, da dependncia e da imaturidade para a independncia e a capacidade de identificar-se com objetos amorosos maduros. Um Self total implica uma diferenciao entre eu e no-eu numacrescente integrao, at permitir uma imagem unificada de si mesmo e do mundo exterior. Isso acontece a

    partir de um ambiente suficientemente bom que possibilite o desenvolvimento das potencialidades de um

    Self rudimentar que j existe desde o nascimento, embora de forma extremamente frgil. Nos casos em quefalha a funo materna de integrar as sensaes corporais do beb, os estmulos ambientais e o despertar desuas capacidades motoras, a criana sente sua continuidade existencial (ser) ameaada e procura substituira proteo que lhe falta por outra, fabricada por ela.

    Inicialmente a criana precisa idealizar a me ou o cuidador(a), que exerce a funo de atender necessidade fundamental do beb de sentir-se amparado e seguro. Mas como humanos a me ou ocuidador(a) falham no atendimento a alguma necessidade bsica. Se estas falhas acontecerem de acordocom a capacidade maturacional do aparelho psquico sero chamadas de falhas ideais. So falhas que

    contriburam para o amadurecimento psquico do beb, transformando a funo antes exercida pela me oucuidador(a) em uma estrutura prpria capaz de assistir a si mesmo.

    Quando existem falhas traumticas, possibilitando uma desidealizao abrupta, o Self no pode ir seestruturando gradualmente, o aparelho psquico ao invs de desidealizar a me ou cuidador(a) que falhouabruptamente, o mantm internalizado de forma idealizada. A desidealizao abrupta promoveria ainternalizao de um objeto idealizado, reprimido para o inconsciente, contribuindo para a formao de um

    superego rgido e punitivo. entre o eu e o no-eu que surgir a noo de um espao que no seja s presena, mas ausncia

    vazio. Se houveram experincias satisfatrias nas etapas anteriores, a criana poder dispor de umrepertrio imaginativo, composto pelas formas sensoriais que lhe deram sentidos de Self. esse repertorioque poder ser utilizado pelo individuo para habitar, imaginativamente, o espao vazio existente entre ele ea me. Nesse momento do desenvolvimento aparece um conflito, a criana oscila entre a busca do corpomaterno e a curiosidade em relao ao mundo. Isso fascina e aterroriza ao mesmo tempo. A crianaexperimenta nesse momento maturacional o afastar e o aproximar-se da me, como um treinamento parasua individualizao. A criana de posse de um corpo que foi significado pela presena do outro, a crianadispe de vida imaginativa, que lhe possibilita ocupar o vazio da ausncia do outro com sua capacidade desonhar (SAFRA).

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    Lowen descreve a pessoa que carece de um senso seguro de Self como algum que se agarra prpria imagem idealizada, grandiosa. Essa grandiosidade pode ser negativa, isto , grandiosamente ruimou denegrida. Como perde o senso do prprio corpo, perde o senso de quem realmente .

    REFERNCIAS:GANDRA, M. I. S. e FARIAS, M. A.A importncia do Apego no Processo de

    Desenvolvimento

    disponvel em:http://www.brazilpednews.org.br/dec2000/bnp0026.htm acesso em:26/03/09LOWEN, A. Narcisismo. A Negao do Verdadeiro Self. 1983 S Paulo, Cultrix.LOWEN, A. Alegria: a entrega ao corpo e vida. (1997) So Paulo, Summus.SAFRA, GA face esttica do Self So Paulo, 2005 Ed Idias e LetrasTONELLA, G.Bioenergetic Analysis, vol II, n2, 2000-P.25-43WEIGAND, O.A construo do Self saudvelA teoria do Apego em dilogo com outras

    abordagensdisponvel em: http://www.ligare.psc.br/ acesso em:26/03/09WINNICOTT, D W. - O brincar e a realidade. R Janeiro, Imago, 1971.*Cristina Piauhy: Psicloga, Analista Bioenergtica, membro do Instituto Internacional de Anlise

    Bioenergtica (IIBA), Diretora de Comunicao da Federao Latino Americana de Anlise Bioenergtica

    (FLAAB), Treinadora Local e supervisora da Sociedade de Anlise Bioenergtica da Bahia (SABBA),Especialista em Psicologia Clnica, Arteterapia, e em Terapia Sistmica de casal e famlia.

    e-mail: [email protected]